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Guia de Agrofloresta Na Mata Atlântica - 2021
Guia de Agrofloresta Na Mata Atlântica - 2021
Guia de Agrofloresta Na Mata Atlântica - 2021
na Mata Atlântica
Experiências em Mosaicos de
Unidade de Conservação
Expediente
Agroicone MDPS
Margareth Nascimento
(mapas)
Este guia é uma iniciativa do projeto Sistemas
Agroflorestais na Mata Atlântica (SiAMA), executado
pela Agroicone em parceria com a Iniciativa Verde e
o Movimento em Defesa de Porto Seguro (MDPS). O
objetivo do SiAMA é promover incentivos técnicos e
institucionais para a adoção de SAFs na Mata Atlântica
por meio de três frentes de atuação:
Vários autores.
Bibliografia
ISBN 978-85-5655-009-5
21-80801 CDD-630.275
Índices para catálogo sistemático:
4. Lagamar 25
4.1 Histórico e características da região 25
4.2 Principais modelos de SAFs 27
4.3 A cultura da juçara 29
4.4 Relato de experiência 30
6. Questões Legais 37
6.1 Legislações federais 37
61.1 A Lei de Proteção da Vegetação Nativa (12.651/2012), conhecida como Novo Código Florestal 37
6.1.2 A Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006) 38
6.1.3 O Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (Lei 9.985/2000) 38
6.2 Estado da Bahia 39
6.3 Estado do Rio de Janeiro 40
6.4 Estados de São Paulo e do Paraná 42
Referência Bibliográficas 46
Apresentação
A prática dos Sistemas Agroflorestais (SAFs) na Mata Atlântica brasileira tem ganhado
escala e reconhecimento nas últimas décadas, tanto como um sistema de produção
agropecuária quanto para restauração ecológica e recuperação de áreas degradadas.
Esse modelo, que vem sendo praticado há milhares de anos por comunidades
tradicionais, povos indígenas e pela agricultura familiar, tem despertado a atenção
de técnicos, pesquisadores e interessados nos benefícios ambientais, sociais e
econômicos desses sistemas e suas diferentes possibilidades de interações entre
humanos, componentes vegetais e animais.
Este guia está dividido em três partes principais, sendo que a primeira concentra-se
em descrever os benefícios e vantagens do SAFs, explorando conceitos amplos sobre
o que são esses sistemas e justificativas para sua implantação na Mata Atlântica.
Esperamos que este guia possa servir como ferramenta de apoio e para estimular
novas iniciativas de agroflorestas na Mata Atlântica brasileira. Acreditamos no grande
potencial dos SAFs para gerar desenvolvimento local ao mesmo tempo em que
contribuem para captar carbono, conservar biodiversidade e recursos hídricos. O
mundo precisa e aqui mostramos como é possível fazer.
Boa leitura!
A perda das florestas está associada à ocupação histórica desse território desde a chegada
de europeus, quando teve início a exploração madeireira, a agricultura monocultora
e, mais recentemente, a expansão da urbanização e infraestrutura. Nesse contexto, os
Mosaicos de Unidades de Conservação são fundamentais para a conservação biológica
do bioma, considerando sua função primordial de conexão entre áreas protegidas no
território e importância para a manutenção dos corredores ecológicos.
Nesse sentido, a agrofloresta é uma boa alternativa para aliar conservação com
produção e geração de renda, podendo ser um vetor de desenvolvimento sustentável.
7
1.1 Agrofloresta e a mudança da paisagem produtiva que
conhecemos
Quando as práticas mudam em interação com o entorno, muda também o território.
A maneira como o território é apropriado e transformado define a forma e intensidade
com que os seus recursos e a oferta ambiental são utilizados.
Não estamos falando apenas de uma mudança na direção de uma agricultura mais
regenerativa, mas também de uma mudança que nos mostra que é preciso pensar no
solo como o maior ativo produtivo que possuímos.
O que faz com que os SAFs sejam considerados uma alternativa viável é justamente
o aumento da diversidade e o consórcio com plantas perenes, que reduz muito o
manejo intensivo do solo e o uso de insumos químicos.
Estas são práticas muito antigas, mas apenas há pouco tempo que se começou a
haver mais sistematização sobre o manejo e a modelagem econômica de sistemas
regenerativos. Mas por que a agrofloresta ainda não é tão praticada?
Na agrofloresta, mais
importante que os insumos
são os processos de produção e
manejo, e a monocultura perde
seu espaço para a policultura e
para a biodiversidade.
8
Os SAFs utilizam técnicas de consorciação de espécies arbóreas e/ou arbustivas
com culturas agrícolas e/ou animais em uma mesma área, de forma simultânea ou
escalonada ao longo do tempo (NAIR, 1993).
Nesse contexto, os SAFs são centrais para a restauração em escala de paisagem para
integrar agenda de desenvolvimento local, alinhando, assim, produção agrícola e
exploração florestal a serviços ecossistêmicos para mitigação climática, biodiversidade
e recursos hídricos, entre outros (AGROICONE, 2021).
Itapebi
16°0'0"S
Belmonte
Itagimirim
Minas Gerais
Guaratinga
Porto Seguro
Itabela
17°0'0"S
Itamaraju
Itanhém Prado
Vereda
Medeiros Neto
Teixeira de Freitas
Alcobaça
Lajedão
Nova Viçosa
´
18°0'0"S
Mucuri 0 20 40 80
Quilômetros
Espírito Santo
40°30'0"W 39°0'0"W 37°30'0"W
Legenda
Datum SIRGAS 2000
Limite Estadual Limite Municipal Municípios Envolvidos Rios
Sistema de Coordenada Geográfica
Unidade de Conservação de Proteção Integral Unidade de Conservação de Uso Sustentável Base Cartográfica IBGE e MMA
10
A exploração das florestas nativas da região não foi
devidamente planejada, e, nesse cenário de transformações, os cultivos
o sistema cacau cabruca contribuiu e contribui para a agroflorestais e
preservação dos fragmentos florestais. Nas últimas três outras atividades
décadas a busca de terras e novas alternativas econômicas
são permeados
foram intensificadas pela crise do cacau, que somada à
efervescência dos grandes projetos de turismo, acirraram por fragmentos
os conflitos por terras (CERQUEIRA NETO, 2012) e a pressão em diferentes
sobre a floresta. Apesar da acentuada degradação, a estágios de sucessão
necessidade de proteger os remanescentes florestais e as ecológica, formando
mais ricas formações coralíneas do Atlântico Sul levou à “Mosaicos Florestais
criação de Unidades de Conservação, protegendo uma área
Sustentáveis”
de aproximadamente 334 mil hectares.
que apresentam
Para efetivar as ações integradas de conservação, a proposta produtividade com
do Mosaico de Áreas Protegidas do Extremo Sul da Bahia menor impacto
(MAPES) vem sendo construída desde 2004, quando foram nos ecossistemas
realizadas oficinas para definição de atores, objetivos e florestais e são fruto
abrangência. A consolidação do MAPES torna-se ainda
da integração do
mais relevante. Reconhecido oficialmente apenas em 2010
pelo Ministério do Meio Ambiente, por meio da Portaria planejamento e de
nº 492 em 17 de dezembro de 2010, conforme as diretrizes esforços na escala
da Lei do SNUC pela Lei 9.985 de 18 de julho de 2000. O regional.
Conselho do Mosaico (COMAPES) é uma instância de gestão
territorial participativa fundamental para a conservação da
sociobiodiversidade. Em 2013, o conselho determinou os novos limites do Mosaico,
com uma Zona de Amortecimento formada pelas bacias hidrográficas dos rios que o
atravessam e uma zona núcleo, composta pelas principais áreas protegidas.
Um estudo recente (Econamfi, 2020) nos municípios que compõem o MAPES e seu
entorno mostra que a estrutura fundiária da região do MAPES é caracterizada por
48% de minifúndios, e uma população com consideráveis níveis de vulnerabilidade
social devido a fatores que variam desde escolaridade, emprego e renda. Estudos
sobre a cadeia produtiva da restauração da vegetação nativa trazem indicadores
favoráveis à estruturação de negócios relacionados aos recursos naturais, envolvendo
pessoas fornecedoras, prestadoras de serviços, fomentadoras e atores envolvidos na
governança. Nesse sentido, reforça-se a importância das ações de instituições do
terceiro setor (ONGs, por exemplo) (Econamfi, 2020).
SAF Cacau: que se destaca por ser um dos sistemas agroflorestais que mais preserva
a floresta atlântica regional (SAF Cacau cabruca), assim como pela facilidade de
comercialização da produção (commodity). Os novos SAFs Cacau são implantados
em áreas degradadas onde o componente arbóreo é o primeiro a ser introduzido, e
posteriormente, após formação do ambiente de sombra (dossel), é plantado o cacau. 12
SAF madeireiro: produção de madeira, principalmente de eucalipto e/ou madeiras
nobres para fins diversos (normalmente conciliados com cultivos agrícolas na fase
inicial). Esse modelo já foi testado na região do MAPES com sucesso, utilizando várias
culturas agrícolas no momento inicial de plantio de eucalipto. Este SAF de produção
madeireira somente pode ser aplicado fora das áreas de preservação permanente,
onde não é legalmente possível a extração de madeira.
Destacamos que o sul da Bahia, incluindo a região do MAPES, é uma das principais
áreas produtoras de cacau do Brasil (maior parte da produção é proveniente do
SAF Cacau cabruca, onde essas áreas de cultivo chegam a 700 mil hectares e estão
estabelecidas dentro do Corredor Central da Mata Atlântica, área de alto grau de
endemismo e riqueza de espécies, atualmente prejudicada pelo contínuo processo
de fragmentação florestal (LOBÃO et al., 2012; MONROE et al., 2016). A introdução de
sistemas agroflorestais com base na produção do cacau (Theobroma cacao) mostra-
se como uma alternativa econômica, ambiental e social para o aumento da cobertura
vegetal na região do MAPES (ANDRADE et al., 2020).
O consórcio, principalmente na
fase inicial, com culturas agrícolas
de ciclo curto, como feijão, milho,
abóbora, entre outras, é uma exce-
lente alternativa que pode ser apli-
cada praticamente em todos os dese-
nhos de SAFs a serem implantados na
região do MAPES.
13
2.3 A cultura do cacau “cabruca”
14
2.4 Relato de experiência
Foto 1 e 2. Seu Luiz (primeiro à esquerda de camisa laranja); SAF Cacau, um fragmento de
floresta atlântica que produz os frutos dourados. Fonte: Danilo Sette – arquivo pessoal.
15
3. Mosaico Central Fluminense
Tomaz Lanza
22°0'0"S
Sapucaia
Macaé
Teresópolis Nova Friburgo
Paty do Alferes
Petrópolis
Casimiro de Abreu
Miguel Pereira Cachoeiras de Macacu
Silva Jardim
Guapimirim
Magé
Nova Iguaçu
Duque de Caxias
Oceano Atlântico
Japeri
Rio Bonito
Itaboraí
Tanguá
São Gonçalo
23°0'0"S
0 10 20 40
43°30'0"W 42°0'0"W
Legenda
Datum SIRGAS 2000
Limite Estadual Limite Municipal Municípios Envolvidos Rios
Sistema de Coordenada Geográfica
Unidade de Conservação de Proteção Integral Unidade de Conservação de Uso Sustentável Base Cartográfica IBGE e MMA
O MCF é composto atualmente por 29 UCs, totalizando 295,723 mil hectares e abran-
gendo nove municípios: Nova Iguaçu, Miguel Pereira, Duque de Caxias, Petrópolis,
Magé, Guapimirim, São José do Vale do Rio Preto, Cachoeira de Macacu e Nova Fri-
burgo.
16
A extensão do MCF e seu gradiente de altitude varia desde o nível do mar até 2.316
m (PE dos Três Picos), com diferentes relevos, graus de ocupação humana e usos da
terra, conferindo assim uma grande variedade de ambientes e de paisagens e um alto
índice de biodiversidade. (COSTA et al., 2010).
Foto 3. Agrovila Pé no Chão, S. José do Vale do Rio Preto (RJ). Fonte: Junta Local.
18
Pode ser um sistema mecanizado e irrigado ou não, podendo ser instalado nos mais
diversos ambientes e relevos. A lógica é que o produtor possa optar por manter o
sistema por meio de podas para priorizar as espécies agrícolas mais exigentes em
sol, ou então com o sombreamento da área deixar a regeneração e o processo de
restauração ecológica evoluir.
É um sistema que pode ser concebido nesse formato desde o início, ou adaptado a
hortas e roçados já existentes, permitindo a inserção de produtos em diferentes nichos
de mercado ao longo do tempo, além de um incremento contínuo na fertilidade do
solo e produtividade global da área.
Normalmente estático, tem como objetivo principal proteger áreas declivosas de pro-
cessos erosivos. Devido às restrições legais de manejo associadas às áreas de APP,
recomenda-se a utilização de espécies nativas e a realização de um manejo pontual e
menos intensivo.
Deve ser bem planejado para no período de florada haver maior entrada de luz na
área, podendo ser realizada por meio de podas ou utilização de espécies com copa
mais aberta ou que percam as folhas parcialmente em período equivalente. Pode ser
irrigado e mecanizado, a depender da disponibilidade de recursos do produtor ou
produtora, assim como das características locais de relevo e acesso.
Como pode ser observado, os modelos acima descritos visam aliar a recuperação de
áreas degradadas e/ou protegidas (RL e APP) com a produção de culturas que apre-
sentem mercado consolidado na região, como é o caso das olerícolas, frutíferas e
produtos de origem animal, como leite e seus derivados.
Cabe destacar que, devido à heterogeneidade regional, a adoção dos sistemas reco-
mendados deve levar em consideração as particularidades ambientais e socioeconô-
micas de cada produtor ou produtora, assim como os objetivos da atividade e carac-
terísticas da propriedade (tamanho, relevo, clima, acessibilidade etc.)
20
3.3 A cultura da mandioca
Vale ressaltar que o conceito atual de horticultura é mais amplo do que apenas o cultivo
de hortaliças e/ou olerícolas, mas sim uma ciência que engloba também a produção
de frutíferas, plantas ornamentais, plantas medicinais, aromáticas e condimentares.
De acordo com o relatório realizado pela Agroicone (2020), nos municípios do MCF,
dos 62 cultivos registrados na região, os mais representativos são: alface (13% da área
total plantada), mandioca (11%), laranja (9%) e café (6%). Tendo em vista a possibilidade
de produção de baixo custo, com a versatilidade das principais culturas regionais,
sugere-se que a mandioca (Manihot esculenta) seja a cultura carro-chefe indicada
para cultivo e beneficiamento em diversos modelos propostos de SAF para as regiões
inseridas no MCF.
Segundo Figueiredo et al. (2007) a cultura possui aptidão para diferentes regiões
do estado do Rio de Janeiro, principalmente aqueles municípios que apresentam
temperaturas médias anuais superiores a 19ºC. Apesar dos riscos associados às regiões
com temperaturas mais baixas inseridas no MCF, a gama de variedades existentes nas
comunidades rurais e assentamentos da região possibilitam o pleno estabelecimento
da cultura, seja em propriedades pequenas, médias ou grandes.
Para incorporação da
mandioca nos SAF é
fundamental que o arranjo
espacial e os consórcios
estabelecidos não
interfiram negativamente
na produtividade da
Por ser um produto com alta perecibilidade após a colheita, trata-se de uma cultura
estratégica para a produção familiar, já que pode ser “armazenada” abaixo do solo até
o momento da comercialização (deve-se atentar para não passar muito do tempo, se
não há perda de qualidade), diferentemente da maioria das olerícolas, frutas e grãos,
que após atingida a maturação devem ser colhidos. Acrescido a isso, a mandioca é
uma cultura que apresenta baixa demanda de insumos e pouca suscetibilidade a
pragas e doenças, o que a torna mais fácil de ser cultivada em sistemas orgânicos
e/ou agroecológicos, aumentando a lucratividade do produtor e possibilitando sua
inserção em mercados diferenciados. 22
Cabe destacar que a cultura da mandioca apresenta condições favoráveis para meca-
nização, o que a torna um cultivo de bom potencial em média/larga escala. A mesma
pode ser cultivada inicialmente solteira e posteriormente incorporada a outras cultu-
ras na área, o que possibilita seu pleno desenvolvimento em sistemas consorciados e
SAF nos mais diferentes arranjos e modelos.
A comunidade trabalha com diversos tipos de SAF, com destaque para a produção e
comercialização de banana, café, mandioca e pupunha, produzidos e comercializados 23
praticamente o ano inteiro. De forma mais sazonal, abacate, abacaxi, cajá, jaca,
juçara, cacau, acerola, jambo, amora, frutas nativas, entre muitas outras culturas.
Há também áreas antigas que vêm sendo manejadas atualmente, e aquelas onde o
foco está na conservação ambiental de áreas de APP (encostas, nascentes, topos de
morros, margens de rios etc.). Atualmente a AFOJO conta com a certificação orgânica
(OCS e SPG) de seus produtos, e comercializa na Feira Orgânica e Agroecológica de
Guapimirim, na Feira Orgânica de Teresópolis, entrega cestas em Guapimirim, Niterói
e Rio de Janeiro, e recentemente acessou o PNAE, mas ainda em 2021 a AFOJO perdeu
esse importante canal de comercialização institucional.
24
4. Lagamar
Aline Gomes, Marina Vieira e
Roberto Resende
24°0'0"S
Tapiraí
São Paulo
Pedro de Toledo
Juquiá Miracatu
Sete Barras ItaririPeruíbe
Pariquera-Açu
CajatiJacupiranga
25°0'0"S
Barra do Turvo
Cananéia
Antonina
Quatro Barras
Piraquara
Morretes Paranaguá
Pontal do Paraná
São José dos Pinhais
´
Guaratuba
0 20 40 80
Tijucas do Sul
26°0'0"S
Quilômetros
A região do Lagamar, localizada ao sul do estado de São Paulo, no Vale do Rio Ribeira
de Iguape, e no norte do Paraná, é considerada o maior trecho contínuo de Mata
Atlântica no país. Devido a sua importância para a conservação da biodiversidade
foram criadas diversas áreas protegidas desde os anos 1950. Nessa época foram criados
os Parques Estaduais Turístico do Alto Ribeira – PETAR (1958), Ilha do Cardoso – PEIC
(1962) e Jacupiranga – PEJ (1969),
Nos anos 1980 houve um aumento das políticas de proteção ambiental pelos estados
do Paraná e São Paulo, com a criação de várias Unidades de Conservação. Também
houve o reconhecimento internacional, com a declaração pela Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) da região como um
Núcleo de Reserva da Biosfera da Mata Atlântica em 1991.
25
Esse processo de criação de áreas protegidas e o aumento da aplicação da legislação
de controle ambiental implicaram vários conflitos com as comunidades locais, além
dos problemas fundiários.
Um exemplo foi a delimitação do PEJ, que não levou em consideração as áreas onde
já havia ocupação humana, de comunidades tradicionais como as quilombolas, de
famílias de agricultores e terras de fazendeiros, tornando-as áreas protegidas de uso
proibido, tanto para subsistência quanto para atividades econômicas.
Foto 6. SAF e RDS Barrreiro, Barra do Turvo (SP). Foto: Roberto Resende.
27
A demanda por alimentos saudáveis e que agregam valores sociais e culturais é
crescente. O mercado de alimentos e outros produtos está cada vez mais receptivo a
novos sabores e receitas, principalmente ao se utilizar produtos que contribuam para
a manutenção da Mata Atlântica e das comunidades que lá habitam.
28
4.3 A cultura da juçara
Por tolerar bem a umidade, também tem papel importante na vegetação de áreas
inundáveis, como margens de rios, colaborando para evitar o assoreamento e preservar
a qualidade das águas (MARTINS; SOUZA, 2009).
A exploração sem planejamento do palmito colocou a espécie em risco, uma vez que a
palmeira não se reproduz por brotação, apenas por sementes, e demora até dez anos
para maturação. Essa exploração predatória da juçara tem impacto negativo sobre as
muitas espécies da fauna local que dependem dela para alimentação.
Esse tipo de manejo significa uma renda maior e sustentável, comparado com o
corte da palmeira para a produção de palmito. Em geral, a renda de cada safra de
frutos, que pode ser repetida muitos anos, é a mesma do corte do palmito, feito
apenas uma vez.
Ainda é preciso resolver alguns gargalos para expandir essa atividade. Como é uma
produção de alimentos, é preciso observar as normas específicas para atender padrões
para beneficiamento, embalagem e rotulagem.
O mercado que envolve esse produto precisa ser desenvolvido para que, assim, ele
seja identificado como um produto da Mata Atlântica.
Foto 7 e 8. sr. Gilberto Ohta e os frutos da Juçara; SAF na propriedade do sr. Gilberto.
Gilberto Ohta de Oliveira, 61, Sete Barras (SP): “Comecei o SAF entre 1999 e 2000. A
gente fez um trabalho com vários agricultores, meus amigos, trouxemos o Ernst
[Gotsch], que é o papa da agrofloresta. Nós já estávamos procurando um modelo para
mudar a agricultura. Porque na verdade o que aconteceu com o Guapiruvu, nossa
comunidade aqui, é que teve uma bonança econômica muito grande na década de
1980-1990 com a retirada de carvão e madeira, colheita do palmito e agricultura. E era
30
uma agricultura totalmente exploratória, com uso de agrotóxico exagerado, usando a
beira do rio, cometendo equívocos de monte, causando erosão e o caramba a quatro.
Aqui chegou a ter quatro madeireiras. Eu cheguei a fazer carvão também, eu com
meu pai.
No meio da década de 1990 pro final ele começa a ter uma decadência econômica
muito grande com as leis ambientais que dificultaram o uso dos recursos da floresta,
e pelas doenças que vieram nas culturas – banana, gengibre – por causa do uso indis-
criminado de agrotóxico e por uma área fértil muito pequena. Nessa premissa, o que
ocorre: nós tínhamos que buscar outras saídas, porque também gerou um problema
social muito grande aqui, inclusive com nossos jovens indo embora, as famílias indo
embora...
A gente teve apoio de uma ONG chamada Vitae Civilis, eu sou muito grato por ter
aprendido com eles, com os técnicos, com a visão de mundo deles, apesar de que eu
já vinha mudando minha forma de agir antes deles chegarem aqui. Enfim, a motiva-
ção nossa foi esse problema, os impactos inerentes a um modelo de desenvolvimento
equivocado, e isso fez com que nós procurássemos um outro modelo de agricultura.
E aí você também tem um problema que é a sua família; porque você optar por um
outro paradigma que não é o de competição, acumulação e consumo, você tem que
ter muito discurso, muito argumento. E o mais difícil foi mudar mesmo o modelo, do
ponto de vista cultural.
Minha terra melhorou totalmente. Eu vivo num paraíso, não posso reclamar de jeito
nenhum. Enquanto o mundo inteiro está reclamando de chuva, de calor, eu tô aqui no
meu sítio com chuva, totalmente contemplado.
31
5. Listas de espécies de
importância econômica para os
SAFs na Mata Atlântica
5.1 Na Bahia
Família
Nome popular Nome científico Usos
botânica
Arecaceae
Açaí Euterpe oleracea Mart. Al, Fn
Schultz Sch.
Copaifera lucens
Copaíba Fabaceae Lindl. Md, Ma, Ap
Dwyer
Handroanthus
Bignoniaceae
Ipê-amarelo serratifolius (Vahl) Md, Ma, Ap, Or
Juss.
S.Grose
32
Família
Nome popular Nome científico Usos
botânica
Diplotropis incexis
Sucupira Fabaceae Lindl. Ma, Ap, Or
Rizzini & A.Mattos
Paubrasilia echinata
Pau-brasil (Lam.) Gagnon, Fabaceae Lindl. Md, Ma, Or
H.C.Lima & G.P.Lewis
Arecaceae
Piaçava Attalea funifera Mart. Fi, Fn
Schultz Sch.
Peltogyne angustifolia
Roxinho Fabaceae Lindl. Ma, Or
Ducke
33
5.2 No Rio de Janeiro
Tomaz R. Lanza
Nome Família
Nome científico Usos
popular botânica
Maracujá
Passiflora edulis Sims PASSIFLORACEAE Al, Md, Fn, Ap
Azedo
34
Nome Família
Nome científico Usos
popular botânica
Maracujá
Passiflora alata Curtis PASSIFLORACEAE Al, Md, Fn, Ap
Doce
Sangra
Croton urucurana Euphorbiaceae Ap, Ec, Md
d'agua
36
6. Questões Legais
6.1 Legislações federais
Roberto Resende
37
6.1.2 A Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006)
Trata de áreas protegidas de maior extensão, que podem ser de propriedade pública
ou privadas. São dois tipos principais:
● Proteção Integral – Parques e Estações Ecológicas, com terras públicas e sem
uso econômico direto.
● Uso Sustentável – Áreas de Proteção Ambiental (APAs), Reservas de
Desenvolvimento Sustentável (RDS), com áreas privadas ou comunitárias, e
com previsão de uso e atividades econômicas incluindo a agricultura.
• Para todos os tipos de imóveis: nas APPs podem ser feitos o cultivo intercalar
nos primeiros anos, o manejo de poda e a introdução de espécies arbóreas
frutíferas junto com espécies nativas da região. Porém, é proibido o corte raso
de madeiras. Apenas é permitida a retirada de produtos como frutas, folhas
e sementes (chamados de produtos não madeireiros). No caso das Reservas
Legais, o plantio e o corte de madeiras são permitidos dependendo de
autorização e do projeto de manejo feito junto com a adequação ambiental
da propriedade.
38
b. Para o manejo da Mata Atlântica
A lei também considera como uma atividade de interesse social quando os
agricultores familiares implantam e manejam os SAFs em áreas de capoeiras
finas ou médias (descritas na lei como estágios inicial ou médio de regeneração).
Nesses casos, também deve haver o cuidado com a função ambiental, mantendo as
espécies nativas, a conservação do solo e evitando o uso do fogo e dos agrotóxicos.
Assim, tem-se ao mesmo tempo a função ambiental, a social e a econômica do uso
dessas áreas. No caso do plantio de espécies nativas da Mata Atlântica, deve ser
feito um cadastro no órgão ambiental para legalizar a exploração posterior desses
produtos.
O Estado da Bahia busca por meio do Projeto de Lei n° 21.916/2016 instituir a sua
Política Estadual de Produção Agroecológica; entretanto, outras legislações estaduais
incentivam tanto de maneira direta quanto indireta a adoção de práticas agrícolas de
40
Nos casos em que exista vegetação nativa remanescente em estágio inicial ou médio
na Reserva Legal da pequena propriedade ou posse rural familiar, esta poderá ser
manejada conforme procedimento estabelecido na Resolução INEA n° 124, de 21 de
setembro de 2015.
41
6.4 Estados de São Paulo e do Paraná
Roberto Resende
Para a região do Lagamar devem ser consideradas as normas dos estados de São
Paulo e do Paraná. Em todos os casos é necessário o Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Em São Paulo a principal norma aplicável aos sistemas agroflorestais é a Resolução
SMA 189/2019, que trata da exploração sustentável de espécies nativas, abordando os
SAFs em áreas protegidas. Ela consolida a aplicação das várias normas pertinentes,
como o Código Florestal, a Lei da Mata Atlântica e o SNUC.
Requisito
Modalidade Definição Situação Art junto ao órgão
ambiental
Exploração de
Autorização com
espécies pioneiras
6º Plano de Manejo
com grande
Sustentável
densidade
Exploração para
Comunicação
consumo próprio 7º
Prévia
imóvel
Não depende
Fora de APP e R 9º de licença ou
comunicação
Autorização com
Plantio e Em RL 10 Plano de Manejo
exploração Sustentável
sustentável
Intervenção na
de espécies
vegetação de
nativas, Declaração no
reflorestamento
consorciadas CAR
ou não com
exóticas, Em RL e APP
para AFs e
PCTs, conforme 12 Autorização
indicadores mediante
(Anexo V) cadastro para
exploração
madeireira na
APP
42
Requisito
Modalidade Definição Situação Art junto ao órgão
ambiental
Plantio e Plantio de
exploração espécies nativas Depende de
seletiva de na vegetação autorização Cadastro de
indivíduos secundária nos para o corte 16 Plantio ou
plantados em estágios médio dos indivíduos Reflorestamento
área de vegetação e avançado de plantados
natural regeneração
AFs – Agricultores Familiares, conforme Lei 11.326/2006; PCTs – Povos e Comunidades Tradicionais
conforme Decreto 6.040/2007
No Paraná não existe uma norma específica para Sistemas Agroflorestais em áreas
protegidas (como RLs e APPs) ou com uso de espécies nativas. Duas Portarias do
órgão ambiental estadual, o Instituto Água e Terra (IAT) trazem algumas referências:
Em dia com a natureza: manual para projetos de recuperação nativa. Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Disponível em: https://
ecokidsecoteens.mpba.mp.br/wp-content/uploads/2021/08/manual-ibama-v2_6_3.pdf
Manual para pequenos viveiros florestais. Iniciativa Verde. Disponível em: https://
iniciativaverde.org.br/preview/114/publication
45
Referência Bibliográficas
AGROICONE. Análise Econômica da Cadeia Produtiva da Recuperação da Vegetação:
oportunidades para financiamento da recuperação em escala de paisagem na Mata Atlântica.
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