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Aventura Espacial: Um Jogo Sério de Interface Adaptativa para Crianças e Jovens Com Transtorno Do Espectro Autista

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R. de Almeida Rodrigues, F. M. Mendes Neto, K. R. do Amaral Demoly and L. D.

Costa Ferreira, “Aventura Espacial: Um Jogo Séri o de Interface


Adaptativa para Crianças e Jovens com Transtorno do Espectro Autista,” pp. 73-82

Aventura Espacial: Um Jogo Sério de


Interface Adaptativa para Crianças e
Jovens com Transtorno do Espectro
Autista
Aventura Espacial: A Serious Game of Adaptive Interface
for Children and Young People with Autistic Spectrum
Disorder

Rafael de Almeida Rodrigues1, Francisco Milton Mendes Neto 1, Karla Rosane do


Amaral Demoly1, Laryssa Dayanna Costa Ferreira 1
1
Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Mossoró, Brasil.

rafael_allx@hotmail.com, m iltonmendes@ufersa.edu.br, karla.demoly@ufersa.edu.br, laryssadayanna00@hotmail.com

Recibido: 19/12/2019 | Corregido: 02/08/2020 | Aceptado: 15/08/2020

Cita sugerida: R. de Almeida Rodrigues, F. M. Mendes Neto, K. R. do Amaral Demoly and L. D. Costa Ferreira, “Aventura
Espacial: Um Jogo Sério de Interface Adaptativa para Crianças e Jovens com Transtorno do Espectro Autista,” Revista
Iberoamericana de Tecnología en Educación y Educación en Tecnología, no. 27, pp.73-82, 2020. doi:
10.24215/18509959.27.e8

Esta obra se distribuye bajo Licencia Creative Commons CC-BY-NC 4.0

Resumo Palavras-chave: Transtorno do espectro autista; Jogo


sério; Cognição; Interação; Saúde mental.
Este artigo apresenta o desenvolvimento e a aplicação de
um jogo sério de interface adaptativa para crianças e
Abstract
jovens com transtorno do espectro autista, chamado de
This paper presents the development and application of a
Aventura Espacial. A construção do jogo decorre de
serious adaptive interface game for children and young
estudos sobre o autismo e de uma experiência direta de
people with autism spectrum disorder called Space
interação com jovens autistas, em um ambiente equipado
Adventure. The construction of the game stems from
com jogos informáticos. A pesquisa busca responder à
studies on autism, and from a direct experience of
questão sobre como desenvolver um jogo que interage
interacting with young autism in an environment equipped
com as condutas recorrentes de sujeitos autistas no
with computer games. The research answers the question
contexto da saúde mental. Através do perfil dos jovens e
about how to develop a game that interacts with recurrent
de suas experiências ao jogarem, o jogo Aventura Espacial
actions of autistic individuals in the context of mental
possibilita que a interface e os desafios se modifiquem, de
health. Through the profile of young people and playing
modo a atender as necessidades dos jogadores. Pudemos
experiences, the Space Adventure game enables the
compreender que, ao convidar o jogador para uma
interface and challenges to change to meet the needs of the
experiência de interação social com os outros e com as
players. We could understand that by inviting the player to
circunstâncias do meio, o jogo, projetado a partir de uma
social experience with others, the game favors the players
ontologia que acompanhou as ações dos jovens autistas
to exercise the different ways of playing. The serious
participantes, favorece que os jogadores exercitem as
game was designed from an ontology that contemplates
diferentes formas de funcionamento da atenção com os
the actions of young autistic participants. Attention to the
desafios e sugestões que oferece, ao mesmo tempo em que
challenges and suggestions it offers, while allowing the
possibilita ao profissional da saúde mental acompanhar o
mental health professional to follow the path of its
percurso de sua realização por cada sujeito.
accomplishment by each subject.

Revista Iberoamericana de Tecnología en Educación y Educación en Tecnología N°27 | ISSN 1850-9959 | Julio-Diciembre 2020 |
Universidad Nacional de La Plata - Facultad de Informática- Secretaría de Postgrado 73
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Keywords: Autism spectrum disorder; Serious game; andamento desde o ano de 2012, chamado “Oficinando
Cognition; Interaction; Mental health. em Rede”. As atividades do programa iniciaram no Centro
de Atenção Psicossocial da Infância e da Adolescência
(CAPSi) de Mossoró. O programa Oficinando em Rede de
1. Introdução Mossoró articula projetos de extensão, pesquisa e ensino,
em parceria com as comunidades e os serviços de saúde
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado mental de Mossoró/RN e cidades circunvizinhas. O
por déficits persistentes na capacidade de iniciar e denominador comum desses projetos é a experimentação
sustentar a interação social e a comunicação social [1]. de diferentes linguagens – jogos informáticos, pintura,
Georges Canguilhem, com sua obra intitulada “Le normal teatro, cirandas, brincadeiras e tecnologias da informação
et le pathologique”, permite a problematização das formas e da comunicação no campo da saúde mental, em
de percepção dos sujeitos nas sociedades [2]. O cientista ambientes que atendem crianças, jovens e adultos que
orientou Gilbert Simondon [3], que estudou a vivem diferentes circunstâncias de sofrimento psíquico
transformação e individualização dos objetos técnicos, [6].
relacionando-os à individuação psíquica e coletiva do ser
Enquanto programa de extensão universitária, o fazer
humano. Como resultado do trabalho, Simondon
envolve a articulação com ensino e pesquisa e uma
questionou-se sobre os caminhos em que se buscam as
implicação do fazer universitário com as necessidades
causas para explicar um modo de existência do ser
mais prementes de nossas comunidades do semiárido
humano. Durante a construção de sua tese em filosofia, o
nordestino, onde os serviços em saúde mental necessitam
cientista interrogou-se sobre esta perspectiva bastante
urgentemente de apoio e qualificação. Cada bolsista
presente que cristaliza posições para o ser humano,
desenvolve ações semanais em um Centro de Atenção
indivíduo considerado já pré formado na visão
Psicossocial, produz e implementa um projeto individual
substancialista, ou indivíduo constituído como
e/ou coletivo de pesquisa e realiza processos de formação
composição de forma e matéria na visão hilemórfica. Nas
com profissionais em saúde mental, atividade esta que
duas situações, há separação entre o ser humano e o meio,
culmina na realização de um evento anual, a Jornada de
perspectivas que não consideram os seres e os objetos
Estudos do Programa Oficinando em Rede. Deste modo,
técnicos em relações que são constitutivas de modos de
constrói-se um fazer universitário em sintonia com as
viver e conhecer. O filósofo da técnica favorece o
questões colocadas nas comunidades onde a instituição
entendimento de que o ser humano vive seu devir
está inserida. Esse programa é vinculado à Universidade
histórico e pode agir sobre si mesmo, produzindo
Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) e possibilita o
mudanças nas formas de viver. Há, portanto, uma
desenvolvimento de projetos para fomentar processos
perspectiva que favorece o encontro entre a saúde e a
cognitivos e de interação com usuários portadores de
ciência da computação, quando compreende-se que temos
transtornos do desenvolvimento. Dentre os trabalhos
um conjunto constituído no entrelaçamento entre o
desenvolvidos neste programa, pode-se citar o de
pensamento, as ações humanas, as tecnologias e a
Washington Sales do Monte, que analisou processos
sociedade. Nessa direção, é possível produzir mudanças e
cognitivos de atenção na experiência com jogos digitais
melhorias nas formas de viver e aprender com o
casuais e, dessa forma, verificou o potencial que a
desenvolvimento de tecnologias pertinentes ao trabalho de
tecnologia de jogos digitais pode oferecer a crianças e
promoção da saúde mental.
jovens com transtorno do espectro autista [5].
A partir de uma experiência direta com crianças e jovens
Outro trabalho que interage com o presente estudo é o
usuários de serviços de saúde mental e do
desenvolvido por Mariza de Souza Moura, que propôs o
acompanhamento dos modos de coordenar condutas em
desenvolvimento de um jogo sério que se adapta à
ambiente equipado com jogos digitais instalados antes,
realidade das crianças e jovens autistas [7]. Com base
nós nos colocamos a seguinte questão de pesquisa: Como
nessas dissertações e na necessidade de identificar
desenvolver um jogo que interage com as condutas
metodologias alternativas para o tratamento de indivíduos
recorrentes de sujeitos autistas no contexto da saúde
com transtorno do espectro autista, como alternativa ao
mental? Ao observar e compor em diários de bordo as
uso excessivo de medicação, foi proposto o
ações recorrentes de crianças autistas em situação de jogo,
desenvolvimento de um jogo para favorecer a interação e
pudemos identificar como as condutas se modificavam na
modos de funcionamento da atenção nas oficinas
interação com os elementos dos jogos e, assim, ampliar o
realizadas semanalmente no ambiente de saúde mental. O
entendimento sobre modos de individuar-se nas ações de
propósito deste trabalho foi desenvolver um jogo sério
jogar. Identificamos a necessidade de propor a integração
com interface adaptativa voltado a crianças e jovens com
de tecnologias informáticas capazes de potencializar a
transtorno do espectro autista. Entende-se que este
interação e as formas de funcionamento da atenção:
trabalho possui uma relevância significativa, pois atende
concentração, focalização, dispersão criativa, atenção a si,
uma parcela da população que, muitas vezes, não recebe a
entre outras compreendidas nos estudos sobre a cognição
atenção devida, além da relevância para a comunidade
[4, 5].
científica, apresentando tecnologias que melhoram a vida
Tem-se em Mossoró, estado do Rio Grande do Norte / dessa população. Estudos importantes sobre o
Brasil, um programa de ensino, pesquisa e extensão em desenvolvimento de jogos e a saúde mental ajudaram a

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enriquecer a reflexão sobre o tema e serão trazidos na 2.1 Oficinas e registros utilizados para
escrita. definição dos requisitos do jogo
O trabalho está organizado da seguinte forma: a Seção 2 Para organizar as ações e obter os registros necessários na
descreve a metodologia empregada, com o detalhamento composição dos requisitos do jogo, as equipes que
sobre os participantes da pesquisa, as etapas de realização, participavam das oficinas foram compostas por dois a três
os procedimentos metodológicos adotados. Destacamos bolsistas da graduação e um profissional da instituição,
também o caminho percorrido na construção da ontologia sendo ele um psicopedagogo.
e explicitamos os objetivos, a estrutura e o funcionamento
do jogo; a Seção 3 apresenta a validação da proposta; e, As oficinas situamos como experiência inicial que compõe
por fim, a Seção 4 apresenta os resultados e as conclusões. a metodologia do trabalho e ocorreram quatro vezes por
semana, nas quintas-feiras e sextas-feiras. Tinham a
duração de uma hora cada e contavam com a participação
2. Metodologia de oito usuários por vez. Cada criança, portanto,
participava de uma oficina semanal, integrando os
A metodologia de trabalho empregada se baseia na divisão pequenos grupos de oito crianças. Este trabalho ocorreu
do projeto em pequenas etapas, cada uma delas com um durante um ano e meio, período no qual o autor principal
propósito bem definido no projeto e acompanhadas de desta escrita realizou a imersão no campo empírico da
verificações do cumprimento dos prazos. Para investigação, participando ativamente das ações de jogar
desenvolvimento da ferramenta, foi utilizada a com as crianças. As faixas etárias das crianças eram de 06
metodologia ágil de gestão e desenvolvimento Scrum, a 14 anos e interagimos, nesta leitura inicial da
onde foram definidas metas e, a cada término de uma experiência que antecede a construção do jogo com vinte e
meta, foram discutidos os resultados obtidos. quatro crianças.
Através da análise do perfil dos usuários e de sua Jogos casuais já se faziam presentes no ambiente de saúde
experiência ao jogar, a interface e os desafios do jogo se mental e foram discutidos em um estudo anterior,
modificam. As condições que determinam as adaptações orientado por uma das autoras do presente artigo.
no jogo foram coletadas por meio de oficinas realizadas Indicamos, na Tabela 1, os jogos que estavam disponíveis
nos ambientes de saúde mental em uma interação direta na experiência que antecede o desenvolvimento do jogo
com os usuários, composições escritas de diários de bordo Aventura Estelar.
durante as oficinas e, ainda, por meio de entrevistas com Tabela 1. Gênero jogos digitais
especialistas que acompanham as oficinas. Discussões
continuadas na universidade envolvendo os grupos de Gênero Descrição Jogos
pesquisa Engenharia de Software e Linguagem, Cognição
e Tecnologias, ambos vinculados ao Conselho Nacional de Os jogos de ação ou árcade; Mario World
Desenvolvimento Científico e Tecnológico / CNPQ, Jogos de Estes jogos enfatizam a reação
apoiaram o trabalho de definição das melhores técnicas e Ação instantânea e precisam de intensa ChickenInvaders
mecânicas para garantir a adaptação. concentração do jogador.

A população de estudo foi de crianças e jovens que Estes jogos procuram reproduzir Rally de carros
apresentam transtorno do espectro autista, que foram Jogos de com fidelidade um fenômeno ou
Simulação acontecimento real. Também Passeio e Resgate
divididas em amostras, de acordo com alguns critérios, buscam aproximações com de Helicóptero
como: faixa etária e necessidades especiais. O aspectos da realidade física
projeto foi implantado no programa Oficinando em Rede quando apresentam um meio.
da UFERSA que é executado junto ao CAPSi de Mossoró, Deca Sports
Jogos de Esse tipo de jogo procura Freedom -Xbox
que dispõe de uma equipe técnica especializada. A Simulação desenvolver normalmente esforço 360
pesquisa-intervenção se caracteriza pela construção de um de Esportes físico do jogador no mundo
percurso que considera que, ao desenvolver tecnologias, virtual, os personagens tendem a Zumba Fitness
discutir conceitos e definir os procedimentos para a repetir o jogador. Rush - Xbox 360
investigação, realiza-se uma interferência na sociedade em Nicktoons MLB -
que se vive. Toda pesquisa é uma intervenção, criação de Xbox 360
mundos, sujeitos e conhecimentos. No caso da presente
pesquisa, é importante ressaltar que esta foi realizada no Brunswick Pro
Bowling for the
ambiente de saúde mental, o que ajudou na elicitação dos Xbox 360.
requisitos do jogo. Nessa direção, foi fundamental o apoio Os jogos de aventura procuram Dora Aventureira
concreto do Programa Oficinando em Rede da UFERSA, Jogos de fazer o jogador pensar para seguir Diego
pois foram realizadas oficinas com um grupo diversificado Aventura no jogo.
Muitas vezes contam com a
de jovens e crianças com diversos tipos de transtornos e a solução de um problema ao longo
observação mais atenta das ações de crianças e jovens da ação.
autistas.

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Neste gênero, o jogador deve O gatinho do Ipad A revisão sistemática foi conduzida por um período de
Jogos de interpretar um personagem que Yoko três meses (agosto/2017 a outubro/2017). Buscamos
Interpretação pode ser da vida real.
de Uma possibilidade deste jogo é identificar trabalhos que apresentam um ou mais itens de
Personagens ajudar o jogador a resolver interesse relacionados ao tema da pesquisa. Interessou-nos
questões do personagem, a identificar e analisar técnicas e métodos que têm sido
interagir, propostos e aplicados em jogos sérios com foco na
brincar e fazer falar os
personagens. melhoria dos estados de saúde mental.
De uma forma geral, este gênero
Jogos de refere–se a jogos que o ponto Jogo da Memória -
A relação dos critérios de aceitação e rejeição dos
Quebra- principal está na solução de um Turma da Mônica, trabalhos na revisão sistemática foi CI1: Apresenta
cabeça problema. Este gênero também é Paisagens, definição de alguma tecnologia no desenvolvimento de
conhecido como jogos cerebrais. jogos sérios para indivíduos com transtorno do espectro
Obras de Arte.
autista. CI2: Apresenta definição de metodologias para o
Os jogos educativos são aqueles desenvolvimento ou uso de jogos sérios para indivíduos
Jogos que ensinam enquanto divertem. Tux-Nath
Educativos Geralmente, estes jogos visam um com transtorno do espectro autista. CI3: Apresenta
público infantil e o projeto é Dora a Exploradora requisitos de jogos sérios para indivíduos com transtorno
concebido buscando a e as estrelas do espectro autista. CE1: Apresenta o desenvolvimento de
adequaçãocom afaixa etária. aplicações fora da área da saúde mental. CE2: Apresenta
Os jogos na educação constituem-
se uma estratégia diferenciada outros tratamentos alternativos para indivíduos com
para aprimoramento do processo transtorno do espectro autista. CE3: Apresenta aplicativos
ensino-aprendizagem. para autistas mas que não é um jogo.
Os jogos de estratégia requerem
que o jogador gerencie um Passeio e Resgate Dentre os resultados obtidos, podemos citar o trabalho de
Jogos de conjunto limitado de recursos de Helicóptero Voravika Wattanasoontorn [8] intitulado Serious games
Estratégias para atingir um objetivo
predefinido. Geralmente, Mario World
for health em que é feito um levantamento de
gerenciar estes recursos envolve ChickenInvaders características dos jogos sérios para saúde mental; o
decidir que unidade criar e onde trabalho de Cleci Maraschin [9] intitulado “Oficinas e
colocá-la em ação. Outros jogos jogos eletrônicos: produção de saúde mental” que discute
de estratégia são baseados em
turnos, o jogador utiliza o tempo
a experiência de jovens em oficinas tecnológicas em um
para tomar as decisões e o serviço de saúde mental, focando no uso de videogames, o
computador age quando o jogador trabalho de Stavros Tsikinas, Stelios Xinogalos e Maya
indicar que está pronto. Satratzemi [10] intitulado Review on serious games for
Fonte: tabela construída por MONTE [5].
people with intellectual disabilities and autism, no qual os
Os jogos indicados na tabela 1 foram selecionados e autores fazem um amplo levantamento do estado da arte
instalados por Washington Sales do Monte [5] e de jogos sérios que já foram desenvolvidos para a saúde
estudantes de graduação que integraram seu estudo de mental.
mestrado no qual o autor estudou as formas de A partir da análise da revisão realizada, foi possível
funcionamento da atenção na experiência dos jogadores, determinar os principais requisitos para jogos sérios
todos usuários de serviço de saúde mental. Monte contou voltados às crianças com transtorno do espectro autista.
com a experiência de jogar de jovens na interação com o Também notou-se a importância do estudo de caso para
que dispunham no ambiente equipado para a experiência. fazer o levantamento de requisitos e validação e, por fim,
Este trabalho anterior favoreceu a construção e a variação nas abordagens técnicas utilizadas. Todos os
desenvolvimento da primeira etapa da nossa pesquisa, estudos sustentam um propósito de adaptar a dificuldade e
quando nos foi permitido a experiência do jogar com as interface às necessidades dos usuários, ressaltando o
crianças, o estudo dos elementos presentes nestes jogos objetivo de promover maior interação social.
disponibilizados e, ainda, a composição de diários de Importante ressaltar que, em nossa pesquisa, as interações
bordo com a atenção deslocada para as condutas que as nas oficinas, consistiram no uso de dispositivos, como
crianças coordenaram entre si e entre elas, referidas aos computador e tablet. Estes dispositivos apresentavam
elementos dos jogos. jogos digitais casuais já referidos. Os diários de bordo
eram gerados a cada oficina, contendo escritas sobre a
2.2 Revisão sistemática sobre jogos e saúde interação e, a partir destes diários, foram coletadas
mental informações para fazer parte de uma tabela que auxiliou a
determinar os requisitos do jogo sério. A partir destes
Buscamos também interagir com importantes estudos
diários de bordo, observou-se que, inicialmente, as
sobre jogos adaptativos aplicados à saúde mental. crianças podem não buscar a interação, mas há situações
Para ampliar o nosso entendimento sobre como um jogo onde os jogos cativam a atenção e permitem o início de
poderia contribuir com a experiência da criança autista, uma interação. Em alguns casos, pode haver uma aversão
fizemos uma revisão sistemática de estudos neste campo na interação com o jogo, mas à medida que é sugerida
de discussão. uma adaptação, esta passa a chamar a atenção dos
usuários. A partir dessas observações, foi possível

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estabelecer as relações entre algumas percepções celular. Através de toques, os jogadores acessam o menu,
observadas, como isolamento, limitação motora e agitação tela de seleção de naves e a tela de seleção de fases. O
com elementos proporcionados pelos jogos, que são: jogo possibilita a experiência individual e/ou cooperativa,
interatividade, interface adaptável, animações e sons quando as crianças compartilham o mesmo dispositivo.
adaptáveis. Como resultado do que foi desenvolvido, tem- Durante as fases, os jogadores se deparam com obstáculos
se o jogo, a ontologia e o sistema multiagente. a serem superados para concluí-las. Nas fases temos: um
fundo de espaço estrelado, as naves controladas pelo toque
2.3 Aventura Espacial: objetivos e dos jogadores, lixos espaciais que se movimentam na tela,
importância do jogo na promoção da a serem limpados, asteroides que bloqueiam as ações dos
jogadores e um painel apresentando o progresso do jogo.
saúde mental
A figura 1 ilustra o sistema de controle e gestão dos
O jogo Aventura Espacial possui ambientação do espaço usuários do jogo. Para se ter um acompanhamento do
sideral e os jogadores, por meio de suas naves espaciais, progresso do jogador em relação ao jogo, é apresentado
exploram o universo conhecendo planetas lúdicos. Os um sistema acoplado ao jogo que realiza essa função.
aventureiros têm como objetivo limpar o espaço de
destroços que ameaçam os planetas e seus habitantes. O
jogo tem como objetivo promover a interação social e
fazer movimentar os processos cognitivos da atenção, por
meio de adaptações que o jogo possui. Busca-se nas ações
de jogar atender as necessidades dos usuários de saúde
mental. Os estudos sobre o autismo estão em plena
transformação e já sabemos que cada criança apresenta
este modo de viver e conhecer em sua singularidade. Na
experiência da saúde mental e da educação, sabemos que a
inserção social demanda estabelecer modos de interação.
Nesta direção é que o propósito do jogo implica em
ampliar as possibilidades de interação e convivência, o Figura 1. Sistema de controle e gerência dos usuários
acolhimento da diferença que implica conviver com os
sujeitos autistas. Como tecnologia, portanto, este jogo é A Figura 2 apresenta um recorte do jogo, onde é possível
um meio para facilitar a interação entre o profissional e o observar os elementos que podem ser adaptados, isto é: (i)
usuário, bem como a interação entre usuários. as naves, que podem ser selecionadas em uma tela de
seleção; (ii) os obstáculos, que podem ter seus atributos
Os processos atencionais de sujeitos autistas se alterados, sendo estes velocidade de movimentação e
movimentam de modo distinto e nos diários de bordo quantidade; (iii) o painel, que pode ser desabilitado e ter
pudemos perceber que interagem, estão a movimentar a seus atributos alterados, como limite dos disparos; e (iv)
atenção flutuante, mesmo sem fitar nos olhos uns aos tempo de duração da fase, tanto para aumentar quanto para
outros. Levantam, observam as telas dos outros jogadores diminuir.
autistas, sentam novamente e abrem novos jogos.
Observam, de modo diferente, as vibrações dos colegas
que estão a jogar. Buscam a conexão e fazem movimentar
a atenção e a interação de diferentes modos. Imagens,
sons, cenários e gestos envolvidos na experiência de jogar
são elementos que consideramos importantes, pois fazem
movimentar a atenção nos seus diferentes modos de
funcionamento.

2.4 O jogo Aventura Estelar e seu


funcionamento
O funcionamento do jogo inicia quando o profissional da Figura 2. Recorte do Jogo
saúde mental realiza o cadastro dos usuários no sistema de
controle e gestão.
2.4.1 Ontologia
É importante ressaltar que, desde antes da implementação
A construção da ontologia para determinar a interface do
do jogo, todo o trabalho é feito com a participação de
jogo sério para o perfil do usuário com transtorno do
profissionais. E a integração do jogo na experiência da
espectro autista seguiu a metodologia descrita em
saúde mental envolve a consideração sobre como
Ontology Development 101 [11]. A metodologia é
observam e compreendem o trabalho dos pesquisadores e
dividida em etapas, dentre as quais, destacam-se:
estudantes.
definição das questões de competências, necessidade de
Após o cadastro feito pelos profissionais, é possível o reuso e descrição das classes.
usuário acessar o jogo em um dispositivo móvel, tablet ou

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As questões de competências foram: qual o perfil do de projeto, que reúne o ambiente de execução do SMA
usuário com transtorno do espectro autista? E quais com o servidor e os agentes.
elementos da interface do jogo sério podem ser alterados a
A Figura 3 apresenta o pseudocódigo que determina a
partir do perfil do usuário? Sobre reutilização de
configuração adaptada, isto é, a partir da base de dados de
ontologias, não foi considerado o reuso. Por fim, na
cada usuário são verificados os parâmetros mais usados, e,
Tabela 2, tem-se as classes primitivas.
após um período de coleta de, no máximo, 24 dias, estes
Tabela 2. Classes Primitivas são recomendados para adaptação da interface. E assim, a
Classes Primitivas Descrição partir do momento que a adaptação foi aplicada, a
configuração utilizada é a recomendada pelo sistema.
Interface Representa a interface do Quando os parâmetros são repetidos mais de cinco vezes,
jogo um assistente é apresentado ao usuário, sugerindo
alterações, caso as sugestões sejam ou não aceitas, o
Profile Representa o perfil do contador é zerado, repetindo a verificação para realizar
usuário uma nova recomendação.

A Tabela 3 apresenta a descrição das propriedades das


classes.
Tabela 3. Propriedades das Classes

Propriedade Descrição Domínio Imagem


da Classe
hasInterfac e Essa relação Perfil Interface
indica que um perfil
tem uma
interface.
hasProfile Essa relação Interface Profile Figura 3. Pseudocódigo de adaptação e recomendação
indica que uma
interface tem um
perfil. 3. Validação
2.4.2 Sistema Multiagente A Subseção 3.1 descreve a validação da ontologia
Com a necessidade de controlar as alterações, antes utilizada pelo sistema multiagente do jogo sério proposto
realizadas pelo especialista, foi pensado em automatizar a neste trabalho e a Subseção 3.2 descreve a validação do
ação de adaptar e recomendar a interface para cada jogo sério propriamente dito.
usuário na experiência com o jogo. Para isto, definiu-se
que um Sistema Multiagente (SMA) seria capaz de 3.1. Validação da Ontologia
realizar essa demanda. O SMA foi especificado seguindo
a metodologia MAS-CommonKADS+ [12]. Esta A etapa de validação da ontologia consiste na verificação
metodologia é uma extensão do MAS- CommonKADS, da corretude da ontologia, averiguando se a mesma atende
que por sua vez trata-se de uma abordagem de Engenharia aos requisitos propostos. A verificação levou em
de Software Orientada a Agentes. consideração os aspectos de completude e consistência da
ontologia.
Os modelos sugeridos pela MAS- CommonKADS+ são:
(i) modelo de tarefas, que a partir da consulta de dados é A consistência da ontologia pode ser verificada a partir
possível verificar as interfaces e perfis, e definir as dos reasoners presentes na ferramenta Protégé. Entre os
adaptações e recomendações; (ii) modelo de recursos e diferentes plug-ins disponibilizados, utilizou-se o reasoner
objetos, que possui a relação entre os objetos interface, Hermit. Ao se executar este reasoner, notou-se que a
perfil, ontologia e conexão com a base de dados, que hierarquia de classes inferida continuou igual a definida
armazena o perfil do usuário; (iii) modelo de papéis, que inicialmente. Isto indica que as classes da ontologia estão
descreve o conhecimento necessário para cada agente com consistentes, não apresentando nenhum erro nas
vista no cumprimento dos seus objetivos, que são acessar definições que cause comportamento anormal da mesma.
as interfaces, intermediar a interação entre os agentes e As propriedades da ontologia também permaneceram
recomendar a interface adaptada; (iv) modelo de apresentando a mesma estrutura tanto no modelo definido
organização, que descreve a relação da organização com o quanto no modelo inferido.
seu meio, onde toda comunicação é mediada pelo Para verificar a completude da ontologia, é preciso
framework JADE [13]; (v) modelo de interação, que analisar se a mesma responde às questões de competência
possui os métodos de comunicação entre os agentes; (vi) definidas. No entanto, esta ontologia só será preenchida
modelo de agentes, onde especifica-se cada agente, sendo durante o uso do jogo, onde as informações serão
eles: Monitor, Interface e Recomendador; e (vii) modelo armazenadas. As questões de competência definidas visam

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obter informações sobre os indivíduos da ontologia, tais consentimento de participação, a oficina iniciou com a
como configurações da interface do jogo, desempenho e liberdade das crianças para buscarem o que tinham
dados do perfil. Então, a partir do momento em que a interesse. Nesse momento, uma das cinco crianças
ontologia for preenchida, basta realizar consultas sobre solicitou para experimentar o jogo da pesquisa. Com a
ela, buscando-se as informações desejadas para se criança previamente cadastrada no jogo, o tablet foi
responder às questões. entregue a criança que foi identificada como A. As
interações com as telas do jogo seguiram fluidas, sem
3.2 Validação do Jogo interrupções e pode-se notar que a criança possuía uma
experiência com o tipo de interface do jogo. Em pouco
Para esta pesquisa, foi utilizado o método quantitativo, tempo, a criança A identificou os objetivos do jogo, sendo
que busca estabelecer a tecnologia como um meio de capaz de finalizar, tanto do modo individual quanto do
conexão entre os profissionais da saúde mental e os jovens modo cooperativo. Durante a interação com o jogo, lhe foi
e crianças com TEA. Foram realizados diversos usos do questionada sobre facilidade de uso, dificuldade dos níveis
jogo com crianças e jovens portadores de TEA, durante o e o que gostou no jogo. Essas perguntas foram baseadas
período de um mês, em oficinas semanais. Durante o uso nos questionários aplicados aos profissionais e feitas a
do jogo, cada criança pôde, a partir de um dispositivo todas as crianças participantes. Como resposta às
móvel e acompanhada de membros do programa perguntas, a criança A respondia "sim" ou balançava a
Oficinando em Rede, passar por desafios a fim de cabeça em afirmativa, quando não queria se comunicar
completá-los e, para isso, interagiu com outras crianças, através da fala. Ela sempre mantinha sua atenção voltada
ou mesmo com o profissional. Isto ocorria, tanto para ao jogo e, questionada sobre o que gostou no jogo,
jogarem juntos, a criança e o profissional, quanto para respondeu que foi "os planetas". Sobre o jogo, singelas
solicitar auxílio, momentos nos quais o profissional pode mudanças foram notadas, como aumento da dificuldade
ajuda-la a, modificar a interface, observando o esempenho em alguns níveis e recomendação de troca da interface.
da criança, ou orientá-la sobre como passar os desafios. Nas oficinas seguintes, a configuração mais utilizada pela
Antes de iniciar a utilizar o jogo, foi realizado o cadastro criança A foi utilizada ao iniciar o jogo.
dos especialistas responsáveis e, a cada perfil, foram
associadas as crianças e os jovens que estariam sob sua A segunda criança, identificada como B, apresentou
responsabilidade. O cadastro do perfil das crianças e dos resistência quanto a usar o jogo. Foi convidada a jogar
jovens permitem ao jogo realizar uma primeira adaptação, algumas vezes, mas seu interesse estava voltado a outro
assim como identificar, durante a jogatina, quem é o jogo que fazia parte da oficina. Quando apresentado o
jovem ou criança a jogar. Esse cadastro utiliza modo cooperativo e posto o tablet ao seu lado, a criança B
informações como nome, idade, se sabe ler e o diagnóstico realizava alguns toques na tela no jogo em progresso, mas
indicado na instituição. sempre voltando sua atenção ao seu jogo de interesse.
Esse jogo era subway surf, um jogo de corrida com
Foi necessário realizar a experiência durante um mês e, movimentos de esquivas. Não foi possível questionar
com o objetivo de preencher a base de dados que seria sobre o jogo da pesquisa à criança e a mesma faltou nas
utilizada pelos agentes inteligentes responsáveis por oficinas seguintes.
realizar as adaptações e recomendações, as informações
coletadas continham as configurações das preferências do A terceira criança, identificada como C, quando convidada
usuário. a jogar, aceitou e lhe foi apresentado o jogo. No início, a
criança C apresentou dificuldade nos controles e interface
Para realização dos testes, foram utilizadas cinco crianças do jogo, mas com a orientação do pesquisador e por
de 6 a 14 anos que frequentam o CAPSi em Mossoró/RN tentativa e erro, passou a acessar as telas do jogo. Uma
e que participam do programa Oficinando em Rede, dois vez iniciada a fase, a criança iniciou um processo
especialistas que também são participantes do programa e repetitivo de toques na tela do tablet. Alguns momentos
um especialista em diagnósticos de autismo. Foram apresentando atenção dispersa e, após algumas falhas, o
realizadas ao todo 16 oficinas no período de 1 mês. Cada jogo recomendou a movimentação por giroscópio. Assim,
criança participava 1 vez por semana das oficinas de a criança passou a movimentar o tablet para completar os
validação. objetivos das fases e obter sucesso. Após algum tempo, a
Os dados colhidos foram utilizados para o criança C fechou o jogo e procurou por outro jogo
desenvolvimento, aprimoramento, testes de usabilidade do disponível no tablet. Durante o período em que esteve
jogo proposto e estudos futuros. jogando, foi questionada sobre a facilidade no uso do jogo
e a resposta foi "me ajude". Já sobre a dificuldade do jogo,
Todo esse processo se fez necessário na coleta dos dados a resposta foi que "não é difícil", mesmo que inicialmente
para validação do jogo como ferramenta que convide o não estivesse conseguindo completar os objetivos e, por
usuário à experiência de interação social com o meio em fim, se havia gostado ou não de algo sobre o jogo, a
que está inserido, além de fomentar a atenção por meio criança afirmou ter gostado de uma nave específica do
dos desafios e sugestões que o jogo oferece. jogo.
No primeiro momento, foi apresentado um vídeo sobre o Para a quarta criança, de identificação D, foi apresentado
jogo com o intuito de gerar interesse e familiarizar a o jogo e a mesma interagiu, inicialmente, sem orientação
criança com o jogo que seria utilizado. Logo após o do pesquisador. Apresentou novas formas de interagir com

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o jogo, pois deslizava os dedos nos botões de acesso às TEA?; 2) o jogo requer muito esforço para ser utilizado?;
telas do jogo. Os botões apresentavam a característica de 3) aprender a dinámica do jogo foi fácil?; 4) o jogo pode
carregar uma barra por um segundo, antes de executar sua ser utilizado na intervenção junto a crianças e jovens com
função. Após algumas experiências com o jogo, a criança TEA?; 5) o jogo tem potencial para ser utilizado por mais
recorreu a usar a mão do pesquisador para realizar a pessoas?; 6) o que levaria uma criança com TEA a não
interação com o jogo. Isso era feito após algumas falhas, utilizar o jogo?; 7) é viável utilizar o jogo como auxílio
ou ao concluir a fase. A cada conclusão, eram expressados para interação das crianças com TEA?; 8) o jogo pode ser
sentimentos de euforia com sorrisos e expressões como recomendado para ser utilizado por outros profissionais e
"eu ganhei!". Quando questionada sobre a facilidade do meios que atuam em saúde mental?; 9) durante o jogo, é
jogo, a criança D respondeu que era simples e quando possível proporcionar novas experiências que possam
indagada sobre a dificuldade, ela afirmou que era fácil e potencializar processos cognitivos?; e 10) pretende utilizar
que havia gostado do jogo. o jogo em suas experiências e atividades com as crianças e
jovens com TEA?.
Por fim, a quinta criança, de identificação E, quando
apresentada ao jogo, não mostrou resistência. Iniciou sem
dificuldade e, nas primeiras experiências, conseguiu 3.3 Resultados alcançados na validação
finalizar tanto o modo individual quanto o cooperativo. O objetivo de desenvolvimento do jogo interage com o
Explorou o jogo todo trocando de naves e acessando as trabalho de validação e se refere especialmente à
fases. Quando questionada sobre o jogo, pediu por mais usabilidade e satisfação do usuário.
opções de naves, afirmou que teve dificuldade somente
em uma fase e o que mais gostou no jogo foram as naves. A dificuldade e adaptação da interface fica por
Em relação ao jogo, na última oficina, recomendou responsabilidade da inteligência artificial que consiste em
alterações na interface para ela e, observando na base de um sistema multiagente que interage entre si para
dados, a dificuldade havia aumentado e a experiência não conhecer o usuário e o jogo, para determinar a melhor
se mostrou frustrante para a criança. forma de alterar o jogo baseado em uma ontologia de
perfil.
A validação com os especialistas seguiu aplicando-se
questionários com dois profissionais que acompanham as O escopo da ontologia possui as seguintes questões de
oficinas e três integrantes do programa Oficinando em competência: Qual o perfil do usuário do espectro autista?
Rede. O questionário foi elaborado seguindo-se a E quais elementos da interface do jogo sério podem ser
metodologia TAM (Technology Acceptance Model), alterados, a partir do perfil do usuário? O perfil do usuário
tendo o objetivo de apresentar fatores externos é definido pela idade, o transtorno, o nome e se sabe ler.
relacionados a um sistema de informação, em relação às As possibilidades de adaptação são os planos de fundo, os
intenções de uso do próprio sistema [14]. Davis [14] controles, as músicas, o painel de controle, a velocidade
afirma que a TAM se fundamenta basicamente em dos disparos e dos obstáculos, as vozes e os textos.
utilidade percebida (grau em que uma pessoa acredita que Para determinar a adaptação o sistema multiagente
o uso do sistema pode melhorar suas atividades) e verifica a base de dados de cada usuário e apresenta a
facilidade de uso percebida (grau em que a pessoa acredita configuração adaptada a partir dos parâmetros mais
que o uso do sistema de informação é livre de esforço). usados pelo perfil. Após isso o agente inteligente
Diante disso, elaborou-se um questionário contendo nove recomenda alterações na interface que podem ou não ser
questões objetivas, uma subjetiva e uma área para aceitas. Cada usuário terá uma experiência distinta
comentários adicionais. As questões objetivas foram baseada no seu perfil e com experiências acumuladas o
formuladas a partir da escala Likert. Essa escala visa agente inteligente vai aprendendo sobre o usuário e
verificar o nível de concordância do sujeito a partir de apresentando novas adaptações.
várias afirmações que expressam informações favoráveis Na tabela 4 trazemos as crianças, os perfis e os resultados
ou desfavoráveis em relação a um objeto psicológico [15]. relacionados a cada participante.
As afirmações do questionário foram: 1) o jogo oferece
uma interface de fácil interação para com a criança com

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Tabela 4. Crianças, os perfis e resultados

Crianças Idade Gênero Facilidade Dificuldade Adaptações Interesse no


de uso dos níveis jogo

Criança A 10 Feminino Não Apresentou Reduzindo a dificuldade e Os planetas


apresentou dificuldade alterando planos de fundo e
dificuldade áudio

Criança B 06 Masculino Sem Resposta Sem Resposta Sem Resposta Sem Resposta

Criança C 14 Feminino Apresentou Não Aumentando a dificuldade De uma nave


dificuldade apresentou e alterando planos de
dificuldade fundo, controles e áudio

Criança D 13 Feminino Apresentou Não Aumentando a dificuldade Gostou do jogo


dificuldade apresentou e alterando planos de
dificuldade fundo, controles e áudio

Criança E 08 Masculino Apresentou Não Aumentando a dificuldade As naves


dificuldade apresentou e alterando planos de
dificuldade fundo, controles e áudio

Pudemos identificar na experiência direta, na conversação Neste sentido, o texto descreveu o jogo e suas
com as crianças e profissionais e na aplicação dos funcionalidades. Além disso, apresentou-se o SMA
questionários que houve um engajamento das crianças na responsável por adaptar a interface e recomendar as
atividade de jogar o jogo Aventura Estelar. Os dados alterações necessárias ao jogo e a ontologia responsável
elencados na entrevista apontam que, do ponto de vista por armazenar o perfil dos usuários.
dos especialistas, o jogo desenvolvido apresenta uma
No trabalho de validação, pôde-se perceber que a
interface de fácil uso, além de demonstrar uma dinâmica
experiência das crianças e dos jovens ao jogarem faz
de fácil entendimento. Os mesmos indicaram que o jogo
movimentar as diferentes formas de funcionamento da
não requer muito esforço para ser utilizado, podendo ser
atenção, através dos desafios e sugestões que o jogo
usado na intervenção junto às crianças com TEA e
oferece. O jogo Aventura Espacial possibilita ao
também com outras pessoas que detêm quadros diferentes.
profissional da saúde mental acompanhar o percurso de
Os especialistas indicaram que o jogo pode sim ser útil no
sua realização por cada usuário, configurando importante
auxílio a interação e potencialização de processos
ferramenta no trabalho de promoção da saúde mental.
cognitivos. Além disso, os mesmos afirmaram que
pretendem utilizar o jogo em suas atividades com as
crianças. Portanto, estes dados demonstram que o jogo Referências
tem potencial para ser utilizado com crianças e jovens
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com TEA.
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adaptativa para crianças e jovens com transtorno do
[3] G. Simondon, L'individuation psychique et collective à
espectro autista. O Jogo Aventura Estelar foi desenvolvido
la lumière des notions de forme, information, potentiel et
a partir do perfil do usuário à interface, sendo que os
métastabilité. Aubier, 1989.
desafios se modificam buscando atender as necessidades
do jogador. Como objetivo, o jogo foi desenvolvido para [4] V. Kastrup, “A aprendizagem da atenção na cognição
promover a interação no envolvimento entre a criança e o inventiva,” Psicologia & Sociedade, vol. 16, no. 3, pp. 7-
profissional que a atende e a ampliação dos processos 16, 2004, [Online]. Available:
interativos e de atenção na convivência entre as crianças e http://www.scielo.br/pdf/psoc/v16n3/a02v16n3.pdf
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interação da criança no ambiente em que está inserida.

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Pós Doutora em Educação pela Universidade do Minho
https://search.proquest.com/openview/8a1755d985b35455 (2019). Doutora em Informática na Educação (UFRGS).
0326018d993ae89e/1?pq-origsite=gscholar&cbl=396495. Professora da Universidade Federal Rural do Semi-Árido.
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Mestranda em Cognição, Tecnologias e Instituições
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Información de Contacto de los Autores:

Rafael de Almeida Rodrigues


Universidade Federal Rural do Semi-Árido
Mossoró - RN
Brasil
rafael_allx@hotmail.com
http://lattes.cnpq.br/9234290320372910

Francisco Milton Mendes Neto


Universidade Federal Rural do Semi-Árido
Mossoró - RN
Brasil
miltonmendes@ufersa.edu.br
http://lattes.cnpq.br/5725021666916341

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