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Cartas de Warren Buffet 1977 A 2004

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Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1977.

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Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Os ganhos operacionais em 1977 de U$ 21.904.000, ou U$ 22,54 por ação, foram


moderavelmente melhores do que previstos um ano atrás. Desses ganhos, U$ 1,43 por ação
resultou de ganhos substanciais de capital realizados com a Blue Chip Stamps que, na
extensão de nossa participação proporcional na empresa, estão incluídos nos valores dos
nossos ganhos operacionais. Os ganhos ou perdas de capital realizados diretamente pela
Berkshire Hathaway Inc. ou suas subsidiárias de seguros não estão incluídos no cálculo dos
nossos ganhos operacionais. Não se deve dar muita atenção para a valorização de um ano em
particular, enquanto que é no longo prazo que os ganhos ou perdas passam a ter, obviamente,
significado.

As operações têxteis vieram bem abaixo do previsto, enquanto os resultados do Illinois


National Bank, assim como os ganhos operacionais atribuíveis aos juros da Blue Chip Stamps,
vieram conforme antecipados. No entanto, as operações de seguros, liderados novamente
pelos resultados verdadeiramente formidáveis do grupo de Phil Liesche na National Indemnity
Company, foram ainda melhores do que as nossas expectativas mais otimistas.

Muitas companhias definem um recorde de ganhos como sendo um “topo” nos ganhos
por ação. Uma vez que os negócios comumentemente aumentam o seu valor de mercado
anualmente, nós não vemos nada em particular a notar na performance de uma gestão que
combina, digamos, 10% de aumento no capital social e 5% de aumento nos ganhos por ação.
Afinal de contas, mesmo uma conta poupança passiva irá produzir ganhos ascendentes ano
após ano por conta do efeito dos juros compostos.

Exceto por casos especiais (por exemplo, empresas com uma razão dívida/patrimônio
incomum ou companhias com ativos importantes cotados a valores não realísticos em seus
balanços), nós acreditamos que uma forma mais apropriada de analisar a performance
econômica de uma gestão é o ​return on equity capital (ROE). Em 1977, os nossos ganhos
operacionais em relação ao capital social inicial somou 19%, levemente melhor do que no ano
passado, e acima tanto da nossa média de longo prazo quanto da indústria americana em
geral. No entanto, enquanto os nossos ganhos operacionais por ação subiram 37% em relação
ao ano anterior, nosso capital inicial subiu 24%, tornando o ganho por ação consideravelmente
menos impressionante do que pode parecer à primeira vista.

Nós estamos prevendo dificuldades em igualar a taxa de retorno de 1977 durante o ano
que está por vir. O capital social inicial subiu 23% em um ano, e nós estamos notando que a
tendência das margens de lucro do ​underwriting (​N.T.: análise prévia de risco feita pela
seguradora sobre o cliente) de seguros irá começar a cair muito antes do fim do ano. Não
obstante, nós esperamos um ano razoavelmente bom, e nossa estimativa presente, sujeita aos
problemas usuais em relação às fragilidades das previsões, é que os ganhos operacionais irão,
de certa forma, melhorar por ação durante 1978.

Operações têxteis

O negócio têxtil teve, novamente, um ano bem ruim em 1977. Nós erramos nos dois
últimos anos quando dissemos prever melhores resultados para o setor. Isso pode ter relação
com as nossas habilidades de previsão, com a natureza da indústria têxtil, ou ambos. Apesar
de grandes esforços, problemas com marketing e produção ainda persistem. Muitas
dificuldades experienciadas na área de marketing tem relação primariamente com as condições
da indústria, mas alguns outros problemas foram causados por nós mesmos.

Alguns acionistas têm questionado se é sábio permanecer no negócio têxtil que, no


longo prazo, é improvável produzir retornos sobre o capital comparáveis àqueles de muitos
outros negócios. Nossas razões para nos mantermos posicionados são: (1) nossas fábricas em
New Bedford e Manchester são algumas das maiores empregadoras em ambas as cidades,
usando uma força de trabalho com uma idade média mais alta e com habilidades relativamente
intransferíveis. Nossos trabalhadores e sindicatos têm mostrado um conhecimento abrangente
e um grande esforço para cooperar com a gestão de forma a atingir uma estrutura de custo e
um mix de produtos que nos permitam manter uma operação viável; (2) a gestão também tem
sido enérgica e direta na sua abordagem com os problemas têxteis. Em particular, os esforços
de Ken Chace depois da mudança do controle corporativo em 1965 geraram um capital da
divisão têxtil que foi necessária para financiar a aquisição e expansão da nossa lucrativa
operação de seguros; (3) com trabalho duro e alguma criatividade em relação às configurações
de produção e marketing, parece razoável que pelo menos lucros modestos na divisão têxtil
possam ser atingidos no futuro.

Underwriting1 ​em seguros

Nossa operação de seguros continuou a crescer de forma significativa em 1977. Foi no


início de 1967 que entramos nessa indústria através da compra da National Indemnity
Company e a National Fire and Marine Insurance Company (empresas irmãs) por
aproximadamente U$ 8,6 milhões. Naquele ano, o volume de prêmios de ambas somaram U$
22 milhões. Em 1977, nosso volume somado de prêmios de seguros foi de U$ 151 milhões.
Não foi necessário emitir novas ações da Berkshire Hathaway para alcançar este feito.

1
Processo de subscrição. Se as práticas de subscrição geram contratos cujos prêmios excedem as
indenizações e demais despesas, o lucro subsequente elevará a capacidade da seguradora.
Em vez disso, esse crescimento de quase 600% foi atingido por meio de grandes
ganhos nas tradicionais áreas de seguro da National Indemnity, novas companhias
(Cornhusker Casualty Company em 1970, Lakeland Fire and Casualty Company em 1971,
Texas United Insurance Company em 1972, The Insurance Company of Iowa em 1973 e
Kansas Fire and Casualty no fim de 1977), a compra em dinheiro de outras empresas de
seguro (Home and Automobile Insurance Company em 1971, Kerkling Reinsurance
Corporation, agora chamada Central Fire and Casualty Company, em 1976, e a Cypress
Insurance Company no final de 1977), e, finalmente, por meio de marketing e produtos
adicionais, especialmente resseguros, dentro da estrutura corporativa da National Indemnity
Company.

De maneira geral, o negócio de seguros tem sido muito bom. Mas nem tudo tem sido
flores. Alguns grandes erros foram cometidos durante a década, tanto em produtos quanto em
recursos humanos.

Nós passamos por significativos problemas causados por (1) uma operação de seguros
iniciada em 1969, (2) a expansão, em 1973, da área de marketing de carros da Home and
Automobile em Miami, Flórida (3) um acordo ainda não resolvido na área de aviação, e (4)
nossa operação de causas trabalhistas na Califórnia, que acreditamos ter um interessante
potencial findada a reorganização que está sendo feito atualmente. É confortável estar em um
negócio onde alguns erros podem ser cometidos e ainda sim alcançar uma performance média
satisfatória. De certa forma, esse é o caso oposto do nosso negócio têxtil, onde até mesmo
uma excelente gestão irá provavelmente conseguir apenas resultados modestos. Uma das
decisões que este gestor que vos fala aprendeu - e, infelizmente, algumas vezes re-aprendeu -
é sobre a importância de estar em um negócio onde os ventos mais ajudam do que atrapalham
a navegação.

Em 1977, os ventos do ​underwriting ​de seguros estavam perfeitamente alinhados


conosco. Aumentos significativos nas taxas foram conseguidos na indústria em 1976 para
compensar os resultados desastrosos de underwriting em 1974/1975. Uma vez que as apólices
de seguros são comumente feitas para períodos de um ano, com erros de preço podendo ser
corrigidos apenas nas renovações, foi somente em 1977 que o impacto total dos ganhos foi
sentido graças ao aumento das taxas.

O pêndulo agora está começando a ir para o outro lado. Nós estimamos que os custos
envolvidos nas áreas de seguro em que operamos aumentam cerca de 1% ao mês. Isso é
causado pela contínua inflação monetária que afeta o custo de tratamentos de saúde e
consertos de propriedades, assim como a inflação social, uma definição ampla feita pela
sociedade e júris sobre o que é coberto em apólices de seguro. A menos que as taxas subam
também a 1% ao mês, os lucros com ​underwriting devem encolher. Recentemente, o ritmo de
crescimento das taxas tem diminuído dramaticamente e está em nossas expectativas que as
margens de ​underwriting​ irão começar a cair por volta do segundo semestre do ano.
Nós devemos novamente dar crédito a Phil Liesche, amplamente amparado por Roland
Miller na área de ​underwriting​, e Bill Lyons, na área de resgates, por uma incrível conquista em
underwriting nos tradicionais negócios de automóveis e seguros em geral da National Indemnity
durante 1977. Grandes volumes de ganhos foram acompanhados por excelentes margens de
underwriting​, seguidos por contração ou desistência de vários competidores no início da crise
de 1974/1975. Essas condições serão revertidas em pouco tempo. Enquanto isso, o lucro em
underwriting da National Indemnity tem aumentado de forma dramática e, além disso, grandes
somas se tornaram disponíveis para investimentos. Assim que o mercado ficar mais solto e as
taxas se tornarem inadequadas, nós iremos encarar novamente o desafio de, filosoficamente,
aceitar uma redução no volume de vendas. Uma disciplina incomum da gestão será
necessária, uma vez que é contra-intuitivo ao comportamento institucional permitir que outra
pessoa abocanhe uma parte do negócio - mesmo a preços de banana.

Nosso departamento de resseguros, gerenciado por George Young, melhorou sua


performance de ​underwriting durante 1977. Apesar da taxa combinada (​ver definição na
página 12​) de 107,1 ter sido insatisfatória, a sua tendência foi de queda durante todo o ano.
Além disso, a área de resseguros gera um montante não usual e muito alto de caixa para
investimento, vindo como uma porcentagem do volume de prêmios.

Na Home and Auto, John Seward continua progredindo em todas as frentes. John veio
de uma promoção alguns anos atrás, quando o ​underwriting da Home and Auto estava escrito
em tinta vermelha e a empresa encarava uma possível extinção. Sob sua gestão, a empresa
está agora bem, lucrativa e crescendo.

A operação de John Ringwalt em nosso estado natal (N.T.: Nebraska) consiste agora de
cinco companhias, com a Kansas Fire and Casualty Company se tornando operacional no fim
de 1977 sob a direção de Floyd Taylor. As empresas de nosso estado tiveram um prêmio
líquido total de U$ 23 milhões, um aumento de U$ 5,5 milhões em comparação com três anos
atrás. Todas as companhias que operaram durante o ano atingiram uma taxa combinada
abaixo de 100, tendo a Cornhusker Casualty Company, com uma pontuação de 93,8, como
líder. Além de ativamente supervisionar as operações das outras quatro companhias, John
Ringwalt gerencia as operações da Cornhusker e tem reportado taxas combinadas abaixo de
100 em 6 de seus 7 anos de existência. Tendo iniciado no começo de 1970, ela cresceu para
ser uma das principais companhias de seguro operando em Nebraska que utiliza um sistema
de agências independentes convencional. Lakeland Fire and Casualty Company, gerenciada
por Jim Stodolka, foi a vencedora do Campeonato de Presidentes em 1977 por alcançar a
menor taxa de perda entre as companhias de nosso estado. De forma geral, a operação em
Nebraska continua a ter excelentes progressos.

A mais nova adição ao nosso grupo de seguros é a Cypress Insurance Company of


South Pasadena, na California. Essa seguradora de causas trabalhistas foi comprada em
dinheiro nos últimos dias de 1977 e, portanto, seu volume aproximado de U$ 12,5 milhões
neste ano não foi incluído em nossos resultados. As atuais operações trabalhistas na Califórnia
feitas pela Cypress e a National Indemnity não serão combinadas, mas irão operar de maneira
independente usando estratégias de marketing distintas. Milt Thornton, presidente da Cypress
desde 1968, gerencia uma operação de ponta para segurados, agentes, empregados e donos.
Nós estamos ansiosos para trabalhar com ele.

Empresas de seguros oferecem apólices padronizadas que podem ser copiadas por
qualquer um. Seus únicos produtos são promessas. Não há dificuldade para se obter licença e
as taxas são um livro aberto. Não há vantagens importantes entre marcas, patentes,
localização, longevidade corporativa, matéria-prima, etc., e muito pouca diferenciação por parte
dos clientes para se destacar na competição. É senso-comum, em relatórios corporativos
anuais, ressaltar a diferença que as pessoas fazem. Às vezes isso é verdade, e às vezes não
é. Mas não há dúvidas de que a natureza do negócio de seguros amplia o efeito que cada
gestor tem no desempenho da empresa. Nós nos sentimos muito sortudos por termos o grupo
de gestores que estão associados conosco.

Investimentos em seguros

Durante os dois últimos anos, as movimentações envolvidas em investimentos em


seguros (excluindo o investimento em nossa afiliada Blue Chip Stamps) cresceram de U$ 134,6
milhões para U$ 252,8 milhões. O crescimento das reservas vindas de seguros produzidas por
nosso amplo ganho no volume de prêmios e somados aos ganhos retidos foram os
responsáveis por esse aumento na participação no mercado de seguridade. Assim, o resultado
líquido de investimento do Insurance Group saiu de U$ 8,4 milhões (antes de impostos) em
1975 para U$ 12,3 milhões (antes de impostos) em 1977.

Em adição a essa renda vinda de dividendos e juros, nós realizamos ganhos de capital
de U$ 6,9 milhões de dólares (antes de impostos), sendo que cerca de um quarto desse valor
veio de títulos do governo e de nosso balanço acionário. Nossos ganhos não realizados em
ações, ao final de 1977, foi de aproximadamente U$ 74 milhões. Mas esse valor, assim como
qualquer outro valor visto em uma única data (nós tivemos um prejuízo não realizado de U$ 17
milhões ao final de 1974) não deve ser levado muito a sério. A maior parte de nossas grandes
posições em ações será mantida por muitos anos, e o “placar” das nossas decisões de
investimento virá dos resultados das empresas em relação a um certo período e não por
valores vistos em um dia qualquer. Assim como seria tolice focar apenas nos prospectos de
curto prazo ao adquirir uma companhia inteira, nós também achamos besteira ficar maravilhado
por prospectos de ganhos em um curto espaço de tempo ou em tendências de ganhos ao
comprar pequenos pedaços de uma companhia por meio do mercado acionário.

Uma pequena digressão ilustrando esse ponto pode ser interessante. A Berkshire Fine
Spinning Associates e a Hathaway Manufacturing foram fundidas em 1955 para formar a
Berkshire Hathaway Inc.
Em 1948, de uma maneira ​pro forma combinada, as duas empresas tinham ganhos de
quase U$ 18 milhões (após impostos) e empregavam 10 mil pessoas em dezenas de grandes
fábricas por toda New England. No mundo dos negócios daquela época, ambas formavam uma
potência econômica. Por exemplo, naquele mesmo ano, os ganhos da IBM foram de U$ 28
milhões (agora estão em U$ 2,7 bilhões), da Safeway Stores, U$ 10 milhões, Minnesota
Mining, U$ 13 milhões, e da Time, Inc., U$ 9 milhões. Porém, na década que seguiu a fusão
em 1955, as vendas agregadas de U$ 595 milhões causaram uma perda para a Berkshire
Hathaway de U$ 10 milhões.

Em 1964, a operação havia sido reduzida a duas fábricas e o patrimônio líquido havia
derretido para U$ 22 milhões, sendo que era de U$ 53 milhões na época da fusão. Tanto
alarde para fotografias de um ano como retratos fiéis de como o negócio está…

As participações societárias de nossas empresas de seguro que possuem valor de


mercado acima de U$ 5 milhões em 31 de dezembro de 1977 eram as seguintes:

Número de ações Empresa Custo (em milhares) Valor de mercado


(em milhares)

220.000 Capital Cities 10.909 13.228


Communications, Inc.

1.986.953 Government 19.417 33.033


Employees Insurance
Company Convertible
Preferred

1.294.308 Government 4.116 10.516


Employees Insurance
Company Common
Stock

592.650 The Interpublic Group 4.531 17.187


of Companies, Inc.

324.580 Kaiser Aluminum& 11.218 9.981


Chemical Corporation

1.305.800 Kaiser Industries, Inc. 778 6.039

226.900 Knight-Ridder 7.534 8.736


Newspapers, Inc.

170.800 Ogilvy & Mather 2.762 6.960


International, Inc.

934.300 The Washington Post 10.628 33.401


Company Class B

Total 71.893 139.081

Todas as outras 34.996 41.992


holdings

Total geral 106.889 181.073

Nós avaliamos nossos títulos patrimoniais da mesma maneira em que avaliamos um


negócio a ser adquirido. Nós queremos negócios que sejam (1) compreensíveis, (2) com
prospectos de longo prazo favoráveis, (3) gerenciados por pessoas honestas e competentes e
(4) disponíveis a preços atrativos. Nós não temos o costume de comprar ações em movimentos
de previsão de preço no curto prazo. Na verdade, se a experiência em um negócio se mantém
satisfatória, nós agradecemos as quedas de mercado, pois elas oferecem a oportunidade de
adquirir mais ações a um preço ainda melhor.

Nossa experiência tem mostrado que porções ​pro-rata de negócios verdadeiramente


incríveis são às vezes vendidas nos mercados de seguro com enormes descontos em relação
aos preços que seriam normalmente negociadas em transações envolvendo companhias
inteiras. Consequentemente, barganhas para se adquirir um negócio que simplesmente não
estão disponíveis diretamente por meio da aquisição corporativa podem ser obtidas
indiretamente por meio da compra de ações. Quando os preços estão apropriados, nós nos
dispomos a comprar grandes posições em companhias seletas. Não com a intenção de tomar o
controle, e também não visando uma venda posterior ou fusão, mas com a expectativa de que
resultados excelentes no longo prazo transfiram suas benesses para o valor de mercado e para
o volume de dividendos, seja para os donos, para os sócios minoritários ou para os sócios
majoritários

Tais investimentos, inicialmente, podem parecer ter impacto negligenciável nos nossos
ganhos operacionais. Por exemplo, nós investimos U$ 10,9 milhões na Capital Cities
Communications durante 1977. Os ganhos atribuíveis às ações que nós compramos
totalizaram cerca de U$ 1,3 milhão no último ano. Mas apenas o fluxo de dividendos, que
atualmente é de U$ 40.000 anuais é refletido no valor dos nossos ganhos operacionais.

A Capital Cities possui propriedades extraordinárias e uma gestão tão extraordinária


quanto. E essas habilidades de gestão se estendem também para os setores de operações e
uso do capital corporativo. Comprar diretamente propriedades parecidas com as que a Capital
Cities possui iria custar, aproximadamente, o dobro do que pagamos via o mercado de ações,
e o controle direto não iria nos proporcionar quaisquer vantagens relevantes. Enquanto o
controle nos daria a oportunidade - e a responsabilidade - de gerenciar as operações e os
recursos da corporação, nós não seríamos capazes de oferecer uma gestão igual a que está
na companhia atualmente. Na realidade, nós obtemos um resultado de gestão melhor ao não
controlar a empresa. Essa é uma visão não-ortodoxa, mas acreditamos estar correta.

Bancos

Em 1977, o Illinois National Bank continuou a atingir uma taxa de ganhos de capital
cerca de três vezes maior do que boa parte dos grandes bancos. Como de costume, esse
recorde foi alcançado mesmo com o banco pagando as maiores taxas aos poupadores e
mantendo um posicionamento que combina baixo risco e uma liquidez excepcional. Gene
Abegg criou o banco em 1931 com U$ 250 mil. Em seu primeiro ano completo de operação, os
ganhos somaram U$ 8.782. Desde aquela época, nenhum capital novo entrou no banco; pelo
contrário, desde nossa compra em 1969, um total de U$ 20 milhões em dividendos foram
pagos. Os ganhos em 1977 somaram U$ 3,6 milhões, mais do que alcançado por muitos
bancos que são duas ou três vezes maiores.

No último ano, Gene, que está com 80 anos e ainda gerencia o banco sem qualquer
sócio, pediu para que um sucessor fosse selecionado. Assim, Peter Jeffrey, antigo presidente
e CEO do American National Bank of Omaha, entrou para o Illinois National Bank no dia 1 de
março como presidente e CEO.

Gene continua a ter boa saúde e atualmente é membro do conselho. Nós esperamos
que a operação no principal banco de Rockford continue a ter sucesso.

Blue Chip Stamps

Nós novamente aumentamos nossa participação na Blue Chip Stamps, possuindo


agora aproximadamente 36,5% da empresa ao final de 1977. A Blue Chip teve um bom ano,
arrecadando aproximadamente U$ 12,9 milhões em suas operações, em adição a ganhos
realizados de U$ 4,1 milhões.

Tanto a Wesco Financial Corp., uma subsidiária controlada em 80% pela Blue Chip
Stamps e gerenciada por Louis Vincenti, e a See’s Candies, uma subsidiária controlada em
99% e gerenciada por Chuck Huggins, tiveram um bom progresso em 1977. Desde que a See’s
foi comprada pela Blue Chip Stamps no início de 1972, os ganhos operacionais (antes de
impostos) cresceram de U$ 4,2 milhões para U$ 12,6 milhões com um investimento de capital
mínimo. A See’s atingiu esse recorde mesmo operando em uma indústria que praticamente não
viu crescimento. Os acionistas da Berkshire Hathaway Inc. podem ter acesso ao relatório anual
da Blue Chip Stamps pedindo ao Sr. Robert H. Bird, Blue Chip Stamps, 5801 South Eastern
Avenue, Los Angeles, California, 90040.

Warren E. Buffett, Presidente do Conselho

14 de março de 1978
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1978.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Primeiro, algumas palavras sobre contabilidade. A fusão com a Diversified Retailing


Company, Inc. no final do ano trouxe duas novas complicações na apresentação de nossos
resultados financeiros. Após a fusão, o nosso controle da Blue Chip Stamps aumentou para
aproximadamente 58% e, portanto, as contas dessa companhia devem estar agora totalmente
consolidadas nos balanços e ganhos apresentados pela Berkshire. Em relatórios passados, os
nossos ganhos líquidos com a Blue Chip haviam sido incluídos apenas como uma única linha
na declaração de ganhos da Berkshire, e uma abordagem parecida havia sido adotada no
nosso balanço de ativos líquidos.

A consolidação completa das vendas, gastos, recebíveis, inventários, dívidas, etc.,


produz uma agremiação de valores vindos de vários negócios distintos - têxteis, seguros,
doces, jornais, selos - com características econômicas drasticamente diferentes. Em alguns
desses negócios, temos controle de 100%, mas os negócios controlados pela Blue Chip, de
forma consolidada, possuem controle pela Berkshire de apenas 58% (o controle por outros é
levado em conta no item “Juros de minoritários” em nosso próprio balanço). O agrupamento de
itens de balanço e de ganhos - sendo alguns negócios totalmente controlados, outros
parcialmente controlados - tende mais a obscurecer a realidade econômica do que a iluminá-la.
Na verdade, representa uma forma de apresentação que nós nunca usamos internamente ao
longo do ano e que não nos agrega valor em quaisquer atividades gerenciais.

Por esse motivo, nós fornecemos neste relatório informações financeiras e comentários
organizados separadamente com o intuito de ajudá-lo a avaliar o desempenho e prospecto da
Berkshire. Boa parte da segmentação dessas informações é requerida por regras da SEC na
seção “Discussão da Gestão”, das páginas 29 a 34. E nessa carta tentamos apresentar a você
uma visão de nossas várias entidades operacionais com a mesma perspectiva que as vemos
do nosso ponto de vista de gestão.

Uma segunda complicação que surge com a fusão é que os valores de 1977 mostrados
neste relatório são diferentes dos valores mostrados na carta enviada a vocês no ano passado.
A convenção contábil requer que quando duas entidades como a Diversified e a Berkshire se
fundem, todos os dados financeiros, subsequentemente, devem ser apresentados como se as
empresas tivessem sido fundidas no momento em que foram criadas, ao invés de apenas
recentemente. Assim, os dados financeiros aqui apresentados supõem que em 1977 (e anos
anteriores), a fusão Diversified-Berkshire já havia ocorrido, mesmo com a fusão tendo
acontecido de fato em 30 de dezembro de 1978. Essa mudança torna comentários
comparativos confusos e, de tempos em tempos, nós iremos falar de valores e desempenho
aos acionistas da Berkshire da forma como tem sido historicamente reportados a vocês, ao
invés do novo padrão adotado após a fusão com a Diversified.
Com esse preâmbulo, podemos dizer que 1978 foi um bom ano, seja com valores
contábeis ajustados ou não. Os ganhos operacionais, vindos exclusivamente de ganhos de
capital, foram de 19,4% do investimento inicial dos acionistas, uma fração do nosso recorde de
1972. Nós acreditamos que é impróprio incluir ganhos ou perdas de capital ao avaliar o
desempenho de um único ano, mas tais dados se mostram um componente importante na
avaliação de longo prazo. Por conta desses ganhos, o crescimento de longo prazo no valor por
ação da Berkshire tem sido maior do que seria indicado pelo retorno de juros compostos dos
ganhos operacionais que temos reportado anualmente.

Por exemplo, nos últimos três anos - que, em geral, formaram um período de ​bonanza
para a indústria de seguros, que é nossa maior produtora de lucros - o valor por ação da
Berkshire virtualmente dobrou, resultando em um efeito composto de 25% ao ano em uma
combinação de bons ganhos operacionais e substanciais ganhos de capital. Nem esse ganho
composto de 25% vindo de todas as fontes e nem o ganho de 19,4% vindo de ganhos
operacionais em 1978 são sustentáveis. O ciclo de seguros tem mostrado tendência de
desaceleração em 1979, e é praticamente certo que os ganhos operacionais medidos pelo
return on equity (ROE) irá cair neste ano. No entanto, os ganhos operacionais medidos em
dólar irão provavelmente aumentar no capital, mais volumoso, dos acionistas que está aplicado
no negócio.

Em contraste com essa visão cautelosa sobre retornos de curto prazo, nós estamos
otimistas com os prospectos de longo prazo dos grandes investimentos feitos em nossas
empresas de seguro. Nós não tentamos prever como o mercado de seguros irá se comportar;
prever de maneira acertada o preço de ações no curto prazo não é algo que achamos ser
capazes de fazer (ou qualquer outra pessoa o seja). No fim das contas, no entanto,
acreditamos que muitos dos nossos maiores investimentos irão valer muito mais dinheiro do
que pagamos, e os ganhos de investimento irão se somar de maneira significativa com os
ganhos operacionais do setor de seguros.

Fontes de receitas

Para dar uma melhor dimensão de como os ganhos na Berkshire são produzidos, nós
mostramos a seguir uma tabela que requer uma pequena explicação. A Berkshire é dona de
aproximadamente 58% da Blue Chip que, em adição ao controle total de vários outros
negócios, controla também 80% da Wesco Financial Corporation. Assim, a participação da
Berkshire nos ganhos da Wesco é de cerca de 46%. De forma geral, os negócios que
controlamos empregam cerca de sete mil funcionários em tempo integral e geram receitas de
mais de U$ 500 milhões.
A tabela mostra os ganhos gerais de cada categoria principal em valores antes de
impostos (alguns dos negócios possuem significativas somas de dividendos e juros livres de
taxação), assim como a parte dos ganhos que competem à Berkshire, tanto antes quanto
depois de impostos. Grandes ganhos ou perdas de capital atribuíveis a qualquer um dos
negócios não são mostrados nos valores de ganhos operacionais, mas são aglutinados na
linha de “Ganhos realizados” ao fim da tabela. Por conta de pormenores contábeis e fiscais, os
valores na tabela não devem ser levados à ferro e fogo; ao invés disso, devem ser vistos como
uma aproximação fiel dos ganhos de 1977 e 1978 vindos de nossos negócios.

Blue Chip e Wesco são companhias abertas (N.T.: listadas em bolsa) com requisitos
relatoriais próprios. Mais adiante, nesta carta, nós iremos reproduzir as narrativas dos
principais executivos de ambas as companhias descrevendo suas operações de 1978. Alguns
dos valores mencionados por eles não irão bater, aos centavos, com os que apresentamos
aqui. Novamente, isso ocorre por pormenores contábeis e fiscais.
No entanto, os comentários deles devem ser úteis a vocês para entender as
características econômicas por trás desses importantes negócios em que temos parte. Uma
cópia do relatório completo anual das duas empresas será encaminhada a qualquer acionista
que assim desejar. Para tal, enviar requerimento para Mr. Robert H. Bird for Blue Chips
Stamps, 5801 South Eastern Avenue, Los Angeles, California 90040, ou para Mrs. Bette
Deckard for Wesco Financial Corporation, 315 East Colorado Boulevard, Pasadena, California
91109.

Têxteis

Ganhos de U$ 1,3 milhão em 1978, embora indiquem uma melhora em relação a 1977,
ainda representam um retorno baixo em relação aos U$ 17 milhões de capital empregados
nesse negócio. A planta têxtil e os equipamentos representam agora uma fração muito
pequena do que custaria para substituí-los atualmente. Apesar da idade de nosso maquinário,
muito de sua funcionalidade é similar aos novos equipamentos que estão sendo instalados na
indústria. Apesar deste “custo de barganha” dos ativos imobilizados, o giro de capital é
relativamente pequeno, refletindo altos níveis de investimento em recebíveis e inventário
comparados com as vendas. O lento giro de capital, aliado a baixas margens de lucros nas
vendas, inevitavelmente produz retornos de capital que são inadequados. Abordagens óbvias
para aumentar as margens de lucro envolvem diferenciação do produto, custos reduzidos de
produção por meio do uso de equipamentos mais eficientes ou melhor utilização de pessoal e
redirecionamento da produção para tecidos com tendências mais fortes de mercado. A nossa
gestão é diligente ao buscar tais objetivos. O problema, claro, é que os nossos competidores
são tão inteligentes quanto nós para fazer o mesmo.

A Indústria têxtil ilustra de maneira cristalina como produtores de bens relativamente


não diferenciáveis em negócios que requerem um alto capital acabam tendo retornos
inadequados, exceto em condições onde a oferta é muito baixa. Enquanto houver um excesso
de capacidade produtiva, os preços tenderão a refletir diretamente os custos operacionais ao
invés do capital empregado. Tal excesso de oferta parece prevalecer na maior parte do tempo
na indústria têxtil, e nossas expectativas são de obter lucros relativamente modestos em
relação ao capital.

Nós iremos evitar entrar em muitos outros negócios que tenham características econômicas tão
difíceis quanto essas. Mas, como mencionamos anteriormente, (1) os nossos negócios na
indústria têxtil empregam muitas pessoas em suas comunidades, (2) a gestão tem sido
transparente em reportar problemas e enérgica ao atacá-los, (3) a mão-de-obra tem sido
compreensiva em relação aos nossos problemas e (4) ainda iremos ver, em média, retornos
modestos em relação a este investimento. Enquanto essas condições forem mantidas - e nós
acreditamos que elas serão - nós continuaremos a dar suporte ao nosso negócio têxtil, apesar
de existirem alternativas mais atrativas para o uso de nosso capital.
Underwriting1 ​em seguros

O segmento número um que contribuiu para os resultados excelentes da Berkshire em


1978 foi o de operações de seguro da National Indemnity Company, gerida por Phil Liesche.
Em cerca de U$ 90 milhões recebidos em prêmios dos seguros, um lucro de aproximadamente
U$ 11 milhões foi realizado, um feito realmente extraordinário, mesmo para as excelentes
condições da indústria. Sob a liderança do Phil, que contou com uma incrível assistência de
Roland Miller na parte de ​underwriting e de Bill Lyons em resgates, esse segmento da National
Indemnity (incluindo a National Fire and Marine Insurance Company, que opera como
concorrente) teve um de seus melhores anos em sua longa trajetória de desempenho que, no
acumulado, supera a indústria. Os sucessos presentes refletem o sucesso não apenas dos
atuais gestores, mas também de talentos como Jack Ringwalt, fundador da National Indemnity,
cuja filosofia de operação se mantém intacta na empresa.

A Home and Automobile Insurance Company teve seu melhor ano desde que John
Seward ingressou na empresa e arrumou a casa, em 1975.

Seus resultados estão combinados, nesta carta, com os de Phil Liesche na categoria
“Specialized Auto and General Liability”.

O segmento de auxílio-acidente teve de tudo um pouco em 1978. Em seu primeiro ano


como subsidiária, a Cypress Insurance Company, gerida por Milt Thornton, entregou resultados
maravilhosos. Seguros trabalhistas podem causar grandes perdas de ​underwriting quando uma
inflação ascendente se mistura com conceitos sociais em mutação, mas o Milt possui uma
equipe cautelosa e altamente profissional para lidar com esses problemas. Seu desempenho
em 1978 reforçou nossas boas impressões a respeito desta aquisição.

Frank DeNardo se uniu a nossa equipe na primavera de 1978 para dar um jeito no
segmento de auxílio-acidente da National Indemnity California que, até então, vinha tendo
resultados desastrosos. Frank tem a experiência e o intelecto necessário para corrigir os
principais problemas de nosso escritório em Los Angeles. O volume nesse segmento
atualmente está em apenas 25% do que era há 18 meses, e resultados preliminares indicam
que Frank está caminhando bem.

O departamento de resseguros de George Young continua a produzir grandes somas


para investimentos em relação ao volume de prêmios, o que nos dá resultados satisfatórios na
média. No entanto, os resultados de ​underwriting ainda não estão nos patamares que podem e
deveriam estar. É muito fácil se enganar com resultados de ​underwriting em resseguros
(especialmente em casos pontuais envolvendo atrasos em acordos), e nós acreditamos que o
mesmo acontece com vários de nossos competidores. Infelizmente, auto-ilusão com relação a

1
Processo de subscrição. ​Se as práticas de subscrição geram contratos cujos prêmios excedem as
indenizações e demais despesas, o lucro subsequente elevará a capacidade da seguradora.
reservas monetárias na companhia (N.T.: reservas que a empresa deve possuir para honrar
com seus compromissos caso um seguro seja acionado) sempre leva a taxas inadequadas
nesta indústria. Se fatores relevantes de mercado não são bem avaliados, a competição
destrutiva atinge todo mundo - mesmo aqueles que possuem bons conhecimentos dos custos.
George está disposto a diminuir o volume de maneira significativa, se necessário for, para
atingir um nível satisfatório de ​underwriting​, e nós temos muita confiança na consistência de
longo prazo deste negócio sob sua direção.

Os resultados em nosso estado natal (N.T.: Nebraska) foram decepcionantes em 1978.


Um ​underwriting insatisfatório, mesmo parcialmente explicado pelo incomum incidente das
chuvas no meio-oeste, é particularmente preocupante quando comparado com um histórico de
resultados muito bons nesta indústria em nosso estado. Nós temos confiança na habilidade de
John Ringwalt de dar um jeito nessa situação. O lado bom veio do desempenho da Kansas Fire
and Casualty em seu primeiro ano completo de operação. Sob o comando de Floyd Taylor,
essa subsidiária teve um início memorável. É claro que levam-se anos para avaliar os
resultados de ​underwriting​, mas os primeiros sinais são animadores e a gestão de Floyd
alcançou o melhor taxa de perda entre as companhias de nosso estado em 1978.

Embora alguns segmentos tenham sido decepcionantes, os resultados da nossa


operação de seguros, em geral, teve um excelente ano. Mas claro, era de se esperar um bom
ano quando a indústria estava a todo vapor como em 1978. É virtualmente certo que a ​razão
combinada ​(ver definição na página 31) da indústria irá aumentar alguns pontos, talvez o
suficiente para jogá-la por completo em uma posição de perdas com ​underwriting​. Por exemplo,
na linha automotiva - que, de longe, é a mais importante para nós - os valores de inflação
indicam que as taxas subiram apenas 3% em janeiro de 1979 em comparação ao ano anterior.
Mas os itens que compõem nossos custos de sinistros - reparos automotivos e custos médicos
- subiram 9%. Este é um cenário completamente diferente do fim de 1976, quando as taxas
subiram 22% nos doze meses anteriores, enquanto os custos haviam subido apenas 8% em
comparação ao mesmo período.

As margens se manterão firmes somente se as taxas subirem tanto quanto os custos.


Isto certamente não vai ocorrer em 1979, e as condições provavelmente vão ser piores ainda
em 1980. Nosso raciocínio atual é que o nosso desempenho de ​underwriting em comparação à
concorrência irá melhorar pouco em 1979, mas todas as outras empresas de seguro
provavelmente veem os mesmos prospectos com relativo otimismo - alguém irá sair
desapontado da festa. Mesmo se tivermos resultados melhores do que os outros, ainda
poderemos ter uma ​razão combinada​ mais alta e lucros de ​underwriting​ mais baixos em 1979.

Nós continuamos a buscar maneiras de expandir nossa operação de seguros. Mas a


sua reação a isso não deve ser de pura alegria. Alguns de nossos esforços para expandir os
negócios, muitos deles iniciados por mim, foram ou insossos ou custaram caro. Nós entramos
no ramo de seguros em 1967 pela compra do segmento que Phil Liesche gerencia agora, que
continua a ser, por ampla vantagem, nossa melhor parte no setor. Não é fácil comprar bons
negócios de seguro, mas nossa experiência indica que ainda é mais fácil comprar um do que
criar um do zero neste ramo. Entretanto, nós iremos continuar tentando ambas as abordagens,
uma vez que as recompensas de sucesso nessa categoria podem ser excepcionais.

Investimentos em seguros

Nós confessamos que há um otimismo considerável sobre nossos investimentos em


ações de seguradoras. Em algumas circunstâncias, investimentos comuns em ações por
seguradoras não fazem muito sentido.

Nós ficamos empolgados o suficiente para alocar uma grande porcentagem dos lucros
líquidos de nossas seguradoras somente quando encontramos (1) negócios que somos
capazes de entender, (2) com prospectos de longo prazo favoráveis, (3) gerenciados por
pessoas honestas e competentes, e (4) com preços bem atrativos. Normalmente identificamos
um pequeno número de investimentos que satisfazem as condições (1), (2) e (3), mas a (4) é
que costuma barrar as coisas. Por exemplo, em 1971 a nossa posição total de subsidiárias
seguradoras na Berkshire era de U$ 10,7 milhões (custo de compra) e U$ 11,7 milhões (valor
de mercado). Havia ações para comprar de empresas que eram claramente excelentes, mas
poucas estavam a preços interessantes. (Uma nota irresistível: em 1971, os gestores de fundos
de pensão investiram um recorde de 122% dos recursos dos fundos em ações - nos preços da
época, eles não conseguiam comprar tudo que queriam. Em 1974, depois que os preços
derreteram, os mesmos gestores alocaram um recorde, dessa vez mínimo, de 21% em ações).

Os últimos anos tem se mostrado muito diferentes para nós. Ao final de 1975, nossas
subsidiárias de seguro tinham um valor de mercado exatamente igual ao custo de aquisição, de
U$ 39,3 milhões. Ao fim de 1978, essa posição cresceu para U$ 129,1 milhões (custo) e U$
216,5 milhões (valor de mercado). Durante esse intervalo de três anos, nós também tivemos
ganhos realizados com ações de U$ 24,7 milhões (antes de impostos). Assim, nossos ganhos
realizados e não realizados em ações nesse período foi de aproximadamente U$ 112 milhões.
Durante esse mesmo intervalo, o índice Dow-Jones Industrial caiu de 852 para 805. Foi um
período maravilhoso de compras para o investidor orientado a valor.

Nós continuamos a achar para o nosso portfólio de seguros, por meio de mecanismos
de ​valuation do mercado de seguros, pequenas porções de negócios verdadeiramente incríveis
a preços muito melhores do que aqueles que empresas inferiores negociam durante processos
de aquisição (N.T.: aquisição no sentido da empresa ser adquirida por outra, em negociação
fora do mercado de capitais).

Esse programa de aquisições de pequenas partes de negócios por meio de ações a


preços de banana (onde existe pouco entusiasmo) contrasta muito com a atividade de
aquisição corporativa (que, por outro lado, gera muito empolgação). Está claro para nós que ou
as corporações estão cometendo grandes erros ao comprar negócios inteiros e preços ditados
em negociações e arremates ou nós iremos, eventualmente, ganhar grandes somas de
dinheiro por comprar partes de empresas no mercado acionário a ​valuations descontados no
mercado. (Uma segunda nota: em 1978, gestores de fundos de pensão, que obviamente
deveriam manter o maior do horizonte de tempo possível ao investirem, colocaram apenas 9%
do patrimônio dos fundos em ações - quebrando o recorde mínimo anterior de 1974 e
empatando com a porcentagem de 1977).

Nós não estamos preocupados com a possibilidade do mercado rapidamente reavaliar


para cima os preços de empresas de seguros que acreditamos estar baratas. Na verdade, nós
preferimos o contrário, uma vez que sempre temos a expectativa de ter dinheiro disponível para
fazermos compras no setor de seguros. E a compra consistente a preços atrativos tem a
tendência de se mostrar benéfica a nós, mais do que qualquer oportunidade de venda
ocasionada por um aumento de curto prazo do preço das ações a níveis em que não temos
mais interesse em comprar.

Nossa política é a de concentrar ​holdings​. Nós evitamos comprar algo quando não
estamos plenamente convencidos sobre o negócio ou seu preço. Mas quando estamos
convencidos de sua atratividade, fazemos compras a somas consideráveis.

As posições acionárias de nossas empresas de seguros com um valor de mercado


acima de U$ 8 milhões em 31 de dezembro de 1978 eram as seguintes:

Em alguns casos, nossos retornos indiretos na capacidade de ganhos tem se tornado


bastante substanciais. Por exemplo, olhe para as 953.750 ações que temos da SAFECO Corp.
A SAFECO é provavelmente a empresa de seguros de grandes propriedades e acidentes mais
bem gerenciada nos Estados Unidos. As habilidades da empresa com ​underwriting são
simplesmente soberbas, a reserva para sinistros é conservadora e suas políticas de
investimento fazem bastante sentido.

SAFECO tem uma operação de seguros muito melhor que a nossa (embora achemos
que alguns segmentos da nossa própria operação são muito melhores do que a média), a
empresa em si é melhor do que qualquer uma que jamais poderíamos desenvolver e, por
consequência, é muito melhor do que qualquer outro negócio do ramo que pudéssemos
negociar o controle. Mesmo assim, nossa compra de SAFECO foi feita a um valor
substancialmente menor do que seu valor contábil. Nós pagamos menos do que 100 centavos
por dólar na melhor empresa do setor, enquanto valores muito acima de 100 centavos por dólar
estão sendo pagos por companhias medianas em algumas aquisições. E não há forma de se
começar uma nova operação - ainda mais com prospectos incertos - a menos de 100 centavos
por dólar.

É claro que a uma pequena participação nós não temos o direito de dirigir ou influenciar
as políticas de gestão da SAFECO. Mas por que sequer iríamos querer fazer isso? O histórico
indica que eles sabem gerenciar o negócio de uma forma melhor do que nós jamais
conseguiríamos. Enquanto é verdade que há menos empolgação e prestígio em deixar os
outros fazerem o trabalho, nós acreditamos que esse é o único lado negativo ao aceitar uma
participação passiva em uma gestão de primeira linha. Até porque, sejamos sinceros, se
alguém controla uma companhia tão bem tocada como a SAFECO, o certo a se fazer é
justamente não interferir e deixar a gestão trabalhar.

Os ganhos atribuíveis à porção da SAFECO controlada pela Berkshire no fim do ano


foram de U$ 6,1 milhões em 1978, mas apenas os dividendos recebidos (cerca de 18% desse
valor) são mostrados em nossos ganhos operacionais. Nós acreditamos que o balanço, embora
não reportável, é real em termos de benefícios a nós em relação ao montante que foi
distribuído. Na verdade, os ganhos retidos pela SAFECO (que também acontece em outras
empresas bem geridas caso elas tenham oportunidades de empregar esse capital de forma
vantajosa) podem eventualmente gerar um valor ao acionista maior do que 100 centavos por
dólar.

Nós não ficamos insatisfeitos de forma alguma quando as empresas que controlamos
integralmente retém seus lucros, caso elas consigam utilizá-los internamente a taxas
interessantes. Por que deveríamos nos sentir diferentes pro caso de ganhos retidos por uma
empresa em que temos apenas uma pequena participação, mas cujo histórico indica ótimos
prospectos de um lucrativo emprego de capital? (Esse raciocínio vale para os dois lados, claro,
quando temos companhias com baixo custo de capital ou quando a gestão tem um histórico de
alocar capital em projetos de baixo retorno; nesse caso, os ganhos devem ser distribuídos ou
usados para a recompra de ações - que é, de longe, a opção mais atrativa para o uso de
capital.)
O volume de ganhos retidos relativos às nossas participações em boas empresas está
se tornando bastante substancial. Não é o tipo de dado que entra em nosso relatório de ganhos
operacionais, mas acreditamos ser algo que tem grande significância, no longo prazo, aos
nossos acionistas. Nós esperamos que prevaleçam condições no mercado de seguros que
permitam às seguradoras obter grande poder de ganho por preços relativamente modestos. Em
algum momento, sem dúvida, as condições de mercado irão mudar e não teremos mais as
oportunidades de barganha que temos agora, mas, no meio tempo, iremos tentar aproveitar
isso ao máximo.
Bancos

Sob a direção de Gene Abegg e Pete Jeffrey, o Illinois National Bank and Trust
Company em Rockford continua a bater novos recordes. Os ganhos do último ano somaram
aproximadamente 2,1% do valor patrimonial, cerca de três vezes o nível obtido por grandes
bancos. Em nossa opinião, esse nível extraordinário de ganhos está sendo atingido mesmo
mantendo um risco muito menor do que o incorrido em grandes instituições bancárias.

Nós compramos o Illinois National Bank em março de 1969. Ele era operado de forma
excepcional na época, assim como tem sido desde que Gene Abegg abriu as portas em 1931.
Desde 1968, os depósitos à vista quadruplicaram, a receita líquida triplicou e a receita do
departamento de ​trust​ mais do que dobrou; tudo isso com os custos controlados de perto.

O que podemos dizer é que uma gestão de uma operação de alto custo sempre
encontra novas formas de aumentar ainda mais os gastos, enquanto a gestão de uma
operação pequena, mas bem tocada, normalmente consegue achar maneiras de cortar custos,
mesmo quando estes estão bem abaixo de seus competidores. Ninguém tem se mostrado tão
hábil nisso quanto Gene Abegg.

Nós temos a obrigação de desinvestir no banco até 31 de dezembro de 1980. A


abordagem mais provável que adotaremos quando isso acontecer será a de oferecer as ações
do banco aos acionistas da Berkshire no segundo semestre de 1980.

Varejo

Após a fusão com a Diversified, nós adquirimos 100% do controle da Associated Retail
Stores, Inc., uma rede de 75 lojas de vestuário feminino a preços populares. A Associated
começou a operar em Chicago em 7 de março de 1931 com uma loja, U$ 3.200, a dois sócios
extraordinários, Ben Rosner e Leo Simon. Após a morte do Sr. Simon, o negócio foi oferecido à
Diversified para compra em dinheiro em 1967. Ben ficou encarregado de continuar a tocar o
negócio, e é o que ele tem feito.
Os negócios da Associated não cresceram e tem enfrentado consistentes problemas
demográficos e de varejo. Mas a combinação das habilidades de Ben em merchandising, setor
imobiliário e contenção de custos produziu um incrível histórico de rentabilidade, com retornos
sobre o capital na casa dos 20% (após impostos).

Ben está agora com 75 anos e, assim como Gene Abegg, 81, do Illinois National, e
Louie Vincenti, 73, na Wesco, continua diariamente a trazer uma atitude quase que apaixonada
de dono para o negócio. Esse grupo de gestores pode parecer a alguém de fora como uma
bondade de nossa parte em ações afirmativas para contratar pessoas mais velhas. Embora
pareçam não-ortodoxas, a amizade com eles tem sido muito recompensadora, tanto
financeiramente quanto pessoalmente. É um verdadeiro prazer trabalhar com gestores que
gostam de dar expediente toda manhã e, uma vez nas empresas, pensam instintivamente e
infalivelmente como donos. Nós estamos realmente associados com algumas das melhores
pessoas do mercado.

Warren E. Buffett, Presidente do Conselho.

26 de março de 1979
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1979.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Novamente, iremos começar com algumas palavras sobre contabilidade. Desde o nosso
último relatório anual, a área de contabilidade decidiu que os títulos (N.T.: títulos do governo
americano) que as companhias de seguro possuem devem aparecer no balanço a valor de
mercado. Anteriormente, tínhamos apresentado tais títulos no valor mais baixo do custo total ou
o valor agregado de mercado. Como temos altas somas de ganhos não realizados em nossos
títulos de seguros, o resultado dessa nova política é aumentar substancialmente o patrimônio
líquido dos anos de 1978 e 1979, mesmo após o estabelecimento adequado de impostos para
ganhos de capital para o caso dos títulos serem vendidos a valores de mercado.

Como se sabe, a Blue Chip Stamps, nossa subsidiária da qual possuímos 60%, está
completamente consolidada nas declarações financeiras da Berkshire. No entanto, a Blue Chip
ainda tem de apresentar seus investimentos em títulos no valor mais baixo do custo total ou
valor agregado de mercado, assim como as subsidiárias da Berkshire fizeram em anos
anteriores. Caso tais títulos sejam comprados a um preço idêntico por uma subsidiária da
Berkshire Hathaway a pela Blue Chip Stamps, os atuais princípios contábeis iriam requerer que
eles fossem apresentados em nosso balanço consolidado com dois valores distintos. (Isso é
pra deixar qualquer um alerta). Os valores de mercado dos títulos da Blue Chip Stamps são
mostrados na ​nota de rodapé 3, na página 18​.

Resultados operacionais de 1979

Nós continuamos acreditando que a taxa de ganhos operacionais (antes de ganhos ou


perdas realizadas ou não) para os acionistas, com todos os títulos a valor de custo, é a maneira
mais apropriada de analisar a performance em uma janela anual.

Medir tais resultados com a posição dos acionistas com títulos avaliados a preços de
mercado pode distorcer de forma significativa o percentual de performance operacional por
conta das grandes variações anuais de valor de mercado no patrimônio líquido, que serve
como denominador no cálculo. Por exemplo, uma grande queda nos valores dos títulos poderia
resultar num patrimônio líquido a valor de mercado muito baixo, o que, por sua vez, poderia
fazer com que ganhos operacionais medíocres parecessem melhores do que são. De forma
alternativa, quanto mais os investimentos são bem-sucedidos, maior a base de patrimônio
líquido e pior o valor da performance operacional parece ser. Assim sendo, continuaremos a
reportar a performance operacional medida em relação ao patrimônio líquido inicial, com os
títulos valorados ao seu custo de aquisição.
Tomando isso por base, tivemos uma performance operacional razoavelmente boa em
1979 - mas não tão boa quanto em 1978 - com os ganhos operacionais somando 18,6% do
patrimônio líquido inicial. Os ganhos por ação, claro, aumentaram um pouco (cerca de 20%),
mas nós consideramos esse valor impróprio para se focar. Nós tivemos um capital
substancialmente maior para trabalhar em 1979 do que em 1978, e a nossa performance em
utilizá-lo fracassou no início do ano, apesar dos ganhos por ação terem aumentado. Os
“ganhos por ação/cota” irão crescer de forma constante em uma conta-poupança ou em um
título de dívida americano com uma taxa fixa de retorno simplesmente porque o “ganho” (a taxa
de juros definida) é constantemente acrescentado à base de capital. Assim, mesmo um “relógio
parado” pode parecer uma ação de crescimento se o ​dividend payout é baixo (N.T.: percentual
de dividendos pagos aos acionistas em relação ao lucro líquido da empresa).

O teste primário da performance de gestão é atingir uma alta taxa de ganhos no capital
empregado (sem enganações, truques contábeis, etc.), não atingir consistência em ganhos por
ação. Em nossa visão, muitos negócios seriam melhor entendidos por seus acionistas, e pelo
público em geral, se os analistas financeiros e de gestão mudassem a ênfase que eles dão nos
ganhos por ação para as alterações anuais nesse valor.

Resultados a longo prazo

Ao medir o desempenho econômico no longo prazo - em contraste com a análise anual


- acreditamos ser apropriado reconhecer todos os ganhos ou perdas de capital, assim como
itens não-recorrentes, e também utilizar declarações financeiras que apresentem as ações a
valor de mercado. Tais ganhos ou perdas de capital, realizados ou não, são tão importantes
aos acionistas em um período de anos quanto ganhos realizados de maneira mais rotineira por
meio de operações no mercado de capitais; mas é que seus efeitos são comumente
imprevisíveis no curto prazo, característica que os tornam inadequados como indicadores de
desempenho anual da gestão.

O valor contábil por ação da Berkshire Hathaway em 30 de setembro de 1964 (ano


fiscal em que a atual gestão que vos fala assumiu o controle) era de U$ 19,46 por ação. Ao
final de 1979, o valor contábil cotado no mercado foi de U$ 335,85 por ação. O ganho em valor
patrimonial foi de 20,5% ao ano. Esse valor, claro, é muito mais alto do que qualquer média
calculada em nossos ganhos operacionais anuais, e reflete a importância que a apreciação de
capital das nossas ações em empresas seguradoras teve para nossos acionistas. É
provavelmente justo dizer também que o valor contábil em 1964 estava superestimado em
relação ao valor intrínseco da empresa, uma vez que os ativos possuídos, seja num princípio
de continuidade ou de liquidação, não valiam 100 centavos por dólar. (No entanto, as
obrigações eram sólidas).
Nós alcançamos esse resultado utilizando uma quantidade pequena de alavancagem
(tanto alavancagem financeira, medida por dívida sobre o capital, quanto alavancagem
operacional, medida como o volume de prêmios sobre os fundos de capital em nossos
negócios de seguros), e também sem significativas emissões ou recompras de ações.
Basicamente, nós trabalhamos com o capital que tínhamos no início. Partindo da nossa base
têxtil, ou com as subsidiárias da Blue Chip e Wesco, nós adquirimos o controle total de treze
empresas por meio de compras à vista negociadas com os donos e começamos outros seis
negócios. (Vale notar que aqueles que nos venderam as empresas foram, quase sem exceção,
extremamente honrosos e justos, tanto no momento da venda quanto posteriormente.)

Mas antes de mergulharmos em um mar de “tapinhas nas costas”, uma outra e crucial
observação deve ser feita. Alguns anos atrás, uma empresa em que o rendimento por ação
fosse de 20% ao ano daria a seus donos um retorno realmente alto e de sucesso. Agora, tal
resultado não parece tão certo. A taxa de inflação, somada à taxas individuais de tributação, é
que vai ser o verdadeiro determinante em dizer se nosso desempenho operacional produz
resultados satisfatórios - i.e., um ganho razoável no poder de compra do dinheiro aplicado -
para vocês na condição de acionistas.

Assim como uma obrigação de 3%, uma conta-poupança de 5% ou um título do


governo de 8% foram, por sua vez, transformados pela inflação em instrumentos financeiros
que reduzem, e não aumentam, seu poder de compra ao longo de suas durações, um negócio
com ganhos de 20% no capital pode produzir um ganho real negativo a seus detentores em
condições inflacionárias não muito mais severas das que temos atualmente.

Se continuarmos a atingir um ganho de 20% - o que não é fácil e tampouco garantido -


e esse ganho for traduzido em um aumento correspondente no valor de mercado da ação da
Berkshire Hathaway, como tem sido nos últimos quinze anos, o seu ganho no poder de
compra, após deduções, tende a ser próximo de zero com uma taxa de inflação de 14%. Boa
parte dos 6% restantes irão para impostos no momento em que você decidir transformar seu
ganho nominal em dinheiro.

Essa combinação - taxa de inflação mais o percentual de capital que deve ser pago pelo
acionista para transferir para o seu bolso os ganhos anuais obtidos pelo negócio (i.e., taxação
de dividendos e em ganhos de capital retidos) - pode ser visto como um “índice de tristeza do
investidor.” Quando esse índice ultrapassa a taxa de retorno da companhia, o poder de compra
do investidor (capital real) encolhe, mesmo se ele não consumir nada. Nós não temos uma
solução corporativa para esse problema; altas taxas de inflação não irão nos ajudar a obter
altas taxas de retorno sobre o capital.

Um amigável, mas astuto, comentarista da Berkshire apontou que nosso valor contábil
ao fim de 1964 seria suficiente para comprar cerca de 29 gramas de ouro e, quinze anos
depois, após reinvestirmos todos os ganhos com muito suor e lágrimas, o valor contábil seria
capaz de comprar, mais ou menos, os mesmos 29g. Uma comparação similar pode ser feita
com o petróleo do oriente médio. O ponto é que o governo tem sido amplamente capaz de
imprimir dinheiro e criar promessas, mas tem sido incapaz de imprimir ouro ou criar petróleo.

Nós pretendemos continuar a tocar nossos negócios tão bem quanto podemos. Mas
você deve entender que condições externas que afetam a estabilidade da moeda podem ser o
fator mais importante em determinar se haverá, de fato, um retorno real do seu investimento na
Berkshire Hathaway.

Fontes dos ganhos

Nós novamente apresentamos a tabela que mostra as fontes de ganhos da Berkshire.


Como explicado ano passado, a Berkshire possui cerca de 60% da Blue Chip Stamps que, por
sua vez, possui 80% da Wesco Financial Corporation. A tabela mostra tanto o montante total
dos vários negócios que possuímos, assim como a proporção relativa à Berkshire. Todos os
ganhos e perdas significativos atribuíveis a qualquer uma das empresas são contabilizados no
valor de ganhos ao final da tabela, não sendo, portanto, incluídos nos ganhos operacionais.
A Blue Chip e a Wesco são companhias de capital aberto com exigências de reportes
contábeis próprias. Nas páginas 37-43 deste presente relatório, nós reproduzimos as narrativas
dos principais executivos de ambas as companhias descrevendo atividades de 1979. Alguns
dos números mencionados por eles não são precisamente idênticos aos mostrados na tabela
anterior por conta de pormenores contábeis e fiscais. (Os índios Yanomamo usam apenas três
números: um, dois ou mais de dois. Talvez a era deles chegue um dia.) No entanto, os
comentários desses relatos podem ajudar a entender as características econômicas e os
prospectos futuros das importantes companhias que os gestores comandam.

Uma cópia do relatório anual de cada uma das duas companhias será enviada a
qualquer acionista da Berkshire que fizer a solicitação ao Sr. Robert H. Bird, da Blue Chip
Stamps, 5801 South Eastern Avenue, Los Angeles, California 90040, ou para a Sra. Bette
Deckard da Wesco Financial Corporation, 315 East Colorado Boulevard, Pasadena, California
91109.
Setor têxtil e de varejo

A significância relativa dessas duas áreas têm diminuído um pouco com os anos na
medida em que nossos negócios de seguros crescem dramaticamente em tamanho e ganhos.
Ben Rosner, da Associated Retail Stores, continua a tirar coelhos da cartola - grandes coelhos
de uma cartola pequena. Ano após ano, ele tem produzido grandes ganhos relativos ao capital
empregado - ganhos em dinheiro, não em recebíveis ou inventários, como em muitos outros
negócios de varejo - em um segmento de mercado com pouco crescimento e demografia
insossa. Ben está agora com 76 anos e, como nossos outros campeões Gene Abegg, 82 anos,
no Illinois National e Louis Vincenti, 74 anos, na Wesco, continua a entregar resultados
crescentes ano após ano.

Nosso negócio têxtil também continua a produzir algum dinheiro, mas a uma taxa baixa
comparada ao capital empregado. Isso não é culpa de nossos gestores, mas sim da indústria
em que eles operam. Em alguns negócios - uma rede de TV, por exemplo - é virtualmente
impossível não ter ganhos extraordinários sobre o capital tangível empregado. E os ativos em
tais negócios podem ser vendidos a preços tão extraordinários quanto, a mil centavos ou mais
por dólar, um ​valuation que reflete o esplêndido, quase inevitável, resultado econômico que
pode ser obtido neste setor. Apesar do alto preço, o negócio “fácil” talvez seja a melhor rota a
se seguir.

Nós podemos falar com propriedade, uma vez que já tentamos a rota mais difícil. O
presidente que vos fala tomou a decisão, alguns anos atrás, de comprar a Waumbec Mills em
Manchester, New Hampshire, aumentando nossa exposição ao setor têxtil. Sob qualquer teste
estatístico, o preço de compra foi uma verdadeira barganha; nós compramos por um preço
muito abaixo do valor patrimonial do negócio e, com efeito, conseguimos maquinários e imóveis
por menos que nada. Mas a compra foi um erro. Mesmo trabalhando incansavelmente, novos
problemas surgiram tão rápido quanto os antigos foram solucionados.

Tanto as nossas experiências operacionais quanto de investimento nos levam a concluir


que “​turnarounds​” raramente acontecem, e a mesma energia e talento despendidos nisso são
muito melhor empregados em bons negócios a preços justos do que em negócios ruins
comprados a preço de banana. Embora tenha sido um erro, a aquisição da Waumbec não foi
um desastre. Algumas partes da operação tem se mostrado valiosas contribuições para a
nossa linha de decoração (nossa área mais forte) em New Bedford, e é possível que possamos
obter lucros a uma escala bem mais reduzida em Manchester. Mesmo assim, nosso raciocínio
inicial não se mostrou correto.
Underwriting1 de seguros

Nós prevemos no ano passado que a taxa combinada de ​underwriting ​(ver definição na
página 36) para a indústria de seguros iria “subir pelo menos alguns pontos, talvez o suficiente
para jogar toda a indústria numa posição de perdas com ​underwriting​.” Isso foi, em linhas
gerais, o que realmente aconteceu. A taxa de ​underwriting da indústria subiu mais de três
pontos em 1979, de cerca de 97,4% para 100,7%. Nós também dissemos que nossa
performance de ​underwriting relativa à indústria iria melhorar um pouco em 1979 e, novamente,
foi isso o que aconteceu. Nossa taxa de ​underwriting diminuiu de 98,2% para 97,1%. Nossa
previsão para 1980 é parecida; novamente achamos que a performance da indústria irá piorar
alguns pontos. No entanto, nós não temos motivos para acreditar que nossa própria
performance irá melhorar em comparação ao restante do segmento. (Não se preocupe - nós
não iremos nos esforçar para tornar essa previsão verdadeira.)

Resultados realmente extraordinários foram entregues pela operação de seguros


tocada na National Indemnity Company, gerida por Phil Liesche. Com o apoio de Roland Miller
no setor de ​underwriting e Bill Lyons em sinistros, esses setores do negócio produziram um
lucro de ​underwriting de U$ 8,4 milhões em cerca de U$ 82 milhões vindos de prêmios. Apenas
algumas poucas outras companhias produziram um resultado comparável a esse.

Você irá notar que os prêmios ganhos nesse segmento caíram um pouco em relação a
1978. Nós ouvimos de muitos gestores sobre a vontade de reduzir o volume com o intuito de
continuar a manter uma operação lucrativa com ​underwrite​, mas apenas poucos o tem feito.
Phil Liesche é uma exceção: se um negócio faz sentido, ele vai atrás; do contrário, rejeita. Não
faz parte da nossa política demitir pessoas por conta das grandes flutuações na quantidade de
trabalho causadas pelas mudanças voluntárias no volume de negócios. Nós preferimos ter
tempos de calmaria, às vezes, do que manter todo mundo terrivelmente ocupado em uma
estratégia que irá nos fazer perder dinheiro. Jack Ringwalt, o fundador da National Indemnity
Company, instaurou essa disciplina de ​underwriting ​na criação da companhia, e Phil Liesche
nunca vacilou em mantê-la. Nós acreditamos que obstinação é algo raro - e absolutamente
necessária para gerir uma empresa de seguros de primeira linha.

John Seward continua a fazer progresso na Home and Automobile Insurance Company,
em boa parte por meio de uma expansão expressiva no marketing da companhia nos setores
de seguros em geral. Esses setores podem ser explosivos, mas o histórico até agora tem sido
excelente e, em John McGowan e Paul Springman, temos dois cautelosos gestores de seguros
expandindo nossas capacidades.

Nossa divisão de resseguros, liderada por George Young, continua a nos dar resultados
razoavelmente satisfatórios após uma entrada de investimentos, mas a performance de

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Processo de subscrição. Se as práticas de subscrição geram contratos cujos prêmios excedem as
indenizações e demais despesas, o lucro subsequente elevará a capacidade da seguradora.
underwriting ​continua insatisfatória. Nós achamos que o negócio de resseguros é difícil e tende
a ficar mais difícil ainda. Na verdade, o fluxo de capital no negócio e os níveis mais baixos de
preços, causados por aumento de exposição, podem produzir resultados desastrosos para
muitos entrantes (que podem não ter a menor noção disso, até o momento em que ficam em
apuros; muitos negócios de resseguro envolvem uma “cauda excepcionalmente longa”,
característica que permite que perdas catastróficas se espalhem sem serem detectadas por
muitos anos.) Vai ser difícil sermos muito mais inteligentes do que nossos concorrentes, e
então espera-se que nossa atividade de resseguros tenha uma queda substancial durante o
prolongado período de competição acirrada.

Nossas operações em nosso estado natal (N.T., Nebraska) foram decepcionantes em


1979. Resultados excelentes foram obtidos, novamente, por George Billings na Texas United
Insurance Company, vencedora do prêmio anual de menor taxa de perda entre as empresas de
Nebraska, e por Floyd Taylor, da Kansas Fire and Casualty Company. Mas algumas outras
operações, em particular a Cornhusker Casualty Company, nossa primeira e maior operação
em nosso estado natal, e historicamente uma vencedora, teve resultados de ​underwriting ​ruins,
que foram acentuados por problemas com processamento de dados, administrativos e
pessoais. Nós cometemos erros grandes ao reestruturar nossas atividades de processamento
de dados, e tais erros não serão resolvidos imediatamente sem ter um custo. No entanto, John
Ringwalt se responsabilizou por organizar a situação e nós temos convicção de que ele,
ajudado por pessoas competentes que entraram recentemente na companhia, irá ter sucesso
nisso.

Nossa performance na área de auxílio-acidente foi muito, muito melhor do que


esperávamos para o início de 1979. Nós tivemos um clima muito favorável na Califórnia que
nos permitiu ter bons resultados, mas, além disso, Milt Thornton, na Cypress Insurance
Company, e Frank DeNardo, da operação de auxílio-acidente na Califórnia da National
Indemnity Company, tiveram um desempenho estelar. Nós admitimos - e com razão - alguns
erros durante a aquisição, mas a compra da Cypress tem se mostrado excelente. Milt Thornton,
assim como Phil Liesche, segue a política de permanecer em negócios que ele entende e quer
fazer parte, sem se importar com quão grande a empresa seja. Dessa forma, ele tem um leque
incrível de negócios e um grupo de funcionários que funciona excepcionalmente bem. Frank
DeNardo conseguiu arrumar a bagunça que herdou em Los Angeles de forma muito acima de
nossas expectativas, gerando economias na casa dos milhões. Agora ele pode começar a
construir em uma base sólida.

No fim do ano, entramos na área especializada de garantia de resseguro, sob gestão de


Chet Noble. Ao menos inicialmente, essa operação vai ser relativamente pequena, uma vez
que nossa política será a de buscar empresas que apreciem a necessidade de uma parceria de
longo prazo com seus resseguradores.
Nós estamos felizes com a qualidade dos resseguradores que atraímos, e esperamos
adicionar mais alguns dos melhores nomes do mercado assim que nossa força financeira e
estabilidade se tornarem mais conhecidas no segmento.

O senso comum levar a crer que o ​underwriting ​de seguros vai ser ruim em 1980, mas
que as taxas vão começar a se firmar em cerca de um ano, ocasionando uma mudança no
ciclo em algum momento de 1981. Mas nós discordamos disso. As atuais taxas de juros nos
encorajam a obter empresas com perdas de ​underwriting ​tidas como totalmente inaceitáveis
até então. Gestores desdenham da loucura de ter perdas em ​underwriting ​para que as
empresas obtenham novos investimentos, mas acreditamos que muitos deles estarão nessa
situação. Assim sendo, temos a expectativa de que a competição irá criar um novo limiar para
perdas com ​underwriting​, e que as taxas combinadas terão uma média mais alta no futuro do
que tiveram no passado.

Até certo ponto, o dia do juízo final foi postergado por conta da redução no mercado da
frequência de acidentes de carro - o que foi provavelmente causado, em boa parte, pela
mudança nos hábitos de direção com um combustível mais caro (N.T.: em 1979, estourou a
crise do petróleo). Em nossa opinião, se os hábitos não tivessem mudado, as taxas cobradas
em seguros de carro teriam subido muito pouco e os resultados com ​underwriting ​teriam sido
muito piores. Essa dose de acaso fortuito não irá durar para sempre.

Nossa previsão é de uma taxa combinada média para o segmento de seguros em torno
de 105 para os próximos cinco anos. Enquanto temos grande confiança de que teremos
resultados muitos melhores do que a média, será um desafio para nós operarmos com custos
abaixo da média da indústria. Podemos ter muitas surpresas com seguros.

Mesmo assim, acreditamos que a área de seguros é um negócio muito bom. Ela tende a
ampliar, de maneira incrível, o talento humano em gestão - ou a falta dele. Nós temos vários
gerentes cujo talento já foi provado e continua a ser ainda mais lapidado. (E, mais ainda,
usufruímos de maneira indireta de dois fantásticos grupos de gestão por meio de nossos
investimentos na SAFECO e na GEICO.) Por conta disso, esperamos manter um bom
desempenho em seguros por um período de anos. No entanto, é uma área que tem potencial
de ter resultados terríveis se olharmos apenas um único ano. Se a frequência de acidentes de
carro voltar a subir repentinamente, nós, assim como outros, iremos passar por um ano ruim.

Investimentos na área de seguros

Nos últimos anos, temos escrito bastante nesta seção sobre nossas posições acionárias
em empresas de seguro. Em 1979, elas continuaram a ter um bom desempenho, em boa parte
porque as companhia onde investimos, em quase todos os casos, entregaram resultados
incríveis. Os ganhos retidos para aplicação em nossos investimentos acionários na área de
seguro, que não são reportados em nossas declarações financeiras, continuam a aumentar
anualmente e, somados, resultam em um valor bastante substancial. Temos a certeza que os
gestores das empresas irão usar esses recursos de forma eficiente, que por sua vez irão se
traduzir em algo do tipo: um dólar retido por eles será um dólar ou mais de valor de mercado
para nós. Até certo ponto, nossos ganhos não realizados refletem isso.

Abaixo, mostramos nossas posições acionárias em empresas com valor de mercado


acima de U$ 5 milhões até o fim do ano:

Nós atualmente acreditamos que o mercado de ações em 1980 irá desempenhar de tal
maneira que poderá resultar em uma ​underperformance da nossa carteira pela primeira vez em
anos recentes. Nós gostamos muito das empresas que temos grandes participações e não
planejamos fazer mudanças para nos adequar ao mercado de um único ano.

Como já cobrimos nossa filosofia sobre ações em relatórios recentes, uma discussão
mais aprofundada sobre títulos parece ser mais adequada este ano, especialmente por conta
do que aconteceu no fim de 1979.. Uma quantidade extraordinária de dinheiro foi perdida pela
indústria de seguros com títulos - a despeito da convenção contábil permitir empresas de
seguro carregar seus investimentos em títulos a um custo amortizado, independentemente de
seus valores de mercado. Na verdade, foi exatamente essa convenção contábil que pode ter
contribuído de forma significativa para as perdas; se a gestão tivesse sido obrigada a usar o
valor de mercado, sua atenção teria sido voltada aos perigos dos títulos com vencimentos
muito longos.
Ironicamente, muitas seguradoras decidiram que uma apólice de seguro de carro com
duração de um ano é inadequada durante períodos de inflação e, dessa forma, as apólices de
seis meses ficaram em voga. “Como”, alguns gestores poderiam dizer, “podemos ter a
expectativa de olhar doze meses à frente e estimar itens imponderáveis como custos
hospitalares, preço de peças automotivas, etc.?” Mas, ao decidir que o período de um ano é
longo demais para definir um preço fixo para um seguro em um mundo inflacionário, eles
pegaram a receita das vendas das apólices de seis meses e colocaram esse dinheiro em títulos
pré-fixados com vencimentos daqui a trinta ou quarenta anos.

O título de longuíssimo prazo tem sido o último grande contrato pré-fixado que ainda é
emitido em um mundo tomado pela inflação. O comprador de títulos com vencimento entre
1980 e 2020 obterá um preço fixo agora para cada ano, enquanto o comprador de seguro de
carro, serviços médicos, jornal, imóveis - ou qualquer outro produto ou serviço - virará motivo
de chacota caso queira exigir um preço fixo agora com vencimento para, digamos, 1985.
Virtualmente todas as áreas de comércio que tenham contratos de longo prazo estão
indexando seus preços de alguma maneira ou exigindo que a situação seja revista ano a ano.

Um atraso cultural tem permanecido na área de títulos. Os compradores (mutuários) e


os intermediários (​underwriters​) de títulos dificilmente esperavam ter se de perguntar se os
contratos fizeram sentido, e os vendedores (emprestadores de dinheiro) dormiram no ponto
durante uma revolução econômica e contratual.

Nos últimos anos, nossas empresas de seguro não tem comprado de forma massiva
nenhum título de longo prazo (aqueles sem direito de conversão ou outros atributos que
ofereçam possibilidades de lucro). Houve algumas compras no setor de títulos, claro, mas elas
foram compensadas por vendas e vencimentos. Mesmo antes desse período, nós nunca
compramos títulos com vencimentos daqui a trinta ou quarenta anos; ao invés disso, nós
tentamos nos concentrar em títulos mais curtos com pagamento de cupom ou em títulos que
pareciam estar relativamente sub-precificados por causa de ineficiências do mercado.

No entanto, a cautela moderada que tivemos foi uma reação imprópria diante do mundo
que se abre diante de nós. Você não está adequadamente protegido por estar meio-acordado
enquanto todos os outros estão dormindo. Foi um erro comprar títulos de quinze anos, e ainda
assim nós o fizemos; nós cometemos um erro mais grave ainda ao não vendê-los (com perdas,
se necessário) quando nossa perspectiva atual começou a se formar. (Naturalmente, tais
perspectivas são muito mais claras e definidas em retrospecto; faria sentido você perguntar o
porquê de não termos falado sobre isso ano passado.)

Claro, nós temos que segurar quantidades significativas de títulos e outras obrigações
pré-fixadas em dólar em conjunto com nossas operações de seguros. Nos últimos anos,
nossos compromissos pré-fixados se limitaram a compras de títulos conversíveis. Nós
acreditamos que as condições de conversão obtidas dão, na prática, um tempo médio de
duração bem menor para essa porção do portfólio (i.e., em um momento adequado, podemos
finalizar o contrato do título e convertê-lo em ações.)

Essa política com títulos nos deu perdas não-realizadas muito menores do que aquelas
vivenciadas pela grande maioria de outras seguradoras. Nós também fomos ajudados por
nossa forte preferência por ações nos últimos anos, o que deixou nosso percentual em títulos
em um patamar relativamente baixo. De qualquer forma, sentimos o “tranco” com os títulos e
sabemos que nossos erros devem ser vistos de forma menos gentil do que aqueles cometidos
por quem estava tocando seu negócio sem se dar conta dos problemas que estavam surgindo.

Fazendo um paralelo com nossa experiência têxtil, nós deveríamos ter percebido a
futilidade de tentar ser muito esperto (por meio de pagamento de cupons ou outra coisa do tipo)
em uma área em que a maré estava totalmente contra nós.

Nós temos severas dúvidas se um contrato pré-fixado de longuíssimo prazo, pago em


dólares, ainda faz sentido em um mundo onde o dólar parece perder valor dia após dia. Esses
dólares, assim como criações de papel (N.T.: impressão de dinheiro) de outros países, podem
ter muitas fragilidades estruturais para servir como uma unidade comercial ao longo do tempo.
Se esse for o caso, títulos muito longos podem se tornar instrumentos obsoletos, e seguradoras
que compraram vencimentos em 2010 ou 2020 poderão ter grandes e contínuos problemas em
suas mãos. Nós, de maneira similar, ficaremos infelizes com nossos títulos de quinze anos e
iremos pagar um preço anualmente em termos de capacidade de ganho por conta desse erro.

Alguns de nossos títulos conversíveis nos parecem excepcionalmente atraentes e


possuem algum fator de retenção de ganhos (aplicáveis nas ações em que podem ser
convertidos), que é comum em nosso portfólio tradicional de ações. Nós temos a expectativa
de fazer dinheiro com esses títulos (já o fizemos, em alguns casos) e esperamos que os
ganhos nessa área compensem as perdas com outros títulos.

E, é claro, existe a possibilidade que a nossa análise atual esteja muito pessimista. As
chances para uma inflação muito baixa existem. A inflação é causada pelo homem; talvez ela
possa ser também domada por ele. Os problemas que nos alarmam podem também alarmar os
legisladores e outros grupos poderosos, estimulando, assim, uma resposta apropriada ao
problema.

No mais, as taxas de juros atuais incorporam projeções de inflação muito maiores do


que de um ou dois anos atrás. Tais taxas podem se mostrar adequadas para proteger os
compradores de títulos. No entanto, nossa falta de vontade em fixar um preço agora por um
quilo de doces da See’s Candies, ou por um metro de pano da Berkshire a serem entregues em
2010 ou 2020, nos torna igualmente relutantes em comprar títulos que fixam o preço do
dinheiro até tais datas. De maneira geral, nós vamos com Polónio (N.T., personagem de
William Shakespeare, em Hamlet): “Não sejais nem um comprador de curto prazo nem um
emprestador de longo prazo.”
Bancos

Esse vai ser o último ano que iremos reportar os resultados do Illinois National Bank and
Trust Company como uma empresa subsidiária da Berkshire Hathaway. Sendo assim, é
particularmente satisfatório poder dizer que, sob a gestão de Gene Abegg e Pete Jeffrey, o
banco quebrou todos os recordes anteriores e ganhou aproximadamente 2,3% sobre o
patrimônio do último ano, um nível que é três vezes maior do que a média dos grandes bancos
e duas vezes acima de bancos tidos como maravilhosos. O recorde é simplesmente
extraordinário, e os acionistas da Berkshire Hathaway devem uma salva de palmas de pé pelo
desempenho de Gene Abegg pelo desempenho desse ano e de todos os anos desde a nossa
compra em 1969.

Como você sabe, o Bank Holding Company Act de 1969 requer que nós façamos um
desinvestimento no banco até 31 de dezembro de 1980. Por alguns anos, tivemos a
expectativa de seguir a lei por meio de um ​spin-off ​(N.T., ​spin-off é a criação de uma empresa
independente através da venda ou distribuição de novas ações de uma empresa que já existe
ou de uma divisão de uma empresa-mãe) durante 1980. No entanto, o conselho do Federal
Reserve tomou uma posição firme de que se isso ocorresse, nenhum funcionário ou diretor da
Berkshire Hathaway poderia ser um funcionário ou diretor do banco resultante do ​spin-off ou da
holding que controla o banco, mesmo em casos como o nosso, onde uma pessoa detém mais
de 40% de ambas as companhias.

Sob tais condições, estamos analisando uma possível venda entre 80% a 100% das
ações que temos do banco. Nós seremos muito criteriosos na escolha do comprador, e nossa
escolha não se dará somente pelo preço. O banco e sua gestão tem nos tratado
excepcionalmente bem e, se temos de vender, queremos ter certeza que eles sejam tratados
igualmente bem também. Um ​spin-off continua sendo uma possibilidade caso um preço justo e
um comprador adequado não sejam encontrados até o começo de março.

No entanto, deve-se ter em mente que não esperamos equiparar por completo, ou
mesmo em grande parte, o poder de ganho do banco com a sua venda. Simplesmente não dá
pra comprar negócios de alta qualidade a um múltiplo P/L que provavelmente resultará da
nossa venda.

Reportes financeiros

Durante o ano de 1979, negociações das ações da Berkshire Hathaway tiveram início
na NASDAQ. Isso significa que o preço da ação aparece agora impressa no Wall Street
Journal. Antes dessa listagem, nem o Wall Street Journal (WSJ) e nem as notícias do
Dow-Jones reportavam nossos ganhos, mesmo eles sendo algumas centenas de vezes
maiores do que algumas empresas cujos relatórios eram comumente explorados por esses
dois veículos de comunicação.

Agora, no entanto, o Dow-Jones reporta nossos ganhos trimestrais assim que nós os
disponibilizamos. Mais ainda, tanto o Dow-Jones quanto o WSJ divulgam agora, também,
nossos ganhos anuais. Isso põe fim a um problema de disseminação de informação que estava
nos incomodando.

De algumas formas, o nosso grupo de acionistas é incomum e isso tem efeito na forma
em que nos comunicamos com vocês. Por exemplo, ao final de cada ano, cerca de 98% da
ações em circulação estão em posse de pessoas que já eram acionistas no início do ano.
Assim, em nossos relatórios anuais, nós damos continuidade ao que foi dito a vocês em anos
anteriores ao invés de ficar repetindo as coisas. Vocês tem acesso à informação mais útil
desse forma e nós não ficamos entediados.

Mais ainda, talvez 90% de nossas ações estão com investidores que possuem a
Berkshire como sua maior posição, muitas vezes por ampla margem. Muitos desses acionistas
têm disposição de se dedicar um bom tempo aos relatórios anuais e nós tentamos prover
informação a eles que nós acharíamos úteis caso estivéssemos em seus lugares.

Em contraste, nós não colocamos qualquer narrativa descritiva em nossos relatórios


trimestrais. Os controladores e gestores possuem um horizonte de longuíssimo prazo neste
negócio, e é difícil para eles falar qualquer coisa nova ou importante todo trimestre sobre
eventos que tenham significado no longo prazo.

Mas quando você recebe alguma comunicação nossa, ela vem da pessoa que você
está pagando para tocar o negócio. Este presidente que vos fala tem uma crença firme de que
os acionistas possuem o direito de ouvir diretamente do CEO a respeito do que está
acontecendo e como ele avalia o próprio negócio, hoje e futuramente. Você certamente exigiria
isso em uma empresa de capital fechado; e não deve esperar nada menos de uma empresa
com capital aberto. Um relatório anual da administração não deve ser de responsabilidade de
um especialista da equipe ou um consultor de relações públicas que provavelmente não está
em posição de falar francamente numa relação gestor-acionista.

Nós sentimos que vocês, como acionistas, têm o direito de receber relatórios da gestão
da mesma forma que nós, da Berkshire Hathaway, sentimos ter o direito de receber
informações dos gestores de nossas empresas. Obviamente, o nível de detalhamento é
diferente, principalmente com informações que poderiam ser úteis à concorrência ou algo
assim.

Mas o escopo geral, o balanço e o grau de sinceridade são similares. Nós não
queremos receber um documento da área de relações públicas ao invés de ouvir diretamente
de nossos gestores, e nós também não achamos que vocês merecem isso.
Em boa medida, as empresas conseguem uma base de acionistas que elas buscam e
merecem. Se elas focam seus pensamentos e comunicação em resultados de curto prazo, ou
consequências de mercado de curto prazo, elas irão, em grande parte, atrair acionistas que
focam nos mesmos fatores. E se elas são cínicas no tratamento aos investidores, esse mesmo
cinismo irá ser retribuído pela base acionária.

Phil Fischer, um respeitado investidor e autor, comparou uma vez as políticas de uma
corporação para atrair acionistas com àquelas de um restaurante atraindo potenciais clientes.
Um restaurante pode buscar uma determinada clientela - clientes de ​fast food​, jantares
elegantes, comida oriental, etc. - e eventualmente obter um grupo apropriado de entusiastas.
Se o trabalho for feito de maneira bem feita, tal clientela, satisfeita com o serviço, cardápio e
preço, irá voltar sempre. Mas o restaurante não pode mudar suas características
constantemente e ainda assim conseguir uma clientela estável e feliz. Se o negócio ir de
culinária francesa para frango frito para viagem, o resultado seria uma porta giratória de
clientes confusos e insatisfeitos.

O mesmo acontece com corporações e a base de acionistas que eles buscam. Você
não pode agradar a todos, buscando simultaneamente pessoas que querem um ​yield alto (N.T.,
percentual resultante da soma de dividendos distribuídos em um ano pelo preço atual da ação),
uma empresa de crescimento e pirotecnias de mercado.

O racional de gestões que buscam grandes volumes de ​trading em suas ações é algo
que nos deixa abismados e confusos. Com efeito, tais gestões dizem querer que boa parte de
sua clientela vá embora para abrir espaço a novos acionistas - até porque não dá pra adicionar
muitos novos acionistas (com novas expectativas) sem perder muitos outros que já estavam
posicionados.

Nós preferimos muito mais os acionistas que gostam de nosso serviço e nosso cardápio
e que voltam ano após ano. Seria difícil encontrar um grupo melhor para ocupar as cadeiras de
acionistas da Berkshire Hathaway do que os que já o fazem. Esperamos continuar a ter uma
taxa muito baixa de rotatividade entre nossos acionistas, reflexo de um pessoal que entende
nossa operação, aprova nossas políticas e compartilha de nossas expectativas. E nós
queremos fazer cumprir tais expectativas.

Prospectos

No último ano, dissemos que esperávamos uma melhora nos ganhos operacionais, mas
uma diminuição no retorno sobre o patrimônio líquido (ROE). Isso realmente aconteceu. Nossa
previsão para 1980 é a mesma. Se estivermos errados, será pro lado ruim. Em outras palavras,
nós estamos virtualmente certos que nossos ganhos operacionais, expressos como
porcentagem da nova base de patrimônio de aproximadamente U$ 236 milhões, a valor de
custo, irão cair dos 18,6% conquistados em 1979. Há também uma boa chance que os ganhos
operacionais nominais irão cair em relação a 1979; o resultado depende parcialmente da data
em que vendermos o banco (como mencionado anteriormente), parcialmente do grau de
declínio dos lucros com ​underwriting e parcialmente da severidade dos problemas de ganhos
da indústria de poupança e empréstimo.

Nós continuamos a nos sentir bem em relação aos nossos investimentos em seguros.
Em um período de anos, esperamos desenvolver um poder enorme de ganhos graças às
frações que temos dessas companhias. Na maior parte dos casos, elas são negócios
esplêndidos, geridas de forma esplêndida e compradas a preços altamente atrativos.

Esta sua empresa, a Berkshire, funciona com o princípio da centralização de decisões


financeiras no topo (bem no topo, mesmo) da cadeia, uma alta delegação de autoridade
operacional e um número-chave de gestores a níveis de empresa ou áreas de negócios.

Nós poderíamos montar um time de basquete com nosso grupo corporativo em nossa
sede (que usa apenas 140 metros quadrados de espaço).

Essa abordagem produz algum erro grande ocasionalmente que poderia ter sido
eliminado ou minimizado com um controle mais apertado da operação. Mas essa mesma
abordagem elimina muitas camadas de custo e aumenta dramaticamente a velocidade das
tomadas de decisão. Como todos tem muito a fazer, muita coisa é, de fato, feita. E o mais
importante de tudo, isso nos permite atrair e reter alguns talentos individuais extraordinários -
pessoas que simplesmente não são contratadas em um curso normal de eventos - e que
sentem que trabalhar na Berkshire é quase o mesmo que ser o dono de seu próprio negócio.

Nós temos muita confiança em nosso time - e suas conquistas já ultrapassaram em


muito a proporção de tal confiança.

Warren E. Buffett, Presidente do Conselho

3 de março de 1980
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1980.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Os ganhos operacionais aumentaram U$ 41,9 milhões em 1980, enquanto que em 1979


esse mesmo valor foi de U$ 36 milhões. Porém, o retorno do capital social (com os ativos a
valor de custo) caiu a 17,8%, enquanto que em 1979 foi de 18,6%. Nós acreditamos que este
último critério seja a medida mais apropriada para avaliar o desempenho econômico anual da
gestão. O uso bem informado desse critério, no entanto, requer um entendimento de muitos
fatores, incluindo políticas contábeis, histórico dos valores dos ativos, alavancagem financeira e
condições da indústria.

Na análise de nosso desempenho econômico, sugerimos que dois fatores ganhem a


sua especial atenção - um de uma natureza peculiarmente positiva, que está associada a nós
mesmos, e outro, de uma natureza negativa, que é aplicável ao desempenho corporativo em
geral. Vamos ver a parte boa primeiro.

Ganhos com posições não-majoritárias

Quando uma empresa é dona de uma parte de outra, procedimentos contábeis


pertinentes a isso devem ser selecionados dentre três categorias. O percentual de ações com
direito a voto, em boa parte, determina qual categoria deve ser utilizada.

Princípios contábeis bem aceitos requerem (com exceções, claro, como aconteceu com
o banco que tínhamos com subsidiário), em geral, a consolidação completa de vendas, gastos,
impostos e ganhos em negócios onde mais de 50% da ações estão nas mãos de uma ​holding​.
A Blue Chip Stamps, detida 60% pela Berkshire Hathaway Inc., se enquadra nessa categoria.
Assim, todos os itens de entrada e saída da Blue Chip são incluídos por completo na
consolidação de ganhos da Berkshire, com os 40% não pertinentes a nós declarado como
dedução de minoritários.

A inclusão completa de ganhos em outras classes, como a detenção de 20% a 50% de


uma companhia (normalmente chamadas de “investidas”), também costuma ocorrer. Os
ganhos vindos de tais companhias - por exemplo, a Wesco Financial, que é controlada pela
Berkshire, mas apenas 48% de suas ações são nossas - são incluídos em apenas uma linha
em nosso relatório de ganhos. Diferente da categoria acima de 50%, todos os itens de receita e
despesa são omitidos; só a proporção de lucro líquido é incluída. Assim, se uma Corporação A
detém um terço da Corporação B, um terço dos ganhos de B, distribuídos ou não por B,
deverão aparecer nos ganhos de A. Há algumas modificações, tanto nessa quanto na categoria
acima de 50%, para incorporar impostos e ajustes ao preço de compra; a explicação para isso
será feita mais a frente (sabemos que vocês mal podem esperar por isso).

Finalmente, temos empresas que possuem menos de 20% de outras empresas. Nesses
casos, as regras contábeis ditam que as companhias detentoras dessa porcentagem devem
incluir em seus ganhos apenas os dividendos distribuídos pelas empresas investidas. Ganhos
não distribuídos são ignorados. Assim, se tivermos 10% de uma Empresa X com ganhos de U$
10 milhões em 1980, nós deveríamos reportar em nosso relatório (ignorando pequenos
impostos sobre dividendos), ou (a) U$ 1 milhão, caso X tenha declarado os U$ 10 milhões
como dividendos; (b) U$ 500.000, caso X tenha pago 50%, ou U$ 5 milhões, em dividendos, ou
(c) zero, caso X tenha reinvestido todos os ganhos.

Nós tivemos de fazer esse curto - e ultra simplificado - curso de contabilidade com
vocês porque a concentração de recursos da Berkshire no campo de seguros produz uma
concentração correspondente em ativos que estão na terceira categoria (menos de 20% de
ações detidas). Muitas dessas empresas pagam proporções relativamente pequenas de seus
ganhos como dividendos. Isso significa que apenas uma pequena proporção do poder atual
delas de ganho é reportado em nossos próprios ganhos operacionais. No entanto, enquanto os
ganhos operacionais que reportamos refletem apenas os dividendos recebidos por tais
empresas, nosso bem-estar econômico é determinado pelos seus ganhos, não por seus
dividendos.

Nossas posições nessa terceira categoria tem aumentado significativamente em anos


recentes, uma vez que nossos negócios em seguros tem prosperado e o mercado de ações
tem apresentado oportunidades particularmente atrativas. O aumento de posição nessas
empresas, somado ao crescimento de ganhos delas, produziu um resultado inesperado; parte
de “nossos” ganhos que essas empresas deixaram retidos no ano passado (a parte que não foi
paga a nós como dividendos) excedeu os ganhos anuais totais reportados pela Berkshire
Hathaway. Assim, as convenções contábeis fazem com que menos da metade de nossos
ganhos apareçam “acima da superfície” (N.T., o autor faz referência à imagem do ​icerberg,
sendo que a maior parte fica escondida embaixo d’água). No mundo corporativo, isso é
bastante raro; em nosso caso, é provável que seja algo recorrente.

Nossa análise própria de ganhos difere um pouco do que é aceito como convenção na
área de contabilidade, principalmente quando tais convenções devem ser usadas num mundo
com alta e incerta inflação. (É muito mais fácil criticar do que melhorar as regras contábeis. Os
problemas inerentes são monumentais.) Nós tivemos 100% de ações de empresas cujos
ganhos operacionais não chegavam perto de 100 centavos por dólar para nós, mas, do ponto
de vista contábil, nós tínhamos controle total de suas disponibilidades (O “controle” era teórico.
A menos que reinvestíssemos todos os ganhos, uma deterioração em massa no valor dos
ativos iria ocorrer. Mas esses ganhos reinvestidos não tinham prospecto algum de gerar um
retorno sobre o capital próximo de mercado.) Nós também tivemos pequenas frações de
negócios com oportunidades de reinvestimento incríveis cujos ganhos retidos tiveram um valor
econômico para nós muito acima de 100 centavos por dólar.

O valor da Berkshire Hathaway em ganhos retidos não é determinado caso tenhamos


100%, 50%, 20% ou 1% dos negócios. Ao invés disso, o valor de tais ganhos retidos é
determinado por como eles são usados e o subsequente nível de ganhos produzidos por esse
uso. Isso vale tanto para quando nós mesmos decidimos onde usá-los ou quando gerentes que
não contratamos - mas elegemos para fazer parte do time - tomam essa decisão em nosso
lugar. (O que vale é o ato, não quem o faz.) E o valor não é afetado de forma alguma pela
inclusão ou não dos ganhos retidos em nossos relatórios de ganhos operacionais. Se uma
árvore nasce em uma floresta onde temos participação, mas seu crescimento não é reportado
por nós em nossos balanços financeiros, ainda assim temos direito a uma parte da árvore.

Nossa visão, já avisamos, não é convencional. Mas nós preferimos ter ganhos pelos
quais não tivemos participação em seu uso, por uma gestão que não contratamos, em uma
empresa detida 10% por nós, do que ter ganhos pelos quais somos responsáveis e aplicá-los
em projetos duvidosos com outra gestão - mesmo que nós sejamos tal gestão.

(Não dá pra resistir e pausar para um pequeno comercial. Um uso de ganhos retidos
que nós recebemos com especial entusiasmo é quando as empresas em que temos
participações recompram suas próprias ações. O racional é simples: se um ótimo negócio está
sendo negociado a mercado por um valor muito abaixo do seu valor intrínseco, que uso mais
certeiro e lucrativo para o capital pode existir do que um significativo aumento na participação
acionária a preço de banana? A natureza competitiva na atividade de adquirir uma empresa
quase sempre garante o pagamento do valor cheio - ou até mais que isso - quando uma
empresa adquire outra diretamente. Mas a natureza leiloeira do mercado de ações
frequentemente oferece a oportunidade de empresas muito bem tocadas comprarem porções
de seus próprios negócios a um preço 50% abaixo daquele que seria praticado para ter o
mesmo poder de ganho em uma aquisição negociada com outra empresa.)

Resultados corporativos de longo prazo

Como dissemos, nós avaliamos a performance corporativa comparando os ganhos


operacionais em relação ao capital social, com ativos avaliados ao preço de custo de aquisição.
Nosso critério de avaliação de longo prazo, no entanto, inclui todos os ganhos ou perdas de
capital, realizados ou não. Nós continuamos a obter um retorno sobre patrimônio (ROE) que
excede consideravelmente a média de nossos retornos anuais. O principal fator que causa
esse agradável resultado é simples: os ganhos retidos de empresas que comentamos
anteriormente se traduziram em ganhos de valor de mercado.
Claro, essa tradução de ganhos retidos em apreciação do valor de mercado é muito
desigual (chega a acontecer o oposto em alguns anos), imprevisível em relação ao ​timing e
improvável de se materializar de forma precisa em uma análise dólar a dólar. E uma compra a
preços tolos (N.T., preços muito altos) por um bloco de ações de uma empresa pode anular os
efeitos de uma década inteira de ganhos retidos por ela. Porém, quando os preços de compra
fazem sentido, é provável que ocorra algum reconhecimento de longo prazo do mercado
quanto ao acúmulo de ganhos retidos. De tempos em tempos, você irá receber até a cereja do
bolo, com uma apreciação de mercado muito maior que os ganhos retidos pós-compra.

Nos dezesseis anos desde que a gestão atual assumiu responsabilidade pela Berkshire,
o valor patrimonial por ação com ativos de seguro avaliados a mercado subiu de U$ 19,46 para
U$ 400,80, ou 20,5% ao ano. (Você, pessoalmente, fez ainda melhor: o valor dos conteúdos
minerais no corpo humano aumentaram a uma taxa de 22% ao ano durante a última década.) É
encorajador notar que esse histórico de resultados foi atingido mesmo com vários erros. A lista
é muito dolorosa e extensa para ser detalhada aqui. Mas ela claramente mostra que uma
média razoavelmente competitiva pode ser conseguida mesmo com a gestão dando muitas
bolas fora.

Nossas empresas de seguro vão continuar a fazer grandes investimentos em empresas


que são bem tocadas, bem situadas no mercado e sem controle majoritário que,
rotineiramente, pagam uma proporção pequena de dividendos em relação a seus ganhos.
Seguindo essa política, nós esperamos que nossos resultados de longo prazo continuem a
ultrapassar os retornos de ganhos operacionais anuais. Nossa confiança nesse cenário pode
ser quantificada facilmente: se fôssemos vender os ativos que temos e trocá-los por títulos
públicos de longo prazo e isentos de impostos, nossos ganhos operacionais iriam
imediatamente aumentar em U$ 30 milhões anualmente. Mas tal mudança não nos tenta nem
um pouco.

Que boas notícias, não?

Resultados para os acionistas

Infelizmente, os ganhos reportados nas demonstrações financeiras não são mais a


principal variável para determinar se houve ganhos reais para você, o acionista. Somente os
ganhos de compra representam o ganho real em investimentos. Se você (a) renunciou o prazer
de dez hambúrgueres para fazer um investimento; (b) recebeu dividendos que, após tributação,
compram dois hambúrgueres; e (c) recebeu, após a venda de seus ativos e tributação, um
montante que te permite comprar mais oito hambúrgueres, então (d) você não teve um ganho
real em seu investimento, não importa quanto tenha sido o ganho nominal. Você pode se sentir
mais rico, mas não vai comer a mais por isso.
Uma inflação alta cria um imposto sobre capital que torna insensato muitos
investimentos em empresas - ao menos quando medido pelo critério de um retorno positivo real
aos acionistas. Esse obstáculo, que atrapalha o ROE que uma empresa deve atingir para que
ela produza retornos reais a seus donos, tem crescido muito nos últimos anos. O investidor
médio está agora subindo uma escada rolante que está descendo, e o ritmo acelerou ao ponto
em que ele não sai mais do lugar, não importa o quanto ele corra.

Por exemplo, em um mundo com inflação a 12%, um negócio com ganhos de 20%
sobre o patrimônio (coisa que pouca gente consegue fazer) e que distribua todo esse ganho
aos acionistas está, basicamente, “mastigando” seu capital, não aumentando-o. (Metade dos
20% irá para impostos; os outros 10% deixa os acionistas com um poder de compra a 98% do
que tinham no começo do ano - mesmo que eles não tenham gasto um centavo sequer de seus
“ganhos”). Os investidores, nesse caso, estariam melhores com uma combinação de preços
estáveis e ganhos no capital social de apenas alguns por cento.

Os impostos por si só, sem considerar a inflação, nunca irão transformar um retorno
positivo em negativo. (Mesmo que houvesse um imposto de 90% sobre os ganhos em
dividendos e capital, haveria um ganho real para o acionista com uma inflação igual a zero.)
Mas a inflação não se limita aos ganhos reportados. A taxas não muito distantes das que
vivemos recentemente, a inflação pode transformar os ganhos positivos obtidos pela maioria
das empresas em retornos negativos aos acionistas, até mesmo para os que são isentos. (Por
exemplo, se a inflação chegasse a 16%, os donos de mais de 60% de empresas americanas
que possuem um retorno abaixo disso teriam um retorno negativo - mesmo se impostos sobre
dividendos e ganhos de capital fossem eliminados.)

É claro que as duas taxações (N.T., inflação e impostos) coexistem e interagem entre si,
uma vez que os impostos explícitos são cobrados nos rendimentos nominais, não nos reais.
Assim, você paga impostos sobre rendimentos que seriam déficits caso os retornos aos
acionistas fossem medidos em taxas reais.

Com a inflação atual, nós acreditamos que acionistas pessoa física que estejam nas
faixas medianas ou mais altas de taxação (ao contrário de entidades isentas, como fundos de
pensão ou instituições filantrópicas) não devem esperar retornos reais de longo prazo da média
das empresas americanas, mesmo que eles invistam todos os ganhos recebidos por meio de
dividendos. A média de retorno sobre patrimônio das empresas é totalmente corroída pela
combinação de taxas implícitas sobre o capital, causadas pela inflação, e taxas explícitas
impostas sobre dividendos e ganhos de valor produzidos por capital retido.

Conforme dissemos ano passado, a Berkshire não tem uma solução para esse
problema. (Nós diremos isso no ano que vem também). A inflação não melhora nosso retorno
sobre patrimônio líquido.
A indexação é a proteção que todos buscam contra a inflação. Mas grande parte do
capital das empresas (há algumas importantes exceções) não é sequer parcialmente indexado.
Claro, ganhos e dividendos por ação normalmente crescem se boa parte dos lucros são
“salvos” pela empresa, isto é, são reinvestidos no lugar de serem pagos como dividendos. Isso
seria verdade caso não houvesse inflação. Da forma análoga, uma pessoa frugal poderia
atingir aumentos anuais regulares em seus rendimentos mesmo sem receber um aumento -
caso ele se dispusesse a receber apenas metade de seu salário (seu “salário dividendo”) e
consistentemente colocasse a outra metade (os “ganhos retidos”) em uma poupança. Nem
essa pessoa frugal, nem o acionista de uma empresa que enxuga custos e cuja taxa de
dividendos anual aumenta enquanto seu retorno sobre patrimônio não sai do lugar, estão
verdadeiramente indexados.

Para o capital ser realmente indexado, o retorno sobre patrimônio líquido deve crescer;
isto é, os ganhos das empresas devem consistentemente aumentar na proporção que os
preços sobem, sem a necessidade da empresa adicionar capital - incluindo capital de giro.
(Ganhos crescentes produzidos por aumento de investimentos não contam.) Apenas alguns
poucos negócios mostraram ter essa habilidade. E a Berkshire Hathaway não é um deles.

Nós, é claro, temos uma política corporativa de reinvestir os ganhos em crescimento,


diversificação e solidez, que possuem o efeito incidental de minimizar a atual imposição de
impostos explícitos a nossos acionistas. No entanto, no dia-a-dia, você será sujeito à inflação
implícita, e quando você desejar transferir seu investimento na Berkshire para outro lugar, ou
para consumo, você será taxado.

Fontes de ganhos

A tabela a seguir mostra as fontes de ganhos reportados pela Berkshire. Nós detemos
cerca de 60% dla Blue Chip Stamps, que por sua vez detém 80% da Wesco Financial
Corporation. A tabela mostra o montante de ganhos de várias entidades de negócio, assim
como a participação da Berkshire neles. Todos os ganhos ou perdas de capital atribuíveis a
qualquer uma das entidades de negócio estão aglutinados no valor de ganhos realizados em
ativos ao final da tabela, e não estão incluídos nos ganhos operacionais. Nosso cálculo de
ganhos operacionais também exclui o ganho da venda do ramo de escritórios da Mutual. Isso é
diferente da apresentação auditada da nossa demonstração financeira, que inclui esse item no
cálculo de “Resultados antes de Ganhos Realizados com Investimentos”.
Blue Chip Stamps e Wesco são companhias abertas com relatórios contábeis próprios.
Nas páginas 40 e 53 deste presente relatório nós reproduzimos as narrativas ditas pelos
principais executivos de ambas as companhias, onde eles descrevem as operações de 1980.
Nós recomendamos uma leitura cuidadosa, e sugerimos que vocês notem, em particular, o
trabalho soberbo feito por Louie Vincenti e Charlie Munger no reposicionamento da Mutual
Savings and Loan. Uma cópia do relatório anual de cada companhia será enviada a qualquer
acionista da Berkshire que assim o desejar, devendo enviar a requisição para Mr. Robert H.
Bird for Blue Chip Stamps, 5801 South Eastern Avenue, Los Angeles, California 90040, ou para
Mrs. Bette Deckard for Wesco Financial Corporation, 315 East Colorado Boulevard, Pasadena,
California 91109.

Conforme indicado anteriormente, ganhos não distribuídos em empresas que não


controlamos são agora tão relevantes quanto os ganhos operacionais reportados na tabela
anterior. A porção que foi distribuída, é claro, está incluída na tabela na parte de investimento
líquido da seção de ganhos do grupo de seguradoras.
A seguir, mostramos a participação proporcional da Berkshire em empresas não
controladas as quais apenas os ganhos distribuídos (dividendos) estão incluídos em nossos
próprios ganhos.

Por essa tabela, é possível ver que nossas fontes de capacidade de ganho estão
distribuídas de maneira bem diferente entre indústrias. Por exemplo, nossas subsidiárias de
seguro detém aproximadamente 3% da Kaiser Aluminum e 1,25% da Alcoa. Nossa participação
nos ganhos de 1980 dessas empresas foi do montante de U$ 13 milhões. (Se fosse pra fazer
um combinação de ganho em valorização de mercado e dividendos, esse montante seria
reduzido significativamente por causa dos impostos, embora não seja possível precisar
exatamente quanto; 25% seria um bom palpite.) Assim, nós temos um retorno econômico muito
maior no ramo de alumínio do que em praticamente qualquer outro negócio que controlamos e
que exploramos em maiores detalhes. Se mantivermos nossas participações, nosso
desempenho de longo prazo será mais afetado pelo futuro do mercado de alumínio do que por
decisões operacionais diretas que fizermos a respeito de empresas onde exercemos controle
da gestão.
GEICO Corp.

Nossa maior participação em uma empresa não controlada é de 7,2 milhões de ações
da GEICO Corp., o que equivale a cerca de 33% de participação societária. Normalmente, uma
posição dessa magnitude (acima de 20%) seria classificada na categoria “investida”, tornando
necessário incorporar os ganhos proporcionais da GEICO em nossos balanços. No entanto,
nós compramos ações da GEICO de acordo com ordens especiais dos departamentos de
seguros de Nova York e District Columbia, que fizeram o requerimento para que o direito a voto
dessas ações ficasse no poder de uma outra entidade. Como não temos direito a voto, nossa
participação de 33% não se classifica na categoria “investida”. (Uma situação similar acontece
com a empresa Pinkerton.)

É claro que o fato dos ganhos não distribuídos da GEICO aparecerem ou não no valor
de nossos ganhos operacionais não tem nada a ver com o valor econômico que eles tem para
nós, ou para vocês, acionistas da Berkshire. O valor desses ganhos retidos será determinado
pela habilidade com que a gestão da GEICO fizer uso deles.

Sobre esse ponto, nós não poderíamos nos sentir melhores. A GEICO representa o
melhor no mundo dos investimentos - a junção de um negócio que é muito importante e, ao
mesmo tempo, muito difícil de replicar, com uma gestão extraordinária, cujas habilidades
operacionais estão a par com as habilidades de alocação de capital.

Como você pode ver, essa participação nos custou U$ 47 milhões, com cerca de
metade desse valor investido em 1976 e a maior parte do restante em 1980. Na taxa atual de
dividendos, nosso ganhos com a GEICO somam pouco mais de U$ 3 milhões por ano. Mas nós
estimamos que nossa participação em seu potencial de ganhos é da ordem de U$ 20 milhões
por ano. Assim, ganhos não distribuídos relacionados a essa empresa podem chegar a 40% do
resultado operacional total da Berkshire.

Nós devemos enfatizar que nos sentimos tão confortáveis com a gestão da GEICO reter
cerca de U$ 17 milhões de ganhos atribuíveis a nossa participação quanto se essa quantia
estivesse em nossas próprias mãos. Nos últimos dois anos, a GEICO, por meio de recompras
de ações, reduziu a quantidade de ações disponíveis de 34,2 milhões para 21,6 milhões,
aumentando dramaticamente a participação de acionistas em um negócio que simplesmente
não pode ser replicado. Nós não poderíamos estar mais bem servidos.

Nós escrevemos em relatórios passados sobre os desapontamentos que costumam


resultar de compras de negócios em processo de ​turnaround​. Literalmente centenas de
possibilidades de ​turnaround​, em dezenas de setores, foram apresentadas a nós ao longo dos
anos e, seja como participantes ou como observadores, traçamos um histórico de desempenho
versus expectativas. Nossa conclusão é que, com algumas poucas exceções, quando uma
gestão brilhante entra em negócio que é famoso por ter uma reputação de fundamentos ruins,
é a reputação do negócio que se mantém intacta.

GEICO parece ser uma das exceções, tendo passado por um processo de ​turnaround
que a livrou da bancarrota em 1976. É certo que o brilhantismo da gestão se fez necessário
para sua ressurreição, e que Jack Byrne, que entrou na empresa naquele ano, supriu essa
necessidade com abundância.

Mas também é verdade que a vantagem competitiva fundamental que a GEICO tinha -
que, anteriormente, produziu um sucesso estrondoso - ainda estava intacta dentro da
companhia, embora submersa em um mar de problemas financeiros e operacionais.

A GEICO foi projetada para ser uma operação de baixo custo em um mercado enorme
(seguro de carros), povoado, em grande parte, por empresas cujas estruturas de marketing
restringiam a adaptação. Administrada conforme projetada, ela conseguia trazer um valor
incomum aos clientes, enquanto mantinha retornos incomuns para si. Por décadas, foi
administrada exatamente assim. Os problemas que ela teve no meio dos anos 70 não foram
produzidos por qualquer diminuição ou desaparecimento dessa vantagem competitiva
essencial.

Os problemas da GEICO, na época, a colocou numa posição análoga a da American


Express em 1964, após o escândalo do óleo de salada (N.T., pesquisar por “Salad Oil
Scandal”.) Ambas as empresas eram únicas, temporariamente sofrendo de problemas fiscais
que não destruíram seus fundamentos econômicos excepcionais. As situações da GEICO e da
American Express, franquias de negócio extraordinárias com um “câncer” localizado e
desculpável (que precisava, de fato, de um habilidoso “cirurgião”), devem ser separadas de
verdadeiras situações de ​turnaround​, onde os gestores esperam - e precisam - tirar um coelho
da cartola.

Qualquer que seja a denominação, nós estamos muito satisfeitos com nossa
participação na GEICO que, como mencionada, custou U$ 47 milhões. Comprar um poder de
ganhos de U$ 20 milhões em um negócio com características econômicas topo de linha e
prospecto brilhante custaria, no mínimo, U$ 200 milhões (muito mais em alguns setores) se
envolvesse a compra de toda a companhia. Uma participação de 100% desse tipo dá ao dono
as opções de alavancar a compra, trocar a gestão, direcionar o fluxo de caixa e vender a
empresa. Também pode deixar as coisas animadas na matriz da companhia (algo que é pouco
mencionado).

Nós achamos perfeitamente satisfatório que a natureza de nossos negócios em seguro


nos leve a comprar várias porções minoritárias de empresas que já são bem tocadas (por
preços muito baixos) e que não precisam de alterações em gestão, redirecionamento de fluxo
de caixa ou que precisem ser vendidas. Não existem muitos Jack Byrnes no mundo corporativo
ou GEICOs no mundo dos negócios. O que poderia ser melhor do que comprar uma
participação que une os dois?

Condições da indústria de seguros

A cena geral de ​underwriting1 na indústria de seguros continua a se desenrolar como


havíamos previsto, com a taxa combinada ​(ver definição na página 37) ​subindo de 100,6 em
1979 para um taxa estimada de 103,5 em 1980. É praticamente certo que essa tendência irá
permanecer, e as perdas de ​underwriting irão se acumular, significativa e progressivamente,
em 1981 e 1982. Para entender o porquê, nós recomendamos que você leia a excelente
análise das dinâmicas competitivas nos seguros de bens feito por Barbara Stewart, da Chubb
Corp., em um artigo de outubro de 1980. (O relatório anual da Chubb apresenta, de forma
consistente, as discussões mais perspicazes, francas e bem escritas a respeito das condições
do setor; você deveria se cadastrar na mala-direta da companhia.) A análise da Sra. Stewart
pode não ser alegre, mas acreditamos ter alta probabilidade de ser acurada.

Mais ainda, um problema ainda não mencionado, mas pernicioso, pode prolongar e
intensificar a agonia das empresas no setor. Não só é provável que ele deixe os agentes de
seguro procurando por negócios quando as perdas de ​underwriting atingir níveis recordes, mas
é também provável que faça com que eles redobrem seus esforços.

O problema em si vem da queda nos preços dos títulos e a convenção contábil no setor
de seguros que permite que as empresas carreguem-os a um custo amortizado,
independentemente do valor de mercado que eles tenham. Muitas seguradoras possuem títulos
de longo prazo que, a custo amortizado, somam de duas a três vezes o patrimônio líquido. Se o
nível está em três vezes, uma redução de um terço no preço dos títulos - se isso fosse
mencionado nas demonstrações - iria destruir totalmente o patrimônio líquido. E essa redução
tem acontecido. Algumas das maiores e mais conhecidas empresas seguradoras de bens se
encontram agora avaliadas a valor de face, ou mesmo negativo, de patrimônio líquido quando
os títulos sob sua posse são valorados a mercado.

É claro que tais títulos poderiam subir de preço, restaurando de forma parcial, ou até
mesmo total, a integridade do patrimônio líquido. Ou os preços poderiam cair ainda mais. (Nós
acreditamos que a previsão de curto prazo dos preços de ações e títulos é inútil. As previsões
podem dizer muito sobre quem está fazendo-as; mas elas não dizem nada a respeito do
futuro.)

Pode soar estranho a alguns de vocês que a sobrevivência de uma seguradora seja
ameaçada quando seu portfólio de ações cai o suficiente para reduzir seu patrimônio líquido de

1
Processo de subscrição. Se as práticas de subscrição geram contratos cujos prêmios excedem as
indenizações e demais despesas, o lucro subsequente elevará a capacidade da seguradora.
maneira significativa, mas que uma queda ainda maior nos preços dos títulos não produza
reação alguma. A indústria iria responder apontando que, independentemente do preço atual,
os títulos serão pagos integralmente no vencimento, eliminando assim a queda de preço no
interim. Esse argumento pode levar vinte, trinta ou até quarenta anos pra se mostrar
verdadeiro; desde que os títulos não precisem ser vendidos no meio do caminho, eles pagarão
o valor acordado no vencimento. Mas claro, se eles forem vendidos e substituídos por outros
títulos que ofereçam um valor relativo melhor, as perdas seriam contabilizadas imediatamente.
E, com a mesma rapidez, o patrimônio líquido também seria ajustado para baixo, de forma a
levar em conta as perdas com os títulos.

Nessas circunstâncias, muitas ótimas oportunidades de investimento desaparecem,


talvez por décadas. Por exemplo, quando grandes perdas com ​underwriting estão no radar,
pode fazer todo o sentido para algumas seguradoras trocar títulos isentos de imposto para
títulos tributáveis. A relutância de assumir grandes perdas com títulos pode ser o único fator
que impeça esse tipo de movimentação.

Mas as implicações completas de perdas não realizadas com títulos são muito mais
sérias do que a imobilização de intelecto financeiro. A fonte de recursos para comprar e
segurar tais títulos vem do dinheiro de tomadores de seguro e requerentes. Dinheiro esse que,
com efeito, está temporariamente depositado na seguradora. Se as reservas de dinheiro
encolhem - algo que irá ocorrer caso o volume de negócios caia significativamente - os ativos
deverão ser vendidos para honrar os compromissos. E se tais ativos consistirem de títulos com
grandes perdas não realizadas, tais perdas sairão rapidamente de não realizadas para
realizadas, dizimando o patrimônio líquido no processo.

Dessa forma, uma empresa de seguros com títulos cujos valores estão encolhendo a
níveis próximos do patrimônio líquido (e existem muitas empresas assim) e com taxas
inadequadas nos seguros, que certamente irão deteriorar ainda mais, tem duas opções. Uma
delas é a gestão dizer aos seguradores para continuar precificando de acordo com a exposição
envolvida na situação - “se certifique se conseguir um dólar de prêmio para cada dólar de
despesa somado ao custo de perda esperado”.

As consequências dessa diretiva são previsíveis: (a) como a maior parte das vendas
são sensíveis ao preço e renováveis anualmente, muitas apólices que estejam atualmente na
empresa serão perdidas para a concorrência em um curto prazo; (b) na medida em que o
volume de prêmios diminuir consideravelmente, haverá uma redução (mesmo que atrasada)
nos passivos (prêmios não recebíveis e indenizações); (c) ativos (títulos) serão vendidos para
arcar com a redução em passivos; e (d) o antes oculto desaparecimento de patrimônio líquido
passará a ser reconhecido parcialmente (dependendo da extensão das vendas) nas
demonstrações contábeis da empresa.

Variações nessa sequência depressiva envolvem uma penalidade menor no patrimônio


líquido. A reação de algumas empresas com (c) seria de vender ou ações, que já são
carregadas a valor de mercado, ou títulos comprados recentemente, acarretando perdas
menos severas. Esse comportamento tipo avestruz - de vender os melhores ativos e manter as
maiores perdas - pode ser menos dolorosa no curto prazo, mas dificilmente será uma
estratégia vencedora no longo prazo.

A segunda opção é muito mais simples: continuar a fechar negócios


independentemente das taxas de mercado e de uma perspectiva de perdas elevadíssimas com
underwriting​, mantendo assim os níveis atuais de prêmios, ativos e passivos - e então rezar por
dias melhores, tanto para os preços de ​underwriting quanto para os de títulos. Há muitas
críticas na imprensa especializada sobre o “fluxo de caixa” em ​underwriting​; isto é, fechar
negócios mesmo com as perspectivas de perdas com ​underwriting de forma a obter recursos
para investir nas atuais e altas taxas de juros. Essa segunda opção pode ser cunhada como
“manutenção de ativos” - aceitar fazer negócios terríveis só para manter os ativos que se já
tem.

É claro que você sabe qual das opções vai ser selecionada. E também fica claro que
enquanto grandes seguradoras se sentirem compelidas a ir com a segunda opção, não haverá
dias melhores para o ​underwriting​. Se parte do setor sente que deve manter o nível de prêmios
independentemente do preço, todas as empresas terão de ter preços semelhantes. Além de
causar um problema financeiro para si mesmo, o próximo flagelo é ter um grande grupo de
competidores com problemas financeiros que podem adiar a situação com uma política de
“venda a qualquer preço”.

Nós mencionamos anteriormente que as empresas que não estão dispostas - por um
número de razões, incluindo reação do público, orgulho institucional ou proteção do patrimônio
líquido - a vender os títulos a valor de mercado e forçar a admissão de grandes perdas podem
cair numa situação de congelamento de investimentos por uma década, ou até mais. Mas,
como notado, esse é só metade do problema. Companhias que montaram posições muito
grandes em títulos de longo prazo podem perder, por um período considerável de tempo, não
apenas muitas opções de investimento, mas muitas de suas opções de ​underwriting​ também.

Nosso posicionamento a respeito dessa questão é confortável. Nós acreditamos que


nosso patrimônio líquido, avaliando os títulos a custos amortizados, é o mais sólido em relação
ao volume de prêmios em comparação a todas as grandes seguradoras controladas por
acionistas. Com títulos avaliados a mercado, nossa força relativa se torna ainda mais
formidável. (Mas antes de ficarmos ensoberbecidos, vale lembrar que nossos ativos e passivos
a vencer estão mais desequilibrados do que gostaríamos, e que nós também perdemos somas
importantes com títulos porque este Presidente que vos fala estava só de conversa fiada
quando deveria estar agindo.)

Nosso capital abundante e flexibilidade de investimento irá nos permitir fazer o que
acharmos mais sensato durante o período de preços inadequados. Mas problemas no setor
significam problemas para nós. Nossa força financeira não nos blinda do um ambiente
agressivo de precificação que encapsulou por completo a indústria de seguros. Só nos dá mais
resistência e mais opções.

Operações de seguros

Os gestores da National Indemnity, liderados por Phil Liesche com a sempre presente
assistência de Roland Miller e Bill Lyons, se superaram em 1980. Mesmo com um volume
menor, as margens de ​underwriting ​em relação ao setor atingiram o nível mais alto da história.
Nós supomos que o volume nessa operação irá cair em 1981. Mas os gestores não ouvirão
reclamações nossas, e nem os empregados ou salários irão sofrer. Nós admiramos muito a
disciplina da National Indemnity com ​underwriting ​- disciplina que foi embutida desde a origem
da companhia por Jack Ringwalt, seu fundador, e que sabemos que será difícil de ser
completamente recuperada caso seja deixada de lado algum dia.

John Seward, da Home and Auto, continua a progredir bem com a substituição de um
número cada vez menor de seguros de automóveis com um volume vindo de linhas menos
competitivas, principalmente de seguros gerais com prêmios pequenos. As operações estão
sendo expandidas aos poucos, tanto geograficamente como na linha de produtos, o que pode
ser visto pelo nosso resultado de ​underwriting.​

O negócio de resseguros continua a refletir os excessos e problemas com seguradores


primários (N.T., empresas que emitem apólices de apenas uma seguradora). Pior ainda, eles
tem o potencial de ampliar tais excessos. Resseguro é caracterizado pela extrema facilidade de
entrada no mercado, grandes pagamentos de prêmios adiantados e reportes de perdas de
pagamentos pouco frequentes. Inicialmente, as cartas pela manhã trazem muito dinheiro e
poucas reclamações. Esse tipo de cenário pode gerar um sentimento ditoso, quase eufórico,
análogo ao de uma inocente pessoa que acaba de receber o primeiro cartão de crédito.

A atração magnética por características tão geradoras de caixa, aumentadas ainda mais
pelas atuais taxas de juros, está transformando o negócio de resseguros em um setor de
amadores. Sem uma grande catástrofe, o resultado de ​underwriting nos próximos anos será
ruim. Se passarmos por tal catástrofe, haverá um banho de sangue, com companhias não
conseguindo honrar seus compromissos. Os resultados, com a fatia de investimentos incluída,
tem sido razoavelmente lucrativos. Nós manteremos um presença ativa nos resseguros mas,
para o futuro próximo, não vemos crescimento dos prêmios nessa atividade.

Continuamos a ter grandes problemas nas operações em nosso estado natal (N.T.,
Nebraska). Floyd Taylor, no Kansas, tem feito um trabalho excelente, mas nossos resultados
de ​underwriting em outros locais está consideravelmente abaixo da média. O pior desempenho
tem sido da Insurance Company of Iowa, que tem tido severas perdas anuais desde a sua
fundação, em 1973. Ao fim de dezembro, nós abandonamos a atividade de ​underwriting
naquele estado (Iowa) e fundimos a companhia com a Cornhusker Casualty. Há potencial em
nosso estado natal, mas há muito trabalho a ser feito para explorá-lo.

Nosso ramo de auxílio-acidente sofreu uma enorme perda quando Frank DeNardo
morreu ano passado, aos 37 anos. Frank tinha um pensamento instintivo de um subscritor. Ele
tinha um conhecimento técnico incrível e era um feroz competidor; em pouco tempo, ele
acertou nossos problemas na California Workers Compensations Division da National
Indemnity. Dan Grossman, que trouxe Frank até nós, imediatamente entrou em seu lugar após
sua morte para manter a operação funcionando. Operação essa que, agora, faz uso da
Redwood Fire and Casualty, outra subsidiária da Berkshire, como empresa seguradora.

Nossa maior empresa no ramo de auxílio-acidente, a Cypress Insurance Company,


administrada por Milt Thorton, continua a manter um histórico de resultados incríveis. Ano após
ano, Milt, assim como Phil Liesche, administra uma operação de ​underwriting que ultrapassa
em muito a competição. O setor o admira e o copia, mas não há ninguém como ele no páreo.

Operações no setor varejista e têxtil

Durante o último ano, nós diminuímos o escopo do nosso negócio têxtil. As operações
na Waumbec Mills foram encerradas de forma relutante, mas necessária. Parte do
equipamento foi transferida para New Bedfort e o restante já foi vendido, ou assim o será, junto
com os imóveis. O Presidente que vos fala cometeu um erro custoso por não encarar as
realidades da situação anteriormente.

Em New Bedford, reduzimos o número de teares ativos em cerca de um terço e


abandonamos algumas linhas de grande volume que não ofereciam diferenciação entre
produtos. Mesmo assumindo que tudo deu certo - o que raramente deu - essa linhas não
conseguiam gerar retornos adequados em relação ao investimento feito. E, após um ciclo
completo da indústria, as perdas pareciam ser o resultado mais provável.

O restante da nossa operação têxtil, ainda de tamanho considerável, foi dividida entre
manufatura e vendas, cada uma livre para fazer negócios de maneira independente uma da
outra. Assim, a atividade de distribuição e produção não ficarão coladas entre si.

Nós mais do que dobramos nossa capacidade em nosso segmento têxtil de maior lucro
com a recente aquisição de teares seminovos de 130 polegadas da Saurer. As condições
atuais indicam mais um ano difícil para os têxteis, mas com uma quantidade substancialmente
menor de capital empregado na operação.

O histórico de Ben Rosner na Associated Retail Stores continua a nos surpreender. Em


um ano ruim no varejo, os ganhos da Associated permaneceram excelentes - e tais ganhos se
transformaram em dinheiro. Em 7 de março de 1981, a Associated irá comemorar 50 anos. Ben
tem tocado o negócio (junto com seu sócio Leo Simon, de 1931 a 1966) por todo esse tempo

Venda do Illinois National Bank and Trust em Rockford

Em 31 de dezembro de 1980, nós completamos a troca de 41.086 ações da Rockford


Bancorp Inc. (que detém 97,7% do Illinois National Bank) por um número igual de ações da
Berkshire Hathaway Inc.

Nosso método de troca permitiu aos acionistas da Berkshire manter suas posições
proporcionais no banco (menos eu; pude manter apenas 80% da minha proporção). Eles
tiveram asseguradas suas posições, de maneira idêntica que eles teriam caso tivéssemos
seguido uma abordagem mais tradicional de ​spinoff​. Vinte e quatro acionistas (do total de 1300
que temos) escolheram essa opção de troca proporcional.

Nós também permitimos uma troca maior, sendo que outros trinta e nove acionistas
aceitaram tal opção, aumentando assim suas participações no banco e diminuindo na
Berkshire. Todos conseguiram o montante total requisitado de ações da Bancorp, uma vez que
o montante requerido por esses trinta e nove investidores foi um pouco menor do que aquele
disponível aos outros 1200 acionistas da Berkshire que optaram por não abrir mão de nenhuma
ação da empresa. Como um “permutador de última hora”, eu peguei o que restava (3% das
ações da Bancorp). Tais ações, somadas com as que eu recebi (80% da proporção) gerou uma
participação levemente menor no banco e levemente maior na Berkshire.

A gestão do banco ficou feliz com o resultado. Bancorp irá agora ser operada como uma
holding tranquila e descomplicada, detida por 65 acionistas. E todos esses acionistas terão se
tornado donos da Bancorp em uma decisão tomada de forma consciente.

Financiamento

Em agosto, vendemos U$ 60 milhões de 12,75% das notas promissórias a vencer em 1


de agosto de 2005, com um fundo de amortização a ser iniciado em 1991.

Os subscritores responsáveis pela gestão, Donald, Lufkin & Jenrette Securities


Corporation, representada por Bill Fischer, e Chiles, Heider & Company, Inc., representada por
Charlie Heider, fez um trabalho de ponta, do início ao fim, na parte de financiamento.

Diferente da maioria de outros negócios, a Berkshire não recorre a financiamentos por


causa de quaisquer necessidades imediatas. Ao invés disso, nós tomamos dinheiro
emprestado porque acreditamos que teremos muitas oportunidades de usar esse dinheiro
antes do vencimento. As oportunidades mais atrativas podem surgir quando o crédito está
extremamente caro - ou até mesmo indisponível. Quando a oportunidade surgir, queremos ter
um bom poder de fogo financeiro.

Nossas preferências de aquisição vão de encontro a negócios que geram caixa, não
àqueles que o queimam. Na medida que a inflação aumenta, mais e mais empresas descobrem
que devem gastar todos os fundos que eles geram internamente apenas para manter o volume
de negócios existentes. Há uma aura de miragem em tais operações. Mesmo que os ganhos
pareçam atrativos, nós permanecemos cautelosos a respeito de negócios que parecem nunca
conseguir converter bons resultados em caixa de fato.

Negócios que atendem as nossas exigências não são fáceis de achar. (Lemos sobre
centenas de aquisições corporativas todos os anos; apenas algumas chamam nossa atenção.)
E uma expansão das nossas operações atuais não é fácil de ser implementada. Mas
continuaremos a procurar negócios que possam aumentar o crescimento da Berkshire.

Em qualquer circunstância, queremos operar sempre com muita liquidez, com uma
dívida moderada e bem estruturada e com uma abundante força de capital. Nosso retorno
sobre patrimônio líquido é um pouco penalizado por essa abordagem conservadora, mas é a
única com a qual nos sentimos confortáveis.

* * * * * * * * * * * *

Gene Abegg, fundador do banco que temos há muito tempo, em Rockford, morreu no
dia 2 de julho de 1980, aos 82 anos. Como amigo, banqueiro e cidadão, ele era incomparável.

Você aprende muito com alguém que vende seu negócio a você e continua a trabalhar
nele como empregado, ao invés de dono. Antes da compra, quem está te vendendo o negócio
o conhece em detalhes, enquanto você irá ter de aprender do zero. O vendedor tem dezenas
de oportunidades de enganar o comprador - seja por omissões, ambiguidades ou um mau
direcionamento. Após o cheque trocar de mãos, mudanças sutis (ou nem tanto assim) de
atitudes podem ocorrer e entendimentos implícitos podem evaporar. Assim como na sequência
cortejo-casamento, decepções não são raras.

Desde que nos conhecemos, Gene foi honesto 100% do tempo - era a forma de ser
dele. No início das negociações, ele mostrou o lado negativo logo de cara; por outro lado, anos
depois da transação ter sido feita, ele periodicamente me contava de itens positivos que ainda
não tinham sido mencionados com a nossa compra.

Embora ele tivesse 71 anos quando nos vendeu o banco, Gene trabalhou ainda mais
duro para nós do que tinha trabalhado para ele mesmo. Ele nunca hesitou um minuto para
reportar um problema, embora fosse raro problemas surgirem com o Gene à frente do negócio.
O que mais você poderia esperar de um homem que, nos feriados de 1933, tinha dinheiro em
caixa o suficiente para honrar por completo todos os compromissos? (N.T., em 1933 a
economia americana ainda sofria fortemente os efeitos da crise de 1929.) Gene nunca se
esqueceu que ele estava lidando com o dinheiro de outras pessoas. Embora essa atitude
fiduciária fosse a dominante, suas soberbas habilidades em gestão permitiram ao banco
alcançar regularmente o topo nacional de lucratividade.

Gene foi o encarregado do banco Illinois National por quase cinquenta anos - quase um
quarto da vida de nosso país (N.T., os EUA se tornaram independentes em 1776.) George
Mead, um rico industrial, trouxe Gene a Chicago para abrir um novo banco após a falência
generalizada de bancos em Rockford. O Sr. Mead trouxe o dinheiro e Gene comandou o navio.
Seu talento para liderar deixou cedo sua marca em virtualmente todo grande evento cívico em
Rockford.

Dezenas de cidadãos de Rockford me disseram, ao longo dos anos, da ajuda que Gene
deu a eles. Em alguns casos, a ajuda foi financeira; mas em todos eles, houve muita sabedoria,
empatia e amizade. Ele sempre ofereceu isso a mim. Por conta da nossas diferenças de idade
e posição, algumas vezes eu ocupava o cargo júnior; em outras, o sênior. Qualquer que fosse o
relacionamento, era sempre algo especial, e eu sinto falta disso.

Warren E. Buffett
Presidente do Conselho

27 de fevereiro de 1981
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1981.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Os ganhos operacionais de U$ 39,7 milhões somaram 15,2% de valorização sobre o


capital inicial (com ativos valorados a custo); para comparação, a valorização em 1980 foi de
17,8%. Nosso novo plano, que permite aos acionistas designar contribuições beneficentes a
instituições de caridade (maiores detalhes a seguir) reduziu os ganhos em U$ 900 mil em 1981.
Este programa, que esperamos continuar sendo avaliado anualmente sob uma luz tributária em
nossa companhia, não existia em 1980.

Ganhos com posições não-majoritárias

No relatório anual de 1980, discutimos bastante o conceito de ganhos com posições


não-majoritárias. São porções da Berkshire de ganhos não distribuídos de companhias que não
controlamos, mas que, mesmo assim, são importantes investimentos para nós. (Nós podemos
gentilmente tornar disponíveis cópias dessas discussões que tivemos em relatórios passados a
novos ou prospectivos acionistas.) Nenhuma parte desses ganhos não distribuídos estão
incluídos nos ganhos operacionais da Berkshire.

No entanto, acreditamos que esses ganhos não distribuídos e, portanto, não reportados,
irão se traduzir em valor tangível para os acionistas da Berkshire na mesma medida em que
nossas subsidiárias ganharem, reterem - e reportarem - ganhos similares.

Nós sabemos que essa mudança de ganhos com posição não-majoritárias em ganhos
de capital, realizados ou não, para a Berkshire ocorrerá de forma muito irregular no momento
atual. É verdade que os mercados acompanham as valorizações das empresas no longo prazo,
mas também é verdade que essa relação pode ter reviravoltas caprichosas no período de
apenas um ano. O reconhecimento do mercado sobre ganhos retidos também costuma vir de
forma desigual entre as empresas. Tal ajuste será decepcionantemente baixo, ou negativo, no
caso em que os ganhos forem empregados de forma não produtiva, e terá uma proporção
muito maior de dólar-por-dólar1 em casos de empresas que consigam obter grandes retornos
com seu capital aumentado. De maneira geral, se um conjunto de empresas não controladas
for selecionado com certa habilidade, o resultado do grupo em si deverá ser bastante
satisfatória.

No agregado, nossos rendimentos em negócios os quais não exercemos controle


acionário possuem características econômicas subjacentes mais favoráveis do que os negócios
que temos controle. E isso é compreensível; o leque de opções é muito maior. Pequenas

1
No sentido do mercado valorizar acima dos ganhos reais.
porções de negócios excepcionalmente bons costumam estar disponíveis no mercado de
ações a preços razoáveis. Mas esses mesmos negócios raramente estão à venda por
completo, e quando isso acontece, o preço cobrado é alto.

Comportamento em relação a aquisições

Como nosso histórico indica, ficamos confortáveis tanto com o controle completo de
uma empresa quanto com ações representando pequenas porções de companhias. Nós
continuamente buscamos formas de empregar grandes somas em cada uma dessas áreas.
(Mas tentamos evitar “pequenos empenhos” - “Se não vale a pena fazer algo de jeito nenhum,
então também não vale a pena fazê-lo bem”.) De fato, os requisitos de liquidez de nossos
negócios de seguro e fidelidade tornam mandatórios grandes investimentos no mercado
acionário.

Nossas decisões de aquisição são tomadas com o intuito de maximizar os benefícios


econômicos reais, não de maximizar números para fins contábeis. (No longo prazo, uma gestão
que valoriza demais a aparência contábil em detrimento à robustez econômica costuma ter
resultados ruins em ambas as coisas.)

Independentemente do impacto imediato nos ganhos reportados, nós preferimos


comprar 10% de Um Negócio Maravilhoso a um valor X por ação do que comprar 100% de Um
Negócio Maravilhoso a um preço de 2X por ação. Alguns executivos preferem exatamente o
contrário, possuindo um amplo arsenal de justificativas para tal.

No entanto, suspeitamos haver três motivações - normalmente não comentadas - que


são, de forma única ou combinada, as mais importantes em tomadas de controle por um alto
preço:

1. Líderes, tanto em empresas quanto em qualquer outra coisa, raramente


possuem moral baixa e comumente gostam de desafios e múltiplas atividades.
Na Berkshire, os batimentos cardíacos da corporação nunca batem mais
depressa do que quando estamos prospectando uma aquisição.

2. A maior parte das organizações medem a si mesmas, são medidas por outras e
recompensam seus gestores mais por uma métrica de tamanho do que por
qualquer outra coisa. (Pergunte a um gestor que esteja na lista da Fortune 500
qual a colocação de sua empresa e, invariavelmente, a resposta virá da lista
ordenada pelo tamanho das vendas; pode ser que ele nem saiba como sua
empresa está colocada na lista que a Fortune também faz com as mesmas 500
empresas ordenadas por lucratividade.)
3. Muitos gestores parecem ter tido contato demais com histórias de infância a
respeito do belo príncipe que é libertado de um corpo de sapo ao ser beijado por
uma bela princesa. Consequentemente, eles ficam certos que seus “beijos de
gestão” farão milagres na lucratividade da Empresa A.

Esse otimismo é essencial. Fora dessa visão colorida, por que acionistas de uma
Empresa B iriam ter interesse na Empresa A a um custo de 2X ao invés de
pagar um preço X por meio de compras diretas no mercado acionário?

Em outras palavras, investidores podem sempre comprar sapos a preços de


príncipes. Se, ao invés disso, os investidores financiarem princesas que desejam
pagar o dobro do preço para ter direito de beijar o sapo, então é bom que esses
beijos tenham um potencial explosivo de valorização. Nós já vimos muitos
desses beijos acontecer, mas poucos transformaram sapos em príncipes.
Mesmo assim, muitos príncipes-gestores continuam serenamente confiantes
sobre o potencial futuro de seus beijos - mesmo quando seus “quintais”
corporativos estão abarrotados de sapos.

Para sermos justos, devemos reconhecer que algumas aquisições já feitas foram
deslumbrantes. Duas grandes categorias se destacam nesta seara.

A primeira envolve empresas que, de propósito ou por acidente, compram negócios que
se adaptam particularmente bem a um cenário inflacionário. Tais negócios devem ter duas
características: (1) uma habilidade de aumentar preços facilmente (mesmo quando a demanda
por produto está estagnada e a capacidade de produção não está sendo utilizada por
completo), sem medo de perdas significativas da fatia de mercado ou de volume unitário, e (2)
uma habilidade de acomodar amplos incrementos em volume de dinheiro no negócio
(comumente causado mais pela inflação do que por crescimento real) com apenas alguns
pequenos investimentos adicionais de capital. Gestores sem nenhuma habilidade especial que
focaram em possibilidades de aquisição que atendiam a esses requisitos conseguiram
excelentes resultados nas últimas décadas. No entanto, pouquíssimos empreendimentos
possuem essas duas características, e a competição para comprar as que se encaixam nelas
se tornaram ferrenhas ao ponto de serem auto-destrutivas.

A segunda categoria envolve os gestores ​superstars - pessoas que conseguem


reconhecer o raro príncipe que está disfarçado de sapo e que possuem habilidades que os
permitem tirar o disfarce. Nós saudamos tais gestores, como Ben Heineman, da Northwest
Industries, Henry Singleton, da Teledyne, Erwin Zaban, da National Service Industries e,
especialmente, Tom Murphy, da Capital Cities Communications (um verdadeiro 2-em-1, cujos
esforços de aquisição foram adequadamente focados na categoria 1 e os talentos operacionais
o tornaram um líder na categoria 2). Por meio de experiências diretas e indiretas, nós
reconhecemos a dificuldade e raridade das conquistas alcançadas por esses gestores. (E eles
também sabem disso; esses campeões fizeram poucas negociações nos últimos anos e
frequentemente notaram que a recompra de suas próprias ações era o uso mais sensato do
capital da empresa.)

O presidente que vos fala, infelizmente, não é qualificado o suficiente para a categoria
2. E, apesar de termos um entendimento razoavelmente bom dos fatores econômicos que
compelem a concentração de esforços na categoria 1, nossas atividades de aquisição têm sido
esporádicas e inadequadas. Nossa “pregação” foi melhor do que nosso desempenho. (Nós
negligenciamos o princípio de Noé: prever a chuva não conta, o que conta é construir a arca.)

Nós já tentamos, ocasionalmente, comprar sapos a preços de banana, com resultados


que foram cronologicamente relatados em nossos relatórios passados. Claramente, nossos
beijos caíram por terra. Nós tivemos bons resultados com alguns príncipes - mas eles já eram
príncipes quando os compramos. Pelo menos nossos beijos não os transformaram em sapos.
Por fim, nós temos obtido, ocasionalmente, bastante sucesso em comprar frações de
“empresas-príncipes” a preços de sapos.

Objetivos das aquisições da Berkshire

Nós vamos continuar tentando adquirir empresas inteiras a preços que façam sentido,
mesmo que o futuro da empresa adquirida siga um crescimento semelhante ao que teve no
passado. Nós podemos pagar caro por um negócio da categoria 1 se tivermos confiança no
que estamos comprando. Mas nós não iremos, de forma rotineira, pagar mais em uma compra
do que podemos contribuir - até porque nós acabamos não acrescentando muito.

Durante 1981, chegamos muito perto de fechar uma compra envolvendo tanto um
negócio quanto um gestor que gostamos muito. No entanto, o preço exigido, considerando as
alternativas de aplicação dos nossos fundos, deixariam nossos acionistas em uma situação pior
do que antes da compra. O nosso império teria se expandido, mas ser um cidadão dele teria se
tornado mais penoso.

Apesar de não termos tido sucesso em 1981, de vez em quando, no futuro, teremos a
chance de comprar 100% de um negócio que atende aos nosso padrões. Adicionalmente, nós
esperamos, eventualmente, uma oferta majoritária sem direito a voto, ​conforme discutido na
seção de Pinkerton na página 47 deste relatório​. Nós aceitamos de bom grado sugestões de
empresas em que nós, como parceiros “júniores”, possamos atingir bons resultados
econômicos, ao mesmo tempo em que expandimos os objetivos de longo prazo dos nossos
acionistas e gestores.

Atualmente, encontramos valor ao comprar frações de empresas no mercado de ações


que tenham excelentes franquias de negócios, com uma gestão competente e honesta. Nós
não temos intenção de tocar essas empresas, mas esperamos lucrar com elas.
Nós temos a expectativa de que os ganhos não distribuídos de tais companhias irão
produzir um grande valor (sujeito à tributação quando realizados) à Berkshire e a seus
acionistas. Se isso não ocorrer, significa que teremos cometido erros ou em: (1) na escolha da
gestão; (2) no futuro econômico do negócio; (3) no preço que pagamos.

Nós já cometemos muitos desses erros - tanto em compras majoritárias quanto


minoritárias. Erros de cálculo na categoria (2) são os mais comuns. Mas, para ser sincero, é
necessário ir fundo em nosso histórico para achar exemplos de tais erros - algo tão profundo
quanto dois ou três meses atrás.

Por exemplo, no ano passado, dei minha opinião de “especialista” sobre o mercado de
alumínio. Alguns pequenos ajustes nessa opinião - algo como um giro de 180 graus - foram
feitos desde então.

Por razões pessoais e objetivas, no entanto, nós temos sido capazes de corrigir esses
erros de forma muito mais ágil em negócios que possuímos posições minoritárias (no mercado
acionário) do que no caso de subsidiárias controladas por nós. A falta de controle, no fim das
contas, tem mostrado ser uma vantagem econômica.

Como mencionamos no ano passado, a magnitude de nossa participação em ganhos


não reportados aumentou ao ponto em que a soma total deles ultrapassa nossos próprios
ganhos operacionais. Em apenas quatro posições desta categoria - GEICO Corporation,
General Foods Corporation, R.J. Reynolds Industries, Inc. e The Washington Post Company -,
nossa parcela de ganhos não distribuídos e, portanto, não reportados, provavelmente
ultrapassará U$ 35 milhões em 1982. As regras contábeis que ignoram completamente esses
ganhos não distribuídos diminuem a utilidade do nosso cálculo anual de retorno sobre o
patrimônio líquido (ou de qualquer outra métrica de desempenho econômico feita para o
período de um ano).

Performance de longo prazo

Ao medir a performance de longo prazo, os ativos tidos por nossas subsidiárias de


seguro são tomados a valor de mercado, sujeitos a cobranças para refletir a quantidade de
impostos que deveriam ser pagos caso os ganhos passassem de não realizados para
realizados. Se estivermos corretos na premissa mencionada no seção anterior deste relatório,
nossos ganhos não reportados irão, de maneira irregular e inevitável, ser incorporados ao
nosso patrimônio líquido. Até o presente momento, foi isso que tem acontecido.

Um cálculo ainda mais “puro” de desempenho envolveria o ​valuation de títulos e ativos


fora do setor de seguros a preços de mercado. No entanto, as regras contábeis não
recomendam esse tipo de avaliação, e a “pureza” do cálculo mudaria muito pouco os
resultados. Se a diferença entre ​valuations ​começar a tomar proporções significativas, como
tem acontecido com nossas empresas de seguros, nós iremos reportar tais diferenças a vocês.

Seguindo as regras contábeis atuais, o valor patrimonial das ações, durante os


dezessete anos desde que esta atual gestão tomou posse, subiu de U$ 19,46 para U$ 526,02;
uma taxa de crescimento anualizada de 21,1%. Essa taxa de retorno tem alta probabilidade de
diminuir nos anos futuros.

Nós esperamos, no entanto, manter uma taxa de retorno que seja significativamente
maior do que aquelas obtidas pela média das grandes companhias americanas.

Mais da metade dos grandes ganhos que a Berkshire teve em seu patrimônio líquido
durante 1981 - um total de U$ 124 milhões, com crescimento de 31% - vieram do desempenho
de mercado de um único investimento: GEICO Corporation. No geral, nossos ganhos de capital
no mercado ultrapassaram de forma considerável os ganhos de valor dos negócios
subjacentes. Tais variações de mercado não irão ocorrer sempre para o lado positivo.

Em relatórios passados, nós explicamos como a inflação pode fazer com que nosso
aparente desempenho satisfatório de longo prazo seja ilusório como medida de retorno real aos
nossos acionistas. Nós aplaudimos os esforços feitos pelo presidente do Federal Reserve,
Volcker, pelo aumento (agora) mais moderado em vários índices de preços. Não obstante,
nossa visão das tendências de inflação a longo prazo continua muito negativa. Assim como a
virgindade, um nível estável de preços pode parecer possível de ser mantido, mas não
restaurado.

Apesar da grande importância que a inflação possui nos investimentos, nós não iremos
puni-los novamente com outro ensaio a respeito de nossa visão sobre o assunto; a inflação por
si só já será punição suficiente. (Cópias das discussões anteriores estão disponíveis para
masoquistas.) Porém, por conta da incessante destruição de valor monetário, os nossos
esforços corporativos continuarão a fazer um trabalho muito melhor em encher sua carteira do
que encher seu estômago2.

Valor agregado em ações

Um fator adicional deve dominar qualquer resquício de animação em relação aos


retornos de longo prazo.

A justificativa econômica para o investimento em ações é a de que, em geral, a


obtenção de ganhos adicionais em relação aos retornos de investimentos passivos - juros em

2
​Por conta da inflação, o autor leva a crer que os retornos dos investimentos continuarão a
ocorrer, mas não terão mais o mesmo poder de compra
títulos pré-fixados - ocorrem pelo uso de habilidades empreendedoras e de gestão em conjunto
com o capital social da empresa. Mais ainda, uma vez que o capital social é associado a um
risco maior do que formas de investimento passivas, ele tem o “direito” de receber maiores
retornos. Um bônus de “valor agregado” neste tipo de capital parece natural e certo.

Mas isso realmente ocorre? Algumas décadas atrás, um retorno sobre o capital de
míseros 10% já era o suficiente para classificar a empresa como “boa” - isto é, cada dólar
reinvestido na companhia teria um valor de mercado maior do que o dólar em si. Com títulos de
longo prazo tributáveis rendendo 5% ao ano, e títulos de longo prazo e isentos rendendo 3% ao
ano, uma operação que pudesse remunerar seu capital a 10% claramente mereceria um
prêmio em relação ao capital empregado no negócio.

Isso foi verdade durante um bom tempo, muito embora uma combinação de taxação de
dividendos com ganhos de capital fossem capazes de reduzir os 10% ganhos pela empresa em
6%-8% de ganho para o investidor individual.

Os mercados de investimento reconheceram este fato. Durante tais anos vindouros, as


companhias americanas cresceram, em média, 11% sobre o capital empregado e as ações, em
geral, foram vendidas a ​valuations muito superiores a seus valores patrimoniais, a cerca de 150
centavos por dólar3. A maior parte das empresas eram “boas” porque ganhavam muito mais do
que gastavam (o retorno sobre dinheiro passivo de longo prazo). O valor agregado produzido
pelo investimento em ações, de maneira geral, foi substancial.

Esses dias se foram. Mas a lição aprendida durante esse período é difícil de descartar.
Os investidores e gestores devem ter uma visão de futuro, mas suas memórias e sistemas
nervosos continuam enraizados no passado. É muito mais fácil para os investidores usar o
histórico de P/L, ou gestores usarem métricas históricas de ​valuation​, do que fazer ambos os
grupos repensar suas premissas diariamente. Quando a mudança é lenta, um constante
repensar das coisas é, na verdade, indesejável, pois agrega pouco e diminui o tempo de
resposta. Mas quando a mudança é grande, as premissas do passado podem custar caro. E o
ritmo das mudanças econômicas tem sido vertiginoso.

Durante o último ano, os rendimentos de títulos de longo prazo tributáveis passaram


para mais de 16%, e os de longo prazo, isentos, 14%. O retorno total conseguido por títulos
isentos, é claro, vai direto para o bolso de quem o possui. Enquanto isso, as companhias
americanas têm gerado um retorno de apenas 14% sobre o capital. E esses 14% serão
significativamente reduzidos por impostos antes de serem embolsados pelos investidores. O
tamanho dessa redução irá depender da política de dividendos da empresa e dos impostos
aplicáveis para cada pessoa.

3
​Ou seja, em média, as ações foram negociadas com 50% de ágio.
Dessa forma, com as taxas de juros em investimentos passivos nos níveis de 1981,
uma típica companhia americana não vale mais 100 centavos por dólar para o investidor
individual. (Se a companhia é controlada por fundos de pensão ou investidores isentos de
imposto, a conta, embora continue não sendo encantadora, se torna substancialmente mais
agradável.) Leve em conta um investidor na faixa de 50% de imposto; se essa mesma empresa
distribuir todos os ganhos, o retorno, de fato, ao investidor será igual a de um título público
isento de imposto que rende 7% ao ano. E se as condições permanecerem assim - se todos os
ganhos forem distribuídos e o retorno sobre patrimônio permanecer em 14% - a equivalência
ao título isento de 7% permanecerá tão congelado quanto o cupom pago por ele. Um título
isento perpétuo de 7% pode estar valendo 50 centavos por dólar4 no momento em que escrevo
estas palavras.

Se, por outro lado, todos os ganhos de uma típica empresa americana forem retidos e o
retorno sobre patrimônio permanecer constante, tais ganhos irão crescer a uma taxa de 14%
ao ano. Se o múltiplo P/L permanecer constante, o preço da ação dessa empresa também irá
crescer 14% ao ano. Mas esses 14% ainda não estariam no bolso do acionista. Para colocá-lo
lá, seria necessário pagar um imposto sobre os ganhos auferidos, que atualmente pode chegar
a 20%. O retorno líquido, portanto, resultaria em uma taxa de retorno pior do que as disponíveis
em títulos públicos (após deduções).

A menos que as taxas dos investimentos passivos caiam, as empresas com ganhos de
14% ao ano, sem pagamentos de dividendos, representarão um fracasso econômico para os
acionistas individuais. Os retornos em capital passivo estão sendo maiores do que os retornos
de capital ativo. Esse é um fato desconcertante, tanto para investidores quanto para gestores e,
portanto, se torna algo que eles tentam ignorar. Mas os fatos não deixam de existir porque são
ignorados ou desconcertantes.

A maior parte dos negócios americanos distribuem uma parte significativa de seus
ganhos, o que os deixam numa categoria intermediária entre os dois exemplos dados. A maior
parte dos negócios, atualmente, podem ser vistos como “ruins” economicamente - produzem
menos para o investidor individual do que investimentos passivos. É claro que alguns negócios
de alto retorno continuam atrativos, mesmo sob as atuais circunstâncias. Mas o capital social
das empresas americanas, de forma geral, não tem gerado valor agregado a seus acionistas.

É importante notar que essa situação deprimente não ocorre porque as empresas estão
dando saltos, economicamente falando, menores do que antigamente. Na verdade, seus saltos
estão até maiores: o retorno sobre o patrimônio líquido melhorou alguns pontos percentuais na
última década. Mas os níveis de retorno de investimentos passivos cresceram de forma muito
mais acelerada.

4
Isto é, com 50% de desconto.
Infelizmente, não há muito o que as empresas possam fazer a não ser torcer para que
tais níveis de retorno com investimentos passivos diminuam significativamente; há poucos
setores em que os prospectos mostram ganhos substanciais no retorno sobre patrimônio.

A experiência inflacionária e as expectativas futuras serão fatores importantes (mas não


únicos) que irão afetar o nível de retorno de investimentos passivos nos próximos anos. Se as
causas da inflação de longo prazo forem atenuadas, os retornos passivos irão cair e o valor
intrínseco do capital das empresas americanas irá aumentar muito.

Muitos negócios que hoje estão na categoria “ruim” iriam voltar para a categoria “bom”
em um cenário desses.

Uma outra punição, particularmente irônica, ocorre em um ambiente inflacionário a


donos de negócios “ruins”. Para continuar a operar no presente, negócios de baixo retorno
precisam reter boa parte dos ganhos - não importa qual seja a penalidade que essa política
possa infligir em seus acionistas.

Um pensamento racional, é claro, indicaria adotar uma política oposta numa situação
dessas.

Um indivíduo que possui um título com rendimento de 5% e que está a muitos anos de
chegar ao vencimento não costuma pegar os cupons deste título para pagar 100 centavos por
dólar em mais títulos de 5%, enquanto outros títulos similares estão disponíveis a, digamos, 40
centavos por dólar. Ao invés disso, ele recebe os cupons e, se estiver inclinado a reinvestir,
procura pelo retorno mais alto que esteja disponível no momento. Não se joga dinheiro fora por
aí.

O que faz sentido para o investidor de títulos também faz sentido para o investidor de
ações. Logicamente, uma empresa com prospectos e histórico de altos retornos deve reter boa
parte, ou até mesmo a totalidade, de seus ganhos de forma que seus acionistas possam obter
um prêmio em cima do capital. Por outro lado, retornos baixos sobre o patrimônio indicariam
um cenário de ​payout de dividendos muito grande, de forma a permitir que os acionistas
direcionassem seus recursos a setores mais atrativos. (As Escrituras concordam com isso. Na
parábola dos talentos, os dois servos com altos retornos são premiados com uma retenção de
100% de seus ganhos, sendo encorajados a expandir suas operações. No entanto, o terceiro
servo, que não teve retorno, não é apenas castigado - “perverso e preguiçoso” - mas também é
obrigado a redirecionar todo o seu capital ao servo com o melhor desempenho. Mateus,
25:14-30)

No entanto, a inflação deixa o mundo de pernas pro ar e nos leva ao mundo de Alice no
País das Maravilhas. Quando os preços continuam a aumentar, os negócios “ruins” precisam
reter cada centavo que ganham. Não porque é o melhor destino para aquele capital, mas
porque essa atitude é tão pouco atraente que os negócios de baixo retorno devem seguir uma
política de alta retenção. Se a empresa deseja continuar operacional no futuro como foi no
passado - e a maior parte dos negócios quer isso - ela simplesmente não tem outra alternativa.

A inflação age como uma enorme tênia corporativa. Essa tênia consome,
peremptoriamente, suas calorias diárias de dólares investidos, independentemente da saúde
de seu hospedeiro.

Qualquer que seja o nível de lucros reportados (mesmo que zero), mais dinheiro para
recebíveis, inventário e ativos imobilizados é continuamente requisitado pelo negócio para que
ele consiga igualar o volume de produção do ano anterior. Quanto menos próspera for a
atividade, maior a proporção de “sustento” que será retida pela tênia.

Nessas condições, uma empresa com ganhos de 8% ou 10% sobre o patrimônio não
possui sobras para expandir, reduzir dívidas ou distribuir dividendos “reais”. A tênia da inflação
simplesmente limpa o prato. (A inabilidade de empresas com baixo retorno para pagar
dividendos é, compreensivelmente, disfarçada. As corporações americanas estão cada vez
mais se voltando para planos de reinvestimento, às vezes incorporando descontos que
simplesmente forçam o acionista a reinvestir seus recursos. Outra empresas vendem novas
emissões de ações para Pedro de forma a pagar os dividendos a Paulo. Tome cuidado com
“dividendos” que só podem ser pagos se alguém prometer repor o capital distribuído.)

A Berkshire continua a reter seus ganhos para estar na ofensiva, não por obrigação ou
por estar na defensiva. Mas de forma alguma estamos imunes às pressões que os
progressivos aumentos nos retornos passivos exercem no capital de uma companhia. Nós
continuamos a ter bons retornos (após impostos), mas por uma margem muito pequena. Nosso
histórico retorno de 21% - que não tem garantia nenhuma de continuar se repetindo no futuro -
ainda nos dá, mesmo após o pagamento de impostos (que imaginamos aumentar bastante no
futuro) sobre os ganhos de capital, uma modesta margem acima dos retornos em investimentos
passivos. Seria um pouco humilhante ter um valor agregado negativo em nossa empresa. Mas
isso pode acontecer conosco, como já aconteceu com outros, seja por eventos que estão fora
de nosso controle ou por conta de demora em adaptações de nossa parte.

Fontes dos ganhos reportados

A tabela a seguir mostra as fontes dos ganhos reportados pela Berkshire. Nós detemos
cerca de 60% da Blue Chip Stamps que, por sua vez, detém 80% da Wesco Financial
Corporation. A tabela mostra os ganhos operacionais agregados em várias entidades
empresariais, assim como a participação da Berkshire em tais ganhos. Todos os ganhos e
perdas significativas atribuíveis a vendas incomuns de ativos por quaisquer empresas foram
somadas às transações de ações na linha próxima ao fim da tabela, não sendo incluídos nos
ganhos operacionais.
* A amortização de intangíveis por conta da compra de alguns negócios (isto é, See’s, Mutual e
Buffalo Evening News) é mostrada na categoria “Outros”.

** A Berkshire fez um desinvestimento no controle que detinha no Illinois National Bank em 31


de dezembro de 1980.

Blue Chip Stamps e Wesco são companhias de capital aberto com requerimentos
contábeis próprios. ​Nas páginas 38-50 deste relatório, reproduzimos as narrativas dos
principais executivos de ambas as empresas, nas quais eles reportam as operações de
1981​. ​Uma cópia do relatório anual completo de qualquer uma das companhias será enviada a
qualquer acionista da Berkshire que assim o desejar, bastando entrar em contato com Sr.
Robert H. Bird da Blue Chip Stamps, 5801 South Eastern Avenue, Los Angeles, California
90040, ou com a Sra. Jeanne Leach da Wesco Financial Corporation, 315 East Colorado
Boulevard, Pasadena, California 91109.
Como indicamos anteriormente, ganhos não distribuídos em empresas que não
controlamos são tão importantes quanto os ganhos operacionais detalhados na tabela anterior.
A proporção dos ganhos distribuídos, é claro, pode ser visto na tabela no segmento de
rendimentos líquidos dos ganhos do grupo de seguros.

Abaixo, mostramos a participação não controladora da Berkshire em tais negócios, os


quais apenas os ganhos distribuídos (dividendos) estão incluídos em nossos próprios ganhos.

(a) Controlada inteiramente pela Berkshire ou por suas subsidiárias no setor de seguros.
(b) Blue Chip e/ou Wesco detém ações dessas companhias. Todos os números
representam o rendimento líquido da Berkshire nos ganhos brutos das ​holdings do
grupo.

Nossos negócios majoritários e minoritários operam um amplo espectro de atividades,


de forma que o comentário detalhado de cada uma deles se tornaria maçante. Mais
informações financeiras estão incluídas na ​Discussão da Gestão, nas páginas 34-37, e nos
reportes nas páginas 38-50​. No entanto, o nosso maior segmento de atividade, tanto em
posições majoritárias quanto minoritárias, tem sido e vai continuar sendo a área de seguros de
bens e acidentes. Sendo assim, comentários sobre importantes desenvolvimentos neste setor
são apropriados.

Condições da indústria de seguros

“As previsões”, já dizia Sam Goldwyn, “são perigosas, especialmente aquelas sobre o
futuro.” (Os acionistas da Berkshire devem ter chegado a uma conclusão parecida depois de ler
os relatórios dos anos anteriores em que eu fiz uma análise presciente dos prospectos do setor
têxtil.)

Não há perigo, no entanto, em prever que 1982 será o pior ano na história recente para
o ​underwriting5 de seguros. Tal resultado já está garantido pela política atual de preços e pela
natureza dos contratos de seguros.

Enquanto que muitos seguros de carros são precificados e vendidos considerando


intervalos de seis meses - e muitos seguros de propriedade são vendidos em períodos de três
anos - uma média ponderada da duração das apólices de seguros de bens e acidentes
provavelmente fica um pouco abaixo de doze meses. E os preços de cobertura dos seguros, é
claro, são fixos ao longo de toda a duração do contrato. Dessa forma, as vendas de contratos
desse ano (“prêmios escritos”6, na linguagem da indústria) são responsáveis por cerca de
metade da receita do ano seguinte (“prêmios recebidos”). A outra metade é determinada por
contratos de vendas do ano seguinte, que corresponderão por cerca de metade da
arrecadação daquele ano. As consequências na lucratividade são automáticas: se você
cometer um erro de precificação, você terá de viver com isso durante um período
desconfortável de tempo.

Repare na tabela a seguir o ganho ano-a-ano nos prêmios escritos da indústria e o


impacto que eles têm na lucratividade de ​underwriting no ano corrente e no ano seguinte. O
resultado é exatamente o que se espera em um mundo corroído pela inflação. Quando o
volume de ganhos atinge dois dígitos, é um bom sinal de tendência de lucratividade no ano
atual e no próximo. Quando o ganho de volume da indústria é pequeno, o setor de ​underwriting
passar por uma deterioração rápida, não importa o quão insatisfatório seja o nível atual.

Os dados da Best na tabela refletem a experiência de praticamente toda a indústria,


incluindo empresas de capital aberto, mútuas ou recíprocas7. A ​razão combinada indica a
razão entre o custo total de operação e perdas comparadas com os prêmios recebidos; uma
razão abaixo de 100 indica lucro com ​underwriting​; acima de 100, prejuízo.

5
Processo de subscrição. Se as práticas de subscrição geram contratos cujos prêmios excedem as
indenizações e demais despesas, o lucro subsequente elevará a capacidade da seguradora.
6
Quantidade de prêmios que os clientes precisam pagar por suas apólices durante o período do
contrato.
7
Tipos de seguradoras nos EUA.
Fonte: Best’s Aggregates and Averages.

Como Pogo8 diria, “O futuro não é o que costumava ser.” As práticas de precificação
atuais prometem resultados devastadores, especialmente se a falta de grandes desastres
naturais, que a indústria aproveitou nos últimos anos, terminar. A experiência com ​underwriting
tem piorado mesmo com a boa sorte de não termos vivenciado grandes desastres. Nos últimos
anos, furacões permaneceram no oceano e motoristas diminuíram os acidentes. Mas eles não
vão permanecer sempre tão amáveis.

E, é claro, as inflações gêmeas, monetária e “social” (a tendência dos tribunais e júris


em estender a cobertura das apólices muito além do que os seguradores, confiando em
terminologias de contrato e precedentes, esperam), continuam incontroláveis. Os custos de
reparos de propriedades e com seguro-saúde - e a extensão que tais reparos são tidos como
responsabilidade do segurador - irão continuar avançando sem trégua.

Fora qualquer má sorte (catástofes, aumento de acidentes, etc.), um ganho imediato de


volume na indústria de pelo menos 10% ao ano será necessário para estabilizar o nível recorde
de perdas com ​underwriting que automaticamente irão ocorrer em meados de 1982. (A maioria
dos seguradores já espera que o total de perdas incorridas aumente em 10% anualmente; cada
um deles, é claro, já espera receber uma fatia menor em suas vendas.) Todo ponto percentual
de crescimento anual de prêmios abaixo do equilíbrio dos 10% irá contribuir para aumentar o
ritmo de deterioração. Dados trimestrais de 1981 salientam que um cenário terrível de
underwriting​ está piorando cada vez mais, e de forma acelerada.

8
Revista em quadrinhos muito popular nos EUA entre as décadas de 1940 e 1970.
No relatório anual de 1980, nós discutimos a respeito de políticas de investimento que
destruíram a integridade do balanço de várias seguradoras, forçando-as a abandonar a
disciplina com ​underwriting e fechar negócios a qualquer preço para evitar um fluxo de caixa
negativo. Ficou claro que seguradoras que possuíam grandes volumes de títulos com preços
ridiculamente altos (por conta de detalhes contábeis) teriam pouco escolha em manter o
dinheiro circulando que não fosse pela venda de apólices a preços igualmente ridículos de tão
baixos. Tais seguradoras têm mais medo de um grande decréscimo no volume das vendas do
que grandes perdas em ​underwriting​.

Todas as seguradoras são afetadas por isso; é difícil oferecer um preço muito diferente
do que o seu competidor. A pressão se mantém inalterada e coloca uma nova motivação a
todos da indústria, o que faz com que muitos gestores cheguem ao limite dos negócios; a
idolatria por tamanho em detrimento à lucratividade e o medo de perder mercado ficarão
marcados para sempre.

Quaisquer que sejam as razões, nós temos como verdade que virtualmente nenhuma
seguradora de bens e acidentes - apesar de protestos no setor que as taxas estão
inadequadas, requerendo uma grande seletividade ao ouvir opiniões - tem se disposto a negar
novos contratos ao ponto do fluxo de caixa ficar significativamente negativo. Sem força de
vontade, os preços continuarão a ficar severamente pressionados.

Comentaristas continuam a falar sobre o ciclo do ​underwriting​, normalmente implicando


que existe uma certa regularidade de ritmo e um ponto relativamente constante de
lucratividade. Nossa visão é diferente. Acreditamos que perdas muito grandes com
underwriting​, embora venham de fontes variadas, passarão a ser o cenário padrão da indústria,
e os melhores anos de ​underwriting na década futura parecerão diminutos perto da média
atingida na década que passou.

Nós não temos uma fórmula mágica para isolar nossas seguradoras contra um futuro
deteriorado. Nossos gestores, em particular Phil Lische, Bill Lyons, Roland Miller, Floyd Taylor
e Milt Thornton, têm feito um trabalho maravilhoso de nadar contra a maré. Nós sacrificamos
um bom volume de vendas, mas conseguimos manter uma importante superioridade em
underwriting em comparação com o restante do setor. A previsão na Berkshire é de continuar a
trabalho com um volume menor. Nossa posição financeira nos oferece máxima flexibilidade,
uma condição muito rara de se ter na indústria de seguros de bens e acidentes. E, em algum
ponto, se o medo dominar a indústria, nosso poderio financeiro poderá se tornar uma vantagem
operacional de imenso valor.

Nós acreditamos que a GEICO Corporation, nossa maior posição não controlada que
opera no setor, está, por conta de sua extrema eficiência operacional, em uma posição muito
mais protegida do que a maior parte das outras seguradoras. GEICO é a implementação
brilhante de uma ideia muito importante de negócios.
Contribuições destinadas aos acionistas

Nosso novo programa, que permite aos acionistas destinar os recebíveis de empresas
para contribuições em projetos filantrópicos, foi recebido com um entusiasmo incrível. Uma
cópia da carta enviada em 14 de outubro de 1981 com a descrição do programa ​aparece nas
páginas 51-53 deste relatório​. Das 932.206 ações que estão aptas a participar (ações em que
o nome do acionista constava no nosso histórico), 95,6% entraram para o programa. Mesmo
excluindo minhas próprias ações, o índice de aceitação passou de 90%.

Ainda, mais de 3% dos nossos acionistas escreveram cartas ou notas, de forma


voluntária, para expressar apoio ao programa. Os níveis de participação e comentários
ultrapassaram qualquer outro engajamento que já testemunhamos, mesmo quando, em outras
situações, encorajamos se forma intensa a participação de nossos acionistas em outras pautas.
Em contraste, o engajamento que vocês tiveram ocorreu mesmo sem enviarmos sequer um
envelope para respostas. Esse tipo de comportamento orgânico é um bom sinal para o
programa e também para nossa base acionária.

Aparentemente, os donos da nossa empresa gostam de possuir e exercitar a habilidade


de determinar o destino das doações. A velha escola de governança corporativa do
“a-diretoria-que-manda” ficaria surpresa ao ver que nenhum de nossos acionistas enviou uma
planilha contendo instruções para que os diretores da Berkshire - em sua grande sapiência,
claro - tomassem a decisão sobre o destino dos recursos das ações para caridade. Ninguém
também sugeriu que sua porção de fundos filantrópicos fosse usada para igualar as
contribuições feitas por nossos diretores a instituições escolhidas por eles (essa tem sido uma
política popular, proliferante e não alardeada em muitas grandes corporações).

No fim das contas, U$ 1.783.655 de contribuições dos acionistas foram destinadas a


cerca de 675 instituições de caridade. Mais ainda, a própria Berkshire e suas subsidiárias
continuam a fazer contribuições de acordo com decisões locais tomadas por nossos gestores.

Haverá anos, talvez dois ou três em dez, em que as contribuições da Berkshire


produzirão deduções menores no imposto de renda - ou talvez não ocorra dedução alguma.
Quando isso ocorrer, nós não puniremos nosso programa de doações. Em todos os anos, nós
esperamos poder informar a vocês, por volta de 10 de outubro, a quantidade de doações que
vocês poderão fazer por ação. Um formulário irá acompanhar esse aviso, e vocês terão cerca
de três semanas para responder o que desejam fazer. Para estar apto a fazer isso, suas ações
devem estar registradas em seu próprio nome ou no nome do fundo, corporação, parceria ou
mesmo propriedade, quando aplicável, que as possua e que conste na nossa lista de acionistas
até o dia 30 de setembro, ou na sexta anterior a esta data caso ela caia num sábado ou
domingo.
Nossa única decepção com esse programa em 1981 foi que alguns de nossos
acionistas, inadvertidamente, perderam a oportunidade de participar. Nós ficamos sabendo da
regra do Tesouro Nacional, que nos permitiu fazer isso sem incertezas fiscais, no começo de
outubro. A regra não inclui a participação de acionistas cujas ações estejam registradas em
nomes de terceiros, tai como corretoras, e exigiu que os acionistas fornecessem algumas
garantias à Berkshire. Tais garantias não poderiam ser dadas a nós por terceiros.

Dadas essas circunstâncias, nós tentamos entrar em contato com todos os nossos
acionistas imediatamente (por meio da carta de 14 de outubro) de forma que, se eles
quisessem, poderiam participar do programa até 13 de novembro. Era imprescindível que essa
comunicação fosse feita de imediato para dar tempo aos acionistas re-registrarem suas ações
em seus próprios nomes antes da data estipulada.

Infelizmente, a comunicação com tais acionistas pode ser feita apenas através de
terceiros. Nós pedimos encarecidamente para que esses terceiros, na maioria corretoras, a
transmitir o recado aos verdadeiros donos das ações. Nós explicamos que se não o fizessem,
estariam privando os respectivos donos de importantes benefícios.

Os nossos pedidos, no entanto, não foram páreo para o serviço postal dos EUA. Muitos
de nossos acionistas sequer ficaram sabendo da notícia por meio de suas corretoras (como
nos foi dito por algumas pessoas que leram a respeito do programa depois). Outros receberam
a carta com atraso, o que as impediu de tomar qualquer atitude.

Nós estamos falando sobre essas histórias de terror por dois motivos: (1) se você quer
participar de programas filantrópicos no futuro, se certifique que suas ações estão em seu
próprio nome antes de 30 de setembro; e (2) mesmo que você não tenha interesse em
participar e prefere deixar suas ações em nome de terceiros, seria prudente ter ao menos uma
única ação registrada em seu nome. Fazendo isso, você com certeza será notificado de
notícias importantes de nossa empresa com a mesma celeridade de outros acionistas.

A ideia das doações, assim como muitas outras ideias que deram certo pra nós, veio de
Charlie Munger, vice-presidente da Berkshire e presidente da Blue Chip. Colocando as
honrarias de lado, Charlie e eu trabalhamos como sócios na gestão de todas as companhias
controladas por nós. Nós gostamos muito da nossa parceria em administrar negócios. E
gostamos muito de ter vocês como parceiros financeiros.

Warren E. Buffett
Presidente do conselho
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1982.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Os ganhos operacionais de U$ 31,5 milhões somaram apenas 9,2% de valorização


sobre o capital inicial (com ativos valorados ao custo de aquisição), abaixo dos 15,2% em 1981
e muito abaixo da nossa recente alta de 19,4% em 1978. Essa grande queda foi causada
majoritariamente por:
1. Uma significativa deterioração dos resultados de ​underwriting1;
2. Uma considerável expansão do capital social, sem um crescimento correspondente nos
negócios que controlamos diretamente; e
3. Nossos investimentos cada vez maiores em posições não-majoritárias de negócios e
empresas; as regras contábeis ditam que a maior parte ​pro-rata que temos em tais
negócios devem ser excluídas dos ganhos operacionais da Berkshire.

Há apenas alguns anos atrás, nós dissemos a vocês que o percentual dado por ganhos
operacionais sobre o capital social, levando em conta algumas outras variáveis, era a métrica
mais importante para avaliar o desempenho gerencial em janelas anuais. Embora saibamos
que isso ainda seja verdade para a maioria das empresas, nós acreditamos que a sua utilidade,
em nosso caso, diminuiu bastante. Você deve estar, agora, ressabiado com isso. Métricas
raramente são descartadas quando provém boas interpretações. Mas quando os resultados
deterioram, a maior parte dos gestores preferem se livrar da métrica do que se demitirem.

Aos gestores que estão encarando tal deterioração, uma sistema de avaliação mais
flexível surge por si só: apenas “atire” a flecha do desempenho operacional em um quadro e
desenhe, cuidadosamente, o alvo ao redor dela. Nós, da Berkshire, preferimos alvos que sejam
pré-desenhados, antigos e difíceis de serem acertados. No entanto, por conta da importância
do item (3), que será explicado em mais detalhes na seção seguinte, acreditamos que seja
necessário abandonar o alvo de ganhos sobre o capital social.

Ganhos não-reportados em posições majoritárias

Os resultados financeiros mostrados neste relatório refletem os ganhos operacionais


contábeis advindos, em sua maioria, de porções de empresas as quais temos, pelo menos,
20% de participação. Abaixo de 20%, no entanto, somente a quantidade de dividendos
recebidos proporcionalmente por nós é que é mostrada em nosso balanço; ganhos não

1
Processo de subscrição. Se as práticas de subscrição geram contratos cujos prêmios excedem as
indenizações e demais despesas, o lucro subsequente elevará a capacidade da seguradora.
distribuídos de negócios onde temos menos de 20% de participação são completamente
ignorados.

Há algumas exceções a essa regra; e.g., nós possuímos cerca de 35% da GEICO
Corporation, mas como abrimos mão do nosso direito de voto, a empresa se enquadra, para
fins contábeis, na categoria de menos de 20%. Assim, os dividendos recebidos da GEICO em
1982, de U$ 3,5 milhões (após impostos), representam o único item da empresa incluso em
nossos ganhos contábeis. Nossa parte de U$ 23 milhões de ganhos não distribuídos da
GEIC,O em 1982, foi completamente excluída do nosso relatório de ganhos operacionais. Se a
GEICO tivesse ganho menos dinheiro em 1982, mas tivesse distribuído U$ 1 milhão a mais em
dividendos, nossos ganhos operacionais reportados teriam sido maiores, mesmo com um
resultado pior da empresa em si. Por outro lado, se a GEICO tivesse ganho U$ 100 milhões
adicionais - e não os distribuísse - nosso relatório de ganhos operacionais teria sido o mesmo.
Assim, fica claro que os ganhos operacionais “contábeis” podem representar muito mal a
realidade econômica de um negócio.

Nós preferimos um conceito de ganhos “econômicos” que inclua todos os ganhos não
distribuídos, não importa qual seja a nossa participação na empresa. Em nossa visão, o valor
gerado aos acionistas com os ganhos retidos por uma empresa é determinado pela eficácia
com a qual tais ganhos são usados - e não pelo percentual de participação no negócio. Se
você tinha 0.01 de 1% da Berkshire na década passada, você se beneficiou economicamente,
e de maneira integral, da sua parcela de ganhos retidos, não importa qual sistema você use
para medir o desempenho. De forma proporcional, você teve o mesmo resultado que teria se
tivesse o mágico número de 20% de participação. Mas se você tivesse o controle de 100% de
várias empresas de capital intensivo durante a mesma década, os ganhos não
distribuídos/retidos, que foram religiosamente creditados a você graças às regras contábeis,
teriam gerado um valor econômico mínimo ou nulo. Nós não gostaríamos de ter o trabalho de
desenvolver um novo sistema contábil. Estamos falando isso apenas para mostrar que
gestores e investidores devem entender que os valores contábeis são apenas o começo, e não
o fim, do ​valuation​ de uma empresa.

Na maior parte das corporações, participações abaixo de 20% são desimportantes


(talvez, em parte, porque elas impeçam a maximização dos adorados ganhos operacionais), e
a distinção entre os resultados contábeis e econômicos que acabamos de mencionar tem
pouca importância. Acreditamos que a magnitude de tais resultados é o que faz com que os
ganhos operacionais tenham uma limitada significância.

No nosso relatório de 1981, previmos que a nossa parte em ganhos não distribuídos
das nossas maiores posições em empresas não controladas resultaria em um montante acima
de U$ 35 milhões em 1982. Sem mudança alguma em nossas participações nas seguintes três
companhias - GEICO, General Food e The Washington Post - e um considerável aumento de
participação na R.J. Reynolds Industries, nossa parcela de ganhos retidos em 1982 nesse
grupo de quatro empresas somou mais de U$ 40 milhões. Esse número - que não consta em
nossos ganhos operacionais - é maior do que os nossos ganhos reportados, que incluem
apenas os U$ 14 milhões recebidos em forma de dividendos dessas companhias. E claro, nós
temos uma quantidade considerável de rendimentos vindos de outras participações minoritárias
que, somadas, trouxeram um adicional substancial para os ganhos não distribuídos.

Nós damos um significado real à magnitude geral desses números, mas não
acreditamos que eles precisem ter uma precisão de dez casas decimais. A realização de lucros
pela Berkshire com a valorização de mercado dessas ações estaria sujeita a uma grande,
porém indeterminada, taxação. E embora os ganhos retidos ao longo dos ganhos,
historicamente, se transformaram em igual valorização de mercado aos acionistas, tais
transformações ocorreram de forma extraordinariamente desproporcional entre as empresas
em momentos imprevisíveis e irregulares.

No entanto, essa desproporção e irregularidade oferecem vantagens ao investidor de


valor interessado em ter porções de empresas. Esse investidor pode escolher entre quase
todas as companhias americanas, incluindo negócios superiores que poderiam ser comprados
integralmente em um acordo negociado. E as compras de porções dessas mesmas empresas
podem ser feitas em um mercado de “leilão”, onde os preços são definidos por pessoas com
padrões de comportamento que, às vezes, lembram o de um exército de
maníacos-depressivos.

Dentro dessa gigantesca arena de leilões, o nosso trabalho é escolher negócios com
características econômicas que permitam que cada dólar de ganho retido seja, pelo menos,
transformado em um dólar de valorização de mercado. Apesar de termos cometido muitos
erros, nós temos conseguido atingir esse objetivo. E para fazer isso, temos contado com a
incrível assistência do santo patrono de Arthur Okun2 para economistas - a Santa
Compensação. Em alguns casos, nossa parcela de ganhos não distribuídos tiveram impacto
nulo ou negativo no valor de mercado, enquanto em outros, cada dólar retido pela empresa se
transformou em dois ou mais dólares de valor de mercado. Até o momento, nossas melhores
companhias mais do que compensaram as que ficaram pra trás. Se continuarmos assim,
teremos validado nossos esforços de maximizar os ganhos “econômicos”, não importa o
impacto em nossos ganhos “contábeis”.

Por mais satisfatória que nossa abordagem de controle parcial tenha sido, o que
realmente nos faz querer “dançar” é a compra de 100% de bons negócios a preços razoáveis.
Nós conseguimos fazer isso algumas vezes (e esperamos conseguir de novo), mas é algo
extremamente difícil de fazer - bem mais difícil do que a compra de frações de companhias a
preços atrativos.

2
Economista americano que ocupou o cargo de presidente do ​Council of Economic Advisers (CEA),
órgão responsável pelas políticas econômicas do governo dos EUA.
Quando olhamos para as grandes aquisições feitas por outras pessoas em 1982, nossa
reação não é de inveja, mas de alívio por não termos participado. Em muitas dessas
aquisições, o intelecto dos gestores murchou diante da competição com a adrenalina. A
emoção da busca por um negócio cegou os compradores das consequências da aquisição em
si. A observação de Pascal parece apta para este cenário: “Fiquei chocado ao notar que todos
os infortúnios dos homens vêm de inabilidade que eles têm de ficarem quietos em seus
cantos.”

(Eu saí do meu canto por vezes demais no ano passado e quase estrelei as Aquisições
Bobas de 1982. Olhando em retrospectiva, nosso maior feito do ano foi que uma grande
aquisição que estávamos prontos para fazer não pôde ser completada por razões totalmente
alheias ao nosso controle. Se tivesse acontecido, tal aquisição teria consumido uma quantidade
enorme de tempo e energia, ambos com retornos incertos. Se colocássemos gráficos nestes
relatórios, ilustrando os desdobramentos favoráveis de negociações do ano passado, a melhor
representação seria duas páginas em branco ilustrando essa aquisição que não deu certo.)

Nossa abordagem de comprar frações de empresas continuará fazendo sentido


somente quando elas puderem ser adquiridas a preços convidativos. Nós precisamos de um
mercado moderadamente precificado para nos ajudar nesse esforço. O mercado, tal como
Deus, ajuda aqueles que ajudam a si mesmos. Mas, diferente de nosso Senhor, o mercado não
perdoa aqueles que não sabem o que fazem. Para o investidor, a compra de ações de
excelentes empresas a preços muito altos pode desfazer os efeitos de uma década
subsequente de empreendimentos favoráveis.

Se o mercado de ações for para um nível de preços consideravelmente mais alto, nossa
habilidade em usar nosso capital de forma eficiente em posições não controladas será reduzida
ou eliminada. Isso irá ocorrer periodicamente; apenas dez anos atrás, no topo do frenesi de
mercado (em que negócios com alto retorno sobre capital estavam com os preços nas alturas
por conta de investidores institucionais), as subsidiárias de Berkshire do setor de seguros
possuíam apenas U$ 18 milhões de valor de mercado, excluindo suas participações na Blue
Chip Stamp. Naquela época, tais participações societárias somavam cerca de 15% dos
investimentos de nossas empresas de seguro, contra os 80% atuais. Havia a mesma
quantidade de bons negócios em 1972 e 1982, mas os preços que o mercado de ações
colocou neles em 1972 eram absurdos. Embora os altos preços futuros das ações pudessem
fazer nosso desempenho parecer ser bom temporariamente, eles mais prejudicariam do que
ajudariam nossos prospectos de longo prazo. Estamos vendo os primeiros sinais desse tipo de
problema agora.
Desempenho de longo prazo

Nosso ganho líquido durante 1982, com os ativos possuídos por nossas subsidiárias de
seguros avaliados a valor de mercado (há menos impostos de ganhos de capital se os ganhos
não realizados fossem, de fato, realizados), somaram U$ 208 milhões. Tomando por base um
patrimônio líquido de U$ 519 milhões, o ganho percentual foi de 40%.

Durante o mandato de 18 anos da atual gestão que vos fala, o valor de mercado saiu de
U$ 19,46 por ação para U$ 737,43 por ação, um rendimento anual de 22%. Esteja certo que
esse percentual irá diminuir no futuro. Progressões geométricas costumam formar suas
próprias âncoras.

O objetivo econômico da Berkshire continua sendo produzir um retorno a longo prazo


que esteja muito acima do retorno obtido pela média das corporações americanas. Nossa
vontade de comprar, parcial ou integralmente, posições em negócios bem geridos, unida a uma
razoável disciplina em relação aos preços que estamos dispostos a pagar, devem nos dar uma
boa chance de atingirmos nosso objetivo.

Neste ano, o ganho em valor de mercado novamente ultrapassou o ganho econômico


em nossas empresas parcialmente controladas. Por exemplo, U$ 79 milhões de nossos ganhos
de U$ 208 milhões vieram de um aumento no preço de mercado da GEICO. Esta empresa
continua sendo administrada excepcionalmente bem, e estamos mais impressionados do que
nunca com a força da ideia básica de negócio da GEICO e pelas habilidades de gestão de Jack
Byrne. (Embora não conste no catecismo das escolas de bons negócios, “Deixe nas mãos de
Jack” parece ser um bom credo para nós.)

No entanto, o aumento de valor de mercado da GEICO durante os últimos dois anos


tem sido muito maior do que o seu ganho em valor intrínseco, por mais incrível que isso possa
parecer. Nós já esperávamos uma variação positiva em algum momento, na medida em que a
percepção dos investidores convergisse para a realidade do negócio. Continuamos a ansiar por
substanciais ganhos futuros nas empresas vindos do reconhecimento irregular, mas
eventualmente completo, do mercado de tais ganhos.

As variações ano a ano, no entanto, não podem estar consistentemente a nosso favor.
Mesmo se nossos negócios parcialmente controlados tiverem um bom desempenho do ponto
de vista econômico, haverá anos em que terão um desempenho de mercado ruim. Em tais
momentos, nosso patrimônio líquido poderá se reduzir significativamente. No entanto, não
ficaremos preocupados com esse encolhimento; se o negócio continuar a ser atraente e
tivermos dinheiro em caixa, nós simplesmente compraremos mais ações a preços ainda
melhores.
Fontes dos ganhos reportados

A tabela a seguir mostra as fontes dos ganhos reportados pela Berkshire. Em 1981 e
1982, a Berkshire detinha cerca de 60% da Blue Chip Stamps que, por sua vez, detinha cerca
de 80% da Wesco Financial Corporation. A tabela mostra a soma dos ganhos operacionais de
várias empresas, assim como a proporção de ganho da Berkshire em cada caso. Todos os
ganhos e perdas significativos atribuíveis às vendas não usuais de ativos por qualquer uma das
empresas estão aglutinadas com as operações em títulos e ações na linha próxima ao final da
tabela, não fazendo parte do nosso resultado operacional.

* A amortização de intangíveis originada da contabilização de aquisições feitas pelos negócios


(i.e., See’s, Mutual e Buffalo Evening News) é mostrada na categoria denominada “Other”.

Nas páginas 45-61 deste relatório​, nós reproduzimos as narrativas dos principais
executivos da Blue Chip e Wesco com as descrições das atividades de 1982. Uma cópia do
relatório anual de ambas essas empresas será enviada a qualquer acionista da Berkshire que
assim o desejar, bastando entrar em contato com o Sr. Robert H. Bird na Blue Chip Stamps,
5801 South Eastern Avenue, Los Angeles, California 90040, ou com a Sra. Jeanne Leach na
Wesco Financial Corporation, 315 East Colorado Boulevard, Pasadena, California 91109.

Acredito que você irá achar interessante o desenrolar da crônica da Blue Chip com o
jornal de Buffalo. Há atualmente apenas 14 cidades nos EUA com jornais diários cujas
circulações semanais ultrapassam as do Buffalo News. Mas a circulação de domingo é que
realmente importa. Seis anos atrás, antes do nosso jornal ter uma edição dominical, a bem
estabelecida Courier-Express, que era a única empresa com um jornal que era publicado aos
domingos em Buffalo, tinha uma circulação de 272 mil exemplares. O Buffalo News tem agora
uma circulação de 367 mil exemplares, um ganho de 35% - mesmo com pouca alteração no
número de casas localizadas da região primária de circulação nos últimos seis anos. Nós não
sabemos de nenhuma outra cidade nos EUA que possua uma longa história de publicação em
todos os dias da semana em que o percentual de domicílios compradores de jornais aos
domingos tenha crescido a essa taxa. Pelo contrário, na maior parte das cidades a penetração
nas casas tem apresentado crescimento pífio, quando não nulo. Nossos principais gestores em
Buffalo - Henry Urban, Stan Lipsey, Murray Light, Clyde Pinson, Dave Perona e Dick Feather -
merecem muitos louros por essa expansão sem igual no público leitor de domingo.

Como indicamos anteriormente, ganhos não distribuídos em companhias que nós não
controlamos são, agora, tão importantes quanto os ganhos operacionais reportados na tabela
anterior. A parcela dos ganhos retidos, é claro, consta naquela tabela por meio dos
investimentos líquidos vindos dos ganhos com nosso grupo de seguradoras.

Mostramos a seguir as participações da Berkshire em empresas não controladas as


quais apenas os ganhos distribuídos (dividendos) são incluídos em nossos ganhos.
(a) Controlada por inteiro pela Berkshire ou suas subsidiárias de seguros.
(b) Blue Chip e/ou Wesco possuem participação nessas companhias. Todos os números
representam a participação da Berkshire no capital bruto da empresa.
(c) Participação temporária como substituta de dinheiro.

Caso não tenha notado, há uma importante lição de investimentos nessa tabela: a
nostalgia deve ter um peso grande no processo de seleção de ações. Nossos dois maiores
ganhos não realizados estão na Washington Post e na GEICO, companhias em que eu
comecei a ter participação societária com 13 e 20 anos, respectivamente. Após ficarmos
perdidos por cerca de 25 anos, nós voltamos a investir nelas no meio do ano de 1970. A tabela
dá prêmios a quem mantém uma longa fidelidade com a marca.

Nossos negócios majoritários e minoritários operam em ramos tão amplos que


descrições detalhadas a respeito de cada um seriam muito longas. ​Muitas informações
financeiras e de operação podem ser encontradas na seção “Discussão da gestão”, nas
páginas 34-39, e as narrativas dos gestores podem ser vistas nas páginas 45-61​. No
entanto, nosso maior ramo de atividade foi, e com certeza vai continuar a ser, o setor de
seguros de bens e acidentes. Dessa forma, comentários a respeito dessa área se mostram
apropriados.
Condições da indústria de seguros

Mostramos a seguir uma tabela atualizada das estatísticas do setor que utilizamos no
relatório do ano passado. A mensagem é clara: os resultados de ​underwriting ​em 1983 não
serão bons para os mais reticentes.

Fonte: Best’s Aggregates and Averages

Os dados da Best refletem o que praticamente toda a indústria tem vivido, incluindo
empresas de capital aberto, mútuas ou recíprocas3. A taxa combinada representa os custos
totais de operação e perdas comparados com as receitas vindas dos prêmios; uma taxa abaixo
de 100 indica lucro com ​underwriting​; acima de 100, prejuízo.

Por motivos delineados no relatório do ano passado, enquanto o ganho com prêmios na
indústria estiver abaixo de 10%, você pode ter certeza que o cenário de ​underwriting ​irá se
deteriorar no ano seguinte. Isso seria verdade mesmo com a inflação atual em níveis mais
baixos. Com o número de apólices crescendo a cada ano, inflação de custos médicos
aumentando mais do que a inflação geral e conceitos ampliados sobre o que são passivos em
seguros, é altamente improvável que os aumentos anuais dos prejuízos fiquem abaixo de 10%.

Você deve saber também que a taxa combinada de 109,5 em 1982 representa apenas
uma estimativa no melhor dos cenários. Dado um ano, é possível para um segurador mostrar
qualquer número lucrativo que quiser se (1) fechar contratos de cauda longa (cobertura onde
os custos correntes não são possíveis de serem determinados, apenas estimados, dado que os
eventuais ressarcimentos poderão ocorrer somente a prazos muito longos), (2) tiver criado uma

3
Tipos de empresas de seguro do mercado americano.
reserva adequada no passado, ou (3) estiver crescendo de maneira acelerada. Há indicações
que algumas grandes seguradoras optaram por manobras contábeis em 1982 que mascararam
uma significativa deterioração de seus negócios. No setor de seguros, assim como em
qualquer outro lugar, a reação que uma gestão fraca tem diante de uma operação fraca é usar
contabilidade criativa. (“Saco vazio não pára em pé”).

A grande maioria dos gestores, no entanto, tenta jogar limpo. Mas mesmo gestões
íntegras podem, subconscientemente, estar menos dispostas em reconhecer por completo as
tendências de prejuízo em anos ruins. As estatísticas do setor indicam certa deterioração nas
reservas de contingência em 1982, e a verdadeira taxa combinada poderá ser levemente pior
do que a indicada em nossa tabela.

A sabedoria convencional indica que teremos a pior experiência com ​underwriting ​em
1983 ou 1984, e então, como ocorreu no passado, o ciclo irá se mover, de forma significativa e
firme, na direção de resultados melhores. Nós discordamos disso por conta de uma acentuada
mudança no ambiente competitivo, algo que era difícil de ver anos atrás, mas que agora é difícil
de ignorar.

Para compreender a mudança, precisamos olhar para os principais fatores que afetam
os níveis de lucratividade geral das empresas.

Negócios em setores com substancial capacidade ociosa e um produto que é uma


commodity (ou seja, não possui diferencial para o cliente em termos de desempenho,
aparência, suporte, etc) são os principais candidatos a terem problemas com lucros. Eles
podem escapar disso, verdade seja dita, se os preços e custos forem administrados de forma a
isolá-los parcialmente das forças naturais de mercado. Esse tipo de administração pode ser
feita (a) legalmente, por meio de intervenção governamental (até recentemente, essa categoria
incluía preços diferenciados a caminhoneiros e custos de depósitos a instituições financeiras),
(b) ilegalmente, por meio de conspiração, ou (c) “extra-legalmente”, num cartel estrangeiro no
estilo OPEC (com benefícios de ​tag along para operadores domésticos que não fazem parte do
cartel).

Se, no entanto, os custos e preços forem determinados por uma competição irrestrita, a
oferta for muito ampla e o consumidor se importar pouco com o produto ou serviço de
distribuição que usa, então a situação econômica do setor será quase que certamente
monótona. Isso pode ser desastroso.

Por esses motivos é que os vendedores se encontram em uma constante batalha para
estabelecer e enfatizar qualidades especiais de um produto ou serviço. Isso funciona com
barras de chocolate (os consumidores compram por marca; ninguém pede por “um chocolate
de 100g”), mas não funciona com açúcar (com que frequência você ouve alguém pedir “Vou
querer uma xícara de café com creme e açúcar União, por favor”?).
Em muitos setores, a diferenciação simplesmente não tem sentido. Alguns produtores
nesse tipo de setor podem ter resultados consistentes e bons se tiverem vantagens de custo
que sejam amplas e sustentáveis. Por definição, tais exceções são raras e, em muitos setores,
sequer existem. Para a grande maioria de empresas que vendem ​commodities​, uma equação
depressiva prevalece: uma grande capacidade de oferta sem preços administrados (ou custos)
é igual a uma lucratividade ruim.

É claro que uma oferta em excesso pode ser corrigida por si mesma, seja pela redução
da própria oferta ou aumento da demanda. Infelizmente, para quem está inserido na indústria,
tais correções ocorrem com muito atraso. E quando finalmente acontecem, a volta à
prosperidade frequentemente produz um entusiasmo contagiante para expandir, o que, em
alguns poucos anos, cria novamente um problema de excesso de oferta e um novo ambiente
de lucros escassos. Em outras palavras, nada dá tão errado quanto o sucesso.

O que realmente determina os níveis de lucratividade de longo prazo em tais setores é a


razão entre pouca oferta (por conta de alta demanda) e muita oferta (por conta de baixa
demanda) ao longo dos anos. Com frequência, essa razão é desanimadora. (O período de
pouca oferta que vivenciamos recentemente em nosso setor têxtil - que ocorreu alguns anos
atrás - durou cerca de uma manhã.)

Em alguns setores, porém, condições de alta demanda podem durar um bom tempo.
Algumas vezes, o crescimento real de demanda se sobrepõe às previsões por um longo
período. Em outros casos, aumentar a capacidade de oferta se mostra um processo demorado,
uma vez que fábricas com processos intrincados de produção precisam ser planejadas e
construídas.

Mas no setor de seguros, para voltarmos ao assunto, um aumento de capacidade pode


ser criado instantaneamente com capital e a vontade de um segurador assinar seu nome em
contratos. (Até mesmo o capital é menos importante em um mundo onde fundos administrados
pelo governo protegem seus segurados contra a insolvência de uma seguradora.) Em quase
todas as condições, exceto pela de medo por sobrevivência - que é produzida, talvez, por uma
queda brusca no mercado de ações ou um desastre natural de grandes proporções - a indústria
de seguros opera num cenário de notável sobrecapacidade. Ainda, apesar de tentativas
heroicas, o setor vende um produto que possui pouca diferenciação de um competidor para o
outro. (Muitos segurados, incluindo gestores de grandes negócios, sequer sabem o nome de
suas seguradoras.) Seguros, portanto, seriam um exemplo clássico de uma indústria que
enfrenta uma combinação mortal de excesso de oferta com um produto do tipo ​commodity​.

Por que, então, o ​underwriting ​se mostrou tão lucrativo ao longo de décadas, apesar de
todos os ciclos? (De 1950 a 1970, a taxa combinada do setor foi de 99,0, o que permitiu que os
investimentos e 1% dos prêmios se transformassem diretamente em lucros.) A resposta está,
em primeiro lugar, nos métodos históricos de regulação e distribuição. Em boa parte deste
século, uma boa porção do setor de seguros funcionou por meio de um legal e aparente
sistema de preços administrados por reguladores. Havia competição entre preços, mas ela não
era disseminada entre as grandes empresas. A maior competição era por funcionários, que
eram cortejados via estratégias sem relação com preço.

Para os gigantes do setor, a maior parte das taxas eram definidas em negociações
entre os birôs da indústria (ou de empresas que agiam de acordo com suas recomendações) e
reguladores estatais. Uma negociação amigável acontecia, mas era entre a empresa e o
regulador, não entre a empresa e o consumidor. Quando a poeira baixava, a Gigante A cobrava
o mesmo que a Gigante B - e ambas as companhias e seus funcionários eram proibidos por lei
de diminuir as taxas.

Os preços negociados entre as empresas e o governo incluíam subsídios específicos


para o setor, e quando os dados indicavam que os valores atuais não eram mais lucrativos,
tanto os gestores das companhias quanto os reguladores do Estado sabiam que iriam atuar em
conjunto para dar um jeito na situação. Dessa forma, a maior parte da precificação das
gigantes da indústria era cordial, previsível e lucrativa. E o mais importante - e em contraste
com a forma que todos os outros setores funcionam - as empresas de seguros podiam,
legalmente, precificar seus produtos para obter lucros, mesmo diante de uma situação de oferta
saturada.

Esse tempos ficaram para trás. Embora parte dessa antiga estrutura ainda exista, uma
pujante e nova sobrecapacidade existe fora dessa estrutura, forte o suficiente para fazer com
que todos os envolvidos, velhos e novos, tomem alguma atitude. A nova onda de oferta usa
vários métodos de distribuição e não tem medo de usar a diferenciação de preço como
principal arma competitiva. Na verdade, há gosto em usá-la. Nesse processo, os consumidores
aprenderam que os seguros deixaram de ser uma indústria de um preço só. E eles não vão se
esquecer disso.

A lucratividade futura do setor será determinada pelas características competitivas


atuais, não pelas antigas. Muitos gestores têm demorado para reconhecer isso. Não são
apenas os generais que preferem lutar as guerras que já passaram. Muitos negócios e análises
de investimento tem origem no retrovisor. No entanto, nos parece claro que apenas uma única
condição irá permitir que a indústria de seguros atinja resultados significativamente melhores
de ​underwriting​. É a mesma condição que irá possibilitar resultados melhores para o alumínio,
cobre ou milho - uma grande diminuição da lacuna entre demanda e oferta.

Infelizmente, não é possível ter um surto na demanda por apólices de seguro


comparável a um que produza redução na oferta de cobre ou alumínio. Ao invés disso, a oferta
de seguros deve ser reduzida. “Oferta”, nesse contexto, é mental ao invés de física: fábricas ou
companhias não precisam ser fechadas; apenas a vontade dos seguradores em fechar
contratos é que deve ser diminuída.
Essa contração não irá acontecer por causa dos níveis ruins de lucratividade. Lucros
baixos geram muitos calafrios e desconfiança. Mas eles não fazem com que grandes empresas
declinem contratos, o que iria sacrificar o ​market share​ e a importância da indústria.

No lugar disso, reduções drásticas na oferta precisam de um fator de choque, seja um


enorme desastre natural ou financeiro. Um deles pode acontecer amanhã - ou daqui a muitos
anos. O setor de seguros - mesmo levando em conta os rendimentos dos investimentos - não
será lucrativo nesse ínterim.

Quando a oferta finalmente cair, uma quantidade enorme de negócios a serem


fechados estarão disponíveis para aqueles com ampla capacidade de capital, com vontade de
aplicá-lo e com um sistema de distribuição já funcionando. Nós esperamos ver grandes
oportunidades para nossas subsidiárias de seguros quando isso acontecer.

Durante 1982, nosso ​underwriting ​deteriorou muito mais que o do setor. Saindo de uma
posição lucrativa muito acima da média, nós caímos para uma performance modestamente
abaixo da média. O maior golpe veio dos tradicionais seguros da National Indemnity. Contratos
que antes nos garantiam bons lucros estão agora precificados a níveis de perdas certas em
underwriting​.

Em 1983, nosso grupo de seguradoras provavelmente terá uma performance parecida


com a da média, sendo que a média do setor é ruim.

Duas de nossas estrelas, Milt Thornton, da Cypress, e Floyd Taylor, da Kansas Fire and
Casualty, continuaram a ter desempenhos incríveis e tem produzido lucros com ​underwriting
desde quando se juntaram a nós.

Tanto Milt quanto Floyd são incapazes de permanecerem na média. Eles mantém uma
atitude apaixonada de donos do negócio e desenvolveram uma cultura de negócios de uma
incomum consciência a respeito de custos e de atendimento ao cliente. Os efeitos disso
aparecem em seus históricos de performance.

Durante 1982, a responsabilidade da maior parte de operações de seguro foi dada a


Mike Goldberg. Planejamento, recrutamento e monitoramento tiveram grandes melhoras desde
que Mike me substituiu neste papel.

A GEICO continua a ser administrada com um zelo pela eficiência e valorização do


cliente de uma maneira que virtualmente garantem um sucesso extraordinário.

Jack Byrne e Bill Snyder estão atingindo o mais elusivo dos objetivos humanos - manter
as coisas simples e lembrar o que você deve fazer. E com Lou Simpson, a GEICO possui o
melhor gestor de investimento no negócio de seguros de bens e acidentes. Nós estamos
satisfeitos com todos os aspectos da empresa. A GEICO é uma magnífica ilustração da
exceção de alta lucratividade no cenário que comentamos anteriormente sobre setor de
commodity com alta capacidade de oferta - é uma companhia com uma ampla e sustentável
vantagem de custo.

Nossa posição de 35% na GEICO representa cerca de U$ 250 milhões em volume de


prêmios, uma quantia consideravelmente maior do que todo o volume produzido diretamente
por nós.

Emissão de ações

A Berkshire e a Blue Chip estão considerando uma fusão em 1983. Se ocorrer, o


processo envolverá uma troca de ações baseadas num método idêntico de ​valuation aplicado
em ambas as empresas. Uma outra emissão significativa de ações da Berkshire (ou suas
companhias afiliadas) ocorrida durante nossa gestão foi quando nos fundimos, em 1978, com a
Diversified Retailing Company.

Nossas emissões de ações seguem uma simples regra básica: nós não emitimos ações
a menos que recebamos tanto valor intrínseco quanto damos. Tal política parece axiomática.
Por que, você poderia se perguntar, alguém iria emitir notas de um dólar em troca de moedas
de cinquenta centavos? Infelizmente, muitos gestores acabam fazendo justamente isso.

A primeira escolha que esses gestores tomam em processos de aquisição é usar


dinheiro ou empréstimos. Mas, com frequência, os desejos do CEO ultrapassam os recursos
monetários (ou meus sempre ultrapassaram). Esses desejos também costumam ocorrer, com
frequência, quando o preço da ação está muito abaixo do valor intrínseco da empresa. Esse
cenário conduz a uma “hora da verdade”. Neste ponto, como Yogi Berra4 disse certa vez, “Você
pode ver muitas coisas simplesmente observando.” Pois é nessa hora que os acionistas irão
descobrir as verdadeiras intenções da gestão - expandir o domínio ou manter suas riquezas.

A necessidade de escolher entre esses objetivos ocorre por algumas razões simples. É
comum que empresas sejam negociadas abaixo de seu valor intrínseco no mercado acionário.
Mas quando uma companhia deseja ser vendida por completo, em uma transação negociada,
inevitavelmente ela quer - e normalmente pode - receber o valor cheio do negócio, seja lá qual
for a moeda. Se dinheiro for usado no pagamento, o cálculo do vendedor a respeito de quanto
deverá receber não poderia ser mais fácil. Se, por outro lado, a moeda de troca for ações da
empresa que está do lado comprador, o cálculo do vendedor ainda é relativamente fácil: basta
descobrir o valor de mercado em dinheiro do que ele deve receber em ações.

Nesse ínterim, a empresa compradora que desejar usar suas próprias ações como
moeda de troca não terá problemas caso elas estejam sendo negociadas a um valor justo.

4
Famoso jogador americano de ​baseball​.
Mas imagine que elas estivessem sendo vendidas a apenas metade do valor intrínseco.
Nesse caso, a empresa compradora se depara com o infeliz prospecto de usar uma moeda de
troca muito subvalorizada no processo de aquisição.

Ironicamente, se a empresa compradora fosse a vendedora de seu próprio negócio, ela


poderia também negociar, e conseguir, o valor intrínseco cheio. Mas quando ela faz uma venda
parcial de si mesma - e é esse o objetivo de uma emissão de ações para aquisições - ela não
costuma conseguir um valor mais alto por suas ações do que aquele que o mercado está
disposto a pagar.

O adquirente que decide seguir em frente mesmo assim acaba usando uma moeda
subvalorizada (valor de mercado) para pagar por algo de preço cheio (valor negociado). Com
efeito, é o mesmo que o adquirente abrir mão de dois dólares de valor para receber um dólar
de valor. Em tais circunstâncias, um negócio maravilhoso comprado a preços razoáveis se
transforma em uma péssima compra. Ouro precificado como ouro não pode ser comprado de
forma inteligente usando mais ouro - ou mesmo prata - como se fosse chumbo.

Se, por outro lado, a sede por tamanho e por ação forem fortes o suficiente, o gestor da
adquirente irá encontrar vários racionais para uma emissão de ações tão destrutiva.
Banqueiros amigos irão tranquilizá-lo a respeito da corretude de seus atos. (Não pergunte ao
barbeiro se você precisa de um corte de cabelo.)

Alguns dos racionais favoritos usados nessas situações são:


(a) “A empresa que estamos comprando vai valer muito mais no futuro.” (Assim como os
rendimentos do negócio antigo; os prospectos futuros são implícitos ao processo de
valuation​. Se 2X é avaliado como X, o desequilíbrio ainda existirá quando ambas as
partes dobrarem de valor.)
(b) “Nós precisamos crescer.” (Quem, poderíamos perguntar, é o “nós”? Para os
acionistas, a verdade é que todos os negócios existentes encolhem de valor quando
ações são emitidas. Se a Berkshire fosse emitir ações amanhã para adquirir algum
negócio, a Berkshire teria tudo o que tem hoje e mais a nova aquisição, mas a
participação de vocês em negócios estelares como See’s Candy Shops, National
Indemnity, etc., iria ser automaticamente reduzida. Se (1) sua família tem uma fazenda
de 120 hectares e (2) você convida um vizinho com 60 hectares de terras parecidas
com as suas para uma fusão com distribuição meio-a-meio, então (3) seu domínio irá
aumentar para 180 hectares, mas você terá encolhido permanentemente 25% da
participação da sua família tanto em área quanto em lavoura. Gestores que querem
expandir os domínios à custa dos acionistas deveriam pensar em ter carreiras no
governo.)
(c) “Nossas ações estão subprecificadas e nós minimizamos o seu uso nessa negociação -
mas precisamos dar aos acionistas da empresa que está sendo comprada 51% em
ações e 49% em dinheiro, de forma que eles consigam a isenção de impostos que
querem.” (Esse argumento reconhece que é melhor pro adquirente segurar a emissão
de ações, e nós gostamos disso. Mas se é ruim para os acionistas fazer uma aquisição
com base em 100% de ações, também é ruim fazer com base em 51% de ações. Afinal,
as pessoas não se encantam quando um ​cocker spaniel destrói seus jardins, justamente
por ser um ​cocker spaniel e não um São Bernardo. E as vontades dos vendedores não
podem ser o determinante dos interesses dos compradores - o que aconteceria, Deus
nos livre, se o vendedor insistisse que a condição para a fusão acontecer fosse a
substituição do CEO da adquirente?)

Há três formas de evitar destruição de valor aos acionistas quando novas ações são
emitidas com fins de aquisição. A primeira é ter uma fusão de igual valor entre as empresas, tal
como esperamos ser o caso da Berkshire com a Blue Chip. Uma fusão assim tenta ser justa
com os acionistas das duas empresas, com cada uma recebendo o mesmo tanto que está
dando em termos de valor de negócio. As fusões Dart Industries-Kraft e Nabisco Standard
Brands parecem ter sido desse tipo, mas são exceções.

Não é que os adquirentes evitem esse tipo de negociação; o problema é que elas são
muito difíceis de fazer.

A segunda forma se dá quando as ações da adquirente estão a um preço igual ou


superior ao seu valor intrínseco. Nessa situação, o uso das ações como moeda de troca pode
aumentar a riqueza dos acionistas da companhia que está sendo adquirida. Muitas fusões
foram assim no período de 1965-1969. Já de 1970 em diante, o cenário foi o oposto: os
acionistas da empresa adquirida receberam uma “moeda” muito inflacionada (frequentemente
pumped up5 por técnicas dúbias de contabilidade e promoção) e foram as responsáveis por
perda de riqueza em tais transações.

Nos últimos anos, a segunda forma esteve disponível apenas para algumas poucas
empresas muito grandes. As exceções vieram primariamente de companhias em ramos
glamourosos ou promocionais, que tiveram valores de mercado avaliados muito acima dos
seus respectivos valores intrínsecos.

A terceira forma é aquela em que o adquirente segue em frente com a aquisição, mas
subsequentemente recompra uma quantidade de ações igual ao número que foi emitido para
financiar a fusão. Dessa maneira, o que originalmente era uma fusão ação-por-ação pode ser
convertida, de forma efetiva, em uma aquisição do tipo dinheiro-ação. Recompras desse tipo
são movimentos para reparação de danos. Os leitores habituados com nossa filosofia irão
perceber que preferimos muito mais as recompras que aumentem diretamente a riqueza dos
acionistas do que recompras que meramente consertem danos causados anteriormente.
Marcar ​touchdowns6 é mais empolgante do que se recuperar de trapalhadas. Porém, quando

5
Aumento artificial dos preços de uma ação por meio da manipulação de mercado.
6
Pontuação referente ao futebol americano dada ao time capaz de passar a bola até a zona final do
campo adversário.
uma trapalhada acontece, a recuperação é importante, e nós recomendamos de coração
recompras que visem consertar a situação, transformando um mal negócio acionário em um
negócio justo em dinheiro.

A linguagem usada nas fusões tende a confundir as coisas e encorajar atitudes


irracionais por parte dos gestores. Por exemplo, a “diluição” costuma ser cuidadosa e
formalmente calculada, tanto para o valor patrimonial quanto para ganhos por ação correntes.
Uma ênfase particular é dada ao último item. Quando o resultado é negativo (diluidor) do ponto
de vista da empresa adquirente, uma justificativa será elaborada (internamente ou não) dizendo
que as linhas dos gráficos irão se interceptar de maneira favorável em algum ponto no futuro.
(Apesar de algumas negociações darem errado na prática, elas nunca dão errado nas
projeções - se o CEO está visivelmente ofegante de emoção sobre os prospectos de uma
aquisição, os subordinados e consultores irão fornecer todas as projeções necessárias para
justificar qualquer preço.) Se o cálculo produzir números positivos para a adquirente logo de
cara - isto é, não-diluidor, nenhum outro comentário se mostra necessário.

A atenção dada a essa forma de diluição é exagerada: os atuais ganhos por ação (ou
mesmo os ganhos por ação dos anos seguintes) são variáveis importantes no ​valuation da
maior parte das empresas, mas estão longe de ter um peso tão grande.

Houve várias fusões, num sentido não-diluidor, que se mostraram destruidoras de valor
para a parte adquirente. E algumas fusões que diluíram os ganhos atuais e de curto prazo por
ação se mostraram, na verdade, agregadoras de valor. O que realmente conta é se uma fusão
é diluidora ou não em termos do valor intrínseco do negócio (que envolve um julgamento que
leva em conta muitas variáveis). Nós acreditamos que o cálculo da diluição por este ângulo é
de extrema importância (e muito raramente é feita).

Um segundo problema de linguagem está relacionada com a equação de troca. Se a


Companhia A anuncia que irá emitir ações para se fundir com a Companhia B, o processo é
comumente descrito como “Companhia A irá adquirir a Companhia B” ou “B vende para A”. Um
pensamento mais claro resultaria numa descrição mais estranha, porém mais acurada: “Parte
de A é vendida para adquirir B” ou “Acionistas de B receberão parte de A em troca de seus
ativos”. Em uma negociação, o que você dá é tão importante quanto o que você recebe. Isso
permanece verdadeiro mesmo quando o registro final do que está sendo dado atrasa. Vendas
subsequentes de ações ou títulos conversíveis, seja para inteirar o financiamento ou para
restaurar o equilíbrio nos balanços, devem ser levadas em consideração na avaliação dos
fundamentos matemáticos da aquisição original. (Se uma “gravidez corporativa” é uma
consequência do “acasalamento corporativo”, então o momento de encarar o fato é antes do
momento de êxtase.)

Gestores e diretores poderiam clarear seus raciocínios ao se perguntarem se venderiam


100% de suas empresas na mesma base de troca usada para vender parte dela. Se não é
inteligente vender a empresa inteira em tal base, eles deveriam se perguntar porquê o seria
com apenas uma parte. Um acúmulo de pequenos atos estúpidos por parte da gestão irá
produzir uma estupidez gigantesca - e não um triunfo gigantesco. (Las Vegas foi construída
com a riqueza que é transferida quando pessoas se engajam em desvantagens aparentemente
pequenas de capital.)

O fator “dar versus receber” pode ser mais facilmente calculado no caso de empresas
de investimentos registrados. Assuma que a Empresa de Investimento X, sendo vendida a 50%
do valor patrimonial, deseja se fundir com a Empresa de Investimento Y. Assuma, também, que
a Empresa X decide emitir ações com um valor de mercado igual a 100% do valor patrimonial
de Y.

Esse movimento de ações deixaria X trocando U$ 2 de seu valor intrínseco anterior por
U$ 1 do valor intrínseco de Y. Isso resultaria em protestos, tanto por parte dos acionistas de X
quanto da SEC7, que regula a legalidade de fusões entre empresas de investimento. Esse tipo
de transação simplesmente não seria permitida.

No caso de empresas financeiras, de manufatura, serviços, etc., os valores não


costumam ser precisamente calculáveis como no caso de empresas de investimento. Mas já
vimos fusões nesses setores que destruíram valor de forma dramática dos acionistas da
empresa adquirente, como foi explicitado no exemplo hipotético anterior. Essa destruição não
ocorreria se a gestão e os diretores avaliassem a idoneidade das transações com métricas
iguais para a asserção de ambas as empresas.

Por fim, uma palavra deve ser dita sobre o efeito de “golpe duplo” nos acionistas da
empresa adquirente em situações onde a diluição de valor ocorre. Em tais circunstâncias, o
primeiro golpe é a perda de valor intrínseco do negócio, que ocorre por meio da própria fusão.
O segundo é a revisão para baixo no valor de mercado que, racionalmente, acontece por conta
do valor diluído que o negócio passa a ter. Compreensivelmente, os acionistas, atuais e
futuros, não irão pagar alto por ativos que estejam nas mãos de gestores conhecidos por trazer
destruição de valor; mas pagarão por ativos confiados a um gestor que tenha o mesmo talento
operacional que o primeiro, mas que seja conhecido pelo desgosto em tomar decisões
contrárias aos interesses dos acionistas. Uma vez que a gestão se mostre insensível aos
interesses dos acionistas, estes irão sofrer por um bom tempo com a razão preço/valor de suas
ações (em relação a outras alternativas), não importa quais garantias a gestão dê de que a
diluição tenha sido um evento isolado.

Essas garantias são tratadas pelo mercado da mesma forma que as explicações de um
inseto na salada são tratadas em restaurantes. As justificativas, mesmo que acompanhadas de
um novo garçom, não eliminam a queda na demanda (e, assim, de valor de mercado) por
saladas, tanto do lado do cliente que passou pela situação quanto de seus vizinhos, que agora
ficam em dúvida sobre o que pedir. Com tudo mais igual, os maiores preços de ações em

7
Equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no Brasil.
relação ao valor intrínseco ocorrem em empresas cujos gestores se negam a emitir ações que
prejudiquem os acionistas.

Na Berkshire, ou em qualquer empresa cujas políticas são determinadas por nós


(incluindo a Blue Chip e a Wesco), iremos emitir ações somentes se nossos acionistas
receberem de valor o mesmo que estamos dispostos a dar. Nós não iremos equiparar atividade
com progresso ou tamanho da corporação com riqueza da base acionária.

Miscelânea

Este relatório anual é lido por diferentes tipos de pessoa, e é possível que alguns
membros nos ajudem em nosso programa de aquisições.

Nós preferimos:
(1) Grandes compras (pelo menos U$ 5 milhões de ganhos após impostos),
(2) Poder de ganhos consistentes (projeções futuras não nos interessam, nem
turnarounds​),
(3) Negócios que tenham bons retornos sobre o patrimônio, com pouca ou nenhuma dívida,
(4) Negócios simples (se há muita tecnologia envolvida, nós não iremos entender),
(5) Com um preço definido (nós não queremos perder nosso tempo ou o tempo da empresa
disposta a vender com conversas, mesmo que preliminares, sobre uma transação que
não tenha um preço conhecido).

Nós não iremos participar de transações inamistosas. Prometemos uma completa


confidencialidade e uma ágil resposta sobre termos ou não interesse - normalmente, em
poucos minutos. Compras com dinheiro são preferíveis, mas consideraremos o uso de ações
quando isso puder ser feito nas condições justas que comentamos anteriormente.

* * * * *

As contribuições dos acionistas no nosso programa filantrópico teve, mais uma vez,
grande entusiasmo neste ano; 95,8% das ações elegíveis participaram. Essa resposta foi
encorajadora, uma vez que apenas um dólar por ação foi disponibilizado ao programa, uma
queda em relação aos dois dólares de 1981. Se a fusão com a Blue Chip acontecer, um
possível subproduto disso será o alcance de uma posição fiscal consolidada maior, que
permitirá aumentar significativamente nossa base de contribuição e nos dar o potencial de
designar fatias maiores por ação no futuro.

Se você deseja participar em programas futuros, nós pedimos encarecidamente para


que você se certifique que suas ações estão registradas em seu próprio nome, e não no nome
de terceiros. ​Para novos acionistas, uma descrição mais detalhada do programa se
encontra nas páginas 62-63.

* * * * *

Num movimento peculiarmente imprudente, nós expandimos nosso escritório em 23,4


metros quadrados (17%), em consonância com a assinatura de um novo contrato de aluguel no
1440 Kewit Plaza. As cinco pessoas que trabalham aqui comigo - Joan Atherton, Mike
Goldberg, Gladys Kaiser, Verne McKenzie e Bill Scott - produzem resultados equivalentes a
grupos muitas vezes maiores. Uma organização compacta permite gastar nosso tempo no
gerenciamento dos negócios ao invés no gerenciamento um do outro.

Charlie Munger, meu parceiro de gestão, continuará a operar de Los Angeles, mesmo
que a fusão com a Blue Chip não ocorra. Charlie e eu somos intercambiáveis nas decisões de
investimento.

A distância não é problema algum; nós sempre conseguimos fazer com que uma
ligação telefônica seja mais produtiva do que uma reunião de meio período com toda a
diretoria.

* * * * *

Dois de nossos gestores estelares se aposentaram esse ano: Phil Liesche, com 65
anos, da National Indemnity Company, e Ben Rosner, com 79 anos, da Associated Retail
Stores. Esses dois homens fizeram vocês, acionistas da Berkshire, bem mais ricos do que
vocês seriam sem eles. National Indemnity tem sido a operação mais importante no
crescimento da Berkshire. Phil e Jack Ringwalt, seu predecessor, foram as duas principais
forças motrizes no sucesso da National Indemnity. Ben Rosner vendeu a Associated Retail
Stores para a Diversified Retailing Company, em dinheiro, em 1967, prometeu permanecer na
empresa somente até o final do ano seguinte, e então atingiu resultados maravilhosos para nós
por mais quinze anos.

Tanto Ben quanto Phil administraram seus negócios pela Berkshire com todo o cuidado
e vontade que teriam caso eles próprios fossem os donos. Nenhuma regra foi necessária para
forçar ou encorajar esse tipo de atitude; estava incorporada no caráter dos dois muito antes de
entrarmos em cena. O bom caráter deles se transformou em boa sorte para nós. Se
conseguirmos continuar atraindo gestores da mesma qualidade de Ben e Phil, você não precisa
se preocupar com o futuro da Berkshire.

Warren E. Buffett
Presidente do conselho
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1983.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

No último ano, nossa base de acionistas aumentou de 1900 para 2900 pessoas. A
maior parte desse crescimento veio por conta da fusão com a Blue Chip Stamps, mas também
houve uma aceleração no ritmo do crescimento “natural” que nos levou a um patamar acima de
mil acionistas alguns anos atrás.

Com tantos acionistas novos, vale a pena resumir os princípios mais importantes que
seguimos na nossa relação gestor-acionista:
● Embora sejamos uma corporação, nossa atitude é de parceria. Charlie Munger e eu
vemos nossos acionistas como parceiros, e nós como os parceiros-gestores. (Dado o
tamanho de nossas posições, nós também somos os parceiros controladores, para o
bem ou para o mal.) Nós não enxergamos a empresa em si como a detentora dos
negócios; ao invés disso, a vemos como um conduíte pelo qual nossos acionistas
podem possuir ativos.
● Em linha com essa orientação de cabeça de dono, todos os nossos diretores são
grandes acionistas da Berkshire Hathaway. No caso de quatro dos cinco diretores, mais
de 50% do patrimônio de suas famílias está alocado na Berkshire. Nós colhemos o que
plantamos.
● Nosso objetivo econômico de longo prazo (sujeito a algumas qualificações que serão
mencionadas adiante) é maximizar a taxa média anual de ganho por ação em valor
intrínseco das empresas. Nós não medimos a importância econômica da Berkshire por
seu tamanho; nós medimos o progresso a nível de ação. Nós temos certeza que a taxa
de retorno por ação irá diminuir no futuro - uma base de capital muito grande irá
contribuir para isso. Mas ficaremos decepcionados se nossa taxa de crescimento não
ultrapassar a taxa média das grandes corporações americanas.
● Nossa preferência é a de atingir esse objetivo controlando diretamente um grupo
diversificado de negócios, que gerem caixa e que tenham ganhos consistentes e acima
de média de retorno sobre o patrimônio líquido. Um outro caminho é possuir partes de
negócios similares, conseguidas primariamente por meio de compras de ações feitas
por nossas subsidiárias do setor de seguros. O preço e disponibilidade dos negócios, e
a necessidade de capital reservado para sinistros, determinam a alocação de capital em
um dado ano.
● Por conta dessa dupla abordagem de participação em negócios, e por conta de
limitações da contabilidade convencional, os ganhos consolidados podem revelar pouco
a respeito do nosso verdadeiro desempenho econômico. Charlie e eu, tanto como
acionistas quanto como gestores, virtualmente ignoramos tais números consolidados.
No entanto, nós também iremos reportar a vocês os ganhos de cada grande empresa
que possuímos, números esses que consideramos de grande importância. Tais dados,
junto com outras informações que fornecemos sobre cada negócio, são, em geral, de
grande ajuda para a tomada de decisão a respeito dos mesmos.
● Consequências contábeis não influenciam nossas decisões operacionais ou de
alocação de capital. Quando os custos de aquisição são parecidos, nós preferimos
muito mais comprar U$ 2 de ganhos que não são passíveis de serem reportados por
nós, de acordo com os princípios contábeis, do que comprar U$ 1 que seja passível de
ser reportado. Essa é precisamente a escolha que costumamos encarar com
frequência, dado que empresas inteiras (cujos ganhos seriam totalmente reportáveis)
costumam ser vendidas pelo dobro do preço em relação a pequenas partes compradas
via mercado de capitais (cujos ganhos seriam, em boa parte, não-reportáveis). Em
geral, e com o passar do tempo, esperamos que os ganhos não-reportados sejam
completamente incorporados em nosso valor intrínseco via ganho de capital.
● Nós raramente recorremos a dívidas e, quando o fazemos, tentamos estruturá-las a
longo prazo e com taxas fixas. Nós preferimos rejeitar oportunidades interessantes do
que alavancar nosso balanço. Esse conservadorismo tem penalizado nossos
resultados, mas é o único comportamento que nos deixa confortáveis diante de nossas
obrigações fiduciárias com nossos segurados, depositários, credores e acionistas, que
alocam porções enormes de seus patrimônios conosco.
● Uma “lista de desejos” da gestão não será cumprida em detrimento ao acionista. Nós
não iremos diversificar comprando empresas inteiras a preços que ignorem os efeitos
econômicos de longo prazo à nossa base acionária. Nós faremos com o seu dinheiro
apenas o que faríamos com o nosso, ponderando por completo o valor que podemos
adicionar ao diversificar a carteira por meio de compras feitas diretamente no mercado
acionário.
● Nós sabemos que boas intenções devem ser periodicamente checadas em relação aos
resultados. Nós testamos a sabedoria de se reter ganhos ao avaliar se a retenção, ao
longo do tempo, entrega ao acionista U$ 1 de valorização para cada U$ 1 retido, no
mínimo. Até o momento, isso tem ocorrido. Nós vamos continuar avaliando isso numa
janela de cinco anos. Conforme nosso patrimônio vai aumentando, fica mais difícil usar
os ganhos retidos com sabedoria.
● Nós iremos emitir ações somente se recebermos o mesmo valor que estamos dando.
Essa regra se aplica para todas as formas de emissão - não apenas fusões ou ofertas
públicas de ações, mas swaps de ações por dívidas, opções e títulos conversíveis. Nós
não iremos vender pequenas partes da nossa empresa - e é a isso que a emissão de
ações se traduz - a preços inconsistentes com o valor de toda a companhia.
● Você deve estar ciente de uma atitude minha e do Charlie que prejudica nosso
desempenho financeiro: independentemente do preço, nós não temos interesse algum
em vender bons negócios que sejam controlados pela Berkshire e temos grande
relutância em vender negócios inferiores dos quais esperamos uma certa geração de
caixa, desde que tenhamos boas relações com a gestão e os funcionários. Nós
esperamos não repetir os erros de alocação que nos levaram a esses negócios
inferiores. E temos muita cautela com opiniões que dizem que tais negócios podem
voltar a ter boa lucratividade por meio de mais gastos. (As projeções são sempre
incríveis - os defensores da ideia são sempre sinceros - mas, no fim das contas,
grandes investimentos em um péssimo setor são tão gratificantes quanto lutar contra
areia movediça.) De qualquer forma, uma gestão que segue um comportamento de ​gin
rummy1 de descartar os negócios mais promissores em cada turno não faz nosso estilo.
Nós preferimos penalizar um pouco os nossos resultados do que brincar com eles.
● Nós seremos sinceros em nossa comunicação com vocês, enfatizando as partes
positivas e negativas na avaliação do valor das empresas. Nossa diretriz é informar a
vocês a respeitos dos fatos de uma companhia da mesma forma que gostaríamos de
ser informados caso estivéssemos com os papéis trocados. É o mínimo que podemos
fazer. Mais ainda, como uma empresa que possui um grande negócio na área de
comunicação, seria imperdoável de nossa parte abaixarmos a régua de acurácia,
balanço e acuidade em nossos próprios relatórios em comparação à rigorosidade que
esperamos que nossos jornalistas tenham com outras empresas. Nós também
acreditamos que a sinceridade nos beneficia enquanto gestores: o CEO que engana
outras pessoas em público pode, eventualmente, enganar a si próprio.
● Apesar de nossa política de sinceridade, nós iremos discutir nossas atividades
acionárias apenas até onde o limite legal requer. Boas ideias de investimento são raras,
valiosas e sujeitas a apropriação da mesma forma que boas ideias de produtos ou
aquisições o são. Essa proibição vale até para ações que já vendemos (uma vez que
podemos comprá-las novamente) e para ações que as pessoas “dizem” estarmos
comprando. Se negarmos os rumores em uma ocasião e dissermos “sem comentários”
em outra, então o “sem comentários” passa a ser visto como uma confirmação.

Com isso, encerramos nosso catecismo. Podemos agora ir para o ponto alto de 1983 -
a aquisição de uma posição majoritária na Nebraska Furniture Mart e nossa associação com
Rose Blumkin e sua família.

Nebraska Furniture Mart

No ano passado, depois de comentar como gestores inteligentes, mas dopados de


adrenalina, passam por maus bocados após aquisições insensatas, eu citei Pascal: “Me
acometeu que todos os infortúnios humanos tem origem na causa única de que eles são
incapazes de ficarem quietos em um canto.”

Até mesmo Pascal teria saído do seu canto pela Sra. Blumkin.

Há cerca de 67 anos atrás, a Sra. Blumkin, com 23 anos na época, convenceu um


guarda costeiro na Rússia a deixá-la passar e veio para a América. Ela não tinha educação
formal, nem mesmo a nível gramatical, e não sabia falar inglês. Depois de alguns anos no país,

1
Jogo de baralho criado em 1909, comumente jogado de 2 a 4 pessoas.
ela aprendeu a língua com sua filha mais velha, que lhe ensinava, todas as noites, as palavras
que tinha aprendido na escola durante o dia.

Em 1937, após muitos anos vendendo roupas, a Sra. Blumkin havia conseguido
economizar U$ 500 com o intuito de realizar seu sonho de abrir uma loja de móveis. Depois de
ver a American Furniture Mart em Chicago - até então, o centro nacional de venda de móveis
no atacado - ela decidiu batizar seu sonho como Nebraska Furniture Mart.

Ela esbarrou em todos os obstáculos imagináveis (e mais alguns inimagináveis) que um


negócio dotado de apenas U$ 500 e com nenhuma vantagem de localização ou produto teria
contra uma competição rica e bem enraizada. Em um ponto no início, quando seus parcos
recursos acabaram, a “Sra. B” (agora uma marca pessoal tão conhecida na Grande Omaha
quanto Coca-Cola ou Sanka) lidou com a situação de uma forma que não é ensinada nas
escolas de negócios: ela simplesmente vendeu os móveis e eletrodomésticos de sua casa para
pagar os credores como prometido.

Os varejistas de Omaha começaram a notar que a Sra. B oferecia negócios muitos


melhores aos clientes do que eles, e então pressionaram fabricantes de carpete e móveis a
não venderem a ela.

Mas por meio de várias estratégias, ela obteve os produtos e cortou radicalmente os
preços. A Sra. B foi levada ao tribunal por violar as leis de comércio. Ela não só venceu todos
os processos, mas ganhou uma enorme publicidade. Ao final de um deles, após demonstrar à
corte que ela poderia vender carpetes com lucro mesmo dando um enorme desconto em
relação ao preço atual, ela vendeu U$ 1400 de carpete para o juiz.

Atualmente, a Nebraska Furniture Mart gera mais de U$ 100 milhões em vendas


anualmente vindas de uma única loja com 18.500 metros quadrados. Nenhuma outra loja de
móveis no país chega perto desse volume.

Essa única loja também vende mais móveis, carpetes e eletrodomésticos do que todos
os competidores de Omaha somados.

Uma pergunta que eu sempre me faço ao avaliar uma empresa é: como eu gostaria,
assumindo que tivesse amplo capital e time especializado, de competir com ela. Eu preferiria
lutar com ursos do que competir com a Sra. B e sua família. Eles fazem compras de forma
brilhante, operam com custos que seus competidores sequer sonham ter e transferem ao
consumidor boa parte das economias que conseguem fazer. É o negócio ideal - construído com
valor excepcional ao cliente, o que, em troca, se traduz em excelentes resultados aos donos.

A Sra. B é tão sábia quanto inteligente e, por motivos familiares, decidiu vender seu
negócio no ano passado. Eu já admirava a família e o negócio por décadas, e um acordo foi
feito rapidamente. Mas a Sra. B não é daquelas que vai pra casa e arrisca, como ela mesma
diz, “perder seus ovos de ouro”. Ela continua sendo presidente do conselho da empresa e
continua marcando presença no chão de vendas sete dias por semana. Vendas de carpete são
sua especialidade. Ela pessoalmente vende quantias que seriam equivalentes ao montante de
todo um departamento em outros varejistas.

Nós compramos 90% do negócio - deixando 10% com os membros da família que estão
envolvidos na gestão - e 10% de opções com alguns jovens gestores da família.

E que gestores eles são. Geneticistas deveriam analisar a família Blumkin. Louie
Blumkin, filho da Sra. B, foi presidente da Nebraska Furniture Mart por muitos anos e é
amplamente conhecido como o mais perspicaz comprador de móveis e eletrodomésticos do
país. Louie diz que ele teve a melhor professora, e a Sra. B diz que teve o melhor aluno.
Ambos estão certos. Louie e seus três filhos possuem as habilidades gerenciais, éticas e, mais
importante, o caráter da família Blumkin. E pra completar, eles são todos muito simpáticos. Nós
estamos encantados em termos essa parceria com eles.

Desempenho corporativo

Durante 1983, nosso valor patrimonial subiu de U$ 737,43 para U$ 975,83 por ação, um
aumento de 32%. Nós nunca levamos o desempenho de apenas um ano muito a sério. Afinal,
por que o tempo necessário ao planeta dar uma volta em torno do Sol deveria se sincronizar
com precisão com o tempo necessário a um negócio dar certo? No lugar disso, nós
recomendamos nada menos do que uma janela de cinco anos como uma métrica aproximada
do desempenho econômico. Luzes vermelhas devem se acender se a média de ganho anual
dos cinco anos ficar muito abaixo do retorno, no mesmo período, da indústria americana.
(Aguarde por nossa explicação se isso ocorrer na linha do que Goethe falou: “Quando as ideias
falham, as palavras se tornam muito úteis.”)

Durante o mandato de 19 anos da atual gestão que vos fala, o valor patrimonial
aumentou de U$ 19,46 por ação para U$ 975,83, um crescimento anualizado de 22,6%.
Considerando nosso tamanho atual, essa taxa não poderá ser mantida. Aqueles que acharem
o contrário devem buscar uma carreira na área de vendas, não na de matemática.

Nós reportamos nosso progresso em termos de valor patrimonial porque em nosso caso
(o que não se aplica para todos os casos) essa métrica serve como um indicador conservador,
porém razoavelmente adequado, de crescimento do valor intrínseco do negócio - que é a
métrica que realmente importa. A virtude do valor patrimonial como métrica de desempenho é
que ela é fácil de ser calculada e não envolve julgamentos subjetivos (mas importantes) no
cálculo do valor intrínseco do negócio. É importante entender, no entanto, que os dois termos -
valor patrimonial e valor intrínseco - tem significados muitos diferentes.
Valor patrimonial é um conceito contábil que registra o acúmulo financeiro vindo tanto
do capital aportado quanto dos ganhos retidos. O valor intrínseco é um conceito econômico
sobre a estimação da geração de caixa futura descontada a valor presente. O valor patrimonial
indica o que já aconteceu; o valor intrínseco estima as vantagens que ainda existem.

Uma analogia serve para ilustrar melhor a diferença. Assuma que você gaste valores
iguais para manter dois filhos na faculdade. O valor patrimonial (medido pelo investimento
financeiro) da educação de cada filho seria o mesmo. Mas o valor presente da recompensa
futura (o valor intrínseco) pode variar muito - indo de zero até muitas vezes o custo da
faculdade. O mesmo acontece com empresas que, tendo o mesmo investimento financeiro,
podem ter grandes diferenças de valor entre si.

Na Berkshire, no início do ano fiscal de 1965, quando a atual gestão assumiu o controle,
o valor patrimonial de U$ 19,46 por ação era uma superestimação do valor intrínseco do
negócio. Todo o valor patrimonial consistia de ativos têxteis que não conseguiam ganhar, em
média, qualquer coisa perto de uma taxa adequada de retorno. Voltando a nossa analogia, o
investimento nos ativos têxteis seria o equivalente a jogar o dinheiro gasto com educação no
lixo.

Agora, no entanto, nosso valor intrínseco é muito maior do que nosso valor patrimonial.
Isso ocorre por duas principais razões:
(1) Os princípios contábeis exigem que as ações detidas por nossas subsidiárias do setor
de seguros sejam indicadas em nossos balanços a valor de mercado, mas outras ações
que possuímos devem ser indicadas como o mínimo entre valor de aquisição e valor de
mercado. Ao final de 1983, o valor de mercado deste último grupo era maior que o valor
de aquisição em U$ 70 milhões antes de impostos, ou cerca de U$ 50 milhões após
impostos. Essa diferença pertence ao nosso valor intrínseco, mas não faz parte do
cálculo do nosso valor patrimonial.
(2) Mais importante ainda, nós controlamos algumas empresas que possuem um ​goodwill
econômico (já incluído no valor intrínseco) muito maior do que o ​goodwill ​contábil que
consta em nossos balanços e fazem parte do nosso valor patrimonial.

Goodwill​, tanto econômico quanto contábil, é um tópico misterioso e requer maiores


explicações que não cabem aqui. O apêndice que acompanha esta carta - “​Goodwill e
amortização: as regras e as realidades” - explica o porquê dos ​goodwills econômico e contábil
serem tão diferentes um do outro.

Você pode viver uma vida completa e gratificante sem nunca sequer pensar sobre
goodwill e sua amortização. Mas os estudantes de investimentos e gestores devem entender
as nuances desse assunto. Meu próprio raciocínio mudou drasticamente 35 anos atrás quando
me foi ensinado a preferir ativos tangíveis e evitar negócios cujos valores dependessem muito
do ​goodwill econômico. Esse viés me levou a cometer erros importantes de omissão, mas
poucos de comissão.2

Keynes identificou o meu problema: “A dificuldade não está em ter novas ideias, mas
em escapar das antigas.” Minha escapatória levou muito tempo, em parte porque o que aprendi
com o mesmo professor foi (e continua a ser) extraordinariamente valioso. No fim das contas, a
experiência em negócios, direta e indiretamente, gerou a minha atual e forte preferência por
negócios que possuam grandes e duradouras somas de ​goodwill e que utilizem o mínimo
possível de ativos tangíveis.

Eu recomendo o apêndice a quem se sentir confortável com terminologia contábil e


tenha interesse em entender os aspectos de negócio do ​goodwill​. Queira você ler o apêndice
ou não, saiba que tanto o Charlie quanto eu acreditamos que a Berkshire possui um
significativo valor de ​goodwill​, acima do que é mostrado por nosso valor patrimonial.

Fontes dos ganhos reportados

As fontes dos ganhos reportados pela Berkshire são mostrados na tabela a seguir. Em
1982, a Berkshire detinha cerca de 60% da Blue Chip Stamps, enquanto que em 1983, nosso
controle foi de 60% nos seis primeiros meses do ano e de 100% no restante. Por sua vez, a
participação da Berkshire na Wesco era de 48% em 1982 e nos primeiros seis meses de 1983,
aumentando para 80% até o final daquele ano. Por conta dessas mudanças nos percentuais de
participação, as duas primeiras colunas da tabela fornecem a melhor medida para avaliar o
desempenho dos negócios.

Todos os ganhos e perdas significativos atribuíveis a vendas não usuais de ativos por
qualquer uma de nossas empresas estão consolidados em conjunto com as transações de
títulos e negociáveis na linha próxima ao fim da tabela, não sendo incluídos, portanto, nos
ganhos operacionais. (Nós consideramos qualquer valor anual de ganhos ou perdas realizadas
de capital como inúteis, mas consideramos os ganhos não realizados em uma janela de anos
como muito importantes.) Mais ainda, a amortização de ​goodwill não é tida como a
contrapartida de negócios específicos mas, por razões explicadas no apêndice, é mostrada
como um item à parte.

2
Erro de omissão está relacionado a não fazer algo que deveria ser feito. Erro de comissão está em
fazer algo que não deveria ser feito.
(1) Outubro a dezembro.
(2) 1982 e 1983 não são comparáveis; grandes ativos foram transferidos durante a fusão.

Para uma discussão a respeito dos negócios controlados pela Wesco, por favor, ​leia o
relatório de Charlie Munger nas páginas 46-51. Charlie substituiu Louie Vincenti como
presidente da Wesco ao final de 1983, quando problemas de saúde forçaram a aposentadoria
do Louie aos 77 anos. Em algumas instâncias, “problemas de saúde” é usado como
eufemismo, mas no caso de Louie, só algo relacionado a isso nos faria considerar sua
aposentadoria. Louie é uma pessoa maravilhosa e um gestor maravilhoso.

A distribuição especial da GEICO reportada na tabela veio de quando a empresa fez


uma oferta de aquisição de parte de suas próprias ações, comprando tanto de nós quanto de
outros acionistas. Por pedido da GEICO, nós fornecemos uma quantidade de ações que nos
permitiu manter o percentual de controle que tínhamos antes da transação. A natureza
proporcional de nossa venda nos permitiu tratar esse procedimento como um dividendo
recebido. Diferente de pessoas físicas, o patrimônio das corporações tem ganhos muito
maiores quando recebe dividendos do que ganhos de capital, uma vez que a taxação sobre
dividendos é de 6,9%, contra 28% em ganhos de capital.

Mesmo com essa adição especial, os dividendos que recebemos da GEICO em 1983
foram muito menores do que nossa porção de ganhos com a empresa. Assim, é perfeitamente
apropriado, tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto de vista contábil, incluir o
produto de resgates em nossos ganhos reportados. Como se trata de um valor alto e incomum,
chamamos sua atenção para isso.

A tabela que mostra nossas fontes de ganhos incluem dividendos recebidos de


empresas não controladas que possuímos participações. Mas a tabela não inclui os ganhos
retidos por essas companhias e que são aplicáveis às nossas parcelas societárias. Com o
tempo, esperamos que esse ganhos não distribuídos se reflitam no valor de mercado e
aumentem o valor intrínseco do nosso negócio em uma base de dólar-a-dólar, como se esses
ganhos estivessem sob nosso controle e fossem reportados como parte de nossos lucros. Isso
não significa que esperamos que nossas empresas se comportem da mesma maneira;
algumas irão nos decepcionar, outras irão entregar surpresas agradáveis. Até a data de hoje,
nossa experiência tem sido melhor do que originalmente esperado. No geral, nós temos
recebido bem mais do que um dólar em valorização de mercado por cada dólar retido.

A tabela a seguir mostra nossas posições acionárias ao final de 1983. Todos os


números representam 100% da participação da Berkshire e 80% da participação da Wesco. A
porção atribuível aos acionistas minoritários da Wesco foi excluída.
(a) Wesco detém participação nessas companhias.

Levando em conta as atuais participações e atuais ​yields - excluindo itens não


recorrentes, como a oferta de aquisição da GEICO no ano passado - esperamos reportar
dividendos de aproximadamente U$ 39 milhões em 1984. Nós também podemos fazer uma
estimativa do montante de ganhos retidos atribuíveis às nossas participações: cerca de U$ 65
milhões no ano. Esses ganhos não distribuídos podem não ter efeito imediato no preço das
ações. Com o tempo, no entanto, eles passarão a ter uma importância real.

Em adição aos números já apresentados, ​mais informações sobre as empresas que


controlamos podem ser encontradas na Discussão da Gestão, nas páginas 40-44. As
mais importantes são a Buffalo Evening News, See’s e o grupo de seguradoras. Todas essas
terão uma atenção especial aqui.

Buffalo Evening News

Em primeiro lugar, um esclarecimento: o nome da empresa é Buffalo Evening News,


Inc., mas o nome do jornal, desde quando começamos a circular uma edição matinal há cerca
de um ano atrás, é Buffalo News.

Em 1983, a empresa conseguiu levemente superar a margem de lucro almejada de 10%


após impostos. Dois fatores foram responsáveis por isso: (1) dedução fiscal advinda de
prejuízos que estavam sendo carregados até o momento e (2) uma grande queda no custo de
impressão (uma casualidade imprevista que será revertida em 1984).

Embora nossas margens de lucro em 1983 tenham vindo em linha com a média do
setor, o desempenho do jornal foi, mesmo assim, uma importante conquista considerando o
ambiente econômico e de varejo em Buffalo.

Buffalo tem uma concentração de indústrias pesadas, um segmento da economia que


foi atingido em cheio pela última recessão, levando a uma lenta recuperação econômica. Assim
como os consumidores em Buffalo, os jornais também sofreram com isso. As vendas
diminuíram nos últimos anos, e aqueles jornais que sobreviveram reduziram suas tiragens.

Nesse contexto, o News tem uma vantagem excepcional: a aceitação do público, algo
que é medido pela “taxa de penetração” do jornal - o percentual de domicílios dentro da
comunidade que compram o jornal todos os dias. Nossa taxa é incrível: em seis meses, findos
em 30 de setembro de 1983, o News permaneceu em primeiro lugar em penetração entre os
100 maiores jornais dos EUA (a classificação é feita levando em conta números de cada zona -
norte, sul, leste e oeste - das cidades, compilados pela Audit Bureau of Circulations3).

Ao interpretar os dados, é importante notar que muitas cidades grandes possuem dois
jornais, e em tais casos a penetração de cada jornal é necessariamente menor do que seria se
houvesse apenas um jornal na cidade, que é o que ocorre em Buffalo. Ainda assim, a lista dos
100 maiores jornais inclui muitos que circulam sem concorrência. Entre eles, o Buffalo News
ocupa a primeira colocação a nível nacional, muito a frente de outros jornais conhecidos pelo
país.

Entre as edições dominicais destes mesmos grandes jornais, o News ocupa o terceiro
lugar em penetração - dez a vinte pontos percentuais na frente de muitos jornais conhecidos.
Mas nem sempre foi assim em Buffalo. Na tabela a seguir, mostramos os números de
circulação dominical em Buffalo antes de 1977, comparados com o atual período. Naqueles
anos, o jornal que circulava aos domingos era o Courier-Express (na época, o News não tinha
publicações dominicais). Agora, é claro, a maior circulação é deste último.

Nós acreditamos que a taxa de penetração de um jornal é a melhor métrica de força de


uma franquia. Jornais com taxas incomumente altas em uma área geográfica, que seja de
interesse aos varejistas, e que tenham uma relativamente baixa circulação em outros lugares
se mostram como excelentes opções para os jornaleiros. Jornais com baixa penetração, por
outro lado, são pouco atrativos para os anunciantes.

Em nossa opinião, três fatores são os maiores responsáveis pela incrível aceitação do
News na comunidade. Entre eles, os pontos (2) e (3) podem também explicar a popularidade
da edição dominical comparada com a da Courier-Express (quando esta era a única edição que
circulava aos domingos):

3
Auditoria independente da seara de circulação de jornais.
(1) O primeiro ponto não tem nada a ver com os méritos do News. Tanto emigração
quanto imigração são relativamente baixas em Buffalo. Uma população mais
estável se mostra mais interessada e envolvida nas atividades da comunidade
do que quando se é uma população em constante mudança - e, como resultado,
tem mais interesse no conteúdo do jornal local. Um aumento nos fluxos de
entrada e saída da cidade irão trazer quedas nas taxas de penetração.
(2) O Buffalo News tem uma reputação por sua qualidade editorial e integridade,
algo que foi aperfeiçoado por nosso editor de longa data, o lendário Alfred
Kirchhofer, preservado e expandido por Murray Light. Essa reputação foi muito
importante para obtermos sucesso ao lançarmos a edição de domingo contra a
concorrência. E sem uma edição de domingo, o News não teria sobrevivido a
longo prazo.
(3) O News faz jus ao seu nome - e entrega uma quantidade incomum de notícias.
Durante 1983, o material editorial (ou seja, excluindo anúncios) somou o
montante de 50% do conteúdo do jornal. Entre os jornais que dominam o
mercado e possuem um tamanho igual ou maior que o News, nós sabemos de
apenas um cujo material editorial ultrapassa o do News. Números mais
abrangentes não estão disponíveis, mas uma amostragem indica que esse
percentual médio é de quase 40%. Em outras palavras, numa análise página a
página, o News entrega 25% a mais de notícias do que um outro jornal, em
média. E é justamente essa a intenção.
Algumas publicadoras, querendo aumentar as margens de lucro, tem diminuído
seus materiais editoriais na última década. Nós mantivemos os nossos e temos
a intenção de continuar fazendo-o. Sendo bem escritas e editadas, as notícias
tornam nosso jornal mais valioso ao leitor e contribuem para a nossa incrível
taxa de penetração.

Apesar da força da franquia do News, um aumento nos ganhos por linha impressa
(anúncios impressos no próprio jornal, em contraste com ​preprints4) será muito difícil de ser
alcançado. Nós tivemos um enorme ganho com ​preprints em 1983: as linhas impressas saíram
de 9,3 milhões para 16,4 milhões, com receitas saindo de U$ 3,6 milhões para U$ 8,1 milhões.
Tais ganhos estão em linha com a tendência nacional, mas, em nosso caso, estão exagerados
por conta de anúncios que captamos quando a Courier-Express fechou.

Fazendo um balanço, a mudança de ROP5 para ​preprints tem impactos econômicos


negativos para nós. O lucro com ​preprints é menor e o negócio em si é mais sujeito a
competições com outras formas de entrega. Mais ainda, a redução no ROP significa menos
espaço dedicado às notícias, reduzindo assim a utilidade do jornal ao leitor.

4
P​romoções e campanhas enviadas juntas do jornal, mas não impressas nas páginas em si.
5
ROP, ou ​run of paper​, engloba a principal seção do jornal. Esta seção é privilegiada pelo fato de ser lida
por quase todos os leitores. Nela, os anunciantes podem ainda colocar propagandas dos mais variados
tamanhos.
Stan Lipsey se tornou o editor do Buffalo News no meio do ano passado com a
aposentadoria de Henry Urban. Henry nunca recuou durantes os dias sombrias de litígio e
prejuízos após começarmos a distribuir nossa edição de domingo - movimento esse que foi
questionado por muitas pessoas na indústria, incluindo algumas que trabalham conosco. Henry
é admirado pela comunidade empresarial de Buffalo, é admirado por todos que trabalharam
com ele e é admirado por mim e pelo Charlie. Stan trabalhou com o Henry durante alguns
anos, e já vinha trabalhando para a Berkshire desde 1969. Ele tem se envolvido pessoalmente
com todos os detalhes do jornal, indo desde o editorial até a circulação. Nós não poderíamos
estar em melhores mãos.

See’s Candy Shops

Os resultados financeiros da See’s continuam a ser excepcionais. O negócio possui


uma valiosa e sólida base consumidora, assim como uma gestão igualmente valiosa e sólida.
Nos últimos anos, a See’s tem encontrado dois importantes problemas, sendo que ao
menos um deles já está quase solucionado, que é o que diz respeito a custos (exceto de
matéria-prima). Nós temos usufruído de uma queda nos custos de matéria-prima nos últimos
anos; infelizmente, nossos competidores também. Qualquer dia teremos uma surpresa
desagradável no sentido oposto. Com efeito, o custo da matéria-prima está completamente fora
de nosso controle uma vez que, naturalmente, iremos comprar os melhores ingredientes que
pudermos, independentemente do nível de preços. Para nós, a qualidade do produto é
sagrada.

Mas outros tipos de custos são mais controláveis, e é nessa área que temos tido
problemas. Levando por base o quilo, nossos custos (excluindo a matéria-prima) nos últimos
anos tem aumentado a uma taxa muito maior do que o aumento geral no índice de preços. É
de vital importância para nossa posição competitiva e potencial lucrativo reverter essa
tendência.

Nos últimos meses, um controle muito melhor de custos tem sido alcançado e
estimamos que a taxa de crescimento dos custos em 1984 irá ficar bem abaixo da inflação.
Essa confiança vem de nossa longa experiência com os talentos gerenciais de Chuck Huggins.
Nós colocamos o Chuck no comando no dia em que assumimos o controle, e seu histórico tem
sido absolutamente extraordinário, como pode ser visto na tabela a seguir:
O outro problema que enfrentamos, como indicado na tabela, é nossa recente
inabilidade em atingir ganhos significativos por quilo de doce vendido. O setor inteiro tem tido o
mesmo problema. Mas, durante muitos anos, nós havíamos superado a indústria nesse
aspecto, algo que não estamos mais conseguindo fazer.

O volume de vendas em nossas lojas tem sido virtualmente o mesmo nos últimos quatro
anos, apesar de pequenos aumentos no número de lojas ano a ano (e também aumento nas
despesas com logística também). Obviamente, o volume de dinheiro aumentou porque
aumentamos bastante o preço dos produtos. Mas, para nós, a métrica mais importante de
tendência de vendas é o número de unidades vendidas por loja, não o volume de dinheiro.
Analisando por uma óptica de ​same-store (contando apenas as lojas que já estavam abertas
em ambos os anos), com todos os números ajustados para um ano com 52 semanas, o volume
em quilos caiu 0,80% em 1983. Essa pequena queda foi o nosso melhor desempenho desde
1979; a queda acumulada desde então tem sido de cerca de 8%. A volume da quantidade de
pedidos, cerca de 25% do total, estagnou nos últimos anos, após enormes ganhos ao longo da
década de 1970.

Nós não temos certeza sobre o quanto essa estagnação - tanto em lojas quanto em
pedidos no atacado - tem sido causada por nossa política de preços e o quanto tem sido
causada pela estagnação da própria indústria, pela recessão e pela extraordinária fatia de
mercado que possuímos. O nosso aumento de preços para 1984 é muito mais modesto do que
tem sido nos últimos anos, e esperamos poder trazer números melhores a vocês no ano que
vem. No entanto, não temos como fazer previsões aqui.

Apesar do problema com volume, as vantagens da See’s continuam sendo muitas e


importantes. Em nossa área principal de atuação, no oeste, nossos doces são preferidos por
uma enorme margem de pessoas em relação a qualquer competidor. Na verdade, acreditamos
que os adoradores de chocolate preferem o nosso produto ao invés de outros doces que
custam duas ou três vezes mais. (No setor de doces, assim como em ações, preço e valor
podem ser diferentes; preço é o que você paga, valor é o que você leva.) A qualidade do
atendimento em nossas lojas - operadas por nós mesmo em todo o país, não por franqueados -
é tão bom quanto nosso produto. Colaboradores alegres e prestativos são uma marca
registrada da See’s, tão forte quanto a logomarca na caixa. Esse não é um feito pequeno,
considerando que estamos em um negócio que requer a contratação de cerca de 2 mil
trabalhadores sazonais. Nós não conhecemos nenhuma outra organização deste tamanho que
oferece uma qualidade de atendimento melhor do que a entregue por Chuck Huggins e seus
associados.

Como subimos modestamente os preços em 1984, os lucros da See’s em tal ano serão
aproximadamente os mesmos que em 1983.

Seguros - empresas controladas

Nós operamos tanto empresas de seguros quanto temos uma grande participação em
uma seguradora em que não operamos, a GEICO. Os resultados gerais podem ser resumidos
com facilidade: as companhias que operamos, cujos resultados de ​underwriting6 refletiram as
consequências das minhas decisões tomadas alguns anos atrás, tiveram resultados terríveis.

Por sorte, a GEICO, cujas políticas eu não tenho influência, simplesmente salvou o dia.
A inferência passível de ser entendida da tabela a seguir está correta. Eu cometi alguns erros
graves no passado, e agora a conta chegou.

O setor teve o pior ano de ​underwriting​ em muito tempo, conforme indicado na tabela:

6
Processo de subscrição. Se as práticas de subscrição geram contratos cujos prêmios excedem as
indenizações e demais despesas, o lucro subsequente elevará a capacidade da seguradora.
Fonte: Best’s Aggregates and Averages.

Os dados da Best refletem o que aconteceu em praticamente toda a indústria, incluindo


empresas de capital aberto, mútuas ou recíprocas7. A taxa combinada representa os custos
totais dos seguros (perdas somadas a despesas) comparados com as receitas dos prêmios;
uma taxa abaixo de 100 indica lucro com ​underwriting​, e acima de 100, prejuízo.

Pelas razões detalhadas no relatório do ano passado, nós sabemos que o desempenho
ruim da indústria em 1983 vai ser relativamente comum por muitos anos pela frente. (Como
Yogi Berra8 disse: “Vai ser um dèja-vu de novo”.) Isso não significa que achamos que os
valores não vão ter flutuações; com certeza eles irão. Mas acreditamos ser altamente
improvável a taxa combinada média, na década, ficar significativamente abaixo dos níveis de
1981-1983.

Tomando por base nossas expectativas sobre a inflação - e estamos pessimistas como
nunca a respeito disso - o volume de prêmios da indústria deveria crescer a uma taxa anual
mínima de 10% apenas para estabilizar os prejuízos atuais.

A nossa própria taxa combinada em 1983 foi de 121. Uma vez que Mike Goldberg
recentemente assumiu a maior parte da responsabilidade sobre a nossa operação de seguros,
seria cômodo pra mim jogar a culpa nele. Mas, infelizmente, como já dissemos algumas outras
vezes, o setor de seguros tem um longo tempo de espera e maturação. Embora as políticas
possam ser alteradas e os funcionários possam ser melhorados, um longo período precisa

7
Tipos de empresas de seguro do mercado americano.
8
Jogador profissional de ​baseball​.
passar para que os efeitos sejam sentidos. (Essa característica do negócio nos permitiu ganhar
muito dinheiro com a GEICO; nós pudemos avaliar o que iria acontecer com um antecedência
enorme antes dos fatos realmente acontecerem.) Assim, as raízes dos resultados de 1983 vem
de decisões operacionais e de pessoal tomadas dois ou mais anos atrás, quando eu era o
gestor responsável por nosso grupo de seguradoras.

Apesar dos nossos resultados ruins, alguns de nossos gestores fizeram um trabalho
excepcional. Roland Miller liderou os seguros de carro e de causas gerais na National
Indemnity Company e na National Fire and Marine Insurance Company, conseguindo melhorar
os resultados enquanto os da concorrência se deterioraram. Mais ainda, Tom Rowley, da
Continental Divide Insurance - nossa companhia novata no Colorado - aparenta ser um grande
gestor. Mike o encontrou há pouco mais de um ano, e ele foi uma importante aquisição para
nós.

Nós recentemente ficamos mais ativos - e esperamos ficar cada vez mais - nas
transações de resseguros, onde a preocupação do comprador com ​overriding9 seja a
credibilidade de longo prazo do vendedor. Em tais transações, a nossa grande força financeira
deverá nos tornar a escolha número um, tanto para requerentes quanto para seguradores que
precisam confiar nas promessas da resseguradora por muitos e muitos anos.

Uma grande fonte desse negócio são os acordos estruturados - procedimentos para
acerto de contas em que o requerente recebe pagamentos periódicos (quase sempre
mensalmente, e pro resto da vida) ao invés de receber o pagamento cheio de uma única vez.
Esse tipo de acordo tem importantes vantagens fiscais para o requerente, além de prevenir que
ele esbanje o pagamento de parcela única. Com frequência, uma estrutura de proteção contra
a inflação é definida no acordo. Nessas situações, o requerente normalmente sofreu algum
acidente sério. Assim, os pagamentos periódicos devem ser indubitavelmente seguros por
décadas. Nós temos confiança de que oferecemos uma segurança sem igual. Nenhuma outra
seguradora que conhecemos - mesmo aquelas com patrimônios muito maiores - tem a força
financeira que temos.

Nós também achamos que nossa força financeira possa ser um atrativo para empresas
que desejam transferir seus prejuízos. Em tais transações, outras seguradoras nos pagam à
vista para assumir todos (ou em parte) os futuros prejuízos advindos de negócios falidos.
Nesse caso, a empresa que transfere essas indenizações também precisa ter certeza que a
outra ponta possui uma solidez financeira capaz de fazê-la durar por anos a fio. Novamente, a
maior parte de nossos concorrentes parece ter uma condição financeira que é materialmente
inferior à nossa.

9
Taxa ou percentual pago à parte responsável pelo contrato de retrocesso em resseguros, que diz
respeito à mitigação de riscos por meio da divisão de possíveis indenizações entre várias
resseguradoras.
Potencialmente, os acordos estruturados e a assunção de prejuízos podem se tornar
muito significativos para nós. Por conta de seus tamanhos e por conta dessas operações
gerarem grandes somas de investimento quando comparadas ao volume de prêmios, nós
iremos mostrar os resultados de ​underwriting deles em uma linha separada em nossa tabela.
Nós também iremos excluir o efeito que elas têm em nossa taxa combinada. Nós não
encabeçamos nenhum lucro nos acordos estruturados e nenhuma perda com a transferência
de prejuízos, e todas as despesas são incorridas no exercício atual. Ambas as linhas de
negócio são administradas por Don Wurster, na National Indemnity Company.

Seguros - GEICO

O desempenho da GEICO durante 1983 foi tão bom quanto nosso péssimo resultado
em seguros, mas com o sinal trocado. Em comparação com a taxa combinada da indústria de
111, a GEICO conseguiu cravar 96 após um grande provisionamento voluntário na política de
dividendos. Há alguns anos, eu jamais imaginaria que a GEICO pudesse bater a indústria com
tamanha destreza. Sua superioridade é reflexo da combinação de uma ideia de negócio
realmente excepcional com uma gestão tão excepcional quanto.

Jack Byrne e Bill Snyder têm mantido uma disciplina extraordinária no setor de
underwriting (incluindo a parte crucial de provisionamento de recursos para indenizações), e
seus esforços estão agora sendo recompensados por ganhos significativos. Tão importante
quanto os dois, Lou Simpson é um dos melhores gestores de seguros. Os três formam um time
e tanto.

Nós temos aproximadamente um terço de participação na GEICO. Isso é equivalente a


U$ 270 milhões em volume de prêmios da companhia, um quantia que é 80% maior do que
nosso próprio volume de prêmios. Dessa forma, a maior porção de nossos negócios em
seguros vem da melhor seguradora do país. Esse fato não muda em nada a necessidade de
melhorarmos nossas próprias operações.

Splits​ de ações e atividades acionárias

Nós sempre somos perguntados sobre o motivo da Berkshire não fazer um ​split de suas
ações. A premissa por trás dessa pergunta é a de que um ​split parece ser benéfico para o
acionista. Nós discordamos. Deixe-me explicar o porquê.

Um de nossos objetivos é que a ação da Berkshire Hathaway seja vendida a um preço


que reflita racionalmente o seu valor intrínseco. (Note que usei o termo “racionalmente”, não
“idêntico”: se empresas conhecidas costumam ser vendidas no mercado com grandes
descontos em relação ao seu valor, a Berkshire também pode passar por isso.) O ponto
principal de um preço racional para uma ação é ter acionistas racionais, tanto atuais quanto
futuros.

Se os acionistas de uma empresa e/ou futuros compradores são propensos a tomar


decisões irracionais e emoções, alguns preços discrepantes irão aparecer periodicamente.
Personalidades maníaco-depressivas produzem ​valuations maníaco-depressivos. Tais
aberrações podem nos ajudar a comprar e vender ações de outras empresas. Mas achamos
que é interesse seu e nosso minimizar a ocorrência disso com as ações da própria Berkshire.

Obter apenas acionistas de alta qualidade não é tarefa fácil. A Sra. Astor conseguia
escolher quem estava na sua lista de 40010, mas qualquer pessoa pode comprar qualquer
ação. Os membros novos de um “clube” de acionistas não podem ser avaliados por suas
capacidades intelectuais, estabilidade emocional, sensibilidade moral ou código de vestimenta.
A eugenia dos acionistas parece ser, portanto, uma tarefa infrutífera.

Em boa parte, no entanto, nós sentimos que uma base acionária de alta qualidade pode
ser atraída e mantida se nós comunicarmos de maneira consistente a nossa filosofia de
negócios - sem conflitos de interesse - e deixar a seleção natural agir. Por exemplo, esse tipo
de seleção é responsável por atrair públicos completamente distintos para uma ópera e um
show de rock, mesmo sendo possível a qualquer um comprar ingressos para ambas as
atrações.

Por meio de nossas políticas e comunicados - a nossa “propaganda” - nós tentamos


atrair investidores que venham a entender nossas operações, atitudes e expectativas. (E, tão
importante quanto isso, tentamos dissuadir aqueles que não o façam.) Nós queremos pessoas
que se vejam como donas do negócio e estejam dispostas a investir em empresas por um
longo tempo. Mais ainda, queremos pessoas que se atentem para os resultados, não para os
preços de mercado.

Investidores que possuem tais características representam uma pequena minoria, mas
nós possuímos um incrível agrupamento deles. Acredito que mais de 90% de nossas ações -
talvez mais do que 95% - estão nas mãos de quem já era acionista da Berkshire ou da Blue
Chip cinco anos atrás. E eu chutaria que mais de 95% de nossas ações são mantidas por
investidores cujas posições em nossa empresa tem o dobro do tamanho de suas segundas
maiores posições. Entre as empresas que possuem alguns milhares de acionistas e tenham um
valor de mercado acima de U$ 1 bilhão, nós temos quase certeza de sermos a líder no grau em
que os acionistas pensam e agem como donos. Fazer crescer um grupo de acionistas com
essas características não é fácil.

10
Famosa socialite americana, conhecida por ter criado uma lista das 400 pessoas mais prestigiosas em
Nova York no século XIX.
Se fôssemos fazer o ​split das ações ou usar outras abordagens em relação ao preço
das ações (ao invés do valor do negócio), iríamos atrair uma classe de compradores inferior à
classe de vendedores se desfazendo de suas posições. A um preço de U$ 1.300, existem
pouquíssimos investidores que não são capazes de comprar uma ação da Berkshire. O
potencial comprador de uma ação estaria melhor se fizéssemos um ​split de 100 para 1, de
forma que ele pudesse comprar 100 ações? Aqueles que acham que sim e que comprariam a
ação por conta do ​split,​ ou com a esperança de um ​split ​acontecer, definitivamente diminuiriam
a qualidade do nosso atual grupo de acionistas.(Nós realmente conseguiríamos melhorar a
qualidade do nosso grupo acionário trocando alguns de nossos membros de pensamento
aguçado por outros que, preferindo preço a valor, se sentem mais ricos com nove cédulas de
U$ 10 no bolso do que com uma cédula de U$ 100?) Pessoas que compram por motivos que
não tem relação com valor também irão vender por motivos que não tem relação com valor. A
presença deles iria acentuar o comportamento errático dos preços.

Nós iremos tentar evitar políticas que atraiam compradores de curto prazo e manter
políticas que atraiam investidores bem informados e de longo prazo, cujo foco está no valor do
negócio. Da mesma forma que você comprou ações da Berkshire em um mercado rodeado de
investidores racionais e informados, você merece ter a chance de vender - caso queira - no
mesmo cenário. Nós trabalharemos para manter esse ambiente vivo.

Uma das ironias do mercado de ações é a ênfase na atividade. Corretores, usando


termos como “comercialização” e “liquidez”, vivem endeusando empresas com alto giro de
acionistas (aqueles que não conseguem encher seu bolso irão, com certeza, encher sua
paciência). Mas os investidores devem entender que o que é bom para o crupiê não é bom
para o cliente. Um mercado de ações hiperativo é um batedor de carteiras de corporações.

Por exemplo, considere uma companhia típica com ganhos de, digamos, 12% sobre o
patrimônio. Assuma que a taxa de ​turnover11 de suas ações é muito alta, de 100% ao ano. Se
tanto a compra quanto a venda da ação gerar comissões de 1% (esse percentual pode ser
muito maior em ações de preço mais baixo), e se as ações forem negociadas ao valor
patrimonial, os acionistas de nossa companhia hipotética irão pagar, em média, 2% do
patrimônio líquido anualmente pelo privilégio de negociar as ações. Esse tipo de atividade não
agrega nada aos ganhos da empresa, e indica que 1/6 deles irão se perder com os custos de
transferência de titularidade. (Esse cálculo não leva em conta a negociação de opções, que
aumentaria ainda mais os custos.)

Tudo isso se resume a uma custosa dança das cadeiras. Você consegue imaginar a
agonia que seria se o governo impusesse novas taxações nos ganhos das empresas e dos
investidores? Pela atividade de mercado, os investidores conseguem resultado equivalente a
isso ao negociarem demais.

11
Medida de liquidez da ação, calculada como a razão entre a quantidade de ações negociadas pelo
número total de ações da empresa.
Os dias em que o mercado negocia 100 milhões de ações (e esse tipo de volume,
incluindo as negociações em balcões, é anormalmente baixo atualmente) são uma maldição
para os acionistas, não uma bênção - isso significa que os acionistas estão pagando o dobro
para “trocar de cadeira” em comparação aos dias em que são negociadas 50 milhões de ações.
Se o volume de 100 milhões de negociações por dia se mantém durante um ano, com um custo
média de compra e venda de 15 centavos por ação, o “imposto” de mudança de cadeiras para
os investidores seria de U$ 7,5 bilhões - um montante aproximadamente igual aos lucros de
1982 somados da Exxon, General Motors, Mobil e Texaco, as quatro maiores companhias na
lista da Fortune 500.

Essas empresas tinham um patrimônio somado de U$ 75 bilhões ao final de 1982 e


eram responsáveis por mais de 12% do patrimônio líquido e lucro líquido de toda a lista da
Fortune 500. De acordo com nossas premissas, os investidores, em geral, abrem mão de todo
o lucro dessas empresas simplesmente para satisfazer suas predileções pelo giro de carteira.
Mais ainda, as taxas de gestão de fundos, que somam U$ 2 bilhões anuais - como pagamento
para receber conselhos sobre qual cadeira trocar - requerem que os investidores abram mão
de todos os ganhos das cinco maiores instituições financeiras do país (Citicorp, Bank America,
Chase Manhattan, Manufacturers Hanover e J.P. Morgan). Essas atividades caras podem até
decidir quem vai comer o bolo, mas não fazem ele crescer.

(Nós temos ciência do argumento do bolo que diz que tais atividades melhoram o
racional de alocação de capital. Nós achamos que esse argumento é ilusório e que, no geral,
mercados hiperativos subvertem a alocação racional de capital e acabam encolhendo o bolo.
Adam Smith defendia que todos os atos não-coniventes em um mercado livre eram guiados por
uma mão invisível que levava a economia ao seu ápice; nossa visão é a de que um mercado
de capitais que se passa por cassino e uma gestão de investimentos sem pulso firme atuam
como um pé invisível, que faz tropeçar e diminuir o ritmo da economia.)

Em contraste ao mercado hiperativo, temos a Berkshire. O ​spread de compra e venda


em nossas ações é, atualmente, de 30 pontos, ou um pouco acima de 2%. Dependendo do
tamanho da transação, a diferença entre o preço de compra e venda pode ser de 4% (em
negociações de poucas ações) a talvez 1,5% (em grandes compras, onde a negociação pode
reduzir tanto o ​spread quanto a corretagem). Como a maior parte das ações da Berkshire são
negociadas em transações relativamente grandes, o ​spread ​médio provavelmente não passa
de 2%.

Enquanto isso, o ​turnover das ações da Berkshire (excluindo transações entre


instituições, presentes e heranças) é de cerca de 3% ao ano. Assim, nossos acionistas, em
geral, pagam 6/100 de 1% do valor de mercado da Berkshire anualmente por privilégios de
transferência. Usando essa estimativa (que é só uma aproximação), o valor nominal é de U$ 90
mil - não é um custo pequeno, mas muito abaixo da média de mercado. Fazer um ​split das
ações iria aumentar esse custo, diminuir a qualidade do nosso grupo acionário e encorajar uma
política de preço de mercado que é pouco consistente com o valor intrínseco do negócio. Nós
não vemos vantagens financeiras nisso.

Miscelânea

No ano passado, eu fiz uma pequena propaganda nesta seção para encorajar ideias de
aquisições para nossa empresa. Em nossas companhias de comunicação, dizemos sempre
aos nossos anunciantes que a repetição é a chave para obter resultados (e é mesmo), então
iremos repetir aqui os nossos critérios de aquisição.

Nós preferimos:
(1) Grandes compras (pelo menos U$ 5 milhões em ganhos, após impostos),
(2) Poder de geração de caixa consistente e já provado (projeções futuras e
turnarounds​ não chamam nossa atenção),
(3) Negócios que tenham bons retornos sobre o patrimônio líquido usando pouca ou
nenhuma dívida,
(4) Uma gestão que já esteja enraizada (nós não podemos fornecer pessoas),
(5) Negócios simples (se tiver muita tecnologia, não iremos entender),
(6) Um preço para negociação (não queremos perder o nosso tempo, nem de quem
quer nos vender, com conversas sobre uma transação que sequer tenha um
preço).

Nós não iremos nos envolver com negociações que não sejam amigáveis. Podemos
prometer total confidencialidade e uma resposta bem rápida - normalmente, em cinco minutos -
para dizer se temos interesse. Nós preferimos compras em dinheiro, mas iremos considerar a
emissão de ações se formos receber tanto valor intrínseco quanto iremos dar. Nós convidamos
potenciais vendedores a buscarem referências sobre nós com quem tivermos feito negócios no
passado. Para os negócios certos - e as pessoas certas - nós podemos prover um bom lar.

* * * * *

Cerca de 96,4% de nossas ações participaram do nosso programa de doações em


1983. O total de contribuições feitas por esse programa - desembolsadas no início de 1984,
mas totalmente incorridas em 1983 - foi de U$ 3.066.501, sendo que 1353 instituições de
caridade foram contempladas. Embora a participação, medida em termos percentuais de
ações, foi extraordinariamente boa, a participação medida pela porcentagem de acionistas
participantes não foi. A razão pode muito bem ser o grande número de novos acionistas que
foram incorporados com a fusão e que desconhecem o funcionamento do programa. Nós
pedimos encarecidamente que os novos acionistas ​leiam a descrição do programa nas
páginas 52-53.
Se você deseja participar em programas futuros, nós recomendamos fortemente que
você se certifique que suas ações estejam registradas em seu próprio nome, não no da
corretora ou outra instituição. Ações que não se adequem a essa exigência até 28 de setembro
de 1984 não poderão participar do programa de 1984.

* * * * *

A fusão da Blue Chip com a Berkshire ocorreu sem nenhum contratempo. Menos de um
décimo de 1% das ações de cada companhia votaram contra a fusão, e nenhum pedido de
avaliação foi feito. Em 1983, ganhamos alguma eficiência fiscal com a fusão, e esperamos
ganhar mais ainda no futuro.

Um adendo interessante sobre a fusão: a Berkshire tem agora 1.146.909 ações em


circulação em comparação com as 1.137.778 ações que tinha no início do ano fiscal de 1965,
quando assumimos o controle. Para cada 1% de participação na empresa que você tinha na
época, hoje você tem 0,99%. Assim, todos os ativos de hoje - a News, See’s, Nebraska
Furniture Mart, The Insurance Group, U$ 1,3 bilhão em valor de mercado, etc. - foram
adicionados aos ativos iniciais - os têxteis - com virtualmente nenhuma diluição aos acionistas.

Nós estamos encantados em ter os acionistas da Blue Chip conosco. Para ajudá-los no
entendimento da Berkshire Hathaway, nós gentilmente iremos enviar a vocês um compêndio
das cartas anuais, de 1977 a 1981, e/ou o relatório de 1982. Basta expressar sua vontade para
nós em 1440 Kiewit Plaza, Omaha, Nebraska 68131.

Warren E. Buffett
Presidente do conselho

APÊNDICE

Goodwill​ e amortização: as regras e a realidade

Esse apêndice lida apenas com o ​goodwill econômico e contábil - e não a boa vontade12
de todos os dias. Por exemplo, um negócio pode ser benquisto, até amado, pela maior parte de
seus clientes, mas não ter nenhum ​goodwill econômico. (AT&T, antes da dissolução, era
geralmente bem vista, mas não possuía um centavo sequer de ​goodwill econômico.) E,
infelizmente, um negócio pode ser detestado por seus clientes, mas possuir um substancial e
crescente ​goodwill econômico. Então, por enquanto, esqueçamos emoções e foquemos
apenas na parte econômica e contábil.

12
Warren faz aqui uma brincadeira com a palavra ​goodwill​, que significa “boa vontade” em inglês.
Quando uma empresa é comprada, os princípio contábeis exigem que o preço de
compra seja ajustado a um valor justo em relação aos ativos que foram adquiridos. Com
frequência, a soma dos valores justos desses ativos (após a dedução de impostos) é menor do
que o preço total pago pelo negócio. Nesse caso, a diferença é direcionada a um item contábil
chamado “excesso de custo sobre patrimônio nos ativos líquidos adquiridos”. Para evitar ter
que ficar repetindo esse nome enorme, vamos simplesmente chamá-lo de ​goodwill​.

O ​goodwill contábil resultante de empresas que foram adquiridas antes de novembro de


1970 possui um significado especial. Fora raras exceções, um ativo pode permanecer no
balanço enquanto a empresa que foi comprada permanecer com o comprador. Isso significa
que não há necessidade de amortização do ativo em relação aos ganhos.

A história muda, no entanto, para aquisições feitas de novembro de 1970 em diante.


Quando as compras geram ​goodwill​, a amortização deve ser feita em um período inferior a 40
anos por meio de deduções - anualmente e em parcelas iguais - nos ganhos. Uma vez que o
limite é de 40 anos, esse é o período que as gestões (incluindo a nossa) escolhem usar. Essa
subtração dos ganhos não é vista como uma dedução nos impostos e, assim, tem um efeito na
renda pós-impostos de, aproximadamente, o dobro do que outras despesas.

É assim que o ​goodwill contábil funciona. Para ver como isso difere da realidade
econômica, vamos ver um exemplo de perto. Iremos arredondar alguns números e simplificar
bastante para tornar o exemplo mais fácil de ser compreendido. Também iremos mencionar as
implicações que isso tem para investidores e gestores.

A Blue Chip Stamps comprou a See’s no início de 1972 por U$ 25 milhões, sendo que a
See’s possuía, na época, U$ 8 milhões em ativos tangíveis. (Neste apêndice, os recebíveis
serão classificados como ativos tangíveis, que é uma definição apropriada numa análise de
negócio.) Esse nível de ativos tangíveis era adequado para conduzir a empresa sem uso de
dívida, exceto em períodos sazonais. A See’s tinha ganhos de cerca de U$ 2 milhões (após
impostos) na época, e tais ganhos pareciam ser conservadoramente representativos do futuro
poder de ganho (em dólares de 1972).

Eis aqui a nossa primeira lição: empresas são, logicamente, muito mais valiosas do que
seus ativos tangíveis quando há a expectativa delas produzirem ganhos sobre esses ativos
muito acima da taxa média de mercado. O valor capitalizado desse excesso de retorno é o
goodwill​ econômico.

Em 1972 (e agora também), havia relativamente poucos negócios que tinham a


expectativa de ganhos consistentes de 25% (após impostos) em seus ativos tangíveis como a
See’s tinha - o que ela fazia, novamente, com uma contabilidade conservadora e sem
alavancagem. Não foi o valor justo de mercado do inventário, recebíveis ou ativos imobilizados
que produziu as taxas superiores de retorno. Foi uma combinação de ativos intangíveis,
especialmente uma reputação favorável e bem difundida entre os clientes, resultado de
inúmeras experiências agradáveis que eles tinham, tanto com os atendentes quanto com o
produto em si.

Tal reputação cria uma clientela que permite que o valor do produto em si, e não seu
custo de produção, seja o fator determinante do preço. Uma boa clientela é uma fonte
primorosa de ​goodwill econômico. Outras fontes incluem empreendimentos governamentais
que não estão sujeitos à regulação de lucros, como é o caso das estações de televisão, e uma
posição duradoura como um produtor de baixo custo no setor.

Vamos voltar para a parte contábil do exemplo da See’s. A compra da empresa pela
Blue Chip por U$ 17 milhões a mais em relação aos ativos tangíveis exigiram que um ​goodwill
desse montante fosse definido como um ativo da Blue Chip, e que U$ 425 mil fossem
subtraídos das receitas anualmente, durante 40 anos, para amortizar tal ativo. Em 1983, após
11 anos desde a aquisição, os U$ 17 milhões haviam sido reduzidos para U$ 12,5 milhões. A
Berkshire, nesse meio tempo, detinha 60% da Blue Chip e, portanto, 60% da See’s. Essa
participação significava que os balanços da Berkshire refletiam 60% do ​goodwill da See’s, ou
cerca de U$ 7,5 milhões.

Em 1983, a Berkshire comprou o restante da Blue Chip em uma fusão que exigiu uma
contabilidade de aquisição, ao contrário de uma abordagem de ​pooling13 usada em algumas
outras fusões. Com a contabilidade de aquisição, o “valor justo” das ações que demos (ou
“pagamos”) para os acionistas da Blue Chip tiveram que ser diluídos nos ativos líquidos
adquiridos pela companhia. O “valor justo” foi calculado pelo valor de mercado das ações,
como costuma ocorrer quando companhias abertas usam suas ações em processos de
aquisição.

Os ativos “comprados” consistiam em 40% de tudo que era controlado pela Blue Chip
(como já foi dito, a Berkshire já tinha os outros 60%). O que a Berkshire “pagou” foi mais do
que o valor dos ativos que recebemos, por U$ 51,7 milhões, e foi atribuído a dois ​goodwills​: U$
28,4 milhões para a See’s e U$ 23,3 milhões para a Buffalo Evening News.

Após a fusão, portanto, a Berkshire ficou com um ativo de ​goodwill para a See’s com
dois componentes: os U$ 7,5 milhões que estavam faltando da aquisição em 1971 e os U$ 28,4
milhões criados pela “compra” de 40% em 1983. Nossa amortização vai ser agora de cerca de
U$ 1 milhão nos próximos 28 anos e U$ 700 mil nos outros 12 anos, de 2002 a 2013.

Em outras palavras, diferentes datas de compra e diferentes preços nos deram valores
de ativos completamente diferentes e amortizações para duas partes do mesmo ativo.
(Repetimos aqui: nós não temos um sistema contábil melhor para sugerir. Os problemas a
serem resolvidos são quase incompreensíveis e requerem o uso de regras arbitrárias.)

13
Método contábil, já extinto, que simplificava os balanços durante uma fusão de empresas.
Mas quais são as realidades econômicas? Uma realidade é que a amortização que vem
sendo deduzida como custos nos ganhos da See’s a cada ano desde a nossa aquisição não
são, de fato, custos econômicos. Sabemos disso porque a See’s teve um ganho de U$ 13
milhões no ano passado (após impostos) sobre cerca de U$ 20 milhões de ativos tangíveis -
um desempenho que indica a existência de um ​goodwill econômico muito maior do que o custo
original de nosso ​goodwill contábil. Em outras palavras, enquanto o ​goodwill contábil veio
decrescendo de maneira regular desde o momento da compra, o ​goodwill econômico aumentou
substancialmente, mesmo que de maneira irregular.

Outra realidade é que a amortização anual no futuro não irá corresponder aos custos
econômicos. É possível, claro, que o ​goodwill econômico da See’s desapareça. Mas ele não irá
encolher em decrementos iguais ou qualquer coisa parecida. O mais provável é que o ​goodwill
cresça - em dólares atuais - por causa da inflação.

Essa probabilidade existe porque um verdadeiro ​goodwill econômico tende a aumentar


em valor nominal de forma proporcional com a inflação. Para ilustrar como isso funciona,
vamos comparar o negócio da See’s com uma empresa mais mundana. Quando adquirimos a
See’s em 1972, a empresa tinha ganhos de U$ 2 milhões sobre U$ 8 milhões de ativos
tangíveis. Vamos assumir que nossa hipotética empresa mundana também tivesse ganhos de
U$ 2 milhões na época, mas precisasse de U$ 18 milhões em ativos tangíveis para operar
normalmente. Com ganhos de apenas 11% sobre o capital tangível, essa empresa mundana
teria pouco ou nenhum ​goodwill​ econômico.

Uma empresa assim, portanto, poderia ser vendida pelo preço de seus ativos tangíveis,
ou U$ 18 milhões. Em contraste, nós pagamos U$ 25 milhões pela See’s, mesmo ela tendo os
mesmos ganhos da nossa empresa hipotética, mas com menos da metade dos ativos
tangíveis. Será que menos realmente foi mais, como mostra o preço que pagamos? A resposta
é “sim” - mesmo se ambas as empresas tivessem um volume estagnado - desde que você
previsse, como fizemos em 1972, um mundo com inflação contínua.

Para entender o motivo, imagine o efeito subsequente em ambas as companhias se o


nível de preço dobrasse. Ambas iriam precisar dobrar os seus ganhos, para U$ 4 milhões,
apenas para mantê-las ao par com a inflação. Isso não parece ser tarefa difícil: apenas venda o
mesmo número de unidades pelo dobro do preço original e, assumindo que as margens se
mantenham inalteradas, os lucros deverão dobrar.

Crucialmente, para que as empresas consigam fazer isso, ambas provavelmente teriam
que dobrar os investimentos nominais em ativos tangíveis, uma vez que esse é o requerimento
econômico que a inflação impõe nos negócios, sejam eles bons ou ruins. Dobrar a venda em
dólares significa que mais dinheiro deve ser imediatamente empregado em recebíveis e
inventário. Dólares empregados em ativos imobilizados tem uma resposta mais lenta diante da
inflação, mas com certeza serão impactados por ela. E todo esse investimento causado pela
inflação não irá produzir melhoras na taxa de retorno. A motivação para esse investimento é a
sobrevivência do negócio, não a prosperidade do dono.

Lembre-se, no entanto, que a See’s possuía ativos tangíveis de apenas U$ 8 milhões.


Assim, ela teria que dispender apenas U$ 8 milhões adicionais para financiar as necessidades
de capital impostas pela inflação. A empresa mundana, por outro lado, teria um gasto mais de
duas vezes maior - seriam necessários U$ 18 milhões de capital adicional.

Depois da poeira baixar, a empresa mundana, agora ganhando U$ 4 milhões


anualmente, ainda poderia valer o montante de seus ativos tangíveis, ou U$ 36 milhões. Isso
significa que os acionistas teriam ganho apenas um dólar nominal para cada dólar investido.
(Esse é o mesmo ganho dólar-a-dólar que eles teriam alcançado caso tivessem deixado o
dinheiro na poupança.)

A See’s, no entanto, também estaria ganhando U$ 4 milhões, mas teria um valor de U$


50 milhões, caso fosse avaliada pelos mesmos critérios que utilizamos quando a compramos. A
empresa teria ganho U$ 25 milhões em valor nominal, enquanto que os acionistas teriam
aportado apenas U$ 8 milhões em capital adicional - mais de três dólares ganhos em valor
nominal para cada dólar investido.

É importante lembrar também que os acionistas de negócios do tipo da See’s foram


forçados pela inflação a antecipar U$ 8 milhões em capital apenas para manter o nível de
lucros reais. Qualquer negócio desalavancado que exige uma certa quantidade de ativos
tangíveis para operar (e quase todos são assim) é prejudicado pela inflação. Empresas que
precisam de poucos ativos tangíveis apenas sofrem menos, mas, ainda assim, sofrem.

Esse fato, claro, tem sido de difícil compreensão para muitas pessoas. Por anos, a
sabedoria tradicional - muita tradição, pouca sabedoria - era a de que a melhor proteção contra
a inflação vinha de empresas carregadas de recursos naturais, fábricas, maquinários e outros
ativos tangíveis (“Em ativos confiamos”14). As coisas não funcionam assim. Empresas pesadas
em ativos geralmente possuem taxas baixas de retorno - que mal provém capital suficiente
para financiar as necessidades inflacionárias do negócio, não deixando nada para o
crescimento real da empresa, para distribuição aos acionistas ou para a aquisição de novos
negócios.

Em contraste, um grande número de fortunas feitas em empresas, construídas durante


os anos de maior inflação, vieram de operações que combinavam intangíveis de valor
duradouro com uma necessidade relativamente pequena por ativos tangíveis. Nesses casos,
os ganhos subiram nominalmente e foram usados para a aquisição de novos negócios. Esse
fenômeno tem sido particularmente evidente no ramo de comunicação. Este setor exige pouco

14
No texto original, “In Goods We Trust”. Brincadeira feita com o mote “In God We Trust” (Em Deus
confiamos), impresso nas cédulas de dólares.
investimento em tangíveis - mas, ainda assim, as afiliações têm durado. Durante períodos
inflacionários, ​goodwill​ é a bênção que sempre provém bons frutos.

Essa afirmação se aplica, naturalmente, apenas para o verdadeiro ​goodwill econômico.


Um ​goodwill contábil espúrio - e existem vários por aí - é outra história. Quando uma gestão
empolgada demais compra um negócio a um preço tolo, os mesmos floreios contábeis
descritos anteriormente são observados. Como essa tolice não tem nenhum outro lugar pra ir,
ela acaba parando no ​goodwill​. Considerando a falta de disciplina da gestão que fez um
negócio ruim, era melhor mudar o nome para “​no-will15”. Qualquer que seja o termo usado, o
ritual dos 40 anos costuma acontecer e a adrenalina capitalizada permanece nos livros
contábeis como um “ativo”, como se a aquisição tivesse sido um bom negócio.

* * * * *

Se você ainda se agarra à crença que o tratamento contábil do ​goodwill ​é a melhor


métrica para analisar a economia real, eu sugiro um último item para ponderação.

Assuma que uma empresa tenha U$ 20 de patrimônio líquido por ação, tudo em ativos
tangíveis. Assuma ainda que a empresa tenha conquistado uma excelente clientela, ou que
tenha tido sorte o suficiente para conseguir algumas importantes estações de televisão em uma
concessão governamental. Dessa forma, a empresa tem um bom ganho sobre os tangíveis;
digamos U$ 5 por ação, ou 25%.

Com esses fundamentos, a empresa pode ser negociada a U$ 100 por ação, ou até
mais, e pode até usar esse preço em uma negociação de venda da empresa.

Assuma agora que um investidor compra a ação por U$ 100 cada, pagando, com efeito,
U$ 80 por ação pelo ​goodwill (o mesmo aconteceria se uma corporação fosse comprar a
empresa inteira). O investidor deveria imputar U$ 2 de amortização por ação anualmente (U$
80 divididos por 40 anos) para calcular os “verdadeiros” ganhos por ação? E, se sim, os novos
ganhos “verdadeiros” de U$ 3 por ação deveriam fazê-lo repensar o preço de compra?

* * * * *

Nós acreditamos que gestores e investidores devem enxergar os ativos intangíveis sob
duas perspectivas.

Ao analisar por um ponto de vista de resultados operacionais - isto é, avaliar os


fundamentos econômicos de um negócio - as amortizações devem ser ignoradas. O que uma
empresa espera ganhar sobre ativos tangíveis desalavancados, excluindo as amortizações do

15
Brincadeira com palavras que seria equivalente a “falta de boa vontade”.
goodwill​, é a melhor métrica de atratividade econômica da operação. Também é a melhor
métrica para verificar o valor corrente do ​goodwill​ econômico do negócio.

Ao avaliar a sabedoria de aquisições, a amortização também deve ser ignorada. Ela


não deve ser deduzida nem dos ganhos e nem dos custos da empresa. Isso significa encarar
indefinidamente o custo do ​goodwill adquirido antes de qualquer amortização. Mais ainda, o
custo deve ser definido de maneira a incluir o valor intrínseco total - não apenas o valor contábil
- do negócio, independentemente do valor de mercado da empresa no momento de uma fusão
e de um tratamento de ​pooling​. Por exemplo, o que nós realmente pagamos na fusão com a
Blue Chip por 40% do ​goodwill da See’s a do News foi consideravelmente maior do que os U$
51,7 milhões. Essa disparidade existe porque o valor de mercado das ações da Berkshire
dadas na fusão era menor do que o valor intrínseco do negócio, que é o valor que define, para
nós, o verdadeiro custo da transação.

Para as operações que parecem ser vencedoras usando prospectos: (1) podem ficar
ruins quando vistos sob perspectiva e (2) um bom negócio nem sempre é uma boa compra -
embora seja um bom lugar para começar a procurar por um.

Nós iremos tentar adquirir negócios que tenham excelentes fundamentos operacionais
medidos por (1) e forneçam resultados razoáveis de acordo com (2). As consequências
contábeis serão completamente ignoradas.

Ao final de 1983, o valor de ​goodwill em nossos livros contábeis somou U$ 62 milhões,


sendo U$ 79 milhões listados em ativos em nosso balanço e U$ 17 milhões de ​goodwill
negativo, uma compensação em relação ao valor contábil de nossa participação na Mutual
Savings and Loan.

Nós acreditamos que o ​goodwill ​econômico supera, e muito, o valor contábil de U$ 62


milhões.
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1984.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Nosso ganho em patrimônio líquido durante 1984 foi de U$ 152,6 milhões, ou de U$ 133
por ação. Parece um bom resultado, mas é bem medíocre, na verdade. Os ganhos econômicos
devem ser comparados com o capital que os produziu. O nosso ganho anualizado em valor
patrimonial tem sido de 22,1% (de U$ 19,46 em 1964 para U$ 1.108,77 em 1984), mas nosso
ganho em 1984 foi de apenas 13,6%.

Conforme discutimos no ano passado, o ganho por ação no valor intrínseco do negócio
é a métrica que realmente conta. Mas os cálculos do valor intrínseco de uma empresa são
subjetivos. Em nosso caso, o valor patrimonial serve como um útil, embora um pouco
subestimado, indicador. Ao meu ver, o valor patrimonial e o valor intrínseco cresceram a taxas
praticamente iguais em 1984.

Usando meu lado acadêmico, eu comentei com vocês no passado sobre o peso que
uma grande base de capital exerce nas taxas de retorno.

Infelizmente, o meu lado acadêmico está dando lugar agora ao meu lado histórico.
Nossa taxa de 22% é apenas isso - história. Para ganhar até mesmo 15% anualmente na
próxima década (assumindo que iremos manter a nossa política de dividendos atual, coisa que
será debatida mais a frente nesta carta), precisaríamos de lucros agregados na casa de U$ 3,9
bilhões. Atingir isso irá exigir algumas grandes ideias - as pequenas não serão suficientes.
Charlie Munger, meu sócio de gestão, e eu não temos tais ideias no momento, embora nossa
experiência é a de que ocasionalmente elas irão surgir. (Belo plano estratégico, não?)

Fontes dos ganhos reportados

A tabela a seguir mostra as fontes dos ganhos reportados pela Berkshire. A participação
da Berkshire em muitas empresas mudou no meio de 1983, quando a fusão com a Blue Chip
aconteceu. Por conta dessas mudanças, as duas primeiras colunas da tabela fornecem as
melhores métricas para avaliar o desempenho da empresa.

Todos os ganhos e perdas atribuíveis a vendas incomuns de ativos por qualquer uma
das companhias estão agregados com as transações na linha próxima ao fim da tabela, não
sendo incluídos em nossos ganhos operacionais. (Nós consideramos qualquer valor anual de
ganho ou perda de capital como insignificante, mas consideramos o agregado de ganhos
realizados e não realizados ao longo de muitos anos como muito importante.)
Mais ainda, a amortização vinda do ​goodwill não é descontada de nenhuma empresa
em particular mas, por razões descritas no apêndice da minha carta de 1983, sendo declarada
como um item em separado.

(1) Valores de 1983 compreendem o período de outubro até dezembro.


(2) 1984 e 1983 não são comparáveis; muitos ativos foram transferidos com a fusão no
meio do ano com a Blue Chip Stamps.

Os acionistas mais atentos irão notar que tanto o montante da distribuição da GEICO
quanto sua localização na tabela mudaram em relação ao relatório do ano passado. Emboras
elas reclassifiquem e reduzam os ganhos “contábeis”, as mudanças são simplesmente na
forma, não na essência. A história por trás dessas mudanças, no entanto, é interessante.

Como reportado no ano passado: (1) no meio de 1983, a GEICO fez uma proposta de
recompra de ações; (2) ao mesmo tempo, nós concordamos, por contrato, em vender para a
GEICO uma quantidade de ações proporcional ao número que a GEICO recomprou via oferta
aos outros acionistas; (3) ao final do processo, nós entregamos 350 mil ações para a GEICO,
recebemos U$ 21 milhões em dinheiro e permanecemos com a mesma participação que
tínhamos antes da recompra; (4) a transação com a GEICO foi equivalente ao recebimento do
principal, opinião essa fornecida a nós por um escritório de advocacia; (5) o código fiscal vê
esse tipo de recebimento como equivalente a dividendos e, portanto, os U$ 21 milhões que
recebemos foram taxados a 6,9%; (6) mais importante, esses U$ 21 milhões representaram um
montante bem menor do que ganhos prévios não distribuídos assegurados em nossas
participação na GEICO e, assim, sob uma óptica estritamente econômica, foi, de fato, o
equivalente ao recebimento de dividendos.

Como foi algo material e incomum, nós destacamos a distribuição da GEICO no último
ano para vocês, tanto no trimestre que ocorreu quanto agora, neste relatório anual.
Adicionalmente, nós destacamos essa transação aos nossos auditores, Peat, Marwick, Mitchell
& Co. Tanto o escritório em Omaha de Peat Marwick quanto nosso parceiro revisor em Chicago
concordaram com o racional de apresentação como dividendos, sem objeções.

Em 1984, tivemos uma transação idêntica com a General Foods. A única diferença foi
que a General Foods fez a recompra de suas ações durante um período no mercado, enquanto
que a GEICO fez sua oferta em uma tacada só. No caso da General Foods, nós vendemos, a
cada dia que ela fez recompras, uma quantidade de ações que nos deixou com exatamente a
mesma participação na empresa. Novamente, essa transação foi feita de acordo com um
contrato por escrito e definido antes que as recompras começassem.

E, mais uma vez, o valor que recebemos foi bem menor do que os ganhos não
distribuídos referentes a nossa participação na companhia. No fim das contas, recebemos U$
21.843.601 em dinheiro da General Foods, e nossa participação na empresa permaneceu
exatamente em 8,75%.

Foi neste ponto que o escritório de Nova Iorque de Peat Marwick entrou em cena. No
fim de 1984, ele havia indicado que discordava do entendimento dos escritórios de Omaha e
Chicago. A visão deles era a de que as transações da GEICO e da General Foods deveriam
ser tratadas como vendas de ações pela Berkshire, não como recebimento de dividendos. Sob
essa abordagem contábil, parte do custo de investimento que tivemos nas ações de cada
empresa seria imputada no recebimento do principal e todo ganho seria tido como ganho de
capital, não como recebimento de dividendos. Essa é uma abordagem com efeitos contábeis
apenas, não tendo efeito algum em impostos: Peat Marwick concorda que as transações
podem ser encaradas como dividendos para fins tributários.

Nós discordamos da visão do escritório de Nova Iorque, tanto pelo aspecto econômico
quanto pelo aspecto contábil. Mas para evitar problemas com a opinião do auditor, nós
adotamos o entendimento da Peat Marwick em 1984 e retificamos os balanços de 1983. Nada
disso, no entanto, tem efeito no valor intrínseco de nosso negócio: nossas participações na
GEICO e na General Foods, nosso dinheiro, nossos impostos, nosso valor de mercado e base
fiscal permanecem os mesmos.

Neste ano, entramos novamente em um contrato com a General Foods, onde iremos
vender ações a eles concorrentemente com as compras que eles irão fazer a mercado. O
acordo prevê que permaneceremos com o mesmo percentual de participação. Ao fazer isso,
iremos garantir que a transação seja vista como recebimento de dividendos, sendo taxada
como tal. Em nossa visão, a essência econômica dessa transação é a criação de um fluxo de
dividendos. No entanto, a fins contábeis, iremos tratar as ofertas como vendas de ações, não
recebimento de dividendos, até que as regras contábeis passem a endereçar exatamente este
ponto. Nós continuaremos a proeminentemente identificar quaisquer transações especiais
deste tipo e reportá-las a vocês.

Embora gostemos de pagar menos impostos nessas transações e tenhamos participado


de algumas ao longo do tempo, nós vemos essas recompras como igualmente favoráveis aos
acionistas que não vendem suas ações. Quando empresas com negócios incríveis e em
posições financeiras confortáveis percebem que suas ações estão sendo negociadas a preços
muito abaixo de seus valores intrínsecos, nenhuma outra alternativa beneficia mais os
acionistas do que as recompras.

(Nosso endosso a recompras é restrito a situações de grande disparidade entre preço e


valor, não se estendendo a recompras predatórias1 - uma prática que encaramos como odiosa
e repugnante. Em tais transações, dois lados atingem seus objetivos pessoais por meio da
exploração de uma terceira parte inocente. Os lados são: (1) o “acionista” que faz a extorsão e
que, antes mesmo da tinta dos papéis secar, manda a mensagem de “seu dinheiro ou sua vida”
para os gestores; (2) os ​insiders2 corporativos, que prontamente buscam a paz a qualquer
preço - desde que o preço seja pago por outra pessoa; e (3) os acionistas, cujo dinheiro é
usado pela parte (2) para fazer a parte (1) desaparecer. Quando a poeira baixa, o acionista
ladrão e transitório dá um discurso sobre “liberdade corporativa”, a gestão que foi roubada por
ele dá um discurso sobre os “melhores interesses da empresa”, e o acionista inocente fica
calado e paga o pato.)

Todas as empresas que temos grandes participações fizeram significativas recompras


em momentos onde as discrepâncias entre preço e valor eram grandes. Como acionistas,
vemos isso como encorajador e recompensador por duas razões - uma delas é óbvia, outra é
sutil e nem sempre compreendida. O ponto óbvio envolve aritmética: grandes recompras a
preços muito abaixo do valor intrínseco por ação aumenta, de forma perceptível, o próprio valor
da companhia. Quando as empresas compram suas próprias ações, elas estão vendo que é
fácil conseguir dois dólares de valor presente pelo preço de um dólar apenas. Programas de

1
Situação onde um grande acionista ameaça comprar ações o suficiente para começar a desmantelar as
operações da empresa.
2
Jargão usado para se referir a pessoas de dentro da empresa que costumam ter acesso a informações
privilegiadas.
aquisição corporativos quase nunca conseguem resultados assim e, em grande parte dos
casos, falham em chegar perto de um dólar de valor por cada dólar gasto.

O outro benefício da recompra de ações está menos sujeito a uma medida precisa, mas
é tão importante quanto. Ao fazer recompras quando o valor de mercado da empresa está
muito menor do que seu valor intrínseco, a gestão claramente demonstra estar engajada em
ações que aumentem o poder de compra dos acionistas, não que aumentem o domínio da
gestão sem beneficiar (ou até mesmo prejudicar) a base acionária. Ao ver esse ato de boa fé,
os acionistas, presentes e futuros, aumentam suas estimativas de retornos futuros da empresa.
Essa revisão para cima, por sua vez, produz preços de mercado que estejam mais em linha
com o valor intrínseco. Esses sim são preços totalmente racionais. Os investidores devem
pagar mais caro por negócios que estejam nas mãos de gestores que demonstrem tendências
pró-acionistas do que negócios que estejam nas mãos de gestores egoístas, que dançam
conforme suas próprias músicas. (Para ir aos extremos, o quanto você pagaria para ser
acionista minoritário de uma empresa controlada por Robert Wesco3?)

A palavra-chave é “demonstração”. Um gestor que recorrentemente vira suas costas


para as recompras, mesmo quando elas, claramente, são a melhor opção para os acionistas,
revela mais do que imagina sobre suas reais motivações. Não importa o quão frequente ou
eloquentemente ele diga frases clássicas de relações públicas como “maximizando a riqueza
do acionista” (que parece ser a preferida deste ano), o mercado dá o devido desconto aos
ativos sob sua gestão. O coração do gestor não ouve suas próprias palavras - e, depois de um
tempo, o mercado também não.

Nós fomos muito prósperos - assim como todos os nossos acionistas - com as grandes
recompras feitas pela GEICO, Washington Post e General Foods, nossas três maiores
participações. (Exxon, que é nossa quarta maior posição, também tem sábia e agressivamente
feito recompras; no entanto, nossa posição na empresa é recente.) Em cada uma dessas
companhias, os acionistas tiveram suas participações materialmente expandidas em negócios
maravilhosos por meio de recompras a preços de banana. Nós nos sentimos muito confortáveis
em estar em negócios que ofereçam excelentes fundamentos econômicos e uma gestão
alinhada aos interesses de seus acionistas.

A tabela a seguir mostra nossas posições acionárias ao final de 1984. Todos os


números excluem as participações minoritárias de acionistas da Wesco e da Nebraska
Furniture Mart.

3
Wesco é uma multinacional no setor de eletrônicos.
Faz dez anos desde que tivemos tanta dificuldade em achar investimentos que atendam
nossos requisitos qualitativos e quantitativos em relação a valor versus preço como agora. Nós
tentamos não abaixar o nosso nível de exigência, mas não fazer nada é a tarefa mais difícil.
(Um político inglês atribuiu certa vez o sucesso de seu país no século XIX a uma política de
“inatividade maestral”. Essa estratégia é muito mais fácil de ser elogiada por historiadores do
que ser seguida na prática.)

Em adição aos números fornecidos no início desta seção, informações sobre os


negócios que controlamos ​estão disponíveis na Discussão da Gestão, nas páginas 42-47​.
Uma discussão mais ampla a respeito da Wesco é feita no relatório do Charlie, nas
páginas 50-59​. Vocês irão gostar dos comentários dele a respeito da indústria de poupança.
Nossos outros grandes negócios que detemos controle é a Nebraska Furniture Mart, See’s,
Buffalo Evening News e Insurance Group, os quais daremos uma atenção especial a seguir.

Nebraska Furniture Mart

No ano passado, apresentei a vocês a Sra. B (Rose Blumkin) e sua família. Eu disse
que eles eram incríveis, e ainda assim isso não os fez justiça. Após mais um ano observado o
talento e caráter marcante de cada um, eu sinceramente posso afirmar que nunca vi uma
gestão que funciona e se comporta tão bem quanto a família Blumkin.
A Sra. B, presidente do conselho, está com 91 anos e recentemente disse a um jornal o
seguinte: “Eu vou pra casa para comer e dormir. Basicamente isso. Eu mal vejo a hora do sol
raiar para que eu possa voltar ao trabalho.” A Sra. B vai até a loja sete dias por semana, da
abertura ao fechamento, e provavelmente toma mais decisões em um dia do que um CEO
toma em um ano (e decisões melhores, diga-se de passagem).

Em maio, a Sra. B recebeu um título honorário de doutora em ciências comerciais pela


New York University - NYU. (Isso que podemos chamar de uma aluna super dotada: ela não
tinha passado um dia sequer de sua vida na escola antes de receber esse título.) Outras
pessoas que já receberam títulos honorários em negócios pela NYU incluem Clifton Garvin Jr.,
CEO da Exxon Corp; Walter Wriston, CEO da Citicorp, na época; Frank Cary, CEO da IBM, na
época; Tom Murphy, CEO da General Motors, na época; e, mais recentemente, Paul Volcker.
(Eles estão em boa companhia, como pode ver.)

O sangue da família Blumkin permanece forte. Louie, filho da Sra. B, e seus três filhos,
Ron, Irv e Steve, contribuem e muito para o sucesso da NFM. A geração mais jovem tem
frequentado a melhor escola de negócios que existe - a que é conduzida pela Sra. B e Louie - e
o resultado do treinamento fica evidente em seus desempenhos.

No último ano, as vendas da NFM aumentaram em U$ 14,3 milhões, com um resultado


total de U$ 115 milhões; tudo isso em uma única loja em Omaha. Isto é, de longe, o maior
volume de vendas produzido por uma única loja de móveis nos EUA. Na verdade, só o ganho
em vendas do último ano foi maior do que o volume anual de muitas outras lojas de sucesso. O
negócio atinge esse resultado porque merece. Alguns números vão dizer o porquê.

No ano fiscal de 1984, a maior varejista de móveis do país, Levitz Furniture, descreveu
seus preços como “geralmente abaixo do que aqueles cobrados por lojas de móveis
convencionais da região”. Levitz, naquele ano, operou com uma margem bruta de 44,4% (ou
seja, em média, os clientes pagaram U$ 100 por um produto que custou U$ 55,60). A margem
bruta da NFM é um pouco acima da metade disso. As margens mais baixas da NFM são
possíveis por conta de sua excepcional eficiência: os custos operacionais (folha de pagamento,
ocupação, propagandas, etc.) representam cerca de 16,5% das vendas, contra 35,6% da
Levitz.

Nada disso é uma crítica a Levitz, que possui uma operação bem gerenciada. Mas a
operação da NFM é simplesmente extraordinária (e, lembre-se, tudo surgiu de um investimento
de U$ 500 da Sra. B em 1937). Como uma eficiência sem paralelos e uma compra astuta em
volume, a NFM consegue ter excelentes retornos sobre o capital e economizar, pelo menos, U$
30 milhões aos seus clientes; valor esse que eles iriam pagar caso comprassem móveis em
outras lojas com margens típicas do setor. Essa economia permite que a NFM constantemente
expanda seu alcance geográfico e tenha um crescimento muito maior do que o crescimento
natural do mercado em Omaha.
Muitas pessoas já me perguntaram qual é o segredo que os Blumkin usam em seus
negócios. Tais segredos não são muito esotéricos. Todos os membros da família: (1) se
dedicam com tanto entusiasmo e energia que faria Ben Franklin e Horatio Alger parecerem
repetentes4; (2) definem com extraordinário realismo sua área de competência de maneira
decisiva em todos os assuntos relacionados; (3) ignoram todas as proposições, mesmo as mais
sedutoras, que estejam fora de seu círculo de competência; e (4) tratam de maneira
extremamente cordial com quem lidam. (A Sra. B resume tudo a “venda barato e diga a
verdade”.)

Nossa avaliação da integridade da Sra. B e sua família foi demonstrada quando


compramos 90% do negócio: a NFM nunca tinha passado por uma auditoria, e nós não
pedimos uma; nós não pedimos um inventário para checar os recebíveis; nós não checamos os
títulos de propriedade. Nós demos um cheque e U$ 55 milhões para a Sra. B e ela nos deu a
sua palavra. E essa foi a troca mais justa que poderíamos esperar.

Eu e você temos sorte em fazer parte de uma parceria com a família Blumkin.

See’s Candy Shops, Inc.

A seguir, mostramos uma recapitulação do desempenho da See’s desde quando ela foi
comprada pela Blue Chip Stamps:

4
Duas figuras de conhecido empenho em suas atividades.
Esse desempenho não foi fruto de uma alta no mercado. Pelo contrário, muitos
participantes conhecidos na indústria de chocolates ou perderam dinheiro nesse período, ou
foram apenas marginalmente lucrativos. Até onde sabemos, apenas um competidor de grande
porte conseguiu alta lucratividade. O sucesso da See’s reflete a combinação de um produto
excepcional com um gestor excepcional, Chuck Huggins.

Durante 1984, o aumento que aplicamos aos preços foi bem menor do que praticamos
nos anos anteriores: a realização de lucro para cada ​pound5 foi de U$ 5,49, apenas 1,4% acima
de 1983. Felizmente, tivemos bons avanços no controle de custos, uma área que tinha nos
causado problemas nos últimos tempos. Os custos por ​pound - tirando aqueles de
matéria-prima, que estão, basicamente, fora de nosso controle - aumentaram apenas 2,2% no
último ano.

Nosso problema de controle de custos tem sido exacerbado pelo problema da queda
modesta em volume (em ​pounds​, não em dólares) nas lojas. A quantidade total de chocolate
vendida em lojas nos últimos anos tem sido mantida em um nível aproximadamente constante
apenas com a abertura de algumas novas lojas todos os anos. Essa situação de
mais-lojas-mesmo-volume coloca, naturalmente, uma grande pressão nos custos de venda por
pound​.

Em 1984, o volume de vendas ​same-store caiu 1,1%. O volume total, no entanto,


cresceu 0,6% por conta de um aumento no número de lojas. (Ambas as porcentagens foram
ajustadas para compensar o ano fiscal de 53 semanas em 1983.)

O negócio da See’s está começando a ter a tendência de ficar cada vez mais sazonal a
cada ano. Nas quatro semanas antes do Natal, nós vendemos cerca de 40% do volume anual e
obtemos cerca de 75% dos lucros do ano. Também ganhamos significativas somas na Páscoa
e no Dia dos Namorados, mas o restante do tempo é praticamente de estagnação. Nos anos
recentes, o volume de vendas nas lojas durante o Natal cresceu em importância, assim como o
número de pedidos e encomendas. O aumento da concentração de vendas no Natal cria uma
miríade de problemas logísticos e de gestão, que vem sendo tratados por Chuck e sua equipe
com excepcional habilidade e elegância.

As soluções adotadas por eles não comprometeram, de forma alguma, a qualidade do


serviço ou do produto. A maior parte de nossos competidores não poderia dizer o mesmo.
Embora eles lidem com picos e vales menos extremos que os nossos, eles adicionam
conservantes ou congelam o produto final de forma a suavizar o ciclo de produção e, assim,
diminuir o custo de produção por unidade. Nós rejeitamos essas abordagens, optando, com
efeito, por ter dores de cabeça com a produção do que alterar nosso produto.

5
Cerca de 453g.
Nossas lojas em shoppings enfrentam novos vendedores, que oferecem uma forte
competição em períodos fora de feriados. Nós precisamos de novos produtos para a “briga”, e
durante 1984 apresentamos seis barras de chocolate que, de maneira geral, foram bem
recebidas. A introdução de novos produtos continua em nosso radar.

Em 1985, intensificaremos nossos esforços em manter o aumento do custo por ​pound


abaixo da inflação. Obter sucesso nessa empreitada, no entanto, irá exigir ganhos no volume
same-store por ​pound​. Os preços de 1985 deverão ficar 6%-7% acima daqueles de 1984. Se
não tivermos ganhos no volume ​same-store​, os lucros deverão apresentar apenas um ganho
moderado.

Buffalo Evening News

Os lucros do News em 1984 foram bem maiores do que esperávamos. Assim como na
See’s, um ótimo avanço foi feito na parte de controle de custos. Tirando a sala de imprensa, o
número geral de horas trabalhadas diminuiu cerca de 2,8%. Com esse aumento de
produtividade, os custos gerais aumentaram apenas 4,9%. Esse desempenho, liderado por
Stan Lipsey e equipe, foi um dos melhores da indústria.

No entanto, nós estamos diante de uma aceleração de custos. No meio de 1984,


entramos em vários contratos sindicais, com durações diversas, que preveem um grande
aumento salarial. Esse aumento é totalmente plausível: o espírito cooperativo de nossos
sindicatos durante os prejuízos de 1977-1982 foi um importante fator para o nosso sucesso em
nos mantermos competitivos com a The Courier-Express. Se não tivéssemos mantido os custos
baixos, o resultado dessa disputa poderia ter sido bem diferente.

Como nossos novos contratos sindicais passam a valer em diferentes datas, pouco do
aumento salarial foi sentido em nossos custos de 1984. Mas ele será quase totalmente notado
em 1985 e, portanto, nossos custos com mão-de-obra irão aumentar a uma taxa bem superior
quando comparada com a média da indústria. Nós esperamos mitigar esse aumento com
pequenos e contínuos ganhos de produtividade, mas não há como evitar custos maiores com
salários este ano. A tendência de preços dos jornais também está menos favorável agora do
que em 1984. Por conta dos dois principais fatores listados a seguir, uma leve contração nas
margens do News ocorrerá.

Existem dois grandes fatores econômicos que estão ao nosso favor:

(1) A nossa circulação se concentra de forma incomum a uma área que tem máxima
utilidade aos nosso anunciantes. Por outro lado, jornais regionais possuem uma parcela
significativa de circulação em áreas que não tem utilidade para a maioria dos
anunciantes. Um assinante que está a centenas de quilômetros não é exatamente o
público-alvo do seu anúncio de venda de filhotes de cachorro - nem da mercearia que
tem lojas apenas na região metropolitana. A circulação “perdida” - como os anunciantes
chamam - é ruim para a lucratividade: os gastos com um jornal são determinados, em
boa parte, pela circulação total, enquanto que a receita vinda dos anúncios (responsável
por cerca de 70% - 80% do total de receitas) tem relação apenas com a circulação “útil”;
(2) Nosso grau de penetração no mercado de Buffalo é excepcional; os anunciantes
conseguem alcançar quase que a totalidade de seus potenciais clientes usando apenas
o News.

No ano passado, eu comentei com vocês a respeito dessa aceitação incomum entre os
leitores: entre os cem maiores jornais do país, nós éramos o primeiro colocado em penetração
diária e terceiro colocado na penetração aos domingos. Os valores atualizados nos mantém na
liderança nos dias da semana e na segunda colocação aos domingos. (Ainda assim, o número
de domicílios em Buffalo tem caído, então nossa circulação durante os dias da semana caiu um
pouco; aos domingos, nenhuma mudança.)

Eu também disse que uma das principais razões dessa aceitação incomum é a grande
quantidade de notícias que entregamos aos nosso leitores: um percentual maior de nosso
jornal é dedicado às notícias em comparação a outros competidores. Em 1984, a nossa taxa de
news hole6 era de 50,9% (contra 50,4% em 1983), um nível muito acima da taxa média do setor
de 35% - 40%. Nós continuaremos a manter essa taxa na faixa dos 50%. Além disso, embora
tenhamos reduzido o número total de horas trabalhadas no ano passado em outros
departamentos, nós mantivemos o nível de empregabilidade na sala de imprensa e,
novamente, iremos continuar a fazer isso. Os custos com a sala de imprensa cresceram 9,1%
em 1984, um aumento bem maior que os dos custos gerais, de 4,9%.

Nossa política de ​news hole tem um custo extra significativo para a versão impressa.
Como resultado, nossos custos com notícias (impressão do ​news hole mais folha de
pagamento e despesas com a sala de imprensa) como percentual das receitas é maior do que
a maior parte dos concorrentes de mesmo tamanho. Há espaço, no entanto, para nós (ou
qualquer outro jornal dominante em uma região) mantermos estes custos: a diferença entre
custos “altos” e “baixos” entre jornais de porte similar ficam na casa dos três pontos
percentuais, enquanto que as margens de lucros (antes de impostos) costumam ser dez vezes
esse valor.

Os fundamentos econômicos do nosso jornal dominante são excelentes, entre os


melhores do mundo. Os acionistas, é claro, gostariam de acreditar que a maravilhosa
lucratividade que eles têm se deve unicamente ao produto, que é magnífico. Essa confortável
teoria se esvai diante de um fato desconfortável. Enquanto que jornais de primeira linha
conseguem excelentes lucros, os lucros de jornais menores são tão bons quanto ou melhores -
desde que o jornal seja o dominante em sua comunidade. É claro que a qualidade do produto

6
Termo usado na indústria para se referir à quantidade de espaço disponível para notícias em um jornal.
pode ter sido crucial para o jornal chegar até a posição dominante. Nós acreditamos que esse
foi o caso do News, em boa parte por conta de pessoas como Alfred Kirchhofer, que nos
precedeu.

Uma vez dominante, o jornal em si, e não o mercado, determina quão bom ou ruim ele
será. Bom ou não, ele irá prosperar. Isso não é verdade para a maioria dos negócios: qualidade
inferior geralmente produz fundamentos inferiores. Mas mesmo um jornal ruim é uma barganha
para a maior parte dos cidadãos, especialmente pelo valor informativo que ele possui.
Considerando todas as outras coisas, um produto ruim não receberá o mesmo nível de leitura
de um jornal de primeira linha. Um produto ruim, no entanto, continuará a ser essencial para a
maioria dos cidadãos, e o que for de interesse deles será de interesse aos anunciantes.

Uma vez que um alto padrão não é exigido pelo mercado, a gestão deve impor isso por
conta própria. Nosso compromisso com um gasto acima da média com notícias é um
importante indicador quantitativo. Nós temos confiança que Stan Lipsey e Murray Light
continuarão a aplicar indicadores qualitativos ainda mais importantes. Charlie e eu acreditamos
que os jornais representam uma instituição muito especial para a sociedade. Temos orgulho do
News, e temos a intenção de ter ainda mais orgulho nos anos que virão.

Operações do setor de seguros

A seguir, mostramos uma versão atualizada da nossa costumeira tabela com dois
valores-chave para a indústria de seguros:

Fonte: Best’s Aggregates and Averages


Os dados da Best refletem o que aconteceu em praticamente toda a indústria, incluindo
empresas de capital aberto, mútuas ou recíprocas7. A taxa combinada representa o custo total
com seguros (perdas incorridas mais despesas) comparado com a receita vinda dos prêmios;
uma taxa abaixo de 100 indica lucros com ​underwriting8; acima de 100, prejuízo.

Durante alguns anos, dissemos a vocês que o aumento anual de 10% em prêmios era
necessário para que a taxa combinada se mantivesse inalterada. Para chegar nesse número,
assumimos que as despesas, em percentual do volume de prêmios, iriam permanecer
relativamente estáveis, e que as perdas iriam aumentar 10% ao ano por conta da combinação
entre o aumento de volume, inflação e decisões judiciais que expandem o que deve ser coberto
pelas apólices de seguros.

Nossa opinião tem se mostrado desanimadoramente certa: um aumento de prêmios de


10% ao ano desde 1979 teria produzido um aumento acumulado até 1984 de 61% e uma taxa
combinada, em 1984, quase idêntica a de 100,6 em 1979. Ao invés disso, a indústria teve um
aumento de apenas 30% nos prêmios, chegando a uma taxa combinada de 117,7 em 1984.
Atualmente, continuamos a acreditar que o elemento-chave na tendência de lucro de
underwriting​ é a mudança percentual anual no volume de prêmios do setor.

Nos parece que o volume de prêmios em 1985 irá crescer bem acima dos 10%. Dessa
forma, assumindo que as catástrofes se mantenham em níveis “normais”, a tendência é que a
taxa combinada passe a cair aos poucos até o fim do ano. No entanto, levando em conta
nossas premissas de perdas na indústria (i.e., aumentos anuais de 10%), cinco anos de
aumentos de 15% nos prêmios seriam necessários para trazer a taxa combinada de volta para
100. Isso seria o equivalente a dobrar o volume da indústria até 1989, algo que vemos como
altamente improvável. Ao invés disso, esperamos ver alguns anos de ganhos em prêmios
ligeiramente acima dos 10%, seguidos por uma precificação competitiva que irá produzir taxas
combinadas no intervalo 108-113.

Nossa própria taxa combinada em 1984 foi de humildes 134 pontos. (Aqui, e ao longo
desta carta, excluímos os acordos estruturados e a assunção de perdas no cálculo desta taxa.
Maiores detalhes, incluindo os efeitos de operações descontadas na taxa, ​podem ser
encontradas nas páginas 42-43​). Esse foi o terceiro ano consecutivo em que nosso
desempenho em ​underwriting foi bem pior do que a média do setor. Esperamos ver uma
melhora na nossa taxa combinada de 1985, e também temos a expectativa de que essa
melhora seja substancialmente maior do que a da indústria. Mike Goldberg tem corrigido muitos
dos erros que tomei antes dele assumir as operações de seguros. Mais ainda, nosso negócio é
concentrado em linhas que tiveram resultados piores do que a média nos últimos anos, e essa
circunstância tem começado a subjugar muitos de nossos competidores - e até a eliminar
alguns.

7
Tipos de empresas de seguro do mercado americano.
8
Processo de subscrição. Se as práticas de subscrição geram contratos cujos prêmios excedem as
indenizações e demais despesas, o lucro subsequente elevará a capacidade da seguradora.
Com a competição abalada, nós pudemos, ao longo do segundo semestre de 1984,
aumentar bastante os preços em algumas linhas importantes sem perder muitos negócios.

Por alguns anos, disse a vocês que chegaria um dia em que nossa grande força
financeira faria uma enorme diferença na posição competitiva que temos em nossas operações
de seguros. E esse dia pode ter chegado. Nós somos, quase sem dúvida, a mais forte
seguradora de bens a acidentes do país, com uma posição de capital muito superior à de
outras de maior porte do setor.

Igualmente importante, nossa política corporativa é a de manter essa superioridade. O


comprador de uma apólice de seguros recebe apenas uma promessa em troca de dinheiro. O
valor da promessa deve ser avaliada contra a possibilidade de adversidade, não de
prosperidade. No mínimo, a promessa deva se mostrar capaz de resistir a um logo período de
depressão no mercado financeiro e resultados muito ruins de ​underwriting.​ Nossas subsidiárias
de seguros querem e são capazes de manter essas promessas em qualquer cenário - muitas
outras empresas não conseguem isso.

Nossa força financeira é de particular importância nos acordos estruturados e assunção


de perdas que reportamos ano passado. O requerente em um acordo estruturado e a
companhia de seguros que tenha feita resseguro devem ter total confiança de que os
pagamentos serão feitos por décadas a fio. Pouquíssimas empresas na área de bens e
acidentes conseguem passar neste teste de inquestionável fortaleza no longo prazo. (Na
verdade, existem pouquíssimas empresas que confiamos para fazer nossos resseguros.)

Nós vimos uma expansão na seguinte linha de negócio: fundos que temos para
pagamento de sinistros cresceram de U$ 16,2 milhões para U$30,6 milhões no ano. É
esperado que o crescimento continue e, talvez, até acelere. Para suportar esse aumento,
fizemos grandes investimentos na Columbia Insurance Company, nossa unidade de resseguros
especializada em acordos estruturados e reservas de sinistros. Embora sejam negócios
altamente competitivos, os retornos ainda assim serão satisfatórios.

Na GEICO, as notícias, como de costume, são majoritariamente boas. A empresa


conseguiu um excelente crescimento na sua área primária de seguros em 1984, e o
desempenho do seu portfólio de investimento continua a ser extraordinário. Embora os
resultados de ​underwriting tenha se deteriorado no último ano, eles ainda continuam bem
melhores do que a média do setor. Nossa participação na GEICO no fim do ano somava 36%.
Dessa forma, do volume total de U$ 885 milhões em prêmios nas áreas de bens e acidentes,
nossa fatia correspondia a U$ 320 milhões, mais do que o dobro de nosso próprio volume de
prêmios.

Eu já disse a vocês nos últimos anos que o desempenho das ações da GEICO foi ainda
superior ao desempenho de sua gestão, que tem sido brilhante.
Nesses mesmos anos, o valor de nosso investimento na GEICO em nossos balanços
cresceu a uma taxa maior do que o do valor intrínseco da empresa. Eu avisei que um avanço
maior da ação em relação ao desempenho da própria empresa não iria ocorrer todo ano, e que,
em alguns anos, a ação subiria a uma taxa menor do que o crescimento da companhia. Foi
isso o que aconteceu em 1984. O valor da nossa posição na GEICO mal foi alterado, enquanto
que o valor intrínseco cresceu substancialmente. Uma vez que 27% do patrimônio da Berkshire
no início de 1984 era representado pela GEICO, o fato da ação não ter subido teve um impacto
significativo em nossa taxa de ganhos do ano. Nós não estamos, de forma alguma, insatisfeitos
com isso: nós preferimos que o valor intrínseco da GEICO cresça X durante o ano, enquanto
seu valor de mercado diminua, do que ver seu valor intrínseco diminuir ½ X, mas seu valor de
mercado aumentar. No caso da GEICO, e em todos os nossos investimentos, nós olhamos
para o desempenho do negócio, não da ação. Se estivermos certos a respeito das expectativas
do negócio, o mercado, eventualmente, irá acompanhar nossas premissas.

Vocês, como acionistas da Berkshire, se beneficiaram enormemente dos talentos da


GEICO, como Jack Byrne, Bill Snyder e Lou Simpson. Em seu negócio principal - seguros de
baixo custo de automóveis e casas - a GEICO possui uma enorme e sustentável vantagem
competitiva. Isso é algo raro de se ter em uma empresa, e praticamente não existe na indústria
de serviços financeiros. (A GEICO, por si só, ilustra esse ponto: apesar da empresa ter uma
excelente gestão, a busca por uma lucratividade superior iludiu a GEICO em todos os outros
esforços fora de seu ramo principal.) Em um setor tão grande, uma vantagem competitiva como
a da GEICO abre caminho para retornos econômicos incomuns, e Jack e Bill continuam a
mostrar grande habilidade em explorar esse potencial.

A maior parte dos fundos gerados pela GEICO por meio de sua principal operação de
seguros é disponibilizada ao Lou para investimentos. Lou possui a rara combinação de
características temperamentais e intelectuais que produzem um excelente desempenho de
investimentos a longo prazo. Operando com um risco abaixo da média, ele tem gerado retornos
que são, de longe, os melhores da indústria de seguros.

Eu aplaudo e valorizo os esforços e talentos desses três incríveis gestores.

Erros na reserva para sinistros

Qualquer acionista de uma empresa que possua relevantes participações no negócio de


seguros de bens e acidentes deve ter algum entendimento sobre os problemas inerentes aos
relatórios de ganhos da indústria. Phil Graham, quando editor do Washington Post, descreveu
os jornais diários como “o primeiro rascunho da história”. Infelizmente, as declaraçòes
financeiras de uma seguradora fornecem, no melhor dos casos, apenas um primeiro rascunho
de seus ganhos e situação financeira.
A determinação de custos é o principal problema. A maior parte dos custos de uma
seguradora vem de sinistros, e muitos desses custos, que devem ser lançados contra as
receitas do ano corrente, são incrivelmente difíceis de estimar. Algumas vezes, a extensão das
perdas com sinistro, ou mesmo a existência delas, é desconhecida por décadas.

Os gastos com perdas em uma seguradora de bens e acidentes representam: (1)


perdas que ocorreram e foram pagas no ano corrente; (2) estimativa de perdas que ocorreram
e foram reportadas para a seguradora no ano corrente, mas que ainda precisam ser
estabelecidas; (3) estimativa de custos com perdas que ocorreram no ano, mas que a
seguradora ainda não sabe (cunhado de “IMNP”: incorrida, mas não reportada9); e (4) o efeito
em cascata que as revisões do ano corrente tem em estimativas similares feitas para (2) e (3)
nos anos anteriores.

Tais revisões podem demorar mas, eventualmente, qualquer estimativa de perdas que
leve a erros na receita de um ano X devem ser corrigidas, seja no ano X + 1 ou X + 10. Isso,
forçosamente, significa que os ganhos do ano a ser corrigido também estão errados. Por
exemplo, assuma que um requerente sofreu um acidente por parte de um de nossos segurados
em 1979, e que assumimos que o valor do acordo seria de U$ 10 mil. Naquele ano, nós
teríamos retirado U$ 10 mil de nossos ganhos para levar em conta os custos do acordo e, de
maneira correspondente, teríamos alocado uma reserva desse valor em nossos balanços. Se o
acordo for fechado em 1984 por U$ 100 mil, nós iremos deduzir U$ 90 mil de nossos ganhos
em 1984, embora seja um custo que tenha se originado em 1979.

E se esse contrato fosse nossa única atividade de 1979, nós teríamos errado muito em
termos de custos e de ganhos a vocês.

O necessário e extenso uso de estimativas, que aparecem de maneiras tão precisas


nas demonstrações financeiras de companhias de seguros, significa que alguns erros irão
ocorrer, não importa quão boas sejam as intenções da gestão. Numa tentativa de diminuir o
erro, a maior parte dos seguradores usam várias técnicas estatísticas para ajustar os cálculos
de milhares de avaliações de sinistros (chamadas de reservas de caso), que incluem os dados
brutos para estimação dos passivos. As reservas extras criadas por esses ajustes possuem
vários nomes, como reserva de massa, de desenvolvimento ou suplementar. O objetivo destes
ajustes é prover uma reserva para passivos que tenha 50% de chance de ser ou muito grande
ou muito pequena quando todas as perdas que ocorreram antes da data de exercício sejam, de
fato, pagas.

Na Berkshire, adicionamos o que pensamos ser apropriado para a reserva suplementar,


mas os anos recentes mostraram que ela não foi suficiente. É importantes que vocês entendam
a magnitude dos erros no dimensionamento de nossas reservas. Vocês poderão, então, ver por

9
No original, “IBNR”: ​incurred but not reported​.
vocês mesmos o quão impreciso o processo é, e também julgar se temos algum viés sistêmico
que faça vocês ficarem receosos com nossos números atuais e futuros.

A tabela a seguir mostra os resultados de ​underwriting no formato que temos reportado


a vocês recentemente. Também fornece um cálculo do tipo “se soubéssemos na época o que
achamos saber hoje”. Eu digo “o que achamos saber hoje” porque os números ajustados ainda
incluem muitas estimativas de perdas que ocorreram nos últimos anos. No entanto, muitas
indenizações dos anos anteriores foram acertadas de forma que nossas estimativas
contivessem menos “adivinhações” do que no passado:

Nossos acordos estruturados e assunções para a reserva de sinistros não estão


incluídos nesta tabela. ​Informações importantes sobre a reserva de sinistros podem ser
encontradas nas páginas 43-45​.

Para ajudá-lo entender esta tabela, eis uma explicação dos números mais recentes: as
perdas com ​underwriting em 1984, antes de impostos, de U$ 45,4 milhões consistem em U$
27,6 milhões que estimamos ter perdido em 1984 mais um aumento de U$ 17,8 milhões vindos
de correções em 1983.

Como vocês podem ver ao analisarem a tabela, meus erros em reportar a vocês foram
substanciais e, recentemente, deram a falsa impressão do cenário de ​underwriting estar melhor
do que está.

Isso me dá um desgosto particular porque: (1) eu gosto que vocês possam acreditar no
que eu falo; (2) nossos gestores de seguros e eu agimos com menos urgência do que teríamos
caso soubéssemos a real extensão de nossas perdas; (3) nós pagamos impostos calculados
com base em ganhos superestimados e, por consequência, demos dinheiro que não devíamos
ao governo. (Esses pagamentos extras acabam se corrigindo eventualmente, mas o atraso é
grande e nós não recebemos juros sobre o montante que pagamos a mais.)
Como nosso negócio é voltado para acidentes e resseguros, nós temos mais problemas
em estimar nossas perdas do que empresas que trabalham mais com seguros de bens.
(Quando um prédio que você assegurou pega fogo, você tem uma noção muito mais rápida dos
custos que vai ter do que quando um empregador que você assegurou descobre que um de
seus aposentados contraiu uma doença relacionada ao trabalho décadas atrás.) Mas ainda
acho nossos erros vergonhosos. Em nosso negócio, subestimamos demais a rápida tendência
dos júris e tribunais em favorecer pagamentos exorbitantes, independentemente da situação
atual e dos precedentes da empresa seguradora. Nós também subestimamos o efeito
contagioso que a atenção da mídia em relação a reembolsos volumosos tem sobre um júri. Na
área de resseguros, onde tivemos nossas piores experiências com a falta de reservas, nossas
empresas seguradas cometeram os mesmos erros. Uma vez que nossas reservas são feitas
levando em consideração as informações que nos são passadas, os erros delas se tornaram
nossos também.

Eu ouvi uma história recentemente que se aplica aos nossos problemas contábeis em
seguros: um homem estava viajando quando recebeu um telefonema de sua irmã informando
que o pai deles havia morrido de uma hora pra outra. Era fisicamente impossível ao irmão
voltar para casa a tempo para o funeral, mas ele disse para a irmã tomar conta do que fosse
preciso e lhe enviasse a conta depois. Após voltar para casa, ele recebeu uma conta de alguns
milhares de dólares, que ele prontamente pagou. No mês seguinte, uma outra conta de U$ 15
chegou, e ele também pagou. Um mês depois, outra conta parecida. Quando, no terceiro mês,
outra conta de U$ 15 chegou, ele ligou para a irmã para perguntar o que estava acontecendo.
Ela disse “Ah, esqueci de te contar: enterramos o papai num terno alugado.”

Se você esteve no ramo de seguros nos últimos anos - especialmente no setor de


resseguros - essa história dói na alma. Nós tentamos colocar todos os riscos do tipo “terno
alugado” em nossas demonstrações financeiras, mas nosso histórico de erros deveriam nos
tornar mais humildes, e vocês, mais desconfiados. Eu continuarei a reportar os erros a vocês,
para mais ou para menos, que surjam todos os anos.

Nem todos os erros de provisionamento na indústria tem sido do tipo


“inocente-mas-burro”. Com os resultados ruins em ​underwriting nos últimos anos - e com os
gestores sendo o mais criteriosos possíveis nas apresentações financeiras - alguns aspectos
negativos da natureza humana tem se manifestado. Empresas que estariam fora do jogo caso
avaliassem de forma realista suas perdas preferiram, em alguns casos, simplesmente adotar
uma visão extremamente otimista sobre essas somas que ainda deverão ser pagas. Algumas
outras tem feito várias transações para esconder a real extensão de suas perdas.

Ambas as abordagens podem “funcionar” por um bom tempo: auditores externos não
conseguem policiar de forma eficiente as demonstrações financeiras das seguradoras de bens
e acidentes. Se os passivos de uma seguradora, corretamente indicados, somassem mais do
que os seus ativos, seria responsabilidade da própria seguradora informar tal mórbido fato. Em
outras palavras, o cadáver deveria emitir seu próprio certificado de óbito. Nesse “sistema de
honra” da mortalidade, o cadáver, às vezes, dá a si próprio o benefício da dúvida.

Na maior parte dos negócios, é claro, empresas insolventes ficam sem dinheiro. Com
seguros, a história muda: você pode estar quebrado, mas ter fluxo. Como o dinheiro entra na
assinatura do contrato, e as perdas são pagas muito depois, seguradoras insolventes não ficam
sem dinheiro até muito tempo depois de ficarem sem patrimônio líquido. Na verdade, esses
“zumbis” normalmente redobram seus esforços para fechar contratos, aceitando quase
qualquer preço e risco, simplesmente para manter o dinheiro fluindo. Com essa atitude de
defraudador que apostou seus fundos roubados, essas empresas esperam ter sorte na última
rodada de negócios e, assim, cobrir seus déficits anteriores. Mesmo que elas não tenham
sorte, a penalidade aos gestores não costuma ser tão diferente para déficits de U$ 100 milhões
ou U$ 10 milhões; neste ínterim, enquanto as perdas vão se acumulando, os gestores
continuam com seus empregos e privilégios.

Os erros de provisionamento de outras empresas seguradoras de bens e acidentes


representam um interesse acadêmico para a Berkshire. A Berkshire não apenas sofre com a
competição de venda a qualquer preço pelo “zumbis”, mas também sobre com a insolvência
financeira deles, quando reconhecida. Por meio de vários fundos garantidores do Estado, a
Berkshire acaba pagando uma parte das deficiências da seguradora insolvente, inchadas por
terem sido detectadas muito tardiamente. Há até mesmo potencial para problemas em cascata.
A insolvência de algumas grandes seguradoras e o auxílio de fundos do Estado poderiam pôr
em perigo seguradoras com resultados fracos, mas ainda solventes. Tais perigos podem ser
mitigados caso os agentes reguladores do Estado se tornem melhores em identificar e acabar
com seguradoras insolventes, mas o progresso nessa frente tem sido bem lento.

Washington Public Power Supply System

De outubro de 1983 a julho de 1984, as subsidiárias de seguros da Berkshire


compraram grandes quantidades de títulos dos Projetos 1, 2 e 3 da Washington Public Power
Supply System (“WPPSS”). Esta é a mesma entidade que, no dia 1 de julho de 1983, deu
calote em U$ 2,2 bilhões em títulos emitidos para financiar os agora abandonados Projetos 4 e
5. Embora existam diferenças materiais entre nas obrigações, promessas e propriedades entre
as duas categorias de títulos, os problemas com os Projetos 4 e 5 lançaram grandes dúvidas
sobre os Projetos 1, 2 e 3, e provavelmente irão causar sérios problemas nestes últimos
também. Mais ainda, surgiram inúmeras questões diretamente relacionadas com os Projetos 1,
2 e 3 que podem enfraquecer ou destruir a outrora poderosa posição de crédito detida pela
Bonneville Power Administration.
Apesar desses reveses, Charlie e eu julgamos que os riscos existentes na época em
que compramos os títulos e os preços que Berkshire pagou (muito menores do que os preços
atuais) mais do que compensam os prospectos de lucros.

Como vocês sabem, nós compramos ações para nossas empresas de seguros usando
critérios que aplicaríamos caso fôssemos comprar a empresa inteira. Essa abordagem de
valuation de um negócio não é muito adotada entre gestores profissionais e é desprezada por
muitos acadêmicos. Ainda assim, ela tem sido muito útil a seus seguidores (o que pode levar
alguns acadêmicos a dizer “Bem, pode funcionar na prática, mas nunca vai funcionar na
teoria.”) De forma simples, se nós sentimos que podemos comprar pequenas porções de
negócios com fundamentos econômicos satisfatórios por uma fração do preço, algo bom
provavelmente irá acontecer conosco - especialmente se tivermos participações em várias
empresas do tipo.

Nós estendemos essa abordagem de ​valuation até para compras de títulos, como os da
WPPSS. Nós comparamos o custo de U$ 139 milhões de nosso investimento na WPSS a um
investimento similar, de mesmo valor, em um negócio qualquer. No caso da WPPSS, o
“negócio” recebe, contratualmente, U$ 22,7 milhões após impostos (por meio dos juros pagos
pelos títulos), e tais ganhos ficam disponíveis para nós em dinheiro. Nós não conseguimos
comprar negócios em operação que cheguem perto disso. Apenas umas poucas empresas
conseguem uma taxa de 16,3% (após impostos) sobre capital sem alavancagem como nosso
investimento na WPPSS consegue. E tais negócios, quando disponíveis para compra, são
vendidos com muito ágio. Na média, em uma transação negociada, ganhos corporativos e sem
alavancagem de U$ 22,7 milhões após impostos (equivalente a U$ 45 milhões antes de
impostos) se traduziriam em um preço de U$ 250 - U$ 300 milhões (ou até mais). Por um
negócio que entendamos bem e gostemos muito, pagaríamos esse preço com prazer. Mas é o
dobro do preço do que pagamos para realizar os mesmos ganhos com os títulos da WPPSS.

No entanto, no caso da WPPSS, vemos um leve risco do “negócio” valer zero dentro de
um ou dois anos. Também há o risco do pagamento de juros ser interrompido por um período
considerável de tempo.

Ademais, o máximo que o “negócio” poderia valer seria os cerca de U$ 205 milhões que
valem os títulos a valor de face agora, um valor apenas 48% maior do que pagamos quando os
compramos.

Esse limite superior no potencial de ganho é uma grande desvantagem. Devemos


observar também, no entanto, que a maior parte das empresas também possui um limite de
potencial de ganho, a menos que mais capital seja investido nelas. Isso acontece porque a
maioria das companhias não é capaz de melhorar significativamente a média de seus retornos
sobre o patrimônio, mesmo sob condições inflacionárias - embora já se tenha acreditado que
elas automaticamente aumentassem os retornos.
(Vamos explorar um pouco mais o nosso exemplo de olhar um título como uma
empresa: se você optar por “reter” os ganhos anuais de 12% vindos do pagamento de cupons
para comprar mais títulos, os ganhos do título irão crescer a uma taxa comparável a de
empresas que reinvestem todos os seus lucros. Numa primeira instância, um título com
duração de 30 anos, sem cupom, pagando 12% ao ano, comprado hoje por U$ 10 milhões, irá
valer U$ 300 milhões em 2015. Numa segunda instância, uma empresa de U$ 10 milhões que
ganhe regularmente 12% sobre o patrimônio e reinvista todos os ganhos com o objetivo de
crescer também irá terminar com U$ 300 milhões de capital em 2015. Tanto a empresa quanto
o título irão ganhar pouco mais de U$ 32 milhões no ano de vencimento.)

Nossa abordagem para investir em títulos - tratando-os como empresas incomuns, com
vantagens e desvantagens especiais - pode soar a vocês como muito peculiar. No entanto,
acreditamos que muitos erros espantosos de investidores poderiam ser evitados se eles
olhassem para os títulos sob uma perspectiva de negócios. Por exemplo, em 1946, títulos AAA
de 20 anos e isentos de impostos eram negociados com um ​yield levemente abaixo de 1%.
Com efeito, o comprador desses títulos na época adquiriu uma “empresa” que ganhava cerca
de 1% sobre o “valor patrimonial” (e o pior, ela nunca iria ganhar mais do que 1% no período de
20 anos) e pagou 100 centavos por dólar por um negócio abominável desses.

Se um investidor tivesse tido uma mentalidade de negócios para pensar desta forma - e
era essa a realidade que o contrato oferecia - ele teria dado risada da proposta e ido embora.
Na mesma época, negócios com excelentes prospectos futuros poderiam ser comprados a um
preço próximo ao valor patrimonial, com ganhos de 10%, 12% ou 15% após impostos. É
provável que nenhuma empresa nos EUA em 1946 fosse negociada com a expectativa de
ganhar apenas 1% ao ano. Mas investidores de títulos daquele ano alocaram seu capital
exatamente nisso. Condições similares, embora menos extremas, foram observadas nas duas
décadas seguintes, onde investidores de títulos gentilmente concordaram com termos de 20 ou
30 anos a taxas brutalmente inadequadas sob um ponto de vista de negócios. (No livro que
penso ser o melhor já escrito sobre investimentos - “O Investidor Inteligente”, por Ben Graham -
a última seção do último capítulo começa com “Um investimento se mostra mais inteligente
quanto mais parecido for com um negócio”. Tal seção se chama “Últimas Palavras”, um título
apropriado.)

Iremos enfatizar novamente que há riscos inquestionáveis com a WPPSS. É também o


tipo de risco que é difícil de avaliar. Se Charlie e eu fôssemos fazer 50 avaliações iguais a essa
em uma vida, aí sim esperaríamos que nosso julgamento se mostrasse razoavelmente
satisfatório. Mas não temos a chance de tomar 50, ou mesmo 5, decisões dessas em um ano.
Embora nossos resultados de longo prazo permaneçam bons, sempre corremos o risco de
tomarmos decisões muito tolas em um ano específico. (Por isso uso todas essas frases com
“Charlie e eu” ou “nós”.)

A maior parte dos gestores têm pouco incentivo para tomar decisões que sejam
inteligentes, mas que trazem o risco de fazê-los parecer idiotas. A taxa de ganho/perdas deles
é óbvia: se uma decisão não convencional der certo, eles ganham um tapinha nas costas; se
não der certo, eles são demitidos. (Falhar por convenção é o caminho a seguir; lêmingues10,
em conjunto, têm uma péssima imagem, mas ninguém sai criticando um único lêmingue por aí.)

Nossa forma de trabalhar é diferente. Como possuímos 47% das ações da Berkshire,
Charlie e eu não nos preocupamos em sermos demitidos, e recebemos nossos prêmios por
sermos acionistas, não por sermos gestores. Assim, lidamos com o dinheiro da Berkshire da
mesma forma que lidamos com o nosso próprio dinheiro. Isso frequentemente nos levar a ter
um comportamento não convencional, tanto em investimentos quanto na gestão de negócios.

Nós fugimos das convenções ao ponto de concentrarmos os investimentos provenientes


de nossas seguradoras, incluindo os títulos da WPPSS. Essa concentração faz sentido apenas
porque nossas seguradoras possuem uma excepcional força financeira. Para quase todos os
outros concorrentes, um grau parecido de concentração (ou perto disso) seria completamente
inapropriado. Suas posiçòes de capital não são fortes o suficiente para sustentar um erro
grande, não importa o quão atrativo uma oportunidade de investimento possa parecer quando
analisada sob um ponto de vista de probabilidades.

Com nossa força financeira, podemos ter grandes porções de títulos que pensamos
muito a respeito e compramos a preços atrativos. (Billy Rose descreveu o problema de
diversificar demais: “Se você tem um harém com quarenta mulheres, você nunca irá
conhecê-las muito bem.”) Ao longo do tempo, nossa política de concentração deverá produzir
resultados superiores, embora atenuados por nosso tamanho. Quando essa política resultar em
um ano muito ruim, pelo menos vocês terão a certeza que o nosso dinheiro pessoal estava
junto ao de vocês.

Fizemos boa parte do nosso investimento na WPPSS a diferentes preços e sob


circunstâncias que não existem atualmente. Se decidirmos mudar nossa posição, informaremos
os acionistas apenas depois que a mudança tiver sido completada. (Podemos estar comprando
ou vendendo enquanto vocês lêem isto.) A compra e venda de títulos é algo competitivo, e
mesmo um pouco de competição a mais de cada lado pode nos custar muito dinheiro. Nossas
compras da WPPSS ilustram isso. De outubro de 1983 a julho de 1984, tentamos comprar
quase todos os títulos dos Projetos 1, 2 e 3. Ainda assim, conseguimos comprar apenas 3%
dos títulos em circulação. Se tivéssemos competido com mais alguns investidores abonados,
que estariam comprando simplesmente porque nós também estávamos, nós poderíamos ter
terminado com uma quantidade ainda menor de títulos, comprados a um preço maior. (Alguns
“parasitas” poderiam facilmente ter nos custado U$ 5 milhões.) Por essa razão, não iremos
tecer comentários a respeito de nossas atividades com títulos - nem para a imprensa, nem para
os acionistas, com ninguém - a menos que sejamos obrigados por lei.

10
Roedor tipicamente encontrado nos biomas ártico e tundra.
Uma última observação sobre nossas compras de títulos da WPPSS: nós não gostamos
de comprar títulos de longo prazo na maior parte das situações, tanto que compramos
pouquíssimos deles nos últimos anos. Temos essa opinião porque os títulos são tão bons
quanto o dólar - e nossa visão de longo prazo para este último é sombria. Acreditamos que
uma inflação forte ainda está por vir, embora não tenhamos ideia de quanto vai ser. Mais ainda,
acreditamos que há uma pequena, mas não insignificante, chance de nos depararmos com
uma inflação galopante.

Tal possibilidade pode parecer absurda, considerando o quanto a inflação caiu. Mas
acreditamos que a política fiscal atual - com um enorme déficit - é extremamente perigosa e
difícil de ser revertida. (Por enquanto, a maior parte dos políticos em ambos os partidos têm
seguido o conselho de Charlie Brown: “Nenhum problema é grande o suficiente que você não
possa correr dele.”) Sem reversão, uma inflação alta pode demorar a chegar, mas não pode ser
evitada. Se isso se materializar, ela trará consigo uma espiral galopante de muitos outros
problemas.

Embora não tenhamos muita escolha entre títulos e ações quando a inflação anual está
na casa dos 5% - 10%, uma inflação galopante é outra história. Em tais circunstâncias, um
portfólio diversificado com certeza sofreria uma enorme perda de valor real. Mas os títulos já
emitidos sofreriam muito mais. Dessa forma, acreditamos que um portfólio só com títulos
carrega um pequeno, mas inaceitável, risco de ruína. Por isso, sempre exigimos certas
condições ao comprar títulos de longo prazo. Somente quando tais condições parecem ser
decididamente superiores a outras oportunidades de negócio é que iremos fazer algo a
respeito. Circunstâncias assim tendem a ser raras e distantes umas das outras.

Política de dividendos

A política de dividendos é comumente reportada aos acionistas, mas raramente


explicada. Uma empresa dirá algo na linha de “Nosso objetivo é pagar entre 40% e 50% dos
lucros e aumentar os dividendos a uma taxa que seja igual ao aumento do CPI11”. E é só -
nenhuma análise é fornecida para explicar o motivo de tal política ser a melhor para os donos
do negócio (os acionistas). Ainda assim, a alocação de capital é crucial para a empresa e para
a gestão. Por conta disso, acreditamos que os gestores e acionistas devem pensar bastante
sobre as circunstâncias em que os ganhos devem ser retidos e as circunstâncias em que
devem ser distribuídos.

O primeiro ponto a se entender é que nem todos os ganhos são criados de forma igual.
Em muitos negócios, especialmente aqueles com uma razão alta de ativos/lucros, a inflação se
torna parte substituta dos ganhos. Tal parte - chamemos de “restrita” - não pode ser distribuída
como dividendos caso a empresa deseje manter sua posição econômica. Se esses “ganhos”

11
Consumer Price Index, usado para medir a inflação. Equivalente ao IPC-A no Brasil.
forem distribuídos, o negócio perderá espaço em uma ou mais das seguintes áreas: a
habilidade de manter o volume de unidades vendidas, sua posição competitiva de longo prazo
ou sua robustez financeira. Não importa o quão conservador seja o ​payout12, uma empresa que
frequentemente distribui os ganhos restritos está fadada ao fracasso, a menos que mais capital
seja injetado na companhia.

Os ganhos restritos raramente têm valor zero aos acionistas, mas devem ser fortemente
descontados. Com efeito, eles são conscritos ao negócio, não importa o quão ruim seja o
potencial econômico da empresa. (Essa política de “retenção não importa o quão pouco
atraente os retornos sejam” foi comunicada involuntariamente de uma forma maravilhosamente
irônica pela Consolidated Edison uma década atrás. Na época, uma política regulatória punitiva
fez com que as ações da empresa fossem negociadas apenas a 1/4 do valor patrimonial; i.e.,
toda vez que um dólar de lucro foi retido para ser reinvestido no negócio, ele foi transformado
em 25 centavos a valor de mercado. Mas apesar desse processo ter transformado ouro em
chumbo, a maior parte dos ganhos foi reinvestida na companhia ao invés de serem distribuídos
aos acionistas. Nesse meio tempo, em construções e obras por toda Nova Iorque, placas
orgulhosamente mostravam o ​slogan​ da empresa: “Cavar é preciso”.)

Não precisamos nos preocupar mais sobre ganhos restritos nesta discussão sobre
dividendos. Vamos voltar nossa atenção para os ganhos irrestritos. Tais ganhos podem, com
igual viabilidade, ser retidos ou distribuídos. Em nossa opinião, a gestão deve escolher a opção
que faça mais sentido para os acionistas.

Esse princípio não é universalmente aceito. Por um número de razões, os gestores


gostam de reter ganhos irrestritos e distribuíveis dos acionistas, seja para expandir o império da
empresa - que, afinal, é onde o gestor trabalha - ou para operar com uma posição financeira
confortável, etc. Mas nós acreditamos que existe apenas uma razão válida para reter os
ganhos. Ganhos irrestritos devem ser retidos apenas quando há um prospecto razoável -
apoiado preferencialmente por evidências históricas ou, quando apropriado, por uma adequada
análise do futuro - de que para cada dólar retido pela empresa, ao menos um dólar será
adicionado ao valor de mercado do negócio. Isso irá ocorrer apenas se o capital retido produzir
ganhos incrementais iguais, ou maiores, que aqueles disponíveis aos acionistas.

Para dar um exemplo, vamos assumir que um investidor possua um título perpétuo de
10%, livre de riscos, com uma característica incomum. A cada ano, o investidor pode escolher
pegar o cupom de 10% em dinheiro ou reinvesti-lo, comprando 10% a mais de títulos com as
mesma características; i.e., perpétuos e com cupons que oferecem a opção de retirada ou
reinvestimento. Se, em um dado ano, a taxa de juros de títulos de longo prazo for de 5%, seria
tolice o investidor pegar seu cupom em dinheiro, uma vez que os títulos pagando 10% (que ele
pode optar por comprar) valeriam muito mais do que 100 centavos por dólar. Em tais
circunstâncias, ele acumularia mais dinheiro assim do que se tivesse feito a retirada do cupom.

12
Percentual de lucros distribuído aos acionistas.
Assumindo que todos os títulos fossem mantidos por investidores racionais, ninguém iria optar
por receber dinheiro vivo em épocas de títulos a 5%, nem mesmo os investidores que
precisassem do dinheiro para pagar suas despesas.

Se, no entanto, as taxas fossem para 15%, nenhum investidor racional iria colocar seu
dinheiro para render a 10%. No lugar disso, ele iria optar por receber o cupom em dinheiro,
mesmo que suas necessidades financeiras fossem inexistentes. A outra opção - reinvestir o
cupom - daria títulos adicionais ao investidor com um valor de mercado muito menor do que o
dinheiro que ele escolheu sacar. Se ele quisesse títulos a 10%, ele poderia simplesmente
pegar o dinheiro recebido e comprá-los a valor de mercado, uma vez que eles estariam sendo
negociados com muito desconto.

Uma análise similar a essa pode ser feita por aqueles que estão pensando se os
ganhos irrestritos da empresa devem ser retidos ou distribuídos. É claro que a análise, nesse
caso, é muito mais difícil e sujeita a erros, uma vez que as taxas de ganhos com os
reinvestimentos não são definidas de forma contratual, como é o caso do nosso exemplo com
títulos, mas sim de forma flutuante. No entanto, quando um “chute” bem embasado é feito, o
restante da análise é simples: você deve optar por seus ganhos serem reinvestidos caso haja a
expectativa de altos retornos com isso, e deve optar por distribuí-los caso a taxa de retorno
seja baixa.

Com essa abordagem esquizóide, o CEO de uma companhia com várias divisões irá
instruir a Subsidiária A, cujos ganhos em capital incremental costumam ficar na casa dos 5%, a
distribuir todos os ganhos, de forma que eles sejam investidos na Subsidiária B, que costuma
ter uma taxa de retorno de 15%. O juramento feito pelo CEO ao se formar em sua faculdade de
administração o impede de fazer qualquer coisa diferente disso. Mas se o histórico dele com
capital incremental for de 5%, e a média de mercado for 10%, ele provavelmente irá impor uma
política de dividendos aos acionistas da empresa-mãe que siga algum padrão histórico adotado
pelo setor. Mais ainda, ele exigirá explicações dos gestores das subsidiárias sobre os motivos
que os levam a crer que os ganhos de suas operações devem ser retidos, e não distribuídos,
pela empresa-mãe. Mas ele raramente irá fazer uma análise rigorosa englobando toda a
empresa.

Ao julgar se os gestores devem reter os ganhos, os acionistas não devem simplesmente


comparar o incremento total dos mesmos nos últimos anos com o incremento no capital, uma
vez que essa relação pode ser distorcida. Durante um período inflacionário, empresas cujos
negócios principais são caracterizados por fundamentos econômicos extraordinários podem
usar pequenas somas de capital incremental com altas taxas de retorno (como discutido ano
passado na seção sobre ​goodwill​). Porém, a menos que estejam passando por um enorme
crescimento de vendas por unidade, negócios excelentes, por definição, geram grandes
excessos de dinheiro. Se uma empresa desse tipo coloca a maior parte de seu dinheiro em
negócios com retornos baixos, o retorno geral pode, ainda assim, parecer excelente por causa
dos retornos extraordinários obtidos com os incrementos investidos na atividade principal - e
muito lucrativa - da empresa. A situação é análoga a um evento de golfe que mistura
profissionais e amadores: mesmo se todos os amadores forem jogadores terríveis, o placar do
melhor time ainda vai ser bom por conta das habilidades dos jogadores profissionais.

Muitas companhias que mostram ganhos bons e consistentes sobre o patrimônio e


sobre o capital incremental tem aplicado, de fato, uma boa parte dos seus ganhos retidos em
negócios economicamente desinteressantes, ou mesmo desastrosos. Suas atividades
principais, ou ​core business​, no entanto, geram retornos tão maravilhosos ano após ano que
camuflam falhas de alocação de capital (que normalmente envolvem aquisições muito caras de
negócios com fundamentos medíocres). Os gestores culpados periodicamente reportam as
lições aprendidas com os eros. E então partem para mais aprendizados. (A vontade de
fracassar parece tomar conta da cabeça deles.)

Em casos assim, os acionistas estariam em uma situação muito melhor se os ganhos


fossem retidos apenas para expandir a atividade principal da empresa, com o restante sendo
distribuído como dividendos ou usado para a recompra de ações (uma atitude que aumenta a
participação do acionista em um negócio maravilhoso e, ao mesmo tempo, o livra de participar
de negócios ruins).

Gestores de empresas com altos retornos que empregam, sistematicamente, os ganhos


em ativos de baixo retorno devem ser responsabilizados por suas decisões,
independentemente de quão a lucrativa a empresa gerida seja.

Nada nesta discussão tem a intenção de advogar a favor de dividendos que caem todos
os trimestres na conta dos acionistas, abocanhando totalmente os ganhos e oportunidades de
investimento. Acionistas de empresas abertas preferem que os dividendos sejam constantes e
previsíveis, e isso é compreensível. Os pagamentos, portanto, devem refletir as expectativas de
longo prazo, tanto em relação aos ganhos como em relação ao retorno sobre o capital
incremental. Uma vez que que a visão de longo prazo da empresa mude pouco, assim também
deve ser com a política de dividendos. No entanto, ao longo do tempo, ganhos distribuíveis que
foram retidos pelos gestores devem ir para as mãos dos acionistas. Se os ganhos foram retidos
por falta de sabedoria, é provável que os gestores também tenham permanecido na empresa
por falta de sabedoria.

Vamos agora voltar nossa atenção para a Berkshire Hathaway e examinar como
aplicamos esses princípios de dividendos. Historicamente, a Berkshire tem ganho um valor de
mercado muito maior do que seus ganhos retidos, criando assim mais de um dólar em valor de
mercado para cada dólar retido. Nesse sentido, qualquer distribuição de ganhos teria ido na
contramão dos interesses financeiros dos acionistas, grandes ou pequenos.

A bem da verdade, distribuições significativas no início da empresa teriam sido


desastrosas, como uma revisão de nossa posição inicial pode mostrar. Charlie e eu
controlávamos três empresas na época: Berkshire Hathaway Inc., Diversified Retailing
Company, Inc. (DRC) e a Blue Chip Stamps (todas agora unidas em uma única operação). A
Blue Chip pagava um dividendo pequeno, enquanto a Berkshire e a DRC não pagavam nada.
Se, no lugar disso, as empresas tivessem distribuído todos os ganhos, nós com certeza não
teríamos ganho algum - e talvez capital algum. As três empresas originalmente ganhavam
dinheiro com uma única fonte: (1) têxteis, com a Berkshire; (2) lojas de departamento, com a
DRC; e (3) cupons e cartões-fidelidade, com a Blue Chip. Essas fontes de receita (escolhidas a
dedo, vale notar, por vossos atuais presidente e vice-presidente do conselho) tinham,
respectivamente, (1) sobrevivido, mas ganhava muito pouco, (2) diminuído em tamanho e tido
vários prejuízos, e (3) encolhido o volume de vendas a 5% quando assumimos o controle.
(Quem disse que não dá pra perder todas?) Apenas com a aplicação dos fundos disponíveis
em negócios melhores é que pudemos superar esta situação terrível. (Tem sido como superar
uma juventude perdida). Claramente, a diversificação nos foi muito útil.

Nós temos a expectativa de continuar diversificando e, ao mesmo tempo, dando suporte


ao crescimento das operações atuais. No entanto, como já explicamos, os retornos advindos
disso certamente ficarão abaixo do nosso retorno histórico. Mas desde que os prospectos
indiquem a capacidade de gerar ao menos um dólar em valor de mercado para cada dólar
retido, nós continuaremos a reter todos os nossos ganhos. Se nossas estimativas começarem
a ficar abaixo disso no futuro, nós iremos distribuir todos os ganhos irrestritos que julgarmos
sermos incapazes de empregar com alta rentabilidade. Para fazer esse julgamento, iremos
olhar tanto para nosso histórico quanto para nossos prospectos. Como nossos resultados
ano-a-ano são voláteis, acreditamos ser melhor utilizar uma janela temporal de cinco anos para
a análise histórica do nosso desempenho.

Miscelânea

Aqui é a seção onde faço minha pequena propaganda de “Procuram-se empresas”


todos os anos. Em 1984, John Loomis, um de nossos acionistas mais alertas e sábios, sugeriu
uma empresa que atendia todos os nossos critérios. Nós imediatamente fomos atrás da ideia, e
apenas uma complicação do acaso impediu que o negócio fosse feito. Sendo assim, irei repetir
os mesmos termos da carta do ano passado:

Nós preferimos:
(1) Grandes compras (pelo menos U$ 5 milhões em ganhos, após impostos),
(2) Poder de geração de caixa consistente e já provado (projeções futuras e
turnarounds​ não chamam nossa atenção),
(3) Negócios que tenham bons retornos sobre o patrimônio líquido usando pouca ou
nenhuma dívida,
(4) Uma gestão que já esteja enraizada (nós não podemos fornecer pessoas),
(5) Negócios simples (se tiver muita tecnologia, não iremos entender),
(6) Um preço para negociação (não queremos perder o nosso tempo, nem de quem
quer nos vender, com conversas sobre uma transação que sequer tenha um
preço).

Nós não iremos nos envolver com negociações que não sejam amigáveis. Podemos
prometer total confidencialidade e uma resposta bem rápida - normalmente, em cinco minutos -
para dizer se temos interesse. Nós preferimos compras em dinheiro, mas iremos considerar a
emissão de ações se formos receber tanto valor intrínseco quanto iremos dar. Nós convidamos
potenciais vendedores a buscarem referências sobre nós com quem tivermos feito negócios no
passado. Para os negócios certos - e as pessoas certas - nós podemos prover um bom lar.

* * * * *

Um recorde de 97,2% de nossas ações participaram do nosso programa de doações em


1984. As contribuições angariadas com o programa somaram U$ 3.179.000, ajudando 1.519
instituições de caridade. Em nossa reunião anual, vocês poderão votar a respeito deste
programa - se querem que continuemos e com qual volume de doações. (Vale notar que não
conseguimos encontrar qualquer precedente de votação onde a gestão de uma empresa se
interessa pela opinião dos acionistas sobre políticas da própria empresa. Os gestores que
colocam a confiança no capitalismo parecem não ter pressa alguma em confiar nos verdadeiros
capitalistas: vocês).

Pedimos que os novos acionistas leiam a descrição do nosso programa


filantrópico nas páginas 60 e 61​. Se você deseja participar em programas futuros, nós
recomendamos fortemente que você se certifique que suas ações estejam registradas em seu
próprio nome, não no da corretora ou outra instituição. Ações que não se adequem a essa
exigência até 28 de setembro de 1984 não poderão participar do programa de 1984.

* * * * *

Nossa reunião anual acontecerá no dia 21 de maio de 1985, em Omaha, e eu espero


que vocês possam participar. Muitos encontros anuais costumam ser uma perda de tempo,
tanto para os gestores quanto para os acionistas. Algumas vezes isso acontece porque a
gestão se sente relutante em discutir assuntos substanciais ao negócio. Outras vezes, uma
sessão improdutiva acontece por conta de alguns acionistas que se empolgam mais com a
possibilidade de falar do que com os assuntos importante da empresa. O que deveria ser um
fórum para a discussão de negócios se transforma num fórum de teatralidades, catarse e
defesa de interesses próprios. (É algo tentador: pelo preço de uma ação, você pode dar sua
visão de mundo para uma audiência cativa.) Em tais circunstâncias, a qualidade do encontro
vai se deteriorando ano após ano até que as palhaçadas daqueles interessados apenas em si
mesmos desmotivam a participação daqueles interessados no negócio.
Os encontros da Berkshire são completamente diferentes. O número de acionistas
participantes vem crescendo a cada ano, e ainda não tivemos uma pergunta ensimesmada ou
um comentário egocêntrico. Ao invés disso, temos uma grande variedade de perguntas
pertinentes ao negócio. Como nosso encontro anual é a oportunidade que temos de
respondê-las, Charlie e eu ficamos feliz em fazê-lo, não importa quanto tempo leve. (Não
podemos, no entanto, responder a questões por escritas ou feitas pelo telefone em outros
momentos do ano; responder uma dúvida por vez para uma única pessoa é um mau uso do
tempo dos gestores em uma companhia com mais de três mil acionistas.) Os únicos assuntos
que não podem ser respondidos no encontro anual são aqueles cujo teor pode dar prejuízo à
nossa companhia. Nossas atividades com títulos públicos, como mencionado anteriormente,
seria um exemplo disso.

Nós sempre nos vangloriamos sobre a qualidade dos nossos acionistas. Venham ao
nosso encontro anual e vocês entenderão o motivo. Quem for de fora da cidade precisa passar
na Nebraska Furniture Mart. Se comprarem algo por lá, vocês irão economizar mais do que o
suficiente para pagar pela viagem e ainda irão gostar da experiência.

Warren E. Buffett
Presidente do Conselho
25 de fevereiro de 1985

Evento subsequente: em 18 de março, uma semana após uma cópia desta carta ir para
a gráfica, mas pouco antes de entrar em produção, nós decidimos comprar três milhões de
ações da Capital Cities Communications, Inc. a U$ 172,50 por ação. Nossa compra é
contingente com a aquisição da American Broadcasting Companies, Inc. pela Capital Cities, e
será fechada assim que aquela também for. No melhor dos casos, será ao final de 1985. Nossa
admiração pela gestão da Capital Cities, liderada por Tom Murphy e Dan Burke, foi expressa
muitas vezes em cartas passadas. De forma simples: são ímpares em habilidade e integridade.
Teremos mais a falar sobre essa aquisição na carta do ano que vem.
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1985.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Vocês devem se lembrar da mensagem incrivelmente otimista da carta do ano passado:


não tínhamos muito em mente, mas nossa experiência era a de que acabávamos tendo,
ocasionalmente, alguma ideia sobre o que fazer com nossos recursos. Essa estratégia
corporativa cuidadosamente trabalhada deu bons resultados em 1985. Seções neste relatório
irão discutir (a) nossa compra de posição majoritária na Capital Cities/ABC, (b) nossa aquisição
da Scott & Fetzer, (c) nossa entrada em uma grande posição na empresa de seguros Fireman’s
Fund, e (d) nossa venda de ações da General Foods.

Nosso ganho em patrimônio líquido durante o ano foi de U$ 613,6 milhões, ou um


aumento de 48,2%. Fez sentido a passagem do cometa Halley ter coincidido com esse ganho
percentual: eu nunca mais vou ver nenhum dos dois durante a minha vida. Nosso ganho em
valor patrimonial por ação nos últimos 21 anos (isto é, desde quando assumimos o controle)
tem sido de U$ 19,46 para U$ 1.643,71, ou 23,2% anuais, outro percentual que também não irá
se repetir.

Dois fatores fazem com que atingir essa taxa de ganho novamente se torne impossível
no futuro. Um dos fatores é de caráter transitório - o mercado acionário, hoje, oferece
pouquíssimas oportunidades de compra em comparação com o período de 1964-1984.
Atualmente, não conseguimos achar ativos que estejam muito descontados para comprar com
as somas originárias da nossa operação de seguros. O cenário atual é o inverso do que existia
uma década atrás, onde a única questão era escolher qual barganha era a mais vantajosa.

Essa mudança nos mercados também tem implicações negativas para o nosso portfólio.
Em nossa carta de 1974, eu disse o seguinte: “Nós consideramos que muitas de nossas
posições possuem um enorme potencial de ganho de valor nos próximos anos.” Agora, não
posso mais dizer o mesmo. É verdade que nossas empresas de seguros continuam a possuir
grandes posições em empresas com fundamentos econômicos excepcionais e com excelentes
gestões, assim como em 1974. Porém, como pode ser visto no mercado, essas características
já estão incorporadas aos preços de hoje, diferentemente do que acontecia em 1974. Os
valuations atuais indicam que nossas seguradoras não têm chance de ter ganhos na carteira
na mesma escala daqueles observados no passado.

O segundo fator negativo, que é ainda mais evidente, é o nosso tamanho. Nosso capital
acionário é hoje vinte vezes maior do que era há apenas dez anos. E uma regra escrita em
pedra em relação aos negócios é que o crescimento eventualmente diminui o impacto de
ótimos fundamentos. Basta olhar para os históricos de empresas de alto retorno quando elas
passaram a ter um capital maior que U$ 1 bilhão. Nenhuma delas conseguiu, após bater essa
marca, manter um retorno de 20% ou mais em uma janela de dez anos, mesmo reinvestindo
todos os seus ganhos (ou boa parte deles). Ao invés disso, para manter os altos retornos, tais
empresas tiveram que ou liberar boa parte de seu capital em forma de dividendos ou recomprar
suas próprias ações. Os acionistas teriam sido muito mais beneficiados caso todos os ganhos
pudessem ter sido investidos com os altos retornos de outrora. Mas as empresas simplesmente
não conseguiram encontrar oportunidades boas o suficiente para fazer isso acontecer.

Encaramos esse mesmo problema atualmente. No ano passado, disse a vocês que
precisaríamos lucrar U$ 3,9 bilhões em dez anos para ter um retorno anual de 15%. O valor
para os próximos dez anos, contados a partir de agora, passou para U$ 5,7 bilhões, um
aumento de 48%, que corresponde, matematicamente, ao nosso crescimento de patrimônio em
1985. (Eis um pouco de perspectiva: tirando as empresas petrolíferas, somente cerca de
quinze companhias americanas conseguiram ganhar mais de U$ 5,7 bilhões nos últimos dez
anos.)

Charlie Munger, meu sócio na gestão da Berkshire, e eu estamos razoavelmente


otimistas com a habilidade da Berkshire em conseguir retornos superiores àqueles da média
das companhias americanas, e vocês se beneficiarão da retenção de todos os nossos ganhos
na medida em que conseguirmos alocá-los com bons retornos. Nós temos alguns benefícios a
nosso favor: (1) nós não nos preocupamos com resultados trimestrais ou anuais, focando
apenas em ações que maximizem nosso valor a longo prazo; (2) podemos expandir nossos
negócios para quaisquer áreas que façam sentido - nosso escopo não se limita à história,
estrutura ou conceito; (3) nós amamos o nosso trabalho. Todos esses fatores ajudam. Mesmo
assim, iremos precisar de uma boa dose de sorte para conseguir nosso objetivo de 15% - muito
mais sorte do que foi preciso para atingir nosso atual retorno anualizado de 23,2%.

Precisamos mencionar mais um item na nossa equação de investimentos que pode


afetar os compradores recentes de nossas ações. Historicamente, as ações da Berkshire
sempre foram negociadas levemente abaixo do seu valor intrínseco. Com o preço em tal
patamar, os compradores podiam ter certeza (desde que esse desconto não aumentasse) de
que a experiência pessoal de investimento seria, pelo menos, igual a experiência financeira do
negócio. No entanto, esse desconto desapareceu e, ocasionalmente, um pequeno prêmio tem
prevalecido.

A eliminação do desconto significa que o valor de mercado da Berkshire cresceu ainda


mais rápido do que seu valor intrínseco (que, por si só, cresceu a ótimas taxas). Esse
movimento foi excelente para quem já possuía as ações, mas não foi tão bom assim para
aqueles que acabaram de comprá-las. Se a experiência financeira dos novos acionistas for
simplesmente a de igualar o valor da companhia, qualquer prêmio pago no mercado de ações
sobre o valor intrínseco deve ser mantido, não aumentado.

A gestão não consegue determinar os preços de mercado, embora possa, por meio de
suas políticas, encorajar um comportamento racional aos participantes de mercado. Minha
preferência pessoal, como vocês devem saber, é por um preço de mercado que se aproxime
ao máximo do valor real da empresa. Quando isso ocorre, todos os acionistas prosperam
precisamente de acordo com o crescimento da companhia durante o período. Grandes
variações, para cima e para baixo, nos preços, em geral, não alteram os ganhos finais aos
acionistas; no fim das contas, os ganhos dos acionistas devem ser proporcionais aos ganhos
da empresa. Mas longos períodos de subprecificação e/ou sobreprecificação fazem com que os
ganhos sejam injustamente distribuídos entre os vários acionistas, com um resultado altamente
dependente do quão sortudos, astutos ou insensatos eles forem.

No longo prazo, a relação entre preço e valor da Berkshire tem sido a mais consistente
entre as empresas de capital aberto que conheço. E isso se deve a vocês. Como vocês têm
sido racionais, interessados e orientados a um pensamento de investidor, o preço da ação da
Berkshire tem quase sempre feito sentido. Esse resultado inusitado tem sido alcançado por um
também inusitado grupo de acionistas: virtualmente todos os nossos acionistas são indivíduos,
não instituições. Nenhuma outra companhia de capital aberto do nosso tamanho pode dizer o
mesmo.

Vocês podem pensar que as instituições, com suas equipes de profissionais com
experiência e muito bem pagos, seriam uma força de estabilidade e razão nos mercados
financeiros. Não são: ações compradas ou constantemente monitoradas por instituições têm,
com frequência, sido as mais mal precificadas.

Ben Graham contou uma história há quarenta anos que ilustra o porquê dos
investidores profissionais se comportarem dessa forma: um magnata do petróleo, indo para sua
casa celestial, encontrou com São Pedro no céu, que lhe trouxe más notícias. “Você está
qualificado o suficiente para morar aqui”, disse São Pedro, “mas, como pode ver, o setor
reservado para petroleiros está lotado. Não consigo te encaixar lá.” Depois de pensar por um
momento, o magnata perguntou se poderia dizer apenas quatro palavras aos ocupantes. Tal
pedido pareceu inofensivo a São Pedro, então o magnata colocou as mãos em formato de
concha na boca e gritou “Petróleo encontrado no inferno!” Rapidamente, o portão daquele setor
se abriu e todos os petroleiros saíram em direção aos andares inferiores. Impressionado, São
Pedro convidou o magnata a entrar e se sentir em casa. O magnata hesitou. “Não”, ele disse,
“acho que vou junto com o pessoal. Vai que, no fim das contas, tem algum fundo de verdade
nesse rumor.”

Fontes dos ganhos reportados

A tabela a seguir mostra as principais fontes dos ganhos reportados pela Berkshire. Tais
números, junto com números mais detalhados de cada segmento, são onde eu e Charlie nos
focamos. Nós não achamos que os valores consolidados ajudem na gestão ou avaliação da
Berkshire e, com efeito, nunca os usamos internamente.
Informações divididas por setores são essenciais para os investidores que querem
saber o que está acontecendo em um negócio que opera em múltiplas frentes. Gestores
corporativos sempre insistem em olhar para essas informações antes de tomar decisões sobre
alguma aquisição mas, até poucos anos atrás, raramente as disponibilizavam para investidores
que precisam, também, tomar decisões de aquisição e alocação próprias. Ao invés disso,
quando os acionistas que desejavam entender as realidades econômicas de suas empresas
pediam por mais dados, os gestores normalmente respondiam com a velha história de “não
podemos dizer o que está acontecendo para proteger os interesses da companhia.” Por fim, a
SEC1 determinou que os dados setoriais fossem disponibilizados, e os gestores passaram a
dar respostas de verdade. Essa mudança de comportamento traz em mente um discernimento
de Al Capone: “Você pode ir muito mais longe com uma palavra gentil e uma arma do que
apenas com uma palavra gentil.”

Na tabela, a amortização do ​goodwill não é feita contra um negócio em específicos mas,


por razões descritas no apêndice da minha carta de 1983, é reportado como um item em
separado. (Um compêndio das cartas de 1977-1984 está disponível para quem desejar.) ​Nas
seções de Dados por Segmento e Discussão da Gestão nas páginas 39-41 e 49-55,
respectivamente, informações adicionais sobre os nossos negócios são
disponibilizados, incluindo valores de ​goodwill para cada segmento. Eu peço que vocês
leiam tais seções e também a carta de Charlie Munger aos acionistas da Wesco, que
começa na página 56.

1
Securities and Exchange Commission, órgão regulador do mercado financeiro americano.
Nossos resultados de 1985 incluem ganhos incomuns com a venda de títulos e ações.
Tal fato, por si só, não significa que tivemos um bom ano (embora isso tenha acontecido).
Lucros assim em um dado ano são muito similares à cerimônia de formatura da faculdade,
onde o conhecimento adquirido por quatro anos ganha seu reconhecimento em um dia que
nada mais é aprendido. Podemos segurar uma ação por uma década ou mais, e durante esse
período ela pode ter ganhos consistentes com os valores intrínseco e de mercado. No ano em
que finalmente vendermos, podemos não ter aumento no valor da companhia (ou pode até ser
que ele tenha diminuído). Mas todo o crescimento acumulado ao longo dos anos desde a
compra serão refletidos nos ganhos contábeis no ano da venda. (No entanto, se a ação estiver
na conta de algumas de nossas subsidiárias de seguros, qualquer ganho ou perda de valor de
mercado será refletido em nosso patrimônio líquido anual.) Dessa forma, ganhos ou perdas de
capital reportados em um ano são insignificantes como métricas de quão bem foi nosso
desempenho naquele mesmo ano.

Uma grande parte do ganho realizado em 1985 (U$ 338 milhões antes de impostos, de
um total de U$ 488 milhões) veio da venda das ações da General Foods. Nós tínhamos a maior
parte destas ações desde 1980, quando as compramos por um preço que julgamos ser muito
abaixo de seu valor intríseco. Ano após ano, os esforços de gestão de Jim Ferguson e Phil
Smith substancialmente aumentaram o valor da General Foods e, no último outono, Philip
Morris fez uma oferta pela empresa que refletia esse aumento.

Dessa maneira, nós nos beneficiamos de quatro fatores: um ótimo preço de entrada, um
negócio com ótimos fundamentos econômicos, uma gestão capacitada e focada nos interesses
dos acionistas, e um comprador disposto a pagar o preço cheio pelo valor da companhia.
Enquanto que o último fator é o que realmente gera os ganhos reportados, nós consideramos
os três primeiros como cruciais na criação de valor para os acionistas da Berkshire. Ao
selecionar ações, voltamos nossa atenção para compras atrativas, não para a possibilidade de
vendas atrativas.

Novamente, reportamos também rendas substanciais vindas de distribuições especiais,


esse ano pelo Washington Post e pela General Foods. (As transações da General Foods
obviamente ocorreram bem antes da oferta de Philip Morris.) Distribuições desse tipo ocorrem
quando vendemos parte de nossas ações para a própria empresa enquanto ela,
simultaneamente, compra ações de outros acionistas. O número de ações que vendemos é
definido por contrato, de forma a manter exatamente o mesmo percentual de participação que
tínhamos antes da venda acontecer. Tal transação é vista pela receita federal como o
recebimento de dividendos, uma vez que, como acionistas, recebemos uma quantia em
dinheiro sem alterar o nosso percentual de participação na companhia. Esse tipo de
abordagem fiscal é benéfica a nós porque a cobrança a corporações, diferentemente da
pessoa física, tem taxas muito menores sobre os dividendos do que as taxas sobre ganhos de
capital de longo prazo. (Essa diferença vai ser ampliada ainda mais se o projeto fiscal aprovado
na Câmara vire lei: os ganhos capitais realizados por corporações serão taxados na mesma
proporção que a renda é.) No entanto, as regras contábeis não são claras a respeito de como
isso deve ser tratado sob o ponto de vista do acionista. Para ficar de acordo com o relatório do
ano passado, mostramos, neste relatório, tais transações como ganhos de capital.

Embora nós não tenhamos ativamente ido atrás dessas transações, concordamos em
participar delas nas ocasiões em que os gestores deram a ideia. Em todas as vezes, sentimos
que os acionistas que não venderam (e todos eles tiveram a mesma oportunidade de vender
pelo mesmo preço ofertado a nós) se beneficiaram disso, uma vez que as companhias fizeram
as recompras a preços menores do que o valor intrínseco. As vantagens fiscais que recebemos
e a vontade de cooperar com gestores que trazem valor ao acionista nos levam, algumas
vezes, a vender ações - mas somente com a condição de que a nossa participação percentual
permaneça a mesma.

Neste ponto, levamos a discussão para alguns de nossos maiores negócios. Antes de
fazer isso, no entanto, devemos primeiro olhar para um erro cometido em um de nossos
negócios de menor tamanho. Nosso vice-presidente, Charlie Munger, sempre enfatizou o
estudo de erros ao invés de acertos, tanto nos negócios quanto em outros aspectos da vida. E
ele o faz com a mesma intenção do homem que disse: “Eu só quero saber onde irei morrer, de
forma a nunca ir até lá.” Vocês verão imediatamente o motivo de sermos um bom time: Charlie
gosta de estudar os erros, e eu tenho gerado muito material pra ele, especialmente com os
nossos negócios têxteis e de seguros.

Encerramento do ramo têxtil

Em julho, decidimos encerrar nossa operação têxtil e, ao fim do ano, essa tarefa
desagradável tinha sido praticamente completada. A história desse setor é instrutiva.

Quando a Buffett Partnership, Ltd., um clube de investimento em que eu era o maior


participante, comprou o controle da Berkshire Hathaway há 21 anos, a empresa tinha um
patrimônio líquido contábil de U$ 22 milhões, inteiramente voltado ao ramo têxtil. O valor
intrínseco da companhia era, no entanto, bem menor porque os ativos têxteis não conseguiam
produzir retornos proporcionais a seus valores contábeis. De fato, durante os nove anos
anteriores (período no qual a Berkshire e a Hathaway operaram como uma empresa só), as
vendas totais de U$ 530 milhões produziram um prejuízo total de U$ 10 milhões. Lucros eram
reportados de vez em quando, mas o quadro geral era um passo para frente, dois passos para
trás.

Quando compramos a companhia, as fábricas do sul - em boa parte não sindicalizadas -


eram vistas como possuidoras de uma importante vantagem competitiva. A maior parte das
operações têxteis no norte havia fechado, e muitas pessoas acharam que iríamos liquidar
nosso negócio também.

Sentimos, no entanto, que a empresa iria ser muito melhor administrada por um
funcionário de longa data, o qual imediatamente elegemos como presidente: Ken Chace. Nesse
aspecto, acertamos 100%: Ken e seu recente sucessor, Garry Morrison, foram excelentes
gestores, tão bons quanto nossos gestores de empresas mais lucrativas.

No início de 1967, o caixa gerado pela nossa operação têxtil foi usado para abrir nossa
primeira posição em seguros com a compra da National Indemnity Company. Parte do dinheiro
veio dos ganhos, parte veio da redução de investimentos em estoques têxteis, recebíveis e
ativos imobilizados. Esse refreio se mostrou sábio: embora tenha melhorado muito sob a
gestão de Ken, o negócio têxtil nunca se mostrou muito lucrativo, nem mesmo em movimentos
de alta nos ciclos.

Continuamos o processo de diversificação na Berkshire e, gradualmente, o efeito


depressivo das operações têxteis em nossos retornos começou a diminuir, dado que o ramo
passou a progressivamente ocupar uma porção menor de nossa carteira. Nós permanecemos
no negócio pelos motivos descritos na carta de 1978 (e resumido em outros momentos): “(1)
nossas operações têxteis são importantes empregadoras nas comunidades em que estão
inseridas, (2) a gestão tem sido direta na comunicação de problemas e enérgica para buscar
soluções, (3) a mão-de-obra tem cooperado conosco e sido compreensível ao lidar com os
problemas, e (4) o negócio ainda deve produzir retornos modestos em relação ao
investimento.” E eu ainda disse que “enquanto essas condições permanecerem - e acreditamos
que elas irão - nós planejamos manter o suporte ao nosso setor têxtil, mesmo com usos mais
atrativos para nosso capital.”

No fim das contas, eu estava muito errado a respeito do item (4). Embora 1979 tenha
produzido lucros moderados, o negócio passou a queimar caixa desde então. No meio de
1985, ficou claro, até para mim, que esse cenário iria continuar acontecendo. Se tivéssemos
encontrado um comprador disposto a continuar com as operações, certamente teríamos
vendido ao invés de liquidar a empresa, mesmo se isso significasse receber um pouco menos.
Mas os fundamentos que finalmente se tornaram óbvios para mim também já eram óbvios aos
outros, de forma que o interesse pela compra foi zero.

Eu não irei fechar um negócio de lucratividade mais baixa meramente para adicionar
uma fração de um ponto percentual ao nosso retorno anual. No entanto, também acho
inapropriado que mesmo uma empresa excepcionalmente lucrativa continue a financiar uma
operação com prejuízos sem fim. Adam Smith discordaria da minha primeira proposição e Karl
Marx discordaria da segunda; o caminho do meio é a única alternativa que me deixa
confortável.

Eu preciso ressaltar que Ken e Garry foram engenhosos, enérgicos e criativos ao tentar
fazer nossa operação têxtil ter sucesso. Para tentar atingir lucros sustentáveis, ele
retrabalharam as linhas de produtos, configurações das máquinas e formas de distribuição. Nós
também fizemos uma grande aquisição, Waumbec MIlls, com a expectativa de ganhos de
sinergia (um termo amplamente usado em negócios para explicar uma aquisição que, de outra
forma, não faria sentido). Mas no fim das contas nada funcionou, e a culpa é minha por não ter
encerrado a operação antes. Um recente artigo na Business Week afirmou que 250 fábricas
têxteis fecharam desde 1980. Os donos dessas fábricas não estavam a par de alguma
informação que eu não soubesse; eles simplesmente encararam o cenário de forma mais
objetiva. Eu ignorei o conselho de Auguste Comte2 - “O intelecto deve ser um servo do coração,
mas não seu escravo” - e escolhi acreditar no que me era mais conveniente.

2
Filósofo francês responsável pela criação da doutrina positivista.
A indústria têxtil doméstica opera em um ramo de ​commodity​, competindo com um
mercado mundial onde um substancial excesso de capacidade existe. Boa parte dos problemas
que tivemos podem ser atribuídos, direta e indiretamente, à competição de países estrangeiros,
cujos trabalhadores recebem apenas uma pequena fração do salário mínimo americano. Mas
isso não significa, de forma alguma, que nossa mão-de-obra é a culpada por nosso
fechamento. Na verdade, em comparação com trabalhadores americanos em geral, nossa
mão-de-obra recebia menos do que a média (e isso era observado em todo o setor têxtil, não
apenas em nossa empresa). Nas negociações de contrato com os sindicatos, os líderes e
membros sindicais foram sensíveis a respeito da nossa posição de custo desvantajosa e não
pressionaram por aumentos irreais nos salários ou por práticas de trabalho improdutivas. Pelo
contrário, eles tentaram tanto quanto nós para nos mantermos competitivos. Mesmo durante
nosso processo de liquidação, eles foram excepcionais. (Ironicamente, teríamos tido um
resultado financeiro melhor se o sindicato tivesse tido um comportamento irracional alguns
anos atrás; se isso tivesse ocorrido, teríamos reconhecido o futuro impossível diante de nós,
encerrado a operação e evitado significativas perdas.)

Ao longo dos anos, tivemos a opção de fazer grandes gastos de capital na nossa
operação têxtil que teria nos permitido reduzir um pouco os custos variáveis. Cada proposta
nesse sentido parecia ser certeira. Medidas pelo bom e velho retorno sobre o patrimônio, essas
propostas pareciam mais promissoras do que os gastos equivalentes em nossos ramos
altamente lucrativos de chocolate e jornal.

Mas os benefícios prometidos desses investimentos têxteis eram ilusórios. Muitos de


nossos competidores, domésticos e estrangeiros, também estavam se esbarrando nos mesmos
gastos, e uma vez que as medidas de redução fossem adotadas pela maioria das empresas, a
base de preço também seria reduzida em todo o setor. Vistas de maneira individual, cada
decisão de alocação de capital das empresas pareciam racionais e com um bom
custo-benefício; vistas de maneira coletiva, as decisões se anulavam e se tornavam irracionais
(o mesmo acontece quando todas as pessoas em um show decidem que podem ver melhor se
ficarem nas pontas dos pés). Após cada rodada de investimento, todos os participantes tinham
mais dinheiro em jogo, mas os retornos continuavam anêmicos.

Dessa forma, tivemos que encarar uma escolha terrível: grandes investimentos de
capital teriam ajudado a manter nosso setor têxtil vivo, mas resultariam em péssimos retornos
sobre um patrimônio cada vez maior. E, mesmo assim, as empresas estrangeiras ainda teriam
uma ampla e contínua vantagem em relação aos custos com mão-de-obra. Por outro lado, se
escolhêssemos não fazer novos investimentos, isso nos deixaria cada vez menos competitivos,
mesmo quando comparados aos fabricantes domésticos. Num cenário assim, me vi em uma
posição descrita por Woody Allen em um de seus filmes: “Mais do que nunca, a humanidade se
encontra em uma encruzilhada. Um caminho leva ao desespero e completa desesperança; o
outro, à extinção. Rezemos para ter a sabedoria de fazer a escolha certa.”
Para entender como o dilema de “investir ou não investir” funciona em um negócio de
commodity​, é instrutivo olhar para a Burlington Industries, de longe a maior companhia têxtil
dos EUA há 21 anos. Em 1964, Burlington tinha um total de vendas de U$ 1,2 bilhão, contra
nossos U$ 50 milhões. Ela tinha vantagens na distribuição e produção que apenas
sonhávamos em um dia alcançar e, também, tinha um histórico de ganhos muito superior ao
nosso. As suas ações eram negociadas a U$ 60 ao fim de 1964; as nossas, a U$ 13.

Burlington tomou a decisão de permanecer no setor têxtil e, ao final de 1985, teve um


volume total de vendas de U$ 2,8 bilhões. Durante o período de 1964-1985, a empresa realizou
gastos de cerca de U$ 3 bilhões, mais de U$ 200 por ação em relação ao preço de U$ 60,
investimento muito maior do que qualquer outra companhia têxtil americana. Uma boa parte
desses gastos, tenho certeza, foi voltada para a melhoria de custos e expansão da operação.
Dado o comprometimento da Burlington em se manter no setor têxtil, eu também irei supor que
todas as decisões de capital da empresa foram completamente racionais.

Mesmo assim, a Burlington perdeu vendas em volume real de dólares e passou a ter
retornos muito mais baixos sobre o patrimônio do que tinha há vinte anos. Com um ​split 2-pra-1
em 1965, as ações são agora negociadas por U$ 34 -- de forma ajustada, está apenas um
pouco acima do preço de U$ 60 em 1964. Enquanto isso, o índice de inflação mais do que
triplicou. Assim, cada ação agora oferece cerca de um terço do poder de compra que tinha ao
final de 1964. Dividendos também foram pagos no período, mas eles também perderam muito
o seu poder de compra.

Esse resultado devastador aos acionistas indica o que pode acontecer quando muita
capacidade intelectual e energia são aplicados a uma premissa errada. Essa situação me
lembra do cavalo de Samuel Johnson3: “Um cavalo que pode contar até dez é um cavalo
notável - não um matemático notável.” De forma análoga, uma companhia têxtil que aloca
capital de forma brilhante no setor é uma companhia têxtil notável - não um negócio notável.

Minha conclusão, tirada de minhas próprias experiências, é que um bom histórico


gerencial (medido por retornos econômicos) tem muito mais relação com qual “barco” de
negócios você entra do que o quão bem você consegue remar (embora inteligência e esforço
ajudem de forma considerável, claro, em qualquer negócio, bom ou ruim). Alguns anos atrás,
escrevi: “Quando uma gestão de reputação brilhante decide enfrentar um negócio com
reputação de ter fundamentos ruins, normalmente é a reputação do negócio que se mantém
intacta.” Nada desde então mudou meu ponto de vista sobre isso. Se você se ver em um barco
que está afundando, dedicar energia para trocar de barco provavelmente será mais produtivo
do que tentar consertar os vazamentos.

* * *

3
Escritor inglês do século XVIII.
Há um adendo à nossa saga têxtil. Alguns investidores colocam um peso muito grande
no valor patrimonial ao decidir qual ação comprar (e eu também já fiz isso no início). E alguns
economistas e acadêmicos acreditam que os valores de reposição4 possuem considerável
importância no cálculo do preço justo do mercado como um todo. Quem segue essas duas
linhas de raciocínio teria tido uma verdadeira aula durante o leilão que fizemos no início de
1986 para vender nossos maquinários.

O equipamento vendido (incluindo alguns que já tinham sido adquiridos alguns meses
antes do leilão) ocupava uma área próxima de setenta mil metros quadrados em New Bedford
e estava em claras condições de uso. Ele nos custou cerca de U$ 13 milhões, incluindo U$ 2
milhões gastos entre 1980-84, e tinham um valor patrimonial atualizado de U$ 866 mil (após
uma acelerada depreciação). Embora nenhum gestor em sã consciência faria isso, o
equipamento poderia ser substituído por novas máquinas por, talvez, U$ 30-50 milhões.

A receita bruta que tivemos com a venda desse equipamento foi de U$ 163.122.
Ajustando os custos de pré e pós-venda, nosso resultado líquido ficou abaixo de zero. Teares
relativamente modernos que compramos por U$ 5 mil cada em 1981 não foram vendidos nem
por U$ 50. Nós os vendemos como sucata a U$ 26 cada, um valor menor do que os custos de
remoção.

Pondere o seguinte: o ​goodwill econômico atribuível a duas rotas de entrega de jornal


em Buffalo - ou a uma única loja de doces da See’s - é consideravelmente maior do que o valor
que recebemos por essa ampla coleção de ativos tangíveis que, até pouco tempo atrás, em
outras condições competitivas, empregavam mais de mil pessoas.

Três negócios muito bons (e alguns pitacos sobre compensação por


incentivo)

Quando tinha 12 anos, morei com meu avô por cerca de quatro meses. Ele era
comerciante, e na época estava escrevendo um livro. Todas as noites ele ditava algumas
páginas para mim. O título - se preparem - era “Como Tocar uma Mercearia e Algumas Coisas
que Aprendi Sobre Pescaria”. Meu avô tinha certeza que havia amplo interesse nesses dois
assuntos universais, e que o mundo aguardava ansiosamente por sua visão sobre eles. Você
pode concluir pelo título desta seção e seu conteúdo que fui muito influenciado pelo estilo
literário de vovô (e personalidade também).

Estou juntando aqui a discussão sobre o Nebraska Furniture Mart, See’s e Buffalo
Evening News porque as vantagens, desvantagens e prospectos econômicos dessas empresas
mudaram muito pouco desde o relatório do ano passado. Uma discussão breve, no entanto,
não significa de maneira alguma que estamos minimizando a importância desses negócios: em

4
Custo relacionado com o custo de substituição de um determinado ativo em um dado momento.
1985, eles foram responsáveis por ganhos de U$ 72 milhões (antes de impostos). Quinze anos
atrás, antes de nossas aquisições, eles tinham ganhos somados de U$ 8 milhões, também
antes de impostos.

Embora um aumento de U$ 8 milhões para U$ 72 milhões pareça incrível - e


normalmente é - você não deve automaticamente enxergar as coisas assim. Primeiro você
deve se certificar que os ganhos do ano-base não sofreram uma queda não-recorrente. Se, no
lugar disso, eles foram substanciais em relação ao capital empregado, uma pergunta ainda
mais importante deve ser feita: quanto de capital adicional foi necessário para produzir os
ganhos adicionais?

Em ambos os aspectos, as três empresas anteriores se saem bem. Primeiro, os ganhos


de 15 anos atrás eram excelentes quando comparados ao capital empregado nos negócios.
Segundo, embora os ganhos anuais sejam agora U$ 64 milhões maiores, apenas U$ 40
milhões a mais de capital foi necessário para produzir tal resultado.

Esse crescimento incrível no poder de ganho dessas três companhias, seguido pela
necessidade de pouco capital adicional, ilustra muito bem o poder do ​goodwill econômico
durante um período inflacionário (um fenômeno explicado em detalhes na carta de 1983). As
características financeiras desses negócios nos permitiu usar uma boa parte dos seus ganhos
em outros lugares. Outras companhias americanas, no entanto, tiveram uma experiência
diferente: para aumentar os ganhos de forma significativa, a maioria das empresas também
teve que aumentar, de forma significativa, o capital empregado. Em média, as companhias
usaram U$ 5 adicionais de capital para geral U$ 1 adicional de ganhos (antes de impostos).
Isso significa que uma empresa assim precisaria de mais de U$ 300 milhões em capital
adicional dos acionistas para conseguir um desempenho de ganhos igual ao do nosso grupo de
três companhias.

Quando os retornos sobre o patrimônio líquido são comuns, um recorde de “ganhe mais
colocando mais” não tem nenhuma grandiosidade gerencial. Você pode conseguir os mesmos
resultados por conta própria no conforto de sua cadeira. Quadruplique o capital que você
coloca em uma conta-poupança e seus ganhos também irão quadruplicar. Mas dificilmente
você iria esperar que as trombetas do céu toquem por conta desse resultado. Mesmo assim, é
frequente que glórias sejam dadas a aposentadorias de CEOs que, digamos, tenham
quadruplicado os ganhos das empresas durante suas gestões - e ninguém checa se esse
resultado foi atribuível a muitos anos de ganhos retidos e o trabalho dos juros compostos.

Se a empresa consistentemente teve um retorno sobre capital superior no período, e se


o capital empregado apenas dobrou durante a gestão do CEO, então ele realmente merece os
louros. Mas se o retorno não teve brilho algum e o capital empregado cresceu no mesmo ritmo
dos ganhos, os aplausos não são merecidos. Uma conta-poupança cujos juros fossem
reinvestidos teria um mesmo aumento nos ganhos anualmente - e a uma taxa de apenas 8%,
quadruplicaria os ganhos em 18 anos.
O poder dessa matemática simples é rotineiramente ignorada pelas empresas em
detrimento aos seus acionistas. Muitos planos de compensação das corporações
recompensam de forma grandiosa seus gestores por resultados que foram produzidos
unicamente, ou em grande parte, pela retenção de ganhos - i.e., ganhos que não foram para as
mãos dos acionistas. Por exemplo, opções a preços fixos de dez anos são comumente dadas a
gestores de empresas cujos dividendos representam apenas um pequeno percentual dos
ganhos.

Um exemplo irá ilustrar as desigualdades possíveis em tais circunstâncias. Vamos


supor que você tivesse U$ 100 mil em uma poupança com juros a 8%, “administrada” por uma
pessoa de confiança que decidiria, a cada ano, qual porção de rendimento dos juros você
receberia em dinheiro. O que não fosse pago em dinheiro seria considerado como “ganho
retido” e adicionado à poupança novamente. E vamos supor que essa pessoa de confiança, em
toda a sua sabedoria, definisse que a taxa de ​payout seria de 25% sobre os rendimentos do
ano.

Em uma situação assim, sua conta valeria U$ 179.084 ao final de dez anos.
Adicionalmente, seus ganhos anuais teriam aumentado em 70% sob essa gestão inspiradora,
saindo de U$ 8 mil anuais para U$ 13.515. E, finalmente, seus “dividendos” teriam aumentado
de forma significativa, de U$ 2 mil, no primeiro ano, para U$ 3.378, no décimo ano. Todos os
anos, quando o setor de relações públicas do gestor fosse preparar o relatório anual para você,
todos os gráficos iriam ter linhas subindo em direção ao céu.

Agora, só por diversão, vamos forçar um pouco a barra e dar para a sua pessoa de
confiança/gestor uma opção de preço fixo de dez anos de parte de seu “negócio” (i.e., sua
conta-poupança) tomando por base o valor justo dela no primeiro ano. Com essa opção, o
gestor colheria um lucro substancial à suas custas - simplesmente segurando a maior parte dos
seus ganhos. Se ele fosse tão maquiavélico quanto bom de matemática, ele teria ainda
reduzido a taxa de ​payout​ quando estivesse bem arraigado e confortável em sua posição.

Esse cenário não é tão distante quanto você imagina. Muitas opções de ações no
mundo corporativo têm funcionado exatamente dessa maneira: elas tiveram ganhos de valor
simplesmente porque a gestão reteve os ganhos, não porque o capital foi bem administrado.

Os gestores normalmente aplicam “dois pesos, duas medidas” para as opções.


Deixando de lado os mandados (que entregam à empresa emissora uma compensação
imediata e substancial), eu acredito ser factível dizer que em nenhum lugar do mundo dos
negócios as opções de preço fixo de dez anos são oferecidas a estranhos. Mesmo as opções
com vencimento em dez meses não o são. Seria particularmente impensável aos gestores
conceder uma opção de longo prazo de um negócio que regularmente aumenta seu capital.
Qualquer “intruso” que quisesse garantir uma opção assim teria que pagar integralmente pelo
capital adicionado durante o período de duração da opção.
A falta de vontade dos gestores com pessoas de fora da empresa só não é maior do
que a falta de vontade com eles mesmos. (Negociar consigo mesmo raramente ocasiona uma
briga de bar.) Os gestores regularmente projetam opções de preço fixo de dez anos para eles
próprios e seus associados que, em primeiro lugar, ignoram completamente o fato de que os
ganhos retidos automaticamente criam valor e, em segundo lugar, ignoram os custos de
carrego de capital. Como resultado, tais gestores acabam lucrando tanto quanto eles fariam
caso tivessem opções sobre a conta-poupança que vai aumentando de valor ao longo do
tempo.

É claro que a maioria das opções costumam ir para gestores de valor e talentosos, e as
recompensas dadas a eles são perfeitamente adequadas. (Na verdade, os gestores que são
realmente excepcionais quase sempre ganham menos bônus do que deveriam.) Mas na maior
parte das vezes, quando o resultado é bom, é um acidente. Uma vez concedida, a opção é
cega ao desempenho individual. Como é irrevogável e incondicional (desde que o gestor
permaneça na empresa), o gestor preguiçoso recebe o mesmo prêmio por suas opções que o
gestor estelar. Um gestor do tipo Rip Van Winkle5, pronto para dormir por dez anos, não
poderia ter um melhor sistema de “incentivo”.

(Não posso deixar de comentar sobre uma opção de longo prazo dada para um
“intruso”: aquela concedida ao governo americano sobre ações da Chrysler, dada como parte
de garantia de alguns empréstimos que salvaram a empresa. Quando as opções começaram a
ser exercidas pelo governo, a Chrysler buscou modificar o pagamento, argumentando que o
retorno que o governo estava tendo era muito maior do que deveria ser, sendo desproporcional
à contribuição que os empréstimos tiveram na recuperação da companhia. A angústia da
Chrysler sobre o que ela via como injusto se transformou em notícia a nível nacional. E essa
angústia talvez seja única: até onde sei, nenhum gestor, em nenhuma empresa, ficou ofendido
com pagamentos vindos de opções dadas a eles mesmos e a seus pares.)

Ironicamente, a retórica sobre opções frequentemente as descreve como desejáveis,


uma vez que colocam os gestores e acionistas no mesmo barco. Na realidade, os barcos são
bem diferentes. Nenhum acionista consegue escapar do fardo do custo de capital, enquanto
que um detentor de uma opção com preço fixo não tem custo de capital algum. Um acionista
tem que ponderar o potencial de ganho com o risco de perda; já um detentor de opções não
tem risco de perda. Pra ser sincero, um projeto que você gostaria de ter opções é, com
frequência, aquele que você rejeitaria ser sócio. (Ficaria contente em receber um bilhete de
loteria como presente - mas nunca compraria um por conta própria.)

Na política de dividendos, os detentores de opções podem ter seus interesses


favorecidos em detrimento aos acionistas. Pense de novo no exemplo da conta-poupança. A

5
Livro escrito pelo americano Washington Irving; conta a história de um colono chamado Rip Van Winkle,
que dormiu nas montanhas Catskill por vinte anos e perdeu o período da revolução americana.
pessoa de confiança, com sua opção em mãos, se beneficiaria com uma política de não
distribuir dividendos. De forma contrária, o detentor da conta em si deveria sempre optar por
uma política de pagamento total dividendos, evitando que o “gestor” detentor da opção se
beneficiasse dos ganhos retidos na conta.

Apesar de suas deficiências, as opções podem ser apropriadas em algumas


circunstâncias. A minha crítica se restringe ao seu uso indiscriminado e, nesse sentido, gostaria
de enfatizar três pontos.

Primeiro, opções de ações estão inevitavelmente ligadas ao desempenho da empresa.


Logicamente, portanto, elas deveriam ser dadas apenas àqueles gestores com grandes
responsabilidades. Gestores de sub-áreas dentro da empresa devem ter um pagamento de
incentivos que seja proporcional aos resultados que estão sob seu controle. Um excelente
rebatedor6 espera, e merece, ter uma grande recompensa por seu desempenho - mesmo que
ele jogue para um time medíocre. E um rebatedor ruim não merece recompensa alguma -
mesmo que ele jogue para o time líder do campeonato. Apenas aqueles cujas
responsabilidades dizem respeito a todo time devem ter suas recompensas atreladas ao
resultado deste.

Segundo, opções devem ser estruturadas de forma cuidadosa. Tirando fatores


especiais, elas devem ser oferecidas com um fator de retenção de ganhos ou custo de carrego.
Tão importante quanto isso, elas devem ser precificadas de forma realista. Quando os gestores
recebem ofertas por suas empresas, eles logo apontam o quanto os preços de mercado podem
ser irrealistas quando tomados como uma referência ao valor real da companhia. Por que,
então, esses mesmos preços depreciados são usados por esses mesmos gestores ao vender
partes da empresa para eles mesmos? (Eles podem ir além: oficiais e gestores costumam
consultar o código tributário para determinar o menor preço que eles podem vender parte da
empresa para quem é ​insider7. E enquanto fazem isso, eles ainda tomam decisões que
acarretam os piores resultados fiscais possíveis para a empresa.) Exceto por casos muito
específicos, não é interessante ao acionista vender parte da companhia a preço de banana -
seja a venda feita para ​outsiders8 ou ​insiders.​ A conclusão óbvia é: as opções devem ser
precificadas de acordo com o valor intrínseco do negócio.

Terceiro, eu quero enfatizar que alguns gestores que admiro muito - e cujos resultados
operacionais são melhores do que os meus - discordam de mim a respeito das opções com
preço fixo. Eles construíram culturas corporativas que funcionam, e as opções com preço fixo
se mostraram ferramentas úteis para isso. Usando suas lideranças como exemplo, e usando as
opções como incentivos, tais gestores ensinaram seus colegas a pensarem como donos do
negócio. Uma cultura assim é rara de ser encontrada, e onde existe, deve ser deixada intocada
- mesmo com as ineficiências e desigualdades que podem infestá-la por conta das opções.

6
Rebatedor de ​baseball​.
7
Pessoa que faz parte e/ou trabalha na empresa, tendo acesso a informações privilegiadas.
8
Antônimo de ​insider​: pessoa que está “de fora” da empresa.
“Time que está ganhando não se mexe” é melhor do que “pureza a qualquer preço”.

Na Berkshire, no entanto, usamos um sistema de incentivos/compensações que


premiam os principais gestores pelo cumprimento de metas em seus círculos de competência.
Se a See’s vai bem, isso não gera uma compensação ou incentivo aos gestores do News - e
vice-versa. Nós também não olhamos para o preço da ação da Berkshire ao assinarmos os
cheques de bônus. Acreditamos que um bom desempenho deve ser recompensado sempre,
independentemente da ação da Berkshire subir, cair ou ficar de lado. De forma similar, nós
achamos que um desempenho apenas mediano não merece prêmios, mesmo se a ação da
empresa subir muito. “Performance”, por consequência, é definida de formas diferentes
dependendo dos fundamentos econômicos do negócio: em algumas delas, nossos gestores
aproveitam o os bons ventos (que não estão em seu controle); em outras, precisam enfrentar
tempestades inevitáveis.

As recompensas nesse sistema podem ser grandes. Em vários de nossos negócios, os


melhores gestores podem, às vezes, receber bônus de até cinco vezes os seus salários (ou
mais), e parece ser possível que o bônus de um gestor em específico ultrapasse U$ 2 milhões
em 1986. (Torçamos para que sim.) Nós não colocamos um limite nos bônus, e o potencial de
recompensa não segue uma hierarquia. O gestor de um negócio menor pode ganhar muito
mais que um gestor de um grande negócio caso os resultados indiquem que ele merece. Mais
ainda, também acreditamos que fatores como senioridade e idade não devem ter efeito no
programa de incentivos (embora eles possam, às vezes, ter influência na compensação
básica). Um excelente rebatedor de vinte anos de idade é tão valioso para nós quanto um de
quarenta.

Obviamente, todos os gestores da Berkshire podem usar o dinheiro de seus bônus (ou
outros fundos, incluindo dinheiro emprestado) para comprar nossas ações no mercado. Muitos
fazem exatamente isso - e alguns dele detém, agora, grandes posições em nossa empresa. Ao
aceitar os riscos e o custo de carrego das compras, tais gestores realmente vestem a camisa.

Vamos voltar agora - finalmente - para os nossos três negócios.

No Nebraska Furniture Mart (NFM), nossa força principal é uma operação com custo
excepcionalmente baixo, o que permite regularmente oferecer aos clientes os melhores preços
em móveis para casa. O NFM é a maior loja do segmento no país. Apesar dos resultados bem
ruins da economia rural em 1985, a nossa loja facilmente conseguiu alcançar um nosso recorde
de vendas. Também fico feliz em dizer que a presidente da NFM, Rose Blumkin (a lendária
“Sra. B”) continua, aos 92 anos, a ditar o ritmo da loja - que nenhum de nós consegue
acompanhar. Ela está lá negociando e fechando negócios sete dias por semana, e eu espero
que qualquer um que venha até Omaha visite o Mart e veja ela em ação. Você ficará inspirado
da mesma forma que eu fico.
Na See’s, continuamos a ter um volume de vendas por loja que está muito além
daqueles obtidos por qualquer competidor que conhecemos. Apesar da incrível satisfação da
clientela que temos, as tendências do setor não são boas e continuamos a ver uma redução
nas vendas ​same-store por quilo. Isso pressiona o custo do quilo em si. Estamos tentando
aumentar o preço de forma modesta, e a menos que consigamos estabilizar a taxa quilo/loja,
as margens de lucro irão diminuir.

No News, ganhos de volume também estão sendo difíceis de serem atingidos. Embora
a ​linage9 tenha aumentado em 1985, o ganho veio, em sua maior parte, de ​preprints10. ROP11
linage ​(propagandas impressas em nossas próprias páginas) diminuiu. Os ​preprints são bem
menos lucrativos do que os anúncios ROP, e também são mais vulneráveis à competição. Em
1985, o News continuou com um bom controle de custos, e nossa penetração em domicílios
permanece sendo excepcional.

Um problema que essas três empresas não têm é com a gestão. Na See’s, temos
Chuck Huggins, que colocamos no cargo no dia em que adquirimos o negócio. Escolhê-lo
continua sendo uma das melhores decisões que já tomamos. No News, temos Stan Lipsey, um
gestor de igual calibre. Stan está conosco há 17 anos, e seus talentos incomuns para negócios
se tornaram mais evidentes com cada camada adicional de responsabilidade que ele teve de
lidar. E, no Mart, temos a incrível família Blumkin - Sra. B, Louie, Ron, Irv e Steve - um milagre
de três gerações12 em gestão.

Me considero extraordinariamente sortudo por poder trabalhar com gestores assim. Eu


gosto deles a nível pessoal e os admiro a nível profissional.

Operações de seguros

A seguir, mostramos uma versão atualizada da nossa usual tabela com os dois valores
mais importantes para a indústria de seguros.

9
Número de linhas impressas.
10
Promoções impressas em separado e incluídas dentro do jornal.
11
​Run of paper​. Espaço comprado por empresas a uma taxa que não permite que elas escolham o local
onde o anúncio será colocado na página.
12
Originalmente, “​three-generation miracle​”. Brincadeira com o “​three-minute miracle​”, comum em
cosméticos.
Fonte: Best’s Aggregate and Averages

A taxa combinada representa os custos totais dos seguros (perdas incorridas somadas
com despesas) comparados com a receita dos prêmios; um valor abaixo de 100 indica lucro
com ​underwriting13. Acima de 100, prejuízo.

Os resultados da indústria em 1985 foram muito incomuns. O ganho de receita foi


excepcional, e se as perdas incorridas tivessem aumentado a uma taxa parecida com a dos
últimos anos - isto é, um pouco acima da inflação - uma queda significativa na taxa combinada
teria ocorrido. Mas as perdas em 1985 não cooperaram, assim como não o fizeram em 1984.
Embora a inflação tenha diminuído consideravelmente nestes anos, as perdas se aceleraram
perversamente, crescendo 16% em 1984 e surpreendentes 17% em 1985. O crescimento anual
das perdas, portanto, ultrapassou a inflação por 13 pontos percentuais, um recorde da era
moderna.

As catástrofes não foram as culpadas por essa explosão de perdas. Para ser justo,
tivemos um número razoável de furacões em 1985, mas o dano conjunto causado por todas as
catástrofes em 1984 e 1985 foi de cerca de 2% do volume de prêmios, uma proporção
comumente observada. Também não houve um aumento repentino no número de seguros de
carros, casas, empregadores, ou qualquer outro tipo de “​exposure units​”14.

13
Processo de subscrição. Se as práticas de subscrição gerarem contratos cujos prêmios excedem as
indenizações e demais despesas, o lucro subsequente elevará a capacidade da seguradora.
14
Unidade usada para medir a potencial cobertura financeira que uma seguradora deve fornecer caso
algum sinistro ocorra.
Uma explicação parcial para os valores de perdas está em todas as adições de
provisionamentos feitas pela indústria em 1985. Conforme os resultados do ano iam sendo
reportados, a cena lembrava uma reunião de renovação religiosa: gritando “Eu pequei, eu
pequei!”, com os gestores das seguradoras correndo para confessar que tinham feito poucas
reservas nos anos anteriores. As correções feitas por eles afetou muito os valores de perdas
em 1985.

Um ingrediente mais perturbador no aumento das perdas é o crescimento da inflação


“social” ou “judicial”. A capacidade da seguradora em pagar passou a ter uma importância
monumental para júris e juízes na asserção de danos e obrigações a serem pagas. Cada vez
mais as indenizações estão ganhando proporções desequilibradas, não importa o que tenha
sido acordado na apólice, o que tenha ocorrido de fato ou os precedentes.

Essa inflação judicial é uma incógnita para o futuro da indústria, tornando difícil fazer
previsões. Mesmo assim, a perspectiva de curto prazo é boa. O crescimento nos prêmios
melhorou ao longo de 1985 (os ganhos trimestrais estimados foram de 15%, 19%, 24% e 22%)
e, salvo uma super catástrofe, a taxa combinada da indústria cairá bastante em 1986.

A melhora nos lucros, no entanto, provavelmente terá uma curta duração. Dois
princípios econômicos se encarregarão disso. Primeiro, negócios que lidam com ​commodities
atingem bons níveis de lucratividade somente quando os preços são fixados de alguma
maneira ou quando a oferta é reduzida. Segundo, gestores rapidamente aumentam a oferta
quando os prospectos começam a melhorar e há capital disponível.

Em minha carta de 1982 a você, eu falei bastante sobre a natureza de ​commodity da


indústria de seguros. Um típico segurado não faz distinção entre produtos, mas sim entre
preços. Durante décadas, um procedimento estilo cartel manteve os preços altos, mas este tipo
de cenário desapareceu para nunca mais voltar. Os seguros são agora precificados como
qualquer outra ​commodity negociada no livre mercado: quando a oferta é baixa, os preços dão
uma boa remuneração; caso contrário, não.

Atualmente, a oferta está reduzida em muitas frentes de seguros - muito embora nesta
indústria, diferente do restante, a oferta é algo relacionado à atitude, não a um fato material.
Gestores de seguros podem fechar tantos contratos quanto julgarem necessários, sujeitos
apenas às pressões aplicadas por reguladores e pela Best’s, a classificadora de risco da
indústria de seguros. O nível de conforto dos gestores e dos reguladores está relacionado com
o capital. Mais capital significa mais conforto, que por sua vez significa mais oferta. E um
negócio tipicamente de ​commodity​, tal como alumínio ou aço, uma longa gestação precede o
nascimento de oferta adicional. No setor de seguros, por outro lado, o capital pode ser
conseguido de forma instantânea. Dessa forma, qualquer necessidade por oferta é
rapidamente atendida.
É exatamente isso que está acontecendo agora. Em 1985, cerca de 15 seguradoras
levantaram mais de U$ 3 bilhões, acumulando capital de forma a fechar todos os contratos
possíveis a preços que, agora, estão melhores. A tendência de aumento de capital acelerou de
forma dramática em 1986.

Se o aumento de oferta continuar a essa taxa, não vai demorar muito para que os
preços caiam drasticamente e a lucratividade seja reduzida. Quando a queda acontecer, a
culpa vai ser de quem levantou muito capital em 1985-86, não dos cortes de preços em 198X.
(No entanto, os críticos devem ser compreensivos: assim como aconteceu no nosso exemplo
têxtil, as dinâmicas do capitalismo fazem com que cada seguradora tome decisões que
pareçam fazer sentido individualmente, mas que, coletivamente, destroem a lucratividade do
negócio.)

Em cartas passadas, disse a você que a sólida posição de caixa da Berkshire - a melhor
da indústria - traria para nós uma clara vantagem econômica. Com o aperto de mercado, tal dia
finalmente chegou. Nosso volume de prêmios mais do que triplicou no último ano, saindo de
um longo período de estagnação. A força financeira da Berkshire (e nosso histórico de manter
uma grande força, não importa o que aconteça) é agora um poderoso ativo a ser usado para
nós de forma a garantir que façamos bons negócios.

Nós corretamente previmos um ​flight to quality15 de muitos grandes compradores de


seguros e resseguros, que tardiamente reconheceram que uma apólice é apenas um IOU16 - e
muitos não conseguiram receber seus IOUs. Esses mesmos compradores são atraídos
atualmente pela Berkshire por conta da forte posição de capital que a empresa tem. Mas, de
forma não prevista, também estamos encontrando compradores atraídos a nós porque nossa
habilidade em garantir os riscos de capital nos destaca da multidão.

Para entender isso, você precisa saber de alguns fatos a respeito de grandes riscos.
Tradicionalmente, muitas seguradoras querem fechar esse tipo de contrato mais arriscado. No
entanto, a vontade em fazê-lo vem quase sempre por conta de acordos de resseguros que
permitam à seguradora manter apenas uma parte do risco consigo, passando o restante dele
(“​laying off​”) para as resseguradoras. Imagine, por exemplo, uma apólice de diretores e oficiais
(“D & O”) com cobertura de U$ 25 milhões. Usando vários contratos de resseguro, a companhia
emissora de tal apólice poderia ficar responsável por apenas U$ 1 milhão. A responsabilidade
dos outros U$ 24 milhões ficaria por conta das resseguradoras contratadas pela emissora. Em
linguagem de negócios, uma empresa que emite grandes apólices, mas retém relativamente
pouco risco por seus próprios contratos, consegue uma grande ​gross line17, mas uma pequena
net line18.

15
Movimento caracterizado pelo remanejamento de recursos de ativos mais arriscados para ativos mais
seguros.
16
Pronúncia vinda de ​I owe you​ (“eu devo a você”).
17
Valor total da apólice.
18
Perda máxima que a empresa seguradora fica exposta ao usar resseguros.
Em qualquer acordo de resseguro, a questão principal é como o prêmio de uma apólice
deve ser dividido entre as várias “camadas” de risco. Em nossa política de D & O, por exemplo,
qual o montante deve ser destinado ao emissor do seguro pelo risco assumido de U$ 1 milhão
e qual montante deve ser repassado para as resseguradoras de forma a recompensá-las pelo
risco assumido entre U$ 1 milhão e U$ 25 milhões?

Uma forma de resolver esse problema pode ser utilizando a abordagem de Patrick
19
Henry : “Os meus pés são guiados por apenas uma luz, e essa luz é a da experiência.” Em
outras palavras, quanto do prêmio total as resseguradoras precisaram no passado para serem
recompensadas de forma justa pelas perdas que tiveram que aguentar?

Infelizmente, a luz da experiência nunca iluminou muito bem as resseguradoras. Boa


parte do negócio é do tipo “cauda longa”, o que significa que são precisos muitos anos para
saber a real extensão de suas perdas. Ultimamente, a luz não só tem sido fraca, mas também
enganosa no quadro que tem mostrado. Isto é, a tendência dos tribunais em dar indenizações
gigantescas e sem precedentes faz com que as extrapolações ou inferências feitas pelas
resseguradoras com base em dados do passado se transformem em uma fórmula para o
desastre. Sai Patrick Henry, entra Pogo20: “O futuro não é o que costumava ser.”

As crescentes incertezas do negócio, somadas com a entrada de várias novas


resseguradoras sem sofisticação no ramo, fez com que as companhias emissoras tivessem
uma pequena ​net line nos últimos anos: elas conseguiram manter uma porcentagem muito
maior dos prêmios do que dos riscos. Ao fazer isso, as companhias emissoras conseguiram,
algumas vezes, fazer dinheiro com contratos que historicamente não davam lucro nem para
seguradoras e nem para resseguradoras. (Esse resultado não foi necessariamente proposital:
as seguradoras, em grande parte, não tinha mais informações que as resseguradoras a
respeito dos custos envolvidos nas camadas mais “altas” de risco.) Desequilíbrios desse tipo
ficaram mais evidentes em linhas de seguros que estavam passando por grandes mudanças e
com perdas incorridas cada vez maiores; e.g., imperícia profissional, D & O, produtos, etc.
Dadas essas circunstâncias, não é nenhuma surpresa que as seguradoras permaneceram
animadas para fechar contratos, mesmo depois dos prêmios se tornarem lamentavelmente
inadequados.

Um exemplo do quão díspares os resultados entre seguradoras e resseguradoras têm


sido pode ser visto pelo relatório financeiro de 1984 de uma das maiores empresas
especializada em riscos. Naquele ano, a companhia fechou cerca de U$ 6 bilhões em contratos
e manteve cerca de U$ 2,5 bilhões em prêmios, ou aproximadamente 40%. Ela deu os outros
U$ 3,5 bilhões para as resseguradoras. Na parte que a empresa manteve para si, a perda com
underwriting foi de menos de U$ 200 milhões - um excelente resultado para o ano. Enquanto

19
Um dos ​Founding Fathers (grupo de líderes que uniu as colônias americanas na guerra de
independência com a Inglaterra).
20
História em quadrinhos que circulou nos EUA até meados da década de 1970.
isso, a outra parte (de U$ 3,5 bilhões) gerou perdas de mais de U$ 1,5 bilhão para as
resseguradoras.

Dessa forma, a companhia emissora das apólices teve uma taxa combinada bem abaixo
de 110, enquanto que as resseguradoras, tomando parte exatamente nas mesmas apólices,
tiveram uma taxa combinada acima de 140. Esse resultado não foi atribuído a nenhuma
catástrofe natural; veio de perdas comuns em seguros (que estão ocorrendo, no entanto, com
surpreendente frequência e tamanho). O relatório de 1985 desta mesma companhia
mencionada ainda não está disponível, mas acho que esses desequilíbrios nos resultados
continuaram a acontecer.

Mais alguns anos assim e até as resseguradoras menos sagazes podem perder
interesse, especialmente em contratos explosivos onde a divisão justa dos prêmios entre
seguradora e resseguradora é impossível de sequer ser estimada. Num cenário assim, o
comportamento das resseguradoras finalmente fica igual ao do gato de Mark Twain: sentar
uma única vez em um fogão quente foi o suficiente para que ele nunca mais fizesse isso -
muito embora o gato nunca mais tenha sentado num fogão frio também. Algumas
resseguradoras tiveram tantas surpresas desagradáveis com sinistros de cauda longa que
decidiram (provavelmente de forma acertada) em desistir do jogo em si, independentemente do
estímulos nos preços. Por consequência, temos observado uma enorme redução de oferta de
resseguros em algumas linhas importantes de atuação.

Esse desenrolar dos fatos deixou muitas seguradoras sob pressão. Elas não podem
mais passar para as resseguradoras dezenas de milhões por apólice como conseguiam fazer
tão facilmente há um ou dois anos, e também não possuem capital e/ou apetite para assumir
grandes riscos por conta própria. Para muitas seguradoras, a oferta bruta de contratos se
reduziu ao tamanho de seu patrimônio líquido, que costuma ser pequeno, de fato.

Na Berkshire, nós nunca jogamos o jogo de “lucrar às custas dos outros” e, até pouco
tempo atrás, isso tinha nos colocado em grande desvantagem em algumas linhas de seguros.
Agora o jogo virou: nós temos uma capacidade de ​underwriting que ninguém mais tem. Se
acharmos que o preço está certo, estamos dispostos a fechar contratos com uma ​net line maior
do que quase todas as seguradoras. Por exemplo, estamos perfeitamente dispostos a arriscar
perder U$ 10 milhões de nosso próprio dinheiro em um único evento, desde que acreditemos
que o preço esteja certo e que o risco de perda não tem correlação significativa com outros
riscos que estamos assegurando. Pouquíssimas seguradoras estão dispostas a arriscar
metade disso em eventos únicos - embora, há pouco tempo, muitas delas estavam dispostas a
perder cinco ou dez vezes esse valor, desde que virtualmente todas as perdas caíssem nas
costas das resseguradoras.

Em meados de 1985, nossa maior empresa seguradora, a National Indemnity Company,


divulgou sua disposição em fechar contratos de alto risco por meio de uma propaganda em três
edições de uma revista semanal de seguros. A propaganda pedia apenas por apólices grandes:
o prêmio mínimo era de U$ 1 milhão. Ela gerou incríveis 600 respostas e produziu um total de
prêmios de U$ 50 milhões. (Segure os aplausos: todos os contratos são de cauda longa, e
precisaremos de pelo menos cinco anos para saber se esse sucesso de marketing também foi
um sucesso de ​underwriting​.) Atualmente, nossas subsidiárias de seguros continuam a ser
procuradas por pessoas em busca de grande capacidade financeira.

Como eu já disse, esse período de arrocho irá passar; seguradoras e resseguradoras


irão voltar a cobrar preços mais baixos. Mas por um ano ou dois iremos ter bons resultados em
alguns segmentos do nosso negócio de seguros. Mike Goldberg fez várias e importantes
melhorias na operação (uma má gestão deste presidente que vos fala deu a ele muito com o
que trabalhar). Ele tem sido bem-sucedido também em contratar jovem gestores com excelente
potencial. Eles terão uma chance de mostrar a que vieram em 1986.

Nossa taxa combinada melhorou - de 134 em 1984 para 111 em 1985 - mas continua
refletindo os erros do passado. No último ano, contei a você sobre os graves erros que cometi
com as reservas para perdas, e prometi que iria trazer atualizações anuais sobre a evolução
dos valores dessas perdas.

Naturalmente, fiz essa promessa achando que meus resultados futuros iriam ser
melhores. Por enquanto, não tem acontecido isso. ​Detalhes sobre as perdas do último ano
estão nas páginas 50-52​. Eles revelam um significativo sub-provisionamento em 1984, assim
como ocorreu nos últimos anos antes disso.

O único lado positivo desse cenário todo é que virtualmente todo o sub-provisionamento
de 1984 ocorreu na área de resseguros - e lá, em grande parte, veio de alguns poucos
contratos que havíamos descontinuado alguns anos atrás. Toda essa explicação, no entanto,
me lembra de uma história contada a mim anos atrás pelo então presidente da General
Reinsurance Company. Ele me contou que todo ano os gerentes diziam a ele que “exceto pelo
furacão na Flórida” ou “exceto pelos tornados do centro-oeste”, eles teriam tido um excelente
ano. Por fim, ele chamou todo o grupo e sugeriu que eles criassem uma nova empresa - a
Except-for Insurance Company21 - na qual os gerentes iriam colocar todos os contratos que,
mais tarde, não iriam querer assumir responsabilidade.

Em qualquer negócio, seja de seguros ou não, o “exceto por” deve ser extirpado do
dicionário. Se você vai entrar no jogo, então deve contar todos os gols feitos contra você em
todas as partidas. Qualquer gestor que fique insistindo no “exceto por” e depois fale sobre as
lições que aprendeu com seus erros pode estar se esquecendo da única importante lição: o
verdadeiro erro não está no ato, mas no ator.

Inevitavelmente, claro, erros irão ocorrer e o sábio gestor irá tentar encontrar as lições
que consegue tirar deles. Mas a grande sacada é aprender a maior parte das lições com os

21
Algo como “empresa do exceto-por”.
erros de outras pessoas. Gestores que aprenderam demais por experiência própria no passado
tendem a continuar aprendendo muito por experiência própria no futuro.

A GEICO, que tem 38% de participação da Berkshire, reportou um excelente ano em


1985 no crescimento de prêmios e de investimentos, mas um ano ruim - em seus sublimes
padrões - em ​underwriting​. Seguros de carros e de casas foram as únicas duas importantes
linhas de negócio da indústria cujos resultados deterioraram de forma significativa ao longo do
ano. A GEICO não conseguiu escapar disso, muito embora seus resultados tenham sido bem
melhores do que qualquer um de seus principais competidores.

Jack Byrne saiu da GEICO no meio do ano para tocar o Fireman’s Fund, deixando Bill
Snyder como presidente e Lou Simpson como vice. O desempenho de Jack em tirar a GEICO
de uma quase bancarrota foi realmente extraordinário, e seu trabalho resultou em ganhos
enormes para a Berkshire. Nós devemos muito disso a ele.

Nós também estamos em dívida com o Jack por ele ter conseguido alcançar algo que
escapa até mesmo aos maiores líderes: encontrar pessoas para sucedê-los que tenham
talentos tão valiosos quanto os deles próprios. Graças à habilidade de identificar, atrair e
desenvolver Bill e Lou, Jack estendeu os benefícios do seu estilo gerencial muito além de seu
“mandato”.

Contrato de divisão de cotas com o Fireman’s Fund

Como não costumamos largar o osso, seguimos Jack Byrne até o Fireman’s Fund
(“FFIC”), onde ele agora é membro do conselho e CEO da holding.

No dia 1 de setembro de 1985, abrimos uma participação de 7% em todos os negócios


do grupo FFIC, exceto no de resseguros para companhias que não são afiliadas. Nosso
contrato terá duração de quatro anos e garante que nossas perdas e custos serão iguais aos
deles enquanto o contrato estiver em vigência. Se o contrato não for estendido, deixaremos de
ter participação em todo e qualquer negócio que esteja em andamento. No entanto, por muitos
anos no futuro, iremos reembolsar a FFIC com os 7% de perdas e custos que ocorrerem entre
1 de setembro de 1985 a 31 de agosto de 1989.

Com o contrato, a FFIC remete de imediato os prêmios para nós e nós prontamente
reembolsamos a FFIC com as despesas e perdas incorridas. Dessa forma, os fundos gerados
por nossa participação no negócio ficam conosco para serem investidos. Como parte da
negociação, eu ficarei disponível para a FFIC num papel de consultor estratégico de
investimentos em geral. No entanto, eu não me envolverei em decisões específicas de
investimento da FFIC, assim como a Berkshire não se envolverá em qualquer aspecto das
atividades de ​underwriting​ da companhia.
Atualmente, a FFIC tem cerca de U$ 3 bilhões em contratos, e esse número
provavelmente aumentará conforme as taxas subam. A reserva de prêmios da empresa em 1
de setembro de 1985 era de U$ 1,324 bilhão; dessa forma, foram transferidos 7% desse
montante para nós, ou U$ 92,7 milhões, com o início do contrato. Ao mesmo tempo, pagamos
a eles U$ 29,4 milhões relacionados com as despesas de ​underwriting que tiveram sobre os
prêmios transferidos. Todos os negócios da FFIC são escriturados pela National Indemnity
Company, mas dois sétimos desse montante é passado para a Wesco-Financial Insurance
Company (“Wes-FIC”), uma nova companhia criada por nossa subsidiária Wesco, a qual
detemos 80% de participação. ​Charlie Munger tem alguns comentários interessantes a
fazer sobre a Wes-FIC e o ramo de resseguros nas páginas 60-62.

Com relação às tabelas do segmento de seguros na página 41, adicionamos uma


nova linha chamada “Major Quota Share Contracts”. Os resultados de 1985 do contrato
do FFIC são mostrados nela, embora o fato do negócio ser muito recente faz com os
resultados sejam apenas aproximações grosseiras.

Após o fim do ano, garantimos mais um contrato de cota-livre, cujo volume em 1986
deverá ultrapassar os U$ 50 milhões. Esperamos poder desenvolver mais esse negócio, e as
condições da indústria indicam que isso será possível: um grande número de empresas está
fechando mais contratos do que conseguem lidar com prudência. Nossa força financeira nos
torna atrativo para tais empresas.

Títulos e valores mobiliários

Mostramos a seguir as nossas posições ao final de 1985 no mercado de ações. Todas


as posições maiores que U$ 25 milhões estão listadas, e os rendimentos atribuíveis aos
acionistas minoritários da Wesco e do Nebraska Furniture Mart foram excluídos.
Nós mencionamos anteriormente que na década passada o ambiente de investimentos
mudou de um onde ótimos negócios estavam totalmente subavaliados para um onde são
negociados a um valor justo. A The Washington Post Company (“WPC”) é um excelente
exemplo disso.

Compramos a nossa participação na WPC em meados de 1973 por um preço não muito
maior do que um quarto do valor do negócio (por ação) na época. Calcular a razão entre preço
e valor não requeria muito discernimento. A maior parte dos analistas, corretoras e executivos
teriam estimado o valor intrínseco da WPC entre U$ 400 e U$ 500 milhões, assim como nós. E
o seu valor de mercado de U$ 100 milhões era publicado todos os dias para o mundo inteiro
ver. Nossa vantagem, nesse caso, foi a atitude: aprendemos com Ben Graham que a chave
para um investimento de sucesso é a compra de ações de boas empresas quando os preços
estão muito descontados em relação ao valor intrínseco do negócio.

A maior parte dos investidores institucionais no começo dos anos 1970, por outro lado,
achava que o valor intrínseco tinha uma relevância pequena na decisão sobre a quais preços
eles iriam comprar ou vender. Atualmente, isso parece difícil de se acreditar. No entanto, tais
instituições estavam, na época, encantadas com acadêmicos de prestigiosas escolas de
negócios que estavam pregando uma nova teoria: o mercado de ações era totalmente eficiente
e, assim, o cálculo do valor intrínseco - e até mesmo o pensamento em si - não tinha
importância nas atividades de investimento. (Nós devemos muito a esses acadêmicos: o que
poderia ser mais vantajoso em uma competição intelectual - seja ​bridge22, xadrez ou seleção de
ações - do que ter um oponente que foi ensinado que o ato de pensar é um desperdício de
energia?)

22
Jogo de cartas.
Em 1973 e 1974, a WPC continuou a deslanchar bem como negócio, e seu valor
intrínseco aumentou. Mesmo assim, ao fim de 1974 a nossa participação no WPC teve uma
perda de cerca de 25%, com um valor de mercado de U$ 8 milhões contra o nosso
investimento inicial de U$ 10,6 milhões. O que nós tínhamos como ridiculamente barato um ano
atrás havia ficado ainda mais barato quando o mercado, em sua sabedoria infinita, derreteu a
ação da WPC para menos de vinte centavos por dólar de valor intrínseco.

Você já sabe o final da história. Kay Graham, CEO da WPC, teve a inteligência e a
coragem de recomprar grandes quantidades de ações da companhia a preço de banana e as
habilidades de gestão necessárias para aumentar de forma dramática o valor do negócio.
Nesse ínterim, os investidores começaram a reconhecer os fundamentos excepcionais do
negócio, o que fez o preço da ação se aproximar do valor intrínseco. Dessa forma,
experienciamos três pontos positivos: o valor intrínseco da empresa subiu, o valor por ação
aumentou mais rápido ainda por conta das recompras e, com uma redução do desconto, o
preço da ação ultrapassou o ganho em valor por ação da companhia.

Nós ainda temos todas as ações da WPC que compramos em 1973, exceto por aquelas
que vendemos de volta para a companhia durante as recompras de forma a mantermos o
mesmo percentual de participação. O valor recebido pelas recompras, somado ao valor de
mercado da nossa posição, dá um total de U$ 221 milhões.

Se tivéssemos investido nossos U$ 10,6 milhões em qualquer uma meia dúzia de


empresas de mídia que eram as favoritas em 1973, o valor de nossa participação ao fim do ano
seria entre U$ 40 - U$ 60 milhões. Nosso ganho teria ultrapassado fácil o mercado em geral,
uma prova que reflete os fundamentos excepcionais do setor midiático. Os outros U$ 160
milhões que ganhamos com a participação na WPC veio, em boa parte, da natureza superior
das decisões empresariais tomadas pela Kay em comparação com as decisões tomadas por
outros gestores de empresas do setor. O grande sucesso dela à frente da companhia tem
passado despercebido, mas entre os acionistas da Berkshire ela terá o seu devido
reconhecimento.

Nossa compra da Capital Cities, que será descrita na próxima seção, fez com que eu
tivesse que sair do conselho da WPC em 1986. Mas temos a intenção de manter nossas ações
da WPC enquanto a regulação permitir. Acreditamos que o valor de negócio da WPC irá
aumentar a uma taxa razoável, e sabemos que a gestão é capaz e também pró-acionista. No
entanto, o mercado avalia atualmente a empresa em U$ 1,8 bilhão, e não há forma possível pro
valor crescer no mesmo ritmo que cresceu quando o valuation da empresa era de apenas U$
100 milhões. Uma vez que os valores de mercado de nossas outras posições também
aumentaram, nós temos agora um potencial reduzido de crescimento em nosso portfólio.

Você irá notar que tínhamos uma posição significativa na Beatrice Companies ao final
do ano. Essa é uma posição de arbitragem para o curto prazo - em outras palavras, um lugar
para “estacionar” o dinheiro (embora não seja um estacionamento totalmente seguro, uma vez
que os negócios podem não dar certo e acarretar grandes perdas). De vez em quando
entramos no campo da arbitragem quando temos mais dinheiro do que ideais, mas apenas
para participar de fusões anunciadas ou vendas. Nós ficaríamos muito mais felizes se os
fundos que estão nessa posição de curto prazo fossem para um lar de longo prazo. No
momento, os prospectos são ermos.

No fim do ano, nossas subsidiárias tinham cerca de U$ 400 milhões em títulos isentos
de imposto, dos quais U$ 194 milhões a custos amortizados foram emissões da Washington
Public Power Supply System (“WPPSS”) dos Projetos 1, 2 e 3. Eu discuti em detalhes essa
posição na carta do ano passado, e expliquei o porquê não iríamos dar mais detalhes sobre
compras ou vendas até bem depois do fato ser consumado (aderindo à nossa política com
ações). Nossos ganhos não realizado com os títulos da WPPSS no fim do ano foram de U$ 62
milhões, sendo que um terço disso veio de uma alta generalizada nos preços dos títulos, e o
restante de uma visão mais positiva dos investidores a respeito do WPPSS 1, 2 e 3. A renda
vinda da isenção de imposto nas emissões da WPPSS soma cerca de U$ 30 milhões.

Capital Cities/ABC, Inc.

Logo após o fim do ano, a Berkshire comprou 3 milhões de ações da Capital Cities/ABC,
Inc. (“Cap Cities”) a U$ 172,50 por ação, que era o preço de mercado das ações quando o
acordo foi firmado no início de março de 1985. Eu já vim a público várias vezes para falar da
gestão da Cap Cities: eu acho que é a melhor gestão de qualquer empresa de capital aberto do
país. E Tom Murphy e Dan Burke não são apenas ótimos gestores, eles são exatamente o tipo
de pessoa com quem você gostaria que sua filha se casasse. É um privilégio estarmos
associados a eles - e muito divertido também, como é sabido por quem os conhece.

A nossa compra de ações ajudou a Cap Cities a financiar a aquisição de U$ 3,5 bilhões
da American Broadcasting Companies. Para a Cap Cities, ABC é uma grande empresa cujos
fundamentos econômicos permanecerão “entediantes” nos próximos anos. Isso não nos
preocupa em nada; nós podemos ser muito pacientes. (Não importa o quão grande seja o
talento ou o esforço, algumas coisas simplesmente levam tempo: você não consegue ter um
bebê em um mês engravidando nove mulheres.)

Como prova de nossa confiança, nós executamos um acordo incomum: durante um


certo período, Tom, como CEO (ou Dan, caso ele se torne CEO futuramente), irá votar em
nome de nossas ações. Esse acordo teve início comigo e com o Charlie, não com o Tom. Nós
também criamos restrições a nós mesmos sobre vendas de nossas ações. O objetivo dessas
restrições é garantir que o nosso bloco não seja vendido a alguém que já detenha uma grande
posição (ou que esteja querendo ter uma grande posição) sem a aprovação da gestão. Esse
acordo é similar àqueles que fechamos com a GEICO e com o Washington Post alguns anos
atrás.
Uma vez que grandes blocos frequentemente implicam em recebimento de ágio, alguns
acionistas podem pensar que prejudicamos a Berkshire financeiramente ao criar tais restrições.
Nossa visão é exatamente a oposta. Acreditamos que os prospectos de longo prazo desses
negócios - e, por consequência, para nós - são melhorados com esses acordos. Uma vez que
eles estejam em vigor, os gestores de primeira linha com quem nos alinhamos podem focar
seus esforços em tocar o negócio e maximizar o valor de longo prazo para os acionistas. Com
certeza essa é uma abordagem muito melhor do que distrair os gestores com “capitalistas de
porta giratória” que querem “brincar” com a companhia.

(É claro, existem gestores que colocam seus próprios interesses acima dos da
companhia e dos acionistas e, por isso, merecem um chacoalhão. Porém, ao fazer
investimentos, tentamos ficar longe desse tipo.)

Atualmente, instabilidade corporativa é uma consequência inevitável da pulverização


das ações votantes. A qualquer momento, um acionista grande pode surgir com uma retórica
reconfortante, mas com intenções escusas. Circunscrevendo o nosso bloco de ações como
costumamos fazer, temos a intenção de trazer estabilidade quando esta estiver em falta. Esse
tipo de certeza, combinada com uma boa gestão e um bom negócio, é terreno fértil para uma
rica colheita financeira. Esse é o ​case​ econômico dos nossos acordos.

O lado humano é tão importante quanto. Não queremos que os gestores que
admiramos e gostamos - e que abraçaram um grande comprometimento financeiro nosso -
percam o sono imaginando se surpresas virão por conta do tamanho de nossa posição na
empresa. Eu já disse a eles que não haverá surpresa alguma, e esses acordos servem para
mostrar isso. Mais ainda, eles também significam que os gestores têm acordos com uma
corporação e, portanto, não precisam se preocupar caso minha participação pessoal na
Berkshire termine de forma prematura (um termo que eu defino como sendo qualquer idade
menor do que três dígitos).

A nossa compra da Cap Cities foi feita pelo preço cheio, o que reflete o entusiasmo
considerável em ações e propriedades de mídia que tem se desenvolvido nos últimos anos (e
que, no caso das propriedades, tem se aproximado de um nível de megalomania). Não é um
campo para barganhas. No entanto, nosso investimento na Cap Cities nos alia com uma
incrível combinação de propriedades e pessoas - e gostamos da oportunidade de poder
participar disso em peso.

Certamente alguns de vocês devem estar se perguntando o porquê de termos


comprado a Cap Cities a U$ 172,50 por ação dado que este presidente que vos fala, em seu
característico rompante de brilhantismo, vendeu a participação que a Berkshire tinha na
companhia a U$ 43 por ação em 1978-80. Prevendo que alguns de vocês poderiam fazer essa
pergunta, eu passei boa parte de 1985 pensando em uma resposta rápida que pudesse
reconciliar esses atos.
Me deem mais um pouco de tempo pra eu chegar numa conclusão, por favor.

Aquisição da Scott & Fetzer

Pouco depois do fim do ano, compramos a The Scott & Fetzer Company (“Scott Fetzer”)
em Cleveland por cerca de U$ 320 milhões. (Em adição a isso, U$ 90 milhões da dívida da
empresa antes da aquisição continua no balanço.) Na próxima seção da carta, descrevo o tipo
de negócio que queremos comprar para a Berkshire. Scott Fetzer é um bom exemplo disso - é
uma empresa que conseguimos compreender, grande, bem administrada e com boa geração
de caixa.

A companhia tem vendas de U$ 700 milhões vindas de 17 negócios diferentes, muitos


deles líderes em seus setores. O retorno sobre o capital investido fica entre bom e excelente
para a maior parte deles. Alguns produtos bem conhecidos por esses negócios são os sistemas
de cuidados Kirby, os compressores de ar da Campbell Hausfeld e maçaricos e bombas d’água
da Wayne.

World Book, Inc. - que responde por cerca de 40% das vendas da Scott Fetzer e um
pouco acima disso da receita - é, de longe, a maior operação da empresa. É também, de longe,
a líder do setor, vendendo mais do que o dobro de enciclopédias do que a competição. Para se
ter uma ideia, a World Book vende mais enciclopédias nos EUA do que a soma dos outros
quatro concorrentes.

Charlie e eu temos um interesse particular na operação da World Book porque


consideramos a enciclopédia deles como especial. Sou fã (e leitor) dela há 25 anos, e agora
temos netos que fazem consultas nelas da mesma forma como fazíamos quando éramos
crianças. A World Book é comumente tida por professores, bibliotecários e consumidores como
a enciclopédia mais útil. Mesmo assim, seu preço é menor do que qualquer um dos
concorrentes. A combinação de um produto excepcional com preço modesto nos tornou
dispostos a pagar o preço que a Scott Fetzer pediu, mesmo com resultados em queda de
muitas companhias no ramo de venda direta.

Um outra grande atração na Scott Fetzer é Ralph Schey, CEO da companhia por nove
anos. Quando Ralph assumiu, a companhia tinha 31 negócios, resultado de uma série de
aquisições nos anos 1960. Ele se livrou de várias que não se encaixavam com a filosofia da
empresa ou que tinham um potencial de lucros limitado, mas seu foco em racionalizar a
essência da companhia não foi tão estrito ao ponto de deixar passar a oportunidade de adquirir
a World Book em 1978. O histórico operacional e de alocação do Ralph é soberbo, e temos
muito prazer em tê-lo conosco.
A história da aquisição da Scott Fetzer é interessante, sendo marcada por muitas idas e
vindas antes de nos envolvermos com ela. A companhia havia anunciado que estaria à venda
desde o início de 1984. Um grande banco de investimentos passou meses prospectando a
empresa, o que chamou a atenção de várias pessoas. Finalmente, em meados de 1985, um
plano de vendas com uma enorme participação de um ESOP23 foi aprovado pelos acionistas.
No entanto, com dificuldades de bater o martelo, o plano afundou.

Eu acompanhei essa odisseia corporativa pelo jornal impresso. Em 10 de outubro,


pouco depois do negócio não ter dado certo, eu escrevi uma pequena carta para o Ralph, que
eu sequer conhecia. Eu disse que admirava o histórico da empresa e perguntei se ele gostaria
de conversar. Charlie e eu conhecemos o Ralph em um jantar em Chicago no dia 22 de
outubro e assinamos o contrato de aquisição na semana seguinte.

A aquisição da Scott Fetzer, junto com um grande crescimento do nosso setor de


seguros, devem empurrar as receitas acima da faixa de U$ 2 bilhões em 1986, mais do que o
dobro obtido em 1985.

Miscelânea

A nossa compra da Scott Fetzer ilustra um pouco da natureza do acaso de nossa


abordagem de aquisições. Não temos uma grande estratégia traçada, nem analistas
corporativos nos dando ​insights sobre tendências socioeconômicas, nem equipe para investigar
a miríade de ideias que são apresentadas por intermediários. No lugar disso, nós simplesmente
torcemos para que algo bom apareça - e, quando isso acontece, nós não titubeamos.

Para dar uma mãozinha ao destino, repetimos aqui o nosso rotineiro anúncio de
“Procuram-se negócios”. A única alteração na lista do ano passado está em (1): como
queremos que qualquer aquisição feita tenha um impacto mensurável nos resultados
financeiros da Berkshire, nós subimos o requerimento mínimo de lucratividade.

Eis o que procuramos:


(1) Grandes compras (pelo menos U$ 10 milhões em ganhos após impostos),
(2) Poder de geração de caixa consistente e já provado (projeções futuras e
turnarounds​ não chamam nossa atenção),
(3) Negócios que tenham bons retornos sobre o patrimônio líquido usando pouca ou
nenhuma dívida,
(4) Uma gestão que já esteja enraizada (nós não podemos fornecer pessoas),
(5) Negócios simples (se tiver muita tecnologia, não iremos entender),

23
​Employee Stock Ownership Plan (Plano de parceria acionária com empregados). Plano que envolve o
recebimento de ações da própria companhia por funcionários como parte da remuneração
(6) Um preço para negociação (não queremos perder o nosso tempo, nem de quem
quer nos vender, com conversas sobre uma transação que sequer tenha um
preço).

Nós não iremos nos envolver com negociações que não sejam amigáveis. Podemos
prometer total confidencialidade e uma resposta bem rápida - normalmente, em cinco minutos -
para dizer se temos interesse. Nós preferimos compras em dinheiro, mas iremos considerar a
emissão de ações se formos receber tanto valor intrínseco quanto iremos dar. Na verdade,
considerando as recentes altas nas ações da Berkshire, transações envolvendo emissão de
ações são bastante plausíveis. Nós convidamos potenciais vendedores a buscarem referências
sobre nós com quem tivermos feito negócios no passado. Para os negócios certos - e as
pessoas certas - nós podemos prover um bom lar.

Por outro lado, frequentemente nos são oferecidos negócios que não chegam nem
perto de passar por nosso crivo: novos empreendimentos, ​turnarounds​, vendas estilo leilão e o
famoso (entre corretoras) “Eu tenho certeza que algo vai dar certo se vocês se conhecerem
melhor”. Nada disso nos atrai nem um pouco.

* * * * *

Além de estarmos interessados na compra de negócios inteiros, como descrito acima,


também temos interesse em compras negociadas de grandes, mas não controladores, blocos
de ação, como foi o caso de nossa compra da Cap Cities. Esse tipo de compra nos interessa
somente quando nos sentimos confortáveis com os fundamentos da empresa e com a
habilidade e integridade das pessoas que tocam a operação. Preferimos grandes transações:
em casos excepcionais, podemos fazer compras pequenas como de U$ 50 milhões (ou até
menos), mas realmente preferimos condições onde possamos fazer compras muito maiores
que isso.

* * * * *

Cerca de 96,8% de todas as ações elegíveis participaram no programa de contribuição


dos acionistas da Berkshire de 1985. O total de contribuições vindas com o programa foi de U$
4 milhões, atendendo 1.724 instituições de caridade. Ano passado, conduzimos um plebiscito
para coletar sua opinião a respeito do programa, assim como sobre nossa política de
dividendos. (Sabendo que é possível influenciar as respostas a uma pergunta dependendo de
como ela é feita, tentamos deixá-las o mais neutras possível.) ​Apresentamos o cartão de
votação e os resultados na página 69​. Acho que é justo resumir o resultado dizendo que
vocês apoiaram amplamente as atuais políticas e que a preferência maior foi por aumentar
nosso compromisso com as instituições de caridade conforme nossos ativos se valorizem.

Pedimos que os novos acionistas leiam a descrição do nosso programa


filantrópico nas páginas 66 e 67​. Se você deseja participar em programas futuros, nós
recomendamos fortemente que você se certifique que suas ações estejam registradas em seu
próprio nome, não no da corretora ou outra instituição. Ações que não se adequem a essa
exigência até 30 de setembro de 1986 não poderão participar do programa de 1986.

* * * * *

Cinco anos atrás, o Bank Holding Company Act de 1969 nos forçou a desfazer nossa
posição no The Illinois National Bank and Trust Company, em Rockford, Illinois. O método que
usamos para fazer isso foi bem incomum: anunciamos uma razão de troca entre as ações da
Rockford Bancorp Inc. (a holding do Illinois National) e as ações da Berkshire, e então
deixamos cada um de nossos acionistas - exceto eu - tomar a decisão entre trocar todas, parte
ou nenhuma das ações da Berkshire pelas ações da Rockford. Eu fiquei com as sobras das
ações da Rockford. Dessa forma, minha participação na empresa acabou sendo determinada
por vocês, acionistas. Na época, eu disse que “Essa transação representa o sistema mais
antigo e elementar de dividir de forma justa um objeto. Assim como acontecia quando éramos
crianças e um pessoa cortava o bolo e a outra decidia pra quem ia o primeiro pedaço, eu tentei
“cortar” a companhia de forma justa, mas são vocês que decidem qual parte vocês querem.”

No outono passado, o Illinois National foi vendido. Quando a liquidação da Rockford


estiver completa, seus acionistas receberão proventos aproximadamente iguais ao valor
intrínseco por ação da Berkshire no momento em que o banco foi vendido. Fico feliz em ver
que esse resultado após cinco anos indica que a divisão do bolo foi razoavelmente justa.

Ano passado, falei bem sobre o nosso encontro anual e vocês aceitaram o convite para
prestigiá-lo. Mais de 250 acionistas, do nosso grupo de 3 mil, deram as caras. Os que vieram
se comportaram da mesma forma que aqueles que já vieram em anos anteriores, fazendo o
tipo de pergunta que você espera de acionistas inteligentes e interessados. Você precisa ir a
muitos encontros anuais de outras empresas para conseguir achar um grupo de acionistas
como o nosso. (Lester Maddox, quando governador da Georgia, foi criticado pelo estado
abismal do sistema penitenciário do estado. “A solução”, ele disse, “é simples. Tudo o que
precisamos é de prisioneiros melhores.” Melhorar cada vez mais os encontros anuais funciona
da mesma forma.)

Espero que você venha para o encontro deste ano, que acontecerá no dia 20 de maio,
em Omaha. Haverá apenas uma alteração: depois de ficar 48 anos bebendo o mesmo
refrigerante, este presidente que vos fala, em uma mostra sem precedentes de flexibilidade de
comportamento, foi convertido para a nova Cherry Coke. Assim, esta será a bebida oficial do
Encontro Anual da Berkshire Hathaway.

E traga dinheiro: a Sra. B prometeu barganhas em abundância se você passar no The


Nebraska Furniture Mart após o encontro.

Warren E. Buffett
Presidente do Conselho

4 de março de 1986
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1986.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Nosso ganho em patrimônio líquido durante 1986 foi de U$ 492,5 milhões, ou de 26,1%
no ano. Nos últimos 22 anos, (isto é, desde que assumimos o controle), nosso valor patrimonial
por ação saiu de U$ 19,46 para U$ 2.037,06, ou 23,3% ao ano. Tanto o numerador quanto o
denominador são importantes no cálculo do valor patrimonial por ação: durante o período de 22
anos, nosso patrimônio líquido aumentou em 10.600%, enquanto que o número de ações em
circulação aumentou menos de 1%.

Nos últimos relatórios, comentei que o valor patrimonial da maior parte das empresas é
muito diferente do valor intrínseco - que é o valor que realmente tem importância para os
acionistas. No nosso caso, no entanto, o valor patrimonial serviu por mais de uma década
como um indicador até conservador do nosso valor intrínseco. Isto é, o nosso valor intrínseco
tem sido apenas moderadamente maior do que nosso valor patrimonial, sendo que a razão
entre os dois valores tem permanecido razoavelmente constante.

A boa notícia é que em 1986 o ganho percentual no valor de negócio provavelmente foi
maior do que o ganho em valor patrimonial. Eu digo “provavelmente” porque o valor de negócio
(ou intrínseco) é um número subjetivo: no nosso próprio caso, dois observadores igualmente
bem informados podem dar estimativas bem diferentes.

Uma boa parte do nosso crescimento em valor de negócio em relação ao valor


patrimonial reflete o desempenho incrível dos principais gestores dos nossos principais
negócios. Tais gestores - os Blumkin, Mike Goldberg, os Heldman, Chuck Huggins, Stan Lipsey
e Ralph Schey - têm, ao longo dos anos, aumentado os ganhos de seus negócios e, ao
contrário do ramo de seguros, feito isso usando pouco capital adicional. Essa conquista
constrói valor econômico, ou ​goodwill​, que não aparece no valor do patrimônio líquido em
nossos balanços, nem em nosso valor patrimonial por ação. Em 1986, esse ganho foi
substancial.

A boa notícia acaba por aqui. A má notícia é que o meu próprio desempenho não foi tão
bom quanto dos nossos gestores. Enquanto eles estavam fazendo um trabalho soberbo
tocando seus negócios, eu fui incapaz de alocar com habilidade uma boa parte do capital que
eles geraram.

Charlie Munger, nosso vice-presidente, e eu temos apenas duas tarefas. A primeira é


atrair e manter gestores excepcionais em nossas várias operações. Isso não tem sido tão
difícil. Normalmente, nossos gestores vêm junto com as companhias que compramos, tendo
demonstrado seus talentos ao longo de suas carreiras em uma variedade de circunstâncias
empresariais. Eles já eram estelares muito antes de nos conhecerem, e nossa maior
contribuição tem sido deixar eles trabalharem como preferirem. Essa abordagem parece trivial:
se meu trabalho fosse gerenciar uma equipe de golfe - e se Jack Nicklaus e Arnold Palmer
estivessem dispostos a jogar por mim1 - nenhum dos dois receberia pitacos meus sobre como
dar as tacadas.

Alguns de nossos gestores já são bastante ricos (e esperamos que todos eles sejam),
mas isso não é uma ameaça ao contínuo interesse deles: eles trabalham porque amam o que
fazem e regozijam com a emoção de se ter um bom desempenho. Eles infalivelmente pensam
como donos (que é o maior elogio que podemos fazer a um gestor) e absorvem todos os
aspectos do negócio.

(Nosso protótipo para fervor ocupacional é o do alfaiate católico que usou todas as suas
parcas economias, acumuladas ao longo de anos, para fazer uma peregrinação ao Vaticano.
Quando voltou, a sua paróquia fez uma reunião especial para que todos pudessem ouvir em
primeira mão a respeito do Papa. “Diga-nos”, disse o ansioso religioso, “qual o tipo dele?”
Nosso heroi não perdeu tempo: “Ele veste calça tamanho 44, camisa tamanho M.”)

Charlie e eu sabemos que os jogadores certos farão quase qualquer técnico parecer ser
bom. Nós acreditamos na filosofia do gênio fundador da Ogilvy & Mather2, David Ogilvy: “Se
cada um contratar pessoas menores que nós, nos tornaremos uma empresa de anões. Mas se
cada um contratar pessoas maiores que nós, então nos tornaremos uma empresa de gigantes.”

Um subproduto oriundo do nosso estilo gerencial é a habilidade que ele nos dá para
facilmente expandir as atividades da Berkshire. Nós já lemos tratados gerenciais que
especificam exatamente quantas pessoas devem se reportar a um executivo, mas isso não faz
sentido para nós. Quando você tem gestores capazes e de caráter tocando negócios pelos
quais eles são apaixonados, você pode ter dúzias deles reportando a você e ainda encontrar
tempo para tirar um cochilo à tarde. De maneira inversa, se você tem uma única pessoa
reportando a você que é enganadora, inapta ou desinteressada, você vai ter muito, mas muito
trabalho. Charlie e eu poderíamos trabalhar com o dobro do número de gestores que temos
atualmente, desde que eles tenham as raras qualidades que os atuais possuem.

Nós pretendemos continuar com nossa prática de trabalhar apenas com pessoas que
gostamos e admiramos. Essa política não apenas maximiza nossas chances de bons
resultados, mas também garante que iremos nos divertir no processo. Por outro lado, trabalhar
com pessoas que fazem seu estômago revirar é o mesmo que casar por dinheiro -
provavelmente uma má ideia em qualquer circunstância, mas loucura total se você já for rico.

A segunda tarefa que Charlie e eu precisamos cuidar é a alocação de capital, que na


Berkshire é um desafio bem mais importante do que na maioria das outras empresas. Isso se

1
Jack Nicklaus e Arnold Palmer foram dois grandes jogadores profissionais de golfe.
2
Agência de publicidade americana.
dá por três fatores: nós ganhamos mais dinheiro do que a média; nós retemos todos os
ganhos; e somos afortunados o suficiente para ter operações que, na maior parte, requerem
pouco capital incremental para permanecerem competitivas e crescerem. Obviamente, os
resultados futuros de um negócio que cresce 23% ao ano e retém todos os ganhos são muito
mais afetados pela alocação de capital no presente do que uma companhia que cresce 10% ao
ano e distribui metade disso aos acionistas. Se nossos ganhos retidos - e aqueles vindos das
nossas maiores participações, que são a GEICO e Capital Cities/ABC, Inc. - forem empregados
de uma maneira ruim, os fundamentos da Berkshire irão se deteriorar rapidamente. Em uma
empresa que cresce apenas, digamos, 5% ao ano, as decisões de alocação de capital, embora
ainda importantes, irão mudar os fundamentos da empresa de maneira muito mais vagarosa.

A alocação de capital da Berkshire em 1986 foi difícil. Nós fizemos apenas uma
aquisição - The Fechheimer Bros. Company, que iremos discutir em uma seção mais à frente.
Fechheimer é uma empresa com excelentes fundamentos, gerida exatamente pelo tipo de
pessoa com quem gostamos de nos associar. Mas é relativamente pequena, representando
apenas 2% do patrimônio líquido da Berkshire.

No meio tempo, não tivemos novas ideias de compras no mercado de ações, uma área
que, apenas alguns anos atrás, conseguíamos empregar grandes somas em negócios incríveis
a preços bem razoáveis. Dessa forma, nossas principais alocações de capital em 1986 foram
pagar dívidas e estocar fundos. Nenhuma dessas duas coisas é pior do que a morte, mas
também elas não nos faz pular de alegria. Se Charlie e eu não tivermos sucesso em nossos
esforços de alocação de capital por alguns anos, a taxa de crescimento da Berkshire irá
diminuir significativamente.

Nós iremos continuar buscando por negócios que atendam aos nossos critérios e, com
sorte, iremos comprar tais negócios de tempos em tempos. Mas uma aquisição assim terá de
ser grande para ajudar no nosso desempenho de forma material. Nas condições atuais do
mercado, temos poucas esperanças de encontrar ações para comprarmos por meio de nossas
empresas de seguros. Mas os mercados irão mudar de forma significativa - esteja certo disso,
os nossos dias de rei irão chegar. Mas não temos a menor ideia de quando isso vai acontecer.

Nunca é ruim repetir (embora eu tenha a impressão de que vocês já estão carecas de
saber) que, mesmo em situações favoráveis, nossos retornos certamente irão diminuir de forma
significativa por conta de nosso tamanho. Nós já comentamos com vocês que temos a
esperança de manter uma média de retorno de 15% sobre o patrimônio líquido, e ainda
mantemos essa esperança viva, mesmo com algumas mudanças negativas nas leis fiscais,
descritas com maiores detalhes em outra seção desta carta. Se quisermos atingir essa taxa de
retorno, nosso patrimônio líquido deve crescer U$ 7,2 bilhões nos próximos dez anos. Um
ganho dessa magnitude será possível somente se tivermos algumas grandes (e boas) ideias,
antes que seja tarde. Charlie e eu não podemos prometer resultados, mas prometemos que
iremos manter nossos esforços focados em nossos objetivos.
Fontes dos ganhos reportados

A tabela a seguir mostra as principais fontes dos ganhos reportados pela Berkshire.
Essa tabela se difere de várias formas da tabela apresentada no ano passado. Nós
adicionamos quatro novas linhas de negócios por conta das aquisições da Scott Fetzer e
Fechheimer. No caso da Scott Fetzer, as duas principais unidades adquiridas foram a World
Book e Kirby, cada uma apresentada de forma separada. Quatorze outros negócios da Scott
Fetzer estão agregados em Scott Fetzer - Diversified Manufacturing. SF Financial Group, uma
companhia de crédito que detém os recebíveis da World Book e da Kirby, está incluída na linha
“Other”. Esse ano, por conta da grande expansão da Berkshire, nós eliminamos relatórios
separados de vários de nossos negócios menores.

Na tabela, a amortização do ​goodwill não é abatida de negócios específicos. Por razões


descritas no apêndice da minha carta de 1983, ela é agregada como um item em separado.
(Um compêndio das cartas anteriores, incluindo a discussão sobre ​goodwill​, é disponibilizado
àqueles que quiserem.) Tanto as aquisições da Scott Fetzer quanto da Fechheimer criaram um
goodwill​ contábil, e é por isso que a despesa com amortizações aumentou em 1986.

Adicionalmente, a aquisição da Scott Fetzer criou a necessidade de grandes ajustes


contábeis a respeito do preço de compra, como é recomendado pelos princípios contábeis
geralmente aceitos (​generally accepted accounting principles - ​GAAP). Os valores obtidos com
o GAAP, é claro, são os mostrados em nossas declarações financeiras. Mas, em nossa visão,
os valores GAAP não são necessariamente os mais úteis para investidores ou
gerentes/gestores. Assim, os valores de certas unidades operacionais representam ganhos
antes do ajuste de preço de compra. Com efeito, esses teriam sido os números reportados
pelas empresas caso não as tivéssemos comprado.

Uma discussão a respeito das razões de preferirmos esse tipo de apresentação é feita
no apêndice desta carta. Tal apêndice nunca será páreo para um bom livro de romance, e sua
leitura definitivamente não é um pré-requisito para nada. No entanto, sei que entre os nossos
seis mil acionistas há aqueles que ficam empolgados com meus ensaios sobre contabilidade -
e eu espero que esses dois leitores gostem do apêndice.

Nos Dados por Segmento de Negócio, nas páginas 40-43, e na Discussão da


Gestão, nas páginas 45-49, você irá encontrar bastante material adicional sobre os
nossos negócios. Eu peço para que vocês leiam tais seções, assim como a carta de
Charlie Munger para os acionistas da Wesco, onde ele descreve os negócios da
subsidiária, que começa na página 50.
Como você pode ver, os ganhos operacionais aumentaram de forma substancial em
1986. Parte da melhora veio da operação de seguros, cujos resultados eu comentarei em uma
seção a seguir. Fechheimer também será discutida em separado. As nossas outras grandes
operações tiveram o seguinte desempenho:
● Os resultados operacionais do The Buffalo News continuam a refletir um trabalho
de gestão realmente soberbo de Stan Lipsey. Pelo terceiro ano consecutivo, o
número de horas trabalhadas caiu de forma significativa e outros custos foram
controlados de perto. Consequentemente, nossas margens operacionais
aumentaram de forma concreta em 1986, mesmo com a taxa de anúncios
aumentando menos do que a maioria dos grandes jornais.

Nossos esforços com a redução de custos não afetaram de forma alguma o


nosso compromisso com a veiculação de notícias. Continuamos a entregar um
news hole de 50% (porção do espaço total de um jornal dedicada às notícias em
si), um percentual, acreditamos, maior do que qualquer outro jornal neste país,
de tamanho igual ou maior que o nosso.

O ​news hole médio de jornais comparáveis ao News é de cerca de 40%. A


diferença entre 40% e 50% parece ser mais relevante do que parece: um jornal
com 30 páginas de anúncios e com um ​news hole de 40% entrega 20 páginas
de notícias por dia, enquanto que o nosso jornal equipara as 30 páginas de
anúncios com 30 páginas de notícias. Assim, considerando que o número de
páginas de anúncios é igual, nós entregamos nada menos do que 50% mais
notícias aos nossos leitores.

Acreditamos que esse grande compromisso com as notícias é uma das


principais razões que fazem com que o The Buffalo News tenha a maior taxa de
penetração semanal (percentual de domicílios localizados na área principal de
distribuição que compram o jornal todos os dias) entre os cinquenta maiores
jornais do país. Nossa penetração aos domingos, onde também somos os
líderes, é ainda mais impressionante. Dez anos atrás, o único jornal que atendia
Buffalo aos domingos (o Courier-Express) tinha uma circulação de 271 mil
exemplares e uma taxa de penetração de cerca de 63%. O Courier-Express já
estava presente na área há muitas décadas, e sua taxa de penetração - similar
àquelas em muitas regiões metropolitanas - era tida como “natural”, refletindo
com precisão o apetite dos cidadãos por edições dominicais.

Nosso jornal de domingo teve início no final de 1977. Ele tem agora uma taxa de
penetração de 83% e vende cerca de 100 mil cópias a mais aos domingos do
que a Courier-Express vendia há dez anos - mesmo com a população em nossa
área de circulação tendo diminuído ao longo da década. Na história recente,
nenhuma outra cidade experimentou um ganho de penetração de um jornal
dominical tão grande quanto o nosso de Buffalo.

Apesar da nossa excepcional aceitação no mercado, nossas margens


operacionais, com quase toda a certeza, atingiram um pico. Um grande aumento
no preço do jornal ocorreu no final de 1986, e o aumento na nossa taxa de
anúncios em 1987 será novamente modesto em comparação com a indústria.
No entanto, mesmo se as margens forem reduzidas de forma substancial, nós
não iremos reduzir nosso percentual de ​news hole​.
Enquanto escrevo isso, completam-se exatamente dez anos desde que
compramos o The News. Os retornos financeiros que essa aquisição trouxe
superaram em muito as nossas expectativas, assim como os nossos retornos
não-financeiros. Nosso respeito pelo News - que já era grande quando o
compramos - cresceu de forma consistente desde a nossa compra, assim como
nosso respeito e admiração por Murray Light, o editor que transformou o jornal
em um produto tão bem aceito pela comunidade. Os esforços de Murray e Stan,
que foram cruciais ao News durante os dias sombrios de reveses financeiros e
litígios, não foram reduzidos de forma alguma durante os tempos de
prosperidade. Charlie e eu somos gratos a eles.

● Os incríveis Blumkin continuam a alcançar milagres gerenciais no Nebraska


Furniture Mart (NFM). Competidores vêm e vão (na maior parte, vão), mas a Sra.
B e seus filhos se mantém firmes. Em 1986, as vendas aumentaram 10,2%, para
U$ 132 milhões. Dez anos atrás, as vendas eram de U$ 44 milhões e, já naquela
época, o NFM parecia já ter abocanhado todos os negócios disponíveis na
região de Omaha. Dada a incrível dominância do NFM, o crescimento
populacional lento de Omaha e a modesta inflação que foi aplicada aos produtos
que o NFM vende, como pode essa operação continuar a alcançar ganhos de
vendas tão incríveis? A única explicação lógica é que o território de vendas da
única loja do NFM continua a crescer por conta de sua reputação inabalável de
oferecer os menores preços em uma grande variedade de produtos. Se
preparando para futuros ganhos, NFM está expandindo a capacidade de seu
estoque, localizado a alguns metros da loja, em cerca de um terço.

Sra. B, presidente do Nebraska Furniture Mart, continua a superar, com 93 anos,


qualquer gerente que já vi. Ela fica na loja sete dias por semana, da abertura até
o fechamento. Competir com ela é dar ouvidos à coragem no lugar do bom
senso.

É fácil deixar passar o que eu considero como a principal lição da saga da Sra.
B: aos 93 anos, este presidente que vos fala ainda não terá atingido seu ápice.
Por favor, arquive isso que falei e volte a consultá-lo novamente na reunião de
acionistas da Berkshire de 20243.

● Na See’s, as tendências de vendas melhoraram um pouco em relação aos anos


recentes. O número total de ​pounds4 vendidos aumentou cerca de 2%. (Para os
chocólatras de plantão, um dado interessante: vendemos mais de 12 mil
toneladas anualmente). Vendas ​same-store​, medidas por ​pound​, não sofreram
alterações. Nos últimos seis anos, as vendas ​same-store caíram. Dessa forma,

3
Ano em que Warren Buffett terá 93 anos.
4
Cerca de 453g.
conseguimos manter (ou aumentar) o volume de vendas apenas com a abertura
de novas lojas. Mas um Natal particularmente aquecido em 1986 estancou a
queda. Com a estabilização do volume ​same-store e esforços para controlar os
custos, a See’s conseguiu manter sua excelente margem de lucro em 1986,
mesmo com um aumento modesto de preço nos produtos. Temos que agradecer
Chuck Higgins, nosso gestor de longa data da See’s, por essa grande conquista.

A See’s tem uma “personalidade” única em seus produtos, fruto da combinação


do sabor delicioso, preço razoável, controle total da empresa sobre o processo
de distribuição e um serviço excepcional oferecido pelos funcionários das lojas.
O Chuck mede, e com razão, seu sucesso pela satisfação de nossos clientes, e
sua atitude permeia toda a organização. Poucas companhias de varejo
conseguem sustentar esse espírito tão orientado ao cliente, e devemos muito ao
Chuck por manter essa tradição viva e cada vez mais forte na See’s.

Os lucros da See’s devem permanecer em seus níveis atuais. Nós


continuaremos a aumentar os preços de forma modesta, apenas para equiparar
os aumentos de custos que venham a ocorrer.

● World Book é a maior das dezessete operações da Scott Fetzer que se juntaram
à Berkshire em 1986. No ano passado, comentei entusiasmado com vocês a
respeito do negócio com a Scott Fetzer e de Ralph Schey, gestor da empresa.
Um ano de experiência deixou meu entusiasmo ainda maior por ambos. Ralph é
um excelente gestor e extremamente assertivo. Ele traz muita versatilidade e
energia ao seu trabalho: apesar da grande quantidade de negócios que ele
administra, ele conhece muito bem as operações, oportunidades e problemas de
cada uma. E, como com os outros gestores, é um privilégio trabalhar com o
Ralph. Nossa boa sorte em ter boas pessoas ao nosso redor continua.

O volume de vendas da World Book aumentou pelo quarto ano consecutivo, com
um aumento de 7% no número de enciclopédias vendidas em relação a 1985 e
45% em relação e 1982. As vendas de livros infantis também cresceu de forma
significativa.

World Book continua a dominar o mercado de vendas diretas de enciclopédias


nos EUA - e por bons motivos. Extraordinariamente bem editada e com um
preço abaixo de cinco centavos por página, os livros são uma verdadeira
barganha, tanto para adolescentes quanto para adultos. Você pode achar a
seguinte técnica de edição interessante: a World Book classifica mais de 44 mil
palavras de acordo com sua dificuldade. Os verbetes mais longos da
enciclopédia incluem apenas as palavras mais compreensíveis nos parágrafos
iniciais, com um gradual aumento de complexidade conforme a explicação vai
ficando mais detalhada. Como resultado, os mais jovens podem fácil e
proveitosamente ler os verbetes até o ponto onde ficam muito difíceis de serem
entendidos ao invés de terem que lidar de imediato com uma discussão que
mistura palavras de nível universitário com outras de colegial.

Vender o World Book é uma vocação. Mais da metade de nossos vendedores é


composta por professores e ex-professores, e outros 5% tiveram experiência
como bibliotecários(as). Eles corretamente vêem a si mesmos como
educadores, e fazem um excelente trabalho. Se você não tem uma série da
World Book em sua casa, recomendo que você adquira uma.

● Kirby também reportou seu quarto ano consecutivo de ganho em volume de


vendas. A nível global, as vendas cresceram 4% em relação e 1985 e 33% em
relação a 1982. Embora o aspirador de pó vendido pela Kirby seja mais caro do
que a maioria dos outros aspiradores, ele tem um desempenho tão bom que
deixa os concorrentes mais baratos para trás (“comendo poeira”, literalmente).
Muitos aspiradores da Kirby de 30 ou 40 anos atrás ainda estão em
funcionamento. Se você quer o melhor produto, compre um aspirador Kirby.

Algumas empresas que historicamente tiveram grande sucesso na área de


vendas diretas começaram a ter certos tropeços nos últimos anos. Com toda a
certeza, a era das mulheres que trabalham - e não ficam mais apenas só em
casa - criou novos desafios para as companhias que lidam com vendas diretas.
Por enquanto, o histórico indica que tanto a Kirby quanto a World Book se
mostraram os mais resilientes nesse aspecto.

Os negócios descritos aqui, em conjunto com a operação de seguros e com a


Fechheimer, constituem nossos maiores ramos de negócios. A brevidade na descrição deles
não tem intenção alguma de diminuir a importância deles para nós. Tudo o mais já foi discutido
em cartas dos anos anteriores, e dada a tendência dos acionistas da Berkshire serem de longo
prazo (cerca de 98% das ações em circulação ao final de cada ano continua na mesma
titularidade que estavam no início do ano), queremos evitar a repetição de fatos básicos. Esteja
certo que iremos reportar com detalhes e imediatamente qualquer mudança nos fundamentos
ou no cenário competitivo dos nossos negócios. De forma geral, os negócios descritos nesta
seção podem ser caracterizados como possuindo posições consolidadas no mercado, altos
retornos sobre capital e com os melhores gestores possíveis.

The Fechheimer Bros. Co.

Todo ano, na carta anual da Berkshire, eu incluo uma descrição do tipo de negócio que
gostaríamos de comprar. Esse anúncio do tipo “procuram-se empresas” rendeu bons frutos em
1986.
No dia 15 de janeiro do ano passado, recebi uma carta de Bob Heldman, de Cincinnati,
um acionista da Berkshire há muitos anos e também presidente da Fechheimer Bros. Antes de
ler a carta, no entanto, eu não conhecia nem o Bob e nem a Fechheimer. Bob me escreveu
dizendo que administrava uma empresa que passava em nossos critérios e sugeriu que nos
reuníssemos, o que fizemos em Omaha após os resultados de 1985 da empresa serem
consolidados.

Ele me contou um pouco da história: Fechheimer, uma fabricante e distribuidora de


uniformes, começou as suas operações em 1842. Warren Heldman, pai de Bob, se envolveu
com o negócio em 1941, e seus filhos, Bob e George (agora presidente da companhia), e os
filhos destes subsequentemente entraram no quadro da empresa também. Sob a gestão dos
Heldman, a empresa foi muito bem administrada e teve muito sucesso.

Em 1981, Fechheimer foi vendida a um grupo de investidores de risco em um ​leveraged


buy out (LBO)5, com a gestão mantendo a participação societária. A nova empresa, como
acontece em todos os LBOs, teve início com uma alta razão de dívida sobre patrimônio. Após a
aquisição, no entanto, as operações continuaram a ter muito sucesso. No início do ano
passado, a dívida havia sido reduzida substancialmente e o valor patrimonial havia aumentado
muito. Por uma miríade de razões, os investidores queriam vender a empresa, e Bob, sendo
um ávido leitor das cartas da Berkshire, entrou em contato conosco.

Fechheimer é exatamente o tipo de negócio que gostamos de comprar. Seu histórico de


resultados é incrível; os gestores são talentosos, de alto nível e amam o que fazem; e a família
Heldman queria manter sua participação societária em parceria conosco. Dessa forma, nós
rapidamente compramos 84% das ações pelo preço baseado no ​valuation de U$ 55 milhões da
empresa.

As circunstâncias dessa aquisição foram semelhantes às da nossa compra do Nebraska


Furniture Mart: a maior parte das ações estava nas mãos de pessoas que queriam aplicar os
recursos em outros lugares; os membros da família gostavam de tocar o negócio e queriam
permanecer nos papéis de sócios e gerentes; gerações da família eram ativas na gestão da
empresa, fornecendo gestores a perder de vista; e a família queria se associar a um comprador
que não fosse vender o negócio de novo, independentemente do preço, e que deixaria a
empresa ser tocada como sempre foi. Tanto a Fechheimer quanto o NFM eram negócios certos
para nós, e nós éramos os compradores certos para eles.

Você pode não acreditar, mas nem Charlie e nem eu fomos até Cincinnati, onde fica a
matriz da Fechheimer, para ver sua operação. (E, curiosamente, o contrário também acontece:
Chuck Huggins, que tem tocado a See’s por 15 anos, nunca esteve em Omaha.) Se nosso
sucesso dependesse de nossas percepções ao visitar o chão de fábrica, a Berkshire teria

5
Compra do controle acionário da empresa pela própria gestão usando capital de terceiros.
sérios problemas. No lugar disso, ao considerarmos uma aquisição, nós tentamos avaliar os
fundamentos econômicos do negócio - suas vantagens e desvantagens competitivas - e a
qualidade das pessoas que estão à frente da empresa. Fechheimer se destacou nas duas
frentes. Além de Bob e George Heldman, que estão com sessenta e poucos anos - na flor da
idade pelas nossas medidas - há três membros da nova geração da família, Gary, Roger e
Fred, para garantir a continuidade da gestão.

Como protótipo de aquisição, a Fechheimer tem apenas um problema: tamanho.


Esperamos que nossas próximas aquisições sejam de empresas bem maiores, mas que
tenham todas as outras características que gostamos. Nosso limiar mínimo de ganhos após
impostos subiu para U$ 10 milhões ante o limiar anterior de U$ 5 milhões, que era o que estava
em vigência quando Bob me escreveu.

Como tivemos muito sucesso, repetimos aqui o nosso anúncio. Se você tem ou sabe de
algum negócio que passa pelo crivo a seguir, me ligue ou, de preferência, me escreva.

Eis o que procuramos:


(1) Grandes compras (pelo menos U$ 10 milhões em ganhos após impostos),
(2) Poder de geração de caixa consistente e já provado (projeções futuras e
turnarounds​ não chamam nossa atenção),
(3) Negócios que tenham bons retornos sobre o patrimônio líquido usando pouca ou
nenhuma dívida,
(4) Uma gestão que já esteja enraizada (nós não podemos fornecer pessoas),
(5) Negócios simples (se tiver muita tecnologia, não iremos entender),
(6) Um preço para negociação (não queremos perder o nosso tempo, nem de quem
quer nos vender, com conversas sobre uma transação que sequer tenha um
preço).

Nós não iremos nos envolver com negociações que não sejam amigáveis. Podemos
prometer total confidencialidade e uma resposta bem rápida - normalmente, em cinco minutos -
para dizer se temos interesse. Nós preferimos compras em dinheiro, mas iremos considerar a
emissão de ações se formos receber tanto valor intrínseco quanto iremos dar. Na verdade,
considerando as recentes altas nas ações da Berkshire, transações envolvendo emissão de
ações são bastante plausíveis. Nós convidamos potenciais vendedores a buscarem referências
sobre nós com quem tivermos feito negócios no passado. Para os negócios certos - e as
pessoas certas - nós podemos prover um bom lar.

Por outro lado, frequentemente nos são oferecidos negócios que não chegam nem
perto de passar por nosso crivo: novos empreendimentos, ​turnarounds​, vendas estilo leilão e o
famoso (entre corretoras) “Eu tenho certeza que algo vai dar certo se vocês se conhecerem
melhor”. Nada disso nos atrai nem um pouco.

* * * * *
Além de estarmos interessados na compra de negócios inteiros, como descrito
anteriormente, também temos interesse em compras negociadas de grandes, mas não
controladores, blocos de ação, como foi o caso de nossa compra da Cap Cities. Esse tipo de
compra nos interessa somente quando nos sentimos confortáveis com os fundamentos da
empresa e com a habilidade e integridade das pessoas que tocam a operação. Preferimos
grandes transações: em casos excepcionais, podemos fazer compras pequenas como de U$
50 milhões (ou até menos), mas realmente preferimos condições onde possamos fazer
compras muito maiores que isso.

Operações de seguros

A seguir, apresentamos nossa usual tabela com números da indústria, expandida este
ano para incluir dados sobre perdas incorridas e o índice de inflação calculado sobre a renda
nacional bruta (​Gross National Product - GNP). O contraste em 1986 entre o crescimento de
prêmios e o crescimento das perdas incorridas irá mostrar a você o motivo dos resultados de
underwriting6 no ano terem sido tão bons:

Fonte: Best’s Insurance Management Reports

A taxa combinada representa os custos totais com os seguros (perdas incorridas mais
despesas) comparada com as receitas dos prêmios: uma taxa acima de 100 indica lucro com
underwriting​; abaixo de 100, prejuízo. Quando os rendimentos que as seguradoras ganham
com os recursos vindos das apólices (o ​float​) são levados em consideração, uma taxa
combinada na faixa de 107-112 costuma resultar em um ​break-even7, excluindo ganhos vindos
dos recursos dos próprios acionistas.

6
Processo de subscrição. Se as práticas de subscrição gerarem contratos cujos prêmios excedem as
indenizações e demais despesas, o lucro subsequente elevará a capacidade da seguradora.
7
Situação onde as despesas e as receitas se anulam.
A matemática de seguros, resumida na tabela, não é muito complicada. Nos anos em
que o ganho anual da indústria em receitas (prêmios) fica na casa dos 4% ou 5%, as perdas
com ​underwriting com certeza ocorrerão. Isso não ocorre porque acidentes de carro, incêndios,
furacões e afins têm acontecido com mais frequência, e também não tem relação com a
inflação dos últimos tempos. Atualmente, a “inflação” social e judicial são os principais
culpados; o custo de um processo simplesmente atingiu níveis meteóricos.

Parte do aumento dos custos vem do salto em valores de vereditos, a parte vem da
tendência de juízes e júris de expandir a cobertura das apólices de seguros para além dos
limites dos contratos. Como não vemos nenhuma diminuição nessa tendência, continuamos a
acreditar que as receitas da indústria devem crescer perto de 10% ao ano para manter os
níveis de lucratividade, mesmo com a inflação a níveis baixos como 2-4%.

Em 1986, como já dito, o volume de prêmios da indústria aumentou de forma ainda mais
rápida do que os custos com perdas. Consequentemente, as perdas com ​underwriting caíram
dramaticamente. Na carta do ano passado, nós prevemos esse aumento repentino, mas
também previmos que prosperidade seria algo fugaz. Infelizmente, a segunda previsão já está
se mostrando correta. A taxa de ganho no volume de prêmios na indústria diminui de forma
significativa (de 27,1% estimados para o primeiro trimestre de 1986, para 23,5% no segundo,
para 21,8% no terceiro e para 18,7% no quarto), e provavelmente veremos mais quedas em
1987. De fato, a taxa de ganho pode cair bem abaixo dos meus 10% de “equilíbrio” por volta do
terceiro trimestre.

De qualquer forma, os resultados de ​underwriting em 1987, assumindo que nenhuma


grande catástrofe natural ocorra, terão um melhora significativa porque o aumento dos preços é
incorporado às receitas de forma defasada. A bem da verdade, os aumentos nos ganhos
seguem o aumento dos preços com uma diferença de seis a doze meses. Mas a tendência de
alta provavelmente irá acabar no fim de 1988 ou início de 1989. Após isso, a indústria
provavelmente irá despencar.

O comportamento dos preços na indústria de seguros continua a ser exatamente o que


se espera de um ramo que oferece um produto do tipo ​commodity​. Apenas em condições
excepcionais é possível conseguir alta lucratividade, e tais condições não costumam durar
muito tempo. Quando o sol da lucratividade começa a brilhar, seguradoras de longa data
derramam novas ações nos investidores com o objetivo de arregimentar capital. E as empresas
seguradoras mais novas correm para vender ações a preços vantajosos disponíveis no
mercado de emissões (preços que são vantajosos, na verdade, para os ​insiders que promovem
a companhia, não para os novos acionistas). Ambos esses movimentos são garantia de
problemas futuros: a capacidade das empresas fica inchada, a competitividade fica mais
acirrada e os preços caem.

É interessante observar empresas líderes do setor implorar aos colegas por um


comportamento de estadista em relação à política de preços. “Por que”, eles perguntam, “não
podemos aprender com o passado, suavizar os picos e vales, e oferecer um preço que ofereça
lucros razoáveis?” O que eles realmente desejam, na verdade, é uma política de preços que se
assemelhe a do The Wall Street Journal, cujo preço já é alto e aumenta de forma consistente
todos os anos.

Pedir por esse tipo de comportamento tem o mesmo efeito que um produtor de milho
em Nebraska pedir para que todos os outros produtores, a nível mundial, vendam o produto
com uma visão de estadistas. Com o vasto aumento de capital nos últimos dois anos, a
indústria de seguros tem, para continuar na mesma metáfora, expandido demais suas
plantações de milho. O aumento resultante na “colheita” - i.e., a proliferação da oferta de
seguros - terá o mesmo efeito nos preços e nos lucros do setor que um excesso de produção
ocasiona desde quando o mundo é mundo.

Nossas operações de seguro tiveram um bom desempenho em 1986, e provavelmente


terá um bom resultado também em 1987. Nós nos beneficiamos muito das condições gerais da
indústria. Mas boa parte de nossa prosperidade bem dos esforços e habilidades de Mike
Goldberg, gerente de todas as nossas operações de seguros.

Nossa taxa combinada (excluindo acordos estruturados8 e resseguros) saiu de 111 em


1985 para 103 em 1986. Em adição a isso, nosso crescimento em prêmio foi excepcional:
embora os valores finais ainda não estejam disponíveis, acredito que nos últimos dois anos
tenhamos sido a empresa que cresceu mais rapidamente entre as cem maiores seguradoras
do país. ​Parte do nosso crescimento, é verdade, veio do grande contrato com a Fireman’s
Fund, descrito na carta do ano passado e atualizado na carta do Charlie na página 54​.
Mas mesmo se retirássemos os prêmios deste contrato em específico do cálculo,
provavelmente ainda ocuparíamos o primeiro lugar em questão de crescimento.

Vale notar que nós éramos a seguradora de crescimento mais lento nos anos anteriores
a 1985. Na verdade, nós diminuímos de tamanho - e faremos isso de novo esporadicamente.
Nossas grandes variações de volume não significam que nós entramos e saímos do mercado
de seguros. Pelo contrário, somos seu participante mais assíduo, sempre prontos para fechar
contratos a preços que julguemos adequados em uma ampla gama de coberturas com altos
valores. Nossas variações de volume estão mais relacionadas com a quantidade de
seguradoras que quebram de tempos em tempos. Quando a maior parte das seguradoras vai à
falência porque a quantidade de capital que tinham era inadequada, ou porque ficaram
assustadas com as perdas, os segurados correm até nós e nos encontram prontos para fechar
negócio. Mas quando hordas de seguradoras surgem e oferecem preços muito abaixo dos
custos, muitos consumidores naturalmente nos deixam para aproveitar das barganhas
temporárias que são oferecidas pelos competidores.

8
Acordos em que a parte beneficiada recebe valores parcelados (às vezes pro resto da vida) ao invés do
valor cheio em uma parcela única.
Nossa firmeza nos preços não traz nenhum problema para o cliente: ele é bombardeado
por preços atrativos justamente nos períodos em que fechamos poucos contratos. E também
não traz problema algum aos nossos funcionários: nós não fazemos demissões em massa
quando passamos por um redução cíclica em uma de nossas operações de seguros que
costuma ser lucrativa. Essa prática de evitar demissões tem benefícios para nós mesmos.
Funcionários que ficam preocupados com demissões em massa causadas por reduções no
volume de prêmios irão, até compreensivelmente, fechar contratos com empresas duvidosas a
qualquer custo para mostrar que estão sendo produtivos.

As tendências no tradicional negócio da National Indemnity - apólices de automóveis


comerciais e seguros em geral - mostram como as outras seguradoras estavam apreensivas
até pouco tempo atrás e como estão ficando “valentes” agora. No último trimestre de 1984, o
volume mensal da NICO foi de U$ 5 milhões, em linha com o volume que ela vinha mantendo
nos últimos anos. No primeiro trimestre de 1986, o volume mensal bateu em U$ 35 milhões.

Nos últimos meses, uma grande queda tem acontecido. O volume mensal está na casa
dos U$ 20 milhões, e vai continuar caindo na medida em que novos competidores entrarem no
mercado e os preços sofrerem novos cortes. Ironicamente, os gerentes de algumas novas
seguradoras são os mesmos gerentes que, alguns anos atrás, levaram à bancarrota alguns de
nossos antigos concorrentes. Por meio de fundos garantidores do Estado, temos que pagar
parte das perdas deixadas por esses gerentes. E agora nós nos deparamos com as mesmas
pessoas fechando os mesmos tipos de contratos. C’est la guerre9.

Os negócios que denominamos, como de “alto risco”, aumentaram significativamente


em 1986, e vão continuar sendo importantes para nós no futuro. Nessa operação, nós
costumamos fechar contratos anuais com prêmios de U$ 1 milhão a U$ 3 milhões, ou até mais.
Esse tipo de negócio é, por definição, volátil - tanto em volume quanto em lucratividade - mas
nossa sólida posição financeira e vontade em fechar contratos de alto valor nos fazem ser uma
poderosa força no mercado quando os preços estão nos níveis certos.

Por outro lado, nosso ramo de acordos estruturados praticamente entrou em hibernação
porque os preços atuais não fazem sentido para nós.

O nosso provisionamento para perdas em 1986 do nosso grupo de seguradoras é


explicado com mais detalhes na página 46​. Os valores mostram o tamanho dos erros nas
estimativas dos nossos passivos no final de 1985 após a finalização de acordos e avaliações.
Como você pode ver, o que eu disse ano passado sobre os nossos passivos com perdas
estava bem longe da verdade - o que nos traz para três anos consecutivos de erros. Se as
regras fisiológicas que se aplicam ao Pinóquio fossem aplicadas a mim, meu nariz agora
atrairia a atenção de multidões.

9
Francês para “É a guerra”.
Quando executivos de seguradoras estabelecem os provisionamentos adequados de
forma tardia, eles falam de “fortalecimento de provisões”, um termo que soa até nobre. Eles
quase fazem acreditar que estão acrescentando camadas extras de proteção a um balanço que
já é sólido. Mas essa não é a verdade: o termo é, na verdade, um eufemismo para o que
deveria ser chamado de “correção de inverdades passadas” (embora não intencionais).

Nós fizemos um esforço especial ao final de 1986 para provisionar na dimensão correta.
No entanto, nossos esforços também foram grandes em 1985 e mesmo assim erramos.
Apenas o tempo irá dizer que nós finalmente conseguimos estimar corretamente os passivos
de seguros.

Apesar das dificuldades que tivemos com provisionamento e do aspecto de ​commodity


da indústria, estamos otimistas que nosso ramo de seguros irá crescer e gerar grandes
quantias de dinheiro - mas o avanço será particularmente irregular, com grandes surpresas
desagradáveis de tempos em tempos. É um negócio traiçoeiro, e uma atitude cautelosa é
essencial. Devemos dar atenção a Woody Allen: “Apesar da ovelha até ser capaz de dormir
com um leão, ela não deve esperar ter uma boa noite de sono.”

Nas nossas operações de seguros, temos uma vantagem em relação a nossa atitude,
uma vantagem em relação ao capital e estamos desenvolvendo uma vantagem em relação ao
quadro de funcionários. Adicionalmente, gosto de pensar que temos um resultado de longo
prazo acima da média com a alocação e investimento do ​float vindo dos recursos das apólices.
A natureza do ramo segurador sugere que precisaremos de todas essas vantagens para
prosperar.

* * * * *

A GEICO Corporation, empresa em que a Berkshire tem 41% de participação, teve um


ano incrível em 1986. A nível de indústria, os resultados de ​underwriting em linhas pessoais
não chegaram nem perto dos resultados nas linhas comerciais. Mas a GEICO, que
praticamente fecha contratos só na linha pessoal, conseguiu melhorar sua taxa combinada a
96,9 e cravou um ganho de 16% sobre o volume de prêmios. GEICO também continuou com
seu programa de recompra de ações, e finalizou o ano com 5,5% menos ações em circulação
do que tinha em relação ao começo do ano. Nossa participação no volume de prêmios da
GEICO soma mais de U$ 500 milhões, quase o dobro do valor de apenas três anos atrás. A
clientela da GEICO é uma das melhores no mundo de seguros, muito melhor até mesmo que a
clientela da própria Berkshire.

O ingrediente mais importante do sucesso da GEICO é o baixíssimo custo operacional,


o que destaca a empresa de literalmente centenas de competidores que oferecem seguros
para carros. O gasto total da GEICO com ​underwriting e despesas em 1986 foi de apenas
23,5% dos prêmios. Muitas grandes companhias têm gastos quinze pontos percentuais acima
disso. Mesmo outras empresas que trabalham com vendas diretas, como a Allstate e State
Farm, possuem custos bem maiores do que os da GEICO.

A diferença entre os custos da GEICO e os da concorrência forma uma espécie de


fosso que protege o valioso e cobiçado castelo de negócios. Ninguém entende melhor de
fossos econômicos do que Bill Snyder, presidente da GEICO. Ele continuamente aumenta o
fosso reduzindo os custos ainda mais, defendendo e fortalecendo os fundamentos econômicos
da companhia. Entre 1985 e 1986, a taxa de despesas da GEICO caiu de 24,1% para 23,5% e,
sob a liderança de Bill, essa taxa tem tudo para continuar caindo nos próximos anos. Se isso
acontecer - e se a GEICO mantiver seus padrões de serviço e ​underwriting - o futuro da
companhia será, de fato, brilhante.

O segundo estágio de propulsão da GEICO é abastecido por Lou Simpson,


vice-presidente, que tem se encarregado dos investimentos da empresa desde 1979. Pra ser
sincero, é até um pouco constrangedor para mim, o responsável por investimentos na
Berkshire, relatar o desempenho de Lou na GEICO. Somente a minha titularidade de um bloco
controlador de ações da Berkshire me deixa seguro o suficiente para mostrar os valores a
seguir, comparando o retorno da GEICO com o Standard & Poor’s 500:

Esse não são apenas valores impressionantes, mas o mais importante é que foram
conseguidos da forma correta. Lou investiu de maneira consistente em ações subvalorizadas
que, individualmente, tinham pouca chance de causar um dano permanente e que,
coletivamente, eram próximas de ser livre de risco.

Resumindo, GEICO é um negócio excepcional gerenciado por gerentes excepcionais.


Temos sorte de tê-los associados conosco.

Títulos e valores mobiliários

Durante 1986, nossas companhias de seguros compraram cerca de U$ 700 milhões de


títulos isentos de impostos, a maioria com vencimento de 8 a 12 anos. Você pode pensar que
esse comprometimento indica um considerável entusiasmo por tais títulos. Infelizmente, não é
bem isso: no melhor dos casos, títulos são investimentos medíocres. Eles simplesmente eram a
alternativa menos ruim na época em que os compramos, e eles ainda o são. (Atualmente, não
gostando nem de ações e nem de títulos, me encontro na situação completamente oposta de
Mae West quando declarou: “Eu gosto apenas de dois tipos de homens - os estrangeiros e os
nacionais.”)

Nós precisamos, necessariamente, manter títulos e valores mobiliários em nossas


empresas de seguros e, conforme o dinheiro vai entrando, temos apenas cinco alternativas: (1)
investimentos de longo prazo em ações; (2) títulos pré-fixados de longo prazo; (3) títulos
pré-fixados de médio prazo; (4) equivalentes de dinheiro de curto prazo; e (5) operações de
arbitragem de curto prazo.

Ações, claro, são o tipo de investimento mais divertido. Nas condições certas, isto é,
quando empresas com bons fundamentos econômicos e boas gestões são negociadas a um
preço muito abaixo do valor intrínseco, as ações dão um baile. Porém, nós não vemos
nenhuma ação atualmente que chegue perto de passar por nosso crivo. Essa afirmação não
deve de forma alguma ser vista como uma previsão de mercado: nós não temos a menor ideia
- e nunca tivemos - se o mercado vai subir, cair ou ficar de lado em um futuro próximo.

O que sabemos, no entanto, é que surtos ocasionais de duas doenças muito


contagiosas, medo e ganância, irão sempre ocorrer na comunidade investidora. O momento
desses surtos, no entanto, é imprevisível. E as aberrações causadas por eles serão tão
imprevisíveis quanto, tanto em duração quanto em grau. Dessa forma, nós nunca tentamos
prever a chegada ou encerramento de nenhuma dessas duas doenças. Nosso objetivo é mais
modesto: nós simplesmente tentamos ser temerosos quando os outros são gananciosos e
gananciosos quando os outros são temerosos.

No momento em que escrevo isto, há pouco temor em Wall Street. No lugar disso, a
euforia prevalece - e por que não deveria? O que poderia ser mais emocionante do que
participar de um ​bull market10 em que os retornos dos acionistas se tornam gloriosamente
descolados dos desempenhos penosos das empresas? Infelizmente, no entanto, as ações não
conseguem ter um desempenho melhor do que as próprias empresas de maneira indefinida.

De fato, por conta de altos custos de transação e investimentos, os acionistas no longo


prazo inevitavelmente terão resultados piores que as companhias que possuem em
determinados períodos. Se as empresas americanas, em geral, tiverem ganhos sobre o
patrimônio de 12% ao ano, os investidores acabarão ganhando menos que isso. ​Bull markets
podem obscurecer as leis matemáticas, mas nunca repelí-las.

10
Nome dado para quando o mercado está em tendência de alta.
A segunda categoria de investimentos disponíveis para nossas empresas de seguros
são os títulos de longo prazo. Temos pouco interesse por eles, exceto em situações muito
especiais, tais como as emissões da Washington Public Power Supply System #1, #2 e #3,
discutidas em nossa carta de 1984. (Ao final do ano, detínhamos títulos da WPPSS com custo
amortizado de U$ 218 milhões e avaliados em U$ 310 milhões a mercado, com pagamentos de
cupons isentos de U$ 31,7 milhões.) Nossa aversão a títulos de longo prazo está relacionada
com o nosso temor de vermos altas taxas de inflação na próxima década. Ao longo do tempo, o
comportamento da nossa moeda será determinada pelo comportamento de nossos políticos.
Esse tipo de relação é uma ameaça contínua à estabilidade monetária - e também é uma
ameaça aos detentores de títulos de longo prazo.

Nós continuamos aplicando dinheiro periodicamente no campo de arbitragem. No


entanto, diferente da maior parte dos arbitradores, que compram dezenas de títulos todo ano,
nós compramos apenas alguns. Nós nos restringimos a participar apenas de grandes negócios
anunciados publicamente, sem promessas de ganhos. Dessa forma, nosso lucro potencial
tende a ser pequeno; mas, com sorte, nossas decepções também o são.

Nosso portfólio mostrado a seguir inclui uma arbitragem, Lear-Siegler. Nosso balanço
também inclui um recebível de U$ 145 milhões, representando um dinheiro devido a nós (e
pago alguns dias depois) pela Unilever, que na época estava adquirindo a
Chesebrough-Ponds, uma de nossas ​holdings de arbitragem. A arbitragem é uma alternativa
aos títulos do Tesouro para deixar dinheiro de curto prazo - escolha que combina retornos
potencialmente maiores, mas também com riscos mais elevados. Até o momento, nossos
retornos com arbitragem têm sido muito maiores do que seriam se tivéssemos deixado os
recursos em títulos do Tesouro. Não obstante, apenas um resultado ruim pode ser suficiente
para inverter esse placar.

Atualmente, também enxergamos, embora com os olhos semicerrados, títulos isentos


de médio prazo como alternativa aos títulos de curto prazo do Tesouro. Ao comprar tais títulos,
corremos um risco de grandes perdas se, como parece ser provável, vendermos boa parte
deles muito antes do vencimento. No entanto, acreditamos que esse risco é mais do que
compensado por 1) retornos realizáveis muito maiores quando comparados com os títulos do
Tesouro, e 2) pela possibilidade das vendas gerarem lucro ao invés de prejuízo. Nossas
expectativas de obter um retorno maior, depois de levar em conta os riscos de perdas e
deduções de impostos, são até otimistas, mas podemos estar muito errados. Mas mesmo se
vendermos nossos títulos com um perda razoavelmente grande, nós ainda assim teremos
retornos maiores do que teríamos se ficássemos rolando títulos do Tesouro.

De toda forma, você deve estar ciente que nossas expectativas para as ações e títulos
que possuímos são bem modestas, dados os níveis atuais de mercado. Provavelmente, a
melhor coisa que poderia acontecer conosco seria um mercado onde escolhêssemos vender
vários de nossos títulos com grandes perdas com o objetivo de realocar tais recursos em
ações, que num cenário assim certamente estariam bastante descontadas. Essas perdas com
títulos que estou falando ocorreriam se a taxa de juros aumentasse; uma situação assim iria
comprimir os preços de ações de forma muito mais acentuada do que os preços de títulos de
médio prazo.

A seguir, mostramos nossas participações acionárias. Todas as posições com valor de


mercado acima de U$ 25 milhões são mostradas, excluindo os rendimentos atribuíveis aos
acionistas minoritários da GEICO e do Nebraska Furniture Mart.

Vale notar que pretendemos manter indefinidamente as nossas três principais


participações: Capital Cities/ABC, Inc., GEICO Corporation e The Washington Post. Mesmo se
as ações dessas empresas ficassem muito sobreprecificadas, nós não as venderíamos, da
mesma forma que não venderíamos a See’s ou o Buffalo Evening News caso alguém nos
oferecesse um preço muito acima do que acreditamos ser o valor de tais companhias.

Esse tipo de atitude pode parecer antiquada em um mundo corporativo onde manter-se
em constante movimento tem se tornado a ordem do dia. O gerente moderno sempre fala do
seu “portfólio” de negócios - o que significa que todas as empresas que ele tem em carteira são
candidatas a uma “reestruturação” sempre que uma nova tendência é ditada pelas preferências
de Wall Street, pelas condições operacionais ou um novo “conceito” corporativo.
(Reestruturação tem uma definição estreita: sua extensão se restringe a se livrar de alguns
negócios, não de se livrar dos gerentes e diretores que decidiram comprá-los. “Odeie o pecado,
não o pecador” é uma teologia tão popular na Fortune 500 quanto no Exército de Salvação.)

Os gerentes de investimento são ainda mais hiperativos: o comportamento deles


durante o pregão faz com que um furacão pareça uma pequena ventania por comparação. Pra
ser sincero, o termo “investidor institucional” está se tornando uma daquelas auto-contradições
chamada oxímoras, como “esse advogado cobra barato” ou “esse médico não atrasa”.
Apesar da gana por se mexer demais que assolou os negócios e finanças americanos,
nós iremos manter a nossa política de “até que a morte nos separe”. É a única com que Charlie
e eu nos sentimos confortáveis. Ela dá bons resultados e permite que nossos gestores toquem
seus negócios sem distrações.

NHP, Inc.

Ano passado, pagamos U$ 23,7 milhões por cerca de 50% da NHP, Inc., uma
construtora, dona e gestora de casas de aluguel. Se todas as opções dadas aos executivos
forem exercidas, nossa participação irá cair um pouco, para 45%.

NHP, Inc. tem uma genealogia bem incomum. Em 1967, o presidente Johnson formou
uma comissão de líderes cívicos e de negócios, liderada por Edgar Kaiser, para estudar formas
de aumentar a oferta de casas para famílias de baixa e média renda. Alguns membros da
comissão acabaram formando e promovendo duas entidades para estimular isso. Ambas são
agora controladas pela NHP, Inc. e uma delas opera com regras bem peculiares: três de seus
diretores devem ser indicados pelo presidente, sabatinados pelo Senado, e um relatório anual
deve, por lei, ser enviado ao comandante da nação.

Mais de 260 corporações, motivadas mais pela ideia de prestar um serviço público do
que lucrar, investiram U$ 42 milhões nas duas entidades originais, que logo começaram, via
parcerias, a desenvolver o projeto de propriedades para aluguel subsidiadas pelo governo.
Uma parceria típica envolvia uma única propriedade, que era financiada. A maior parte do
dinheiro vinha de um grupo pequeno de parceiros, que eram atraídos ao projeto pelas grandes
deduções de impostos que vinham junto do investimento. A NHP atuava como um parceiro em
todos os projetos, e acabava comprando uma pequena participação em cada parceria.

A política habitacional do governo, é claro, mudou e a NHP necessariamente expandiu


suas atividades para incluir apartamento não subsidiados, cobrando aluguéis a preço de
mercado. Além disso, uma subsidiária da NHP passou a construir casas na região de
Washington, D.C., obtendo uma receita anual de cerca de U$ 50 milhões.

A NHP supervisiona agora cerca de 500 propriedades/terrenos distribuídas em 40


estados, no District of Columbia e em Porto Rico. O número total de unidades11 em todas essas
propriedades é de cerca de 80 mil. O custo de aquisição dessas propriedades foi de mais de
U$ 2,5 bilhões, e elas têm sido bem conservadas. A NHP gere diretamente 55 mil unidades e
supervisiona o gerenciamento do restante. As receitas com a gestão são de U$ 16 milhões por
ano, número este que vem crescendo.

11
As unidades podem ser casas ou apartamentos.
Além da participação que ela comprou em cada parceria feita, a NHP tem ainda
rendimentos residuais que surgem quando uma propriedade é vendida e o valor é distribuído
entre os parceiros. Os resíduos vindos das propriedades subsidiadas têm pouca probabilidade
de ter valor. Mas os resíduos das propriedades sem subsídios podem vir a valorizar bastante,
especialmente se a inflação subir.

A sindicalização fiscal de propriedades para indivíduos (isto é, pessoa física) foi


descontinuada com a reforma fiscal de 1986. Com isso, a NHP está agora tentando se
posicionar ou ter rendimentos residuais significativos em propriedades não subsidiadas que
tenham boa qualidade e bom tamanho (entre 200 e 500 unidades por propriedade). Em
projetos desse tipo, a NHP normalmente trabalha com um ou mais investidores institucionais ou
credores. A empresa vai continuar buscando maneiras de construir casas e apartamentos para
a população de baixa e média renda, mas dificilmente obterá sucesso caso a política
governamental atual para o setor não mude.

Além de nós mesmos, os outros grandes acionistas da NHP são Weyerhauser (com
uma participação de 25%) e um grupo de gestores liderados por Rod Heller, atual CEO da
NHP. Cerca de 60 outras corporações mantém pequenas participações na empresa, todas
menores que 2%.

Taxação

A reforma fiscal de 1986 afetou vários de nossos negócios de maneiras importantes e


distintas. Embora tenhamos vários elogios à reforma, o efeito financeiro para a Berkshire é
negativo: nossa taxa de crescimento provavelmente vai ser um pouco menor agora do que era
com as leis anteriores. O efeito aos nossos acionistas é ainda mais negativo: cada dólar de
aumento por ação no valor da empresa, assumindo que tal aumento também ocorra no valor de
mercado da Berkshire, irá produzir 72 centavos de ganho após impostos, ao invés dos 80
centavos de antigamente.

Isso se dá, claro, pelo aumento na taxação máxima de ganhos de capital, de 20% para
28%.

Eis as maiores mudanças fiscais que irão afetar a Berkshire:


● O imposto sobre receitas ordinárias de empresas está programada para cair de
46% em 1986 a 34% em 1988. Esse mudança obviamente nos afeta de forma
positiva - e também tem um efeito particularmente positivo em dois de nossos
três principais investimento, Capital Cities/ABC e The Washington Post
Company.
Eu digo isso sabendo que, ao longo dos anos, tivemos muitas discussões
obscuras e frequentemente partidárias sobre quem realmente paga os impostos
corporativos - os negócios em si ou os consumidores. O argumento, é claro,
sempre vai em direção ao aumento de impostos, não de diminuição. As pessoas
contrárias ao aumento de taxas sobre empresas costumam argumentar que as
companhias agem como um fio condutor, repassando todos os impostos aos
consumidores finais. De acordo com eles, qualquer aumento de impostos
corporativos vão simplesmente levar a um aumento de preços dos produtos que,
para a empresa, é uma forma de compensar o aumento. Assumindo essa
posição, os proponentes dessa teoria do “fio condutor” também devem concluir
que uma redução nos impostos não irá significar maiores lucros, mas sim uma
redução nos preços dos produtos.

Por outro lado, outras pessoas argumentam que as empresas não apenas
pagam os impostos, mas os absorvem. Os consumidores, segundo essa
vertente, não são afetados pelas variações de taxação.

E o que realmente acontece? Quando os impostos são cortados, a Berkshire,


The Washington Post, Cap Cities, etc., absorvem esses benefícios ou os
repassam aos consumidores na forma de preços menores? Essa é uma
importante questão para investidores, gestores e legisladores.

Nossa conclusão é que em alguns casos os benefícios vindos com cortes em


impostos são absorvidos totalmente, ou quase, pelas empresas e seus
acionistas. Em outros casos, os benefícios são, em quase sua totalidade,
repassados ao consumidor. O que determina qual das duas opções irá ocorrer é
a força do setor em que a companhia está e se o lucro que ela pode ter é
regulado de alguma maneira.

Por exemplo, quando o setor é forte e os lucros após impostos são regulados de
uma forma razoavelmente precisa, como é o caso do setor elétrico, as
mudanças fiscais são amplamente refletidas nos preços, não nos lucros. Quando
impostos são reduzidos, os preços também são. Quando os impostos sobem, os
preços também o fazem, mas num ritmo mais lento.

Um resultado similar ocorre no segundo cenário - em uma indústria de alta


competitividade por preço, cujas empresas operam com margens muito
apertadas. Em setores assim, o livre mercado “regula” os lucros pós-impostos de
maneira irregular e atrasada, mas efetiva. O mercado, com efeito, realiza a
mesma função em uma indústria competitiva que comissões governamentais
realizam na regulação do setor elétrico. Em tais indústrias, portanto, mudanças
de impostos eventualmente afetam mais os preços do que os lucros.
No caso de setores não regulados e abençoados com fortes vantagens
competitivas, a história é outra: as empresas e os acionistas são os principais
beneficiários de cortes de impostos. Companhias assim se beneficiam dos
cortes da mesma forma que as empresas elétricas fariam caso não tivessem um
agente regulador obrigando-as a diminuírem os preços.

Muitos de nossos negócios, tanto os que controlamos totalmente quanto outros


que temos posições não majoritárias, possuem essas vantagens competitivas.
Consequentemente, reduções nos impostos acabam vindo para os nossos
bolsos ao invés dos bolsos de nossos clientes. Embora isso não seja a coisa
mais politicamente correta de dizer, é impossível negar. Se você estiver tentado
a pensar o contrário disso, pense em um momento no melhor médico cirurgião
ou advogado que você conheça. Você realmente acha que os valores que eles
cobram (que seriam o equivalente a empresas com fortes vantagens) vão ser
reduzidos agora que o imposto da faixa mais alta de pessoa física passou de
50% para 28%?

A sua alegria ao saber que impostos mais baixos beneficiam uma boa parte das
nossas operações deve ser atenuada por outra de nossas convicções: as faixas
de impostos programadas para 1988, tanto para pessoas físicas quanto
jurídicas, nos parecem completamente descoladas da realidade. As novas faixas
de impostos provavelmente vão dar a Washington um problema fiscal
incompatível com a estabilidade de preços. Assim, acreditamos que dentro de
cinco anos, ou os impostos irão aumentar ou a inflação vai subir. E não nos
surpreenderíamos se as duas coisas acontecessem.

● Impostos sobre ganhos de capital aumentarão de 28% para 34% a partir de


1987. Essa mudança terá um impacto negativo para a Berkshire, uma vez que
temos a expectativa de que o aumento de nosso valor intrínseco no futuro, assim
como foi no passado, virá por meio de ganhos de capital. Por exemplos, nossas
três maiores posições atualmente - Cap Cities, GEICO e Washington Post -
tinham um valor de mercado de U$ 1,7 bilhão no final do ano, perto de 75% do
patrimônio total da Berkshire, mas elas nos entregam apenas U$ 9 milhões de
receita anual. Todas as três empresas retém uma boa parte do que recebem, o
que esperamos se traduzir em ganhos de capital em algum momento.

A nova lei aumenta os impostos para todos os ganhos que forem realizados no
futuro, incluindo ganhos não realizados existentes antes da lei entrar em vigor.
Ao fim de 1986, tínhamos U$ 1,2 bilhão de ganhos não realizados em nossos
investimentos. O efeito da nova lei em nosso balanço será retardado por conta
de uma regra do GAAP12 que estipula que a taxação retroativa em cima dos
ganhos não realizados deve ser feita levando em conta a taxa de 28% no lugar
da taxa de 34%. Mas essa regra provavelmente irá mudar em breve. Quando
isso ocorrer, cerca de U$ 73 milhões irão desaparecer de nosso patrimônio
líquido para o pagamento de impostos.

● Dividendos e rendimentos recebidos por nossas empresas seguradoras terão


uma taxação muito mais severa com a nova lei. Primeiro, as empresas serão
taxadas em 20% sobre os dividendos recebidos, ao invés dos 15% da lei
anterior. Segundo, há uma mudança sobre os outros 80% que se aplica somente
a empresas de seguros de bens e acidentes: 15% dos 80% residuais serão
taxados se as ações que pagam dividendos tiverem sido compradas após 7 de
agosto de 1986. Uma terceira mudança, também restrita ao setor de seguros, diz
respeito a títulos isentos de impostos: os rendimentos vindos de títulos
comprados por seguradoras após 7 de agosto de 1986 terão uma isenção de
apenas 85%.

As duas últimas mudanças são muito importantes. Elas significam que os


rendimentos vindos dos investimentos que faremos nos anos futuros serão bem
menores do que seriam caso a lei antiga ainda estivesse em vigor. No melhor
dos casos, acredito que essas mudanças por si só serão responsáveis por uma
diminuição de 10% do poder de ganho das nossas operações de seguros em
comparação com nossas expectativas anteriores.

● A nova lei fiscal também altera de forma material o período de pagamento de


impostos pelas empresas seguradoras. Uma nova regra requer que nós
descontemos nossos provisionamentos das restituições, uma mudança que irá
diminuir as deduções e aumentar as receitas tributáveis. Uma outra regra, que
será implementada gradualmente ao longo dos próximos seis anos, faz com que
incluamos 20% da nossa reserva de prêmios não recebidos como receita
tributável também.

Nenhuma dessas duas regras altera o montante anual de impostos acumulados


reportados a vocês, mas ambas aceleram a adiantam o calendário de
pagamentos. Isto é, impostos anteriormente diferidos precisarão ser pagos já, o
que vai diminuir muito a lucratividade de nosso negócio. Uma analogia pode
explicar isso melhor: se ao completar 21 anos você tivesse que pagar
imediatamente todos os impostos sobre renda que você teria ao longo da vida,
tanto a sua riqueza quanto seu patrimônio seriam uma pequena fração

12
​Generally Accepted Accounting Principles​, ou Princípios Contábeis Normalmente Aceitos: conjunto de
regras e instruções a respeito de declarações contábeis.
comparados com o que poderiam ser caso todos os impostos referentes à sua
receita fossem pagos somente quando você morresse.

Os leitores mais atentos podem encontrar uma inconsistência no que falamos.


Há pouco, ao falarmos sobre empresas inseridas em um ramo de alta
competitividade de preços, afirmamos que aumentos ou reduções de impostos
têm pouco efeito sobre essas companhias, sendo repassados ao cliente final.
Mas agora estamos dizendo que o aumento de impostos irá afetar a
lucratividade das empresas seguradoras da Berkshire, muito embora elas
operem em um setor altamente competitivo.

A razão pela qual essa indústria se mostrará uma exceção à regra é que nem
todas as grande seguradoras estão sujeitas aos mesmos impostos. Diferenças
importantes vão existir por conta de alguns motivos: um novo imposto mínimo irá
afetar algumas empresas e outras, não; existem algumas grandes seguradoras
com enormes montantes de ​carry-forward13 que irão blindar suas receitas dos
aumentos durante alguns anos; e os resultados de algumas seguradoras serão
incorporados nos retornos consolidados de companhias que não pertencem ao
ramo segurador. Essas condições disparates irão produzir grandes variações
fiscais na indústria de seguros. Mas isso não ocorrerá em outros setores
altamente competitivos, como alumínio, carros e varejo, onde os maiores ​players
normalmente possuem quadros fiscais parecidos.

A ausência de um cálculo comum de impostos para as empresas seguradoras


indica que os aumentos das taxas provavelmente não serão repassados aos
clientes da mesma forma que seriam em outras indústria de preços competitivos.
Em outras palavras, as seguradoras vão acabar absorvendo boa parte do peso
dos novos impostos.

● Uma compensação parcial a esse peso é um ajuste de “página em branco” que


ocorreu em 1 de janeiro de 1987 quando os nossos provisionamentos foram
convertidos para se adequar às novas regras em 31 de dezembro de 1986. (Nas
nossas cartas a vocês, no entanto, as provisões continuarão a ser mostradas da
mesma forma que eram no passado - sem descontos, exceto em casos de
acordos estruturados.) O efeito líquido da “página em branco” é nos dar uma
dupla dedução: nós receberemos uma dedução em 1987 e em anos futuros por
uma parte de nossas perdas incorridas, mas não pagas, que já tinham sido
deduzidas como custos em 1986 e anos anteriores.

13
Prejuízos e perdas que podem ser deduzidos legalmente da tributação de receitas como forma de
reduzir a quantia a ser paga de impostos.
O aumento em patrimônio líquido causado por essa mudança ainda não se
reflete em nossas declarações financeiras. No lugar disso, sob as atuais regras
do GAAP (que podem mudar), esse benefício será incluído nos ganhos e,
consequentemente, no patrimônio líquido ao longo dos próximos anos como
redução nas cobranças de impostos. Acreditamos que o benefício da “página em
branco” será de U$ 30 milhões a U$ 40 milhões. Vale notar, no entanto, que
esse é um benefício que só pode ser usado uma vez. O impacto negativo de
outras mudanças fiscais não apenas já está vigorando mas, em alguns aspectos
importantes, se tornará mais severa ao longo do tempo.

● A General Utilities Doctrine14 foi repelida pela nova lei fiscal. Isso significa que de
1987 em diante haverá uma dupla taxação sobre liquidações corporativas, uma
a nível da empresa e outra a nível do acionista. No passado, o imposto a nível
de empresa podia ser evitado. Se a Berkshire, por exemplo, fosse ser liquidada -
o que certamente não irá acontecer - os acionistas iriam, sob a nova lei, receber
bem menos das vendas de nossos ativos em comparação do que receberiam
com a lei antiga, assumindo que os preços de venda fossem os mesmos.
Embora a liquidação da Berkshire seja apenas teórica, a mudança dessa lei irá
afetar, de forma concreta, inúmeras empresas. Por consequência, ela também
afeta nossas avaliações de investimento. Tome, por exemplo, empresas de óleo
e gás, de mídia, de construção civil, etc., que desejam ser liquidadas. Os valores
que os acionistas irão receber serão significativamente reduzidos pelo simples
fato da General Utilities Doctrine ter sido repelida - muito embora os
fundamentos econômicos das empresas não tenham mudado de forma alguma.
A impressão que tenho é que essa importante mudança na lei ainda não foi
totalmente compreendida por investidores e gestores.

Essa seção de nossa carta ficou mais longa e mais complicada do que eu gostaria que
fosse. Mas as mudanças que ocorreram foram muitas e importantes, especialmente para o
setor de seguros. Como eu já disse, a nova lei irá ter efeito negativo nos resultados da
Berkshire, mas ele é impossível de ser quantificado com precisão.

Miscelânea

Nós compramos um jato corporativo ano passado. O que você já ouviu falar sobre
esses aviões é verdade: eles são muito caros e um mimo para situações como a nossa em que
viagens para locais muito distantes são raras. E aviões não custam muito apenas para operar,
eles custam muito só de olhar. O custo de capital mais depreciação de um jato novo de U$ 15

14
Lei fiscal que permitia a uma empresa vender seus ativos com lucro e repassá-lo aos seus acionistas
sem pagar impostos.
milhões é, provavelmente, de U$ 3 milhões por ano. O nosso avião, comprado usado por U$
850 mil, custa perto de U$ 200 mil por ano.

Ciente desses valores, este presidente que vos fala, infelizmente, falou mal inúmeras
vezes sobre jatos corporativos. Portanto, antes de fazermos a compra, fui forçado a entrar em
meu modo Galileu. Eu rapidamente experienciei a necessária “contra-revelação”, e viajar agora
se tornou muito mais fácil - e muito mais caro - do que antigamente. Se a Berkshire vai ganhar
com esse jato permanece uma questão em aberto, mas irei trabalhar para conquistar alguns
negócios (não importa o quão dúbios) que eu possa atribuir a essa compra. Acho que Benjamin
Franklin tem meu número de telefone. Ele disse: “É muito conveniente ser uma criatura
racional, desde que isso a permita achar ou criar uma justificativa para tudo que passa em sua
mente.”

Cerca de 97% de todas as ações da Berkshire participaram do nosso programa de


doações. A soma das contribuições foi de U$ 4 milhões, e 1.934 instituições de caridade foram
ajudadas.

Pedimos encarecidamente aos novos acionistas que leiam a descrição do nosso


programa de doações nas páginas 58 e 59​. Se você deseja participar dos programas futuros,
pedimos que você se certifique que suas ações estão registradas em seu nome, não em nome
de terceiros ou da corretora. Ações não registradas até 30 de setembro de 1987 não poderão
participar do programa deste ano.

* * *

Ano passado, quase 450 pessoas vieram ao nosso encontro anual de acionistas, um
aumento em relação aos 250 acionistas que vieram no ano retrasado (e em relação à meia
dúzia que veio dez anos atrás). Espero que você possa vir ao nosso encontro no dia 19 de
maio, em Omaha. Charlie e eu gostamos de responder questões relacionadas aos nossos
negócios, e garanto que muitas perguntas boas serão feitas. Terminar de responder todas elas
pode demorar bastante - respondemos a 65 delas no ano passado, então sinta-se livre para ir
embora assim que a sua pergunta for respondida.

Ainda no ano passado, após a nossa reunião, um acionista nosso de Nova Jersey e
outro de Nova York foram até o Furniture Mart, onde cada um comprou U$ 5 mil em carpetes
orientais da Sra. B. (Para ser mais preciso, eles compraram carpetes que custariam U$ 10 mil
em outras lojas da concorrência.) A Sra. B ficou feliz - mas não se deu por satisfeita - e ela
estará aguardando por vocês na loja depois do encontro deste ano. A menos que nossos
acionistas ultrapassem o recorde do ano passado, estarei em maus lençóis. Então façam um
favor para mim (e para vocês mesmos) e visitem a loja dela.

Warren E. Buffett
Presidente do conselho
27 de fevereiro de 1987

APÊNDICE

Ajustes contábeis do preço de compra e a falácia do “fluxo de caixa”

Em primeiro lugar, uma pergunta rápida: a seguir mostramos os ganhos de duas


companhias em 1986. Qual das duas é mais valiosa?
(Números 1 a 4 se relacionam com itens discutidos a seguir nesta seção.)

Como você deve ter adivinhado, as empresas O e N são o mesmo negócio - Scott
Fetzer. Na coluna “O” (para ​old15), mostramos como teriam sido os ganhos GAAP da
companhia se não a tivéssemos comprado; na coluna “N” (de ​new16) mostramos os ganhos
GAAP do Scott Fetzer conforme reportados pela Berkshire.

15
Velho ou antigo.
16
Nova.
Devemos enfatizar que ambas as colunas mostram fundamentos econômicos idênticos -
i.e., as mesmas vendas, salários, impostos, etc. E as duas “companhias” geram a mesma
quantidade de caixa para os acionistas. A única diferença é a contábil.

Então, caros amigos filósofos, qual das colunas representa a verdade? Em qual
conjunto de números os investidores e gestores devem focar?

Antes de responder a essas perguntas, vamos ver o que causa a diferença entre O e N.
Nós iremos simplificar a discussão em alguns pontos, mas tal simplificação não irá causar
perdas de precisão em nossa análise e conclusão.

O contraste entre O e N vem do fato que pagamos um quantia diferente do patrimônio


declarado pela Scott Fetzer. De acordo com a GAAP, tais diferenças - prêmios ou descontos -
devem ser contabilizadas como “ajustes do preço de compra”. No caso da Scott Fetzer,
pagamos U$ 315 milhões pelo patrimônio que era avaliado em U$ 172,4 milhões. Ou seja,
pagamos um prêmio de U$ 142,6 milhões.

O primeiro passo contábil para qualquer prêmio pago é ajustar o valor contábil dos
ativos atuais a valores presentes. Na prática, esse requerimento não costuma afetar os
recebíveis, que costumam ser contabilizados a valor presente, mas afeta o estoque. Por conta
de um provisionamento LIFO17 de U$ 22,9 milhões e outros detalhes de contabilidade, o
estoque da Scott Fetzer foi declarado com um desconto de U$ 37,3 milhões em relação ao
valor atual. Assim, em nosso primeiro movimento contábil, usamos U$ 37,3 milhões do nosso
prêmio de U$ 142,6 milhões para aumentar o valor contábil do nosso estoque.

Assumindo que sobre algum prêmio após os ajustes dos ativos atuais, o passo seguinte
é ajustar os ativos imobilizados a valores correntes. No nosso caso, esses ajustes também
exigem algumas acrobacias contábeis com relação aos impostos diferidos. Como eu disse que
essa seria uma discussão simplificada, eu vou pular os detalhes e fazer um resumo da ópera:
U$ 68 milhões foram adicionados aos ativos imobilizados e U$ 13 milhões foram eliminados
dos nossos impostos. Após esse ajuste de U$ 81 milhões, ficamos com U$ 24,3 milhões de
prêmio para alocação.

Se houvesse necessidade, dois outros passos precisariam ser executados: o ajuste de


ativos intangíveis (além do ​goodwill​) a valores correntes justos e a reformulação dos passivos a
valores também presentes, um requerimento que costuma afetar apenas dívidas de longo
prazo e pensões. No caso da Scott Fetzer, no entanto, nenhum desses dois passos foi
necessário.

17
Vindo de ​last-in-first-out (último a entrar é o primeiro a sair), é um fluxo de custos que as companhias
americanas podem usar para “mover” os custos dos produtos em estoque para os custos dos produtos
vendidos. Com o LIFO, os custos mais recentes de produtos comprados (ou produzidos) são os
primeiros gastos declarados como custos de produtos vendidos.
O ajuste contábil que tivemos de fazer, após ajustar os valores de todos os ativos e
obrigações, foi a atribuição do prêmio residual ao ​goodwill (tecnicamente conhecido por
“excesso de custo sobre o valor justo dos ativos adquiridos”). O resíduo era de U$ 24,3
milhões. Assim, o balanço da Scott Fetzer imediatamente antes da aquisição, que é resumido
na coluna O a seguir, foi transformado, após a aquisição, na coluna N. Em termos reais, ambos
os balanços mostram os mesmos ativos e obrigações - mas, como você pode ver, alguns
valores podem ser bem diferentes.
Os valores mais altos mostrados na coluna N produzem os valores de receita mais
baixos mostrados também na coluna N dos ganhos constantes na primeira tabela desta seção.
Esse é o resultado do ajuste nos valores dos ativos e o fato de que alguns deles precisaram
ainda passar por depreciação ou amortização. Quanto maior o valor do ativo, maior a
depreciação ou amortização anual nos ganhos. Os descontos nos ganhos que foram causados
pelos ajustes nos ativos foram numerados na primeira tabela; a explicação para cada um é:

1. U$ 4.979.000 de estoque vindos, em primeiro lugar, de reduções que a Scott Fetzer fez
em seus estoques no ano de 1986; valores desse tamanho serão pequenos ou nem
existirão no futuro.
2. U$ 5.054.000 de uma depreciação extra atribuível aos ajustes dos ativos imobilizados;
um valor parecido com esse provavelmente ocorrerá anualmente pelos próximos 12
anos.
3. U$ 595.000 vindos da amortização do ​goodwill​; esse valor será recorrente pelos
próximos 39 anos em um montante levemente maior, uma vez que nossa aquisição
ocorreu em 6 de janeiro e, portanto, os valores de 1986 se aplicam a apenas 98% do
ano.
4. U$ 998.000 por acrobacias com impostos diferidos, cuja explicação breve (ou mesmo
longa) está fora da minha alçada; um valor próximo a esse ocorrerá anualmente
também pelos próximos 12 anos.

É importante entender que nenhum desses novos custos contábeis, de U$ 11,6


milhões, são dedutíveis sob um ponto de vista fiscal. A “nova” Scott Fetzer paga exatamente a
mesma quantidade de impostos que a “antiga” Scott Fetzer, embora os ganhos GAAP das duas
sejam bem diferentes. Sob um ponto de vista de ganhos operacionais, isso também é verdade.
No entanto, no improvável acaso da Scott Fetzer vender algum de seus negócios, as
consequências fiscais para a “nova” e “velha” companhia seriam bem diferentes.

Ao fim de 1986, a diferença de patrimônio líquido da “velha” e “nova” Scott Fetzer foi
reduzida de U$ 142,6 milhões para U$ 131 milhões por conta de U$ 11,6 milhões extras que
foram descontados dos ganhos da nova entidade. Conforme o ano for passando, descontos
parecidos nos ganhos irão fazer com que o prêmio desapareça e os balanços convirjam.
Mesmo assim, os valores mais altos dados aos terrenos e aos ativos no balanço novo
permanecerão assim, a menos que realizemos uma venda de parte de nossas propriedades ou
estoque.

* * *

O que isso tudo significa para vocês? Os acionistas da Berkshire compraram um


negócio que ganhava U$ 40,2 milhões em 1986 ou um que ganhava U$ 28,6 milhões? Os
descontos de U$ 11,6 milhões foram um custo econômico real para nós? Os investidores
deveriam pagar mais pelas ações da empresa O do que pela empresa N? E se um negócio
tinha um certo patamar de ganhos, a Scott Fetzer valia bem mais no dia anterior à nossa
aquisição?

Ao pensarmos nessas questões, ganhamos alguns ​insights sobre o que pode ser
chamado de “ganhos dos acionistas”. Eles representam (a) ganhos reportados mais (b)
depreciação, amortização e outros descontos tais como os itens (1) e (4) da empresa N menos
(c) o gasto médio anual de capital com fábricas, equipamentos, etc., que o negócio demanda
para manter sua posição competitiva de longo prazo e capacidade operacional. (Se o negócio
requer um capital adicional para manter sua posição competitiva e capacidade, o incremento
também deve ser incluído em (c). No entanto, empresas que seguem o método de estoque
LIFO normalmente não necessitam de capital adicional caso a capacidade operacional não
mude.)

Nossa conta de ganhos dos acionistas não fornece valores enganosos como é o caso
da GAAP, uma vez que (c) é fruto de um chute - que, às vezes, é bem difícil de acertar. Apesar
desse problema, o valor de ganho dos acionistas, e não o valor GAAP, é que é relevante em
termos de ​valuation - tanto para investidores comprando ações quanto para gestores
comprando empresas inteiras. Concordamos com a observação de Keynes: “Eu prefiro estar
vagamente certo do que precisamente errado.”

A abordagem que explicamos produz “ganhos para os acionistas” idênticos para a


companhia O e N, o que significa que os ​valuations também são iguais, como era de se
esperar. Conseguimos chegar nesse resultado porque a soma de (a) e (b) é a mesma nas
colunas O e N, e porque (c) é necessariamente igual nos dois casos.

E o que Charlie e eu, como acionistas e gestores, temos como o valor correto de
ganhos para os acionistas com a Scott Fetzer? Nas circunstâncias atuais, acreditamos que (c)
tem um valor bem próximo do valor (b) da empresa “antiga”, de U$ 8,3 milhões, e muito abaixo
do valor (b) da “nova” empresa, de U$ 19,9 milhões. Assim, acreditamos que os ganhos para
os acionistas estão muito melhor representados pelos ganhos reportados na coluna O do que
na coluna N. Em outras palavras, acreditamos que os ganhos da Scott Fetzer são muito
maiores do que os mostrados pelos valores GAAP que devemos reportar.

Isso obviamente é uma boa notícia. Mas cálculos dessa natureza normalmente não têm
finais felizes assim. A maioria dos gestores irá reconhecer que precisa gastar mais do que (b)
nas empresas ao longo do tempo para manter a competitividade e a capacidade operacional.
Quando esse imperativo existe - isto é, quando (c) é maior que (b) - os ganhos GAAP
exageram o tamanho dos ganhos reais. Com frequência, esse exagero é substancial. A
indústria de petróleo tem fornecido um exemplo cristalino disso nos últimos anos. Se a maior
parte das grandes empresas petrolíferas tivesse gasto apenas (b) todos os anos, elas teriam
encolhido de tamanho em termos reais.
Tudo isso aponta para o absurdo dos número de “fluxo de caixa” que são comumente
encontrados nos relatório de Wall Street. Tais número costumam incluir (a) mais (b), mas não
subtraem (c). A maior parte das apresentações de bancos de investimento incluem números
enganosos como esse. Isso implica que o negócio sendo ofertado é a contraparte comercial
das pirâmides do Egito - para sempre como estado da arte, sem nenhuma necessidade de
substituição, melhoria ou remodelagem. Na verdade, se todas as empresas americanas fossem
ser ofertadas simultaneamente pelos principais bancos de investimento - e se as
apresentações de cada uma delas fosse crível - as projeções governamentais de gastos com
fábricas e equipamentos deveriam ser reduzidas em 90%.

O “fluxo de caixa”, a bem da verdade, pode ter alguma utilidade em alguns negócios de
construção civil ou outros empreendimentos que fazem grandes investimentos iniciais e
pequenos acréscimos depois. Uma empresa cujo único ativo é uma ponte ou um bolsão de gás
natural enorme seria um exemplo disso. Mas o “fluxo de caixa” não tem sentido em setores
como manufatura, varejo, companhias de extração e utilidades porque, para eles, (c) tem
sempre uma grande importância. Negócios desse tipo podem, em um ano em específico, adiar
os gastos de capital. Mas em uma janela temporal de cinco ou dez anos, eles obrigatoriamente
precisam fazer investimentos, ou então o negócio irá retrair.

Por que, então, os valores de “fluxo de caixa” são tão populares atualmente? Ao
responder isso, confessamos nosso cinismo: acreditamos que tais números são
frequentemente usados por marketeiros com o intuito de justificar o injustificável (e, assim,
vender o que deveria ser “invendível”). Quando (a) - isto é, os ganhos GAAP - é, por si só,
insuficiente para justificar uma dívida ou um preço irreal das ações, se torna muito conveniente
ao vendedor focar em (a) + (b). Mas você não deve somar (b) sem subtrair (c): embora os
dentistas sempre nos lembrem, e com razão, que se você ignorar seus dentes, eles irão
desaparecer, o mesmo não pode ser dito de (c). A companhia ou investidor que acredita que o
valuation pode ser feito usando (a) e (b) e ignorando (c) com certeza encontrará problemas
mais a frente.

***

Resumindo: no caso da Scott Fetzer e de outros negócios nossos, o valor histórico de


(b) - i.e., tanto com a amortização de intangíveis e outros ajustes de preço de compra excluídos
- se aproxima muito do valor de (c). (Os dois itens não são a mesma coisa. Por exemplo, na
See’s nós temos gastos anuais que superam de U$ 500 mil a U$ 1 milhão a depreciação
apenas para mantermos nossa competitividade.) Nossa convicção a respeito desse ponto é a
razão pela qual mostramos nossa amortização e outros ajustes de preço de compra em itens
separados ​na tabela da página 8​, e também é o motivo pelo qual vemos os ganhos individuais
reportados na tabela como muito mais próximos da realidade do que os valores GAAP.

Questionar os valores GAAP pode parecer uma heresia a alguns. Afinal de contas,
pagamos nossos contadores para que eles nos digam a “verdade” sobre nossos negócios. Mas
o trabalho de um contador é anotar, não avaliar. O trabalho de avaliação fica a cargo de
investidores e gestores.

Os números contábeis, claro, são a língua dos negócios e como tal se mostram de
enorme ajuda para qualquer pessoa que esteja avaliando o valor de um negócio e
acompanhando seu progresso. Charlie e eu ficaríamos perdidos sem esses números:
invariavelmente, eles são o ponto de partida para avaliarmos os nossos próprios negócios e de
outros. Gestores e investidores precisam se lembrar, no entanto, que a contabilidade é nada
mais do que uma ajuda no racional de negócios, nunca uma substituta.
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1987.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

O nosso ganho de patrimônio líquido em 1987 foi de U$ 464 milhões, ou 19,5%. Nos
últimos 23 anos (isto é, desde que assumimos o controle da empresa), o valor patrimonial por
ação saiu de U$ 19,46 para U$ 2.477,47, ou 23,1% ao ano.

Mas o que importa, é claro, é a taxa de ganho por ação em valor intrínseco, não em
valor patrimonial. Em muitos casos, o valor patrimonial e o valor intrínseco de uma empresa
quase não têm correlação entre si. Por exemplo, pouco antes de irem à bancarrota, a LTV e
Baldwin-United publicaram resultados auditados mostrando que seus valores patrimoniais eram
de U$ 652 milhões e U$ 397 milhões, respectivamente. Por outro lado, a Belridge Oil foi
vendida a Shell em 1979 por U$ 3,6 bilhões, embora seu valor patrimonial fosse de apenas U$
177 milhões.

Na Berkshire, no entanto, os dois valores sempre andaram bem próximos um do outro,


com o crescimento do valor intrínseco na última década sendo moderadamente maior do que a
taxa de crescimento do valor patrimonial. Esse aspecto positivo foi mantido em 1987.

O nosso prêmio de valor intrínseco sobre o valor patrimonial aumentou por duas razões
simples: nós somos donos de alguns dos mais maravilhosos negócios possíveis, e eles são
administrados por gestores ainda mais incríveis.

Você tem o direito de questionar essa minha segunda afirmação. Afinal de contas, os
CEOs raramente dizem a seus acionistas se eles aglutinaram um monte de incompetentes para
tocar os negócios. A relutância deles em fazê-lo acaba resultando em alguns relatórios anuais
bem estranhos. Com frequência, na carta aos acionistas, um CEO irá detalhar páginas e mais
páginas do desempenho corporativo, o que é terrivelmente inadequado. No entanto, mesmo
assim, ele vai terminar o texto com um parágrafo acalentador descrevendo seus queridos
gestores como “o nosso mais precioso ativo.” Tais comentários, às vezes, nos fazem perguntar,
então, como deve ser a qualidade dos outros ativos.

Na Berkshire, no entanto, os meus elogios aos nossos gestores deveriam ser feitos com
ainda mais frequência. Para entender o motivo, ​primeiro dê uma olhada na página 7​, onde
mostramos os ganhos das nossas sete maiores participações fora do setor financeiro: Buffalo
News, Fechheimer, Kirby, Nebraska Furniture Mart, Scott Fetzer Manufacturing Group, See’s
Candies e World Book. Em 1987, esses sete negócios tiveram um ganho operacional
combinado (antes de impostos) de U$ 180 milhões.
Por si só, esse valor não nos diz nada a respeito do desempenho econômico das
empresas. Para avaliar isto, nós precisamos saber quanto do capital total - dívida e patrimônio -
foi necessário para produzir esses ganhos.

As dívidas têm um papel muito diminuto nessas sete companhias: em 1987, o valor
somado delas foi de apenas U$ 2 milhões. Dessa forma, os ganhos antes de impostos sobre o
capital social desses negócios foi de U$ 178 milhões. Isso sobre um patrimônio de apenas U$
175 milhões.

Se estas sete empresas tivessem operado como uma única companhia, os seus ganhos
(antes de impostos) em 1987 teriam sido de aproximadamente U$ 100 milhões, um retorno de
aproximadamente 57% sobre o capital social. Você dificilmente encontrará esse percentual em
outros investimentos, especialmente em empresas grandes e diversificadas. Eis um parâmetro
de comparação: no “Guia do Investidor” de 1988, a Fortune reportou que entre as 500 maiores
companhias industriais e as 500 maiores companhias de serviços, apenas seis delas
conseguiram uma média de retorno sobre patrimônio acima de 30% durante a última década. O
melhor desempenho entre essas mil empresas foi da Commerce Clearing House, com 40,2%.

É claro que o retorno que a Berkshire tem com essas sete empresas não é tão alto
quanto os seus retornos subjacentes porque, no geral, compramos esses negócios com um
substancial prêmio em relação ao capital social da empresa. No geral, essas operações estão
declaradas em nossos livros contábeis cerca de U$ 222 milhões acima do valor dos ativos que
elas possuem. No entanto, os gestores das empresas devem ser avaliados pelos retornos que
eles obtêm sobre os ativos em si; o que nós pagamos por um negócio não afeta a quantidade
de capital que seu gestor tem para trabalhar. (Se, para se tornar um acionista da Commerce
Clearing House, você tivesse que pagar, digamos, seis vezes o valor patrimonial, isso não
alteraria o retorno sobre patrimônio dela.)

Três importantes inferências podem ser feitas a partir dos valores que eu acabei de
citar. Primeiro, o atual valor intrínseco dessas sete empresas está muito acima do seu valor
patrimonial histórico e também muito acima do valor que elas foram registradas nos livros
contábeis da Berkshire.

Segundo, como esses negócios requerem pouco capital para serem tocados, eles
conseguem crescer disponibilizando quase todos os seus ganhos para serem usados em
novas oportunidades. Terceiro, tais negócios são gerenciados por pessoas verdadeiramente
extraordinárias.

Os Blumkin, os Heldman, Chuck Huggins, Stan Lipsey e Raph Schey têm todos uma
mescla de talento, energia e caráter para conseguir atingir resultados financeiros excepcionais.

Por bons motivos, nós tínhamos expectativas altíssimas quando nos associamos a
esses gestores. Em todos os casos, no entanto, a nossa experiência com eles foi muito melhor
do que as nossas expectativas. Nós recebemos deles muito mais do que merecemos. Mas
estamos dispostos a aceitar esse tipo de desequilíbrio sem nenhum problema. (Nós
concordamos com a visão de Jack Benny expressa quando ele recebeu um prêmio por sua
atuação: “Eu não mereço esse prêmio mas, se formos pensar bem, eu também tenho artrite e
eu também não mereço isso.)

Além dos Santíssimos Sete, nós temos um outro grande setor, o de seguros, que eu
também acredito ter um valor intrínseco muito maior que seu patrimônio líquido. No entanto,
elogiar o valor intrínseco de uma companhia de seguros é, decididamente, um processo
impreciso. Afinal, a indústria é volátil, os ganhos reportados, com frequência, não são tão
acurados, e as recentes alterações da legislação fiscal irão afetar muito a lucratividade no
futuro. Apesar desses problemas, nós gostamos do setor e, com quase toda certeza, ele
permanecerá como sendo nossa maior operação. Sob a gestão de Mike Goldberg, o ramo de
seguros nos dará bons resultados ao longo do tempo.

Com gestores como os nossos, meu sócio, Charlie Munger, e eu temos pouco a
acrescentar a nossas operações. Na verdade, se nós optássemos por fazer mais coisas,
obteríamos menos resultados. Nós não temos reuniões corporativas, não temos orçamentos
corporativos, e também não temos avaliações de desempenho (embora nossos gestores, claro,
encontrem utilidade nesses procedimentos em suas operações). Afinal de contas, o que
poderíamos dizer aos Blumkin sobre móveis para casa ou aos Heldman sobre uniformes?

A maior contribuição que podemos dar às nossas operações de nossas subsidiárias são
aplausos. Mas não são aplausos indiscriminados ao estilo Pollyanna1. Nada disso, são
aplausos baseados em duas longas carreiras que passamos observando intensamente o
desempenho dos negócios e o comportamento dos gestores. Charlie e eu já vimos tantos
resultados ordinários e medíocres no mundo dos negócios que nós realmente sabemos dar
valor a um desempenho virtuoso. Apenas uma reação ao desempenho de 1987 dos nossos
gestores é apropriado: uma longa e ensurdecedora salva de palmas.

Fontes dos ganhos reportados

A tabela a seguir mostra as principais fontes dos ganhos reportados pela Berkshire. Na
tabela, amortização do ​goodwill e outros ajustes contábeis do preço de compra não são
descontados dos negócios aos quais eles pertencem mas, ao invés disso, são aglutinados e
mostrados em separado. Com efeito, esse procedimento apresenta os ganhos de nossos
negócios que eles teriam reportado caso nós não os tivéssemos comprado. Nos apêndices das
minhas cartas de 1983 e 1986, eu expliquei o porquê essa forma de apresentação nos parece

1
Referência ao livro de mesmo nome, cuja personagem principal busca sempre ver o lado positivo de
qualquer situação.
ser mais útil aos investidores e gestores do que a apresentação contábil padrão (GAAP2), que
requer a apresentação dos ajustes de preço de todos os negócios individualmente. Os ganhos
líquidos totais que mostramos na tabela são, é claro, idênticos aos valores GAAP constantes
em nas nossas declarações financeiras auditadas.

Na seção “Dados sobre Negócios” nas páginas 36-38 e na “Discussão da


Gestão”, nas páginas 40-44, você poderá encontrar informações adicionais a respeito de
nossos negócios. Nessa seções, você também encontrará os ganhos por segmento
reportados de acordo com as regras GAAP.

Eu sugiro que você leia este material, assim como a carta de Charlie Munger aos
acionistas da Wesco, descrevendo os vários negócios daquela subsidiária e que começa
na página 45.

2
​Generally accepted accounting principles​ (GAAP), ou Princípios Contábeis Geralmente
Aceitos.
Gypsy Rose disse certa vez em um dos seus últimos aniversários: “Eu tenho tudo o que
tinha no ano passado; mas tudo está 2 cm menor.” Como a tabela mostra, durante 1987 quase
todos os nossos negócios envelheceram de uma maneira melhor do que essa.

Não há muitas novidades a respeito dos negócios da tabela - e isso é bom, não ruim.
Mudanças bruscas e retornos excepcionais normalmente não se misturam. A maior parte dos
investidores, é claro, se comporta como se o oposto fosse verdadeiro. Isto é, eles normalmente
procuram as maiores taxas de preço sobre lucro em negócios exóticos que ofereçam a
promessa de mudanças estupendas. Esse prospecto deixa os investidores fantasiarem sobre
uma lucratividade futura, ao invés de encararem as realidades atuais do negócio. Para esses
investidores-sonhadores, qualquer encontro às cegas é preferível a um encontro com a garota
que mora ao lado, não importa o quão simpática ela seja.

A experiência, no entanto, indica que os melhores retornos normalmente são


alcançados por companhias que estão fazendo algo bastante similar hoje ao que elas estavam
fazendo cinco ou dez anos atrás. Isso não é justificativa para uma complacência por parte da
gestão. Os negócios sempre têm oportunidades de melhorar o serviço, as linhas de produção,
as técnicas de produção, etc., e, obviamente, tais oportunidades devem ser aproveitadas. Mas
um negócio que constantemente encara mudanças também encara muitas chances de cometer
erros grotescos. Além disso, um terreno econômico que está sempre em constante terremoto é
o tipo de terreno onde é difícil construir um negócio que seja uma fortaleza. Afinal de contas,
uma fortaleza com boas vantagens competitivas é a chave para sustentar altos retornos.

O estudo da Fortune que eu mencionei anteriormente dá suporte a essa visão. Apenas


25 das mil companhias passaram nos dois testes de excelência econômica - um retorno sobre
patrimônio maior que 20% ao longo de 10 anos - de 1977 a 1986 - e nenhum ano com o
retorno inferior a 15%. Esses negócios incríveis também foram incríveis no mercado de
capitais: durante a década analisada, 24 de 25 deles superaram o S&P 500.

Os campeões da Fortune podem surpreender você de duas maneiras. Primeiro, a maior


parte deles é pouco alavancada em comparação com a sua capacidade de distribuição de
dividendos. Negócios muito bons normalmente não têm necessidade de obter empréstimos.
Segundo, exceto por uma companhia que é de “alta tecnologia” e algumas outras que fabricam
medicamentos, o restante da lista de 25 empresa está em setores que, no geral, são bastante
mundanos. A maior parte vende produtos ou serviços bem comuns da mesma maneira que
faziam 10 anos atrás (embora em quantidades maiores agora, ou a preços mais altos, ou
ambos). O recorde dessas 25 companhias confirma que tirar o melhor proveito de um ramo que
já é forte ou concentrar os esforços em uma única linha de negócios é o que normalmente
produz resultados econômicos excepcionais.

A experiência da Berkshire tem sido similar a isso. Nossos gestores têm produzido
resultados extraordinários fazendo coisas comuns - mas fazendo-os excepcionalmente bem.
Nossos gestores protegem seus negócios, controlam custos, buscam por novos produtos e
mercados que possam aumentar suas seus fossos econômicos, além de não se distraírem com
assuntos irrelevantes. Eles trabalham duro em cada detalhe do negócio, e o resultado disso é
visível.

Eis uma atualização:


● Agatha Christie, cujo marido era um arqueólogo, disse que essa era a profissão
perfeita para um cônjuge: “Quanto mais velha você fica, mais interessados eles
ficam em você.” São os estudantes de administração, não arqueólogos, que
deveriam estar interessados na Sra. B (Rose Blumkin), a presidente de 94 anos
do Nebraska Furniture Mart.
Há 50 anos, a Sra. B deu início ao seu negócio com U$ 500, e hoje o NFM é, de
longe, a maior loja de móveis domésticos do país. A Sra. B continua a trabalhar
7 dias por semana, da abertura até o fechamento da loja. Ela compra, ela vende,
ela gerencia - e ela ultrapassa com folga a concorrência. Está claro para mim
que ela está ganhando cada vez mais velocidade, e irá atingir seu potencial
pleno daqui a 5 ou 10 anos. Portanto, eu persuadi o conselho a excluir a nossa
política de aposentadoria compulsória aos 100 anos. (E já era hora: a cada ano,
essa política me parecia cada vez mais inútil.)

A receita líquida do NFM foi de U$ 142,6 milhões em 1987, um crescimento de


8% comparado com 1986. Não há nenhuma outra loja como essa no país, e não
existe nenhuma outra família como a que a Sra. B criou para continuar
conduzindo os negócios: o filho dela, Louie, e seus três filhos Ron, Irv e Steve
possuem o instinto empreendedor, integridade e gana que a Sra. B também tem.
Eles trabalham como uma equipe e, sendo fortes individualmente, o conjunto se
torna muito maior do que a soma das partes.

O trabalho soberbo feito pelos Blumkin beneficia a nós como acionistas, mas
beneficia ainda mais notoriamente os clientes do NFM. Eles economizaram
cerca de U$ 30 milhões em 1987 ao comprar no NFM. Em outras palavras, os
bens que eles compraram teriam custado muito mais se tivessem sido
adquiridos em algum outro lugar.

Você irá gostar de uma carta anônima que eu recebi em agosto passado:
“Lamento ver que os lucros da Berkshire caíram no segundo trimestre. Uma
forma de você ganhar de volta parte do que perdeu é checar a política de preços
do Nebraska Furniture Mart. Você irá notar que eles estão deixando de 10% a
20% na mesa. Esse lucro adicional em cima de U$ 140 milhões em vendas dá
U$ 28 milhões. Isso não é dinheiro de troco! Procure por outros revendedores de
móveis, carpetes e eletrodomésticos. Subir seus preços para obter um lucro
razoável irá ajudar vocês. Obrigado. Assinado: um competidor.”

O NFM continuará a crescer e prosperar seguindo o mote da Sra. B: “Venda


barato e diga a verdade.”

● Entre os principais jornais do seu tamanho ou maiores, o Buffalo News continua


a ser o líder nacional em duas importantes esferas: (1) a sua taxa de penetração
nos dias da semana e aos domingos (percentual de domicílios na área primária
de vendas do jornal que o compram); e (2) o percentual do seu ​news hole
(porção do jornal que é dedicada às notícias).
Não é coincidência que nós sejamos líderes em ambas as categorias: um jornal
excepcionalmente rico em notícias tem muito mais apelo de audiência, o que
leva a uma penetração mais alta. Obviamente, a quantidade deve ser tão grande
quanto a qualidade. Isso não significa apenas ter boas reportagens e uma boa
escrita; significa apresentar matérias inéditas e relevantes. Para ser
indispensável, um jornal deve prontamente dizer aos seus leitores muitas coisas
as quais eles queiram saber e que não iriam ler a respeito até muito tempo
depois, se é que um dia leriam.

No News, nós publicamos sete novas edições a cada 24 horas, cada uma com
um conteúdo bem diferente da outra. Um pequeno exemplo que pode te
surpreender: nós refazemos a página de obituário a cada edição do News, ou
seja, sete vezes ao dia. Qualquer obituário adicionado nesse meio tempo roda
em todas as outras sete edições seguintes, até que o ciclo se complete.

É vital, claro, que um jornal cubra notícias nacionais e internacionais com


profundidade. Mas também é vital que ele faça algo que apenas um jornal local
pode fazer: prontamente e extensivamente reportar notícias que sejam
importantes para a vida da comunidade. Fazer esse trabalho bem requer um
amplo espectro de notícias - e isso significa usar muito espaço e de forma
inteligente.

Nosso ​news hole foi de cerca de 50% em 1987, mesmo percentual dos últimos
anos. Se nós reduzíssemos essa taxa a percentuais mais típicos da indústria,
como 40%, nós economizaríamos aproximadamente U$ 4 milhões por ano com
custos de impressão. Isso não nos interessa nem um pouco - e não nos
interessaria mesmo se, por uma razão ou outra, nossas margens de lucro
fossem reduzidas de forma significativa.

Charlie e eu não acreditamos em orçamentos operacionais flexíveis, tais como


“Despesas indiretas podem ser X se as receitas forem Y, mas devem ser
reduzidas caso as receitas sejam de Y - 5%.” Realmente precisaríamos diminuir
o tamanho do nosso ​news hole no Buffalo News, ou a qualidade do produto e
serviço da See’s, simplesmente porque os lucros diminuíram em um ano ou em
um trimestre? Ou, por outro lado, deveríamos contratar um economista, um
estrategista, um marqueteiro ou coisa parecida que não faria bem algum para a
Berkshire quando estivéssemos em um bom período, com dinheiro sobrando?

Isso não faz nenhum sentido para nós. Nós não entendemos a necessidade de
adicionar pessoas ou atividades desnecessárias simplesmente porque os lucros
estão crescendo, da mesma forma que não entendemos a necessidade de cortar
colaboradores ou atividades essenciais quando a lucratividade está em queda.
Esse tipo de abordagem estilo ioiô não faz sentido do ponto de vista gerencial ou
humano. Nosso objetivo é fazer algo que faça sentido para os clientes e
empregados da Berkshire em todos os momentos, nunca adicionar algo que é
desnecessário. (“Mas e o jato corporativo?”, alguns de vocês podem perguntar
de maneira rude. Bem, ocasionalmente, o homem deve se erguer acima dos
seus próprios princípios.)

Embora as receitas do News tenham crescido de forma apenas moderada desde


1984, a gestão Incrível de Stan Lipsey, nosso editor, tem produzido um
excelente crescimento de lucratividade. Já faz alguns anos que eu tenho
previsto, de forma incorreta, que as margens de lucro do News iriam cair. Neste
ano, no entanto, eu finalmente irei acertar: as margens irão, sem sombra de
dúvida, diminuir em 1988, e o lucro pode cair também. O motivo principal é o
aumento exponencial dos custos de impressão.

● Fechheimer Bros. Company é mais um de nossos negócios em família - e,


assim como os Blumkin, que família! Três gerações de Heldman têm construído,
de forma consistente e por três décadas, as vendas e lucros desta fabricante e
distribuidora de uniformes. No ano em que a Berkshire adquiriu o controle
acionário da Fechheimer - 1986 - os lucros estavam em patamares recordes. Os
Heldman não reduziram o ritmo depois disso. Os ganhos no último ano
aumentaram de forma substancial e as expectativas são boas para 1988.

Não há nada mágico a respeito do ramo de uniformes; a única mágica está nos
Heldman. Bob, George, Roger e Fred conhecem cada detalhe do negócio, e eles
se divertem gerindo a empresa. Temos sorte em sermos parceiros deles.

● Chuck Huggins continua a bater recordes na See’s, assim como tem feito desde
quando o colocamos no comando da companhia, no mesmo dia em que
adquirimos a empresa 16 anos atrás. Em 1987, o volume total vendido atingiu
uma nova alta histórica de aproximadamente 25 milhões de ​pounds3. Pelo
segundo ano consecutivo, as vendas ​same-store, ​medidas em pounds​, ficaram
virtualmente no mesmo lugar. Caso você esteja confuso, isso representa uma
melhoria: em cada um dos últimos seis anos, as vendas ​same-store vinham
caindo.

Embora tenhamos conquistado um excelente resultado no Natal de 1986, nós


conseguimos um resultado ainda melhor loja a loja em 1987 durante o período
de Natal do que em qualquer outro período do ano. Dessa forma, o fator sazonal
na See’s tem se tornado ainda mais extremo. Em 1987, cerca de 85% do nosso
lucro veio durante o mês de dezembro.

3
Por conversão, 1 ​pound corresponde a aproximadamente 453g. Assim, o volume total vendido foi de
cerca de 11.300 toneladas.
Lojas de chocolates são locais divertidos para se visitar, mas a maioria delas
não tem sido tão divertida assim para os seus donos. Do que já observamos,
praticamente nenhuma outra companhia além da See’s tem conseguido bons
lucros nos últimos anos no ramo de chocolates e doces. Dessa forma, fica claro
que o resultado de Chuck na See’s não é fruto de uma tendência de alta na
indústria. Muito pelo contrário, é um desempenho único e excepcional.

As conquistas que ele vem obtendo requerem um excelente produto - que nós
temos - mas também requer uma afeição genuína pelo cliente. Chuck é
completamente orientado aos desejos do cliente, e esse tipo de atitude marca o
compasso de toda a organização da See’s.

Eis um exemplo de Chuck em ação: na See’s, nós regularmente adicionamos


novos tipos de chocolate ao nosso mix de produtos e retiramos outros para
manter nossa linha de produção com cerca de 100 variedades. Na primavera
passada, selecionamos 14 itens para serem eliminados. Dois deles, no entanto,
fizeram muita falta aos nossos clientes, que não perderam tempo e nos avisaram
o que acharam da nossa atitude: “Que todos da See’s que participaram dessa
decisão abominável contraiam algum tipo de doença terminal…;” “Que todos os
seus novos chocolates derretam no processo de distribuição, que eles fiquem
azedos nas bocas das pessoas, que seus custos subam e seus lucros caiam…;”
“Nós estamos analisando a possibilidade de entrar com um mandado judicial
exigindo que vocês voltem a fornecer esses produtos…;” Acho que deu para
entender. Ao todo, recebemos centenas de cartas.

Chuck não apenas recolocou esses chocolates na linha de produção, como


também transformou esse erro em uma oportunidade. Cada pessoa que havia
escrito uma reclamação recebeu de retorno uma resposta totalmente honesta e
completa. Na carta, Chuck disse: “Felizmente, quando eu tomo decisões ruins,
coisas boas frequentemente acontecem como resultado…;” E essa
carta-resposta vinha acompanhada de um vale-presente especial.

A See’s aumentou seus preços de maneira parcimoniosa nos últimos dois anos.
Em 1988, aumentamos os preços de forma um pouco mais acentuada, mas
ainda assim moderada. Até o momento, as vendas têm sido fracas, e pode ser
difícil para a See’s aumentar seu faturamento este ano.

● World Book, Kirby e a Scott Fetzer Manufacturing Group estão todas sob a
gestão de Ralph Schey. E que bom para nós que é assim. Eu disse a vocês ano
passado que o desempenho da Scott Fetzer em 1986 tinha excedido, e muito, as
expectativas que Charlie e eu tínhamos quando a adquirimos. Os resultados de
1987 foram ainda melhores. Os ganhos, antes de impostos, aumentaram em
10%, enquanto que a média de capital empregado caiu de forma significativa.

A maestria de Ralph nos 19 negócios pelos quais ele é responsável é


verdadeiramente incrível, e ele tem conseguido atrair outros gerentes também
excepcionais para tocar essas empresas. Nós adoraríamos encontrar mais
algumas unidades que pudessem ser colocadas sob a supervisão do Ralph.

Os negócios pertencentes à Scott Fetzer são muito numerosos para que


possamos descrevê-los com detalhes. Vamos apenas dar uma atualização a
respeito de um dos nossos favoritos: ao final de 1987, a World Book lançou uma
edição com a mais ampla revisão feita desde 1962. O número de fotos coloridas
aumentou de 14 mil para 24 mil; mais de 6 mil artigos foram revisados; 840
novos colaboradores foram contratados. Charlie e eu recomendamos esse
produto a você e sua família, assim como recomendamos os produtos infantis da
World Book, Childcraft e Early World Learning.

Em 1987, o volume de unidades vendidas do World Book aumentou pelo quinto


ano consecutivo. As vendas internacionais e os lucros também cresceram de
forma substancial. As expectativas estão boas para as operações da Scott
Fetzer, em especial para o World Book.

Operações de seguros

Mostramos a seguir uma versão atualizada da nossa rotineira tabela de valores-chave


para a indústria de seguros:

Fonte: Best’s Insurance Management Reports


A taxa combinada representa os custos totais dos seguros (perdas incorridas mais
despesas) comparados com as receitas dos prêmios: uma taxa acima de 100 indica um lucro
com ​underwriting4 e abaixo de 100, prejuízo. Quando a receita financeira vinda dos fundos que
a seguradora administra (chamado de ​float​) é levada em consideração, uma taxa combinada
no intervalo de 107-111 costuma produzir um empate entre ganhos e perdas, desconsiderando
os ganhos vindos do capital fornecido pelos acionistas.

A matemática do setor de seguros, conforme mostrada na tabela, não é muito


complicada. Nos anos em que o ganho da Indústria com prêmios fica na faixa de 4% a 5%, as
perdas com ​underwriting se acumulam. Isso não ocorre porque acidentes de carro, incêndios,
tempestades e coisas do tipo ocorrem com mais frequência, assim como também não é culpa
da inflação. Atualmente, a inflação social e judicial são os maiores culpados; o custo de um
processo judicial simplesmente atingiu níveis estratosféricos.

Parte do salto dos custos vem, em parte, de vereditos cada vez mais severos, e em
parte da tendência de juízes e júris de expandir a cobertura de apólices de seguros para além
daquilo que foi contemplado quando o segurado assinou o contrato. Como não vemos
nenhuma redução futura em qualquer uma dessas partes, continuamos a acreditar que as
receitas da indústria devem crescer cerca de 10% ao ano simplesmente para que o setor
mantenha o atual nível de lucratividade, mesmo com uma inflação mais comportada.

Os fortes ganhos de 1985-87 praticamente garantiram um excelente desempenho de


underwriting em 1987 e, de fato, foi um ano incrível. Mas os resultados azedaram conforme os
trimestres foram passando: as estimativas da Best’s de crescimento de volume foram de
12,9%, 11,1%, 5,7%, e 5,6%. Em 1988, o ganho de receitas certamente ficará bem abaixo do
nosso ponto de equilíbrio de 10%. Claramente a festa acabou.

No entanto, os ganhos não irão despencar de imediato. Existe um fator de retardamento


nessa indústria: como a maior parte das apólices são feitas para prazos de um ano, preços
mais altos ou mais baixos têm seu impacto completo nos ganhos apenas muitos meses após
os contratos terem sido fechados. Assim, para resumir minha metáfora, quando a festa termina
e o bar fecha, você ainda pode terminar de tomar a sua bebida. Se os resultados não forem
prejudicados por nenhuma grande catástrofe natural, nós prevemos um pequeno aumento na
taxa combinada na indústria em 1988, seguido por aumentos maiores por vários anos a seguir.

A indústria de seguros é amaldiçoada com um conjunto de características econômicas


sombrias que fazem com que as perspectivas de longo prazo sejam ruins: há centenas de
competidores, quase nenhuma barreira de entrada e o produto ofertado não consegue ser
diferenciado de forma significativa. Em um ramo com um produto tão ​commodity​, apenas as

4
Processo de subscrição. Se as práticas de subscrição gerarem contratos cujos prêmios excedam as
indenizações e demais despesas, o lucro subsequente elevará a capacidade da seguradora.
empresas que tenham custos muito baixos ou operem em um nicho protegido, e normalmente
pequeno, conseguem sustentar altos níveis de lucratividade.

Quando há escassez de oferta, no entanto, até negócios do tipo ​commodity conseguem


florescer. A indústria de seguros aproveitou esse tipo de situação durante um tempo, mas
águas passadas não movem moinhos. Uma das ironias do capitalismo é que a maioria dos
gestores em indústrias de ​commodity abominam condições de pouco oferta - muito embora
essas sejam as circunstâncias que permitam a eles obterem bons retornos. Sempre que a
escassez surge, um gestor comum simplesmente não vê a hora de expandir a sua capacidade
para poder nadar em rios de dinheiro. Foi exatamente isso que os gestores de seguros fizeram
em 1985-87, confirmando mais uma vez a observação de Disraeli5: “A única coisa que
aprendemos lendo história é que nós não aprendemos nada com a história.”

Na Berkshire, trabalhamos para escapar do aspecto ​commodity da indústria de duas


maneiras. Primeiro, diferenciamos nosso produto por nossa força financeira, que excede todos
os outros competidores da indústria. Essa força, no entanto, não é tão útil assim. Ela não
significa nada pro setor de segurança pessoal: quem contrata um seguro de carro ou de casa
certamente vai ter seu sinistro pago, mesmo se a seguradora falir (como já aconteceu várias
vezes). Também não significa muita coisa pro setor de seguros comerciais: quando as coisas
estão indo bem, muitas grandes empresas prestam pouca atenção à habilidade de sua
seguradora continuar existindo sobre condições mais adversas que possam vir a existir,
digamos, cinco anos após uma indenização ser acertada. (O que os olhos não veem, o coração
não sente; mas o bolso, sim.)

De tempos em tempos, no entanto, os segurados se lembram da observação de


Benjamin Franklin de que saco vazio não pára em pé e reconhecem a necessidade de comprar
apólices somente de seguradoras que tenham uma grande força financeira. É nesse momento
que temos uma grande vantagem competitiva. Quando um segurado realmente pensa se uma
indenização de U$ 10 milhões pode ser paga pela seguradora daqui a cinco ou dez anos, e
quando ele também leva em conta a possibilidade de que condições ruins de ​underwriting
podem coincidir com uma depressão no mercado financeiro e de uma falência da
resseguradora, ele irá notar que existem apenas algumas poucas companhias nas quais ele
pode confiar. Entre essas, a Berkshire certamente estará no topo.

Nosso segundo método de diferenciação é a completa indiferença ao volume que


mantemos sob nossos cuidados. Em 1989, nós seremos perfeitamente capazes de fechar
cinco vezes mais contratos do que fechamos em 1988 - ou, por outro lado, também estaremos
dispostos a fechar apenas um quinto disso. Nós esperamos, é claro, que as condições nos
permitam trabalhar com um grande volume de negociações. Mas nós não conseguimos
controlar os preços de mercado. Se eles não forem satisfatórios, nós simplesmente iremos
fechar poucos contratos. Nenhuma outra seguradora age de forma tão comedida.

5
Político inglês do século XIX que serviu duas vezes como primeiro-ministro.
Três condições que são comuns no setor de seguros, mas incomuns na maioria dos
outros setores, contribuem para nossa flexibilidade. Primeiro, o ​market share6 não é tão
importante para definir a lucratividade: nesse ramo, diferente dos ramos de mídia ou varejo, a
regra econômica não é a de sobrevivência do maior (ou do mais “gordo”). Segundo, em muitos
setores da indústria de seguros, incluindo a maioria dos quais operamos, os canais de
distribuição não são proprietários e não oferecem grandes barreiras de entrada: um volume
pequeno num ano não exclui a possibilidade de um volume gigantesco no ano seguinte.
Terceiro, capacidade ociosa - o que, nesse setor, significa basicamente pessoas - não implica
em custos intoleráveis. Diferente das indústrias gráficas ou de aço, nós conseguimos operar a
1/4 da capacidade por um bom tempo e ainda manter uma boa prosperidade a longo prazo.

Nós seguimos uma política de preços baseada em exposição, não em competição,


porque isso faz sentido aos nossos acionistas. Mas também ficamos satisfeitos em dizer que
essa abordagem também tem um cunho social. Essa política significa que estamos sempre
disponíveis, desde que os preços estejam em patamares que consideramos adequados, para
fechar um grande volume de contrato de praticamente qualquer tipo de seguro de bens e
serviços. Muitas outras seguradoras seguem uma abordagem de entra-e-sai. Quando elas
saem - por conta de perdas com sinistros, inadequação de capital, ou o que seja - nós estamos
disponíveis. Claro, quando outras pessoas estão loucas para fazer negócio, nós também
estamos disponíveis - mas quando isso ocorre, nosso preço normalmente está acima do
praticado pelo mercado. Com efeito, nós oferecemos aos segurados uma ampla reserva para
eventualidades.

Uma história de 1987 ilustra algumas consequências da nossa política de preços: uma
das maiores seguradoras controladas por uma família no país é chefiada por um sujeito que é
acionista da Berkshire há muitos anos. Esse homem lida com muitos contratos arriscados, que
podem vir a ser fechados com o nosso escritório em Nova York.

Naturalmente, ele faz o melhor que pode por seus clientes. E, tão natural quanto isso,
quando o mercado de seguros passou a ter uma oferta abundante de apólices em 1987, ele
acabou encontrando preços em outras seguradoras que eram mais baixos do que aqueles que
estávamos dispostos a fechar. Sua reação foi, primeiro, de mover todos os seus negócios para
essas outras seguradoras e, segundo, comprar mais ações da Berkshire. Se tivéssemos sido
muito competitivos, ele nos disse, nós teríamos permanecido com os seus contratos, mas ele
não teria comprado nossas ações.

A experiência da Berkshire com ​underwriting ​foi excelente em 1987, em parte por conta
do fator de retardamento discutido anteriormente. Nossa taxa combinada (excluindo acordos
estruturados e resseguros financeiros) foi de 105. Embora a taxa tenha sido um pouco mais
favorável em 1986, quando foi de 103, nossa lucratividade aumentou de forma material em

6
Percentual de mercado detido pela empresa.
1987 porque tivemos acesso a um ​float muito maior. Essa tendência continuará a nos
beneficiar: a nossa razão de ​float em relação ao volume de prêmios irá aumentar de forma
significativa nos próximos anos. Dessa forma, os lucros de seguros da Berkshire muito
provavelmente irão aumentar durante 1988/1989, embora a expectativa é de que a nossa taxa
combinada continue a aumentar.

Nosso ramo de seguros também conseguiu alguns ganhos não-financeiros importantes


durante os últimos anos. Mike Goldberg, nosso gerente da área, reuniu um grupo de talentosos
profissionais para fechar grandes contratos de risco com coberturas incomuns. Esse tipo de
operação está agora bem equipada para nos fornecer linhas de negócio que ocasionalmente
nos ofereçam grandes oportunidades.

A evolução do nosso provisionamento, ​detalhado nas páginas 41-42​, nos parece


melhor do que estava anteriormente. Mas nós fechamos contratos com vários negócios do tipo
cauda longa - isto é, apólices que podem gerar indenizações que irão levar muitos anos para
serem resolvidas. Exemplos disso são seguros de produtos ou coberturas para diretores e
representantes de empresas. Com um mix de negócios como esse, o panorama de evolução
de um ano de provisionamento nos diz muito pouco a respeito de qualquer coisa

Você deve sempre suspeitar dos ganhos reportados pelas seguradoras (incluindo a
nossa, infelizmente). A história da última década nos mostra que uma boa parte das
seguradoras mais conhecidas reportaram ganhos aos seus acionistas que se mostraram
completamente equivocados algum tempo depois. Na maior parte dos casos, esses erros foram
completamente inocentes: a imprevisibilidade do nosso sistema judicial torna impossível até
mesmo para o mais consciente segurador chegar perto do real custo de indenizações do tipo
cauda longa.

Não obstante, todos os anos os auditores certificam que os números dados a eles pelos
gerentes estão corretos e, em suas opiniões pouquíssimo qualificadas, afirmam que tais
valores representam de forma fiel a posição financeira de seus clientes. Os auditores usam
essa linguagem reconfortante, muito embora eles saibam, por experiência própria, que esses
números muito provavelmente irão ser diferentes da realidade. Apesar desse histórico de erros,
os investidores, compreensivelmente, se apoiam nas opiniões dos auditores. Afinal de contas,
uma declaração dizendo que “Os números apresentados estão de acordo com a realidade”
dificilmente soa equivocada para quem que não tem familiaridade com contabilidade.

As palavras e expressões usadas pelos auditores em suas cartas estão programadas


para mudar no próximo ano. A nova linguagem a ser usada representa uma melhoria, mas
ainda assim está longe de descrever as limitações inerentes na auditoria de uma companhia de
seguros. Se for para descrever a verdade dos fatos, nós acreditamos que a carta padrão aos
acionistas de uma companhia de seguros deveria ser parecida com o seguinte: “Nós
acreditamos nos números apresentados pelos gestores em relação às indenizações e gastos
com sinistros, estimativas as quais, por sua vez, afetam de forma muito material as condições
financeiras e de ganhos aqui reportados. Nós não podemos expressar qualquer opinião a
respeito da acurácia desses valores. Sujeitos à essa importante reserva, em nossa opinião,
etc.”

Como muitos processos judiciais se desenrolam tomando por base declarações


financeiras completamente erradas, os auditores certamente já estão preparados para dizer
algo nesse sentido caso sejam chamados para testemunhar. Por que eles não poderiam ser
íntegros e transparentes a respeito de seu papel e suas limitações desde o início?

Queremos enfatizar que não culpamos os auditores pela inabilidade de verificar com
acurácia o dimensionamento dos provisionamentos (e, portanto, dos ganhos). Nós os culpamos
apenas pela recusa em reconhecer publicamente que eles não estão aptos a fazer esse tipo de
trabalho.

Apesar das aparências, os erros inocentes que constantemente são cometidos na área
de provisionamento são acompanhados por outros erros deliberados. Muitos charlatões
ganharam dinheiro às custas dos investidores explorando, primeiro, a inabilidade dos auditores
em avaliar os valores de provisionamento e, segundo, com a disposição dos auditores em
confiar que os valores fornecidos estavam corretos, como se eles tivessem a capacidade de
poder afirmar isso. Nós ainda continuaremos a ver esse tipo de charlatanismo no futuro. Onde
quer que os ganhos possam ser criados na base da canetada, os desonestos estarão lá. Para
eles, seguros de cauda longa são o paraíso. A fraseologia que sugerimos aos auditores
serviria, pelo menos, para deixar os investidores atentos contra esses tipos de predadores.

Os impostos que as companhias de seguro pagam - que aumentaram, embora com


certo atraso, depois da reforma fiscal de 1986 - ficaram ainda piores ao final de 1987. Nós
detalhamos as mudanças de 1986 na carta do ano passado. Nós também comentamos a
respeito da ironia de um estatuto que aumentou de forma substancial os ganhos reportados de
1987 das seguradoras, embora tenha reduzido o potencial de ganhos a longo prazo e os
valores intrínsecos delas. Na Berkshire, um “começar do zero” temporário inflou os ganhos de
1987 em U$ 8,2 milhões.

Em nossa opinião, a reforma de 1986 foi o evento econômico mais importante a afetar a
indústria de seguros na última década. A lei de 1987 diminuiu ainda o volume de crédito
passível de ser interpretado como dividendos entre companhias de 80% para 70%, com início
previsto para 1º de janeiro de 1988, exceto nos casos onde o cidadão detenha pelo menos 20%
do negócio.

Quem detém ações ou títulos por intermediários corporativos, ao invés de companhias


de investimento qualificadas, sempre estiveram em desvantagem em comparação àqueles
investidores com titularidade direta. A penalidade aplicável à titularidade indireta aumentou
muito com a reforma de 1986 e, de forma menos intensa, com a lei de 1987, particularmente
em instâncias onde o intermediário é uma companhia de seguros. Nós não temos formas de
nivelar esse aumento de taxação. Isso simplesmente significa que os retornos prefixados irão
se traduzir agora em resultados muito piores (após impostos) para os nossos acionistas.

Ações - Posições Permanentes

Sempre que Charlie e eu compramos ações para as companhias de seguro da


Berkshire (deixando de lado compras de arbitragem, que serão discutidas em outro momento),
a nossa abordagem nas transações é a de fazer compras como se as companhias fossem de
capital fechado. Nós olhamos os prospectos econômicos do negócio, as pessoas que
gerenciam a empresa e o preço que devemos pagar. Nós não compramos com a mentalidade
de vender em algum momento no futuro ou quando as ações chegarem em determinado preço.
Na verdade, estamos sempre dispostos a segurar uma ação por tempo indefinido, desde que
as expectativas sejam de aumento do valor intrínseco do negócio a uma taxa satisfatória. Ao
investir, nós nos vemos como analistas de negócios - não analistas de mercado, não analistas
de macroeconomia e nem mesmo analistas de ações.

Essa abordagem torna o mercado de ações útil a nós, uma vez que ele periodicamente
nos apresenta oportunidades de dar água na boca. Mas de forma alguma ele nos é essencial:
um período prolongado com as negociações suspensas nos incomodaria tanto quanto a falta
de precificação da World Book ou Fechheimer. Eventualmente, o nosso destino econômico
será ditado pelo destino econômico dos negócios que possuímos, sejam nossas participações
parcial ou total.

Ben Graham, meu professor e amigo, escreveu há muito tempo atrás sobre a atitude
mental a se ter a respeito das flutuações de mercado que eu acredito ser favorável ao sucesso
nos investimentos. Ele disse que você deveria imaginar as cotações como sendo proferidas por
um sujeito notoriamente bipolar chamado Sr. Mercado, que é seu sócio em uma empresa de
capital fechado. Sem falhar, o Sr. Mercado aparece todos os dias e lhe dita um preço ao qual
ele irá comprar uma fatia de sua participação ou vender uma fatia da dele.

Muito embora o negócio que vocês dois detenham possua características econômicas
estáveis, os preços diários do Sr. Mercado são sempre o oposto disso. Isso ocorre porque, por
mais triste que seja constatar, o sujeito sofre de problemas emocionais incuráveis. Às vezes ele
se sente eufórico e consegue ver apenas os fatores favoráveis que afetam o negócio. Quando
ele fica dessa forma, ele dita um preço muito alto para comprar ou vender, com medo de que
você adquira a fatia dele e o roube de ganhos eminentes.

Em outros momentos, ele se sente depressivo e não consegue ver nenhuma


perspectiva boa para o negócio e para o mundo em si. Nessas situações, ele irá ditar um preço
muito baixo, uma vez que ele estará apavorado de medo de você jogar sua fatia para ele.
O Sr. Mercado tem outra característica maravilhosa: ele não se importa em ser
ignorado. Se o preço que ele dita não te interessa hoje, ele lhe trará outro amanhã. Fazer ou
não transações depende unicamente de você. Em um cenário desses, quanto mais
maníaco-depressivo for o comportamento dele, melhor para você.

Mas, assim como no baile da Cinderela, você deve prestar atenção a um único aviso, ou
tudo se transformará em abóbora: o Sr. Mercado não irá ser seu servo, muito menos irá te
guiar. São os bolsos dele que serão úteis a você, não sua sabedoria. Se ele aparecer qualquer
dia com um humor que não faça sentido, você tem a liberdade de ou ignorá-lo, ou tirar
vantagem da situação, mas será desastroso se você for influenciado por ele. Na verdade, você
não tem certeza que é capaz de entender e avaliar o seu negócio de maneira muito melhor do
que o Sr. Mercado. Seu jogo não é esse. Como dizem no pôquer, “Se você está jogando há 30
minutos e não sabe quem é o perdedor, é você.”

A alegoria de Ben do Sr. Mercado pode parecer antiquada no mundo dos investimentos
de hoje, onde a maior parte dos profissionais e acadêmicos conversam a respeito de mercados
eficientes, ​hedge dinâmico e betas. O interesse deles nesses assuntos é compreensível, uma
vez que técnicas misteriosas claramente têm muito valor a quem fornece conselhos de
investimentos. Afinal, qual doutor já ficou famoso e ganhou fortunas simplesmente por dizer
“tome duas aspirinas”?

O valor desse esoterismo de mercado ao consumidor de conselhos financeiros é uma


história completamente diferente. Na minha opinião, obter sucesso nos investimentos não
depende de fórmulas mágicas, programas de computador ou sinais emitidos pelo
comportamento de preços das ações no mercado financeiro. Ao invés disso, um investidor será
bem-sucedido se unir seu julgamento a respeito do que é um bom negócio com a habilidade de
isolar seus pensamentos e comportamento das emoções super contagiosas que tomam conta
do mercado. No meu esforço pessoal de me manter blindado disso, descobri ser muito útil
manter o conceito do Sr. Mercado em minha mente a todo momento.

Seguindo os ensinamentos de Ben, Charlie e eu deixamos que nossos ativos nos digam
por seus resultados operacionais - não por suas cotações diárias ou anuais - se nossos
investimentos estão obtendo sucesso. O mercado pode ignorar negócios de sucesso por um
tempo, mas eventualmente ele os reconhece. Como Ben disse: “No curto prazo, o mercado é
uma urna eletrônica; no longo prazo, uma balança de precisão.” A velocidade com a qual o
sucesso de um negócio é reconhecido não é tão importante, desde que o valor intrínseco da
companhia esteja aumentando a uma taxa satisfatória. Na verdade, um atraso nesse
reconhecimento pode ser uma vantagem: isso pode nos dar uma chance de comprar mais de
algo bom a preço de banana

Algumas vezes, é claro, o mercado pode julgar um negócio como sendo mais valioso do
que seus fundamentos econômicos. Em tais casos, nós venderemos nossas participações.
Algumas vezes, também, nós iremos vender um ativo que esteja sobreprecificado, ou mesmo
desvalorizado, por precisarmos daqueles fundos para uma oportunidade de investir em algo
ainda mais subprecificado ou que acreditemos entender melhor.

Nós precisamos enfatizar, no entanto, que nós não vendemos ativos simplesmente por
conta de uma apreciação nos preços ou porque eles estão na nossa carteira por um bom
período de tempo. (Dentre as máximas de Wall Street, a mais boba talvez seja “Você não pode
ir à falência realizando lucros.”) Nós ficamos bastante contentes em poder segurar um ativo por
tempo indefinido, desde que as prospecções de retorno sobre capital do negócio seja
satisfatório, que a gestão seja competente e honesta, e que o mercado não exagere no preço
da companhia.

No entanto, nossas empresas de seguros detém três ações de companhias que não
venderíamos mesmo se elas tivessem altas absurdas de preço no mercado. Na verdade, nós
vemos esses investimentos exatamente como os negócios que detemos controle - uma parte
permanente da Berkshire ao invés de uma mercadoria a ser descartada assim que o Sr.
Mercado nos oferecer um preço suficientemente alto. A este último item, adiciono uma
ressalva: essas ações são detidas por nossas companhias de seguro e nós iríamos, se
absolutamente necessário fosse, vender partes de nossas posições para pagar sinistros
extraordinários. No entanto, nós temos a intenção de administrar nossos negócios de forma
que essas vendas nunca sejam necessárias.

A determinação de comprar e segurar que Charlie e eu possuímos obviamente envolve


uma mistura de características pessoais e financeiras. Para alguns, esse nosso
posicionamento pode parecer altamente excêntrico. (Charlie e eu temos seguido o conselho de
David Oglivy7 há muito tempo: “Desenvolva as suas excentricidades enquanto é jovem. Assim,
quando você ficar velho, as pessoas não vão achar que você ficou gagá.”) Com certeza, na
Wall Street focada em transações dos últimos anos, nossa postura deve parecer estranha: para
muitas pessoas de lá, tanto companhias quanto empresas são vistas apenas como material de
negociação.

Essa nossa atitude, no entanto, se adequa às nossas personalidades e à maneira que


queremos viver nossas vidas. Churchill disse certa vez que “Você molda sua casa e ela molda
você.” Por esse motivo, nós preferimos obter um retorno de X ao nos associarmos com
pessoas às quais realmente gostamos e admiramos do que realizar 110% de X ao trocar esses
relacionamentos por outros que sejam desinteressantes ou desagradáveis. E nós nunca iremos
achar pessoas as quais gostamos e admiramos mais do que alguns dos principais membros
das três companhias - nossos ativos permanentes - mostradas a seguir.

7
Conhecido como o “Pai da Propaganda”.
Nós realmente não vemos diferenças fundamentais entre a compra de um negócio por
completo e a compra de participações em negócios como esses da tabela. Em cada caso, nós
tentamos comprar negócios que tenham fundamentos econômicos favoráveis para o longo
prazo. Nós temos por objetivo encontrar uma empresa incrível a um preço razoável, não uma
empresa medíocre a preço de banana. Charlie e eu descobrimos que fazer coração com o
próprio coração é o melhor que podemos fazer; ao tentar fazer das tripas, coração, falhamos
miseravelmente8.

(Vale notar que este presidente que vos fala, sempre muito estudioso, precisou de
apenas 20 anos para reconhecer como é importante comprar boas empresas. Nesse ínterim,
eu busquei por barganhas - e tive o dissabor de encontrar algumas. Minha punição foi aprender
sobre economia real com fabricantes de insumos agrícolas, lojas de quinta categoria e com as
fábricas têxteis de New England.)

Obviamente, Charlie e eu podemos interpretar errado os fundamentos econômicos de


um negócio. Quando isso acontece, nós teremos problemas independentemente se o negócio
for uma subsidiária nossa ou um ativo disponível no mercado de ações, muito embora seja bem
mais fácil se livrar dos problemas na segunda situação. (De fato, os negócios podem ser mal
interpretados: basta pegar como exemplo o repórter europeu que, ao ser mandado para os
EUA para entrevistar Andrew Carnegie, enviou a seguinte mensagem ao seu editor: “Meu
Deus, você nunca irá acreditar na fortuna que se pode fazer com bibliotecas.”9)

Por estarmos no controle de quais empresas e ações comprar, nós tentamos nos
associar não apenas com bons negócios, mas com aqueles que são tocados por gestores
altamente talentosos e simpáticos. Se cometermos um erro a respeito dos gestores com os
quais nos associamos, deter controle da companhia oferece uma certa vantagem, afinal temos
o poder de fazer uma mudança no cargo. Na prática, no entanto, essa vantagem é meio
ilusória: as mudanças de gestão, como mudanças matrimoniais, são dolorosas, demoradas e
arriscadas. De qualquer forma, nas nossas três posições acionárias não majoritárias, porém
permanentes, isso é irrelevante: com Tom Murphy e Dan Burke na Cap Cities, Bill Snyder e Lou

8
O autor brinca com o ditado popular “Fazer das tripas, coração” ao indicar que é melhor comprar
empresas fundamentalmente boas do que prospectar empresas ruins que possam ficar boas com o
tempo.
9
Andrew Carnegie foi um grande magnata e filantropo nos EUA, sendo responsável pela construção de
inúmeras bibliotecas pelo país.
Simpson na GEICO e Kay Graham e Dick Simmons no The Washington Post, nós
simplesmente não poderíamos estar em melhores mãos.

Eu diria que as companhias controladas oferecem duas principais vantagens. Primeiro,


quando nós controlamos uma companhia, nós é que decidimos como alocar o capital, enquanto
que nós não temos nenhum tipo de influência nessa decisão em empresas onde temos uma
participação acionária que não é controladora. Esse ponto pode ser importante, porque os
gerentes de muitas empresas não são hábeis com a alocação de capital. Essa inadequação
não é surpreendente. A maior parte das pessoas que ocupam cargos de chefia estão lá por
terem tido um excelente desempenho em áreas como marketing, produção, engenharia,
administração, ou, às vezes, políticas institucionais.

Uma vez CEOs, eles se deparam com novas responsabilidades. Num cargo assim, eles
precisam tomar decisões a respeito da alocação de capital, um trabalho crítico que muitos
deles provavelmente nunca encararam e que é difícil de fazer com maestria. Para exagerar
numa metáfora, seria como se o estágio final de um músico altamente talentoso não fosse se
apresentar em um teatro de renome internacional, mas sim ser nomeado presidente do Banco
Central.

A falta de habilidade que muitos CEOs possuem com alocação de capital é


preocupante: após 10 anos ocupando o cargo, um CEO cuja companhia retenha anualmente
ganhos iguais a 10% do patrimônio líquido terá sido responsável pela aplicação de mais de
60% de todo o capital disponível no negócio.

CEOs que reconhecem sua falta de habilidade com alocação de capital (coisa que nem
todos fazem) irão tentar compensar essa falha recorrendo à sua equipe, consultores ou
banqueiros. Charlie eu temos observado com frequência as consequências de tal “ ajuda”. No
geral, temos a impressão que eles mais atrapalham do que ajudam com o problema de
alocação.

No fim das contas, muito capital é alocado de maneira errada nas empresas
americanas. (Esse é o motivo pelo qual você ouve falar tanto de “reestruturação”.) A Berkshire,
no entanto, tem sido afortunada nesse sentido. Nas nossas principais companhias não
majoritárias, o capital normalmente tem sido bem aplicado, algumas vezes de forma brilhante.

A segunda a vantagem de ter o controle de uma companhia não tem relação alguma
com o pagamento de impostos. A Berkshire, como uma ​holding​, absorve uma parte significativa
dos custos fiscais por meio da detenção de posições parciais. Custos esses que não seriam
pagos caso detivéssemos uma participação maior ou igual a 80% na empresa. Essas
desvantagens fiscais têm estado conosco durante um bom tempo, mas as mudanças nas leis
fizeram com que elas aumentassem de tamanho de forma significativa no ano passado. Como
consequência, o resultado operacional de uma companhia pode, agora, entregar um resultado
financeiro para a Berkshire até 50% melhor caso ele venha de uma empresa onde temos
participação maior ou igual a 80%.

As desvantagens de deter participações não majoritárias são, às vezes, compensadas


por uma grande vantagem: ocasionalmente, o mercado acionário nos oferece a chance de
comprar fatias não controladoras de negócios extraordinários a preços realmente ridículos -
muito abaixo daqueles normalmente vistos em transações de transferência de controle de uma
empresa. Por exemplo, nós compramos ações do Washington Post em 1973 a U$ 5,63 por
ação, e os ganhos operacionais por ação em 1987, após impostos, foram de U$ 10,30. De
forma semelhante, as ações que temos da GEICO, compradas em 1976, 1979 e 1980 a um
preço médio U$ 6,67 nos deram um ganho operacional por ação de U$ 9,01 no ano passado.
Em casos assim é que o Sr. Mercado mostra que pode ser um amigo realmente muito bom.

Uma interessante ironia contábil paira sobre a comparação dos resultados financeiros
reportados por nossas subsidiárias com os resultados das nossas posições não majoritárias
listadas anteriormente. Como você pode ver, aquelas três participações têm um valor de
mercado de mais de U$ 2 bilhões. Ainda assim, elas produziram apenas U$ 11 milhões em
ganhos reportados para a Berkshire em 1987.

As regras contábeis ditam que nós devemos tomar como receita apenas os dividendos
que as companhias nos pagam - que são poucos - no lugar da nossa participação proporcional
em seus ganhos, participação essa que somou mais de U$ 100 milhões em 1987. Por outro
lado, as regras contábeis ditam que o valor contábil dessas três participações - atualmente
detidas por nossas empresas seguradoras - devem ser registradas em nossos balanços com
os preços atuais de mercado. O resultado: a contabilidade GAAP permite refletir em nosso
patrimônio líquido os valores de mercado atualizados de empresas que não detemos controle,
mas não permite refletir os nossos ganhos proporcionais à nossa participação,

No caso de nossas empresas controladas, o oposto acontece. Nesse caso, nós


mostramos todos os ganhos que as empresas nos deram em nossas receitas, mas nunca
mudamos os valores dos ativos em nossos balanços, não importa quanto o valor do negócio
tenha aumentado desde a data de nossa compra.

A nossa abordagem mental para lidar com essa esquizofrenia contábil é ignorar os
valores GAAP e focar apenas no poder futuro dos ganhos, tanto nossos negócios controlados
quanto dos não controlados. Ao usar essa abordagem, estabelecemos nossas próprias ideias
de valor de negócio, mantendo-as independentes tanto dos valores contábeis mostrados em
nossos balanços para as companhias controladas quanto dos preços dados pelo mercado às
companhias em que não detemos controle. É o valor intrínseco das companhias que
desejamos aumentar a uma taxa razoável (ou, de preferência, muito além do razoável) nos
próximos anos.
Ações e títulos - Outros

Além de nossas três posições acionárias permanentes, nós temos uma grande
quantidade de ações detidas por meio de nossas empresas seguradoras. Para escolhermos
quais comprar, recorremos a cinco grandes categorias: (1) ações de longo prazo, (2) títulos de
médio prazo prefixados, (3) títulos de longo prazo prefixados, (4) reservas de curto prazo, e (5)
operações de arbitragem de curto prazo.

Nós não temos nenhum viés em particular para escolher entre essas categorias. Nós
simplesmente buscamos encontrar os maiores retornos medidos pela “expectativa matemática”,
sempre nos limitando a alternativas de investimento que possamos entender. Nossos critérios
não têm relação alguma com a maximização imediata dos ganhos reportados; nosso objetivo,
ao invés disso, é maximizar o nosso patrimônio líquido.

● Vamos olhar primeiro para as ações. Durante 1987, o mercado acionário se


mostrou uma área com muita empolgação, mas de pouco resultado: o índice
Dow avançou apenas 2,3% naquele ano. Você está ciente, é claro, da
montanha-russa que produziu esse pequeno ganho. O Sr. Mercado teve um dos
seus surtos maníacos até outubro, passando em seguida a um completo e
terrível estado de coma.

Nós temos que agradecer aos investidores “profissionais”, que gerenciam


bilhões, por toda essa confusão. Ao invés de focar onde as empresas estarão
daqui a alguns anos, muitos gestores de prestígio estão focando agora no que
outros gestores irão fazer daqui a alguns dias. Para eles, as ações são apenas
fichas em um jogo estilo Monopoly.

Um exemplo extremo do que esse tipo de atitude acarreta é o “seguro de


portfólio”, uma estratégia que muitos gestores adotaram em 1986/1987. Essa
estratégia - que nada mais é do que uma versão exótica de uma ordem de
stop-loss - diz que as ações que subiram muito, ou equivalentes em índices
futuros, devem ser vendidas assim que os preços começarem a cair. Essa
estratégia não leva nada mais em consideração: atingir o limiar de uma queda
automaticamente gera uma ordem de venda gigantesca. De acordo com
relatórios da área, de U$ 60 bilhões a U$ 90 bilhões em ativos financeiros foram
afetados por essa tênue estratégia no meio de outubro de 1987.

Se você achava que os analistas de investimento eram contratados para investir,


você poderá ter ficado perplexo com essa técnica. Após comprar uma fazenda,
um dono racional iria dizer ao seu corretor imobiliário para começar a vender
partes da terra sempre que uma propriedade vizinha fosse vendida a um preço
menor? Ou melhor, você venderia sua casa a quem desse o melhor lance às
9:31h em uma manhã simplesmente porque às 9:30 uma casa parecida com a
sua foi vendida por um preço menor do que estava no dia anterior?

São movimentos assim, no entanto, que são indicados a fundos de pensão ou


de universidades que detenham ações de empresas como a Ford ou a General
Electric. Quanto menor o preço dessas empresas, seguindo essa abordagem,
com mais vigor elas devem ser vendidas. Como corolário “lógico”, essa
abordagem também recomenda que as instituições recomprem essas
companhias - eu não estou inventando isso - quando os preços voltarem aos
patamares anteriores. Considerando que somas enormes de dinheiro são
controladas por gestores que seguem essa prática digna de Alice no País das
Maravilhas, é realmente surpreendente que os mercados se comportem de
maneira completamente errática algumas vezes?

Muitos comentaristas, no entanto, tiraram conclusões erradas observando os


eventos recentes: eles adoram dizer que o pequeno investidor não tem chance
alguma em um mercado agora dominado pelo comportamento errático dos
tubarões. A conclusão é completamente errada: mercados assim são ideais para
qualquer investidor - pequeno ou grande - desde que ele se mantenha racional
em suas teses de investimento. A volatilidade causada por gestores que
especulam de maneira irracional com somas de gigantescas de dinheiro oferece
aos verdadeiros investidores mais chances de tomar boas decisões de
investimento. A única maneira que um investidor pode ser prejudicado por essa
volatilidade é se ele for forçado, por pressões financeiras ou psicológicas, a
vender no momento errado.

Na Berkshire, nós fizemos poucas movimentações em ações nos últimos anos.


Durante a queda de outubro, algumas ações caíram a preços que nos
interessaram, mas nós não conseguimos fazer grandes compras antes de seus
preços subirem de novo. Ao final de 1987, não tivemos nenhum grande
investimento em ações (isto é, acima de U$ 50 milhões), a não ser em nossas
participações permanentes (Cap Cities, GEICO e Washington Post) ou com
movimentos de arbitragem. No entanto, o Sr. Mercado ainda irá nos oferecer
algumas oportunidades - esteja certo disso - e, quando ele o fizer, nós com
certeza estaremos prontos para aproveitar.

● Por enquanto, o principal lugar onde estamos deixando dinheiro é em títulos de


médio prazo e isentos de impostos, cujas limitadas virtudes eu expliquei na carta
do ano passado. Embora tenhamos comprado e vendido alguns desses títulos
em 1987, a nossa posição final praticamente não mudou, ficando com um
montante total de cerca de U$ 900 milhões. Uma grande parte de nossos títulos
ficaram de fora da reforma fiscal de 1986, o que significa que eles são
completamente livres de tributação. Os títulos atualmente comprados por
empresas seguradoras não possuem mais esse benefício.

Como alternativa às nossas reservas de curto prazo, os nossos títulos de médio


prazo isentos de impostos têm, até o momento, sido bem úteis a nós. Eles têm
produzido uma renda extra substancial e estão valendo agora um pouco acima
do que pagamos. Independentemente de seu preço de mercado, nós estamos
sempre dispostos a nos livrarmos de nossos títulos quando uma oportunidade
melhor surgir.

Nós continuamos a ter uma grande aversão a títulos de longo prazo (e podemos
estar cometendo um sério engano por não desgostar de títulos de médio prazo
também). Títulos são tão bons quanto a moeda em que são emitidos, e nada do
que vimos no ano passado - ou na década passada - nos deixa otimistas em
relação ao futuro de longo prazo da moeda americana.

Nosso gigantesco déficit comercial está criando vários tipos de recebíveis -


títulos do governo e de corporações, depósitos bancários, etc - que estão se
acumulando nas mãos de investidores estrangeiros a uma taxa alarmante. Por
padrão, nosso governo tem adotado uma abordagem em relação às finanças
semelhante a de Blanche DuBois, da peça teatral ​A Streetcar Named Desire​,
que disse “Eu sempre dependi da bondade de estranhos.” No nosso caso, é
claro, os “estranhos” confiam na integridade de nossos recebíveis, embora uma
desvalorização recente do dólar tenha tornado esta operação cara para eles.

A confiança que investidores estrangeiros estão colocando em nós pode não ter
fundamento. Quando os recebíveis em circulação crescem em número
suficiente, e quando o emissor dos recebíveis é capaz de determinar de forma
unilateral o poder de compra dos mesmos, a pressão em cima do emissor para
diluir o valor devido se utilizando da inflação se torna quase irresistível10. Para o
governo que está endividado, a arma da inflação é o equivalente econômico da
bomba de hidrogênio, e é por isso que pouquíssimos países ousaram inundar o
mundo com dívidas emitidas em suas próprias moedas. No passado, um
histórico relativamente bom de integridade fiscal nos permitiu quebrar essa
regra, mas essa generosidade dada a nós provavelmente tende a intensificar, ao
invés de aliviar, uma eventual pressão de recorrer à inflação para solucionar o
problema. Se nós sucumbirmos a essa pressão, não serão apenas os
investidores estrangeiros que irão sofrer. Todos nós iremos sair perdendo.

10
O autor faz alusão ao chamado “calote branco”, em que a inflação de um país se torna tão alta e a
moeda fica tão desvalorizada que os títulos emitidos pelo governo praticamente perdem todo o seu valor.
É claro que os EUA podem tomar medidas para aliviar nosso déficit comercial
muito antes de nossa posição devedora sair de controle. (Nesse sentido, uma
desvalorização do dólar irá ajudar, embora acabe atrapalhando outros setores.)
Mesmo assim, o comportamento do governo nesse teste de coragem tende a ser
consistente com a abordagem de Scarlett O’Hara11: “Vou pensar sobre isso
amanhã.” E, quase inevitavelmente, essa procrastinação irá dar de cara com
problemas fiscais e consequências inflacionárias.

Tanto o momento quanto a dimensão dessas consequências são imprevisíveis.


Mas nossa inabilidade em dimensionar ou precisar o risco não significa que
devemos ignorá-lo. Embora reconheçamos a possibilidade de que podemos
estar errados, e que as atuais taxas de juros possam compensar de forma
adequada o risco de inflacionário, nós ainda assim nos mantemos receosos a
respeito de títulos de longo prazo.

Nós estamos dispostos, no entanto, a investir uma quantia moderada de nossas


reservas nessa categoria de títulos se acharmos que temos uma vantagem
significativa em algum tipo específico deles. Essa exceção à regra explica a
nossa posição com as emissões da Washington Public Power Supply System
#1, #2 e #3, discutidas em nossa carta de 1984. Nós aumentamos a nossa
posição na WPPSS em 1987. Ao final do ano, nossa posição, já amortizada, era
de U$ 240 milhões, com valor de mercado de U$ 316 milhões, recebendo
cupons de U$ 34 milhões anuais.

● Nós tivemos bons resultados com arbitragem no ano passado, embora - ou


talvez porque - tenhamos operado em uma escala muito limitada. Nós entramos
em pouquíssimas operações de arbitragem a cada ano, nos restringindo apenas
a grandes transações publicamente anunciadas. Nós não participamos de
situações em que chantagistas tentam intimidar alguma companhia12.

Nós temos praticado arbitragem somente em oportunidades vantajosas durante


décadas e, até o momento, nossos resultados têm sido muito bons. Embora
nunca tenhamos feito um cálculo preciso, acredito que tenhamos obtido um
retorno anual médio de cerca de 25% - considerando apenas as operações de
arbitragem. Eu tenho certeza que conseguimos um resultado ainda melhor do
que esse em 1987. Mas vale lembrar que bastam um ou dois resultados ruins -

11
Personagem de “E o Vento Levou”.
12
No original, o termo usado é ​greenmailer ​(com origem em ​blackmailer - chantagista - com o ​green
fazendo alusão ao verde do dinheiro). É a prática de vender ações de uma companhia de volta aos
acionistas a um preço substancialmente maior do que o de mercado em troca da desistência de uma
abordagem hostil (que pode incluir obter o controle acionário para executar um posterior
desmantelamento de toda a operação da empresa).
como foi o caso de várias operações de arbitragem no final de 1987 - para que
esses valores mudem de forma drástica.

Nossa única posição de arbitragem acima de U$ 50 milhões ao final de 1987 era


a de 1.096.200 ações da Allegis, com custo de U$ 76 milhões e valor de
mercado de U$ 78 milhões.

● Nós fechamos o ano com duas outras grandes posições que não se encaixam
precisamente em nenhuma de nossas cinco categorias descritas anteriormente.
Uma delas diz respeito a vários títulos de vencimento curto da Texaco, Inc.,
todas compradas após a Texaco ir à falência. Se não fosse pela posição de
capital extraordinariamente forte de nossas empresas de seguros, teria sido
inadequado comprarmos esse tipo de título. No entanto, com os preços
definidos após o acordo de bancarrota da empresa ter sido fechado, nós
entendemos que essas emissões eram, de longe, os investimentos em títulos
mais atrativos para nós.

No pior dos casos, tomando por base o litígio da Pennzoil13, sabíamos que esses
títulos valiam, mais ou menos, o exato valor que pagamos por eles.
Considerando que esperávamos um acordo razoável entre as partes, o que
parecia ser provável de acontecer, tínhamos a expectativa de ver nossos títulos
se valorizarem bastante. Ao final do ano, nossos títulos da Texaco foram
registrados em nossos livros contábeis a U$ 104 milhões, com um valor de
mercado de U$ 119 milhões.

De longe, nosso maior e mais divulgado investimento de 1987 foi a compra de


9% das ações preferenciais da Salomon Inc. por U$ 700 milhões. Essas ações
preferenciais são conversíveis, após 3 anos, em ações ordinárias a U$ 38 por
ação. Se não forem convertidas, serão remidas em um prazo de cinco anos,
começando em 31 de outubro de 1995. Em certo ponto de vista, esse tipo de
compromisso se encaixa na categoria de investimentos de médio prazo
prefixados. Além do mais, temos uma interessante possibilidade de conversão.

É claro que nós não temos nenhum ​insight especial a respeito da direção ou
lucratividade futura dos bancos de investimentos. Por sua própria natureza, os
fundamentos econômicos dessa indústria são muito menos previsíveis do que
aqueles de outros setores nos quais temos posições relevantes. Essa
imprevisibilidade é uma das razões pelas quais a nossa participação se dá em
forma de ações preferenciais conversíveis.

13
Referência ao processo judicial travado entre a Pennzoil e a Texaco, em que esta última foi
processada pela primeira por interferência intencional em um acordo de compra de ações de uma
terceira companhia petrolífera, a Getty Oil. A Texaco foi condenada a pagar mais de U$ 10 bilhões para
a Pennzoil.
O que nós fazemos tem uma forte ligação com habilidade e integridade de John
Gutfreund, CEO da Salomon Inc. Charlie e eu gostamos, admiramos e
confiamos em John. Nós nos conhecemos em 1976, quando ele teve um papel
essencial para livrar a GEICO da bancarrota. Desde então, temos visto o John
livrar seus clientes de muitas transações que seriam ruins, mas que os clientes
claramente gostariam de ter feito - muito embora seu aconselhamento não tenha
dado nada para a Salomon, enquanto que sua anuência teria dado bons lucros
para a empresa. Esse tipo de comportamento de se preocupar genuinamente
com alguém além de você mesmo é diametralmente oposto àquele observado
em Wall Street.

Pelas razões que o Charlie descreve na página 50​, ao final do ano o nosso
investimento no Salomon era de 98% ao par, U$ 14 milhões a menos do que o
custo de aquisição. No entanto, acreditamos que há a possibilidade das
operações de levantamento de capital e ​market making gerarem bons retornos
sobre o patrimônio. Se isso ocorrer, nossos direitos de conversão eventualmente
se tornarão bastante valiosos.

Dois outros comentários a respeito de nossos investimentos em valores


mobiliários são apropriados. Primeiro, precisamos dar o nosso rotineiro aviso:
nossas posições têm mudado desde o final do ano, e continuarão a mudar sem
prévio aviso.

O segundo comentário tem relação com o parágrafo anterior: durante 1987,


como aconteceu também em anos anteriores, houve especulação na imprensa
de tempos em tempos a respeito de nossas compras e vendas em relação a
vários ativos. Essas histórias eram verdadeiras em alguns casos, parcialmente
verdadeiras em outros, e completamente irreais em mais um tanto. E por incrível
que pareça, não houve correlação alguma entre o tamanho e prestígio do
veículo de comunicação e a acurácia do que eles estavam reportando. Um
rumor completamente infundado ganhou uma proeminência indevida em uma
grande revista nacional, e uma outra grande publicação midiática levou seus
leitores a achar que uma posição de arbitragem nossa era um investimento de
longo prazo. (Não estou dando nome aos bois em observância à antiga
sabedoria popular de que não é muito esperto arranjar briga com a imprensa.)

Vocês devem entender que nós simplesmente não comentamos a respeito de


quaisquer rumores, sejam eles verdadeiros ou falsos. Se nós fôssemos negar os
rumores falsos e recusar comentar a respeito dos verdadeiros, estaríamos, com
efeito, comentando a respeito de todos eles.
Em um mundo onde as grandes ideias de investimento são limitadas e valiosas,
nós não temos interesse em contar a potenciais competidores o que estamos
fazendo, exceto pelo que é estritamente necessário por lei. Nós não temos
expectativa alguma de que nossos concorrentes nos contem as ideias deles.
Nós também não esperamos que uma empresa de comunicação revele suas
intenções de aquisição ou que um jornalista conte a seus competidores sobre
quais histórias ele está escrevendo ou quais fontes ele está usando.

Eu me sinto desconfortável quando amigos ou colegas mencionam que eles


estão comprando X porque viram uma reportagem - incorreta - dizendo que a
Berkshire também estava comprando aquele ativo. No entanto, eu não os corrijo.
Se eles desejam ter participação no que a Berkshire está fazendo, eles podem
simplesmente comprar as ações da própria Berkshire. Normalmente, eu suspeito
que eles achem mais interessante e divertido comprar aquilo que está na boca
do povo. Se essa estratégia é a que dá mais lucro, aí já é outra história.

Financiamentos

Pouco depois do final do ano, a Berkshire realizou duas emissões de debêntures a um


total de U$ 250 milhões. Ambas as emissões têm vencimento em 2018, e começarão a ser
canceladas em 1999 por meio de operações do tipo ​sinking fund14. O custo dos juros, tirando
as despesas com a emissão, foi de aproximadamente 10%. Salomon foi o banco de
investimento que utilizamos nesse processo, e o serviço prestado foi excelente.

Apesar de nossas visões pessimistas a respeito da inflação, o nosso gosto por dívidas é
muito restrito. Para ver como isso é verdade, é bem provável que a Berkshire conseguisse
aumentar o seu retorno sobre patrimônio ao elevar bastante, embora ainda dentro de padrões
convencionais, sua proporção de dívida sobre patrimônio. E é mais provável ainda que nós
conseguíssemos lidar com esse tipo de dívida sem nenhum problema, mesmo em condições
econômicas muito piores do que qualquer uma que ocorreu desde a década de 1930.

Mas nós não queremos que seja apenas provável que cumpramos com nossas
obrigações; nós queremos ter certeza disso. Dessa forma, utilizamos políticas - em relação a
dívidas e outros assuntos relacionados - que nos permitam conseguir resultados de longo
prazo aceitáveis, mesmo sob as condições mais adversas possíveis, ao invés de conseguir
resultados ótimos sob circunstâncias normais.

Bons negócios e boas decisões de investimento irão eventualmente produzir resultados


econômicos bastante satisfatórios sem precisarmos recorrer à alavancagem. Dessa forma, nos

14
Fundo formado através de um provisionamento periódico de dinheiro destinado para o pagamento
gradual de cupons e/ou prêmios de um determinado ativo financeiro.
parece besteira e inadequado arriscar o que é importante (incluindo, necessariamente, o
bem-estar dos acionistas e empregados) a troco de pequenas melhorias no nosso retorno.
Esse tipo de visão não é resultado de estarmos ficando velhos ou de termos prosperado:
nossas opiniões a respeito de dívidas sempre se mantiveram inabaláveis.

No entanto, não temos fobia de empréstimos. (Estamos longe de acreditar que a pior
coisa na vida é ter dívidas.) Nós estamos dispostos a tomar emprestado apenas quantias que
não imponham risco a Berkshire no pior dos cenários. Para analisar com qual tamanho de
dívida ficamos confortáveis, podemos olhar para algumas vantagens importantes que nos
protegeriam caso nossa economia enfrentasse grandes problemas: os ganhos da Berkshire
vêm de muitos e diversificados negócios; tais negócios raramente necessitam de grandes
injeções de capital; a dívida que possuímos é bem estruturada; e mantemos grandes posições
em ativos líquidos. Dessa forma, fica claro que estaríamos em uma posição confortável mesmo
com uma taxa mais alta de dívida sobre patrimônio do que a que temos hoje.

Mais um aspecto a respeito da nossa política de endividamento merece ser comentado:


diferente de muitos outros negócios ao redor do mundo, nós preferimos recorrer ao
financiamento antecipando a necessidade de fazê-lo do que recorrer a ele como uma reação a
algo que aconteceu. Uma empresa consegue obter seus melhores resultados financeiros ao
administrar bem o seu balanço. Isso significa obter os maiores retornos possíveis sobre os
ativos e os menores custos possíveis sobre os passivos. Seria muito conveniente se surgissem
oportunidades de uma alocação inteligente de capital nesses dois fronts. No entanto, a lógica
nos diz que o mais provável de acontecer é justamente o contrário: problemas financeiros, o
que significa custos mais altos para os passivos, costumam criar as melhores oportunidades de
aquisição, e um acesso fácil a crédito barato faz com que os ativos subam muito de preço.
Nossa conclusão: atitudes no front dos passivos devem, às vezes, ser tomadas de maneira
independente de qualquer atividade no front dos ativos.

Lamentavelmente, as definições de crédito barato e caro nunca são muito claras. Nós
não temos a habilidade de prever a taxa de juros e - mantendo nosso usal espírito de mente
aberta - acreditamos que ninguém tem. Dessa forma, nós simplesmente tomamos empréstimos
quando as condições não são opressivas e torcemos para encontrar, em um momento
posterior, oportunidades inteligentes de expansão ou aquisição que - como já dissemos -
costumam surgir quando as condições no mercado de crédito são claramente opressivas.
Nosso princípio básico é que se você quer acertar um tipo raro e veloz de elefante, você deve
andar sempre com uma arma carregada.

Nossa política de obter financiamento primeiro e comprar ou expandir depois quase


sempre penaliza os ganhos de curto prazo. Por exemplo, nós estamos agora ganhando cerca
de 6,5% em cima dos U$ 250 milhões que levantamos a uma taxa de 10%, uma disparidade
que atualmente está no custando cerca de U$ 160 mil por semana. Essa diferença negativa
não tem importância para nós e não nos fará recorrer a aquisições apressadas ou a
instrumentos de ganho de curto prazo. Se conseguirmos encontrar o tipo de negócio certo nos
próximos cinco anos, a espera vai ter valido a pena.

Miscelânea

Nós gostaríamos de comprar mais negócios que sejam similares aos que nós já temos e
adoraríamos receber ajuda de vocês. Se você conhece alguma empresa que se encaixa nos
critérios a seguir, me ligue ou, preferencialmente, escreva.

Eis o que buscamos:


(1) Grandes compras (pelo menos U$ 10 milhões em ganhos após impostos),
(2) Poder de geração de caixa consistente e já provado (projeções futuras e
turnarounds​ não chamam nossa atenção),
(3) Negócios que tenham bons retornos sobre o patrimônio líquido usando pouca ou
nenhuma dívida,
(4) Uma gestão que já esteja enraizada (nós não podemos fornecer pessoas),
(5) Negócios simples (se tiver muita tecnologia, não iremos entender),
(6) Um preço para negociação (não queremos perder o nosso tempo, nem de quem
quer nos vender, com conversas sobre uma transação que sequer tenha um
preço).

Nós não iremos nos envolver com negociações que não sejam amigáveis. Podemos
prometer total confidencialidade e uma resposta bem rápida - normalmente, em cinco minutos -
para dizer se temos interesse ou não. Nós preferimos compras em dinheiro, mas iremos
considerar a emissão de ações se formos receber tanto valor intrínseco quanto iremos dar. Nós
convidamos potenciais vendedores a buscarem referências sobre nós com quem tivermos feito
negócios no passado. Para os negócios certos - e as pessoas certas - nós podemos prover um
bom lar.

Por outro lado, frequentemente nos são oferecidos negócios que não chegam nem
perto de passar por nosso crivo: novos empreendimentos, ​turnarounds​, vendas estilo leilão e o
famoso (entre corretoras) “Eu tenho certeza que algo vai dar certo se vocês se conhecerem
melhor”. Nada disso nos atrai nem um pouco.

Além de estarmos interessados na compra de negócios inteiros, como descrito acima,


também temos interesse em compras negociadas de grandes, mas não controladores, blocos
de ações, como foi o caso de nossa compra da Cap Cities e Salomon. Nós temos um especial
interesse em comprar ações preferenciais conversíveis como um investimento de longo prazo,
como foi o caso do Salomon.

* * *
Agora um pouco de déjà vu. A maior parte dos grandes acionistas da Berkshire recebeu
suas ações com a liquidação da Buffett Partnership, Ltd. (BPL). Alguns dos antigos sócios irão
se lembrar que em 1962 eu encontrei seríssimos problemas gerenciais na Dempster Mill
Manufacturing Co., uma empresa fabricante de produtos agrícolas que a BPL controlava.

Na época, como agora, eu procurei o Charlie com problemas que eram muito difíceis
para resolver sozinho. Charlie sugeriu que a solução poderia estar em um amigo dele na
Califórnia, Harry Bottle, cuja habilidade especial era a de nunca se esquecer do que era
realmente importante. Eu me encontrei com Harry em Los Angeles em 17 de abril de 1962, e
em 23 de abril de 1962 ele estava em Beatrice, Nebraska, administrando a Dempster. Nossos
problemas desapareceram quase que imediatamente após isso. Em minha carta anual de
1962, declarei Harry o “Homem do Ano”.

Adiante o filme 24 anos no futuro: a cena é na K & W Products, uma pequena


subsidiária da Berkshire que produz peças automotivas. Durante anos, a K & W teve bons
resultados, mas em 1985/86 ela caiu forte por mirar alto demais e se esquecer de fazer o
básico. Charlie, que supervisiona a K & W, sabia que nem precisava me consultar. No lugar
disso, ele ligou para o Harry, agora com 68 anos, fez dele CEO e simplesmente esperou pelos
resultados. Não foi preciso esperar muito. Em 1987, os lucros da K & W atingiram um recorde,
com crescimento de mais de 300% em comparação a 1986. E conforme os lucros subiram, o
capital empregado na companhia diminuiu: os investimentos da K & W em recebíveis e estoque
caíram em 20%.

Se nos esbarramos com um outro problema gerencial daqui a 10 ou 20 anos, você já


sabe para quem iremos ligar.

* * *

Cerca de 97,2% de todas as nossas ações participaram do programa de doações da


Berkshire em 1987. As arrecadações somaram U$ 4,9 milhões, e 2.050 instituições foram
beneficiadas.

Um levantamento recente mostrou que cerca de 50% das grandes companhias


americanas dobram o valor das doações feitas por seus diretores (em alguns casos, até
triplicam). Com efeito, esses representantes dos acionistas direcionam fundos para suas
instituições favoritas, nunca consultando de fato os acionistas para saber quais são suas
preferências em relação a quais instituições ajudar. (Me pergunto como eles se sentiriam se
processo fosse invertido e os acionistas pudessem colocar as mãos nos bolsos dos diretores e
destinar o dinheiro para as instituições que quisessem.) Quando A pega o dinheiro de B para
dar a C, e A é um legislador, o processo é chamado de cobrança de imposto. Porém, quando A
é um diretor de uma companhia, aí o processo se chama filantropia. Nós continuamos a
acreditar que as contribuições, tirando aquelas que têm benefícios claros para a empresa,
devem refletir as preferências de doações dos acionistas ao invés das dos diretores.

Pedimos que os novos acionistas leiam a descrição do nosso programa


filantrópico nas páginas 54 e 55​. Se você deseja participar em programas futuros, nós
recomendamos fortemente que você se certifique que suas ações estejam registradas em seu
próprio nome, não no da corretora ou outra instituição. Ações que não se adequem a essa
exigência até 30 de setembro de 1988 não poderão participar do programa de 1988.

* * *

No ano passado, recebemos cerca de 450 acionistas no nosso encontro anual. As 60 e


poucas questões que eles fizeram foram, como sempre, excelentes. Na maior parte das
empresas, os encontros anuais são uma perda de tempo porque algumas pessoas
egocêntricas gostam de se transformar no centro de atenções. Nosso encontro, no entanto, é
diferente. Ele é informativo para os acionistas e divertido para nós. (Nos encontros da
Berkshire, Charlie e eu é que acabamos nos tornando o centro de atenção).

Neste ano, nosso encontro ocorrerá no dia 23 de maio de 1988, em Omaha, e


esperamos que você possa comparecer. O encontro permite que você esteja em um lugar onde
você pode perguntar qualquer coisa que quiser a respeito do nosso negócio, e nós iremos
responder todos os questionamentos (exceto aqueles a respeito de movimentações de portfólio
ou outra informação proprietária).

No ano passado, alugamos dois ônibus - por $100 - para levar os acionistas até o
Furniture Mart. O que vocês fizeram lá demonstrou que vocês sabem aproveitar boas
oportunidades: vocês fizeram compras no valor de quase U$ 40 mil. A Sra. B comparou esses
dois valores (100 dólares pra levar vocês até lá e 40 mil dólares em vendas) e achou o custo
muito alto, atribuindo-o à minha crônica falta de atenção às despesas e más práticas de gestão.
Mas, atenciosa como sempre, ela me deu mais uma chance. Assim, teremos os ônibus
novamente esse ano. A Sra. B disse que vocês devem bater o valor vendido ano passado, e eu
disse a ela que não iremos desapontá-la.

Warren E. Buffett
Presidente do conselho

29 de fevereiro de 1988
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1988.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

O nosso ganho de patrimônio líquido em 1988 foi de U$ 569 milhões, ou 20%. Nos
últimos 24 anos (isto é, desde que assumimos o controle da empresa), o valor patrimonial por
ação saiu de U$ 19,46 para U$ 2.974,52, ou 23% ao ano.

Nós já enfatizamos em cartas passadas que o que conta, na verdade, é o valor


intrínseco do negócio - que, por definição, é uma estimativa que indica o quanto todas as
nossas empresas valem. Em nossos cálculos, o valor intrínseco da Berkshire excede em muito
o seu valor patrimonial. Nos últimos 24 anos, o valor intrínseco tem aumentado de maneira
mais acelerada do que o valor patrimonial; em 1988, no entanto, o valor patrimonial cresceu um
pouco mais rápido.

Os ganhos passados da Berkshire em valor patrimonial e valor intrínseco foram obtidos


sob circunstâncias muito diferentes das que existem hoje. Qualquer pessoa que ignorar essas
diferenças irá cometer o mesmo erro que um técnico de futebol cometeria se ele fosse julgar os
prospectos futuros de um atacante de 42 anos tomando por base a sua média de gols por
partida ao longo de sua vida.

Os pontos negativos mais importantes que afetam os nossos prospectos hoje são: (1)
um mercado acionário menos atrativo comparado com o que existiu nos últimos 24 anos; (2)
impostos mais altos; (3) um mercado de aquisições mais caro; e (4) condições da indústria para
a Capital Cities/ABC, Inc., GEICO Corporation e The Washington Post Company - três
investimentos permanentes da Berkshire, representando cerca de metade de nosso patrimônio
líquido - que vão de pouco piores a muito piores em comparação com as condições de cinco ou
dez anos atrás. Todas essas empresas têm uma gestão incrível e fortes vantagens
competitivas. Mas, aos preços atuais, o potencial de ganho delas nos parece
consideravelmente menos animador do que era alguns anos atrás.

O principal problema que temos, na verdade, é uma base de capital que não para de
crescer. Você já ouviu-nos falar a respeito disso, mas esse problema, assim como a idade, se
torna cada vez maior a cada ano que passa. (E, também assim como a idade, é preferível que
esse problema se torne maior a cada ano do que resolvê-lo de uma vez por todas.)

Quatro anos atrás eu disse a vocês que precisávamos de lucros da ordem de U$ 3,9
bilhões para alcançarmos uma taxa anual de retorno de 15% nos dez anos seguintes.
Contando esses mesmos dez anos a partir de hoje, um retorno de 15% irá requerer lucros de
U$ 10,3 bilhões. Esse é um número que parece muito grande para mim e para o Charlie
Munger, vice-presidente da Berkshire e meu sócio. (Se esse número provar ser realmente
muito grande, Charlie passará a ser mencionado em cartas futuras como o sócio sênior - em
retrospecto.)

Como compensação parcial para o peso que nossa base de capital crescente exerce
sobre nós, temos uma vantagem muito importante hoje que não tínhamos há 24 anos. Naquela
época, todo o nosso capital estava preso em um negócio têxtil com fundamentos econômicos
inerentemente ruins. Hoje, parte de nosso capital está investido em alguns negócios realmente
excepcionais.

No ano passado, definimos as seguintes operações como os “Santíssimos Sete”:


Buffalo News, Fechheimer, Kirby, Nebraska Furniture Mart, Scott Fetzer Manufacturing Group,
See’s e World Book. Em 1988, os santos vieram marchando. Você pode verificar o quão
extraordinários foram os retornos sobre capital dessas empresas ​olhando o histórico
financeiro delas na página 45​, que combina os valores dos Santíssimos Sete com outras
subsidiárias menores. Mesmo sem usar alavancagem financeira, esse grupo de empresas teve
um ganho médio de 67% sobre o capital social.

Na maior parte delas, esse desempenho invejável vem, em parte, das vantagens
competitivas que elas possuem; em todos os casos, no entanto, uma gestão excepcional tem
mostrado ser um fator vital. A única contribuição que Charlie e eu damos a esses gestores é
não incomodá-los.

Em minha opinião, esses negócios continuarão a nos dar retornos soberbos. E nós
precisaremos desses retornos: sem eles, a Berkshire não terá a menor chance de conseguir
atingir o nosso objetivo de 15%. Você pode ter certeza que os nossos gestores irão fazer o seu
papel; a dúvida que fica para o nosso futuro é se Charlie e eu conseguiremos aplicar os fundos
gerados por esses negócios de maneira sábia.

Nesse sentido, demos um passo na direção certa no início de 1989 quando compramos
80% da Borsheim’s, uma joalheria em Omaha. Essa compra, que será descrita mais à frente
nesta carta, atendeu exatamente aquilo que procuramos: um negócio incrível, tocado por
pessoas que gostamos, admiramos e confiamos. Essa foi uma ótima forma de começar o ano.

Mudanças contábeis

Nós fizemos uma mudança contábil significativa por lei em 1988 e, provavelmente,
teremos que fazer outra em 1990.

Sempre que apresentamos os nossos resultados ano após ano, sem mudanças na
realidade econômica, uma de nossas sempre empolgantes discussões a respeito de
contabilidade se faz necessária.
Em primeiro lugar, irei começar com minha rotineira isenção de responsabilidade:
apesar dos problemas com os valores GAAP1, eu odiaria ter um trabalho que fosse criar um
novo conjunto de regras contábeis. As limitações do conjunto existente, no entanto, não
precisam ser inibidoras: os CEOs têm liberdade para tratar os valores GAAP apenas como uma
parte, e não o todo, da obrigação de manter os acionistas e credores informados - e de fato
eles deveriam fazer isso. Afinal de contas, qualquer gerente de uma empresa subsidiária iria
ficar em maus lençóis se reportasse apenas os valores GAAP, omitindo informações essenciais
ao seu chefe, CEO da empresa controladora. Por que, então, o próprio CEO iria suprimir
informações tão valiosas a seus chefes - os acionistas da empresa?

O que precisa ser reportado são os dados - seja GAAP, não-GAAP ou extra-GAAP -
que ajudem os leitores versados em finanças a responder três perguntas essenciais: (1)
Aproximadamente quanto vale essa companhia? (2) Qual é a probabilidade dela honrar seus
compromissos? e (3) O quão bem os gerentes estão exercendo seus papéis, considerando a
conjuntura que eles têm de lidar?

Na maior parte dos casos, as respostas para uma ou mais dessas perguntas são
difíceis ou impossíveis de serem obtidas usando apenas os valores GAAP. O mundo dos
negócios é simplesmente muito complexo para que um único conjunto de regras consiga
descrever de maneira eficaz a realidade econômica de todo tipo de negócio, especialmente
aqueles que operam em vários ramos, como é o caso da Berkshire.

Para complicar ainda mais as coisas, muitos gerentes vêem o GAAP não como um
padrão a ser seguido, mas como um obstáculo a ser superado. Os contadores acabam
ajudando eles até demais. (“Quanto”, diz o cliente, “é dois mais dois?” E o prestativo contador
responde “Depende. Que número você quer que seja?”) Mesmo gerentes honestos e bem
intencionados podem, às vezes, abusar do GAAP para apresentar valores que eles pensem ser
mais apropriados para descrever o desempenho que tiveram. Tanto a sua suavização dos
ganhos quanto os trimestres mais fracos são técnicas empregadas por gerentes que um dia
foram confiáveis.

Há também os gerentes que usam o GAAP para intencionalmente enganar e cometer


fraudes. Eles sabem que muitos investidores e credores aceitam os resultados GAAP de olhos
fechados. Esses charlatões, então, interpretam as regras de maneira “criativa” e registram
transações comerciais que tecnicamente cumprem os requisitos GAAP, mas que, na verdade,
não passam de ilusões.

Enquanto alguns investidores - incluindo algumas instituições supostamente sofisticadas


- colocarem ​valuations “enfeitados” que não param de aumentar os “ganhos” reportados, pode

1
​Generally Accepted Accounting Principles​, ou Princípios Contábeis Geralmente Aceitos, representam
um conjunto de regras contábeis para a apresentação de resultados das empresas.
ter certeza que alguns gerentes irão se aproveitar do GAAP para fazer a conta fechar, não
importa qual seja a verdade. Ao longo dos anos, Charlie e eu temos observado muitas fraudes
contábeis de tamanhos inimagináveis. Poucos responsáveis têm sido punidos; a maior parte
sequer foi advertida. Nunca foi tão seguro roubar grandes somas de dinheiro com uma caneta
do que pequenas somas com uma arma.

Por conta de uma grande alteração no GAAP de 1988, vamos agora ter que consolidar
todas as nossas subsidiárias em nosso balanço contábil. No passado, os resultados do Mutual
Savings and Loan e a Scott Fetzer Financial (uma empresa de crédito que financia
principalmente os parcelamentos da World Book e dos produtos Kirby) eram consolidados em
uma única linha. Isso significava que (1) mostrávamos nossa participação no patrimônio líquido
combinado delas como uma única linha na demonstração da Berkshire e (2) incluíamos nossa
participação nos ganhos anuais combinados delas também como uma única linha em nossa
declaração de ganhos. Agora, as regras exigem que nós consolidemos cada ativo, passivo,
receita e despesa em nossos próprios balanços.

Essa mudança sublinha a necessidade das companhias de reportar dados


segmentados: quanto mais empresas são aglutinadas nas declarações financeiras, menos
úteis tais declarações se mostram e menos capazes os investidores são de responder às três
questões mencionadas anteriormente. De fato, a única razão pela qual nós consolidamos os
valores na Berkshire é para atender regras contábeis. Por outro lado, Charlie e eu
constantemente estudamos nossos dados por segmento.

Agora em que somos obrigados a juntar mais números em nossas declarações GAAP,
decidimos publicar informações complementares para ajudar vocês a medir o valor intrínseco
de nossa companhia e o desempenho de nossos gestores. (A habilidade da Berkshire em
honrar com suas obrigações - uma das perguntas que levantamos anteriormente - é óbvia,
independentemente do ângulo pelo qual você analise.) Nesse material suplementar, nós não
necessariamente iremos seguir a estrutura GAAP. No lugar disso, iremos tentar condensar as
principais atividades operacionais de forma que ela ajude na análise sem inundar vocês com
números. O nosso objetivo é prover informação de uma maneira que nós gostaríamos de
receber caso estivéssemos no lugar de vocês.

​ as páginas 41-47​, nós mostramos os balanços e declarações para: (1) nossas


N
subsidiárias do setor financeiro, que são a Mutual Savings e Scott Fetzer Financial; (2) nossas
operações de seguros, com suas maiores posições de investimento listadas item a item; (3)
nossos negócios de manufatura, varejo e mídia, deixando de lado certos ativos não
operacionais e ajustes no preço de compra; e (4) uma categoria geral que inclui os ativos não
operacionais (basicamente, valores mobiliários) detidos pelas companhias em (3), assim como
vários ativos e passivos da Wesco e da Berkshire.

Se você combinar os ganhos e os patrimônios líquidos desses quatro segmentos, você


vai chegar nos mesmos números mostrados em nossas declarações GAAP. No entanto,
queremos enfatizar que nossa nova forma de apresentar os números não passa pelos critérios
de nossos auditores, que sequer a viram. (Na verdade, eles ficariam horrorizados se vissem;
por isso, prefiro nem mostrar.)

Eu comentei ainda que mais uma mudança no GAAP irá ocorrer em 1990. Essa
mudança tem relação com o cálculo de impostos diferidos2, e é bastante complicada e
controversa - tanto que era pra ela ter tido início em 1989, mas foi adiada para 1990.

Quando implementada, essa nova regra irá afetar-nos de várias maneiras. A mais
importante é que seremos obrigados a mudar a forma como calculamos nossas obrigações
com impostos diferidos de apreciação não realizada3 das ações detidas por nossas
seguradoras.

Atualmente, nossas obrigações estão estratificadas. Para a apreciação não realizada de


1986 e anos anteriores, no valor de U$ 1,2 bilhão, nós nos encaixamos na faixa de 28% de
imposto. Para a apreciação não realizada de 1986 em diante, nossa faixa vai para 34%. A
diferença reflete o aumento dos impostos que passou a ter força de lei em 1987.

Aparentemente, a nova regra contábil irá exigir que todas as nossas obrigações sejam
taxadas em 34% em 1990, descontando tais valores de nossos ganhos. Assumindo que
nenhuma outra mudança fiscal ocorra até 1990, essa mudança irá reduzir nossos ganhos
naquele ano (e, por consequência, nosso patrimônio líquido) em U$ 71 milhões. A nova regra
também irá afetar outros itens de nosso balanço, mas terão um impacto muito pequeno nos
ganhos e patrimônio.

Nós não temos opiniões ferrenhas sobre a conveniência dessa mudança no cálculo dos
impostos diferidos. Devemos apontar, no entanto, que nem a faixa de 28%, nem a de 34%
representa de maneira fidedigna a realidade econômica da Berkshire, uma vez que não temos
planos de vender as ações responsáveis pela maior parte de nossos ganhos.

Para aqueles que não têm interesse algum em contabilidade, eu peço desculpas por
essa dissertação que acabei de escrever. Sei que muitos de vocês não se debruçam sobre os
nossos balanços para decidir se aplicam ou não seus recursos na nossa empresas; mas sim
porque vocês sabem que: (1) Charlie e eu temos a maior parte do nosso dinheiro aplicado na
Berkshire; (2) pretendemos tocar o negócio de forma que seus ganhos e perdas sejam
diretamente proporcionais aos nossos; e (3) o histórico de retornos tem sido satisfatório até o
momento. Não há nada de errado com essa abordagem de “confiança” em investimentos.
Outros acionistas, no entanto, preferem a abordagem “analítica”, por isso fazemos questão de

2
Um imposto diferido é aquele que pode ser postergado o pagamento por conta de deduções de perdas
financeiras e prejuízos operacionais.
3
Apreciação não realizada é a diferença de valor entre o preço pago por uma ação e pelo preço atual de
mercado.
fornecer todas as informações necessárias. Em nossas próprias teses de investimentos,
buscamos por situações onde ambas as abordagens cheguem na mesma conclusão.

Fonte dos ganhos reportados

Além de fornecer a vocês nosso novo material de contabilidade dividido em quatro


seções, iremos continuar a listar as maiores fontes dos ganhos reportados pela Berkshire da
mesma forma que sempre fizemos.

Na tabela a seguir, a amortização do ​goodwill e outros ajustes contábeis do preço de


compra não são descontados dos negócios dos quais eles estão relacionados, mas são
agrupados e mostrados de forma separada. Essa abordagem permite que você veja os ganhos
das empresas como se elas não tivessem sido compradas por nós. Eu já expliquei em cartas
anteriores o motivo desse tipo de apresentação de resultados nos parecer mais útil aos
acionistas e gerentes do que a apresentação GAAP, que requer ajustes dos preços de compra
de cada negócio. Os ganhos líquidos totais mostrados na tabela são, é claro, idênticos aos
ganhos GAAP constantes em nossas declarações auditadas.

Maiores informações a respeito dessas companhias são fornecidas na seção de


“Negócios”, nas páginas 32-34, e na seção “Discussão da Gestão”, nas páginas 36-40​.
Nessas seções você irá encontrar os ganhos segmentados por negócio, conforme as
requisições do GAAP. Para informações a respeito da Wesco, ​peço que você leia a carta de
Charlie Munger, que começa na página 52​. Lá tem a melhor descrição de eventos que
produziram a atual crise em empréstimos. Além disso, recomendo atenção especial ao
desempenho de Dave Hillstorm na Precision Steel Warehouse, uma subsidiária da Wesco.
Precision opera em uma indústria altamente competitiva, e ainda assim o Dave tem
consistentemente atingido bons retornos sobre o capital investido. Embora não tenhamos os
dados completos para afirmar isso, eu acho que o desempenho que ele teve, tanto em 1988
quanto em anos anteriores, o colocaria em primeiro lugar em comparação aos gestores de
empresas do ramo.
*Excluindo gastos com juros da Scott Fetzer Financial Group.

Os ganhos obtidos por nossas empresas foram incríveis, tanto em valores absolutos
quanto em valores relativos a seus competidores. A isso, agradeço nossos gestores: você,
leitor, e eu temos muita sorte em podermos estar associados a eles.

Na Berkshire, parcerias assim duram um longo tempo. Nós não retiramos gestores
superstars da nossa equipe simplesmente porque eles atingiram uma certa idade - seja na
tradicional idade de se aposentar, aos 65, ou aos 95, idade atingida pela Sra. B na véspera da
Chanucá4. Gestores excepcionais como o que nós temos são valiosos demais para serem
descartados simplesmente porque seus bolos de aniversário têm muitas velas em cima. Além
4
Festa judaica, também conhecida como “Festival das Luzes.” Buffett faz referência a este fato
provavelmente pelo fato da Sra. B ser judia.
disso, nossa experiência com jovens MBAs não tem sido das melhores. Os históricos
acadêmicos são sempre ótimos, e os candidatos sempre sabem o que dizer; no entanto, e com
frequência, eles não mostram nem um verdadeiro compromisso com a empresa, nem
experiência. É difícil ensinar novos truques a um cachorro novo.

Eis uma atualização sobre nossas maiores operações não-financeiras:


● No Nebraska Furniture Mart, a Sra. B (Rose Blumkin) e sua cadeira de rodas
continuam a seguir em frente. Ela tem sido a chefe da empresa por 51 anos,
dando início ao negócio com 44 anos e U$ 500. (Imagine o que ela teria feito
com U$ 1 mil!) Quando se trata da Sra. B, a idade avançada está sempre a pelo
menos 10 anos de distância.

O Mart, há muito tempo a maior loja de móveis domésticos do país, continua a


crescer. Nos últimos meses, a loja abriu uma queima de estoque separada de
quase 2.000 metros quadrados, expandindo sua habilidade de oferecer
barganhas em todos os níveis de preço.

Recentemente, Dillard’s, uma das lojas de departamento mais bem-sucedidas


dos EUA, entrou no mercado de Omaha. Em muitas de suas franquias, a
Dillard’s tem uma completa linha de móveis, que indiscutivelmente está indo
muito bem. Pouco antes de abrir uma loja em Omaha, no entanto, William
Dillard, presidente da companhia, anunciou que sua nova loja não iria trabalhar
com móveis. Em referência à NFM, ele disse: “Nós não queremos competir com
eles. Acreditamos que eles já são os melhores no que fazem.”

No Buffalo News, nós costumamos exaltar o valor da propaganda, e nossas


políticas no NFM provam que nós praticamos aquilo que pregamos. Nos últimos
três anos, o NFM tem sido o maior anunciante ROP no Omaha World-Herald.
(Anúncios ROP são do tipo que são impressos no próprio jornal, diferente de
panfletos impressos em separado e colocados entre as páginas). Em nenhum
outro grande mercado, até onde sei, uma loja de móveis é o maior cliente de um
jornal. De vez em quando, nós rodamos grandes anúncios em jornais que
chegam até Des Moines, Sioux City e Kansas City - sempre obtendo bons
resultados. Realmente vale a pena anunciar, desde que você tenha algo que
valha a pena ser vendido.

O filho da Sra. B, Louie, e seus filhos, Ron e Irv, completam o time vencedor dos
Blumkin. É uma verdadeira alegria poder trabalhar junto dessa família. Todos os
seus membros possuem um caráter que combina com suas habilidades
extraordinárias.
● No ano passado, eu disse com toda a certeza que as margens no The Buffalo
News iriam cair em 1988. Tal previsão teria se mostrado verdadeira em quase
qualquer outro jornal de nosso tamanho - ou maior.

Mas Stan Lipsey - que ele seja abençoado - me fez engolir minhas próprias
palavras.

Embora tenhamos aumentado os preços a uma taxa um pouco menor do que a


indústria no ano passado, e embora nossos custos de impressão e folha de
pagamento tenham aumentado em linha com o setor, Stan conseguiu melhorar
levemente as margens. Ninguém do setor de jornais tem um histórico tão bom
quanto ele. E ele conseguiu seus resultados administrando um jornal que dá
uma quantidade enorme de notícias a seus leitores. Acreditamos que nosso
percentual de ​news hole - porção do jornal dedicada às notícias - é maior do
que qualquer outro jornal que tenha nosso tamanho (ou maior). O percentual foi
de 49,5% em 1988 e 49,8% em 1987. Nós temos um compromisso de deixar
esse percentual perto de 50%, não importa qual seja o nível ou tendência das
margens de lucro.

Charlie e eu somos apaixonados por jornais desde crianças, e temos tido uma
excelente experiência com o News nos últimos 12 anos desde que o
compramos. Nós tivemos sorte de ter Murray Light, um editor de primeira linha,
na empresa quando fizemos a aquisição, e ele nos tem feito ter muito orgulho do
jornal desde então.

● See’s Candies vendeu um recorde de 25,1 milhões de ​pounds5 em 1988. Os


prospectos não estavam bons até o fim de outubro, mas um excelente volume
de vendas no Natal, consideravelmente melhor do que o recorde de 1987, virou
o jogo.

Como eu já disse em outras ocasiões, as vendas da See’s continuam a ficar


mais e mais concentradas no Natal. Em 1988, a companhia teve 90% dos lucros
do ano no mês de dezembro: U$ 29 milhões de U$ 32,5 milhões antes de
impostos. (É o suficiente para fazer qualquer um acreditar em Papai Noel). O
dilúvio de vendas em dezembro produz uma leve protuberância nos ganhos
sazonais da Berkshire. Outra pequena protuberância ocorre no primeiro
trimestre, quando a maior parte das enciclopédias da World Book são vendidas.

5
Um ​pound ​corresponde a aproximadamente 453g. 25,1 milhões de ​pounds ​são equivalentes a
aproximadamente 11.400 toneladas.
Charlie e eu colocamos Chuck Huggins na gerência da See’s cinco minutos
depois de termos comprado a companhia. Ao olhar para o histórico dele, você
pode se perguntar o porquê de termos demorado tanto nessa escolha.

● Na Feccheimer, os Heldman - Bob, George, Gary, Roger e Fred - são os


equivalentes em Cincinnati aos Blumkin. Nem a venda de móveis, nem a
fabricação de uniformes tem fundamentos econômicos atrativos. Nesses ramos,
apenas gestores excepcionais conseguem entregar altos retornos sobre o capital
investido. E é exatamente isso que esses cinco Heldman fazem. (Como um
treinador de futebol americano disse certa vez ao comparar os desempenhos
estelares de um pai e filho no esporte, “Há muita hereditariedade nessa família.”)

Feccheimer fez uma aquisição relativamente grande em 1988. Charlie e eu


temos tanta confiança na experiência que os Heldman têm do negócio que
concordamos com a compra sem nem olhar para o contrato. Há pouquíssimos
outros gestores - incluindo os que tocam as principais empresas da lista Fortune
500 - que depositaríamos esse tipo de confiança.

Por conta tanto dessa aquisição quanto do crescimento interno, as vendas na


Feccheimer deverão aumentar bastante em 1989.

● Todas as operações tocadas por Ralph Schey - World Book, Kirby e The Scott
Fetzer Manufacturing Group - tiveram um desempenho esplêndido em 1988. Os
retornos sobre capital obtidos pelo Ralph continuam a ser excepcionais.

Um bom progresso tem sido observado numa das maiores unidades da Scott
Fetzer Manufacturing Group, a Campbell Hausfeld. Essa companhia, líder
nacional na produção de pequenos e médios compressores de ar, mais do que
dobrou seus ganhos desde 1986.

As vendas de unidades na Kirby e World Book aumentaram bastante em 1988,


com um crescimento forte nas exportações.

World Book passou a ser vendida na União Soviética em setembro, quando a


maior loja americana de livros naquele país abriu as portas em Moscou. A World
Book é a única enciclopédia vendida na loja.

A produtividade pessoal de Ralph é impressionante: além de gerenciar 19


negócios de forma magnífica, ele ainda é ativo na The Cleveland Clinic, Ohio
University, Case Western Reserve e numa operação de capital de risco (​venture
capital​) que criou nada menos do que 16 empresas em Ohio e ressuscitou
muitas outras. Tanto Ohio quanto a Berkshire se beneficiam muito por ter Ralph.
Borsheim’s

Em 1983, a Berkshire comprou 80% do The Nebraska Furniture Mart. Este presidente
que vos fala cometeu um grande erro na época ao esquecer de perguntar para a Sra. B algo
que qualquer criança perguntaria: “Existem outros negócios tão bons como esse?” No mês
passado, eu corrigi esse erro: nós agora detemos 80% de outra empresa da família.

Depois da Sra. B ter vindo da Rússia em 1917, seus pais e seus cinco irmãos vieram
também. (Seus dois outros irmãos já tinham vindo pra cá antes dela.) Entre as irmãs estava
Rebecca Friedman que, com seu marido, Louis, escapou para o ocidente pela Letônia em uma
jornada tão perigosa quanto a odisséia da Sra. B pela Manchúria. Quando os membros da
família se reuniram em Omaha, eles não tinham quaisquer ativos. Mas tinham uma
extraordinária combinação de inteligência, integridade e vontade de trabalhar - e isso era tudo
que precisavam. Desde então, eles têm se mostrado invencíveis.

Em 1948, o Sr. Friedman comprou a Borsheim’s, uma pequena joalheria de Omaha.


Como sócio do negócio, veio seu filho Ike em 1950 e, conforme os anos foram passando, o
filho de Ike, Alan, e os genros, Marvin Cohn e Donald Yale, também se juntaram à companhia.

Você não vai ficar surpreso ao ouvir eu dizer que essa família usa a mesma abordagem
para a joalheria que os Blumkin usam no ramo de móveis para casa. A pedra fundamental de
ambos os negócios é o mote da Sra. B: “Venda barato e diga a verdade”. Outros fundamentos
usados em ambas as empresas são: (1) operações focadas em uma única loja, com grandes
estoques para fornecer opções de todos os preços aos clientes, (2) atenção diária aos detalhes
pelos principais gerentes, (3) ritmo acelerado de operações, (4) compras astutas e (5)
despesas incrivelmente baixas. A combinação dos últimos três fatores permite que ambas as
lojas ofereçam preços que nenhuma outra loja no país consegue bater.

A maior parte das pessoas, não importa o quão sofisticadas sejam em outras áreas, se
sentem perdidas ao comprar jóias. Elas não conseguem julgar nem qualidade e nem preço.
Para elas, apenas uma regra se aplica: se você não conhece nada de jóias, conheça então o
joalheiro.

Eu posso afirmar que quem coloca sua confiança em Ike Friedman e sua família nunca
irá se decepcionar. A forma como adquirimos o negócio deles é a prova cabal disso.
Borsheim’s não tinha declarações financeiras auditadas; mesmo assim, não conferimos o
estoque, não verificamos os recebíveis ou auditamos a operação da empresa. Ike
simplesmente nos disse quais eram os números da companhia, e tomando isso por base,
assinamos um contrato de uma página e um polpudo cheque.
Os negócios da Borsheim’s têm crescido rapidamente nos últimos anos conforme a
fama da família Friedman tem se espalhado. Temos agora clientes que vêm até a loja de todo
canto do país. Entre eles, vieram alguns amigos meus de ambas as costas6, que me
agradeceram depois por ter convidado eles a irem até lá.

A vinculação da Borsheim’s com a Berkshire não mudará em nada a forma como a


empresa é conduzida. Todos os membros da família Friedman continuarão suas operações da
mesma forma como faziam antes; Charlie e eu ficaremos no banco dos reservas, que é o
nosso lugar. E quando dizemos “todos os membros”, tais palavras realmente significam isso. O
Sr. e a Sra. Friedman, com 88 e 87 anos, respectivamente, dão expediente na loja todos os
dias. As esposas de Ike, Alan, Marvin e Donald ajudam nos momentos de maior movimento, e
uma quarta geração da família está começando a aprender o ofício.

É muito bom fazer parte de um negócio com pessoas que você admira. Os Friedman,
assim como os Blumkin, alcançaram o sucesso por merecimento. Ambas as família focam no
que é o melhor para o cliente, e isso, inevitavelmente, tem um retorno positivo para eles
próprios. Nós não poderíamos ter melhores sócios.

Operações de seguros

A seguir, mostramos uma versão atualizada da nossa costumeira tabela com os


principais números da indústria de seguros:

Fonte: A.M. Best Co.

6
Como os EUA ocupam ambas as costas do continente norte-americano, é comum ouvir a expressão
coast to coast​ (de costa a costa).
A taxa combinada representa os custos totais dos seguros (perdas incorridas mais
despesas) comparados com as receitas dos prêmios: uma taxa abaixo de 100 indica um lucro
com ​underwriting7; acima de 100, prejuízo. Quando os rendimentos das aplicações dos fundos
dos segurados (​float​) são levados em consideração, uma taxa combinada no intervalo 107-111
representa um equilíbrio entre receitas e despesas, excluindo os ganhos advindos do capital
dos acionistas.

Pelas razões descritas nas cartas anteriores, nós prevemos um aumento de 10% ao
ano nas perdas incorridas na indústria, mesmo em anos em que a inflação fique mais baixa. Se
o crescimento de prêmios segurar essa taxa de 10%, as perdas com ​underwriting irão se
acumular, muito embora a tendência da indústria de provisionar menos quando as coisas vão
mal tenda a obscurecer o tamanho do rombo por um tempo. Como a tabela mostra, a perda da
indústria com ​underwriting cresceu em 1988. Essa tendência é praticamente certa de continuar
- e provavelmente acelerar - por pelo menos mais dois anos.

A indústria de seguros de bens e acidentes não só tem um lucro abaixo do normal como
também tem uma popularidade relativamente pequena. (Como Sam Goldwyn8 filosofou certa
vez: “Na vida, precisamos aprender a engolir o amargo junto com o azedo.”) Uma das ironias
deste ramo é que muitas outras indústrias relativamente pouco lucrativas inseridas em uma
política de precificação inadequada precisam lidar com as reclamações dos clientes, enquanto
que outros setores da economia altamente lucrativos se vêem livres desse problema, não
importa o quão alto sejam os preços.

Pegue de exemplo a indústria de cereais matinais, cujo retorno sobre o capital investido
é mais do que o dobro daquele da indústria de seguros automotivos (motivo pelo qual
empresas como a Kellogg e General Mills são vendidas a cinco vezes o valor patrimonial,
enquanto que as seguradoras costumam ser negociadas perto do valor contábil). As
companhias de cereais regularmente aumentam seus preços, sendo que poucos desses
aumentos têm relação com alguma alta significativa nos custos. Mesmo assim nenhuma
reclamação é ouvida dos clientes. Mas quando as seguradoras automotivas aumentam os
preços a uma taxa que sequer compensa o aumento dos custos, os clientes ficam indignados.
Se você quer ser amado, claramente é melhor vender cereal caro do que um seguro de carro
barato.

O antagonismo que o público em geral sente em relação à indústria de seguros pode ter
consequências sérias: a Proposição 103, uma iniciativa da Califórnia, foi aprovada uns meses
atrás e ameaça abaixar muito os preços dos seguros, mesmo com os custos aumentando cada
vez mais. O corte nos preços está suspenso enquanto os tribunais julgam a iniciativa, mas o
ressentimento que isso trouxe continua valendo: mesmo se a iniciativa for derrubada, os
seguradores terão dificuldade em obter lucros na Califórnia. (Graças aos céus os cidadãos não

7
Processo de subscrição. Se as práticas de subscrição gerarem contratos cujos prêmios excedam as
indenizações e demais despesas, o lucro subsequente elevará a capacidade da seguradora.
8
Famoso produtor de filmes em Hollywood.
estão bravos com bombons: se a Proposição 103 se aplicasse a doces assim como se aplica a
seguros, a See’s se veria forçada a vender seu produto a U$ 5,76 por ​pound ao invés dos U$
7,60 que cobramos atualmente - o que a faria perder dinheiro aos baldes.)

Os efeitos diretos e imediatos da iniciativa na Berkshire são mínimos, uma vez que nós
já não víamos oportunidades interessantes na Califórnia antes da Proposição ser votada. No
entanto, a queda forçada nos preços afetaria muito a GEICO, empresa que temos 44% de
participação e que tem cerca de 10% do seu volume de prêmios vindo da Califórnia. Mais
ameaçador ainda para a GEICO é a possibilidade de ações de precificação similares serem
implementadas em outros estados, seja por meio de iniciativas ou leis.

Se os eleitores insistem que os seguros automotivos devem ter o preço reduzido, esse
ramo eventualmente deve ser vendido ao governo. Acionistas conseguem subsidiar algumas
políticas de preço por um curto espaço de tempo, mas apenas os pagadores de impostos
podem subsidiá-los por anos a fio. Na maior parte das seguradoras de bens e acidentes, a
socialização dos seguros automotivos não seria um desastre para os acionistas. Por conta das
características de ​commodity da indústria, a maior parte das seguradoras tem retornos
medíocres e, portanto, têm pouco ou nenhum ​goodwill econômico a perder caso elas sejam
forçadas pelo governo a deixar o ramo de seguros para carros. Mas a GEICO, por ser uma
empresa de baixo custo capaz de gerar altos retornos sobre o patrimônio, tem um gigantesco
goodwill​ econômico em risco. Por consequência, nós também.

Na Berkshire, em 1988, nosso volume de prêmios continuou a cair, e em 1989 nós


iremos passar por uma grande queda por conta de uma razão em especial: o contrato pelo qual
nós recebemos 7% dos negócios da Fireman’s Fund expira em 31 de agosto. Quando isso
acontecer, nós iremos devolver para a Fireman’s Fund os prêmios não ganhos que estão
conosco por conta do contrato. Essa transferência de fundos irá aparecer na linha de
“Prêmios/contratos fechados” como cerca de U$ 85 milhões negativos, o que fará nossos
números do terceiro trimestre serem peculiares. No entanto, o encerramento desse contrato
não terá nenhum efeito significativo nos lucros.

Os resultados de ​underwriting da Berkshire continuaram sendo excelentes em 1988.


Nossa taxa combinada (excluindo acordos estruturados e resseguros financeiros) foi de 104. E
a evolução do provisionamento se mostrou favorável pelo segundo ano consecutivo, saindo de
uma sequência de anos em que foi muito insatisfatório. ​Detalhes tanto sobre o ​underwriting
quanto sobre o provisionamento podem ser encontrados nas páginas 36-38​.

Nosso volume de seguros nos próximos anos provavelmente será baixo, uma vez que
oportunidades com um potencial razoável de lucro se tornarão escassas. Que assim seja. Na
Berkshire, nós simplesmente não iremos fechar contratos a taxas que carreguem a expectativa
de perdas econômicas. Nós já temos problemas o suficiente quando as expectativas são de
ganhos.
Apesar - ou talvez por conta - do volume menor, os nossos lucros durante os próximos
anos têm tudo para ser maiores do que a média da indústria. Com certeza teremos um
montante excepcional de ​float em comparação ao volume de prêmios, o que é um bom agouro
para os lucros. Em 1989 e 1990, a expectativa é a de que a taxa de ​float​/prêmios seja pelo
menos três vezes àquela de uma seguradora média do setor. Mike Goldberg, com a ajuda
especial de Ajit Jain, Dinos Iordanou e a equipe gerencial da National Indemnity, conseguiu nos
deixar em uma posição confortável nesse aspecto.

Em algum momento - não sabemos quando - nós iremos encarar um dilúvio com nossos
contratos de seguros. A causa provavelmente vai ser alguma grande catástrofe natural ou
financeira. Mas também podemos experienciar uma explosão nos negócios, como foi o caso de
1985, porque grandes e crescentes perdas com ​underwriting em outras companhias podem
coincidir com o reconhecimento delas de que estão pouco provisionadas. Nesse ínterim, iremos
reter nossos talentosos profissionais, proteger nosso capital e tentar evitar cometer grandes
erros.

Valores mobiliários negociáveis

Ao selecionar os investimentos em valores mobiliários que iremos fazer por meio de


nossas seguradoras, podemos escolher entre cinco grandes categorias: (1) investimentos em
ações para o longo prazo, (2) títulos de médio prazo prefixados, (3) títulos de longo prazo
prefixados, (4) operações de curto prazo como equivalentes de caixa, e (5) operações de
arbitragem de curto prazo.

Não temos nenhum viés em particular a respeito da escolha entre essas categorias. Nós
simplesmente fazemos uma busca contínua entre elas para achar os maiores retornos dentro
de expectativas razoáveis, nos limitando sempre a investimento que possamos entender.
Nossos critérios não tem relação alguma com tentar maximizar de imediato os ganhos
reportados; nosso objetivo, no lugar disso, é maximizar eventualmente nosso patrimônio
líquido.

A seguir, listamos nossas participações acionárias de mais de U$ 100 milhões,


excluindo as operações de arbitragem, que serão discutidas em breve. Uma pequena porção
desses investimentos pertencem a subsidiárias que a Berkshire detém um pouco menos de
100%.
* Embora nominalmente seja uma ação preferencial, esse ativo é financeiramente equivalente a
uma ação ordinária.

Nossos investimentos permanentes - Capital Cities/ABC, GEICO Corporation e The


Washington Post Company - permanecem inalterados.

Também inalterada permanece nossa admiração aos gestores de tais empresas: Tom
Murphy e Dan Burke, na Cap Cities, Bill Snyder e Lou Simpson, na GEICO, e Kay Graham e
Dick Simmons, no The Washington Post. Charlie e eu apreciamos muito o talento e integridade
que esses gerentes trazem a seus negócios.

O desempenho deles, que temos observado de perto, contrasta de maneira vívida com
a de muitos outros CEOs que, felizmente, temos observado apenas de longe. Em alguns
casos, esses CEOs claramente não se encaixam em suas funções; mesmo assim, suas
posições na empresa ficam do mesmo jeito. A ironia suprema do gerenciamento empresarial é
que é muito mais fácil um CEO incompetente permanecer no cargo do que um funcionário.

Se uma secretária, digamos, é contratada para um trabalho que requer uma habilidade
de digitação de pelo menos 80 palavras por minuto e ela for capaz de digitar apenas 50, ela
será demitida em um piscar de olhos. Há um padrão lógico para o cargo; o desempenho pode
ser facilmente medido; e se você não conseguir acompanhar o ritmo, você é desligado da
empresa. De forma similar, se novos vendedores não forem capazes de conseguir fechar
negócios rapidamente, eles serão demitidos. Desculpas não serão aceitas como substitutas
para pedidos.

No entanto, um CEO que não tem bom desempenho permanece no cargo por tempo
indefinido. Uma razão para isso é que métricas para avaliar seu desempenho raramente
existem. Quando existem, elas são muito sutis ou passíveis de serem explicadas com muita
enrolação, mesmo quando o desempenho se mostra ruim por anos seguidos. Em muitas
empresas, o chefe atira a flecha primeiro e depois pinta o alvo em cima de onde a ela acertou.

Outra importante, mas quase nunca reconhecida, diferença entre o chefe e o


funcionário do chão de fábrica é que o CEO não tem nenhum superior imediato cujo
desempenho também é avaliado.
O gerente de vendas que mantém funcionários ruins em seu quadro irá se ver em maus
lençóis antes do que imagina. É do seu próprio interesse corrigir os erros de contratação. Um
gerente de escritório que contrata uma secretária inapta se encontra na mesma situação.

Mas o chefe de um CEO é uma mesa diretora que raramente mede a si mesma e quase
nunca assume a responsabilidade de um desempenho corporativo ruim. Se a mesa cometer
um erro de contratação, e perpetuar tal erro, o que importa? Mesmo se a empresa tiver de ser
vendida por conta desse erro, o negócio ainda será vantajoso para mesa. (Quanto maiores eles
são, mais suave a queda.)

Por fim, as relações entre a mesa diretora e o CEO costumam ser agradáveis. Em
reuniões da diretoria, críticas ao desempenho do CEO equivalem socialmente a arrotar em
público. Nenhuma dessas inibições existem quando um gerente está avaliando um datilógrafo.

Os pontos levantados aqui não devem ser interpretados como uma condenação aos
CEOs e mesas diretoras: a maior parte é trabalhadora, e algumas delas se destacam de forma
brilhante. Mas os erros gerenciais que Charlie e eu já vimos nos fazem ser gratos por estarmos
associados aos gerentes das nossas três empresas permanentes. Eles amam o negócio,
pensam como donos e transpiram integridade e capacidade.

Em 1988, fizemos grandes compras da Federal Home Loan Mortgage Pfd. (“Freddie
Mac”) e Coca Cola. Nossa expectativa é a de segurar esses papéis por um bom tempo. Na
verdade, nós temos participações de negócios tão incríveis com gestores tão maravilhosos que
nosso período de tempo favorito para ficar com tais papéis é para sempre. Nós somos o oposto
daqueles que vendem depressa para registrar lucros quando as empresas vão bem, mas que
teimosamente permanecem em empresas ruins. Peter Lynch habilmente compara esse
comportamento a cortar as flores e regar as ervas daninhas. Nossa participação na Freddie
Mac é a maior permitida por lei, ​e é descrita em detalhes na carta do Charlie​. No nosso
balanço consolidado, essa participação em específico é mostrada a valor de compra, não a
valor de mercado, uma vez que ela é detida pela Mutual Savings and Loan, uma subsidiária
não-seguradora.

Nós continuamos a concentrar nossos investimentos em algumas poucas companhias


que julgamos entender bem. O número de empresas com fundamentos econômicos
convincentes para o longo prazo pode ser contado nos dedos da mão. Por isso, quando
encontramos uma, fazemos questão de ter uma participação significativa. Nós concordamos
com Mae West9: “Muito de uma coisa boa pode ser maravilhoso.”

Nós reduzimos nossa posição em títulos isentos de médio prazo em cerca de U$ 100
milhões no último ano. Todos os títulos vendidos foram adquiridos após 7 de agosto de 1986.

9
Famosa atriz americana, cuja carreira perdurou por sete décadas. Faleceu em 1980, aos 87 anos.
Quando títulos assim são comprados por empresas seguradoras, 15% do rendimento “isento” é
sujeito a ser tributado.

A posição de U$ 800 milhões que ainda temos consiste basicamente de títulos


“apadrinhados” pela reforma fiscal de 1986, o que significa que eles são isentos de impostos.
Nossas vendas geraram um pequeno lucro e os títulos que sobraram, cuja média de
vencimento é daqui a seis anos, valem um pouco mais do que seu valor de face.

No ano passado, descrevemos nossas posições em títulos de curto e médio prazo da


Texaco, que estava em bancarrota.

Durante 1988, nós vendemos todos esses títulos com um lucro de aproximadamente U$
2 milhões (antes de impostos). Essa venda explica a redução de quase U$ 100 milhões de
rendimentos prefixados em nossos balanços contábeis.

Nós também contamos a vocês no ano passado a respeito das nossas participações em
outro título cujas principais características são similares a de uma emissão prefixada de médio
prazo: nossa posição de U$ 700 milhões em títulos de 9% conversíveis da Salomon Inc. Esse
investimento tem um ​sinking fund10 que irá gradualmente cancelar os títulos com pagamentos
anuais entre 1995 e 1999. A Berkshire carrega essa participação a valor de aquisição. ​Pelas
razões discutidas pelo Charlie na página 69​, o valor de mercado estimado dessa nossa
posição saiu de levemente abaixo do custo para levemente acima do custo no final de 1988.

O convívio mais próximo que tivemos com John Gutfreund, CEO do Salomon, durante o
último ano apenas reforçou a admiração que temos por ele. Mas continuamos não tendo
nenhuma grande visão a respeito dos fundamentos econômicos de curto, médio e longo prazo
no ramo dos bancos de investimento: essa não é uma indústria na qual é fácil prever os níveis
futuros de lucratividade. Mais ainda, acreditamos que nosso privilégio de conversão pode ter
um importante valor ao longo do tempo em que mantivermos nossas ações preferenciais. No
entanto, a maior parte do valor de nossas preferenciais está em suas características
préfixadas, não em suas características de ação em si.

Nós ainda não perdemos nossa aversão a títulos de longo prazo. Nós iremos ficar
entusiasmados com esse tipo de investimento somente quando ficarmos entusiasmados com
os prospectos de estabilidade a longo prazo do poder de compra da nossa moeda. E esse tipo
de estabilidade não está garantida: tanto a sociedade quanto nossos representantes eleitos
têm simplesmente muitas outras questões de mais alta ordem que entram em conflito direto
com a estabilidade do poder de compra. Os únicos títulos de longo prazo que temos é da
Washington Public Power Supply Systems (WPPSS). Alguns desses nossos títulos têm um
vencimento mais curto, e alguns outros, por conta dos altos cupons que distribuem, irão se

10
Termo usado para designar o provisionamento de fundos que são pagos periodicamente em forma de
cupons, amortizando o valor do título até seu vencimento.
pagar daqui a alguns anos. De maneira geral, nossa posição da WPPSS aparece em nosso
balanço a U$ 247 milhões, com um valor de mercado atualmente de U$ 352 milhões.

Nós explicamos os motivos que nos levaram a comprar os títulos da WPPSS na carta
de 1983, e é com satisfação que informamos que as nossas previsões para esse investimento
têm se mostrado corretas. Quando fizemos a compra, a maior parte de nossos títulos pagava
juros de cerca de 17% ao ano (após impostos) e não tinham nenhum ​rating​, que havia sido
suspenso. Recentemente, no entanto, os títulos foram avaliados como AA- pela Standard &
Poor’s. Dessa forma, esses títulos agora são vendidos a níveis quase em linha com as
empresas de maior prestígio.

Na carta de 1983, comparamos os fundamentos econômicos da WPPSS com os


fundamentos que buscamos ao comprar um negócio. No fim das contas, a compra desses
títulos se mostrou melhor do que as aquisições feitas em 1983, se considerarmos que o critério
de comparação é feito tomando por base os retornos após impostos e não alavancados obtidos
ao longo de 1983.

Embora nossa experiência com a WPPSS tenha sido agradável até o momento, ela não
muda em nada nossa opinião negativa a respeito dos títulos de longo prazo. Ela apenas nos
faz torcer para encontrarmos algum outro ativo que esteja passando por grandes problemas
estigmatizados, causando um má precificação significativa no mercado.

Arbitragem

Nas nossas últimas cartas, dissemos a vocês que nossas subsidiárias de seguros
ocasionalmente participam de operações de arbitragem como alternativas de curto prazo para
equivalentes de caixa. É claro que preferimos nos associar a empreendimentos de longo prazo,
mas com frequência temos mais dinheiro em caixa do que boas ideias. Em tempos assim,
algumas operações de arbitragem nos dão retornos muito melhores do que os de títulos
públicos e, igualmente importante, alivia qualquer tentação nossa em relaxar nossos critérios
de seleção de investimentos para o longo prazo. (O bordão do Charlie depois de fecharmos
alguma arbitragem costuma ser: “OK, pelo menos isso nos deixará livres da prisão.”)

Durante 1988, obtivemos grandes e incomuns lucros com arbitragem, tanto em termos
absolutos quanto em termos percentuais. Nosso ganho antes de impostos foi de U$ 78 milhões
sobre U$ 147 milhões destacados para as operações.

Esse nível todo de atividade requer uma discussão mais detalhada de arbitragem e
nossa abordagem a respeito dela. Houve um tempo que a palavra arbitragem se referia apenas
a compra e venda simultâneas de ativos estrangeiros em dois mercados diferentes. O objetivo
era se aproveitar de pequenas diferenças de preço que pudessem existir entre, digamos, uma
ação holandesa negociada em florins na Holanda, em libras em Londres e em dólares em Nova
York. Algumas pessoas chamam esse tipo de operação de ​scalping​; mas a maior parte opta
por usar a derivação francesa da palavra: ​arbitrage​.

Desde a Primeira Guerra Mundial, a definição de arbitragem - ou “arbitragem de risco”,


como também é chamada de vez em quando - expandiu-se para incluir a busca por lucros em
eventos anunciados no mercado como a venda de uma empresa, fusão, recapitalização,
reorganização, liquidação, recompras, etc. Na maioria das vezes, o árbitro espera obter lucro
independentemente de como o mercado está. O maior risco que ele costuma encarar é o do
evento anunciado não se concretizar.

Algumas oportunidades incomuns ocasionalmente aparecem no campo da arbitragem.


Eu participei de um desses movimentos quando tinha 24 anos e trabalhava em Nova York na
Graham-Newman Corp. Rockwood & Co., uma empresa fabricante de chocolates com
lucratividade limitada baseada no Brooklyn, adotou um estoque LIFO11 em 1941, quando o
cacau era vendido por 5 centavos por ​pound​. Em 1954, uma escassez temporária do produto
fez o preço do cacau saltar para 60 centavos. Consequentemente, a Rockwood quis liberar
todo o seu valioso estoque - e depressa, antes que os preços caíssem. Mas se o cacau fosse
simplesmente vendido, a empresa teria que pagar perto de 50% em impostos sobre a
transação.

A lei fiscal de 1954 entrou, então, em cena. Ela tinha uma cláusula oculta que eliminava
o imposto em casos em que o estoque LIFO fosse distribuído aos acionistas como parte de um
plano de reduzir o escopo de atuação da empresa. Rockwood optou por encerrar uma de suas
linhas de negócio, a venda de manteiga de cacau, e atestou que 13 milhões de ​pounds12 de
seu estoque de grãos de cacau se encaixavam na cláusula. Dessa forma, a empresa se
ofereceu para recomprar suas ações em troca dos grãos que ela não iria mais usar, pagando
cerca de 80 ​pounds​ de cacau por cada ação.

Durante semanas eu fiquei comprando ações e vendendo grãos, periodicamente


passando na Schroeder Trust para trocar os recibos das ações por recibos do armazém. Os
lucros foram bons, e minha única despesa foi com os tickets do metrô.

A mente por trás da reestruturação da Rockwood foi um desconhecido, porém brilhante,


cidadão de Chicago, Jay Pritzker, com 32 anos na época. Se você já conhece o histórico do
Jay, não vai ser surpresa eu contar que a operação também beneficiou, e muito, os acionistas
da empresa. Durante o período das recompras, e até mesmo um pouco depois, as ações da
Rockwood saíram de U$ 15 para U$ 100, mesmo com a companhia passando por um delicado

11
Vindo de ​last-in-first-out​ (último a entrar é o primeiro a sair), é um fluxo de custos que as companhias
americanas podem usar para “mover” os custos dos produtos em estoque para os custos dos produtos
vendidos. Com o LIFO, os custos mais recentes de produtos comprados (ou produzidos) são os
primeiros gastos declarados como custos de produtos vendidos.
12
Aproximadamente 6 toneladas.
momento de grandes prejuízos operacionais. Às vezes há mais no ​valuation de ações do que
meros indicadores de preço ou de ganhos.

Nos últimos anos, a maior parte das operações de arbitragem envolveram ​takeovers13,
amigáveis ou não. Com uma febre desenfreada por aquisições, imposições antitruste
praticamente inexistentes e valores ofertados cada vez maiores, os árbitros prosperaram de
forma abundante. Eles não precisaram de nenhum talento especial; o importante era, como
disse Peter Sellers em um filme, simplesmente “estar lá.” Em Wall Street, o velho provérbio foi
refraseado: “Dê um peixe a um homem e você o alimentará por um dia. Ensine-o sobre
arbitragem e ele se alimentará para o resto da vida.” (Se, no entanto, ele tiver estudado na
mesma escola de arbitragem de Ivan Boesky, suas refeições provavelmente serão servidas por
uma instituição governamental14.)

Para avaliar as operações de arbitragem, você deve responder a quatro perguntas: (1)
Qual a probabilidade do evento anunciado ocorrer? (2) Por quanto tempo o seu dinheiro ficará
parado? (3) Qual a chance de um negócio ainda melhor surgir - uma oferta ainda maior de
aquisição, por exemplo? E (4) O que irá ocorrer se o evento não ocorrer por conta de ações
antitruste, problemas financeiros, etc.?

Arcata Corp., uma de nossas melhores experiências com arbitragem, ilustra bem as
reviravoltas que esse tipo de operação pode trazer. Em 28 de setembro de 1981, os diretores
da Arcata concordaram em vender a companhia para a Kohlberg, Kravis, Roberts & Co. (KKR),
uma firma especializada em aquisições. Arcata fazia parte do ramo gráfico e madeireiro e
passava por um pequeno problema: em 1978, o governo americano tomou 10.700 acres de
terra da Arcata, que tinham basicamente apenas pau-brasil plantado, para expandir o Redwood
National Park. O governo pagou U$ 97,9 milhões, em várias parcelas, por esse pedaço de
terra, quantia que a Arcata contestava como sendo absurdamente inadequada. Os dois lados
brigavam também pelos juros que deveriam ser pagos no período das parcelas. A legislação da
época previa o pagamento de juros simples de 6% ao ano; a Arcata pleiteava por juros maiores
e compostos.

Comprar uma empresa com um processo judicial de grandes proporções e altamente


especulativo cria um problema para a negociação, seja o processo a favor ou contra a
companhia. Para resolver esse imbróglio, a KKR ofereceu U$ 37 por ação da Arcata e mais
dois terços de qualquer que fosse a quantia paga pelo governo pelas terras.

Avaliando essa oportunidade de arbitragem, tivemos de nos perguntar se a KKR iria


consumar a transação, uma vez que, entre outros pontos, a oferta dependia de obter um
“financiamento satisfatório.” Uma cláusula assim é sempre perigosa para o vendedor: afinal, é

13
Operação em que a direção da empresa troca de mãos por controle acionário.
14
Ivan Boesky foi um investidor americano acusado de ​insider trading,​ sendo condenado a pouco mais
de três ano de prisão por suas condutas no mercado de capitais - daí a referência a ter as refeições
servidas por uma instituição governamental.
um escape fácil para o comprador, cujo ardor pelo negócio pode desaparecer entre o “noivado”
e o “casamento”. No entanto, não nos preocupamos muito com isso porque o histórico da KKR
em consumar suas ofertas de aquisição era bom.

Mesmo assim, nós tivemos de nos perguntar o que aconteceria se o negócio da KKR
não ocorresse, e nos sentimos confortáveis nesse cenário também: os gestores da Arcata já
estavam preparando a empresa há algum tempo e estavam determinados a vendê-la. Se o
negócio com a KKR não desse certo, Arcata certamente encontraria outro comprador, muito
embora o preço pudesse ser menor.

Por fim, nos perguntamos quanto valiam as terras compradas. Este presidente que vos
fala, que não sabe diferenciar um eucalipto de um carvalho, não hesitou nesse item: ele
casualmente avaliou que elas valiam entre zero e um caminhão de dinheiro.

Nós começamos a comprar as ações da Arcata, na época a U$ 33,50, em 30 de


setembro e, em oito semana, havíamos acumulado cerca de 400 mil ações, ou 5% da empresa.
O anúncio inicial tinha dito que os U$ 37 seriam pagos em janeiro de 1982. Dessa forma, se
tudo corresse conforme planejado, nós teríamos obtido um retorno anual de 40% - sem contar
o valor recebido pelas terras, que seria a cereja do bolo.

Mas as coisas não saíram como planejado. Em dezembro, um fato relevante foi
divulgado anunciando que o fechamento do acordo iria atrasar um pouco. Mesmo assim, um
acordo definitivo foi assinado em 4 de janeiro. Encorajados por isso, nós aumentamos ainda
mais nossa posição, pagando cerca de U$ 38 por ação, aumentando nossa participação para
655 mil ações, ou 7% da companhia. Nossa predisposição em pagar mais caro - mesmo com o
fechamento do contrato sendo adiado - era um reflexo da nossa tendência em acreditar que as
terras valiam “um caminhão de dinheiro” ao invés de “zero”.

Então, em 25 de fevereiro, os credores disseram que estavam conferindo com mais


profundidade os termos do contrato “levando em conta a depressão da indústria de construção
de casas15 e os efeitos que ela tinha no futuro da Arcata.” A reunião dos acionistas foi adiada
para abril. Um porta-voz da empresa disse que ele não achava que o destino da aquisição
estava ameaçado. Quando árbitros ouvem esse tipo de coisa, eles logo se lembram da frase:
“Ele mentiu como um ministro da fazenda na véspera de uma desvalorização da moeda.”

Em 12 de março, a KKR disse que o contrato inicial não iria ser possível de ser
assinado, reduzindo sua oferta para U$ 33,50, aumentando dois dias depois para U$ 35. Em 15
de março, no entanto, os diretores da Arcata recusaram a oferta e aceitaram a de outro grupo,
de U$ 37,50 mais um terço do valor recebido pelas terras. Os acionistas aprovaram a
transação, e os U$ 37,50 foram pagos em 4 de junho.

15
Boa parte das casas americanas são construídas em madeira; dessa forma, uma depressão neste
setor influencia diretamente as empresas madeireiras.
Mas o melhor ainda estava por vir. O juiz do processo movido entre o governo e a
Arcata optou pela criação de duas comissões, uma para avaliar o valor da madeira plantada
nas terras compradas e outra para avaliar a questão dos juros a serem pagos. Em janeiro de
1987, a primeira comissão atestou que a madeira valia U$ 275,7 milhões, e a segunda
comissão recomendou o pagamento de juros compostos de 14%.

Em agosto de 1987, o juiz confirmou as conclusões das comissões, o que significava


um valor de cerca de U$ 600 milhões a ser pago para a Arcata. O governo recorreu. Em 1988,
no entanto, antes que o recurso fosse apreciado, um acordo foi feito no valor de U$ 519
milhões. Consequentemente, recebemos um adicional de U$ 29,48 por ação, ou cerca de U$
19,3 milhões. Iremos receber mais U$ 800 mil em 1989.

As operações de arbitragem da Berkshire se diferem daquelas feitas por outros


investidores. Em primeiro lugar, nós participamos apenas de algumas poucas, mas grandes,
transações por ano. Muitos outros árbitros entram em uma grande quantidade de negócios,
talvez 50 ou mais por ano. Com tantas participações assim, eles precisam constantemente
monitorar o progresso dos acordos e os movimentos de mercado relacionados com as ações.
Não é assim que Charlie e eu queremos viver nossas vidas. (Qual o sentido de ficar rico
apenas para ficar olhando cotações o dia inteiro?)

Como nós diversificamos tão pouco, uma transação particularmente lucrativa ou


prejudicial pode afetar muito mais os nossos resultados anuais com arbitragem em comparação
com uma operação típica desse ramo.

Outra forma significativa pela qual nós nos diferenciamos em nossas operações de
arbitragem é que participamos apenas de transações publicamente anunciadas. Nós não
negociamos em cima de rumores ou tentamos adivinhar as prováveis empresas candidatas a
serem vendidas ou compradas. Nós apenas lemos o jornal, refletimos sobre algumas das
maiores operações anunciadas e escolhemos aquelas que julgamos fazer mais sentido.

Ao final do ano, nossa única grande posição em arbitragem era de 3.342.000 ações da
RJR Nabisco, com um custo de U$ 281,8 milhões e valor de mercado de U$ 304,5 milhões. Em
janeiro, aumentamos essa posição para cerca de 4 milhões de ações, e em fevereiro a
encerramos. Aproximadamente 3 milhões foram aceitas quando participamos da recompra da
KKR, que adquiriu a RJR, e as ações restantes foram prontamente vendidas no mercado.
Nossos lucros (antes de impostos) foram de U$ 64 milhões. Melhor do que a encomenda.

Um rosto familiar apareceu na disputa de preços da RJR: Jay Pritzker, que fez parte de
um grupo de Boston responsável por uma oferta que visava vantagens fiscais. Para citar Yogi
Berra16: “Foi déjà vu de novo.”

16
Jogador profissional de baseball.
Na maior parte do tempo em que teríamos sido compradores da RJR, tivemos nossas
atividades restringidas pelo fato do Salomon estar participando do grupo que estava fazendo
ofertas. Habitualmente, Charlie e eu, embora diretores do Salomon, nos distanciamos das
informações a respeito das fusões e aquisições que o banco se envolve. Nós que pedimos pra
ser assim: esse tipo de informação não nos ajudaria em nada, podendo, na verdade,
ocasionalmente impedir algumas operações de arbitragem da Berkshire.

No entanto, o montante volumoso que o Salomon disponibilizou para a oferta


envolvendo a RJR fez com que todos os diretores estivessem cientes e envolvidos no
processo. Assim, as compras da Berkshire no negócio com a RJR foram feitas apenas em dois
momentos: primeiro, nos poucos dias imediatamente após a diretoria da empresa ter anunciado
seus planos, antes do Salomon se envolver; e muito tempo depois, após a diretoria da RJR ter
decidido a favor da oferta da KKR. Como nós não podíamos fazer as compras em outros
momentos desse ínterim, o fato de fazermos parte da diretoria do Salomon acabou custando
bastante dinheiro para a Berkshire.

Considerando os bons resultados da Berkshire nessa seara em 1988, você


provavelmente deve estar achando que iremos aumentar nossas operações de arbitragem.
Mas, na verdade, pretendemos ficar fora de campo e entrar apenas em momentos-chave (se
houver).

Um bom motivo para fazer isso é que nossas reservas de caixa estão baixas - porque
nossas posições em ações que pretendemos manter por um longo tempo aumentaram muito.
Como os leitores regulares dessas cartas já sabem, nossas posições não se baseiam em
julgamentos de curto prazo a respeito da direção do mercado. Pelo contrário, elas refletem
nossa opinião sobre os prospectos de longo prazo de empresas específicas. Nós não temos,
nunca tivemos e nunca teremos uma opinião a respeito de como o mercado acionário, taxa de
juros ou atividade industrial vão estar daqui a um ano.

Mesmo se tivéssemos muito dinheiro em caixa, provavelmente faríamos poucas


operações de arbitragem em 1989. Alguns excessos começaram a surgir no ramo. Como
Dorothy17 diz: “Toto, acho que não estamos mais no Kansas.”

Não temos ideia de quanto tempo esses excessos irão durar, tampouco sabemos quais
mudanças ocorrerão nas atitudes do governo, credores e compradores que estimulam esse
tipo de comportamento. O que nós sabemos é que quanto menos prudente os outros são ao
conduzirem seus negócios, mais prudente nós nos tornamos ao conduzir os nossos. Nós não
temos vontade alguma de participar de operações de arbitragem que refletem o desenfreado -
e, em nossa opinião, injustificado - otimismo de compradores e vendedores. Em nossas

17
Famosa personagem d’O Mágico de Oz.
atividades, nós daremos sempre atenção ao ensinamento de Herb Stein18: “Se algo não pode
acontecer pra sempre, uma hora irá acabar.”

Teoria dos mercados eficientes

A discussão anterior sobre arbitragem faz com que uma pequena digressão a respeito
da teoria dos mercados eficientes (TME) seja relevante.

Essa doutrina se tornou altamente elegante - na verdade, se tornou quase uma santa
escritura nos círculos acadêmicos durante a década de 1970. Essencialmente, ela dizia que a
análise de ações era inútil porque toda a informação pública a respeito de cada empresa já
estaria refletida nos preços. Em outras palavras, o mercado sempre sabia de tudo. Como
corolário, o professor que ensinava a respeito da TME dizia que alguém jogando dardos em um
mural com nomes de ações poderia escolher um portfólio tão bom quanto o melhor dos
analistas de valores mobiliários. Por mais incrível que possa parecer, a TME foi aceita não
apenas por acadêmicos, mas também por muitos investidores profissionais e diretores de
empresas. Observado, e com razão, que o mercado se mostrava eficiente com frequência, eles
foram logo concluindo que o mercado era eficiente o tempo todo. A diferença entre essas duas
coisas não poderia ser mais gritante.

Na minha opinião, a experiência contínua de 63 anos em arbitragem da


Graham-Newman Corp., Buffett Partnership e da Berkshire ilustra o quão inocente a TME é. (E
há muito mais evidências para isso além dessas três empresas que citei.) Enquanto trabalhava
na Graham-Newman, eu fiz um estudo a respeito dos ganhos que ela teve com arbitragem
durante todo o período de 1926-1956, que foi o tempo que a empresa funcionou. Resultados
médios e não alavancados foram de 20% ao ano. Começando em 1956, apliquei os conceitos
de arbitragem de Ben Graham, primeiro na Buffett Partnership e depois na Berkshire. Embora
eu não tenha feito um cálculo exato, eu conheço os resultados bem o suficiente para saber que
o retorno médio de 1956-1988 foi bem maior do que 20% ao ano. (Obviamente, operei em um
cenário muito mais favorável do que o de Ben; ele teve que lidar com o período de 1929-1932.)

Todas as condições necessárias para a devida comparação de portfólios se fazem


presentes: (1) as três organizações que mencionei negociaram centenas de valores mobiliários
distintos no período de 63 anos; (2) os resultados não foram distorcidos por eventos fora da
média; (3) nós não atuamos em fatos obscuros ou tivemos ideias geniais a respeito das
empresas - nós simplesmente atuamos apenas em eventos altamente divulgados para o
mercado em geral; e (4) nossas posições de arbitragem foram escolhidas com as informações
que dispunhamos na época - elas não foram escolhidas em retrospecto.

18
Economista americano que participou dos conselhos econômicos dos presidentes Richard Nixon e
Gerald Ford.
Ao longo de 63 anos, a média geral de retorno do mercado foi de 10%, incluindo
dividendos. Isso significa que U$ 1 mil teriam se transformado em U$ 405 mil, caso todos os
proventos tivessem sido reinvestidos. Uma taxa de retorno de 20% ao ano, no entanto, teria
chegado a um resultado de U$ 97 milhões. Isso nos parece uma diferença estatística
significativa o suficiente para despertar a curiosidade de alguém sobre o assunto.

Ainda assim, os proponentes da teoria nunca pareceram se importar com essa


importante e discordante evidência. Sendo justo, não se fala mais tanto dessa teoria hoje
quanto se falava no passado. Mas ninguém, até onde sei, disse que ela estava errada, não
importa quantos milhares de alunos ela tenha instruído erroneamente. A TME continua sendo
uma parte integral da grade curricular da maioria das escolas de negócio. Aparentemente, a
relutância por negar e, por consequência, desmistificar o sacerdócio não é algo restrito a
teólogos.

Naturalmente, o desserviço que a TME fez a estudantes e profissionais de investimento


ingênuos foi muito bem aproveitado por nós e por outros seguidores de Graham. Em qualquer
tipo de competição - financeira, mental ou física - é uma vantagem enorme ter oponentes que
foram ensinados que é inútil sequer tentar. De um ponto de vista egoísta, os seguidores de
Graham deveriam patrocinar os cursos de forma a garantir que a TME continue a ser ensinada
indefinidamente.

Dito tudo isso, um aviso se faz importante. Arbitragem tem parecido ser fácil
ultimamente. Mas esse não é um tipo de investimento que garante retornos de 20% ao ano,
muito menos que os lucros serão certos. Como já mencionado, o mercado é razoavelmente
eficiente na maior parte do tempo: para cada oportunidade de arbitragem que aproveitamos no
período mencionado de 63 anos, muitas outras ficaram de lado porque achamos que já
estavam bem precificadas.

Um investidor não pode obter lucros superiores em ações simplesmente se atendo a


uma categoria específica de investimento. Ele irá conseguí-los apenas com uma análise
cuidadosa dos fatos e um contínuo exercício de disciplina. Investir em operações de
arbitragem, por si só, é uma estratégia tão boa quanto jogar dardos em um tabuleiro.

Listagem na Bolsa de Nova York

As ações da Berkshire foram listadas na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE) em 29


de novembro de 1988. ​Nas páginas 50-51, reproduzimos a carta que foi enviada aos
acionistas a respeito desse fato​.
Deixe-me esclarecer um ponto que não foi levantado na carta em questão: embora o
nosso lote de negociação na NYSE seja de dez ações, qualquer número de ações, começando
por uma, pode ser vendido ou comprado.

Como a carta enviada explica, nosso objetivo principal com a listagem era reduzir
custos de transação, e acreditamos que esse objetivo está sendo cumprido. De forma geral, o
spread entre os preços de compra e venda na NYSE tem sido bem menor do que o observado
nas negociações de balcão.

Henderson Brothers, Inc. (HBI), o ​market maker19 de nossas ações, é a empresa mais
antiga do ramo na Bolsa; seu progenitor, William Thomas Henderson, comprou sua “vaga” por
U$ 500 em 8 de setembro de 1861. (Recentemente, as vagas para ​market maker eram
negociadas a U$ 625 mil.) Entre as 54 empresas que atuam nesse ramo, a HBI ocupa o
segundo lugar no número de ações pelas quais são responsáveis, com 83 empresas. Ficamos
felizes ao saber que a Berkshire foi alocada para a HBI, e desde então estamos satisfeitos com
o serviço que ela tem prestado. Jim Maguire, presidente da HBI, toma conta pessoalmente das
ações da Berkshire, e nós não poderíamos estar em melhores mãos.

Nossos objetivos se diferem da maioria das outras empresas por dois fatores. Primeiro,
nós não queremos maximizar o preço pelo qual as ações da Berkshire são negociadas. Nós
queremos que elas sejam negociadas num restrito intervalo em torno do valor intrínseco (que
esperamos que cresça a uma taxa razoável - ou, melhor ainda, a uma taxa muito maior do que
razoável). Charlie e eu nos preocupamos com a mesma intensidade quando as ações têm uma
super- ou sub-precificação.

Os dois extremos irão invariavelmente produzir resultados aos acionistas muito


diferentes dos resultados obtidos pela Berkshire de fato. Se no lugar disso o preço de nossas
ações refletir de maneira consistente o nosso valor intrínseco, cada um de nossos acionista irá
receber um resultado que é aproximadamente igual ao da Berkshire no período em questão.

Segundo, nós queremos pouco volume de negócios. Se tivéssemos uma empresa de


capital fechado em parceria com alguns poucos sócios, ficaríamos muito desapontados se eles
quisessem ficar saindo da sociedade a todo momento. Ao tocar uma empresa de capital aberto,
nosso sentimento é o mesmo.

Nosso objetivo é atrair acionistas de longo prazo que, no momento da compra, não
tenham um preço-alvo definido, mas sim um plano de ficar conosco indefinidamente. Nós não
entendemos a cabeça de um CEO que quer um volume grande de negócios para a ação de
sua empresa, uma vez que isso só pode ser conseguido caso muitos acionistas desmontem
suas posições. Em que outra organização - escola, clube, igreja, etc. - os líderes ficam felizes
quando seus membros decidem deixá-la? (No entanto, se houvesse um corretor cujo sustento

19
Entidade responsável por dar liquidez aos papéis negociados em bolsa.
dependesse unicamente da atividade de entra e sai dos membros dessas organizações
citadas, você pode ter certeza que se depararia com algo do tipo “Não tenho visto muita
novidade no Cristianismo já faz um tempo; talvez devêssemos mudar para o Budismo na
semana que vem.”)

É claro que alguns acionistas da Berkshire irão querer ou precisar vender suas ações de
tempos em tempos, e esperamos que eles sejam substituídos por pessoas que paguem um
preço justo por elas. Dessa maneira, tentamos atrair novos acionistas por meio de nossas
políticas, desempenho e comunicação que entendam nossas operações, compartilhem de
nosso horizonte de tempo e nos avaliem da mesma forma que avaliamos a nós mesmos. Se
conseguirmos continuar atraindo esse tipo de investidor - e, tão importante quanto,
continuarmos a ser desinteressantes para aqueles com expectativas irreais de curto prazo - as
ações da Berkshire deverão continuar sendo negociadas a um preço bastante próximo ao valor
intrínseco da companhia.

David L. Dodd

Dave Dodd, meu amigo e professor por 38 anos, faleceu no ano passado aos 93 anos.
A maior parte de vocês não o conhecia. Mesmo assim, qualquer acionista de longa data da
Berkshire está consideravelmente mais rico por conta da influência indireta que ele teve em
nossa companhia.

Dave passou a vida dando aulas na Columbia University, e foi o co-autor do livro
Security Analysis​, com Ben Graham. Desde o primeiro momento em que coloquei os pés em
Columbia, Dave pessoalmente me encorajou e me educou; ambas essas influências foram
importantíssimas. Tudo o que ele me passou, diretamente ou pelo livro, sempre fez sentido.
Anos mais tarde, por meio de dezenas de cartas, ele continuou a me educar até sua morte.

Eu conheci muitos professores de finanças e investimentos ao longo dos anos, mas


nunca tinha visto nenhum, com exceção de Ben Graham, que fosse páreo para Dave. A prova
de seu talento está no histórico de seus alunos: nenhum outro professor da área de
investimentos teve tantos alunos com carreiras tão estrondosamente bem-sucedidas.

Quando os alunos saíam da aula de Dave, eles tinham todas as ferramentas para
investir de maneira inteligente para o resto da vida. Isso se dava porque os princípios que ele
ensinava eram simples, faziam sentido, eram úteis e perenes. Embora possam parecer virtudes
banais, o ensinamento de princípios com virtudes assim é difícil de ser encontrado.

É particularmente impressionante como Dave realmente praticava tudo aquilo que


ensinava. Assim como Keynes ficou rico ao aplicar suas idéias acadêmicas a uma pequena
carteira, Dave também fez assim. De fato, o desempenho financeiro que ele obteve foi muito
superior do de Keynes, que começou negociando com a filosofia de ​market-timer20 (se
apoiando na teoria dos ciclos de crédito), se convertendo mais tarde ao ​value investing​. Dave,
ao contrário, já começou no caminho certo.

Nos investimentos da Berkshire, Charlie e eu temos empregado os princípios ensinados


por Dave e por Ben Graham. Nossa prosperidade é fruto da árvore intelectual deles.

Miscelânea

Nós gostaríamos de comprar mais negócios que sejam similares aos que nós já temos,
e adoraríamos receber ajuda de vocês. Se você conhece alguma empresa que se encaixa nos
critérios a seguir, me ligue ou, preferencialmente, escreva.

Eis o que buscamos:


(1) Grandes compras (pelo menos U$ 10 milhões em ganhos após impostos),
(2) Poder de geração de caixa consistente e já provado (projeções futuras e
turnarounds​ não chamam nossa atenção),
(3) Negócios que tenham bons retornos sobre o patrimônio líquido usando pouca ou
nenhuma dívida,
(4) Uma gestão que já esteja enraizada (nós não podemos fornecer pessoas),
(5) Negócios simples (se tiver muita tecnologia, não iremos entender),
(6) Um preço para negociação (não queremos perder o nosso tempo, nem de quem
quer nos vender, com conversas sobre uma transação que sequer tenha um
preço).

Nós não iremos nos envolver com negociações que não sejam amigáveis. Podemos
prometer total confidencialidade e uma resposta bem rápida - normalmente, em cinco minutos -
para dizer se temos interesse ou não. Nós preferimos compras em dinheiro, mas iremos
considerar a emissão de ações se formos receber tanto valor intrínseco quanto iremos dar.

Nosso formato favorito de compra é um que se encaixe no molde


Blumkin-Friedman-Heldman. Em casos assim, os gestores normalmente desejam gerar
quantias significativas de dinheiro, às vezes para eles próprios, mas também para suas famílias
ou acionistas inativos. No entanto, esses mesmos gestores também querem continuar com
uma posição acionária relevante, ao mesmo tempo em que continuam tocando a empresa da
mesma forma que vinham fazendo ao longo dos anos. Nós acreditamos que a Berkshire é uma
boa opção para donos cujos objetivos sejam esses, e convidamos potenciais vendedores a
verificar nossa idoneidade com pessoas as quais já fizemos negócios no passado.

20
Filosofia que busca acertar os momentos certos para comprar e vender ações.
Frequentemente são oferecidos a Charlie e eu negócios que não chegam nem perto de
passar por nosso crivo: descobrimos que se anunciarmos que queremos comprar um Border
Collie, muitas pessoas irão entrar em contato oferecendo Cocker Spaniels. Nosso interesse por
negócios “disruptivos”, ​turnarounds ou coisa do tipo pode ser expresso por outra frase da Sam
Goldwyn: “Por favor, não me inclua nisso.”

Além de estarmos interessados na compra de empresas inteiras, como descrito acima,


também temos interesse em compras negociadas de grandes, mas não controladores, blocos
de ações, como foi o caso de nossa compra da Cap Cities e Salomon. Nós temos um especial
interesse em comprar ações preferenciais conversíveis como um investimento de longo prazo,
como foi o caso do Salomon.

* * *

Nós recebemos boas notícias umas semanas atrás: Standard & Poor’s aumentou nosso
rating de crédito para AAA, que é o mais alto ​rating que ela pode dar. Apenas 15 outras
empresas americanas têm esse privilégio. Em 1980, eram 28.

Os compradores de títulos tiveram algumas decepções no passado por conta de


eventos de risco. Esse termo se refere à degradação do dia pra noite do crédito atrelado a uma
compra altamente alavancada ou à recapitalização de uma empresa cujas políticas financeiras,
até aquele momento, eram conservadoras. Em um mundo onde empresas estão comprando
outras de forma tão agressiva, a maioria das companhias correm esse risco. A Berkshire, não.
Charlie e eu prometemos dar aos compradores de títulos nossos o mesmo respeito que os
nossos acionistas recebem.

* * *

Cerca de 97,4% de todas as ações elegíveis participaram do programa de doações da


Berkshire de 1988. O montante arrecadado foi de U$ 5 milhões, beneficiando 2.319 entidades
filantrópicas. Se obtivermos resultados operacionais razoáveis, pretendemos aumentar as
contribuições por ação no ano de 1989.

Pedimos que os novos acionistas leiam a descrição do programa de doação que


aparece nas páginas 48-49. Se você deseja participar de programas futuros, pedimos que você
imediatamente se certifique que suas ações estejam registradas no seu nome, não no nome de
terceiros, da corretora ou do banco. As ações que não estiverem registradas até 30 de
setembro de 1989 não poderão participar do programa de 1989.

* * *

O encontro anual da Berkshire ocorrerá em Omaha na segunda-feira, 24 de abril de


1989, e espero que você possa vir. Essa reunião oferece a oportunidade para você fazer
perguntas relacionadas aos nossos negócios, e nós iremos responder todas elas (exceto as
que tiverem relação com operações de portfólio ou com informação proprietária).

Ao final da reunião, iremos disponibilizar alguns ônibus para levá-los até a loja da Sra.
B, The Nebraska Furniture Mart, e de Ike Friedman, Borsheim’s. Se prepare para ver ótimos
preços.

Quem for de fora da cidade pode preferir chegar mais cedo e visitar a Sra. B no
domingo. A loja fica aberta das 12:00h até às 17:00h. (Esse horário de atendimento aos
domingos é ridiculamente curto para a Sra. B, que diz que mal dá tempo para ela se aquecer;
ela prefere os dias em que a loja fica aberta das 10:00h às 21:00h.) A Borsheim’s, no entanto,
não abre aos domingos.

Pergunte para a Sra. B o segredo dela vender carpetes a preços tão baixos. Ela vai
dizer a você - como diz a todo mundo - como ela faz: “Eu consigo vender tão barato porque eu
trabalho para um paspalho que não entende nada de carpetes.”

Warren E. Buffett
Presidente do conselho

28 de fevereiro de 1989
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1989.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

O nosso ganho de patrimônio líquido durante 1989 foi de U$ 1,515 bilhão, ou 44,4%.
Nos últimos 25 anos (isto é, desde que assumimos o controle da empresa), nosso valor
patrimonial por ação saiu de U$ 19,46 para U$ 4.296,01, equivalente a uma taxa de 23,8% ao
ano.

O que importa, no entanto, é o valor intrínseco - que indica quanto, racionalmente,


valem os negócios que possuímos. Com uma previsão perfeita do futuro, esse valor pode ser
calculado pegando todos os fluxos de caixa futuros de uma empresa - o que entrou e o que
saiu - e aplicando uma taxa de desconto apropriada (normalmente, a taxa de juros do país).
Avaliados dessa maneira, todos os negócios, desde fabricantes de chicotes a operadoras de
telefonia celular, se tornam comparáveis.

Quando o valor patrimonial da Berkshire era de U$ 19,46 por ação, o valor intrínseco
era um pouco menor do que isso porque o valor contábil vinha totalmente do ramo têxtil, que
não valia o mesmo que o balanço mostrava. A evolução de sair de desconto para ir para
prêmio indica que o valor intrínseco da Berkshire cresceu a uma taxa anualizada um pouco
maior do que os 23,8% do valor patrimonial.

Olhar pelo retrovisor é uma coisa; pelo pára-brisa, outra. Uma grande parte do nosso
valor patrimonial é representado por ações que, com poucas exceções, são mostradas em
nossos balanços a valores de mercado. Ao final do último ano, essas ações foram avaliadas a
preços mais altos em relação aos valores intrínsecos do que jamais foram. Um dos motivos foi
o flutuante cenário no mercado de ações em 1989. Mas mais importante, as virtudes desses
negócios passaram a ser amplamente reconhecidas. Onde antes havia preços absurdamente
baixos, hoje há empresas bem precificadas.

Nós iremos manter a grande maioria de nossas posições, independentemente do preço


em relação ao valor intrínseco. Essa atitude de “até que a morte nos separe”, combinada com o
fato das ações estarem muito bem precificadas atualmente, significa que não devemos esperar
que elas puxem o valor da Berkshire para cima de forma tão acentuada como fizeram no
passado. Em outras palavras, nosso desempenho até o momento tem sido beneficiado
duplamente por: (1) os ganhos excepcionais em valor intrínseco que nossas companhias têm
alcançado; (2) um bônus adicional que recebemos do mercado por ele ter corrigido
corretamente os preços de tais companhias, colocando o ​valuation delas em linha com a média
de mercado. Nós continuaremos a nos beneficiar dos sólidos ganhos de valor intrínseco que
nossas companhias continuarão a nos dar. Mas a correção dos preços já aconteceu, o que
indica que não poderemos mais contar com o item (2) daqui pra frente.
Temos ainda um outro obstáculo: em um mundo finito, altas taxas de crescimento se
autodestroem. Se o valor-base do qual o crescimento está sendo calculado é pequeno, essa lei
da natureza pode demorar a se concretizar. Mas quando o valor-base cresce demais, a festa
acaba: uma alta taxa de crescimento eventualmente cava sua própria cova.

Carl Sagan descreveu de forma intrigante esse fenômeno ao refletir sobre o destino das
bactérias, que se dividem em duas a cada quinze minutos. Ele disse: “Isso significa quatro
replicações por hora e 96 por dia. Embora uma bactéria pese apenas um trilionésimo de grama,
seus descendentes, depois de um dia de ampla reprodução assexuada, irão pesar o mesmo
que uma montanha… em dois dias, mais do que o Sol - e, antes de nos darmos conta, todo o
universo será composto apenas de bactérias.” Mas não há motivos para se preocupar, segundo
Sagan: algum obstáculo sempre impede esse tipo de crescimento exponencial. “As bactérias
ficam sem comida, ou envenenam umas as outras, ou ficam tímidas ao terem que se reproduzir
em público.”

Mesmo em dias ruins, Charlie Munger (vice-presidente da Berkshire e meu sócio) e eu


não enxergamos a Berkshire como uma bactéria. Assim como, para nossa infelicidade, também
não encontramos ainda uma forma de dobrar nosso patrimônio líquido a cada quinze minutos.
Além do mais, nós não temos absolutamente vergonha alguma de nos reproduzirmos -
financeiramente - em público. Mesmo assim, a observação de Sagan continua válida em nosso
contexto. Partindo da base atual da Berkshire de U$ 4,9 bilhões em patrimônio líquido, teremos
muito mais dificuldade de conseguir uma média de crescimento de 15% em nosso valor
patrimonial do que tivemos para conseguir os 23,8% compostos que tivemos partindo dos
nossos U$ 22 milhões iniciais.

Impostos

Nosso ganho em 1989 de U$ 1,5 bilhão foi alcançado depois de pagarmos cerca de U$
712 milhões em impostos sobre as receitas. Além disso, a porção de impostos pagos pela
Berkshire em nossas cinco maiores posições acionárias foi de U$ 175 milhões.

Dos impostos de 1989, cerca de U$ 172 milhões serão pagos à vista; o restante, U$ 540
milhões, será diferido. Quase todo o montante dos impostos diferidos tem relação com o
aumento, em 1989, dos ganhos não realizados em nossas posições acionárias. Para esse
aumento, seremos taxados em 34% (valor esse já provisionado).

Também carregamos provisionamentos dessa taxa de imposto para todos os lucros


não realizados gerados entre 1987 e 1988. Mas, como explicamos no ano passado, os ganhos
não realizados que acumulamos antes de 1987 - cerca de U$ 1,2 bilhão - serão taxados a 28%.
Uma nova regra contábil provavelmente será implementada de forma a exigir que todas
as empresas paguem impostos sobre os ganhos com a taxa mais atual, seja ela qual for. Com
uma taxa a 34%, tal regra iria aumentar nosso passivo de impostos diferidos e diminuir nosso
patrimônio líquido em cerca de U$ 71 milhões - resultado de aumentar nosso provisionamento
para acomodar os seis pontos percentuais adicionais de imposto sobre nossos ganhos antes
de 1987. Como a regra atual tem gerado muita controvérsia e sua forma final ainda é incerta,
nós ainda não fizemos essa alteração de provisionamento.

Como você pode ver por nossos balanços na página 27​, nós iríamos ter de pagar
impostos na ordem de U$ 1,1 bilhão se tivéssemos que vender todos os nossos ativos a valor
de mercado ao final do ano. Essa “dívida” de U$ 1,1 bilhão é igual, ou mesmo similar, a de um
passivo a ser pago 15 dias após o ano terminar? É óbvio que não - mesmo levando em conta
que ambos têm exatamente o mesmo efeito no patrimônio líquido, reduzindo-o em U$ 1,1
bilhão.

Por outro lado, esse passivo de impostos diferidos é uma ficção contábil pelo fato de
seu pagamento estar condicionado à venda de ações que, em boa parte, não temos intenção
alguma de nos desfazer? Novamente, a resposta é não.

Em termos econômicos, esse passivo seria o equivalente a um empréstimo sem juros


do tesouro americano que vence somente quando quisermos (a menos, claro, que o Congresso
cobre impostos antes dos ganhos serem realizados). Esse “empréstimo” é peculiar em outras
searas também: ele pode ser usado apenas para financiar as atividades das empresas que
temos em carteira e seu tamanho é variável - a nível diário, conforme os preços a mercado
mudem, e a nível periódico, caso as regras fiscais mudem. Com efeito, esse passivo fiscal
diferido é o equivalente a uma grande transferência que só será paga caso optemos por trocar
de ativo. De fato, nós vendemos algumas posições pequenas em 1989, gerando cerca de U$
76 milhões em impostos sobre U$ 224 milhões em ganhos.

Por conta da forma como as leis fiscais funcionam, o estilo de investimento Rip Van
1
Winkle que temos - se der certo - tem uma importante vantagem matemática sobre uma
abordagem mais, digamos, frenética. Vamos ver uma comparação extrema.

Imagine que a Berkshire tivesse apenas U$ 1, e que alocaríamos essa quantia em um


ativo que dobrasse de valor até o final do ano e, então, fosse vendido. Imagine ainda que
usássemos as restituições para repetir esse processo ao longo dos 19 anos seguintes,
dobrando o capital todas as vezes.

Ao final de 20 anos, o imposto de 34% sobre os ganhos que teríamos pago em cada
venda teria rendido cerca de U$ 13 mil ao governo, nos deixando com cerca de U$ 25.250 em

1
Personagem de um curto conto do escritor Washington Irving, que vivia na América colonial e dormiu
por vinte anos, perdendo o período da Revolução Americana.
caixa. Nada mal. Se, no entanto, tivéssemos feito esse investimento maravilhoso em um ativo
que dobrasse de valor 20 vezes durante os mesmos 20 anos, nosso U$ 1 teria se transformado
em U$ 1.048.576. Se só então quiséssemos colocar o dinheiro no bolso (isto é, vender o ativo),
nós pagaríamos a taxa de 34% num montante de aproximadamente U$ 356.500, ficando com
U$ 692 mil.

A única razão para essa diferença esmagadora de resultados é o momento em que


pagamos os impostos. Curiosamente, o governo iria ganhar no segundo cenário a mesma
proporção de 27:1 que nós - recebendo impostos de U$ 356.500 contra U$ 13 mil - embora,
reconhecidamente, ele tivesse que esperar para receber esse montante.

É importante destacar que nós não escolhemos a nossa filosofia de longo prazo por
conta dessa vantagem matemática. De fato, é possível ganhar maiores restituições ao se
mover com mais frequência de um investimento para o outro. Muitos anos atrás, foi exatamente
isso que Charlie e eu fizemos.

Agora preferimos ficar quietos em nossos lugares, mesmo que isso signifique retornos
menores. Nosso motivo para isso é simples: nós descobrimos que esplêndidas relações de
negócios são tão raras e tão agradáveis que nós queremos reter todas as que temos. Essa
decisão é particularmente fácil para nós porque acreditamos que essas relações irão produzir
bons - embora, talvez, não necessariamente os melhores - resultados financeiros. Com isso em
mente, achamos que não faz sentido abrirmos mão de pessoas que sabemos ser admiráveis e
interessantes por outras pessoas que não conhecemos e que têm altas chances de ser apenas
medianas. Isso seria semelhante a se casar por dinheiro: um erro na grande maioria das vezes,
mas loucura se você já for rico.

Fontes dos ganhos reportados

A tabela a seguir mostra as principais fontes dos ganhos reportados pela Berkshire.
Nela, a amortização do ​goodwill e outros ajustes contábeis de preço de compra não são
descontados dos negócios específicos dos quais eles fazem parte; ao invés disso, são
aglutinados e mostrados em separado. Esse procedimento permite a você ver os ganhos das
empresas como se elas não tivessem sido compradas por nós. Eu já expliquei em cartas
passadas o motivo de acreditarmos que essa forma de apresentação de resultados ser mais
útil aos investidores e gestores do que a apresentação dos números GAAP2, que requerem que
ajustes sejam feitos nos preços de compra empresa a empresa. Os ganhos líquidos totais que
mostramos na tabela são, é claro, idênticos aos ganhos GAAP constantes em nossos relatórios
financeiros auditados.

2
​Generally Accepted Accounting Principles ​(GAAP), ou Princípios Contábeis Geralmente Aceitos, é um
conjunto de regras e normas de contabilidade para a apresentação padronizada de resultados.
Maiores informações a respeito desses negócios são fornecidas na seção de
Segmento de Negócios, nas páginas 37-39, assim como na seção Discussão da Gestão,
nas páginas 40-44. Nessas seções, você também irá encontrar os ganhos por segmento
reportados conforme as regras GAAP. Para informações a respeito da Wesco, ​eu peço que
você leia a carta de Charlie Munger, que começa na página 54. Além disso, replicamos na
página 7​1 a carta de Charlie de 30 de maio de 1989 para a U.S. League of Savings Institutions
3
, que transmitiu nossa insatisfação com as políticas adotadas pela instituição e nossa
subsequente decisão em renunciar aos contratos que tínhamos com ela.

3
Fundada em 1982, a U.S. League of Savings Institutions promovia a padronização de conduta e
resolução de problemas das instituições bancárias que fossem membros. Também fazia ​lobby com o
Congresso para a aprovação de medidas que fossem benéficas à classe bancária. Se fundiu com a
National Council of Community Bankers em 1992.
* Excluindo gastos com juros da Scott Fetzer Financial Group e da Mutual Savings & Loan.

Também indicamos a leitura das páginas 45-51​, onde rearranjamos os dados


financeiros da Berkshire em quatro segmentos. Eles correspondem à forma com que Charlie e
eu pensamos a respeito dos negócios e ajudam no cálculo de nosso valor intrínseco. Nessas
páginas, constam balanços financeiros para: (1) nossas operações de seguros, com suas
maiores posições acionárias separadas em itens; (2) nossas empresas dos ramos de
manufatura, editorial e varejo, deixando de lado alguns ativos não-operacionais e ajustes de
preço de compra; (3) nossas subsidiárias do setor financeiro, que são a Mutual Savings e a
Scott Fetzer Financial; e (4) uma categoria com todo o resto, incluindo ativos não-operacionais
(basicamente, ações de outras empresas) detidos pela companhias do segmento (2), todos os
ajustes contábeis de preço, e vários ativos e passivos da Wesco e da Berkshire.
Se combinar os ganhos e patrimônio desses quatro segmentos, você irá chegar nos
mesmos valores mostrados em nossas declarações GAAP. No entanto, quero enfatizar que
essa apresentação em quatro categorias não foi apresentada aos nossos auditores, que de
forma alguma a aprovariam.

Além de nossos ganhos reportados, nós também tivemos ganhos significativos com as
nossas posições acionárias em outras empresas e que os padrões contábeis não nos permitem
reportar. ​Na página 15​, listamos as cinco maiores empresas das quais recebemos dividendos,
em 1989, na casa de U$ 45 milhões (após impostos). No entanto, nossa participação nos
ganhos retidos dessas mesmas cinco empresas foi de U$ 212 milhões no ano passado, sem
levar em conta os grandes ganhos de capital realizados pela GEICO e Coca-Cola. Se esses U$
212 milhões tivessem sido distribuídos a nós, o nosso ganho operacional, após o pagamento
de impostos adicionais, teria chegado perto de U$ 500 milhões, no lugar dos U$ 300 milhões
mostrados na tabela.

A questão que você deve decidir é se esses ganhos não distribuídos são tão valiosos
para nós quanto dizemos. Nós pensamos que sim - e pensamos até que eles têm mais valor
ainda. A razão por trás desse pensamento ​contrarian de “Mais vale um pássaro voando do que
dois na mão” é que os ganhos retidos por essas empresas serão alocados por gestores
talentosos e voltados aos acionistas. Gestores esses que, muitas vezes, encontram usos
melhores para esses recursos em suas próprias empresas do que em nossas mãos. Eu não
costumo ter uma visão tão positiva assim da maioria das gestões mas, neste contexto, tal visão
se mostra apropriada.

Em nossa visão, a principal fonte de ganhos da Berkshire é medida de forma mais


acurada por uma abordagem “​look-through​”, em que juntamos nossa parcela de ganhos
operacionais retidos por nossas empresas aos nossos próprios ganhos operacionais, excluindo
ganhos de capital em ambos os casos. Para que o nosso valor intrínseco cresça a uma taxa de
15% ao ano, nossos ganhos “​look-through​” devem crescer aproximadamente no mesmo ritmo.
Precisaremos de muita ajuda de nossas empresas, e também precisaremos adicionar novas
companhias em nossa carteira de tempos em tempos, para atingir o objetivo dos 15%.

Operações fora do ramo de seguros

No passado, demos o nome de “Santíssimos Sete” para nossos negócios de


manufatura, editorial e varejo. Com a nossa aquisição da Borsheim’s no início de 1989, o
desafio passou a ser encontrar um novo nome que fosse apropriado e aliterado. Falhamos.
Vamos chamar esse grupo de negócios simplesmente de “Santíssimos Sete Mais Um.”
Essa composição divina - Borsheim’s, The Buffalo News, Fechheimer Bros., Kirby,
Nebraska Furniture Mart, Scott Fetzer Manufacturing Group, See’s Candies, World Book - é
uma coleção de empresas com fundamentos econômicos que vão de bons a magníficos. Os
gestores vão de magníficos a magníficos.

A maioria dos gestores dessas empresas não precisam trabalhar para viver: eles dão
expediente porque gostam de desafios e de quebrar metas. E é exatamente isso que eles
fazem. As declarações financeiras combinadas das empresas que eles administram (incluindo
até mesmo suas operações menores), ​mostradas na página 49​, ilustra o quão excelente é o
desempenho deles. Levando em conta a base contábil histórica, os ganhos após impostos
dessas operações foi de 57% sobre a média de capital social. Mais ainda, esse resultado foi
alcançado sem alavancagem: o valor em caixa era maior do que a dívida. Quando eu menciono
o nome dos nossos gestores - as famílias Blumkin, Friedman e Heldman, Chuck Huggins, Stan
Lipsey e Ralph Schey - eu sinto a mesma energia que Miller Huggins deve ter sentido ao
anunciar os jogadores do New York Yankees de 19274.

Vamos dar uma olhada negócio a negócio:


● No seu primeiro ano com a Berkshire, a Borsheim’s cumpriu todas as
expectativas. As vendas aumentaram de forma significativa e estão agora em
um nível duas vezes maior do que estavam quatro anos atrás, quando a
companhia se mudou para sua atual localização. Nos seis anos anteriores às
mudanças, as vendas já tinham dobrado. Ike Friedman, o gênio - e isso não é
um exagero - por trás da Borsheim’s só tem um modo: acelerado.

Se você nunca visitou a loja, você nunca viu uma joalheria como a Borsheim’s.
Por conta do volume enorme que ela vende em um só lugar, a loja consegue
manter uma grande seleção de peças de todo tipo de preço. Por essa mesma
razão, ela consegue ter uma despesa de apenas um terço quando comparada
com outras joalherias semelhantes. O austero controle de gastos da loja, junto
de seu poder de compra incomum, permite a ela oferecer preços muito menores
do que aqueles de outras joalherias. Tais preços, por sua vez, geram ainda mais
volume, formando um círculo virtuoso. O resultado final é um fluxo de pessoas
que chega a 4.000 clientes em dias movimentados.

Ike Friedman não é apenas um excelente gestor e anfitrião, mas também um


homem íntegro. Nós compramos a empresa sem submetê-la a qualquer tipo de
auditamento, e todas as nossas surpresas foram apenas positivas. A frase “Se
você não conhece nada de joias, conheça o joalheiro” faz todo o sentido, seja
para comprar uma joalheria inteira ou um pequeno diamante.

4
Ano em que os New York Yankees venceram com ampla vantagem a ​American League e ainda
quebraram vários recordes de pontuação. Miller Huggins era o técnico do time na época.
Uma curta história irá ilustrar o motivo de eu gostar tanto do Ike: de dois em dois
anos, faço parte de um grupo informal que se reúne para se divertir e explorar
alguns assuntos. Em setembro passado, num desses encontros em Bishop’s
Lodge, em Santa Fé, pedimos a Ike, sua esposa Roz, e seu filho Alan, para vir
ao encontro e nos explicar mais sobre joias e o negócio de joalherias.

Ike decidiu deslumbrar o grupo. Então ele comprou, em Omaha, cerca de U$ 20


milhões em mercadorias. Eu fiquei um pouco apreensivo - Bishop’s Lodge não é
um Fort Knox - e mencionei essa minha preocupação a Ike na festa inaugural,
um noite antes de sua apresentação. Ike me tirou de lado. “Tá vendo aquele
cofre?”, ele disse. “Nessa tarde trocamos a combinação, de forma que nem o
gerente do hotel sabe mais qual a senha.” Fiquei mais aliviado. Ike continuou:
“Tá vendo aqueles dois grandalhões com armas na cintura? Eles irão vigiar o
cofre a noite inteira.” A esse ponto, já estava despreocupado o suficiente para
voltar para a festa. Mas Ike chegou mais perto: “Além disso, Warren,” ele
confidenciou, “as joias sequer estão dentro do cofre.”

Como não gostar de uma pessoa assim? Ainda mais quando ele está
acompanhado de sua talentosa e enérgica família, Alan, Marvin Cohn e Don
Yale.

● Na See’s Candies, tivemos um aumento de 8% no volume de chocolate vendido,


mesmo tendo atingido um recorde em 1988. Incluso no desempenho de 1989
veio um ganho na venda ​same-store por ​pounds5, o primeiro ganho desse tipo
em muitos anos.

A veiculação de propagandas teve um grande papel nisso. Aumentamos os


gastos totais com propagandas de U$ 4 milhões para U$ 5 milhões e recebemos
um material de nossa agência de publicidade, a Hal Riney & Partners, Inc. que
transmitiu com fidelidade as qualidades que tornam a See’s especial.

Em nossos negócios de mídia, como o Buffalo News, nós vendemos anúncios.


Em outros negócios, como a See’s, nós compramos. Quando o fazemos, nós
praticamos exatamente o que pregamos. Na See’s, nós mais do que triplicamos
o gasto com publicidade em jornais no último ano, atingindo o maior percentual
de vendas que consigo lembrar. O resultado foi incrível, e agradecemos a Hal
Riney e ao poder de anúncios de jornal bem direcionados por esse resultado.

Os resultados esplêndidos da See’s se transformaram em rotina. Mas não há


nada rotineiro na gestão de Chuck Huggins: seu envolvimento diário em todos os
aspectos da produção e da venda transmite uma mensagem de qualidade e de

5
Aproximadamente 453g.
bom serviço aos milhares de funcionários que precisamos para produzir e
distribuir mais de 12 mil toneladas de chocolates e doces por ano. Em uma
empresa com 225 lojas e um setor gigantesco de pedidos por correspondência e
telefone, não é nada fácil administrar as coisas de forma que virtualmente todo
cliente fique satisfeito. Chuck faz as coisas parecerem fáceis.

● O Nebraska Furniture Mart (NFM) teve vendas recordes e excelentes ganhos em


1989, mas com uma nota triste. A Sra. B - Rose Blumkin, que havia dado início a
empresa há 52 anos com U$ 500 - pediu demissão em maio, depois de não
concordar com outros membros da família Blumkin sobre a remodelagem e
operação do departamento de carpetes.

A Sra. B provavelmente tomou mais decisões inteligentes nos negócios do que


qualquer americano vivo, mas nesse caso em particular acredito que os outros
membros da família estavam corretos: nos últimos três anos, enquanto os outros
departamentos da loja aumentaram as vendas em 24%, as vendas de carpete
caíram 17% (mas não por causa de qualquer falta de habilidade de venda da
Sra. B, que pessoalmente sempre conseguiu vender muito mais mercadorias do
que qualquer outro vendedor da loja).

Mas fique tranquilo, a Sra. B continua fazendo os herois de Horatio Alger6


parecerem anêmicos. Aos 96 anos, ela abriu um novo negócio no ramo de -
adivinhe? - carpetes e móveis. Como sempre, ela continua trabalhando sete dias
por semana.

No Mart, Louie, Ron e Irv Blumkin continuam a tocar o que é, de longe, a maior e
mais bem-sucedida loja de móveis do país. Eles são comerciantes incríveis,
gestores extraordinários e é uma verdade alegria poder estar associado a eles.
Um breve olhar na perspicácia deles: no quarto trimestre de 1989, o
departamento de carpetes registrou uma fatia de 75,3% dos clientes na área de
Omaha, um crescimento em relação aos 67,7% do ano anterior e mais de seis
vezes a fatia do segundo colocado.

NFM e Borsheim’s seguem basicamente a mesma fórmula de sucesso: (1)


enorme variedade de produtos em um só lugar; (2) menor custo operacional de
todo o setor; (3) astúcia nas compras, o que é possível, em parte, pelo grande
volume que é comprado; (4) margens brutas, e consequentemente preços, muito
abaixo da competição; e (5) serviço personalizado, com membros da família
prontos para atender a qualquer momento.

6
Escritor americano que ficou famoso ao escrever contos sobre crianças de origens humildes que, com
trabalho duro, determinação, coragem e honestidade, conseguiram melhorar de situação.
E eis mais um destaque para a importância dos jornais: o NFM aumentou sua
presença no jornal local em mais de 20% em 1989 - saindo de uma participação
já recorde em 1988 - e continua sendo, de longe, o maior anunciante ROP do
jornal. (Anúncio ROP é o tipo de anúncio que é impresso no jornal em si,
diferentemente de panfletos que são impressos em separado e então
adicionados no meio do jornal.) Até onde sei, Omaha é a única cidade em que
uma loja de móveis é o principal anunciante de um jornal. Muitos varejistas
diminuíram o espaço comprado em jornais em 1989; nossa experiência com a
See’s e com o NFM indica que eles cometeram um erro.

● O Buffalo News continuou a ser o líder, em 1989, em três importantes frentes:


primeiro, entre os maiores jornais metropolitanos, tanto em circulação semanal
quanto dominical, o News é o número um em penetração de domicílios - o
percentual de domicílios que compram o jornal todos os dias. Segundo, em ​news
hole - porção do jornal dedicada somente às notícias - o jornal obteve um
percentual de 50,1% em 1989, contra 49,5% em 1988, um nível que novamente
o torna o jornal que mais entrega noticias em comparação a qualquer outro
jornal americano do mesmo porte. E terceiro, em um ano que muitos jornais
viram seus lucros diminuírem, o News marcou seu sétimo recorde consecutivo
de lucratividade.

De certa forma, essas três frentes estão relacionadas, embora, obviamente, um


percentual alto de ​news hole​, por si só, reduza os lucros de forma significativa.
No entanto, um grande e habilmente utilizado ​news hole atrai uma ampla gama
de leitores e, por consequência, aumenta a penetração do jornal. Alta
penetração, por sua vez, torna um jornal particularmente valioso aos
anunciantes, uma vez que permite com que eles falem com toda uma
comunidade por meio de um único “megafone”. Um jornal de penetração baixa é
muito menos atrativo para os anunciantes e eventualmente irá sofrer tanto com
as taxas cobradas pelas propagandas quanto com os lucros.

Devemos enfatizar que nossa excelente penetração não é por acidente e nem
conquistada de forma automática. A população de Erie County, território do
News, tem diminuído - de 1.113.000 em 1970 para 1.015.000 em 1980 para
(estimados) 966.00 em 1988. Mas os números de circulação contam uma
história diferente. Em 1975, pouco tempo depois de termos dado início à nossa
edição de domingo, o Courier-Express, um jornal já bem estabelecido em
Buffalo, vendia 207.500 cópias do jornal em Erie County. No ano passado - com
uma população pelo menos 5% menor - o News vendeu uma média de 292.700
cópias. Acredito que nenhum outro mercado dominical teve um aumento
parecido com esse em penetração.
Quando esse tipo de ganho é alcançado - e quando um jornal atinge um nível
inigualável de aceitação em sua cidade natal - é sinal de que alguém está
fazendo as coisas certas. Nesse caso, boa parte do mérito vai para Murray Light,
nosso editor-chefe de longa data e que diariamente cria um produto informativo,
útil e interessante. Também devemos dar mérito aos departamentos de
Circulação e Produção: um jornal que tenha atrasos frequentes por conta de
problemas de produção ou distribuição irá perder clientes, não importa o quão
maravilhoso seja seu conteúdo editorial.

Stan Lipsey, editor do News, tem gerado lucros compatíveis com a força de
nosso produto. Eu acredito que as habilidades gerenciais de Stan entregam,
pelo menos, cinco pontos percentuais a mais em nossa margem de lucro quando
tomamos por comparação o retorno que um gestor mediano teria nas mesmas
circunstâncias. Isso é um diferencial enorme e que só pode ser conquistado por
um gestor talentoso que sabe de - e se importa com - todos os detalhes do
negócio.

O conhecimento e talento de Stan, devemos destacar, se estendem ao produto


em si. Seu início de carreira ocorreu do lado das notícias, e ele desempenhou
um papel fundamental no desenvolvimento e edição de uma série de histórias
que, em 1972, ganharam um Prêmio Pulitzer para o Sun Newspaper em Omaha.
Stan e eu temos trabalhado juntos há mais de 20 anos, seja em momentos bons
ou ruins, e nós não poderíamos estar em melhores mãos.

● Na Feccheimer, o clã dos Heldman - Bob, George, Gary, Roger e Fred - continua
a entregar um desempenho extraordinário. Os lucros em 1989 caíram um pouco
por conta de dificuldades que o negócio teve em integrar uma grande aquisição
de 1988. Tais dificuldades serão resolvidas com o tempo. No meio tempo, o
retorno sobre o capital investido da Feccheimer continua esplêndido.

Como todos os nossos gestores, os Heldman têm um excelente conhecimento


dos detalhes de seus negócios. No último encontro anual, mencionei que
quando um prisioneiro entra em San Quentin7, Bob e George provavelmente
sabem o tamanho da camiseta dele. Isso é apenas um pequeno exagero: não
importa qual área do país esteja sendo discutida, eles sabem exatamente o que
está se passando nos maiores clientes e nos competidores.

Embora tenhamos comprado a Feccheimer quatro anos atrás, Charlie e eu


nunca visitamos qualquer uma de suas fábricas ou o escritório em Cincinnati.

7
Prisão estadual da Califórnia.
Nós nos parecemos com o solitário técnico da Maytag8: o resultado gerencial
dos Heldman é tão bom que nunca precisamos consertar alguma coisa.

● Ralph Schey continua fazendo um trabalho excepcional na gerência do nosso


maior grupo - World Book, Kirby e as empresas da Scott Fetzer Manufacturing.
Os ganhos agregados desses negócios têm aumentado todos os anos desde
nossa aquisição, e os retornos sobre o capital investido continuam maravilhosos.
Ralph administra um empreendimento grande o suficiente que, caso fosse uma
empresa só, estaria na Fortune 500. E ele faz isso de maneira tão eficiente que
estaria no mais alto decil da métrica de retorno sobre patrimônio líquido.

Durante alguns anos, o World Book operou a partir de uma única localização, o
Merchandise Mart de Chicago. Prevendo o iminente vencimento do contrato de
locação, a empresa está sendo descentralizada em quatro novas localidades. Os
custos dessa transação são significativos; mesmo assim, os lucros de 1989
foram bons. Iremos precisar de mais um ano até que os custos da mudança
sejam completamente absorvidos.

Os negócios na Kirby foram particularmente bons no ano passado, tendo


grandes ganhos nas vendas de exportação. Transações internacionais da
empresa mais do que dobraram nos dois últimos anos, e quintuplicaram nos
últimos quatro; a fatia em unidades de vendas saiu de 5% para 20%. Nossos
maiores gastos de capital em 1989 foram com a Kirby, em preparação para uma
grande mudança no modelo em 1990.

As operações geridas por Ralph correspondem a cerca de 40% dos ganhos


vindos do nosso grupo de não-seguradoras, ​cujos resultados são mostrados
na página 49​. Quando compramos a Scott Fetzer, no início de 1986, nossa
aquisição de Ralph como gestor foi tão importante quanto nossa aquisição do
negócio em si. Além de gerar ganhos extraordinários, Ralph também gerencia o
capital extremamente bem. Essas habilidades produziram fundos para a
Berkshire que, por sua vez, nos permitiram fazer vários outros investimentos
lucrativos.

E assim completamos nossa seção dos Yankees de 1927.

Operações de seguros

A tabela a seguir mostra uma versão atualizada da nossa rotineira tabela com os
principais valores da indústria de seguros de bens e acidentes:

8
Empresa fabricante de utensílios domésticos e famosa pela durabilidade de seus produtos.
Fonte: A.M. Best Co.

A taxa combinada representa os custos totais com seguros (perdas incorridas mais
despesas) comparados com as receitas dos prêmios: uma taxa abaixo de 100 indica lucro com
underwriting9; acima de 100, prejuízo. Quando os ganhos que a seguradora têm com os fundos
das apólices (​float​) é levado em consideração, uma taxa combinada no intervalo de 107-111
tipicamente produz um empate entre despesas e lucros, excluindo os ganhos com os fundos
vindos dos acionistas.

Pelas razões explicadas nas cartas passadas, nós esperamos que as perdas incorridas
da indústria cresçam a uma taxa de 10% ao ano, mesmo em anos em que a inflação
permaneça baixa. (Na verdade, nos últimos 25 anos, as perdas incorridas cresceram a uma
taxa ainda maior, de 11%). Se o crescimento dos prêmios ficar um pouco atrás da taxa de 10%,
as perdas com ​underwriting irão se acumular, embora a tendência da indústria em
sub-provisionar quando os negócios vão mal tenda a obscurecer o real tamanho do problema
durante um tempo.

No ano passado eu disse que o aumento da taxa combinada era “Quase certa de
acontecer - e provavelmente irá se acelerar - por pelo menos mais dois anos.” Neste ano, não
iremos prever uma aceleração, mas fora isso, mantemos os termos da previsão anterior. O
crescimento dos prêmios está muito abaixo dos 10% ao ano. Lembre-se também que os 10%
servem apenas para estabilizar a taxa combinada, não para diminuí-la.

O aumento na taxa combinada de 1989 foi um pouco maior do que esperávamos


porque as catástrofes (lideradas pelo Furacão Hugo) foram muito severas. Essas
anormalidades foram responsáveis por, provavelmente, dois pontos percentuais do aumento.

9
Processo de subscrição. Se as práticas de subscrição gerarem contratos cujos prêmios excedam as
indenizações e demais despesas, o lucro subsequente elevará a capacidade da seguradora.
Se 1990 for um ano mais “normal”, a taxa combinada deverá crescer pouco em relação à base
já inchada de 1989. Em 1991, no entanto, a taxa poderá aumentar ainda mais.

Comentaristas econômicos frequentemente discutem o “ciclo de ​underwriting​” e


especulam sobre seu próximo movimento. Se esse termo é usado para dar uma conotação
rítmica ao setor, nos parece um termo enganoso que leva a um pensamento errado sobre os
fundamentos econômicos da indústria.

O termo seria mais apropriado décadas atrás, quando a indústria e os reguladores


cooperavam de forma a conduzir os negócios como um cartel. Naquela época, a taxa
combinada flutuava de forma rítmica por duas razões, ambas relacionadas com defasamento.
Primeiro, os dados do passado eram analisados e usados para calcular novas taxas
“corrigidas”, que subsequentemente eram aplicadas por virtualmente todas as seguradoras.
Segundo, o fato de que quase todas as apólices eram emitidas para períodos de um a três
anos - o que significava que levava um tempo considerável para que apólices mal precificadas
vencessem - atrasando o impacto das novas taxas nas receitas. Essas duas respostas
defasadas faziam a taxa combinada se comportar basicamente como uma corrente alternada.
Enquanto isso, a ausência de uma significativa competição de preços garantia que os lucros da
indústria, suavizados ao longo do ciclo, fossem satisfatórios.

Esse período de cartel já acabou há muito tempo. Agora, a indústria tem centenas de
participantes vendendo um produto do tipo ​commodity a preços estabelecidos de forma
independente. Tal configuração - seja o produto aço ou apólices de seguros - é certo de causar
uma lucratividade subnormal em todas as circunstâncias, menos em uma: uma escassez de
oferta. A frequência e duração desses períodos determinam a lucratividade média da indústria
em questão.

Na maior parte das indústria, a capacidade de oferta é descrita em termos físicos. No


mundo dos seguros, no entanto, a oferta costuma ser descrita em termos financeiros; isto é, é
considerado de bom tom uma companhia não fechar mais do que X dólares de contratos se
eles têm Y dólares de retorno. Na prática, no entanto, restrições desse tipo têm se mostrado
ineficazes. Reguladores, seguradoras e clientes são todos lentos para disciplinar empresas que
pressionam seus recursos. Eles também se conformam quando as companhias superestimam
de forma grosseira a verdadeira dimensão de seu capital. Assim, uma companhia pode fechar
vários contratos com pouco capital, caso ela assim o deseje. No fim das contas, portanto, a
capacidade da indústria em qualquer momento no tempo depende do estado mental de seus
gestores.

Entendido tudo isso, não é muito difícil fazer prognósticos dos lucros da indústria. Uma
boa lucratividade será alcançada somente quando houver uma diminuição na oferta de
seguros. Essa diminuição irá ocorrer somente quando as seguradoras ficarem assustadas com
o contexto das coisas. Isso raramente acontece - e certamente não está acontecendo agora.
Alguns analistas têm argumentado que os impostos mais onerosos recentemente
recaídos sobre a indústria de seguros, além das catástrofes de 1989 - Furacão Hugo e o
terremoto na Califórnia - irão aumentar o preço das apólices. Nós discordamos. Essas
adversidades não destruíram a gana das seguradoras em fechar contratos aos níveis atuais de
preço. Dessa forma, o volume de prêmios não irá aumentar em 10% em 1990, o que significa
que a tendência negativa de ​underwriting​ não será revertida.

Nesse meio tempo, a indústria irá dizer que precisa de preços mais altos para alcançar
uma lucratividade que seja compatível com a média das empresas americanas. Mas
necessidades e desejos em nada têm a ver com a lucratividade de longo prazo das indústrias.
No lugar disso, os fundamentos econômicos é que ditam os resultados. A lucratividade nos
seguros irá melhorar apenas quando virtualmente todas as seguradoras começarem a recusar
contratos, apesar dos preços. E estamos muito longe de atingir isso.

O volume de prêmios da Berkshire pode cair para cerca de U$ 150 milhões em 1990 (de
um topo de U$ 1 bilhão em 1986), em parte porque nossos tradicionais negócios continuam a
encolher, e em parte porque o contrato em que recebíamos 7% da Fireman’s Fund venceu em
agosto passado. Qualquer que seja o tamanho da queda, ela não irá nos assustar. Não temos
interesse algum em fechar contratos que carreguem uma expectativa matemática de perda;
nós já experienciamos decepções o suficiente em transações que acreditávamos carregar uma
expectativa de lucro.

No entanto, nosso apetite por fechar contratos a preços adequados é enorme, como
uma história de 1989 irá ilustrar. Ela tem relação com “coberturas CAT”, que são contratos de
resseguros que empresas seguradoras (e até mesmo resseguradoras) compram para proteção
contra uma única catástrofe, tal como um tornado ou furacão, que produz perdas em um
grande número de apólices. Nesses contratos, a seguradora pode reter uma perda máxima em
um único evento de, digamos, U$ 10 milhões, comprando várias camadas de resseguros acima
desse montante. Quando as perdas superam a quantia retida, a resseguradora normalmente
paga por 95% do excesso (até seu limite contratual) e a seguradora paga o restante. (Ao exigir
que a seguradora mantenha 5% de cada camada, a resseguradora a deixa com uma
participação financeira em cada acordo de perda e se blinda da possibilidade da seguradora
jogar o dinheiro da resseguradora fora.)

Coberturas CAT costumam ser apólices com duração de um ano que podem ser
renovadas automaticamente por mais um ano, o que faz com que uma seguradora cujo limite
de cobertura tenha se exaurido durante uma catástrofe compre uma segunda proteção para o
balanço financeiro do ano em questão, tendo como pagamento um prêmio adicional. Essa
provisão protege a seguradora de ficar “de mãos abanando”, mesmo que por um curto período,
após o primeiro evento catastrófico. A duração de um “evento” é normalmente limitada por
contrato a um intervalo de 72 horas definido pela seguradora. Com essa definição, uma
tempestade muito forte que tenha causado danos durante três dias pode ser classificada como
um único evento, caso tenha tido origem em uma única causa climática. Se a tempestade durar
por quatro dias, a seguradora irá pedir uma indenização pelas 72 horas em que os danos foram
mais severos. Perdas causadas fora desse período são tratadas como vindas de um evento em
separado.

Em 1989, duas coisas incomuns aconteceram. Primeiro, o Furacão Hugo gerou mais de
U$ 4 bilhões de perdas com os seguros em um ritmo tal que fez com que o vasto dano nas
Carolinas10 ocorresse 72 horas depois dos danos igualmente severos no Caribe. Segundo, o
terremoto na Califórnia aconteceu poucas semanas depois, fazendo com que os danos
cobertos pelos seguros fossem difíceis de calcular, mesmo bem depois do evento ter ocorrido.
Marretados por essas duas - ou possivelmente três - grandes catástrofes, algumas
seguradoras, e até mesmo resseguradoras que haviam comprado coberturas CAT, ou usaram
a segunda cobertura automaticamente, ou ficaram incertas se já o tinham feito.

A essa altura, o vendedores das apólices CAT já haviam perdido uma quantia enorme
de dinheiro - talvez em dobro por conta das renovações - e não tinham recebido grandes
montantes de prêmios. Dependendo do número de variáveis, um prêmio CAT pode ficar entre
3% e 15% do montante da proteção contratada. Há alguns anos já achávamos que os prêmios
a esses níveis eram inadequados; portanto, ficamos de fora desse tipo de negócio.

Mas como os desastres de 1989 deixaram muitas seguradoras de mãos abanando (ou
quase), e também deixaram os responsáveis pelas apólices CAT a Deus dará, uma súbita
redução de oferta de seguros contra catástrofes ocorreu logo após o terremoto. Os preços
instantaneamente se tornaram atraentes, especialmente para os resseguros que os próprios
responsáveis pela CAT compravam para si. E tão instantaneamente quanto, a Berkshire
Hathaway se ofereceu para fechar contratos de U$ 250 milhões de cobertura contra
catástrofes, anunciando essa proposta em publicações do ramo. Embora não tenhamos
fechado tantos contratos quanto gostaríamos, nós conseguimos levantar uma quantia
significativa em dez tumultuados dias.

Nossa disponibilidade em colocar uma soma tão alta na mesa por uma perda que
poderia ocorrer no dia seguinte nos destaca de qualquer outra resseguradora no mundo. Há, é
claro, companhias que, às vezes, fecham U$ 250 milhões, ou bem mais, de coberturas contra
catástrofes. Mas elas o fazem somente quando podem, por sua vez, ressegurar uma boa parte
dos contratos com outras empresas. Quando elas não conseguem “dividir os custos”, elas
desaparecem do mercado.

A política da Berkshire, por outro lado, é a de reter os contratos que fechamos ao invés
de dividi-los com outras companhias. Quando as taxas contratuais carregam uma expectativa
de lucro, nós buscamos assumir a maior quantidade de risco que seja prudente fazer. E em
nosso caso, é muito.

10
Alusão aos estados da Carolina do Norte e Carolina do Sul.
Nós aceitamos mais risco de resseguro para nós mesmos do que qualquer outra
companhia por dois motivos: (1) pelos padrões contábeis, nós temos um patrimônio líquido em
nossas empresas seguradoras de cerca de U$ 6 bilhões - o segundo maior em todos os EUA; e
(2) nós simplesmente não nos importamos com os números que reportamos trimestralmente,
ou mesmo anualmente, contanto que as decisões que levem aos ganhos (ou perdas) tenham
sido tomadas de forma inteligente e racional.

Obviamente, se fecharmos U$ 250 milhões em coberturas de catástrofe e retermos


esse valor para nós mesmos, há a possibilidade de perdermos esses U$ 250 milhões em um
único trimestre. Essa possibilidade é pequena, mas não é zero. Se tivéssemos uma perda
dessa magnitude, nosso custo, após impostos, seria de aproximadamente U$ 165 milhões.
Embora esse seja um valor muito maior do que a Berkshire costuma ganhar em um trimestre, o
dano seria apenas em nosso orgulho, não em nossa saúde financeira.

Essa postura é uma que poucas gestões em empresas seguradoras podem se dar ao
luxo de assumir. Normalmente, elas estão dispostas a fechar uma quantidade enorme de
contratos em termos que quase seguramente irão garantir retornos medíocres sobre o
patrimônio. Mas elas não querem ficar envergonhadas com uma perda gigantesca em um único
trimestre, mesmo que a estratégia gerencial que tenha causado a perda seja promissora o
suficiente para produzir resultados superiores ao longo do tempo. Eu entendo o lado deles: o
que é melhor para os acionistas não é, necessariamente, melhor para os gestores. Felizmente,
Charlie e eu temos garantia de emprego e interesses financeiros que são idênticos aos dos
nossos acionistas. Nós estamos dispostos a parecer tolos, desde que saibamos que não
agimos de forma tola.

Nosso método operacional, por acaso, traz uma enorme força estabilizadora para a
indústria. Nós adicionamos uma gigantesca oferta quando ela está em falta, nos tornando
menos competitivos somente quando a oferta de contratos está abundante. Obviamente, não
seguimos esse política tendo a estabilidade em mente - nós a seguimos por acharmos que ela
é o curso de ação mais racional e lucrativo. De qualquer forma, nosso comportamento
estabiliza o mercado. Nesse caso, a mão invisível descrita por Adam Smith funciona conforme
o esperado.

Atualmente, temos uma quantia considerável de ​float em comparação com o volume de


prêmios. Essa circunstância deverá produzir resultados bastante favoráveis para nós nos
próximos anos, assim como ocorreu em 1989. Nossas perdas com ​underwriting serão
toleráveis e o resultado financeiro obtido com os recursos das apólices deverá ser enorme.
Essa situação agradável, no entanto, irá gradualmente se deteriorar conforme nosso ​float
diminua.

Em algum momento, haverá novamente uma oportunidade para fecharmos uma grande
quantidade de contratos lucrativos. Mike Goldberg e sua equipe gerencial com Rod Eldred,
Dinos Iordanou, Ajit Jain, Phil Urban e Don Wurster continuam nos deixando bem preparados
para essa eventualidade.

Títulos e valores mobiliários

Ao selecionar os títulos e valores mobiliários para nossas empresas seguradoras, nós


normalmente escolhemos entre cinco grandes categorias: (1) investimento em ações para o
longo prazo, (2) títulos prefixados de médio prazo, (3) títulos prefixados de longo prazo, (4)
equivalentes de caixa de curto prazo, e (5) operações de arbitragem de curto prazo.

Não temos nenhum viés em particular para escolher entre essas categorias; nós
simplesmente buscamos a opção que nos dê o maior retorno dentro de uma “expectativa
matemática”, sempre nos limitando a alternativas de investimento que possamos entender.
Nossos critérios não têm nada a ver com a maximização imediata dos ganhos reportados.
Nosso objetivo, no lugar disso, é de eventualmente maximizar nosso patrimônio líquido.

Abaixo, listamos nossas participações acionárias com valores acima de U$ 100 milhões.
Uma pequena porção desses investimentos pertence a subsidiárias que a Berkshire detém
menos de 100%.

Essa lista de companhias é a mesma que a do último ano, e apenas em um caso o


número de ações mudou: nossa participação na Coca-Cola aumentou de 14.172.500 ações ao
final de 1988 para 23.350.000.

O investimento na Coca-Cola nos dá mais um exemplo da incrível velocidade que este


presidente que vos fala reage às oportunidades de negócio, não importa o quão obscuras ou
disfarçadas elas sejam. Acho que tomei minha primeira Coca-Cola em 1935 ou 1936. Com
certeza foi em 1936 que comecei a comprar Cocas a uma taxa de seis por 25 cents da Buffett
& Son, o mercadinho da família, para vendê-las na vizinhança por 5 cents cada. Durante esse
período altamente lucrativo na indústria de varejo, eu diligentemente observei a extraordinária
atratividade para o cliente e as possibilidades comerciais do produto.
Eu continuei a observar essas qualidades pelo próximos 52 anos conforme a Coca-Cola
dominava o mundo. Durante esse período, no entanto, eu cuidadosamente evitei comprar
sequer uma ação, alocando grande parcelas do meu patrimônio em empresas ferroviárias,
fabricantes de tecidos, produtores de antracite11, emissores de cupons de descontos e afins.
(Se acha que estou inventando isso, eu posso dar nomes aos bois.) Foi apenas no verão de
1988 que meu cérebro finalmente se conectou com meus olhos.

Quando eu enxerguei a situação, ela era cristalina e fascinante. Depois de alguns


percalços na década de 1970, em 1981 a Coca-Cola havia se tornado uma nova companhia,
tendo Roberto Goizueta como CEO. Roberto, junto de Don Keough, que já foi meu vizinho de
rua em Omaha, primeiro repensaram e enxugaram as políticas da empresa, colocando-as em
prática logo em seguida. O que já era a empresa mais onipresente do planeta ganhou um novo
impulso, com vendas internacionais meteóricas.

Com uma verdadeiramente rara mistura de habilidades financeiras e de marketing,


Roberto maximizou tanto o crescimento de seu produto quanto as recompensas que esse
crescimento trouxe aos acionistas. Normalmente, o CEO de uma empresa de produtos para
consumo, se apoiando em suas inclinações naturais ou experiência, faz com que ou o
marketing ou o setor financeiro domine o negócio às custas de outros setores. Com Roberto, a
mistura de marketing e finanças é perfeita, resultando em um paraíso aos acionistas.

É claro que deveríamos ter começado a comprar Coca-Cola muito antes, logo depois
que Roberto e Don começaram a tocar o negócio. Na verdade, se eu estivesse com a cabeça
no lugar, eu teria persuadido meu avô a vender a mercearia em 1936 e alocar tudo em ações
da Coca-Cola. Mas aprendi minha lição: meu tempo de reação para a próxima ideia excelente
será bem menor do que 50 anos.

Como mencionei anteriormente, os preços ao final do ano das ações de nossas maiores
posições foram muito maiores do que seus valores intrínsecos até então. Embora esses preços
não machuquem ninguém, eles claramente estão vulneráveis a uma queda generalizada no
mercado. Uma queda nos preços não atrapalharia em nada a nossa tranquilidade - pode,
inclusive, ser algo benéfico - mas causaria pelo menos um ano de redução no patrimônio
líquido da Berkshire. Nós acreditamos que uma redução desse tipo é praticamente certa em ao
menos um dos próximos três anos. De fato, seria necessária apenas uma queda de 10%
ano-a-ano no valor total de nossa carteira para jogar o patrimônio líquido da Berkshire para
baixo.

Nós continuamos sendo abençoados com gestores extraordinários nas companhias que
temos em nosso portfólio. Ele são de primeira linha, talentosos e orientados aos interesses dos

11
Espécie de carvão.
acionistas. Os resultados excepcionais que tivemos ao investir com eles reflete de forma
acurada suas excepcionais qualidades pessoais.

* * * * * * * * * * * *

Nós mencionamos ano passado que esperávamos ter pouca movimentação em


operações de arbitragem em 1989, e foi exatamente isso que aconteceu. Posições em
arbitragem são substitutas para equivalentes de caixa de curto prazo, e durante uma parte do
ano tivemos níveis razoavelmente baixos de caixa. Na outra parte, tivemos um caixa até
considerável, mas mesmo assim preferimos não arbitrar.

A principal razão para tal foi que as transações das empresas não faziam sentido
econômico para nós; fazer arbitragem em situações assim é o mesmo que jogar um jogo de
“quem é o mais bobo”. (Como o investidor Ray DeVoe diz: “Os bobos se apressam a negociar
onde os anjos têm medo de ir.”) Nós ainda iremos nos envolver com operações de arbitragem
de tempos em tempos - às vezes, em larga escala - mas apenas quando o cenário for bom.

* * * * * * * * * * * *

Deixando de lado as três ações conversíveis que serão discutidas na próxima seção,
nós reduzimos de forma substancial as nossas posições em títulos prefixados de médio e longo
prazo. Nas de longo prazo, nossa participação se dava basicamente por meio de títulos da
Washington Public Power Supply Systems (WPPSS), com cupons indo de pequenos a
grandes. Durante o ano, vendemos as emissões de pequenos cupons que havíamos
originalmente comprado com um grande desconto. Muitas dessas emissões tinham,
aproximadamente, dobrado de preço desde nossa compra, além de terem pago cupons de
cerca de 15%-17% ao ano isentos de impostos. Nossos preços de venda ficaram apenas um
pouco abaixo dos preços que títulos similares costumam ter. Alguns desses títulos tiveram uma
chamada de recebimento do principal para 1991 e 1992, e temos a expectativa que o restante
seja chamado em meados da década de 1990.

Também vendemos boa parte de nossos títulos isentos de médio prazo ao longo do
último ano. Quando os compramos, dissemos que ficaríamos felizes em vendê-los -
independentemente se estivessem com preços maiores ou menores em relação ao nosso
preço de compra - se algo melhor para se investir surgisse. Algo surgiu - e, ao mesmo tempo,
vendemos boa parte dessas emissões a ganhos módicos. De maneira geral, nosso lucro em
1989 com a venda de títulos isentos de impostos foi de cerca de U$ 51 milhões (antes de
impostos).

Os fundos obtidos com a venda de nossos títulos, junto com nosso excesso de caixa do
começo do ano somado aos ganhos gerados depois, foram destinados à compra de três ações
preferenciais conversíveis. Na primeira transação, que ocorreu em julho, compramos U$ 600
milhões de ações preferenciais da The Gillette Co., com um dividendo de 8,75%, uma chamada
de recebimento em 10 anos e o direito de converter as preferenciais por ordinárias a U$ 50 por
ação. Em seguida, compramos U$ 358 milhões de ações preferenciais da USAir Group, Inc.,
com chamada de recebimento de 10 anos, um dividendo de 9,25% e o direito de converter as
preferenciais por ordinárias a U$ 60 por ação. Por fim, próximo ao final do ano, compramos U$
300 milhões de ações preferenciais da Champion International Corp., com chamada de
recebimento em 10 anos, dividendo de 9,25% e com o direito de converter as preferenciais em
ordinárias a U$ 38 por ação.

Diferentemente das ações preferenciais conversíveis comuns, as emissões que temos


são ou não-negociáveis ou não-conversíveis por um longo período de tempo. Dessa forma, não
há maneiras de ganharmos com variações de preço das ações no curto prazo. Eu entrei para o
conselho da Gillette, mas não no conselho da USAir ou Champion. (Eu adoro participar dos
conselhos que estou atualmente, mas não consigo lidar com um número maior que o atual.)

O negócio da Gillette tem tudo aquilo que gostamos. Charlie e eu acreditamos entender
os fundamentos econômicos da companhia bem o suficiente para fazer uma previsão
suficientemente inteligente a respeito de seu futuro. (Se você ainda não usou a nova lâmina
Sensor da Gillette, compre uma agora.) No entanto, não temos a habilidade de prever os
fundamentos do ramo de bancos de investimento (no qual temos uma posição por meio das
compras que fizemos em 1987 das ações preferenciais conversíveis do Salomon), do setor
aéreo ou do setor de jornais. Isso não significa que prevemos um futuro negativo para esses
negócios: somos agnósticos, não ateus. Nossa falta de convicções firmes sobre esses
negócios, no entanto, significa que devemos estruturar nossos investimentos neles de maneira
diferente de quando investimos em negócios que têm características econômicas bem
definidas e claras.

Em um aspecto importante, no entanto, esse dois tipos de empresas são parecidas: nós
queremos nos associar somente com pessoas que gostamos, admiramos e confiamos. John
Gutfreund, do Salomon, Colman Mockler, Jr, da Gillette, Ed Colodny, da USAir, e Andy Sigler,
da Champion, atendem a todos esses critérios.

Eles, por sua vez, têm demonstrado confiança em nós, insistindo em cada caso que
nossas ações preferenciais tenham direito a voto ao serem convertidas, um acordo que está
longe de ser o padrão em finanças corporativas. Com efeito, eles estão confiantes de que
seremos acionistas inteligentes, pensando no futuro ao invés do presente, da mesma forma
que estamos confiantes que eles serão gestores inteligentes, pensando tanto no futuro quanto
no presente.

As estruturas de ações preferenciais que negociamos terão um desempenho medíocre


para nós caso os fundamentos econômicos da indústria impeçam o crescimento das nossas
empresas investidas, mas produzirão resultados razoavelmente atrativos se tiverem um retorno
comparável ao da média da indústria americana. Acreditamos que a Gillette, sob comando de
Colman, irá ultrapassar com facilidade esse retorno, e que John, Ed e Andy irão atingi-lo, a
menos que as condições fiquem muito ruins.

Sob quase qualquer condição, esperamos que essas ações preferenciais nos dê de
retorno o dinheiro que investimos, mais dividendos. Se isso for tudo o que conseguirmos, no
entanto, o resultado será decepcionante, pois teremos aberto mão de flexibilidade e,
consequentemente, perdido significativas oportunidades que certamente surgirão na próxima
década. Nesse cenário, teremos obtido apenas um ​yield de ações preferenciais durante um
período em que ações preferenciais típicas não teriam sequer chamado nossa atenção. A única
maneira da Berkshire obter resultados satisfatórios dessas quatros emissões de preferenciais é
se as ações ordinárias de nossas companhias investidas tiverem um bom desempenho.

Uma boa gestão e uma condição minimamente tolerável da indústria serão necessárias
caso isso aconteça. Mas acreditamos em um cenário em que o investimento da Berkshire será
benéfico e que os outros acionistas de cada empresa em nossa carteira irão lucrar ao longo
dos anos em que manteremos nossas ações preferenciais. A ajuda virá do fato de que cada
companhia tem agora um grande, estável e interessado acionista, cujo presidente e
vice-presidente têm, por meio dos investimentos da Berkshire, investido partes significativas de
seu próprio dinheiro nesses empreendimentos. No que tange nossas empresas em carteira,
Charlie e eu sempre daremos apoio, seremos analíticos e objetivos. Nós reconhecemos que
estamos trabalhando com CEOs experientes, que estão no comando de seus negócios, mas
que, em certos momentos, gostam de ter a oportunidade de testar seus modelos mentais com
pessoas sem ligações aos seus respectivos ramos ou decisões passadas.

Como um grupo, essas ações preferenciais conversíveis não irão produzir os retornos
que podemos obter quando encontramos um negócio com prospectos econômicos
maravilhosos que estejam subavaliados no mercado. Os retornos também não serão tão
atrativos quanto os obtidos quando fazemos nossa alocação de capital favorita: a aquisição de
80% ou mais de um bom negócio com uma boa gestão. Mas ambas essas oportunidades são
raras, especialmente as que possuem um tamanho que se adeque ao nosso montante atual de
recursos.

Em resumo, Charlie e eu sentimos que os investimentos nessas ações preferenciais


irão produzir retornos moderadamente acima dos obtidos pela maior parte dos portfólios
prefixados e que podemos ter um pequeno, mas agradável e construtivo, papel nas empresas
investidas.

Títulos cupom-zero

Em setembro, a Berkshire emitiu U$ 902,6 milhões de debêntures subordinadas


conversíveis cupom-zero, agora listadas na New York Stock Exchange. O Salomon Brothers
lidou com o ​underwriting ​de uma maneira incrível, nos dando conselhos úteis e executando a
operação de forma brilhante.

A maioria dos títulos, é claro, requer o pagamento regular de juros, normalmente duas
vezes por ano. Um cupom-zero, por outro lado, não tem a exigência de pagar juros. No lugar
disso, o investidor recebe sua valorização ao comprar o título com um enorme desconto frente
ao valor de face. A real taxa de juros (ou de rendimento) é determinada pelo preço de emissão
original, o valor no vencimento (ou maturação) e o período de tempo entre a emissão e o
vencimento.

Em nosso caso, os títulos foram emitidos a 44,314% do valor de maturação e irão


vencer em 15 anos. Para os investidores que comprarem os títulos, isso equivale a um
rendimento composto de 5,5% ao ano, sendo metade paga a cada semestre. Como recebemos
apenas 44,31 cents por dólar, os fundos levantados com essa emissão foram de U$ 400
milhões (menos U$ 9,5 milhões, levando em conta as despesas envolvidas no processo).

Os títulos foram emitidos em valores de U$ 10 mil, e cada título é conversível em 0,4515


ações da Berkshire Hathaway. Como o título de U$ 10 mil custou U$ 4.431, isso significa que o
preço de conversão foi de U$ 9.815 por ação da Berkshire, um prêmio de 15% sobre o valor de
mercado da época. A Berkshire pode fazer uma chamada de recebimento dos títulos a
qualquer momento após 28 de setembro de 1992 a seu valor de vencimento (o valor original da
emissão mais os 5,5% compostos por semestre). Em dois dias específicos, 28 de setembro de
1994 e 28 de setembro de 1999, os detentores dos títulos podem vender de volta para a
Berkshire seus títulos ao valor de vencimento.

Por motivos fiscais, a Berkshire tem o direito de deduzir anualmente o rendimento


composto de 5,5% dividido de forma semi-anual, muito embora nós não façamos de fato esses
pagamentos aos detentores dos títulos todos os semestres. Dessa forma, essa redução fiscal
significa um fluxo de caixa positivo. Esse é um benefício muito significativo. Algumas variáveis
desconhecidas nos impedem de calcular nossa real taxa de juros, mas em todas as
circunstâncias será sempre bem menor do que 5,5%. Mas há uma simetria na lei fiscal: o
detentor de títulos que não seja isento deve pagar impostos todos os anos sobre os juros de
5,5%, muito embora ele não receba esse valor em dinheiro.

Nem nossos títulos, nem os títulos similares emitidos por outras companhias no último
ano (de forma mais notória, Loews e Motorola), se assemelham com a grande quantidade de
títulos cupom-zero que foram emitidos nos anos anteriores. Destes, Charlie e eu fomos, e
vamos continuar sendo, críticos ferrenhos. Como irei explicar mais adiante, tais títulos têm sido
usados com frequência de formas enganosas e com consequências mortais para o investidor.
Mas antes de entrar nesse assunto, vamos viajar de volta para o Éden, a uma época em que a
maçã ainda não havia sido mordida.
Se você tem a minha idade12, você adquiriu seus primeiros títulos cupom-zero durante a
Segunda Guerra Mundial ao comprar os famosos títulos série E do governo americano, a
emissão mais vendida de títulos na história. (Após a guerra, esses títulos eram detidos por 1 a
cada 2 domicílios americanos.) Ninguém, é claro, chamou a série E de cupom-zero, um termo
que duvido que sequer existisse na época. Mas é exatamente isso que era a série E.

Esses títulos podiam ser adquiridos em frações de até U$ 18,75. Essa quantia
comprava uma obrigação de U$ 25 do governo dos EUA com vencimento em 10 anos; termos
esses que davam um retorno composto ao comprador de 2,9%. Na época, era uma oferta
atrativa: a taxa de 2,9% era mais alta do que a dos outros títulos do governo, e seu detentor
não tinha de lidar com as flutuações do mercado, uma vez que ele podia, a qualquer momento,
resgatar os títulos com apenas uma pequena dedução na taxa paga.

Uma segunda emissão de títulos cupom-zero do Tesouro, também benéfica e útil,


apareceu na última década. Um problema com um título normal é que muito embora ele pague
uma determinada taxa de juros - digamos 10% - o detentor não tem certeza que o rendimento
composto de 10% será realizado. Para que essa taxa se materialize, cada cupom semi-anual
deve ser reinvestido aos mesmos 10% que foram pagos. Se a taxa de juros no momento for de,
digamos, 6% ou 7% quando os cupons são pagos, o detentor do título será incapaz de dar um
retorno composto ao seu dinheiro com a taxa contratada de 10% durante a duração do título.
Para fundos de pensão ou outros investidores com obrigações de longo prazo, um “risco de
reinvestimento” desse tipo pode ser um problema sério. Os Saving Bonds13 poderiam ter
resolvido esse problema, exceto pelo fato de serem emitidos apenas a investidores individuais
e não serem disponibilizados em grandes valores. O que grande compradores precisavam era
de enormes quantidades de “equivalentes de Saving Bonds.”

Entram em cena alguns bancos de investimento engenhosos e extremamente úteis


(liderados pelo Salomon Brothers, fico feliz em dizer). Eles criaram o instrumento desejado ao
“despir” os cupons semi-anuais das emissões governamentais. Cada cupom, uma vez pago,
assume a essência de um Savings Bond, uma vez que ele representa um único montante com
vencimento no futuro. Por exemplo, se você retirar os 40 cupons semi-anuais de um título do
governo que irá vencer em 2010, você terá 40 títulos cupom-zero, com vencimentos entre 6
meses e 20 anos, cada um podendo se juntar a outros cupons de vencimento similar para
serem vendidos “empacotados” no mercado. Se a taxa atual de juros for de, digamos, 10%
para todos os vencimentos, a emissão com vencimento em 6 meses será vendida a 95,24% do
valor do vencimento, e a emissão com vencimento em 20 anos será vendida a 14,20% do
valor. O comprador de qualquer vencimento tem, então, a garantia de um retorno composto de
10% durante todo o período em que mantiver o título. A remoção/destacamento dos títulos do
governo têm ocorrido em larga escala nos últimos anos, uma vez que investidores de longo

12
Na data assinada nesta carta, Buffett tinha 59 anos.
13
Títulos que pagam uma taxa fixa de juros durante um período fixo de tempo. Equivalentes aos títulos
públicos prefixados no Brasil.
prazo, desde fundos de pensão até contas individuais IRA14, reconheceram que essas
emissões de cupom-zero de adequavam muito bem às suas necessidades.

Mas como acontece com frequência em Wall Street, o que começa com sabedoria
termina com tolice. Nos últimos anos, títulos cupom-zero (e seus equivalentes funcionais, os
títulos ​pay-in-kind ​(PIK), que distribuem títulos PIK adicionais semi-anualmente como juros ao
invés de dinheiro) têm sido emitidos em enormes quantidades, com ratings cada vez piores.
Para esses emissores, títulos zero (ou PIK) oferecem uma grande vantagem: é impossível dar
calote em uma promessa de não pagar nada. De fato, se governos LDC15 tivessem emitido
dívida apenas através de títulos cupom-zero, eles teriam hoje um histórico limpo de crédito.

Esse princípio - que você não precisa declarar calote por um bom tempo se você
promete solenemente não pagar nada durante um bom tempo - se mantém vivo através da
prática de promotores e bancos de investimento buscar negócios cada vez mais frágeis. Mas a
sua aceitação entre os credores demorou: quando a mania de compras alavancadas começou
uns anos atrás, os compradores podiam pegar emprestado apenas quantias razoáveis em que
as estimativas conservadoras de fluxo de caixa livre - isto é, ganhos operacionais somados
com depreciação e amortização menos gastos de capital normalizados - fossem adequadas
para cobrir tanto o pagamento de juros quanto reduções modestas da dívida.

Em um segundo momento, conforme a adrenalina foi subindo, as empresas começaram


a ser compradas por preços tão altos que todo o fluxo de caixa livre necessariamente tinha que
ser alocado para o pagamento de juros. E isso não deixou nada para o pagamento do principal.
Com efeito, o pensamento do tipo Scarlett O’Hara de “vou pensar sobre isso amanhã” em
relação ao pagamento do principal foi incorporado pelos tomadores e aceito por um novo tipo
de credor: o comprador de ​junk bonds16. A dívida passou a ser algo para ser refinanciado ao
invés de reembolsado. Essa mudança de mentalidade me faz lembrar de uma tirinha do New
Yorker17 em que um feliz tomador de empréstimos se levanta para apertar a mão do funcionário
do banco que aprovou a operação e diz: “Fico te devendo essa.”

Pouco depois, os tomadores de empréstimos começaram a achar os novos e relaxados


padrões restritivos demais. Para induzir os credores a financiar transações ainda mais
estúpidas, eles introduziram uma abominação, EBDIT18 - ​Earnings Before Depreciation, Interest
and Taxes - como parâmetro para a capacidade de uma companhia honrar com o pagamento
de seus compromissos. Usando essa métrica “manca”, o tomador ignorava a depreciação como

14
IRA: Individual Retirement Account. Conta individual destinada à captação de recursos para a
aposentadoria.
15
LDC: Least Developed Countries. Lista de países menos desenvolvidos do mundo. Nas Américas, o
único país que consta na lista em 2019 é o Haiti.
16
Um tipo de título de alto risco e alto retorno, normalmente emitido por empresas com ​rating​ ruim.
17
Revista americana de grande prestígio.
18
Ganhos antes de Depreciação, Juros e Impostos. Atualmente, usa-se mais o EBITDA (​Earnings Before
Interest, Taxes, Depreciation and Amortization​) ou, em português, LAJIDA (Lucro Antes de Juros,
Impostos, Depreciação e Amortização.
despesa, usando como justificativa que ela não precisava de uma disponibilidade de caixa
imediata.

Tal atitude é claramente ilusória. Em 95% das empresas americanas, os gastos de


capital são completamente necessários e, ao longo do tempo, se aproximam da depreciação.
Na verdade, são tão reais quanto os custos com folha de pagamento e maquinários. Até um
repetente no ensino médio sabe que para financiar um carro ele deve ter não apenas uma
renda suficiente para cobrir os juros e gastos operacionais, mas também uma depreciação
calculada de maneira realista. As pessoas iriam rir dele no banco se ele começasse a falar de
EBDIT ao pedir um empréstimo.

As disponibilidades de caixa em um negócio podem ser deixadas de lado em um mês


ou outro, assim como uma pessoa pode deixar de comer por um dia, ou até mesmo uma
semana. Mas se essas abstenções começarem a ficar frequentes e não forem repostas, o
corpo começa a definhar e, eventualmente, morre. Além do mais, uma política de jejum
intermitente irá, ao longo do tempo, produzir um organismo, ser humano ou empresa menos
saudável do que uma dieta bem balanceada. Mas admito que Charlie e eu gostamos de ter
competidores que são incapazes de financiar seus gastos de capital.

Você pode pensar que abrir mão de uma enorme despesa como a depreciação em uma
tentativa de fechar um péssimo negócio representa o limite de ingenuidade de Wall Street. Se
esse for o caso, você não tem prestado muita atenção aos últimos anos. Os tomadores tinham
que achar uma forma de justificar aquisições ainda mais caras. Do contrário, eles arriscariam -
que os céus impeçam! - perder negócios para outros tomadores com mais “imaginação”.

Assim, entrando pelo espelho19, os tomadores e seus bancos de investimento definiram


que o EBDIT deveria ser comparado apenas com os juros pagos em dinheiro, o que significava
que os títulos cupom-zero ou PIK poderiam ser ignorados quando a viabilidade financeiro de
uma transação estava sendo avaliada. Essa abordagem não só relegou a despesa com
depreciação para a categoria “deixa isso pra lá”, mas deu ainda tratamento similar do que
costuma representar uma porção significativa dos gastos com juros. Pra piorar, muitos gerentes
profissionais de investimentos caíram nessa loucura, sendo cautelosos o suficiente para fazê-lo
apenas com o dinheiro de seus clientes, não com o deles próprios. (Chamar esses gerentes de
“profissionais” é muito benevolente; eles deveriam ser chamados simplesmente de “pessoas
que foram promovidas a gerente.”)

Sob esse novo padrão, um negócio com lucros de, digamos, U$ 100 milhões (antes de
impostos) e com uma dívida em que U$ 90 milhões em juros que precisassem ser pagos no
ano corrente iria utilizar emissões de cupom-zero ou PIK para incorrer em outros juros anuais
de U$ 60 milhões, que iriam se acumular, é claro, mas com vencimento apenas para daqui

19
Referência a “Alice no país das Maravilhas”, onde a protagonista vai para outra dimensão ao
atravessar seu espelho.
alguns anos. A taxa a ser paga nesses títulos seria bem alta, o que significaria que, no segundo
ano, a situação seria de U$ 90 milhões de juros a serem pagos em dinheiro e outros U$ 69
milhões de juros acumulados, e assim por diante conforme os juros compostos fossem sendo
aplicados. Esse tipo de esquema, que até há alguns anos era restrito apenas aos negócios
mais escusos, se tornou, em pouco tempo, um modelo das finanças modernas em virtualmente
todos os maiores bancos de investimento.

Quando os tomadores fazem esse tipo de oferta, os bancos de investimento mostram


seu lado bem-humorado: eles dispensam a apresentação de projeções de balanços para daqui
cinco anos de companhias que eles mal conhecem. Se você presenciar algo assim, sugiro que
você entre na brincadeira: peça para o banco de investimento mostrar o orçamento que sua
própria firma preparou para as projeções e compare com o que realmente aconteceu.

Há um tempo atrás, Ken Galbraith, em seu espirituoso e valioso livro ​The Great Crash20,
batizou um novo termo econômico: “o tapete”21, definido como o atual nível de fraudes que
ainda não tinham sido descobertas. Essa entidade financeira tinha uma qualidade mágica: os
trambiqueiros eram tão ricos quanto a quantidade de tapetes que possuíam, enquanto que os
tapeados não se sentiam mais pobres.

O professor Galbraith astutamente indicou que esses montantes deveriam ser


adicionados ao Tesouro Nacional, transformando-o no Ilusório Tesouro Nacional. Logicamente,
uma sociedade que quisesse se sentir enormemente próspera iria encorajar seus cidadãos a
cometer fraudes e, ao mesmo tempo, não serem pegos. Dessa forma, a riqueza iria inflar sem
que um dedo fosse levantado para fazer um trabalho produtivo.

Esse absurdo do “tapete” fica pequeno perto do absurdo do mundo real dos títulos de
cupom-zero. Com eles, uma parte do contrato pode achar que está “ganhando” sem a outra
parte sentir que está gastando. Em nosso exemplo, uma empresa capaz de lucrar apenas U$
100 milhões por ano - e, assim, ser capaz de pagar apenas esse montante em juros -
magicamente cria “ganhos” para detentores de títulos no montante de U$ 150 milhões.
Enquanto os grandes investidores, por vontade própria, exercerem seu lado Peter Pan e
continuarem a dizer “Eu acredito”, não haverá limite para quanto “ganho” pode ser criado com
títulos cupom-zero.

Wall Street recebeu essa invenção com o mesmo entusiasmo que pessoas menos
instruídas teriam com a roda ou com o arado. Finalmente foi criada uma ferramenta para
permitir que Wall Street fechasse negócios a preços não mais limitados pelo real poder de
ganhos. O resultado, obviamente, seriam mais transações: preços esticados sempre atraem
compradores. E, como Jesse Unruh22 disse certa vez, transações são o nutriente principal do
mercado financeiro.

20
Livro sobre a crise de 1929.
21
Brincadeira com o ditado “Varrer para debaixo do tapete”.
22
Político americano.
Os títulos cupom-zero ou PIK possuem uma atratividade adicional para o tomador ou
banco de investimentos: o tempo entre a loucura e a decepção pode ser esticado.

E isso não é pouca coisa. Se o período de vencimento é longo, os tomadores podem


fechar uma infinidade de negócios absurdos - e receber muitas taxas por isso - antes que o
casa comece a cair por conta dos primeiros contratos.

Mas no fim das contas, a alquimia, seja metalúrgica ou financeira, dá errado. Um


negócio mediano não pode ser transformado em um negócio de ouro com truques contábeis ou
estruturas de capital. O homem que se diz um alquimista financeiro pode até ficar rico. Mas sua
fonte de riqueza será investidores ingênuos, não negócios pujantes.

Embora tenham seus pontos fracos, precisamos acrescentar que muitos títulos
cupom-zero e PIK não sofrerão calote. Nós já tivemos alguns títulos cupom-zero, e podemos
comprar mais se o mercado se tornar suficientemente aflito. (No entanto, jamais sequer
cogitaremos comprar emissões com ​rating baixo.) Nenhum instrumento financeiro é ruim por si
só; o que acontece é que algumas variações têm muito mais potencial para enganar do que
outras.

O prêmio de maior enganação deveria ir para o emissor de títulos cupom-zero que não
possui capacidade de honrar com os pagamentos de juros em sua estrutura atual. Nosso
conselho: sempre que um banco de investimento começar a falar sobre EBDIT - ou sempre que
alguém criar uma estrutura de capital que não permita que os juros, futuros ou corridos, sejam
pagos com folga usando o atual fluxo de caixa - feche sua carteira. Troque de lugar e sugira ao
proponente receber comissões cupom-zero, diferindo-as até que os títulos cupom-zero tenham
sido pagos por completo. Observe, então, por quanto tempo o entusiasmo para fechar o
negócio irá durar.

Nossos comentários a respeito de bancos de investimento podem parecer ríspidos. Mas


Charlie e eu - em nossos modos antiquados - acreditamos que eles deveriam desempenhar um
papel de guardiões, protegendo os investidores da propensão ao exagero de alguns agentes
financeiros. Tais agentes financeiros têm, ao longo do tempo, exercido o mesmo bom
julgamento e autocontrole ao aceitar dinheiro que um alcoólatra tem em aceitar bebida. No
mínimo, portanto, a conduta do banco deveria ser a de um garçom responsável que, quando
necessário, recusa o lucro de mais uma bebida para evitar ter um bêbado andando pela
rodovia. Nos últimos anos, infelizmente, muitas grandes empresas de investimento têm achado
que a moral desse tipo de garçom é intolerável e restritiva demais. Ultimamente, aqueles que
têm viajado pelas estradas de Wall Street têm encontrado um trânsito caótico.

Eis uma nota angustiante: o custo da loucura dos títulos cupom-zero não recairá apenas
sobre os participantes diretos. Algumas associações de poupança e empréstimos compraram
uma quantidade imensa desses títulos com o dinheiro depositado pelos associados. Querendo
forçar a situação para ter ganhos maravilhosos, esses compradores de títulos reportaram - mas
não receberam - rendimentos de juros ultra-elevados dessas emissões. Muitas dessas
associações estão, agora, em apuros. Se seus empréstimos a credores duvidosos tivesse
funcionado, os donos das associações teriam colocado os lucros em seus bolsos. Nos
inúmeros casos em que os empréstimos não serão pagos, o pagador de impostos é quem vai
ficar com a conta.

Erros cometidos nos primeiros 25 anos (versão resumida)

Para citar Robert Benchley23, “Ter um cachorro ensina um menino sobre fidelidade,
perseverança e girar três vezes antes de se deitar24.” Os problemas da experiência são assim.
De qualquer forma, é uma boa ideia revisar erros passados antes de cometer outros novos.
Sendo assim, vamos dar uma olhada rápida nos últimos 25 anos.

Meu primeiro erro, é claro, foi comprar o controle da Berkshire. Embora eu soubesse
que o negócio têxtil não era muito promissor, eu fui atraído à compra porque o preço parecia
muito baixo. Compras de ações desse tipo tinham se mostrado relativamente frutíferas nos
anos anteriores, muito embora eu estivesse começando a perceber que essa estratégia não
era a ideal nos idos de 1965, quando a Berkshire entrou em cena.

Se você comprar uma ação a um preço suficientemente baixo, normalmente ocorrerá


algum evento positivo no negócio que lhe dará a chance de vendê-la com um lucro decente,
mesmo se o desempenho de longo prazo da empresa for terrível. Eu chamo essa abordagem
de investimento de “bituca de cigarro”. Uma bituca de cigarro encontrada na rua pode não dar a
melhor experiência de fumar, mas como é uma “barganha”, qualquer tragada já vai ser um
lucro.

A menos que você seja um liquidador, esse tipo de abordagem para comprar negócios
é insensata. Primeiro porque o preço de “barganha” provavelmente não vai se mostrar tão bom
assim no fim das contas. Em ramos complicados, um problema surge logo depois de solucionar
outro - nunca tem apenas uma única barata na cozinha. Segundo, qualquer vantagem inicial
que você tiver será corroída pelo baixo retorno que o negócio tem. Por exemplo, se você
comprar um negócio por U$ 8 milhões que pode ser vendido ou liquidado a U$ 10 milhões e a
ação tiver uma alta súbita, você pode fazer um bom dinheiro. Mas esse mesmo investimento
será decepcionante se o negócio for vendido a U$ 10 milhões só dali a 10 anos e ter distribuído
apenas alguns pontos percentuais sobre os magros ganhos nesse ínterim. O tempo é amigo
dos negócios incríveis e inimigo dos negócios medíocres.

23
Humorista americano.
24
Brincadeira com o fato de que cachorros costumam andar em círculos ao redor do local onde querem
dormir.
Você pode pensar que esse princípio é óbvio, mas eu tive que aprendê-lo do jeito difícil
- na verdade, tive que aprendê-lo várias vezes. Pouco depois de adquirir a Berkshire, eu adquiri
uma loja de departamentos em Baltimore, a Hochschild Kohn, comprando por meio de uma
empresa chamada Diversified Retailing, que mais tarde se fundiu com a Berkshire. Eu a
comprei com um desconto substancial sobre o valor patrimonial, as pessoas de lá eram de
primeira linha e o negócio ainda veio com alguns extras - valores imobiliários não declarados e
um belo colchão de estoque LIFO25. O que poderia dar errado? E então… três anos depois, tive
sorte de vender o negócio pelo mesmo preço que comprei. Depois de acabar com nosso
casamento corporativo com a Hochschild Kohn, tive lembranças parecidas com a do marido na
música “My Wife Ran Away With My Best Friend and I Still Miss Him a Lot.”26

Eu poderia te dar outros exemplos pessoais desse desvario de “comprar barganhas”,


mas tenho certeza que você já entendeu: é muito melhor comprar uma empresa maravilhosa a
um preço razoável do que uma empresa razoável a um preço maravilhoso. Charlie entendeu
isso logo de cara; eu demorei a aprender. Mas agora, ao comprar empresas inteiras ou
participações acionárias, buscamos pelos melhores negócios com gestores de primeira linha.

Isso nos traz para a segunda lição: bons jóqueis vão se dar bem em bons cavalos, não
em pangarés. Tanto o negócio têxtil da Berkshire quanto a Hochschild Kohn tinham pessoas
honestas tocando as empresas. Os mesmos gestores em um negócio com bons fundamentos
econômicos teriam atingido grandes resultados. Mas eles nunca iriam deslanchar correndo
sobre areia movediça.

Eu já disse várias vezes que quando uma gestão de reputação brilhante assume um
negócio de reputação ruim, normalmente é a reputação do negócio que se mantém intacta. Eu
gostaria que eu não tivesse sido tão hábil em fazer más escolhas. Meu comportamento se
equiparou ao de Mae West: “Eu era a Branca de Neve, mas aí desandei.”

Mais uma lição relacionada: o fácil é melhor. Depois de 25 anos comprando e


supervisionado um leque variado de negócios, Charlie e eu não aprendemos a solucionar
problemas corporativos difíceis. O que aprendemos foi como evitá-los. Um dos motivos de
termos obtido sucesso está no fato de termos nos concentrado em identificar barreiras baixas
que pudéssemos simplesmente erguer a perna e passar ao invés de aprender a saltar barreiras
altas.

Essa descoberta pode não parecer justa, mas tanto em negócios quanto em
investimentos costuma ser muito mais lucrativo se manter com o que é fácil e óbvio do que
resolver o que é difícil. De vez em quando problemas difíceis devem ser solucionados, como foi

25
Vindo de ​last-in-first-out (último a entrar é o primeiro a sair), é um fluxo de custos que as companhias
americanas podem usar para “mover” os custos dos produtos em estoque para os custos dos produtos
vendidos. Com o LIFO, os custos mais recentes de produtos comprados (ou produzidos) são os
primeiros gastos declarados como custos de produtos vendidos.
26
Em português, “Minha esposa fugiu com meu melhor amigo e eu ainda sinto muitas saudades dele.”
o caso quando começamos a circular nossa edição de jornal dominical em Buffalo. Em outros
momentos, uma enorme oportunidade de investimento surge quando um negócio maravilhoso
encontra um gigantesco, mas solucionável, problema, como foi o caso anos atrás com a
American Express e a GEICO. De maneira geral, no entanto, temos tido melhores resultados
ao evitar dragões do que ao enfrentá-los.

Indo para outra seara, minha descoberta mais surpreendente foi: a esmagadora
importância de uma força invisível que podemos chamar de “o imperativo institucional.” Na
faculdade de administração, eu não tinha a menor ideia da existência desse imperativo, assim
como não tinha um entendimento intuitivo dele quando entrei no mundo dos negócios. Eu
pensava na época que gestores decentes, inteligentes e com experiência iriam sempre tomar
decisões racionais. Mas aprendi ao longo do tempo que não é bem assim. Na verdade, a
racionalidade frequentemente murcha quando o imperativo institucional entra em cena.

Por exemplo: (1) Como se estivesse sendo governada pela Primeira Lei de Newton,
uma instituição irá resistir a qualquer mudança em sua atual direção; (2) Assim como o trabalho
se expande para ocupar todo o tempo disponível, projetos corporativos ou aquisições irão se
materializar para absorver todos os fundos; (3) Quando o líder de uma empresa tem vontade
de fazer alguma aquisição, por mais insensata que seja, será rapidamente apoiado por
detalhados estudos estratégicos elaborados por suas tropas; e (4) O comportamento de outras
empresas do mesmo setor, seja de expansão, aquisição, pagamento de bônus, ou o que seja,
será imitado por todas as outras sem pensar duas vezes.

As dinâmicas institucionais, não a venalidade ou estupidez, é que colocam os negócios


nessas rotas, que também costumam estar erradas. Após cometer alguns erros caros por
ignorar o poder do imperativo, eu tentei organizar e gerenciar a Berkshire de forma a minimizar
essa influência. Além disso, Charlie e eu temos tentado concentrar nossos investimentos em
companhias que também pareçam estar atentas a esse problema.

Após alguns outros erros, aprendi a entrar em negócios somente com pessoas que eu
gosto, confio e admiro. Como já mencionei outras vezes, essa política, por si só, não garante
sucesso: uma empresa têxtil ou loja de departamento de segunda mão não irá prosperar
simplesmente porque seus gestores são pessoas que você gostaria que fossem candidatos a
se casar com sua filha. No entanto, um dono - ou investidor - pode conquistar muito se
conseguir se associar com pessoas assim em negócios que possuam características
econômicas decentes. Por outro lado, não queremos nos enturmar com gestores que não
possuam qualidade admiráveis, não importa quão atrativos sejam os prospectos de suas
empresas. Nós nunca conseguiremos fazer um bom negócio com uma pessoa ruim.

Alguns de meus piores erros não foram visíveis a ninguém. Eles se encaixam na
categoria de ações e negócios cujas virtudes eu entendia, mas mesmo assim, não comprei.
Não é pecado algum perder uma grande oportunidade fora de seu círculo de competência. Mas
eu deixei passar enormes oportunidades que eu entendia completamente e que me foram
servidas de bandeja. Para os acionistas da Berkshire, incluindo eu mesmo, o custo dessa falta
de ação foi enorme.

Nossas políticas financeiras consistentemente conservadoras podem parecer um erro,


mas ao meu ver, não são. Em retrospecto, fica claro que uma alavancagem significativamente
maior, mas ainda dentro dos padrões, teria produzido um retorno sobre patrimônio para a
Berkshire consideravelmente maior do que a nossa média atual de 23,8% ao ano. Mesmo em
1965 talvez pudéssemos ter julgado que havia 99% de chance de uma alavancagem trazer
apenas benefícios. Da mesma forma, poderíamos ter visto que apenas 1% de chance de algum
choque, interno ou externo, seria suficiente para fazer com que um nível de endividamento
considerado comum resultasse em algo entre angústia temporária e falência.

Nós não teríamos gostado dessa chance de 99:1 - e nunca iremos gostar. Uma
pequena chance de sofrimento ou desgraça não pode, em nossa visão, ser compensada por
uma enorme chance de retornos extras. Se suas atitudes são sensatas, você certamente terá
bons resultados; na grande maioria dos casos, a alavancagem simplesmente faz as coisas
andarem mais rápido. Charlie e eu nunca tivemos muita pressa: nós gostamos muito mais do
processo do que dos rendimentos - embora tenhamos aprendido a viver muito bem com estes
últimos.

* * * * * * * * * * * *

Nós esperamos passar por mais 25 anos para reportar os erros aprendidos no
quinquagésimo aniversário da Berkshire. Se estivermos por aqui em 2015, pode ter certeza que
esta seção ocupará muito mais páginas do que a deste ano.

Miscelânea

Nós gostaríamos de comprar mais negócios que sejam similares aos que nós já temos,
e adoraríamos receber ajuda de vocês. Se você conhece alguma empresa que se encaixe nos
critérios a seguir, me ligue ou, preferencialmente, escreva.

Eis o que buscamos:


(1) Grandes compras (pelo menos U$ 10 milhões em ganhos após impostos),
(2) Poder de geração de caixa consistente e já provado (projeções futuras e
turnarounds​ não chamam nossa atenção),
(3) Negócios que tenham bons retornos sobre o patrimônio líquido usando pouca ou
nenhuma dívida,
(4) Uma gestão que já esteja enraizada (nós não podemos fornecer pessoas),
(5) Negócios simples (se tiver muita tecnologia, não iremos entender),
(6) Um preço para negociação (não queremos perder o nosso tempo, nem de quem
quer nos vender, com conversas sobre uma transação que sequer tenha um
preço).

Nós não iremos nos envolver com negociações que não sejam amigáveis. Podemos
prometer total confidencialidade e uma resposta bem rápida - normalmente, em cinco minutos -
para dizer se temos interesse ou não. Nós preferimos compras em dinheiro, mas iremos
considerar a emissão de ações se formos receber tanto valor intrínseco quanto iremos dar.

Nosso formato favorito de compra é um que se encaixe no molde


Blumkin-Friedman-Heldman. Em casos assim, os gestores normalmente desejam gerar
quantias significativas de dinheiro, às vezes para eles próprios, mas também para suas famílias
ou acionistas inativos. No entanto, esses mesmos gestores também querem continuar com
uma posição acionária relevante ao mesmo tempo em que continuam tocando a empresa da
mesma forma que vinham fazendo ao longo dos anos. Nós acreditamos que a Berkshire é uma
boa opção para donos cujos objetivos sejam esses e convidamos potenciais vendedores a
verificar nossa idoneidade com pessoas as quais já fizemos negócios no passado.

Frequentemente são oferecidos ao Charlie e a mim negócios que não chegam nem
perto de passar por nosso crivo: descobrimos que se anunciarmos que queremos comprar um
Border Collie, muitas pessoas irão entrar em contato oferecendo Cocker Spaniels. Nosso
interesse por negócios “disruptivos”, ​turnarounds ou coisa do tipo pode ser expresso por outra
frase da Sam Goldwyn27: “Por favor, não me inclua nisso.”

Além de estarmos interessados na compra de empresas inteiras, como descrito acima,


também temos interesse em compras negociadas de grandes, mas não controladores, blocos
de ações, como foi o caso de nossa compra da Cap Cities, Salomon, Gillette, USAir e
Champion. Ano passado dissemos que tínhamos um interesse especial em grandes compras
de ações preferenciais conversíveis. Ainda temos apetite por esse tipo de compra, mas com
limites. Estamos nos aproximando do limite máximo que sentimos ser apropriado para esse tipo
de investimento.

* * * * * * * * * * * *

Dois anos atrás, eu contei a vocês sobre a história de Harry Bottle, que em 1962
rapidamente arrumou uma enorme bagunça que fiz na primeira companhia industrial que
controlei, a Dempster Mill Manufacturing (uma das minhas compras por “barganha”) e que, 24
anos depois, surgiu novamente para me resgatar, dessa vez dos problemas da K&W Products,
uma pequena subsidiária da Berkshire que produz peças automotivas. Como eu havia dito, em
pouco tempo Harry reduziu o capital empregado na K&W, racionalizou a produção, cortou
custos e quadruplicou os lucros. Você poderia imaginar que ele iria dar uma pausa para

27
Produtor americano de filmes.
recuperar o fôlego, certo? Mas no ano passado, Harry, agora com 70 anos, participou de um
leilão de falência e, por uma ninharia, adquiriu uma linha de produtos que se encaixa
perfeitamente com a K&W. A lucratividade da empresa pode aumentar em até 50% por conta
disso. Fique ligado à esta seção para futuras menções aos triunfos de Harry.

* * * * * * * * * * * *

Depois de mais de um ano de experiência negociando ações da Berkshire na New York


Stock Exchange, nosso especialista, Jim Maguire, da Henderson Brothers, Inc. (“HBI”),
continua a ter um desempenho excelente. Antes de nossas ações serem listadas, os ​spreads
de venda costumavam ficar na casa dos 3% em relação ao valor de mercado. Jim tem mantido
o ​spread a 50 pontos-base (0,5%) ou menos. Os acionistas que compram ou vendem têm se
beneficiado de forma significativa dessa redução nos custos transacionais.

Como estamos muito satisfeitos com nossa experiência com Jim, HBI e a NYSE, fiz
questão de dizer isso em uma série de anúncios da própria NYSE. Normalmente evito dar
depoimentos, mas, nesse caso, fiquei satisfeito em poder elogiar publicamente a bolsa.

* * * * * * * * * * * *

No verão passado, vendemos o jato corporativo que pagamos U$ 850 mil três anos
atrás e compramos outro jato usado por U$ 6,7 milhões. Aqueles que se lembrarem da
matemática por trás da multiplicação de bactérias mencionada no início desta carta irão,
compreensivelmente, entrar em pânico: se nosso patrimônio líquido continuar a crescer nas
taxas atuais e o custo de substituição de jatos continuar a subir na taxa agora estabelecida de
100% ao ano, não vai demorar muito para que todo o patrimônio da Berkshire seja consumido
por seu próprio jato.

Charlie não gosta quando eu comparo o jato com bactérias; ele acha que é uma ofensa
às bactérias. A concepção dele de viajar com luxo é um ônibus com ar-condicionado,
extravagância que ele aproveita somente quando as passagens estão com boas promoções.
Minha própria atitude em relação ao jato pode ser resumida pela oração atribuída
apocrifamente a São Agostinho quando ele contemplou deixar uma vida de prazeres para se
tornar um padre. Se desgastando com o conflito entre intelecto e instinto, ele implorou: “Me
ajude, ó Senhor, a me tornar casto - mas não agora.”

Dar um nome ao avião não tem sido fácil. Eu inicialmente sugeri “O Charles T. Munger.”
Charlie deu o troco e sugeriu “A Aberração.” Por fim, concordamos em chamar de “O
Indefensável.”

* * * * * * * * * * * *
Cerca de 96,9% de todas as ações elegíveis participaram do programa de doações da
Berkshire de 1989. As contribuições levantadas pelo programa foram de U$ 5,9 milhões, e
2.550 instituições de caridade foram contempladas.

Pedimos que os novos acionistas leiam a descrição de nosso programa de doações nas
páginas 52-53. Se você deseja participar dos programas futuros, pedimos encarecidamente
que você se certifique que suas ações estejam registradas em seu próprio nome, não de
terceiros ou de uma corretora ou banco. Ações que não estiverem registradas até 31 de agosto
de 1990 não poderão participar do programa de 1990.

* * * * * * * * * * * *

O encontro anual deste ano irá acontecer às 9:30h da segunda-feira, 30 de abril de


1990. A participação cresceu no ano passado para cerca de mil pessoas, quantidade muito
próxima à capacidade total do Witherspoon Hall no Joslyn Museum. Dessa forma, o encontro
deste ano ocorrerá no Orpheum Theater, que fica no centro de Omaha, a cerca de 400 metros
do Red Lion Hotel. A Radisson-Redick Tower, um hotel muito menor, mas ainda assim bem
aconchegante, fica do outro lado da rua do Orpheum. Ou talvez você prefira ficar no Marriott,
que fica na zona oeste de Omaha, cerca de 100 metros da Borsheim’s. Nós teremos ônibus
saindo às 8:30h e 8:45h do Marriott para levar vocês até o evento, voltando quando o mesmo
terminar.

Charlie e eu sempre gostamos desses encontros e esperamos que você consiga vir. A
qualidade de nossos acionistas se reflete na qualidade das perguntas que recebemos: nós
nunca fomos a nenhum outro encontro anual que tenha perguntas tão inteligentes e
consistentes feitas pelos acionistas.

O material em anexo explica como você pode obter o cartão necessário para ser
admitido no evento. Como vagas para estacionar perto do Orpheum podem ser difíceis de
achar durante dias de semana, nós reservamos alguns estacionamentos nas redondezas para
uso de nossos acionistas. O material também tem informações sobre isso.

Como de costume, teremos ônibus que levarão vocês até o Nebraska Furniture Mart e a
Borsheim’s depois do encontro e ao hotel ou aeroporto depois. Espero que vocês reservem
tempo suficiente para ver tudo o que essas lojas têm para oferecer. Aos que chegarem alguns
dias antes, vocês podem visitar o Furniture Mart qualquer dia da semana; a loja fica aberta das
10h às 17:30h aos sábados e das 12:00h às 17:30h aos domingos.

Borsheim’s normalmente fica fechada aos domingos, mas iremos abrir aos acionistas e
seus convidados das 12:00h às 18:00h no domingo, 29 de abril. Ike gosta de fazer um show, e
pode ter certeza que ele irá preparar algo especial para vocês.
Nesta carta, falamos bastante sobre retornos compostos. Se você puder suportar um
retorno negativo por um dia - não é algo bonito de se fazer, eu admito - visite o Ike no dia 29.

Warren E. Buffett
Presidente do conselho

2 de março de 1990
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1990.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

No ano passado, fizemos uma previsão: “Uma redução [no patrimônio líquido da
Berkshire] é quase certo de acontecer ao menos em um dos três próximos anos.” Durante boa
parte do segundo semestre de 1990 nós estávamos no caminho de mostrar que essa previsão
estava certa. Mas uma leve alta no preço das ações no final do ano fez com que fechássemos
1990 com um aumento no patrimônio líquido de U$ 362 milhões, ou 7,3%. Ao longo dos últimos
26 anos (isto é, desde que assumimos o controle da empresa), nosso valor patrimonial por
ação saiu de U$ 19,46 para U$ 4.612,06, o que equivale a uma taxa de 23,2% ao ano.

Nossa taxa de crescimento ficou meio apagada em 1990 porque nossas quatro
principais posições acionárias, em geral, tiveram pouca alteração em seus valores de mercado.
Ano passado, eu disse a vocês que embora essas empresas - Capital Cities/ABC, Coca-Cola,
GEICO e Washington Post - tivessem ótimos fundamentos e ótimos gestores, um amplo
reconhecimento dessas vantagens já havia acontecido, levando os preços das ações dessas
quatro empresas a patamares mais altos. Os valores de mercado das duas companhias de
mídia dessa lista caíram bastante desde então - por boas razões baseadas na evolução da
indústria, algo que irei discutir mais tarde - e o preço da ação da Coca-Cola subiu
significativamente, também por boas razões. De maneira geral, os preços das ações das
nossas “quatro posições permanentes”, embora longe de sedutores, se tornaram um pouco
mais atrativos do que estavam há um ano.

O recorde de 26 anos da Berkshire é inútil para tentar prever os próximos resultados; o


mesmo é válido para recordes obtido em um ano específico. Continuamos mirando em um
ganho anual de 15% no valor intrínseco. Mas, como vocês já estão carecas de saber, esse
objetivo se torna cada vez mais difícil de alcançar conforme nosso patrimônio, atualmente em
U$ 5,3 bilhões, aumenta.

Se atingirmos essa média de 15%, nossos acionistas podem ficar despreocupados. No


entanto, os ganhos corporativos da Berkshire irão produzir um ganho idêntico ao acionista
somente se ele(a) decidir vender suas ações na mesma relação de valor intrínseco que existia
quando ele as comprou. Por exemplo, se você comprar as ações com um prêmio de 10% sobre
o valor intrínseco; se o valor intrínseco tiver um ganho subsequente composto de 15%; e se
você vender as ações com 10% de prêmio sobre o valor intrínseco, seu próprio retorno será
exatamente de 15% composto. (O cálculo assume que não há pagamento de dividendos no
período.) Se, no entanto, você compra com um certo prêmio e vende com um prêmio
levemente menor, seu retorno também será levemente menor do que o crescimento obtido pela
empresa no período.
Idealmente, o resultado de cada acionista da Berkshire deveria ser muito próximo
daquele obtido pela companhia durante o período em que as ações permanecessem sob sua
custódia. É por isso que Charlie Munger, vice-presidente da Berkshire e meu sócio, e eu
gostaríamos que a Berkshire fosse negociada consistentemente a seu valor intrínseco. Nós
preferimos essa firmeza do que a volatilidade ignoradora de preços que ocorreu nos últimos
dois anos: em 1989, o valor intrínseco cresceu menos do que o valor patrimonial, que
aumentou 44%, enquanto que o valor de mercado subiu 85%; em 1990, o valor patrimonial e
valor intrínseco aumentaram a taxas módicas, enquanto que o valor de mercado caiu 23%.

O valor intrínseco da Berkshire continua sendo maior que o valor patrimonial por uma
ampla margem. Nós não podemos dar um número exato porque o valor intrínseco é, por
natureza, uma estimativa; Charlie e eu podemos, na verdade, diferir em até 10% em nossas
avaliações. Nós sabemos, no entanto, que somos donos de negócios excepcionais que valem
bem mais do que são mostrados em nossos livros contábeis.

Boa parte do valor extra que existe em nossos negócios foi criado pelos gestores
responsáveis por eles. Charlie e eu nos sentimos confortáveis em falar bem desse grupo de
pessoas porque não tivemos relação alguma com o desenvolvimento de suas habilidades: elas
já vieram assim. Nosso trabalho não é nada mais do que identificar gestores talentosos e
oferecer um ambiente em que eles possam fazer sua mágica. Ao fazerem isso, eles enviam
dinheiro de volta ao nosso escritório, e então encaramos a nossa outra função: a alocação
inteligente desses fundos.

Meu próprio papel nas operações é melhor exemplificado por um pequeno


acontecimento envolvendo minha neta, Emily, e sua quarta festa de aniversário no outono
passado. Os convidados eram outras crianças, parentes adoráveis e Beemer, o Palhaço, um
animador local que também faz mágicas.

Ao começar seus truques, Beemer pediu que a Emily o ajudasse ao tocar a “varinha
mágica” na “caixa de surpresas”. Lenços verdes entraram na caixa, Emily balançou a varinha, e
Beemer retirou lenços azuis de lá. Lenços desdobrados entravam na caixa e, com um toque
mágico de Emily, saíam amarrados uns aos outros. Após quatro tipos de transformações assim,
cada uma mais incrível do que o outra, Emily não se conteve. Com brilho nos olhos, ela disse
de maneira exultante: “Caramba, eu sou muito boa nisso.”

É essa a minha contribuição ao desempenho dos mágicos/gestores da Berkshire - os


Blumkin, os Friedman, Mike Goldberg, os Heldman, Chuck Huggins, Stan Lipsey e Ralph
Schey. Eles merecem todos os aplausos.

Fontes dos ganhos reportados


A tabela a seguir mostra as principais fontes de ganhos reportados pela Berkshire.
Nessa forma de apresentação, a amortização do ​goodwill e outros ajustes contábeis do preço
de compra não são descontados das empresas específicas das quais fazem parte, mas são
aglutinados e mostrados em separado. Essa abordagem permite que você veja os ganhos
reportados pelos negócios da mesma forma que você os veria caso não os tivéssemos
comprado. Eu expliquei, em cartas passadas, o motivo desse tipo de apresentação nos parecer
ser mais útil aos investidores e gerentes do que a que utiliza os valores GAAP1, que requerem
que os ajustes de preço sejam feitos empresa a empresa. O ganho líquido que mostramos na
tabela é, obviamente, idêntico ao valor GAAP presente em nossos balanços auditados.

Uma boa quantidade de informação adicional a respeito desses negócios é dada


nas páginas 39-46​, onde você também irá encontrar os ganhos segmentados reportados nos
termos GAAP. Para informações a respeito da Wesco, peço que você ​leia a carta de Charlie
Munger, que começa na página 56​. A carta dele também contém a análise mais clara e
perspicaz da indústria bancária que já vi.

1
​Generally Accepted Accounting Principles​. Conjunto de regras e diretrizes contábeis para a
apresentação dos resultados das companhias.
* Excluindo gastos com juros da Scott Fetzer Finacial Group e da Mutual Savings & Loan.

Nós também recomendamos que você leia as páginas 47-53​, onde rearranjamos os
dados financeiros da Berkshire em quatro segmentos. Eles correspondem à forma com que
Charlie e eu enxergamos a Berkshire, e devem te ajudar a calcular o valor intrínseco da
empresa mais do que os valores consolidados. Nas páginas mencionadas, mostramos os
balanços e ganhos para: (1) nossas operações de seguros, com seus principais investimentos
acionários separados em itens; (2) nossos negócios de manufatura, editorial e de varejo,
deixando de lado alguns ativos não-operacionais e ajustes contábeis no preço de compra; (3)
nossas subsidiárias envolvidas em operações financeiras, que são a Mutual Savings e a Scott
Fetzer Financial; e (4) uma categoria de miscelânea, que inclui ativos não-operacionais
(principalmente títulos e valores mobiliários) detidos pelas companhias do segmento (2),
ajustes contábeis de preço e vários outros ativos e passivos da Wesco e da Berkshire.

Se você combinar os ganhos e patrimônios líquidos desses quatro segmentos, você


chegará ao valor GAAP total mostrado em nossos resultados. No entanto, preciso enfatizar que
essa apresentação em quatro categorias não é de competência de nossos auditores, que de
forma alguma a aprovam.

Ganhos “​look-through​”

O termo “ganhos” (ou “lucros”) tem um sentido preciso. E quando o valor dos ganhos é
acompanhado por um certificado de um auditor incompetente, um leitor mais inocente pode
achar que tal valor tem a mesma precisão que o valor do número Pi calculado com dezenas de
casas decimais.

Na verdade, os ganhos podem ser tão flexíveis quanto massa de modelar quando um
charlatão toma conta da empresa que os reporta. Eventualmente a verdade vem à tona. Mas
no ínterim, muito dinheiro pode trocar de mãos. Algumas importantes fortunas americanas
foram criadas pela monetização de miragens contábeis.

Negócios escusos em contabilidade não são novidade. Para conhecedores de


trambiques, eu anexei ao ​Apêndice A, na página 22​, uma sátira não publicada de práticas
contábeis escrita por Ben Graham em 1936. Infelizmente, excessos similares aos que ele
zombou se tornaram recorrentes em declarações financeiras de grandes empresas
americanas, sendo devidamente certificados por conhecidos auditores. Claramente,
investidores devem sempre ficar atentos e usar os números contábeis como um início, e não
um fim, nas suas tentativas de calcular os reais “ganhos econômicos” resultantes deles.

Os próprios ganhos da Berkshire podem ser enganosos em uma diferente, porém


importante, forma: nós temos investimentos enormes em companhias (chamadas de
“investidas”) cujos ganhos são muito maiores do que os dividendos pagos, e nós registramos
nossa parcela de ganhos somente na proporção dos dividendos recebidos. O caso extremo é
da Capital Cities/ABC, Inc. Nossa participação de 17% nos ganhos da empresa foi de mais de
U$ 83 milhões no ano passado. Mesmo assim, apenas cerca de U$ 530 mil (U$ 600 mil em
dividendos e U$ 70 mil em impostos) entraram nos ganhos GAAP da Berkshire. Os mais de U$
82 milhões restantes permaneceram com a Cap Cities como ganhos retidos, que trabalham a
nosso favor, mas não são registrados em nossos livros contábeis.

Nossa perspectiva em tais ganhos “esquecidos, mas não perdidos” é simples: a forma
como eles são contabilizados não importa, mas sua posse e subsequente utilização, sim. Nós
não nos importamos se os auditores ouvem uma árvore cair no meio de uma floresta; nós nos
importamos com quem é o dono da árvore e o que é feito com ela em seguida2.

Quando a Coca-Cola usa os ganhos retidos para recomprar ações, a companhia


aumenta nossa participação percentual no que eu vejo como a franquia mais valiosa do mundo.
(A Coca-Cola, é claro, também usa os ganhos retidos para a criação de valor de várias outras
formas.) Ao invés de recomprar ações, a empresa poderia pagar esse excedente na forma de
dividendos, que poderíamos, então, usar para comprar mais ações da Coca-Cola. Esse seria
um cenário menos eficiente: por conta dos impostos que pagaríamos sobre os dividendos, nós
não conseguiríamos aumentar nossa participação da mesma forma que as recompras
permitem. Entretanto, se esse procedimento menos eficiente fosse empregado, a Berkshire
reportaria “ganhos” muito maiores.

Eu acredito que a melhor forma de pensar sobre nossos ganhos é em termos dos
resultados “​look-through​”, calculados da seguinte forma: pegue U$ 250 milhões, que é
aproximadamente o montante dos ganhos operacionais retidos de 1990 de nossas empresas
investidas; subtraia U$ 30 milhões pelos impostos incrementais que teríamos pago caso os U$
250 milhões tivessem sido distribuídos em dividendos; e adicione o restante, U$ 220 milhões,
aos nossos ganhos operacionais reportados de U$ 371 milhões. Assim, nossos ganhos
“​look-through​” de 1990 foram de U$ 590 milhões.

Como mencionei no ano passado, esperamos que nossos ganhos ​look-through


aumentem cerca de 15% ao ano. Em 1990, nós passamos com tranquilidade dessa marca.
Porém, não iremos alcançá-la em 1991. Nossas ações preferenciais da Gillette receberam um
chamamento, de forma que iremos convertê-las em ações ordinárias no dia 1 de abril. Isso irá
reduzir os ganhos reportados em cerca de U$ 35 milhões por ano e os ganhos ​look-through por
um menor, mas ainda significativo, montante. Adicionalmente, nossos ganhos com o setor de
mídia - tanto diretos quanto ​look-through - parecem indicar uma forte queda. Quaisquer que
sejam os resultados, nós iremos manter vocês informados anualmente sobre o nosso
desempenho sob uma ótica de ganhos ​look-through​.

Operações de empresas não-seguradoras

Dê mais uma olhada nos números da página 51​, que mostram um agregado dos
ganhos das nossas empresas que não são seguradoras. O ganho médio em 1990, após
impostos, sobre o patrimônio foi de 51%, resultado que teria colocado esse grupo de empresas
na colocação de número 20 na lista de 1989 da Fortune 500.

2
Referência ao questionamento filosófico de “Se uma árvore cai em uma floresta e não tem ninguém por
perto para ouvir, ela faz barulho?” A questão levantada concerne à observação e percepção dos fatos.
Dois fatores tornam esse retorno ainda mais impressionante. Primeiro, ele não foi
produzido com a ajuda de alavancagem: quase todas as nossas principais instalações são
nossas, não alugadas, e a pequena dívida que essas operações têm é basicamente coberta
pelo valor que as empresas possuem em caixa. Na verdade, se a métrica fosse o retorno sobre
os ativos - um cálculo que elimina o efeito da dívida nos retornos - nosso grupo ficaria no top 10
da Fortune.

Igualmente importante, nosso retorno não foi obtido por setores que oferecem
fundamentos econômicos maravilhosos a todas as empresas inseridas neles, tais como o setor
de cigarros ou de televisão. Pelo contrário, veio de um grupo de negócios que opera em
setores prosaicos, tais como venda de móveis, doces, aspiradores de pó e até armazenamento
de aço. A explicação é simples: nossos retornos incríveis vêm de gestores maravilhosos, não
de fundamentos econômicos fortuitos.

Vamos ver algumas das maiores operações:


● Foi um ano bem ruim para o varejo - especialmente para itens mais caros - mas
alguém se esqueceu de dizer isso para Ike Friedman, da Borsheim’s. As vendas
aumentaram em 18%. Esse é um percentual tanto para ​same-stores quanto para
all-stores​, uma vez que a Borsheim’s opera com apenas um estabelecimento.

E olha, que estabelecimento! Nós não podemos ter certeza (a maior parte das
joalherias finas é de capital fechado), mas acreditamos que a Borsheim’s tem
mais volume de vendas do que qualquer outra joalheria dos EUA, exceto pela
Tiffany’s em Nova York.

Borsheim’s jamais conseguiria resultados tão bons se nossa clientela fosse


composta apenas por pessoas da área metropolitana de Omaha, atualmente
com 600 mil habitantes. Nós já temos um grande percentual de ​market share no
mercado de joalherias em Omaha, de forma que o crescimento nessa área é
necessariamente limitado. Mas todos os anos o volume de negócios vindo de
clientes de outros locais tem aumentado drasticamente. Muitos deles visitam a
loja pessoalmente. Mas uma boa parte faz as compras por correspondência de
uma maneira que você irá achar curiosa.

Esses clientes pedem uma seleção de joias de um determinado tipo e valor -


digamos, esmeraldas no intervalo entre U$ 10 mil e U$ 20 mil - e nós enviamos
de cinco a dez peças dentro dessa especificação para que eles possam
escolher. No ano passado enviamos mais de 1.500 encomendas desse tipo, com
valores indo de menos de U$ 1 mil até centenas de milhares de dólares.

Essas encomendas são enviadas para todos os cantos do país, algumas delas
para pessoas que ninguém da Borsheim’s sequer chegou a conhecer
pessoalmente. (Mas todas elas sempre precisam ter boas referências.) Embora
o número de correspondências enviadas em 1990 tenha batido um recorde, Ike
já vem fazendo isso há décadas. Os misantropos vão ficar chocados com o quão
bem o nosso “sistema honrado” funciona: nós nunca tivemos um único extravio
ou passamos por uma situação de desonestidade com um cliente.

Nós atraímos clientes de todo o país porque temos algumas vantagens que
nossos competidores não conseguem igualar. O mais importante item da
equação é o nosso custo operacional, que fica em torno de 18% das vendas,
enquanto que a média de nossos concorrentes é de 40%. (Inclusos nos 18%
estão os custos de ocupação e compra, que algumas companhias jogam para o
item “Custo dos produtos vendidos.”) Assim como o Wal-Mart, com seu custo
operacional de 15%, vende seus produtos a preços que seus competidores não
conseguem cobrir - o que faz a empresa aumentar seu ​market share - o mesmo
acontece com a Borsheim’s. O mesmo racional aplicado em fraldas funciona
para diamantes.

Nossos preços baixos criam um alto volume de vendas, que por sua vez nos
permite ter um amplo estoque de produtos, tão grande quanto dez vezes o
tamanho de uma joalheria comum. Junte essa ampla seleção de joias e preço
baixo com um atendimento incrível e você irá entender como Ike e sua família
criaram um fenômeno no ramo joalheiro com origem em Omaha.

E que família eles são. A equipe de Ike conta sempre com seu filho, Alan, e seus
genros Marvin Cohn e Donald Yale. E quando o movimento aumenta - o que
ocorre com frequência - a esposa de Ike, Roz, e suas filhas, Janis e Susie, se
juntam ao time. Mais ainda, Fran Blumkin, esposa de Louie (presidente do
Nebraska Furniture Mart e primo de Ike), frequentemente dá uma ajuda também.
Por fim, você ainda irá encontrar Rebecca, mãe de Ike, atualmente com 89 anos,
na loja na maioria das tarde com o Wall Street Journal em mãos. Com um
comprometimento familiar desses, é mesmo surpreendente que a Borsheim’s
esteja tão à frente de competidores cujos gerentes pensam apenas o quanto
falta para dar o horário da loja fechar?

● Enquanto Fran Blumkin estava ajudando a família Friedman a quebrar recordes


na Borsheim’s, seus filhos Irv e Ron, juntos com seu marido Louie, estavam
quebrando recordes no Nebraska Furniture Mart. As vendas na nossa única loja
foram de U$ 159 milhões, aumento de 4% em relação a 1989. Novamente,
embora esse fato não possa ser conclusivamente provado, acreditamos que o
NFM tem quase o dobro de volume do que qualquer outra loja de móveis no
país.

A fórmula de sucesso do NFM é parecida com a da Borsheim’s. Primeiro, o


custo operacional é muito baixo - 15% em 1990 contra 40% da Levitz, a maior
rede varejista de móveis no país, e 25% da Circuit City Stores, o líder varejista
de eletrônicos e eletrodomésticos. Segundo, os baixos custos do NFM permitem
que a empresa trabalhe com um preço bem menor do que seus competidores.
De fatos, redes maiores de lojas, sabendo o que irão encarar, ficam longe de
Omaha. Terceiro, o enorme volume gerado por nossos preços baixos nos
permite ter a maior seleção possível de produtos.

O poder das mercadorias do NFM pode ser entendido por meio de um estudo
recente sobre o comportamento dos consumidores em Des Moines3 em que a
nossa empresa ficou em terceiro lugar entre as 20 empresas de móveis da
cidade. Isso pode parecer não ter tanta importância até você notar que 19 destas
lojas estão localizadas em Des Moines, enquanto que nossa loja está a 210
quilômetros de distância. Isso mostra que os clientes de lá dirigem a distância de
Washington a Philadelphia apenas para comprar conosco, mesmo tendo uma
miríade de opções mais próximas. Com efeito, o NFM, assim como a
Borsheim’s, tem expandido de forma acelerada o território em que atende - não
pelo tradicional método de abrir novas lojas, mas pela criação de um campo de
atração irresistível que combina preços baixos e ampla seleção de produtos para
atrair clientes.

No ano passado, no Mart, um evento histórico ocorreu: eu passei pela


experiência de uma contra-revelação. Os leitores mais assíduos dessa
sequência de cartas sabem que eu tenho desdenhado há muito tempo de
executivos que ficam se gabando de sinergias, ridicularizando tais declarações
como uma forma de malandragem para defender aquisições insensatas. Mas
agora aprendi a lição: na primeira explosão sinérgica da Berkshire, o NFM
colocou um quiosque de doces da See’s na loja no fim do ano passado, que
vendeu mais do que algumas lojas já bem consolidadas da Califórnia. Esse
sucesso contradiz todos os princípios básicos de varejo. Entretanto, com os
Blumkin, o impossível já virou rotina.

● Na See’s, o volume físico vendido bateu um recorde em 1990 - mas por muito
pouco e apenas porque as vendas foram boas no começo do ano. Após a
invasão do Kuwait, o movimento em shoppings na costa oeste caiu. Nosso
volume em quilos vendido no Natal caiu um pouco, embora nossas vendas em
dólares tenham subido por conta de um aumento de 5% nos preços.

Esse aumento e um melhor controle de gastos melhoraram nossas margens de


lucro. Contra o cenário de um ambiente fraco em varejo, Chuck Huggins
entregou resultados impressionantes, como ele vem fazendo nos 19 anos desde

3
Cidade no estado de Iowa.
quando compramos a See’s. A marca de Chuck no negócio - um fanatismo
incrível com qualidade e atendimento - é visível em todas as nossas 225 lojas.

Um acontecimento em 1990 ilustra a relação próxima da See’s com seus


clientes. Depois de 15 anos de operação de nossa loja em Albuquerque, nosso
locador não queria renovar nosso contrato de aluguel, querendo nos transferir
para um lugar pior no shopping e cobrar um valor muito mais alto. Essa
mudança teria acabado com a lucratividade da loja. Depois que longas
negociações não nos levaram a lugar algum, marcamos uma data para fechar a
loja.

Por contra própria, a gerente da loja, Ann Flinkins, tomou as rédeas e pediu para
que os clientes protestassem contra o fechamento. Assim, 263 clientes enviaram
cartas e fizeram ligações para a matriz da See’s em San Francisco, em alguns
casos ameaçando boicotar o shopping. Um repórter atento de um jornal de
Albuquerque escreveu sobre a história. Suprido com essa evidência de revolta
dos clientes, nosso locador, então, nos ofereceu um bom negócio. (Ele também
se mostrou suscetível a contra-revelações.)

Após esse episódio, Chuck escreveu pessoalmente cartas para agradecer


nossos leais clientes e enviou vale-presentes para cada um. Ele replicou seu
agradecimento no jornal por meio de um anúncio e citou os nomes dos 263. O
resultado: as vendas de Natal em Albuquerque aumentaram substancialmente.

● Charlie e eu ficamos surpresos com o desenrolar da indústria de mídia no ano


passado, incluindo jornais como o nosso Buffalo News. O negócio mostrou muito
mais vulnerabilidade aos estágios iniciais de uma recessão do que no passado.
A questão é saber se essa erosão é apenas parte de um ciclo aberrante - a ser
totalmente recompensado na próxima recuperação - ou se o negócio teve uma
deterioração permanente em seus fundamentos econômicos.

Como eu não previ que isso aconteceria, você pode questionar minha habilidade
de prever o que pode acontecer em seguida. De qualquer maneira, irei proferir
um julgamento: enquanto muitas empresas de mídia ainda permanecerão como
maravilhas econômicas comparadas com a indústria americana em geral, elas
se mostrarão consideravelmente menos maravilhosas do que eu, a indústria ou
os credores imaginaram que seria há apenas alguns anos atrás.

A razão pela qual as empresas de mídia se mostraram tão incríveis no passado


não foi pelo crescimento físico, mas pelo incomum poder de precificação que a
maioria dos participantes exercia. Agora, no entanto, o dinheiro vindo de
anúncios está crescendo a taxas módicas. Mais ainda, negócios que fazem
pouca ou nenhuma propaganda (embora usem mala-direta às vezes) têm
gradualmente obtido ​market share em certas categorias de produtos. Mais
importante de tudo, o número de veículos anunciantes, tanto impressos quanto
eletrônicos, cresceu substancialmente. Como consequência, o dinheiro vindo de
propagandas está mais disperso, diminuindo o poder de precificação dos
fornecedores. Essas circunstâncias reduzem materialmente o valor intrínseco de
nossas maiores posições no setor e também da nossa unidade operacional, o
Buffalo News - embora o negócio continue sendo bem tocado.

Não obstante os problemas, a gestão de Stan Lipsey no News continua


impecável. Durante 1990, nossos ganhos foram bem melhores do aqueles de
jornais metropolitanos, caindo apenas 5%. No entanto, a ritmo de desaceleração
foi mais intenso nos últimos meses do ano.

Eu posso tranquilamente fazer duas promessas a respeito do News em 1991: (1)


Stan irá novamente ocupar o topo no ranking de melhores editores; e (2) os
ganhos irão diminuir substancialmente. Apesar da uma diminuição na demanda
por jornais, o preço por tonelada irá aumentar muito em 1991, assim como os
custos com mão-de-obra. Uma vez que as receitas irão diminuir, iremos encarar
um verdadeiro aperto.

Os lucros podem ter diminuído, mas o nosso orgulho sobre o produto se mantém
intacto. Continuamos a ter um ​news hole - percentual do jornal dedicado às
notícias - mais alto do que qualquer outro concorrente. Em 1990, o percentual
subiu para 52,3%, contra 50,1% em 1989. Infelizmente, esse aumento foi
resultado da queda no número de anúncios ao invés da adição de novas
páginas. Independente da pressão nos ganhos, nós iremos manter um ​news
hole mínimo de 50%. Diminuir a qualidade do produto não é uma resposta
apropriada para a adversidade.

● As notícias da Fechheimer, nossa fabricante e vendedora de uniformes, são


todas boas, com uma exceção: George Heldman, de 69 anos, decidiu se
aposentar. Eu tentei convencê-lo do contrário, mas ele tinha um argumento
irrefutável: com quatro outros Heldman - Bob, Fred, Gary e Roger - ele estaria
nos deixando com talento mais do que suficiente para tocar a empresa.

O desempenho operacional da Fechheimer melhorou consideravelmente em


1990 uma vez que a maior parte do problemas que a empresa encontrou em
integrar uma grande aquisição em 1988 foi atenuada ou resolvida. Entretanto,
alguns itens não recorrentes fizeram com que os ganhos reportados na tabela
que mostramos anteriormente não saíssem do lugar. Na operação de vendas,
nós continuamos a abrir novas lojas, tendo agora 42 delas em 22 estados. De
maneira geral, os prospectos são excelentes para a Fechheimer.
● Na Scott Fetzer, Ralph Schey administra 19 negócios com uma maestria que
poucos conseguem ao administrar apenas um. Além de supervisionar três
entidades ​listadas na página 6 - World Book, Kirby e Scott Fetzer
Manufacturing - Ralph dirige um operação financeira cujos ganhos recordes em
1990 foram de U$ 12,2 milhões (após impostos).

Se a Scott Fetzer fosse uma companhia única, ela estaria perto do topo da lista
da Fortune 500 em termos de retorno sobre patrimônio, embora ela não esteja
inserida em um setor que costume produzir vencedores. Os resultados
superiores que temos se devem ao Ralph.

Na World Book, os ganhos aumentaram mesmo com uma pequena redução no


volume de unidades vendidas. Os custos de nossa descentralização foram
consideravelmente menores em 1990 do que em 1989, e os benefícios dessa
mudança estão começando a se manifestar. World Book se mantém de longe a
enciclopédia mais vendidas nos EUA, e nossas vendas internacionais estão
crescendo, embora tal crescimento seja sobre uma base pequena.

O volume unitário da Kirby aumentou substancialmente em 1990 com a ajuda de


nosso novo aspirador de pó, The Generation 3, que teve um sucesso
estrondoso. Os ganhos não aumentaram no mesmo ritmos das vendas porque
gastos não previstos e problemas de produção foram encontrados no novo
produto. As vendas internacionais, cujo crescimento expressivo eu descrevi no
ano passado, teve um aumento de 20% nas vendas em 1990. Com o auxílio do
recente aumento de preços, esperamos ter excelentes ganhos com a Kirby em
1991.

Na Scott Fetzer Manufacturing Group, Campbell Hausfeld, sua maior unidade,


teve um ano particularmente bom. Essa companhia, líder nacional na produção
de pequenos e médio compressores de ar, atingiu um recorde de vendas de U$
109 milhões, sendo que mais de 30% veio de produtos introduzidos nos últimos
cinco anos.

************

Ao olhar os números dessas empresas, você irá notar que o patrimônio cresceu apenas
U$ 47 milhões em 1990, mesmo com ganhos de U$ 133 milhões. Isso não significa que nossos
gestores estão deixando de fazer investimentos que fortaleçam seus negócios ou promovam
crescimento. Pelo contrários, eles diligentemente buscam isso.

Mas eles também não alocam capital sem ter um bom motivo. O resultado: nos últimos
cinco anos, eles direcionaram mais de 80% dos ganhos para que Charlie e eu os
investíssemos em novas oportunidades de negócios e investimentos.
Operações de empresas seguradoras

Mostramos a seguir uma versão atualizada da nossa rotineira tabela com os principais
números da indústria de seguros de bens e acidentes.

Fonte: A.M. Best Co.

A taxa combinada representa os custos totais de seguros (perdas incorridas somadas


às despesas) comparados com as receitas dos prêmios: uma taxa abaixo de 100 indica lucro
com ​underwriting4; acima disso, prejuízo. Quanto maior a taxa, pior o ano. Quando a receita
obtida pela seguradora com os fundos das apólices (​float​) é levada em consideração, uma taxa
combinada no intervalo 107-111 costuma produzir um empate nos resultados, excluindo a
receita vinda dos fundos dos próprios acionistas.

Por motivos explicados em cartas passadas, a expectativa que temos é que as perdas
incorridas da indústria cresçam, em média, a 10% ao ano, mesmo em períodos em que a
inflação estiver baixa. (Nos últimos 25 anos, as perdas incorridas cresceram a uma taxa ainda
maior, de 11%.) Se o crescimento dos prêmios continuar a ficar muito atrás (​lag​) dos 10%, as
perdas com ​underwriting irão se acumular, embora a tendência da indústria em sub-provisionar
quando os negócios vão mal tenda a acobertar a real dimensão do problema durante um
tempo.

No ano passado, o crescimento dos prêmios ficou muito aquém dos 10% necessários, o
que fez com que os resultados de ​underwriting piorassem. (Na nossa tabela, no entanto, a
severa deterioração de 1990 foi mascarada pelas enormes perdas em 1989 pelo furacão Hugo,

4
Processo de subscrição. Se as práticas de subscrição gerarem contratos cujos prêmios excedam as
indenizações e demais despesas, o lucro subsequente elevará a capacidade da seguradora.
que fez com que a taxa daquele ano ficasse um pouco acima da média geral.) A taxa
combinada irá crescer novamente em 1991, provavelmente em dois pontos percentuais.

Os resultados irão melhorar somente quando as seguradoras começarem a correr dos


contratos, mesmo se eles puderem ser fechados a preços muito maiores do que os praticados
atualmente. Em algum momento os gestores vão entender a mensagem: a coisa mais
importante a se fazer quando se está em um buraco é parar de cavar. Porém, até o momento,
essa mensagem parece não ter sido bem compreendida: os gestores das seguradoras
continuam cavando - soturnamente, mas vigorosamente.

As coisas iriam mudar de figura se uma grande catástrofe financeira ou natural


ocorresse. Sem um choque desses, mais um ou dois anos serão necessários para que as
perdas com ​underwriting se tornem severas o suficiente para elevar o medo nos gestores a um
nível que faça os preços dos contratos subir vertiginosamente. Quando esse momento chegar,
a Berkshire estará pronta - tanto financeiramente quanto psicologicamente - para fechar muitos
contratos.

Enquanto isso não acontece, nosso volume de seguros continua a ser pequeno, mas
satisfatório. Na próxima seção deste relatório, iremos dar um panorama geral de como avaliar
os resultados de seguradoras. Nesta discussão, você irá entender o motivo de eu estar tão
entusiasmado sobre o desempenho de nosso gestor de seguros, Mike Goldberg, e seu quadro
de estrelas, Rod Eldred, Dinos Iordanou, Ajit Jain e Don Wurster.

Ao avaliar nossos resultados nesta seara nos próximos anos, você deve ficar ciente de
um tipo de negócio que estamos buscando e que pode trazer bastante volatilidade. Se essa
linha de negócios se expandir, como provavelmente irá ocorrer, nossa experiência com
underwriting irá se desviar do padrão que você imagina: em alguns anos, iremos exceder as
expectativas; em outros, ficaremos muito abaixo delas.

A volatilidade que estou falando reflete o fato de termos nos tornado grandes
vendedores de seguros contra catástrofes gigantescas (“super-cats”), que podem ser, por
exemplo, furacões, tempestades e terremotos. Os compradores desse tipo de apólice são
resseguradoras que também estão no ramo de venda apólices contra esse tipo de catástrofe
para seguradoras e que desejam dividir, ou se livrar, de parte da exposição a eventos com
esse grau de severidade. Como a necessidade de sinistro nessas situações irá ocorrer
somente em momentos de elevado stress - ou até caos - na indústria de seguros, eles buscam
por vendedores que sejam financeiramente robustos. E nesse ponto, temos uma enorme
vantagem competitiva: na indústria, nossa força e robustez não têm paralelo.

Um contrato super-cat típico é complicado. Mas em uma situação comum, podemos


fechar um contrato de U$ 10 milhões com duração de um ano com uma resseguradora, que
receberia esse montante somente se uma catástrofe tivesse dois efeitos: (1) um volume de
perdas para a resseguradora apenas acima de um determinado limiar; e (2) perdas somadas
para a indústria de seguros acima de, digamos, U$ 5 bilhões. Em virtualmente todas as
circunstâncias, perdas nos níveis do segundo critério também terão passado pelo primeiro.

Por essa apólice de U$ 10 milhões podemos receber um prêmio de, digamos, U$ 3


milhões. Considere ainda que recebemos um montante anual na casa de U$ 100 milhões de
apólices super-cat de todos os tipos. Em situações assim, provavelmente iremos reportar ou
um lucro de U$ 100 milhões ou uma perda acima de U$ 200 milhões. Note que nós não
diversificamos o risco como a maioria da seguradoras faz; nós o concentramos. Assim, nossa
taxa combinada anual quase nunca irá estar no intervalo 100-120 da indústria, mas sim ou
perto de zero ou em 300.

A maioria das seguradoras não consegue tolerar essas variações. E quando


conseguem tolerar, falta vontade para agir. Elas podem desistir desses contratos, por exemplo,
porque podem fechar uma quantidade enorme de seguros de propriedade que lhe dariam
resultados terríveis exatamente ao mesmo tempo em que passariam por prejuízos com
resseguros do tipo super-cat. Mais ainda, a maioria dos gestores acredita que seus acionistas
não gostam de resultados voláteis.

Nós podemos atuar de forma diferente: nosso volume de seguros de propriedade é


pequeno e acreditamos que os acionistas da Berkshire, quando bem informados, podem lidar
com volatilidade nos resultados desde que as variações também tragam o prospecto de
resultados superiores no longo prazo. (Charlie e eu sempre preferimos um resultado volátil de
15% do que um retorno suave de 12%.)

Queremos enfatizar três pontos: (1) Embora tenhamos a expectativa de que os


contratos super-cat irão produzir resultados satisfatórios ao longo de, digamos, uma década,
temos certeza que eles irão gerar resultados absolutamente terríveis em pelo menos um ano;
(2) Nossa expectativa tem pouco para se apoiar além de um julgamento subjetivo - para esse
tipo de seguro, dados de prejuízos históricos têm um valor muito limitado para nós, uma vez
que nós é quem decidimos quanto cobrar atualmente; e (3) Embora nosso desejo seja de
fechar muitos contratos super-cat, nós o faremos apenas quando acharmos que o preço
compensa o risco. Se a concorrência ficar otimista, nosso volume irá diminuir. Esse tipo de
seguro tem sido, na verdade, terrivelmente mal precificado nos últimos anos; a maioria dos
vendedores saíram do setor carregados em macas.

No momento acreditamos que a Berkshire é a maior empresa de contratos super-cat.


Então quando um grande terremoto ocorrer em uma área urbana ou uma tempestade de
inverno passar pela Europa, acenda uma vela por nós.

Medindo o desempenho de seguradoras


Na seção anterior eu mencionei o ​float​, que são os fundos que as seguradoras, ao
conduzirem seus negócios, ficam em posse durante um certo tempo. Como esses fundos
podem ser investidos, uma seguradora típica pode absorver perdas e despesas excedentes
aos prêmios em 7% a 11% e ainda ficar no empate com as receitas. Novamente, esse cálculo
exclui os ganhos que a seguradora realiza sobre o patrimônio líquido - isto é, os fundos
provenientes dos acionistas.

No entanto, muitas exceções a esse intervalo de 7% a 11% existem. Por exemplo,


seguros que cobrem perdas no plantio devido a granizo não produzem ​float algum. Prêmios
desse tipo são pagos às seguradoras imediatamente antes do granizo se tornar uma ameaça
real, e se um fazendeiro tiver prejuízo, ele é ressarcido quase que imediatamente. Assim, uma
taxa combinada de 100 para seguros de plantações contra granizo não produz lucro para a
seguradora.

Em um outro extremo, seguros contra más práticas de médicos, advogados e


contadores produzem um enorme montante de ​float comparado com o volume anual de
prêmios. O ​float se materializa porque os sinistros costumam acontecer muito tempo depois da
má prática ter ocorrido e porque o pagamento dos mesmos pode ser atrasado pelo processo de
litígio. A indústria chama as más práticas e outros tipos de seguros assim de “cauda longa”,
fazendo referência ao extenso período de tempo durante o qual a seguradora consegue manter
altas somas de dinheiro que, no final, irão para os contratados e seus advogados (e para os
advogados da seguradora também).

Em situações de cauda longa, uma taxa combinada de 115 (ou até acima disso) pode
se mostrar lucrativa, desde que os ganhos produzidos pelo ​float excedam os 15% a mais que
os sinistros e despesas tiveram em relação aos prêmios. O problema é que a “cauda longa”
significa exatamente isso: contratos fechados em um ano e que presumidamente produziram
uma taxa combinada de 115 podem eventualmente voltar para a seguradora como uma taxa de
200, 300 ou mais conforme os anos tiverem passado e os sinistros tiverem sido todos
acordados e pagos.

Os problemas com esses tipos de contratos exigem um princípio operacional que é


esquecido com frequência: embora algumas linhas de “cauda longa” possam ser lucrativas,
com taxas combinadas de 110 ou 115, as seguradoras invariavelmente não irão ver lucro em
preços estimados levando por base essas taxas como referência. No lugar disso, os preços
devem prover uma margem de segurança saudável o suficiente para acomodar as tendências
sociais que continuam a trazer caras surpresas para a indústria de seguros. Usar a própria taxa
de 100 como referência pode resultar em grandes perdas; mirar em 110-115 é suicídio
empresarial.

Dito tudo isso, qual deveria ser a métrica de lucro usada por uma seguradora? Os
analistas e gerentes costumam olhar sempre para a taxa combinada - e é verdade que essa
métrica normalmente se mostra uma boa indicação de quão lucrativa uma empresa é. No
entanto, acreditamos que uma métrica ainda melhor é a comparação da perda de ​underwriting
com o montante gerado pelo ​float.​

Essa taxa de perda/​float​, como qualquer estatística usada para avaliar os resultados de
uma seguradora, não tem sentido algum no curto prazo: valores trimestrais ou anuais de
underwriting são muito fortemente baseados em estimativas para serem confiáveis. Mas
quando a taxa é analisada em relação a uma janela maior de tempo, ela nos dá uma certa
indicação do custo dos fundos gerados pela operação de seguros. Um custo baixo para os
fundos indica um bom negócio; por outro lado, um custo alto é sinal de um negócio ruim.

A seguir, mostramos a perda com ​underwriting​, se houver, do nosso grupo de


seguradoras em cada um dos anos desde que entramos no setor, e relacionamos a última linha
com a média de ​float que mantivemos durante o ano. A partir desses dados, calculamos o
custo dos fundos gerados pelas seguradoras.
Os valores de ​float são derivados do total das reservas de perdas, reservas de ajustes
de perdas e reservas de prêmios não ganhos subtraídos dos balanços dos agentes, custos de
aquisição pré-pagos e cobranças diferidas aplicáveis ao resseguro assumido. Em outras
seguradoras, outros itens deveriam entrar no cálculo mas, em nosso caso, eles não têm
importância e foram ignorados.

Durante 1990, tivemos em mãos cerca de U$ 1,6 bilhão em ​float previstos para,
eventualmente, irem parar nas mãos de outras pessoas. A perda de ​underwriting que tivemos
no ano foi de U$ 27 milhões. Assim, nossa operação de seguros produziu fundos para nós a
uma taxa de cerca de 1,6%. Como a tabela mostra, nós conseguimos ter lucro com
underwriting em alguns anos; nessas instâncias, nosso custo de fundos foi menor do que zero.
Em outros anos, como em 1984, nós pagamos um preço bem alto pelo ​float​. Em 19 dos 24
anos que estamos no ramo de seguros, conseguimos fundos a um custo menor do que aquele
pago pelo governo.

Há dois importantes pontos sobre esse cálculo. Em primeiro lugar, não podemos contar
vantagem antes da hora. Nós só iremos saber os verdadeiros custos dos fundos no período
1967-1990 quando todas as perdas ao longo desses anos forem estabelecidas (daqui a muitas
décadas). Em segundo lugar, o valor que o ​float gera aos acionistas é prejudicado pelo fato de
que eles colocam seus próprios fundos para sustentar a operação de seguros, sendo assim
sujeitos a uma bitributação nos rendimentos que o ​float gera. Investimentos diretos seriam mais
eficientes de um ponto de vista fiscal.

A penalidade tributária que os investimentos indiretos impõem nos acionistas é, de fato,


substancial. Embora o cálculo seja necessariamente impreciso, eu estimaria que a penalidade
que eles pagam em uma seguradora comum adiciona cerca de um ponto percentual ao custo
do ​float​. Acho que essa é um valor em linha com a Berkshire também.

Descobrir o custo dos fundos de uma empresa de seguros permite que qualquer um
analise-a para determinar se a operação tem um valor positivo ou negativo para os acionistas.
Se esse custo (incluindo a penalidade tributária) é maior do que aplicar em fontes alternativas,
o valor é negativo. Se o custo é menor, o valor é positivo - e se o custo é significativamente
menor, a seguradora pode ser qualificada como um ativo muito valioso.

Até o momento, a Berkshire tem se enquadrado na categoria de custos muito baixos.


Mais impressionantes ainda são os números da GEICO, em que nossa participação é de 48%,
que costuma operar com lucro em ​underwriting​. O crescimento da GEICO tem gerado um
montante cada vez maior de fundos para investimento que têm um custo consideravelmente
menor do que zero. Essencialmente, os contratantes de apólices da GEICO pagam juros à
companhia, não o contrário. (Mas isso é uma via de mão dupla: a lucratividade incomum da
GEICO é resultado de uma eficiência operacional extraordinária e uma cautelosa classificação
de risco, uma combinação que, por sua vez, gera preços muito baixos para os contratantes.)
Por outro lado, muitas seguradoras bem conhecidas incorrem em um custo de
perda/​float que, combinado com a penalidade tributária, produz resultados negativos para os
acionistas. E em adição a isso, essas companhias, como todas as outras da indústria, são
vulneráveis a perdas com catástrofes que podem exceder a proteção dos resseguros e elevar o
custo do ​float a níveis estratosféricos. A menos que essas companhias consigam
materialmente melhorar seu desempenho de ​underwriting - e a história indica que isso é uma
tarefa quase impossível - seus acionistas irão experimentar resultados similares àqueles de um
banco que paga juros mais altos para a poupança do que cobra em empréstimos.

De maneira geral, o setor de seguros tem nos tratado muito bem. Expandimos nosso
float a um custo médio razoável e prosperamos porque conseguimos bons retornos em cima
desses fundos de baixo custo. Nossos acionistas, é verdade, incorreram em impostos extras,
mas foram mais do que compensados (até o momento) pelos benefícios produzidos pelo ​float​.

Um ponto particularmente encorajador sobre nosso histórico é que ele foi conquistado
mesmo com alguns erros colossais cometidos por este presidente que vos fala antes da
chegada de Mike Goldberg. O setor de seguros oferece uma miríade de oportunidades para
erros, e quando a oportunidade batia à porta eu frequentemente atendia. As contas desses
erros continuam a chegar muitos anos depois de terem sido cometidos: na indústria
seguradora, não há estatuto que limite a quantidade de estupidez a ser cometida.

O valor intrínseco de nossas empresas seguradoras será sempre mais difícil de calcular
do que o valor de, digamos, nossas companhias de chocolate ou de jornal. Por qualquer
métrica, no entanto, o negócio vale muito mais do que seu valor contábil. Além disso, apesar de
todos os problemas que essa operação nos dá de tempos em tempos, ela é a que tem maior
potencial entre todos os negócios maravilhosos que detemos.

Títulos e valores mobiliários

A seguir, listamos nossas participações societárias maiores do que U$ 100 milhões.


Uma pequena porção desses investimentos pertencem a algumas subsidiárias as quais a
Berkshire detém menos que 100%.
Uma letargia digna de um bicho-preguiça continua sendo o pilar do nosso estilo de
investimento: nesse ano nós não vendemos nem compramos uma ação sequer de cinco das
nossas seis maiores posições acionárias. A exceção foi o Wells Fargo, um banco
maravilhosamente bem administrado e de alto retorno, em que aumentamos nossa posição
para um pouco abaixo de 10%, valor mais alto que podemos ir sem precisar da aprovação do
conselho do Federal Reserve. Cerca de um sexto de nossa posição foi comprada em 1989, e o
resto em 1990.

O ramo bancário não é o nosso favorito. Quando os ativos estão em vinte vezes o
patrimônio - uma razão comum nessa indústria - erros em uma pequena parte dos ativos
podem destruir uma parte enorme do patrimônio. E os erros têm sido a regra, não a exceção,
em muito bancos grandes. A maioria foi resultado de uma falha de gestão que comentamos
ano passado ao discorrer sobre o “imperativo institucional”: a tendência de executivos em imitar
o comportamento de seus colegas sem pensar, não importa o quão insensato isso seja. Em
suas políticas de crédito, muitos banqueiros brincaram de “seguir o líder” sem zelo algum;
agora estão seguindo um destino inexorável de problemas.

Como a alavancagem de 20:1 magnifica os efeitos das vantagens e desvantagens


gerenciais, não temos interesse algum em comprar ações de um banco mal administrado a um
preço “barato”. No lugar disso, nosso único interesse é comprar bancos bem administrados e
preços razoáveis.

Com o Wells Fargo, acreditamos ter obtido os melhores gestores do ramo, Carl
Reichardt e Paul Hazen. Em várias maneiras, a combinação de Carl e Paul me lembra de outra
- Tom Murphy e Dan Burke na Capital Cities/ABC. Primeiro, cada par é mais forte do que a
soma das partes porque cada um entende, confia e admira o outro. Segundo, ambos os times
pagam bem as pessoas competentes, mas detestam ter mais gente do que o necessário. Por
fim, ambas as duplas se mantém em assuntos dos quais entendem e deixam suas habilidades,
não seus egos, determinarem o que devem fazer. (Thomas J. Watson Senior, da IBM, seguia a
mesma regra: “Eu não sou um gênio,” ele dizia. “Eu sou inteligente em algumas áreas - e
permaneço perto delas.”)
Nossa compra do Wells Fargo em 1990 teve a ajuda de um mercado caótico nas ações
de bancos. A desordem foi merecida: mês a mês, as decisões insensatas de empréstimos de
bancos uma vez respeitados eram exibidas para todo mundo. Conforme prejuízos enormes
foram sendo reportados um atrás do outro - normalmente seguidos de afirmações dos gestores
de que estava tudo bem - os investidores finalmente entenderam que nenhum banco merecia
confiança. Ajudados pela debandada das ações bancárias, nós compramos nossa participação
de 10% no Wells Fargo por U$ 290 milhões, menos de cinco vezes os lucros (depois de
impostos) e menos de três vezes o lucro (antes dos impostos).

Wells Fargo é grande - tem U$ 56 bilhões em ativos - e tem tido um ganho de mais de
20% sobre o patrimônio e 1,25% sobre os ativos. Nossa compra de um décimo do banco pode
ser vista como o equivalente a uma aquisição de 100% de um banco de U$ 5 bilhões com
características financeiras idênticas. Mas se fôssemos fazer esse tipo de aquisição, teríamos
pago mais do que o dobro que os U$ 290 milhões que desembolsamos pelo Wells Fargo. Além
disso, esse banco hipotético de U$ 5 bilhões, que certamente iria requerer um prêmio sobre o
preço, teria um problema adicional: ele não nos daria um Carl Reichardt para administrá-lo. Nos
últimos anos, os executivos do Wells Fargo têm contratado mais do que qualquer outro banco;
no entanto, ninguém conseguiu contratar uma pessoa no nível de Carl.

Obviamente, uma participação em um banco - ou em qualquer outro negócio - está


longe de não ter riscos. Os bancos da Califórnia enfrentam um risco específico envolvendo
grandes terremotos, o que pode gerar caos entre tomadores de crédito e os bancos que fazem
os empréstimos. Um segundo risco é sistêmico - a possibilidade de uma contração no setor ou
pânico financeiro tão severo que colocaria em risco quase todas as instituições alavancadas,
não importa o quão bem gerenciadas elas sejam. Por fim, o maior medo do mercado no
momento é que os imóveis da West Coast irão ter uma queda de preço por terem construído
além da demanda, o que pode trazer enormes prejuízos para os bancos que financiaram a
expansão. Como o Wells Fargo é o líder em empréstimos imobiliários, ele pode se mostrar
particularmente vulnerável a isso.

Nenhuma dessas eventualidades pode ser descartada. A probabilidade das duas


primeiras ocorrer é pequena, e mesmo uma queda significativa no setor imobiliário não tem o
potencial de causar grandes danos para instituições bem tocadas. Considere alguns números:
Wells Fargo lucra mais de U$ 1 bilhão anualmente (antes de impostos), mesmo depois de ter
despesas de mais de U$ 300 milhões com perdas em empréstimos. Se 10% dos U$ 48 bilhões
em empréstimos que o banco tem - incluindo os empréstimos para o setor de construção civil e
imobiliário - tivessem problemas em 1991 que gerassem perdas médias (incluindo juros
antecipados) de 30% sobre o principal, o banco ainda assim iria sair, mais ou menos, no
empate.

Um ano assim - que consideramos como uma possibilidade muito distante - não nos
deixaria preocupados. Para ser sincero, na Berkshire nós adoraríamos comprar um negócio ou
investir capital em projetos que não produzissem retornos em um ano, mas que tivessem
prospectos de ganhos de 20% sobre um patrimônio crescente. Mesmo assim, o medo de um
desastre imobiliário na Califórnia semelhante ao que ocorreu em New England fez com que o
preço da ação do Wells Fargo caísse quase 50% dentro de alguns meses em 1990. Embora já
tivéssemos comprado algumas ações a preços maiores antes da queda, nós aproveitamos a
queda e o pânico para comprar ainda mais.

Investidores que querem ser compradores ao longo de suas vidas devem adotar uma
atitude semelhante a essa em relação às flutuações de mercado; ilogicamente, a maioria fica
eufórica quando os preços sobem e triste quando caem. Eles não mostram esse mesmo
comportamento em relação aos preços de alimentos: sabendo que eles vão ter que comprar
comida para o resto da vida, eles agradecem quando os preços caem e ficam irritados quando
os preços sobem. (O vendedor da comida é que não gosta quando os preços ficam menores.)
De forma similar, no Buffalo News nós iríamos ficar bem contentes se o preço do papel de
jornal diminuísse - mesmo que isso significasse diminuir o valor do grande estoque de papel
que temos - porque sabemos que iremos comprar esse produto em perpetuidade.

Um raciocínio idêntico a esse guia o nosso pensamento sobre os investimentos da


Berkshire. Nós iremos comprar negócios - ou pequenas partes de um negócio, as ações - todos
os anos enquanto eu estiver vivo (e depois disso também, se os diretores da Berkshire
comparecem às sessões espíritas que já marquei). Dadas essas intenções, preços em queda
nos beneficiam e preços em alta nos prejudicam.

A principal causa de preços baixos é o pessimismo - que algumas vezes é pervasivo,


em outras é específico a uma companhia ou indústria. Nós preferimos fazer negócios nesse
tipo de cenário não porque gostamos de pessimismo, mas porque gostamos dos preços que
são consequência dele. O otimismo é que é o inimigo do comprador racional.

No entanto, nada disso significa que um negócio ou uma ação é uma compra inteligente
simplesmente porque é impopular; uma abordagem contrarian é tão insensata quando uma de
seguir a manada. O que precisamos fazer é pensar ao invés de apostar. Infelizmente, a
observação de Bertrand Russell sobre a vida em geral se aplica de forma brutal ao mundo
financeiro: “A maioria das pessoas prefere morrer do que pensar. Muitas conseguem.”

************

Outra grande alteração em nossa carteira no ano passado foi um grande aumento da
nossa parcela em títulos da RJR Nabisco, que começamos a comprar no fim de 1989. Ao fim
de 1990, tínhamos U$ 440 milhões investidos nesses títulos, uma quantia próxima ao valor de
mercado. (Enquanto escrevo isso, no entanto, o valor de mercado desses títulos aumentou
mais de U$ 150 milhões até o momento.)

Assim como adquirir participações no setor bancário é incomum para nós, o mesmo é
válido para compras de títulos de ​rating mais baixo. Mas oportunidades que nos interessam e
que são grandes o suficiente para causar impacto nos resultados da Berkshire são raros.
Dessa maneira, iremos sempre olhar para todas as categorias de investimento, desde que
entendamos o negócio e possamos comprar a um preço bem menor do que o valor. (Woody
Allen, em um contexto diferente, destacou a vantagem de ter uma cabeça aberta: “Não entendo
o motivo das pessoas não serem bissexuais. Isso dobra as suas chances de conseguir um
encontro num sábado à noite.”)

No passado, compramos alguns títulos com ​rating mais baixo com sucesso, muito
embora todos eles fossem da categoria “anjos caídos” - títulos que tinham um bom ​rating​, mas
que foram rebaixados quando os emissores passaram por maus bocados. Na carta de 1984,
explicamos nosso racional para comprar um anjo caído, a Washington Public Power Supply
System.

Um tipo de filho bastardo da categoria de “anjos caídos” surgiu na década de 1980 -


“​junk bonds​”, ou títulos que tiveram um ​rating muito baixo quando foram emitidos. Conforme a
década foi passando, novas ofertas de títulos assim se tornaram ainda piores, até que o
previsível aconteceu: ​junk bonds fizeram jus ao seu nome.5 Em 1990 - antes da recessão dar
as caras - o céu financeiro ficou escuro com os corpos de empresas em declínio.

Os discípulos das dívidas nos asseguraram que esse colapso não iria acontecer: uma
dívida imensa faria com que os gestores focassem seus esforços de maneira nunca antes
vista, da mesma forma que uma adaga presa ao volante de um carro faria o motorista dirigir
com mais cautela. Reconhecemos que isso certamente produziria um motorista bastante
atento. Mas qualquer consequência de um acidente seria mortal, como passar por um buraco
ou derrapar na pista em um dia chuvoso. As estradas no mundo dos negócios estão cheias de
buracos; um plano que envolve desviar de todos eles é um plano feito para dar errado.

No capítulo final de O Investidor Inteligente, Ben Graham rejeita a tese da adaga:


“Confrontado com o desafio de contar o segredo de bons investimentos com três palavras, nós
arriscamos o seguinte lema: margem de segurança.” Quarenta e dois anos depois de ler isso,
ainda penso que essas são as melhores palavras para descrever um bom investimento. A
incapacidade dos investidores em seguir essa mensagem simples fez com que as perdas
abissais em 1990 tivessem início.

No auge da euforia dos empréstimos, estruturas de capital foram criadas com a garantia
de falha: em alguns casos, tanta dívida foi emitida que até mesmo os resultados dos negócios
mais favoráveis não conseguiriam produzir fundos suficientes para quitá-la. Um flagrante caso
“natimorto” de alguns anos atrás envolveu a compra de uma estação de televisão bem
estabelecida em Tampa, comprada com tanta dívida que os juros eram maiores do que as
receitas da estação. Mesmo que toda a mão-de-obra, programas e serviços fossem doados ao
invés de comprados, essa estrutura de capital exigiria que as receitas explodissem - do

5
​Junk bonds​ podem ser traduzidos literalmente como “títulos lixo”.
contrário, a estação estaria condenada à falência. (Muitos dos títulos que financiaram as
compras foram vendidos para fundos de aposentadoria que, agora, estão quebrados; como um
bom pagador de impostos, a conta dessa loucura toda ficou para você.)

Toda essa situação parece impossível de acontecer agora. Mas quando esses malfeitos
foram feitos, os banqueiros que queriam vender investimentos do tipo “adaga” apontavam para
as pesquisas feitas por acadêmicos que sugeriam que, ao longo dos anos, os juros mais altos
de títulos de ​rating ​baixo mais do que compensavam a alta taxa de ​default6. Assim, o simpático
banqueiro iria tentar te convencer que um portfólio diversificado de ​junk bonds iria dar um
retorno melhor do que um portfólio diversificado de títulos bem avaliados (​high-grade bonds)​ .
(Tome cuidado com as “provas” de desempenho passado no mundo financeiro: se os livros de
história fossem a chave para a riqueza, a lista da Forbes 4007 consistiria apenas de
bibliotecários.)

Havia, no entanto, uma falha na lógica do banqueiro - uma que um calouro em


Estatística é ensinado a reconhecer logo de cara. Uma suposição foi feita em relação ao
universo de novas emissões de ​junk bonds​: a de que ele era idêntico ao universo dos títulos de
“anjos caídos” e que, portanto, a taxa de ​default do último grupo era significativo para prever a
taxa de ​default das novas emissões. (Esse foi um erro similar ao checar o histórico de mortes
por Kool-Aid antes de beber a versão servida em Jonestown8.)

Os universos tinham, obviamente, diferenças em aspectos vitais. O gestor de um anjo


caído quase sempre lutava para recuperar o grau de investimento, trabalhando
incansavelmente para atingir esse objetivo. Já os gestores de ​junk bonds eram bem diferentes.
Se comportando como usuários de heroína, eles não estavam interessados em achar um cura
para a condição de dívida que tinham, mas sim em encontrar mais uma “dose”. Além disso, as
sensibilidades fiduciárias dos executivos de um anjo caído costumavam ser mais desenvolvidas
do que o emissor financiopata de ​junk bonds​.

Wall Street se importa pouco com essas distinções. Como sempre, o entusiasmo deles
por uma ideia não foi proporcional ao mérito dela, mas pela receita que ela poderia produzir.
Montanhas de ​junk bonds foram vendidas por aqueles que não se importavam para aqueles
que não pensavam - e ambos os tipos podiam ser encontrados em abundância.

Junk bonds continuam a ser um campo minado, mesmo a preços que hoje representam
uma pequena fração do preço de emissão. Como dissemos ano passado, nós nunca
compramos uma emissão de ​junk bonds​. (O único dia da semana para comprá-los é em um dia
que não tenha “feira” ou “do” no nome.) No entanto, estamos dispostos a olhar para o campo
agora que ele está uma bagunça.

6
Quando o emissor não consegue honrar com seus compromissos.
7
Lista das 400 pessoas mais ricas do mundo.
8
Referência ao suicídio em massa ocorrido em Jonestown em 1978, onde mais de 900 pessoas
ingeriram uma mistura do suco Kool-Aid com cianeto.
No caso da RJR Nabisco, acreditamos que o crédito da companhia é consideravelmente
melhor do que o mercado tem notado e que o ​yield ​que recebemos, assim como o potencial de
ganho de capital, mais do que compensa o risco incorrido (embora esse risco continue longe de
ser zero). RJR realizou a venda de alguns ativos a preços favoráveis, adicionou uma quantia
enorme de patrimônio e, em geral, está sendo bem tocada.

No entanto, conforme continuamos a explorar o campo, a maioria dos títulos com ​rating
baixo continuam pouco atraentes. O trabalho malfeito de Wall Street na década de 1980 é
ainda pior do que imaginávamos: muitos negócios importantes foram feridos mortalmente.
Mesmo assim, continuaremos buscando por oportunidades conforme o desenrolar do mercado
de ​junk bonds​.

Ações preferenciais conversíveis

Nós continuamos a deter as ações preferenciais conversíveis que descrevemos em


cartas passadas: U$ 700 milhões do Salomon Inc, U$ 600 milhões da The Gillette Company,
U$ 358 milhões da USAir Group Inc e U$ 300 milhões da Champion International Corp. Nossa
participação da Gillette será convertida em 12 milhões de ações ordinárias em primeiro de abril.
Levando em conta os juros, qualidade do crédito e preços das ações ordinárias, podemos dizer
que nossas participações no Salomon e Champion ao final de 1990 valiam aproximadamente o
mesmo que pagamos, Gillette, um pouco mais, e USAir, bem menos.

Ao fazermos a compra da USAir, este presidente que vos fala mostrou ter um timing
bem exótico: eu mergulhei no negócio exatamente quando ele estava passando por graves
problemas. (Ninguém me obrigou a isso; no jargão de tênis, cometi um “erro não forçado.”) Os
problemas da empresa surgiram tanto das condições da própria indústria quanto por
dificuldades pós-fusão com a Piedmont, algo que eu já deveria esperar, uma vez que todas as
fusões de companhias aéreas são sempre seguidas por problemas operacionais.

Em um pequeno espaço de tempo, Ed Colodny e Seth Schofield resolveram o segundo


problema: a empresa aérea agora tem excelente reputação pela qualidade do serviço prestado.
Já os problemas com a indústria em geral têm se mostrado muito mais sérios. Desde a nossa
compra, os fundamentos econômicos das empresas aéreas se deterioraram a um ritmo
alarmante, acelerado pela tática suicida de preços de algumas companhias. O problema que
essa precificação trouxe para todo o setor ilustra uma importante realidade: em um ramo que
vende um produto comoditizado, é impossível ser muito mais esperto do que o seu competidor
mais burro.

No entanto, a menos que toda a indústria seja dizimada nos próximos anos, nosso
investimento na USAir dará bons frutos. Ed e Seth endereçaram de forma decisiva a atual
turbulência por meio de grandes mudanças operacionais. Mesmo assim, o nosso investimento
está agora menos seguro do que quando o fizemos.

Nossas ações preferenciais conversíveis são títulos relativamente simples, mas eu já


aviso que, levando acontecimentos passados em consideração, você poderá ouvir notícias
enganadoras a respeito delas de tempos em tempos. Ano passado, por exemplo, algumas
pessoas da mídia calcularam o valor de todas as nossas ações preferenciais como sendo igual
ao valor das ações ordinárias as quais elas podem ser convertidas. Pela lógica deles, nossas
ações preferenciais do Salomon, conversíveis em ordinárias a U$ 38 cada, valeriam 60% do
valor de face caso as ações ordinárias do Salomon estivessem sendo negociadas a U$ 22,80.
Mas há um pequeno problema nesse raciocínio: um pessoa pode concluir que todo o valor de
uma ação preferencial conversível está no privilégio de conversão em si e que o valor de uma
preferencial não-conversível do Salomon seria zero, não importa qual seja seu cupom ou
termos de resgate.

O ponto que você deve ter sempre em mente é que a maior parte do valor das nossas
preferenciais conversíveis deriva das características prefixadas que elas possuem. Isso
significa que esses títulos não podem valer menos do que ações preferenciais não-conversíveis
e que, na verdade, podem valer mais justamente por causa da opção de conversão que
possuem.

************

Eu lamento muito ter que terminar esta seção com uma nota a respeito do meu amigo
Colman Mockler Jr., CEO da Gillette, que morreu em janeiro. Nenhuma descrição seria melhor
para o Colman do que “cavalheiro” - uma palavra que significa integridade, coragem e
modéstia. Junte essas qualidades com o bom humor e incrível habilidade gerencial que Colman
possuía e você irá entender o motivo de ter sido um enorme prazer poder ter trabalhado com
ele e porque eu, e todos os outros que trabalharam com ele, sentiremos tanto a sua falta.

Alguns dias antes de Colman morrer, Gillette ganhou uma reportagem de capa muito
elogiosa da Forbes. O tema da matéria era simples: o sucesso da companhia em produtos para
barbear não vinha da inteligência do marketing (embora a empresa tenha mostrado muito
talento para isso repetidas vezes), mas sim da devoção da companhia à qualidade. Essa
mentalidade fez com que a Gillette focasse sempre as suas energias em criar algo melhor,
mesmo quando seus produtos já existentes eram tidos como os melhores. Assim, ao pintar
uma imagem da Gillette, a Forbes acabou pintando um retrato de Colman.

Socorro! Socorro!
Leitores regulares já sabem que não tenho vergonha alguma de utilizar nossa carta
anual para tentar adquirir negócios para a Berkshire. E como sempre dizemos no Buffalo News,
anunciar funciona: várias empresas bateram na nossa porta porque alguém leu nessas páginas
que tínhamos interesse em adquirir bons negócios. (Qualquer vendedor de anúncios irá te dizer
que tentar vender alguma coisa sem fazer propaganda é o mesmo que piscar para uma garota
no escuro.)

No Apêndice B (páginas 26-27)​, reproduzi a essência da carta que escrevi alguns


anos atrás para o dono/gerente que tenha um negócio que queiramos adquirir. Se você não
tem um contato pessoal com um negócio que seja de nosso interesse, mas conhece um amigo
que tem, talvez você possa mostrar esta seção a ele.

Eis o tipo de negócios que estamos procurando:


(1) Grandes compras (pelo menos U$ 10 milhões em ganhos após impostos),
(2) Poder de geração de caixa consistente e já provado (projeções futuras e
turnarounds​ não chamam nossa atenção),
(3) Negócios que tenham bons retornos sobre o patrimônio líquido usando pouca ou
nenhuma dívida,
(4) Uma gestão que já esteja enraizada (nós não podemos fornecer pessoas),
(5) Negócios simples (se tiver muita tecnologia, não iremos entender),
(6) Um preço para negociação (não queremos perder o nosso tempo, nem de quem
quer nos vender, com conversas sobre uma transação que sequer tenha um
preço).

Nós não iremos nos envolver com negociações que não sejam amigáveis. Podemos
prometer total confidencialidade e uma resposta bem rápida - normalmente, em cinco minutos -
para dizer se temos interesse ou não. Nós preferimos compras em dinheiro, mas iremos
considerar a emissão de ações se formos receber tanto valor intrínseco quanto iremos dar.

Frequentemente são oferecidos a Charlie e a mim negócios que não chegam nem perto
de passar por nosso crivo: descobrimos que se anunciarmos que queremos comprar um Border
Collie, muitas pessoas irão entrar em contato oferecendo Cocker Spaniels. Um trecho de uma
música country expressa nossos sentimentos sobre ​turnarounds ou leilões: “Quando o telefone
não tocar, você saberá que sou eu.”

Além de estarmos interessados na compra de empresas inteiras como descrito acima,


também temos interesse em compras negociadas de grandes, mas não controladores, blocos
de ações, como foi o caso de nossa compra da Cap Cities, Salomon, Gillette, USAir e
Champion. No entanto, não temos interesse em receber sugestões de compras que possamos
fazer no mercado de ações comum.
Miscelânea

Ken Chace decidiu não disputar a reeleição para diretor em nosso próximo encontro
anual. Não temos aposentadoria compulsória para os diretores da Berkshire (e nunca
teremos!), mas Ken, com 75 anos e morando em Maine, simplesmente decidiu encerrar as
atividades.

Ken foi minha escolha imediata para administrar a nossa operação têxtil quando a
Buffett Partnership, Ltd. assumiu o controle da Berkshire no início de 1965. Embora eu tenha
cometido um erro econômico ao permanecer na indústria têxtil, não cometi erro algum ao
escolher Ken: ele tocou a operação muito bem, foi sempre 100% honesto comigo a respeito
dos problemas enfrentados e gerou fundos suficientes para que pudéssemos diversificar no
ramo de seguros.

Minha esposa, Susan, será nomeada para substituir Ken. Ela é atualmente a segunda
maior acionista da Berkshire, e caso ela viva mais do que eu, irá herdar todas as minhas ações
e deter controle da companhia. Ela sabe, e concorda, com meu racional de sucessão e também
compartilha da minha visão de que nem a Berkshire nem suas subsidiárias e investimentos
devem ser vendidos simplesmente porque uma oferta muito alta seja feita por uma parte ou
pelo todo.

Eu defendo vorazmente que o destino de nosso negócio e de seus diretores não


dependam da minha saúde - que, a propósito, é excelente - e eu já me planejei para isso.
Nenhum plano meu ou de minha esposa visam preservar a fortuna da família; ao invés disso,
queremos preservar o caráter da Berkshire e devolver nossa fortuna para a sociedade.

Se eu morresse amanhã, você poderia estar certo de três coisas: (1) Nenhuma de
minhas ações precisaria ser vendida; (2) Tanto um acionista controlador quanto um gestor com
filosofias similares às minhas iriam seguir seguir meus preceitos; (3) Os ganhos da Berkshire
iriam aumentar em U$ 1 milhão por ano, uma vez que Charlie iria imediatamente vender nosso
jato corporativo, O Indefensável (ignorando meu desejo de que ele seja enterrado comigo).

************

Cerca de 97,3% de todas as ações elegíveis participaram do programa de doações da


Berkshire de 1990. O montante arrecadado foi de U$ 5,8 milhões, e 2.600 instituições de
caridade foram beneficiadas.

Sugerimos que os acionistas novos ​leiam a descrição do nosso programa de


doações nas páginas 54-55​. Para participar em programas futuros, se certifique que as ações
estejam registradas no seu próprio nome, não no nome da corretora, do banco ou de terceiros.
Ações que não forem registradas até 31 de agosto de 1991 não poderão participar do
programa de 1991.

Além das doações vindas dos acionistas, os nossos gerentes também fazem doações,
incluindo mercadorias, de cerca de U$ 1,5 milhão por ano. Essas contribuições dão suporte a
instituições de caridade locais como a The United Way, e produzem benefícios
aproximadamente da mesma ordem para nossos negócios.

No entanto, nossos gerentes e diretores não usam a Berkshire para fazer doações a
campanhas nacionais ou atividades beneficentes que sejam de interesse pessoal, exceto ao
que podem fazer como acionistas. Se seus empregados, incluindo o CEO, querem fazer
doações para as universidades em que se formaram ou a outras instituições que tenham apego
sentimental, acreditamos que eles devam usar seu próprio dinheiro, não o seu.

************
O encontro anual desse ano acontecerá em no Orpheum Theater, no centro de Omaha,
às 9:30h de segunda-feira, 29 de abril de 1991. A presença no ano passado bateu o recorde
com 1.300 pessoas, cerca de 100 vezes mais do que era há dez anos.

Recomendamos agendar a reserva do hotel com antecedência nas seguintes opções:


(1) O Raddisson-Redick Tower, um pequeno (88 quartos) mas aconchegante hotel que fica em
frente ao Orpheum; (2) o enorme Red Lion Hotel, localizado a cerca de cinco minutos de
caminhada do Orpheum; ou (3) o Marriott, localizado na zona oeste de Omaha, a cerca de 100
metros da Borsheim’s e a vinte minutos de carro do centro. Disponibilizaremos ônibus saindo
do Marriott às 8:30h e 8:45h para o encontro, retornando ao final do evento.

Charlie e eu sempre gostamos dessa reunião, e esperamos que você possa vir. A
qualidade de nossos acionistas é refletida na qualidade das perguntas que recebemos: nós
nunca fomos a um encontro anual em que as perguntas feitas em relação ao negócio sejam tão
inteligentes e de alto nível.

Um anexo ao nosso material de divulgação explica como você pode obter o cartão
necessário para ser admitido no evento. Como vagas em dias de semana podem ser difíceis
perto do Orpheum, nós separamos alguns estacionamentos próximos que nossos acionistas
poderão utilizar. O anexo também contém informações sobre eles.

Como sempre, nossos ônibus irão levá-los até o Nebraska Furniture Mart e Borsheim’s
após o evento. Eles irão passar pelos hotéis e pelo aeroporto depois. Eu espero que você
separe um bom tempo para explorar todas as atrações que essas lojas oferecem. Para quem
for chegar uns dias antes do evento, você pode visitar o Furniture Mart qualquer dia da
semana; ele fica aberto das 10:00h às 17:30h aos sábados e de 12:00h às 17:30h aos
domingos. Enquanto estiver por lá, aproveite e passe no quiosque da See’s e veja por você
mesmo o início do processo de sinergia da Berkshire.
Borsheim’s normalmente fica fechada aos domingos, mas iremos abrir para os
acionistas das 12:00h às 18:00h no domingo, 28 de abril. No ano passado, vocês deixaram Ike
muito feliz: ao somar o volume vendido para vocês, ele sugeriu que começássemos a fazer
encontros trimestrais. Junte-se a nós na Borsheim’s, mesmo se não for comprar nada; é um
show que você não pode perder.

No ano passado, a primeira pergunta que recebemos no encontro foi de Nicholas


Kenner, de 11 anos, um acionista de terceira geração de Nova York. Nicholas jogou pesado:
“Por que a ação caiu?”, ele disparou contra mim. Minha resposta não foi nada memorável.

Esperamos que outros compromissos empresariais não impeçam Nicholas de aparecer


no encontro deste ano. Se ele comparecer, ele terá a chance de fazer a primeira pergunta
novamente; Charlie e eu queremos respondê-lo logo de cara. Neste ano, no entanto, é a vez do
Charlie fazer isso.

1 de março de 1991.

Warren E. Buffett
Presidente do conselho

APÊNDICE A

U.S. Steel anuncia um grande esquema de modernização*

*Sátira não publicada escrita por Ben Graham em 1936 e entregue pelo autor para
Warren Buffett em 1954

Myron C. Taylor, presidente da U.S. Steel Corporation, anunciou hoje um


antecipado plano para modernizar completamente a maior indústria do mundo.
Contrariando as expectativas, nenhuma mudança será feita nas políticas de produção e
venda da companhia. Ao invés disso, o sistema contábil será totalmente renovado.
Adotando e melhorando modernos instrumentos contábeis e financeiros, o potencial de
ganhos da empresa será amplamente transformado. Mesmo com condições ruins em
1935, estima-se que o novo método contábil teria dado um lucro reportado perto de U$
50 por ação. O esquema de melhoria é resultado de um abrangente levantamento feito
pelos senhores Price, Bacon, Guthrie & Colpitts e inclui os seguintes seis pontos:

1. Redução do valor contábil para U$ 1 bilhão negativo.


2. Redução do valor nominal das ações a 1 centavo.
3. Pagamentos de todos os salários em opções.
4. Avaliação dos estoques a U$ 1.
5. Substituição das ações preferenciais por títulos sem juros, resgatáveis a
50% de desconto.
6. Estabelecimento de uma reserva de contingências de U$ 1 bilhão.

Eis a declaração oficial deste extraordinário plano de modernização:

O conselho de diretores da U.S. Steel tem o prazer de anunciar que após um intensivo
estudo sobre os problemas originários nas mudanças de condições da indústria, foi aprovado
um abrangente plano para remodelar os métodos contábeis da companhia. Um questionário
feito por um comitê especial, auxiliado pelos senhores Price, Bacon, Guthrie & Colpitts, revelou
que nossa empresa tem ficado para trás em relação a outras companhias americanas em
utilizar certos métodos avançados de contabilidade. Métodos esses que podem expandir
enormemente nosso potencial de ganhos sem precisar de despesas extras ou mudanças nas
condições operacionais ou de vendas. Ficou decidido não apenas a adoção destes novos
métodos, mas a evolução deles para um nível ainda maior de perfeição. As mudanças
adotadas pelo conselho podem ser resumidas nos seis itens a seguir:

1. Redução do valor contábil para U$ 1 bilhão negativo.

Muitas grandes empresas têm aliviado suas contas de todos os efeitos da depreciação
com a adoção do valor contábil de U$ 1. O comitê especial apontou que se essas empresas
têm um valor contábil de apenas U$ 1, os ativos imobilizados da U.S. Steel Corporation devem
valer muito menos do que esse montante. É um fato bastante reconhecido agora que muitas
fábricas são mais passivos do que ativos, implicando não apenas depreciações, mas impostos,
manutenção e outros tipos de gastos. Assim, o conselho decidiu expandir a política de redução
iniciada em 1935 e reduzir o valor dos ativos imobilizados de U$ 1.338.522.858,36 para um
valor negativo redondo de U$ 1.000.000.00.

2. Redução do valor nominal das ações a 1 centavos, e


3. Pagamento de todos os salários em opções.

Muitas empresas conseguiram reduzir seus gastos de forma substancial ao pagar uma
boa parte dos salários de seus executivos na forma de opções de ações, que não incorrem
nenhum custo sobre os ganhos. O potencial completo dessa moderna ferramenta parece não
ter sido adequadamente atingido ainda. O conselho adotou o seguinte formato para essa ideia:
todo o corpo de funcionários irá receber seus salários na forma de direitos de compras ações
ao valor de U$ 50 por ação a uma taxa de um direito de compra para cada U$ 50 de salário nos
montantes atuais. O valor nominal de cada ação será reduzido a 1 centavo.

As incríveis vantagens desse novo plano ficam evidentes pelo seguinte.


A. A folha de pagamentos da empresa será completamente eliminado, gerando
uma economia de U$ 250 milhões por ano, tomando por base nossas operações
de 1935.
B. Ao mesmo tempo, a compensação efetiva de todos os nossos funcionários será
aumentada em muitas vezes. Por conta dos enormes ganhos por ação que
teremos nesse novo método, é certo que as ações terão um valor de mercado
muito acima do nível das opções de U$ 50 por ação, tornando os valores
realizáveis dessas opções extremamente superiores aos salários que elas
representam.
C. A empresa irá realizar um grande e adicional lucro anual pelo meio do exercício
dessas opções. Como o valor nominal de cada ação será fixado em 1 centavo,
haverá um ganho de U$ 49,99 por cada ação subscrita. Levando em conta as
melhores práticas de uma contabilidade conservadora, esse lucro não será
incluído nas receitas, mas será mostrado em separado como um crédito que a
empresa tem.
D. A posição de caixa da empresa será enormemente fortalecida. No lugar dos
gastos de U$ 250 milhões com salários (tomando 1935 como base), haverá uma
injeção de caixa deste mesmo montante pelo exercício das opções em 5 milhões
de ações da companhia. Os enormes ganhos e forte posição de caixa da
companhia permitirão o pagamento de um polpudo dividendo, que por sua vez
resultará no exercício das opções imediatamente após sua emissão, que por sua
vez irá aumentar a posição de caixa, que por sua vez irá permitir o pagamento
de um polpudo dividendo -- e assim sucessivamente e de maneira indefinida.

4. Avaliação dos estoques a U$ 1.

Grandes perdas ocorreram durante a Grande Depressão pela necessidade de ajustar


os estoques a valores de mercado. Muitos empreendimentos -- especialmente nos ramos
metalúrgicos e de algodão -- conseguiram lidar muito bem com esse problema ao avaliar todo
ou parte de seu estoque a valores muito baixos. A U.S. Steel Corporation decidiu adotar uma
política ainda mais progressiva e avaliar seu estoque inteiro a U$ 1. Isso será alcançado com
uma redução apropriada a ser feita todo fim de ano. A dimensão dessa redução será cobrada
da Reserva de Contingências.

Os benefícios advindos desse novo método são muito impressionantes. Não só irá
evitar toda a depreciação possível do estoque, mas irá aumentar de forma substancial os
ganhos anuais da empresa. O estoque no início de cada ano, avaliado em U$ 1, será vendido
ao longo do ano com uma excelente margem de lucro. Estimamos que nossa receita
aumentará em cerca de U$ 150 milhões com esse método, quantia essa próxima ao valor da
redução que será feita todos os anos da Reserva de Contingências.

Um relatório complementar do comitê especial recomenda ainda que os recebíveis


contábeis e o caixa também sejam reduzidos a U$ 1, mantendo a consistência e ganhando
vantagens adicionais similares aos que acabamos de mencionar. Essa proposta foi rejeitada
por enquanto porque nossos auditores requerem que quaisquer “valorizações” de recebíveis e
caixa constem como crédito extra ao invés de parte da receita anual. Esperamos, no entanto,
que essa regra -- que é uma remanescente dos tempos mais antigos e rudimentares -- seja
alterada para ficar em linha com as tendências mais modernas. Se isso ocorrer, o relatório
complementar será levado novamente em consideração.

5. Substituição das ações preferenciais por títulos sem juros, resgatáveis a 50% de
desconto.

Durante a última depressão, muitas empresas conseguiram compensar suas perdas


operacionais ao incluir lucros na receita vindos de recompras de seus próprios títulos a um
grande desconto do valor nominal. Infelizmente o crédito da U.S. Steel sempre foi tão bem
avaliado que essa lucrativa fonte de receitas não esteve disponível até o momento. O novo e
moderno esquema irá remediar essa situação.

Propomos que cada ação preferencial seja trocada por títulos ​sinking fund sem
pagamento de juros a um valor de face de U$ 300, resgatáveis a 50% deste valor em 10
pagamentos anuais iguais. Esse movimento irá requerer a emissão de U$ 1.080.000.000 de
novas notas, dos quais U$ 108.000.000 serão pagos todos os anos a um custo de apenas U$
54 milhões para a empresa, criando assim um lucro anual de mesmo valor.

Da mesma maneira que o plano de pagamento de salários descrito no item (3), esse
movimento irá beneficiar tanto a empresa quanto o detentor de ações preferenciais. Este último
terá garantido o pagamento de suas atuais ações a 150% do valor nominal em um período
médio de 5 anos. Uma vez que os títulos de curto prazo praticamente não dão retorno nas
condições atuais, o não pagamento de juros não tem nenhuma grande importância. A empresa
irá converter seus custos anuais correntes de U$ 25 milhões em dividendos preferenciais em
um lucro anual de U$ 54 milhões -- um ganho anual somado de U$ 79 milhões.

6. Estabelecimento de uma reserva de contingências de U$ 1 bilhão.

Os diretores estão confiantes que as melhorias descritas aqui irão garantir um potencial
de ganhos para a empresa sob qualquer circunstância futura. Usando os métodos contábeis
modernos, não é necessário incorrer no menor risco de perda causado por infortúnios de
qualquer sorte, uma vez que todos eles podem ser levados em consideração por meio de uma
Reserva de Contingências.

O comitê especial recomendou que a empresa crie tal reserva no substancial valor de
U$ 1 bilhão. Como já mencionado, a redução anual do estoque para U$ 1 será absorvido por
essa reserva. Para evitar que a Reserva de Contingências seja exaurida, decidimos que ela
será reposta todos os anos com fundos vindos do crédito suplementar obtido pela companhia.
Uma vez que este último irá aumentar todos os anos a não menos do que U$ 250 milhões pelo
exercício das opções (ver item (3)), ele será mais do que suficiente para cobrir gastos na
Reserva de Contingências.

Ao colocar todo esse plano em prática, o conselho precisa confessar com certo remorso
de que não conseguiu melhorar as atuais ferramentas utilizadas por outras corporações para
transferir grandes somas entre o Capital, Crédito Suplementar, Reserva de Contingências e
outros Balanços. Na verdade, precisamos admitir que nossos itens serão simples demais, não
tendo mais aquele elemento de extrema mistificação que caracteriza a maior parte dos
procedimentos avançados deste campo. O conselho, no entanto, insistiu em manter a clareza e
simplicidade em seu plano de modernização, mesmo sacrificando possíveis vantagens ao
potencial de ganhos da empresa.

De forma a mostrar o efeito dessa nova proposta nos ganhos da empresa,


apresentamos um balanço condensado da companhia em 1935 usando duas bases para
comparação:

De acordo com um costume deveras antiquado, a seguir apresentamos um balanço


condensado pro-forma da U.S. Steel Corporation em 31 de dezembro de 1935 depois que as
alterações propostas foram aplicadas aos ativos e passivos.
*Dado um valor declarado diferente do valor nominal, em acordo com as leis do Estado da
Virginia, onde a companhia será reincorporada.

É talvez desnecessário falar aos nossos acionistas que os métodos modernos de


contabilidade dão luz a balanços um pouco diferentes daqueles de períodos mais rudimentares.
Levando em conta o grande potencial de ganhos resultante dessas alterações nos balanços da
empresa, não esperamos que uma atenção indevida seja dada aos detalhes dos ativos e
passivos.

Concluindo, o conselho gostaria de dizer que o procedimento de reduzir o valor contábil


a um intervalo negativo, eliminar o pagamento de salários e avaliar o estoque a um valor
irrisório dará uma enorme vantagem competitiva a U.S. Steel Corporation. Conseguiremos
vender nossos produtos a preços extraordinariamente baixos e ainda ter belos lucros. O
conselho considera que com o novo esquema de modernização a empresa conseguirá vender
a preços tão mais baixos que a concorrência que as leis antitruste serão a única barreira legal
para uma dominação completa do setor.

Ao fazer este anúncio, o conselho tem em mente a possibilidade de alguns


competidores quererem compensar nossa nova vantagem adotando melhorias contábeis
semelhantes. Temos confiança, no entanto, que a U.S. Steel será capaz de manter a lealdade
de seus clientes, velhos e novos, pelo prestígio único resultante de ser a pioneira no
desenvolvimento de tais técnicas aos usuários de aço. Se a necessidade surgir, acreditamos
que manteremos nossa merecida superioridade introduzindo métodos contábeis ainda mais
avançados e que estão sendo desenvolvidos neste exato momento por nosso Laboratório
Experimental de Contabilidade.
APÊNDICE B

Alguns pensamentos ao vender seu negócio*


*Essa é uma versão editada de uma carta que eu enviei alguns anos atrás para uma pessoa
que indicou que gostaria de vender o negócio da família. Eu a apresento aqui porque é uma
mensagem que eu gostaria de transmitir para futuros vendedores. -- W.E.B.

Caro(a) ______________:

Eis aqui alguns pensamentos de acordo com a conversa que tivemos alguns dias atrás.

A maioria dos donos de empresas passam boa parte de suas vidas construindo seus
negócios. Pela experiência vinda de uma repetição sem fim, eles melhoram suas habilidades
em merchandising, compras, seleção de pessoal, etc. É um processo de aprendizado, e erros
cometidos em um ano normalmente contribuem para a competência e sucesso nos anos
seguintes.

Por outro lado, esses mesmos donos vendem seus negócios apenas uma vez --
frequentemente em uma situação emocionalmente carregada, com inúmeras pressões vindo de
diferentes direções. Com frequência, boa parte dessa pressão vem de corretores e agentes
cujas compensações estão relacionadas à consumação da venda, independentemente das
consequências que elas possam ter para o vendedor e para o comprador. O fato que a decisão
é tão importante para o vendedor, tanto financeiramente quanto pessoalmente, pode tornar o
processo mais, e não menos, suscetível a erros. E erros cometidos em uma venda feita apenas
uma vez na vida são irreversíveis.

O preço é muito importante, mas não é o aspecto mais importante da venda. Você e sua
família possuem um negócio extraordinário -- único em seu ramo de atuação -- e qualquer
comprador irá reconhecer isso. Também é o tipo de negócio que irá se tornar mais valioso
conforme os anos forem passando. Dessa forma, se você optar por não vender agora, é
bastante provável que você irá realizar mais lucros em um momento futuro. Com isso em
mente, você fortalece seu racional de venda e pode ficar mais confortável para selecionar qual
tipo de comprador você deseja.

Se você decidir vender, eu acho que a Berkshire Hathaway oferece algumas vantagens
que a maioria do outros compradores não possuem. Praticamente todos os compradores irão
se encaixar em uma das seguintes categorias:
1. Um companhia localizada em outro lugar, mas que opera em um ramo igual ou
bem semelhante ao seu. Tal comprador -- não importa quais promessas sejam
feitas -- normalmente terá gerentes que pensam que sabem como tocar a
operação e, cedo ou tarde, irão querer aplicar alguma ajuda “prática”. Se a
empresa adquirente é muito grande, é provável que ela tenha esquadrões de
gerentes contratados ao longo do anos, em parte, com a promessa de que eles
iriam gerenciar futuras aquisições. Eles terão sua própria maneira de fazer as
coisas, e muito embora o seu histórico de resultados seja indubitavelmente
melhor do que o deles, a natureza humana, em algum ponto, irá fazê-los
acreditar que os métodos usados por eles são melhores. Você e sua família
provavelmente têm amigos que venderam seus negócios a empresas maiores, e
eu suspeito que a experiência deles irá confirmar a tendência de empresas-mãe
tomarem o controle gerencial de suas subsidiárias, especialmente quando a
empresa-mãe conhece o setor, ou pensa que conhece.
2. Uma manobra financeira, invariavelmente operando com um enorme montante
de dinheiro emprestado, que planeja revender o negócio, seja para o público em
geral ou para outra corporação, assim que as condições forem favoráveis. Com
frequência, a maior contribuição desse comprador envolve a mudanças de
métodos contábeis para a apresentação dos ganhos em uma luz mais favorável
imediatamente antes de pularem fora. ​Incluo aqui um artigo que descreve
esse tipo de transação que está se tornando cada vez mais frequente com um
mercado de ações em alta e uma grande oferta de fundos para esse tipo de
transação.

Se o único motivo da venda é colocar dinheiro no bolso e deixar o negócio pra trás -- e
muitos vendedores se encaixam nessa categoria -- qualquer um dos tipos que acabei de
descrever é suficiente. Mas se o negócio sendo vendido representa o trabalho criativo de toda
uma vida e forma uma parte integral de sua personalidade, ambas as categorias possuem
problemas gritantes.

A Berkshire é um outro tipo de comprador -- um tipo bastante incomum. Nós


compramos com o intuito de manter, e não temos, nem teremos, gerentes operacionais em
nossa matriz. Todos os negócios que temos são tocados de maneira extraordinariamente
autônoma. Na maior parte das vezes, os gerentes de importantes negócios que temos há
muitos anos nunca estiveram em Omaha ou sequer conhecem uns aos outros. Quando
compramos um negócio, os vendedores permanecem tocando a empresa da mesma forma que
faziam antes da venda; nós nos adaptamos aos seus métodos, e não o contrário.

Nós não temos ninguém -- família, MBAs recém contratados, etc -- para quem
prometemos a chance de tocar um negócio que acabamos de adquirir. E nunca teremos.

Você certamente conhece algumas de nossas aquisições já feitas. ​Incluo uma lista de
todas as pessoas de quem já compramos um negócio​, e recomendo que você cheque com
elas o desempenho que tivemos em comparação às promessas feitas. Encorajo você a entrar
em contato especialmente com os poucos negócios que não deram certo, de forma a verificar o
nosso comportamento diante de situações difíceis.

Qualquer comprador irá dizer que precisa pessoalmente de você -- e se ele for
minimamente esperto, ele realmente precisará de você. Mas uma boa parte dos compradores,
por razões descritas anteriormente, não cumprem com suas palavras. Nós iremos nos
comportar exatamente da forma como prometemos, primeiro porque é uma promessa, e
segundo porque é a maneira de obter os melhores resultados possíveis.

Isso explica o motivo pelo qual gostaríamos que os membros da sua família envolvidas
nas operações da empresa ficassem com uma fatia de 20% do negócio. Nós precisamos de
80% para consolidar os ganhos por motivos tributários, o que é um importante passo para nós.
E nos é igualmente importante que os membros da família que tocam o negócio permaneçam
como donos. De maneira bem simples, nós não iríamos fazer qualquer compra caso
tivéssemos a impressão de que membros-chave da atual gestão não permanecessem na
empresa como nossos sócios. Nenhum contrato é capaz de garantir um interesse contínuo de
vocês; dessa forma, nós iríamos simplesmente acreditar em suas palavras.

As únicas áreas nas quais me envolvo são a alocação de capital e seleção e


remuneração do gestor da companhia. Outras decisões de pessoal, estratégias operacionais,
etc, são da jurisdição dele. Alguns gestores da Berkshire comentam suas decisões comigo;
outros, não. Depende de suas personalidades e, até certo ponto, da relação pessoal que
possuem comigo.

Se você optar por fazer negócio com a Berkshire, iremos pagar em dinheiro. O seu
negócio não será usado como garantia em um empréstimo. Nenhum intermediário será
envolvido na transação.

Ademais, não haveria a menor chance de anunciar uma compra e o comprador


subitamente começar a sugerir ajustes (com desculpas, é claro, e com a justificativa que a
culpa é dos bancos, dos advogados, da mesa diretora, etc). E por fim, você saberia exatamente
com quem iria estar negociando. Você não passaria pela situação de ver o executivo que
tomou conta da negociação sendo trocado anos depois ou receberia uma justificativa do
presidente da matriz dizendo que a mesa diretora exigiu essa troca ou qualquer outra coisa do
tipo (ou ainda, que seu negócio possivelmente teria de ser vendido novamente para financiar
algum novo interesse da matriz).

É justo ainda dizer que você não ficará mais rico após a venda. A posse de seu negócio
já o torna abastado e bem investido. A venda iria alterar a forma de sua riqueza, não o seu
montante. Se você vender, você terá trocado um valioso ativo que você entende perfeitamente
e detém 100% por outro valioso ativo -- dinheiro -- que provavelmente será investido em
pequenas frações (ações) de outras empresas que você entende um pouco menos.
Frequentemente há uma boa razão para vender, mas se a transação for justa, a razão não é
tornar quem está vendendo mais rico.

Eu não ficarei te incomodando; se você tem qualquer interesse em vender, adoraria


receber sua ligação. Eu ficaria extremamente orgulhoso se a Berkshire detivesse, juntamente
com os membros de sua família, a(o) ________; acredito que nos daríamos muito bem
financeiramente; e acredito que seria tão bom para você tocar o negócio pelos próximos 20
anos quanto tem sido nos últimos 20.

Atenciosamente,

Warren E. Buffett
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1991.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Nosso ganho em patrimônio líquido em 1991 foi de U$ 2,1 bilhões, ou 39,6%. Nos
últimos 27 anos (isto é, desde que assumimos o controle da companhia), o valor patrimonial
por ação saiu de U$ 19 para U$ 6.437, ou a uma taxa composta de 23,7%.

O tamanho do nosso capital social - que é agora de U$ 7,4 bilhões - torna certo que não
conseguiremos manter nosso ritmo de crescimento passado ou sequer chegar perto dele.
Conforme a Berkshire cresce, o universo de possibilidades que podem influenciar de forma
significativa o desempenho da empresa diminui. Quando tínhamos um capital de U$ 20
milhões, uma ideia ou negócio que produzisse U$ 1 milhão de lucro adicionava um ganho de
5% em nosso retorno anual. Agora precisamos de uma ideia de U$ 370 milhões (i.e., algo que
dê U$ 550 milhões antes de impostos) para alcançar o mesmo resultado. E existem muito mais
maneiras de se conseguir U$ 1 milhão do que U$ 370 milhões.

Charlie Munger, vice-presidente da Berkshire, e eu definimos um objetivo de manter


uma média anual de crescimento de 15% no valor intrínseco da Berkshire. Se o crescimento do
valor patrimonial for mantido num ritmo de 15%, precisaremos ganhar U$ 22 bilhões na
próxima década. Nos deseje sorte - iremos precisar dela.

Nosso ganho extraordinário em 1991 foi resultado de um fenômeno que não irá se
repetir: um aumento impressionante nas razões de preço sobre lucro da Coca-Cola e Gillette.
Essas duas ações foram responsáveis por quase U$ 1,6 bilhão do nosso crescimento de U$
2,1 bilhões em patrimônio líquido no ano passado. Quando compramos ações da Coca há três
anos, o patrimônio líquido da Berkshire era de U$ 3,4 bilhões; agora, as ações da Coca
sozinhas valem mais do que isso.

Coca-Cola e Gillette são duas das melhores empresas do mundo e esperamos que
seus ganhos aumentem em um ritmo acelerado nos próximos anos. Ao longo do tempo, o valor
de nossas participações nessas companhias irão crescer aproximadamente na mesma
proporção. No entanto, no ano passado o ​valuation dessas duas empresas aumentou muito
mais rápido do que seus ganhos. Na verdade, fomos beneficiados duplamente, em parte pelo
excelente crescimento nos ganhos e em parte pela reavaliação dessas ações pelo mercado.
Mas isso não irá ser algo recorrente: teremos que nos contentar com um benefício único, e não
duplo, no futuro.

Um segundo emprego
Em 1989, quando eu - um feliz consumidor de cinco latas de Cherry Coke por dia -
anunciei a compra de U$ 1 bilhão em ações da Coca-Cola, eu descrevi o movimento como um
exemplo extremo de colocar dinheiro onde a nossa boca está. Em 18 de agosto do ano
passado, quando fui eleito presidente interino do Salomon Inc, a situação foi oposta: coloquei
minha boca onde estava o nosso dinheiro1.

Vocês já leram os eventos que levaram a essa indicação. Minha decisão em aceitar o
trabalho veio com uma mensagem implícita, mas importante: os gerentes operacionais da
Berkshire são tão incríveis que eu sabia que podia reduzir drasticamente o meu tempo na
companhia que ainda assim o progresso econômico se manteria no mesmo ritmo. Os Blumkin,
a família Friedman, Mike Goldberg, os Heldman, Chuck Huggins, Stan Lipsey, Ralph Schey e
Frank Rooney (CEO da H.H. Brown, nossa última aquisição, que será descrita em outra seção)
são todos mestres em suas próprias operações e não precisam da minha ajuda. Meu trabalho é
simplesmente tratá-los bem e alocar o capital que eles geram. Nenhuma dessas atribuições é
impedida pelo meu trabalho no Salomon.

O papel que Charlie e eu desempenhamos no sucesso de nossas unidades


operacionais pode ser ilustrado pela história de George Mira, um excelente jogador de futebol
americano da Univeristy of Miami, e seu técnico, Andy Gustafson. Jogando na Flórida e
próximo do gol, Mira recuou para passar a bola. Ele avistou um jogador livre, mas um jogador
do outro time começou a segurar seu ombro direito. O destro Mira então passou a bola para
sua mão esquerda e fez o único passe canhoto de sua vida - que resultou em um ​touchdown2.
Com o público indo à loucura, Gustafson calmamente virou-se para um repórter e disse: “Isso
sim é ser um bom técnico.”

Dados os gestores estelares que temos em nossas subsidiárias, o desempenho da


Berkshire não é afetado quando Charlie ou eu ficamos um tempo longe. Você deve observar,
no entanto, o “interino” na minha nomeação do Salomon. Berkshire é meu primeiro amor, que
nunca irá se apagar: na Harvard Business School no ano passado, um estudante me perguntou
quando eu planejava me aposentar, no que respondi “Cerca de cinco ou dez anos depois que
eu morrer.”

Fonte dos ganhos reportados

A tabela a seguir mostra as principais fontes de ganhos da Berkshire. Nessa


apresentação, a amortização do ​goodwill e outros ajustes contábeis de preço não são feitos
nos negócios dos quais pertencem, mas aglutinados e mostrados em separado. Essa
abordagem permite que você veja os ganhos que as empresas reportariam caso não tivessem

1
Brincadeira com a expressão em inglês “Put your money where your mouth is” (Coloque seu dinheiro
onde sua boca está). Em português, tal frase vai no sentido de se praticar aquilo que se prega.
2
Pontuação obtida quando um time consegue colocar a bola atrás da linha do gol do oponente.
sido compradas por nós. Eu expliquei em cartas passadas o motivo desse tipo de apresentação
de resultados ser mais útil a investidores e gerentes do que a usada com os valores GAAP3,
que requerem que os ajustes de preço sejam feitos empresa a empresa. Os ganhos líquidos
que mostramos na tabela são, é claro, idênticos aos ganhos GAAP constantes em nossas
declarações financeiras auditadas.

Uma boa dose adicional de informação sobre esses negócios pode ser encontrada ​nas
páginas 33-47​, onde você irá encontrar os ganhos GAAP segmentados por setor. No entanto,
não iremos discutir nesta carta cada uma de nossas operações fora do setor de seguros como
fizemos no passado. Nossos negócios aumentaram em número - e continuarão a aumentar -
de forma que faz mais sentido mudar a cobertura de eventos para discutir um ou dois negócios
com mais profundidade todos os anos.

3
​Generally Accepted Accounting Principles ​(ou Termos Contábeis Normalmente Aceitos). Conjunto de
regras contábeis para a apresentação e padronização dos resultados das empresas.
*Excluindo gastos com juros da Scott Fetzer Financial Group e Mutual Savings & Loan.

Ganhos “​look-through​”

Já discutimos a respeito dos ganhos “​look-through​” anteriormente, que consistem em:


(1) os ganhos operacionais reportados na seção anterior, somados com; (2) os ganhos
operacionais retidos por nossas maiores posições acionárias que, na contabilidade GAAP, não
são incluídos em nossos lucros, com subtração de; (3) uma estimativa dos impostos que seriam
pagos pela Berkshire caso esses ganhos retidos tivessem sido distribuídos a nós.
Eu comentei em cartas anteriores que os nossos ganhos “​look-through​” devem
aumentar a uma taxa de 15% ao ano para que o nosso valor intrínseco aumente na mesma
proporção. De fato, desde que assumimos o controle da Berkshire em 1965, nossos ganhos
“​look-through​” cresceram a uma taxa praticamente idêntica aos ganhos compostos de 23% em
nosso valor contábil.

No ano passado, no entanto, os ganhos ​look-through não aumentaram em nada; pelo


contrário, caíram 14%. De certa forma, essa queda foi causada por duas forças que discuti na
carta do ano passado e que eu avisei que teriam um efeito negativo nos ganhos ​look-through​.

Primeiro, disse que nossos ganhos no setor de mídia - tanto diretos quanto ​look-through
- “com certeza cairiam”, e foi o que aconteceu. A segunda força entrou em cena no dia 1 de
abril, quando a chamada da Gillette nas ações preferenciais nos fez convertê-las em ações
ordinárias. Os ganhos pós-impostos em 1990 com nossas ações preferenciais tinham sido de
cerca de U$ 45 milhões, um montante levemente maior do que a combinação, em 1991, de três
meses de dividendos de nossas preferenciais somados com nove meses de ganhos
look-through​ nas ordinárias.

Outros dois desfechos que não previ também prejudicaram os ganhos ​look-through em
1991. Em primeiro lugar, saímos no zero-a-zero em nossa participação no Wells Fargo
(dividendos que recebemos pela companhia foram anulados por ganhos retidos negativos). No
ano passado, eu disse que um resultado assim no Wells era “um pequena possibilidade - não
uma probabilidade.” Em segundo lugar, tivemos resultados significativamente menores -
embora ainda excelentes - nos lucros das operações de seguros.

A tabela a seguir mostra como calcular os ganhos ​look-through​, embora eu já avise que
os números são estimativa grosseiras. (Os dividendos pagos a nós por essas empresas foram
incluídos nos ganhos operacionais da ​página 6​, sendo que a maior parte foi incluída em
“Insurance Group: Net Investment Income”).
(1) Patrimônio de uma participação minoritária na Wesco.
(2) Referente aos nove meses depois da Berkshire ter convertido suas ações preferenciais,
em 1 de abril.
(3) Calculado na participação média do ano.

Nós acreditamos que os investidores podem se beneficiar ao focar em seus próprios


ganhos ​look-through​. Para calculá-los, eles devem determinar os ganhos atribuíveis às ações
que têm em carteira e somá-los. O objetivo de todo investidor deve ser a criação de um
portfólio (ou uma “empresa”) que entregue a maior quantidade possível de ganhos ​look-through
daqui a uma década.

Um abordagem desse tipo irá forçar o investidor a pensar sobre os prospectos de longo
prazo de um negócio ao invés dos prospectos de curto prazo do preço das ações, uma
perspectiva que tem tudo para dar melhores resultados. É verdade, claro, que no frigir dos ovos
a “pontuação” de cada decisão de investimento é dada pelo preço de mercado. Mas tais preços
são sempre determinados pelos ganhos futuros. Nos investimentos, assim como no baseball,
para marcar pontos você deve prestar atenção no campo, não no placar.

Mudanças nos fundamentos do setor de mídia e um pouco de


matemática para ​valuation
Na carta do ano passado, comentei que a queda na lucratividade das companhias de
mídia refletiam fatores seculares e cíclicos. Os acontecimentos de 1991 fortaleceram essa tese:
a força econômica da então poderosa indústria da mídia continua a diminuir conforme os
padrões de consumo mudam e o número de anúncios e opções de entretenimento proliferam.
No mundo dos negócios, infelizmente, a visão do retrovisor é sempre mais clara do que a do
parabrisa: alguns anos atrás, ninguém ligado ao setor de mídia - nem credores, gestores ou
analistas financeiros - enxergaram a deterioração econômica que iria tomar o setor. (Me dê
alguns anos e eu provavelmente irei me convencer de que eu enxerguei.)

O fato é que jornais, emissoras e revistas começaram a se assemelhar mais com


negócios do que com franquias em seu comportamento econômico. Vamos dar uma olhada
rápida nas características que separam as duas coisas. Tenha em mente que muitas
operações podem ser classificadas como um meio-termo, sendo melhor descritas como
franquias fracas ou negócios sólidos.

Uma franquia econômica surge de um produto ou serviço que: (1) é necessário ou


desejado; (2) é tido como insubstituível aos seus clientes; (3) não é sujeito a regulações de
preço. A existência de todas as três condições é demonstrada pela habilidade de uma empresa
em precificar seu produto ou serviço de forma agressiva e, portanto, ter uma alta taxa de
retorno sobre o capital.

Além disso, franquias podem tolerar falhas de gerenciamento. Gestores ineptos podem
diminuir a lucratividade de uma franquia, mas não podem infligir nenhum dano mortal.

Por outro lado, “um negócio” tem lucros excepcionais somente se operar com baixos
custos ou se a oferta de seu produto ou serviço for escassa. E uma escassez na oferta não
costuma durar muito tempo. Com uma boa gestão, uma empresa pode manter seu status como
sendo de baixo custo por um tempo muito maior, mas ainda assim enfrenta a possibilidade de
um ataque da concorrência. E um negócio, diferente de uma franquia, pode morrer caso o
gestor seja ruim.

Até recentemente, as empresas de mídia tinham as três característica de franquia e,


consequentemente, podiam precificar seus produtos e serviços de forma agressiva e ter um
gerenciamento mais solto. Agora, no entanto, clientes buscando por informação e
entretenimento (sendo este último o interesse primário) aproveitam as inúmeras opções
disponíveis para encontrar esses dois itens. Infelizmente, a demanda não consegue se
expandir para se equiparar com essa nova oferta: 500 milhões de olhos americanos e um dia
com 24 horas é tudo o que temos disponível. O resultado é que a competição se intensificou,
mercados ficaram fragmentados e a indústria da mídia perdeu parte - e não o todo - de sua
força de franquia.
************

O enfraquecimento do aspecto de franquia da indústria tem um efeito em seu valor que


vai muito além do efeito imediato nos ganhos. Para um entendimento desse fenômeno, vamos
dar uma olhada em uma matemática ultra-simplificada, mas relevante.

Alguns anos atrás, a sabedoria convencional dizia que um jornal, emissora ou revista
iria aumentar seus ganhos em 6% ao ano em perpetuidade. Eles o fariam sem a necessidade
de capital adicional, uma vez que a depreciação seria razoavelmente parecida com as
despesas de capital e as exigências de capital de giro seriam mínimas. Portanto, os ganhos
reportados (antes da amortização de intangíveis) seriam ganhos livremente distribuíveis, o que
significaria que deter uma empresa de mídia poderia ser interpretado como deter uma pensão
vitalícia com crescimento de 6% ao ano. Digamos que, em seguida, uma taxa de desconto de
10% fosse usada para determinar o valor presente desse fluxo de caixa. Alguém poderia então
calcular que seria apropriado pagar incríveis U$ 25 milhões por algo com ganhos correntes de
U$ 1 milhão após impostos (Esse multiplicador de 25 após impostos é equivalente a um
multiplicador de 16 antes de impostos.)

Agora mude a premissa e suponha que o U$ 1 milhão representa um “poder normal de


ganhos” e que os ganhos irão ficar em torno desse valor de maneira cíclica. Um padrão
pendular desse tipo é o que muitos negócios vivenciam, cujas receitas aumentam somente se
seus donos estiverem dispostos a despender mais capital (normalmente na forma de ganhos
retidos). Sob essa nova premissa, U$ 1 milhão em ganhos, descontados pelos mesmos 10%,
se transformam em um ​valuation de U$ 10 milhões. Dessa forma, uma pequena alteração nas
premissas pode reduzir o ​valuation para ganhos de 10 vezes após impostos (e cerca de 6,5
vezes antes de impostos).

Dinheiro é dinheiro, seja ele derivado de uma operação de mídia ou de uma siderúrgica.
No passado, o que fez com que os compradores avaliassem muito mais generosamente um
dólar ganho com mídia do que um dólar ganho na siderurgia era o fato de que os ganhos no
setor de mídia tinham a expectativa de continuar crescendo constantemente (sem a
necessidade de muita injeção de capital), enquanto que os ganhos na siderurgia claramente
caíam na categoria pendular. Agora, no entanto, as expectativas para o setor de mídia também
passaram a orbitar o modelo pendular. E como o nosso exemplo simplificado ilustrou, os
valuations​ mudam de forma drástica quando as expectativas são revisadas.

Temos uma fatia significativa de investimentos em mídia - tanto por controle direto do
Buffalo News ou por meio de nossas participações no The Washington Post Company e Capital
Cities/ABC - e o valor intrínseco desse investimento caiu de forma significativa por conta da
transformação secular que a indústria está passando. (Fatores cíclicos também prejudicaram
nossos ganhos ​look-through atuais, mas esses fatores não reduzem o valor intrínseco.) No
entanto, ​como nossos Princípios de Negócios nas páginas 2-3 mostram​, uma das regras
que usamos ao gerir a Berkshire é a de que não vendemos negócios - ou posições acionárias
que consideramos como permanentes - simplesmente porque enxergamos formas melhores de
usar o dinheiro em outras aplicações. (Nós até vendemos algumas posições no setor de mídia
no passado, mas foram montantes relativamente pequenos.)

As perdas em valor intrínseco que sofremos foram amortecidas porque o Buffalo News,
sob a liderança de Stan Lipsey, teve um desempenho muito melhor do que a maioria dos
outros jornais e porque tanto a Cap Cities quando o Washington Post são excepcionalmente
bem tocados. Em particular, essas empresas foram deixadas de lado no final da década de
1980, período o qual os compradores de ações do setor de mídia pagaram preços irracionais.
Além disso, as dívidas que tanto a Cap Cities quanto o Washington Post têm são pequenas e
praticamente compensadas pelo dinheiro em caixa que elas têm. Como resultado, a redução
no valor de seus ativos não foi acentuada pelos efeitos da alavancagem. Entre companhias de
mídia de capital aberto, as duas nas quais temos investimentos são praticamente as únicas que
não têm dívidas. A maioria das outras empresas, por conta de uma combinação entre políticas
agressivas de aquisição e ganhos menores, se encontram agora em uma situação de dívida de
cinco vezes ou mais o seu lucro líquido.

Os fortes balanços e boas gestões da Cap Cities e Washington Post nos deixam mais
confortáveis com esses investimentos do que ficaríamos com ações de outras empresas do
mesmo setor. Além disso, a maior parte das companhias de mídia continuam a ter
fundamentos econômicos muito melhores do que a média americana. Mas lá se foram os dias
de franquias blindadas e fundamentos incríveis.

Vinte anos em uma loja de doces

Acabamos de passar um marco: vinte anos atrás, em 3 de janeiro de 1972, a Blue Chip
Stamps (uma então afiliada da Berkshire que seria incorporada conosco) comprou o controle
da See’s Candy Shops, uma fabricante e revendedora de chocolates na costa oeste. O preço
nominal que os vendedores estavam pedindo - calculado no controle de 100% que obtivemos
depois - era de U$ 40 milhões. Mas a empresa tinha U$ 10 milhões em caixa. Assim, o
verdadeiro preço pago foi de U$ 30 milhões. Charlie e eu, na época sem conhecimento
profundo do valor de uma franquia econômica, olhamos para os meros U$ 7 milhões que a
companhia tinha de patrimônio tangível e dissemos que U$ 25 milhões era o máximo que
estávamos dispostos a pagar (e era verdade). Felizmente, os vendedores aceitaram a nossa
oferta.

As vendas de cupons de desconto pela Blue Chip caíram de U$ 102,5 milhões em 1972
para U$ 1,2 milhão em 1991. Mas as vendas de doces da See’s no mesmo período
aumentaram de U$ 29 milhões para U$ 196 milhões. Além disso, os lucros da See’s
aumentaram ainda mais do que as vendas, saindo de U$ 4,2 milhões em 1972 para U$ 42,4
milhões no ano passado (ambos os valores antes de impostos).
Para que um aumento nos lucros seja avaliado da forma correta, ele precisa ser
comparado com o investimento em capital incremental que foi necessário para produzi-lo.
Nesse aspecto, a See’s tem sido fantástica: a companhia opera atualmente em um patamar
confortável de U$ 25 milhões em patrimônio líquido, o que significa que nossa base inicial de
U$ 7 milhões teve que ter um suplemento de apenas U$ 18 milhões de ganhos reinvestidos.
Nesse ínterim, o restante dos lucros pré-impostos da See’s de U$ 410 milhões foram
distribuídos entre a Blue Chip/Berkshire durante vinte anos para que essas empresas
pudessem alocar esse capital (após o pagamento de impostos) da melhor maneira possível.

Com a nossa compra da See’s, Charlie e eu tivemos um ​insight​: percebemos que o


negócio tinha um poder de precificação ainda não explorado. Mesmo sem isso, nós já tínhamos
saído na vantagem por dois motivos. Primeiro porque a transação não foi cancelada por conta
de nossa estúpida insistência no preço de U$ 25 milhões. E segundo porque nos deparamos
com Chuck Huggins, o então vice-presidente da See’s, que colocamos no comando da
empresa logo de cara. Um exemplo: quando a compra foi feita, nós conversamos com Chuck a
respeito de um acordo de compensação - que foi feito em cinco minutos e nunca reduzido a um
contrato escrito - que se mantém válido até hoje.

Em 1991, o volume de vendas da See’s, medido em dólares, foi igual ao de 1990. Em


quilos, no entanto, o volume diminuiu 4%. Toda essa queda ocorreu nos dois últimos meses do
ano, período que normalmente produz mais de 80% dos lucros anuais. Apesar de vendas mais
fracas, os lucros aumentaram 7% no ano passado, e nossa margem antes de impostos bateu
recorde, ficando em 21,6%.

Quase 80% das vendas da See’s ocorrem na Califórnia, e o negócio claramente sofreu
com a recessão que atingiu o estado com bastante força no último ano. Outro ponto negativo
foi o início de um imposto sobre vendas de “​snack food​”4 de 7%-8% na Califórnia (dependendo
do condado envolvido) que foi considerado aplicável aos nossos chocolates.

Os acionistas que gostam de estudar a epistemologia das palavras irão gostar da


classificação californiana de comidas do tipo “​snack​” e ​“non-snack​”:

4
Lanches e aperitivos em geral (doces e salgados).
Você certamente deve estar se perguntando: como fica a cobrança de impostos sobre
um picolé derretido de Milky Way Ice Cream5? Nesse formato andrógino, ele lembra mais um
Milky Way Ice Cream ou um barra de chocolate MIlky Way Candy que ficou muito tempo no
sol? Não é surpresa alguma que Brad Sherman, presidente do Conselho Estatal da Califórnia
para Equalização, que se opôs à lei de ​snack food​, mas que agora precisa garantir sua
execução, disse: “Eu entrei nesse emprego como um especialista em lei tributária. Agora vejo
que meus eleitores deveriam ter elegido Julia Child6.”

Charlie e eu temos muitas razões para sermos gratos à nossa relação com Chuck e
com a See’s. As mais óbvias são que tivemos excelentes retornos e que nos divertimos muito
no processo. Igualmente importante, deter o controle da See’s nos ensinou muito sobre a
avaliação de franquias. Fizemos uma quantia significativa de dinheiro em certas ações por
conta das lições aprendidas na See’s.

H.H. Brown

Fizemos uma aquisição considerável em 1991 - a H.H. Brown Company - e por trás
desse negócio tem uma história interessante. Em 1927, um empresário de 29 anos chamado
Ray Heffernan comprou a companhia, então localizada em North Brookfield, Massachusetts,
por U$ 10 mil e deu início a uma carreira de 62 anos em administrá-la. (Ele ainda achou tempo
para outros interesses: aos 90 anos, ele ainda estava participando de novos clubes de golfe.)
Quando o Sr. Heffernan se aposentou no começo de 1990, H.H. Brown tinha três fábricas nos
EUA e uma no Canadá; empregava cerca de 2 mil pessoas; e tinha um ganho aproximado de
U$ 25 milhões anuais antes de impostos.

No processo, Frances Heffernan, uma das filhas de Ray, se casou com Frank Rooney,
que foi severamente lembrado pelo Sr. Heffernan antes do casamento que ele não tinha a
menor chance de trabalhar com o sogro. Esse foi um dos poucos erros cometidos pelo Sr.
Heffernan: Frank se tornou CEO da Melville Shoe (agora Melville Corp.). Durante seus 23 anos
como chefe, de 1964 a 1983, os ganhos da Melville foram, em média, de 20% sobre o
patrimônio, e sua ação (ajustada por desdobramentos) saiu de U$ 16 para U$ 960. E alguns
anos depois que Frank se aposentou, o Sr. Heffernan, que tinha ficado doente, pediu para que
ele tocasse a H.H. Brown.

Depois que o Sr. Heffernan morreu em 1990, sua família decidiu vender a empresa - e
aqui é que tivemos sorte. Eu já conhecia o Frank há alguns anos, mas não bem o suficiente
para ele pensar que a Berkshire seria um comprador em potencial. Ele deu a tarefa de vender a

5
Milky Way Ice Cream Bar: picolé revestido por uma calda de chocolate. Milky Way Candy Bar: barra de
chocolate comum.
6
Julia Child foi uma famosa chef americana que tinha um programa de televisão com receitas de pratos
e doces.
Brown para um grande banco de investimentos, que também se esqueceu de pensar em nós.
Mas na primavera passada, Frank estava jogando golfe na Flórida com John Loomis, um amigo
de longa data meu e também um acionista da Berkshire, que está sempre atento a qualquer
coisa que possa fazer sentido para nós. Ao ouvir sobre a venda da Brown, John disse a Frank
que a empresa daria muito certo com a Berkshire, o que fez com que Frank prontamente me
ligasse. De cara eu já sabia que faríamos negócio, e foi o que aconteceu.

Boa parte do entusiasmo dessa compra veio do fato de que Frank estava disposto a
continuar como CEO. Como a maioria dos nossos gestores, ele não tem nenhuma necessidade
financeira de trabalhar, mas o faz porque adora o “jogo” e porque gosta de ser bom no que faz.
Gestores deste naipe não são “contratados” no sentido comum da palavra. O que podemos
fazer é oferecer uma casa de shows em que artistas empresariais deste tipo queiram se
apresentar.

Brown (que, a propósito, não tem nenhuma ligação com a Brown Shoe em St. Louis) é a
líder americana na produção de tênis e botas, e tem um histórico excelente de ganhos sobre
vendas e ativos. O ramo de calçados é difícil - dos 1 bilhão de pares comprados nos EUA todos
os anos, 85% são importados - e a maioria do fabricantes do setor tem um desempenho ruim.
A ampla gama de estilos e tamanhos que os fabricantes oferecem faz com que os estoques
sejam grandes; uma quantidade substancial de capital também fica com recebíveis. Nesse tipo
de ambiente, apenas gestores incríveis como Frank e o grupo do Sr. Heffernan conseguem
prosperar.

Um característica distinta da H.H. Brown está no seu sistema de compensação, que é


um dos mais incomuns que já encontrei - mas que acalenta meu coração: os principais
gerentes recebem um salário anual de U$ 7.800, que é acrescido de um certo percentual de
lucros da companhia depois de uma dedução do capital empregado. Esses gerentes realmente
vestem a camisa - ou melhor, os sapatos - da empresa. Por outro lado, a maioria dos gerentes
de outras companhias falam muito e fazem pouco, escolhendo sistemas de compensação que
dão muitos benefícios e poucas atribuições (isso envolve quase sempre tratar o capital social
como sendo livre de custos). O acordo na Brown, por sua vez, foi muito bom tanto para os
gerentes quanto para a empresa, o que não é surpresa alguma: gerentes que estão dispostos a
apostar alto em suas habilidades costumam ter habilidades suficientes que justifiquem essa
percepção.

************

É desencorajador notar que muito embora tenhamos feitos aquisições em quatro


momentos cujos vendedores eram representados por grandes bancos de investimento,
somente em um desses momentos fomos contatados pelo banco em si. Nos outros três casos,
eu mesmo comecei - ou um amigo começou - a transação em algum ponto depois do banco de
investimentos ter solicitado sua própria lista de prospectos. Adoraríamos que um intermediário
recebesse sua comissão ao lembrar da Berkshire. Portanto, repetimos aqui o que estamos
procurando:
(1) Grandes compras (pelo menos U$ 10 milhões em ganhos após impostos),
(2) Poder de geração de caixa consistente e já provado (projeções futuras e
turnarounds​ não chamam nossa atenção),
(3) Negócios que tenham bons retornos sobre o patrimônio líquido usando pouca ou
nenhuma dívida,
(4) Uma gestão que já esteja enraizada (nós não podemos fornecer pessoas),
(5) Negócios simples (se tiver muita tecnologia, não iremos entender),
(6) Um preço para negociação (não queremos perder o nosso tempo, nem de quem
quer nos vender, com conversas sobre uma transação que sequer tenha um
preço).

Nós não iremos nos envolver com negociações que não sejam amigáveis. Podemos
prometer total confidencialidade e uma resposta bem rápida - normalmente, em cinco minutos -
para dizer se temos interesse ou não. Nós preferimos compras em dinheiro, mas iremos
considerar a emissão de ações se formos receber tanto valor intrínseco quanto iremos dar.

Nosso formato favorito de compra é um que se encaixe no padrão pelo qual compramos
o Nebraska Furniture Mart, a Fechheimer e a Borsheim’s. Em casos assim, os gestores
normalmente desejam gerar quantias significativas de dinheiro, às vezes para eles próprios,
mas também para suas famílias ou acionistas inativos. No entanto, esses mesmos gestores
também querem continuar com uma posição acionária relevante, ao mesmo tempo em que
continuam tocando a empresa da mesma forma que vinham fazendo ao longo dos anos. Nós
acreditamos que a Berkshire é uma boa opção para donos cujos objetivos sejam esses, e
convidamos potenciais vendedores a verificar nossa idoneidade com pessoas as quais já
fizemos negócios no passado.

Frequentemente são oferecidos ao Charlie e a mim negócios que não chegam nem
perto de passar por nosso crivo: descobrimos que se anunciarmos que queremos comprar um
Border Collie, muitas pessoas irão entrar em contato oferecendo Cocker Spaniels. Um trecho
de uma música country expressa nossos sentimentos sobre ​turnarounds ou leilões: “Quando o
telefone não tocar, você saberá que sou eu.”

Além de estarmos interessados na compra de empresas inteiras como descrito acima,


também temos interesse em compras negociadas de grandes, mas não controladores, blocos
de ações, como foi o caso de nossa compra da Cap Cities, Salomon, Gillette, USAir e
Champion. No entanto, não temos interesse em receber sugestões de compras que possamos
fazer no mercado de ações comum.

Setor de seguros
Mostramos a seguir uma versão atualizada da nossa tabela com os principais números
da indústria de seguros de bens e acidentes:

A taxa combinada representa os custos totais em seguros (perdas incorridas somadas


com despesas) comparados com a receitas dos prêmios: uma taxa abaixo de 100 indica um
lucro com ​underwriting7; acima de 100, prejuízo. Quanto maior a taxa, pior o ano. Quando a
receita com investimentos que a seguradora consegue com os montantes das apólices (​float​) é
levado em conta, uma taxa no intervalo de 107-111 normalmente produz um empate entre
ganhos e perdas, excluindo os ganhos vindos com os fundos dos acionistas.

Por razões explicadas em cartas passadas, a nossa expectativa é de que as perdas


incorridas da indústria cresçam a uma taxa próxima de 10% ao ano, mesmo em um período de
inflação baixa. (Nos últimos 25 anos, as perdas incorridas cresceram a uma taxa ainda maior,
de 11%.) Se o crescimento dos prêmios ficar abaixo dos 10%, as perdas com ​underwriting irão
se acumular.

No entanto, a tendência da indústria em sub-provisionar quando as coisas vão mal pode


obscurecer o cenário real por um tempo - e isso pode descrever bem o que ocorreu no ano
passado. Embora os prêmios não tenham chegado nem perto do aumento de 10%, a taxa
combinada não piorou como eu havia previsto; no lugar disso, ela acabou melhorando um
pouco. Os dados de provisionamento da indústria indicam que há uma razão para ser cético a
respeito desse resultado, e pode ser que a taxa de 1991 tenha sido pior do que o que foi
reportado. No longo prazo, é claro, problemas surgirão para gerentes que tentam driblar
problemas operacionais com manobras contábeis. Eventualmente, gerências desse tipo

7
Processo de subscrição. Se as práticas de subscrição gerarem contratos cujos prêmios excedam as
indenizações e demais despesas, o lucro subsequente elevará a capacidade da seguradora.
acabam tendo o mesmo resultado que o paciente internado em estado grave que diz ao
médico: “Não posso pagar pela operação, mas você aceitaria um pequeno pagamento para dar
um retoque nos raios-X?”

O ramo de seguros na Berkshire mudou tanto que as taxas combinadas, nossas ou da


indústria, se tornaram irrelevantes para o nosso desempenho. O que é levado em conta por
nós são os “custos dos fundos obtidos com seguros”, popularmente conhecido como custo do
float​.

O ​float - que conseguimos gerar em quantias enormes - é o total das reservas de


perdas, reservas de ajustes de perdas e reservas de prêmios não ganhos menos as comissões
dos agentes, custos pré-pagos de aquisição e cobranças diferidas aplicáveis a um resseguro
feito. O custo do ​float​ é medido por nossa perda com ​underwriting​.

A tabela a seguir mostra o nosso custo de ​float​ desde que entramos no ramo em 1967.
Como você pode ver, o nosso custo dos fundos em 1991 foi bem menor do que o custo
do governo americano com a emissão de novos títulos de longo prazo. Na verdade,
conseguimos taxas (bem) menores do que as do governo em 20 dos 25 anos que estamos no
ramo. Nesse período de tempo, nós também aumentamos enormemente a quantidade de
fundos sob nossa custódia. Isso conta como algo favorável, mas apenas porque o custo dos
fundos tem sido satisfatório. Nosso ​float continuará crescendo; o desafio será manter esses
fundos a um custo razoável.

A Berkshire continua sendo uma enorme subscritora - talvez a maior do mundo - de


seguros “super-cat”, que são as coberturas que outras empresas de seguro compram para
proteger a si mesmas contra grandes catástrofes. Os lucros nesse tipo de negócio são
absurdamente voláteis. Como mencionei ano passado, U$ 100 milhões de prêmios super-cat,
que é mais ou menos a nossa expectativa anual, pode resultar em qualquer coisa entre U$ 100
milhões em lucros (em um ano sem grandes catástrofes) a U$ 200 milhões em prejuízos (em
um ano em que dois grandes furacões ou terremotos aconteçam em conjunto).

Nós precificamos esse negócio com uma expectativa de retorno, no longo prazo, de
90% sobre os prêmios que recebemos. Em um único ano, no entanto, poderemos parecer
incrivelmente lucrativos ou perigosamente não lucrativos. Isso acontece em parte porque a
contabilidade GAAP não nos permite fazer reservas nos anos sem catástrofes para prejuízos
que certamente ocorrerão em anos posteriores. Com efeito, o ciclo contábil de um ano não é
muito adequado para a natureza desse negócio - e essa é uma realidade que você precisa
estar ciente ao avaliar nossos resultados anuais.

No ano passado, em nossa definição, ocorreu uma super-cat. No entanto, tal evento irá
acionar os sinistros de apenas 25% de nossas apólices. Desta forma, estimamos atualmente
que o lucro de ​underwriting com o nosso ramo de catástrofes será de cerca de U$ 11 milhões.
(Você poderá ficar surpreso ao descobrir a identidade da maior catástrofe de 1991: não foi o
incêndio em Oakland nem o Furacão Bob, mas um tufão no Japão, que causou perdas
estimadas entre U$4-5 bilhões para a indústria de seguros. Com esse valor, o tufão ultrapassou
o recorde mantido pelo Furacão Hugo, detentor do recorde de maior catástrofe até então.)

As seguradoras sempre precisarão de enormes quantias de proteção de resseguros,


tanto para desastres marinhos e aéreos quanto para desastres naturais. Na década de 1980,
boa parte dos resseguros eram feitos por “inocentes” - isto é, por empresas que não entendiam
dos riscos do negócio - mas que foram obliterados completamente do ramo. (A própria
Berkshire foi bastante inocente no período em que eu mesmo toquei o setor de seguros.) As
seguradoras, assim como investidores, eventualmente repetem seus erros. Em algum momento
- provavelmente depois de alguns anos sem grandes catástrofes - inocentes irão reaparecer e
os preços para as apólices super-cat irão cair a níveis ridículos.

Enquanto os preços se mantiverem a níveis aparentemente adequados, iremos


continuar sendo um grande expoente dos seguros super-cat. Ao anunciar esse tipo de produto,
desfrutamos de uma significativa vantagem competitiva por conta da nossa excelente força
financeira. Elucubrando que as seguradoras estarão cientes disso quando um grande desastre
acontecer, muitas resseguradoras que acharam fácil subscrever apólices vão achar difícil
subscrever/assinar os cheques. (Algumas resseguradoras poderão dar a desculpa de Jackie
Mason: “Não preciso me preocupar com dinheiro pro resto da vida - desde que eu não gaste
com mais nada.”) A habilidade da Berkshire em honrar seus compromissos mesmo sob
condições de extrema adversidade é inquestionável.

De maneira geral, o setor de seguros oferece as maiores oportunidades para a


Berkshire. Mike Goldberg tem feito maravilhas nesse setor desde que ele assumiu o comando,
tornando-o um ativo muito valioso. No entanto, ainda assim é um ativo que não consegue ser
avaliado com muita precisão.
Ações

Mostramos a seguir todas as nossas posições acionárias com valores acima de U$ 100
milhões. Uma pequena parte desses investimentos pertencem a algumas subsidiárias que a
Berkshire detém menos de 100% do controle.

Como de costume, a lista reflete a nossa abordagem parcimoniosa com investimentos.


Guinness é uma posição nova. Mas já tínhamos as outras sete empresas no ano passado
(levando em conta a conversão da nossa posição na Gillette de ações preferenciais para
ordinárias), sendo que em seis delas não mudamos a quantidade de ações em carteira. A
exceção é o Federal Home Loan Mortgage (“Freddie Mac”), onde aumentamos um pouco a
nossa posição. O nosso comportamento tranquilo reflete a nossa visão de que o mercado de
ações funciona como um centro de realocação em que o dinheiro é transferido dos agitados
para os pacientes. (De maneira levemente despretensiosa, eu diria que os últimos eventos
indicam que os mal vistos “rentistas” acabaram ganhando uma má reputação: eles
conseguiram manter ou aumentar sua riqueza, enquanto que os “sofisticados” - agentes
imobiliários com estratégias agressivas, incorporadores, petroleiros, etc.- viram suas fortunas
desaparecerem.)

Nossa posição com Guinness representa o primeiro investimento significativo da


Berkshire em uma empresa que tem domicílio fora dos EUA. Guinness, no entanto, ganha
dinheiro da mesma forma que a Coca-Cola e a Gillette, empresas americanas que acumulam a
maior parte dos lucros em operações internacionais. Na verdade, sob uma óptica de onde elas
ganham dinheiro - continente a continente - Coca-Cola e Guinness têm fortes similaridades.
(Mas você nunca irá confundir as bebidas feitas por elas - e este presidente que vos fala
continua sendo um fiel escudeiro de Cherry Coke.)
Nós continuamos buscando por grandes negócios que sejam fáceis de entender,
duradouros, com ótimos fundamentos econômicos e geridos por um time de gestores
competente e pró-acionista. Esse crivo não garante bons resultados: temos que comprar a um
preço razoável e ter um desempenho em nossas companhias que valide a nossa tese. Mas
essa abordagem de investimentos - de buscar os ​superstars - é a única que nos oferece
chances reais de sucesso. Charlie e eu simplesmente não somos inteligentes o suficiente,
considerando os enormes montantes com que trabalhamos, para obter bons resultados
vendendo e comprando habilmente ações de negócios medíocres. Também não achamos que
existam muitas pessoas que consigam um resultado consistente no longo prazo pulando de
galho em galho. De fato, achamos que cunhar o termo “investidores” a instituições que
negociam ações vorazmente é o mesmo que chamar alguém que fica com outras pessoas só
por uma noite de “romântico”.

Se o meu universo de possibilidades estivesse restrito, digamos, às companhias de


capital fechado de Omaha, eu iria, em primeiro lugar, tentar avaliar as características
econômicas de longo prazo de cada negócio; depois, iria avaliar a qualidade das pessoas à
frente da empresa; por fim, iria tentar comprar as melhores operações a um preço razoável. Eu
com certeza não iria querer ter uma fatia igual de todos os negócios da cidade. Por que, então,
a Berkshire teria uma atitude diferente ao avaliar o universo de empresas de capital aberto? E
como encontrar bons negócios e bons gestores é algo muito difícil, por que deveríamos
descartar produtos já testados pelo tempo? (Eu fiquei tentado em dizer “produtos que
importam.”) Nosso lema é: “Se você acertar de primeira, não precisa tentar de novo.”

John Maynard Keynes, cujo brilhantismo nos investimentos era igual ao seu
brilhantismo intelectual, escreveu uma carta para um de seus associados, F.C. Scott, em 15 de
agosto de 1934 e que resume tudo: “Conforme o tempo passa, eu fico cada vez mais
convencido que o método certo de investimento é colocar quantias relativamente grandes em
empreendimentos que sejam compreensíveis e cuja gestão possa ser confiada cegamente. É
um engano achar que os riscos são mitigados ao diversificar os investimentos em empresas
que ninguém entende e que levantam suspeitas. A sabedoria e experiência que uma pessoa
pode ter são definitivamente limitadas, e raramente existem mais do que duas ou três
empresas em que eu pessoalmente me sinta tranquilo em colocar minha total confiança.”

Erro do dia

Na carta de 1989, escrevi sobre os “Erros dos primeiros 25 anos” e prometi atualizar a
lista em 2015. Minha experiências nos primeiros anos desse segundo “semestre” indicam que
meu histórico de assuntos a tratar vai ficar extenso demais caso eu me atenha ao plano
original. Dessa forma, irei ocasionalmente espairecer nestas páginas com a expectativa de que
uma confissão pública me impeça de tropeços futuros. (Uma análise post-mortem é útil para
hospitais e times de futebol8; por que não haveria de ser para negócios e investidores?)

Normalmente, nossos erros mais flagrantes se concentram mais na categoria de


omissão do que de comissão. Isso pode aliviar um pouco para o Charlie a para mim, uma vez
que você não vê esse tipo de erro; mas a invisibilidade deles não reduz os seus custos. Nesse
mea culpa​, não me refiro a deixar passar alguma empresa que depende de alguma invenção
esotérica (como a Xerox), alta tecnologia (Apple) ou mesmo um merchandising brilhante
(Wal-Mart). Nós nunca iremos desenvolver as competências necessárias para descobrir esses
negócios em seus estágios iniciais. Me refiro a negócios que Charlie e eu entendemos bem e
parecem claramente atrativos - mas que mesmo assim deixamos passar.

Todo escritor sabe que é bom usar exemplos surpreendentes para falar de um assunto,
mas eu gostaria que o que irei apresentar não fosse tão extremo: no início de 1988, decidimos
comprar 30 milhões de ações (ajustadas por desdobramento) da Federal National Mortgage
Association (Fannie Mae), que foi o equivalente a um investimento entre U$ 350-400 milhões.
Nós já tínhamos algumas ações da empresa há alguns anos e entendíamos do negócio. Além
disso, estava claro para nós que David Maxwell, CEO da Fannie Mae, tinha lidado muito bem
com os problemas herdados de gestões passadas e tinha transformado a companhia em uma
potência financeira - e com o melhor ainda por vir. Eu visitei David em Washington e confirmei
que ele não se sentiria incomodado caso assumíssemos uma grande posição na empresa.

Depois que compramos cerca de 7 milhões de ações, o preço começou a subir.


Frustrado, eu parei de comprar (um erro que, felizmente, eu não repeti quando as ações da
Coca-Cola subiram enquanto estávamos comprando). Em um movimento ainda mais absurdo,
eu sucumbi ao dissabor de ter uma posição pequena e vendi as 7 milhões de ações que
tínhamos.

Eu gostaria de ter uma explicação minimamente racional para meu amadorismo com a
Fannie Mae. Mas não há. O que eu posso dar é uma estimativa dos ganhos em 1991 que a
Berkshire não teve por conta do meu erro: U$ 1,4 bilhão.

Títulos prefixados

Fizemos alterações significativas na nossa carteira de prefixados em 1991. Como


comentado anteriormente, as nossas ações preferenciais da Gillette receberam uma chamada
de recebimento, o que nos forçou a convertê-las em ações ordinárias; eliminamos nossa
posição na RJR Nabisco, que foi sujeita a uma oferta de troca, sendo chamada logo em
seguida; e compramos títulos prefixados da American Express e First Empire State Corp., uma

8
​Football post-mortem ​é o termo em inglês usado para se referir à análise de uma partida após seu
encerramento.
holding bancária localizada em Buffalo. Também aumentamos levemente nossa posição em
ACF Industries que tínhamos estabelecido no final de 1990. As nossas maiores posições no
final do ano eram:

(1) Valor justo estimado por Charlie e por mim.


(2) Valor contábil constante em nossas declarações financeiras

Nossos U$ 40 milhões em ações preferenciais da First Empire State carregam um


cupom de 9%, não podem ser chamadas até 1996 e têm uma taxa de conversão para
ordinárias a um valor de U$ 78,91 por ação. Em situações normais eu acharia que o tamanho
dessa compra é muito pequeno para a Berkshire, mas eu tenho um enorme respeito por Bob
Wilmers, CEO da First Empire, e gosto de ser seu sócio, não importa em qual escala.

Nossas ações preferenciais conversíveis da American Express não são obrigações


prefixadas comuns. São uma “Perc”, que carrega um dividendo fixo de 8,85% sobre seu custo
de U$ 300 milhões. Tirando um exceção que será comentada mais adiante, nossas
preferenciais devem ser convertidas três anos após a emissão em um máximo de 12.244.898
ações. Se for necessário, um ajuste inferior na taxa de conversão será feito de forma a limitar
em U$ 414 milhões o valor total que receberemos em ações ordinárias. Embora isso crie um
teto no valor da posição em ações ordinárias que teremos após a conversão, não há piso. Os
termos das ações preferenciais, no entanto, incluem uma provisão que nos permite estender a
data de conversão em um ano se o valor da ação ordinária estiver abaixo de U$ 24,50 no
terceiro aniversário da compra.

De maneira geral, nossos investimentos prefixados têm nos tratado bem, tanto no longo
prazo como no curto. Nós realizamos grandes ganhos de capital com essas posições, incluindo
cerca de U$ 152 milhões em 1991. Além disso, nossos ​yields após impostos têm excedido de
maneira considerável àqueles de outras carteiras prefixadas.
Mesmo assim, tivemos algumas surpresas, nenhuma maior do que a necessidade de
me envolver pessoalmente e intensamente na situação do Salomon. Enquanto escrevo esta
carta, também escrevo outra para ser incluída no relatório anual do Salomon. Recomendo que
você leia esse relatório para se manter atualizado a respeito da situação da empresa. (Escreva
para: Secretária Corporativa, Salomon Inc, Seven World Trade Center, Nova York, NY, 10048)
Apesar das turbulências da empresa, Charlie e eu acreditamos que nossas ações preferenciais
conversíveis aumentaram levemente de valor em 1991. Uma taxa de juros mais baixa e um
preço mais alto pelas ações ordinárias do Salomon produziram esse resultado.

Ano passado eu disse que nosso investimento na USAir “daria bons resultados, a
menos que a indústria seja dizimada nos próximos anos.” Infelizmente, 1991 foi um ano
dizimador para o setor, uma vez que Midway, Pan am e America West foram à bancarrota. (Se
aumentar o período para 14 meses, incluiremos Continental e TWA.)

O ​valuation baixo que demos para a USAir em nossa tabela reflete o risco da indústria
não se manter lucrativa para virtualmente todas as empresas, risco esse que está longe de ser
desprezível. O risco é aumentado pelo fato de que os tribunais têm encorajado empresas
aéreas falidas a continuar operando. Essas companhias podem temporariamente cobrar um
preço na passagem que é menor do que o custo da indústria porque empresas em bancarrota
não incorrem os custos de capital de suas irmãs solventes e porque elas podem financiar suas
perdas - e evitar fechar as portas - com a venda de ativos. Essa abordagem de “queimar os
móveis para fazer lenha” usada por algumas empresas para ajustar os preços das passagens
contribui com a queda de outras linhas áereas, criando um efeito dominó perfeito para derrubar
toda a indústria.

Seth Schofield, que se tornou CEO da USAir em 1991, está fazendo grandes ajustes
operacionais na empresa para aumentar as chances dela se tornar uma das poucas
sobreviventes do setor. Não existe trabalho mais difícil no mundo corporativo americano do que
tocar uma companhia aérea: apesar da enorme quantia de capital social que foi injetada nela, a
indústria como um todo tem tido perdas líquidas desde sua aurora com o nascimento do Kitty
Hawk9. Gestores de aéreas precisam de inteligência, coragem e experiência - e Seth possui
todos esses três atributos.

Miscelânea

Cerca de 97,7% de todas as ações elegíveis participaram do programa de doações da


Berkshire de 1991. Doações feitas por meio desse programa foram de U$ 6,8 milhões, e 2.630
instituições de caridade foram beneficiadas.

9
Nome dado ao primeiro avião dos irmãos Wright.
Sugerimos que os novos acionistas leiam a descrição do nosso programa nas ​páginas
48-49​. Para participar em programas futuros, se certifique que suas ações estejam registradas
em seu próprio nome, não no nome da corretora, do banco ou de terceiros. Ações que não
estiverem registradas até 31 de agosto de 1992 não poderão participar do programa de 1992.

Além das doações vindas dos acionistas, os nossos gerentes também fazem doações,
incluindo mercadorias, de cerca de U$ 1,5 milhão por ano. Essas contribuições dão suporte a
instituições de caridade locais como a The United Way, e produzem benefícios
aproximadamente da mesma ordem para nossos negócios.

No entanto, nossos gerentes e diretores não usam a Berkshire para fazer doações a
campanhas nacionais ou atividades beneficentes que sejam de interesse pessoal, exceto ao
que podem fazer como acionistas. Se seus empregados, incluindo o CEO, querem fazer
doações para as universidades em que se formaram ou a outras instituições que tenham apego
sentimental, acreditamos que eles devam usar seu próprio dinheiro, não o seu.

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Os leitores mais antigos irão notar que, pela primeira vez em muitos anos, a carta de
Charlie aos acionistas da Wesco não foi republicada aqui. Como a carta desse ano foi
relativamente simples, Charlie disse que não havia necessidade de incluí-la aqui; meu
conselho, no entanto, é que você peça uma cópia do relatório da Wesco. Basta escrever para:
Secretária Corporativa, Wesco Financial Corporation, 315 East Colorado Boulevard, Pasadena,
CA, 91101.

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Malcolm G. Chace, Jr., agora com 88 anos, decidiu não participar da eleição como
diretor esse ano. Mas a relação da família Chace com a Berkshire não irá acabar: Malcolm III
(Kim), filho de Malcolm, será indicado em seu lugar.

Em 1931, Malcolm começou a trabalhar para a Berkshire Fine Spinning Associates, que
se fundiu com a Hathaway Manufacturing Co. em 1955 para formar a nossa atual companhia.
Dois anos depois, Malcolm se tornou o presidente da Berkshire Hathaway, posição que ele
ocupou muito bem até o começo de 1965, quando ele tornou possível para a Buffett
Partnership, Ltd. comprar um bloco-chave de ações detido por alguns de seus parentes. Essa
compra foi a responsável por nos dar controle sobre a companhia. Os parentes mais próximos
de Malcolm mantiveram suas ações da Berkshire desde então, representando a segunda maior
posição acionária em nossa companhia, atrás apenas da família Buffett. Malcolm foi um grande
companheiro para se trabalhar e estamos muito felizes que a relação de longo prazo entre a
família Chace e a Berkshire irá continuar em uma nova geração.

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O encontro anual deste ano será no Orpheum Theater, no centro de Omaha, às 9:30h
da segunda-feira, 27 de abril de 1992.
O número de participantes no ano passado foi de 1.550 pessoas, batendo nosso
recorde de público, mas ainda longe de ocupar todo o Orpheum.

Recomendamos agendar a reserva do hotel com antecedência nas seguintes opções:


(1) O Raddisson-Redick Tower, um pequeno (88 quartos) mas aconchegante hotel que fica em
frente ao Orpheum; (2) o enorme Red Lion Hotel, localizado a cerca de cinco minutos de
caminhada do Orpheum; ou (3) o Marriott, localizado na zona oeste de Omaha, a cerca de 100
metros da Borsheim’s e a vinte minutos de carro do centro. Disponibilizaremos ônibus saindo
do Marriott às 8:30h e 8:45h para o encontro, retornando ao final do evento.

Charlie e eu sempre gostamos dessa reunião, e esperamos que você possa vir. A
qualidade de nossos acionistas é refletida na qualidade das perguntas que recebemos: nós
nunca fomos a um encontro anual em que as perguntas feitas em relação ao negócio sejam tão
inteligentes e de alto nível.

Um anexo ao nosso material de divulgação explica como você pode obter o cartão
necessário para ser admitido no evento. Com o cartão de admissão, nós iremos dar
informações a respeito de estacionamentos próximos ao Orpheum. Se você estiver de carro,
chegue um pouco mais cedo. Os estacionamentos próximos ficam lotados rapidamente, e você
poderá ter de andar algumas quadras.

Como sempre, nossos ônibus irão levá-los até o Nebraska Furniture Mart e Borsheim’s
após o evento. Eles irão passar pelos hotéis e pelo aeroporto depois. Eu espero que você
separe um bom tempo para explorar todas as atrações que essas lojas oferecem. Para quem
for chegar uns dias antes do evento, você pode visitar o Furniture Mart qualquer dia da
semana; ele fica aberto das 10:00h às 17:30h aos sábados e de 12:00h às 17:30h aos
domingos. Enquanto estiver por lá, aproveite e passe no quiosque da See’s e veja porque os
americanos comeram mais de 13 mil toneladas de produtos da See’s no ano passado.

Borsheim’s normalmente fica fechada aos domingos, mas iremos abrir


excepcionalmente para os acionistas das 12:00h às 18:00h no dia 26 de abril. Borsheim’s
também irá promover uma festa especial na noite anterior e todos os acionistas estão
convidados. (Você precisa, no entanto, escrever para a Sra. Gladys Kaiser em nosso escritório
para pedir um convite.) A noite irá contar com uma mostra retrospectiva de 150 anos dos
relógios mais incríveis feitos pela Patek Philippe10, incluindo peças usadas pela Rainha Vitória,
Papa Pio IX, Rudyard Kipling, Madame Curie e Albert Einstein. A atração principal da exibição
será um relógio de U$ 5 milhões cujo design e fabricação levaram nove anos de trabalho dos
artesãos da Patek Philippe. Junto com o restante da coleção, esse relógio estará em exibição
na loja no domingo, dia 26 - a menos que Charlie o compre por impulso antes disso.

10
Marca suíça de relógios de luxo.
Nicholas Kenner me encurralou - de novo - no encontro anual do ano passado. Ele fez
questão de comentar que eu havia dito na última carta que ele tinha 11 anos em maio de 1990,
quando na verdade ele tinha 9. Então Nicholas me perguntou mordazmente: “Se você não
consegue nem acertar isso, como vou saber se os números reportados estão corretos?” Ainda
estou buscando por uma resposta inteligente para isso. Nicholas estará novamente no encontro
deste ano - ele desdenhou da minha oferta de viajar para a Disney no lugar disso - então venha
assistir à continuação dessa desigual batalha de perspicácia.

Warren E. Buffett
Presidente do Conselho

28 de fevereiro de 1992
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1992.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Nosso valor patrimonial por ação cresceu 20,3% durante 1992. Nos últimos 28 anos
(isto é, desde que assumimos a companhia), o valor patrimonial saiu de U$ 19 para U$ 7.745
ou, em termos percentuais, 23,6% ao ano.

Durante o ano, o patrimônio líquido da Berkshire cresceu U$ 1,52 bilhões. Mais de 98%
desse montante veio de ganhos e apreciações da nossa carteira de ações, e o restante veio da
emissão de novas ações. Elas foram emitidas como resultado do resgate de nossas
debêntures conversíveis em 4 de janeiro de 1993, e alguns investidores optaram por receber
ações ordinárias ao invés de dinheiro. A maior parte deste grupo que converteu as debêntures
em ordinárias esperou até janeiro para fazê-lo, mas uma outra parte realizou a operação em
dezembro e, portanto, recebeu ações em 1992. Para resumir o que aconteceu com os U$ 476
milhões em títulos que tínhamos emitido: U$ 25 milhões foram convertidos em ações antes do
final do ano; U$ 46 milhões foram convertidos em janeiro; e U$ 405 milhões foram pagos em
dinheiro. As conversões foram feitas a U$ 11.719 por ação; dessa forma, emitimos 6.106 novas
ações.

A Berkshire tem agora 1.152.547 ações em circulação. Essa quantidade é muito


próxima das 1.137.778 de ações que estavam em circulação em 1 de outubro de 1964, o início
do ano fiscal durante o qual a Buffett Partership, Ltd. adquiriu o controle da empresa.

Nós temos uma política firme a respeito da emissão de novas ações, fazendo isso
somente quando recebemos tanto valor quanto damos. Uma paridade de valor, no entanto, não
tem sido fácil de conseguir, uma vez que sempre demos um valor intrínseco alto para nossas
ações. E que assim seja: queremos aumentar o tamanho da Berkshire apenas quando isso
também aumentar a riqueza de seus acionistas.

Aumentar o tamanho da nossa empresa e a riqueza dos nossos acionistas nem sempre
andam de mãos dadas, como uma experiência passada de destruição de valor pode ilustrar.
Naquela ocasião, fizemos um investimento significativo em um banco cuja gestão estava
determinada a expandir a qualquer custo. (Não são todos assim?) Quando nosso banco atraiu
um banco menor, seu dono exigiu uma troca de ações em um acordo que avaliava o patrimônio
líquido e capacidade de ganhos da adquirida como sendo o dobro do da adquirente. Nossos
gestores - visivelmente empolgados - rapidamente concordaram. O dono da adquirida insistiu
então em mais uma condição: “Vocês tem que me prometer”, ele disse, “que uma vez que a
fusão esteja completa e eu tenha me tornado um grande acionista, vocês nunca mais farão um
negócio tão ruim quanto esse.”
Você deve se lembrar que o nosso objetivo é aumentar o valor intrínseco por ação -
para tal, o nosso valor contábil serve como um conservador, mas útil, indicador - em 15% ao
ano. Esse objetivo, no entanto, não será conseguido de forma suave. A suavidade é
particularmente enganadora por conta das regras contábeis que se aplicam às nossas
empresas seguradoras, cujos portfólios representam uma grande parte do patrimônio líquido da
Berkshire. Desde 1979, os termos GAAP1 passaram a exigir que esses títulos e valores
mobiliários fossem avaliados a valor de mercado (subtraindo um ajuste tributário para qualquer
apreciação ainda não realizada) ao invés do valor de aquisição. Flutuações comuns nos preços
das ações, portanto, fazem nossos resultados anuais girar, especialmente em comparação com
aqueles obtidos por uma empresa industrial típica.

Para ilustrar o quão volátil o nosso progresso tem sido - e para mostrar o impacto que
os movimentos de mercado têm em resultados de curto prazo - ​mostramos na capa as
variações anuais de patrimônio líquido por ação e comparamos com os resultados anuais
(incluindo dividendos) do S&P 500.

Você deve se lembrar de pelo menos três coisas ao avaliar esses dados. O primeiro
ponto tem relação com o fato de que muitos de nossos negócios têm ganhos anuais que não
são afetados pelas mudanças de preço do mercado de ações. O impacto que esses negócios
tiveram em nosso desempenho absoluto e relativo mudou ao longo dos anos.

No princípio, os retornos das nossas operações têxteis, que na época eram uma parte
significativa de nosso patrimônio líquido, representavam uma enorme âncora em nosso
desempenho, dando um resultado muito pior do que se tivéssemos investido esse dinheiro no
S&P 500. Nos anos mais recentes, conforme reuníamos uma coleção de empresas e gestores
excepcionais, os retornos vindos de nossos negócios foram altos - normalmente acima
daqueles obtidos pelo S&P 500.

Um segundo e importante fator a se considerar - e um que prejudica de forma


significativa o nosso desempenho relativo - é que tanto a receita quanto os ganhos de capital
que temos sofrem de um grande passivo tributário, enquanto que os retornos do S&P são antes
de impostos. Para compreender o problema, imagine que a Berkshire tivesse segurado nada
mais do que o índice S&P no período de 28 anos a que estamos nos referindo. Nesse cenário,
a mordida do leão teria feito com que o nosso desempenho fosse bem menor do que o histórico
do próprio S&P. Com as leis tributárias atuais, um ganho do S&P de 18% entrega um retorno
abaixo de 13% para a empresa que possui investimentos no índice. E esse problema seria
ainda mais intensificado caso as cargas tributárias aumentassem. Essa é uma desvantagem
estrutural que nós simplesmente temos que aceitar; não há o que fazer.

1
​Generally Accepted Accounting Principles (ou Termos Contábeis Normalmente Aceitos) são um
conjunto de regras contábeis para a apresentação e padronização dos resultados das empresas.
O terceiro ponto incorpora duas previsões: Charlie Munger, vice-presidente da Berkshire
e meu sócio, e eu estamos certos de que o retorno do S&P na próxima década será bem
menor do que o obtido nos últimos dez anos, e estamos mais certos ainda que o arrasto gerado
pela expansão da base de capital da Berkshire irá substancialmente reduzir nossa vantagem
histórica sobre o índice.

A primeira previsão entra em conflito com os nossos próprios princípios: acreditamos há


muito tempo de que o único valor agregado por investidores que tentam prever o mercado
acionário está em melhorar a imagem dos astrólogos. Mesmo agora, Charlie e eu continuamos
a acreditar que previsões de curto prazo do mercado são o mesmo que veneno, devendo ser
trancado e mantido em um local seguro, fora do alcance de crianças e de adultos que se
comportam como crianças no mercado de capitais. No entanto, é visível que as ações não
podem ter um desempenho acima dos fundamentos econômicos de suas respectivas empresas
por tempo indefinido (como tem sido o caso há algum tempo). Esse fato nos deixa confiantes
em nossa previsão de que o retorno ao se investir em ações na próxima década será
significativamente menor do que o obtido na década passada. Nossa segunda conclusão - que
uma base de capital elevada irá atuar como uma âncora em nosso desempenho relativo -
parece incontestável. A única questão que fica em aberto é se podemos arrastar essa âncora
em um ritmo mais lento, porém tolerável.

Nós continuaremos a vivenciar uma considerável volatilidade em nossos resultados


anuais. Isso é garantido por uma volatilidade geral no mercado de ações, pela concentração de
nossas participações em apenas algumas poucas companhias, e por certas decisões de
negócio que tomamos, especialmente o nosso movimento de reservar grandes quantias de
dinheiro para os nossos seguros contra super-catástrofes. Nós não só aceitamos, como
agradecemos essa volatilidade: uma tolerância por alterações de curto prazo melhoram os
nossos prospectos de longo prazo.

O interlúdio do Salomon

Em junho passado, saí do cargo de presidente interino do Salomon Inc. após passar
dez meses na posição. Você pode notar pelos resultados da Berkshire de 1991 e 1992 que a
companhia não sentiu tanto a minha falta. Mas o oposto não é verdade: eu senti falta da
Berkshire e estou muito feliz em estar de volta. Não existe trabalho no mundo que seja mais
divertido do que tocar a Berkshire e eu me sinto muito sortudo de estar onde estou.

O cargo no Salomon, embora longe de ter sido divertido, foi interessante e proveitoso:
na pesquisa anual da Fortune sobre sobre as empresas americanas mais admiradas, feita em
setembro passado, o Salomon ficou em segundo lugar de um total de 311 companhias,
mostrando que sua reputação foi recuperada. Adicionalmente, o Salomon Brothers, a
subsidiária de títulos do Salomon Inc., reportou ganhos recordes, antes de impostos, no ano
passado - 34 % acima do recorde anterior.

Muitas pessoas ajudaram na solução dos problemas do Salomon e na retidão da


companhia, mas algumas delas claramente merecem uma menção especial. Não é exagero
dizer que sem os esforços combinados dos executivos Deryck Maughan, Bob Denham, Don
Howard e John Macfarlane, a empresa muito provavelmente não teria sobrevivido. Em seus
ofícios, essas pessoas se mostraram incansáveis, eficientes, apoiadoras e abnegadas, e eu
serei eternamente grato a elas.

O advogado do Salomon encarregado dos assuntos com o governo, Ron Olson do


escritório Munger, Tolles & Olson, também foi um elemento-chave para o nosso êxito em sair
do problema. E tais problemas não eram apenas enormes, mas complexos. Ao menos cinco
autoridades - SEC, o Federal Reserve Bank de Nova York, o Tesouro Americano, o procurador
do distrito sul de Nova York e a divisão de antitruste do Departamento de Justiça - tinham
preocupações válidas a respeito do Salomon. Se quiséssemos resolver nossos problemas de
forma coordenada e rápida, precisaríamos de um advogado com excepcionais habilidades
jurídicas, empresariais e sociais. Ron tinha todas elas.

Aquisições

De todas as nossas atividades da Berkshire, a mais empolgante para Charlie a para


mim é a aquisição de negócios com excelentes fundamentos econômicos e com uma gestão
que gostamos, confiamos e admiramos. Tais aquisições não são fáceis de fazer, mas
buscamos por elas o tempo todo. Nessa busca, adotamos a mesma postura utilizada ao se
procurar um cônjuge: vale a pena ser esperto, interessado e de mente aberta, mas não vale a
pena ter pressa.

No passado, observei que muitos gestores sedentos por aquisições ficaram


impressionados quando eram crianças ao lerem o conto da princesa e o sapo. Lembrando do
sucesso da princesa, eles pagaram caro pelo direito de beijar sapos corporativos com a
esperança de que eles fossem se transformar. Inicialmente, resultados decepcionantes apenas
aumentaram o desejo deles de adquirir mais sapos.(“O fanatismo”, disse Santa Ana, “consiste
em redobrar seus esforços quando você se esquece de seu objetivo.”) No fim das contas, até o
mais otimista dos gestores precisa encarar a realidade. Com um monte de sapos improdutivos
em suas mãos, o gestor então anuncia uma enorme “reestruturação”. Nesse equivalente
corporativo ao programa ​Head Start2, o CEO recebe educação, mas os acionistas é quem
pagam a conta.

2
Programa americano que fornecia educação e assistência médica para crianças de famílias de baixa
renda.
No início da minha carreira como gestor eu também namorei alguns sapos. Eram sapos
baratos - nunca fui muito galante - mas meus resultados foram comparáveis aos daqueles que
pagaram caro. Eu os beijei e eles coaxaram.

Depois de alguns erros desse tipo, eu finalmente me lembrei de um útil conselho que
ouvi de um profissional de golfe certa vez (que, como todos os outros profissionais que têm
relação com o meu negócio, prefere se manter anônimo). O profissional disse: “A prática não
leva à perfeição; prática leva à permanência.” Desde então, revisei minha estratégia e passei a
tentar comprar bons negócios a preços razoáveis ao invés de negócios razoáveis a bons
preços.

No ano passado, em dezembro, fizemos uma aquisição que é o protótipo do que


buscamos. A compra foi de 82% da Central States Indemnity, uma seguradora que faz
pagamentos mensais para titulares de cartão de crédito que não conseguem pagar a fatura por
terem sofrido algum acidente ou perdido o emprego. Atualmente, os prêmios da empresa estão
em U$ 90 milhões e os lucros em U$ 10 milhões. Central States fica em Omaha e é gerida por
Bill Kizer, um amigo meu há mais de 35 anos. A família Kizer - que inclui os filhos Bill, Dick e
John - retém 18% da empresa e continuará a tocar os negócios da mesma forma como vinham
fazendo antes. Não poderíamos desejar por melhores pessoas para essa empresa.

Coincidentemente, essa última aquisição tem muita coisa em comum com a nossa
primeira, feita há 26 anos. Naquela época, compramos outra seguradora de Omaha, National
Indemnity Company (junto de uma pequena empresa-irmã) de Jack Ringwalt, outro amigo de
longa data. Jack tinha construído a empresa do zero e, assim como Bill Kizer, pensou em mim
quando quis vender. (Eis o que Jack disse na época: “Se eu não vender a empresa, o meu
executor vai, e eu gostaria de escolher para quem.”) National Indemnity era um negócio incrível
quando o compramos e ele continuou assim sob a gestão de Jack. Hollywood tem tido bastante
sucesso com ​sequels​; acho que nós também teremos.

Os critérios de aquisição da Berkshire ​estão descritos na página 23​. Além das


compras feitas pela matriz, nossas subsidiárias às vezes fazem pequenas aquisições
incrementais que aumentam sua linha de produtos ou suas capacidades de distribuição. Dessa
forma, aumentamos o domínio de gestores que sabemos que são incríveis - isso resulta em um
cenário de baixo risco e alto retorno. Fizemos cinco aquisições desse tipo em 1992, e uma
delas não foi tão pequena assim: no fim do ano, a H.H. Brown comprou a Lowell Show
Company, um negócio de U$ 90 milhões em vendas que fabrica Nursemates, um linha líder de
sapatos para enfermeiras, e outros tipos de calçados também. Nossos gerentes operacionais
continuam buscando por oportunidades incrementais, e temos a expectativa de que elas irão
contribuir de forma modesta com o valor da Berkshire no futuro.

Novamente, surgiu uma tendência que pode dificultar aquisições futuras. A matriz fez
uma aquisição em 1991, comprando a H.H. Brown, que é tocada por Frank Rooney, que tem
oito filhos. Em 1992, a nossa única aquisição foi com Bill Kizer, pai de nove. Não vai ser fácil
manter essa tendência crescente em 1993.

Fonte dos ganhos reportados

A tabela a seguir mostra as principais fontes dos ganhos reportados pela Berkshire.
Nessa forma de apresentação, a amortização do ​goodwill e outros ajustes contábeis de preço
não são descontados dos negócios aos quais têm relação, mas sim agrupados e mostrados em
separado. Essa abordagem permite que você veja os ganhos das empresas como se elas não
tivessem sido adquiridas por nós. Eu expliquei em cartas passadas os motivos que nos levam a
crer que essa forma de apresentação de resultados seja mais útil aos investidores e gerentes
do que a apresentação utilizando o GAAP, que exige que os ajustes de preços sejam feitos
empresa a empresa. Os ganhos líquidos totais mostrados em nossa tabela são, é claro,
idênticos ao valor GAAP constante em nossas declarações financeiras.
*Excluindo despesas com juros da Scott Fetzer Financial Group e Mutual Savings & Loan.
Inclui U$ 22,5 milhões em 1992 e U$ 5,7 milhões em 1991 de prêmios pagos por um
chamamento antecipado das dívidas.

Uma boa dose de informação adicional sobre esses negócios pode ser
encontrada nas páginas 37-47​, onde você também irá encontrar os ganhos por segmento
reportados nos termos GAAP. Nosso objetivo é dar a você toda a informação financeira que eu
e o Charlie gostaríamos de receber caso estivéssemos em seu lugar.

Ganhos “​look-through​”
Já discutimos sobre os ganhos ​look-through​, que consistem de: (1) os ganhos
operacionais reportados na seção anterior, somados com; (2) os ganhos operacionais retidos
pelas nossa maiores posições acionárias que, sob os termos GAAP, não se refletem em
nossos lucros, subtraídos de; (3) um subsídio ao imposto que seria pago pela Berkshire caso
esses ganhos retidos por nossos investimentos tivessem sido distribuídos a nós. Embora
nenhum valor seja perfeito, acreditamos que os números ​look-through ​representam os ganhos
da Berkshire de forma mais acurada do que os números GAAP.

Eu já comentei também que os ganhos ​look-through precisam crescer a uma taxa de


15% ao ano para que o nosso valor intrínseco cresça a uma taxa semelhante. Nossos ganhos
look-through em 1992 foram de U$ 604 milhões, e eles terão que crescer para mais de U$ 1,8
bilhão até o ano 2000 para que o objetivo dos 15% seja alcançado. Para chegarmos lá, nossas
subsidiárias e investimentos precisam entregar excelente desempenhos, e precisamos também
exercitar nossas habilidades para alocarmos bem o capital da empresa.

Nós não podemos fazer promessas de atingir o alvo de U$ 1,8 bilhão. Na verdade, pode
ser que nem cheguemos perto disso. Mas ele nos guia em nossa tomada de decisão: quando
alocamos capital hoje, pensamos no que irá maximizar os ganhos ​look-through​ em 2000.

No entanto, não encaramos esse foco no longo prazo como desculpa para não atingir
resultados decentes no curto prazo. Afinal de contas, estávamos pensando a longo prazo há
cinco ou dez anos, de forma que tais pensamentos devem dar bons resultados por agora. Se
vários plantios são feitos de forma confiante e suas colheitas são sempre decepcionantes,
então há algo de errado com o fazendeiro. (Ou talvez com a fazenda em si: investidores
precisam entender que para algumas companhias, e mesmo para alguns setores,
simplesmente não existe uma boa estratégia de longo prazo.) Da mesma forma que você deve
suspeitar de gerentes que impulsionam ganhos de curto prazo com estratégias contábeis,
vendas de ativos e coisas do tipo, você também deve se mostrar cético diante de gerentes que
não conseguem entregar bons resultados por um bom tempo e ficam culpando o foco no longo
prazo. (Mesmo Alice, depois de ouvir a Rainha dar um sermão a respeito de “geleia amanhã”,
finalmente insistiu “Eventualmente tem que ter geleia hoje.”3)

A tabela a seguir mostra como calculamos os ganhos ​look-through​. Já aviso que os


números mostrados são apenas uma aproximação grosseira. (Os dividendos pagos a nós pelas
empresas investidas foram incluídos nos ganhos operacionais da ​página 8​, sendo a maior
parte pertencente à categoria “Insurance Group: Net Investment Income.”)

3
Referência ao livro de Lewis Carroll, “Alice no País das Maravilhas”. O trecho em questão faz alusão a
uma passagem da história onde a Rainha oferece geleia como pagamento à Alice por serviços
prestados; no entanto, o pagamento da geleia é feito dia sim, dia não, de forma que a Rainha insiste que
sempre há geleia ontem e geleia amanhã, mas nunca geleia hoje.
(1) Patrimônio líquido de uma participação minoritária na Wesco.
(2) Calculado em cima da média de posição ao longo do ano.
(3) Excluindo ganhos de capital realizados, que foram recorrentes e significativos.

Operações de seguros

Mostramos a seguir uma versão atualizada da nossa costumeira tabela com os


principais valores a respeito do setor de seguros de bens e acidentes:
O índice combinado representa os custos totais dos seguros (perdas incorridas
somadas às despesas) comparados com as receitas vindas dos prêmios: um índice abaixo de
100 indica lucro com ​underwriting4; acima disso, prejuízo. Quanto maior o índice, pior o ano.
Quando os resultados dos investimentos advindos do montante das apólices (​float​) são levados
em consideração, um índice combinado no intervalo 106-110 costuma representar um empate
entre receitas e despesas, excluindo os ganhos obtidos pelos fundos dos acionistas.

Cerca de quatro pontos percentuais no índice combinado de 1992 podem ser atribuídos
ao Furacão Andrew, que causou o maior prejuízo em seguros na história. Andrew destruiu
algumas seguradoras menores. Além disso, ele despertou grandes empresas para o fato de
que suas coberturas de resseguros estavam muito aquém do necessário. (Quando a maré
baixa é que conseguimos ver que está nadando pelado.) Uma grande seguradora escapou da
insolvência apenas porque tinha uma controladora rica o suficiente para prover uma enorme
transfusão de capital.

Por pior que tenha sido, o Furacão Andrew poderia ter sido ainda mais desastroso caso
tivesse atingido a Flórida 30-50 quilômetros norte de onde atingiu ou ido ainda mais ao leste da
Louisiana. De toda maneira, muitas companhias irão repensar seus programas de resseguro
após a experiência com o Andrew.

Como você sabe, somos um grande subscritor - talvez o maior do mundo - de


coberturas “super-cat”, que são apólices que outras seguradoras compram para se proteger de

4
Processo de subscrição. Se as práticas de subscrição gerarem contratos cujos prêmios excedam as
indenizações e demais despesas, o lucro subsequente elevará a capacidade da seguradora.
perdas catastróficas. Assim, também tivemos percalços com o Andrew, sofrendo perdas de
cerca de U$ 125 milhões, uma quantia aproximadamente igual à receita de prêmios super-cat
em 1992. Nossas outras perdas super-cat, no entanto, foram desprezíveis. Essa linha de
negócios produziu, portanto, uma perda geral de apenas U$ 2 milhões no ano. (Além disso, a
nossa empresa investida, GEICO, teve um prejuízo líquido com o Andrew - após coberturas de
resseguros e deduções tributárias - de U$ 50 milhões, dos quais nossa participação é de
aproximadamente U$ 25 milhões. Essa perda não afetou nossos ganhos operacionais, mas
reduziu nossos ganhos ​look-through​.)

No ano passado eu disse a vocês que tinha a expectativa de que o nosso ramo de
apólices super-cat iria, ao longo do tempo, nos dar uma margem de lucro de 10%. Mas também
avisei que em um único ano os resultados poderiam ser “incrivelmente lucrativos ou
perigosamente não lucrativos.” No lugar disso, os anos de 1991 e 1992 tiveram resultados
bastante equilibrados. Mesmo assim, encaro esses resultados como sendo totalmente
incomuns e mantenho a minha previsão de grandes variações de lucratividade nesse ramo.

Deixe-me lembrá-lo de algumas características de nossas políticas de super-cat. De


forma geral, elas são “ativadas” somente quando duas coisas acontecem. Primeiro, a
seguradora ou resseguradora que estamos protegendo precisam sofrer perdas acima de uma
determinado valor - essa é a “retenção” do segurado - em uma catástrofe; e segundo, as
perdas vindas dos seguros em toda a indústria devem exceder um limite mínimo, que costuma
ser de U$ 3 bilhões ou mais. Na maioria dos casos, as apólices que emitimos cobrem apenas
uma área geográfica específica, como uma parte dos EUA, os EUA como um todo ou qualquer
outro lugar que não os EUA. Além disso, muitas apólices não são “ativadas” pela primeira
super-cat que atende os termos necessários, mas sim por eventos secundários, terciários ou
até mesmo quaternários. Por fim, algumas apólices entram em ação apenas por uma catástrofe
de tipo específico, como um terremoto. Nossas exposições são grandes: nós temos uma
apólice que requer o pagamento de U$ 100 milhões ao segurado caso uma catástrofe
específica aconteça. (Agora você sabe o motivo de eu sofrer de fadiga visual: é de assitir a
previsão meteorológica.)

Atualmente, a Berkshire é a segunda maior seguradora do país em termos de


patrimônio líquido (a líder é a State Farm, que não compra e nem vende resseguros). Dessa
forma, temos a capacidade de assumir risco em uma escala que não é de interesse de
nenhuma outra companhia.

Nós temos o apetite para isso: conforme o patrimônio líquido e ganhos da Berkshire
aumentem, nossa vontade em subscrever aumenta na mesma proporção. Mas deixe-me
acrescentar que essa vontade se restringe a bons negócios. O ditado “Um bobo e seu dinheiro
são convidados para todas as festas” é mais verdadeiro do que nunca em resseguros, de forma
que rejeitamos mais de 98% das ofertas que recebemos. Nossa habilidade em escolher boas
propostas em detrimento às ruins é um reflexo da nossa força gerencial, que é igual à nossa
força financeira: Ajit Jain, que toca a operação de resseguros, é simplesmente o melhor no que
faz. Essas forças em conjunto garantem que permaneceremos com uma importante
participação nos eventos super-cat, desde que eles sejam subscritos a preços apropriados.

O que constitui um preço apropriado é difícil de determinar. Seguradoras de catástrofes


não podem simplesmente extrapolar a partir de experiências passadas. Se realmente há um
aquecimento global, por exemplo, as probabilidades iriam mudar, uma vez que pequenas
mudanças nas condições atmosféricas podem produzir importantes mudanças nos padrões
climáticos. Além disso, tem havido um grande crescimento nos últimos anos da população e de
valores assegurados em áreas costais dos EUA que são suscetíveis a furacões, os principais
causadores de eventos super-cat. Um furacão que causou X dólares de dano há 20 anos
poderia facilmente custar dez vezes mais atualmente.

Ocasionalmente, o impensável acontece. Quem poderia pensar que um enorme


terremoto iria acontecer em Charleston, South Carolina? (Ocorreu em 1886, com uma
intensidade de 6,6 na Escala Richter, e causou 60 mortes.) E quem imaginaria que o terremoto
mais sério que já aconteceu em nosso país ocorreria em New Madrid, Missouri, com um
choque de 8,7 em 1812. Para comparação, o terremoto de 1989 em São Francisco foi de 7,1 -
ou seja, o de Missouri foi dez vezes mais forte em magnitude. Algum dia, um terremoto nos
EUA longe da Califórnia irá causar enormes perdas para as seguradoras.5

Ao olhar nossos resultados trimestrais, você deve ter em mente que nossa contabilidade
para os prêmios de super-cats é diferente da contabilidade de prêmios comuns. Ao invés de
registrar nossos prêmios super-cat em uma base pro-rata durante a duração da apólice, nós
adiamos a receita até que uma perda aconteça ou a apólice expire. Nós adotamos essa
abordagem conservadora porque a chance de uma super-cat nos causar perdas é
particularmente maior no final do ano. É nessa época que os fenômenos meteorológicos
começam a ter mais força: das dez maiores perdas com seguros na história americana, nove
delas ocorreram na segunda metade do ano. Além disso, apólices que não são ativadas por um
primeiro evento têm pouca chance de nos causar prejuízos até os últimos meses do ano.

O resultado dessa abordagem contábil para as super-cats é: grandes perdas poderão


ser registradas em qualquer trimestre do ano, mas lucros significativos irão aparecer apenas no
quarto trimestre em si.

************

A tabela a seguir mostra o nosso custo de ​float​ desde que entramos no ramo em 1967.

5
A maior parte dos terremotos que ocorrem nos EUA atingem a costa oeste do país, onde fica a
Califórnia.
No ano passado, nossa operação de seguros gerou, mais uma vez, fundos a um custo
abaixo do que o incorrido pelo governo americano com a emissão de novos títulos de longo
prazo. Isso significa que em 21 dos 26 anos que estamos no ramo nós batemos a taxa do
governo, normalmente por ampla margem. (Se, na média, nós não tivéssemos um
desempenho melhor do que o governo, não haveria razão econômica para continuar no
negócio.)

Em 1992, como em anos anteriores, o ramo de carros e seguros em geral da National


Indemnity, liderada por Don Wurster, e nossa operação própria, liderada por Rod Eldred,
fizeram excelentes contribuições ao nosso baixo custo de ​float​. De fato, essas duas operações
registraram lucro com ​underwriting no ano passado, gerando ​float a um custo menor do que
zero. A maior parte do nosso ​float continua vindo de grandes transações feitas por Ajit. Seus
esforços provavelmente irão ocasionar um crescimento no ​float​ em 1993.
Charlie e eu continuamos a gostar do ramo de seguros e temos a expectativa de que
ele seja nossa principal fonte de ganhos nas próximas décadas.

A indústria é enorme; em alguns setores, conseguimos competir a nível global; e a


Berkshire possui uma importante vantagem competitiva. Nós iremos buscar por formas de
expandir nossa participação no negócio, seja indiretamente como fizemos pela GEICO, ou
diretamente como fizemos adquirindo a Central States Indemnity.

Investimentos em ações

Mostramos a seguir as nossas posições acionárias maiores do que U$ 100 milhões.


Uma pequena parte desses investimentos pertencem à subsidiárias as quais a Berkshire detém
menos do que 100%.

Deixando os desdobramentos de lado, o número de ações que temos nessas empresas


se alteraram em apenas quatro momentos em 1992: aumentamos levemente nossa posição
em Guinness e Wells Fargo, mais do que dobramos em Freddie Mac e abrimos uma nova
posição em General Dynamics. Nós gostamos de comprar.

Vender, por outro lado, é outra história. Nesse caso, nosso nível de atividade se
assemelha ao do viajante que chegou em uma pequena cidade do interior chamada Podunk6 e
se hospedou no único hotel que tinha por lá. Sem TV no quarto, ele logo se viu diante de uma

6
Figura de linguagem em inglês que remete a uma cidade hipotética comumente tida como monótona e
insignificante.
tediosa noite pela frente. Mas ele logo se animou ao ver um livro sobre o criado mudo chamado
“O que fazer em Podunk.” Ao abri-lo, ele leu a única frase impressa: “Você já o está fazendo.”

Tivemos sorte na nossa compra da General Dynamics. Eu tinha prestado pouca


atenção na empresa até o verão passado, quando eles anunciaram que iriam recomprar 30%
de suas ações por meio de um leilão holandês7. Vendo uma oportunidade de arbitragem, eu
comecei a comprar ações para a Berkshire esperando fazer uma proposta de venda para obter
um pequeno lucro. Nós já tínhamos feito esse tipo de coisa várias vezes no passado,
conseguindo taxas decentes de retorno durante os curtos períodos em que o nosso dinheiro
ficou “comprometido”.

Mas aí eu comecei a estudar a empresa e as conquistas que Bill Anders tinha


alcançado no curto período que estava como CEO. E o que vi fez meus olhos brilharem: Bill
tinha uma estratégia claramente racional e articulada; ele estava focado e imbuído com um
senso de urgência em tocar a estratégia adiante; e os resultados eram realmente
extraordinários.

Rapidamente eu deixei de lado a arbitragem e decidi que a Berkshire deveria se tornar


um investidor de longo prazo com Bill. Nós conseguimos montar uma grande posição porque
um leilão do tipo que foi anunciado pela empresa aumenta o volume de negociações das
ações. Em um período de um mês, conseguimos comprar 14% das ações da General
Dynamics que ficaram em circulação após o leilão ter se encerrado.

************

Nossa estratégia de investimento em ações mudou pouco do que era há quinze anos,
quando comentamos o seguinte na carta de 1977: “Nós selecionamos nossas ações da mesma
forma que avaliamos um negócio quando queremos comprá-lo por inteiro. Nós queremos que o
negócio seja um que (a) possamos entender; (b) como prospectos favoráveis para o longo
prazo; (c) operado por pessoas honestas e competentes; e (d) com um preço muito atrativo.”
Nós mudamos apenas um pequeno detalhe nessa crença: por conta das condições atuais de
mercado e por conta de nosso tamanho, nós substituímos “um preço atrativo” por “um preço
muito atrativo.”

Mas você pode se perguntar “como alguém decide o que é atrativo?” Ao responder essa
pergunta, a maior parte dos analistas pensam que precisam escolher uma de duas abordagens
que parecem ser opostas: “valor” e “crescimento”. Muitos profissionais de investimento vêem
qualquer mistura desses dois termos como sinal de que a pessoa não sabe o que está falando.

7
Formato de leilão em que as compras vão sendo feitas do maior para o menor valor ofertado, se
encerrando quando o produto a ser vendido (ou ação) se esgota.
Por outro lado, nós vemos isso como um pensamento ​fuzzy (que, confesso, passei a
praticar há alguns anos.) Em nossa opinião, as duas abordagens tem uma conexão umbilical: o
crescimento é sempre um componente no cálculo do valor, constituindo uma variável cuja
importância pode ir de desprezível a enorme e cujo impacto pode ser tanto negativo quanto
positivo.

Além disso, acreditamos que o termo “investimento em valor” é redundante. O que é


“investimento” senão o ato de buscar um valor que seja ao menos suficiente para justificar o
montante pago? Pagar de forma consciente e acima do valor por uma ação - com a esperança
de que ela rapidamente possa ser vendida por um preço mais alto ainda - deve ser
categorizado como especulação (o que não é ilegal, imoral ou - em nossa opinião -
financeiramente recompensador).

Apropriado ou não, o termo “investimento em valor” é amplamente utilizado. Ele


tipicamente tem a conotação de compra de ações com atributos como uma baixa relação entre
preço e valor patrimonial, baixa relação entre preço e lucro ou um alto ​dividend yield​.
Infelizmente, tais características, mesmo que apareçam em conjunto, estão longe de
determinar se um investidor de fato está comprando algo que vale a pena e, portanto, operando
pelo princípio de obter valor em seus investimentos. Da mesma forma, características opostas -
uma alta relação entre preço e valor patrimonial, alta relação de preço e lucro e um baixo
dividend yield​ - não são inconsistentes com uma compra de “valor”.

De forma semelhante, o crescimento de negócio por si só nos diz pouco a respeito de


seu valor. É verdade que o crescimento frequentemente tem um impacto positivo no valor, às
vezes com proporções espetaculares. Mas um efeito desses é longe de certo. Por exemplo,
investidores frequentemente despejam dinheiro em linhas aéreas domésticas para financiar um
crescimento sem lucros (ou coisa pior). Teria sido muito melhor se Orville não tivesse alçado
voo em Kitty Hawk8: quanto mais o setor cresceu, pior foi o desastre para os donos (os
acionistas).

O crescimento beneficia os investidores somente quando o negócio em questão pode


investir com retornos incrementais que sejam atraentes - em outras palavras, apenas quando
cada dólar usado para financiar o crescimento cria mais de um dólar em valor de mercado a
longo prazo. No caso de negócios que requerem fundos incrementais e possuem um retorno
baixo, o crescimento é prejudicial ao investidor.

Na Teoria do Investimento em Valor, escrito há mais de 50 anos, John Burr Williams


descreve a equação do valor, que condensamos aqui: o valor de qualquer ação, título ou
empresa hoje é determinado pelos fluxos de caixa - descontados a uma taxa apropriada - que
irão ocorrer em perpetuidade. Note que a fórmula é a mesma para ações e para títulos. Mesmo
assim, há uma diferença importante, e difícil de lidar, entre eles: um título tem um cupom e data

8
Kitty Hawk foi a cidade onde os irmãos Wright fizeram seu primeiro voo. Orville era o piloto.
de vencimento que definem os fluxos de caixa futuros; mas no caso de ações, o analista
precisa estimar os cupons por conta própria. Além disso, a qualidade da gestão afeta os
cupons dos títulos apenas raramente - basicamente quando a gestão é tão inapta e desonesta
que o pagamento de juros é suspenso. Por outro lado, uma gestão habilidosa pode afetar de
forma dramática os “cupons” das ações.

O investimento que se mostrar mais barato pelo fluxo de caixa descontado é aquele que
deve ser comprado pelo investidor - independentemente do negócio ter crescimento ou não, ter
ganhos voláteis ou suaves ou ter um preço alto ou baixo em relação aos seus ganhos atuais e
valor contábil. Além do mais, embora a equação de valor normalmente mostre que ações são
mais baratas do que títulos, isso não é inevitável: quando os títulos se mostram o investimento
mais atrativo, eles devem ser comprados.

Deixando a questão de preço de lado, o melhor negócio a se ter é aquele que


consegue, por muito tempo, empregar uma grande quantia de capital incremental com altas
taxas de retorno. O pior negócio a se ter é um que faça o contrário - isto é, que
consistentemente empregue quantias cada vez maiores de capital a taxas cada vez menores
de retorno. Infelizmente, o primeiro tipo de negócio é muito difícil de encontrar: a maioria dos
negócios com altos retornos não precisam de muito capital. Acionistas de negócios assim
costumam se beneficiar mais quando as empresas decidem distribuir a maior parte de seus
ganhos em forma de dividendos ou quando realizam significativas recompras.

Embora os cálculos matemáticos necessários para avaliar ações não sejam difíceis, um
analista - mesmo um que seja experiente e inteligente - pode facilmente estimar de maneira
errada os “cupons” futuros. Na Berkshire, tentamos lidar com esse problema de duas formas.
Primeiro, tentamos nos restringir apenas a negócios que entendemos. Isso significa que eles
precisam ser relativamente simples e estáveis. Se um negócio é complexo ou sujeito a muitas
mudanças, não temos intelecto o suficiente para calcular os fluxos de caixa futuros. A
propósito, esse fato não nos incomoda. O que importa para a maior parte das pessoas no
mundo dos investimentos não é o quanto elas sabem, mas o quão realisticamente elas definem
o que não sabem. Um investidor precisa fazer apenas algumas poucas coisas certo, desde que
ele ou ela evite grandes erros.

Segundo, e igualmente importante, insistimos em ter uma margem de segurança em


nosso preço de compra. Se verificarmos que o valor de uma ação está apenas um pouco acima
de seu preço atual, não teremos interesse em comprá-la. Acreditamos que esse princípio de
margem de segurança, defendido de maneira tão enfática por Ben Graham, é o alicerce do
sucesso em investimentos.

Títulos prefixados
Mostramos a seguir nossas maiores posições em títulos prefixados:

(1) Valor contábil em nossas declarações financeiras.


(2) Valor justo determinado por Charlie e por mim.

Durante 1992, aumentamos nossa posição nas debêntures da ACF, alguns de nossos
títulos da WPPSS venceram e vendemos nossa posição da RJR Nabisco.

Ao longo dos anos tivemos bons resultados com investimentos prefixados, tendo
realizado grandes ganhos de capital (incluindo U$ 80 milhões em 1992) e um excepcional fluxo
de receitas. Chrysler Financial, Texaco, Time-Warner, WPPSS e RJR Nabisco se mostraram
investimentos particularmente lucrativos para nós. Ao mesmo tempo, nossas perdas com
prefixados foram muito pequenas: tivemos algumas baixas, mas nada que fosse colossal.

Apesar do sucesso que tivemos com nossas ações preferenciais da Gillette, que foram
convertidas em ações ordinárias em 1991, e apesar dos resultados razoáveis que tivemos com
outras compras negociadas de preferenciais, nosso desempenho em tais compras foi inferior
ao que obtivemos com compras feitas no mercado secundário. Na verdade, já esperávamos
isso. Está em linha com nossa crença de que um investidor inteligente em ações terá sempre
um resultado melhor no mercado secundário do que comprando novas emissões.

A razão para tal está ligada à forma em que os preços são definidos em cada
modalidade. O mercado secundário, que é periodicamente dominado por uma histeria em
massa, constantemente define novos preços de “equilíbrio”9. Não importa o quão insensato
esse preço seja, é o que conta para o detentor de uma ação ou título que precisa, ou deseja,
vender seus ativos. Sempre irão existir pessoas nessa situação. Em muitos casos, ações que
valiam X foram vendidas no mercado por metade disso, às vezes até menos.

9
Preço que é hipoteticamente atingido quando a oferta e demanda ficam em perfeito equilíbrio.
O mercado de novas emissões, por outro lado, é dominado por acionistas majoritários e
corporações que, normalmente, escolhem o momento das ofertas ou, caso o mercado não
esteja favorável, evitam fazer a oferta. Compreensivelmente, essa ponta vendedora não irá
oferecer nenhuma barganha, seja por meio de uma oferta pública ou uma transação negociada:
é raro encontrar X por metade do preço em situações assim. Na verdade, no caso de oferta de
ações, a ponta vendedora se sente motivada a soltar a emissão somente quando o mercado
está aquecido e caro. (Obviamente, esses vendedores iriam dizer algo um pouco diferente
disso e comentariam que simplesmente resistiram fazer a venda porque o mercado não estava
dando o devido valor aos seus ativos.)

Até o presente momento, nossas compras negociadas como um todo têm sido em linha
com, mas não excedido, as expectativas que colocamos em nossa carta de 1989: “Os
investimentos em ações preferenciais irão produzir retornos moderadamente acima dos obtidos
pela maior parte dos portfólios prefixados.” Para ser sincero, nós teríamos um resultado melhor
se tivéssemos colocado o dinheiro dessas transações em compras no mercado do tipo que
gostamos. Mas tanto o nosso tamanho quanto a força em geral dos mercados tornaram isso
difícil para nós.

Tivemos outra frase memorável da carta de 1989: “No entanto, não temos a habilidade
de prever os fundamentos do ramo de bancos de investimento, do setor aéreo ou do setor de
jornais.” Na época, alguns de vocês duvidaram dessa admissão de ignorância. Agora, no
entanto, até a minha mãe reconhece essa verdade.

No caso de nossa posição na USAir, os fundamentos econômicos se deterioraram antes


da tinta da nossa assinatura secar em nosso cheque. Como eu já mencionei anteriormente, fui
em quem pulou na piscina; ninguém me empurrou. Sim, eu sabia que o setor seria muito
competitivo, mas eu não esperava que os líderes da indústria permanecessem com um
comportamento suicida por tanto tempo. Nos últimos dois anos, as companhias aéreas têm se
comportado como membros de uma competitiva tontina10, que eles desejam encerrar o quanto
antes.

No meio desse turbilhão, Seth Schofield, CEO da USAir, tem feito um trabalho
extraordinário de reposicionamento da empresa. Ele se mostrou particularmente corajoso em
aceitar uma greve no final do ano passado que, se tivesse sido demorada, poderia ter levado a
companhia à bancarrota. Capitular com o sindicato, por outro lado, teria sido igualmente
desastroso: a empresa estava sobrecarregada de custos salariais e trabalhistas que eram
consideravelmente mais onerosos do que àqueles incidentes nos principais competidores e
estava claro que qualquer empresa de alto custo estaria fadada à extinção. Felizmente, a greve
foi negociada e se encerrou em poucos dias.

10
​Espécie de associação mútua em que o capital dos sócios que morreram passa para os sócios
sobreviventes.
Um negócio assolado pela competitividade como a USAir requer habilidades gerenciais
muito maiores do que em um ramo com bons panoramas econômicos. Infelizmente, a
recompensa de curto prazo para as habilidades gerenciais no setor aéreo é a mera
sobrevivência, não a prosperidade.

No início de 1993, a USAir deu um importante passo para assegurar sua sobrevivência -
e eventual prosperidade - ao aceitar um grande, mas ainda minoritário, investimento da British
Airways na companhia. Junto dessa transação, Charlie e eu fomos convidados a integrar a
diretoria da USAir. Nós concordamos, embora isso faça com que tenhamos agora cinco
membros externos, o que eu considero um certo exagero para um CEO ativo como Seth.
Mesmo assim, se a gestão de uma de nossas companhias investidas acredita ser
particularmente importante que Charlie e eu participemos da diretoria, nós o fazemos com
prazer. Nós esperamos que os gestores de nossas empresas investidas trabalhem duro para
aumentar o valor do negócio que tomam conta, e há momentos em que grandes acionistas,
como nós, precisam contribuir também.

Duas novas regras contábeis e um apelo para mais uma

Uma nova regra contábil relacionada com impostos diferidos entrou em vigor em 1993.
Ela desfaz a dicotomia em nossas declarações financeiras que eu descrevi em cartas
anteriores e que tem relação com os impostos corridos em apreciação não realizada em nosso
portfólio de investimentos. No final de 1992, a apreciação somava U$ 7,6 bilhões. Desse
montante, carregávamos impostos de 34% sobre U$ 6,4 bilhões. O restante, U$ 1,2 bilhão, nós
carregávamos um imposto corrido de 28%, que era a faixa em vigor quando a apreciação
relacionada a esse montante ocorreu. A nova regra contábil diz que devemos correr todos os
impostos diferidos à faixa presente, o que achamos bastante razoável.

Essa nova ordem significa que iremos aplicar uma taxa de 34% no primeiro trimestre de
1993 a toda a nossa apreciação não realizada, aumentando assim o custo tributário e
diminuindo o patrimônio líquido em cerca de U$ 70 milhões. A nova regra também irá ocasionar
pequenas mudanças na forma como calculamos nossos impostos diferidos.

Outra grande mudança contábil, cuja implementação deve começar no dia 1 de janeiro
de 1993, torna mandatório que as empresas reconheçam seus passivos a valor presente para
benefícios em planos de saúde após a aposentadoria. Embora o GAAP já tenha exigido o
reconhecimento de pensões a serem pagas no futuro, ele sumariamente ignorou os custos que
as empresas iriam ter com os benefícios médicos. A nova regra irá fazer com que muitas
companhias registrem um enorme passivo em seus balanços financeiros (seguido por uma
consequente redução no patrimônio líquido). Daqui em diante, tal regra também irá fazer com
que elas reconheçam custos bem maiores no cálculo dos lucros anuais.
Ao fazer aquisições, Charlie e eu temos evitado empresas que tenham grandes
passivos de aposentadorias. Como resultado, o passivo presente e futuro da Berkshire com
benefícios médicos a serem pagos após a aposentadoria - embora tenhamos 22 mil
funcionários - será mínimo. Mas preciso admitir que a história quase teve outro rumo: em 1982,
eu cometi um enorme erro ao me comprometer a comprar uma companhia que estava
sobrecarregada de obrigações após aposentadorias. Por sorte, o negócio não foi pra frente por
razões alheias à nossa vontade. Ao comentar sobre esse episódio na carta de 1982, disse: “Se
colocássemos gráficos nestes relatórios ilustrando os desdobramentos favoráveis de
negociações do ano passado, a melhor representação seria duas páginas em branco ilustrando
essa aquisição que não deu certo.” Mesmo assim, eu não esperava que as coisas ficassem tão
ruins como ficaram. Outro comprador surgiu, o negócio rapidamente fechou e faliu e milhares
de trabalhadores descobriram que aquelas generosas promessas de aposentadoria não valiam
mais nada.

Nas décadas recentes, nenhum CEO sonharia em ir para uma reunião da diretoria com
uma proposta de a companhia começar a pagar benefícios médicos pós-aposentadoria
ilimitados simplesmente porque outras empresas começaram a fazer isso. Um CEO não
precisa ser um médico experiente para saber que o aumento da expectativa de vida e dos
custos envolvidos com saúde iriam garantir uma surra financeira nesse aspecto.

No entanto, muitos gestores alegremente abraçaram a ideia e comprometeram suas


próprias companhias com planos de saúde que contemplavam exatamente essas promessas -
e assim condenaram todos os acionistas a sofrerem as inevitáveis consequências. Nos
cuidados com a saúde, promessas generosas demais criaram passivos ainda mais generosos
ao ponto de ameaçar a competitividade global de grandes indústrias americanas.

Eu acredito que parte do motivo desse comportamento errático foi que as regras
contábeis não exigiam o registro de custos médicos pós-aposentadoria conforme eles eram
incorridos. No lugar disso, as regras permitiam uma contabilidade ​cash-basis11 que mascarava
muito o crescimento dos passivos. Com efeito, a atitude dos gestores e contadores a respeito
desses passivos era a de “O que os olhos não veem, o coração não sente.” Ironicamente,
alguns desses mesmos gestores eram críticos ferrenhos do Congresso por utilizar um
pensamento ​cash-basis em relação às promessas da seguridade social ou outros programas
que iriam criar passivos significativos no futuro.

Gestores que pensam a respeitos dos problemas contábeis não devem nunca se
esquecer de uma das charadas favoritas de Abraham Lincoln: “Quantas pernas um cachorro
tem se você chamar o rabo de perna?” A resposta: “Quatro, porque chamar o rabo de perna

11
​ um método que registra transações contábeis de receitas e despesas apenas quando
O ​cash-basis é
um montante é devidamente recebido ou os pagamentos são realmente efetuados. Assim, as receitas
são registradas apenas quando o cliente paga uma conta e as despesas são contabilizadas apenas
quando são quitadas de fato.
não o transforma em uma perna.” Cabe os gestores lembrar que Abraham está certo, mesmo
se um auditor insistir em dizer que o rabo é uma perna.

************

O caso mais flagrante do comportamento de não encarar a realidade ocorreu no mundo


das opções. Na carta anual da Berkshire de 1985, eu expus a minha opinião a respeito do bom
e mau uso de opções. Mas mesmo quando as opções são estruturas de forma apropriada, elas
são contabilizadas de maneiras que não fazem sentido. A falta de lógica não é acidental:
durante décadas, boa parte do mundo empresarial fez uma verdadeira guerra contra as regras
contábeis de forma a impedir que os custos das opções fossem refletidos nos lucros das
companhias que as emitiam.

Em casos típicos, os executivos argumentavam que as opções eram difíceis de serem


precificadas e, portanto, seus custos deveriam ser ignorados. Em outros casos, os gestores
diziam que atribuir um custo às opções poderia ser prejudicial para ​startups​. E alguns
chegaram a solenemente declarar que opções fora do dinheiro (aquelas cujo preço de exercício
é igual ou maior do que o preço atual da ação no mercado) não têm valor algum quando são
emitidas.

Estranhamente, o Conselho de Investidores Institucionais entrou em cena com uma


opinião levemente diferente sobre o tema, dizendo que as opções não devem ser vistas como
um custo porque elas “não são dólares que saem dos cofres das empresas.” Eu vejo esse tipo
de opinião como a oferta de inúmeras possibilidades para que as indústrias americanas
instantaneamente aumentem seus lucros. Por exemplo, elas poderiam eliminar o custo de
seguros ao pagá-los com opções. Assim, se você for um CEO adepto dessa teoria contábil de
“sem dinheiro-sem custo”, eu farei uma oferta que você não poderá recusar: ligue para a
Berkshire e nós ficaremos felizes em vender seguros em troca de um pacote de opções de
longo prazo das ações de sua companhia.

Os acionistas devem entender que as empresas incorrem em custos quando elas


entregam algo de valor a uma outra parte e não apenas quando o dinheiro troca de mãos. Além
disso, é insensato e cínico dizer que um importante item de custo não deve ser reconhecido
simplesmente porque ele não pode ser quantificado com precisão infinitesimal. Atualmente, as
regras contábeis estão abundantes em imprecisão. Afinal de contas, nenhum gerente ou
auditor sabe quanto tempo um Boeing 747 irá durar, o que significa que eles também não
sabem qual deve ser a depreciação anual do avião. Ninguém sabe com exatidão qual a perda
anual em empréstimos que um banco vai ter. E as estimativas que as empresas seguradoras
fazem são notavelmente imprecisas.

Isso significa que esses importantes itens de custo devem ser ignorados simplesmente
porque não podem ser quantificados com precisão? É claro que não. Ao invés disso, tais
custos devem ser estimados por pessoas honestas e experientes e então registrados nos livros
contábeis. No frigir dos ovos, que outro grande, porém difícil de calcular, custo - além de
opções de ações - a profissão de contador diz para ser ignorada no cálculo dos ganhos?

Além disso, as opções não são tão difíceis assim de serem valoradas.
Reconhecidamente, a dificuldade aumenta pelo fato de que as opções dadas a executivos são
restringidas em várias maneiras. Essas restrições afetam o valor. Mas elas não o eliminam. Na
verdade, como estou de bom-humor para fazer ofertas, farei uma delas a qualquer executivo
que receba uma opção restrita, mesmo que seja fora do dinheiro: no dia da emissão, a
Berkshire irá pagar a ele ou ela uma substancial quantia pelo direito de qualquer ganho futuro
que ele ou ela realize com a opção. Assim, se você encontrar um CEO que diz que sua nova
emissão de opções não tem valor algum, diga a ele para aceitar essa oferta. Para ser sincero,
nós temos muito mais confiança em nossa habilidade em determinar o preço apropriado a se
pagar por uma opção do que em nossa habilidade em determinar a taxa de depreciação do
nosso jato corporativo.

Me parece que as realidades das opções podem ser resumidas de maneira simples: se
as opções não são uma forma de compensação, o que elas são? Se a compensação não é um
gasto, o que ela é? E se os gastos não devem fazer parte do cálculo do lucro, onde eles devem
estar?

A profissão de contador e a SEC deveriam ter vergonha do fato de terem sido


pressionadas por tanto tempo por executivos na questão da emissão de opções. Além do mais,
o ​lobby que os executivos fazem pode ter um subproduto: em minha opinião, a elite
empresarial corre o risco de perder a credibilidade em assuntos de grande significado para a
sociedade - que pode ter muitas coisas importantes a dizer - quando advoga apenas em causa
própria.

Miscelânea

Nós temos duas notícias lamentáveis esse ano. A primeira é que Gladys Kaiser, minha
amiga e assistente por vinte e cinco anos, irá abrir mão de seu cargo após o encontro anual de
1993, embora certamente permanecerá sendo minha amiga eternamente. Gladys e eu
formamos um bom time, e embora eu já soubesse que sua aposentadoria estava chegando,
ainda assim fiquei abalado.

Segunda, em setembro, Verne McKenzie deixou seu cargo de ​Chief Financial Officer
(CFO) depois de trinta anos de uma sociedade comigo que teve início quando ele era o auditor
externo da Buffett Partnership, Ltd. Verne continuará como consultor, e embora esse título seja
um eufemismo, ele tem um real significado nesse caso. Eu espero que Verne continue a ter um
papel importante na Berkshire, mas que o faça em seu próprio tempo. Marc Hamburg,
assistente de Verne por cinco anos, irá sucedê-lo como ​Chief Financial Officer​.
Eu lembro que uma certa mulher, ao ser perguntada sobre como deveria ser o cônjuge
perfeito, descreveu um arqueólogo: “Quanto mais velha fico”, ela disse, “mais interessado ele
fica em mim.” Ela teria gostado de mim: eu valorizo muito os extraordinários gestores da
Berkshire que trabalham muito além da idade de aposentadoria e, ao mesmo tempo, atingem
resultados muito melhores do que seus competidores mais jovens. Embora eu entenda e tenha
empatia com a decisão de Verne e Gladys de se aposentarem quando o calendário diz que
está na hora, não é o tipo de coisa que encorajo. É difícil ensinar velhos truques a um cachorro
novo.

************

Eu me sinto uma pessoa moderada a respeito da minha visão sobre aposentadoria


quando comparado com Rose Blumkin, mais conhecida como Sra. B. Aos 99 anos, ela
continua a trabalhar sete dias por semana. Sobre ela, tenho notícias particularmente boas.

Você deve se lembrar que após a família dela ter vendido 80% do Nebraska Furniture
Mart (NFM) para a Berkshire em 1983, a Sra. B continuou sendo presidente da companhia e
chefe do setor de carpetes. Em 1989, no entanto, ela saiu da empresa por discordâncias
gerenciais e abriu sua própria operação próximo ao NFM em um enorme galpão que ela tinha
há alguns anos. Em seu novo negócio, ela continuou chefiando o setor de carpetes, mas fez
um ​leasing​ dos outros departamentos de móveis para casa.

Ao final do ano passado, a Sra. B decidiu vender o galpão e alugá-lo para o NFM. Mas
ela continuará como chefe da seção de carpetes em seu local atual (não faz sentido diminuir o
ritmo justo quando se está pegando embalo). O NFM irá vender ao seu lado, naquele mesmo
galpão, fazendo assim uma grande adição ao seu ramo de móveis.

Eu estou maravilhado pelo fato da Sra. B ter se juntado a nós novamente. Sua história
empresarial não tem paralelos e eu sempre fui um fã dela, seja como sócia ou como
competidora. Mas acredite, tê-la como sócia é melhor.

Dessa vez, a Sra. B graciosamente se ofereceu a assinar uma cláusula de


não-competição - e eu, sendo descuidado a respeito desse ponto quando ela tinha 89 anos,
fechei o contrato. A Sra. B merece estar no Guinness - Livro dos Recordes por vários motivos.
Assinar uma cláusula de não-competição aos 99 é apenas mais um deles.

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Ralph Schey, CEO da Scott Fetzer e um gestor que eu espero que ainda esteja
conosco quando fizer 99 anos, atingiu um grande feito no ano passado quando a empresa
lucrou um recorde de U$ 110 milhões antes de impostos. O que é mais impressionante é que a
Scott Fetzer conseguiu esse resultado usando apenas U$ 116 milhões de capital social. Esse
lucro extraordinário não foi resultado de alavancagem: a empresa usa quantias mínimas de
dinheiro emprestado (exceto pela dívida que ela usa - de forma apropriada - em sua subsidiária
financeira).

Scott Fetzer opera atualmente com um investimento significativamente menor em


estoque e ativos imobilizados do que quando a compramos em 1986. Isso significa que a
empresa conseguiu distribuir mais do que 100% dos seus lucros para a Berkshire durante os
sete anos desde que a compramos e, ao mesmo tempo, aumentou muito a sua geração de
caixa - que já era excelente pra começo de conversa. Ralph simplesmente continua se
superando, e os acionistas da Berkshire lhe devem muito respeito.

************

Os leitores mais atentos irão notar que nossas despesas corporativas caíram de U$ 5,6
milhões em 1991 para U$ 4,2 milhões em 1992. Talvez você esteja achando que vendemos o
nosso jato corporativo, chamado de O Indefensável. Nem pensar! O pensamento de aposentar
o avião é mais revoltante do que o pensamento de aposentar este presidente que vos fala.
(Tenho demonstrado uma incomum flexibilidade nesse ponto: por anos eu fui vorazmente
contra a ideia de jatos corporativos. Até que meu dogma foi ultrapassado pelo meu karma.)

Nossa redução em gastos corporativos ocorreu porque as despesas foram


particularmente altas em 1991, quando incorremos em uma multa ambiental não-recorrente a
respeito de atividades pré-1970 em nosso setor têxtil. Agora que as coisas voltaram ao normal,
nosso custo após impostos está abaixo de 1% dos nossos lucros operacionais reportados e
menos de metade de 1% dos nossos ganhos ​look-through​. Não temos departamento de
relações públicas, advocatício, de pessoal, de relação com investidores e nem de planejamento
estratégico. Por consequência, isso indica que não temos funcionários como guardas,
motoristas, mensageiros, etc. Finalmente, exceto por Verne, não temos nenhum consultor. O
Professor Parkinson12 iria gostar da nossa operação - embora eu precise dizer que Charlie
ainda a ache absurdamente inchada.

Em algumas empresas, os gastos corporativos chegam perto de 10% dos lucros


operacionais. O “dízimo” que essas operações cobram da matriz não apenas prejudicam os
lucros, mas acaba com o valor do capital. Se um negócio que gasta 10% dos ganhos tiver um
lucro operacional idêntico ao de um negócio que gasta 1%, os acionistas do primeiro
empreendimento irão sofrer uma perda de 9% no valor de suas participações simplesmente por
conta de despesas corporativas. Charlie e eu não observamos nenhuma correlação entre altos
custos corporativos e alto desempenho corporativo. Na verdade, vemos que as operações mais
simples e de baixo custo operam de forma mais eficiente do que suas irmãs burocratas. Somos

12
Historiador naval britânico e autor do famoso livro A Lei de Parkinson (1957) onde cunhou que “o
trabalho se expande para ocupar todo o tempo disponível para sua finalização.”
admiradores dos modelos do Wal-Mart, Nucor, Dover, GEICO, Golden West Financial e Price
Co.

************

No fim do ano passado, o preço da ação da Berkshire ultrapassou os U$ 10 mil. Alguns


acionistas comentaram comigo que o alto preço causou problemas para eles: eles gostam de
dar ações de presente todos os anos e se viram impedidos de fazer isso por conta da regra
tributária que faz uma distinção entre presentes anuais de U$ 10 mil ou menos para uma única
pessoa daqueles acima de U$ 10 mil. Isto é, os presentes que não ultrapassam U$ 10 mil são
completamente isentos; aqueles acima de U$ 10 mil acabam sendo taxados.

Posso sugerir três formas de endereçar esse problema. A primeira é útil a um acionista
que é casado, que pode dar até U$ 20 mil a uma única pessoa desde que o doador entre com
um pedido de restituição contendo um consentimento por escrito do(a) cônjuge a respeito dos
presentes dados ao longo do ano.

A segunda forma é que o acionista, casado ou não, pode fazer uma ​bargain sale13.
Imagine, por exemplo, que a ação da Berkshire esteja sendo negociada a U$ 12 mil e que uma
pessoa deseja presentear alguém até o limite de U$ 10 mil. Nesse caso, venda a ação ao
presenteado por U$ 2 mil. (Cuidado: você será taxado em qualquer quantia excedente do seu
preço de venda que ultrapasse sua faixa de imposto de renda.)

Por fim, você pode estabelecer uma sociedade com as pessoas que está presenteando,
financiá-la com ações da Berkshire e simplesmente dar percentuais de participação na
sociedade todos os anos. Essas participações podem ser do valor que você desejar. Se o valor
for U$ 10 mil ou menos, o presente será isento de imposto.

Emitimos o habitual o aviso: converse com seu próprio contador antes de tomar
qualquer atitude a respeito de métodos mais esotéricos para presentear alguém.

Ainda mantemos a nossa visão sobre desdobramentos que comentamos na carta de


1983. De maneira geral, acreditamos que nossas políticas relacionadas aos acionistas -
incluindo a de não fazer desdobramentos - têm nos ajudado a atrair um grupo de pessoas que
é o melhor que qualquer grande companhia americana poderia querer. Nossos acionistas
pensam e se comportam como investidores de longo prazo e enxergam o negócio da mesma
maneira que Charlie e eu enxergamos. Por consequência, nossa ação é consistentemente
negociada a um preço muito próximo ao valor intrínseco da companhia.

Além disso, acreditamos que nossas ações trocam de mãos em um ritmo muito mais
lento do que em outras empresas. Os custos envolvidos no t​ rading - que acabam atuando

13
Venda de um produto ou serviço muito abaixo do preço de mercado.
como um grande “imposto” aos acionistas de várias companhias - são virtualmente inexistentes
na Berkshire. (As habilidades de ​market-making de Jim Maguire, nosso especialista na New
York Stock Exchange, definitivamente ajuda a manter esses custos mais baixos.) Obviamente,
um desdobramento não iria mudar essa situação de forma dramática. Mesmo assim, os novos
acionistas atraídos pelo desdobramento não seriam tão bons quanto o grupo atual que temos.
Assim, se o desdobramento acontecesse, acreditamos que haveria uma modesta redução na
qualidade da nossa base acionária.

************

Como mencionei anteriormente, fizemos um chamamento em 16 de dezembro das


nossas debêntures conversíveis cupom-zero para o pagamento em 4 de janeiro de 1993.
Essas obrigações tinham juros de 5,5%, um custo baixo quando foram emitidas em 1989, mas
uma taxa desinteressante para nós quando fizemos o chamamento.

As debêntures poderiam ter sido resgatadas de acordo com a vontade do portador em


setembro de 1994, mas uma taxa de 5,5% até lá não teria sido vantajosa para nós. Além disso,
os acionistas da Berkshire ficariam em desvantagem com uma opção de conversão disponível
no mercado. Quando emitimos as debêntures, essa desvantagem era compensada pela
atraente taxa de juros que carregavam; ao final de 1992, isso já não era mais verdade.

Em geral, continuamos a ter aversão às dívidas, especialmente as de curto prazo. Mas


estamos dispostos a incorrer em pequenas dívidas quando elas se mostrarem adequadamente
estruturadas e ter um significativo benefício aos acionistas.

************

Cerca de 97% de todas as ações elegíveis participaram do programa de doações da


Berkshire de 1992. As contribuições arrecadadas foram de U$ 7,6 milhões e 2.810 instituições
de caridade foram beneficiadas. Estou pensando em aumentar essas contribuições
futuramente a uma taxa que seja maior do que o aumento do valor contábil da Berkshire e
adoraria ouvir o que vocês pensam a respeito disso.

Sugerimos que os novos acionistas leiam a descrição do nosso programa de doações,


que se encontra nas ​páginas 48-49​. Para participar em programas futuros, se certifique que
suas ações estejam registradas em seu próprio nome, não no da corretora, do banco ou de
terceiros. Ações que não estiverem registradas até 31 de agosto de 1993 não poderão
participar do programa de 1993.

Além das doações vindas dos acionistas, os nossos gerentes também fazem doações,
incluindo mercadorias, de cerca de U$ 1,5 milhão por ano. Essas contribuições dão suporte a
instituições de caridade locais como a The United Way, e produzem benefícios
aproximadamente da mesma ordem para nossos negócios.
No entanto, nossos gerentes e diretores não usam a Berkshire para fazer doações a
campanhas nacionais ou atividades beneficentes que sejam de interesse pessoal, exceto ao
que podem fazer como acionistas. Se os empregados de vocês, acionistas, incluindo o CEO,
querem fazer doações para as universidades em que se formaram ou a outras instituições que
tenham apego sentimental, acreditamos que eles devam usar seu próprio dinheiro, não o seu.

************
Este ano, o nosso encontro anual irá ocorrer no Orpheum Theater, no centro de Omaha,
às 9:30h da segunda-feira, 26 de abril de 1993.

Um recorde de 1.700 pessoas compareceram ao evento do ano passado, mas ainda


tem muito espaço a ser preenchido no Orpheum.

Recomendamos agendar a reserva do hotel com antecedência nas seguintes opções:


(1) O Raddisson-Redick Tower, um pequeno (88 quartos) mas aconchegante hotel que fica em
frente ao Orpheum; (2) o enorme Red Lion Hotel, localizado a cerca de cinco minutos de
caminhada do Orpheum; ou (3) o Marriott, localizado na zona oeste de Omaha, a cerca de 100
metros da Borsheim’s e a vinte minutos de carro do centro. Disponibilizaremos ônibus saindo
do Marriott às 8:30h e 8:45h para o encontro, retornando ao final do evento.

Charlie e eu sempre gostamos dessa reunião, e esperamos que você possa vir. A
qualidade de nossos acionistas é refletida na qualidade das perguntas que recebemos: nós
nunca fomos a um encontro anual em que as perguntas feitas em relação ao negócio sejam tão
inteligentes e de alto nível.

Um anexo ao nosso material de divulgação explica como você pode obter o cartão
necessário para ser admitido no evento. Com o cartão de admissão, nós iremos dar
informações a respeito de estacionamentos próximos ao Orpheum. Se você estiver de carro,
chegue um pouco mais cedo. Os estacionamentos próximos ficam lotados rapidamente, e você
poderá ter de andar algumas quadras.

Como sempre, nossos ônibus irão levá-los até o Nebraska Furniture Mart e Borsheim’s
após o evento. Eles irão passar pelos hotéis e pelo aeroporto depois. Eu espero que você
separe um bom tempo para explorar todas as atrações que essas lojas oferecem. Para quem
for chegar uns dias antes do evento, você pode visitar o Furniture Mart qualquer dia da
semana; ele fica aberto das 10:00h às 17:30h aos sábados e de 12:00h às 17:30h aos
domingos. Enquanto estiver por lá, aproveite e passe no quiosque da See’s e veja porque
Charlie e eu crescemos (na horizontal) desde que compramos a See’s em 1972.

Borsheim’s normalmente fica fechada aos domingos, mas iremos abrir


excepcionalmente para os acionistas das 12:00h às 18:00h no domingo, 25 de abril. Charlie e
eu estaremos lá, portando nossas lupas de joalheiros e prontos para dar conselhos a respeitos
de pedras preciosas a qualquer um que seja insensato o suficiente para ouvir. Também
teremos muita Cherry Coke, doces da See’s e outras guloseimas. Espero que você possa vir.

Warren E. Buffett
Presidente do Conselho

1 de março de 1993
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1993.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Nosso valor patrimonial por ação aumentou 14,3% durante 1993. Ao longo dos últimos
29 anos (isto é, desde que assumimos o controle da companhia), o valor patrimonial saiu de U$
19 para U$ 8.854, o que equivale a uma taxa de 23,3% ao ano.

Durante o último ano, o patrimônio líquido da Berkshire aumentou U$ 1,5 bilhão, valor
esse que foi afetado por dois itens positivos e dois itens negativos na seara operacional. Pelo
bem da transparência e completude, vou explicá-los aqui. Se você não morre de amores por
contabilidade, fique à vontade para pular esta discussão:

1. O primeiro efeito negativo veio com uma mudança no GAAP1 relacionada com
impostos corridos sobre apreciações não realizadas nos ativos que carregamos
a valor de mercado. A regra antiga dizia que a taxa a ser cobrada seria a que
estivesse em vigor na época em que a apreciação foi auferida. Assim, ao final de
1992, nós usávamos a taxa de 34% sobre os lucros de U$ 6,4 bilhões
conseguidos após 1986 e 28% sobre o lucro de U$ 1,2 bilhão obtidos antes
disso. A nova regra estipula que a tributação deve ser feita usando
simplesmente a taxa mais recente. A taxa no primeiro trimestre de 1993, quando
essa regra começou a valer, era de 34%. Aplicando-a aos ganhos obtidos antes
de 1987, nosso patrimônio líquido foi reduzido em cerca de U$ 70 milhões.
2. O segundo aspecto negativo, e que tem relação com o primeiro, surgiu quando a
taxa de imposto corporativo subiu para 35% no terceiro trimestre de 1993. Essa
alteração de 1% sobre os ganhos não realizados nos penalizou em U$ 75
milhões em patrimônio líquido. Estranhamente as regras GAAP exigiram que
ambas as cobranças adicionais fossem deduzidas dos ganhos que reportamos,
mesmo que a apreciação não realizada que deu origem às cobranças nunca
tenha sido incluída nos ganhos em si, mas sim creditadas diretamente no
patrimônio líquido.
3. Outra mudança no GAAP ocorrida em 1993 afetou o valor ao qual carregamos
nossos ativos. Nos anos recentes, tanto ações comuns quanto alguns ativos
equivalentes a ações detidos por nossas empresas seguradoras foram avaliados
a valor de mercado, enquanto que os ativos detidos pela matriz ou por nossas
subsidiárias fora do ramo de seguros foram carregados ao custo agregado ou ao
valor de mercado, o que fosse menor. Agora, o GAAP diz que todas as ações
comuns devem ser carregadas a valor de mercado, regra esse que começamos

1
Generally Accepted Accounting Principles (ou Termos Contábeis Normalmente Aceitos). Conjunto de
regras contábeis para a apresentação e padronização dos resultados das empresas.
a seguir no quarto trimestre de 1993. Essa alteração produziu um ganho no
patrimônio líquido reportado pela Berkshire de U$ 172 milhões.
4. Por fim, emitimos algumas ações no ano passado. Na transação descrita na
carta anterior, emitimos 3.994 ações no início de janeiro de 1993 com a
conversão de U$ 46 milhões em debêntures que fizemos o chamamento
antecipado. Adicionalmente a isso, emitimos 25.203 ações quando adquirimos a
Dexter Shoe, compra que iremos discutir com mais detalhes nesta carta. O
resultado geral foi que o número de ações em circulação aumentou em 29.147 e
o nosso patrimônio líquido em U$ 478 milhões. O valor patrimonial por ação
também aumentou porque as ações emitidas nessas transações tinham um
preço maior do que o valor contábil.

É claro que o que importa é o valor intrínseco por ação, não o valor patrimonial. Valor
patrimonial é um termo contábil que mede o capital, incluindo os ganhos retidos, que foi
colocado em um negócio. Valor intrínseco é uma estimativa do valor presente do caixa que
pode ser obtido por uma empresa durante o restante de sua história. Na maioria das empresas,
esses dois valores não são relacionados. A Berkshire, no entanto, é um exceção: nosso valor
patrimonial, embora muito menor do que nosso valor intrínseco, serve como uma medida útil
para acompanhar este último. Em 1993, cada um desses dois valores cresceu a uma taxa
aproximada de 14%, resultado esse que eu chamaria de satisfatório, mas não empolgante.

Esses ganhos, por outro lado, foram ultrapassados por um ganho muito maior - de 39%
- no valor de mercado da Berkshire. Ao longo do tempo, no entanto, o valor de mercado e o
valor intrínseco tendem a convergir para o mesmo ponto. Porém, no curto prazo, esses dois
valores costumam divergir bastante, um fenômeno que eu já discuti em cartas anteriores. Dois
anos atrás, Coca-Cola e Gillette, duas grandes posições nossas, passaram por um aumento de
valor de mercado que ultrapassou de forma gritante o aumento que elas tiveram nos lucros. Na
carta de 1991 eu disse que as ações dessas empresas não poderiam continuar tendo ganhos
maiores do que os fundamentos de suas respectivas empresas.

De 1991 a 1993, a Coca-Cola e a Gillette aumentaram seus ganhos operacionais por


ação em 38% e 37%, respectivamente, mas seus valores de mercado aumentaram apenas
11% e 6%. Em outras palavras, as companhias valorizaram mais do que suas ações, um
resultado que, sem dúvida alguma, reflete parcialmente a nova preocupação de Wall Street
com marcas famosas.

Qualquer que seja o motivo, o que irá contar ao longo do tempo é o desempenho dos
lucros dessas companhias. Se elas prosperarem, a Berkshire também irá prosperar, embora
não de uma maneira sincronizada.

Deixe-me acrescentar uma lição vinda da história: a Coca-Cola abriu capital em 1919 a
U$ 40 por ação. Ao final de 1920, o mercado, friamente reavaliando os prospectos futuros
empresa, derreteu a ação em mais de 50%, a U$ 19,50. No final de 1993, aquela única ação,
com dividendos reinvestidos, valia mais de U$ 2,1 milhões. Como Ben Graham disse certa vez:
“No curto prazo, o mercado é como uma urna eleitoral - reflete uma votação que depende
apenas de dinheiro, não de inteligência ou estabilidade emocional - mas, no longo prazo, o
mercado é como uma balança de precisão.”

Dessa forma, como o desempenho acima do mercado que a Berkshire teve no último
ano deve ser encarado? Claramente a Berkshire estava sendo vendida a um percentual mais
alto do valor intrínseco ao final de 1993 do que no início do ano. Por outro lado, em um mundo
com taxas de juros de longo prazo entre 6% a 7%, o valor de mercado da Berkshire não foi
desproporcional se - e esse é um enorme se - Charlie Munger, vice-presidente, e eu
conseguirmos manter nossa meta de aumentar o valor intrínseco da Berkshire a uma taxa de
15% ao ano. Mas enfatizamos, como temos feito há muitos e muitos anos, que o crescimento
de nossa base de capital torna o objetivo dos 15% cada vez mais difícil de ser alcançado.

Nossa situação atual é que temos uma coleção em expansão de grandes negócios com
fundamentos econômicos que vão de bom a incríveis, geridos por pessoas cujo desempenho
vai de incrível a incrível. Você não precisa se preocupar com este grupo.

A alocação de capital que Charlie e eu fazemos na empresa matriz com os fundos que
nossos gestores nos entregam tem um destino mais incerto: não é fácil encontrar novos
negócios e gestores que sejam comparáveis aos que temos atualmente. Apesar dessa
dificuldade, Charlie e eu gostamos dessa busca incansável e temos muita satisfação em
anunciar um importante sucesso que tivemos em 1993.

Dexter Shoe

O que fizemos no ano passado foi simplesmente expandir nossa compra em 1991 da
H.H. Brown, uma fabricante de sapatos, botas e outros calçados que é extremamente bem
tocada. Brown tem se mostrado uma verdadeira vencedora: apesar das grandes expectativas
que tínhamos quando a compramos, tais expectativas foram superadas com folga graças a
Frank Rooney, Jim Issler e os talentosos gerentes que trabalham com eles. Por conta da nossa
confiança na equipe de Frank, nós adquirimos a Lowell Shoe ao final de 1992. Lowell era uma
fabricante já bem estabelecida de sapatos femininos e de enfermeiras, mas precisava de
alguns ajustes. Novamente, os resultados superaram nossas expectativas. Sendo assim, nós
prontamente aproveitamos a oportunidade de comprar a Dexter Shoe, fabricante de calçados
populares masculinos e femininos localizada em Dexter, Maine. Dexter, posso afirmar, não
precisa de ajuste algum. É uma das empresas mais bem administradas que Charlie e eu já
vimos em nossas vidas.

Harold Alfond, que começou a trabalhar numa fábrica de sapatos por 25 cents por hora
quando tinha 20 anos de idade, fundou a Dexter em 1956 com U$ 10 mil de capital. Peter
Lunder, seu sobrinho, se juntou a ele em 1958. Os dois construíram um negócio que fabrica
hoje mais de 7,5 milhões de pares de sapatos por ano, a maioria feita em Maine, com a matéria
sintética vinda de Porto Rico. Como você provavelmente deve saber, a indústria doméstica de
calçados normalmente não consegue competir com as importações de países com
mão-de-obra mais barata. Mas alguém se esqueceu de contar isso para as engenhosas
gestões da Dexter e H.H. Brown e suas talentosas forças de trabalho que, juntas, tornaram as
fábricas americanas de ambas as empresas competitivas contra todos os entrantes.

A operação da Dexter inclui 77 lojas, localizadas majoritariamente na região nordeste do


país. A companhia também é uma grande fabricante de tênis de golfe, produzindo cerca de
15% do volume consumido nos EUA. Seu carro-chefe, no entanto, é a fabricação de calçados
tradicionais para lojas tradicionais, um trabalho que ela faz com excelência: no ano passado,
tanto a Nordstrom e J.C. Penney2 concederam prêmios especiais para a Dexter por seu
desempenho como fornecedora de calçados em 1992.

Os nossos resultados de 1993 incluem a Dexter somente após a data de aquisição, em


7 de novembro. Em 1994, esperamos que as operações de calçados da Berkshire gerem mais
de U$ 550 milhões em vendas, e não nos supreenderíamos se os ganhos combinados, antes
de impostos, somassem mais de U$ 85 milhões. Cinco anos atrás nós sequer pensávamos em
entrar no ramo de calçados. Agora, temos mais de 7.200 funcionários nessa indústria e eu
canto “There’s No Business Like Shoe Business”3 enquanto dirijo até o trabalho. Que belo
planejamento estratégico, não?

Na Berkshire, não temos nenhuma visão do futuro que dita quais negócios ou setores
iremos entrar. Na verdade, acreditamos ser bem ruim aos acionistas de uma grande empresa
quando esta embarca em novos empreendimentos para perseguir uma visão “arrojada”. No
lugar disso, preferimos focar nos fundamentos econômicos dos negócios que desejamos entrar
e nas características pessoais dos gestores com os quais queremos nos associar - e então
torcemos para que tenhamos sorte em encontrar uma combinação das duas coisas. Com a
Dexter, conseguimos isso.

************

E agora uma breve pausa para um comercial: embora eles tivessem controle de uma
joia empresarial, acreditamos que Harold e Peter (que não estavam interessados em dinheiro)
tomaram uma boa decisão ao trocar suas ações da Dexter por ações da Berkshire. O que eles
fizeram, na prática, foi trocar uma participação de 100% em um negócio maravilhoso por uma
participação um pouco menor em um grande conjunto de negócios maravilhosos. Nenhum
imposto foi incorrido nessa transação, e eles agora possuem um ativo que pode facilmente ser
utilizado para fins de caridade ou presente, ou ser convertido em dinheiro no momento que eles

2
Nordstrom e J.C. Penney são lojas de departamento.
3
Brincadeira com o nome da comédia musical “There’s No Business Like Show Business”, uma vez que
“show” e “shoe” possuem uma fonética muito próxima em inglês.
acharem mais conveniente. Se os membros da família quiserem, eles podem buscar vários
caminhos financeiros sem se preocupar com complicações que costumam surgir quando os
ativos estão concentrados em um único negócio de capital fechado.

Por diversas razões, inclusive tributárias, companhias de capital fechado


frequentemente têm dificuldades em diversificar fora de seus respectivos ramos. A Berkshire,
por outro lado, consegue diversificar com facilidade. Dessa forma, ao mudar suas participações
para a Berkshire, os acionistas da Dexter encontraram uma solução para o problema de
reinvestimento. Além disso, embora Harold e Peter possuam agora participações
não-controladoras na Berkshire, o resultado do investimento deles a partir da data de aquisição
vai passar a ser exatamente igual ao meu. Uma vez que tenho um enorme percentual do meu
patrimônio atrelado de forma vitalícia às ações da Berkshire - e uma vez que a empresa não irá
emitir ações restritas ou opções para mim - a minha equação de lucro/prejuízo vai ser sempre
igual às dos outros acionistas.

Mais ainda, Harold e Peter sabem que cuprimos nossas promessas na Berkshire: não
haverá mudanças no controle ou na cultura da Berkshire em muitas décadas por vir.
Finalmente, e de importância substancial, Harold e Peter podem estar certos de que irão
continuar a tocar seus negócios - uma atividade que eles amam do fundo do coração -
exatamente da mesma forma que faziam antes da nossa aquisição. Na Berkshire, nós não
ensinamos o padre a rezar a missa.

O que fez sentido para Harold e Peter provavelmente faz sentido para alguns outros
donos de grandes empresas de capital fechado. Dessa forma, se você possui um negócio que
se encaixe em nosso perfil, nos avise. ​Nossos critérios de aquisição são mostrados no
apêndice, na página 22​.

Fonte dos ganhos reportados

A tabela a seguir mostra as principais fontes dos ganhos reportados pela Berkshire.
Nesse formato de apresentação, a amortização do ​goodwill e outros ajustes contábeis de preço
não são descontados das empresas as quais têm relação, mas sim somados e mostrados em
separado. Esse procedimento permite que você veja os ganhos das empresas da forma que
elas apresentariam caso não tivessem sido compradas por nós. Já expliquei em cartas
passadas os motivos que essa forma de apresentação nos parece ser mais útil aos
investidores e gerentes do que o GAAP, que requer que os ajustes de preço sejam feitos
empresa a empresa. O lucro líquido total que mostramos na tabela é idêntico ao lucro GAAP
que consta em nossas declarações financeiras auditadas.
* Inclui os lucros da Dexter somente a partir da data de aquisição: 7 de novembro de 1993.
** Excluindo gastos com juros da Commercial and Consumer Finance. Em 1992, inclui U$ 22,5
milhões de prêmio que foram pagos pelo resgate antecipado da dívida.

Uma grande quantidade de informação adicional a respeito desses negócios pode ser
encontrada nas ​páginas 38-49​, onde você irá encontrar também os ganhos obtidos em cada
segmento no formato GAAP. Além disso, ​nas páginas 52-59​, nós rearranjamos os dados
financeiros da Berkshire em quatro segmentos em um formato fora das regras GAAP que
representa a forma com que Charlie e eu pensamos a respeito da companhia. Nossa intenção
é fornecer a você informações financeiras que gostaríamos de ter acesso caso estivéssemos
em seu lugar.

Ganhos ​“look-through”

Nós já discutimos em cartas passadas a respeito dos ganhos ​look-through​, que


acreditamos ser um retrato mais fiel dos ganhos da Berkshire do que o resultado GAAP.
Calcular esses ganhos consiste em: (1) os ganhos operacionais reportados na seção anterior,
somados com; (2) os ganhos operacionais retidos por nossas principais posições que, sob a
contabilidade GAAP, não são refletidos em nossos lucros, subtraídos de; (3) uma estimativa
dos impostos que seriam pagos pela Berkshire caso os ganhos retidos fossem distribuídos a
nós. Os “ganhos operacionais” que falamos aqui não englobam os ganhos de capital, itens
contábeis especiais e valores envolvidos em reestruturações.

Ao longo do tempo, os nossos ganhos ​look-through precisam crescer a uma taxa de


cerca de 15% ao ano para que nosso valor intrínseco cresça com essa mesma taxa. No ano
passado, eu expliquei que precisaríamos aumentar esses ganhos em U$ 1,8 bilhão até o ano
2000 para atingir esse objetivo dos 15%. Como emitimos ações adicionais em 1993, esse valor
passou agora a ser de U$ 1,85 bilhão.

Esse é um objetivo difícil, mas é um que esperamos que vocês partilhem conosco. No
passado, fizemos duras críticas à prática gerencial de atirar a flecha do desempenho primeiro e
depois pintar o alvo onde ela acertar. Nós, por outro lado, preferimos pintar o alvo primeiro e
depois atirar.

Se quisermos acertar o alvo na mosca, precisaremos de um mercado que permita a


compra de negócios e ativos a preços razoáveis. No momento o mercado está difícil, mas ele
pode - e irá - mudar de forma inesperada em momentos inesperados. No meio tempo,
tentaremos resistir à tentação de fazer algo que resulte em um incremento marginal apenas
porque temos muito dinheiro em caixa. Não faz sentido nenhum correr se você estiver na pista
errada.

A tabela a seguir mostra como calculamos os ganhos ​look-through​, embora eu já avise


que os valores mostrados são apenas estimativas aproximadas. (Os dividendos pagos a nós
por essas empresas foram incluídos nos ganhos operacionais itemizados na página 8, seção
“Insurance Group: Net Investment Income.”)
(1) Não inclui as ações relacionadas a uma posição minoritária na Wesco.
(2) Calculado na média de posicionamento ao longo do ano.
(3) Excluindo ganhos de capital, que têm sido tanto recorrentes quanto significativos.
(4) A taxa de tributação usada é de 14%, que é a taxa que a Berkshire paga sobre os
dividendos recebidos.

Nós já dissemos que esperamos que os ganhos não distribuídos hipoteticamente


tributáveis de nossas empresas investidas produzam ganhos equivalentes no valor intrínseco
da Berkshire. Até o momento, conseguimos superar com folga essa expectativa. Por exemplo,
em 1986 nós compramos três milhões de ações da Capital Cities/ABC por U$ 172,50 por ação
e vendemos um terço dessa participação no ano passado a U$ 630 por ação. Após pagar
impostos de 35% sobre os ganhos de capital, nós realizamos U$ 297 milhões de lucro com a
venda. Por outro lado, durante os oito anos em que seguramos essas ações, os ganhos retidos
pela Capital Cities atribuíveis a elas - hipoteticamente taxadas a 14%, seguindo nosso método
de ​look-through​ - foram de apenas U$ 152 milhões.

Em outras palavras, nós pagamos um imposto muito maior do que o apresentado em


nossas estimativas de ​look-through e, mesmo assim, realizamos um ganho muito maior do que
os ganhos não distribuídos atribuíveis a essas ações.
Esperamos que resultados agradáveis como esse venham a acontecer com mais
frequência no futuro e acreditamos que nossos ganhos ​look-through sejam uma representação
conservadora dos verdadeiros ganhos econômicos da Berkshire.

Impostos

Como a nossa venda de ações da Capital Cities deixa claro, a Berkshire é uma grande
pagadora de impostos federais. Ao todo, pagamos um total de U$ 390 milhões em impostos em
1993, U$ 200 milhões deles relacionados com ganhos operacionais e U$ 190 milhões aos
ganhos de capital que foram realizados. Além do mais, a nossa fatia de impostos, domésticos e
internacionais, em nossas empresas investidas foi de mais de U$ 400 milhões, um valor que
você não vê em nossas declarações financeiras, mas que faz parte da nossa realidade. Direta
e indiretamente, os impostos federais pagos pela Berkshire em 1993 foram de cerca de metade
de 1% do total pago no ano passado por todas as empresas americanas.

Falando sobre nossas próprias ações, Charlie e eu não temos reclamação alguma a
respeito desses impostos. Nós sabemos que trabalhamos em uma economia de mercado que
recompensa nossos esforços de maneira muito mais generosa do que outras pessoas cujos
resultados sejam de igual ou maior benefício para a sociedade. A tributação deve, e faz, uma
reparação parcial dessa desigualdade. Mas, ainda assim, permanecemos sendo muitíssimo
bem tratados.

A Berkshire e seus acionistas iriam pagar bem menos impostos caso a empresa
operasse como uma sociedade ou corporação “S”4, duas estruturas que são comumente
utilizados pelos mais variados negócios. Por um número variado de razões, elas não são
factíveis para a Berkshire. No entanto, a penalidade que o nosso formato corporativo impõe é
mitigado - mas não eliminado - pela nossa estratégia de investir para o longo prazo. Charlie e
eu seguiríamos uma política de ​buy and hold mesmo se administrássemos uma instituição
isenta de impostos. Nós acreditamos ser a melhor maneira de investir, além de estar totalmente
relacionado com as nossas personalidades. E uma terceira razão pela qual usamos essa
política está no fato de que os impostos são passíveis de serem cobrados somente quando os
ganhos são realizados.

Por meio da minha história em quadrinhos favorita, Li’l Abner, tive a chance de ver os
benefícios de impostos diferidos em minha juventude, muito embora eu não tenha aprendido a
lição naquela época. Fazendo seus leitores se sentirem superiores, Li’l Abner levava uma vida
feliz, mas desengonçada, em Dogpatch. Em um determinado momento, ele se apaixonou pela
tentadora Appassionatta Van Climax, de Nova York, mas se desesperou ao ver que ele só tinha
um dólar e que ela só se casaria com um milionário. Decepcionado, Abner foi consultar Old

4
Corporação S é um tipo de empresa que têm uma carga tributária menor. Essa opção é normalmente
atribuível a companhias de porte pequeno.
Man Mose, a fonte de todo o conhecimento em Dogpatch. E assim disse o sábio: “Dobre seu
dinheiro 20 vezes e Appassionatta será sua (1, 2, 4, 8, …, 1..048.576).”

Minha última lembrança da tirinha é a de Abner entrando em um cassino, colocando seu


único dólar em uma máquina caça-níquel e conseguindo obter um grande prêmio. Seguindo
meticulosamente o conselho de Mose, Abner pegou então dois dólares e foi tentar a sorte
novamente para dobrar seu capital. Foi nesse momento que deixei Abner de lado e passei a ler
Ben Graham.

Mose claramente era um guru superestimado: além de falhar em antecipar a obediência


cega de Abner às instruções, ele se esqueceu dos impostos. Se Abner tivesse sido sujeito,
digamos, ao imposto de 35% que a Berkshire paga, e se ele tivesse conseguido dobrar seu
capital todos os anos, após 20 anos ele teria acumulado apenas U$ 22.370.

Na verdade, se eles continuasse dobrando seu capital todos os anos e pagando


impostos sobre o ganho em todos os anos, ele levaria mais 7 anos e meio para atingir o U$ 1
milhão necessário para ter Appassionatta.

Mas e se Abner tivesse colocado seu único dólar em um único investimento e segurado
até ele dobrar as mesmas 27,5 vezes? Nesse caso, ele teria realizado um ganho de U$ 200
milhões antes de impostos ou, após pagar U$ 70 milhões em tributos, U$ 130 milhões após
impostos. Por um montante desses, Appassionatta teria se arrastado até Dogpatch. Mas claro,
após 27,5 anos terem se passado, como Appassionatta seria vista por um sujeito com U$ 130
milhões no bolso é outra história.

O que esse pequeno conto nos diz é que os investidores não-isentos irão realizar
somas muito, muito maiores por um único investimento que rende internamente a uma
determinada taxa do que por sucessivos investimentos que rendem a mesma coisa. Mas eu
suspeito que muitos acionistas da Berkshire já sabiam disso há muito tempo.

Operações de seguros

Neste ponto da carta nós costumamos apresentar uma tabela com o índice combinado
anual da indústria de seguros na última década. Esse índice compara os custos totais dos
seguros (perdas incorridas somadas com despesas) com as receitas dos prêmios. Durante
muitos anos, o índice tem ficado acima de 100, o que indica prejuízo com ​underwriting5. Isto é,
a indústria recebeu menos dinheiro das apólices do que gastou com as despesas operacionais
e pagamento de sinistros ao longo do ano.

5
Processo de subscrição. Se as práticas de subscrição gerarem contratos cujos prêmios excedam as
indenizações e demais despesas, o lucro subsequente elevará a capacidade da seguradora.
Compensar essa tenebrosa equação, por outro lado, é algo bom: as seguradoras
mantém o dinheiro das apólices antes de pagá-las. Isso acontece porque a maioria das
apólices exigem que os prêmios sejam pagos de antemão e, mais importante, porque
normalmente leva-se um tempo para que as indenizações sejam acertadas. De fato, no caso
de algumas linhas de seguro como responsabilização por defeitos em produtos ou má conduta
profissional, muitos anos podem se passar entre o evento que aciona o sinistro e o pagamento
da indenização.

Para simplificar as coisas, o total de fundos pagos pelos segurados e os fundos


destinados a indenizações corridas, mas ainda não pagas, é chamado de ​float.​ No passado, a
indústria conseguia aguentar um índice combinado de 107-111 e ainda conseguir um “empate”
com a subscrição por conta dos ganhos gerados com os investimentos do ​float​.

No entanto, como as taxas de juros caíram, o valor obtido pelo ​float também caiu - e de
forma substancial. Assim sendo, os dados que mostramos no ano passado não servem mais
para a comparação ano-a-ano da lucratividade do setor. Uma companhia que subscreve com o
mesmo índice combinado hoje que tinha em 1980 tem um fundamento muito menos atrativo do
que naquela época.

Somente fazendo uma análise que incorpora tanto os resultados com ​underwriting
quanto os ganhos obtidos pelo ​float é que podemos avaliar os verdadeiros fundamentos
econômicos de uma seguradora. É claro que os resultados de investimentos que uma
seguradora obtém com o uso tanto do ​float quanto dos fundos vindos dos acionistas devem ser
cuidadosamente avaliados ao examinar o desempenho gerencial. Mas isso deve ser uma
análise diferente da que estamos discutindo aqui. O valor do ​float - na prática, o custo de
transferência ao movê-lo da operação de seguro para a operação de investimento - deve ser
determinado simplesmente pelos juros de longo prazo e livres de risco.

Mostramos a seguir os números que são importantes ao avaliar o setor de seguros da


Berkshire. Nós calculamos nosso ​float - que geramos em quantidade excepcional em
comparação com o nosso volume de prêmios - somando reservas para perdas, reservas
ajustadas de perdas e reservas de prêmios não recebidos e subtraindo comissões, custos de
aquisição pré-pagos e cobranças diferidas aplicáveis a resseguros assumidos. O custo do ​float
é determinado por nosso próprio lucro ou prejuízo com ​underwriting​. Nos anos em que tivemos
lucro com ​underwriting​, incluindo 1993, o custo do ​float foi negativo, e determinamos os nossos
ganhos com seguros ao somar o lucro com os rendimentos vindos do ​float​.
Como você pode ver, na nossa operação de seguros no ano passado tivemos U$ 2,6
bilhões para serem usados sem custo algum; na verdade, recebemos U$ 31 milhões, nosso
lucro com ​underwriting​, para tomar conta desses fundos. Isso parece bom - e é - mas está
longe de ser tão bom quanto parece.

Nós seguramos nosso entusiasmo porque subscrevemos um grande volume de


apólices “super-cat” (que outras seguradoras e resseguradoras compram para recuperar parte
dos prejuízos com mega catástrofes) e porque não tivemos grandes consequências negativas
com essa atividade. Como isso sugere, as catastróficas enchentes do Meio-Oeste de 1993 não
causaram perdas super-cat. O motivo disso foi que poucas apólices contra enchentes foram
compradas pelas seguradoras.
No entanto, seria uma falácia concluir por esse único resultado anual que o ramo de
super-cat é maravilhoso ou mesmo satisfatório. Um exemplo simples ajuda a ilustrar essa
falácia: imagine que um evento aconteça 25 vezes ao longo de um século. Se você der uma
chance de 5:1 de ocorrência, você vai acertar mais do que perder. De fato, você pode passar
até por seis, sete ou mais anos sem ter prejuízo algum. Até que, eventualmente, você irá falir.

Na Berkshire, nós naturalmente acreditamos que temos obtido prêmios mais adequados
ao dar uma chance de 3,5:1. Mas não há como nós - ou qualquer outra pessoa - calcular as
verdadeiras chances de ocorrência de eventos do tipo super-cat. Para ser sincero, vai levar
anos para descobrir se nosso racional com ​underwriting​ está certo.

O que nós sabemos é que quando um prejuízo acontecer, ele será estratosférico.
Haverá anos em que a Berkshire sofrerá prejuízos do ramo super-cat de três a quatro vezes o
montante de lucros que tivemos em 1993. Quando o Furacão Andrew aconteceu em 1992, nós
pagamos cerca de U$ 125 milhões em sinistros. Como expandimos nossos negócios supert-cat
desde então, uma tempestade parecida nos custaria hoje algo em torno de U$ 600 milhões.

Temos tido sorte em 1994 até o momento. Enquanto escrevo esta carta, estimamos que
nossos prejuízos com o terremoto em Los Angeles serão aceitáveis. Mas se o tremor tivesse
sido de magnitude 7,5 ao invés de 6,8, a história teria sido bem diferente.

A Berkshire está bem posicionada para subscrever apólices super-cat. Com Ajit Jain,
nós temos, de longe, o melhor gestor do ramo. Mais ainda, as empresas que buscam essas
apólices precisam de um capital enorme, e nosso patrimônio líquido é de dez a vinte vezes
maior do que nossos principais competidores. Na maioria das linhas de seguros, amplos
recursos não são tão importantes; uma seguradora pode diversificar os riscos que subscreve e,
se necessário, pode dispensar alguns deles para reduzir a concentração do portfólio. Isso não
acontece no ramo super-cat. Dessa forma, os competidores são obrigados a oferecer
coberturas bem menores do que as nossas. Se eles fossem mais ousados, eles correriam o
risco de uma mega catástrofe - ou uma confluência de catástrofes menores - significar a
falência.

Um indicativo de nossa grande força financeira e reputação é que as quatro maiores


resseguradoras do mundo compram coberturas significativas de resseguros com a Berkshire.
Elas sabem melhor do que todo mundo que a prova que uma resseguradora deve passar é
mostrar habilidade e capacidade de arcar com os prejuízos em circunstâncias desafiadoras,
não de aceitar qualquer montante de prêmio quando as coisas estão indo bem.

Um aviso: recentemente, a capacidade de resseguros aumentou drasticamente. Quase


U$ 5 bilhões foram levantados por resseguradoras, quase todas entrantes no mercado. É
natural que elas estejam ansiosas para subscrever apólices que justifiquem as projeções que
utilizaram para atrair o capital. Essa nova competição não irá afetar nossas operações de 1994;
já estamos bem servidos, principalmente por conta dos contratos fechados em 1993. Mas
estamos começando a ver sinais de deterioração dos preços. Se essa tendência continuar, nós
iremos nos resignar a um volume menor, mas mantendo nossa disponibilidade para grandes e
sofisticados compradores que precisem de uma seguradora super-cat que tenha uma ampla
capacidade e habilidade de arcar com os sinistros.

Nos outros setores do nosso ramo de seguros, nossa operação em Nebraska, liderada
por Rod Eldred; nosso ramo de auxílio-acidente, liderado por Brad Kinstler; nosso ramo no
setor de cartões de crédito, liderado pela família Kitzer; e o tradicional ramo de seguros
automotivos e gerais da National Indemnity, liderado por Don Wurster, alcançaram todos
excelentes resultados. Ao todo, essas quatro unidades produziram um significativo lucro com
underwriting​ e um grande volume de ​float​.

De maneira geral, podemos dizer que temos um negócio no ramo de seguros que é de
primeira linha. Embora seus resultados sejam extremamente voláteis, essa operação possui um
valor intrínseco que excede o valor patrimonial por uma ampla vantagem - maior, na verdade,
do que qualquer outro negócio da Berkshire.

Investimentos em ações

A seguir, mostramos nossas posições acionárias com valores acima de U$ 250 milhões.
Uma pequena parte desses investimentos pertence a algumas subsidiárias as quais a
Berkshire detém menos de 100%.

Considerando a grande similaridade da lista desse ano com a do ano passado, você
pode achar que nós entramos em um estado de coma. Mas continuamos achando que não faz
sentido se desfazer de um negócio o qual você entenda perfeitamente e tenha ótimos
prospectos de longo prazo. Participações em negócios desse tipo são simplesmente difíceis
demais de serem desfeitas.

Curiosamente, os gerentes corporativos não têm problema algum em entender esse


ponto quando estão focados nos negócios que operam: uma matriz que detém uma subsidiária
com fundamentos de longo prazo incríveis dificilmente irá vendê-la, independentemente do
preço. “Por que”, o CEO pode perguntar, “eu deveria me desfazer das minhas joias da coroa?”
Mas esse mesmo CEO, ao administrar seu portfólio pessoal de investimentos, irá de forma
brusca - e até impetuosa - girar sua carteira se baseando em argumentos rasos dados por sua
corretora. O pior desses argumentos deve ser “Você não pode falir enquanto estiver lucrando.”
Você consegue imaginar um CEO proferindo essa frase ao tentar convencer a mesa diretora a
se desfazer de uma subsidiária estelar? Em nossa visão, o que faz sentido nos negócios
também faz sentido em ações: um investidor deve segurar uma pequena parte de um negócio
com fundamentos incríveis da mesma forma que seguraria caso fosse dono do
empreendimento inteiro.

Mencionei anteriormente o resultado financeiro que poderia ter sido atingido ao investir
U$ 40 na The Coca-Cola Co. em 1919. Em 1938, mais de 50 anos após a invenção da Coca, e
depois que a bebida já estava muito bem estabelecida como um ícone americano, a Fortune
publicou uma excelente reportagem a respeito da companhia. No segundo parágrafo, o autor
disse o seguinte: “Algumas vezes no ano, um sério e importante investidor olha com profundo
respeito para o histórico da Coca-Cola, mas chega à agonizante conclusão de que chegou
atrasado. Os espectros de saturação e competição se erguem diante de seus olhos.”

Sim, existia competição em 1938, assim como em 1993. Mas vale notar que a The
Coca-Cola Co. de 1938 vendeu 207 milhões de garrafas de refrigerante (caso o volume seja
convertido nos frascos de 5,6 litros usados como base de medida atualmente) e 10,7 bilhões de
frascos em 1993, um aumento de 50 vezes no volume físico de uma empresa que, em 1938, já
era a líder da indústria. Tampouco a festa havia acabado para o investidor em 1938: embora os
U$ 40 investidos em uma ação da empresa em 1919 (com dividendos reinvestidos) tivessem se
transformado em U$ 3.277 ao final de 1938, o mesmo investimento de U$ 40 na época teria
crescido para U$ 25 mil em 1993.

Eu não consigo resistir em colocar mais uma frase da reportagem da Fortune de 1938:
“É difícil pensar em qualquer empresa do porte da Coca-Cola que vende, como a Coca-Cola
faz, o mesmo produto com um histórico de vendas de dez anos tão estupendo como o da
companhia.” Nos 55 anos que se passaram desde a reportagem, a linha de produtos da Coca
aumentou um pouco, mas é incrível como essa descrição permanece atemporal.

Charlie e eu decidimos há muito tempo atrás que é muito difícil tomar centenas de
decisões inteligentes no mundo dos investimentos. Esse racional foi se tornando ainda mais
convincente conforme a base de capital da Berkshire foi crescendo e o universo de
investimentos capazes de afetar nossos resultados de forma significativa foi diminuindo. Assim
sendo, adotamos uma estratégia que requer que sejamos inteligentes - nem tão inteligentes
assim, para dizer a verdade - apenas algumas poucas vezes. De fato, nós iremos nos dar por
satisfeitos com uma boa ideia por ano. (Charlie diz que está na minha vez.)

A estratégia que adotamos exclui o dogma da diversificação. Muitos estudiosos irão


dizer que essa estratégia é, portanto, mais arriscada do que aquela usada por investidores
mais convencionais. Nós discordamos. Acreditamos que uma política de concentração de
portfólio pode diminuir o risco se ela aumentar, como deve ser, tanto a intensidade com a qual
um investidor pensa a respeito do negócio, bem como o nível de conforto que ele tem com
suas características econômicas antes de fazer a compra em si. Ao emitir essa opinião, nos
atemos ao significado de risco que está no dicionário: “a possibilidade de perda ou dano.”

Os acadêmicos, no entanto, gostam de definir o “risco” em investimento de uma outra


forma, dizendo que é a volatilidade relativa de uma ação ou de uma carteira de ações - isto é, a
volatilidade delas comparada com a de um universo maior de ações. Usando bases de dados e
habilidades estatísticas, esses acadêmicos são capazes de calcular com precisão o “beta” de
uma ação - sua volatilidade relativa no passado - e então desenvolver teorias obscuras de
alocação de capital tomando esse cálculo como premissa básica. Em sua gana de usar uma
única métrica para medir o risco, no entanto, eles se esquecem de um princípio fundamental: é
melhor estar aproximadamente certo do que precisamente errado.

Para quem é dono de um negócio - e é assim que pensamos a respeito de quem é


acionista - a definição acadêmica de risco é tão fora da realidade que chega ao cúmulo do
absurdo. Por exemplo, usando a teoria do beta, uma ação que tenha caído de forma abrupta
em comparação com o restante do mercado - como foi o caso do Washington Post em 1973 -
se torna mais “arriscada” a um preço menor do que era quando tinha um preço mais alto. Essa
descrição faria sentido para alguém que recebesse a oferta de comprar uma empresa a um
preço incrivelmente descontado?

Na verdade, o verdadeiro investidor é amigo da volatilidade. Ben Graham explicou o


porquê no Capítulo 8 do livro O Investidor Inteligente. Nele, o autor introduziu o personagem
“Sr. Mercado”, um sujeito muito amável que dá as caras todos os dias disposto a comprar de
ou vender para você, como preferir. Quanto mais maníaco-depressivo ele fica, maiores as
oportunidades para os investidores. Isso acontece porque um mercado altamente flutuante
significa ter preços irracionais atrelados a empresas sólidas. É impossível enxergar como
preços a níveis baixos podem ser vistos como um indicativo de risco para o investidor, que por
sua vez tem total liberdade de ignorar o mercado ou explorar essas brechas.

Ao avaliar o risco, um purista de beta irá desdenhar da ideia de avaliar o que a empresa
produz, o que a concorrência está fazendo ou qual o tamanho da dívida da companhia. Ele
pode até preferir não saber o nome da empresa. O que ele valoriza mesmo é o histórico de
cotações da ação. Por outro lado, nós abrimos mão de bom grado do histórico de cotações e
buscamos por toda e qualquer informação que nos permita saber mais a respeito dos
fundamentos da empresa. Assim, depois de comprar as ações, nós não ficaríamos
preocupados caso o mercado ficasse fechado por um ano ou dois. Nós não precisamos de uma
cotação diária da nossa posição de 100% na See’s ou H.H. Brown para validar o nosso
bem-estar. Por que, então, precisaríamos de uma cotação diária em nossa participação de 7%
na Coca-Cola?

Em nossa opinião, o verdadeiro risco que um investidor deve avaliar é se o valor de um


investimento irá, após um determinado período escolhido por ele(a), manter o poder de compra
inicial somado a um ganho modesto sobre a fatia inicial. Embora esse risco não possa ser
calculado com precisão decimal, ele pode ser estimado com acurácia o suficiente para torná-lo
útil. Os fatores primordiais nessa análise são:

1. A certeza de que os fundamentos econômicos de longo prazo da empresa


possam ser calculados;
2. A certeza de que a gestão possa ser avaliada, tanto na habilidade de entregar
todo o potencial do negócio como na habilidade de empregar o caixa gerado de
maneira sábia;
3. A certeza de que a gestão é confiável o suficiente para destinar os ganhos da
empresa aos acionistas, não para si própria;
4. O preço de compra da empresa;
5. Os níveis de tributação e inflação que serão vivenciados e que irão determinar o
grau pelo qual o retorno no poder de compra do investidor é deduzido em
relação ao montante bruto investido.

Esses fatores provavelmente irão parecer nebulosos para alguns analistas, uma vez
que não podem ser encontrados em base de dados alguma. Mas a dificuldade de precisar esse
itens com exatidão não diminui sua importância, tampouco torna-os intransponíveis. Assim
como o Juiz Stewart mostrou ser impossível criar um teste para determinar o que é
obscenidade, mas mesmo assim disse “Eu sei o que é quando vejo”, os investidores também
podem - mesmo que de forma não tão precisa - “ver” os riscos inerentes a certos investimentos
sem precisar recorrer a equações complexas ou históricos de preços.

É realmente tão difícil assim ver que a Coca-Cola e a Gillette possuem riscos de longo
prazo muito menores do que, digamos, qualquer empresa de tecnologia ou de varejo? Ao redor
do mundo, a Coca-Cola vende quase 44% de todos os refrigerantes, e a Gillette possui mais de
60% de participação (em valor) no mercado de lâminas de barbear. Tirando o ramo de
chicletes, que a Wrigley domina, eu não conheço nenhum outro grande ramo em que a
empresa líder tenha tido uma supremacia mundial tão duradoura.

Além do mais, tanto a Coca-Cola quanto a Gillette aumentaram suas participações


mundiais ao longo dos últimos anos. O poder de suas marcas, os atributos de seus produtos e
a força de seus sistemas de distribuição dá a elas uma enorme vantagem competitiva, cavando
um fosso protetor ao redor de seus castelos econômicos. Uma companhia mediana, por outro
lado, vai para a batalha todos os dias sem possuir esse tipo de proteção. Como Peter Lynch
diz, ações de empresas que negociam ​commodities deveriam vir com um aviso: “A
concorrência pode se mostrar nociva à riqueza humana.”6

As vantagens competitivas da Coca e da Gillette são óbvias até para o observador mais
casual. Ainda assim, o beta de suas ações é similar ao de empresas comuns que possuem
pouca ou nenhuma vantagem competitiva. Deveríamos concluir dessa similaridade, então, que
a força competitiva da Coca-Cola e da Gillette não representa nada quando o risco está sendo
calculado? Ou deveríamos concluir que o risco de ter parte de uma companhia - uma ação - é,
de certa forma, apartado do risco de longo prazo inerente às operações da empresa?
Acreditamos que nenhuma das duas conclusões faz sentido e que comparar o beta com o risco
de um investimento é bobagem.

O teórico que segue o beta à risca não tem mecanismo para diferenciar o risco inerente
a, digamos, uma empresa de brinquedos que fabrica bambolês de uma outra empresa que
fabrica o Banco Imobiliário ou a Barbie. Mas é bastante possível para o investidor comum fazer
tal distinção caso eles tenham um entendimento razoável a respeito do comportamento dos
consumidores e dos fatores que criam forças e fraquezas competitivas ao longo do tempo.
Obviamente, todo investidor comete erros. Mas ao se restringir a poucos casos que sejam
fáceis de entender, uma pessoa razoavelmente inteligente, informada e diligente pode julgar os
riscos de um investimento com um certo grau de acurácia.

Em muitos setores, é claro, Charlie e eu não conseguimos determinar se estamos


lidando com um “bambolê” ou com uma “Barbie”. Nós não conseguiríamos chegar numa
resposta mesmo se ficássemos anos estudando o setor. Em alguns casos, nossas lacunas
intelectuais impedem o entendimento; em outras, a natureza do setor é que se torna um
obstáculo. Por exemplo, um negócio que lide com alta tecnologia não é passível de ser
avaliado em termos dos prospectos econômicos de longo prazo. Nós prevemos há trinta anos o
que iria ocorrer na indústria de computadores ou de televisores? É claro que não. (Nem a
maioria dos investidores e gerentes corporativos que entraram com entusiasmo nesses setores
previram.) Por que, então, Charlie e eu deveríamos acreditar que podemos agora prever o
futuro de outros setores que estão em constante mudança? Nós iremos nos manter nos casos
mais fáceis. Por que procurar por uma agulha no palheiro quando uma delas está bem na
nossa frente?

Obviamente, algumas estratégias de investimento - por exemplo, nossos esforços no


ramo de arbitragem ao longo dos anos - requerem uma ampla diversificação. Se um risco
significativo existe em uma única transação, o risco total deve ser reduzido ao fazer a compra
de vários ativos que sejam mutuamente independentes. Dessa maneira, você pode fazer um
investimento arriscado - um que tenha uma grande possibilidade de causar dano ou perda - de
forma consciente caso você acredite que seu ganho, ponderando as diversas probabilidades,

6
Jogo de palavras entre “human health” (saúde humana) e “human wealth” (riqueza humana).
seja muito maior do que a perda, também devidamente dimensionada, e se você puder se
expôr a oportunidades parecidas, mas não correlacionadas. A maior parte dos investidores de
risco faz uso dessa estratégia. Se você optar por seguir esse caminho, adote a perspectiva do
cassino que detém a roleta: muitos resultados vão surgir por conta das probabilidades
favoráveis, mas nenhum deles será resultado de uma única e grande aposta.

Outra situação que demanda uma ampla diversificação ocorre quando um investidor
que não entende os fundamentos específicos de um setor acredita ser vantajoso estar exposto
ao longo prazo à indústria americana. Esse investidor deverá deter um grande número de
ativos e espaçar as suas compras. Ao investir periodicamente em um fundo atrelado a um
índice, por exemplo, o investidor com pouco conhecimento pode ter um desempenho melhor do
que os investidores profissionais. Paradoxalmente, quando o dinheiro “burro” reconhece suas
limitações, ele deixa a burrice de lado.

Por outro lado, se você é um investidor com um certo grau de conhecimento do


mercado financeiro, que entende os fundamentos econômicos e que consegue escolher de
cinco a dez empresas precificadas de forma razoável e que possuam boas vantagens de longo
prazo, a diversificação convencional não faz sentido para você. Ela irá apenas prejudicar seus
resultados e aumentar o seu risco. Eu não consigo entender porque um investidor desse tipo
decide colocar dinheiro na sua vigésima empresa favorita ao invés de simplesmente aportar
nas empresas que estão no topo da sua lista - topo esse composto por negócios que ele
entende muito bem e que apresentam um risco menor aliado a um potencial de lucro maior.
Seguindo as palavras da profetisa Mae West: “Muita coisa boa em demasia pode ser
maravilhoso.”7

Governança corporativa

Em nossos encontros anuais alguém sempre pergunta: “O que vai acontecer com a
Berkshire se você e o Charlie forem atropelados por um caminhão?” Eu fico feliz que as
pessoas ainda fazem essa pergunta imaginando que a morte virá por acidente, não por velhice.
Não vai demorar muito para que a pergunta mude para: “O que vai acontecer com a Berkshire
caso vocês não sejam atropelados por um caminhão?”

De todo modo, tais questões me fazem querer discutir o tópico de governança


corporativa, algo que foi calorosamente debatido no ano passado. Em geral, acredito que os
diretores começaram a criar vergonha na cara recentemente e têm começado a tratar os
acionistas como os verdadeiros donos do negócio, coisa que não acontecia antigamente. Os
comentaristas de governança corporativa, no entanto, raramente fazem qualquer distinção
entre três situações fundamentalmente diferentes que existem entre gestão/acionista em
empresas de capital aberto. Embora a responsabilidade legal dos diretores seja idêntica em

7
Famosa atriz americana, falecida em 1980.
qualquer cenário, a habilidade deles em fazer mudanças difere em cada um dos casos. A
atenção costuma recair sobre o primeiro caso, uma vez que é o mais comum no cenário
corporativo. Como a Berkshire se encaixa na segunda categoria, e um dia irá se encaixar na
terceira, iremos discutir as três possíveis variações.

O primeiro caso, e mais comum, é aquele em que uma empresa não possui um
acionista controlador. Nessa situação, acredito que os diretores deveriam se comportar como
se houvesse um único e grande acionista ausente nas reuniões, cujos interesses de longo
prazo deveriam ser mantidos de todas as formas possíveis. Infelizmente, o termo “longo prazo”
dá muita chance para ambiguidade. Se os diretores não tiverem integridade ou a habilidade de
pensar de forma independente, eles podem cometer as maiores atrocidades contra os
acionistas enquanto fingem estar agindo com o interesse no longo prazo. Mas vamos assumir
que o conselho funcione bem e que tenha que lidar com uma gestão que seja medíocre (ou
pior). Os diretores, então, têm o dever de mudar a gestão, assim como um acionista inteligente
faria caso estivesse presente. E se gestores hábeis, mas mal intencionados, tentarem ludibriar
os acionistas, é papel do conselho discipliná-los.

Nesse cenário-base, um diretor que vê algo que não concorda deve tentar convencer os
outros diretores a seguir sua visão. Se ele tiver sucesso, o conselho terá corpo o suficiente
para fazer a mudança necessária. Suponha, no entanto, que o diretor insatisfeito não consiga
convencer os outros diretores a respeito do assunto que o incomoda. Ele poderia, então,
compartilhar seu descontentamento com os outros acionistas da empresa. Mas, obviamente, os
diretores raramente fazem isso. O temperamento de muitos deles é incompatível com um
comportamento desses. Porém, não vejo nada de errado em vocalizar os problemas, desde
que eles sejam assuntos realmente sérios. Naturalmente, o diretor reclamante pode esperar
uma vigorosa refutação vinda dos outros diretores inamovíveis, um prospecto que desencoraja
o dissidente a arrumar briga por motivos triviais ou irrelevantes.

Para os conselhos que acabei de descrever, acredito que os diretores estejam em um


número relativamente pequeno - dez ou menos - e provavelmente têm uma origem de fora da
companhia. Os membros externos devem estabelecer metas de desempenho do CEO e devem
se reunir periodicamente, sem a presença do CEO em si, para avaliar o resultado que tem sido
entregue em comparação com as metas pré-estabelecidas.

Os requisitos para participar do conselho deveriam ser experiência com o negócio,


interesse no trabalho e uma mentalidade orientada ao acionista. Com frequência, diretores são
escolhidos simplesmente porque são proeminentes ou porque adicionam diversidade ao
conselho. Essa abordagem está errada. Além do mais, erros ao selecionar diretores são
particularmente sérios porque são difíceis de serem desfeitos: o agradável, mas ocioso diretor
nunca precisará se preocupar em ser mandado embora.

O segundo caso é o que ocorre atualmente na Berkshire, onde o acionista controlador é


também o gestor. Em algumas empresas, esse tipo de arranjo é facilitado pela existência de
duas classes de ações dotadas de poderes de voto desproporcionais. Em situações assim, é
óbvio que o conselho não atua como um agente entre os acionistas e a direção da empresa e
que os diretores não conseguem efetuar mudanças que não sejam conseguidas por
convencimento. Dessa forma, se o dono/gestor for medíocre ou pior - ou ainda for enganador -
um diretor poderá fazer pouco mais além de reclamar e objetar. Se todos os diretores que não
têm conexão com o dono/gestor se unirem em torno de um argumento comum, talvez algum
efeito seja sentido. Mas é mais provável que nada aconteça.

Se a mudança não ocorrer e o problema for suficientemente sério, os diretores externos


devem pedir demissão. Essa atitude irá ilustrar publicamente as dúvidas que eles têm a
respeito da gestão e irá enfatizar que nenhum membro externo à empresa tem poder suficiente
para tentar corrigir as deficiências do gestor.

O terceiro caso de governança ocorre quando existe um acionista controlador que não
está envolvido na gestão da empresa. Esse caso, que é o que acontece com a Hershey Foods
e Dow Jones, coloca os diretores externos em uma posição potencialmente útil. Se eles ficarem
insatisfeitos com a competência (ou falta dela) e integridade do gestor, eles podem ir
diretamente ao controlador (que pode, inclusive, estar no conselho) e reportar suas
insatisfações. Essa situação é ideal para um diretor externo, uma vez que tudo o que ele
precisa fazer é se dirigir ao único, e presumivelmente interessado, controlador, que pode tomar
uma atitude de imediato caso o argumento seja sólido o suficiente. Ainda assim, isso é o
máximo que o diretor insatisfeito pode fazer. Se ele permanecer insatisfeito sobre um assunto
crítico, sua única outra alternativa é pedir demissão.

Logicamente, o terceiro caso é mais eficaz para garantir uma gestão de primeira linha.
No segundo caso, o controlador não irá se demitir, e no primeiro caso os diretores terão muitas
dificuldades em lidar com uma gestão medíocre. A menos que os diretores insatisfeitos
consigam obter a maioria dos votos do conselho - uma tarefa social e logisticamente
desconfortável, especialmente se o comportamento do gestor for apenas detestável, mas não
notoriamente grave - suas mãos estarão atadas. Na prática, diretores encurralados em
situações desse tipo costumam se convencer que ficando na empresa eles poderão tentar
fazer alguma coisa boa. No ínterim, a gestão segue sem restrições.

No terceiro caso, o controlador não está nem julgando a si mesmo, nem preocupado
com o problema de angariar votos suficientes. Ele pode inclusive garantir que os diretores
externos sejam selecionados de forma a trazer qualidades úteis ao conselho. Esses diretores,
por sua vez, sabem que suas boas sugestões irão ser ouvidas pela pessoa certa, não
sufocadas por uma gestão recalcitrante. Se o acionista controlador for inteligente e confiante,
ele irá tomar decisões em relação à gestão que sejam meritocráticas e orientadas ao acionista.
Ademais - e isso é criticamente importante - ele pode prontamente corrigir qualquer erro
cometido por si próprio.
Na Berkshire, operamos no segundo modo e continuaremos assim enquanto eu estiver
lúcido. Minha saúde, só para constar, é excelente. Quer queira, quer não, vocês muito
provavelmente terão a mim como gestor durante um bom tempo.

Após a minha morte, todas as minhas ações irão para a minha esposa, Susie, caso ela
viva mais do que eu, ou para uma fundação, caso ela morra antes de mim. Em nenhum dos
casos tributações e impostos sobre herança irão exigir a venda de grandes blocos de ações.

Quando minhas ações forem transferidas para a minha esposa ou para a fundação, a
Berkshire irá entrar no terceiro modo de governança, seguindo adiante com um controlador
não-gestor e vitalmente interessado no negócio e com uma gestão que deverá responder à
altura do controlador. Em preparação para esse momento, Susie foi eleita para o conselho há
alguns anos e, em 1993, nosso filho, Howard, também se juntou à mesa. Esses membros da
família não serão os gestores da companhia no futuro, mas irão representar os interesses do
controlador caso alguma coisa aconteça comigo.

A maioria dos nossos diretores também são grandes acionistas da Berkshire, e todos
eles são fortemente voltados aos interesses da companhia. De maneira geral, estamos
preparados para o “caminhão”.

Doações designadas pelos acionistas

Cerca de 97% de todas as ações elegíveis participaram do programa de doações da


Berkshire de 1993. As contribuições feitas arrecadaram U$ 9,4 milhões e 3.110 instituições de
caridade foram beneficiadas.

A prática da Berkshire em relação à filantropia discricionária - em contraste com nossas


políticas de contribuição envolvidas em atividades da própria companhia - tem uma diferença
enorme em comparação com a de outras empresas de capital aberto. Nelas, a maioria das
doações corporativas são feitas de acordo com os desejos do CEO (que, com frequência,
sucumbe à pressões sociais), empregados (por meio de ​matching gifts8) ou diretores (por meio
de ​matching gifts​ ou por pedidos que eles fazem ao CEO).

Na Berkshire, acreditamos que o dinheiro da companhia é o dinheiro dos acionistas,


assim como seria em uma empresa de capital fechado, numa parceria ou em uma companhia
de um dono só. Dessa forma, se as doações devem ser feitas a causas não relacionadas com
as atividades da Berkshire, as instituições apontadas por nossos acionistas é que devem
receber esses fundos. Nós ainda não achamos um CEO que acredita que deve fazer doações

8
Contribuições que são realizadas no mesmo percentual tanto por funcionários quanto pela diretoria de
uma empresa.
pessoais para as instituições escolhidas por seus acionistas. Por que, então, ele teria o direito
de fazer essa escolha por eles?

Deixe-me acrescentar que nosso programa é fácil de administrar. No outono passado,


durante dois meses, pegamos emprestado um funcionário da National Indemnity para nos
ajudar a implementar as instruções vindas dos nossos 7.500 acionistas registrados. Eu
estimaria que qualquer outro programa de doações corporativas tem um custo administrativo
bem mais elevado do que esse. De fato, todos os nossos gastos corporativos são menos da
metade do montante de doações que fazemos. (No entanto, o Charlie faz questão que eu diga
a vocês que U$ 1,4 milhão dos U$ 4,9 milhões dos nossos gastos totais vem do nosso jato
corporativo, O Indefensável.)

A seguir, listo as principais categorias que nossos acionistas designaram as


contribuições:
1. 347 igrejas e sinagogas receberam 569 doações.
2. 283 faculdades e universidades receberam 670 doações.
3. 244 escolas (2/3 seculares e 1/3 religiosas) receberam 525 doações.
4. 288 instituições dedicadas à arte, cultura ou humanidades receberam 447
doações.
5. 180 organizações religiosas de serviços sociais (divididas de maneira igual entre
organizações cristãs e judias) receberam 411 doações.
6. 445 organizações de serviço social seculares (40% delas relacionadas com
serviços para a juventude) receberam 759 doações.
7. 153 hospitais receberam 261 doações.
8. 186 organizações de saúde (American Heart Association, American Cancer
Society, etc.) receberam 320 doações.

Três coisas a respeito dessa lista me chamam atenção. Primeiro, ela indica, até certo
grau, quais instituições as pessoas escolhem ajudar quando agem de acordo com seus
próprios princípios, livres da pressão ou apelo emocional de solicitantes. Segundo, as
contribuições feitas por empresas de capital aberto quase nunca permitem doações para
igrejas ou sinagogas e, mesmo assim, claramente são instituições que os acionistas gostam de
ajudar. Terceiro, as doações feitas por nossos acionistas mostram um conflito de filosofias: 130
doações foram destinadas a instituições que oferecem tratamento abortivo para mulheres,
enquanto que 30 outras doações foram direcionadas para instituições (tirando igrejas) que
desencorajam ou se opõem ao aborto.

No ano passado, disse a vocês que estava pensando em aumentar o montante que os
acionistas da Berkshire podem doar por meio do nosso programa de contribuições e pedi que
vocês enviassem comentários a respeito. Recebemos algumas cartas muito bem escritas se
opondo completamente a essa ideia, dizendo que nosso trabalho é o de tocar a empresa, não
de forçar os acionistas a fazerem doações. A maioria das cartas, no entanto, comentaram a
respeito dos benefícios tributários do plano e pediram que aumentássemos o montante de
doações. Alguns acionistas que deram ações de presente para seus filhos ou netos me
disseram que eles consideram o programa como uma forma particularmente boa de fazer os
jovens começarem a pensar, desde bem cedo, a respeito do assunto de doar. Essas pessoas,
em outras palavras, encaram o programa como uma ferramenta não só filantrópica, mas
educacional. O resultado final é que aumentamos o montante em 1993 de U$ 8 para U$ 10 por
ação.

Além das contribuições feitas por acionistas que a Berkshire distribui, nossas operações
também fazem contribuições por conta própria, incluindo a distribuição de mercadorias, a um
total médio de U$ 2,5 milhões por ano. Essas contribuições ajudam instituições de caridade
locais, como a The United Way, e produzem um benefício fiscal aproximadamente da mesma
magnitude para os negócios.

Sugerimos que os novos acionistas leiam a descrição do nosso programa de doações


nas páginas 50-51​. Para participar em programas futuros, se certifique que suas ações
estejam registradas no seu próprio nome, não no nome de um terceiro, da corretora ou do
banco. Ações que não estiverem registradas até 31 de agosto de 1994 não poderão participar
do programa de 1994.

Alguns tópicos pessoais

A Sra. B - Rose Blumkin - completou 100 anos no dia 3 de dezembro de 1993. (As velas
custaram mais do que o bolo). A data caiu em um dia que a loja iria ficar aberta até a parte da
noite. A Sra. B, que trabalha sete dias por semana, por quantas horas a loja ficar aberta,
encontrou uma solução óbvia: ela simplesmente adiou a comemoração para uma noite em que
a loja não fosse abrir.

A história da Sra. B é bastante conhecida, mas vale a pena recapitular. Ela veio para os
Estados Unidos há 77 anos, sem falar inglês e sem educação formal. Em 1937, fundou o
Nebraska Furniture Mart com U$ 500. Ano passado a loja registrou vendas no montante de U$
200 milhões, uma soma bem maior do que qualquer outra loja de móveis do país. Nossa parte
nessa história teve início há dez anos, quando a Sra. B vendeu o controle do negócio para a
Berkshire Hathaway, um acordo que foi fechado sem uma auditoria dos balanços financeiros,
sem checar os históricos dos imóveis e sem quaisquer garantias. Resumindo, a palavra dela foi
o suficiente para nós.

Obviamente, fiquei muito feliz em poder participar do aniversário de 100 anos da Sra. B.
Afinal de contas, ela prometeu estar na minha festa quando eu também fizer 100 anos.

************
Katharine Graham se aposentou no ano passado como membro do conselho diretora do
The Washington Post Company, tendo saído da posição de CEO da empresa há três anos. Em
1973, compramos ações de sua companhia por cerca de U$ 10 milhões. Nossa posição
atualmente apura ganhos de U$ 7 milhões por ano em dividendos e vale mais de U$ 400
milhões em valor de mercado. Quando fizemos a compra, sabíamos que os prospectos
econômicos da empresa eram bons. Mas igualmente importante, Charlie e eu concluímos que
Kay se mostraria uma excelente gestora e trataria todos os acionistas de forma honrosa. Essa
última consideração era particularmente importante porque o The Washington Post Company
tem duas classes de ações, estrutura essa que já vimos muitos gestores levarem vantagem por
meio de abusos.

Todas as nossas premissas sobre esse investimento foram validadas por meio de
acontecimentos. As habilidades gerenciais de Kay foram ressaltadas no ano passado, quando
ela foi eleita para entrar no Business Hall of Fame da Fortune. Em nome de todos os nossos
acionistas, Charlie e eu já a tínhamos colocado no Hall of Fame da Berkshire há muito tempo
atrás.

************

Outro aposentado do ano passado foi Don Keough, da Coca-Cola, embora ele tenha
dito que a sua aposentadoria durou cerca de 14 horas. Don é um dos seres humanos mais
extraordinários que eu já conheci - um homem de um talento enorme, mas ainda mais
importante, um homem que consegue extrair o melhor de cada um sortudo o suficiente para
estar associado a ele. Coca-Cola quer que seu produto esteja presente nos momentos felizes
da vida de uma pessoa. Don Keough, como indivíduo, invariavelmente aumenta a felicidade
daqueles que o cercam. É impossível pensar em Don sem se sentir bem.

Eu vou resumir a história de como conheci Don ao descrever a minha vizinhança em


Omaha: embora Charlie tenha more na Califórnia há 45 anos, sua casa, quando menino, ficava
a cerca de 60 metros de onde moro atualmente; minha esposa, Susie, cresceu a um quarteirão
e meio de distância; e temos cerca de 125 acionistas da Berkshire que partilham do mesmo
CEP que o meu. Em relação ao Don, ele comprou uma casa em frente à minha em 1958. Ele
era um vendedor de café na época, com uma grande família e um pequeno salário.

As impressões que formei a respeito de Don naquela época foram um fator primordial
na minha decisão de fazer um investimento recorde de U$ 1 bilhão na Coca-Cola em 1988-89.
Roberto Goizueta se tornou CEO da Coca-Cola em 1981, tendo Don como seu sócio. Os dois
pegaram uma empresa que tinha ficado estagnada na década anterior e aumentaram seu valor
de mercado de U$ 4,4 bilhões para U$ 58 bilhões em menos de 13 anos. Que diferença uma
dupla de gestores como essa faz, mesmo quando o produto estáno mercado há mais de 100
anos.

************
Frank Rooney cumpriu uma jornada dupla no ano passado. Além de liderar a H.H.
Brown a recordes históricos - 35% a mais do que o recorde anterior de 1992 - ele também foi
um elemento-chave na nossa fusão com a Dexter.

Frank já conhecia Harold Alfond e Peter Lunder há décadas, e pouco depois de


comprarmos a H.H. Brown ele nos disse que eles tocavam a empresa de forma incrível. Ele nos
encorajou a nos reunirmos e, em pouco tempo, um acordo foi feito. Frank disse a Harold e
Peter que a Berkshire serviria como um “lar” corporativo ideal para a Dexter, e essa certeza
indubitavelmente contribuiu para a decisão deles de se juntarem a nós.

Eu já comentei em cartas anteriores do histórico extraordinário de Frank ao tocar a


Melville Corp. durante os 23 anos que ele permaneceu como CEO. Agora, aos 72 anos, ele
está num ritmo ainda mais veloz com a Berkshire. Frank tem um estilo discreto e relaxado, mas
não se engane com isso. Quando ele rebate, a bola vai pra fora do estádio.

Encontro anual

Esse ano o encontro anual irá acontecer no Orpheum Theater, no centro de Omaha, às
9:30h da segunda-feira, 25 de abril de 1994.

Um recorde de 2.200 pessoas vieram na reunião do ano passado, mas o Orpheum


comporta bem mais gente. Nós teremos uma mostra no saguão com muitos de nossos
produtos - doces, pistolas de pintura, calçados, talheres, enciclopédias e afins. Um dos meus
produtos favoritos que estará lá será um doce da See’s em comemoração aos 100 anos da
Sra. B, com uma foto dela na embalagem no lugar da foto da Sra. See’s.

Recomendamos agendar a reserva do hotel com antecedência nas seguintes opções:


(1) O Raddisson-Redick Tower, um pequeno (88 quartos) mas aconchegante hotel que fica em
frente ao Orpheum; (2) o enorme Red Lion Hotel, localizado a cerca de cinco minutos de
caminhada do Orpheum; ou (3) o Marriott, localizado na zona oeste de Omaha, a cerca de 100
metros da Borsheim’s e a vinte minutos de carro do centro. Disponibilizaremos ônibus saindo
do Marriott às 8:30h e 8:45h para o encontro, retornando ao final do evento.

Um anexo ao nosso material de divulgação explica como você pode obter o cartão
necessário para ser admitido no evento. Com o cartão de admissão, nós iremos dar
informações a respeito de estacionamentos próximos ao Orpheum. Se você estiver de carro,
chegue um pouco mais cedo. Os estacionamentos próximos ficam lotados rapidamente, e você
poderá ter de andar algumas quadras.
Como sempre, nossos ônibus irão levá-los até o Nebraska Furniture Mart e Borsheim’s
após o evento. Eles irão passar pelos hotéis e pelo aeroporto depois. Eu espero que você
separe um bom tempo para explorar todas as atrações que essas lojas oferecem. Para quem
for chegar uns dias antes do evento, você pode visitar o Furniture Mart qualquer dia da
semana; ele fica aberto das 10:00h às 17:30h aos sábados e de 12:00h às 17:30h aos
domingos. Borsheim’s normalmente fica fechada aos domingos, mas iremos abrir
excepcionalmente para os acionistas das 12:00h às 18:00h no domingo, 24 de abril.

Nas últimas visitas a Borsheim’s, muitos de vocês conheceram Susan Jacques. No


início de 1994, Susan foi eleita presidente e CEO da companhia. O início dela na empresa foi
em um cargo de U$ 4 por hora que ela conseguiu quando tinha 23 anos. Susan estará na
Borsheim’s no domingo junto de muitos outros gerentes de nossas outras empresas, e Charlie
e eu também estaremos lá.

Na noite anterior, sábado, 23 de abril, haverá um jogo de baseball entre o Omaha


Royals e Nashville Sounds (que pode vir a se tornar o time de Michael Jordan). Como vocês
provavelmente sabem, eu comprei 25% do Royals uns anos atrás (uma alocação de capital
pela qual eu não ficarei famoso) e, nesse ano, a liga de baseball cooperativamente agendou
um jogo em casa bem próximo ao encontro anual.

Eu vou fazer o primeiro arremesso no dia 23, e com certeza irei melhorar muito em
comparação com o desempenho humilhante do ano passado. Na ocasião, o apanhador pediu
por um arremesso mais “baixo” e eu fiz um que mal ultrapassou meus pés. Neste ano irei
arremessar com tudo, independentemente do que o apanhador indique. Portanto, tragam seus
medidores de velocidade. ​O material anexo irá incluir informação sobre como obter ingressos
para o jogo. Lamento informar que não vai ser preciso comprá-los com cambistas.

Warren E. Buffett
Presidente do Conselho

1 de março de 1994
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1994.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Nosso ganho em patrimônio líquido durante 1994 foi de U$ 1,45 bilhão, ou 13,9%.
Durante os últimos 30 anos (isto é, desde que assumimos o controle da companhia), nosso
valor patrimonial por ação cresceu de U$ 19 para U$ 10.083, um taxa de 23% ao ano.

Charlie Munger, vice-presidente da Berkshire e meu sócio, e eu fazemos poucas


previsões. Mas uma que podemos fazer com bastante certeza é a de que o desempenho da
Berkshire não vai chegar nem perto da performance que teve no passado.

O problema não é que o que funcionou no passado vai deixar de funcionar no futuro.
Pelo contrário, acreditamos que a nossa estratégia - de comprar a preços razoáveis negócios
com bons fundamentos econômicos e geridos por pessoas competentes e honestas - com
certeza terá sucesso. Esperamos, portanto, continuar a ter bons resultados.

Uma carteira gorda, no entanto, é inimiga de resultados extraordinários. E a Berkshire


tem agora um patrimônio líquido de U$ 11,9 bilhões, muito superior aos U$ 22 milhões de
quando Charlie e eu começamos a administrar a companhia. Embora continuem existindo
negócios tão bons quanto antes, é inútil fazer compras que tenham retornos desprezíveis em
comparação com o capital atual da Berkshire. (Como Charlie sempre me lembra, “Se algo não
vale a pena ser feito, vale menos ainda ser feito bem.”) Nós agora consideramos a compra de
um ativo somente se pudermos aportar ao menos U$ 100 milhões nele. Dado esse limiar, o
universo de investimentos da Berkshire diminuiu drasticamente.

De qualquer forma, iremos nos manter firmes com a abordagem que nos trouxe até aqui
e tentaremos não afrouxar nossos padrões. Ted Williams, no livro The Story of My Life, explica
o porquê: “Meu ponto é que para ser um rebatedor, você precisa de uma boa bola para rebater.
É a primeira regra deste livro. Se eu tenho que rebater arremessos que estão fora da minha
zona feliz, não serei um rebatedor .344. Serei apenas um rebatedor .250.1” Charlie e eu
concordamos com isso e tentaremos esperar por oportunidades que fiquem dentro da nossa
“zona feliz”.

Continuaremos a ignorar previsões políticas e econômicas, uma vez que elas já se


mostraram ser caras distrações para muitos investidores e gestores. Trinta anos atrás ninguém
teria previsto a expansão da guerra no Vietnã, controles de preços e salários, dois choques do
petróleo, a renúncia de um presidente, a dissolução da União Soviética, uma queda em um

1
Ted Williams foi um grande jogador profissional de baseball. Os ​scores mencionados (.344 e .250)
fazem referência à forma como os rebatedores são avaliados. Quanto maior, melhor. Uma média acima
de .300 é considerada excelente; acima de .400, quase impossível de ser alcançado.
único dia de 508 pontos no índice Dow ou ​yields do Tesouro Americano flutuando entre 2,8% a
17,4%.

Mas, surpresa - nenhum desses grandes eventos causou o menor dano sequer aos
princípios de investimento de Ben Graham. Tais princípios também não passaram a ser
encarados como insensatos durante a compra de ótimos negócios a preços razoáveis. Imagine,
então, o custo que teríamos tido se tivéssemos deixado o medo do desconhecido desviar ou
alterar nossa lógica de alocação de capital. Na verdade, fizemos nossas melhores compras
justamente quando as apreensões a respeito de um evento macro estavam no ponto mais alto.
O medo é o inimigo de quem segue tendências, mas amigo de quem segue fundamentos.

Um diferente conjunto de grandes choques com certeza irá ocorrer nos próximos 30
anos. Não tentaremos prevê-los e nem lucrar com eles. Se continuarmos identificando bons
negócios como temos feito, surpresas externas terão pouco efeito nos nossos resultados de
longo prazo.

O que prometemos a vocês - junto de ganhos mais modestos - é que durante o tempo
em que você tiver ações da Berkshire, seu resultado será exatamente o mesmo que do Charlie
e do meu. Se você sofrer, nós sofreremos juntos; se prosperarmos, você também irá prosperar.
E nós não iremos quebrar esse elo com a introdução de termos compensatórios que nos
exponham mais aos benefícios do que às desvantagens do que vocês.

Nós prometemos ainda que nossas fortunas pessoais continuarão altamente


concentradas nas ações da Berkshire: nós não iremos pedir para que você invista conosco
para depois colocarmos nosso próprio dinheiro em outro lugar. Além disso, a Berkshire domina
os portfólios da maioria dos membros de nossas famílias e de um grande número de amigos
que pertenciam à sociedades que Charlie e eu tocávamos nos anos 1960. Nós não poderíamos
ter motivação mais contundente para entregarmos nosso melhor.

Por sorte, temos uma boa base da qual podemos trabalhar. Dez anos atrás, em 1984,
as companhias de seguro da Berkshire detinham ativos com o valor total de U$ 1,7 bilhão, ou
cerca de U$ 1.500 por ação da companhia. Deixando de lado todas as receitas e ganhos de
capital desses ativos, os ganhos pré-impostos da Berkshire naquele ano foram de apenas U$ 6
milhões. Nós tivemos lucro, sim, com nossos negócios de manufatura, varejo e do setor de
serviços, mas eles foram quase que completamente anulados pela combinação de perdas com
subscrição em nossos negócios de seguros, gastos corporativos e despesas com juros.

Agora temos ativos que valem U$ 18 bilhões, ou pouco mais de U$ 15 mil por ação da
Berkshire. Se excluirmos todas as receitas vindas com esses ativos, nosso lucro antes de
impostos em 1994 foi de cerca de U$ 384 milhões.

Durante a última década, o nosso número de empregados saiu de 5 mil para 22 mil
(incluindo onze pessoas na World Headquarters).
Nós conseguimos nossos lucros por meio dos esforços de um time incrível de gestores
que conseguem resultados extraordinários em setores absolutamente comuns. Casey Stengel
descreveu a atividade de gerenciar um time de baseball como “ser pago por ​home runs feitos
por outras pessoas.” Essa é também a minha estratégia com a Berkshire.

Os negócios os quais temos participações parciais também são igualmente importantes


para o sucesso da Berkshire. Alguns dados irão ilustrar a importância delas: em 1994, a
Coca-Cola vendeu cerca de 280 bilhões de garrafas de 236 ml e lucrou pouco menor de um
centavo por cada uma. Mas os centavos se acumulam. Por meio da participação de 7,8% na
empresa, temos uma fatia econômica em 21 bilhões dessas garrafas, que produzem para nós
cerca de U$ 200 milhões. Similarmente, com a Gillette a Berkshire tem uma participação de 7%
no mercado mundial de lâminas de barbear (medido em termos de receita, não de unidades),
uma proporção que nos deu cerca de U$ 250 milhões em vendas em 1994. E no Wells Fargo,
um banco de U$ 53 bilhões, nossa participação de 13% se traduz em um “Banco da Berkshire”
de U$ 7 bilhões que auferiu ganhos de U$ 100 milhões durante 1994.

É muito melhor ter direito a uma parcela significativa do diamante Hope2 do que deter
100% de uma bijuteria qualquer, e as empresas que mencionei podem facilmente ser vistas
como valiosas joias. E o melhor é que não estamos limitados a apenas algumas joias; pelo
contrário, estamos sempre buscando expandir nossa coleção.

Os preços das ações continuarão a flutuar - às vezes, muito - e a economia vai ter seus
altos e baixos. Com o tempo, no entanto, acreditamos ser altamente provável que os negócios
que temos continuem a aumentar de valor a uma taxa satisfatória.

Valor patrimonial e valor intrínseco

Nós rotineiramente dizemos que o valor patrimonial por ação, algo fácil de ser
calculado, tem um interpretabilidade bastante limitada. E com a mesma frequência dizemos a
vocês que o que importa mesmo é o valor intrínseco, um número que é impossível de apontar
com total precisão, mas que é essencial ser estimado.

Por exemplo, em 1964 nós podíamos afirmar com toda a certeza que o valor patrimonial
por ação da Berkshire era de U$ 19,46. No entanto, esse valor superestimava demais o valor
intrínseco da ação, uma vez que todos os recursos da companhia estavam alocadas no ramo
têxtil, que era pouco lucrativo. Nossos ativos têxteis não tinham valores ​going-concern3 ou de
liquidação iguais aos valores contábeis. Assim, em 1964, qualquer pessoa que estivesse

2
Diamante com mais de 45 quilates avaliado em mais de U$ 200 milhões de dólares (valor em 2019).
3
Termo contábil que se refere à capacidade da empresa em ter recursos para continuar operando
indefinidamente.
interessada em saber a saúde do balanço da Berkshire poderia receber uma resposta de um
certo magnata de reputação duvidosa de Hollywood: “Não se preocupe, os passivos estão
muito bem.”

Atualmente a situação da Berkshire se inverteu: muitos dos negócios que possuímos


valem bem mais do que o valor contábil. (Os que não temos posição controladora, como a
Coca-Cola ou a Gillette, são carregados a valor de mercado.) Nós continuamos a informar o
valor contábil porque ele serve como uma grosseira, embora bastante subestimada, métrica de
acompanhamento para o valor intrínseco da Berkshire. No ano passado, na verdade, as duas
métricas andaram juntas: o valor contábil aumentou 13,9%, que foi o ganho aproximado do
valor intrínseco.

Nós definimos o valor intrínseco como o valor descontado de caixa que pode ser obtido
de uma empresa até o seu fim de vida. Qualquer um que calcule o valor intrínseco irá
necessariamente chegar em um valor altamente subjetivo que irá mudar conforme os fluxos de
caixa sejam revisados e as taxas de juros se alterem. Apesar desse aspecto nebuloso, o valor
intrínseco é muito importante e é a única forma lógica de calcular a atratividade relativa de
investimentos e negócios.

Para ver como os dados históricos (valor contábil) e os dados futuros (valor intrínseco)
podem divergir, vamor olhar para outra forma de investimento: educação superior. Imagine o
custo da formação como sendo o valor contábil. Para ser correto, o custo deve incluir os
ganhos que foram deixados de lado pelo estudante por ele ter escolhido a faculdade ao invés
de um emprego.

Para esse exercício, iremos ignorar os importantes benefícios não-econômicos de uma


boa educação e focar estritamente no seu valor econômico em si. Primeiro, precisamos estimar
os ganhos que o aluno graduado irá receber ao longo da vida e subtrair deste valor uma
estimativa do que ele teria recebido caso tivesse deixado a faculdade de lado. Isso nos dá o
valor de excesso de ganhos, que deve ser descontado, a uma taxa apropriada, para o dia em
que o aluno se formou. O valor em dólar é igual ao valor econômico intrínseco da educação
superior.

Alguns formandos podem descobrir que o valor contábil de suas formações excedem os
valores intrínsecos, o que significa que quem pagou pela faculdade não irá receber todo o
dinheiro de volta. Em outros casos, o valor intrínseco de um curso de graduação irá ser muito
maior do que o seu valor contábil, um resultado que indica que o capital foi alocado de maneira
sábia. Em todos os casos, o que fica claro é que o valor contábil não tem valor algum como
indicador do valor intrínseco.

Vamos deixar a área acadêmica de lado e olhar para a Scott Fetzer, um exemplo vinda
da própria experiência da Berkshire. Essa exposição irá não apenas ilustrar como a relação
entre valor contábil e valor intrínseco pode mudar, mas também irá ser uma aula de
contabilidade que eu sei que vocês estavam ansiosos por ter. Obviamente, escolhi falar sobre
uma aquisição que se mostrou um enorme acerto.

A Berkshire comprou a Scott Fetzer no início de 1986. Na época, a empresa tinha uma
coleção de 22 negócios, montante que não se alterou até hoje. As principais linhas de
operação da Scott Fetzer são a World Book, Kirby e Campbell Hausfeld, mas muitas outras
unidades contribuem de forma relevante para os lucros também.

Nós pagamos U$ 315,2 milhões pela Scott Fetzer, que na época valia U$ 172,6 milhões
em valor contábil. Os U$ 142,6 milhões que pagamos a mais indicavam a nossa crença de que
o valor intrínseco da empresa era quase o dobro do seu valor contábil.

Na tabela a seguir mostramos o valor contábil da Scott Fetzer, assim como seus lucros
e dividendos, desde a nossa compra.

Como a empresa tinha caixa quando foi vendida, a Scott Fetzer pagou dividendos para
a Berkshire no montante de U$ 125 milhões em 1986, mesmo tendo um lucro de U$ 40,3
milhões. Vale mencionar que eu não incluí os valores de alavancagem da Scott Fetzer. Na
verdade, a empresa sai de uma dívida modesta quando foi comprada para virtualmente
nenhuma dívida (exceto pela dívida usada por sua subsidiária no setor financeiro). Nós também
não vendemos fábricas nem as alugamos. Também não vendemos recebíveis nem nada do
tipo. Durante os anos sob nosso controle, a Scott Fetzer operou como um empreendimento
financeiramente conservador e líquido.

Como você pode ver, os ganhos da Scott Fetzer aumentaram de forma consistente
desde que a compramos, mas o valor contábil não cresceu na mesma proporção. Por
consequência, o retorno sobre patrimônio, que era excepcional quando compramos a
companhia, se tornou agora verdadeiramente extraordinário. Isso pode ser ilustrado ao se
comparar o desempenho da Scott Fetzer com as empresas da Fortune 500, grupo o qual a
Scott Fetzer faria parte caso fosse uma empresa que atuasse em um ramo só.

Se a Scott Fetzer estivesse na lista da Fortune de 1993 - a mais recente disponível para
consulta - o retorno sobre patrimônio da empresa a colocaria em quarto lugar. Mas isso não é
tudo. As três primeiras companhias na avaliação de retorno sobre patrimônio foram a Insilco,
LTV e Gaylord Container, todas saídas de um processo de recuperação judicial em 1993,
sendo que nenhuma delas atingiu ganhos significativos no ano exceto por aqueles realizados
quando o perdão das dívidas foi acordado no processo judicial. Deixando de lado esses lucros
não-operacionais inesperados, o retorno sobre patrimônio da Scott Fetzer teria a colocado na
primeira posição da Fortune 500, muito a frente do segundo colocado. Na verdade, o retorno
sobre patrimônio da Scott Fetzer foi o dobro do obtido pela empresa na décima colocação.

Você pode suspeitar que o sucesso da Scott Fetzer decorreu de um pico cíclico nos
lucros, de uma posição monopolizadora ou de alavancagem. Mas nada disso aconteceu. No
lugar disso, o sucesso da empresa veio da habilidade gerencial do CEO Ralph Schey, de quem
eu irei falar mais a respeito daqui a pouco.

Primeiro, no entanto, vamos para a prometida aula de contabilidade: quando pagamos


por um prêmio de U$ 142,6 milhões sobre o valor contábil da Scott Fetzer, tal valor teve de ser
marcado no balanço da Berkshire. Vou poupar os detalhes disso (eles foram explicado no
apêndice da carta de 1986) e ir direto ao ponto: depois que o prêmio foi devidamente
registrado, ele deve, quase sempre, ser abatido ao longo do tempo por meio de descontos
anuais que são vistos como custos na demonstração de resultados da companhia adquirida.

A tabela a seguir mostra, primeiro, os descontos anuais que a Berkshire fez para
gradualmente eliminar o prêmio da Scott Fetzer e, segundo, o prêmio restante em nossos
balanços. Esses descontos não têm efeito no caixa ou nos impostos que pagamos e não são,
ao nosso ver, um custo econômico (embora muitos contadores discordem de nós nesse
aspecto). Tais descontos são apenas uma maneira de reduzir o valor contábil da Scott Fetzer
em nossos balanços de forma que o montante eventualmente seja equivalente ao patrimônio
líquido que a Scott Fetzer emprega em seus negócios.
Note que ao final de 1994 o prêmio foi reduzido para U$ 54,2 milhões. Quando esse
valor é adicionado ao valor contábil de U$ 94 milhões da Scott Fetzer, chegamos em U$ 148,2
milhões, que é o atual valor constante da empresa nos balanços da Berkshire. Esse montante é
menos da metade do valor contábil de quando a companhia foi adquirida. Ainda assim, a Scott
Fetzer lucra quase o dobro do que lucrava na época. Fica claro, portanto, que o valor intrínseco
do negócio tem crescido consistentemente, muito embora nós tenhamos, também
consistentemente, reduzido seu valor contábil por meio de descontos no prêmio que reduziu o
lucro da Berkshire e seu patrimônio líquido.

A diferença entre o valor contábil e o valor intrínseco da Scott Fetzer nos balanços da
Berkshire é, agora, gigantesca. Como mencionei anteriormente - mas não me importo em dizer
de novo - o crédito para essa diferença deve ir para Ralph Schey, um gestor focado, inteligente
e de primeira linha.

As razões do sucesso de Ralph não são complicadas. Ben Graham me ensinou há 45


anos que não é necessário fazer coisas extraordinários para obter resultados extraordinários
quase se trata de investimentos. Ao ficar mais velho, me surpreendi ao notar que isso também
é válido para a gestão de empresas. O que um gestor precisa fazer é fazer o básico bem feito e
não se desviar do principal. Essa é exatamente a estratégia usada por Ralph. Ele estabelece
os objetivos certos e nunca se esquece do que tem que fazer. Sob uma óptica pessoal, é
maravilhoso poder trabalhar com Ralph. Ele é franco a respeito dos problemas e consegue ser
confiante sem soar arrogante.

Ele também tem bastante experiência. Embora eu não saiba a idade de Ralph, sei que,
como muitos outros gestores nossos, ele tem mais de 65 anos. Na Berkshire, olhamos para o
desempenho, não para o calendário. Charlie e eu, com 71 e 64 anos, respectivamente,
colocamos uma foto do George Foreman em nossas mesas4. Você pode ter certeza que o
nosso desprezo pela aposentadoria compulsória irá aumentar cada vez mais com o passar dos
anos.

Valor intrínseco e alocação de capital

O entendimento do valor intrínseco é tão importante para gestores quanto para


investidores. Quando os gestores tomam decisões de alocação de capital - incluindo decisões
de recomprar ações - é vital que eles ajam de maneiras que aumentem o valor intrínseco por
ação e evitem decisões que o diminua. Esse princípio pode parecer óbvio, mas nós
constantemente o vemos ser violado. E quando uma alocação ruim ocorre, quem mais perde é
o acionista.

Por exemplo, ao analisar fusões ou aquisições, muitos gestores tendem a focar se a


transação teria efeito diluidor imediato ou não nos ganhos por ação (ou, em instituições
financeiras, no valor contábil por ação). Um foco desse tipo carrega grandes problemas.
Voltando ao nosso exemplo da faculdade, imagine que um estudante de 25 anos no primeiro
ano do MBA esteja considerando fundir seus retornos econômicos futuros com os de um
trabalho de meio período. O estudante de MBA, que não tem receita alguma, descobriria que
no frigir dos ovos essa fusão iria aumentar suas receitas no curto prazo (e como!). Mas teria um
efeito complicado no rendimento dos estudos. Tem algo mais sem sentido do que isso?

Em transações corporativas, é igualmente insensato para o comprador focar nos atuais


ganhos quando a empresa a ser adquirida tem prospectos diferentes, diferentes quantias de
ativos não-operacionais ou uma estrutura de capital diferente. Na Berkshire, rejeitamos muitas
propostas de fusão e aquisição que iriam aumentar os lucros no curto prazo, mas que iriam
reduzir o valor intrínseco por ação. Nossa estratégia tem sido seguir o conselho de Wayne
Gretzky5: “Vá para onde o disco vai estar, não para onde ele está agora.” Como resultados,
nossos acionistas estão atualmente alguns bilhões de dólares mais ricos do que estariam caso
tivéssemos seguido as o que rege o “livro-texto”.

O fato triste é que a maioria das grandes aquisições mostra um flagrante desbalanço:
elas são uma bonança para os acionistas da empresa adquirida; elas aumentam a receita e o
status da gestão da empresa adquirente; e são um “pote de mel” para bancos de investimento
e outros profissionais de ambos os lados. Mas, infelizmente, elas normalmente reduzem a
riqueza dos acionistas da adquirente, normalmente em um alto grau. Isso acontece porque a
adquirente costuma dá mais valor intrínseco do que recebe. Faça isso várias vezes, diz John

4
Referência ao fato do boxeador ter lutado até os 48 anos, idade bem acima da média no esporte.
5
Ex-jogador de hóquei.
Medlin, presidente aposentado da Wachovia Corp., e “você estará passando uma corrente6 ao
contrário.”

Com o tempo, a habilidade com a qual os gestores de uma companhia alocam capital
tem um enorme impacto no valor da empresa. Quase que por definição, um negócio realmente
bom gera muito mais dinheiro (ao menos após seus anos iniciais) do que consegue usar
internamente. A companhia poderia, é claro, distribuir esse dinheiro aos acionistas na forma de
dividendos ou de recompras de ações. Mas com frequência o CEO pergunta para consultores
ou bancos de investimento se uma ou duas aquisições fariam sentido. Isso é o mesmo que
perguntar para um designer de interiores se você precisa de um tapete de U$ 50 mil.

O problema da aquisição é piorado por conta de um viés biológico: muitos CEOs


atingem essa posição por possuírem uma abundância de espírito animalesco e ego. Se um
executivo é amplamente dotado com essas qualidades - que, deve ser dito, possuem certas
vantagens às vezes - elas não irão desaparecer quando ele atingir o topo. Quando um CEO
assim é encorajado por seus conselheiros a fazer aquisições, ele responde da mesma forma
que um adolescente responderia ao ser encorajado pelo pai a ter uma vida sexual normal. Não
é de um empurrão que ele precisa.

Alguns anos atrás, um CEO amigo meu - de brincadeira, para ficar claro -
despretenciosamente descreveu a patologia de muitas grandes aquisições. Esse amigo, que
tocava uma seguradora, estava explicando aos seus diretores os motivos que o faziam querer
comprar uma certa companhia de seguros de vida. Depois de passar de maneira pouco
persuasiva pelos racionais econômicos e estratégicos da aquisição, ele abruptamente
abandonou o que tinha planejado falar. Com um olhar endiabrado, ele simplesmente disse: “Ah,
amigos, todas as outras empresas fizeram isso.”

Na Berkshire, nossos gestores vão continuar a ganhar retornos extraordinários do que


parecem ser negócios mundanos. Como primeiro passo, esses gestores irão buscar por formas
de alocar os lucros de forma vantajosa para seus negócios. O que sobrar, eles irão mandar
para Charlie e para mim. Nós então iremos tentar usar esses fundos de forma a aumentar o
valor intrínseco por ação. Nosso objetivo será adquirir parte ou a totalidade de um negócio que
entendermos, que tiver fundamentos econômicos bons e sustentáveis e que seja tocado por
gestores que gostamos, admiramos e confiamos.

Compensação

Na Berkshire, tentamos ser tão lógicos com a compensação quanto com a alocação de
capital. Por exemplo, nós remuneramos Ralph Schey com base nos resultados da Scott Fetzer,

6
Corrente, ou ​chain letter​, no sentido de passar spam; um spam ao contrário teria o efeito bola-de-neve
revertido para o remetente original.
não nos da Berkshire. Faz todo o sentido, uma vez que ele é responsável por uma operação e
não pela outra. Um bônus em dinheiro ou uma opção de ação atrelada à Berkshire seriam
recompensas caprichosas ao Ralph. Ele poderia, por exemplo, estar obtendo resultados
excelentes na Scott Fetzer enquanto Charlie e eu poderíamos estar cometendo erros na
Berkshire, negando assim os esforços de Ralph em muitas vezes. Por outro lado, por que uma
opção de ação or bônus deveria ir ao Ralph se coisas boas estiverem acontecendo na
Berkshire e a Scott Fetzer estiver ficando para trás?

Ao ajustar nosso sistema de remuneração, nós gostamos de prometer quantias


polpudas, mas também gostamos de garantir que elas estejam atreladas diretamente aos
resultados da área que o gestor controla. Quando o capital investido em uma operação é
grande, nós cobramos uma taxa alta a gestores por qualquer capital incremental e creditamos a
uma taxa igualmente alta qualquer crédito que eles devolverem a nós.

O resultado dessa abordagem de “dinheiro não dá em árvore” é definitivamente visível


na Scott Fetzer. Se Ralph consegue aplicar capital incremental com bons retornos, ele é
recompensado por isso: seu bônus aumenta quando os ganhos sobre o capital adicional
excedem um determinado limiar (que é alto).

Mas o nosso cálculo de bônus é simétrico: se o investimento incremental resultar em


ganhos apenas marginais, a diferença recai sobre Ralph e sobre a Berkshire. A consequência
de um arranjo desse tipo é que é vantajoso para Ralph - muito vantajoso - enviar a Omaha
qualquer dinheiro em caixa que ele não consegue alocar de forma vantajosa em seu próprio
negócio.

Tem se tornado moda as companhias de capital aberto descreverem quase qualquer


plano de remuneração como sendo alinhado com os interesses dos gestores e dos acionistas.
Para nós, o alinhamento significa ser um parceiro nos momentos bons e ruins, não apenas na
bonança. Muitos planos de “alinhamento” falham nesse ponto, se mostrando como formas
ardilosas de dizer “Cara, eu ganho, coroa, você perde.”

Uma forma comum de desalinhamento ocorre em um típico acordo de opções, que não
aumenta de forma periódica o preço da opção para compensar o fato de que os ganhos retidos
se acumulam como riqueza da companhia. De fato, a combinação de uma opção de dez anos,
um baixo ​payout e juros compostos pode gerar ganhos exuberantes a um gestor que não tenha
feito nada mais do que andar em círculos. Um cínico pode até observar que quando os
pagamentos aos acionistas é mantido pressionado, o lucro para o gestor detentor da opção
aumenta. Eu ainda gostaria de ver esse tipo de acordo ser anunciado por meio de fato
relevante e pedir a aprovação dos acionistas.

Eu não posso deixar de mencionar que o nosso acordo de remuneração com Ralph foi
feito em cerca de cinco minutos, logo após adquirirmos a Scott Fetzer e sem a “ajuda” de
advogados ou consultores. Esse acordo incluiu algumas ideias bem simples - diferente dos
termos usados por consultores que não conseguem justificar um alto preço a menos que eles
determinem que você tem um grande problema (e que, é claro, precisa ser acompanhado
anualmente). Nosso acordo com Ralph nunca passou por alterações. Fez sentido a ele e a mim
em 1986, e continua fazendo sentido até hoje. Nossos acordos de remuneração com gestores
de outros setores é similarmente simples, embora os termos de cada acordo variem para se
adequarem com as características econômicas da empresa em questão, a existência, em
alguns casos, de uma participação parcial dos próprios gestores no negócio, etc.

Em todos os casos, no entanto, buscamos sempre pela racionalidade. Acordos que


estabelecem remunerações caprichosas e sem relação com os resultados do gestor podem ser
bem vistos por alguns administradores. Afinal, quem recusa um bilhete gratuito da loteria? Mas
tais acordos são ruins para a companhia e fazem o gestor perder o foco no que deveria ser
importante. Mais ainda, um comportamento irracional na empresa matriz pode encorajar um
comportamento irracional em suas subsidiárias.

Na Berkshire, só Charlie e eu temos a responsabilidade gerencial de todo o negócio.


Assim, nós somos os únicos que devem logicamente receber uma remuneração de acordo com
o desempenho da companhia como um todo. Mesmo assim, essa não é a remuneração que
desejamos. Nós cuidadosamente desenhamos a companhia e nossos trabalhos de forma a
fazer o que gostamos com pessoas que admiramos. Igualmente importante, nós somos
forçados a fazer pouquíssimas coisas chatas ou desagradáveis. Nós somos os beneficiários
das abundantes vantagens materiais e psicológicas que são direcionadas à gestão. Em tais
condições idílicas, nós não esperamos que os acionistas queiram que recebamos outras
remunerações que sequer precisamos.

Na verdade, se não recebêssemos nada por nossos trabalhos, Charlie e eu ainda


ficaríamos muito felizes com os cargos confortáveis que temos. No fim das contas,
concordamos com o credo de Ronald Reagan: “É provavelmente verdade que trabalho duro
nunca matou ninguém, mas por que arriscar?”

Fontes dos ganhos reportados

A tabela a seguir mostra as principais fontes dos ganhos reportados pela Berkshire.
Nessa apresentação, os descontos de prêmios que discutimos anteriormente em nossa análise
da Scott Fetzer não são feitos aos negócios específicos aos quais estão relacionados; ao invés
disso, são agrupados e mostrados em separado. Esse procedimento permite que você veja os
resultados das empresas da mesma forma que elas reportariam caso não tivessem sido
compradas por nós. Essa maneira de apresentar os resultados nos parece mais útil aos
investidores e gestores do que o GAAP7, que requer que os prêmios sejam descontados

7
Generally Accepted Accounting Principles (ou Termos Contábeis Normalmente Aceitos). Conjunto de
regras contábeis para a apresentação e padronização dos resultados das empresas.
empresa a empresa. Os lucros totais que mostramos na tabela são, é claro, idênticos ao lucro
GAAP total que consta em nossos balanços auditados.

* Inclui os lucros da Dexter somente após a sua aquisição em 7 de novembro de 1993.


** Exclui gastos com juros das empresas financeiras.

Uma boa quantidade adicional de informação a respeitos dessas empresas pode ser
encontrada ​nas páginas 37-48​, onde você irá encontrar também os nossos ganhos
segmentados na base GAAP. Além disso, ​nas páginas 53-59​, nós rearranjamos os dados
financeiros da Berkshire em quatro segmentos não-GAAP, arranjo esse que representa a forma
que Charlie e eu encaramos a companhia. Nossa intenção é prover informações financeiras
que gostaríamos de receber caso estivéssemos no lugar de vocês.

Ganhos “​look-through”

Em cartas passadas nós discutimos a respeito dos ganhos ​look-through​, que


acreditamos ser um retrato mais fiel dos ganhos da Berkshire do que o resultado GAAP. A
forma de calcular os ganhos ​look-through ​é a seguinte: (1) os ganhos operacionais reportados
na seção anterior, somados com; (2) os ganhos operacionais retidos pelas nossas maiores
posições acionárias que, sob os termos GAAP, não são refletidos em nossos lucros; subtraídos
de; (3) um gasto tributário que seria pago pela Berkshire caso esses ganhos retidos pelas
empresas investidas fossem distribuídas a nós. Os “ganhos operacionais” que falamos aqui
excluem os ganhos de capital, itens contábeis especiais e gastos com grandes reestruturações.

Para o nosso valor intrínseco aumentar em 15% ao ano, nossos ganhos ​look-through​,
ao longo do tempo, também precisam aumentar no mesmo ritmo. Quando eu expliquei esse
conceito alguns anos atrás, eu disse que precisaríamos gerar U$ 1,8 bilhão até o ano 2000
para alcançarmos essa meta. Como emitimos 3% a mais de ações, esse montante cresceu
agora para U$ 1,85 bilhão.

Atualmente estamos levemente à frente da meta, mas muito disso se deve ao fato de
que nosso ramo de seguros super-cat entregou lucros muito maiores do que esperávamos
(resultado esse que irei falar mais a respeito na próxima seção). Ponderando adequadamente
essa anormalidade, nós ainda temos a expectativa de atingir nosso objetivo. Porém, é claro,
isso não é uma certeza.

A tabela a seguir mostra como calculamos os ganhos ​look-through​, embora eu já deixe


avisado que essas são estimativas bastante grosseiras. (Os dividendos pagos a nós por essas
empresas investidas foram incluídas nos ganhos operacionais itemizados ​na página 12​, sendo
que a maior parte deles foram agrupados em “Insurance Group: Net Investment Income.”)
(1) Não inclui as ações referentes à posição minoritária na Wesco.
(2) Calculado na média de detenção das ações ao longo do ano.
(3) Excluindo ganhos de capital, que foram recorrentes e significativos.
(4) A taxa de tributação usada é de 14%, que é a taxa atual que a Berkshire paga sobre os
dividendos que recebe.

Ramo de seguros

Como já explicamos em cartas passadas, o que conta no ramo de seguros é, primeiro, a


quantidade de ​float que conseguimos obter e, segundo, o custo que ele tem para nós. ​Float é
um dinheiro que fica conosco, mas que não pertence a nós. Em uma operação de seguro, o
float surge porque a maioria das apólices exige que o prêmio seja pago de antemão e, mais
importante, porque costuma levar um tempo para que uma seguradora pague um determinado
sinistro, especialmente em casos judiciais.
Tipicamente, os prêmios que uma seguradora recebe não são suficientes para cobrir as
perdas e despesas que ela deve arcar. Isso a deixa operando com uma perda de ​underwriting8
- e essa perda é o custo do ​float​.

Uma empresa seguradora é considerada lucrativa ao longo do tempo se o seu custo de


obter o ​float é menor do que o custo que a empresa incorreria para obter esses fundos. O
negócio passa a ter um valor negativo se o custo de seu ​float for mais alto do que as taxas de
mercado para dinheiro.

Como os números na tabela a seguir mostram, as seguradoras da Berkshire têm sido


grandes vencedoras. Compilamos nosso ​float ​na tabela - montante que geramos de maneira
excepcional em relação ao nosso volume de prêmios - ao somar as reservas de perdas,
reservas de ajustes de perdas, fundos detidos sob compromissos de resseguros e a reserva de
prêmio ainda não recebidos e subtrair as comissões pagas aos agentes, custos contratuais,
impostos pré-pagos e cobranças diferidas aplicáveis a resseguros assumidos. O nosso custo
do ​float é determinado pelo nosso prejuízo ou lucro com ​underwriting​. Nos anos em que
tivemos lucros com ​underwriting​, como nos dois últimos, o nosso custo de ​float foi negativo.
Determinamos os nossos ganhos com seguros ao somar o lucro com ​underwriting com o
rendimento do ​float​.

8
Processo de subscrição. Se as práticas de subscrição gerarem contratos cujos prêmios excedam as
indenizações e demais despesas, o lucro subsequente elevará a capacidade da seguradora.
Charlie e eu estamos muito felizes pelo fato do nosso ​float ter aumentado em 1994 e
ainda mais satisfeitos pelo fato do custo dele ter sido zero. Mas a nossa mensagem esse ano
faz eco com o que dissemos em 1993: embora tenhamos um setor de seguros muito bem
tocado, ele não é tão bom quanto parece ser.

A razão que nos faz repetir esse aviso é que os nossos contratos super-cat
(relacionados à apólices que seguradoras e resseguradoras compram para proteção contra os
efeitos de mega catástrofes) se mostraram novamente altamente lucrativos. Uma vez que
catástrofes gigantescas ocorrem com pouca frequência, nossos negócios super-cat costumam
ter grandes lucros na maioria dos anos mas, ocasionalmente, registram perdas enormes. Em
outras palavras, a real atratividade do nosso ramo de contratos super-cat levará anos para ser
avaliada. Com certeza 1994 deve ser encarado como um exemplo de melhor cenário. As
únicas perdas significativas que tivemos vieram do terremoto que aconteceu na Califórnia em
janeiro. Devo adicionar que não esperamos sofrer grandes perdas com o terremoto que
ocorreu no início de 1995 em Kobe, Japão.

Apólices super-cat costumam ser pequenas em número, grandes em tamanho e sem


um padrão definido. Dessa forma, a subscrição para esse tipo de negócio requer muito mais
análise do que, digamos, a subscrição de apólices de automóveis, para as quais existe uma
quantidade de dados muito maior. E aqui a Berkshire possui uma vantagem: Ajit Jain, nosso
gestor de super-cat, tem habilidades de subscrição fantásticas. Ele tem um tremendo valor para
nós.

Além disso, a Berkshire possui uma vantagem especial no ramo super-cat por conta de
sua massiva força financeira, o que nos ajuda de duas maneiras. Primeiro, uma seguradora
prudente irá querer que sua proteção contra mega catástrofes - como as perdas de U$ 50
bilhões da tempestade em Long Island ou um terremoto de custo semelhante na Califórnia -
seja absolutamente certa. Mas a mesmo seguradora sabe que o desastre que a torna
dependente de um suporte super-cat é o mesmo desastre que pode fazer muitas
resseguradoras irem à falência.

Não faz sentido em pagar prêmios por apólices que irão evaporar justamente quando
forem mais necessárias. Assim, a certeza de que a Berkshire estará solvente e líquida após
uma catástrofe de proporções inimagináveis é uma enorme vantagem competitiva para nós.

O segundo benefício da nossa força de capital é que podemos subscrever apólices em


montantes que nenhuma outra empresa sequer avalia fazer. Por exemplo, durante 1994, uma
seguradora quis comprar uma apólice de curto prazo de U$ 400 milhões para cobertura de um
terremoto na Califórnia e nós prontamente fechamos negócio. Não conhecemos ninguém mais
no mundo que assumiria um risco de U$ 400 milhões, ou qualquer coisa perto disso, por conta
própria.

De maneira geral, as seguradoras tentam obter cobertura para grandes somas ao dividir
o fardo em várias pequenas apólices. Mas, no melhor dos casos, um arranjo desse tipo leva um
tempo considerável para ser montado. No meio tempo, a companhia que deseja fazer um
resseguro fica entregue à própria sorte, correndo um risco que não quer e que pode ameaçar
sua sobrevivência. Na Berkshire, por outro lado, nós daremos um preço para uma cobertura de
até U$ 500 milhões no mesmo dia em que nos for pedido um valor. Ninguém mais na indústria
consegue fazer isso.

Ao subscrever coberturas em grandes montantes, nós obviamente expomos a Berkshire


a resultados financeiros que podem variar bruscamente. Isso é completamente aceitável para
nós: com frequência, seguradoras (assim como outros negócios) adotam estratégias
sub-ótimas de forma a “suavizar” seus ganhos reportados. Ao aceitar o prospecto da
volatilidade, esperamos ter resultados a longo prazo melhores do que teríamos ao nos
preocuparmos com previsibilidade.

Dados os riscos que aceitamos, Ajit e eu constantemente focamos no nosso “pior caso”,
sabendo, obviamente, que é muito difícil definir o que seria esse caso, uma vez que é possível
ter um furacão em Long Island, um terremoto na Califórnia e qualquer outro grande desastre
em um único ano. Além disso, perdas vindas desses seguros podem vir acompanhadas de
problemas não relacionados ao setor. Por exemplo, se tivéssemos perdas supert-cat advindas
de um grande terremoto ao sul da Califórnia, elas poderiam vir acompanhadas por grandes
desvalorizações das nossas posições na See’s, Wells Fargo e Freddie Mac.

Considerando todas as coisas, acreditamos que a pior perda com seguros super-cat
seria na ordem de U$ 600 milhões antes de impostos, montante que excederia moderadamente
os ganhos anuais da Berkshire vindos de outras fontes. Se você não se sente confortável com
esse nível de exposição, a hora de vender suas ações da Berkshire é agora, não após uma
mega catástrofe inevitável.

Nosso volume de contratos super-cat provavelmente irá diminuir em 1995. Os preços de


apólices comuns caíram um pouco, de forma que a torrente de capital que estava alocada nos
ramos resseguradores há alguns anos irá se tornar mais inclinada a perseguir prêmios,
independentemente de seus níveis. De qualquer forma, nós temos forte relações com um grupo
importante de clientes que irão nos fornecer uma quantidade substancial de negócios em 1995.

As outras operações de seguros da Berkshire tiveram excelentes resultados em 1994.


Nossa operação em Nebraska, liderada por Rod Eldred; nosso setor de auxílio-acidente,
liderado por Brad Kinstler; nossa operação de cartões de crédito, gerida pela família Kizer; o
tradicional ramo de seguros de carro e seguros gerais da National Indemnity, liderada por Don
Wurster - todos eles geraram grandes lucros com ​underwriting​ e grandes montantes de ​float​.

Podemos concluir essa seção da mesma forma que fizemos no ano passado: de
maneira geral, temos um ramo de seguros de primeira linha. Embora seus resultados possam
ser extremamente voláteis, essa operação possui um valor intrínseco que excede em muito o
seu valor contábil - mais do que qualquer outro negócio detido pela Berkshire.

Investimentos em ações

Listamos a seguir nossas posições acionárias com valores acima de U$ 300 milhões.
Uma pequena parte desses investimentos pertencem a subsidiárias que a Berkshire detém
menos de 100%.
Nossos investimentos continuam a ser poucos em número e simples em conceito: uma
ideia verdadeiramente boa de investimento costuma ser explicável em um parágrafo curto.
Gostamos de negócios com vantagens competitivas duradouras e que sejam geridos por
pessoas competentes e orientadas aos interesses dos acionistas. Quando esses atributos
existem, e quando é possível fazer compras a preços razoáveis, fica difícil errar (mas, mesmo
assim, ainda conseguimos fazer algumas proezas de vez em quando).

Os investidores devem se lembrar que suas pontuações não são medidas usando
métodos olímpicos de natação artística: o grau de dificuldade não entra na conta. Se você
estiver certo sobre um negócio cujo valor é altamente dependente de um único fator que é fácil
de entender e duradouro, o resultado é o mesmo caso você tivesse analisado corretamente um
investimento alternativo caracterizado por variáveis complexas e que ficam mudando o tempo
todo.

Nós tentamos precificar as compras, não acertar o momento ideal. Em nossa visão, é
loucura deixar de comprar ações em negócios incríveis com prospectos de longo prazo
previsíveis por conta de preocupação de curto prazo sobre a economia ou sobre o mercado
acionário, que sabemos ser imprevisível. Por que deixar de lado uma decisão bem
fundamentada por conta de um “chute”?

Nós compramos a National Indemnity em 1967, a See’s em 1972, Buffalo News em


1977, Nebraska Furniture Mart em 1983 e Scott Fetzer em 1986 porque foram esses os anos
em que eles se tornaram disponíveis e porque achamos que o preço a ser pago por eles era
aceitável. Em cada caso, analisamos para onde cada negócio iria, não o que o Dow, o Fed ou a
economia faria. Se essa abordagem faz sentido ao adquirir negócios inteiros, por que
deveríamos mudar o racional ao comprar pequenas partes de negócios maravilhosos por meio
do mercado de ações?
Antes de olhar para nos investimentos, nós consideramos aumentar as posições que já
temos. Se um negócio se mostra atrativo o suficiente para se comprar uma vez, pode valer a
pena repetir a dose. Nós adoraríamos aumentar nossa posição na See’s ou na Scott Fetzer,
mas ainda não encontramos uma maneira de chegar em uma participação de 100%9. No
mercado de ações, no entanto, um investidor frequentemente tem a chance de aumentar sua
participação em negócios que ele conhece e gosta. No ano passado nós fizemos exatamente
isso ao aumentar nossas posições em Coca-Cola e American Express.

Nossa história com a American Express é de longa data e, na verdade, se encaixa com
o meu padrão de tomar decisões de investimento baseadas em associações passadas. Em
1951, por exemplo, as ações da GEICO representavam 70% do meu portfólio pessoal e a
GEICO também foi a primeira ação que vendi - eu tinha 20 anos na época - como corretor (a
venda foi de 100 ação para minha Tia Alice que, abençoada seja, teria comprado qualquer
coisa que eu tivesse sugerido). Vinte anos depois, a Berkshire comprou uma grande posição na
GEICO quando ela estava prestes a falir. Em um outro momento, em relação ao Washington
Post, cerca de metade dos meus fundos iniciais de investimento vieram do meu trabalho como
entregador de jornal nos anos 1940. Três décadas depois, a Berkshire comprou uma grande
posição na companhia dois anos após ela ter aberto capital. E sobre a Coca-Cola, meu
primeiro empreendimento - isso foi na década de 1930 - foi comprar um pacote com seis Cocas
por 25 centavos de dólar e vender cada garrafa por 5 centavos. Demorou apenas cinquenta
anos para eu perceber que o dinheiro de verdade estava no xarope10.

Minha história com a American Express inclui alguns episódios diferentes: no meio da
década de 1960, logo após a ação ter derretido com o infame escândalo do óleo de salada, nós
alocamos cerca de 40% do capital da Buffett Partnership Ltd. na empresa - o maior
investimento que a minha sociedade de investimento tinha feito até então. Devo acrescentar
que essa posição era equivalente a 5% da Amex e teve um custo de U$ 13 milhões. Enquanto
escrevo isso, detemos pouco menos de 10% da companhia, o que nos custou U$ 1,36 bilhão.
(Amex lucrou U$ 12,5 milhões em 1964 e U$ 1,4 bilhão em 1994.)

Minha história com a unidade IDS da Amex11, que hoje contribui com cerca de 1/3 dos
lucros da companhia, é mais antiga ainda. A primeira vez que comprei ações da IDS foi em
1953, época em que ela estava crescendo rapidamente e sendo negociada a uma razão de
preço sobre lucro de apenas 3. (Havia muitas oportunidades como essa naqueles tempo.) Eu
até escrevi um extenso relatório - como se eu algum dia tivesse escrito um relatório curto - que
passei a vender por U$ 1 por meio de um anúncio no Wall Street Journal.

Obviamente, American Express e IDS (agora chamada de American Express Financial


Advisors) são operações muito diferentes hoje do que eram no passado. Mesmo assim,

9
See’s e Scott Fetzer são empresas de capital fechado.
10
A fórmula inicial da Coca-Cola foi criada para ser um xarope.
11
IDS representa ​Investors Diversified Services (hoje Ameriprise) e envolve serviços como planejamento
financeiro, gestão de ativos e gestão imobiliária.
acredito que uma familiaridade de longo prazo com a companhia e seus produtos é bastante
útil ao fazer uma análise.

Erro do dia

Erros acontecem nos momentos de decisão. No entanto, só podemos entregar nosso


prêmio de “Erro do dia” quando a insensatez do negócio se torna óbvia. Com essa métrica,
1994 se mostrou um ano de competição acirrada pela medalha de ouro. Nesse sentido,
gostaria de dizer que os erros que irei descrever tiveram início com o Charlie. Mas sempre que
tento dizer isso, meu nariz começa a crescer.

E os candidatos são…

No fim de 1993, vendi 10 milhões de ações da Cap Cities por U$ 63; no meio de 1994,
elas valiam U$ 85,25. (A diferença total é de U$ 222,5 milhões para aqueles que queriam evitar
a dor de calcular o tamanho do estrago por conta própria.) Quando compramos a ação a U$
17,25 em 1986, eu disse que eu já tinha vendido nossa posição da Cap Cities por U$ 4,30
durante 1978-80, e ainda acrescentei que eu não consegui achar justificativa para minha
atitude na época. Agora sou reincidente. Talvez seja um bom momento para falar com um
advogado.

Por mais flagrante que seja, a decisão da Cap Cities merece apenas a medalha de
prata. As principais honrarias vão para um erro que cometi cinco anos atrás e que só tiveram o
efeito completo em 1994: nossa compra de U$ 358 milhões de ações preferenciais da USAir,
cujos dividendos foram suspensos em setembro. Na carta de 1990 eu corretamente descrevi
esse negócio como um “erro voluntário”, querendo dizer que ninguém me obrigou a fazê-lo e eu
não fui enganado por ninguém. Ao invés disso, esse foi um caso de análise mal feita, um lapso
que pode ter sido causado pelo fato de que estávamos comprando uma empresa consolidada
ou por arrogância. Qualquer que tenha sido a razão, o erro foi grande.

Antes da compra, eu simplesmente falhei em focar nos problemas que inevitavelmente


viriam acontecer com uma companhia cujos custos eram altos e extremamente difíceis de
serem baixados. Nos anos iniciais, esses custos assustadores não representavam um
problema. Companhias aéreas eram protegidas de competição por meio de leis e as
operadoras podiam absorver custos altos porque elas conseguiam passá-los adiante por meio
dos preços das passagens, que também eram altos.

Quando a desregulamentação do setor veio, ele não alterou o cenário de imediato: a


capacidade das operadoras de baixo custo era tão pequena que as empresas de alto custo, em
boa parte, eram capazes de manter as estruturas de preços de passagens. Durante esse
período, com os problemas de longo prazo entrando lentamente em metástase, mas ainda
invisíveis, os custos que não eram sustentáveis se tornaram ainda mais enraizados.

Conforme a capacidade das operadoras de baixo custo foi aumentando, seus preços
começaram a forçar as outras companhias aéreas a diminuírem os seus. O dia do
arrebatamento para essas companhias pôde ser adiado por meio de infusões de capital (como
as que fizemo na USAir) mas, eventualmente, uma certa regra fundamental da economia
prevaleceu: em ramo de ​commodity desregulamentado, uma empresa deve reduzir seus custos
a patamares competitivos ou será extinta. Esse princípio deveria ter sido óbvio para este
presidente que vos fala, mas eu deixei passar.

Seth Schofield, CEO da USAir, trabalhou de forma diligente para corrigir os problemas
históricos de custo da companhia mas, até o momento, ele não obteve êxito. Em parte, isso se
deve ao fato de que ele teve de lidar com um alvo em movimento, resultado de algumas
grandes operadoras terem obtido concessões com a mão-de-obra e de outras terem se
beneficiado de um “novo começo”, fruto de recuperações judiciais.

(Como Herb Kelleher, CEO da Southwest Airlines, disse: “Recuperações judiciais para
companhias aéreas têm se tornado uma ida ao spa.”) Mais ainda, não é surpresa alguma que
os empregados de companhias aéreas que recebem salários acima do mercado irão continuar
resistindo ofertas de acordos enquanto o dinheiro continuar caindo em conta.

Apesar dessa situação difícil, pode ser que a USAir ainda consiga reduzir seus custos
de forma a se manter viável para o longo prazo. Mas isso está longe de ser uma certeza.

Tomando esse cenário por base, diminuímos o nosso valor contábil da USAir para U$
89,5 milhões, uma redução de 75% no fim de 1994. Essa avaliação reflete tanto a possibilidade
de que nossas ações preferenciais recuperarão todo ou boa parte de seu valor original quanto
a possibilidade delas eventualmente passarem a valer zero. Qualquer que seja o resultado, nós
iremos dar atenção especial a uma regra fundamental de investimento: você não tem que
recuperar o dinheiro da mesma forma que o perdeu.

Os efeitos contábeis da nossa redução da USAir são complicados. Sob a contabilidade


GAAP, as empresas de seguros são obrigadas a carregar todas as suas ações em seus
balanços a valor de mercado. Assim, ao final do terceiro trimestre do ano passado, nós
carregávamos nossas ações preferenciais da USAir a U$ 89,5 milhões, ou 25% do custo de
aquisição. Em outras palavras, o nosso patrimônio líquido estava, naquele momento, refletindo
um valor para a USAir muito abaixo do nosso custo de U$ 358 milhões.
Mas no quarto trimestre, concluímos que a queda no valor era, em termos contábeis,
“mais do que temporária”, e essa conclusão nos fez emitir o ​writedown12 de U$ 269 milhões por
meio da nossa declaração de receitas. O montante não terá outros efeitos daqui pra frente. Isto
é, ele não irá reduzir nosso patrimônio líquido, uma vez que a diminuição no valor já está
refletida.

Charlie e eu não iremos nos candidatar a reeleição para nossas vagas no conselho da
USAir no próximo encontro anual. No entanto, se Seth quiser conversar conosco, ficaremos
felizes em ajudar da melhor forma que pudermos.

Miscelânea

Dois CEOs que fizeram coisas maravilhosas pela Berkshire se aposentaram no ano
passado: Dan Burke, da Capital Cities/ABC, e Carl Rechardt, do Wells Fargo. Dan e Carl
lidaram com condições muito difíceis em suas respectivas indústrias nos últimos anos. Mas
suas habilidades gerenciais fizeram suas empresas saírem desses períodos com lucros
recordes, com mais brilho e prospectos ainda melhores. Adicionalmente, Dan e Carl
prepararam bem suas saídas, deixando as empresas em ótimas mãos. Nós devemos a eles
nossa gratidão.

************

Cerca de 95,7% de todas as ações elegíveis participaram do programa de doações da


Berkshire de 1994. As contribuições feitas por meio desse programa somaram U$ 10,4 milhões
e 3.300 instituições de caridade foram beneficiadas.

Todos os anos alguns acionistas deixam de participar do programa, seja porque eles
não têm suas ações registradas em seus próprios nomes até a data limite ou porque eles não
conseguem enviar o formulário de participação para nós dentro do prazo estipulado de 60 dias.
Como não abrimos exceções quando os pré-requisitos não são cumpridos, nós pedimos
encarecidamente que os novos e velhos acionistas leiam a descrição do nosso programa de
doações que se encontra ​nas páginas 50-51​.

Para participar em programas futuros, se certifique que as ações estejam em seu nome,
não no nome de terceiros, da corretora ou do banco. Ações que não estiverem registradas até
31 de agosto de 1995 não poderão participar do programa de 1995.

************

12
Termo contábil que se refere ao reconhecimento formal de que o valor de um ativo passou a ser menor
do que era originalmente.
Nós fizemos apenas uma pequena aquisição em 1994 - uma pequena rede de calçados
- mas o nosso interesse em encontrar bons candidatos continua aguçado como sempre. Os
critérios que utilizamos para compras ou aquisições são detalhados no apêndice, ​página 21​.

Na primavera passada, oferecemos uma fusão com uma grande e familiar empresa com
termos que envolviam ações preferenciais conversíveis da Berkshire. Embora não tenhamos
conseguido fechar um acordo, esse episódio me fez perceber que precisamos pedir
autorização aos nossos acionistas para usar ações preferenciais caso queiramos aproveitar
rapidamente oportunidades de aquisição futuras. Dessa maneira, nossa procuração apresenta
uma proposta em que você autoriza o uso de uma grande quantidade de ações preferenciais,
que serão emitidas de acordo com os termos definidos pelo conselho diretor. Você pode ficar
tranquilo, pois Charlie e eu não usaremos essas ações a menos que estejamos completamente
convencidos de que estamos recebendo tanto valor intrínseco quanto estamos recebendo.

************

Charlie e eu esperamos que você venha até o nosso encontro anual - agora em nova
localização. Ano passado nós ultrapassamos um pouco a capacidade do Orpheum Theater de
2.750 pessoas sentadas e, portanto, iremos nos reunir às 9:30h na segunda-feira, dia 1 de
maio de 1995, no Holiday Convention Centre. O salão principal no Centre tem capacidade para
3.300 pessoas e, se necessário for, teremos equipamento de áudio e vídeo numa sala
adjacente capaz de comportar mais 1.000 pessoas.

No ano passado trouxemos alguns produtos da Berkshire para o encontro, e como


resultado vendemos mais de 360 kg de chocolate, 507 pares de sapato e mais de U$ 12 mil em
enciclopédias (da World Book) e publicações relacionadas. Todos esses itens estarão
disponíveis novamente esse ano. Embora gostemos de encarar a reunião como uma
experiência espiritual, também devemos lembrar que até mesmo a mais secular das
celebrações inclui o ritual do dízimo.

Obviamente, o que você realmente precisa comprar é um VHS do torneio Orange Bowl
de 1995. Eu assisto a esse clássico todas as noites, mudando para slow motion no quarto
tempo. Nossa cor esse ano é uma homenagem ao treinador de futebol americano do time de
Nebraska, Tom Osborne, e seus Cornhuskers, a equipe universitária líder no país. Eu peço que
você vista vermelho durante o encontro anual e prometo que pelo menos 50% da sua dupla de
gestores irá se vestir a caráter.

Recomendamos que você prontamente faça reservas em um hotel para o encontro,


uma vez que estamos esperando uma multidão de gente. Para aqueles que gostam de ficar no
centro (cerca de 10 km do centro de convenções), uma boa opção é o Raddison Redick Tower,
um pequeno (88 quartos) mas aconchegante hotel ou no Red Lion Hotel, que é bem maior e
fica a algumas quadras de distância do Raddison. Nas proximidades do Centre estão o Holiday
Inn (403 quartos), Homewood Suites (118 quartos) e Hampton Inn (136 quartos). Outro lugar
recomendado é o Marriott, cuja localização, na zona oeste de Omaha, fica a cerca de 100
metros da Borsheim’s e a dez minutos de carro do Centre. Haverá ônibus saindo do Marriott às
8:45h e 9:00h para o evento, retornando ao final do encontro.

Um anexo à nossa procuração explica como você pode obter o cartão de admissão
necessário para ter acesso ao evento. O Centre possui um grande estacionamento, e aqueles
que forem ficar no Holiday Inn, Homewood Suites e Hampton Inn poderão caminhar até o local.

Como sempre, teremos ônibus que levarão vocês até o Nebraska Furniture Mart e
Borsheim’s após a reunião e de lá para o aeroporto ou para os hotéis. Eu espero que você
possa fazer um esforço especial para visitar o Nebraska Furniture Mart porque ele abriu o
Mega Mart, uma verdadeira joia do varejo, com venda de eletrônicos, eletrodomésticos,
computadores, CDs e equipamento de áudio e vídeo. As vendas têm sido sensacionais desde
a inauguração, e você vai ficar impressionado com a variabilidade de produtos e a forma como
estão expostos pela loja.

O Mega Mart, adjacente ao NFM, fica no nosso terreno de 25 hectares, cerca de 3 km


ao norte do Centre. As lojas ficam abertas das 10h às 21h nas sextas-feiras, das 10h às 18h
aos sábados e das 12h às 18h no domingo. Quando estiver por lá, dê um oi para a Sra. B que,
aos 101 anos, com certeza estará trabalhando duro. Ela nunca falta um dia na loja - ou melhor
dizendo, ela nunca falta sequer uma hora.

A Borsheim’s costuma ficar fechada aos domingos, mas irá abrir para os acionistas e
seus convidados das 12h às 18h no domingo. Esse é sempre um dia especial, e esteja certo de
que tentaremos fazer algumas surpresas. Esse costuma ser o dia de maior venda do ano, o
que é mais uma razão para que Charlie e eu estejamos por lá esperando por vocês.

Na noite de sábado, 29 de abril, haverá uma partida de baseball no Rosenblatt Stadium


entre o Omaha Royals e o Buffalo Bisons. O time de Buffalo é dos meus amigos Mindy e Bob
Rich Jr., e eu espero que eles compareçam. Se isso acontecer, irei atiçar o Bob para um duelo
de arremessos. Bob é uma versão capitalista de Randy Johnson13 - jovem, forte e atlético - e
não é o tipo de pessoa que você quer encarar logo no início do campeonato. Portanto, vou
precisar de muito apoio vocal.

O material anexo irá incluir informações sobre como conseguir um ingresso para o jogo.
Cerca de 1.400 acionistas participaram do evento no ano passado. Ao abrir o jogo naquela
noite, eu fiz o arremesso inicial e o placar indicou que a bola chegou a quase 13 km/h14. O que
muitos espectadores não perceberam foi que eu ignorei o pedido do apanhador para mandar

13
Jogador profissional de baseball apelidado de The Big Unit (A Grande Unidade) por ter 2,08 metros de
altura.
14
Para efeitos de comparação, um arremesso do mencionado Randy Johnson costumava chegar a mais
de 150 km/h.
com força total e, no lugar disso, usei uma jogada mais tática. Nesse ano, vou levantar até
poeira com a velocidade da bola.

Warren E. Buffett
Presidente do Conselho

7 de março de 1995
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1995.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Nosso ganho em patrimônio líquido durante 1995 foi de U$ 5,3 bilhões, ou 45% no ano.
O valor patrimonial por ação aumentou um pouco menos, a 43,1%, porque usamos ações para
pagar por duas aquisições, aumentando o número de ações em circulação em 1,3%. Nos
últimos 31 anos (isto é, desde que assumimos o controle da companhia) o valor patrimonial
saiu de U$ 19 para U$ 14.426, ou a uma taxa de 23,6% ao ano.

Não há razão para ovacionar os ganhos de 1995. Esse foi um ano em que até a pessoa
mais boba poderia ter feito uma fortuna com o mercado de ações. E nós fizemos exatamente
isso. Parafraseando o Presidente Kennedy, uma maré alta levanta todos os barcos.

Colocando os resultados financeiros de lado, muitas coisas boas aconteceram na


Berkshire no ano passado: negociamos três aquisições que são exatamente do tipo que
gostamos. Duas delas, Helzberg’s Diamond Shops e R.C. Willey Home Furnishings, estão
incluídas em nossos balanços financeiros de 1995, enquanto que nossa maior transação, a
aquisição por completo da GEICO, foi feita imediatamente após o fim do ano. (Irei falar mais a
respeito dessas três aquisições mais adiante nesta carta).

Essas novas subsidiárias irão praticamente dobrar nossas receitas. Mesmo assim, as
aquisições não aumentaram de forma substancial o número de ações em circulação ou o
tamanho da dívida da companhia. E muito embora essas três operações empreguem mais de
11.000 pessoas, a nossa equipe na empresa matriz aumentou apenas de 11 para 12 pessoas.
(Pra quê exagerar?)

Charlie Munger, vice-presidente da Berkshire e meu sócio, e eu queremos ter uma


coleção de empresas - detidas por completo ou não - que possuam excelentes características
econômicas e sejam geridas por pessoas incríveis. Nosso tipo favorito de aquisição é uma
transação negociada em que consigamos comprar uma empresa por completo a um preço
razoável. Mas ficamos quase tão felizes quanto quando o mercado acionário nos dá a chance
de comprar um percentual modesto de um negócio maravilhoso a um preço muito abaixo do
que seria necessário para comprar 100% da empresa. Essa abordagem dupla - a compra de
empresas inteiras por meio de negociações ou a compra de participações parciais por meio do
mercado de ações - nos dá uma importante vantagem sobre os alocadores de capital que
optam por usar apenas uma dessas estratégias.Woody Allen explicou certa vez o porquê do
ecletismo funcionar: “A verdadeira vantagem de ser bissexual é que isso dobra suas chances
de conseguir um encontro num sábado à noite.”

Ao longo dos anos nós temos adotado essa filosofia do Woody em nosso racional,
tentando aumentar nossas participações em negócios incríveis ao mesmo tempo em que
procuramos comprar empresas em ramos similares por completo. A tabela a seguir ilustra
nosso progressos nesses dois fronts. Os dados mostram os valores mobiliários por ação da
Berkshire em intervalos de dez anos. Uma segunda coluna mostra os nossos ganhos
operacionais por ação (antes de impostos e ajustes de preços, mas já descontados juros e
gastos corporativos) vindos de todas as outras atividades. Em outras palavras, a segunda
coluna mostra o que nós ganhamos excluindo dividendos, juros e ganhos de capital que
realizamos com nossos investimentos. Ajustes contábeis do preço de compra foram ignorados
por razões já bem delineadas em cartas passadas e que, para preservar a sua sanidade,
iremos evitar repetir. (No entanto, enviaremos as cartas passadas aos masoquistas de
plantão.)

Esses resultados não surgiram de nenhum grande plano que traçamos em 1965. De
maneira geral, nós sabíamos o que queríamos fazer, mas não tínhamos a mínima ideia de
quais oportunidades específicas iriam surgir para tornar isso realidade. Até hoje nos mantemos
similarmente desestruturados: pretendemos aumentar os valores mostrados nas duas colunas
ao longo do tempo, mas não temos nenhum mapa que nos diz como chegar até lá.

Nós continuamos a ter duas vantagens: primeiro, nossos gestores são incríveis e, na
maioria dos casos, possuem um vínculo muito forte com a Berkshire. Segundo, Charlie e eu
temos uma experiência razoável com alocação de capital e tentamos nos manter racionais e
objetivos em nosso trabalho. A desvantagem gigantesca que encaramos é o tamanho: no início
nós precisávamos apenas de boas ideias; agora, precisamos de ideias boas e grandes.
Infelizmente, a dificuldade de encontrá-las aumenta na proporção direta do nosso sucesso
financeiro que, por sua vez, diminui nossas vantagens.

Eu vou comentar mais a respeito dos prospectos da Berkshire à frente quando discutir
nossa proposta de recapitalização.

Aquisições
Pode parecer estranho nós estarmos exaltando um ano em que fizemos três aquisições
dado que, com frequência, temos utilizado essas páginas para questionar as atividades de
aquisições de outros gestores. Mas fique tranquilo, Charlie e eu não perdemos nosso
ceticismo: ainda acreditamos que a maioria dos acordos são danosos aos acionistas da
empresa adquirente. As palavras de HMS Pinafore1 se aplicam com regularidade: “As coisas
raramente parecem com o que são em si, leite desnatado se mascara como chantilly.” Mais
especificamente, os vendedores e seus representantes invariavelmente apresentam projeções
financeiras que tem mais valor como entretenimento do que educacional. Na competição para
produzir cenários utópicos, Wall Street fica no páreo com Washington.

De toda forma, o porquê compradores em potencial ainda olham para as projeções


feitas pelos vendedores é algo que ainda me deixa abismado. Charlie e eu sequer olhamos
para elas, mantendo em mente a velha história do homem com um cavalo doente. Ao visitar o
veterinário, ele disse: “Você pode me ajudar? Às vezes meu cavalo consegue andar sem
problemas, mas às vezes ele manca.” O veterinário prontamente respondeu: “Claro que posso
ajudar - quando ele estiver andando bem, venda-o.” No fundo de fusões e aquisições, tal
cavalo seria proclamado como sendo parte do Secretariado.

Na Berkshire, temos todas as dificuldades em compreender o futuro que outras


companhias orientadas à aquisições possuem. E, assim como elas, nós também encaramos o
problema inerente que a parte vendedora do negócio conhece, de forma prática, muito mais a
respeito do setor e da empresa em si do que a parte compradora. Além disso, a parte
vendedora também é a parte que escolhe quando vender - que pode ser justamente quando a
empresa estiver “andando bem.”

Ainda assim temos algumas vantagens, sendo a maior delas o fato de que não temos
um plano estratégico. Dessa forma, não sentimos a menor necessidade de seguir em uma
direção pré-determinada (estratégia que quase invariavelmente leva a compras a preços
irracionais), optando simplesmente por decidir o que faz mais sentido aos nossos acionistas.
Ao seguir isso, nós sempre fazemos uma comparação mental entre o que estamos pensando
em fazer com dezenas de outras oportunidades disponíveis a nós, incluindo a compra de
pequenas participações nos melhores negócios do mundo via mercado de ações. Nossa
prática em fazer essa comparação - aquisições versus investimentos passivos - exige uma
disciplina que gerentes focados apenas em expansão raramente usam.

Numa entrevista para a revista Time alguns anos atrás, Peter Drucker acertou na veia
sobre essa questão: “Vou te contar um segredo: fazer negócios é mais atraente do que
trabalhar. Fazer negócios é algo divertido e animador, enquanto que trabalhar é algo penoso.
Tocar qualquer coisa que seja consiste, primariamente, em uma enorme carga de burocracia e

1
Nome de uma peça de teatro.
serviço braçal. Por outro lado, fechar negócios é romântico, sexy. É por esse motivo que você
vê tantos negócios esdrúxulos por aí.”

Ao fazer aquisições, nós ainda temos uma vantagem adicional: como pagamento,
podemos oferecer à parte vendedora uma ação que consiste de uma coleção extraordinária de
empresas. Um indivíduo ou família que deseja abrir mão de um único bom negócio, mas que
também deseja diferir impostos pessoais de maneira indefinida, encontra uma posição
particularmente confortável com as ações da Berkshire. Eu acredito, na verdade, que esse
cálculo teve um papel importante nas duas aquisições de 1995 que pagamos via ações.

Além disso, a parte vendedora costuma procurar um lar corporativo para deixar sua
empresa em que ela prospere e que ofereça condições de trabalho prazerosas e produtivas
para seus gerentes. Nesse aspecto, novamente, a Berkshire oferece algo especial. Nossos
gerentes operam de forma extraordinariamente independente. Adicionalmente, nossa estrutura
de participação permite que a parte vendedora saiba que quando eu digo que compro para
manter, essa promessa significa alguma coisa. De nossa parte, nós gostamos de negociar com
donos que se importam com o que vai acontecer com sua companhia e seus funcionários. A
parte compradora dificilmente terá surpresas desagradáveis ao lidar com esse tipo de pessoa
do que com alguém que está simplesmente leiloando seu próprio negócio.

Além de todo esse detalhamento anterior ser uma explicação do nosso estilo de
aquisição, ele é, é claro, uma propaganda não muito sutil. Se você tem ou representa uma
empresa que lucra mais do que U$ 25 milhões antes de impostos e ela se encaixa nos critérios
listados na ​página 23​, ligue para mim. Nossa conversa será confidencial. E se você não estiver
interessado agora, mantenha o seguinte em mente: nós nunca iremos perder o apetite por
comprar companhias com bons fundamentos econômicos e com excelente gestão.

Concluindo essa pequena dissertação a respeito de aquisições, não posso deixar de


repetir aqui uma história que ouvi ano passado de um executivo. A empresa em que ele passou
um bom tempo era muito boa, com um longo histórico de liderança no setor. Seu principal
produto, no entanto, era angustiantemente desinteressante. Assim, algumas décadas atrás, a
companhia contratou um consultor que - naturalmente - aconselhou diversificar, que era a
tendência na época. (“Foco” ainda não estava na moda.) Em pouco tempo a companhia
adquiriu uma grande gama de negócios, cada aquisição feita após um longo e caro estudo
realizado pela consultoria. E o resultado? O executivo disse cabisbaixo: “Quando começamos
com as aquisições, 100% do nosso lucro vinha do negócio inicial. Após dez anos, esse patamar
foi para 150%.”

Helzberg’s Diamond Shops


Alguns anos atrás, consultores gerenciais popularizaram uma técnica chamada
management by walking around (MBWA). Na Berkshire, nós instituímos o ABWA (​acquisitions
by walking around​)2.

Em maio de 1994, cerca de uma semana após o nosso encontro anual, eu estava
atravessando a rua na 58th com a Fifth Avenue em Nova York quando uma mulher me chamou
pelo nome. Eu ouvi ela dizer que tinha ido até o encontro e tinha gostado muito. Alguns
segundos depois, um homem que ouviu a mulher me chamar também veio falar comigo. Ele
era Barnett Helzberg Jr., que tinha quatro ações da Berkshire e que também tinha ido ao
encontro anual.

Em poucos minutos de conversa, Barnett disse que tinha um negócio que poderia nos
interessar. Quando as pessoas dizem isso, normalmente elas possuem uma barraquinha de
limonada - com potencial, é claro, de rapidamente se transformar na próxima Microsoft. Então
eu simplesmente pedi a Barnett para me enviar os detalhes. Isso, pensei comigo, iria ser o fim
do nosso contato.

Não muito tempo depois, Barnett me enviou as declarações financeiras da Helzberg’s


Diamond Shops. A companhia havia sido criada por seu avô em 1915 em uma única loja em
Kansas City, tendo evoluído para 134 lojas em 23 estados quando conversamos. As vendas
haviam crescido de U$ 10 milhões em 1974 para U$ 53 milhões em 1984 e U$ 282 milhões em
1994. Isso não era uma barraquinha de limonada.

Barnett, com então 60 anos, adorava o negócio, mas também queria se sentir livre dele.
Em 1988, como um passo nessa direção, ele contratou Jeff Comment, ex-presidente da
Wanamaker’s3, para ajudá-lo a tocar o negócio. A contratação de Jeff foi um grande acerto,
mas Barnett ainda sentia uma grande responsabilidade com a companhia. Além disso, ele era
dono de um valioso ativo que estava sujeito aos caprichos de um setor único e muito
competitivo, de forma que ele achou prudente diversificar o patrimônio da família.

A Berkshire se encaixou como uma luva. Levou um certo tempo para acertarmos o
preço, mas nunca houve o menor questionamento em minha mente de que, primeiro, a
Helzberg’s era o tipo de negócio que queríamos ter e, segundo, que Jeff era o tipo de gerente
que gostamos. Na verdade, nós não teríamos comprado o negócio se Jeff não estivesse lá
para administrá-lo. Comprar uma empresa varejista sem um bom gerente é o mesmo que
comprar a Torre Eiffel sem um elevador.

Nós completamos a compra da Helzberg em 1995 por meio de uma troca isenta de
ações, único tipo de transação que interessava a Barnett. Embora ele não tivesse nenhuma

2
MBWA seria o mesmo que fazer uma gestão voltada à visita de todos os setores da empresa de forma
regular. ABWA é o equivalente jocoso em que as aquisições são feitas por meio de visitas (intencionais
ou não) à empresas que sejam interessantes.
3
Uma das primeiras lojas de departamento dos EUA.
obrigação de fazê-lo, Barnett fez questão de distribuir uma boa parte do que recebeu com a
venda da empresa com um grande número de associados. Quando alguém se comporta de
forma tão generosa, você sabe que será bem tratado como comprador.

O volume médio de vendas de uma loja da Helzberg’s é de U$ 2 milhões, muito mais do


que competidores com lojas de tamanho parecido conseguem alcançar. Essa produtividade
superior por loja é o que permite a Helzberg’s obter lucros excelentes. Se a companhia
mantiver seu desempenho com tanto primor - e acreditamos que ela irá - ela poderá multiplicar
de tamanho de forma bastante rápida.

Além disso, a Hezlberg’s tem uma operação completamente diferente da Borsheim’s,


nosso negócio joalheiro em Omaha, e as duas companhias irão operar de forma totalmente
independente uma da outra. Borsheim’s teve um excelente ano em 1995, com vendas subindo
11,7%. Susan Jacques, a CEO de 36 anos, teve um ano ainda melhor, tendo dado à luz ao seu
segundo filho pouco antes do Natal. Susan tem se mostrado uma líder incrível desde quando
foi promovida há dois anos.

R.C. Willey Home Furnishings

Foi Irv Blumkin, do Nebraska Furniture Mart, que se deparou com o caso da R.C. Willey,
líder há muitos anos no ramo de móveis em Utah. Ao longo dos anos, Irv me contou as forças
que a companhia tinha. E ele também havia dito a Bill Child, CEO da R.C. Willey, o quão
satisfeita a família Blumkin estava com o relacionamento com a Berkshire. Assim, no início de
1995, Bill mencionou a Irv que, por razões de diversificação e fiscais, ele e os outros donos da
R.C. Willey poderiam se interessar em vender a empresa.

Desse ponto em diante, as coisas não poderiam ter sido mais simples. Bill me mandou
alguns números e eu escrevi uma carta a ele indicando meu racional de precificação. Nós
rapidamente concordamos com um preço e nossa relação pessoal se mostrou perfeita. No
meio do ano, a aquisição estava concluída.

R.C. Willey tem uma história incrível. Bill assumiu o negócio de seu sogro em 1954,
quando as vendas eram de aproximadamente U$ 250 mil. Partindo dessa pequena base, Bill
aplicou a filosofia de Mae West: “O que importa não é o que você tem, mas sim o que você faz
com o que tem.” Com a ajuda de seu irmão, Sheldon, Bill construiu uma companhia com
vendas de U$ 257 milhões em 1995 e que responde por 50% do setor de móveis em Utah.
Assim como o Nebraska Furniture Mart, R.C. Willey vende eletrodomésticos, eletrônicos,
computadores e carpetes, além, claro, de móveis. Ambas as empresas têm, mais ou menos, o
mesmo volume de vendas, mas o NFM tem todo o seu volume vindo de uma única loja em
Omaha, enquanto que a R.C. Willey está em vias de abrir sua sexta grande loja nos próximos
meses.
O varejo é um setor difícil. Durante minha carreira de investidor, vi várias varejistas
crescerem de forma exponencial e ter retornos sobre patrimônio incríveis durante um tempo,
para então mergulharem em resultados ruins, às vezes até falindo. Esse fenômeno do tipo
estrela cadente é muito mais comum no varejo do que no setor de manufatura ou serviços. Em
parte, isso se deve ao fato de que uma varejista deve ser esperta sempre, dia após dia. A
concorrência está sempre copiando e melhorando o que você faz. Enquanto isso, os
consumidores são tentados de todas as formas possíveis a experimentar novos produtos. No
ramo de varejo, navegar em velocidade de cruzeiro é o prelúdio de um naufrágio.

Em contraste com um setor em que você tem que ser esperto todos os dias, há setores
em que você tem que ser esperto apenas uma vez. Por exemplo, se você tivesse sido esperto
o suficiente para comprar uma emissora de televisão quando elas começaram a surgir, você
poderia colocar até um sobrinho preguiçoso para tocar o negócio que ainda assim a empresa
permaneceria lucrativa por muitas décadas. Obviamente, você teria resultados muito melhores
se colocasse Tom Murphy para administrar a empresa, mas ainda assim você teria resultados
confortáveis sem ele. Já no setor de varejo, contratar o sobrinho seria o mesmo que assinar o
atestado de bancarrota.

As duas empresas de varejo que compramos esse ano têm excelentes gestores que
adoram competir e que tiveram resultados de sucesso durante décadas. Assim como os CEOs
das nossas outras empresas, eles irão operar de forma autônoma: queremos que eles sintam
que os negócios que eles tocam pertencem a eles. Isso significa que Charlie e eu não daremos
pitaco algum. Nós evitamos o comportamento de ex-membro de uma equipe de futebol que
mandou o seguinte recado para o treinador: “Estou 100% com você - na vitória ou no empate.”
Nosso objetivo básico é ter um comportamento com os nossos gestores igual ao que
esperamos que nossos acionistas tenham conosco.

Conforme compramos mais empresas, algumas pessoas costumam me perguntar


quantas pessoas reportando diretamente para mim eu consigo administrar. Minha resposta
para isso é simples: se eu tenho uma única pessoa reportando para mim e ela é difícil de lidar,
então já sinto que é um fardo imenso de carregar. Por outro lado, se tenho gestores como os
nossos, o número deles que posso atender é praticamente ilimitado. Temos sorte em ter Bill e
Sheldon conosco e esperamos adquirir mais negócios que tragam gestores do calibre deles
para o nosso time.

GEICO Corporation

Logo após o fim do ano, completamos a nossa compra de 100% da GEICO, a sétima
maior seguradora de carros nos EUA, com cerca de 3,7 milhões de carros segurados. Minha
associação com a GEICO começou há 45 anos, e muito embora essa história já tenha sido
contada, vale a pena fazer uma breve recapitulação.

Eu frequentei a escola de administração da Universidade Columbia em 1950-51, não


porque eu me importava com o diploma, mas porque queria ter aulas com Ben Graham, que
era professor lá na época. O tempo que passava nas aulas de Ben era muito valioso, o que
rapidamente me fez querer saber tudo o que podia a respeito de meu ídolo. Busquei
informações no Who’s Who in America4 e encontrei, dentre outras coisas, que Ben havia sido
presidente da Government Employees Insurance Company (GEICO), uma companhia
desconhecida para mim em um ramo que eu não tinha familiaridade.

Um bibliotecário, então, me indicou o manual de seguros da Best’s Fire and Casualty,


onde aprendi que a GEICO tinha sede em Washington, DC. Assim, em um sábado de janeiro
de 1951, peguei um trem até Washington e fui para o prédio da GEICO no centro da cidade.

Para minha decepção o prédio estava fechado, mas bati na porta até um porteiro me
atender. Eu perguntei ao sujeito, que não estava entendendo nada, se havia alguém no
escritório que eu pudesse conversar, e ele me disse que havia visto um homem trabalhando no
sexto andar.

E foi assim que conheci Lorimer Davidson, auxiliar do presidente da companhia, que
mais tarde veio a se tornar CEO. Embora minha única credencial fosse dizer que eu era aluno
de Graham, “Davy” graciosamente passou cerca de quatro horas sendo gentil e me explicando
como as coisas funcionavam. Ninguém jamais recebeu um aula de meio período sobre como a
indústria de seguros funciona ou dos fatores que fazem uma seguradora ter resultados
melhores do que outra. Como Davy deixou claro, o método de vendas da GEICO - marketing
direto - trazia uma enorme vantagem de custo em relação aos competidores que vendiam
apólices por meio de agentes, uma forma de distribuição tão entranhada no negócio que era
impossível se desfazer dela na maioria das empresas. Depois da minha conversa com Davy,
fiquei mais empolgado com a GEICO do que com qualquer outra ação na minha vida.

Quando terminei o curso em Columbia alguns meses depois e retornei para Omaha
para vender ativos mobiliários, eu naturalmente foquei quase toda a minha atenção na GEICO.
A primeira venda que fiz - para minha tia Alice, que sempre me apoiou 100% - foi um sucesso.
Mas na época eu era um magrelo mal lapidado de 20 anos que parecia ter 17, e meu discurso
de vendas normalmente não dava certo. Sem desanimar, escrevi um pequeno relatório no final
de 1951 sobre a GEICO na coluna “A Ação Que Eu Mais Gosto” no The Commercial and
Financial Chronicle, uma importante publicação financeira daquela época. Mais importante
ainda, comprei ações para minha carteira pessoal.

4
Abrangente coletânea de biografias proeminentes na história americana.
Você pode achar isso estranho, mas eu mantenho cópias de todas as declarações de
impostos que já fiz, começando em 1944. Ao olhar para esses registros, descobri que comprei
ações da GEICO em quatro momentos durante 1951, sendo que a última compra foi feita no
dia 26 de setembro. Esse padrão de persistência me mostra que a minha tendência de focar
demais em uma coisa começou desde cedo. Esse dia de setembro provavelmente foi um em
que eu não obtive sucesso ao tentar vender ações e decidi - mesmo já tendo mais de 50% do
meu patrimônio alocado na GEICO - em comprar mais um pouco. De qualquer forma, acumulei
350 ações da GEICO durante o ano, montante que dava U$ 10.282. Ao final do ano, essa
posição valia U$ 13.125, mais de 65% do meu patrimônio.

Já deu para perceber que a GEICO foi minha primeira paixão corporativa. Além disso,
apenas para completar essa viagem no tempo, vale acrescentar que eu consegui a maior parte
dos fundos para comprar as ações da GEICO entregando jornais para o The Washington Post,
principal produto de uma companhia que, mais tarde, permitiu à Berkshire transformar U$ 10
milhões em U$ 500 milhões.

Infelizmente, vendi toda a minha posição da GEICO em 1952 por U$ 15.259 para trocar
por uma posição na Western Insurance Securities. Esse ato de infidelidade pode ser
parcialmente justificado pelo fato de que a Western estava sendo negociada por algo um pouco
acima de uma vez o lucro, uma razão P/L que me chamou a atenção. Mas nos 20 anos
seguintes, a ação da GEICO que vendi cresceu em valor para U$ 1,3 milhão, o que me ensinou
que é pouco aconselhável vender sua participação em uma companhia que é notadamente
boa.

No início dos anos 1970, depois de Davy ter se aposentado, os executivos que estavam
tocando a GEICO cometeram alguns erros grosseiros na estimativa dos custos dos sinistros,
um erro que fez a companhia precificar mal suas apólices - e que quase a levou à falência. A
empresa só foi salva porque Jack Byrne entrou como CEO em 1976 e tomou medidas drásticas
para remediar a situação.

Como eu acreditava em Jack e na força competitiva da GEICO, a Berkshire comprou


uma grande participação na companhia durante a segunda metade de 1976, fazendo compras
menores depois. Ao final de 1980, tínhamos investido U$ 45,7 milhões na GEICO e detínhamos
33,3% das ações em circulação. Durante os 15 anos seguintes, não fizemos nenhuma compra
nova. Mesmo assim, nossa participação na empresa cresceu para quase 50% porque a
companhia recomprava suas ações com frequência.

E então, em 1995, aceitamos pagar U$ 2,3 bilhões pela metade da empresa que ainda
não tínhamos. Esse montante pago é relevante. Mas nos dá controle total de um
empreendimento em crescimento que se mantém excepcional pelas mesmas razões presentes
em 1951. Além disso, a GEICO tem dois gestores extraordinários: Tony Nicely, que administra
o lado de seguros da operação, e Lou Simpson, que toca a área de investimentos.
Tony, com 52 anos, trabalha na GEICO há 34 anos. Não há nenhuma outra pessoa que
eu escolheria para administrar os seguros da empresa. Ele tem inteligência, energia,
integridade e foco. Se tivermos sorte, ele permanecerá conosco por outros 34 anos mais.

Lou administra o setor de investimentos tão habilmente quanto. Entre 1980 e 1995, os
ativos sob a gestão de Lou tiveram um retorno médio composto de 22,8%, enquanto que o
retorno composto do S&P no mesmo período foi de 15,7%. Lou adota a mesma abordagem
conservadora e concentrada que adotamos na Berkshire. É uma vantagem enorme para nós
ter ele no time. Um ponto que vai além do trabalho de Lou na GEICO é o seguinte: sua
presença nos garante que a Berkshire teria um profissional imediatamente disponível para
administrar os investimentos caso alguma coisa acontecesse com o Charlie ou comigo.

A GEICO, é claro, deve continuar atraindo bons segurados e mantê-los satisfeitos.


Também deve provisionar e precificar de maneira adequada. Mas a principal razão do sucesso
da companhia são seus custos baixíssimos, tão baixos que nenhum outro concorrente
consegue se equiparar. Além disso, em 1995, Tony e sua equipe baixaram ainda mais as
despesas com perdas em subscrição para 23,6% dos prêmios, quase um ponto percentual
abaixo do valor de 1994. Nos negócios, procuro por castelos econômicos que sejam protegidos
por “fossos” intransponíveis. Graças a Tony e sua equipe, o fosso da GEICO ficou ainda maior
em 1995.

Por fim, deixe-me atualizar vocês a respeito de Davy. Ele está agora com 93 anos e
continua sendo meu amigo e professor. Ele ainda presta bastante atenção à GEICO e sempre
esteve presente quando os CEOs da companhia - Jack Byrne, Bill Snyder e Tony - precisaram
dele. Nossa aquisição de 100% da GEICO fez com que Davy incorresse num imposto elevado.
Mesmo assim, como de praxe, ele gentilmente deu todo o seu apoio para a transação.

Davy tem sido um dos meus ídolos durante os 45 anos em que o conheço e ele nunca
me decepcionou. Vocês devem compreender que a Berkshire não estaria onde está hoje se
Davy não tivesse sido tão generoso com o seu tempo em um sábado gelado de 1951. Eu já o
agradeci várias vezes em particular, mas é mais do que justo usar essa carta para agradecê-lo
em nome de todos os acionistas da Berkshire.

Operações de seguros

Além da aquisição da GEICO, nós desfrutamos de outros acontecimentos favoráveis no


setor de seguros em 1995.

Como já expliquei em cartas passadas, o que conta em nosso ramo de seguros é,


primeiro, a quantidade de ​float que geramos e, segundo, o custo que ele tem para nós. O ​float
é o dinheiro que fica sob nossa custódia, mas não nos pertence. Em uma operação de seguros,
o ​float surge porque a maioria das apólices requer o pagamento antecipado dos prêmios e,
mais importante, porque costuma levar um certo tempo até que uma seguradora pague as
indenizações.

Normalmente, os prêmios que uma seguradora recebe não são suficientes para cobrir
os prejuízos e despesas que ela deve arcar. Isso a faz ter uma perda com subscrição (ou
underwriting​) - e essa perda é o custo do ​float​. Uma empresa seguradora é lucrativa ao longo
do tempo se o custo de seu ​float for menor do que o custo incorrido que a companhia teria para
obter tais fundos de outra maneira. Mas ela tem um resultado negativo se o custo de seu ​float
for maior do que as taxas cobradas pelo dinheiro no mercado.

Como os números na tabela a seguir mostram, o ramo segurador da Berkshire tem sido
vencedor. Nós calculamos o ​float - que geramos em abundância em relação ao nosso volume
de prêmios - somando as reservas de perdas, ajustes das reservas de perdas e fundos detidos
sobre resseguros assumidos e reservas de prêmios não recebidos subtraídos da folha de
pagamento dos agentes, custos de aquisição, impostos incorridos e cobranças diferidas
aplicáveis a resseguros assumidos. Nosso custo do ​float é determinado pelo nosso lucro ou
prejuízo com subscrição. Nos anos em que tivemos lucro com ​underwriting​, como nos últimos
três, nosso custo do ​float ​foi negativo. Isso significa que calculamos nossos ganhos com
seguros adicionando o lucro da subscrição à receita gerada pelo ​float​.
Desde 1967, quando entramos no setor de seguros, nosso ​float aumentou a uma taxa
composta anual de 20,7%. Na maioria dos anos, nosso custo com ​float foi menor do que zero.
Esse acesso a dinheiro “de graça” contribuiu de forma significativa para o desempenho da
Berkshire.

O nível de lucratividade de qualquer empresa é determinado por três itens: (1) o que
seus ativos geram de receita; (2) o que seus passivos geram de gastos; e (3) o uso de
“alavancagem” - isto é, o grau em que seus ativos são financiados por obrigações ao invés do
capital próprio.
Ao longo dos anos tivemos um desempenho muito bom no item (1), produzindo retornos
altos sobre nossos ativos. Mas nós também nos beneficiamos muito - em um nível que não
costuma ser bem compreendido - pelo fato de nossas obrigações terem nos custado muito
pouco. Uma razão importante para esse baixo custo é que nós temos obtido ​float em termos
muito vantajosos. O mesmo não pode ser dito de outras seguradoras, que até geram bastante
float​, mas com um custo que excede o retorno obtido por ele. Nessas circunstâncias, a
alavancagem se torna uma desvantagem.

Uma vez que o nosso ​float tem nos custado virtualmente nada ao longo dos anos, ele
tem assumido o papel de capital próprio. É claro que ele se difere de um capital próprio
verdadeiro, uma vez que o ​float não pertence, de fato, a nós. Mesmo assim, vamos assumir
que, ao invés de termos obtido um ​float de U$ 3,4 bilhões ao final de 1994, tal valor fosse
incorporado a nós como capital. Neste cenário, nós não teríamos nenhum ativo a mais do que
tivemos em 1995. Nós teríamos, no entanto, ganhos menores porque o custo do ​float foi
negativo no ano passado. Isto é, nosso ​float diminuiria os lucros. E, é claro, para obter capital
no lugar do ​float​, nós precisaríamos vender muitas novas ações da Berkshire. O resultado
líquido - mais ações, patrimônio igual e ganhos menores - teria reduzido de forma material o
valor de nossa ação. Agora você entende porque o ​float beneficia de forma maravilhosa um
negócio - desde que obtido a um custo baixo.

Nossa aquisição da GEICO irá imediatamente aumentar nosso ​float em quase U$ 3


bilhões, com um crescimento adicional quase certo. Também temos a expectativa da GEICO
operar com um bom lucro em subscrição na maioria dos anos, fato esse que irá aumentar
ainda mais a probabilidade do custo do nosso ​float ser menor do que zero. Mas claro, vale
lembrar que pagamos um preço alto pelo ​float da GEICO, enquanto que virtualmente todos os
ganhos com ​float​ mostrados na tabela anterior foram obtidos internamente.

Nosso entusiasmo com os resultados de seguros em 1995 deve ser atenuado mais uma
vez porque tivemos nosso terceiro ano consecutivo de boa sorte no ramo super-cat. Nesse tipo
de operação, vendemos apólices que seguradoras e resseguradoras compram para proteção
contra os efeitos de mega catástrofes. Uma vez que catástrofes de dimensões colossais
ocorrem com pouca frequência, nosso ramo super-cat pode ter grandes lucros na maioria dos
anos, mas ocasionalmente pode registrar um prejuízo gigantesco. Em outras palavras, a
atratividade do nosso ramo super-cat levará muitos anos para ser medida. Nós sabemos que
os resultados de anos como os três últimos serão ao menos parcialmente diluídos por um ano
verdadeiramente terrível no futuro. Nós apenas torcemos para que “parcialmente” se mostre o
advérbio correto a se usar.

Muitas catástrofes aconteceram no ano passado, mas nenhuma super-cat do tipo que é
segurada. O sudeste passou perto disso quando o furacão Opal, com ventos de de 240 km/h,
pairou sobre a Flórida. No entanto, a tempestade diminuiu antes de atingir o solo, evitando o
que seria o equivalente a um segundo furacão Andrew. Para seguradoras, o terremoto Kobe
também foi por pouco: o dano econômico foi enorme - talvez até tenha batido recordes - mas
apenas uma pequena porção dele estava segurado. A indústria de seguros não terá sempre
essa sorte.

Ajit Jain é o gênio por trás da nossa operação super-cat e também faz a subscrição de
importantes contratos que não são super-cat. Em seguros, o termo “catástrofe” se aplica a um
evento, como um furacão ou terremoto, que causa muitas perdas com sinistros. Os outros
contratos que Ajit aprova normalmente cobrem apenas um evento único de grandes
proporções. Uma descrição simplificada de três transações do ano passado vão ajudar a
entender o que eu quero dizer e mostrar como Ajit é versátil. Nós asseguramos: (1) a vida de
Mike Tyson por um quantia que é alta no início e, luta após luta, vai gradualmente diminuindo
até chegar a zero nos próximos anos; (2) a resseguradora Lloyd’s contra o evento de mais 225
de seus agentes morrerem no ano; e (3) o lançamento, e um ano de órbita, de dois satélites
chineses. Felizmente, ambos os satélites estão em órbita, os funcionários da Lloyd’s evitaram
uma mortalidade anormal e se Mike Tyson estivesse ainda mais saudável, ninguém iria entrar
no ringue com ele.

A Berkshire é procurada por inúmeros tipos de seguros, tanto super-cat quanto de


grande risco único, porque: (1) nossa força financeira é inigualável e os segurados sabem que
podemos e iremos pagar os sinistros, mesmo nas condições mais adversas possíveis; (2)
podemos oferecer um orçamento mais rápido do que qualquer outro concorrente; (3) emitimos
apólices com limites mais altos do que qualquer outra empresa do ramo. A maioria de nossos
competidores têm muitos contratos de resseguros, dividindo a carga de boa parte de suas
apólices. Embora ajude-os a evitar grandes prejuízos, isso prejudica a flexibilidade e tempo de
reação deles. Como você sabe, a Berkshire se move depressa para aproveitar oportunidades
de investimento e aquisição; em seguros, respondemos com a mesma velocidade excepcional.
Outro ponto importante é que grandes apólices não nos afugenta. Pelo contrário, elas
intensificam o nosso interesse. Já chegamos a oferecer um contrato em que poderíamos
perder U$ 1 bilhão; a maior cobertura que um cliente já aceitou foi de U$ 400 milhões.

Nós seremos atingidos, de tempos em tempos, com grandes prejuízos. Charlie e eu, no
entanto, estamos dispostos a aceitar uma certa volatilidade em troca de retornos superiores no
longo prazo. Em outras palavras, preferimos um retorno volátil de 15% a um retorno tranquilo
de 12%. Como a maioria dos gestores opta por tranquilidade, ficamos com uma vantagem
competitiva que tentamos maximizar. Mas, vale lembrar, sempre monitoramos o nosso grau de
exposição, de forma a manter o “pior cenário” em um nível que nos deixe confortáveis.

De fato, nosso pior cenário de um super-cat do tipo que “ocorre uma vez a cada cem
anos” é bem menos severo - em relação ao patrimônio líquido - do que o encarado por muitas
seguradoras conhecidas que subscrevem quantias enormes de apólices de propriedade. Essas
seguradoras não emitem grandes apólices como nós, mas suas apólices pequenas, quando
colocadas juntas, podem criar um risco de tamanho gigantesco. O “big one”5 iria destruir os
resseguros de algumas dessas companhias, expondo-as a perdas ilimitadas que poderiam
colocar sua sobrevivência em xeque. No nosso caso, os prejuízos seriam, sim, grandes, mas
limitados a níveis que poderíamos lidar com facilidade.

Os preços estão diminuindo no ramo super-cat. Isso é compreensível, considerando o


influxo de capital no ramo de resseguros alguns anos atrás e o desejo natural daqueles que
detém o capital em empregá-lo de alguma maneira. Não importa o que outros façam, nós não
iremos, de maneira consciente, subscrever seguros a taxas inadequadas. Nós
involuntariamente fizemos isso na década de 1970 e, depois de mais de 20 anos, ainda
recebemos a conta dos erros que foram cometidos nessa época. O meu palpite é que nós
ainda iremos ter surpresas com esses mesmos contratos daqui a 20 anos mais. Um contrato de
resseguro ruim é como o inferno: fácil de entrar e impossível de sair.

Eu ativamente participei das decisões de resseguros da década de 1970, e a Berkshire


pagou caro pelo meu aprendizado na área. Infelizmente, alunos de resseguros não podem
participar das aulas com uma bolsa de estudos. A GEICO, a propósito, sofreu com uma
experiência similar e desastrosa no início dos anos 1980 quando mergulhou de maneira
entusiástica na subscrição de resseguros e de grandes riscos.

A loucura da GEICO foi breve, mas a empresa ainda irá arcar com as consequências
por pelo menos mais uma década. Os problemas bem conhecidos da Lloyd’s ilustram mais
ainda os perigos do ramo de resseguros e sublinha o quão vital é que os interesses das
pessoas que subscrevem as apólices estejam alinhados - nas perdas e nos lucros - com os
interesses das pessoas que as estão comprando. Quando esse tipo de simetria não existe, as
seguradoras quase sempre encontram problemas, embora eles possam permanecer ocultos
durante um tempo.

Uma curta e apócrifa história de um CEO de seguros que recebeu a visita de um


analista diz muito a respeito deste setor. Para as perguntas do analista a respeito do negócio, o
CEO não tinha nada mais do que respostas sombrias para dar: as taxas estavam ridiculamente
baixas; o provisionamento no balanço financeiro não era adequado para sinistros comuns,
muito menos para àqueles relacionados com amianto e problemas ambientais; a maioria das
resseguradoras que ele tinha contratos faliu, deixando-o praticamente sozinho com todos os
problemas. Até que então o CEO ficou alegre e disse: “As coisas poderiam ser piores. Poderia
ser o meu dinheiro.” Na Berkshire, o nosso dinheiro pessoal também está em jogo.

As outras operações de seguros da Berkshire, embora pequenos, tiveram um


desempenho magnífico em 1995. Os contratos tradicionais da National Indemnity tiveram um
índice combinado de 84,2 e geraram, como de costume, um grande montante de ​float em

5
Referência a um terremoto de enormes proporções que eventualmente irá acontecer na Califórnia por
conta das falhas geológicas presentes no estado.
relação ao volume de prêmios. Nos últimos três anos, esse segmento, administrado por Don
Wurster, teve um índice combinado médio de 85,6. Nossa operação em Nebraska, tocada por
Rod Eldred, cresceu em um bom ritmo em 1995 e obteve um índice combinado de 81,4. A
média desse mesmo índice nos três últimos anos foi de incríveis 82,4. O ramo de seguros de
auxílio-acidente da Berkshire na Califórnia, tocada por Brad Kinstler, passou por um grande
corte de preços em 1995 e acabou perdendo várias renovações quando Brad se recusou a
aceitar taxas inadequadas. Embora o volume dessa operação tenha caído bastante, ele
produziu um excelente lucro com subscrição. Por fim, John Kizer, da Central States Indemnity,
continua fazendo um trabalho extraordinário. Seu volume de prêmios aumentou 23% em 1995
e o lucro com subscrição aumentou 59%. Ajit, Don, Rod, Brad e John têm todos menos de 45
anos, um fato desconcertante que acaba com a minha teoria de que os gestores só atingem o
seu primor após os 70 anos.

Para resumir, entramos em 1995 com uma operação de seguros excepcional e com um
tamanho moderado. Ao adicionarmos a GEICO, entramos em 1996 com uma operação de
qualidade ainda maior, com prospectos de crescimento muito maiores e com o dobro do
tamanho. Agora, mais do que nunca, o setor de seguros é o nosso ramo principal de atuação.

Fontes dos ganhos reportados

A tabela a seguir mostra as principais fontes dos ganhos reportados pela Berkshire.
Nesse formato de apresentação, os prêmios nos preços de compra não são designados aos
negócios a que pertencem, mas sim aglutinados e mostrados em separado. Esse procedimento
permite que você vejo os ganhos das empresas da forma como elas reportariam caso não
tivessem sido compradas por nós. Esse tipo de apresentação nos parece ser mais útil a
investidores e gestores do que a apresentação nos termos GAAP6, que requer que os prêmios
dos preços de compra sejam descontados negócio a negócio. Os ganhos totais que mostramos
na tabela são, é claro, idênticos ao lucro GAAP total que consta em nossos balanços
financeiros auditados.

6
Generally Accepted Accounting Principles (ou Termos Contábeis Normalmente Aceitos). Conjunto de
regras contábeis para a apresentação e padronização dos resultados das empresas.
(1) Inclui a R.C. Willey a partir de 29 de junho de 1995.
(2) Inclui a Helzberg’s a partir de 30 de abril de 1995.
(3) Lucros com o ramo joalheiro foram incluídos na linha “Other” em 1994.
(4) Excluindo despesas com juros do nosso setor financeiro.

Uma boa dose de informação extra a respeito desses negócios consta ​nas páginas
41-52​, onde você irá encontrar também os ganhos segmentados nos termos GAAP. Além
disso, ​nas páginas 57-63​, nós rearranjamos os dados financeiros da Berkshire em quatro
segmentos não-GAAP para formatá-lo na maneira com que Charlie e eu pensamos a respeito
da companhia. Nossa intenção é dar a vocês as mesmas informações financeiras que
gostaríamos de receber caso estivéssemos em seus lugares.

Na Berkshire, adotamos sempre a máxima do Charlie - “Me conte apenas as más


notícias; as boas notícias se viram por conta própria” - e é esse tipo de comportamento que
esperamos dos nossos gestores para conosco. Por consequência, eu devo a vocês - que são
os donos da Berkshire - um relatório sobre três operações que, embora tenham continuado a
ter retornos decentes (ou até mais do que decentes) sobre o capital investido, passaram por
uma redução nos lucros no último ano. Cada uma delas encarou um problema diferente.

Nosso ramo de calçados operou em uma indústria que teve os ganhos pressionados no
ano passado, sendo que muitos de nossos competidores conseguiram apenas lucros marginais
(ou pior). Isso significa que nós ao menos mantivemos e, em alguns casos, ampliamos, nossas
superioridade competitiva. Dessa forma, não tenho dúvidas de que nosso ramo de calçados
voltará a ter grandes lucros no futuro. Em outras palavras, embora a virada ainda não tenha
acontecido, acreditamos que vocês devem olhar para os resultados do ano passado como
reflexo de um problema cíclico, não de um problema endêmico.

O Buffalo News, embora ainda esteja indo bem em comparação com outros jornais, tem
uma história diferente. Nesse caso, a tendência do setor é que não está boa. Na carta de 1991,
expliquei que os jornais perderam um pouco da atratividade econômica em relação à época em
que pareciam ter características inabaláveis de franquias. Hoje, embora o setor ainda
mantenha excelentes fundamentos econômicos, a atratividade continua a diminuir. Com o
passar do tempo, a força competitiva dos jornais irá gradualmente desaparecer, embora o setor
ainda se manterá interessante por anos a fio.

O problema mais difícil da Berkshire é a World Book, que opera em um setor assolado
por uma competição cada vez maior com CD-ROMs e o mundo digital. Verdade seja dita, ainda
damos lucro, coisa que talvez nenhuma outra editora de enciclopédias possa dizer. Mas nossas
vendas e lucros têm andado na direção errada. Ao final de 1995, a World Book fez grandes
mudanças na forma como distribui seu produto, ampliou sua oferta no setor digital e reduziu
drasticamente seus custos. Vai levar um certo tempo até avaliarmos os efeitos dessas
iniciativas, mas temos confiança de que elas irão aumentar de forma significativa a nossa
viabilidade econômica.

Todas as nossas operações, incluindo aquelas cujos lucros caíram no ano passado, se
possuem gestores altamente talentosos e dedicados. Se pudéssemos escolher quaisquer
outros gestores que trabalham em suas indústrias, nós não trocaríamos nenhum deles.

Muitos de nossos gestores não precisam mais trabalhar para viver, mas eles
simplesmente dão expediente todos os dias pela mesma razão que os golfistas mais ricos
continuam jogando profissionalmente: eles amam o que fazem e amam fazê-lo bem.
Descrevê-los como trabalhadores pode ser um termo errôneo - eles apenas preferem passar a
maior parte do tempo em uma atividade produtiva em que são excelentes do que em atividades
de lazer. Nosso trabalho é oferecer um ambiente em que eles continuem se sentindo inclinados
a isso, e até o momento tivemos sucesso: pensando no período de 1965-95, não me recordo
de sequer um gestor que tenha saído da Berkshire para trabalhar em outro lugar.

Investimentos em ações

Apresentamos a seguir os nossos investimentos em ações. Aqueles com um valor de


mercado acima de U$ 600 milhões foram itemizados.

Continuamos adotando uma abordagem parcimoniosa: cinco de nossas seis principais


posições ao final de 1994 permaneceram intocadas durante 1995. A única que teve alteração
foi a American Express, onde aumentamos nossa participação na companhia para cerca de
10%.

No início de 1996, dois grandes eventos afetaram as nossas posições: primeiro, a


compra do restante das ações da GEICO que não tínhamos fez a empresa ser convertida em
uma subsidiária detida por completo. Segundo, trocamos nossas ações da Cap Cities por uma
combinação de dinheiro e ações da Disney.

Na fusão com a Disney, os acionistas da Cap Cities tiveram algumas opções para
escolher. Se quisessem, eles poderiam trocar cada ação da Cap Cities por uma ação da
Disney mais U$ 65. Ou eles poderia optar - sem garantia de ter o pedido atendido - por receber
apenas dinheiro ou apenas ações, com a partilha final dependendo das escolhas dos outros
acionistas e de certas decisões da Disney. Para as nossas 20 milhões de ações, optamos por
receber apenas ações também, embora ainda não saibamos, até o momento, quantas
recebemos. Estávamos certos, no entanto, de que receberíamos pouco mais de 20 milhões de
ações da Disney. Nós também recentemente compramos ações da empresa no mercado.

Um pouco mais de história: eu me tornei interessado na Disney em 1966, quando sua


avaliação de mercado era menor do que U$ 90 milhões, muito embora a companhia tivesse
tido um lucro de U$ 21 milhões antes de impostos em 1965 e tivesse mais caixa do que dívida.
Na Disneyland, a montanha-russa de U$ 17 milhões dos Piratas do Caribe estava para ser
inaugurada. Imagine a minha animação - uma companhia sendo vendida a apenas cinco vezes
o custo de montanhas-russas!

Devidamente impressionado, a Buffett Partnership Ltd. comprou uma quantidade


significativa de ações da Disney em um preço de desdobramento ajustado de U$ 31 por ação.
Essa decisão pode parecer brilhante, ainda mais considerando que as ações estão sendo
negociadas agora por U$ 66. Mas este presidente que vos fala logo se prontificou a anular esse
resultado: em 1967, vendi toda a posição por U$ 48 por ação.

Fazer o quê - ao menos estamos felizes novamente com uma grande posição em uma
empresa que tem ativos únicos e gestão impecável.

Ações preferenciais conversíveis

Como muitos de vocês se lembram, a Berkshire fez cinco compras de ações


preferenciais conversíveis durante 1987-91, e agora é o momento certo de discuti-las. Eis os
detalhes:

(1) Rendimentos vindos da venda de ações ordinárias que recebemos por meio de
conversão em 1995.
(2) Valor em 31 de dezembro de 1995 das ações ordinárias que recebemos da conversão
em 1991.
(3) Inclui U$ 140 que recebemos em 1995 de um resgate antecipado.
Em cada caso tivemos a opção de manter as ações preferenciais como ativos
prefixados ou convertê-las em ações ordinárias. Inicialmente, o valor delas para nós vinha
principalmente de suas características prefixadas. A opção que tínhamos para convertê-las não
era boa.

Nossa compra de U$ 300 milhões dos “Percs” da American Express - descritos na carta
de 1991 - não foi incluída na tabela porque tal ativo era uma forma modificada de ação
ordinária cujas características prefixadas contribuíram apenas de forma reduzida ao seu valor
inicial. Três anos após nossa compra, os Percs automaticamente foram convertidos em ações
ordinárias. Por outro lado, os cinco ativos mostrados na tabela iriam virar ações ordinárias
somente se assim o desejássemos - uma diferença crucial.

Quando compramos nossos ativos conversíveis, eu disse a vocês que a expectativa era
ter retornos “moderadamente” superiores aos ativos prefixados de médio prazo que eles
haviam substituído. Nós ultrapassamos essa expectativa - mas apenas por conta do
desempenho de uma única emissão. Eu também disse que esses ativos, como um grupo, não
iriam “produzir os retornos que podemos ter quando encontramos uma empresa com
prospectos econômicos maravilhosos.” Infelizmente, essa previsão se cumpriu. Por fim, eu
disse que “sob quase qualquer circunstância, esperamos que essas ações preferenciais nos
devolva o dinheiro aplicado somado com dividendos.” Essa é uma frase que eu gostaria de ter
de volta. Winston Churchill disse certa vez que “engolir minhas próprias palavras nunca me deu
indigestão.” Minha análise, no entanto, que era quase impossível perdermos dinheiro com
nossas preferenciais me causou bastante azia.

Nossa melhor posição tem sido a Gillette, que dissemos desde o início que era um
negócio superior. Ironicamente, esse foi o único investimento em que cometi meu maior erro -
do tipo, no entanto, que nunca apareceu nos balanços financeiros.

Pagamos U$ 600 milhões em 1989 pelas ações preferenciais da Gillette que eram
conversíveis em 48 milhões (ajustadas a desdobramentos) ações ordinárias. Uma alternativa
aos U$ 600 milhões teria sido a compra de 60 milhões de ações ordinárias da companhia. O
preço de mercado delas na época era de U$ 10,50, e dado que essa teria sido uma compra
enorme que teria algumas restrições, eu provavelmente poderia ter comprado as ações com
um desconto de pelo menos 5%. Não posso afirmar isso com toda a certeza, mas é provável
que a gestão da Gillette teria ficado tão feliz quanto com a Berkshire optando por comprar
ações ordinárias.

Mas eu era inteligente demais pra isso. No lugar, por menos de dois anos, recebemos
rendimentos extras de dividendos (a diferença entre o ​yield da ordinária e da preferencial), até
que a companhia - de maneira adequada - fez o chamamento da emissão, fazendo isso da
forma mais rápida possível. Se eu tivesse negociado por ações ordinárias ao invés de
preferenciais, nós teríamos obtido um ganho extra de U$ 625 milhões ao final de 1995, menos
os dividendos “extras” de cerca de U$ 70 milhões.
No caso da Champion, a habilidade da companhia em fazer o chamamento das nossas
ações preferenciais a 115% do custo de aquisição nos forçou em agosto passado a tomar uma
atitude que gostaríamos de ter adiado. Nesse caso, convertemos nossas ações pouco antes da
data do chamamento e as oferecemos à empresa com um pequeno desconto.

Charlie e eu nunca tivemos muita convicção no setor de celulose - na verdade, não me


lembro de ter comprado uma ação sequer de uma empresa fabricante de papel em meus 54
anos de investidor - de forma que nossa escolha em agosto foi entre vender ao mercado ou
vender para a companhia. A gestão da Champion sempre foi franca a honrosa conosco e
desejava recomprar ações ordinárias, então oferecemos nossas ações para ela. Nosso ganho
de capital com a Champion foi mediano - cerca de 19% após impostos em um investimento de
seis anos - mas a ação preferencial nos deu um bom dividendo nesse mesmo período. (Dito
isso, muitas publicações na imprensa exageraram nos ​yields recebidos por empresas de
seguros em relação aos dividendos que foram pagos a elas. O que a mídia deixou escapar foi a
mudança na lei tributária que teve início em 1987 e que significativamente reduziu os
dividendos aplicáveis às seguradoras. Para mais detalhes, veja nossa carta de 1986.)

Nossas ações preferenciais da First Empire terão o chamamento no dia 31 de março de


1996, que é a data mais antecipada possível para se fazer isso. Ficamos confortáveis em ter
ações de bancos bem geridos, de forma que iremos convertê-las em ações ordinárias. Bob
Wilmers, CEO da companhia, é um banqueiro excelente e nós adoramos estar associados com
ele.

Nossas duas outras ações preferenciais nos desapontaram, embora a preferencial do


Salomon tenha superado de leve o desempenho dos ativos prefixados pelos quais trocamos.
No entanto, a quantidade de tempo gerencial que Charlie e eu devotamos à essa posição foi
muito maior do que seu significado econômico para a Berkshire. Com certeza eu nunca havia
sonhado em ter um novo emprego aos 60 anos - época em que fui presidente interino do
Salomon - por conta de uma compra de um ativo prefixado.

Pouco depois da nossa compra das ações preferenciais do Salomon em 1987, eu


escrevi que eu não tinha “nenhum ​insight especial a respeito da direção ou lucratividade futura
no ramo de bancos de investimento.” Até mesmo o leitor mais benevolente iria concluir que eu
consegui provar o que disse.

Até o momento, a nossa opção em converter as ações do Salomon em ordinárias não


mostrou ter muito valor. Além disso, o índice Dow Industrials dobrou desde que fiz a compra
das preferenciais, e o grupo de corretoras teve um desempenho tão bom quanto. Isso significa
que minha decisão de optar pelo Salomon por ter visto valor na opção de conversão se
mostrou muito ruim. Mesmo assim, as ações preferenciais continuaram a entregar, mesmo sob
condições difíceis, o mesmo desempenho de um ativo prefixado, e o dividendo de 9% é
bastante atrativo atualmente.
A menos que as preferenciais sejam convertidas, seus termos exigem o resgate
antecipado de 20% da emissão no dia 31 de outubro de cada ano, de 1995-99, de forma que
U$ 140 milhões dos nossos U$ 700 milhões originais se encaixaram nessa categoria no ano
passado. (Algumas matérias na imprensa viram essa transação como uma venda, mas um
ativo que chega à maturidade não é “vendido.”) Embora não tenhamos escolhido converter as
preferenciais no ano passado, ainda teremos outras quatro oportunidades para fazê-lo, e
acredito que ainda iremos encontrar valor em nosso direito de conversão.

Eu discuti bastante a respeito do investimento na USAir na carta do ano passado. Os


resultados da companhia melhoraram em 1995, mas ela ainda enfrenta grandes problemas. O
lado positivo para nós é que nossas ações preferenciais foram bem estruturadas: por exemplo,
embora não tenhamos recebido dividendos em 1994, o montante que nos é devido está sob o
efeito de juros compostos 5% acima da taxa básica. O lado negativo é que estamos lidando
com um risco de crédito maior.

Nós estamos muito mais confortáveis com as preferenciais da USAir hoje do que
estávamos no ano passado, mas o seu palpite é tão bom quanto o meu a respeito do destino
final da companhia. (Na verdade, considerando meu histórico com esse investimento
específico, é justo dizer que seu palpite deve ter mais valor do que o meu.) Ao final do ano
carregávamos nossas preferenciais (que não são negociadas no mercado) a 60% ao par,
embora a USAir também tenha ações preferenciais em circulação com condições muito
inferiores às nossas, exceto pelo preço de conversão e pelo fato de que estavam sendo
negociadas a 82% ao par. Enquanto escrevo isso, essa emissão a que me refiro está agora a
97% ao par. Vamos torcer para que o mercado esteja certo.

De forma geral, nossas preferenciais tiveram um bom desempenho, mas isso só se


tornou verdade por conta da nossa grande vencedora: a Gillette. Deixando ela de lado, nossas
ações preferenciais teriam nos dado um retorno em linha com os títulos prefixados de médio
prazo que foram trocados.

Uma proposta de recapitalização

No encontro anual, você será requisitado a aprovar a recapitalização da Berkshire,


criando duas classes de ações. Se o plano for adotado, nossas ações ordinárias em circulação
serão denominadas como sendo da Classe A, e uma nova Classe B de ações ordinárias será
autorizada a ser criada.

Cada ação de “B” terá os direitos de 1/30 de “A” com a seguintes exceções: primeiro,
uma ação B terá um peso de votação de 1/200 de uma ação A (ao invés de um peso de voto
de 1/30). Segundo, B não poderá participar do programa de doações da Berkshire.
Quando a recapitalização estiver completa, cada ação A poderá ser convertida, de
acordo com os desejos do acionista, em 30 ações B. Esse privilégio de conversão não valerá
no sentido oposto. Isto é, acionistas com B não poderão convertê-las para A.

Esperamos listar as ações B na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE), onde serão
negociadas ao lado das ações A. Para criar a base de acionistas necessária para a listagem - e
para garantir liquidez na classe B - a Berkshire espera fazer uma oferta pública de pelo menos
U$ 100 milhões de novas ações B. A oferta será feita apenas por meio de um prospecto formal.

No fim das contas, o mercado é que vai determinar o preço das ações B. O preço, no
entanto, deverá ficar na casa de 1/30 do preço das ações A.

No entanto, como as ações da Classe A garantirão a seus detentores direitos completos


de votação e acesso ao programa de doações da Berkshire, tai ações serão superiores às
ações da Classe B, de forma que acreditamos que a maioria dos acionistas permanecerão com
a Classe A - que é precisamente o que as famílias Buffett e Munger pretendem fazer, exceto
nos casos em que poderemos converter algumas delas para facilitar o processo de presentear
alguém com elas. A projeção de que a maioria dos acionistas permanecerá com as ações A
sugere que elas terão um pouco mais de liquidez do que as ações B.

Existem ​tradeoffs para a Berkshire com essa recapitalização. Mas eles não têm relação
com o valor que iremos receber com a emissão - iremos encontrar formas construtivas de usar
o dinheiro - nem com o preço ao qual iremos vender as ações B. Enquanto escrevo isto - com
uma ação da Berkshire sendo negociada a U$ 36.000 - Charlie e eu não acreditamos que ela
esteja subvalorizada. Dessa forma, a oferta que estamos propondo não irá diminuir o valor
intrínseco por ação. Permita-me também explicar nossos pensamentos a respeito de ​valuation
de maneira categórica: a Berkshire está sendo negociada a um preço que Charlie e eu não
compraríamos.

O que a Berkshire irá incorrer com as ações B serão custos maiores relacionados com
os mecanismos para lidar com um número maior de acionistas. Por outro lado, as ações B
serão convenientes para aqueles que desejarem usá-las como presente. E para aqueles que
gostariam de um split, eis a chance de conseguir um com as próprias mãos.

No entanto, estamos fazendo esse movimento por outras razões - que têm relação com
o aparecimento de fundos com altas taxas que alegam ser “clones” mais baratos da Berkshire e
que têm sido alardeados de maneira agressiva. A ideia por trás desses fundos não é nova: nos
últimos anos, várias pessoas me falaram do desejo de criarem um fundo de investimento
composto só de ações da Berkshire a ser negociado a um preço mais baixo por cota. Mas até
recentemente, os defensores desse tipo de investimento ouviram minhas objeções e
desistiram.
Eu não os desencorajei porque prefiro grandes investidores ao invés de pequenos. Se
fosse possível, Charlie e eu adoraríamos transformar U$ 1.000 em U$ 3.000 para pessoas as
quais esse ganho se mostraria como uma importante solução aos seus problemas mais
imediatos.

Para rapidamente triplicar pequenas quantias, no entanto, nós teríamos que tão
rapidamente quanto transformar nosso atual valor de mercado de U$ 43 bilhões em U$ 129
bilhões (aproximadamente o valor de mercado da General Electric, a companhia americana
mais valiosa até o momento). Nós não conseguimos fazer isso rapidamente, nem de longe. O
melhor que podemos fazer é - em média - dobrar o valor intrínseco por ação da Berkshire a
cada cinco anos, e pode ser que nem isso consigamos fazer.

No fim das contas, Charlie e eu não nos importamos se os acionistas da Berkshire tem
muitas ou poucas ações da empresa. O que desejamos é por acionistas de qualquer
envergadura que conheçam nossas operações, partilhem de nossos objetivos e de nossos
prospectos de longo prazo, e que estejam cientes de nossas limitações, particularmente por
aquelas impostas por uma grande base de capital.

O fundos que surgiram recentemente vão no sentido completamente oposto a esses


objetivos. Eles são vendidos por corretores que buscam apenas grandes comissões, impõem
custos pesados a seus cotistas e são negociados a todo momento para compradores pouco
sofisticados seduzidos por nosso retorno passado e enganados pela publicidade que a
Berkshire e eu temos recebido recentemente. O resultado certo: uma multidão de investidores
destinada a ser desapontada.

Por meio da criação da nossa ação B - um produto de valor mais baixo e infinitamente
superior aos fundos “Berkshire” - esperamos tirar os clones do jogo.

Mas tanto os acionistas presentes e futuros da Berkshire devem se atentar para o


seguinte: embora o valor intrínseco por ação tenha crescido a uma taxa excelente nos últimos
cinco anos, seu preço de mercado cresceu a ritmo ainda mais acelerado. A ação, em outras
palavras, superou o próprio negócio.

Esse tipo de ​overperformance não consegue se manter indefinidamente, nem para a


Berkshire e nem para qualquer outra ação. Inevitavelmente haverá períodos de um
desempenho menor também. A volatilidade de preços, embora seja endêmica dos mercados
acionários, não faz o nosso gosto. O que gostaríamos que acontecesse era o valor de mercado
da Berkshire acompanhar precisamente o seu valor intrínseco. Se a ação fizesse isso, todo
acionista iria ter precisamente o mesmo resultado da Berkshire em um dado período.

Obviamente, o comportamento de mercado da ação da Berkshire nunca irá ser assim.


Mas chegaremos o mais perto disso, desde que nossos acionistas sejam bem informados,
orientados ao negócio e não sejam expostos à lábia de altas comissões ao fazerem seus
investimentos. Para evitar que isso aconteça, a melhor estratégia é interromper de maneira
brusca os esforços de negociação de fundos da Berkshire - e é esse o motivo de estarmos
criando as ações B.

Estamos ansiosos para responder qualquer pergunta que vocês tiverem a respeito da
recapitalização em nosso encontro anual.

Miscelânea

A Berkshire não é a única empresa americana que usa a nova e empolgante estratégia
ABWA. Por volta das 13:15h do dia 14 de julho de 1995, Michael Eisner, CEO da The Walt
Disney Company, estava andando pela Wildflower Lane em Sun Valley. Ao mesmo tempo, eu
estava saindo de um almoço na casa de Herbert Allen nessa mesma rua para me encontrar
com Tom Murphy, CEO da Cap Cities/ABC, para um jogo de golfe.

Naquela manhã, ao falar para um grande grupo de executivos e gestores de dinheiro


reunidos pelo banco de investimento de Allen, Michael fez uma excelente palestra sobre a
Disney e, ao vê-lo, dei meus parabéns. Conversamos rapidamente - e o assunto de uma
possível combinação da Disney com a Cap Cities surgiu. Essa não era a primeira vez que uma
fusão desse tipo era discutida, mas nenhum progresso havia sido feito até então, em parte
porque a Disney queria pagar em dinheiro e a Cap Cities queria receber em ações.

Michael e eu aguardamos por alguns minutos até Murph chegar, e na curta conversa
que se seguiu, tanto Michael quanto Murph indicaram que poderiam ser mais flexíveis na
questão ações/dinheiro. Dentro de algumas semanas, os dois chegaram a um acordo e um
contrato foi elaborado em três agitados dias.

O acordo Disney/Cap Cities faz tanto sentido que eu tenho certeza que ele ocorreria
mesmo sem o encontro ao acaso em Sun Valley. Mas quando me encontrei com Michael
naquele dia em Wildflower Lane, ele estava indo pegar seu avião, de forma que sem esse
encontro acidental o acordo certamente não teria acontecido na janela de tempo que
aconteceu. Acredito que tanto a Disney quanto a Cap Cities irão se beneficiar do toque de
serendipidade que nos levou ao encontro naquele dia.

************

Vale a pena comentar um pouco a respeito de Murph. Para simplificar as coisas, ele é o
melhor tipo de executivo que se pode encontrar em qualquer ramo de negócio. Igualmente
importante, ele possui qualidades humanas que são tão lapidadas quanto sua habilidade
gerencial. Ele é um amigo, pai, marido e cidadão extraordinário. Nas raras ocasiões em que os
interesses pessoais de Murph se divergiram dos interesses dos acionistas, ele sempre
favoreceu este último. Quando eu digo que gosto de estar associado com gestores que eu
gostaria de ter como irmão, genro ou administrador do meu testamento, Murph é o exemplo do
que quero dizer.

Se Murph optar por tocar um outro negócio, não se dê ao trabalho de estudar o seu
valor - simplesmente compre a ação. E, mais tarde, não faça a burrice que eu fiz dois anos
atrás ao vender um terço da nossa posição da Cap Cities por U$ 635 milhões (versus os U$
1,27 bilhão que essas ações valeriam agora com a fusão com a Disney).

************

Cerca de 96,3% de todas as ações elegíveis participaram do programa de doações da


Berkshire em 1995. O montante arrecadado foi de U$ 11,6 milhões e 3.600 instituições de
caridade foram beneficiadas. Uma descrição completa do programa de doações pode ser
encontrado ​nas páginas 54-55​.

Todos os anos alguns acionistas ficam de fora do programa ou por não terem as ações
registradas em seus nomes, ou porque não conseguiram enviar o formulário para nós dentro do
período estipulado de 60 dias. Esse segundo problema me incomodou em especial este ano
porque dois grandes amigos meus com posições relevantes na Berkshire perderam a data final.
Tivemos de recusar seus pedidos para inclusão porque não podemos abrir exceções para
alguns acionistas e recusar os pedidos de outros.

Para participar em programas futuros, você deve possuir ações da Classe A que
estejam registradas em seu próprio nome, não no nome de terceiros, da corretora ou do banco.
Ações que não estiverem registradas até o dia 31 de agosto de 1996 não poderão participar do
programa de 1996. Quando receber o formulário, preencha-o e envie-o de volta imediatamente,
de forma a evitar que ele seja postergado ou esquecido.

************

Em relação ao encontro anual, Charlie e eu podemos ser considerados gestores


excêntricos: nós realmente gostamos do evento. Então venha se reunir conosco na
segunda-feira, 6 de maio. Na Berkshire, não temos departamento de relação com investidores
e nós não usamos analistas financeiros como um canal para disseminar informações, ​guidance
ou coisa do tipo. No lugar disso, preferimos uma comunicação direta entre gestor e acionista, e
acreditamos que o encontro anual é o lugar ideal para essa troca de ideias. Conversar com
vocês por lá é eficiente para nós e também democrático, uma vez que todos os presentes
podem, simultaneamente, ouvir o que temos a dizer.

No ano passado, pela primeira vez, fizemos nosso encontro anual no Holiday
Convention Centre e a logística parece ter dado certo. O salão principal ficou lotado com 3.200
pessoas, e disponibilizamos uma transmissão de vídeo em um salão adjacente para outras
800. O espaço no salão principal ficou meio apertado, então provavelmente iremos configurá-lo
este ano para acomodar 3.000 pessoas. Também teremos não uma, mas duas salas
adjacentes para comportar o excedente.

Levando todos os pormenores em consideração, iremos ter a capacidade de receber


5.000 acionistas. O encontro irá começar às 9:30h, mas fique avisado que o salão principal, no
ano passado, ficou lotado pouco depois das 8:00h.

Acionistas de 49 estados vieram para o nosso encontro em 1995 - onde você estava,
Vermont? - e alguns países como Austrália, Suécia e Alemanha também estavam
representados. Como sempre, o encontro atraiu acionistas interessados nos negócios da
Berkshire - em contraste a acionistas que só pensam em si mesmos - e todas as perguntas
feitas foram boas. Charlie e eu almoçamos no palco e respondemos as perguntas por cerca de
cinco horas.

Sentimos que se temos acionistas que vêm de outros países para o nosso encontro, é
nosso dever garantir que eles tenham a oportunidade de fazer suas perguntas. A maior parte
dos acionistas deixa o salão por volta de meio-dia, mas cerca de mil pessoas assíduas
permanecem lá para ver se iremos cair duros no chão. Charlie e eu estamos treinando para
durarmos pelo menos cinco horas novamente este ano.

Teremos, como de costume, nosso arranjo de produtos da Berkshire no encontro deste


ano, incluindo um representante da GEICO. Na reunião de 1995, vendemos quase 340 quilos
de chocolate, 759 pares de sapato e mais de U$ 17.500 de enciclopédias World Book e
publicações relacionadas.

Em um movimento que poderia ter se mostrado perigoso caso nossa ação tivesse se
desvalorizado, incluímos facas no ano passado da nossa subsidiária Quikut, vendendo 400
conjuntos. (Mas são facas apenas para cortar frutas.) Todas essas mercadorias estarão
disponíveis novamente este ano. Nós não consideramos o nosso encontro como um evento
cultural completo a menos que alguns negócios sejam feitos nele.

Como estamos esperando uma grande multidão para a reunião, recomendamos que
você prontamente faça reservas de passagens aéreas e de hotel. Para aqueles que gostam de
ficar no centro (cerca de 10 km do centro de convenções), uma boa opção é o Raddison Redick
Tower, um pequeno (88 quartos) mas aconchegante hotel ou no Red Lion Hotel, que é bem
maior e fica a algumas quadras de distância do Raddison. Nas proximidades do Centre estão o
Holiday Inn (403 quartos), Homewood Suites (118 quartos) e Hampton Inn (136 quartos). Outro
lugar recomendado é o Marriott, cuja localização, na zona oeste de Omaha, fica a cerca de 100
metros da Borsheim’s e a dez minutos de carro do Centre. Haverá ônibus saindo do Marriott às
7:30h, 8:00h e 8:30h para o evento, retornando ao final do encontro.
Um anexo à nossa procuração explica como você pode obter o cartão de admissão
necessário para ter acesso ao evento. O Centre possui um grande estacionamento, e aqueles
que forem ficar no Holiday Inn, Homewood Suites e Hampton Inn poderão caminhar até o local.
Como sempre, teremos ônibus que levarão vocês até o Nebraska Furniture Mart e Borsheim’s
após a reunião, e de lá para o aeroporto ou para os hotéis.

A loja do NFM, localizada em uma área de quase 260.000 metros quadrados a cerca de
4 km ao norte do Centre, fica aberta das 10h às 21h nos dias de semana, das 10h às 18h aos
sábados e do meio-dia às 18h aos domingos. Rose Blumkin - “Sra. B” - está agora com 102
anos, mas estará trabalhando duro na loja. Ela foi homenageada em novembro na inauguração
do The Rose, um teatro clássico no centro da cidade da década de 1920 que foi
maravilhosamente restaurado, e que teria sido demolido caso ela não o tivesse salvo. Peça
para ela te contar a história.

A Borsheim’s costuma ficar fechada aos domingos, mas irá abrir para os acionistas e
seus convidados das 10h às 18h no dia 5 de maio. Adicionalmente, iremos abrir também
especialmente para os acionistas no sábado, dia 4 de maio, das 18h às 21h. Ano passado, no
nosso encontro, emitimos 1.733 cupons fiscais nas seis horas em que ficamos abertos - o que
significa uma compra a cada 13 segundos. Mas, claro, lembre-se sempre de que recordes
foram feitos para serem quebrados.

Na Borsheim’s, iremos também ter o maior diamante multifacetado do mundo em


exibição. Levou dois anos para ficar pronto, e esse discreto enfeite de Natal tem 545 quilates.
Por favor, inspecione a pedra e deixe-a determinar qual o tamanho apropriado de jóia para dar
para aqueles que você ama.

Na noite de sábado, 4 de maio, teremos um jogo de baseball no Rosenblatt Stadium


entre o Omaha Royals e o Louisville Redbirds. Eu irei fazer o lançamento inicial da bola - deter
um quarto do time me garante esse privilégio uma vez por ano - mas nosso gestor, Mike
Jirschele, provavelmente cometerá seu erro costumeiro de me substituir logo em seguida.
Cerca de 1.700 acionistas compareceram ao jogo no ano passado. Infelizmente, tivemos de
encerrar a partida antes do previsto por conta de uma tempestade, o que desapontou muito
nossos fiéis escudeiros. Mas os verdadeiramente assíduos irão marcar presença novamente
este ano, e eu irei dar o meu melhor.

Nosso material anexo terá informação sobre como obter ingressos para o jogo. Também
iremos dar informações a respeito de restaurantes que estarão abertos no domingo à noite e
sobre as várias atrações que vocês poderão visitar durante o fim de semana em Omaha.

Durante anos tentei - sem sucesso - convencer meu velho amigo de infância, “Pal”
Gorat, a abrir sua churrascaria na noite de domingo que antecede o nosso encontro anual. Mas
este ano ele cedeu. Gorat’s é um restaurante e empreendimento familiar que tem prosperado
há 52 anos. Se você gosta de carne, irá adorar o lugar. Eu avisei a Pal que ele terá muita
demanda, então ligue para o Gorat’s no telefone 402-551-3733 para fazer uma reserva. Eu
estarei lá - para me achar, basta procurar pela pessoa comendo um T-bone mal passado com
batatas picadas e fritas.

Warren E. Buffett
Presidente do conselho

1 de março de 1996
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1996.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Nosso ganho em patrimônio líquido em 1996 foi de U$ 6,2 bilhões, ou 36,1%. O valor
patrimonial por ação, porém, cresceu a uma taxa menor, de 31,8%, porque o número de ações
da Berkshire aumentou: nós emitimos ações para adquirir a FlightSafety International e também
emitimos uma nova classe de ações, chamada de B1. Ao longo dos últimos 32 anos (isto é,
desde que assumimos o comando da companhia), o valor patrimonial por ação saiu de U$ 19
para U$ 19.011, uma taxa composta de 23,8% ao ano.

Por motivos técnicos, tivemos que reprocessar as nossas declarações financeiras de


1995, um assunto que exige que eu faça uma das minha explicações pouquíssimo
empolgantes a respeito dos mistérios da contabilidade. Vou ser sucinto.

O reprocessamento foi necessário porque a GEICO se tornou uma subsidiária (isto é,


detida em 100% por nós) em 2 de janeiro de 1996. Antes disso, a empresa era classificada
como um investimento. De um ponto de vista econômico - levando em consideração as
eficiências tributárias e outros benefícios que ganhamos - o valor da parcela de 51% que
tínhamos da GEICO ao final de 1995 aumentou de forma significativa quando adquirimos os
49% restantes da companhia dois dias depois.

No entanto, as regras contábeis aplicáveis a esse tipo de aquisição “grande” nos fez
praticar um ​writedown2 do valor dos 51% quando adquirimos 100% da empresa. Esse
writedown - que, é claro, também reduziu o valor patrimonial - foi de U$ 478,4 milhões. Como
resultado, nós agora carregamos nossos 51% originais da GEICO a um valor menor do que o
seu valor de mercado quando adquirimos os 49% restantes, e menor do que o valor que
carregamos a própria parcela dos 49% em si.

Por outro lado, houve um lado positivo dessa redução do valor patrimonial que acabei
de descrever: nós emitimos ações da Berkshire duas vezes em 1996 com um prêmio em
relação ao valor patrimonial. A primeira emissão foi em maio, quando vendemos as ações
classe B por dinheiro. A segunda foi em dezembro, quando usamos ações A e B como um
pagamento parcial pela FlightSafety. Ao todo, os três itens não-operacionais que afetaram o
valor patrimonial contribuíram menos de um ponto percentual para o nosso ganho de 31,8%
por ação no último ano.

1
Cada ação Classe B tem um valor econômico de 1/30 de uma ação Classe A, que agora é a nova
designação para as ações que a Berkshire tinha em circulação antes de maio de 1996. Ao longo desta
carta, todos os valores por ação serão indicados como “equivalentes da Classe A”, que é a soma das
ações Classe A em circulação com o valor de 1/30 das ações Classe B em circulação.
2
Redução contábil do valor estimado ou nominal de um ativo.
Eu falo bastante a respeito desse aumento no valor contábil por ação porque essa é
uma métrica que indica, de forma aproximada, o nosso progresso econômico ao longo do ano.
Porém, como Charlie Munger, vice-presidente da Berkshire, e eu temos falado a vocês por
repetidas vezes, o que importa para a Berkshire é o aumento do valor intrínseco, não do valor
contábil. A última vez que você nos viu falar sobre isso foi no Manual do Acionista, que
enviamos a toda nossa base acionária em junho, logo após a emissão das ações Classe B. No
manual, nós não apenas definimos alguns itens importantes - como o valor intrínseco - como
apresentamos os nossos princípios econômicos.

Durante muitos anos, nós listamos esses princípios na capa da nossa carta anual. No
entanto, nesta carta em específico, ​nas páginas 58 a 67​, nós reproduzimos o Manual do
Acionista na íntegra. Nesta carta, iremos ocasionalmente fazer referência ao manual como
forma de evitar a repetição de algumas definições e explicações. Por exemplo, se você quiser
relembrar o que é “valor intrínseco”, ​consulte as páginas 64 e 65​.

No ano passado, pela primeira vez, fornecemos uma tabela que Charlie e eu
acreditamos que será útil a qualquer um que deseja estimar o valor intrínseco da Berkshire. Na
versão atualizada da tabela, que será apresentada a seguir, nós mostramos dois principais
indicadores de valor. A primeira coluna mostra nosso percentual de participação por ação em
investimentos (incluindo caixa e equivalentes de caixa) e a segunda coluna mostra nossos
lucros por ação das operações da Berkshire antes de impostos e ajustes de preço de compra,
mas já descontadas as despesas corporativas e com juros. A coluna dos lucros operacionais
exclui todo os dividendos, juros e ganhos de capital que realizamos com os investimentos
listados na primeira coluna. Na verdade, as duas colunas mostram o que a Berkshire teria
reportado caso fosse quebrada em duas partes.

Como a tabela mostra, nossos investimentos por ação cresceram 29% em 1996 e
nossos lucros de não-investimentos cresceram 63,2%. Nosso objetivo é continuar fazendo com
que os números nas duas colunas aumentem a um ritmo razoável (ou, melhor ainda, mais do
que razoável).
Nossas expectativas, porém, são atenuadas por duas realidades. Primeiro, nossas
taxas de crescimento no passado não são mais passíveis de serem igualadas ou
ultrapassadas: o patrimônio da Berkshire é, atualmente, muito grande - para se ter uma ideia,
menos de dez empresas nos EUA têm um capital maior que o nosso - e uma base de fundos
abundante tende a frear os retornos. Segundo, qualquer que seja o nosso progresso, ele não
será suave: as alterações anuais na primeira coluna da tabela serão influenciadas de forma
significativa por flutuações no mercado acionário; os valores da segunda coluna serão afetados
pelas grandes variações em lucratividade do nosso ramo de seguros contra catástrofes.

Na tabela, as doações feitas por meio de nosso programa de contribuições são


descontadas da segunda coluna, embora nossa visão a respeito delas seja mais como um
benefício e menos como uma despesa. Todas as outras despesas corporativas também foram
descontadas da segunda coluna. Esses custos provavelmente são os menores dentre as
maiores empresas americanas: nossas despesas corporativas somam menos de dois
pontos-base (1/50 de 1%) em relação ao nosso patrimônio líquido. Mesmo assim, Charlie
costumava achar esse percentual absurdamente alto, culpando-o pelo meu uso do jato
corporativo da Berkshire, O Indefensável. Mas Charlie recentemente passou por uma
“contra-revelação”: com a nossa compra da FlightSafety, cuja principal atividade é o
treinamento de pilotos corporativos, ele agora fica todo entusiasmado com a simples menção a
jatos.

Mas falando sério, os custos importam. Por exemplo, fundos mútuos de ações incorrem
em despesas corporativas - que consistem, basicamente, de polpudos pagamentos aos
gestores dos fundos - que, em média, chegam a 100 pontos-base, uma taxa que tem o poder
de diminuir os retornos dos cotistas em 10% ou mais ao longo do tempo. Charlie e eu não
fazemos promessa alguma a respeito dos resultados da Berkshire. Nós prometemos, no
entanto, que virtualmente todos os ganhos que a Berkshire tiver irão parar nas mãos dos
acionistas. Nós estamos aqui para ganhar dinheiro com vocês, não de vocês.

Relação do valor intrínseco com o preço de mercado

Na carta do ano passado, com as ações da Berkshire sendo cotadas a U$ 36 mil, eu


disse que: (1) o aumento no valor de mercado da Berkshire nos últimos anos havia
ultrapassado o aumento do seu valor intrínseco, muito embora este último tenha crescido a um
ritmo altamente satisfatório; (2) esse tipo de ​overperformance não poderia continuar
indefinidamente; (3) Charlie e eu, naquele momento, não achávamos que a Berkshire estava
barata.

Desde que fiz esses avisos, o valor intrínseco da Berkshire aumentou de maneira muito
significativa - ajudado, e muito, pelo espetacular desempenho da GEICO, que irei contar mais a
respeito à frente - enquanto que o nosso preço de mercado mudou pouco. Isso significa que a
ação da Berkshire subiu menos que seu próprio negócio em 1996. Por consequência, a razão
preço/valor está agora muito diferente do que era um ano atrás e, da forma com que Charlie e
eu vemos as coisas, está em um patamar mais apropriado.

Ao longo do tempo, os ganhos dos acionistas da Berkshire devem, necessariamente,


ser iguais aos ganhos do negócio em si. Quando a ação temporariamente descola da realidade
da empresa, para cima ou para baixo, um número limitado de acionistas - compradores ou
vendedores - recebem benefícios desproporcionais às custas de quem estão negociando. De
maneira geral, os mais sofisticados têm uma vantagem sobre os inocentes neste jogo.

Muito embora o nosso objetivo principal seja maximizar o montante que nossos
acionistas irão colher com a Berkshire, nós também queremos minimizar os benefícios que
alguns acionistas podem ter em detrimento a outros. Esses seriam os mesmos objetivos que
teríamos se estivéssemos administrando uma sociedade familiar, e acreditamos que eles fazem
sentido ao administrar uma companhia de capital aberto. Em uma sociedade, ser justo requer
que as participações sejam avaliadas de maneira igual quando os sócios entram ou saem do
negócio; em uma empresa de capital aberto, a justiça prevalece quando o preço de mercado e
o valor intrínseco estão em sincronia. Obviamente, esse ideal nem sempre será alcançado,
mas um gestor - por meio de suas políticas e comunicações - pode fazer muito para incentivar
a equidade.

É claro que quanto mais tempo um acionista permanecer com suas ações, maior vai ser
o peso dos resultados da Berkshire em seus retornos financeiros - e menor vai ser a
importância do prêmio ou desconto do valor intrínseco que havia quando as ações foram
compradas. Esse é um dos motivos pelos quais queremos sempre atrair acionistas com
horizontes de longo prazo. De maneira geral, acredito que tivemos sucesso nessa questão. A
Berkshire provavelmente deve ocupar o primeiro lugar entre as grandes companhias
americanas no percentual de ações que são detidas por investidores de longo prazo.

Aquisições de 1996

Nós fizemos duas aquisições em 1996, ambas possuindo as exatas qualidades que
buscamos - excelentes fundamentos econômicos e uma gestão excepcional.

A primeira aquisição foi a Kansas Bankers Surety (KBS), uma companhia de seguros
cujo nome descreve suas especialidade: bancos. A companhia, que possui negócios em 22
estados, tem um histórico extraordinário de subscrição (​underwriting​) conseguido por meio dos
esforços de Don Towle, um gestor também extraordinário. Don criou relações próximas com
centenas de banqueiros e sabe cada detalhe de sua operação. Ele se vê como o administrador
de uma companhia que é “sua”, um comportamento que valorizamos muito na Berkshire. Por
conta de seu tamanho relativamente pequeno, nós colocamos a KBS junto da Wesco,
subsidiária que temos participação de 80% e que queria expandir suas operações de seguros.

Vale a pena comentar a respeito da estratégia sofisticada e muito bem calculada que
levou a Berkshire a obter essa aquisição. No início de 1996 fui convidado para o aniversário de
40 anos da esposa de meu sobrinho, Jane Rogers. Como minha atração por eventos sociais é
pequena, eu imediatamente comecei a inventar desculpas - da minha forma padrão e muito
graciosa - para não ir. Os organizadores da festa lidaram com isso de forma brilhante ao
oferecer um assento para mim ao lado de um homem que sempre admirei, o pai de Jane, Roy
Dinsdale - então eu fui.

A festa aconteceu no dia 26 de janeiro. Embora a música estivesse alta - por que as
bandas precisam tocar como se fossem pagas por decibéis? - eu consegui ouvir Roy dizer que
ele tinha recentemente participado de um encontro do conselho da Kansas Bankers Surety,
uma companhia que eu sempre admirei. Eu disse (ou melhor, tive de gritar) para ele me avisar
caso a empresa estivesse à venda.

No dia 12 de fevereiro, recebi a seguinte carta de Roy: “Caro Warren: em anexo estão
as informações financeiras da Kansas Bankers Surety. Essa é a empresa sobre a qual falamos
na festa de Jane. Se eu puder ajudar de alguma forma, por favor, me avise.” No dia 13 de
fevereiro, eu disse a Roy que pagaríamos U$ 75 milhões pela companhia - e logo fechamos
negócio. Estou agora maquinando sobre como ser convidado para a próxima festa de Jane.

Nossa outra aquisição em 1996 - FlightSafety International, a líder mundial em


treinamento de pilotos - foi bem maior, de U$ 1,5 bilhão, mas teve uma origem tão serendipiosa
quanto. Os heróis desta história são Richard Sercer, um consultor de aviação de Tucson, e sua
esposa, Alma Murphy, uma oftalmologista graduada na Harvard Medical School, que em 1990
convenceu seu marido a comprar ações da Berkshire. Desde então, os dois têm vindo a todos
os nossos encontros anuais, mas eu não os havia conhecido pessoalmente.

Felizmente, Richard também era uma acionista de longa data da FlightSafety, e ele
pensou que ela se encaixaria bem com a Berkshire. Ele sabia dos nossos critérios de aquisição
e achou que Al Ueltschi, o CEO da FlightSafety de 79 anos, iria gostar de um acordo que desse
um bom lar para sua empresa e um pagamento em ações que o deixasse confortável em
segurar para o resto da vida. Assim, em julho, Richard escreveu para Bob Denham, CEO do
Salomon Inc, sugerindo que ele explorasse a possibilidade de fusão.

Bob assumiu o controle a partir daí e, em 18 de setembro, Al e eu nos encontramos em


Nova York. Eu já estava familiarizado com o ramo da FlightSafety, e em cerca de 60 segundos
percebi que Al era exatamente o tipo de gestor que procurávamos. Um mês depois, tínhamos
um contrato. Como Charlie e eu queríamos minimizar a emissão de ações da Berkshire, a
transação que estruturamos deu aos acionistas da FlightSafety a opção por receber em
dinheiro ou ações, mas com termos que favoreciam o recebimento de dinheiro para os que
eram indiferentes à tributação. Esse “empurrão” fez com que 51% das ações da FlightSafety
fossem pagas em dinheiro, 41% com ações A e 8% com ações B.

Al tem uma história de vida apaixonada pela aviação e chegou a pilotar com Charles
Lindbergh3. Depois de uma carreira empolgante na década de 1930, ele começou a trabalhar
para Juan Trippe, o lendário chefe da PanAm. Em 1951, ainda na PanAm, Al fundou a
FlightSafety, subsequentemente tornando-a uma fabricante de simuladores e uma empresa
mundial de treinamento para pilotos (monomotores, helicópteros, jatos e embarcações). A
companhia opera em 41 localidades, com 175 simuladores de aviões, indo dos muito
pequenos, como os Cessna 210, a Boeings 747. Simuladores não são baratos - eles podem
custar até U$ 19 milhões - de forma que esse negócio, diferente de muitas de nossas outras
operações, requer muito capital. Cerca de metade das receitas da companhia vêm do
treinamento de pilotos corporativos, com a maioria vindo de empresas aéreas e do setor militar.

Al pode estar com 79 anos, mas parece ter e age como se tivesse 55. Ele continuará
tocando as operações da mesma forma que fez no passado: nós nunca nos metemos no
caminho de algo que está tendo sucesso. Eu disse a ele que embora não gostemos da ideia de
fazer um ​split das ações da Berkshire, nós iremos fazer um ​split de 2:1 de sua idade quando
ele completar 100 anos.

Algum leitor pode concluir por nossas práticas de contratação que Charlie e eu fomos
traumatizados na infância por um comunicado da EEOC4 a respeito de discriminação por idade.
A verdadeira explicação, porém, está no interesse próprio: é difícil ensinar velhos truques a um
cachorro novo. Muitos gestores da Berkshire que estão com mais de 70 anos continuam
entregando resultados hoje que fizeram suas reputações famosas há muitos anos. Portanto,
para trabalhar conosco, simplesmente utilize a tática de alguém de 76 anos que convenceu
uma deslumbrante jovem de 25 a se casar com ele. “Como você a convenceu a aceitar?”,
perguntaram seus colegas invejosos. A resposta: “Eu disse que tinha 86 anos.”

************

E agora uma pausa para o comercial: se você tem uma grande empresa com bons
fundamentos econômicos e deseja se associar com uma maravilhosa coleção de negócios com
características similares, a Berkshire pode ser uma boa opção. Nossos requisitos estão listados
na página 21​. Se sua empresa atender a todos eles - e eu não for na mesma festa de
aniversário que você - ligue para mim.

Setor de seguros - visão geral

3
Famoso aviador americano, falecido em 1972.
4
​Equal Employment and Opportunity Commission é uma comissão responsável por assegurar direitos
civis e evitar qualquer tipo de discriminação no local de trabalho.
Nossos negócios do ramo de seguros tiveram resultados maravilhosos em 1996. Tanto
nos seguros primários, em que a GEICO é nossa principal representante, quanto nos
resseguros “super-cat”, os resultados não poderiam ter sido melhores.

Como já expliquei em cartas anteriores, o que importa para o nosso setor de seguros é,
primeiro, a quantidade de ​float que geramos e, segundo, o custo dele para nós. Esses pontos
são importantes e merecem sua atenção porque o ​float tem um grande papel no valor
intrínseco da Berkshire, algo que não é refletido em nosso valor contábil.

Para começar, ​float é o dinheiro que fica conosco, mas não nos pertence. Em uma
operação de seguros, o ​float surge porque os prêmios são recebidos antes dos sinistros serem
pagos. Além disso, os prêmios que as seguradoras recebem não costumam ser suficientes
para cobrir os sinistros e despesas que elas eventualmente precisam pagar. Isso as deixa com
um prejuízo em ​underwriting (ou subscrição), que é o custo do ​float​. Uma seguradora consegue
gerar valor se o custo de seu ​float​, ao longo do tempo, for menor do que o custo que a
companhia teria caso fosse obter esse mesmo montante de outra maneira. Por outro lado, a
empresa se transforma em um monstro horroroso quando o custo do ​float é mais alto do que as
taxas de juros do mercado.

Como os números na tabela a seguir mostram, o setor de seguros da Berkshire tem


sido um grande vencedor. Na tabela, calculamos o nosso ​float - que geramos em grandes
quantidades em relação ao volume de prêmios - como sendo a soma das reservas de sinistros,
dos ajustes dessas reservas, dos fundos obtidos com resseguros assumidos e de reservas de
prêmios não usados. Subtrai-se, então, desse montante o custo da folha de pagamento dos
agentes seguradores, custos pré-pagos de aquisição, impostos pré-pagos e cobranças
diferidas aplicáveis aos resseguros assumidos. Nosso custo de ​float é determinado pelo nosso
lucro ou prejuízo com subscrição. Nos anos em que tivemos lucro, como foi o caso dos últimos
quatro, nosso custo de ​float foi negativo. Em outras palavras, fomos pagos para segurar o
dinheiro.
Desde 1967, quando entramos no ramo de seguros, nosso ​float ​cresceu a uma taxa
anualizada composta de 22,3%. Na maior parte do tempo, nosso custo de manter esses fundos
foi menor do que zero. Esse acesso a dinheiro “gratuito” trouxe um importante ganho de
performance para a Berkshire. Mais ainda, nossa aquisição da GEICO aumentou de forma
notável a probabilidade de continuarmos obtendo fundos “de graça” em montantes cada vez
maiores.

Seguros super-cat
Assim como aconteceu nos últimos três anos, nós novamente ressaltamos que os bons
resultados que temos reportado da Berkshire vêm, em parte, do fato de nosso ramo super-cat
ter tido sorte. Nesse tipo de operação vendemos apólices que as empresas seguradoras e
resseguradoras compram para proteção contra os efeitos de mega-catástrofes. Como
catástrofes realmente grandes ocorrem com pouca frequência, nosso ramo super-cat irá ter
grandes lucros na maioria dos anos - e um prejuízo gigantesco eventualmente. Em outras
palavras, a atratividade do nosso setor super-cat só poderá ser avaliada daqui a muitos anos.
O que você precisa entender, porém, é que um ano realmente terrível no ramo super-cat não é
apenas uma possibilidade - é uma certeza. A única questão é quando ele irá acontecer.

Eu faço questão de enfatizar esse ponto lúgubre porque eu não quero que você entre
em pânico e venda suas ações da Berkshire ao ouvir a respeito de uma grande catástrofe que
nos custou caro. Se você tem a tendência de reagir dessa maneira, as ações da Berkshire não
são para você. De forma similar, você deveria evitar ter ações de todo modo caso um mercado
em queda lhe faça entrar em pânico e vender. Afinal, vender bons negócios por conta de
notícias “assustadoras” costuma ser uma decisão ruim. (Robert Woodruff, o gênio que ajudou a
construir a Coca-Cola por muitas décadas e que tinha uma grande posição na companhia, foi
perguntado certa vez sobre quando seria uma boa hora para vender das ações da empresa.
Woodruff deu uma resposta simples: “Eu não sei. Nunca vendi as minhas.”)

Em nossa operação super-cat, nossos clientes são seguradoras que estão expostas a
uma enorme volatilidade nos lucros e que desejam reduzi-la. O produto que vendemos - e que
esperamos estar precificando a um patamar adequado - é a disposição em trazer essa
volatilidade para os nossos próprios balanços. Grandes flutuações nos lucros da Berkshire não
nos incomodam de maneira alguma: Charlie e eu preferimos muito mais ter um retorno volátil
de 15% do que um retorno suave de 12%. (Afinal de contas, nossos lucros variam bastante
diária e semanalmente - por que iríamos que eles fossem suaves a cada vez que a Terra dá
um giro em torno do Sol?) No entanto, nos sentimos mais confortáveis com esse pensamento
quando temos acionistas/parceiros que também aceitam a volatilidade, e é justamente por isso
que sempre repetimos esses avisos de cautela.

Nós nos expusemos a grandes super-cat em 1996. No meio do ano, fechamos um


contrato com a Allstate que cobre os furacões na Flórida, e embora não tenhamos registros
para provar, acreditamos que foi o maior risco de catástrofe já assumido por uma única
companhia na história. Mais tarde no ano, porém, vendemos uma apólice para a California
Earthquake Authority que entra em vigor no dia 1 de abril de 1997 e que nos deixa expostos a
mais do que o dobro de danos cobertos pelo contrato da Flórida. Mais uma vez, concentramos
todo o risco somente em nós mesmos. Por maiores que essas coberturas sejam, a pior perda
(após impostos) que a Berkshire teria em um evento realmente catastrófico seria menor do que
U$ 600 milhões, que é menos do que 3% do nosso valor contábil e 1,5% do nosso valor de
mercado. Para ganhar uma certa perspectiva a respeito desse grau de exposição, dê uma
olhada na ​tabela na página 2 e perceba que a volatilidade que o próprio mercado de ações
teve foi muito maior.

No ramo super-cat, temos três grandes vantagens competitivas. Primeiro, os clientes


que compram resseguros conosco sabem que podemos e iremos honrar nossos
compromissos, mesmo nas circunstâncias mais adversas. Se um desastre cataclísmico
ocorresse, não é nada impossível que um pânico financeiro viesse logo em seguida. Se isso
acontecesse, poderíamos ver respeitadas resseguradoras tendo dificuldades de pagar os
sinistros justamente nos momentos mais difíceis para seus clientes. Na verdade, um dos
motivos pelos quais nós nunca “diluímos” parte de nossos riscos que asseguramos é porque
temos certas reservas a respeito da capacidade de outras empresas honrar seus
compromissos conosco. Quando é a Berkshire quem está na outra ponta, os segurados têm
certeza que irão receber seus valores rapidamente.

Nossa segunda vantagem - que tem certa relação com a primeira - é sutil, mas
importante. Após uma mega-catástrofe, as seguradoras poderão ter dificuldade em obter
resseguros, mesmo com uma grande demanda por cobertura. Em tempos assim, a Berkshire,
sem sombra de dúvidas, teria uma grande capacidade de suprir essa demanda - mas,
naturalmente, iríamos dar preferência aos nossos clientes de longa data. Essa realidade fez
grandes seguradoras e resseguradoras ao redor do mundo nos procurar para fazer negócio.
Com efeito, estamos recebendo atualmente consideráveis montantes de taxas “​stand by​” de
resseguradoras que estão apenas garantindo que irão receber nossa cobertura quando o
mercado ficar mais complicado.

Nossa vantagem competitiva final é que podemos oferecer coberturas de valores tão
altos que nenhum outro concorrente sequer consegue rivalizar. Seguradoras que buscam por
grandes coberturas sabem que uma simples ligação para a Berkshire irá resultar em uma oferta
firme e imediata para o que precisam.

Alguns fatos a respeito de nossa exposição aos terremotos da Califórnia - nosso maior
risco atualmente - merecem atenção. O terremoto de Northridge em 1994 causou perdas muito
maiores às seguradoras do que os modelos de computador haviam previsto. Mesmo assim, a
intensidade daquele terremoto foi suave em comparação com o cenário de pior caso na
Califórnia. Compreensivelmente, as seguradoras ficaram - como dizer - abaladas e começaram
a contemplar a possibilidade de deixarem de oferecer coberturas contra terremotos em apólices
de casas.

Em uma resposta bem pensada, Chuck Quackenbush, o comissário de seguros da


Califórnia, elaborou uma nova apólice de terremoto residencial a ser subscrita pela seguradora
do estado, a The California Earthquake Authority. Essa entidade, que entrou em operação no
dia 1 de dezembro de 1996, precisava de grandes camadas de resseguros - e foi aí que
entramos em cena. A camada da Berkshire de aproximadamente U$ 1 bilhão será resgatada
caso as perdas da Authority no período findo em 31 de março de 2001 ultrapassar U$ 5
bilhões. (A imprensa originalmente reportou valores ainda maiores, mas eles teriam sido
obtidos somente se todas as seguradoras da Califórnia tivessem entrado no acordo; apenas
72% delas o fizeram.)

Quais são as verdadeiras chances de termos de desembolsar essa quantia durante a


vigência da apólice? Nós não sabemos - e também não acreditamos que modelos
computacionais irão nos ajudar, uma vez que encaramos a precisão que eles projetam como
uma quimera. Na verdade, modelos assim podem dar uma falsa sensação de tranquilidade e,
assim, aumentar as chances de cometermos um erro realmente gigantesco. Nós já vimos
fracassos assim tanto em seguros quanto em investimentos. Lembre-se do “seguro de
portfólio”, cujos efeitos destrutivos no ​crash do mercado em 1987 nos fizeram perceber que os
computadores é que deveriam estar saltando das janelas.

Mesmo se os riscos não puderem ser medidos de forma precisa, as seguradoras podem
sempre subscrever com parcimônia. Afinal de contas, você não precisa saber a idade exata de
alguém para saber que ele ou ela tem idade suficiente para votar, tampouco precisa saber o
peso exato de alguém para reconhecer que ele ou ela precisa de uma dieta. No setor de
seguros é essencial lembrar que virtualmente todas as surpresas são desagradáveis e, com
isso em mente, nós tentamos precificar nossas exposições a super-cats de forma que cerca de
90% dos prêmios sejam eventualmente pagos em sinistros e despesas. Com o tempo,
descobriremos o quão sensata a nossa precificação foi, mas vai demorar. O ramo super-cat é
parecido com o ramo de investimentos no sentido de que costuma levar um bom tempo para
descobrir se você sabia ou não o que estava fazendo.

O que posso afirmar com certeza, porém, é que temos a melhor pessoa no mundo para
tocar o ramo super-cat: Ajit Jain, cujo valor para a Berkshire é simplesmente enorme. No setor
de resseguros, proposições desastrosas são abundantes. Eu sei disso porque eu
pessoalmente fiz várias delas na década de 1970, e também porque a GEICO tem um portfólio
de ​runoffs5 inteiro de contratos ruins que foram fechados no começo dos anos 1980, mesmo
com um time competente de gestores que a empresa tinha na época. Ajit, posso garantir a
vocês, não irá cometer erros desse tipo.

Eu já mencionei que uma mega catástrofe pode causar também uma catástrofe no
mercado financeiro, uma possibilidade que é pouco provável, mas não remota. Se uma
catástrofe causada por um grande terremoto na Califórnia acionasse nossa cobertura, nós com
certeza seríamos prejudicados de outras formas. Por exemplo, a See’s, Wells Fargo e Freddie
Mac poderiam sofrer bastante também6. No entanto, de forma geral, podemos lidar com todas
essas exposições.

5
​Runoff ​é uma indenização que cobre empresas que foram adquiridas, fundidas ou que deixaram de
operar.
6
Todas as empresas mencionadas ficam na Califórnia.
A esse respeito, como em outros, nós tentamos aplicar “engenharia reversa” no futuro
da Berkshire, mantendo em mente a máxima de Charlie: “Tudo o que quero saber é onde irei
morrer, de forma a nunca ir até lá.” (Inverter o raciocínio realmente funciona: experimente
cantar uma música country de trás para frente e você rapidamente irá ter sua casa, seu carro e
sua esposa de volta.) Se não conseguirmos tolerar uma consequência, por mais remota que
ela seja, nós passaremos longe de plantar sua semente. É por essa razão que não fazemos
grandes empréstimos e porque garantimos que nossas perdas com contratos super-cat, por
piores que sejam, não irão causar danos permanentes no valor intrínseco da Berkshire.

Seguros - GEICO e outras operações primárias

Quando passamos a ter controle total da GEICO no início do ano passado, nossas
expectativas eram altas - e todas elas estão sendo mais do que atendidas. Isso tem acontecido
tanto da perspectiva de negócio quanto da perspectiva pessoal: o chefe operacional da GEICO,
Tony Nicely, é um grande gestor e é ótimo de se trabalhar. Sob quase qualquer condição, a
GEICO é um ativo de grande valor. Como o Tony no comando, a empresa tem atingido níveis
de desempenho que eram inimagináveis há alguns anos.

Não há nada de esotérico no sucesso da GEICO: a força competitiva da empresa vem


diretamente da sua posição como uma companhia de baixo custo. Custos baixos permitem
preços baixos, e preços baixos atraem e retém bons segurados. O último arco de um círculo
virtuoso ocorre quando os segurados nos recomendam a seus amigos. A GEICO recebe mais
de um milhão de indicações boca a boca por ano, e elas são responsáveis por mais da metade
de nossos novos contratos, uma vantagem que nos dá uma enorme economia em despesas de
aquisição - o que torna nossos custos ainda menores.

Essa fórmula funcionou particularmente bem para a GEICO em 1996: o volume de


apólices de carros voluntárias cresceu 10%. Durante os últimos 20 anos, o maior crescimento
anual que a companhia havia tido foi de 8%, taxa essa que foi alcançada apenas uma vez.
Melhor ainda, o crescimento em apólices voluntárias se acelerou durante o ano, liderado por
ganhos no mercado atípico, área que tem sido pouco explorada na GEICO. Eu foco minha
atenção aqui em apólices voluntárias porque os contratos involuntários vindos de seguros
compulsórios e coisas do tipo não dão lucro. O crescimento nesse setor é mais do que
mal-vindo.

O crescimento da GEICO não significaria nada se ela não obtivesse lucros de


subscrição razoáveis. E aqui, também, as notícias são boas: no ano passado, atingimos nossa
meta de subscrição. Na verdade, até a ultrapassamos. Nosso objetivo, no entanto, não é
aumentar nossa margem de lucro, mas aumentar a vantagem de preço que oferecemos a
nossos clientes. Dada essa estratégia, acreditamos que o crescimento em 1997 irá facilmente
superar o do ano passado.
Nós já esperamos que novos competidores entrem no mercado de venda direta, e
alguns de nossos competidores já existentes provavelmente irão expandir geograficamente.
Mesmo assim, as vantagens econômicas que temos em escala irão nos permitir manter ou até
aumentar o fosso protetor que protege nosso castelo econômico. Nós temos os melhores
resultados de custos em áreas geográficas que possuímos alta penetração. Conforme nossa
quantidade de apólices aumenta, entregando, ao mesmo tempo, ganhos em penetração, nós
esperamos diminuir os custos de forma material. A vantagem sustentável de custos da GEICO
foi o que me atraiu para a companhia em 1951, quando a empresa toda era avaliada em U$ 7
milhões. E foi o que me fez chegar à conclusão de que a Berkshire deveria pagar U$ 2,3
bilhões no ano passado pelos 49% da empresa que ainda não estava sob nosso controle.

Maximizar os resultados de um negócio maravilhoso requer uma boa gestão e foco. Por
sorte, temos em Tony um gestor incrível, cujo foco no negócio nunca diminui. Querendo que
toda a organização da GEICO se concentrasse tanto quanto ele, precisávamos de um plano de
compensação que, por si só, fosse bastante focado - e colocamos eles em prática
imediatamente após a nossa compra.

Atualmente, os bônus recebidos por dezenas de executivos de alto escalão, incluindo


Tony, são baseados em dois pontos principais: (1) crescimento em apólices voluntárias de
carros e (2) lucratividade de subscrição em negócios automotivos “envelhecidos” (apólices que
estão em vigência há mais de um ano). Além disso, usamos a mesma métrica para calcular a
contribuição anual ao plano de participação nos lucros da companhia. Todos na GEICO sabem
o que importa.

O plano da GEICO exemplifica os princípios de compensação da Berkshire: os objetivos


devem ser (1) adaptados às condições econômicas de cada operação; (2) simples, de forma
que possam ser facilmente medidos; e (3) diretamente relacionados com as atividades diárias
dos participantes. Como corolário, nós evitamos acordos do tipo “bilhete premiado”, tais como
opções de ações da Berkshire, cujo valor final - que pode variar entre zero e muito- está
completamente fora do controle da pessoa cujo comportamento gostaríamos de avaliar. Em
nossa visão, um sistema que produz recompensas quixotescas não apenas é danoso para o
acionista, como pode desencorajar o comportamento focado que valorizamos em gestores.

Todos os trimestres, os 9.000 empregados da GEICO podem ver os resultados que


determinam nosso plano de participação nos lucros. Em 1996, eles gostaram da experiência
porque o plano, literalmente, extrapolou o gráfico que havia sido construído no início do ano.
Até eu sei a resposta para esse problema: aumentar o gráfico. No fim das contas, os resultados
chegaram numa contribuição recorde de 16,9% (U$ 40 milhões), muito acima da média de 10%
dos últimos cinco anos, que havia sido obtida com outros planos. Além disso, na Berkshire, nós
nunca retribuímos bons resultados com metas agressivas demais. Se o desempenho da
GEICO continuar a melhorar, nós ficaremos felizes em continuar fazendo gráficos maiores.
Lou Simpson continua administrando o dinheiro da GEICO de forma excepcional: no
ano passado, os ativos em sua carteira superaram o S&P 500 por 6,2 pontos percentuais. Em
relação ao trabalho de Lou na GEICO, nós novamente unimos a recompensa com o
desempenho - mas a um desempenho de investimento em um período de quatro anos, não aos
resultados de subscrição nem ao desempenho da GEICO como um todo. Nós achamos que
não faz sentido uma empresa de seguros pagar bônus que estejam ligados a resultados gerais
da companhia quando um trabalho bem feito de um lado da empresa - subscrição ou
investimentos - pode ser simplesmente anulado por um trabalho mal feito na outra ponta. Se
sua ​batting average7 na Berkshire é de .350, esteja certo de que você será recompensado de
forma proporcional, mesmo se o resto do time tiver uma ​batting average de .200. Com Lou e
Tony, no entanto, temos sorte de ter um time formado apenas por astros.

************

Embora sejam, obviamente, menores do que a GEICO, nossas outras operações


primárias de seguros entregaram resultados igualmente maravilhosos. O tradicional ramo de
seguros da National Indemnity teve um índice combinado de 74,2 e, como de costume,
entregou uma grande quantidade de ​float em relação ao volume de prêmios. Ao longo dos
últimos três anos, esse segmento de nosso negócio, tocado por Don Wurster, teve um índice
combinado médio de 83. Nossa operação em Nebraska, liderada por Rod Eldred, registrou um
índice combinado de 87,1, mesmo absorvendo os custos de expansão para outros estados. O
índice combinado obtido por Rod nos três últimos anos foi de incríveis 83,2. O ramo de
auxílio-acidente da Berkshire, tocado da Califórnia por Brad Kinstler, expandiu-se agora para
seis outros estados e, apesar dos custos envolvidos nisso, conseguiu mais uma vez obter
excelentes lucros de subscrição. Por fim, John Kizer, da Central States Indemnity, cravou novos
recordes em volume de prêmios e obteve bons lucros com subscrição. De forma geral, nossas
operações menores de seguros (incluindo agora a Kansas Bankers Surety) têm um histórico de
subscrição inigualável na indústria. Don, Rod, Brad e John têm criado uma quantidade
significativa de valor para a Berkshire, e acreditamos que há mais por vir.

Impostos

Em 1961, o presidente Kennedy disse que nós não deveríamos perguntar o que o
nosso país pode fazer por nós, mas o que nós podemos fazer por nosso país. No ano passado
decidimos acatar essa sugestão - e quem disse que perguntar não ofende? Nos foi dito para
enviar U$ 860 milhões em impostos sobre receitas para o Tesouro.

Eis um pouco de perspectiva a respeito desse montante: se a mesma quantia tivesse


sido paga por apenas outros 2.000 cidadãos ou empresas, o governo teria obtido um

7
​Batting average é uma medida de desempenho usada por rebatedores de baseball. Um valor acima de
.350 é considerado excelente.
orçamento equilibrado em 1996 sem precisar de um centavo a mais de qualquer outro
americano. Os acionistas da Berkshire realmente podem dizer que já fizeram a sua parte.

Charlie e eu acreditamos que grandes pagamentos de impostos feitos pela Berkshire


fazem total sentido. A contribuição que fazemos para o bem-estar da sociedade é minimamente
proporcional ao bem-estar que a sociedade nos dá. A Berkshire consegue prosperar na
América mais do que em qualquer outro lugar.

Fontes dos ganhos reportados

A tabela a seguir mostra as principais fontes dos ganhos reportados pela Berkshire.
Nessa forma de apresentação, ajustes do preço de compra não são designados a negócios
específicos, mas aglutinados e mostrados em separado. Esse procedimento permite que vocês
vejam os ganhos de nossos negócios da forma que seriam reportados caso nós não os
tivéssemos adquiridos. Por razões discutidas nas ​páginas 65 e 66​, essa forma de
apresentação nos parece mais útil a investidores e gestores do que a apresentação no formato
GAAP8, que requer que os ajustes de preço de compra sejam feitos empresa a empresa. O
lucro total que mostramos na tabela é, obviamente, idêntico ao lucro GAAP que consta em
nossos balanços financeiros auditados.

8
Generally Accepted Accounting Principles (ou Termos Contábeis Normalmente Aceitos). Conjunto de
regras contábeis para a apresentação e padronização dos resultados das empresas.
(1) Antes da reformulação por conta da GEICO.
(2) Incluindo a R.C. Willey a partir de 29 de junho de 1995.
(3) Incluindo a Helzberg’s a partir de 30 de abril de 1995.
(4) Excluindo gastos com juros do nosso setor financeiro.

Nesta seção no ano passado, comentei a respeito de três negócios que haviam
reportado uma queda nos lucros - Buffalo News, Shoe Group e World Book. Todas elas, fico
feliz em dizer, reportaram lucros maiores em 1996.

Para a World Book, no entanto, não foi fácil: apesar do novo status da operação como a
única vendedora direta de enciclopédias no país (Encyclopedia Britannica saiu do ramo no ano
passado), o seu volume vendido diminuiu. Além disso, a World Book teve um grande gasto com
um novo produto em CD-ROM que começou a gerar receita apenas no início de 1997, quando
foi lançado em parceria com a IBM. Diante desses fatos, os lucros teriam se evaporado caso a
World Book não tivesse renovado seus métodos de distribuição e cortado custos corporativos,
o que reduziu dramaticamente suas despesas fixas. De maneira geral, a companhia percorreu
um longo caminho de forma a garantir sua viabilidade de longo prazo nos mercados impresso e
digital.

A nossa única decepção no ano passado foi no ramo joalheiro: Borsheim’s se saiu bem,
mas a Helzberg’s sofreu uma redução grande nos lucros. Os níveis de despesa estavam
alinhados com um aumento razoável nas vendas ​same-store​, o que estava consistente com os
lucros obtidos nos últimos anos. Mas como o volume de vendas permaneceu o mesmo, as
margens de lucro diminuíram. Jeff Comment, CEO da Helzberg’s, está cuidando dos
problemas com despesas de uma maneira decisiva, e os ganhos da companhia deverão
melhorar em 1997.

De forma geral, nossas operações continuam a ter um desempenho estelar, muito


acima da média de seus setores. A isso, Charlie e eu devemos um agradecimento aos nossos
gestores. Se você vê-los durante o encontro anual, agradeça-os também.

Mais informações a respeito dos nossos negócios podem ser encontradas nas ​páginas
36-46​, onde você irá encontrar também os nossos lucros por segmento reportados na base
GAAP. Além disso, ​nas páginas 51-57​, nós rearranjamos os dados financeiros da Berkshire
em quatro segmentos em uma base não-GAAP. Essa é uma representação da forma com que
Charlie e eu vemos a companhia. Nossa intenção é fornecer informações financeiras a vocês
da mesma forma que gostaríamos de receber caso estivéssemos em seus lugares.

Ganhos “​look-through​”

Os ganhos reportados são uma métrica ruim do progresso econômico da Berkshire, em


parte porque os números mostrados na tabela anterior apresentam apenas os dividendos que
recebemos de nossas empresas investidas - e esses dividendos costumam representar apenas
uma pequena fração dos ganhos que são atribuíveis às nossas participações. Não que nos
importemos com essa divisão de dinheiro, uma vez que consideramos os ganhos não
distribuídos das empresas investidas como mais valiosos do que a parte que foi distribuída. A
razão é simples: nossas investidas têm, com frequência, a oportunidade de reinvestir os
ganhos a altas taxas de retorno. Dessa forma, por que você iria querer que eles fossem
distribuídos?

Para ilustrar algo mais perto da realidade econômica da Berkshire do que os ganhos
reportados, usamos o conceito de ganhos ​look-through.​ Eles consistem em: (1) os ganhos
reportados na seção anterior, somados com; (2) nossa participação nos ganhos operacionais
retidos por nossas empresas investidas e que não são refletidos nos termos GAAP, subtraídos
de; (3) o valor que pagaríamos em impostos caso os montantes retidos fossem distribuídos a
nós. Quando nos referimos aos ganhos operacionais, excluímos ajustes contábeis de preços,
ganhos de capital e outros itens não-recorrentes.

A tabela a seguir mostra os nossos ganhos ​look-through de 1996, embora seja


importante ressaltar que os números mostrados são apenas aproximações, uma vez que eles
são baseados em algumas premissas. (Os dividendos pagos a nós por essas investidas foram
incluídas nos ganhos operacionais itemizados ​na página 12​, a maioria em “Insurance Group:
Net Investment Income”.)

(1) Não inclui ações de posições minoritárias.


(2) Calculados em relação à posição média ao longo do ano.
(3) A faixa de tributação usada é de 14%, que é a taxa que a Berkshire paga sobre os
dividendos recebidos.

Investimentos em ações

Mostramos a seguir os nossos investimentos em ações. Aqueles que possuem um valor


de mercado acima de U$ 500 milhões foram itemizados.
* Representa o custo já com impostos que, no total, é U$ 1,2 bilhão menor do que o custo
GAAP.

Nosso portfólio continua tendo poucas mudanças: continuamos fazendo mais dinheiro
dormindo do que em atividade.

A inatividade é, para nós, um comportamento inteligente. Nem nós e nem a maior parte
dos gestores sequer sonha em ficar fervorosamente comprando e vendendo subsidiárias
altamente lucrativas por conta de uma pequena mudança na taxa de juros ou porque algum
erudito de Wall Street passou a olhar o mercado de outra forma. Por que, então, deveríamos
nos comportar de maneira diferente quando se trata de nossas posições minoritárias em
negócios maravilhosos? A arte de investir em ações com sucesso tem pouca diferença da arte
de adquirir subsidiárias com sucesso. Em ambos os casos você simplesmente quer adquirir, a
um preço razoável, um negócio com excelentes fundamentos econômicos e que tenha uma
gestão competente e honesta. Dessa forma, basta verificar se essas qualidades existem na
empresa que você está analisando.

Quando realizado de forma competente, uma estratégia de investimento desse tipo faz
com que seu executor detenha alguns ativos que irão representar uma grande parte de seu
portfólio. Esse mesmo investidor teria um resultado parecido se ele seguisse uma política de
comprar uma participação de, digamos, 20% nos lucros futuros de algumas estrelas em
ascensão no basquete. Alguns desses jogadores iria chegar até a NBA, e a fatia representada
por eles iria começar a dominar o portfólio. Sugerir a esse investidor que ele venda parte de
suas investimentos mais bem-sucedidos simplesmente porque eles passaram a dominar seu
portfólio é o mesmo que sugerir que o Chicago Bulls se livre de Michael Jordan porque ele se
tornou muito importante para a equipe.
Ao estudar os investimentos que fizemos em subsidiárias e em ações, você irá notar
que favorecemos indústrias e negócios que têm pouca probabilidade de passar por grandes
mudanças. A razão para isso é simples: ao fazer qualquer um dos dois tipos de aquisição, nós
procuramos por operações que acreditamos ter vantagens competitivas que se manterão
relevantes daqui a dez ou vinte anos. Um ambiente de mudanças rápidas pode oferecer a
chance de grandes acertos, mas acaba anulando a perenidade que buscamos.

Eu devo enfatizar que, como cidadãos, Charlie e eu abraçamos as mudanças: novas


ideias, novos produtos, processos inovadores e coisas do tipo fazem o padrão de vida de
nosso país aumentar, e isso é algo claramente bom. Como investidores, porém, nossa reação
a uma indústria em constante renovação nos leva a ter uma reação parecida com a que temos
sobre a exploração espacial: nós aplaudimos o esforço, mas preferimos deixá-la de lado.

É óbvio que todos os negócios mudam em um certo grau. Hoje, a See’s é bem diferente
do que era em 1972, ano em que a adquirimos: ela atualmente vende tipos diferentes de
chocolate, usa maquinários diferentes e realiza suas vendas por canais de distribuição também
diferentes. Mas as razões que levam as pessoas a comprar uma caixa de bombons, e o motivo
que as levam comprá-la de nós e não da concorrência, se mantêm inalteradas do que eram na
década de 1920, quando a família See começou o negócio. Mais ainda, essas motivações
provavelmente não irão mudar daqui a vinte ou cinquenta anos.

Nós buscamos por uma previsibilidade assim no mercado de ações. Veja a Coca-Cola:
o zelo e a criatividade com os quais os produtos da Coca são vendidos floresceram sob a
gestão de Roberto Goizueta, que fez um trabalho incrível de criação de valor aos seus
acionistas. Mas os fundamentos do negócio - as qualidades que sublinham a dominância
competitiva da Coca-Cola e seus fundamentos incríveis - se mantiveram intactos ao longo dos
anos.

Eu recentemente estava estudando os resultados de 1896 da Coca (e você aí achando


que está atrasado com suas leituras!). Naquela época, a Coca, embora já ocupasse uma
posição de liderança no mercado de refrigerantes, estava no mercado há apenas uma década.
Mas o plano para os próximos 100 anos já estava traçado. Com vendas de U$ 148.000 naquele
ano, Asa Candler, o presidente da companhia na época, disse: “Nós não temos poupado
esforços para mostrar ao mundo todo que a Coca-Cola é o produto, por excelência, indicado
para a saúde e bem-estar de todas as pessoas.” Embora a “saúde” tenha sido um exagero, eu
adoro o fato de que a Coca ainda utiliza da ideia de Candler um século depois. Candler foi além
e disse, da mesma forma que Roberto poderia dizer agora, que “Nenhum produto do tipo
jamais caiu tanto no gosto popular.” A propósito, as vendas de refrigerante naquele ano foram
de mais de 441 mil litros, versus 11,84 bilhões em 1996.

Não posso deixar de comentar a respeito de mais uma frase de Candler: “No início
deste ano, em 1 de março… nós empregamos dez vendedores que, por meio de uma
comunicação sistemática com a central, conseguiram cobrir quase toda a extensão territorial do
país.” É desse tipo de vendedor que eu gosto.

Companhias como a Coca-Cola e a Gillette podem ser classificadas como “As


Inevitáveis”. As previsões podem ser um pouco diferentes a respeito de quanto refrigerante ou
aparelhos de barbear serão vendidos nos próximos dez ou vinte anos por essas empresas. E a
nossa conversa a respeito de inevitabilidade não tem a intenção de diminuir os esforços vitais
que essa companhias precisam continuar fazendo em áreas como produção, distribuição,
empacotamento e inovação de produtos. No entanto, no fim das contas, nenhuma pessoa mais
atenta - nem mesmo os competidores mais ferrenhos dessas companhias, assumindo que
estejam avaliando as coisas de forma honesta - irá questionar que a Coca e a Gillette irão
dominar seus setores ao redor do mundo por toda uma vida. Na verdade, suas dominâncias só
tendem a aumentar. Ambas as companhias já têm expandido suas já enormes participações de
mercado nos últimos dez anos, e todos os sinais apontam que irão continuar fazendo isso na
próxima década.

É óbvio que muitas empresas no setor high-tech ou em indústrias embrionárias irão


crescer muito mais rápido, em termos percentuais, do que As Inevitáveis. Mas eu prefiro um
resultado certo e bom do que apenas a expectativa de um resultado ótimo.

Charlie e eu conseguimos identificar apenas algumas das Inevitáveis, mesmo após


passarmos uma vida procurando por elas. Uma boa liderança por si só não é certeza de nada:
basta lembrar dos choques há alguns anos que a General Motors, IBM e Sears passaram,
sendo que todas elas atravessaram longos períodos de uma aparente invencibilidade. Embora
alguns setores ou linhas de negócios tenham características que dão a seus líderes vantagens
quase que intransponíveis, e isso tende a estabelecer a sobrevivência dos maiores quase
como uma lei natural, a maior parte dos casos não é assim. Assim, para cada empresa
Inevitável, existem dezenas de Impostoras, que são empresas que podem até estar bem
avaliadas agora, mas que carregam grandes vulnerabilidades a choques. Considerando o que
é necessário para se tornar uma companhia Inevitável, Charlie e eu reconhecemos que nunca
seremos capazes de encontrar cinquenta delas; talvez nem vinte .Às Inevitáveis de nosso
portfólio, portanto, nós adicionamos algumas empresas que se encaixam na categoria “Muito
Provavelmente Inevitáveis”.

Você pode, é claro, pagar caro demais até pelo melhor negócio. O risco de pagar
demais aparece periodicamente e, em nossa opinião, pode não ser tão alto para aqueles que
compram todas as ações possíveis, incluindo As Inevitáveis. Investidores que fazem compras
em um mercado de alta devem estar cientes que pode levar um bom tempo para que o valor de
uma empresa, por mais incrível que seja, se equipare ao preço pago por ela.

Um problema muito mais sério ocorre quando a gestão de uma grande companhia
começa a ficar dispersa e a negligenciar seu ​core business em detrimento à compra de outros
negócios que são apenas medianos. Infelizmente, foi exatamente isso que aconteceu alguns
anos atrás na Coca-Cola e na Gillette. (Dá para acreditar que alguma décadas atrás a Coca
estava no ramo de venda de camarão e a Gillette estava no ramo de exploração de petróleo?)
A perda de foco é o que mais preocupa Charlie e eu quando analisamos uma empresa que, no
geral, tem ótimos fundamentos. Com mais frequência do que gostaríamos, nós já vimos o valor
de uma companhia fica estagnado por conta de arrogância ou por dispersão da atenção dos
gestores. No entanto, isso não irá acontecer novamente na Coca-Cola ou na Gillette -
principalmente por conta da gestão atual e futura.

************

Deixe-me acrescentar mais alguns pensamentos a respeito de nossos próprios


investimentos. A maioria dos investidores, institucionais e individuais, irá descobrir que a
melhor forma de ter ações é por meio de um fundo indexado que cobre uma taxa de
administração baixa. Aqueles que seguirem esse racional com certeza terão resultados
melhores (após descontar as taxas e impostos) do que os obtidos pela grande maioria dos
profissionais de investimento.

Porém, se você decidir construir seu próprio portfólio, há algumas coisas a se manter
em mente. Um processo de investimento inteligente não é complexo, mas está longe de ser
fácil. O que um investidor precisa é da habilidade de avaliar corretamente o valor das empresas
que seleciona. Perceba a escolha pela palavra “seleciona”: você não precisa ser um profundo
conhecedor de todas as companhias, nem da maioria. Você só precisa ser capaz de avaliar as
empresas que estejam dentro do seu círculo de competência. O tamanho do círculo não é
muito importante; saber seus limites, no entanto, é vital.

Para investir com sucesso, você não precisa entender o que é beta, mercados
eficientes, teoria moderna de portfólio, precificação de opções ou mercados emergentes. Na
verdade, é melhor até não saber dessas coisas. Essa, é claro, não é a visão da maioria das
faculdades de administração e economia, cujas grades curriculares tendem a ser dominadas
por esses assuntos. Em nossa visão, por outro lado, estudantes de investimentos precisam
apenas de duas matérias - Como Avaliar um Negócio e Como Pensar Sobre os Preços de
Mercado.

Seu objetivo como investidor é simplesmente comprar, a um preço razoável, uma


participação em um negócio fácil de ser entendido e cujos lucros serão materialmente maiores
daqui a cinco, dez e vinte anos. Com o tempo, você irá começar a notar que apenas algumas
poucas empresas passam por esse crivo - dessa forma, quando você ver uma que se encaixa,
você deve comprar uma boa quantidade de ações dela. Você também deve resistir à tentação
de se desviar de seus princípios: se você não está disposto a ter uma ação durante dez anos,
sequer pense em tê-la por dez minutos. Monte um portfólio de companhias cujos lucros
aumentem cada vez mais ao longo dos anos; isso fará com que o valor de mercado do seu
portfólio também aumente.
Embora isso seja raramente reconhecido, eis a abordagem exata que produziu ganhos
para os acionistas da Berkshire: nossos ganhos ​look-through cresceram a boas taxas ao longo
dos anos, e o preço de nossa ação também aumentou de forma correspondente. Se o aumento
nos ganhos não tivesse se concretizado, haveria pouco aumento no valor da Berkshire.

A enorme base de lucros que desfrutamos atualmente irá inevitavelmente fazer com que
nossos ganhos futuros fiquem aquém dos obtidos no passado. Mesmo assim, continuaremos
remando na mesma direção de sempre. Iremos tentar aumentar os lucros administrando bem
os nossos negócios atuais - um trabalho que fica fácil por conta dos nossos talentos
extraordinários que ocupam as posições de gestores - e comprando outras empresas, em parte
ou na totalidade, que têm pouca chance de sofrerem com mudanças e que possuam
importantes vantagens competitivas.

USAir

Quando Richard Branson, o magnata dono da Virgin Atlantic Airways, foi perguntado
sobre como se tornar um milionário, sua resposta foi perspicaz: “Não tem nada de mais.
Comece sendo bilionário e compre uma empresa aérea”. Incapaz de acreditar na palavra de
Branson por si só, este presidente que vos fala decidiu testá-la em 1989 com um investimento
de U$ 358 milhões em 9,25% das ações preferenciais da USAir.

Eu gostava e admirava Ed Colodny, o então CEO da companhia, e ainda nutro esses


sentimentos por ele. Mas a minha análise do negócio da USAir foi superficial e errada. Eu fiquei
tão cego pelo longo histórico de lucros da companhia e pela aparente proteção de deter um
ativo já bem sedimentado que deixei escapar um ponto crucial: as receitas da USAir iriam
sofrer cada vez mais os efeitos de um mercado altamente competitivo e não regulamentado,
enquanto que sua estrutura de custo, vinda de uma época em que a regulamentação protegia
os lucros, se mantia intacta. Esses custos, se deixados como estavam, eram um presságio de
desastre, por melhor que fosse o histórico de lucros da companhia. (Se a História tivesse todas
as respostas, a lista Forbes 4009 iria consistir apenas de bibliotecários.)

Para racionalizar seus custos, no entanto, a USAir precisava de grandes melhorias em


seus contratos de trabalho - e isso é algo que a maioria das empresas aéreas descobriu ser
extremamente difícil de fazer, quase levando, ou levando de fato, algumas delas à falência. A
USAir não seria exceção. Imediatamente depois que compramos nossas ações preferenciais, o
desbalanceamento entre os custos e as receitas da companhia começou a crescer de forma
explosiva. No período de 1990-94, a USAir perdeu um total de U$ 2,4 bilhões, um desempenho
que destruiu completamente o patrimônio líquido contábil de suas ações ordinárias.

9
Lista das 400 pessoas mais ricas do mundo.
Durante boa parte desse período, a companhia nos pagou os dividendos referentes às
ações preferenciais, mas em 1994 o pagamento foi suspenso. Um pouco depois, com a
situação piorando ainda mais, fizemos um ​writedown de 75% do nosso investimento, para U$
89,5 milhões. Após isso, durante boa parte de 1995, eu ofereci vender as nossas ações por
50% do valor de face. Felizmente, não obtive sucesso.

Junto dos muitos erros que cometi com a USAir, uma coisa eu fiz certa: ao fazer nosso
investimento, colocamos no contrato uma provisão incomum a respeito de uma “multa de
dividendos” - que teria uma taxa de 5% acima da taxa de juros do Tesouro - e que seria
cobrado em cima de quaisquer atrasos. Isso significa que quando nosso dividendo de 9,25%
deixou de ser pago por dois anos, as quantias que não foram distribuídas foram se acumulando
a taxas entre 13,25% e 14%.

Com esse provisionamento por multa, a USAir tinha todos os incentivos para pagar os
valores atrasados o mais rápido que pudesse. E na segunda metade de 1996, quando a USAir
voltou a dar lucro, ela de fato começou a nos pagar, nos repassando U$ 47,9 milhões. Nós
devemos a Stephen Wolf, o atual CEO da companhia, um enorme agradecimento por ter obtido
um desempenho com a companhia que permitiu esse pagamento. Mesmo assim, a USAir tem
se beneficiado recentemente por ventos favoráveis na indústria, algo que pode ser cíclico por
natureza. A empresa ainda tem problemas básicos de custos que precisam ser resolvidos.

De qualquer forma, os preços das ações negociadas da USAir nos indicam que nossas
ações preferenciais valem novamente os U$ 358 milhões (aproximadamente). Além disso, nós
obtivemos, ao longo dos anos, um total de U$ 240,5 milhões em dividendos (incluindo U$ 30
milhões recebidos em 1997).

No início de 1996, antes que qualquer dividendo acumulado fosse pago, eu tentei mais
de uma vez nos desfazer dessa posição - dessa vez, por U$ 335 milhões. Vocês têm sorte: eu
falhei mais uma vez em ter sucesso em algo que seria ruim.

Em um outro contexto, um amigo me perguntou certa vez: “Se você é tão rico, por que
você não é esperto?” Ao observar meu desempenho lamentável com a USAir, você pode
concluir que a pergunta desse meu amigo não foi tão descabida.

Financiamentos

Nós assinamos quatro cheques para o Salomon Brothers no ano passado e, em cada
uma das vezes, ficamos muito satisfeitos com o serviço pelo qual pagamos. Eu já descrevi uma
das transações: a compra da FlightSafety, na qual o Salomon teve um importante papel como
banco de investimento. Na segunda transação, a empresa fez uma pequena oferta de dívida
por nossa subsidiária da área financeira.
Além disso, nós fizemos duas ofertas de tamanho razoável por meio do Salomon,
ambas com aspectos interessantes. A primeira foi nossa venda em maio de 517.500 ações
ordinárias da Classe B, o que nos gerou um montante líquido de U$ 565 milhões. Como já
expliquei no passado, fizemos essa venda em resposta à ameaça de criação de fundos que
seriam anunciados como sendo cópias da Berkshire. Neste processo, eles teriam usado nosso
histórico de rendimentos, cujo passado é definitivamente impossível de ser repetido no futuro,
para atiçar pequenos investidores e teriam cobrado desses inocentes altas taxas e comissões.

Eu acredito que teria sido bem fácil para tais fundos vender muitos bilhões de dólares
em cotas, e também acredito que o sucesso que eles teriam com essa propaganda toda levaria
à criação de outros fundos mais. (No setor financeiro, tudo o que pode ser vendido, será.) Os
fundos, por sua vez, teriam indiscriminadamente despejado os montantes obtidos em suas
emissões em ações da Berkshire, que são limitadas. O resultado mais provável: uma bolha
especulativa em nossa ação. O salto no preço da ação se encaixaria na categoria de profecia
auto-realizável no sentido de que ele acabaria atraindo mais investidores inocentes e
facilmente impressionáveis, que por sua vez iriam alocar mais dinheiro nesses fundos, que por
sua vez iriam comprar mais ações da Berkshire.

Alguns acionistas da Berkshire que desejassem sair de sua posição teriam achado este
cenário ideal, uma vez que poderiam lucrar ao custo das falsas esperanças de novos
investidores. Por outro lado, os acionistas que ficassem iriam sofrer bastante quando a
realidade batesse à porta. Quando isso ocorresse, a Berkshire estaria carregada de centenas
de milhares de investidores indiretos descontentes (os que tivessem cotas em tais fundos) e
com uma reputação manchada.

Nossa emissão de ações B não apenas acabou com a venda desses tipos de fundos,
mas também ofereceu um acesso de baixo custo para as pessoas investirem na Berkshire,
caso ainda quisessem. Para reduzir o entusiasmo que as corretoras costumam ter com novas
emissões - porque é aí que elas conseguem lucrar bastante - nós formulamos nossa emissão
para ter uma comissão de apenas 1,5%, a menor recompensa que já vimos no mercado
acionário para um movimento de subscrição. Além disso, não colocamos limite na quantidade
de ações a serem emitidas, repelindo assim o típico comprador de IPO que busca ganhos de
curto prazo que surgem da combinação de expectativa e escassez.

De maneira geral, tentamos garantir que as ações B fossem compradas apenas por
investidores com perspectivas de longo prazo. E esses esforços se mostraram
recompensadores: o volume de negociação das ações B imediatamente após a oferta - uma
métrica bruta de ​flipping10 - foi bem menor do que a média de novas emissões. No fim das

10
Nome dado ao movimento de compra e venda de uma ação de IPO (ou de nova emissão) feito em um
curto espaço de tempo..
contas, arregimentamos cerca de 40.000 acionistas, e acreditamos que a maioria entende o
que comprou e compartilha de nossa visão de longo prazo.

O Salomon não poderia ter se saído melhor ao lidar com essa transação incomum.
Seus banqueiros entenderam perfeitamente o que queríamos fazer e ajustaram cada aspecto
da oferta para atingir o nosso objetivo final. Eles teriam feito muito mais dinheiro - talvez dez
vezes mais - se nossa oferta tivesse seguido o formato padrão de outras empresas. Mas os
banqueiros envolvidos sequer tentaram mudar algo que pudesse se desviar de nossa intenção
inicial. No lugar disso, eles tiveram ideias que foram contra os interesses financeiros do
Salomon, mas que garantiram que os objetivos da Berkshire fossem alcançados. Terry
Fitzgerald capitaneou esse esforço, e agradecemos a ele pelo trabalho realizado.

Dado esse contexto, não é surpresa alguma que tenhamos procurado Terry no final do
ano quando decidimos vender uma emissão de notas de crédito da Berkshire que poderiam ser
trocadas por uma parte das ações do Salomon que temos. Nesse caso, mais uma vez, o
Salomon fez um trabalho de primeira linha, vendendo U$ 500 milhões de notas com
vencimento em cinco anos por U$ 447,1 milhões. Cada nota de U$ 1.000 poderá ser trocada
por 17,65 ações e poderão ser chamadas em três anos a valores ajustados. Contando o
desconto da primeira emissão e um cupom de 1%, esses ativos terão um ​yield de 3% até o
vencimento para os investidores que não trocarem as notas por ações do Salomon. Mas
parece ser mais provável que elas serão trocadas antes do vencimento. Se isso acontecer, o
nosso custo com juros será de cerca de 1,1% no período antes da troca.

Nos últimos anos, algumas reportagens têm apontado que Charlie e eu estamos
insatisfeitos com as taxas cobradas por todos os bancos de investimento. É mentira. Nós
pagamos muitas taxas ao longo dos últimos 30 anos - começando com o cheque que
assinamos para Charlie Heder ao comprarmos a National Indemnity em 1967 - e não vemos
problema algum em fazer pagamentos que sejam proporcionais ao serviço entregue. No caso
das transações de 1996 com o Salomon Brothers, o valor desembolsado foi mais do que
recompensado.

Miscelânea

Embora tenha sido por pouco, Charlie e eu decidimos entrar no século XX. Assim,
iremos colocar os próximos resultados trimestrais e anuais da Berkshire na internet, que
poderão ser acessados no endereço ​http://www.berkshirehathaway.com​. Nós sempre iremos
“postar” o material aos sábados, de forma que os interessados tenham bastante tempo de
digerir as informações antes do pregão imediatamente seguinte. Nosso calendário de
publicações para os próximos 12 meses é 17 de maio de 1997, 16 de agosto de 1997, 15 de
novembro de 1997 e 14 de março de 1998. Também iremos publicar por lá todos os nossos
fatos relevantes.
Em algum momento iremos parar de enviar nossos relatórios trimestrais por correio e
iremos simplesmente colocá-los na internet. Isso irá cortar muitos custos. Além disso, temos
um grande número de acionistas em nome de terceiros e descobrimos recentemente que a
distribuição destes relatórios a eles é muito errática: alguns deles recebem o material semanas
depois de outros.

O problema com a distribuição feita unicamente pela internet é que muitos de nossos
acionistas não têm computador. A maioria desses investidores, no entanto, pode facilmente
obter cópias impressas dos relatórios no trabalho ou por meio de amigos. Por favor, me avise
se você deseja continuar recebendo os resultados trimestrais por correio. Nós queremos ouvir
você - a começar por saber se você sequer lê esses relatórios - e já avisamos que não iremos
fazer nenhuma mudança em 1997. Além disso, continuaremos a entregar as cartas anuais,
como esta, na forma atual, além de publicá-la na internet.

************

Cerca de 97,2% de todas as ações elegíveis participaram do programa de doações da


Berkshire de 1996. O montante arrecadado foi de U$ 13,3 milhões, e 3.910 instituições de
caridade foram beneficiadas. Uma descrição completa do programa de doações pode ser
encontrada ​nas páginas 48-49​.

Todos os anos alguns acionistas ficam de fora do programa de doações, seja porque
suas ações não estavam registrados em seus próprios nomes até a data limite, seja porque
eles não conseguiram enviar o formulário preenchido a nós no período de 60 dias. Isso é
angustiante para Charlie e para mim. Se recebemos os formulários com atraso, temos que
rejeitá-los porque não podemos abrir exceções apenas para alguns acionistas.

Para participar de programas futuros, você deve ter ações A que estejam registradas
em seu nome, não no nome de um terceiro, da corretora ou do banco. As ações que não
estiverem registradas até o dia 31 de agosto de 1997 não poderão participar do programa de
1997. Quando você receber o formulário, responda-o prontamente de forma a evitar que ele
seja deixado de lado ou esquecido.

O encontro anual

Nossa versão capitalista de Woodstock - o encontro anual da Berkshire - acontecerá na


segunda-feira, 5 de maio. Charlie e eu gostamos muito do evento e esperamos que você possa
comparecer. Iremos começar às 9:30h, com intervalo de 15 minutos ao meio-dia (haverá
comida - mas cobrada à parte, claro), e continuaremos conversando com investidores assíduos
até pelo menos 15:30h. No ano passado tivemos representantes de todos os 50 estados, assim
como da Austrália, Grécia, Israel, Portugal, Singapura, Suécia, Suíça e Reino Unido. O
encontro anual é o momento que os acionistas têm para fazer perguntas relacionadas ao
negócio e, portanto, Charlie e eu permaneceremos no palco até começarmos a balbuciar.
(Quando isso acontecer, espero que você note a diferença.)

No ano passado tivemos a presença de 5.000 pessoas e esgotamos a capacidade do


Holiday Convention Centre, mesmo utilizando três salões. Este ano, a nossa nova classe de
ações B dobrou a quantidade de acionistas. Com isso, iremos mudar a localização do encontro
para o Aksarben Coliseum, que tem capacidade para cerca de 10.000 pessoas e possui ampla
área de estacionamento. As portas se abrirão às 7:00h, e às 8:30h nós iremos exibir - por
demanda popular - um novo filme da Berkshire produzido por Marc Hamburg, nosso CFO.
(Nesta companhia, ninguém ficam incubido de apenas uma tarefa.)

Superando nossa lendária repugnância por atividades que sejam remotamente


comerciais, iremos ter uma grande variedade de produtos da Berkshire à venda no local do
evento. No ano passado quebramos todos os recordes vendendo 576 quilos de chocolate da
See’s, 1.143 pares da Dexter, U$ 29.000 de enciclopédias da World Boook e publicações do
ramo, e 700 conjuntos de facas fabricadas pela nossa subsidiária Quikut. Além disso, muitos
acionistas perguntaram a respeito dos seguros de carro da GEICO. Se você quiser checar por
possíveis descontos em seguros, traga sua apólice atual para o encontro. Estimamos que
cerca de 40% de nossos acionistas poderão economizar dinheiro fazendo seus seguros
conosco. (Nós gostaríamos de dizer 100%, mas o ramo de seguros não funciona assim: como
as seguradoras diferem em seus julgamentos de subscrição, alguns de nossos acionistas
atualmente pagam taxas que são menores do que as da GEICO.)

Um anexo ao material de divulgação enviado junto desta carta explica como você pode
obter o cartão necessário para ser admitido no evento. Como estamos esperando uma multidão
de gente, faça reservas de passagens e de hotel com antecedência. A American Express
(800-799-6634) estará à disposição para te ajudar com os preparativos. Como de costume,
teremos ônibus em todos os grandes hotéis para levá-los ao encontro, e também ao Nebraska
Furniture Mart, Borsheim’s e ao aeroporto após o fim do encontro.

A loja do NFM, com mais de 300.000 metros quadrados e localizada a cerca de dois
quilômetros do Aksarben, fica aberta das 10h às 21h nos dias de semana, das 10h às 18h aos
sábados e do meio-dia às 18h aos domingos. Nos visite e cumprimente a Sra. B (Rose
Blumkin). Ela está com 103 anos e às vezes usa uma máscara de oxigênio ligada a um tanque
em sua cadeira de rodas. Mas se você tentar manter o ritmo dela, você é quem ficará sem ar. O
NFM teve vendas de cerca de U$ 265 milhões no ano passado - um recorde para uma
operação de móveis que tem apenas uma loja - e você entenderá porquê quando ver as
mercadorias e os preços.

A Borsheim’s costuma ficar fechada aos domingos, mas irá abrir para os acionistas das
10h às 18h no dia 4 de maio. No ano passado, no “Domingo dos Acionistas”, nós quebramos
todos os recordes da Borsheim’s em termos de compras, volume de dinheiro e, sem dúvida, em
número de participantes por centímetro quadrado. Como esperamos por muitas pessoas esse
ano novamente, todos os acionistas que forem até lá no domingo deverão portar seus cartões
de admissão. Aqueles que desejarem uma experiência menos frenética terão o mesmo
tratamento especial no sábado, quando a loja ficará aberta das 10h às 17:30h, ou na
segunda-feira, das 10h às 20h. Faça uma visita esse ano e deixe Susan Jacques, CEO da
Borsehim’s, e seus hábeis colaboradores fazerem uma indolor “carteirotomia” em você.

Minha churrascaria favorita, a Gorat’s, ficou lotada no ano passado no fim de semana
do nosso encontro anual, mesmo tendo colocado mais assentos às 16h do domingo. Você
pode fazer reservas a partir do dia 1 de abril (mas não antes) no telefone 402-551-3733. Eu
estarei na Gorat’s no domingo após o evento na Borsheim’s, comendo meu tradicional T-bone
mal passado com batatas picadas e fritas. Eu também recomendo - e esse é o pedido
tradicional quando Debbie Bosanek, minha inestimável assistente, e eu vamos almoçar - o
lanche de rosbife com purê de batata e molho. Fale o nome da Debbie e você irá receber uma
concha extra de molho.

Os Omaha Royals e os Indianapolis Indians irão jogar baseball na noite de sábado, 3 de


maio, no Rosenblatt Stadium. Como de costume, farei o arremesso inicial.

Embora o Rosenblatt pareça não ter nada fora do comum, ele é o oposto disso: o
campo está em cima de uma estrutura geológica única que ocasionalmente emite curtas ondas
gravitacionais que fazem com que até o arremesso mais suave seja atraído imediatamente ao
chão. Eu fui vítima desse estranho fenômeno algumas vezes no passado, mas espero por
condições melhores este ano. Haverá muitas oportunidades para fotos no jogo, mas você
precisará de reflexos extremamente aguçados para capturar a bola após o meu arremesso.

Nosso material adicional inclui informações sobre como obter ingressos para o jogo.
Nós também iremos dar informações sobre os restaurantes que estarão abertos na noite de
domingo e sobre as várias atrações que você poderá visitar em Omaha durante o fim de
semana. Toda a equipe da Berkshire está ansiosa para recebê-lo.

Warren E. Buffett
Presidente do conselho

28 de fevereiro de 1997
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1997.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Nosso ganho em patrimônio líquido em 1997 foi de U$ 8 bilhões, o que aumentou o


valor patrimonial por ação das Classes A e B em 34,1%. Nos últimos 33 anos (isto é, desde
que assumimos a companhia), o valor patrimonial aumentou de U$ 19 para U$ 25.488, o que
resulta em uma taxa anualizada composta de 24,1%1.

Dado o nosso lucro de 34,1%, é muito tentador declarar vitória e seguir em frente. Mas
o desempenho do ano passado não foi nenhum grande triunfo: qualquer investidor pode obter
retornos polpudos quando as ações inflam de preço, como foi o caso em 1997. Em um ​bull
market​, precisamos evitar o comportamento presunçoso do pato que grasna de maneira
ostentadora depois de uma tempestade achando que suas habilidades aquáticas o fizeram
subir de nível. Um pato racional, por outro lado, iria comparar a sua posição, após a água em
excesso escoar, com o nível dos outros patos na lagoa.

Dessa forma, qual a nossa classificação “patal” em 1997? ​A tabela na primeira página
mostra que embora tenhamos nadado furiosamente no ano passado, os patos passivos que
simplesmente investiram no índice S&P subiram quase tão rapidamente quanto nós. Nossa
avaliação do desempenho de 1997 é, então, o seguinte: quack.

Quando o mercado sobe, a nossa tendência é sofrer em comparação com o índice S&P.
O índice não tem custos tributários, e nem os fundos mútuos que investem nele, uma vez que
eles repassam todos os custos de impostos aos cotistas. No ano passado, por outro lado, a
Berkshire pagou ou acumulou U$ 4,2 bilhões de impostos federais sobre a receita obtida,
número esse que representava cerca de 18% do nosso patrimônio líquido.

A Berkshire sempre terá de pagar impostos corporativos, o que significa que ela precisa
superá-los de forma a justificar sua existência. É óbvio, no entanto, que Charlie Munger,
vice-presidente da Berkshire e meu sócio, e eu não conseguiremos alcançar esse objetivo
todos os anos. Porém, ao longo do tempo, temos a expectativa de manter uma modesta
vantagem em relação ao índice, e essa é a métrica com a qual você deve nos avaliar. Mas
fique tranquilo, não iremos pedir que você adote a filosofia do torcedor do Chicago Cubs2 que
reagiu a uma série de temporadas meio apagadas do time com: “Por que ficar triste? Todo
mundo passa por um século ruim de vez em quando.”

1
Todos os valores mencionados nesta carta se referem às ações Classe A da Berkshire, que são as
sucessoras do único tipo de ações que a companhia tinha em circulação antes de 1996. As ações da
Classe B possuem um valor econômico de 1/30 de A.
2
Time de baseball.
Ganhos no valor patrimonial não são o item principal na Berkshire. O que realmente
importa é o ganho de valor intrínseco por ação. No entanto, as duas métricas tendem a andar
mais ou menos juntas, e foi isso que aconteceu em 1997: liderado por um desempenho
espetacular da GEICO, o valor intrínseco da Berkshire (que é bem maior do que o valor
patrimonial) cresceu quase que na mesma proporção que este.

Para mais explicações do termo “valor intrínseco”, você pode consultar o Manual do
Acionista, replicado aqui ​nas páginas 62 a 71​. Esse manual define os princípios da empresa e
apresenta informações que são importantes a todos os acionistas da Berkshire.

Nas nossas duas últimas cartas, fornecemos uma tabela que Charlie e eu acreditamos
ser fundamental para estimar o valor intrínseco da Berkshire. Na versão atualizada da tabela a
seguir, mostramos os dois componentes principais de valor. A primeira coluna lista a nossa
participação em investimentos por ação (incluindo caixa e equivalentes de caixa). A segunda
coluna mostra os ganhos operacionais por ação de todos os negócios da Berkshire antes de
impostos e ajustes de preço de compra (discutidos ​nas páginas 69 e 70​), mas já descontados
todos os gastos corporativos e com juros. A segunda coluna exclui ainda todos os dividendos,
juros e ganhos de capital que tivemos com os investimentos da primeira coluna. No fim das
contas, as colunas mostram como a Berkshire seria se fosse dividida em duas partes, a
primeira sendo uma ​holding de todos os nossos investimentos e a segunda operando todos os
nossos negócios e tendo todos os custos corporativos.

Os eruditos que ignoram o que os nossos 38.000 funcionários contribuem para a


companhia e encaram a Berkshire simplesmente como uma empresa de investimentos
deveriam estudar os valores da segunda coluna. Nós fizemos a nossa primeira aquisição de
um negócio em 1967, e desde então os nossos ganhos operacionais antes de impostos
cresceram de U$ 1 milhão para U$ 888 milhões. Além do mais, neste exercício atribuímos
todos as despesas corporativas da Berkshire - custo de U$ 6,6 milhões, juros de U$ 66,9
milhões e doações dos acionistas de U$ 15,4 milhões - às operações de nossos negócios,
muito embora uma parte desses custos poderiam muito bem ter sido alocados no lado dos
investimentos.

Eis as taxas de crescimento dos dois segmentos por década:


Durante 1997, ambas as partes da empresa cresceram a taxas satisfatórias, com os
investimentos aumentando U$ 9.543 por ação, ou 33,5%, e os ganhos operacionais
aumentando U$ 296,43 por ação, ou 70,3%. Uma ressalva importante: como tivemos sorte no
nosso ramo de seguros super-cat (o que será discutido mais à frente), e como o ganho de
subscrição da GEICO foi muito maior do que esperávamos, os nossos ganhos operacionais de
1997 foram muito melhores do que tínhamos previsto, maiores inclusive do que esperamos
para 1998.

A nossa taxa de crescimento, tanto em investimento quanto em operações, certamente


irá cair no futuro. Para quem aloca capital, nada freia tanto o crescimento quanto o sucesso.
Minha própria história é um exemplo disso: em 1951, quando frequentava as aulas da Ben
Graham em Columbia, uma ideia que me desse um ganho de U$ 10.000 era suficiente para
que meu retorno no ano fosse de 100%. Atualmente, uma ideia que produza lucros de U$ 500
milhões antes de impostos para a Berkshire é responsável por apenas um ponto percentual em
nosso desempenho. Não é de se estranhar que os resultados anuais da década de 1950 sejam
quase 30% melhores do que meus ganhos anuais em qualquer década subsequente. A
experiência de Charlie foi semelhante. Nós não éramos mais inteligentes quando éramos mais
novos. Nós simplesmente tínhamos uma base de capital menor. No nosso tamanho atual,
qualquer desempenho superior que tivermos será pequeno.

Nós seremos ajudados, porém, pelo fato de que os negócios nos quais já alocamos
capital - tanto subsidiárias quanto empresas em que somos investidores passivos - possuem
prospectos de longo prazo maravilhosos. Nós também somos privilegiados com um corpo de
gestores que é insuperável em habilidade e foco. A maioria desses executivos são ricos e não
precisam mais da remuneração da Berkshire para manter seus atuais estilos de vida. Eles são
motivados pela alegria de conquistar algo, não por fama ou fortuna.

Embora estejamos muito satisfeitos com o que temos atualmente, não estamos muito
empolgados com os prospectos de alocar capital no momento. Os preços estão altos, tanto
para a compra de negócios inteiros quanto para a compra de participações em empresas via
mercado acionário. Isso não significa que os preços de qualquer uma dessas categorias irá cair
- nós não temos absolutamente nenhuma previsão a respeito disso - mas significa que teremos
ganhos potenciais relativamente pequenos com novos investimentos.

Nessas circunstâncias, tentamos exercer uma disciplina do estilo Ted Williams. Em seu
livro ​The Science of Hitting​, Ted explica que ele dividiu sua área de rebate em 77 células, cada
uma do tamanho de uma bola de baseball. Rebater as bolas que passassem apenas por sua
“melhor” célula, sabia ele, iria permitir que ele alcançasse uma ​batting average de .400; rebater
bolas em sua “pior” célula, fora da sua zona de ​strike​, iria reduzir o resultado para .230. Em
outras palavras, esperar pelos melhores arremessos significaria alcançar a glória no esporte;
rebater qualquer bola, por outro lado, significaria ficar jogando apenas nas ligas menores.

Os “arremessos” de empresas que enxergamos agora estão todos em células ruins. Se


rebatermos a bola, estaremos fadados a retornos baixos. Mas se deixarmos todas as bolas
passarem hoje, não há garantia alguma de que as que veremos amanhã serão melhores.
Talvez os preços atrativos do passado eram as aberrações, não os preços altos de hoje.
Diferentemente de Ted, no entanto, não perderemos pontos se deixarmos passar os
arremessos que não estiverem em uma boa célula; mesmo assim, simplesmente ficar lá, dia
após dia, com o bastão envolto nos ombros não é a definição de algo divertido.

Investimentos incomuns

Quando não conseguimos encontrar nosso tipo de investimento favorito - um negócio


bem tocado a um preço razoável com bons fundamentos econômicos - nós normalmente
optamos por colocar dinheiro novo em instrumentos de curtíssimo prazo com alta qualidade. Às
vezes, no entanto, nos aventuramos em outras coisas. Obviamente, quando fazemos isso,
acreditamos que as alternativas de investimentos têm mais chances de darem lucro do que
prejuízo. Mas também sabemos que eles não oferecem a certeza de lucro que existe em
negócios maravilhosos obtidos a preços racionais. Quando encontramos essa oportunidade,
temos a certeza de que iremos fazer dinheiro - a única questão é quando. Com investimentos
alternativos, nós apenas temos a expectativa de fazer dinheiro. Mas também reconhecemos
que iremos, às vezes, ter prejuízos, alguns ocasionalmente de tamanho considerável.

Nós tínhamos três posições não tradicionais ao final do ano. A primeira era de contratos
derivativos de 14 milhões de barris de petróleo, que foi o que restou de uma posição de 45,7
milhões de barris que tínhamos em 1994-95. Contratos para 31,7 milhões de barris foram
celebrados em 1995-97, o que nos deu um lucro antes de impostos de cerca de U$ 61,9
milhões. Os contratos restantes vencem em 1998 e 1999. Com esses, tivemos um lucro não
realizado de U$ 11,6 milhões ao final do ano. As regras contábeis exigem que as posições em
commodities sejam carregadas a valor de mercado. Dessa forma, as nossas declarações
financeiras trimestrais e anuais sempre refletem qualquer lucro ou prejuízo não realizado com
essas posições até o momento. Quando obtivemos esses contratos, o petróleo a ser entregue
futuramente parecia moderadamente subavaliado. Hoje, no entanto, não podemos dizer o
mesmo a respeito de sua atratividade.

Nosso segundo investimento não tradicional está em prata. No ano passado,


compramos 111,2 milhões de onças3. Marcada a mercado, essa posição produziu um lucro
antes de impostos de U$ 97,4 milhões para nós em 1997. De certa forma, isso é uma viagem
ao passado para mim: trinta anos atrás, comprei prata porque havia previsto sua
desmonetização pelo governo americano. Desde então, eu tenho acompanhado os
fundamentos da indústria de metais, mas sem comprá-los. Nos anos recentes, os estoques de
metais preciosos caiu vertiginosamente, e no verão passado Charlie e eu concluímos que um
preço mais alto seria necessário para estabelecer um equilíbrio entre oferta e demanda. Vale
notar que as expectativas de inflação não entram em nosso cálculo do valor da prata.

Por fim, nossa maior posição não tradicional no final do ano foi de U$ 4,6 bilhões, a
custo amortizado, de títulos cupom-zero de longo prazo do Tesouro. Esses títulos não pagam
juros semestrais. No lugar disso, eles dão retorno aos investidores por meio do desconto ao
qual são oferecidos, uma característica que faz com que seus preços de mercado se mexam
rapidamente quando as taxas de juros mudam. Se os juros aumentam, você perde fortemente
com esses títulos. Por outro lado, se os juros caem, você tem lucros muito grandes. Como os
juros caíram em 1997, fechamos o ano com lucros de U$ 598,8 milhões com nossos títulos
cupom-zero. Como os carregamos a valor de mercado, esse ganho se refletiu no valor
patrimonial.

Ao comprar esses títulos, ao invés de ficar com equivalentes de caixa, corremos o risco
de fazer besteira: um investimento tão macro como esse nunca tem uma probabilidade próxima
de 100% de dar certo. No entanto, vocês pagam a Charlie e a mim para usarmos nosso bom
senso - não para evitar constrangimentos - e nós ocasionalmente iremos fazer movimentos não
convencionais quando acreditarmos que as chances estão a nosso favor. Pense com carinho a
respeito de nós quando fizermos algo assim. Assim como o presidente Clinton, iremos sentir a
sua dor: a família Munger tem mais de 90% do seu patrimônio alocado na Berkshire, e a família
Buffet, mais de 99%.

O que pensamos sobre as flutuações de mercado

Uma pergunta rápida: se você fosse comer hambúrguer pro resto da vida e não fosse
um produtor de bovinos, você iria preferir preços mais altos ou mais baixos para a carne? De
forma semelhante, se você fosse trocar de carro de tempos em tempos e não fosse uma
fabricante de automóveis, você iria preferir ter preços mais altos ou mais baixos? Essas
perguntas, é claro, se respondem por si mesmas.

3
Cada onça corresponde, aproximadamente, a 28 gramas.
Mas eis o teste final: se você pretende ser um poupador disciplinado durante os
próximos cinco anos, você iria querer um mercado em alta ou em baixa no período? Muitos
investidores erram aqui. Muito embora eles virão a ser compradores de ações por anos e anos,
eles ficam eufóricos quando o mercado sobe e deprimidos quando cai. Eles ficam felizes
quando os preços dos hambúrgueres que eles irão comer em breve sobem. Essa reação não
faz sentido. Apenas aqueles que pretendem vender ações em um futuro próximo é que devem
ficar felizes ao ver os preços subirem. Os compradores em potencial, por outro lado, devem
preferir preços em queda.

Para os acionistas da Berkshire que não pretendem se desfazer de suas ações, a


resposta é ainda mais clara. Para começo de conversa, nossos acionistas estão
automaticamente poupando, mesmo se gastarem até o último centavo de seus salários: a
Berkshire “poupa” para eles ao reter todos os lucros, usando-os para comprar outras empresas
ou participações acionárias minoritárias. Fica claro que quanto mais economizarmos nessas
compras, maior será o lucro da poupança indireta dos acionistas.

Além disso, por meio da Berkshire você tem acesso a grandes posições em empresas
que consistentemente recompram suas ações. Os benefícios que esses programas nos dão
crescem conforme os preços caem: quando os preços das ações estão baixos, os recursos que
uma empresa investida gasta em recompras aumenta nossa participação na empresa em um
fator maior do que seria caso os preços estivessem altos. Por exemplo, as recompras que a
Coca-Cola, The Washington Post e Wells Fargo fizeram nos últimos anos a preços bem baixos
beneficiaram a Berkshire muito mais do que as recompras de hoje, que são feitas a preços
mais elevados.

Ao final de cada ano, cerca de 97% das nossas ações permanecem nas mãos dos
mesmos investidores que as tinham no início do ano. Isso os torna poupadores. Assim sendo,
eles devem comemorar quando o mercado cai, o que permite a nós e nossas empresas
investidas a alocar capital de forma mais vantajosa.

Portanto, sorria quando ver uma manchete do tipo “Investidores perdem dinheiro com
mercado em queda”. Reescreva-a em sua mente como “Des-investidores perdem dinheiro com
o mercado em queda - mas investidores ganham”. Embora os jornalistas frequentemente se
esqueçam disso, sempre há um comprador para cada vendedor, e o que prejudica um
necessariamente beneficia outro. (Como dizem em partidas de golfe: “Todo ​putt4 faz alguém
feliz.”)

Nós tivemos ganhos enormes com os preços baixos que foram colocados nos ativos e
negócios nas décadas de 1970 e 1980. O mercado, que na época era hostil a investidores
transitórios, era amigável a quem buscava por posições permanentes. Nos anos recentes, os
movimentos que fizemos naquelas décadas foram validadas, mas encontramos poucas novas

4
Movimento que envolve uma batida leve na bola para que ela caia suavemente no buraco.
oportunidades desde então. Em seu papel de “poupadora” corporativa, a Berkshire
continuamente busca por formas inteligentes de alocar capital, mas pode demorar um pouco
para encontrarmos oportunidades que realmente deixe-nos animados.

Setor de seguros - Visão geral

O que nos anima, no entanto, é o nosso setor de seguros. A GEICO está voando, e a
expectativa é que ela continue assim. Antes de falar mais a respeito disso, vamos discutir a
respeito do ​float e como medimos seu custo. A menos que você entenda isso perfeitamente,
será impossível a você tomar uma decisão bem informada a respeito do valor intrínseco da
Berkshire.

Para começo de conversa, ​float é o dinheiro que fica conosco, mas não é nosso. Em
uma operação de seguros, o ​float surge porque os prêmios são recebidos antes do pagamento
dos sinistros, um intervalo que pode, às vezes, se estender por muitos anos. Durante esse
tempo, a seguradora investe esse dinheiro. Normalmente, essa prazerosa atividade tem um
lado negativo: os prêmios que uma seguradora recebe não costumam cobrir as despesas e
prejuízos que ela deve pagar. Isso a deixa com um prejuízo de ​underwriting (subscrição), que é
o custo do ​float​. Uma seguradora tem valor se o custo de seu ​float ao longo do tempo
conseguir ser menor do que a empresa teria de arcar caso obtivesse os recursos de outra
maneira. Mas a empresa se transforma em um verdadeiro abacaxi se o custo do ​float for maior
do que a taxa básica de juros de empréstimo.

Um aviso se faz apropriado aqui: como os custos com sinistros precisam ser estimados,
as seguradoras têm uma dificuldade enorme em descobrir seus resultados de ​underwriting​, o
que torna muito difícil ao investidor calcular o verdadeiro custo do ​float​. Estimar erros, às vezes
pequenos, às vezes não, pode ter um custo gigantesco. As consequências desses erros de
cálculo se refletem diretamente nos lucros. Um observador mais experiente costuma ser capaz
de identificar erros grosseiros em provisionamentos, mas o público geral normalmente não
consegue fazer nada mais do que aceitar os números que lhes são apresentados, e de vez em
quando eu fico abismado com os números que auditorias famosas classificam como válidos.
Na Berkshire, Charlie e eu tentamos ser conservadores ao apresentar os resultados de
underwriting a vocês, pois a esse ponto já sabemos que virtualmente todas as surpresas no
ramo de seguros são desagradáveis.

Como os números na tabela a seguir mostram, o setor de seguros da Berkshire tem


sido um grande vencedor. Na tabela, calculamos nosso ​float - que é gerado em um grande
volume comparado com os prêmios - da seguinte maneira: somamos nossas reservas de
sinistros, ajustes da reserva de sinistros, recursos detidos por meio de resseguros que
assumimos e reservas de prêmios ainda não ganhos e subtraímos a folha de pagamento dos
agentes seguradores, custos de aquisição, impostos pré-pagos e cobranças diferidas aplicáveis
aos resseguros assumidos. Nosso custo do ​float é determinado pelo lucro ou prejuízo com
underwriting​. Nos anos em que tivemos lucro, como nos últimos cinco, o custo do ​float tem sido
negativo. No fim das contas, recebemos para segurar o dinheiro.

Desde 1967, quando entramos no ramo de seguros, nosso ​float cresceu a uma taxa
anualizada composta de 21,7%. E o melhor, não nos custou nada; na verdade, ele fez dinheiro
para nós. E nisso encontramos uma ironia contábil: embora o ​float seja mostrado em nossos
balanços como um passivo, ele teve um valor para a Berkshire maior do que um montante igual
em patrimônio teria.

O vencimento de alguns grandes contratos irá fazer o nosso ​float diminuir no primeiro
trimestre de 1998, mas a nossa expectativa é de que ele continue crescendo substancialmente
no longo prazo. Também acreditamos que o nosso custo de ​float continuará sendo altamente
favorável.

Seguros super-cat

Ocasionalmente, o custo de nosso ​float irá disparar. Isso irá ocorrer por conta do nosso
grande envolvimento com o ramo super-cat, que é por natureza o mais volátil entre todas as
linhas de seguros. Nesse tipo de operação, vendemos apólices que empresas seguradoras e
resseguradoras compram para limitar seus prejuízos quando uma mega-catástrofe ocorre. A
Berkshire é a opção preferida de clientes sofisticados: quando o “​big one​”5 acontecer, a força
financeira das subscritoras de super-cat será testada, e a Berkshire não tem igual nesse
aspecto.

Como catástrofes de proporções realmente colossais ocorrem com pouca frequência,


nosso ramo super-cat irá gerar grandes lucros na maioria dos anos - até ter um prejuízo
gigantesco. Em outras palavras, a atratividade do nosso ramo super-cat levará muitos anos
para ser medida. O que você precisa entender, porém, é que um ano realmente horrível em
super-cat não é apenas uma possibilidade - é uma certeza. A única questão é saber quando irá
ocorrer.

No ano passado, tivemos muita sorte com nossos seguros super-cat. O mundo não
sofreu nenhuma catástrofe que causou grandes danos aos segurados, de forma que todos os
prêmios que recebemos se transformaram em lucro. Esse agradável resultado, no entanto,
possui um lado negro. Muitos investidores “inocentes” - isto é, que confiam nos discursos de
venda ao invés de seus próprios conhecimentos com subscrição - entraram no ramo de
resseguros por meio da compra de papéis chamados de “títulos de catástrofe”. A primeira
palavra desse termo é, na verdade, uma ressignificação Orwelliana: um título de verdade
obriga o emissor a pagar; já esses títulos de catástrofe são contratos que contém apenas
promessas provisórias de pagamento.

Esse arranjo conturbado surgiu porque os vendedores de tais títulos quiseram contornar
leis que proíbem a subscrição de seguros por entidades que não foram licenciadas pelo
Estado. Uma vantagem que os vendedores têm é que chamar o contrato de seguro de “título”

5
Nome dado ao terremoto de grandes proporções que irá ocorrer no estado da Califórnia, que possui
grandes falhas geológicas em sua extensão.
pode fazer com que investidores mal informados acreditem que esse instrumento tenha um
risco muito menor, sendo que a verdade é exatamente o oposto disso.

Riscos realmente grandes irão existir nesses contratos caso eles não sejam precificados
adequadamente. Um aspecto pernicioso do seguro contra catástrofes faz com que uma
precificação mal feita, mesmo de grandes proporções, leve muito tempo para ser identificada.
Considere, por exemplo, a chance de somar 12 com dois dados - 1 em 36. Assuma agora que
os dados serão jogados apenas uma vez por ano; que você, o “comprador do título”, aceita
pagar U$ 50 milhões caso o 12 aconteça; e que para “assumir” esse risco você receba um
“prêmio” anual de U$ 1 milhão. Isso significaria que você teria cobrado muito barato pelo risco
assumido. Mesmo assim, você poderia continuar por anos acreditando que estava ganhando
um bom dinheiro - na verdade, dinheiro fácil. Há uma probabilidade de 75,4% de que você
passaria uma década sem ter de desembolsar um centavo sequer. No entanto, eventualmente
você iria falir.

Nesse exemplo dos dados, as chances são fáceis de calcular. Já os cálculos


envolvendo furacões monstruosos e terremotos são muito mais complexos, e o melhor que
podemos fazer na Berkshire é estimar um intervalo de probabilidades de tais eventos. A falta
de informações precisas, somada à raridade de tais catástrofes, favorece muito os sabichões,
que normalmente se utilizam de um “expert” para explicar as probabilidades de prejuízo aos
potenciais compradores de títulos. O expert não coloca dinheiro algum na mesa. Pelo contrário,
ele recebe um pagamento adiantado, que é dele, não importa o quão errada seja sua previsão.
Surpresa: quando as apostas são altas, um expert sempre pode ser encontrado para afirmar -
voltando ao nosso exemplo dos dados - de que a chance da soma ser 12 não é e 1 em 36, mas
de 1 em 100. (Para sermos justos, devemos acrescentar que o expert provavelmente irá
realmente acreditar que suas previsões estão corretas, um fato que o torna um pouco menos
repreensível - mas mais perigoso.)

O influxo de dinheiro “de investidor” em títulos de catástrofes - que podem se


transformar em títulos catastróficos - fez com que os preços de seguros super-cat se
deteriorassem de forma material. Por conta disso, iremos subscrever menos contratos em
1998. Mas temos alguns grandes contratos plurianuais que irão mitigar essa queda. Os
maiores são duas apólices que descrevemos na carta do ano passado - uma cobrindo os
furacões na Flórida e a outra, assinada com a California Earthquake Authority (CEA), cobrindo
furacões neste estado. Nosso “pior cenário” continua sendo de cerca de U$ 600 milhões após
impostos, que é o máximo que podemos perder com a apólice da CEA. Embora esse potencial
de prejuízo possa parecer grande, ele representa apenas cerca de 1% do valor de mercado da
Berkshire. Na verdade, se tivermos preços apropriados, estaremos dispostos a aumentar de
maneira significativa a nossa exposição ao pior cenário.

Nosso ramo de super-cat foi criado do zero por Ajit Jain, que tem contribuído para o
sucesso da Berkshire de várias maneiras diferentes. Ajit possui a disciplina de desistir de uma
apólice que está precificada inadequadamente e a criatividade de conseguir encontrar outras
oportunidades. De forma direta e simples, ele é um dos maiores ativos da Berkshire. Ajit teria
uma carreira estelar em qualquer setor que escolhesse; para nossa sorte, ele gosta de
seguros.

Seguros - GEICO (1-800-555-2756) e outras operações primárias

No ano passado, escrevi a respeito de Tony Nicely, que trabalha na GEICO, e suas
incríveis habilidades gerenciais. Se eu soubesse o que ele faria por nós em 1997, teria buscado
por superlativos ainda mais grandiosos. Tony, agora com 54 anos, está na GEICO há 36, e o
ano passado foi o seu melhor. Como CEO, ele transmitiu sua visão, energia e entusiasmo para
todos os membros da família GEICO - expandindo o ideal do que já havia sido atingido para o
que ainda poderia se atingir.

Nós medimos o desempenho da GEICO primeiro pelo aumento nas apólices de carro
voluntárias (isto é, excluindo aquelas que nos são designadas pelo Estado), e segundo pela
lucratividade de contratos “envelhecidos” do setor auto, que são apólices que estão conosco há
mais de um ano e que passaram do período em que os custos de aquisição as tornam
perdedoras de dinheiro. Em 1996, os contratos ​in-force6 aumentaram em 10%, e eu comentei
como estava satisfeito com o resultado uma vez que essa taxa estava muito acima do que
havíamos visto em duas décadas. Até que, em 1997, o crescimento saltou para 16%.

Mostramos a seguir os valores de contratos novos e ​in-force​ nos últimos cinco anos:

É claro que qualquer seguradora pode crescer rapidamente se for descuidada com a
subscrição. O lucro com ​underwriting da GEICO no ano foi, no entanto, de 8,1% dos prêmios,
muito acima de sua média. Para ser sincero, esse percentual foi maior do que gostaríamos: o
nosso objetivo é repassar a maioria dos benefícios da nossa operação de baixo custo para
nossos clientes, ficando com um lucro de ​underwriting ​de cerca de 4%. Com isso em mente,
reduzimos um pouco as nossas taxas médias durante 1997, e poderemos reduzi-las de novo

6
Total acumulado de apólices que foram totalmente pagas ou que estão em vias de serem totalmente
quitadas.
este ano. Obviamente, nossas taxas variam de acordo com o segurado e onde ele/ela mora;
nós nos esforçamos para cobrar uma taxa que reflete de maneira apropriada a expectativa de
prejuízo com cada motorista.

A GEICO não é a única seguradora de carros que tem obtido resultados favoráveis
ultimamente. No ano passado, a indústria teve lucros muito acima do que era esperado e acima
também do que é sustentável. Uma competição mais acirrada irá, em breve, espremer as
margens de forma muito significativa. Mas isso é algo que abraçamos: no longo prazo, um
mercado difícil ajuda os operadores da baixo custo, que é o que somos e queremos continuar
sendo.

No ano passado eu contei a vocês a respeito da participação recorde nos lucros de


16,9% que os funcionários da GEICO haviam ganhado e expliquei que duas variáveis muito
simples foram responsáveis pelo resultado: crescimento no número de apólices e lucratividade
de contratos “envelhecidos”. Eu expliquei ainda que os resultados de 1996 foram tão
extraordinários que tivemos que aumentar o gráfico de retornos possíveis. Mas o novo desenho
não foi suficiente em 1997: nós expandimos os limites do gráfico novamente e demos aos
nossos 10.500 colaboradores uma participação nos lucros de 26,9% em relação ao seus
respectivos salários-base. O montante total foi de U$ 71 milhões. Além do mais, as mesmas
duas variáveis - crescimento no número de apólices e lucratividade dos contratos envelhecidos
- determinaram os bônus em dinheiro que pagamos a dezenas de executivos de alto escalão,
começando por Tony.

Na GEICO, pagamos as compensações de uma maneira que faça sentido para nossos
acionistas e nossos gerentes. Nós distribuímos distintivos de mérito, não bilhetes de loteria: em
nenhuma subsidiária da Berkshire nós atrelamos os salários ao preço da ação, algo que
nossos colaboradores não conseguem controlar. No lugar disso, nós atrelamos bônus ao
desempenho de cada unidade, que é o produto direto das pessoas que delas participam.
Quando o desempenho é excelente - como tem sido o caso da GEICO - Charlie e eu adoramos
assinar cheques polpudos.

A lucratividade das subscrições da GEICO provavelmente cairá em 1998, mas o


crescimento da empresa pode se acelerar. A ideia é pisar no acelerador: os gastos da GEICO
com propaganda este ano irão superar U$ 100 milhões, um orçamento 50% maior do que era
em 1997. Nosso ​market share atualmente é de apenas 3%, nível de penetração que iremos
aumentar dramaticamente na próxima década. A indústria de seguros de carro é enorme - com
um volume anual de cerca de U$ 115 bilhões - e existem dezenas de milhões de motoristas
que poderão economizar bastante trocando suas atuais apólices pelas nossas.

************

Na carta de 1995, eu comentei de uma enorme dívida que você e eu devemos a


Lorimer Davidson. Na manhã de um sábado em 1951, ele pacientemente me explicou o
funcionamento da GEICO e da indústria de seguros para mim - um estranho de 20 anos que
havia chegado no escritório da GEICO sem avisar e sem ser convidado. Davy se tornou depois
o CEO da empresa e continuou sendo meu amigo e professor por 47 anos. As enormes
recompensas que a GEICO deu para a Berkshire não teriam se materializado caso ele não
tivesse compartilhado de sua generosidade e sabedoria. Na verdade, se eu não tivesse
conhecido Davy, pode ser que eu nunca tivesse me interessado pelo setor de seguros, que ao
longo dos anos teve um papel fundamental no sucesso da Berkshire.

Davy completou 95 anos e é difícil para ele viajar. Mesmo assim, Tony e eu esperamos
convencê-lo a vir ao nosso encontro anual, de forma que nossos acionistas possam
agradecê-lo adequadamente por suas importantes contribuições para a Berkshire. Nos deseje
sorte.

************

Embora elas sejam bem menores do que a GEICO, nossas outras operações primárias
de seguros entregaram resultados no ano passado que, somados, foram tão bons quanto os da
GEICO em si. A tradicional National Indemnity teve um lucro em subscrição de 32,9% e, como
de costume, obteve um grande montante de ​float em comparação ao volume de prêmios. Nos
últimos três anos, a empresa, tocada por Don Wurster, teve um lucro anualizado composto de
24,3%. Nossa operação em Nebraska, administrada por Rod Eldred, registrou um lucro em
subscrição de 14,1%, mesmo depois de absorver os custos de expansão geográfica. O
histórico de três anos de Rod é de incríveis 15,1%. A ramo da Berkshire de auxílio-acidente,
gerido na Califórnia por Brad Kinstler, teve um pequeno prejuízo com subscrição em um
ambiente desafiador; seu histórico de ​underwriting de três anos é de 1,5% positivo. John Kizer,
da Central States Indemnity, registrou um novo recorde de volume e gerou bons lucros com
underwriting​. Na Kansas Bankers Surety, Don Towle mais do que cumpriu as expectativas que
tínhamos quando compramos a companhia em 1996.

Ao todo, essas cinco operações tiveram um lucro com subscrição de 15%. Os dois
Dons, juntos de Rod, Brad e John criaram um valor significativo para a Berkshire, e
acreditamos que há mais por vir.

Fontes dos ganhos reportados

A tabela a seguir mostra as principais fontes dos ganhos reportados pela Berkshire.
Nesse formato de apresentação, os ajustes de preço de compra não são atribuídos às
empresas específicas a que se aplicam, mas são somados e mostrados em separado. Esse
procedimento permite que você veja os resultados das companhias da forma que elas iriam
reportar caso nós não as tivéssemos comprado. Por razões discutidas ​nas páginas 69 e 70​,
essa forma de apresentação nos parece mais útil aos investidores e gestores do que a que
utiliza o GAAP7, que requer que os ajustes sejam feitos empresa a empresa. O lucro total que
mostramos na tabela é, claro, idêntico ao valor GAAP total que consta em nossos balanços
financeiros auditados.

(1) A partir da data de aquisição, 23 de dezembro de 1996.


(2) Inclui a Star Furnitures a partir de 1 de julho de 1997.
(3) Exclui gastos com juros do ramo financeiro.

De maneira geral, nossas operações continuaram a ter um desempenho excepcional,


muito acima da média da indústria. E ficamos muito satisfeitos em informar que os lucros
melhoraram na Helzberg’s após um 1996 decepcionante. Jeff Comment, CEO da Helzberg’s,
tomou atitudes decisivas em 1997 que permitiram ao negócio ganhar um impulso relevante
próximo ao importante período próximo ao Natal. E no início deste ano as vendas continuaram
fortes também.

7
Generally Accepted Accounting Principles (ou Termos Contábeis Normalmente Aceitos). Conjunto de
regras contábeis para a apresentação e padronização dos resultados das empresas.
Um observador mais casual pode não perceber o quão extraordinário foi o desempenho
de muitos de nossos negócios: se o histórico de lucros do, digamos, Buffalo News ou Scott
Fetzer fossem comparados com os históricos de suas equivalentes com capital aberto, o
desempenho poderia parecer em linha com o mercado. Mas a maioria das empresas
negociadas em bolsa retêm dois terços ou mais de seus lucros para financiar seu crescimento.
Por outro lado, as subsidiárias da Berkshire distribuíram 100% de seus lucros para nós, a
empresa-mãe, para financiar o nosso crescimento.

Com efeito, os históricos das companhias abertas revelam os benefícios acumulados


dos lucros que elas retiveram, enquanto que os históricos das nossas subsidiárias não
possuem essa benesse. Com o tempo, porém, os lucros que essas subsidiárias distribuíram
criaram montantes realmente grandes de capacidade lucrativa em outros setores da Berkshire.
O News, See’s e Scott Fetzer nos pagaram, sozinhas, U$ 1,8 bilhão, que nós proveitosamente
aplicamos em outros lugares. Nós devemos uma enorme gratidão a seus gestores por muito
mais do que os lucros mostrados na tabela.

Informações adicionais sobre nossos vários negócios são dadas ​nas páginas 36-50​,
onde você irá encontrar também os lucros por segmento na base GAAP. Além disso, ​nas
páginas 55-61​, nós rearranjamos os dados financeiros da Berkshire em quatro segmentos em
uma base não-GAAP. Essa forma de apresentação corresponde à maneira com que Charlie e
eu pensamos a respeito da companhia. Nossa intenção é dar a vocês as mesmas informações
financeiras que gostaríamos de receber caso estivéssemos em seus lugares.

Ganhos ​look-through

Os ganhos reportados são uma métrica ruim do progresso econômico na Berkshire, em


parte porque os números mostrados na tabela anterior incluem apenas os dividendos recebidos
de nossas empresas investidas - e esse montante normalmente representa apenas uma
pequena fração dos lucros que são atribuíveis às nossas participações. Não nos importamos
muito com essa divisão de dinheiro, até porque consideramos os lucros não distribuídos por
nossas investidas mais valiosos a nós do que a porção que nos é paga. A razão é simples:
nossas investidas têm, com frequência, a oportunidade de reinvestir seus lucros a taxas mais
altas de retorno. Nessa situação, por que iríamos querer que elas os distribuíssem?

Para ilustrar algo mais próximo à realidade econômica da Berkshire do que os ganhos
reportados, nós utilizamos o conceito de ganhos “​look-through”​ . A forma de calculá-los é: (1) os
ganhos operacionais reportados na seção anterior, somados com; (2) nossas participações nos
lucros não distribuídos das investidas que, sob as regras GAAP, não aparecem em nossos
balanços, subtraídos de; (3) uma equivalência de imposto que a Berkshire pagaria caso os
ganhos retidos pelas investidas fossem distribuídos a nós. Quando nos referimos a ganhos
operacionais, excluímos os ajustes de preço de compra, assim como ganhos de capital e
outros itens não recorrentes.

A tabela a seguir mostra nossos ganhos ​look through de 1997, embora eu já avise que
os números apresentados são apenas estimativas, afinal eles são baseados em um número de
premissas qualitativas. (Os dividendos pagos a nós por essas investidas foram incluídos nos
ganhos operacionais itemizados ​na página 11​, principalmente em “Insurance Group: Net
Investment Income.”)

(1) Não inclui as ações de posições minoritárias


(2) Calculada no tamanho médio das posições ao longo do ano
(3) A faixa de tributação usada foi de 14%, que é o percentual que a Berkshire paga pelos
dividendos que recebe

Aquisições de 1997

Em 1997, adquirimos a Star Furnitures e a International Dairy Queen (cuja negociação


foi finalizada no começo de 1998). Ambos os negócios passam por nosso crivo: são fáceis de
entender; têm excelentes fundamentos econômicos; e são tocados por pessoas excepcionais.

A transação da Star tem uma história interessante. Sempre que compramos alguma
empresa em uma indústria cujos líderes eram desconhecidos por mim até então, eu sempre
pergunto aos nossos novos sócios: “Há mais de onde você veio?” Quando compramos o
Nebraska Furniture Mart em 1983, a família Blumkin me falou de três lojas de móveis
excelentes em outras partes do país. No entanto, nenhuma delas estava à venda na época.

Muitos anos depois, Irv Blumkin descobriu que Bill Child, CEO da R.C. Willey - uma das
três empresas mencionadas - poderia estar interessado em uma fusão, e nós prontamente
fechamos negócio, que foi descrito na carta de 1995. Estamos encantados com a empresa
desde então - Bill é o sócio perfeito. Quando perguntamos a ele sobre outras empresas de
destaque no setor, ele mencionou os outros dois nomes que haviam sido ventilados pela
família Blumkin, sendo que um deles era a Star Furnitures, em Houston. Mas o tempo passou
sem dar indicação se elas estavam disponíveis para venda.

Na quinta-feira anterior ao encontro de acionistas do ano passado, porém, Bob


Denham, do Salomon, me disse que Melvin Wolff, o acionista controlador de longa data e CEO
da Star, queria conversar. Com nosso convite, Melvyn veio para o encontro e passou seu
tempo em Omaha confirmando seus sentimentos positivos a respeito da Berkshire. Enquanto
isso, eu olhei para os balanços financeiros da Star e gostei do que vi.

Alguns dias depois, Melvyn e eu nos encontramos em Nova York e chegamos a um


acordo em uma única reunião, que durou apenas duas horas. Como foi o caso com os Blumkin
e Bill Child, não precisei checar os empréstimos ou verificar os contratos dos funcionários. Eu
sabia que estava lidando com um homem íntegro, e era isso que importava.

Embora a associação da família Wolff com a Star venha desde 1924, a empresa passou
por maus bocados até Melvyn e sua irmã, Shirley Toomin, assumirem a companhia em 1962.
Atualmente, a Star opera com 12 lojas - dez em Houston e uma em Austin e outra em Bryan - e
abrirá em breve uma loja em San Antonio. Não ficaremos surpresos caso a Star multiplique
várias vezes de tamanho na próxima década.

Eis uma história que ilustra como Melvyn e Shirley são: quando eles contaram a seus
colaboradores a respeito da venda, eles também anunciaram que a Star iria fazer grandes e
especiais pagamentos àqueles que os ajudaram a ter sucesso - e então definiram o grupo
beneficiado como sendo todos os que estavam na empresa. Nos termos de nosso contrato, foi
o dinheiro de Melvyn e Shirley, não o nosso, que financiou essa distribuição. Charlie e eu
adoramos quando nos associamos com pessoas assim.

A transação da Star foi finalizada no dia 1 de julho. Nos meses seguintes, vimos as
vendas já excelentes da empresa cresceram a uma taxa ainda mais acelerada. Melvyn e
Shirley estarão no encontro deste ano, e espero que você consiga conhecê-los.

Próxima aquisição: International Dairy Queen (IDQ). Existem 5.792 lojas da Dairy
Queen espalhadas em 23 países - quase todas administradas por franqueados - e a IDQ ainda
tem 409 franquias da Orange Julius e 43 da Karmelkorn. Em 190 localidades, “centros de
mimos” oferecem uma combinação desses três produtos.
Durante muitos anos a IDQ teve um histórico conturbado. Em 1970, um grupo de
Minneapolis liderado por John Mooty e Rudy Luther assumiram o controle da companhia. Os
novos gestores se depararam com uma confusão de contratos diferentes de franquias, além de
decisões financeiras ruins que deixaram a empresa em uma condição precária. Nos anos
seguintes, a gestão racionalizou a operação, estendeu o serviço para muitas outras localidades
e, em geral, construiu uma organização forte.

No verão passado o Sr. Luther faleceu, o que fez com que seus herdeiros vendessem
ações. Um ano antes, Dick Kiphat, da William Blair & Co., havia me apresentado a John Mooty
e Mike Sullivan, CEO da IDQ, e eu havia ficado impressionado com ambos. Assim, quando
tivemos a chance de nos fundir com a IDQ, nós fizemos uma proposta em linha com a nossa
aquisição da FlightSafety, estendendo à parte vendedora a alternativa de escolher entre
dinheiro ou ações da Berkshire com um valor imediato levemente menor. Colocando as
alternativas dessa forma, nossa intenção era a de que os acionistas da IDQ optassem por
dinheiro, que é, de longe, nosso meio de pagamento preferido. Mesmo assim, apenas 45%
deles optaram por receber dessa forma.

Charlie e eu traremos uma expertise módica para essa transação: Charlie basicamente
apadrinhou as lojas da Dairy Queen em Cass Lake e Bemidji, Minnesota, por décadas, e eu
tenho sido um cliente fiel da marca em Omaha. Na Berkshire, fazemos o que falamos. Ou,
neste caso, colocamos dinheiro onde comemos.

Uma confissão

Eu já mencionei que preferimos muito mais pagar em dinheiro do que em ações da


Berkshire em nossas aquisições. Um estudo de nosso histórico irá lhe dizer o motivo: se você
juntar todas as nossas ações emitidas para aquisições (excluindo as que usamos na compra de
duas empresas afiliadas, a Diversified Retailing e a Blue Chip Stamps), você irá notar que
nossos acionistas foram levemente prejudicados. Embora seja doloroso admitir, quando emiti
ações, dei prejuízo a vocês.

Mas uma coisa precisa ser dita: esse custo adicional não foi causado porque fomos
enganados pelas partes vendedoras ou porque os seus gestores falharam em administrar as
empresas de forma diligente e habilidosa após as nossas aquisições. Pelo contrário, as pontas
vendedoras sempre foram muito francas quando estávamos negociando, e têm sido bem
enérgicas e eficientes desde então.

No lugar disso, o problema tem sido que nós realmente temos uma coleção maravilhosa
de negócios, o que significa que trocar uma parte dela por algo novo quase nunca faz sentido.
Quando emitimos ações em uma fusão, reduzimos nossa participação em todos os nossos
negócios - sejam os que temos participações parciais, como a Coca-Cola, Gillette e American
Express, sejam os que temos controle majoritário. Uma analogia esportiva ilustra a dificuldade
que temos: para um time de baseball, adquirir um jogador que tenha uma média de rebate de
.350 é quase sempre um evento maravilhoso - exceto quando o time tem que trocá-lo por um
rebatedor com média .380 para selar o negócio.

Como o nosso elenco está repleto de jogadores .380, temos tentado pagar em dinheiro
por nossas aquisições, e aqui o nosso histórico tem sido bem melhor. Começando pela
National Indemnity em 1967, e continuando com, entre outras, a See’s, Buffalo News, Scott
Fetzer e GEICO, nós adquirimos - em dinheiro - um grande número de empresas
extraordinárias que têm tido um desempenho fantástico desde que as compramos. Essas
aquisições entregaram um valor tremendo para a Berkshire - muito maior do que eu esperava
quando fiz as aquisições.

Nós acreditamos ser quase impossível trocar nossos atuais negócios e gestores por
algo ainda melhor. Nossa situação é a inversa do personagem Mordred, de Camelot, de quem
Guinevere comentou: “A única coisa que posso dizer a respeito dele é que ele irá casar bem.
Qualquer outra pessoa está acima dele.” Casar bem é algo extremamente difícil para a
Berkshire.

Dessa forma, esteja certo de que Charlie e eu seremos muito relutantes em emitir novas
ações no futuro. Nos casos em que simplesmente tivermos que fazê-lo - quando alguns
acionistas de uma adquirida insistirem em receber ações em troca - iremos incluir uma atraente
alternativa em dinheiro para fazer com que o maior número possível de investidores optem por
essa alternativa ao invés de ações.

Fazer a fusão com empresas de capital aberto traz um problema especial para nós. Se
formos oferecer qualquer prêmio para a adquirida, uma das duas seguintes condições terá de
ser satisfeita: ou a nossa ação precisa estar sobreavaliada em relação às da adquirida, ou as
duas empresas, juntas, precisam ter a expectativa de ter lucros maiores do que teriam caso
fossem operadas separadamente. Historicamente, a Berkshire raramente esteve
sobreavaliada. Neste mercado, adquiridas subavaliadas são quase impossíveis de se
encontrar. A outra possibilidade - ganhos de sinergia - costuma não ser muito realista, uma vez
que esperamos que as adquiridas continuem sendo operadas da mesma maneira que eram
antes da fusão. Se unir à Berkshire normalmente não aumenta suas receitas ou diminui seus
custos.

Na verdade, os custos reportados (mas não os verdadeiros) por elas irão aumentar
após a aquisição da Berkshire caso a adquirida tenha opções de ações como parte de seus
planos de remuneração. Nesses casos, os “lucros” da adquirida foram exagerados por elas
seguirem o princípio contábil padrão - mas, em nossa opinião, totalmente errado - de ignorar os
custos que a emissão de opções têm para a empresa. Quando a Berkshire adquire uma
empresa que emite opções, nós prontamente substituímos o plano de remuneração em opções
por um plano equivalente de remuneração em dinheiro. Dessa forma, os custos de
remuneração da adquirida são vistos da forma correta e descontados dos lucros, como devem
ser.

O racional que a Berkshire aplica na fusão com companhias de capital aberto deve ser
sempre cristalino para todos. Pagar um prêmio em uma operação assim não faz o menor
sentido, a menos que a) a ação da adquirente esteja sobreavaliada em relação à da adquirida,
ou b) as duas empresas passem a ganhar mais do que ganhariam caso continuassem
separadas. De forma previsível, as empresas que estão fazendo a compra usam a segunda
alternativa como justificativa, até porque poucas companhias estão dispostas a reconhecer que
suas ações estão sobreavaliadas. No entanto, compradoras vorazes - as que emitem ações a
torto e à direito - estão tacitamente concordando com este último ponto. (Além disso, elas com
frequência estão envolvidas numa versão de pirâmide financeira de Wall Street.)

Há algumas fusões que realmente resultam em grandes sinergias - embora a ponta


compradora normalmente pague demais para ter esse benefício - mas há casos em que os
custos e receitas projetados não passam de uma ilusão. Esteja certo, porém, de uma coisa: se
um CEO ficar particularmente empolgado com uma determinada aquisição insensata, tanto sua
equipe interna quanto consultores externos irão unir forças para criar quaisquer projeções e
justificativas que dêem embasamento para a aquisição. Somente em contos de fadas os
imperadores são avisados de que estão pelados.

Investimentos em ações

Apresentamos a seguir os nossos investimentos em ações de outras empresas. As


posições com valor de mercado acima de U$ 750 milhões foram itemizadas.
* Representa o custo já tributado que, somado, é U$ 1,8 bilhão menor do que o
custo GAAP.

Nós vendemos ações no ano passado em um montante que foi equivalente a cerca de
5% do nosso portfólio inicial. Na nossa carteira, reduzimos de forma significativa algumas de
nossas participações que estavam abaixo do limiar de U$ 750 milhões, e também reduzimos de
forma modesta algumas das posições maiores. Algumas das vendas que fizemos durante 1997
buscaram mudar levemente a nossa proporção de títulos/ações como resposta aos valores
relativos que vimos em cada um desses dois mercados. Continuamos a fazer esse
realinhamento em 1998.

Nossas posições reportadas, vale ressaltar, refletem, às vezes, as decisões de


investimento de Lou Simpson, que trabalha na GEICO. Lou administra, de maneira
independente, um portfólio de quase U$ 2 bilhões que pode ter sobreposição com o portfólio
que eu administro e, ocasionalmente, ter diferenças.

Embora não seja de nosso objetivo tentar prever os movimento do mercado acionário,
nós tentamos, de maneira bastante grosseira, avaliá-lo. No encontro do ano passado, com o
índice Dow em 7.071 pontos e as taxas de longo prazo do Tesouro a 6,89%, Charlie e eu
dissemos que não consideraríamos o mercado como sobreavaliado se 1) as taxas de juros se
mantivessem onde estavam ou caíssem, e 2) se as companhias americanas continuassem a
ter os notáveis retornos sobre patrimônio que elas estavam apresentando nos últimos anos. Até
o momento, as taxas de juros caíram - ou seja, o primeiro requisito foi satisfeito - e os retornos
sobre patrimônio continuam excepcionalmente altos. Se eles ficarem nesse patamar - e se a
taxa de juros também não sofrer grandes alterações - não há razão para ver as ações como
caras. Por outro lado, não há absolutamente nenhuma garantia de que o retorno sobre
patrimônio que temos observado irá se manter sequer perto dos níveis atuais.

No verão de 1979, quando as ações pareciam baratas para mim, escrevi um artigo para
a Forbes intitulado “Você paga um preço muito alto no mercado de ações por um consenso
otimista.” Na época, o ceticismo e a decepção prevaleciam, e o meu ponto era de que os
investidores deveriam se alegrar com isso, uma vez que o pessimismo derruba os preços e
níveis realmente atrativos. Agora, no entanto, temos um consenso otimista. Isso não
necessariamente significa que é a hora certa de comprar ações: as empresas estão lucrando
agora muito mais dinheiro do que conseguiam há alguns anos, e com uma taxa de juros baixa,
cada dólar de lucro se torna mais valioso. Os preços atuais, no entanto, diminuíram de forma
material a margem de segurança que Ben Graham identificou como sendo o pilar de um
investimento inteligente.

************

Na carta do ano passado, comentei um pouco sobre a Coca-Cola, nossa maior posição.
A Coca continua aumentando seu domínio de mercado ao redor do mundo, mas, tragicamente,
a empresa perdeu o líder responsável por seu desempenho maravilhoso. Roberto Goizueta,
CEO da Coca desde 1981, faleceu em outubro. Após sua morte, eu li todas das mais de 100
cartas e notas que ele havia escrito para mim nos últimos nove anos. Essas mensagens
poderiam facilmente servir como um guia para o sucesso, tanto profissional quanto pessoal.

Nessas mensagens, Roberto mostrou uma visão estratégica clara e brilhante, focada
em prezar pelos acionistas da Coca-Cola. Roberto sabia para onde ele estava levando a
companhia, como ele iria chegar lá, e porquê o caminho escolhido era o que fazia mais sentido
para os acionistas da empresa - e, igualmente importante, ele tinha um sentido ardente de
urgência a respeito de atingir seus objetivos. Um excerto de uma das notas escritas à mão que
ele me enviou ilustra essa mentalidade: “A propósito, eu disse a Olguita que o que ela se refere
como obsessão, você se refere como foco. Eu gosto muito mais da sua definição.” Assim como
todos que conheciam Roberto, irei sentir muitas saudades dele.

De forma consistente com sua preocupação a respeito da companhia, Roberto já havia


preparado a empresa para uma transição suave muito antes do que parecia ser necessário.
Roberto sabia que Doug Ivester era a pessoa certa para assumir o comando, e trabalhou com
ele ao longo dos anos para garantir que nenhum momentum seria perdido quando a hora da
mudança chegasse. A Coca-Cola continuará sendo o mesmo rolo compressor com Doug,
assim como foi com Roberto.

Ações preferenciais conversíveis


Dois anos atrás, dei a vocês uma atualização sobre as cinco ações preferenciais
conversíveis que havíamos adquirido por meio de compras primárias no período de
1987-91. Na época que escrevi aquela carta, havíamos realizado um pequeno lucro
com a venda de nossa posição na Champion International. As quatro outras posições
preferenciais incluíam duas, Gillette e First Empire State, que havíamos convertido em
ações ordinárias e que tínhamos um grande montante de ganhos não realizados, e
duas outras, USAir e Salomon, que havia nos dado dor de cabeça. Houve momentos
em que essas duas últimas me fizeram cantar uma certa música country: “Como eu
posso sentir saudades se você não vai embora?”8

Desde que escrevi aquela carta, todas as quatro participações cresceram de


forma significativa em valor. As ações ordinárias da Gillette e First Empire subiram
muito, em linha com o excelente desempenho que essas empresas tiveram. Ao final do
ano, os U$ 600 milhões que havíamos alocado na Gillette em 1989 haviam se
apreciado para U$ 4,8 bilhões, e os U$ 40 milhões que alocamos na First Empire em
1991 se tornaram U$ 236 milhões.

As nossas duas outras posições, enquanto isso, deram bons resultados de


maneira marcante. Em uma transação que finalmente recompensou o longo sofrimento
de seus acionistas, o Salomon recentemente se fundiu com o Travelers Group. Todos
os acionistas da Berkshire - incluindo eu - devem um grande agradecimento a Deryck
Maughan e Bob Denham por, primeiro, terem desempenhado papéis fundamentais ao
salvar o Salomon da falência diante do escândalo de 1991 e, segundo, por restaurar a
vitalidade da empresa de modo a torná-la uma aquisição atrativa para o Travelers. Eu
digo com frequência que gosto de trabalhar com executivos que gosto, confio e admiro.
Ninguém se encaixa melhor nessa descrição do que Deryck e Bob.

Os resultados finais da Berkshire com o investimento no Salomon não serão


levantados durante um tempo, mas é seguro dizer que eles serão muito melhores do
que eu previ há dois anos. Olhando para trás, encaro minha experiência no Salomon
como sendo fascinante e instrutiva, embora no período de 1991-92 eu tenha me sentido
como o crítico de cinema que escreveu: “Eu teria gostado da peça caso estivesse
sentado em um lugar melhor. Era bem de frente pro palco.”

A ressurreição da US Airways é algo que chega perto de um milagre. Aqueles


que acompanharam as minhas movimentações nesse investimento sabem que eu fui
capaz de obter um histórico imaculado de não-sucesso. Eu errei originalmente ao
comprar a ação, e errei depois ao tentar repetidamente me livrar da posição vendendo-a
por metade do preço.

8
No original, ​How can I miss you if you won’t go away?
Duas mudanças na companhia coincidiram com sua impressionante retomada:
1) Charlie e eu saímos do conselho diretor, e 2) Stephen Wolf se tornou CEO.
Felizmente para os nossos egos, o segundo evento é que foi a chave: as conquistas de
Stephen Wolf na companhia têm sido fenomenais.

Ainda há muito o que fazer na US Airways, mas sua sobrevivência já não é mais
um problema. Consequentemente, a companhia honrou com seus dividendos atrasados
de nossas ações preferenciais durante 1997, adicionando pagamentos extras para
compensar os atrasos que sofremos. Além disso, as ações ordinárias da companhia
saíram da mínima histórica de U$ 4 para a máxima recente de U$ 73.

Nossas ações preferenciais foram chamadas para o recebimento do principal em


15 de março. Mas o aumento nas cotações das ações da empresa deram ao nosso
direito de conversão, que achávamos inútil há não muito tempo atrás, um enorme valor.
É quase certo agora que as ações da US Airways nos darão um lucro decente - isto é,
se o custo do que gastei com remédio para úlcera for descontado.

Na próxima vez que eu tomar uma grande e estúpida decisão, os acionistas da


Berkshire já sabem o que fazer: liguem para o Sr. Wolf.

************

Além da conversão das ações preferenciais, nós fizemos uma compra via ​private
placement9 em 1991 de U$ 300 milhões de ações também preferenciais conversíveis da
American Express. Esse ativo era basicamente uma ação ordinária com um ​tradeoff em
seus três primeiros anos: receberíamos pagamentos extras de dividendos durante esse
período, mas tínhamos restrições quanto à apreciação de preço que podíamos realizar.
Apesar dessa restrição, esse ativo tem se mostrado extraordinariamente lucrativo
graças à combinação deste presidente que vos fala de sorte e habilidade - a sorte tem
desempenhado um papel de 110% de importância até o presente momento.

Nossas preferenciais iriam ser convertidas em ações ordinárias em agosto de


1994, e no mês anterior a isso eu estava refletindo bastante sobre vendê-las após a
conversão. Uma razão que me fez segurar a posição foi o incrível CEO da Amex, que
parecia estar totalmente disposto a maximizar qualquer potencial que a companhia tinha
(e isso se provou verdade em vários níveis). Mas o tamanho do potencial é que não
estava claro: a Amex se encontrava num ambiente extremamente competitivo com
múltiplas emissoras de cartão, lideradas pela Visa. Ponderando os pontos, eu estava
mais inclinado a vender.

9
Negociação feita de maneira direta entre as pontas compradora e vendedora.
E foi aí que tive sorte. Durante aquele mês decisivo, joguei golfe no Protus Neck,
Maine, com Frank Olson, CEO da Hertz. Frank é um gestor brilhante, com muito
conhecimento a respeito do mercado de cartões de crédito. Assim, desde o início da
partida eu comecei a indagá-lo a respeito da indústria. Em poucos minutos, Frank me
convenceu que o cartão corporativo da Amex tinha características excelentes de
franquia, e então decidi não vender. Ao final da partida, não apenas decidi não vender,
como também começar a comprar. Em alguns meses, a Berkshire detinha 10% da
companhia.

Atualmente, temos um ganho de U$ 3 bilhões com as ações da Amex, e eu


naturalmente me sinto muito grato ao Frank. Mas George Gillespie, nosso amigo mútuo,
diz que a minha gratidão está sendo direcionada para a pessoa errada. Afinal de
contas, ele faz questão de lembrar que foi ele quem marcou a partida de golfe com
Frank.

Resultados trimestrais aos acionistas

Na carta do ano passado, descrevi os custos postais cada vez maiores que
estávamos tendo com o envio dos resultados trimestrais e os problemas que tínhamos
encontrado para entregá-los a todos os acionistas. Eu pedi a opinião de vocês a
respeito do desejo em continuar recebendo esses resultados de maneira impressa,
considerando que nós os publicamos agora na internet, em nosso site,
www.berkshirehathaway.com​. Relativamente poucos acionistas responderam, mas ficou
claro que pelo menos um pequeno número deles que queriam receber as informações
trimestrais não concordavam em consultá-las pela internet. Como sou um grande
exemplo de pessoa com tecnofobia, consigo entender perfeitamente essas pessoas.

Os custos de publicar relatórios trimestrais, porém, continuam aumentando


muito, de forma que decidimos enviar cópias impressas apenas para os acionistas que
requisitarem. Se você deseja recebê-los, por favor, preencha o formulário anexo a esta
carta. No meio tempo, esteja certo de que todos os acionistas continuarão a receber o
relatório anual em forma impressa.

Para aqueles que gostam de computadores, deem uma passada em nossa


home page. Ela contém uma grande quantidade de informações atuais a respeito da
Berkshire, além de todas as cartas anuais desde 1977. Além disso, nosso site contém
links para as páginas de várias subsidiárias da Berkshire. Nesses sites você poderá
aprender mais sobre os produtos de nossas subsidiárias e - acredite se quiser - até
encomendá-los.
Nós somos obrigados por lei a enviar as informações trimestrais para a SEC10
em, no máximo, 45 dias após o fim de cada trimestre. Um de nossos objetivos em
postar nossas comunicações por meio da internet é fazer com que toda a informação -
com todos os detalhes e sem alterações da mídia - chegue de maneira simultânea a
todos os interessados quando o mercado estiver fechado. Dessa forma, pretendemos
mandar nossas informações trimestrais de 1998 para a SEC em três sextas-feiras, 15
de maio, 14 de agosto e 13 de novembro, e postaremos essas informações nos
mesmos dias, à noite, em nosso site. Esse procedimento irá colocar todos os nossos
acionistas em pé de igualdade. De forma similar, iremos postar nossa carta anual de
1998 no sábado, 13 de março de 1999, e enviá-la por correio ao mesmo tempo.

Doações feitas pelos acionistas

Cerca de 97,7% de todas as ações elegíveis participaram do programa de


doações da Berkshire em 1997. As doações somaram U$ 15,4 milhões, e 3.830
instituições de caridade foram beneficiadas. Uma descrição completa do programa pode
ser lida ​nas páginas 52-53​.

Ao longo dos 17 anos desse programa, a Berkshire doou U$ 113,1 milhões,


seguindo os desejos dos acionistas. O restante das doações foram feitas por nossas
subsidiárias, que mantiveram os programas filantrópicos que já tinham antes de serem
adquiridas (a diferença é que seus próprios acionistas tomam conta disso). Ao todo,
nossas subsidiárias fizeram doações de U$ 8,1 milhões em 1997, incluindo doações de
produtos no valor de U$ 4,4 milhões.

Todos os anos, alguns acionistas ficam de fora do programa por não terem as
ações registradas em seus próprios nomes ou por não conseguirem nos enviar o
formulário de doação preenchido no período legal de 60 dias. Charlie e eu lamentamos
isso. Se recebemos formulários com atraso, devemos rejeitá-los, uma vez que não
podemos abrir exceções para apenas alguns acionistas.

Para participar em programas futuros, você deve ter ações da Classe A que
estejam registradas em seu nome, não no nome de um terceiro, da corretora ou do
banco. As ações que não estiverem registradas até 31 de agosto de 1998 ficarão
inelegíveis para o programa de 1998. Ao receber o formulário de doação, preencha-o
prontamente e o envie de volta para nós, para não deixá-lo de lado ou esquecido.

O encontro anual

10
Securities and Exchange Commission​, órgão regulador do mercado nos EUA.
O ​Woodstock Weekend na Berkshire irá acontecer entre os dias 2 e 4 de maio
deste ano. O evento principal será o encontro anual, que irá ter início às 9:30h da
segunda-feira, 4 de maio. No ano passado nos reunimos no Aksarben Coliseum, e tanto
nossa equipe quanto os acionistas adoraram o local. Tivemos apenas um incidente: na
noite anterior ao encontro, perdi minha voz, realizando assim o maior sonho do Charlie.
Ele ficou desolado quando eu apareci na manhã seguinte com minha habilidade vocal
restaurada.

Ano passado, 7.500 acionistas vieram ao encontro. Eles estavam representando


todos os 50 estados americanos, além de 16 outros países, incluindo Austrália, Brasil,
Israel, Arábia Saudita, Singapura e Grécia. Considerando que o local do evento tem
bastante espaço extra, acreditamos que seremos capazes de receber mais de 11.000
pessoas, e isso vai nos deixar em boa forma este ano, mesmo com o número de
acionistas tendo aumentado significativamente. Há muitas vagas de estacionamento no
Aksarben; a acústica é excelente; e as cadeiras são confortáveis.

As portas irão se abrir às 7:00h na segunda-feira, e às 8:30h nós iremos exibir


novamente o filme dirigido por Marc Hamburg, nosso CFO. O encontro irá até às
15:30h, com um pequeno intervalo ao meio-dia. Esse intervalo permitirá os que
estiverem exaustos a saírem discretamente, e aos fãs mais árduos a almoçar nos
estandes do Aksarben. Charlie e eu gostamos das perguntas dos acionistas, então
venha nos trazer a indagação que estiver em sua cabeça.

Os produtos da Berkshire estarão novamente à venda no evento. Ano


passado - não que eu preste atenção a essas coisas - batemos recordes de venda, com
mais de 1 tonelada de chocolate da See’s, 1.350 pares de sapatos da Dexter, U$
75.000 em enciclopédias da World Book e publicações relacionadas e 888 conjuntos de
facas da Quikut. Nós também recebemos encomendas de uma nova linha de vestuário,
com o logotipo da Berkshire, vendendo cerca de 1.000 camisas polo, camisetas e
moletons. No encontro deste ano iremos mostrar a coleção de 1998.

A GEICO irá marcar presença mais uma vez com um estande com os melhores
vendedores. Venha descobrir se você pode economizar ao mudar seu seguro de carro
para a GEICO. Cerca de 40% dos que nos consultam descobrem que podem
economizar conosco. A proporção não é de 100% porque as seguradoras usam
premissas diferentes em suas subscrições, sendo que algumas favorecem motoristas
que moram em determinados locais e têm certos empregos mais do que nós. Nós
acreditamos, no entanto, que nós frequentemente oferecemos um preço menor a novos
segurados do que todas as outras seguradoras que atuam a nível nacional. No material
adicional da GEICO que está incluído nesta carta, você poderá ver que oferecemos, em
38 estados, um desconto especial de até 8% para os nossos acionistas. Nós ainda
estamos elencando esforços para estender esse desconto a motoristas de outros
estados.

Um material anexo a esta carta explica como você poderá obter o cartão
necessário para a admissão no encontro. Nós estamos esperando uma multidão de
gente, então recomendo você a fazer reservas de hotel, carro e passagens com
antecedência. A American Express (800-799-6634) está à sua disposição para ajudá-lo
com os preparativos. Como de costume, teremos ônibus nos principais hotéis para
levá-los para e do encontro, além de deixá-los também no Nebraska Furniture Mart,
Borsheim’s e no aeroporto em seguida. No entanto, você provavelmente irá achar que
alugar um carro será mais vantajoso.

A principal loja do NFM, localizado numa área de mais de 300 mil metros
quadrados a cerca de dois quilômetros do Aksarben, fica aberta das 10h às 21h nos
dias de semana, das 10h às 18h aos sábados, e do meio-dia às 18h aos domingos.
Durante o período de 1 a 5 de maio, os acionistas que passarem pelo NFM com o
cupom que estará junto do cartão de admissão poderão pedir um desconto que é
restrito aos funcionários da empresa.

A Borsheim’s costuma ficar fechada aos domingos, mas abrirá para os


acionistas das 10h às 18h no dia 3 de maio. O ano passado teve o segundo melhor
resultado de vendas durante o encontro anual, sendo superado apenas por 1996. Eu
acredito que esse resultado foi uma anomalia, e espero que vocês me ajudem a provar
meu ponto este ano. Charlie estará lá para fotos. No entanto, ele só sorri se o papel que
ele estiver autografando for um cupom de vendas da Borsheim’s. Os acionistas que
visitarem a loja no sábado (das 10h às 17:30h) ou na segunda-feira (das 10h às 20h)
poderão se identificar como participantes do encontro de forma a receber uma recepção
mais calorosa de Susan Jacques, CEO da Borsheim’s. Susan, para constar, teve um
ano fabuloso em 1997. Como gestora, ela é tudo que um acionistas poderia querer.

Na tarde de domingo, teremos um evento especial para os jogadores de bridge


no centro comercial ao lado da Borsheim’s. Lá, Bob Hamman - uma lenda no jogo há
mais de três décadas - irá jogar com todos que estiverem por lá. Participe e deslumbre
Bob com sua habilidade.

Minha churrascaria favorita, a Gorat’s, abre apenas um domingo por ano - para
os acionistas da Berkshire na noite anterior ao nosso encontro anual. No ano passado,
o restaurante começou a servir às 16h, terminando por volta de 1:30h, um teste de
resistência, resultado de 1.100 reservas versus uma capacidade de 235 pessoas no
salão. Se você fizer uma reserva e não puder comparecer, por favor, prontamente avise
o Gorat’s. Eles se esforçam muito para nos ajudar, e queremos ser recíprocos. Você
pode fazer as reservas a partir de 1 de abril (mas não antes) no telefone 402-551-3733.
No ano passado eu tive de ir embora um pouco mais cedo por conta do meu problema
com a voz, mas este ano pretendo aproveitar cada mordida do meu T-bone mal
passado com batatas picadas e fritas.

Depois desse aquecimento, Charlie e eu iremos para a Dairy Queen na rua 114,
ao sul de Dodge. Há 12 Dairy Queens na zona metropolitana de Omaha, mas a loja da
114 é a que está mais bem equipada para receber a multidão que esperamos. Ao sul da
loja há bastante espaço para estacionamento. Além disso, essa loja da Dairy Queen irá
estender seu horário de atendimento até às 23h, de forma que todos os nossos
acionistas possam ser atendidos.

A loja da 114 é atualmente administrada por duas irmãs, Coni Birge e Deb
Novotny, cujo avô construiu o prédio, em 1962, onde então era o limite da cidade. A
mãe, Jan Noble, assumiu o comando em 1972, e Coni e Deb continuaram como a
terceira geração de donos. Jan, Coni e Deb estarão na loja no domingo, e espero que
vocês possam conhecer todas elas. Peça por um de seus hambúrgueres caso você não
consiga uma reserva no Gorat’s. E então, por volta de 20h, me acompanhe com um
dusty sundae para sobremesa. Esse item é de especialidade minha - a Dairy Queen irá
dar uma cópia da minha receita a vocês - e será vendido apenas no domingo.

Os Omaha Royals e os Albuquerque Dukes irão jogar baseball no sábado à


noite, 2 de maio, no Rosenblatt Stadium. Como de costume, este presidente que vos
fala, abusando do fato de deter 25% do time, irá fazer o arremesso inicial. Mas este ano
você verá algo novo.

Nos jogos anteriores, para a surpresa do público, eu vinha ignorando o pedido


do apanhador. Ele sempre pedia por uma bola curva, e eu sempre resistia. No lugar
disso, mandava uma patética bola rápida, que no meu melhor dia registrou uma
velocidade de 13 km/h (com o vento a favor).

Há uma história por trás da minha resistência em mandar a bola curva. Como
alguns de vocês sabem, Candy Cummings inventou o arremesso curvo em 1867 e usou
com muito sucesso na Liga Nacional, sempre vencendo um mínimo de 28 jogos por
temporada. O arremesso, no entanto, recebeu muitas críticas da autoridade do mais alto
escalão, Charles Elliott, então presidente da Universidade Harvard, que comentou o
seguinte: “Eu ouvi dizer esse ano que nós, de Harvard, ganhamos o campeonato de
baseball porque tivemos um arremessador que inventou a bola curva. Me foi dito que o
propósito de tal bola curva é deliberadamente enganar o rebatedor. Harvard não está no
ramo de ensinar enganação.” (Eu não estou inventando isso.)

Desde que aprendi os ensinamentos morais do presidente Elliott a respeito do


assunto, eu cuidadosamente tenho evitado usar meu arremesso curvo, por mais
devastador que ele seria para os infelizes rebatedores. Agora, porém, chegou a hora do
meu karma passar por cima do dogma de Elliott e eu parar de me repreender. Vá ao
jogo no sábado à noite e presencie o majestoso arco do meu arremesso.

Nosso material de apoio contém informações sobre como conseguir ingressos


para o jogo. Nós iremos enviar um guia bastante informativo com os principais locais a
se visitar, incluindo, claro, as 12 lojas da Dairy Queen.

Venha até Omaha - o berço do capitalismo - em maio e desfrute de bons


momentos.

Warren E. Buffett
Presidente do Conselho

27 de fevereiro de 1998
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1998.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Nosso ganho em patrimônio líquido em 1998 foi de U$ 25,9 bilhões, o que aumentou o
valor patrimonial por ação das Classes A e B em 48,3%. Nos últimos 34 anos (isto é, desde
que assumimos o controle da companhia), o valor patrimonial por ação saiu de U$ 19 para U$
37.801, o que equivale a uma taxa composta anual de 24,7%1.

Normalmente, um ganho de 48,3% merece uma salva de palmas de pé - mas não neste
ano. Vocês se lembram de Wagner, cuja música foi descrita como sendo melhor do que soava?
Pois é, o progresso da Berkshire em 1998 - embora tenha sido mais do que satisfatório - não
foi tão bom quanto parece. O motivo é que boa parte do ganho de 48,3% veio da emissão de
ações para aquisições.

Para explicar: nossa ação é vendida com um grande prêmio em relação ao valor
patrimonial, o que significa que qualquer emissão de ações que fazemos - seja por dinheiro ou
como parte de uma fusão - instantaneamente aumenta o nosso valor patrimonial por ação,
mesmo sem ganhar um centavo. O que acontece é que nós recebemos mais valor patrimonial
por ação nessas transações do que damos. Essas transações, porém, não nos entregam
nenhum ganho imediato de ​valor intrínseco por ação, porque neste aspecto o valor que damos
e recebemos é aproximadamente igual. E como Charlie Munger, vice-presidente da Berkshire e
meu sócio, e eu sempre repetimos, é o ganho de valor intrínseco por ação que importa, não o
ganho em valor patrimonial por ação. Embora o valor intrínseco da Berkshire tenha crescido de
forma substancial em 1998, tal crescimento ficou bem abaixo do ganho de 48,3% em valor
patrimonial. Mesmo assim, o valor intrínseco ainda continua sendo muito maior do que o valor
patrimonial. (Para uma discussão mais aprofundada a respeito desses termos e outros
conceitos de contabilidade e investimentos, por favor, consulte o nosso Manual do Acionista
nas páginas 56-64​. Nele, definimos os nossos princípios de negócios. O valor intrínseco é
discutido ​nas páginas 61 e 62.​)

Nós iniciamos 1999 com a melhor coleção de empresas e gestores em nossa história.
As duas companhias que adquirimos em 1998, General Re e Executive Jet, são topo de linha
em todos os aspectos - irei discutir mais a respeito delas à frente - e o desempenho
operacional de nossos negócios superou as minhas expectativas. A GEICO mais uma vez teve
um resultado fora da curva. Do lado negativo, algumas das companhias de capital aberto que
temos grandes posições passaram por grandes desafios que nem elas, nem eu havíamos
previsto no começo do ano. Por consequência, o nosso portfólio de ações não chegou nem
perto do desempenho do índice S&P 500. Os problemas que essas empresas estão

1
Todos os valores referidos nesta carta se aplicam às ações Classe A da Berkshire, que são as
sucessoras do único tipo de ação que tínhamos até 1996. As ações Classe B têm um valor econômico
equivalente a 1/30 da Classe A.
enfrentando são, quase por completo, de caráter de curto prazo, sendo que Charlie e eu
continuamos acreditando que seus prospectos de longo prazo continuam excelentes.

Em nossas três últimas cartas, nós fornecemos a vocês uma tabela a qual
consideramos essencial para calcular o valor intrínseco da Berkshire. Na versão atualizada,
mostrada a seguir, nós exibimos os nossos dois principais componentes de valor, incluindo a
General Re em uma base pro-forma, como se a companhia estivesse sob nosso controle
durante todo o ano. A primeira coluna lista a nossa participação por ação de investimentos
(incluindo caixa e equivalentes, mas excluindo ativos detidos por nosso ramo financeiro), e a
segunda coluna mostra os ganhos operacionais por ação das subsidiárias da Berkshire antes
de impostos e ajustes contábeis (discutidos ​nas páginas 62 e 63​), mas já descontadas as
despesas com juros e gastos corporativos. A segunda coluna exclui ​todos os dividendos, juros
e ganhos de capital que realizamos com os investimentos apresentados na primeira coluna.
Com efeito, as colunas mostram como a Berkshire seria se a dividíssemos em duas partes,
com uma entidade tendo todos os nossos investimentos e a outra operando todos os nossos
negócios e absorvendo todos os custos.

Eis as taxas de crescimento dos dois segmentos por década:

Durante 1998, nossos investimentos aumentaram em uma quantia de U$ 9.604 por


ação, ou 25,2%, mas os ganhos operacionais por ação caíram 33,9%. A General Re (incluída,
como já mencionado, em uma base pro-forma) é a responsável por esses dois fatos. Essa
empresa tem grandes investimentos, e eles aumentaram muito o nosso valor de investimento
por ação. Mas a General Re também teve uma perda com subscrição em 1998, e isso
prejudicou os ganhos operacionais. Se não tivéssemos adquirido a General Re, os ganhos
operacionais por ação teriam tido uma pequena alta.
Embora saibamos perfeitamente que as nossas aquisições e decisões estratégicas
podem, de tempos em tempos, afetar mais uma coluna do que outra, nós continuamente
trabalhamos para expandir o valor de ambas. Mas uma coisa é certa: nossas taxas de ganho
futuras ficarão muito aquém daquelas que obtivemos no passado. A base de capital da
Berkshire é, atualmente, grande demais para permitir ter retornos extraordinariamente
desproporcionais. Se você discorda disso, vale a pena buscar uma carreira em vendas, mas
não em matemática (não se esqueça de que existem apenas três tipos de pessoas no mundo:
as que sabem contar e as que não sabem).

Trabalhamos atualmente para aumentar um patrimônio líquido de U$ 57,4 bilhões, o


maior dentre todas as empresas americanas (embora esse valor poderá ficar pequeno caso a
fusão entre a Exxon e a Mobil aconteça). É claro que o fato de ocuparmos a primeira posição
em termos de patrimônio líquido não significa que a Berkshire ultrapassa todas as outras
empresas em termos de valor: o valor de mercado é o que importa para os acionistas, e a
General Electric e a Microsoft, por exemplo, têm ​valuations mais de três vezes maiores do que
o da Berkshire. No entanto, o patrimônio líquido mede o volume de capital que os gestores
devem alocar, e esse montante se tornou realmente gigantesco na Berkshire.

Mesmo assim, Charlie e eu faremos nosso melhor para aumentar o valor intrínseco no
futuro a uma taxa composta anual de 15%, um resultado que consideramos estar no topo dos
resultados possíveis. Haverá anos em que nosso retorno será maior do que 15%, mas com
certeza haverá anos também em que ficaremos abaixo disso - incluindo anos com retornos
negativos - trazendo nossa média para baixo. No ínterim, você deve estar ciente o que um
retorno médio de 15% nos próximos cinco anos implica: significa que precisaremos aumentar
nosso patrimônio líquido em U$ 58 bilhões. Ganhar esses assombrosos 15% irá exigir que
tenhamos ideias realmente grandes: barraquinhas de vender pipoca não são uma opção válida.
O mercado atual não está favorecendo a nossa busca por “elefantes”, mas esteja certo de que
estamos focados na caça.

Independentemente do que o futuro nos reservar, faço uma promessa: eu irei manter
pelo menos 99% do meu próprio patrimônio líquido alocado na Berkshire enquanto estiver vivo.
E até quando isso vai ser? Eu uso como modelo um leal escudeiro do Partido Democrata em
Fort Wayne que pediu para ser enterrado em Chicago para continuar fazendo parte das
atividades do partido. Nesse sentido, já selecionei um canto perfeito no escritório para o meu
caixão.

************

Nosso crescimento financeiro veio acompanhado de crescimento de empregos: nós


agora temos 47.566 pessoas em nossa folha de pagamento, com as aquisições de 1998 tendo
adicionado 7.074 empregados, fora outros 2.500 que foram contratados com o crescimento das
empresas que já tínhamos. Para equilibrar esse aumento de 9.500 pessoas, nós aumentamos
nossa equipe no escritório de 12 para 12,8. (O 0,8 não se refere a mim ou ao Charlie: nós
contratamos mais uma pessoa na contabilidade, que trabalha 4 dias na semana.) Apesar desse
alarmante inchaço corporativo, nosso custo após impostos no ano passado foi de cerca de U$
3,5 milhões, um número muito abaixo de um ponto-base (1% de 1%) do valor dos ativos que
estão sob nossa gestão.

Impostos

Um beneficiário do nosso tamanho cada vez maior tem sido o Tesouro Americano. Os
impostos federais que a Berkshire e a General Re pagaram, ou irão pagar em breve, em
relação aos ganhos de 1998 somam U$ 2,7 bilhões. Isso significa que nós pagamos por ​todos
os gastos do governo americano de mais da metade de um dia.

Seguindo essa linha de raciocínio, se apenas 625 outros pagadores de impostos


repassassem para o Tesouro o mesmo valor que a Geral Re e nós repassamos no ano
passado, ninguém mais - nem empresas nem os outros 270 milhões de cidadãos - teriam de
pagar impostos federais de qualquer tipo (por exemplo, da seguridade social ou de imóveis).
Nossos acionistas realmente podem dizer que já fizeram a sua parte.

Assinar cheques com uma infinidade de zeros para a Receita não incomoda o Charlie e
nem a mim. A Berkshire, como empresa, e nós, como cidadãos, conseguimos prosperar na
América de forma muito mais pronunciada do que conseguiríamos em qualquer outro país. Na
verdade, se vivêssemos em outra parte do mundo e não pagássemos impostos, tenho certeza
de que estaríamos piores financeiramente (e em muitos outros aspectos também). De maneira
geral, nos sentimos extraordinariamente sortudos por termos a oportunidade de assinar
cheques para o governo, ao invés de termos de receber cheques do Estado - seja por termos
alguma deficiência ou por desemprego.

A situação tributária da Berkshire é, às vezes, mal compreendida. Primeiro, os ganhos


de capital não possuem atratividade especial para nós: uma empresa paga 35% sobre a
receita, seja de ganhos de capital ou operações comuns. Isso significa que o imposto da
Berkshire sobre ganho de capital de longo prazo é 75% maior do que uma pessoa física
pagaria pelo mesmo ganho.

Algumas pessoas se enganam de outras formas ao acreditar que podemos excluir da


tributação 70% de todos os dividendos que recebemos. De fato, a proporção de 70% se aplica
à maioria das empresas, e também se aplica à Berkshire em casos onde temos ações por meio
de subsidiárias que não são seguradoras. No entanto, a maioria dos nossos investimentos
acionários estão sob o nosso ramo de seguros, e neste caso a taxa de exclusão é de 59,5%.
Isso significa que um dólar de dividendos é consideravelmente mais valioso para nós do que
um dólar de receita, mas não na mesma intensidade que a maioria das pessoas assume.
************
A Berkshire realmente foi a melhor amiga do Tesouro no ano passado. Ainda em
relação à fusão com a General Re, nós assinamos um cheque de U$ 30 milhões para o
governo para pagar uma taxa da SEC2 relacionada às novas ações que foram emitidas no
acordo. Esse valor pago quebrou recordes na SEC. Charlie e eu somos grandes admiradores
do que a Comissão tem feito pelos investidores americanos. No entanto, gostaríamos de ter
demonstrado a nossa admiração de outra forma.

GEICO (1-800-847-7536)

Combine uma ótima ideia com um ótimo gestor e você certamente terá um ótimo
resultado. Esse mix se mantém firme na GEICO. A ótima ideia é oferecer seguros de baixo
custo para carros, o que é possível via marketing direto com os clientes, e o ótimo gestor é
Tony Nicely. De maneira simples, não há ninguém no mundo dos negócios que poderia tocar a
GEICO melhor do que Tony. Seus instintos são infalíveis, sua energia é ilimitada e sua
execução é perfeita. Mesmo mantendo a disciplina com subscrição, Tony está construindo uma
organização que está ganhando participação de mercado em um ritmo acelerado.

Esse ritmo tem sido encorajado por nossas políticas de compensação. A compra direta
do seguro - isto é, sem um agente ou corretor atuando como intermediador entre a seguradora
e o segurado - envolve um grande investimento inicial. Os contratos de ano um, isto é,
contratos com duração de um ano feitos pela primeira vez por um cliente, não são lucrativos.
Na GEICO, não queremos que esse custo desestimule nossos funcionários de buscarem novos
contratos de forma agressiva - contratos que, ao serem renovados, passarão a entregar
grandes lucros - portanto nós os deixamos de fora do nosso cálculo de compensação. O que é
incluído, então? Nós baseamos 50% dos bônus e participação nos lucros de nossos
associados aos ganhos obtidos com contratos “envelhecidos”, nome que damos às apólices
que estão conosco há mais de um ano. Os outros 50% estão relacionados com o crescimento
do número de segurados - e, neste ponto, pisamos fundo no acelerador.

Em 1995, ano anterior à aquisição pela Berkshire, a GEICO havia gastado U$ 33


milhões em marketing e possuía 652 atendentes telefônicos. No ano passado, a empresa
gastou U$ 143 milhões, e o número de atendentes cresceu para 2.162. Os efeitos que esses
esforços tiveram na empresa são mostrados nos números de contratos novos e ​in-force3 a
seguir:

2
​Securities and Exchange Commission​: comissão reguladora do mercado financeiro americano.
3
Total cumulativo das apólices que já foram pagas ou que estão em processo de pagamento.
* Apenas contratos voluntários, excluindo seguros compulsórios.

Em 1999, nós iremos aumentar novamente nosso orçamento de marketing, com um


piso de U$ 190 milhões. Na verdade, não há limite para o quanto a Berkshire está disposta em
investir na atividade de obter novos contratos para a GEICO, desde que possamos, ao mesmo
tempo, construir a infraestrutura que a empresa precisa para servir de maneira apropriada os
seus segurados.

Por conta dos custos dos contratos de ano um, as empresas que se preocupam com
resultados trimestrais ou anuais costumam ficar longe desse tipo de investimento, não importa
o quão inteligente eles sejam para a construção de valor no longo prazo. O nosso raciocínio é
diferente: nós simplesmente medimos se estamos criando mais de um dólar de valor por cada
dólar gasto - e se esse cálculo for favorável, quanto mais dólares gastarmos, mais feliz eu vou
ficar.

É claro que há muito mais no sucesso da GEICO do que preços baixos e um turbilhão
de propagandas. A forma de administrar os sinistros deve ser justa, rápida e amigável - e nós
somos assim. Eis um número para embasar isso: em Nova York, onde temos a maior presença
em volume, o Departamento de Seguros divulgou que a taxa de reclamações da GEICO em
1997 não só foi a menor entre as cinco maiores seguradoras, mas foi menos da metade da
média das outras quatro.

A margem de lucro de 6,7% da GEICO em 1998 foi melhor do que esperávamos - e, na


verdade, melhor do que gostaríamos. Nossos resultados refletem um fenômeno que tem sido
observado em toda a indústria: nos últimos anos, tanto a frequência quanto a severidade dos
acidentes de carro têm diminuído. Nossa resposta a isso foi a diminuição das taxas em 3,3%
em 1998, e iremos diminuí-las novamente em 1999. Esse movimento irá em breve trazer as
margens de lucro para baixo - ao menos para 4%, que é o nosso objetivo, e talvez até abaixo
disso. Qualquer que seja o caso, nós acreditamos que nossas margens continuarão sendo
muito melhores do que as da indústria.

Com o crescimento e lucratividade incríveis da GEICO em 1998, os bônus e


participação nos lucros foram tão incríveis quanto. De fato, o pagamento de lucros de U$ 103
milhões, ou 32,3% do salário - que foram para todos os nossos 9.313 associados que estavam
conosco há mais de um ano - pode ser visto como a maior distribuição percentual já feita em
qualquer empresa de grande porte do país. (Em adição a isso, os nossos associados ainda se
beneficiam de um fundo de pensão exclusivo da companhia.)

O percentual de 32,3% pode se tornar um topo histórico dado que o componente de


lucratividade em nosso cálculo de participação em lucros certamente irá cair no futuro. O
componente de crescimento, no entanto, poderá continuar aumentando sem nenhum problema.
De maneira geral, a nossa expectativa é a de que os dois componentes irão resultar em
significativos pagamentos de lucros pelas próximas décadas. E para os nossos associados, o
crescimento da empresa tem outros benefícios: no ano passado, 4.612 pessoas foram
promovidas.

Por mais impressionantes que os números da GEICO sejam, ainda temos muito a fazer.
Nossa participação de mercado cresceu de forma significativa em 1998 - mas apenas de 3%
para 3,5%. Para cada segurado que temos, existem dez outros que deveriam passar seus
contratos para nós.

Alguns de vocês que estão lendo isso agora podem estar nesta categoria. Cerca de
40% das pessoas que fazem orçamentos conosco descobrem que podem economizar com
nossas apólices. A proporção não é de 100% porque as seguradoras usam raciocínios distintos
ao precificar as apólices, sendo que algumas delas dão mais desconto a motoristas que moram
em certas regiões ou que tenham determinados empregos. Nós acreditamos, porém, que
frequentemente oferecemos um preço menor do que qualquer outra seguradora de porte
nacional. Além disso, oferecemos um desconto especial em 40 estados - normalmente de 8% -
para os nossos acionistas. Ligue para nós e confira nossos serviços.

************

Você pode achar que um anúncio nesta seção é o suficiente. Mas eu tenho mais um a
fazer, dirigido aos gestores de empresas de capital aberto.

Na Berkshire, acreditamos que dizer a CEOs tão competentes como Tony como tocar
seus próprios negócios é o ápice da tolice. A maioria de nossos gestores não trabalharia
conosco se ficássemos dando pitacos a todo momento. (De maneira geral, eles não precisam
trabalhar para ​ninguém​, uma vez que 75% deles já são financeiramente independentes.) Além
do mais, eles são os Mark McGwires4 do mundo dos negócios, e não precisam de conselhos
nossos sobre como segurar taco ou quando rebater a bola.

De qualquer maneira, o controle da Berkshire pode fazer até mesmo os melhores


gestores ficarem ainda mais eficientes. Primeiro, nós eliminamos todas as atividades

4
Ex-jogador profissional de baseball.
ritualísticas e improdutivas que costumam acompanhar o cargo de CEO. Nossos gestores ficam
totalmente no controle de suas agendas. Segundo, nós damos a cada um deles uma missão
bastante simples: simplesmente toque o negócio como se 1) você detivesse 100% dele; 2)
fosse o único ativo no mundo que você e sua família vão ter; 3) você não pudesse vendê-lo ou
fazer uma fusão pelos próximos cem anos. Como corolário, deixamos claro que eles não
devem permitir que suas decisões sejam afetadas de forma alguma por considerações
contábeis. Nós queremos que nossos gestores pensem no que importa, não em como será
contabilizado.

Pouquíssimos CEOs de empresas de capital aberto operam com um mandato


semelhante a esse, especialmente porque a maioria possui acionistas que se preocupam
apenas com prospectos de curto prazo e ganhos reportados. A Berkshire, por outro lado,
possui uma base acionária - e continuará tendo por muitas décadas ainda - que possui o maior
horizonte de longo prazo que pode ser encontrado no universo de companhias de capital
aberto. Para ser sincero, a maioria de nossas ações estão com investidores que continuarão
tendo-as até morrer. Dessa forma, podemos pedir aos nossos CEOs para administrar as
empresas visando o maior ganho de valor a longo prazo ao invés do trimestre seguinte. Nós
certamente não ignoramos os resultados correntes de nossas empresas - na maioria dos
casos, eles são de grande importância - mas nós ​nunca iremos desejar que eles sejam
atingidos em detrimento à construção de forças competitivas duradouras.

Eu acredito que o caso da GEICO demonstra os benefícios da abordagem da Berkshire.


Charlie e eu não ensinamos nada a Tony - e nunca iremos - mas nós criamos um ambiente que
permite a ele aplicar todo o seu talento ao que realmente importa. Ele não tem que dispender
tempo e energia em reuniões de conselhos, entrevistas para a imprensa, apresentações de
bancos de investimento ou conversas com analistas financeiros. Além disso, ele não precisa
gastar um momento sequer pensando a respeito de financiamento, ratings de créditos ou
expectativas do mercado a respeito dos lucros por ação. Por conta da nossa estrutura de
controle, ele sabe que essa abordagem operacional irá durar por muitas décadas. Nesse
ambiente de liberdade, tanto Tony quanto sua companhia podem converter seus potenciais
quase ilimitados em metas alcançadas.

Se você administra uma empresa grande e lucrativa que prosperaria em um ambiente


semelhante ao da GEICO, verifique os nossos critérios de aquisição ​na página 21 e ligue para
mim. Eu prometo uma resposta rápida e não irei mencionar seu contato com ninguém além de
Charlie.

Executive Jet Aviation (1-800-848-6436)

Para entender o enorme potencial da Executive Jet Aviation (EJA), você precisa
entender o negócio em si, que é vender cotas de jatos e operar a frota para seus muitos donos.
Rich Santulli, CEO da EJA, criou a indústria de controle fracionado em 1986 ao enxergar uma
importante e nova maneira de usar aviões. Então ele combinou coragem com talento para
transformar sua ideia em um grande negócio.

Em um plano de controle fracionado, você compra uma participação - digamos 1/8 - de


qualquer um da ampla gama de jatos que a EJA oferece. A compra lhe garante 100 horas de
voo por ano. (Horas “​dead-head5” não são descontadas, e você também pode fazer uma média
de suas horas durante cinco anos.) Além disso, você paga uma taxa de administração mensal
e uma taxa pelas horas de voo efetivo.

Então, em apenas algumas horas, a EJA disponibiliza o avião que você quer em
qualquer um dos 5.500 aeroportos nos EUA. No fim das contas, pedir um avião se torna a
mesma coisa que pedir um táxi.

Eu ouvi falar do programa NetJets, como é chamado o programa da EJA, há quatro


anos por meio de Frank Rooney, nosso gestor da H.H. Brown. Frank havia usado o programa e
havia ficado encantado com o serviço, tanto que sugeriu que eu me encontrasse com Rich para
verificar se valeria a pena assinar o plano para uso da minha família. Rich levou cerca de 15
minutos para me vender um quarto (200 horas anuais) de um Hawker 1000. Desde então,
minha família aprendeu em primeira mão - ao voar 900 horas em 300 viagens - como a
operação da EJA é amigável, eficiente e segura. Em outras palavras, eles adoram o serviço
que é oferecido. Na verdade, eles rapidamente ficaram tão empolgados que eu participei de um
comercial da EJA relatando a minha experiência com a empresa, muito antes de saber que
havia a possibilidade de comprar o negócio. Eu pedi, no entanto, que Rich me ligasse caso ele
um dia tivesse interesse em vender a companhia. Por sorte, ele me ligou em maio passado, e
nós rapidamente chegamos a um acordo de U$ 725 milhões, pagos em quantias iguais de
dinheiro e ações.

A EJA, que é de longe a maior operadora em seu setor, tem mais de 1.000 clientes e
163 aeronaves (incluindo 23 aviões “internos” que têm leasing ou são da própria EJA, de forma
que ela possa manter seu serviço de primeira linha mesmo quando a demanda se mostra mais
forte). A segurança, obviamente, é um ponto de suma importância em qualquer empresa aérea,
e os pilotos de Rich - agora em 650 pessoas - recebem um extensivo treinamento duas vezes
por ano da FlighSafety International, outra subsidiária da Berkshire e líder mundial no
treinamento de pilotos. Resumo da ópera: eu vendi o avião da Berkshire e irei agora fazer
todas as minhas viagens de negócios, assim como viagens pessoais, por meio da equipe da
NetJets.

Ser o líder nesse setor é uma vantagem enorme para todas as partes envolvidas.
Nossos clientes saem ganhando porque termos uma armada de aviões posicionada por todo o

5
Tempo que o avião não está propriamente em voo (por exemplo, taxiando no aeroporto ou indo do
hangar para a pista).
país, uma cobertura que nos permite oferecer um serviço sem igual. Além disso, nós nos
beneficiamos dessa cobertura porque ela reduz os custos ​dead-head​. Outro grande atrativo
para os nossos clientes é que oferecemos produtos da Boeing, Gulfstream, Falcon, Cessna e
Raytheon, enquanto que nossos outros dois competidores são detidos por fabricantes que
oferecem apenas seus próprios aviões. Com efeito, a NetJets é como um médico que pode
receitar qualquer remédio que melhor atenda ao paciente; nossos competidores, por outro lado,
são produtores de um único tipo de remédio que eles precisam prescrever para todo mundo.

Em muitos casos, nossos clientes, tanto individuais quanto corporativos, detém frações
de diferentes aviões, podendo adequar um avião para um objetivo específico. Por exemplo, um
cliente pode deter 1/6 de três diferentes jatos (cada um com 50 horas de voo), que no fim das
contas se torna uma verdadeira frota ao custo de uma fração de um único avião.

Notavelmente, não são apenas os pequenos negócios que podem se beneficiar do


controle fracionado. Algumas das maiores empresas americanas já utilizam a NetJets como
complemento às suas próprias frotas particulares. Isso economiza muito dinheiro para elas,
tanto na questão de atender as demandas de voo quanto em evitar que seus próprios aviões
registrem uma quantidade muito grande de horas ​dead-head​ em determinadas viagens.

Quando um avião é programado para uso pessoal, o argumento de conquista é que ou


o cliente assina o programa agora, ou seus filhos o farão por ele. Essa é uma equação que
expliquei para minha querida tia Alice há 40 anos quando ela perguntou se tinha condições de
comprar um casaco de pele. Minha resposta resolveu o assunto: “Alice, você não o está
comprando; seus herdeiros é quem estão.”

O crescimento da EJA tem sido meteórico: em 1997, a empresa foi responsável por
31% de todos os pedidos de jatos corporativos no mundo. Mesmo assim, Rich e eu
acreditamos que o potencial do controle fracionado mal começou a ser explorado ainda. Se
milhares de pessoas acham razoável ter 100% de um avião - que deve ser usado entre 350 a
400 horas por ano para fazer sentido economicamente - deve haver um número muito maior de
pessoas para as quais o controle fracionado faça sentido.

Além de ser um excelente executivo, Rich é divertido. Como a maioria de nossos


gestores, ele não tem motivos econômicos para continuar trabalhando. Rich passa seu tempo
na EJA porque é o seu bebê - e ele quer ver até onde consegue levar a empresa. Nós já
sabemos a resposta, tanto literalmente quanto figurativamente: o céu é o limite.

************

E agora uma dica rápida para os diretores da Berkshire: no ano passado, gastei mais de
nove vezes o meu salário na Borsheim’s e na EJA. Pensem o quanto os negócios da Berkshire
iriam expandir se vocês pedissem um aumento.
General Re

No dia 21 de dezembro, completamos nossa aquisição de U$ 22 bilhões da General Re


Corp. Além de ter 100% da General Reinsurance Corporation, a maior resseguradora
americana de bens e acidentes, a companhia ainda detém (incluindo ações que já estão
negociadas para sua titularidade) 82% da empresa resseguradora mais antiga do mundo, a
Cologne Re. As duas companhias, juntas, operam em todas as linhas de resseguros e atuam
em 124 países.

Durante muitas décadas, o nome da General Re esteve associado à qualidade,


integridade e profissionalismo em resseguros - e sob a gestão de Ron Ferguson, essa
reputação ficou ainda mais evidente. A Berkshire não tem absolutamente nada para
acrescentar às habilidades dos gestores da General Re e da Cologne Re. Pelo contrário, eles é
quem têm muito a nos ensinar.

Mesmo assim, acreditamos que a presença da Berkshire irá beneficiar a General Re em


pontos importantes. Além disso, também acreditamos que o lucro da empresa daqui a uma
década irá ser bem maior do que aqueles que foram obtidos antes da fusão. Nós baseamos
esse otimismo no fato de que podemos oferecer total liberdade à gestão da General Re para
operar da maneira que acreditarem ser a melhor para explorar as forças da companhia.

Vamos olhar para um momento para o ramo de resseguros e entender porquê a


General Re não poderia atingir por si própria os resultados que agora estão ao seu alcance
com a presença da Berkshire. A maior parte da demanda por resseguros vem de seguradoras
que querem escapar da grande volatilidade que pode ser causada por prejuízos incomuns. No
fim das contas, uma resseguradora é paga para absorver a volatilidade que uma seguradora
cliente deseja se livrar.

Ironicamente, porém, uma resseguradora de capital aberto é avaliada tanto por seus
acionistas quanto por aqueles que avaliam a qualidade de seu crédito de acordo com a
suavidade de seus resultados. Grandes variações nos lucros prejudicam tanto a avaliação de
crédito quanto a razão P/L, mesmo quando os negócios que ocasionaram essas variações
tenham uma expectativa satisfatória de lucros no longo prazo. Essa realidade de mercado às
vezes custo caro para as resseguradoras. Dentre elas, a mais comum é o repasse de uma
porção significativa das subscrições (em transações conhecidas como “retrocessões”), seguida
pela recusa de bons contratos simplesmente porque eles podem trazer muita volatilidade.

A Berkshire, por outro lado, aceita a volatilidade de bom grado, desde que ela carregue
consigo a expectativa de lucros crescentes com o tempo. Além disso, somos um Fort Knox de
capital, o que significa que lucros voláteis não são capazes de ameaçar a nossa boa reputação
de crédito. Dessa forma, temos a estrutura perfeita para subscrever - e reter - resseguros em
qualquer quantidade. Na verdade, usamos essa força ao longo da última década para construir
um poderoso ramo de super-cat.

O que a General Re nos dá, porém, é a sua capilaridade, facilidades técnicas e


capacidade de gestão que irão nos permitir empregar nossa força estrutural em todas as
facetas da indústria. Em particular, a General Re e a Cologne Re podem acelerar agora as
suas exposições aos mercados internacionais, onde um crescimento na indústria certamente
irá ocorrer. Além disso, conforme consta em nosso acordo de fusão, a Berkshire traz consigo
benefícios fiscais e de investimentos para a General Re. Mas a razão mais convincente para a
fusão é simplesmente que a gestão impecável da General Re pode agora fazer o que faz de
melhor livre das amarras que limitavam seu crescimento.

A Berkshire irá assumir a responsabilidade pela gestão de portfólio da General Re, mas
não da Cologne Re. No entanto, não iremos nos envolver com as subscrições da General Re.
Nós iremos simplesmente pedir que a empresa continue exercendo a disciplina que sempre
teve, ao mesmo tempo que aumenta a proporção de seus negócios, expandindo a linha de
produtos e a sua presença geográfica - baseando esses movimentos na força financeira da
Berkshire e em sua tolerância a grandes variações nos lucros. Como já falamos muitas vezes,
preferimos um retorno volátil de 15% do que um retorno suave de 12%.

Com o tempo, Ron e sua equipe irão maximizar o novo potencial da General Re. Nós
nos conhecemos há muitos anos, e ambas as nossas companhias já fizeram grandes
resseguros entre si. A General Re teve um papel muito importante na ressurreição da GEICO
do seu estado de quase-morte em 1976.

Tanto Ron quanto Rich Santulli planejam estar em nosso encontro anual, e eu espero
que você tenha a chance de conhecê-los.

Fundamentos econômicos dos seguros de bens e serviços

Com a aquisição da General Re - e com a GEICO crescendo a um ritmo acelerado - é


muito importante que você saiba como avaliar uma seguradora. Os fatores determinantes são:
(1) a quantidade de ​float que o negócio gera; (2) o custo desse ​float​; (3) e o mais relevante de
tudo, os prospectos de longo prazo para esses dois fatores.

Para começar a explicação, ​float é o dinheiro que fica conosco, mas não é nosso. Em
uma operação de seguros, o ​float surge do fato que os prêmios são recebidos antes dos
sinistros serem pagos, e esse intervalo entre receber e pagar pode ser de muitos anos. Durante
esse período, a seguradora investe esse dinheiro. Normalmente, essa prazerosa atividade
carrega consigo um lado negativo: os prêmios que uma seguradora recebe não costumam
cobrir todos os custos e sinistros que a empresa eventualmente precisa pagar. Isso a faz ficar
com um prejuízo de subscrição, que é o custo do ​float​. Uma seguradora consegue gerar valor
se o custo do ​float ao longo do tempo for menor do que o custo que a empresa iria incorrer
para ter esses fundos de outra maneira. Mas a empresa se transforma em um verdadeiro
abacaxi quando o custo do ​float​ ultrapassa o custo dos juros a mercado.

Um aviso é apropriado aqui: como os custos com sinistros precisam ser estimados, as
seguradoras têm de lidar com um grau de liberdade muito grande no cálculo de seus resultados
de subscrição (também chamado de ​underwriting​), e isso dificulta muito para os investidores
calcularem o verdadeiro custo do ​float​. As consequências desses erros de cálculos vão direto
para os lucros. Um observador mais experiente normalmente consegue detectar erros de
grande escala nos provisionamentos, mas o público geral costuma ficar refém do que lhe é
apresentado, e eu já fiquei muito assustado com o que determinadas empresas de auditoria
deixaram passar em branco. Em relação à Berkshire, Charlie e eu tentamos ser conservadores
na apresentação dos resultados de ​underwriting a vocês porque chegamos à conclusão de que
virtualmente todas as surpresas no ramo de seguros são desagradáveis.

A tabela a seguir mostra o ​float gerado pelas operações de seguros da Berkshire desde
que entramos no setor, há 32 anos. Os dados são apresentados em intervalos de cinco anos,
além de 1998, que engloba o enorme ​float da General Re. Para calcular o ​float ​mostrado na
tabela - que geramos em enormes quantidades em relação ao nosso volume de prêmios -
somamos as reservas de sinistros, os ajustes de reservas de sinistros, os fundos vindos de
resseguros e as reservas de prêmios que ainda não foram pagos e subtraímos a folha de
pagamento, custos de aquisição, impostos pré-pagos e cobranças diferidas aplicáveis ao
resseguros assumidos. (Entendeu?)

Por mais impressionante que o crescimento de nosso ​float tenha sido - de 25,4%
composto ao ano - o que realmente importa é o seu custo. Se ele se torna muito alto, o
crescimento do ​float​ deixa de ser uma benção e passa a ser uma maldição.
Na Berkshire, porém, as notícias são todas boas: nosso custo médio ao longo dos
últimos 32 anos foi bem menor do que zero. No geral, obtivemos um substancial lucro com
underwriting​, o que significa que fomos pagos para segurar uma enorme e crescente
quantidade de dinheiro. Esse é o melhor dos mundos. Embora o nosso ​float seja registrado
como um passivo em nossos balanços, ele tem mais valor econômico para nós do que um
patrimônio líquido de igual montante. Enquanto continuarmos obtendo lucro com ​underwriting​,
o ​float​ continuará tendo mais valor para nós do que o patrimônio.

Nos próximos anos, o crescimento do ​float da Berkshire poderá ser bem modesto. O
mercado de resseguros é parcimonioso, e as relações mudam devagar nesse ramo. Dessa
forma, o ​float da General Re - 2/3 do nosso total - dificilmente irá crescer muito no curto prazo.
Nós esperamos, porém, que o custo de nosso ​float se mantenha bem atrativo comparado com
o de outras seguradoras.

Fontes dos ganhos reportados

A tabela a seguir mostra as fontes dos ganhos reportados pela Berkshire. Nessa forma
de apresentação, os ajustes contábeis de preço de compra não são feitos empresa e empresa,
mas sim aglutinados e mostrados em separado. Esse procedimento permite que você veja os
ganhos da mesma forma que as empresas reportariam caso nós não as tivéssemos adquirido.
Pelas razões discutidas ​nas páginas 62 e 63​, essa forma de apresentação nos parece ser
mais útil a investidores e gestores do que o formato GAAP6, que requer que os ajustes de
preço sejam feitos individualmente. Os ganhos totais que mostramos são, obviamente,
idênticos aos ganhos totais GAAP que constam em nossas demonstrações financeiras
auditadas.

6
​Generally Accepted Accounting Principles (ou Termos Contábeis Normalmente Aceitos). Conjunto de
regras contábeis para a apresentação e padronização dos resultados das empresas.
(1) Inclui a Executive Jet a partir de 7 de agosto de 1998.
(2) Inclui a Star Furniture a partir de 1 de julho de 1997.
(3) A partir da data de aquisição - 21 de dezembro de 1998.
(4) Excluindo gastos com juros do nosso ramo financeiro.

Você deve ficar orgulhoso dos nossos gestores. Eles quase sempre entregam lucros
que estão no ápice do que suas respectivas indústrias permitem e fortalecem as vantagens
competitivas de longo prazo de nossos negócios. De maneira geral, eles criaram muitos bilhões
de dólares de valor para vocês.

Eis um exemplo: em minha carta de 1994, eu contei a vocês a respeito do desempenho


extraordinário de Ralph Schey na Scott Fetzer. Mal sabia eu que ele estava apenas se
aquecendo. No ano passado, a Scott Fetzer, operando sem nenhuma alavancagem (exceto por
uma dívida conservadora em sua subsidiária financeira), teve um lucro recorde de U$ 96,5
milhões após impostos sobre seu patrimônio líquido de U$ 112 milhões.

Atualmente, a Berkshire possui um grande número de indivíduos como Ralph que são
verdadeiras lendas em seus setores. A maioria deles se juntou a nós quando compramos suas
companhias, mas recentemente temos descoberto vários gestores talentosos em nossa própria
empresa. Nós expandimos ainda mais o nosso batalhão de notáveis quando adquirimos a
General Re e a EJA.

Charlie e eu temos trabalhos fáceis na Berkshire: nós fazemos pouca coisa além de
alocar capital. E mesmo nisso nós não somos tão enérgicos. Mas temos uma desculpa para
isso: em alocação de capital, atividade não se correlaciona com resultado. Na verdade, nos
campos de investimento e aquisições, um comportamento frenético é contraproducente.
Portanto, Charlie e eu basicamente esperamos o telefone tocar.

Nossos gestores, por outro lado, trabalham duro - e isso dá resultado. Naturalmente,
eles desejam ser recompensados de maneira justa por seus esforços, mas a recompensa por
si só não explica seus feitos extraordinários. Ao invés disso, cada um deles é motivado pela
visão do quão longe seus negócios podem ir - e pelo desejo de chegarem lá. Charlie e eu
agradecemos a eles por nós e por vocês.

************

Maiores informações a respeito de nossos negócios podem ser encontradas ​nas


páginas 39-53​, onde você irá encontrar também nossos ganhos segmentados reportados no
formato GAAP. Além disso, ​nas páginas 65-71 nós rearranjamos os dados financeiros da
Berkshire em quatro segmentos em um formato não-GAAP; essa forma de apresentação
corresponde à forma com que Charlie e eu pensamos a respeito da companhia.

Nós normalmente apresentamos uma seção seguinte a esta com os ganhos


look-through​. Como a aquisição da General Re ocorreu próxima ao fim do ano, nem um cálculo
histórico, nem um cálculo pro-forma dos números de 1998 se mostrariam relevantes. Iremos
retomar os ganhos ​look-through​ na carta do ano que vem.

Investimentos

Apresentamos a seguir nossos investimentos em ações. Aqueles com um valor de


mercado acima de U$ 750 milhões foram itemizados.
* Representa o custo tributário que, somado, é U$ 1,5 bilhão menor do que o custo GAAP.

Durante o ano, nós aumentamos um pouco a posição em American Express, uma das
nossas três maiores posições, e não fizemos nenhuma alteração nas outras duas. No entanto,
ajustamos ou reduzimos substancialmente muitas de nossas outras posições menores. E aqui
eu preciso fazer uma confissão (ugh): as atitudes que tomei com o nosso portfólio em 1998
acabaram ​reduzindo os nossos ganhos no ano. Particularmente, a minha decisão de vender as
ações do McDonald’s se mostrou um grande erro. De maneira geral, vocês teriam se saído
melhor no ano passado se eu tivesse escapado regularmente para sessões diurnas no cinema
durante o horário do pregão.

Ao final do ano, tínhamos mais de U$ 15 bilhões em equivalentes de caixa (incluindo


títulos de alta qualidade com vencimento em menos de um ano). Dinheiro em caixa nunca nos
deixa felizes. Mas é melhor ter dinheiro queimando no bolso da Berkshire do que alocado de
maneira errada. Charlie e eu continuaremos nossa busca por grandes investimentos ou, melhor
ainda, por uma grande aquisição que possa absorver nossos ativos líquidos. Atualmente, no
entanto, não enxergamos nada no horizonte.

Quando soubemos que a fusão com a General Re iria acontecer de fato, pedimos para
que a empresa se desfizesse de todos as ações que tinham de outras companhias. (Como
mencionado anteriormente, nós não administramos o portfólio da Cologne Re, que inclui muitas
ações.) A General Re eliminou suas posições em cerca de 250 ações, incorrendo em U$ 935
milhões em impostos no processo. Essa “passada a limpo” reflete um princípio básico que
Charlie e eu usamos em negócios e investimentos: nós não recuamos nas decisões.

No ano passado, me desviei do comportamento padrão de não falar a respeito de


nossos investimentos (exceto daqueles que somos legalmente exigidos a relatar) e contei dos
três investimentos incomuns que havíamos feito. Houve alguns motivos por trás dessa
revelação. Primeiro, perguntas sobre nossas posições em prata vindas das autoridades
regulatórias nos levaram a acreditar que elas queriam que nós reconhecêssemos publicamente
esse investimento. Segundo, nossas posições em títulos de cupom-zero eram tão grandes que
queríamos que nossos acionistas soubessem do impacto potencial que esse investimento
poderia ter no patrimônio líquido da Berkshire. Terceiro, nós simplesmente queríamos alertá-los
de que às vezes fazemos alguns movimentos não convencionais.

Normalmente, porém, como discutido no Manual do Acionista ​na página 61​, nós não
vemos vantagem em falar sobre ações específicas de investimentos. Assim - a menos que
tomemos uma posição particularmente grande novamente em algum ativo - nós não iremos
comentar a respeito do que estamos fazendo em relação a algum ativo específico. O que
podemos reportar é que eliminamos algumas posições discutidas no ano passado e
acrescentamos outras mais.

Nossa política de “não comente mesmo se for mentira” em relação aos investimentos
pode desapontar aqueles que gostam de “seguir o fluxo”, mas irá beneficiar os acionistas: as
ações da Berkshire valeriam menos se ficássemos discutindo o que estamos fazendo. A
propósito, devemos avisar vocês de que a maioria das especulações da mídia a respeito de
nossas movimentações continua se mostrando incorreta. As pessoas que confiam nisso o
fazem por sua conta e risco.

Contabilidade - Parte 1

Nossa aquisição da General Re colocou em evidência uma falha grave do processo


contábil. Os acionistas mais atentos que leram o nosso release de resultados provavelmente
notaram um item incomum ​na página 60​. Na declaração pro-forma da receita - que detalhava
como os lucros combinados de 1997 seriam afetados pela fusão - havia um item destacando
que o gasto com compensação havia aumentado em U$ 63 milhões.

Esse item, apressamos em dizer, não significa que Charlie e eu passamos por uma
grande mudança de personalidade. (Ele continua viajando de classe econômica e continua
fazendo citações de Ben Franklin.) Ele também não indica nenhuma falha nas práticas
contábeis da General Re, que seguiram as recomendações GAAP à risca. O ajuste pro-forma
aconteceu porque substituímos o plano antigo de ​stock option7 por um plano de compensação
em dinheiro que atrela os incentivos dos gestores da General Re aos resultados operacionais.
Antes, o que importava para os gestores era o preço da ação da General Re; agora, a
recompensa virá de acordo com os resultados que eles obtiverem.

O novo plano e o antigo possuem características econômicas parecidas, o que significa


que as recompensas entregues aos funcionários deveriam, até determinado grau, ser os
mesmos. Mas o que eles podiam anteriormente prever que iriam receber em opções agora é
pago em dinheiro. (As opções que foram emitidas em anos anteriores continuam em
circulação.)

7
Plano que dá direito à participação acionária na empresa por meio do exercício, ou não, de opções.
Embora os dois planos sejam equivalentes econômicos, o plano em dinheiro que
colocamos em prática irá produzir um resultado contábil muito diferente. Esse resultado, que
mais parece saído de Alice no País das Maravilhas, ocorre porque os atuais princípios
contábeis ignoram o custo das opções no cálculo dos lucros, muito embora essas mesmas
opções tenham se tornado uma despesa enorme e cada vez mais crescente em um grande
número de empresas. No fim das contas, os princípios contábeis dão duas alternativas para a
administração da empresa: pagar os empregados de uma maneira e contabilizar o custo, ou
pagá-los de outra forma e ignorar o custo. Não é de se estranhar, portanto, que o uso de
opções em planos de compensação tenha crescido tanto. Essa escolha tem, porém, um lado
negativo para os acionistas: embora as opções, caso bem estruturadas, podem ser adequadas,
e até ideais, para recompensar e motivar os altos executivos, elas normalmente são usadas e
distribuídas de formas caprichosas, ineficientes como motivadoras e abusivamente caras para
os acionistas.

Independentemente dos méritos das opções, o seu tratamento contábil é revoltante.


Pense por um momento nos U$ 190 milhões que iremos gastar esse ano com anúncios na
GEICO. Imagine que ao invés de pagar em dinheiro pelos anúncios, pagássemos em opções
de ações da Berkshire de dez anos a valor de mercado. Alguém iria discutir que a Berkshire
não incorreu em uma despesa com o anúncio, ou que esse custo não deveria constar nas
demonstrações contábeis?

Talvez Bishop Berkeley - o filósofo que refletiu sobre as árvores que caem na floresta
quando ninguém está por perto - iria acreditar que uma despesa que não foi vista pelo contador
não existe. Para ser justo, é verdade o fato de que algumas das opções dadas aos funcionários
não atendem alguns critérios pré-estabelecidos e viram pó - o que diminui o dano os acionistas
- coisa que não ocorre com opções oferecidas ao público em geral. Também é verdade que
algumas empresas recebem uma dedução de impostos quando uma opção dada a um
funcionário é exercida; opções negociadas no mercado não têm esse benefício. Mas há o outro
lado a respeito desses pontos: as opções emitidas para funcionários são frequentemente
reprecificadas, uma transformação que as faz muito mais dispendiosas do que as opções
públicas.

Argumenta-se, às vezes, que uma opção intransferível dada a um funcionário é menos


valiosa a ele do que uma opção pública, que ele poderia negociar livremente. Esse fato, porém,
não reduz o ​custo da opção intransferível: dar a um funcionário um carro da empresa que pode
ser usado apenas para determinados propósitos diminui seu valor para o funcionário, mas não
reduz em absolutamente nada o seu custo para a empresa.

As revisões de lucro que Charlie e eu fizemos por causa das opções nos últimos anos
diminuíram os valores de lucro por ação de 5% a 10%. Em alguns casos a revisão para baixo
foi tão grande que afetou as nossas decisões de portfólio, fazendo-nos ou vender, ou desistir
de uma compra de ações que havíamos pensado em fazer.
Fizemos três perguntas há alguns anos por meio dessas cartas e até agora não
recebemos nenhuma resposta. “Se as opções não são uma forma de compensação, o que
são? Se a compensação não é uma despesa, o que é? E se as despesas não devem entrar no
cálculo dos lucros, onde raios elas devem ser consideradas?”

Contabilidade - Parte 2

O papel que os conselhos administrativos das empresas tiveram na contabilidade das


opções foi longe de benigno: um desconcertante número de CEOs e auditores têm, nos últimos
anos, lutado contra as tentativas da FASB8 de substituir a fantasia das opções pela realidade, e
nenhum deles tomou uma posição favorável à FASB. Eles até colocaram o Congresso no meio
da briga, insistindo que os números inflados eram bons para o interesse nacional.

Ainda assim, acredito que o comportamento das empresas tem sido ainda pior em
relação aos assuntos de reestruturação e fusão. Nesta seara, muitas companhias trabalham
intencionalmente para manipular os números e enganar investidores. E como Michael Kinsley9
falou sobre Washington: “O mais escandaloso não está no que é feito de maneira ilegal, mas
sim no que é legal.”

Houve um tempo em que era fácil distinguir os bem dos mal intencionados na área
contábil: o fim da década de 1960, por exemplo, trouxe consigo uma orgia do que foi cunhado
por um charlatão como “contabilidade ousada e criativa” (prática que, coincidentemente, o
tornou um sucesso em Wall Street, pois ele nunca decepcionava as expectativas). Mas a
maioria dos investidores daquele período sabia quem estava jogando sujo. E, graças a isso,
virtualmente todas as empresas mais admiradas nos EUA baniram as fraudes.

Nos últimos anos, a probidade tem se desvanecido. Muitas grandes empresas ainda
jogam limpo, mas um número significativo e cada vez maior de gestores de ponta - CEOs que
você ficaria feliz em ter como cônjuges ou beneficiários de seu testamento - têm chegado à
conclusão de que é aceitável manipular os lucros para satisfazer o que eles acreditam ser os
desejos de Wall Street. Na verdade, muitos CEOs acham que esse tipo de manipulação não só
é aceitável, como é o seu dever.

Esses gestores começam com a premissa bastante comum de que o seu trabalho é
alcançar a maior cotação possível para a ação (premissa essa que discordamos com
veemência). Para puxar os preços, eles lutam, admiravelmente, por excelência operacional.
Mas quando as operações não produzem os resultados desejados, esses mesmos CEOs se
voltam para estratagemas contábeis nada admiráveis. Das duas, uma: ou eles fabricam os

8
​Financial Accounting Standards Board (ou Conselho dos Padrões Contábeis Financeiros) é uma
organização privada responsável por definir os termos GAAP.
9
Analista e comentarista político americano.
“lucros” desejados ou arrumam as prospectivas para que eles sejam atingidos em um futuro
próximo.

Ao tentar racionalizar esse comportamento, os gestores dizem que seus acionistas


sairão prejudicados caso sua moeda de troca em negociações - isto é, as ações - não estejam
bem precificadas. Eles ainda dizem que, concordando com as práticas contábeis “criativas”,
estão simplesmente fazendo o que todos fazem. Quando uma atitude de “eu faço porque todos
fazem” se enraiza, as apreensões éticas desaparecem. Chamo esse comportamento de Filho
de Gresham: uma contabilidade ruim afasta o que é bom.

A distorção da moda é a “taxa de reestruturação”, um termo contábil que pode, é claro,


ser legítimo, mas que com frequência é usado para manipular os lucros. Nesse truque, uma
grande parte dos custos que deveriam ser atribuídos a um número de anos é alocado todo em
um único trimestre, de preferência um que já tivesse a expectativa de ser decepcionante. Em
alguns casos, o propósito desses custos é “anular” deturpações passadas nos lucros, e em
outros é preparar o terreno para deturpações futuras. De toda forma, o tamanho e o timing
desses custos são ditados pela premissa cínica de que Wall Street não irá se importar caso os
lucros por ação caiam U$ 5 em um dado trimestre, desde que essa deficiência garanta que os
lucros trimestrais futuros irão consistentemente exceder as expectativas em cinco centavos de
dólar por ação.

Esse comportamento de “jogar tudo em um único trimestre” se assemelha com a


abordagem “ousada e criativa” usada em alguns placares de golfe. Na primeira rodada da
temporada, um jogador de golfe deveria simplesmente ignorar o seu próprio desempenho e
encher o seu cartão de pontuação com números atrozes - dobro, triplo ou quádruplo do que
realmente são - e então chegar numa pontuação de, digamos, 140. Ao estabelecer essa
“reserva”, ele então deveria ir até a loja de equipamentos de golfe e dizer ao atendente que
gostaria de “reestruturar” a imperfeição de sua tacada. A seguir, ao usar sua nova tacada no
percurso, ele deveria contar apenas os acertos, não os erros. Os remanescentes de sua tacada
antiga deveriam, então, ser descontados da reserva estabelecida inicialmente. Ao final de cinco
rodadas, seu histórico seria de 140, 80, 80, 80, 80, ao invés de 91, 94, 89, 94, 92. Em Wall
Street, eles ignorariam o 140 - afinal, ele veio de uma tacada “descontada” - e classificariam o
nosso herói como um ​shooter​ de 80 (e que ​nunca​ decepciona).

Para os que preferem trapacear com antecedência, há uma variante dessa estratégia. O
golfista, jogando sozinho com um auditor/caddy10, deveria postergar o registro de jogadas ruins,
fazer quatro pontuações de 80, aceitar os aplausos por tamanho atletismo e consistência, e
então entregar um quinto cartão com uma pontuação de 140. Após retificar suas trapaças em
pontuação com esse quinto cartão tão imponente, ele poderia até murmurar algumas

10
Caddy é o nome que se dá à pessoa que acompanha o jogador e dá conselhos a respeito do jogo e
das tacadas, além de ser encarregado do transporte de equipamentos do jogador.
desculpas, mas não iria fazer as correções de fato nas pontuações anteriores. (O caddy,
devemos acrescentar, ganharia um leal patrono.)

Infelizmente, os CEOs que usam desses artifícios na vida real tendem a ficar viciados
nisso - afinal, é mais fácil adulterar um cartão de pontuação do que passar horas praticando - e
nunca reúnem a força de vontade necessária para abandonar o vício. Esse comportamento me
faz lembrar do comentário de Voltaire sobre experiências sexuais: “Uma vez filósofo, duas
vezes mais pervertido.”

Na seara de aquisições, a reestruturação virou uma espécie de arte: os conselhos


administrativos agora usam com frequências as aquisições para rearranjar de maneira
desonesta o valor dos ativos e passivos de forma a permitir que os lucros futuros sejam
inflados ou deprimidos. De fato, no momento da negociação até mesmo grandes empresas de
auditoria apontam para as possibilidades de se usar um pouco (ou muito) de contabilidade
criativa. Ao receber um incentivo desses de quem deveria coibir tais táticas, pessoas do alto
escalão começam a recorrer a táticas nada honradas. Os CEOs descobrem ser difícil ignorar
estratégias chanceladas por auditorias que levem a “lucros” futuros crescentes.

Um exemplo do setor de seguros de bens e serviços irá ajudar a ilustrar as


possibilidades dessas táticas. Quando uma companhia desse setor é adquirida, o comprador
às vezes aumenta simultaneamente as suas reservas de sinistros, com frequência de maneira
substancial. Esse aumento pode simplesmente refletir um mau dimensionamento anterior das
reservas - mas é perturbador o número de vezes que essas “revelações” atuariais coincidem
com a assinatura de alguma negociação. De qualquer forma, esse movimento torna possível
que os “ganhos” venham para as receitas em algum momento posterior, conforme as reservas
forem sendo liberadas.

A Berkshire tem passado longe dessas práticas: se for necessário decepcionar vocês,
preferimos fazê-lo com nossos lucros, não com nossa contabilidade. Em todas as nossas
aquisições, deixamos os valores das reservas exatamente do jeito que estavam. Afinal de
contas, nós consistentemente nos associamos com gestores de seguros que conhecem seus
respectivos negócios e que são honestos ao reportar suas declarações financeiras. Quando
uma negociação ocorre em que os passivos são imediata e substancialmente aumentados, a
lógica nos dita que ao menos uma das virtudes citadas ficou em falta - ou, alternativamente,
que o comprador está preparando o terreno para futuras infusões de “lucros”.

Eis uma história real que ilustra um cenário, comum até demais, dentre as empresas
americanas. Os CEOs de dois grandes bancos, um deles sendo uma pessoa que já havia feito
vários aquisições, se envolveram, há não muito tempo, em uma amigável discussão sobre uma
fusão (que acabou não acontecendo). O comprador veterano estava explicando os méritos da
possível combinação das empresas, até que foi interrompido pelo outro CEO: “Mas isso não
significaria um enorme passivo, talvez até de U$ 1 bilhão?”, ele perguntou. O CEO
“sofisticado”, então, não perdeu tempo: “Vai ser ainda maior que isso - por isso estamos
fazendo esse negócio.”

Um levantamento preliminar da R.G. Associates, de Baltimore, sobre esses passivos


especiais anunciados em 1998 - isto é, vindos de reestruturações, processos de pesquisa e
desenvolvimento, fusões e ​writedowns - identificou nada menos do que 1.369 desses
movimentos, num total de U$ 72,1 bilhões. Esse é um montante absurdo, que fica ainda mais
absurdo quando colocado em perspectiva: os lucros de 1997 das 500 companhias da lista da
Fortune somaram U$ 324 bilhões.

Fica claro que a atitude de desrespeito que muitos executivos têm atualmente por
declarações financeiras acuradas é uma desgraça corporativa. E os auditores, conforme já
comentamos, têm feito pouca coisa para combater as práticas mencionadas anteriormente.
Embora os auditores devessem ter em mente o público investidor, eles acabam prestando
reverência aos gestores que os contratam e que pagam seus salários. (“Não cuspa no prato
que come.”)

Uma notícia importante é que a SEC, liderada por seu presidente Arthur Levitt, parece
determinada em acabar com essas práticas enganadoras. Em um discurso memorável em
setembro, Levitt pediu pelo fim da manipulação de lucros. Ele corretamente observou que
“Muitos gestores, auditores e analistas estão participando de um jogo de vista grossa.” E então
falou da real acusação: “O ato de administrar está perdendo espaço para o ato de manipular; a
integridade está perdendo para a ilusão.”

Eu peço encarecidamente que você leia o discurso dele (você pode encontrá-lo na
internet em ​www.sec.gov​) e dê seu apoio a ele em seus esforços de fazer com que as
empresas americanas sejam transparentes e sinceras com seus acionistas. O trabalho de Levitt
será hercúleo, mas não há nenhuma tarefa mais importante a ser feita a não ser essa.

Cartas aos acionistas

O site da Berkshire, ​www.berkshirehathaway.com​, tem se tornado a fonte primária de


informações sobre a companhia. Embora continuemos a enviar as cartas anuais para todos os
acionistas, nós enviamos os relatórios trimestrais agora apenas para aqueles que pedem,
deixando-os disponíveis em nosso site para todos os outros que queiram ler. Junto desta carta,
nós enviamos também um cartão que pode ser devolvidos a nós por aqueles que quiserem
receber os relatórios trimestrais de 1999.

Charlie e eu temos dois objetivos simples em nossos relatórios: 1) Queremos dar a


vocês as mesmas informações que gostaríamos de receber caso nossas posições estivessem
invertidas; e 2) Queremos tornar as informações da Berkshire disponíveis simultaneamente
para todos. Nossa habilidade de atingir esse segundo objetivo é potencializada com o uso da
internet.

Em um outro trecho de seu discurso de setembro, Arthur Levitt disse achar deplorável a
atitude de “divulgação seletiva”. Sua fala foi precisa: atualmente, muitas companhias dão uma
preferência muito maior para os analistas de Wall Street e investidores institucionais, ao ponto
da comunicação se tornar quase injusta. Essas práticas deixam o restante dos acionistas em
desvantagem contra uma classe mais favorecida.

Na Berkshire, consideramos o investidor que tem uma ação da classe B tão importante
quanto nossos grandes investidores institucionais. Nós, é claro, acolhemos instituições no
papel de investidores, e ganhamos um grande número delas em nossa fusão com a General
Re. Nós esperamos que esses novos investidores gostem do nosso Manual do Acionista e de
nossas cartas anuais, mais do que eles conseguem em departamentos de relação com
investidores de outras empresas. Mas se os analistas ou acionistas quiserem um “​guidance de
lucros”, nós simplesmente os indicaremos os nossos documentos públicos.

Neste ano, pretendemos postar nossos resultados trimestrais na internet após o


encerramento do pregão nos dias 14 de maio, 13 de agosto e 12 de novembro. A expectativa é
de colocar a carta anual de 1999 no ar no sábado, 11 de março de 2000, e enviar a versão
impressa aos nossos acionistas ao mesmo tempo.

Nós prontamente postamos os fatos relevantes em nosso site. Isso significa que você
não precisa mais depender da mídia para ter acesso aos nossos comunicados. Você pode
lê-los diretamente da fonte usando o seu computador.

Apesar das habilidades técnicas patéticas deste presidente que vos fala, é com prazer
que comunico que a GEICO, Borsheim’s, See’s e The Buffalo News estão agora fazendo
muitos negócios via internet. Nós também começamos recentemente a oferecer produtos
anuais em nosso site. Eles foram desenvolvidos por Ajit Jain que, ao longo da última década,
foi pessoalmente responsável por uma parcela significativa dos lucros operacionais da
Berkshire. Enquanto Charlie e eu dormimos, Ajit continua pensando em novas formas de
acrescentar valor à Berkshire.

Programa de doações dos acionistas

Cerca de 97,5% de todas as ações elegíveis participaram do programa de doações da


Berkshire de 1998, arrecadando um total de U$ 16,9 milhões. Uma descrição completa do
programa pode ser encontrada ​nas páginas 54-55​.
Ao longo dos últimos 18 anos desse programa, a Berkshire fez doações que totalizaram
U$ 130 milhões e que foram repassadas seguindo os desejos de nossos acionistas. O restante
das doações da Berkshire foram feitas por nossas subsidiárias, que seguem padrões
filantrópicos que já existiam nelas antes de serem adquiridas por nós (exceto que seus antigos
acionistas se encarregam da responsabilidade de suas doações pessoais). Ao todo, nossas
subsidiárias fizeram contribuições de U$ 12,5 milhões em 1998, sendo U$ 2 milhões em
produtos que elas fabricam.

Para participar de programas futuros, você deve possui ações da Classe A que estejam
registradas em seu próprio nome, não no nome de terceiros, da corretora ou do banco. Ações
que não estiverem registradas até 31 de agosto de 1999 não poderão participar do programa
de 1999. Quando você receber o formulário de doação, preencha-o prontamente e nos mande
de volta. Isso evita que ele seja deixado de lado ou esquecido.

O encontro anual

A Woodstock para Capitalistas deste ano irá ocorrer nos dias 1 a 3 de maio, e pode ser
que tenhamos um problema. No ano passado, mais de 10.000 acionistas compareceram ao
nosso encontro anual, e desde então a nossa lista de acionistas dobrou. Assim, não sabemos
ao certo quantas pessoas virão este ano. Para garantir, nós agendamos o Aksarben Coliseum,
que tem capacidade para 14.000 pessoas, e o Holiday Convention Centre, que comporta outras
5.000. Como sabemos que nossos acionistas de Omaha irão querer ser bons anfitriões para as
pessoas que vêm de fora (muitas delas vêm de fora dos EUA, inclusive), nós iremos dar
prioridade dos ingressos no Aksarben para os visitantes, alocando depois o restante dos
ingressos para os residentes de Omaha por ordem de chegada. Se os ingressos para o
Aksarben se esgotarem, começaremos a distribuir ingressos para o Holiday para os nossos
acionistas de Omaha.

Se acabarmos lotando os dois espaços, Charlie e eu iremos dividir o nosso tempo antes
do encontro entre as duas localidades. Além disso, teremos exibições e o filme da Berkshire,
além de grandes telas de televisão e microfones em ambos os locais. Quando fizermos um
intervalo para o almoço, muitos participantes irão sair do Aksarben, o que significa que aqueles
que estiverem no Holiday poderão, se assim desejar, fazer uma viagem de cinco minutos até o
Aksarben e passar o restante do dia por lá. Haverá ônibus disponíveis para aqueles que não
tiverem carro.

As portas irão abrir às 7h nos dois locais na segunda-feira, e às 8:30h nós iremos exibir
o épico filme da Berkshire de 1999, produzido por Marc Hamburg, nosso CFO. A reunião irá
durar das 9:30h às 15:30h, com uma interrupção apenas por um curto intervalo para o almoço.
O material anexo a esta carta explica como você pode obter o crachá necessário para
ser admitido na reunião e em outros eventos. Sobre reservas de avião, hotel e carro, nós
deixamos novamente a American Express (800-799-6634) de prontidão para dar uma ajuda
especial a vocês. Como de costume, disponibilizaremos ônibus saindo dos principais hotéis até
o evento. Após a reunião, os ônibus irão fazer viagens de volta aos hotéis, ao Nebraska
Furniture Mart, Borsheim’s e ao aeroporto. Mesmo assim, um carro pode ser bem útil.

Toda a linha de produtos da Berkshire estará disponível no Aksarben, e os itens mais


populares também estarão no Holiday. No ano passado registramos vendas recordes, com
mais de 1.600 quilos de chocolate da See’s, 1.635 pares de calçados da Dexter Shoes, 1.150
conjuntos de facas da Quikut e 3.104 camisetas e bonés da Berkshire. Além disso, U$ 26.944
em produtos da World Book foram comprados, assim como mais de 2.000 bolas de golfe com o
logotipo da Berkshire. Charlie e eu ficamos felizes, mas ainda não estamos satisfeitos com
esses números, e temos certeza que novos recordes serão alcançados em todas as categorias
este ano. Nossa linha de roupas de 1999 será revelada na reunião, então adie suas compras
até ver nossa coleção.

A Dairy Queen também marcará presença e novamente doará toda a receita que tiver
no dia para a Children’s Miracle Network. No ano passado vendemos cerca de 4.000 sorvetes
Dilly, de chocolate e de baunilha/laranja. Adicionalmente, a GEICO terá um estande com
nossos melhores agentes seguradores, todos prontos para dar orçamentos de automóveis a
vocês. Em quase todos os casos, a GEICO será capaz de lhe oferecer um desconto especial
de acionista. Passe por lá e veja se podemos economizar dinheiro para você.

A nossa ​piece de resistance será uma cabine completa de 24 metros de comprimento e


3,65 metros de largura de um Boeing Business Jet (BBJ), que é o mais novo produto da NetJet.
Esse avião tem uma autonomia de 14 horas; foi feito para carregar 19 passageiros; e oferece
um quarto, um escritório e dois chuveiros. As entregas começarão no primeiro trimestre de
2000.

O BBJ estará disponível para sua inspeção nos dias 1, 2 e 3 de maio perto da entrada
do Aksarben. Você poderá minimizar seu tempo de espera se fizer a visita no sábado ou no
domingo. Traga seu talão de cheques caso você decida fazer uma compra por impulso.

O complexo de multi-lojas do NFM, localizado em uma área de mais de 300 mil metros
quadrados a cerca de dois quilômetros do Aksarben, fica aberto das 10h às 21h nos dias de
semana e das 10 às 18h aos sábados e domingos. A loja teve receita de U$ 300 milhões
durante 1998 e oferece uma gama de mercadoria sem paralelo - móveis, eletrônicos,
eletrodomésticos, carpetes e computadores - tudo a preços imbatíveis. Durante os dias 30 de
abril a 4 de maio, os acionistas que apresentarem seus crachás receberão um desconto que
normalmente é concedido apenas aos funcionários da empresa.
A Borsheim’s costuma ficar fechada aos domingos, mas irá abrir para os acionistas das
10h às 18h no dia 2 de maio. No fim de semana do encontro anual anterior, a loja teve uma
quantidade incrível de pessoas. As vendas dobraram em comparação com o ano anterior, e o
volume da loja no domingo ultrapassou o volume de qualquer outro dia na história da
Borsheim’s. Charlie atribuiu esse recorde ao fato de ele ter autografado os cupons de venda
daquele dia, e embora eu tenha dúvidas sobre a validade dessa afirmação, nós não iremos
mexer com uma fórmula que está dando certo. Dessa forma, por favor, deixe-o com a mão
dolorida de tanto autografar. No domingo do encontro passado, a Borsheim’s emitiu 2.501
cupons de venda durante as oito horas em que esteve aberta. Para aquelas que não são tão
bons em matemática, isso é o equivalente a um cupom a cada 11,5 segundos.

Os acionistas que quiserem evitar a multidão de domingo podem visitar a Borsheim’s no


sábado (das 10h às 17:30h) ou na segunda-feira (das 10h às 20h). Se identifique como um
investidor da Berkshire para que Susan Jacques, CEO da Borsheim’s, possa lhe oferecer
preços especiais para acionistas. Susan entrou na empresa em 1983 como uma vendedora
recebendo U$ 4 por hora, e se tornou CEO em 1994. Essa foi uma das melhores decisões que
já tomei.

Os jogadores de bridge podem se preparar para momentos de adrenalina no domingo,


quando Bob Hamman - o melhor jogador que o mundo já viu - irá aparecer para jogar com
nossos acionistas no centro comercial ao lado da Borsheim’s. O Bob joga sem ordenar suas
cartas - ei, talvez esse seja o meu problema. Teremos algumas outras mesas em que um ou
outro expert estará jogando.

Gorat’s - minha churrascaria favorita - estará aberta novamente especialemente para os


acionistas da Berkshire na noite de domingo anterior ao encontro. Embora o Gorat’s tenha
funcionado das 16h até cerca de 1h da manhã no ano passado, sua equipe ficou de mãos
cheias, e alguns dos acionistas tiveram de esperar demais. Este ano um número menor de
reservas será aceito, e pedimos que você não venha no domingo sem uma reserva. Nos outros
anos, muitos de nossos acionistas optaram por visitar o Gorat’s na sexta, sábado ou
segunda-feira. Você pode fazer reservas a partir de 1 de abril (​mas não antes​) pelo telefone
402-551-3733. Este profundo conhecedor de carnes que vos fala irá continuar pedindo por um
T-Bone mal passado com uma porção dupla de batatas picadas e fritas.

Os Omaha Golden Spikes (os antigos Omaha Royals) irão enfrentar os Iowa Cubs na
noite de sábado, 1 de maio, no Rosenblatt Stadium. Este presidente, cujo arremesso deixou o
público agitado no ano passado, irá repetir a façanha novamente. Este ano pretendo
apresentar a minha “bola trêmula”. Me deixa muito irritado que muitas pessoas vejam o nosso
encontro anual como um evento financeiro, ao invés do clássico esportivo que eu considero
ser. Quando o mundo vir meu arremesso de bola trêmula, essa falha de percepção será
remediada.
Nosso material de apoio inclui instruções sobre como obter ingressos para o jogo, além
de muitas informações que poderão lhe ajudar a ter uma visita muito agradável a Omaha. Eu
peço encarecidamente que os 60.000 acionistas que ganhamos com a fusão da General Re se
juntem a nós. Venham e conheçam seus parceiros capitalistas.

************

Não seria justo encerrar esta carta sem uma palavra sobre as 11,8 pessoas que
trabalham comigo no escritório da Berkshire. Além de cuidar da miríade de assuntos tributários,
regulatórios e administrativos que surgem ao se ter dezenas de empresas, esse grupo eficiente
e alegre toma conta de vários projetos especiais, sendo que alguns deles dão bastante
trabalho. Eis uma amostra do que foi feito em 1998:

● 6.106 acionistas designaram 3.880 instituições de caridade para serem beneficiadas.


● Kelly Muchermore processou cerca de 17.500 ingressos de admissão para o encontro
anual, além de pedidos e cheques para 3.200 ingressos de baseball.
● Kelly e Marc Hamburg produziram e dirigiram a extravagância do Aksarben, um trabalho
que fez com que eles ordenassem as apresentações feitas por nossas subsidiárias,
preparassem nosso filme, e às vezes ajudassem um ou outro visitante com detalhes da
viagem e estadia.
● Debbie Bosanek satisfez os vários desejos de 46 organizações midiáticas (13 delas de
fora dos EUA) que cobriram o evento e, no ínterim, como sempre, habilmente me
ajudou em todos os aspectos do meu trabalho.
● Debbie e Marc reuniram os dados do nosso relatório anual e supervisionaram a
produção e distribuição de 165.000 cópias. (O número este ano será de 325.000).
● Marc tomou conta de 95% dos detalhes - e dos afazeres - relacionados às nossas duas
fusões.
● Kelly, Debbie e Deb Ray lidaram de maneira eficiente com dezenas de milhares de
pedidos de relatórios anuais e informações financeiras que chegaram no escritório.

Você e eu estamos pagando por apenas 11,8 pessoas, mas recebemos em troca o
trabalho equivalente de 100. A todos os nossos 11,8 associados, o meu obrigado.

Warren E. Bufett
Presidente do Conselho

1 de março de 1999.
Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/1999.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Nosso ganho em patrimônio líquido durante 1999 foi de U$ 358 milhões, o que
aumentou o nosso valor patrimonial por ação das Classes A e B em 0,5%. Durante os últimos
35 anos (isto é, desde que assumimos a empresa), o valor patrimonial por ação saiu de U$ 19
para U$ 37.987, ou um ganho composto anual de 24%.1

Os números que constam ​na primeira página mostram como o nosso desempenho em
1999 foi ruim. Nós tivemos o pior desempenho absoluto na minha gestão e, comparado com o
S&P, o pior desempenho relativo também. Resultados relativos são que nos preocupam: ao
longo do tempo, números relativamente ruins irão produzir resultados absolutamente
insatisfatórios.

Até mesmo o Inspetor Clouseau2 conseguiria descobrir o responsável pelos resultados


do ano passado: este presidente que vos fala. O meu desempenho me lembra do ​quarterback
cujo boletim mostrava quatro conceitos F e um D, mas que mesmo assim tinha um treinador
compreensível. “Filho”, ele disse, “acho que você está passando tempo demais focado na
matéria que tirou D.”

Minha “matéria” é a alocação de capital, e minha nota nota em 1999 certamente foi D. O
que mais nos prejudicou durante o ano foi a performance decepcionante do portfólio de ações
da Berkshire - e a responsabilidade por esse portfólio, tirando uma pequena parte que é
administrada por Lou Simpson, da GEICO, é completamente minha. Muitas de nossas maiores
posições mal conseguiram acompanhar o mercado em 1999 por conta de resultados
operacionais desapontadores. Nós ainda gostamos dessas empresas e estamos felizes em ter
grandes posições investidas nelas. Mas os tropeços que elas tiveram prejudicaram o nosso
desempenho no ano passado, e não há certeza alguma de que elas irão recuperar de forma
rápida o passo.

A consequência de nossos resultados ruins em 1999 foi uma queda mais do que
comensurável no preço de nossas ações. Em 1998, para voltar um pouco no tempo, a nossa
ação valorizou mais do que nosso negócio. No ano passado, o negócio em si teve um
desempenho muito melhor do que o preço da ação, divergência essa que tem continuado até
hoje enquanto escrevo esta carta. Mas ao longo do tempo, é claro, o desempenho da ação
precisa​ ser próximo do desempenho da empresa.

1
Todos os valores mostrados nesta carta se referem às ações da Classe A da Berkshire, que são as
sucessoras do único tipo de ação que a empresa tinha em circulação até 1996. As ações B têm um valor
econômico equivalente a 1/30 da A.
2
Inspetor do icônico desenho A Pantera Cor-de-Rosa.
Apesar de nossos resultados ruins no ano passado, Charlie Munger, vice-presidente e
meu sócio, e eu acreditamos que o ganho em valor intrínseco da Berkshire na próxima década
irá exceder modestamente o ganho do S&P. Não podemos garantir isso, é claro. Mas estamos
dispostos a dar força à nossa convicção com o nosso dinheiro. Para repetir um fato que você já
ouviu no passado, mais de 99% do meu patrimônio está alocado na Berkshire. Nem minha
esposa, nem eu jamais vendemos uma ação sequer da Berkshire e - a menos que nossos
cheques comecem a voltar sem fundo - não temos a menor intenção de fazê-lo.

Por favor, se atente ao fato de que eu disse que espero ganhar “modestamente” do
S&P. Para a Berkshire, superar o índice por uma ampla margem é algo do passado. Nossos
retornos impressionantes existiram porque conseguíamos, no passado, comprar empresas e
ações a preços muitos mais atrativos do que conseguimos hoje, e também porque tínhamos
uma base de capital muito menor, o que nos permitia considerar um espectro muito maior de
oportunidades de investimento do que agora.

Nosso otimismo com o desempenho da Berkshire é atenuado também pela expectativa


- na verdade, em nossas mentes, isso é tido como uma certeza - de que o S&P irá ter uma
performance muito pior na próxima década ou duas do que teve desde 1982. Um artigo recente
que escrevi para a Fortune expressou a minha visão do porquê isso é inevitável, e estou
colocando ​em anexo à esta carta​ uma cópia dele.

Nosso objetivo é tocar bem os nossos negócios atuais - uma tarefa que se torna fácil
por conta dos excelentes gestores que temos conosco - e adquirir empresas adicionais que
tenham características econômicas e gestores parecidos com os que já temos. Nós
conseguimos progredir de forma importante nesse aspecto durante 1999 ao adquirir a Jordan’s
Furniture e com um contrato de aquisição de uma grande parte da MidAmerican Energy. Nós
iremos falar mais a respeito dessas duas empresas mais à frente, mas deixe-me destacar um
ponto aqui: nós compramos as duas com dinheiro, sem emissão de novas ações da Berkshire.
Negociações assim não são sempre possíveis, mas é o método de aquisição que Charlie e eu
mais gostamos.

Um guia para o valor intrínseco

Eu falo com frequência nessas cartas a respeito do valor intrínseco, uma importante,
porém longe de ser precisa, medida que utilizamos em nossas aquisições de empresas e
ações. (Para uma discussão mais aprofundada a respeito desse e de outros termos de
contabilidade e investimentos, ​por favor, leia o Manual do Acionista nas páginas 55-62. O
valor intrínseco é discutido na página 60​.)

Nas últimas quatro cartas, fornecemos a vocês uma tabela que consideramos como útil
para estimar o valor intrínseco da Berkshire. Na versão atualizada da tabela, que é mostrada a
seguir, nós destacamos dois componentes principais de valor. A primeira coluna lista a nossa
participação por ação nos investimentos (incluindo caixa e equivalentes, mas excluindo ativos
da nossa operação de produtos financeiros), e a segunda coluna mostra os ganhos por ação
das empresas detidas pela Berkshire, antes de impostos e ajustes de preço de compra
(discutidos ​na página 61​), mas já descontados os juros e despesas corporativas. A segunda
coluna ​exclui todos os dividendos, juros e ganhos de capital que realizamos com os
investimentos apresentados na primeira coluna. No fim das contas, as colunas mostram como a
Berkshire seria caso fosse dividida em duas partes, sendo uma entidade responsável por
nossos investimentos em ações e a outra por nossas subsidiárias e custos corporativos.

E aqui estão as taxas de crescimento dos dois segmentos por década:

Em 1999, nossos investimentos por ação mudaram muito pouco, mas nossos ganhos
operacionais, afetados por efeitos negativos que superaram os positivos, caíram
vertiginosamente. A maioria de nossos gestores merece uma nota A por entregar bons
resultados e por ter expandido a diferença entre o valor intrínseco de suas empresas e o valor
que elas são avaliadas em nosso balanço financeiro. Porém, ao ajustar isso, tivemos um
enorme - e, acredito eu, muito incomum - prejuízo de subscrição na General Re.
Adicionalmente, o lucro com subscrição da GEICO diminuiu, como já havíamos previsto. O
desempenho geral da GEICO foi, no entanto, formidável, superando meus objetivos mais
ambiciosos.

Nós não temos expectativa de ver nossos ganhos com subscrição aumentarem de
forma significativa este ano. Embora o valor intrínseco da GEICO provavelmente irá crescer a
uma taxa altamente satisfatória, seu desempenho de subscrição certamente irá piorar. Isso irá
ocorrer porque as seguradoras de carros, como um todo, irão ter um desempenho pior em
2000, e também porque iremos aumentar de forma material os nossos gastos com marketing.
Na General Re, iremos aumentar as taxas e, se nenhuma mega-catástrofe ocorrer em 2000, o
prejuízo com subscrição da companhia irá cair consideravelmente. No entanto, leva-se algum
tempo para que os ajustes na taxa surtam efeito, de forma que a General Re provavelmente
terá um outro ano insatisfatório do ponto de vista de subscrições.

Você deve estar ciente que um item que regularmente trabalha para aumentar a
diferença entre o valor intrínseco e o valor patrimonial é o desconto de receita que fazemos
para a amortização do ​goodwill - uma quantia que está, agora, próxima de U$ 500 milhões.
Esse desconto reduz a quantidade de ​goodwill que mostramos como ativo e, por consequência,
o montante que entra em nosso valor patrimonial. Esse é um ponto contábil que não tem nada
a ver com o verdadeiro ​goodwill econômico, que aumenta quase todos os anos. Mas mesmo
que o ​goodwill econômico se mantivesse constante, a amortização anual continuaria
aumentando a diferença entre os valores intrínseco e patrimonial.

Embora não possamos dar a você um valor exato do valor intrínseco da Berkshire,
Charlie e eu podemos garantir que ele é muito maior do que o valor patrimonial de U$ 57,8
bilhões. Empresas como a See’s e o Buffalo News valem agora de quinze a vinte vezes o valor
constante em nossas declarações financeiras. Nosso objetivo é continuar aumentando ainda
mais essa diferença em todas as nossas subsidiárias.

Uma história administrativa que você nunca vai ler em lugar algum

A coleção de gestores da Berkshire é incomum em vários aspectos importantes. Como


exemplo, um grande percentual desses homens e mulheres são financeiramente
independentes, tendo construindo fortunas nas empresas que tocam. Eles trabalham não
porque precisam do dinheiro, tampouco porque eles têm obrigações contratuais - não fazemos
contratos na Berkshire. Ao invés disso, eles trabalham muito e duro porque amam suas
empresas. E eu uso a palavra “suas” de forma intencional, uma vez que esses gestores estão,
de fato, no comando - não há reuniões em Omaha, não há orçamentos para serem aprovados
pela matriz e nenhum memorando a respeito de gastos de capital. Nós simplesmente pedimos
que nossos gestores administrem as companhias como se elas fossem o ativo que suas
famílias tivessem pelo próximo século.

Charlie e eu tentamos nos comportar com nossos gestores da mesma forma que nos
comportamos com nossos acionistas, tratando todos da forma que gostaríamos de ser tratados
caso as posições estivessem invertidas. Embora “trabalhar” não tenha significado financeiro
algum para mim, eu adoro fazê-lo na Berkshire por conta de algumas razões simples: me deixa
realizado, me dá a liberdade de agir da maneira que julgo mais sensata e me permite interagir
diariamente com pessoas que eu gosto e confio. Por que nossos gestores - que são
consagrados no que fazem - deveriam ser de outra forma?

Em suas relações com a Berkshire, nossos gestores parecem ter sido talhados de
acordo com a icônica frase do Presidente Kennedy: “Não pergunte o que seu país pode fazer
por você; pergunte o que você pode fazer por seu país.” Eis aqui uma história marcante do ano
passado: é sobre a R.C. Willey, a companhia de móveis dominante em Utah, a qual a Berkshire
comprou de Bill Child e sua família em 1995. Bill e a maioria de seus administradores são
Mórmons, e por essa razão as lojas da R.C. Willey nunca abriram aos domingos. Essa é uma
forma difícil de fazer negócios: domingo é o dia favorito de compras de muitos clientes. Mesmo
assim, Bill se ateve a seus princípios - e enquanto fazia isso, cresceu as vendas anuais da
companhia de U$ 250 mil em 1954, que foi o ano em que assumiu o comando, para U$ 342
milhões em 1999.

Bill notou que a R.C. Willey poderia ter operações bem-sucedidas fora de Utah, e em
1997 sugeriu que abríssemos uma loja em Boise, Idaho. Eu estava bem cético a respeito de
uma política de não abrir aos domingos em um novo território dominado por competidores que
permaneciam abertos a semana toda. Mesmo assim, era a empresa de Bill. Assim, apesar de
minhas preocupações, disse a ele para seguir suas convicções administrativas e religiosas.

Bill então insistiu em um acordo realmente extraordinário: ele iria pessoalmente comprar
o terreno e construir a loja - por cerca de U$ 9 milhões - e iria nos vendê-la a preço de custo
caso o empreendimento fosse bem-sucedido. Por outro lado, se as vendas ficassem abaixo de
suas expectativas, nós poderíamos sair do negócio sem pagar um centavo sequer a Bill. Se
isso acontecesse, ele acabaria ficando com um enorme investimento “atolado” em um prédio
vazio. Eu disse a ele que agradecia pela proposta, mas que sentia que se a Berkshire iria ficar
com o lado positivo, ela também deveria permanecer com o lado negativo. Bill não aceitou: se
houvesse fracasso por conta de suas convicções religiosas, ele queria receber todo o prejuízo
sozinho.

A loja abriu em agosto passado e imediatamente se tornou um enorme sucesso. Bill


então nos entregou a propriedade - incluindo um terreno extra que havia apreciado de maneira
significativa - e nós lhe entregamos um cheque para cobrir os custos. E a cereja do bolo foi: ​Bill
se recusou a aceitar um centavo sequer dos juros provenientes em cima do capital que ele
havia utilizado na nova loja nos últimos dois anos.

Se algum outro gestor se comportou de maneira similar em alguma outra companhia, eu


desconheço. Agora você entende o motivo da oportunidade de trabalhar com Bill Child me faz
chegar dançando no trabalho todas as manhãs.

************
Uma nota de rodapé: depois de nosso ​soft opening em agosto, tivemos uma grande
inauguração da loja em Boise cerca de um mês depois. Naturalmente, fui até lá para cortar a
fita inaugural (este presidente que vos fala, devo enfatizar, é bom em alguma coisa). Em meu
discurso, disse à multidão como as vendas haviam excedido, e muito, as expectativas, nos
fazendo, por ampla margem, a maior loja de móveis no estado de Idaho. E então, conforme fui
discursando, minha memória milagrosamente começou a melhorar. Ao final de minha fala, tinha
lembrado de tudo: abrir a loja em Boise tinha sido uma ideia minha, é claro.

Fundamentos econômicos dos seguros de bens e acidentes

Nosso principal negócio - embora tenhamos vários outros de grande importância - são
os seguros. Para entender a Berkshire, portanto, é necessário que você entenda como avaliar
uma empresa seguradora. Os fatores determinantes são: (1) a quantidade de ​float que o
negócio gera; (2) seu custo; (3) o mais crítico de todos, os prospectos de longo prazo para os
dois fatores anteriores.

Para começar, ​float é o dinheiro que fica conosco, mas que não é nosso. Em uma
operação de seguros, o ​float surge porque os prêmios são recebidos antes dos pagamentos de
sinistros, um intervalo que pode, às vezes, levar muitos anos. Durante esse período, a
seguradora investe esse dinheiro. Essa prazerosa atividade traz consigo um lado negativo: os
prêmios que uma seguradora recebe não costumam cobrir todos os sinistros e despesas que a
empresa precisa pagar. Isso a deixa em uma situação de “prejuízo de subscrição”, que é o
custo do ​float​. Uma empresa seguradora possui valor caso o seu custo de ​float​, ao longo do
tempo, seja menor do que a empresa incorreria de outra maneira para obter tais fundos. Mas a
empresa pode se tornar um verdadeiro abacaxi caso o custo do ​float seja maior que a taxa de
juros do mercado.

Um aviso se faz apropriado aqui: como os custos de sinistros precisam ser estimados,
as seguradoras possuem muitos graus de liberdade para calcular seus resultados de
subscrição, o que torna muito difícil a investidores calcular o verdadeiro custo de ​float de uma
companhia. Erros de estimativa, normalmente inocentes, mas às vezes não, podem ganhar
proporções enormes. Um observador experiente normalmente consegue detectar grandes
erros em dimensionamento de provisões, mas o público em geral geralmente não consegue
fazer nada mais do que aceitar os números que lhes são apresentados, e eu sempre me
surpreendo pelos resultados que grandes auditores deixaram passar. Em 1999, várias
seguradoras anunciaram ajustes de reservas que fizeram de piada os “lucros” que os
investidores haviam acreditado anteriormente ao tomarem suas decisões de venda ou compra.
Na Berkshire, nós lutamos para ser conservadores e consistentes em nossas reservas. Mesmo
assim, avisamos que uma surpresa desagradável é sempre possível.
A tabela a seguir mostra (em intervalos) o ​float gerado por vários segmentos de seguros
da Berkshire desde que entramos no ramo há 33 anos com a aquisição da National Indemnity
Company (cujas tradicionais linhas estão incluídas no segmento “Other Primary”). Por meio da
tabela, calculamos nosso ​float - que geramos em grande quantidade comparado com o nosso
volume de prêmios - somando as reservas líquidas de sinistros, ajustes de reservas, fundos
detidos com resseguros assumidos e reservas de prêmios não recebidos, subtraídos de folha
de pagamento, custos de aquisição, impostos pré-pagos e cobranças diferidas aplicáveis a
resseguros assumidos. (Entendeu?)

O crescimento do ​float é importante - mas o seu custo é vital. Ao longo dos anos,
tivemos apenas alguns pequenos prejuízos de subscrição - o que significa que nosso custo de
float foi correspondentemente baixo. Na maior parte do tempo, no entanto, tivemos um lucro de
subscrição, o que significa que recebemos dinheiro para segurar o dinheiro de outras pessoas.
De fato, nosso resultado acumulado em 1998 foi de um lucro de subscrição. Em 1999, no
entanto, incorremos em um prejuízo de subscrição de U$ 1,4 bilhão, o que deixou nosso custo
de ​float em 5,8%. Um fato levemente mitigante foi o seguinte: nós recebemos com alegria U$
400 milhões desse prejuízo porque ele veio de empresas que irão nos entregar um ​float
excepcional ao longo da próxima década. O resultado final do prejuízo, porém, foi
decididamente desfavorável, e o nosso resultado geral acabou sendo muito ruim. Se nenhuma
mega-catástrofe acontecer, esperamos que o custo de ​float caia no ano 2000, mas qualquer
queda será compensada pelos nossos planos agressivos para a GEICO, que iremos discutir
mais à frente.

Existem várias pessoas que merecem crédito por produzir tanto ​float sem custo ao
longo dos anos. A primeira delas é Ajit Jain. É simplesmente impossível avaliar o valor que Ajit
tem para a Berkshire: ele construiu do zero um incrível negócio de resseguros que, durante sua
gestão, gerou lucro com as subscrições e detém atualmente U$ 6,3 bilhões em ​float​.
Com Ajit, temos um subscritor equipado com a inteligência para avaliar da maneira
correta a maioria dos riscos; o realismo para deixar de lado aqueles que ele não consegue
avaliar; a coragem de subscrever apólices enormes quando os prêmios são apropriados; e a
disciplina para rejeitar até o menor dos riscos quando o prêmio se mostra inadequado. É raro
encontrar uma pessoa que tenha algum desses talentos. Encontrar alguém que, como Ajit, tem
todos eles é algo realmente notável.

Como Ajit é especializado em contratos super-cat, uma linha de negócios cujos


prejuízos são raros, porém extremamente grandes quando ocorrem, seus resultados terão
muito mais volatilidade do que a maioria das outras operações de seguros. Até o presente dia,
nós nos beneficiamos da boa sorte com suas apólices voláteis. Mesmo assim, as conquistas de
Ajit são realmente extraordinárias.

De uma maneira reduzida, mas igualmente importante, nossa operação “Other Primary”
também contribuiu com o valor intrínseco da Berkshire. Essa coleção de seguradoras nos
entregou um lucro de subscrição de U$ 192 milhões nos últimos cinco anos, além de prover o
float mostrado na tabela. No mundo dos seguros resultados desse tipo são incomuns, e por
este feito agradecemos Rod Eldred, Brad Kinstler, John Kizer, Don Towle e Don Wurster.

Como mencionei anteriormente, a operação da General Re teve um ano


excepcionalmente ruim em subscrição durante 1999 (embora o resultado financeiro tenha
deixado a companhia em uma situação um pouco melhor). Os contratos foram muito mal
precificados (para baixo), tanto no âmbito doméstico quanto no âmbito internacional, situação
que já está melhorando, mas ainda não está completamente corrigida. Ao longo do tempo,
porém, a empresa conseguirá ter uma quantia crescente de ​float barato. Tanto na General Re
quanto em sua subsidiária Cologne, os planos de incentivo estão agora diretamente ligados às
variáveis de crescimento do ​float ​e custo do ​float​, as mesmas variáveis que determinam o valor
da empresa para os acionistas.

Mesmo que uma resseguradora tenha um sistema de compensação muito bem focado e
racional, não se deve esperar que todos os anos sejam de resultados positivos. O ramo de
resseguros é muito volátil, e nem a General Re, nem a operação de Ajit estão imunes a um
comportamento de má precificação na indústria. Porém, a General Re tem a distribuição, as
habilidades com subscrição, a cultura, e - com a ajuda da Berkshire - a influência financeira
para se tornar a empresa resseguradora mais lucrativa do mundo. Chegar até lá irá levar
tempo, energia e disciplina, mas nós não temos dúvidas de que Ron Ferguson e sua equipe
farão acontecer.

GEICO (1-800-847-7536 ou GEICO.com)


A GEICO teve um excelente progresso em 1999. As razões para isso são simples:
temos uma ideia de negócio incrível que está sendo implementada por um gestor
extraordinário, Tony Nicely. Quando a Berkshire comprou a GEICO no início de 1996, nós
entregamos o comando a Tony e pedimos para que ele tocasse a empresa como se ela fosse
100% sua. E ele o fez. Veja seu histórico:

(1) Apenas seguros “voluntários”; exclui riscos atribuídos e semelhantes.


(2) Revisado para excluir apólices que saíram de uma empresa GEICO para outra.

Em 1995, a GEICO gastou U$ 33 milhões com marketing e tinha 652 atendentes


telefônicos. No ano passado, a empresa gastou U$ 242 milhões, e o número de atendentes
cresceu para 2.631. E estamos apenas começando: o ritmo irá acelerar ainda mais em 2000.
De fato, nós alegremente gastaríamos U$ 1 bilhão por ano com marketing se pudéssemos lidar
com todas as apólices de maneira tranquila e se soubéssemos que cada dólar gasto seria
revertido em novos contratos a custos atrativos.

Atualmente, duas tendências estão afetando os custos de aquisição. A notícia ruim é


que tem ficado mais caro desenvolver ​inquiries3. Os custos de mídia subiram, e temos visto
uma queda nos retornos - isto é, conforme nós e nossos competidores aumentamos o volume
de propagandas, as ​inquiries por anúncio caem para todos nós. Esses pontos negativos são
parcialmente compensados, porém, pelo fato de que nosso ​closure ratio - o percentual de
inquiries que são transformados em vendas - tem aumentado constantemente. De maneira
geral, acreditamos que o nosso custo de novos negócios, embora esteja definitivamente
crescendo, está muito abaixo ao da indústria. De importância ainda maior, nossos custos
operacionais com contratos de renovação são os mais baixos em comparação com as
seguradoras de automóveis que atuam a nível nacional. Ambas essas grandes vantagens
competitivas são sustentáveis. Outras empresas podem até copiar nosso modelo, mas elas não
conseguirão replicar os nossos fundamentos econômicos.

3
Resposta preliminar de clientes em potencial após uma campanha publicitária. O número de ​inquiries (e
sua posterior conversão ou não em receitas para a empresa) é uma medida de eficácia de uma
campanha.
A tabela mostrada anteriormente leva a crer que a retenção de segurados da GEICO
está caindo. Porém, por dois motivos, as aparências podem enganar neste caso. Primeiro, nos
últimos anos o nosso mix de negócios saiu de segurados “preferenciais”, os quais as taxas de
retenção na indústria são altos, para segurados “padrão” e “não-padrão”, os quais as taxas de
retenção são muito menores. (Apesar da nomenclatura, as três classes possuem prospectos
similares de lucratividade.) Segundo, as taxas de retenção de segurados relativamente novos
são sempre menores do que as de clientes de longa data - e por conta de nosso crescimento
acelerado, nossos conjunto de segurados incluem, agora, uma proporção maior de novos
clientes. Fazendo o ajuste por esses dois fatores, nossa taxa de retenção mal se alterou.

Nós dissemos a vocês na carta do ano passado que as margens da GEICO e da


indústria iriam cair este ano, e foi isso que aconteceu. Fazemos uma previsão semelhante para
2000. Há alguns anos, as margens cresceram demais, se beneficiando dos efeitos de uma
incomum e inesperada diminuição na frequência e severidade dos acidentes. A indústria
respondeu reduzindo as taxas - mas agora está lutando com um aumento nos custos. Não
ficaríamos surpresos ao ver as margens de seguradoras de automóveis deteriorar cerca de três
pontos percentuais em 2000.

Dois pontos negativos, além da piora na frequência e severidade, irão prejudicar a


indústria este ano. Primeiro, os aumentos nas taxas têm um efeito lento, tanto por causa de
atrasos regulatórios quanto pelo fato de que os contratos precisam vencer primeiro para que as
novas taxas passem a ser aplicáveis. Segundo, os ganhos reportados por muitas seguradoras
de automóveis se beneficiaram nos últimos anos por uma liberação nas reservas de sinistros,
fruto de uma sobreavaliação dos custos feita em anos anteriores. A fonte de provisões
redundantes está quase seca, de maneira que aumentos nos lucros vindos desta fonte serão
mínimos, quando houver.

Na compensação de seus associados - começando por Tony - a GEICO continua


usando duas variáveis, e apenas duas, para determinar quais serão os bônus e participações
nos lucros: 1) o crescimento percentual de segurados e 2) os lucros dos contratos
“envelhecidos”, que são apólices que estão conosco há mais de um ano. Tivemos um resultado
muito bom nas duas variáveis em 1999 e, portanto, fizemos um pagamento de participação nos
lucros de 28,4% do salário (totalizando U$ 113,3 milhões) para a grande maioria de nossos
associados. Tony e eu adoramos assinar esses cheques.

Na Berkshire, queremos que nossas políticas de compensação sejam fáceis e entender


e alinhadas com o que queremos que nossos associados façam. Subscrever novos negócios é
caro (e, como mencionado, está ficando mais caro ainda). Se fôssemos incluir esses custos no
cálculo dos bônus - que era como a gestão fazia antes de comprarmos a GEICO - nós
estaríamos penalizando nossos associados por obter novas apólices, muito embora elas sejam
de grande interesse para a Berkshire. Assim, com efeito, dizemos a nossos associados que o
custo de novas apólices é inteiramente nosso. Na verdade, como o percentual de novos
segurados faz parte de nosso plano de compensação, nós premiamos nossos associados por
fechar contratos que são inicialmente pouco rentáveis. E então os premiamos por segurar os
custos em nossos contratos envelhecidos.

Apesar do forte marketing que fazemos, nossa melhor fonte de novos negócios é o
boca-a-boca feito por nossos atuais segurados que, de maneira geral, se mostram muito
satisfeitos com nosso serviço e preço. Um artigo publicado no ano passado pela ​Kiplinger’s
Personal Finance Magazine deu um bom panorama de onde estamos em relação à satisfação
do cliente: a pesquisa feita pela revista com 20 seguradoras mostrou que a taxa de reclamação
da GEICO estava muito abaixo da taxa da maioria de seus competidores.

O forte fluxo de recomendação que usufruímos significa que nós provavelmente


poderíamos manter o número corrente de segurados gastando apenas U$ 50 milhões por ano
em anúncios. Isso é uma estimativa, é claro, e nós nunca iremos saber se é acurada porque o
pé de Tony permanecerá no pedal do acelerador do marketing (e meu pé estará em cima do
dele). Mesmo assim, quero enfatizar que a maior parte dos U$ 300-350 milhões que iremos
gastar em 2000 com marketing, assim como os grandes custos adicionais que iremos incorrer
com vendedores, comunicação e instalações, são despesas opcionais que escolhemos fazer
para atingir um crescimento significativo e estender e solidificar a promessa da marca GEICO
na mente dos americanos.

Pessoalmente, acredito que esses gastos são os melhores que a Berkshire pode fazer.
Por meio de seus anúncios, a GEICO está adquirindo uma relação direta com uma enorme
quantidade de domicílios que, em média, irão nos mandar U$ 1.100 dólares ano após ano. Isso
nos torna - dentre todas as companhias vendendo qualquer tipo de produto - uma das maiores
empresas de venda direta do país. Além disso, conforme construímos relação de longo prazo
com mais e mais famílias, o dinheiro continua entrando, ao invés de sair (os fundamentos de
negócios na internet não se aplicam aqui). No ano passado, conforme a GEICO aumentou a
sua base de clientes em 766.256 pessoas, ela embolsou U$ 590 milhões em dinheiro com
ganhos operacionais e com o aumento do ​float​.

Nos últimos três anos, aumentamos nossa participação de mercado em seguro pessoal
de automóveis de 2,7% para 4,1%. Mas nós merecemos estar em muito mais casas - talvez até
na sua. Ligue para nós e descubra. Cerca de 40% das pessoas que fazem um orçamento
conosco descobrem que podem economizar com as apólices. A proporção não é de 100%
porque as seguradoras diferem em seus julgamentos de subscrição, com algumas dando mais
crédito do que nós a motoristas que vivem em certas regiões ou que trabalham em
determinados empregos. Nossa proporção de contratos fechados indica, porém, que nós
oferecemos o preço mais baixo com mais frequência do que qualquer outra seguradora
nacional. Além disso, em 40 estados nós podemos oferecer um desconto especial -
normalmente de 8% - aos nossos acionistas. Se identifique como um acionista da Berkshire
para que nossos vendedores possam fazer os ajustes apropriados no preço.
************

É com tristeza que informo que Lorimer Davidson, ex-presidente da GEICO, morreu em
novembro passado, poucos dias após completar 97 anos. Para a GEICO, Davy foi um gigante
que levou a empresa a patamares muito mais altos. Para mim, ele era um amigo, professor e
herói. Eu já contei a vocês sobre toda a bondade que ele teve comigo ao longo da vida. Eu
teria seguido um caminho bem diferente caso ele não tivesse feito parte da minha história.
Tony, Lou Simpson e eu visitamos Davy em agosto e ficamos impressionados com sua
prontidão mental - especialmente nos assuntos relacionados com a GEICO. Ele foi o principal
incentivador da empresa até o fim, e nós iremos sentir sua falta eternamente.

Serviços de aviação

Nossas duas companhias de serviços de aviação - FlightSafety International (“FSI”) e


Executive Jet Aviation (“EJA”) - são ambas líderes em seus mercados. A EJA, que vende e
administra participações fracionárias em jatos por meio de seu programa NetJets é maior do
que seus dois outros maiores competidores somados. A FSI treina pilotos (e outros
profissionais de transporte) e é cinco vezes maior do que seu competidor mais próximo.

Outra característica em comum dessas duas empresas é que elas ainda são
administradas por seus fundadores. Al Ueltschi deu início à FSI em 1951 com U$ 10.000, e
Rich Santulli inventou a indústria de participações fracionárias em 1986. Esses dois homens
são gestores notáveis que não têm nenhuma necessidade financeira de trabalhar, mas que
prosperam ao ajudar suas companhias crescerem e se tornarem de excelência.

Embora essas duas companhias tenham posições de liderança parecidas, elas


possuem fundamentos econômicos diferentes. A FSI precisa gastar uma enorme quantidade de
capital. Um único simulador de voo pode custar U$ 15 milhões - e nós temos 222 deles.
Apenas uma pessoa por ser treinada por vez em um simulador, o que significa que o
investimento de capital por dólar de receita na FSI é excepcionalmente alto. Assim sendo, as
margens operacionais devem ser altas caso queiramos ter um retorno razoável sobre o capital.
No ano passado, tivemos um gasto de capital de U$ 215 milhões na FSI e FlightSafety Boeing,
que é sua afiliada detida em 50%.

Na EJA, por outro lado, o cliente é dono do equipamento, embora nós, é claro,
tenhamos que investir em uma frota própria para oferecer um serviço de primeira linha. Por
exemplo, o domingo seguinte ao Dia de Ação de Graças, o dia mais movimento da EJA no ano,
tensiona os nossos recursos uma vez que frações de 169 aviões são detidas por 1.412
clientes, muitos dos quais são inclinados a voltar para casa entre 15h e 18h. Nesse dia em
específico, e em alguns outros, precisamos de uma oferta de aviões detidos pela própria
empresa de forma a garantir que todos os nossos clientes cheguem onde quiserem, na hora
que quiserem.

Ainda assim, a maioria dos aviões que voamos são detidos por nossos clientes, o que
significa que margens modestas (antes de impostos) nesse ramo de negócios podem produzir
bons retornos sobre o patrimônio. Atualmente, nossos clientes detêm aviões que, somados,
valem mais de U$ 2 bilhões. Além disso, temos pedidos para novos aviões que somam U$ 4,2
bilhões. De fato, o fator limitante atualmente em nossa empresa é a disponibilidade de aviões.
Nós somos responsáveis hoje por cerca de 8% dos pedidos de jatos executivos ao redor do
mundo, e gostaríamos que esse percentual fosse ainda maior. Embora a EJA tenha passado
por 1999 com uma restrição de oferta, suas receitas recorrentes - pagamentos de taxas
mensais mais taxas de horas voadas - aumentaram em 46%.

A indústria da participação fracionária ainda está em seus primeiros anos. A EJA está
agora construindo uma massa crítica na Europa, e iremos expandir para todo o mundo com o
passar do tempo. Fazer isso vai ficar caro - muito caro - mas nós estamos dispostos a pagar. O
ganho de escala é vital, tanto para nós quanto para nossos clientes: a companhia com o maior
número de aviões voando ao redor do mundo é aquela que irá oferecer o melhor serviço a seus
consumidores. “Compre uma fração, leve uma frota” tem um sentido literal na EJA.

A EJA desfruta de uma outra importante vantagem: suas duas principais competidoras
são subsidiárias de fabricantes de aviões e vendem apenas as aeronaves fabricadas pela
matriz. Embora sejam aviões muito bons, essas empresas competidoras acabam ficando
severamente limitadas em estilos de cabine e capacidades de missão que podem oferecer. A
EJA, por outro lado, oferece uma grande gama de aviões feitos por cinco fabricantes. Por
consequência, oferecemos aos nossos clientes exatamente aquilo que eles querem comprar -
ao invés de oferecer aquilo que o fabricante quer vender.

Na carta do ano passado, eu descrevi o encanto que minha família teve com um plano
de um quarto (200 horas de voo anuais) de um Hawker 1000 que tínhamos desde 1995. Eu
fiquei tão empolgante com a minha própria descrição que pouco depois assinei um contrato de
1/16 de um Cessna V Ultra também. Agora as minhas despesas anuais somadas com a EJA e
a Borsheim’s chegam a dez vezes o meu salário. Encare isso como um guia do quanto gastar
com as subsidiárias da Berkshire.

Durante o último ano, dois diretores externos da Berkshire também assinaram planos
com a EJA. (Talvez nós estejamos pagando eles bem demais.) E tenha em mente que eles e
eu pagamos exatamente o mesmo preço pelos aviões e pelo serviço que qualquer outro
cliente: a EJA segue a política de “nação mais favorecida”4, de forma que ninguém tem direito a
receber uma oferta especial.

4
Nação mais favorecida é um status que uma nação atribui a outra no comércio internacional. Significa
que a nação beneficiada terá garantidas as vantagens comerciais – como redução de tarifas – que
qualquer outra nação recebe.
E agora, se prepare. No ano passado, a EJA passou em seu teste final: ​o Charlie
assinou um plano​. Nenhum outro aval poderia ser mais eloquente para atestar o valor do
serviço da EJA. Nos ligue em 1-800-848-6436 e peça por nosso material sobre participação
fracionária.

Aquisições de 1999

Tanto na GEICO quanto na Executive Jet, nossa melhor fonte de novos clientes são os
que já estão conosco e gostam de nosso serviço. Cerca de 65% dos novos donos de
aeronaves chegam até nós por indicação de clientes nossos que se apaixonaram pela
empresa.

Nossas aquisições costumam seguir a mesma linha. Em outras empresas, os


executivos costumam buscar possibilidades de aquisição por meio de bancos de investimento,
usando um processo de leilão que se tornou padronizado. Nesse exercícios, os banqueiros
preparam um “balanço” que me faz lembrar dos quadrinhos do Superman que eu lia quando
jovem. Na versão de Wall Street, uma companhia que antes não tinha nada de especial sai da
cabine telefônica do banco pronta para superar todos os seus competidores em um único golpe
e com lucros crescendo a um ritmo mais acelerado do que uma bala. Empolgados com a
descrição dos poderes da empresa a ser adquirida, CEOs sedentos por compras - todos são
Lois Lane, apesar de parecerem despojados - rapidamente mostram interesse.

O que é particularmente interessante nesses balanços é a precisão com que os lucros


são projetados a muitos anos pela frente. Porém, se você perguntar para o banqueiro/escritor o
quanto sua própria empresa irá lucrar no próximo mês, ele irá adotar uma postura defensiva e
dizer que as empresas e o mercado são muito incertos para que ele faça qualquer tipo de
previsão.

Eis uma história que eu não posso deixar passar: em 1985, um grande banco de
investimentos decidiu assumir a tarefa de vender a Scott Fetzer, oferecendo a empresa para
várias pessoas - sem sucesso. Ao ler sobre isso, escrevi para Ralph Schey, o então e ainda
atual CEO da Scott Fetzer, expressando meu interesse em comprar o negócio. Eu nunca havia
me encontrado com Ralph, mas dentro de uma semana chegamos a um acordo. Infelizmente, o
contrato da Scott Fetzer com o banco a fez desembolsar U$ 2,5 milhões com a venda, mesmo
o banco não tendo participado de maneira alguma da negociação em si. Acho que o banqueiro
se sentiu na obrigação de fazer alguma coisa para justificar o pagamento, de forma que ele
graciosamente nos ofereceu uma cópia do balanço da Scott Fetzer que sua firma havia
preparado. Com seu tato de sempre, Charlie respondeu: “Eu pago U$ 2,5 milhões para ​não ter
que ler isso.”
Na Berkshire, nossa estratégia muito bem pensada para fazer aquisições é
simplesmente esperar o telefone tocar. Felizmente ele às vezes toca, normalmente porque um
gestor que já vendeu para nós em algum momento anterior recomendou que algum outro
amigo que se encaixava em nosso crivo fizesse o mesmo.

E isso nos traz ao ramo de móveis. Dois anos atrás, contei como a aquisição do
Nebraska Furniture Mart em 1983 e minha subsequente associação com a família Blumkin
levou às aquisições subsequentes da R.C. Willey (1995) e Star Furniture (1997). Para mim,
todas essas relações têm sido magníficas. Não só a Berkshire adquiriu três varejistas incríveis,
como essas mesmas aquisições me permitiram criar vínculos de amizade com algumas das
melhores pessoas que você irá conhecer.

Naturalmente, eu sempre perguntei de maneira insistente para os Blumkin, Bill Child e


Melvyn Wolff se existiam outros negócios tão bons como os deles. A resposta que todos eles
davam apontava para os irmãos Tatelman, de New England, com sua incrível loja de móveis, a
Jordan’s.

Eu conheci Barry e Eliot Tatelman no ano passado, e nós rapidamente chegamos a um


acordo para a Berkshire adquirir a empresa. Assim como nas nossas três aquisições anteriores
no ramo de móveis, essa era uma companhia que estava na família há muito tempo - no caso,
desde 1927, que foi quando o avô de Barry e Eliot deu início à empresa no subúrbio de Boston.
Sob a gestão dos irmãos, a Jordan’s se tornou ainda mais dominante na região, se tornando o
maior comércio de móveis em New Hampshire, assim como em Massachusetts.

Os Tatelman não apenas vendem móveis ou administram lojas. Eles presenteiam os


clientes com uma deslumbrante experiência chamada de ​shoppertainment​. Uma família que
visita a loja pode curtir a experiência ao mesmo tempo em que têm acesso a uma
extraordinária seleção de produtos. Os resultados da empresa também são extraordinários: a
Jordan’s tem uma taxa mais alta de vendas por metro quadrado do que qualquer outra loja de
móveis no país. Eu peço que você visite uma de suas lojas se você estiver na região de Boston
- especialmente a que fica em Natick, que é a loja mais recente da Jordan’s. Traga dinheiro.

Barry e Eliot são pessoas elegantes - assim como as pessoas das três outras famílias
do ramo de móveis da Berkshire. Quando eles venderam a companhia para nós, eles decidiram
dar a cada um de seus empregados um mínimo de 50 centavos de dólar por cada hora
trabalhada na Jordan’s desde suas contratações. Esses pagamentos somaram U$ 9 milhões e
saíram dos bolsos dos Tatelman, não da Berkshire. E Barry e Eliot ficaram feliz em assinar as
compensações.

Cada uma de nossas operações no ramo de móveis é líder em seus respectivos


territórios. Nós agora vendemos mais móveis do que qualquer outra pessoa em Massachusetts,
New Hampshire, Texas, Nebraska, Utah e Idaho. No ano passado, Melvyn Wolff e sua irmã,
Shirley Toomim, ambos da Star’s, conquistaram dois grandes objetivos: uma inauguração em
San Antonio e uma grande ampliação na loja da Star’s em Austin.

Não há nenhuma outra operação em móveis que se assemelhe à montada pela


Berkshire. É divertido para mim e lucrativo para você. W.C. Fields5 disse certa vez que “Foi
uma mulher que me levou a beber mas, infelizmente, nunca tive a chance de agradecê-la.” Não
quero cometer esse mesmo erro. Meus agradecimentos vão para Louie, Ron e Irv Blumkin por
terem me iniciado no setor de móveis e por inequivocamente me guiar para que pudéssemos
montar o time que temos hoje.

************

Vamos agora para a nossa segunda aquisição do ano: ela aconteceu por meio do meu
grande amigo Walter Scott Jr., presidente da Level 3 Communications e um dos diretores da
Berkshire. Walter tem muitas outras conexões no mundo corporativo também, e uma delas é
com a MidAmerican Energy, uma companhia de energia na qual ele possui uma posição
significativa e na qual tem uma posição no conselho. Em uma conferência na Califórnia em que
nós dois participamos em setembro passado, Walter casualmente me perguntou se a Berkshire
teria interesse em fazer um grande investimento na MidAmerican, e a ideia de ter uma parceria
com Walter me pareceu boa desde o princípio. Ao voltar para Omaha, li algumas das
declarações financeiras da MidAmerican e tive duas reuniões breves com Walter e David Sokol,
o talentoso e empreendedor CEO da MidAmerican. Então eu disse que, a um preço razoável,
teríamos interesse em fechar negócio.

Aquisições no setor elétrico são complicadas por uma variedade de regulações,


incluindo o Public Utility Holding Company Act de 1935. Dessa forma, tivemos que estruturar
uma transação para evitar que a Berkshire ganhasse o voto controlador. Assim, compraremos
um ativo prefixado de 11%, junto com uma combinação de ações ordinárias e preferenciais
conversíveis que darão à Berkshire pouco menos de 10% de poder de voto na MidAmerican,
mas cerca de 76% de participação na empresa em si. Somando tudo, nosso investimento será
de cerca de U$ 2 bilhões.

Walter, como de costume, deu corpo às suas convicções com dinheiro próprio: ele e sua
família irão comprar mais ações à vista da MidAmerican quando a transação se encerrar,
elevando seus investimentos totais para cerca de U$ 280 milhões. Walter também passará a
ser o acionista controlador da companhia, e não consigo pensar em uma pessoa melhor para
ocupar esse cargo.

Embora já existam inúmeras restrições regulatórias na indústria de utilidades (energia,


gás, água, etc), é possível que aumentemos nossa posição no setor. Se assim o fizermos, as
quantias envolvidas poderão atingir grandes volumes.

5
Comediante e escritor americano.
Contabilidade nas aquisições

Mais uma vez, gostaria de fazer alguns comentários sobre contabilidade, neste caso
sobre sua aplicação nas aquisições. Este é um tópico bastante controverso, e é bastante
possível que o Congresso interfira antes mesmo da poeira baixar (o que seria uma ideia
realmente terrível).

Quando uma empresa é adquirida, os termos GAAP6 atualmente aceitam duas


maneiras bem diferentes de registrar a transação: “compra” e “​pooling​”. No ​pooling​, a moeda
de troca deve ser ações; em uma compra, o pagamento pode ser feito tanto em dinheiro quanto
em ações. Qualquer que seja a moeda, as gestões normalmente detestam a contabilidade
envolvida em aquisições porque ela quase sempre requer que um valor de ​goodwill seja
estabelecido e subsequentemente amortizado - um processo que diminui os lucros com um
grande desconto anual, que normalmente persiste por décadas. Por outro lado, o ​pooling não
requer o reconhecimento de ​goodwill​, e por isso mesmo é a opção preferida da maioria das
gestões empresariais.

Atualmente, o ​Financial Accounting Standards Board (“FASB”), responsável por definir


as regras contábeis, está querendo acabar com o ​pooling​, o que está fazendo muitos CEOs
rangerem os dentes. Vai ser uma luta importante, de modo que iremos emitir algumas opiniões.
Para começar, concordamos com muitos gestores que dizem que as amortizações do ​goodwill
são, normalmente, espúrias. Você pode ler mais a respeito do que penso sobre isso no
apêndice da carta de 1983, que está disponível em nosso website, ou no Manual do Acionista,
nas páginas 55-62​.

Regras contábeis que tornam mandatória a amortização que, na maior parte dos casos,
irá entrar em conflito com a realidade é algo problemático: a maioria das amortizações
contábeis tem relação com o que está acontecendo de verdade, mesmo se não forem
exatamente precisas. Como um exemplo, os descontos de depreciação não conseguem
calibrar com precisão o declínio no valor que os ativos físicos sofrem, mas elas ao menos
descrevem algo que realmente está ocorrendo: ativos físicos invariavelmente se deterioram.
Correspondentemente, descontos de obsolescência a estoques, crédito ruim em recebíveis e
provisionamento para garantias estão entre as cobranças que refletem custos verdadeiros. Os
valores anuais desses gastos não podem ser calculados com exatidão, mas a necessidade de
estimá-los é óbvia.

Em contraste, o ​goodwill econômico, em muitos casos, não diminui. Na verdade, várias


vezes - talvez na maioria - ele acaba aumentando de valor ao longo do tempo. O ​goodwill

6
​Generally Accepted Accounting Principles (ou Termos Contábeis Normalmente Aceitos). Conjunto de
regras contábeis para a apresentação e padronização dos resultados das empresas.
econômico acaba sendo muito semelhante a um terreno: o valor dos dois ativos certamente irá
flutuar, mas a direção dessa flutuação está longe de ser bem ordenada. Na See’s, por exemplo,
o ​goodwill ​econômico cresceu, de maneira irregular mas de forma bastante substancial, por 78
anos. E se continuarmos administrando a companhia da maneira correta, um crescimento
desse tipo provavelmente continuará acontecendo por, pelo menos, outros 78 anos.

Para escapar da ficção das amortizações de ​goodwill​, os gestores se agarram à ficção


do ​pooling​. Essa convenção contábil é baseada na noção poética de que quando dois rios se
unem em um só, suas correntezas se tornam indistinguíveis. Sob esse conceito, uma
companhia que se fundiu em uma empresa maior não foi “comprada” (muito embora tenha
recebido um grande prêmio por isso). Consequentemente, nenhum ​goodwill é criado, a aqueles
chatos descontos nos lucros acabam sendo eliminados. No lugar disso, a contabilidade para a
nova entidade passa a ser feita como se os dois negócios sempre tivessem sido um só.

Mas a poesia acaba por aí. A realidade de uma fusão costuma ser muito diferente.
Existe, sem a menor dúvida, uma adquirente e uma adquirida, e esta última é a parte que foi
“comprada”, não importa como a negociação tenha sido estruturada. Se você pensa de outra
forma, pergunte aos funcionários demitidos qual companhia foi a conquistadora e qual foi a
conquistada. Não restará a menor dúvida. Assim, neste ponto o FASB está correto: na maioria
das fusões, uma compra foi feita. Sim, existem verdadeiras “fusões de iguais”, mas elas são
poucas e raras.

Charlie e eu acreditamos que existe uma abordagem baseada na realidade que irá
satisfazer tanto o FASB, que corretamente deseja registrar as aquisições como compras,
quanto os gestores que contestam as amortizações do ​goodwill​. Primeiro, a empresa
adquirente iria ter de registrar o preço de compra - seja em dinheiro ou em ações - a um valor
justo. Na maioria dos casos, esse procedimento iria criar um grande ativo representando o
goodwill econômico. Então, deixaríamos esse ativo registrado no balanço, tornando
desnecessária a amortização. Mais tarde, caso o ​goodwill ​econômico se deteriorasse, como
pode eventualmente acontecer, ele sofreria um ​writedown​, assim como acontece com qualquer
outro ativo que passa por alguma deterioração.

Se essa nossa regra proposta fosse adotada, ela deveria ser aplicada retroativamente
de forma que toda a contabilidade de aquisições se tornasse consistente no país todo - algo
muito longe do que existe atualmente. Uma previsão: se esse plano fosse colocado em prática,
os gestores iriam estruturar as aquisições de maneira mais razoável, decidindo usar dinheiro ou
ações baseados nas reais consequências aos seus acionistas, ao invés das consequências
irreais aos lucros reportados.

************

Na nossa compra da Jordan’s, nós seguimos um procedimento que irá maximizar o


dinheiro produzido para nossos acionistas, mas que irá minimizar os lucros que iremos reportar
a vocês. A Berkshire comprou os ativos por dinheiro, uma abordagem que nos permite
amortizar o ​goodwill resultante em um período de 15 anos. Obviamente, essa dedução nos
impostos aumenta de forma material a quantidade de dinheiro gerada pelo negócio. Por outro
lado, quando ações, ao invés de ativos, são compradas com dinheiro, a eliminação do ​goodwill
não é passível de ser deduzida no imposto. A diferença econômica dessas duas abordagens é
substancial.

Do ponto de vista econômico da empresa adquirente, o pior tipo de aquisição a ser feita
é ação-por-ação. Neste cenário, um preço enorme costuma ser pago sem um aumento da base
tributária da ação da adquirida ou de seus ativos. Se a entidade adquirente é posteriormente
vendida, seu dono pode dever um imposto muito grande sobre os ganhos de capital (a uma
taxa de 35% ou maior), mesmo se a venda resultar, na verdade, em uma grande perda
econômica.

Nós já fizemos algumas aquisições na Berkshire que usaram estruturas tributárias longe
de serem classificadas como ótimas. Esses negócios foram fechados porque a parte
vendedora insistiu em uma determinada estrutura e porque, de maneira geral, sentíamos que a
aquisição ainda fazia sentido. Porém, nós nunca fechamos um acordo mal estruturado para
fazer nossos números parecerem melhores.

Fontes dos ganhos reportados

A tabela a seguir mostra as principais fontes dos ganhos reportados pela Berkshire.
Nessa forma de apresentação, os ajustes contábeis de preço de compra não são feitos a
empresas específicas, mas sim aglutinados e mostrados em separado. Esse procedimento
permite que você veja os lucros de nossas empresas da forma que eles seriam reportados por
elas caso nós nãos as tivéssemos comprado. Por razões discutidas ​na página 61​, essa forma
de apresentação nos parece ser mais útil a investidores e gestores do que a apresentação
GAAP, que requer que os ajustes de preço de compra sejam feitos empresa a empresa. Os
lucros totais que nós mostramos na tabela são, é claro, idênticos aos lucros totais GAAP que
constam em nossas declarações financeiras auditadas.
(1) Inclui a Executive Jet a partir de 7 de agosto e 1998.
(2) Inclui a Jordan’s Furniture a partir de 13 de novembro de 1999.
(3) Exclui as despesas com juros do setor financeiro.
(4) Inclui as operações da General Re por dez dias em 1998.

Quase todos os nossos negócios de manufatura, varejo e serviço tiveram excelentes


resultados em 1999. A exceção foi a Dexter Shoe, e o problema não ocorreu por conta de
problemas na gestão: nos quesitos habilidade, energia e devoção ao trabalho, os executivos da
Dexter são iguais aos nossos outros gestores. Mas nós produzimos calçados principalmente
nos EUA, e tem se tornado extremamente difícil para produtores domésticos competirem de
maneira eficaz. Em 1999, aproximadamente 93% dos 1,3 bilhão de pares de calçados
comprados no país vieram de fora, onde uma mão-de-obra extremamente barata é a regra.

Contando a Dexter e a H.H. Brown, nós atualmente somos a principal fabricante de


calçados no país, e temos tudo para continuar sendo. Nós temos trabalhadores leais e
altamente qualificados nas nossas fábricas nos EUA, e queremos reter o máximo de empregos
que pudermos. Mesmo assim, para continuarmos viáveis, nós estamos aumentando nossa
parcela de produção no exterior. Ao fazer isso, nós incorremos em significativos dispêndios e
custos de realocação, já incluídos nos lucros mostrados na tabela.
Alguns anos atrás, a Helzberg’s, nossa operação no ramo joalheiro com mais de 20
anos, precisou fazer ajustes operacionais para restaurar as margens para níveis apropriados.
Sob o comando de Jeff Comment, o trabalho foi feito e os lucros se recuperaram rapidamente.
No setor de calçados, onde temos Harold Alfond, Peter Lunder, Frank Rooney e Jim Issler no
comando, acredito que iremos ver uma melhora parecida ao longo dos próximos anos.

A See’s Candies merece um comentário especial, dado que a empresa atingiu uma
margem operacional recorde de 24% no ano passado. Desde que compramos a See’s por U$
25 milhões em 1972, ela lucrou U$ 857 milhões (antes de impostos). E, apesar de seu
crescimento, a empresa exigiu pouquíssimo capital adicional. Dê o crédito por esse
desempenho a Chuck Huggins. Charlie e eu o colocamos na liderança da companhia no dia em
que a compramos, e sua insistência fanática tanto em qualidade do produto quanto em oferecer
um bom serviço trouxe benefícios para os clientes, empregados e acionistas.

Chuck melhora a cada ano. Quando ele assumiu a See’s aos 46 anos de idade, o lucro
antes de impostos da companhia, expresso em milhões, era de cerca de 10% da sua idade.
Hoje ele está com 74 anos, e a taxa aumentou para 100%. Ao descobrir essa relação
matemática - vamos chamá-la de Lei de Huggins - Charlie e eu ficamos inebriados com o mero
pensamento do próximo aniversário de Chuck.

************

Informações adicionais a respeito de nossos vários negócios podem ser encontradas


nas páginas 39-54​, onde você irá encontrar também nossos ganhos segmentados reportados
na base GAAP. Além disso, ​nas páginas 63-69​, nós rearranjamos os dados financeiros da
Berkshire em quatro segmentos em uma base não-GAAP, que é uma apresentação que
corresponde à forma com que Charlie e eu pensamos a respeito da companhia.

Ganhos ​look-through

Os ganhos reportados são uma medida inadequada do progresso econômico da


Berkshire, em parte porque os números mostrados na tabela anterior incluem apenas os
dividendos que recebemos de nossas empresas investidas - embora esses dividendos
tipicamente representem apenas uma pequena fração dos ganhos atribuíveis às nossas
participações. Não que nos importemos com essa divisão do dinheiro, uma vez que
consideramos os ganhos não distribuídos por nossas investidas como mais valiosos a nós do
que a porção que nos é paga. A razão por trás disso é simples: nossas investidas
frequentemente têm a oportunidade de reinvestir os ganhos a taxas mais altas de retorno.
Sendo assim, por que iríamos querer que elas os distribuíssem?
Para ilustrar algo mais próximo da realidade econômica da Berkshire do que os ganhos
reportados, nós usamos o conceito de ganhos ​look-through​. A forma de calculá-los é a
seguinte: (1) os ganhos operacionais reportados na seção anterior, somados com; (2) nossa
parcela de ganhos operacionais retidos pelas nossas principais empresas investidas que, sob a
contabilidade GAAP, não se refletem em nossos lucros, menos; (3) um valor de imposto que
seria pago pela Berkshire caso os ganhos retidos pelas investidas fossem distribuídos para
nós. Ao tabular os “ganhos operacionais”, excluímos os ajustes contábeis de preço de compra,
assim como ganhos de capital e outros itens não-recorrentes.

A tabela a seguir mostra nossos ganhos ​look-through de 1999, embora eu já avise que
os valores são apenas aproximações, uma vez que são baseados em uma certa quantidade de
premissas. (Os dividendos pagos a nós pelas investidas foram incluídas nos ganhos
operacionais itemizados ​na página 13​, a maioria no item “Insurance Group: Net Investment
Income.”)

(1) Não inclui ações atribuíveis a participações minoritárias.


(2) Calculado na média de participação ao longo do ano.
(3) A taxa de tributação usada é 14%, que é a taxa que a Berkshire paga pelos dividendos
que recebe.

Investimentos

Apresentamos a seguir os nossos investimentos em ações. Aqueles que tinham um


valor de mercado maior que U$ 750 milhões ao final de 1999 foram itemizados.
* Representa o custo tributário que, somado, é U$ 691 milhões menor do que o custo GAAP.

Nós fizemos poucas mudanças no portfólio em 1999. Como comentei anteriormente,


algumas companhias que temos grandes posições tiveram resultados decepcionantes no ano
passado. Mesmo assim, acreditamos que essas companhias têm vantagens competitivas
importantes que irão passar no teste do tempo. Esse atributo, que é ótimo para bons resultados
de investimento a longo prazo, é um que Charlie e eu ocasionalmente acreditamos sermos
capazes de identificar. No entanto, frequentemente não conseguimos - ao menos não com um
alto grau de convicção. Isso explica, a propósito, porquê não temos ações de empresas de
tecnologia, embora partilhemos da opinião geral de que nossa sociedade será transformada
por seus produtos e serviços. O nosso problema - que não é passível de ser resolvido com
estudo - é que nós não temos insights sobre quais participantes do setor de tecnologia
possuem uma vantagem competitiva realmente duradoura.

Nossa falta de insights em tecnologia, vale acrescentar, não é algo que nos incomoda.
Afinal de contas, existem muitas outras áreas de negócio que Charlie e eu não temos nenhuma
expertise em alocação de capital. Por exemplo, nós não temos nada a dizer a respeito da
avaliação de patentes, processos de manufatura ou prospectos geológicos. Então nós
simplesmente não tomamos decisões nessas áreas.

Se temos alguma vantagem, ela está em reconhecer quando estamos operando dentro
do nosso círculo de competência e quando estamos próximos de seu limite. Predizer os
fundamentos econômicos de companhias que operam em indústrias que mudam muito
depressa está simplesmente fora do nosso alcance. Se outras pessoas dizem ter capacidades
preditivas nessas indústrias - e parecem ter suas afirmações validadas pelo comportamento do
mercado de ações - nós não sentimos inveja, tampouco tentamos imitá-los. No lugar disso, nós
simplesmente permanecemos com aquilo que entendemos. Se começarmos a divagar por
áreas fora do nosso círculo, nós o faremos inadvertidamente, e não porque ficamos inquietos e
substituímos racionalidade por esperança. Felizmente, é quase certo que haverá oportunidades
de tempos em tempos para a Berkshire se sair bem dentro do círculos que delimitamos.

No momento, os preços das boas empresas que temos não estão tão atrativos. Em
outras palavras, nós temos um sentimento muito mais positivo em relação às empresas em si
do que em relação às suas ações. É por isso que não aumentamos nossas posições atuais.
Mesmo assim, nós não reduzimos nosso portfólio de nenhuma maneira significativa: se a
escolha se dá entre um negócio questionável a um preço confortável e um negócio confortável
a um preço questionável, nós preferimos muito mais esta última. O que realmente chama a
nossa atenção, porém, é um negócio confortável a um preço confortável.

Nossas reservas a respeito dos preços dos títulos que temos também se aplicam ao
nível geral de preços das ações. Nós nunca tentamos prever o que o mercado de ações irá
fazer no próximo mês ou no próximo ano, e não estamos tentando fazer isso agora. Porém,
como aponto no artigo anexo a esta carta, os investidores de ações parecem estar otimistas
demais com suas expectativas a respeito de retornos futuros.

Nós vemos o crescimento dos lucros corporativos como sendo altamente atrelado ao
volume de negócios feitos no país (PIB), e vemos o PIB crescendo a uma taxa real de cerca de
3%. Além disso, estimamos uma inflação de 2%. Charlie e eu não temos nenhuma convicção
em particular a respeito dos 2%. No entanto, é a visão do mercado: os títulos de inflação do
Tesouro estão pagando cerca de dois pontos percentuais a menos do que um título padrão do
Tesouro, e se você acredita que a inflação vai ser maior do que isso, você pode lucrar
simplesmente comprando títulos atrelados à inflação e vendendo os outros.

Se os lucros realmente crescerem em linha com o PIB, a uma taxa próxima de 5%, o
valuation das empresas americanas dificilmente crescerá acima disso. Adicione alguma coisa
para levar em contas os dividendos e você chegará a retornos para ações que são muito
menores do que a maioria dos investidores já experienciou no passado ou espera ter no futuro.
Se as expectativas ficarem mais realistas - e elas quase certamente ficarão - o ajuste de
mercado tem tudo para ser severo, especialmente nos setores de maior especulação.

A Berkshire algum dia terá oportunidades de alocar grandes quantidades de dinheiro no


mercado de ações - temos certeza disso. Mas, como diz uma certa música, “​who knows where
or when?​”7 No ínterim, se alguém começar a lhe oferecer explicações sobre o que está
acontecendo nos setores mais maníaco-depressivos desse mercado “encantado”, talvez valha
a pena se lembrar de uma outra música: “​fools give you reasons, wise men never try​.”8

Recompras de ações

Recentemente, alguns de nossos acionistas sugeriram que a Berkshire fizesse uma


recompra de suas ações. A maioria dos pedidos foi bem racional, mas alguns deles usaram
uma lógica espúria.

7
Música de Frank Sinatra. Pode ser traduzida como “quem sabe onde ou quando?”
8
Outra música de Sinatra. Pode ser traduzida como “tolos lhe dão razões, os sábios sequer tentam.”
Existe apenas uma combinação de fatores que torna aconselhável a uma empresa
recomprar suas ações: primeiro, a companhia tem fundos disponíveis - caixa somado com uma
grande capacidade de pegar dinheiro emprestado - que vão além das necessidades de curto
prazo do negócio e, segundo, as ações estão sendo negociadas abaixo do seu valor intrínseco,
que deve ser calculado de maneira conservadora. A isso nós fazemos uma ressalva: os
acionistas devem sempre ter acesso à toda informação necessária para calcular o valor
intrínseco da companhia. Do contrário, ​insiders podem se aproveitar da falta de acesso a dados
de outras partes e comprar suas participações a uma fração de seu real valor. Nós já vimos
isso acontecer algumas vezes, embora seja algo raro. Porém, o uso de chicanas normalmente
é empregado para fazer o preço da ação subir, não cair.

As “necessidades” do negócio que mencionei são de dois tipos: primeiro, gastos que a
companhia precisa fazer para manter sua posição competitiva (e.g., a reforma das lojas da
Helzberg’s) e, segundo, despesas opcionais destinadas ao crescimento do negócio e as quais
a gestão espera produzir mais de um dólar de valor para cada dólar gasto (expansão da R.C.
Willey para Idaho).

Quando os fundos disponíveis ultrapassam as necessidades desses dois tipos, uma


companhia com uma base acionária voltada ao crescimento pode comprar novos negócios ou
recomprar ações. Se a ação de uma empresa está sendo negociada bem abaixo de seu valor
intrínseco, as recompras normalmente fazem muito sentido. No meio da década de 1970, fazer
recompras era algo do tipo ​screaming buy9, mas poucos gestores ouviram o chamado. Na
maioria dos casos, aqueles que o fizeram tornaram seus acionistas muito mais ricos do que se
outras alternativas de ação tivessem sido seguidas. De fato, durante os anos 1970 (e,
esporadicamente, alguns anos depois disso) nós procurávamos por empresas que tinham
grandes planos de recompra. Isso normalmente era um indicativo de que a empresa estava
sendo negociada a um preço abaixo do valor intrínseco e era administrada por uma gestão
orientada ao acionista.

Isso não acontece mais. Agora as recompras são feitas aos montes, mas por uma razão
velada e, em nossa opinião, ignóbil: para subir ou manter artificialmente o preço da ação. O
acionista que decide vender atualmente, é claro, se beneficia com qualquer comprador,
qualquer que seja sua origem ou motivação. Mas o acionista que se mantém firme em sua
posição é penalizado pelas recompras acima do valor intrínseco. Comprar uma nota de um
dólar por U$ 1,10 não é algo bom para quem pretende ficar com o negócio por muitos anos.

Charlie e eu admitimos que temos confiança em estimar o valor intrínseco de apenas


algumas poucas ações e somente porque usamos um intervalo de valores, não um número
saído de algum racional pseudo-preciso. Mesmo assim, nos parece que muitas empresas que
atualmente estão fazendo recompras estão pagando demais para os acionistas que estão
saindo de suas posições em detrimento daqueles que ficam. Na defesa dessas companhias, eu

9
Termo usado quando a obviedade de se tomar uma determinada decisão é gritante.
diria que é natural um CEO se manter otimista em relação à sua própria empresa. E eles
também sabem muito mais a respeito de seus próprios negócios do que nós. No entanto, sinto
que as recompras atuais têm muito mais a ver com a gestão querer se mostrar confiante e
seguir uma tendência “da moda” do que com o desejo de aumentar o valor por ação.

Existem também empresas que dizem que recompram ações para compensar aquelas
que foram emitidas quando opções a preços muito menores foram exercidas. Essa estratégia
de comprar caro e vender barato é uma que muitos investidores infelizes acabam seguindo -
mas nunca intencionalmente! Alguns gestores, no entanto, parecem seguir essa atividade
perversa sem nenhum problema.

É claro que a concessão de opções e as recompras podem fazer sentido - mas quando
isso acontece, não é porque as duas atividades estão logicamente correlacionadas.
Racionalmente falando, a decisão de uma empresa em recomprar ações ou emiti-las deve ser
sólida o suficiente para se sustentar por si só. Só porque ações foram emitidas para cumprir
com opções - ou por qualquer outra razão - significa que as ações devem ser recompradas a
um preço acima do valor intrínseco. De maneira equivalente, uma ação que é negociada muito
abaixo de seu valor intrínseco deve ser recomprada, independentemente da emissão ou não de
mais ações (ou que poderão ser emitidas por causa de opções).

Você deve ter ciência de que, no passado, eu já cometi erros ao não fazer recompras. A
minha avaliação do valor da Berkshire nesses momentos era muito conservadora, ou eu estava
muito entusiasmado com algum uso alternativo dos fundos da empresa. Assim, perdemos
algumas oportunidades - muito embora o volume de negociação da Berkshire naqueles
momentos fosse muito pequeno para nos permitir fazer grandes recompras, o que significa que
o ganho de valor por ação teria sido mínimo. (Uma recompra de, digamos, 2% das ações da
companhia a um desconto de 25% no valor intrínseco por ação produziria, no máximo, um
ganho de 0,5% no valor - e até menos caso os fundos pudessem ser aplicados
alternativamente em movimentos de construção de valor, isto é, em recompras espaçadas.)

Algumas das cartas que recebemos claramente indicam que quem as escreveu não se
preocupa com considerações a respeito do valor intrínseco, mas quer apenas que nós
anunciemos a intenção de fazer uma recompra para que o preço da ação suba (ou que pare de
cair). Se o autor deseja vender suas ações amanhã, seu racional faz sentido - pra ele! - mas se
ele pretende manter sua posição, ele deveria torcer para a ação cair e ser negociada a um
volume grande o suficiente para nos permitir comprar muito. Essa é a única maneira que um
programa de recompra pode ter benefícios reais para um acionista de longo prazo.

Nós não iremos recomprar ações a menos que tenhamos convicção de que a ação da
Berkshire está sendo negociada muito abaixo de seu valor intrínseco, calculado de maneira
conservadora. Também não faremos nenhum movimento para fazer o preço da ação subir ou
cair artificialmente. (Eu nunca disse, em público ou em privado, para alguém comprar ou
vender ações da Berkshire.) Ao invés disso, daremos a todos os acionistas - e potenciais novos
acionistas - as mesmas informações relacionadas à valor que gostaríamos de receber caso
estivéssemos em seus lugares.

Recentemente, quando as ações da Classe A caíram abaixo de U$ 45.000,


consideramos fazer recompras. Nós decidimos, no entanto, postergar as compras, se é que
elas realmente venham a se concretizar, até que os acionistas tenham a chance de ler esta
carta. Se chegarmos à conclusão de que a recompra continua fazendo sentido, nós raramente
iremos fazer ofertas na New York Stock Exchange (“NYSE”). Ao invés disso, iremos dar
preferência a ofertas feitas diretamente a nós ao par ou abaixo da oferta feita na NYSE. Se
você deseja ofertar ações, peça para sua corretora ligar para Mark Millard no número
402-346-1400. Quando uma negociação ocorrer, a corretora pode registrá-la no “mercado
terciário”10 ou na NYSE. Nós iremos dar preferência para a compra de ações da Classe B caso
elas estejam sendo vendidas a um desconto maior do que 2% em relação às da Classe A. Nós
não iremos nos envolver em transações que tenham menos do que 10 ações A ou 50 ações B.

Por favor, tenha em mente o seguinte ponto: nós ​nunca iremos fazer compras com a
intenção de conter um declínio no preço da ação da Berkshire. Nós faremos recompras se e
quando acreditarmos que elas representam um uso atrativo do dinheiro da companhia. No
melhor dos casos, as recompras provavelmente têm um efeito bem pequeno na taxa de ganhos
futuros no valor intrínseco de nossas ações.

Doações designadas pelos acionistas

Cerca de 97,3% de todas as ações elegíveis participaram do programa de doações da


Berkshire de 1999, com um volume total de contribuições de U$ 17,2 milhões. Uma descrição
completa do programa pode ser encontrada ​nas páginas 70-71​.

No total acumulado ao longo dos 19 anos do programa, a Berkshire fez doações de U$


147 milhões de acordo com as instruções dadas por nossos acionistas. O restante das doações
da Berkshire foram feitas por nossas subsidiárias, que mantém seus padrões filantrópicos que
já existiam antes de serem adquiridas (com a exceção de que seus antigos acionistas é que se
encarregam da responsabilidade por suas doações pessoais). No total, nossas subsidiárias
fizeram doações de U$ 13,8 milhões em 1999, incluindo doações de produtos no valor de U$
2,5 milhões.

Para participar dos programas futuros, você deve ter ações da Classe A que estejam
registradas em seu próprio nome, não no nome de um terceiro, da corretora ou do banco.
Ações que não estiverem registradas até o dia 31 de agosto de 2000 não poderão participar do
programa de 2000. Quando você receber os formulários de doação, retorne-os prontamente a

10
Negociações feitas diretamente no balcão.
nós para evitar que eles sejam deixados de lado ou esquecidos. Os formulários que forem
recebidos após a data limite não serão considerados.

O encontro anual

A Woodstock para Capitalistas deste ano terá um formato um pouco diferente em


relação aos anos anteriores. Nós precisamos fazer uma mudança porque o Aksarben
Coliseum, que nos serviu bem nos últimos três anos, está gradualmente sendo fechado. Assim
sendo, estamos nos realocando para o Civic Auditorium (que fica na Capitol Avenue, entre as
ruas 18th e 19th, atrás do Doubletree Hotel), que é o único outro local em Omaha capaz de
oferecer o espaço que precisamos.

O Civic, no entanto, fica localizado bem no centro de Omaha, e nós criaríamos um


pesadelo de trânsito e estacionamento se fôssemos nos encontrar lá em um dia de semana.
Nós nos reuniremos, portanto, no sábado, dia 29 de abril, com as portas se abrindo às 7h, com
o filme se iniciando às 8:30h e o encontro em si se iniciando às 9:30h. Como de costume,
iremos seguir até às 15:30h, com um curto intervalo ao meio-dia para o almoço, que estará
disponível nos estandes do próprio Civic.

O material anexo a esta carta contém todas as explicações sobre como você pode obter
as credenciais necessárias para ser admitido no encontro e em outros eventos. Em relação à
reservas de carro, hotel e passagens de avião, nós novamente pedimos para a American
Express (800-799-6634) dar uma ajuda especial. Como sempre, teremos ônibus saindo dos
maiores hotéis para levá-los até o encontro. Após o encontro em si, os ônibus farão viagens de
volta aos hotéis, para o Nebraska Furniture Mart, Borsheim’s e o aeroporto. Mesmo assim,
talvez um carro alugado seja mais útil.

Nós já agendamos o encontro anual em 2002 e 2003 para acontecer no agora


costumeiro primeiro sábado de maio. Em 2001, no entanto, o Civic já tem reserva para este
sábado em específico, de forma que nos reuniremos no dia 28 de abril. O Civic irá atender
muito bem às nossas necessidades durante o final de semana, uma vez que haverá espaço de
sobra para estacionar por perto. Nós também conseguiremos aumentar muito o espaço que
damos para os nossos expositores. Assim, superando minha reticência comercial, irei garantir
que você tenha a maior gama possível de produtos da Berkshire que você possa comprar.
Apenas como referência, em 1999 os acionistas compraram mais de 1,3 tonelada de
chocolates da See’s, U$ 16.155 em produtos da World Book, 1.928 pares de calçados da
Dexter, 895 conjuntos de faca da Quikut, 1.752 bolas de golfe com o logotipo da Berkshire
Hathaway e 3.446 itens de vestuário da Berkshire. Eu sei que vocês podem mais do que isso.

No ano passado, iniciamos a venda de pelo menos oito participações fracionárias de


aeronaves da Executive Jet. Nós teremos novamente uma exibição de modelos no aeroporto
de Omaha no sábado e domingo para que vocês possam dar uma olhada. Peça para um
representante da EJA no Civic lhe mostrar os aviões.

A Dairy Queen também estará presente no Civic, e novamente irá doar toda a receita
para o Children’s Miracle Network. No ano passado, vendemos 4.586 sorvetes Dilly, de
chocolate e de baunilha/laranja. Além disso, a GEICO estará presente com um estande com os
melhores representantes de todo o país, todos prontos para fazer orçamentos de seguros para
seus carros. Na maioria dos casos, a GEICO poderá lhe oferecer um desconto especial de
acionista. Traga os detalhes de seu seguro atual e verifique se você pode economizar conosco.

Por fim, Ajit Jain e seus associados estarão no evento para oferecer anuidades11 livres
de comissão e apólices com limites que você não encontrará em nenhum outro lugar. Converse
com Ajit e descubra como proteger você e sua família contra um evento de U$ 10 milhões.

A loja reformada do NFM, localizado em uma área de mais de 300 mil metros
quadrados na 72nd Street, estará aberta das 10h às 21h durante a semana e das 10h às 18h
aos sábados e domingos. A loja oferece uma gama inigualável de produtos - móveis,
eletrônicos, eletrodomésticos, carpetes e computadores - a preços imbatíveis. Em 1999, o NFM
realizou vendas de mais de U$ 300 milhões na loja da 72nd, o que é um milagre considerando
que a população na área metropolitana é de 675.000 pessoas. Durante o período entre
quinta-feira, 27 de abril, até segunda-feira, 1 de maio, qualquer acionista que apresentar sua
credencial irá receber um desconto que normalmente é dado apenas para os funcionários. Nós
passamos a oferecer essa vantagem aos acionistas nos últimos anos e as vendas foram
incríveis. No encontro do ano passado, o volume no NFM foi de U$ 7,98 milhões, um aumento
de 26% em relação a 1998 e 51% em relação a 1997.

Borsheim’s - a maior joalheria do país depois da loja da Tiffany em Manhattan - terá dois
eventos para os acionistas. O primeira será uma festa de champagne e sobremesa das 18h às
22h na sexta-feira, 28 de abril. O segundo, o evento de gala, acontecerá das 9h às 18h no
domingo, 30 de abril. Neste dia, Charlie e eu estaremos lá para autografar os cupons fiscais de
venda. Os preços exclusivos para acionistas estarão disponíveis entre quinta-feira e segunda.
Assim, se você desejar evitar as grandes multidões que irão ocorrer na noite de sexta-feira e no
domingo, venha até a loja em outro momento e se identifique como sendo um acionista. No
sábado, estaremos abertos até as 19h. A Borsheim’s opera com uma margem bruta que é mais
de vinte pontos percentuais abaixo de seus principais concorrentes, portanto se prepare para
ficar impressionado com a variedade de produtos e preços atrativos.

No centro comercial do lado da Borsheim’s, teremos novamente Bob Hamman - o


melhor jogador de ​bridge que o mundo já viu - para jogar com os acionistas no domingo. Nós
também teremos outros jogadores profissionais disponíveis em outras mesas. Em 1999,

11
Tipo de seguro, normalmente vitalício, que paga um valor fixo mensal para a parte contratante.
tivemos mais demanda do que mesas, de forma que iremos remediar esse problema neste
ano.

Patrick Wolff, bicampeão de xadrez nos EUA, irá estar novamente no evento para jogar
de olhos vendados com quem desejar. Ele me disse que nunca tentou jogar mais de quatro
jogos simultaneamente dessa forma, mas que irá tentar subir esse limite para cinco ou seis
este ano. Se você é fã de xadrez, desafie o Patrick - mas se certifique que seus olhos estão
bem vendados antes de fazer seu primeiro movimento.

Gorat’s - minha churrascaria favorita - irá abrir novamente e exclusivamente para os


acionistas no domingo, dia 30 de abril, e irá funcionar das 16h à meia-noite. Por favor,
lembre-se de que você só poderá comparecer ao Gorat’s no domingo se tiver uma reserva.
Para fazer uma, ligue para 402-551-3733 no dia 3 de abril (​mas não antes​). Se o domingo
estiver esgotado, visite o Gorat’s em uma das outras noites que você estiver na cidade. Eu
“verifico a qualidade” do Gorat’s toda semana e posso dizer o que o T-Bone mal passado (com
um pedido em dobro de batatas picadas e fritas) que eles oferecem continua sendo o melhor
do país.

O costumeiro jogo de baseball irá acontecer no Rosenblatt Stadium às 19h do sábado.


Este ano, os Omaha Golden Spikes irão jogar contra os Iowa Cubs. Chegue mais cedo, pois é
quando a ação de verdade acontece. Aqueles que foram ao jogo no ano passado viram o
arremesso deste presidente que vos fala para Ernie Banks12.

Esse encontro se mostrou o duelo titânico que o mundo dos esportes havia esperado
por tanto tempo. Depois de alguns arremessos - que não foram meus melhores, mas quando
eu cheguei a arremessar o meu melhor? - eu disparei um ​brushback13 só para mostrar ao Ernie
quem estava no comando. Ernie disparou para o montinho, e eu corri em direção ao ​home
plate​. Mas uma trombada foi evitada porque nós dois ficamos exaustos antes de chegar perto
um do outro.

Ernie não ficou satisfeito com seu desempenho no ano passado e tem estudado a
gravação do jogo nos últimos meses. Como vocês provavelmente sabem, Ernie fez 512 ​home
runs em sua carreira com os Cubs. Agora que ele descobriu falhas no meu arremesso, ele
esperar fazer o ​home run de número 513 no dia 29 de abril. Eu, por outro lado, aprendi novas
formas de disfarçar a minha ​flutterball​. Venha até o jogo para ver a contenda.

Eu devo acrescentar que fiz Ernie me prometer não fazer nenhuma revanche contra
mim, uma vez que eu nunca conseguiria desviar dele a tempo. Meus reflexos são como os de
Woody Allen, que disse que os dele são tão lentos que certa vez ele foi atropelado por um
carro sendo empurrado por duas pessoas.

12
Ex-jogador de baseball. Na data de publicação desta carta, Ernie Banks já estava aposentado.
13
Arremesso feito intencionalmente para passar próximo da cabeça do rebatedor.
Nosso material em anexo contém instruções sobre como obter ingressos para o jogo,
além de muitas outras informações que lhes serão úteis durante o tempo que vocês forem
passar em Omaha. Se junte conosco na Meca do Capitalismo na Capitol Avenue.

Warren E. Buffett
Presidente do conselho

1 de março de 2000
Nota: a tabela a seguir aparece na capa da carta anual e é referenciada ao longo do texto.
Observações:
Os dados vêm dos anos-calendários, com as seguintes exceções: em 1965 e 1966, o
ano se encerrou em 30 de setembro, com 15 meses findos em 31/12.

Começando em 1979, as regras contábeis passaram a exigir que as companhias de


seguro mostrassem seus montantes aplicados em ações a valor de mercado ao invés
do mínimo entre custo de aquisição e valor de mercado, que era a regra até então. Na
tabela anterior, os resultados da Berkshire até 1978 foram refeitos para estarem de
acordo com as mudanças nas regras. Em todos os outros aspectos, os resultados foram
calculados com os números originalmente reportados.

Os números apresentados para o S&P 500 são antes de impostos, enquanto que os
números da Berkshire são após impostos. Se uma corporação como a Berkshire tivesse
simplesmente comprado o índice S&P 500 e acumulado os impostos, o resultado da
companhia teria sido pior do que o S&P nos anos em que o índice teve retornos
positivos e melhor nos anos em que o índice teve retornos negativos. Ao longo dos
anos, os custos dos impostos teriam feito o acumulado de perdas ser substancial.

Fonte original: ​http://www.berkshirehathaway.com/letters/2000.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

O nosso ganho em patrimônio líquido durante o ano 2000 foi de U$ 3,96 bilhões, o que
aumentou o valor patrimonial por ação das Classes A e B em 6,5%. Nos últimos 36 anos (isto
é, desde que assumimos o controle da companhia), o valor patrimonial por ação cresceu de U$
19 para U$ 40.442, um ganho anual composto de 23,6%1.

De maneira geral, tivemos um ano razoável, tendo o ganho em valor patrimonial


ultrapassado a performance do S&P 500. E embora esse julgamento seja necessariamente
subjetivo, acreditamos que o valor intrínseco por ação da Berkshire foi moderadamente maior
do que o aumento no valor patrimonial. (O valor intrínseco, assim como outros
elementos-chave de investimento e termos e conceitos contábeis, são explicados no Manual do
Acionista, ​nas páginas 59-66. O valor intrínseco é discutido na página 64​.)

Além disso, completamos duas significativas aquisições negociadas em 1999 e demos


início a outras seis. Somando tudo, essas compras nos custaram U$ 8 bilhões, sendo que 97%
desse montante foi pago com dinheiro e 3% com ações. As oito empresas que adquirimos têm
vendas conjuntas de U$ 13 bilhões e empregam 58.000 pessoas. Ainda assim, não precisamos

1
Todos os valores mostrados nesta carta se referem às ações da Classe A da Berkshire, que são as
sucessoras do único tipo de ação que a empresa tinha em circulação até 1996. As ações B têm um valor
econômico equivalente a 1/30 da A.
recorrer a dívidas para fazer essas compras, e a quantidade de ações nossas em circulação
aumentou apenas um terço de 1%. Melhor ainda, continuamos com uma enorme posição em
ativos líquidos, e estamos ávidos e prontos para aquisições ainda maiores.

Eu irei detalhar as nossas compras na próxima seção da carta. Mas já aviso que
abraçamos o século XXI ao entrar em indústrias de ponta como a de tijolos, carpete,
isolamentos e tinta. Por favor, não fique histérico.

Do lado negativo, o crescimento no número de apólices na GEICO diminuiu ao ponto de


ficar estagnado conforme o ano foi passando. Tem ficado muito mais caro obter novos
contratos. Eu disse no ano passado que iríamos ter um bom retorno com o aumento do
orçamento de propagandas da GEICO em 2000, mas eu estava errado. Vamos examinar as
razões para isso mais à frente.

Outro ponto negativo - que vem persistindo já há alguns anos - é que vemos o nosso
portfólio de ações apenas como levemente atrativo. Temos ações de excelentes empresas,
mas a maioria de nossas posições já estão bem precificadas e dificilmente irão entregar mais
do que retornos moderados no futuro. Nós não estamos sozinhos com esse problema: o
prospecto de longo prazo para ações, em geral, está longe de ser considerado animador.

Por fim, há o ponto negativo recorrente de todos os anos: Charlie Munger,


vice-presidente e meu sócio, e eu estamos mais velhos desde a última vez que escrevemos
para vocês. Para mitigar esse desenrolar adverso, há o fato indiscutível que as nossas idades
estão aumentando a uma taxa muito menor - ​em percentual - quando comparadas com as
idades de outros gestores de outras companhias. Melhor ainda, essa diferença irá aumentar no
futuro.

Charlie e eu buscamos aumentar o valor por ação da Berkshire a uma taxa que, ao
longo do tempo, irá modestamente superar o ganho do S&P 500. Como a tabela na página
inicial mostra, uma pequena vantagem anual pode, se for mantida, gerar uma vantagem
enorme no longo prazo. Para atingirmos esse objetivo, teremos de adicionar alguns bons
negócios à Berkshire todos os anos, fazer com que os negócios que já temos produzam
ganhos de valor e evitar qualquer aumento material no número de ações em circulação. Nós
estamos confiantes a respeito de atingir os dois últimos objetivos; o primeiro deles é que irá
exigir um pouco de sorte.

É apropriado aqui agradecer dois grupos de pessoas que tornaram meu trabalho fácil e
divertido no ano passado - assim como em todos os outros anos. Primeiro, nossos gestores
operacionais continuam tocando suas empresas de maneira esplêndida, o que me permite
concentrar meu tempo e meus esforços em alocar capital, não em supervisioná-los. (Eu não
seria bom nisso de qualquer forma.)
Nossos gestores são muito especiais. Na maioria das grandes empresas, os gestores
setoriais realmente talentosos raramente têm o trabalho que realmente gostariam de ter. Eles
anseiam se tornar CEOs, seja na empresa atual ou em outra. Se eles ficarem acomodados e
não fizerem nada, eles e seus colegas provavelmente sentirão ter falhado.

Na Berkshire, as nossas estrelas têm exatamente os trabalhos que queriam, aqueles


que esperamos que eles mantenham ao longo de suas vidas corporativas. Assim, eles se
concentram unicamente em maximizar o valor de longo prazo das empresas que eles amam e
são “donos”. Se o negócio tiver sucesso, eles também vão ter sucesso. E eles gostam de
permanecer conosco: nos últimos 36 anos, a Berkshire nunca teve um caso de um gestor de
uma subsidiária importante que saiu voluntariamente de seu cargo para ir para outra empresa.

O outro grupo a quem eu devo enormes agradecimentos é a equipe do nosso escritório.


Depois que as oito aquisições mais do que dobraram a nossa força de trabalho ao redor do
mundo, indo para cerca de 112.000 pessoas, Charlie e eu ficamos benevolentes no ano
passado e contratamos mais uma pessoa em nossa matriz. (Charlie, abençoado seja, nunca
me deixa esquecer o conselho de Ben Franklin: “Um pequeno vazamento por afundar um
grande navio.”) Agora, temos ao todo 13,8 pessoas no escritório (contando comigo).

Esse pequeno grupo faz verdadeiros milagres. Em 2000, eles lidaram com todos os
detalhes relacionados com nossas oito aquisições, processaram longos formulários regulatórios
e tributários (nossa declaração de impostos teve 4.896 páginas), graciosamente organizaram e
produziram um evento anual que teve 25.000 ingressos distribuídos e emitiram cheques com
precisão para as 3.660 instituições de caridade apontadas por nossos acionistas. Além disso,
eles lidaram com as tarefas diárias presentes em uma companhia, que tem uma receita total de
U$ 40 bilhões e mais de 300.000 acionistas. E, como não poderia deixar de ser, as outras 12,8
pessoas são um prazer de se conviver.

Eu deveria pagar para ter o meu emprego.

Aquisições de 2000

A técnica de aquisição da Berkshire é a mais simples que existe: nós atendemos o


telefone. Fico feliz em reportar que o telefone tem tocado com mais frequência porque os
donos e/ou gestores das empresas têm tido cada vez mais interesse em fundir suas
companhias com a Berkshire. Nosso crivo de aquisição é mostrado ​na página 23​, e o número
para se ligar é o 402-346-1400.

Deixe-me contar um pouco a respeito das empresas que compramos nos últimos 14
meses, começando pelas duas transações que tiveram início em 1999, mas foram fechadas em
2000. (Essa lista exclui algumas compras menores que foram feitas pelos gestores de nossas
subsidiárias e que, na maioria dos casos, serão integradas em suas própria operações.)
● Eu descrevi a primeira compra - 76% da MidAmerican Energy - na carta do ano
passado. Por conta de restrições regulatórias em nossos privilégios de voto, nós
utilizamos apenas uma consolidação “​one line​” dos lucros e patrimônio da MidAmerican
em nossas declarações financeiras. Se ao invés disso consolidássemos por completo
os número da companhia, nossa receita em 2000 teria sido U$ 5 bilhões maior do que
reportamos, embora a receita líquida teria permanecido a mesma.

● No dia 23 de novembro de 1999, recebi um fax de uma página de Bruce Cort com um
artigo do Washington Post descrevendo uma desistência de compra da CORT Business
Services. Apesar de seu sobrenome, Bruce não tem nenhuma conexão com a CORT.
Ele é um vendedor de aviões que havia vendido um jato para a Berkshire em 1986 e
que, antes do fax, não havia falado comigo por cerca de dez anos.

Eu não sabia nada a respeito da CORT, mas imediatamente imprimi seus balanços e
gostei do que vi. No mesmo dia eu disse a Bruce que tinha um possível interesse e
perguntei a ele se ele poderia marcar uma reunião com Paul Arnold, CEO da CORT.
Paul e eu nos reunimos no dia 29 de novembro, e eu soube na hora que tínhamos os
ingredientes certos para uma aquisição: um ótimo negócio (mas sem glamour), um
gestor excelente e um preço que fazia sentido (considerando que a compra anterior não
havia tido sucesso).

Operando em 117 showrooms, CORT é a líder nacional em móveis “​rent-to-rent​”,


usadas primariamente em escritórios, mas também por ocupantes temporários de
apartamentos. Esse negócio, vale notar, não tem similaridade com as operações
“​rent-to-own​”, que normalmente envolvem a venda de móveis e eletrônicos a pessoas
com renda mais baixa ou de pouco crédito. Nós rapidamente compramos a CORT para
a Wesco, nossa subsidiária detida em 80%, por cerca de U$ 386 milhões, pagos em
dinheiro. Você poderá encontrar mais detalhes sobre as operações da CORT nas cartas
de 1999 e 2000 da Wesco. Tanto Charlie quanto eu gostamos de trabalhar com Paul, e
a CORT tem tudo para superar nossas expectativas.

● No início do ano passado, Ron Ferguson, da General Re, me colocou em contato com
Bob Berry, cuja família era dona da U.S. Liability há 49 anos. Essa seguradora, junto de
duas outras companhias irmãs, é uma subscritora de porte médio e altamente
respeitada de riscos incomuns - “​excess and surplus​” no jargão de seguros. Depois que
Bob e eu entramos em contato, chegamos a um acordo, ainda no telefone, em uma
negociação envolvendo metade do valor em dinheiro e metade em ações.

Nos últimos anos, Tom Nerney tem gerido a operação para a família Berry e tem obtido
uma rara combinação de excelente crescimento com lucros fora do comum. Tom tem
uma energia sem igual, o que fica visível em outras áreas também. Além de ter quatro
filhos adotivos (dois deles da Rússia), ele tem uma família estendida: o Philadelphia
Belles, um time de basquete feminino de jovens que Tom treina. A equipe teve um
recorde de 62-4 no último ano e terminou em segundo lugar no torneio nacional da AAU
2
.

Poucas empresas de seguros de bens e acidentes se mostram ser negócios excelentes.


Nós temos várias que o são, e a U.S. Liability irá adicionar ainda mais brilho à nossa
coleção.

● Ben Bridge Jeweler foi outra compra que fizemos pelo telefone antes de um encontro
face-a-face com a gestão da empresa. Ed Bridge que, com seu primo Jon, gerencia
essa rede de 65 lojas na Costa Oeste, é amigo de Barnett Helzberg, de quem
compramos a Helzberg Diamonds em 1995. Ao saber que a família Bridge desejava
vender a companhia, Barnett recomendou fortemente à Berkshire que o fizesse. Ed
então me ligou e explicou seu negócio para mim, me enviando também alguns números
da companhia. Fechamos negócio, novamente com metade dinheiro, metade ações.

Ed e Jon são a quarta geração de donos de uma empresa que teve início há 89 anos
em Seattle. Tanto o negócio quanto a família - incluindo Herb e Bob, pais de Jon e Ed -
possuem uma excelente reputação. ​Same-store sales aumentaram 9%, 11%, 13%,
10%, 12%, 21% e 7% nos últimos sete anos, um histórico verdadeiramente notável.

Era vital para a família que a companhia continuasse operando no futuro da mesma
forma que operava no passado. Ninguém queria que uma outra rede de joalherias
comprasse a empresa e dizimasse a organização com ideias sobre sinergia e corte de
custos (que, embora nunca fossem funcionar, certamente tentariam ser
implementados). Eu disse a Ed e Jon que eles é quem continuariam no comando, e eles
sabiam que podiam confiar na minha palavra: afinal de contas, é mais do que óbvio que
este presidente que vos fala seria um desastre ao tentar tocar uma loja ou vender joias
(muito embora este presidente também tenha membros em sua família que são faixa
preta em comprar joias).

Em sua forma tipicamente elegante, a família Bridge alocou uma substancial porção da
venda a centenas de funcionários que ajudaram a empresa a atingir seu sucesso.
Temos orgulho em poder nos associarmos tanto com a família quanto com a empresa.

● Em julho, adquirimos a Justin Industries, a líder na fabricação de botas texanas -


incluindo as marcas Justin, Tony Lama, Nocona e Chippewa - e um dos principais
produtores de tijolos no Texas e em outros cinco estados vizinhos.

2
​Amateur Athletic Union​, organização esportiva focada no público mais jovem.
Aqui, mais uma vez, nossa aquisição envolveu uma dose de serendipidade. No dia 4 de
maio, recebi um fax de Mark Jones, que até então era um desconhecido, propondo que
a Berkshire se juntasse a um grupo para comprar uma empresa ainda sem nome. Eu
enviei um fax de volta, explicando que, com raras exceções, nós não fazíamos
investimentos em conjunto com outros, mas que ficaria feliz em pagar uma comissão a
ele caso ele enviasse os números da empresa e nós a comprássemos. Ele respondeu
dizendo que a empresa “misteriosa” era a Justin. Fui então para Fort Worth me
encontrar com John Roach, presidente da companhia, e John Justin, que havia
construído o negócio e era o principal acionista. Pouco tempo depois, compramos a
Justin por U$ 570 milhões em dinheiro.

John Justin amava a Justin Industries, mas havia sido forçado a se aposentar por conta
de problemas graves de saúde (que infelizmente causaram sua morte no último mês de
fevereiro). John era requintado - como cidadão, empresário e ser humano. Felizmente,
ele havia treinado dois excelentes gestores, Harrold Melton, na Acme, e Randy Watson,
na Justin Boot, sendo que cada um deles administra sua própria empresa de maneira
autônoma.

Acme, a maior das duas operações, produz mais de um bilhão de tijolos por ano em
suas 22 fábricas, cerca de 11,7% da produção nacional. O ramo de tijolos, no entanto, é
necessariamente regional, e em seu território a Acme desfruta de uma liderança
inquestionável. Quando texanos são perguntados a respeito de uma marca de tijolo,
75% respondem Acme, comparados com 16% que respondem com o segundo
competidor. (Antes de nossa compra, eu não sabia o nome de nenhuma marca de
tijolos. E você?) Esse reconhecimento da marca não vem apenas da qualidade do
produto da Acme, mas também é reflexo de muitas décadas de extraordinário serviço à
comunidade prestados pela companhia e por John Justin.

Não posso deixar de comentar que a Berkshire - cujos principais gestores são
praticamente todos do século XIX - é agora uma autêntica empresa do tipo
“​clicks-and-bricks​”3. Nós entramos no ano 2000 com a GEICO tendo vendas relevantes
pela internet, e então compramos a Acme. Pode ter certeza que esse movimento da
Berkshire está fazendo as pessoas suarem e roerem as unhas no Vale do Silício.

● Em junho, Bob Shaw, CEO da Shaw Industries, a maior fabricante de carpetes do


mundo, veio me visitar com seu sócio, Julian Saul, e com o CEO de uma segunda
companhia com a qual Shaw estava querendo fazer uma fusão. O parceiro em
potencial, no entanto, tinha grandes problemas com amianto em atividades feitas no
passado, de forma que qualquer acordo dependia desses mesmos problemas serem
eliminados via seguros.

3
Modelo de negócios em que uma empresa tem lojas tanto virtuais quanto físicas.
Os executivos que me visitaram queriam que a Berkshire fornecesse uma apólice que
pagasse por todos os custos futuros com amianto. Eu expliquei que muito embora nós
pudéssemos subscrever uma apólice enorme - muito maior do que qualquer outra
seguradora jamais imaginaria oferecer - nós nunca iríamos emitir uma que não tivesse
um teto de custo.

Bob e Julian decidiram que se nós não queríamos dar carta branca para a adquirida em
relação ao risco que ela tinha, eles também não deveriam fazê-lo. E assim a negociação
se encerrou. Mas o meu interesse por Shaw foi criado ali, e poucos meses depois
Charlie e eu nos encontramos com Bob para acertar os detalhes da compra da
companhia pela Berkshire. Um elemento-chave na negociação foi que Bob e Julian
iriam continuar tendo 5% da Shaw, no mínimo. Assim, nos associamos com a melhor
empresa do ramo, como pode ser comprovado pelo histórico de Bob e Julian: cada um
deles havia construído em grande e bem-sucedido negócio de carpetes antes deles se
juntarem em 1998.

Shaw tem um volume de vendas anuais de cerca de U$ 4 bilhões, e nós passamos a


deter 87,3% da companhia. Tirando a nossa operação de seguros, Shaw é, de longe, o
nosso maior setor. Agora, se as pessoas quiserem passar por cima de nós, não iremos
nos importar nem um pouco.

● Em julho, Bob Mundheim, diretor da Benjamin Moore Paint, nos ligou para checar se a
Berkshire teria interesse em adquirir a companhia. Eu conhecia Bob do Salomon
Brothers, onde ele havia sido o conselheiro-geral durante períodos difíceis, e eu tinha
muita estima por ele. Assim, minha resposta foi: “Conte-me mais”.

No fim de agosto, Charlie e eu nos encontramos com Richard Roob e Yvan Dupuy, ex e
atual CEOs da Benjamin Moore, respectivamente. Nós gostamos deles; gostamos do
negócio; e fizemos uma oferta de U$ 1 bilhão em dinheiro na mesma hora. Em outubro,
o conselho da empresa aprovou a transação, e nós a completamos em dezembro.
Benjamin Moore tem fabricado tinta por 117 anos e possui milhares de vendedores
independentes que são vitais para o negócio. Não se esqueça de pedir especificamente
por nosso produto na próxima vez em que for pintar alguma coisa.

● Por fim, no final de dezembro, aceitamos comprar a Johns Manville Corp. por cerca de
U$ 1,8 bilhão. A incrível odisseia dessa empresa nas últimas décadas - muito
multifacetada para ser contada aqui - teve como fio condutor a sua longa história como
fabricante de produtos à base de amianto. Os problemas de saúde envolvendo amianto,
que foram muito noticiados, levaram a JM a declarar falência em 1982.

Subsequentemente, a justiça determinou um fundo de reparação às vítimas fosse


criado, sendo que o maior ativo do fundo era uma participação controladora na JM. O
fundo, que sabiamente decidiu diversificar seus investimentos, concordou em vender o
negócio em junho passado para um comprador LBO4. Mas no fim das contas, o grupo
LBO não conseguiu obter financiamento.

Assim, o negócio foi cancelado numa sexta-feira, 8 de dezembro. Na segunda-feira


seguinte, Charlie e eu ligamos para Bob Felise, presidente do fundo e fizemos uma
oferta em dinheiro sem nenhuma contingência relacionada à empréstimos. No dia
seguinte os cotistas votaram provisoriamente a favor da nossa oferta, e uma semana
depois tínhamos um contrato assinado.

JM é a maior fabricante no país de isolamentos domésticos e industriais, tendo também


enormes posições em sistemas de telhas e outros produtos de engenharia. As vendas
da companhia passam de U$ 2 bilhões, e o negócio tem tido bons retornos, embora
cíclicos. Jerry Henry, CEO da JM, tinha anunciado seus planos de aposentadoria há um
ano, mas fico feliz em dizer que Charlie e eu o convencemos e ficar mais um tempo na
empresa.

************

Dois fatores econômicos provavelmente contribuíram para a corrida de aquisições que


experimentamos no ano passado. Primeiro, muitos gestores e donos de empresas previram
uma redução de curto prazo nos resultados de seus negócios - e, de fato, compramos algumas
companhias cujas receitas quase certamente irão cair neste ano dos picos que atingiram em
1999 e 2000. Essa queda não faz diferença para nós, uma vez que esperamos que todas as
nossas empresas tenham altos e baixos de vez em quando. (Apenas nas apresentações de
bancos de investimentos as receitas sempre sobem.) Nós não nos importamos com os
solavancos; o que importa são os resultados gerais. Mas as decisões de algumas pessoas são,
às vezes, afetadas pelo cenário de curto prazo, o que pode tanto estimulá-las a vender quanto
diminuir a empolgação de potenciais compradores que poderiam competir conosco.

Um segundo fator que nos ajudou em 2000 foi que o mercado de ​junk bonds (famosos
“títulos podres”) secou conforme o ano foi passando. Nos dois anos anteriores, os compradores
de ​junk bonds ​haviam afrouxado seus critérios, comprando títulos de emissores de alto risco a
preços inapropriados. Os efeitos desse relaxamento foram sentidos no ano passado com um
aumento exponencial na quantidade de calotes. Nesse ambiente, compradores “financeiros” de
empresas - aqueles que desejam comprar apenas uma pequena quantidade de ações da
companhia em questão - se tornaram incapazes de tomar emprestado todo o dinheiro que
precisavam. E o que eles podiam tomar tinha um preço muito alto. Consequentemente,
operadores LBO se tornaram menos agressivos em suas ofertas quando as empresas foram à
venda no ano passado. Como nós analisamos as compras considerando a totalidade de ações

4
​Leveraged Buyout ​(LBO): aquisição de uma companhia usando uma quantia significativa de dinheiro
emprestado. Os ativos da companhia a ser adquirida costumam ser usados como garantia aos
empréstimos.
da companhia em questão, nossas avaliações não mudaram, de forma que nos tornamos
consideravelmente mais competitivos.

Tirando os fatores econômicos que nos beneficiaram, nós agora desfrutamos de uma
grande e crescente vantagem ao fazer aquisições, que é o fato de sermos a primeira empresa
a ser procurada por quem está interessado em vender. Esse fato, é claro, não é garantia
alguma de que um negócio será fechado - os interessados em vender precisam gostar do
preço que sugerimos, e nós temos que gostar da empresa e da gestão - mas mesmo assim é
algo que ajuda.

É importante quando o lado vendedor se importa com quem está comprando. Nós
gostamos de fazer negócio com pessoas que amam suas companhias, e não apenas o dinheiro
que a venda trará para elas (embora nós entendamos perfeitamente que isso é algo que as
pessoas também gostam). Quando essa ligação emocional existe, é sinal de que importantes
qualidades muito provavelmente serão encontradas na empresa: contabilidade honesta,
orgulho do produto, respeito aos clientes e um grupo leal de colaboradores com um forte
ímpeto e orientação. O contrário também costuma ser válido. Quando um vendedor
basicamente faz um leilão de sua empresa, mostrando uma completa falta de interesse pelo o
que irá acontecer em seguida, você com frequência descobre que os resultados da empresa
foram “enfeitados”, especialmente quando o vendedor é um “controlador financeiro”. E quando
os donos da empresa têm pouco zelo pelo negócio e pelas pessoas envolvidas, suas condutas
contaminam as atitudes e práticas de toda a companhia.

Quando uma empresa é lapidada ao longo de uma vida inteira - ou de várias gerações -
por meio de um cuidado incansável e talento excepcional, o dono considera importante
conhecer bem a empresa que irá dar continuidade à sua história. Charlie e eu acreditamos que
a Berkshire oferece um lar único para essas companhias. Nós levamos muito a sério as nossas
obrigações para com as pessoas que criaram a empresa, e a estrutura da Berkshire torna
possível cumprirmos nossas promessas. Quando dissemos a John Justin que seu negócio
continuaria tendo sede em Fort Worth, ou quando asseguramos à família Bridge que a
companhia não participaria de uma fusão com qualquer outra joalheria, nós realmente
cumprimos com nossa palavra.

O que poderia ser melhor para os nossos Rembrandts corporativos do que


pessoalmente selecionar seus lares definitivos e ter certeza que suas empresas não serão
leiloadas em seguida? Ao longo dos anos tivemos ótimas experiências com aqueles que
reconheceram isso. Nós preferimos deixar a abordagem de leilão para outras pessoas.

Fundamentos dos seguros de bens e acidentes


Nosso principal setor - embora tenhamos outros que também sejam de grande
importância - é o de seguros. Para entender a Berkshire, portanto, é necessário que você
entenda como avaliar uma seguradora. Os fatores principais são: (1) a quantidade de ​float que
a empresa gera; (2) seu custo; e (3) o mais importante de tudo, o prospecto de longo prazo
para os dois fatores anteriores.

Para começar, ​float é o dinheiro que fica conosco, mas que não é nosso. Em uma
operação de seguros, o ​float surge porque os prêmios são recebidos antes dos pagamentos de
sinistros, um intervalo que pode, às vezes, levar muitos anos. Durante esse período, a
seguradora investe esse dinheiro. Essa prazerosa atividade traz consigo um lado negativo: os
prêmios que uma seguradora recebe não costumam cobrir todos os sinistros e despesas que a
empresa precisa pagar. Isso a deixa em uma situação de “prejuízo de subscrição”, que é o
custo do ​float​. Uma empresa seguradora possui valor caso o seu custo de ​float​, ao longo do
tempo, seja menor do que a empresa incorreria de outra maneira para obter tais fundos. Mas a
empresa pode se tornar um verdadeiro abacaxi caso o custo do ​float seja maior que a taxa de
juros do mercado.

Um aviso se faz apropriado aqui: como os custos de sinistros precisam ser estimados,
as seguradoras possuem muitos graus de liberdade para calcular seus resultados de
subscrição, o que torna muito difícil a investidores calcular o verdadeiro custo de ​float de uma
companhia. Erros de estimativa, normalmente inocentes, mas às vezes não, podem ganhar
proporções enormes. Um observador experiente normalmente consegue detectar grandes
erros em dimensionamento de provisões, mas o público em geral geralmente não consegue
fazer nada mais do que aceitar os números que lhes são apresentados, e eu sempre me
surpreendo pelos resultados que grandes auditores deixaram passar. Tanto as receitas quanto
os balanços financeiros de seguradoras podem ser verdadeiros campos minados.

Na Berkshire, nós lutamos para ser tanto consistentes quanto conservadores em nosso
provisionamento. Mas nós iremos cometer erros. E já avisamos que não há nada simétrico nas
surpresas quando se trata de seguros: elas são, quase sempre, desagradáveis.

A tabela a seguir mostra (em intervalos) o ​float gerado por vários segmentos de seguros
da Berkshire desde que entramos no ramo há 34 anos com a aquisição da National Indemnity
Company (cujas tradicionais linhas estão incluídas no segmento “Other Primary”). Por meio da
tabela, calculamos nosso ​float - que geramos em grande quantidade comparado com o nosso
volume de prêmios - somando as reservas líquidas de sinistros, ajustes de reservas, fundos
detidos com resseguros assumidos e reservas de prêmios não recebidos, subtraídos da folha
de pagamento, custos de aquisição, impostos pré-pagos e cobranças diferidas aplicáveis a
resseguros assumidos. (Não se preocupe, isso não vai cair na prova.)
Estamos satisfeitos com o crescimento de nosso ​float ao longo de 2000, mas não
estamos felizes com seu custo. Ao longo dos anos, nosso custo de ​float foi muito próximo de
zero, com lucros de subscrição realizados na maioria dos anos compensando anos
ocasionalmente ruins, como o de 1984, quando nosso custo atingiu absurdos 19%. Em 2000,
porém, tivemos um prejuízo de subscrição de U$ 1,6 bilhão, o que nos deu um custo de ​float ​de
6%. Se não houver nenhuma mega-catástrofe, nós esperamos que nosso custo de ​float caia
em 2001 - talvez substancialmente - em boa parte porque os reajustes de preço da General Re
serão sentidos ao longo do ano. Em uma escala menor, a GEICO poderá experienciar a
mesma tendência de melhora.

Existem dois fatores que afetam o nosso custo de ​float que são muito raros em outras
seguradoras e que ficam cada vez maiores na Berkshire. Primeiro, algumas seguradoras que
estão tendo prejuízos descarregaram boa parte deles em nós, de forma que isso penaliza os
nossos lucros atuais, mas nos dá um ​float que poderemos usar durante muitos anos. Depois da
perda que incorremos no primeiro ano da apólice, não há nenhum outro custo atrelado à ela.

Quando tais apólices são precificadas corretamente, nós recebemos sem problema
algum o efeito de “dor hoje, ganho amanhã” que elas têm. Em 1999, U$ 400 milhões de nosso
prejuízo de subscrição (cerca de 27,8% do total) veio de negócios desse tipo, e em 2000 o
valor foi de U$ 482 milhões (34,4% do total). Não podemos prever quantos negócios similares a
esses nós iremos subscrever no futuro, mas certamente eles virão em grandes montantes.
Como essas transações podem distorcer muito os nossos resultados, iremos avisá-los quando
elas ocorrerem.

Outras resseguradoras não costumam gostar desse tipo de seguro. Elas simplesmente
não aguentam os efeitos que grandes prejuízos de subscrição causam em seus resultados,
mesmo quando os prejuízos vêm de apólices cujos fundamentos econômicos são claramente
favoráveis numa janela de tempo maior. Tenha cuidado, portanto, ao comparar nossos
resultados de subscrição com outras empresas.
Um item ainda mais significativo em nossos números - que, novamente, você
provavelmente não irá encontrar em nenhum outro lugar - vêm de transações em que
assumimos prejuízos passados de uma companhia. Para ilustrar, uma seguradora XYZ pode
ter comprado uma apólice no ano passado que nos obrigue a pagar o primeiro U$ 1 bilhão de
prejuízos e despesas que a empresa teve em eventos que aconteceram em, digamos, 1995 ou
antes. Esses contratos podem ser enormes, muito embora sempre coloquemos um valor
máximo em todos eles. Nós fechamos alguns contratos assim em 2000, e provavelmente
iremos fechar outros mais em 2001.

Na contabilidade GAAP5, esse seguro “retroativo” não beneficia nem penaliza os


ganhos correntes. No lugar disso, criamos um ativo chamado “Cobranças diferidas aplicáveis a
resseguros assumidos” que reflete a diferença entre o prêmio que recebemos e os prejuízos
(maiores) que iremos pagar (para os quais um provisionamento é feito imediatamente). Nós
então amortizamos esse ativo com descontos anuais nos ganhos que criam prejuízos
equivalentes de subscrição. Você irá encontrar os montantes que incorremos relacionados a
essas transações em nossas discussões trimestrais e anuais. Por sua própria natureza, esses
prejuízos irão continuar acontecendo por muitos anos, talvez décadas. Para compensar isso,
porém, poderemos fazer uso do ​float​ - e há muito dele.

É claro que um ​float que carrega esse tipo de custo anual não é tão desejável quanto o
float que geramos de apólices que esperamos produzir um lucro de subscrição (dos quais
temos aos montes). Mesmo assim, esses contratos de seguro retroativos trarão resultados
razoáveis para nós.

O resultado final de tudo isso é que a) eu acredito que nosso custo de ​float será muito
atrativo no futuro, mas b) raramente irá voltar ao modo “sem custo” por conta da cobrança
anual que o resseguro retroativo terá para nós. Além disso - é óbvio - os principais benefícios
que teremos com o ​float ​não virão apenas do seu custo, mas do quão bem nós o alocarmos.

Nosso ramo retroativo foi um trabalho quase que exclusivo de Ajit Jain, a quem eu faço
elogios todos os anos. É impossível dimensionar o tamanho do valor que Ajit tem para a
Berkshire. Não se preocupe com a minha saúde; se preocupe com a dele.

No ano passado, Ajit nos trouxe U$ 2,4 bilhões em prêmios com resseguros, talvez o
maior da história, com uma apólice que cobre retroativamente uma grande companhia inglesa.
Subsequentemente, ele subscreveu uma grande apólice protegendo os Texas Rangers da
possibilidade de Alex Rodriguez sofrer uma contusão que o tire permanentemente dos jogos.
Como os fãs de esportes sabem, “A-Rod” assinou um contrato de U$ 252 milhões, um recorde,
e nós acreditamos que nossa apólice provavelmente bateu um recorde no ramo de seguros
contra acidentes. Nós cobrimos muitos outros figurões do esporte também.

5
Generally Accepted Accounting Principles (ou Termos Contábeis Normalmente Aceitos). Conjunto de
regras contábeis para a apresentação e padronização dos resultados das empresas.
Em outro exemplo de versatilidade, Ajit fechou, no outono passado, um negócio muito
interessante com o Grab.com, uma companhia de internet cujo objetivo era atrair milhões de
pessoas a seu site e lá extrair informações que fossem úteis a marketeiros. Para atrair essas
pessoas, o Grab.com anunciou a possibilidade de dar um prêmio de U$ 1 bilhão (tendo um
valor de mercado presente de U$ 170 milhões), e nós asseguramos o pagamento. Uma
mensagem no site explicava que a chance de alguém ganhar o prêmio era baixa e, de fato,
ninguém ganhou. Porém, a possibilidade de ganhar estava longe de ser nula.

Ao subscrever uma apólice assim, recebemos um prêmio modesto, enfrentamos a


chance de um prejuízo enorme e jogamos à favor das possibilidades. Poucas empresas
seguradoras gostam dessa equação. E elas não conseguem curar suas insatisfações usando
resseguros. Como cada apólice costuma ter características incomuns - e às vezes únicas - as
empresas seguradoras não conseguem repassar parte do risco por meio dos acordos comuns
com resseguradoras. Assim sendo, qualquer CEO de seguradora que concorde com um
contrato desse tipo precisa correr o pequeno, mas real risco de ter um resultado trimestral
terrível, daqueles que ele não gostaria de ter de explicar para o conselho ou para seus
acionistas. Charlie e eu, porém, gostamos de qualquer acordo que faça sentido matemático,
independentemente dos efeitos que ele tenha nos ganhos reportados.

Na General Re, as coisas melhoraram muito: Ron Ferguson, junto de Joe Brandon, Tad
Montross e uma equipe talentosa tomaram muitas medidas durante 2000 para trazer a
lucratividade da empresa de volta aos antigos patamares. Embora nossos preços ainda não
estejam completamente corretos, nós conseguimos ou reprecificar com sucesso alguns
contratos que não estavam dando lucro, ou não os renovamos. Se não houver uma
mega-catástrofe em 2001, o custo de ​float​ da General Re irá cair de maneira significativa.

Os últimos anos não foram nada interessantes para Ron e sua equipe. Mas eles
encararam os problemas com coragem, de forma que Charlie e eu os aplaudimos por isso. A
General Re tem algumas vantagens competitivas importantes e duradouras. Melhor ainda, tem
uma gestão capaz de tirar o melhor proveito delas.

No geral, nossas operações menores de seguros produziram um excelente lucro de


subscrição em 2000 e geraram muito ​float - como vêm fazendo por mais de uma década. Se
essas companhias se juntassem em uma única empresa, ela se destacaria com facilidade das
outras seguradoras. No entanto, como essas companhias estão dentro de uma holding grande
como a Berkshire, suas conquistas passam despercebidas pela maioria das pessoas - mas não
por mim. No ano passado, agradeci Rod Eldred, John Kizer, Don Towle e Don Wurster, e repito
o agradecimento novamente. Além disso, nós agora precisamos agradecer também Tom
Nerney, da U.S. Liability, e Michael Stearns, novo presidente da Cypress.

Você poderá notar que Brad Kinstler, que era CEO da Cypress e a quem eu sempre fiz
elogios em cartas passadas, não se encontra na lista anterior. Isso é porque precisávamos de
um novo gestor na Fechheimer Bros., nossa companhia de uniformes localizada em Cincinnati,
e pedimos para que Brad ocupasse o cargo. Nós raramente mudamos os gestores da
Berkshire de uma empresa para outra, mas talvez devêssemos começar a fazer isso com mais
frequência: Brad tem obtido resultados incríveis em seu novo posto, tão bons quanto os que ele
sempre teve na Cypress.

GEICO (1-800-847-7536 ou GEICO.com)

Mostramos a seguir a nossa costumeira tabela de crescimento da GEICO. No ano


passado, disse que iríamos aumentar os gastos com propaganda em 2000, e que esse dinheiro
novo era o melhor investimento que a GEICO poderia fazer. Eu estava errado: o dinheiro extra
que gastamos não produziu um aumento comensurável de novas ​inquiries6. Além disso, o
percentual de ​inquiries ​que se converteu em vendas caiu pela primeira vez em muitos anos.
Esses fatos negativos produziram um grande aumento em nosso custo de aquisição por
apólice.

(1) Apenas seguros “voluntários”; exlcui seguros compulsórios e afins.

Ficar se remoendo por erros cometidos não leva a lugar nenhum. Mas reconhecê-los e
analisá-los pode ser útil, embora essa prática seja rara em conselhos corporativos. Nessa
seara, Charlie e eu quase nunca vimos uma análise franca a respeito de decisões erradas,
especialmente aquelas envolvendo aquisições. Uma exceção notável a essa abordagem de
nunca olhar para trás foi a do The Washington Post Company, que revisou de maneira firme e
objetiva suas aquisições três anos depois que foram feitas. Em outras empresas, os acertos
são vangloriados, mas as decisões ruins não passam por nenhum escrutínio e/ou são
relativizadas.

6
Resposta preliminar de clientes em potencial após uma campanha publicitária. O número de ​inquiries (e
sua posterior conversão ou não em receitas para a empresa) é uma medida de eficácia de uma
campanha.
As consequências financeiras dessas gafes são rotineiramente descontadas em
grandes reestruturações ou ​writeoffs7, que costumam entrar na categoria de não-recorrentes.
Os gestores adoram isso. Nos últimos anos, parece que nenhuma declaração financeira se
mostrou realmente completa sem esses itens. As origens deles, porém, nunca são exploradas.
Quando gafes corporativas estão em jogo, os CEOs invocam o conceito do Nascimento
Imaculado.

Voltando à nossa análise da GEICO: existem pelo menos quatro fatores que podem ter
causado o aumento nos custos que tivemos para obter novos contratos no ano passado, e
todos eles contribuíram de certa forma para isso.

Primeiro, nós exageramos na frequência das propagandas, e certamente passamos do


limite aceitável em algumas mídias. Nós sempre soubemos que aumentar o número de
mensagens em qualquer mídia iria eventualmente produzir retornos menores. O terceiro
anúncio dentro de uma hora em um canal fechado simplesmente não vai ser tão eficaz quanto
o primeiro.

Segundo, pode ser que já tenhamos pegado muitos dos contratos mais “fáceis”. É claro
que a disposição em fazer negócios via compra direta com uma seguradora varia muito entre
as pessoas: um certo percentual de americanos - especialmente os mais velhos - ficam
relutantes em fazer compras diretas de qualquer tipo que seja. Ao longo dos anos, porém, essa
relutância irá diminuir. Uma nova geração, com novos hábitos, irá ver que a economia em fazer
um seguro diretamente com a empresa é grande demais para ser ignorada.

Outro fator que certamente diminuiu a conversão de ​inquiries em vendas foi uma política
mais restrita de subscrição na GEICO. Tanto a frequência quanto a severidade dos prejuízos
aumentaram durante o ano, e as taxas em algumas áreas se tornaram adequadas, algumas
por ampla margem. Nessas instâncias, nós necessariamente apertamos as condições de
subscrição. Esse aperto, assim como muitos outros aumentos de taxas que fizemos ao longo
do ano, tornaram nossas ofertas menos atrativas em alguns casos.

Vale ressaltar que um alto percentual de interessados ainda pode economizar conosco.
Compreensivelmente, porém, algumas pessoas irão trocar de plano por uma economia de U$
200, mas não por uma de U$ 50. Assim, os aumentos de taxa que trazem nossos preços a
patamares próximos aos dos nossos competidores irão prejudicar nossa taxa de aceitação,
mesmo quando continuamos a oferecer o melhor preço.

Por fim, o panorama competitivo mudou em um aspecto importante: State Farm - de


longe a maior seguradora de carros, com 19% do mercado - tem aumentado os seus preços
muito vagarosamente. Seus custos, porém, estão claramente aumentando em linha com o
restante da indústria. Consequentemente, a State Farm teve um prejuízo de subscrição no ano

7
Cancelamento de uma conta de crédito ruim ou em default.
passado com o ramo de carros (incluindo rebates aos donos de apólices) de 18% em relação
aos prêmios. Para efeito comparativo, o percentual da GEICO foi de 4%. Nosso prejuízo
produziu um custo de ​float de 6,1%, um resultado nada satisfatório. (Na GEICO, a expectativa
é que o ​float,​ ao longo do tempo, não tenha custo algum.) Mas nós estimamos que o custo de
float da State Farm em 2000 foi de 23%. A disposição da líder da indústria em tolerar um custo
assim faz com que os fundamentos fiquem abalados para os outros participantes.

Isso não exclui o fato de que a State Farm tem uma das mais bem-sucedidas histórias
corporativas dos EUA. Eu já pedi que a companhia seja um estudo de caso nos cursos de
administração, porque ela obteve um sucesso fabuloso seguindo um caminho que, de várias
maneiras diferentes, desafiou os dogmas dessas instituições. Estudar contra-evidências é uma
atividade extremamente útil, embora não seja recebida com muito entusiasmo em cidadelas de
aprendizado.

State Farm foi inaugurada em 1922 por um fazendeiro de 45 anos e semi-aposentado


para competir com seguradoras já muito bem estabelecidas - altivas instituições em Nova York,
Philadelphia e Hartford - que possuíam grandes vantagens competitivas em capital, reputação
e distribuição. Como a State Farm é uma companhia mútua, seus membros de conselho e
gerentes não podiam ser donos, e a empresa não teve acesso ao mercado de capitais durante
seus anos de rápido crescimento. Similarmente, a empresa também nunca teve as ​stock
options ou os suntuosos salários que muitas pessoas consideram vitais para uma empresa
atrair gestores capazes e prosperar.

No fim das contas, no entanto, a State Farm se tornou maior que todos os seus
competidores. Na verdade, em 1999 a empresa tinha acumulado um patrimônio líquido tangível
que ficava atrás apenas de quatro outras empresas americanas. Se você quiser saber como
isso aconteceu, compre uma cópia de ​The Farmer from Merna​.

Apesar das forças da State Farm, a GEICO possui um modelo de negócios muito
melhor, um que incorpora custos operacionais muito menores. E quando uma empresa vende
um produto que é uma ​commodity​, ter custos baixos é de extrema importância. Essa vantagem
competitiva duradoura da GEICO - que ela possuía em 1951 quando eu, um estudante de 20
anos, fiquei apaixonado pela ação - é a razão pela qual, ao longo do tempo, ela irá
inevitavelmente aumentar sua fatia de mercado de maneira significativa e simultaneamente
obter lucros excelentes. Nosso crescimento será lento, porém, se a State Farm decidir
continuar aguentando os prejuízos de subscrição que ela está sofrendo no momento.

Tony Nicely, CEO da GEICO, continua sendo o sonho de qualquer acionista. Toda
decisão que ele toma faz sentido. Ele nunca fica sonhando acordado, tampouco distorce a
realidade como tantos outros gestores fazem quando o inesperado acontece. Conforme 2000
se desenrolou, Tony diminuiu o orçamento de propagandas que não tinham bom
custo-benefício, e ele continuará fazendo isso em 2001 caso novas restrições se mostrem
necessárias (embora seja certo que nós iremos sempre manter uma presença massiva na
mídia). Tony também aumentou agressivamente os preços quando foi necessário. Ele olha os
relatórios de prejuízos todos os dias e nunca deixa passar nada. Para roubar o bordão de um
de nossos competidores, estamos em boas mãos com Tony.

Eu já comentei com vocês a respeito do nosso acordo de compensação da GEICO que


utiliza apenas duas variáveis - crescimento do número de apólices e resultados de subscrição
de contratos envelhecidos. Apesar dos ventos contrários de 2000, nós ainda tivemos uma
performance que produziu uma participação de 8,8% nos lucros da companhia. O montante
total pago foi de U$ 40,7 milhões.

GEICO será uma grande parte do futuro da Berkshire. Por conta de seus custos
baixíssimos, ela oferece uma oportunidade para os americanos comprarem diretamente um
produto que eles vão precisar. A companhia acopla esses custos baixos com um serviço
excelente, que sempre coloca a companhia nas melhores posições em pesquisas
independentes de satisfação do cliente. Essa é uma combinação que inevitavelmente produz
crescimento e lucratividade.

Nos últimos anos, um número muito maior de motoristas aprendeu a associar a GEICO
com a economia de dinheiro em seguros. Nós continuaremos a repetir isso incansavelmente
até que todos os americanos estejam cientes do valor que oferecemos a eles.

Investimentos

Apresentamos a seguir nossos investimentos em ações. Aqueles com um valor acima


de U$ 1 bilhão ao final de 2000 foram itemizados.

Em 2000, nós vendemos quase todas as nossas ações da Freddie Mac e Fannie Mae,
montamos posições de 15% em várias mid-caps, compramos títulos de altos retornos de alguns
poucos emissores (muito poucos - eles não são chamados de títulos podres por acaso) e
aumentamos a posição em MBS8 de alta qualidade. Não existe nenhuma “barganha” entre
nossas posições atuais. Estamos contentes com o que temos, mas longe de animados.

Muitas pessoas assumem que ações de empresas de capital aberto são a primeira
escolha que a Berkshire faz quando aloca capital, mas isso não é verdade: desde que
publicamos nossos princípios econômicos em 1983, nós consistentemente apontamos que
preferimos comprar empresas inteiras ao invés de ações. (​Veja o número 4 na página 60​.) Um
motivo dessa preferência é pessoal: eu adoro trabalhar com os nossos gestores. Eles são
extremamente competentes, talentosos e leais. E, sinceramente, acho que o comportamento
corporativo deles é mais racional e mais voltado ao acionista do que o de muitas companhias
de capital aberto.

Mas existe também um poderoso motivo financeiro por trás dessa preferência, e ele tem
a ver com impostos. A lei tributária faz com que uma operação em que a Berkshire detenha
80% ou mais seja muito mais lucrativa, proporcionalmente, do que deter uma posição menor.
Quando uma companhia que detemos por completo tem um lucro de U$ 1 milhão após
impostos, todo esse montante é revertido em nosso benefício. Se esse U$ 1 milhão é
repassado para a Berkshire, nós não precisamos pagar nenhum imposto sobre dividendos. E
se os ganhos fossem retidos e nós decidíssemos vender a subsidiária - coisa difícil de
acontecer na Berkshire! - por U$ 1 milhão a mais do que pagamos, nós não teríamos de pagar
impostos sobre ganho de capital. Isso acontece porque o custo tributário na venda iria incluir
tanto o que pagamos pela empresa quanto todos os lucros que foram retidos desde então.

Compare agora essa situação com o que acontece quando temos um investimento no
mercado de ações. Se temos uma participação de 10% em uma empresa que gera U$ 10
milhões após impostos, nossa fatia de U$ 1 milhão nos lucros é ainda sujeita a impostos
estaduais e federais de (1) cerca de U$ 140.000, caso o montante seja distribuído a nós (o
imposto que pagamos sobre a maioria dos dividendos é de 14%); ou (2) nada menos do que
U$ 350.000, caso o U$ 1 milhão seja retido e subsequentemente capturado por nós na forma
de ganho de capital (nesse caso, o imposto que pagamos é, normalmente, de 35%, mas pode
chegar a 40%). Nós podemos diferir o pagamento dos U$ 350.000 ao não realizar
imediatamente o nosso ganho, mas eventualmente precisaremos pagar o imposto. Com efeito,
o governo é nosso “sócio” duas vezes quando detemos parte de uma empresa via o mercado
acionário, mas apenas uma vez quando detemos 80% ou mais de uma companhia.

Deixando de lado os fatores tributários, a fórmula que usamos para avaliar ações e
companhias inteiras é idêntica. De fato, a fórmula para avaliar ​todos os ativos que são
comprados com o objetivo de ganhos financeiros não teve nenhuma alteração desde que foi
inventado por um homem muito inteligente em 600 A.C. (embora ele não fosse inteligente o
suficiente pra saber que era 600 A.C.).

8
​Mortgage-Backed Security​: tipo de título composto de vários empréstimos feitos para aquisição de
casas.
O oráculo era Esopo e o seu duradouro, porém incompleto, ​insight de investimento foi
“Mais vale um pássaro na mão do que dois voando”. Para esclarecer melhor esse princípio,
você precisa responder apenas a três perguntas: o quão certo você está de que viu, de fato,
pássaros voando? Vão surgir mais de onde eles vieram? Qual é a taxa de juros livre de risco
(que consideramos ser os títulos de longo prazo do Tesouro Americano)? Se você souber
responder essas três perguntas, então você irá saber o valor máximo da passarada - e o
número máximo de pássaros que você sabe que vale a pena fazer uma oferta. E, claro, não
pense literalmente em pássaros. Pense em dólares.

O axioma de investimento de Esopo, agora expandido e convertido em dólares, é


imutável. Ele se aplica a fazendas, royalties de petróleo, ações, bilhetes de loteria e fábricas. E
o advento do motor a vapor, da eletricidade ou a criação dos automóveis não alteraram essa
máxima - e nem a Internet conseguirá fazê-lo. Apenas insira os números corretos e você
poderá elencar a atratividade de todos os possíveis usos de capital em todo o universo.

Métricas comuns como o ​dividend yield​, a razão de preço sobre lucro ou sobre o valor
patrimonial, e até mesmo as taxas de crescimento não tem nada a ver com o valuation, exceto
pelo fato de que elas oferecem indicativos da quantidade e velocidade com que o dinheiro entra
e sai de uma empresa. De fato, o crescimento pode destruir valor caso ele exija a injeção de
dinheiro nos anos iniciais de um projeto ou empreendimento que exceda o valor descontado de
dinheiro que esses ativos irão gerar no futuro. Comentaristas de mercado e gerentes de
investimento que se referem de maneira eloquente aos estilos de “crescimento” e “valor” como
sendo abordagens contrastantes apenas mostram sua ignorância, não a sua sofisticação.
Crescimento é apenas um componente - que normalmente soma, mas às vezes subtrai - na
equação de valor.

Infelizmente, embora a frase de Esopo e a terceira variável - isto é, a taxa de juros -


sejam simples, acertar os números das duas outras variáveis é uma tarefa difícil. Usar valores
precisos é uma besteira; trabalhar com um intervalo de possibilidades é uma abordagem
melhor.

Normalmente, o intervalo tem que ser tão grande que não conseguimos chegar a
nenhuma conclusão útil. Ocasionalmente, porém, até as estimativas mais conservadoras sobre
o volume de pássaros futuros revelam que o preço de tela está surpreendentemente baixo em
relação ao valor. (Vamos chamar esse fenômeno de TPI - Teoria da Passarada Ineficiente.)
Para ter certeza a respeito do que está falando, um investidor precisa ter um certo
entendimento geral dos fundamentos econômicos, assim como a habilidade de pensar de
maneira independente para chegar a uma conclusão positiva bem embasada. Mas o investidor
não precisa ser brilhante, tampouco de ​insights​ maravilhosos.

Na outra ponta, há várias vezes em que até os mais brilhantes investidores não
conseguem formar uma opinião a respeito de quantos pássaros estão voando em bando, nem
mesmo quando uma ampla gama de estimativas são utilizadas. Esse tipo de incerteza ocorre
com frequência quando novas empresas e indústrias que se movimentam com rapidez estão
sob escrutínio. Em casos desse tipo, qualquer alocação de capital pode ser considerada como
especulação.

A especulação - cujo foco não é no que o ativo irá produzir, mas sim o quanto a pessoa
ao lado irá pagar por ele - não é ilegal, imoral ou anti-americano. Mas não é o tipo de jogo que
Charlie e eu queremos jogar. Nós não temos a capacidade de adicionar nada ao jogo, então
por que deveríamos ter a expectativa de conseguir tirar proveito de alguma coisa?

A linha que separa o investimento da especulação é bastante tênue, e fica ainda mais
tênue quando a maioria dos participantes do mercado desfrutam de ganhos recentes. Nada é
mais sedativo para a racionalidade do que grandes doses de dinheiro fácil. Depois de uma
experiência inebriante dessas, as pessoas passam a ter um comportamento semelhante ao da
Cinderela na festa de gala. Eles sabem que um exagero nas festividades - isto é, continuar a
especular em empresas que possuem valuations muito esticados em relação ao montante de
dinheiro que elas provavelmente irão gerar no futuro - irá eventualmente acabar em abóboras e
ratos. Mas elas ainda assim detestam perder um minuto que seja de uma festa de arromba.
Assim, os embriagados participantes decidem sair da festa apenas segundos antes da
meia-noite. Só tem um único problema: eles estão dançando em um salão em que os relógios
não têm ponteiros.

No ano passado, comentamos a respeito da exuberância - e sim, foi algo irracional - que
prevaleceu no mercado, ressaltando que as expectativas dos investidores tinham se
multiplicado em várias vezes em relação aos retornos esperados. Uma evidência disso veio de
uma pesquisa feita pela Paine Webbey-Gallup, conduzida em dezembro de 1999, que
perguntou a respeito do retorno anual que os investidores poderiam esperar na década
seguinte. A média das respostas foi de 19%. Isso, com toda a certeza, era uma expectativa
irracional: não havia como ter tantos pássaros no bando em 2009 para entregar um retorno
desse nível.

Ainda mais irracional foram os valuations enormes que os participantes do mercado


estavam colocando em empresas que certamente acabariam se mostrando apenas medianas
ou de nenhum valor. Mesmo assim, os investidores, encantados pelo aumento nos preços das
ações e ignorando todo o resto, entraram em peso em tais empresas. Foi como se algum vírus
tivesse infectado investidores profissionais e amadores, induzindo alucinações e fazendo com
que os valores de certas empresas em certos setores se descolassem dos fundamentos a que
estavam atrelados.

Essa cena surreal foi acompanhada com muita conversa a respeito de “criação de
valor”. Nós já reconhecemos desde já que uma enorme quantidade de valor real foi criada na
última década por novas empresas, e temos certeza de que tem muito mais por vir. Mas o valor
é destruído, e não criado, por qualquer empresa que perde dinheiro ao longo do tempo, não
importa o quão alto o seu valuation seja nesse ínterim.

O que realmente acontece nesses casos é a transferência de riqueza em grande


escala. Ao fazer propagandas sem nenhuma vergonha de bandos sem pássaro algum, os
anunciantes desse tipo de coisa transferiram bilhões de dólares dos bolsos do público para os
seus próprios (e para os de seus amigos e associados). O fato é que um mercado de bolha
permitiu a criação de empresas de bolha, entidades criadas com o objetivo de ter lucro com o
dinheiro dos investidores, não para os investidores. Com frequência, o IPO, e não o lucro,
passou a ser o objetivo principal de algumas companhias. No fim das contas, o “modelo de
negócios” dessas companhias era nada mais do que a velha pirâmide financeira, para a qual
muitos bancos de investimento atuaram como verdadeiros faraós.

Mas sempre há um alfinete para toda bolha. E quando essas duas partes
eventualmente se encontram, uma nova onda de investidores aprende algumas lições bem
antigas: primeiro, muitos em Wall Street - uma comunidade na qual o controle de qualidade não
é algo valorizado - irão vender qualquer coisa para os investidores. Segundo, a especulação é
mais perigosa quando parece ser fácil.

Na Berkshire, nós sequer tentamos escolher as poucas empresas vencedoras que irão
emergir do oceano de negócios que ainda precisam se provar. Nós não somos tão inteligentes
para fazer isso, e sabemos disso. No lugar disso, tentamos aplicar a equação de 2.600 anos de
Esopo a oportunidades nas quais temos um grau razoável de confiança a respeito de quantos
pássaros estão no bando e quando eles virão para nossas mãos (esse raciocínio
provavelmente seria atualizado por meus netos como “Uma garota em um carrão vale por cinco
na agenda de telefone”). Obviamente, não podemos prever com precisão o ​timing dos fluxos de
caixa de entrada e saída de uma empresa, tampouco seus montante exatos. Nós tentamos,
portanto, ser conservadores em nossas estimativas e focar em indústrias cujas surpresas não
trarão caos a seus acionistas. Mesmo assim, cometemos muitos erros: lembrem-se que eu sou
a pessoa que achava que entendia dos fundamentos econômicos futuros de cupons de
desconto, ramo têxtil, sapatos e lojas de departamento de segunda mão.

Ultimamente, os “bandos” mais promissores têm sido transações negociadas de


empresas inteiras, e isso é algo que nos agrada. Você deve entender, no entanto, que essas
aquisições irão nos dar, no máximo, retornos razoáveis. Resultados realmente fora da curva só
podem ser obtidos quando o mercado de capitais está deprimido e o mundo corporativo está
pessimista. Nós estamos em uma situação exatamente oposta no momento.

Fontes dos ganhos reportados


A tabela a seguir mostra as principais fontes dos ganhos reportados pela Berkshire.
Nessa forma de apresentação, os ajustes contábeis de preço de compra não são feitos a
empresas específicas, mas sim aglutinados e mostrados em separado. Esse procedimento
permite que você veja os lucros de nossas empresas da forma que eles seriam reportados por
elas caso nós nãos as tivéssemos comprado. Por razões discutidas ​na página 65​, essa forma
de apresentação nos parece ser mais útil a investidores e gestores do que a apresentação
GAAP, que requer que os ajustes de preço de compra sejam feitos empresa a empresa. Os
lucros totais que nós mostramos na tabela são, é claro, idênticos aos lucros totais GAAP que
constam em nossas declarações financeiras auditadas.

A maioria dos negócios de manufatura, varejo e serviços tiveram desempenhos


razoáveis no último ano.

A exceção foi na indústria de calçados, particularmente na Dexter. Nós tentamos manter


a maior parte de nossa produção em fábricas americanas, e isso nos custou muito caro. Nós
iremos ter um outro ano difícil em 2001, muito embora já estejamos fazendo mudanças
significativas na forma como fazemos negócios.
Eu claramente cometi um erro ao pagar o que paguei pela Dexter em 1993. Além do
mais, eu tornei esse erro ainda pior ao usar ações da Berkshire no pagamento. No ano
passado, para reconhecer meu erro, nós descontamos todo o ​goodwill econômico que era
atribuível à transação da Dexter. Nós poderemos ganhar algum ​goodwill econômico com a
Dexter no futuro, mas nós definitivamente não temos nenhum no atual momento.

Os gestores envolvidos em nosso setor de calçados são topo de linha, tanto de uma
perspectiva corporativa quanto humana. Eles estão dando duro em um trabalho difícil e
doloroso, muito embora eles não precisassem passar por isso graças a suas circunstâncias
financeiras pessoais. Eles têm a minha admiração e o meu agradecimento.

Pelo lado positivo, continuamos a ser o líder isolado em dois ramos de serviços de
aviação - treinamento de pilotos na FlightSafety (FSI) e participação fracionada de jatos na
Executive Jet (EJA). Ambas essas companhias são tocadas por seus formidáveis fundadores.

Al Ueltschi está com 83 anos e continua trabalhando a todo vapor. Embora eu não seja
fã de desdobramentos, eu pretendo desdobrar a idade de Al numa proporção 1:2 quando ele
completar 100 anos. (Se der certo, adivinhe só quem vai ser o próximo.)

Nós gastamos U$ 272 milhões em simuladores de voo em 2000, e iremos gastar um


montante semelhante este ano. Aqueles que acham que os descontos anuais de depreciação
não refletem o custo verdadeiro - que é tão real quanto a folha de pagamento ou matéria-prima
- deveriam passar por um estágio em uma companhia de simuladores. Nós gastamos todos os
anos um montante igual à nossa depreciação simplesmente para ficar economicamente no
mesmo lugar - e então gastamos somas ainda maiores para crescer. E crescer é algo que está
no prospecto da FSI.

Um crescimento ainda mais acelerado deverá acontecer na EJA (cujo programa de


participação fracionada é chamado de NetJets). Rich Santulli é o dínamo por trás do negócio.

No ano passado, disse a vocês que a receita recorrente da EJA vinda de taxas mensais
havia crescido 46% em 1999. Em 2000, o crescimento foi de 49%. Eu também disse que esse
era um negócio de margens baixas, com poucos sobreviventes na indústria. As margens
realmente foram magras na EJA no ano passado, em parte por conta dos grandes custos que
estamos incorrendo para estabelecer a operação na Europa.

Independentemente desse custo, esteja certo de que o gasto da EJA com segurança
sempre vai ser o que tiver de ser. É óbvio que iríamos seguir essa política em qualquer
circunstância, mas há um interesse próprio aqui também: eu, minha esposa, meus filhos,
minhas irmãs, minha tia de 94 anos, todos os diretores (com exceção de um) e pelo menos
nove gestores da Berkshire voam frequentemente pelo programa NetJets. Dado essa carga
toda, eu aplaudo a insistência de Rich em oferecer treinamento aos pilotos acima do exigido
(uma média de 23 dias por ano). Além disso, nossos pilotos sedimentam suas habilidades ao
voar por 800 ou mais horas por ano. Por fim, cada um deles pilota apenas um modelo de avião,
o que significa que nossas equipes não ficam mudando de aviões com diferentes configurações
de voo e cockpit.

O negócio da EJA continua sendo restringido pela disponibilidade novos aviões. Ainda
assim, nossos clientes irão receber mais de 50 jatos em 2001, 7% da produção mundial.
Estamos confiantes que iremos permanecer como o líder mundial de participação fracionada,
tanto em número de aviões em voo quanto em qualidade de serviço e padrões de segurança.

**********

Mais informações a respeito de vários de nossos negócios podem ser encontradas ​nas
páginas 42-58​, onde você também irá encontrar os ganhos reportados na base GAAP. Além
disso, ​nas páginas 67-73​, nós rearranjamos os dados financeiros da Berkshire em quatro
segmentos em uma base não-GAAP. Essa forma de apresentação é a maneira com que
Charlie e eu enxergamos a companhia.

Ganhos ​look-through

Os ganhos reportados são uma medida inadequada do progresso econômico da


Berkshire, em parte porque os números mostrados na tabela anterior incluem apenas os
dividendos que recebemos de nossas empresas investidas - embora esses dividendos
tipicamente representem apenas uma pequena fração dos ganhos atribuíveis às nossas
participações. Para ilustrar algo mais próximo da realidade econômica da Berkshire do que os
ganhos reportados, nós usamos o conceito de ganhos ​look-through​. A forma de calculá-los é a
seguinte: (1) os ganhos operacionais reportados na seção anterior, somados com; (2) nossa
parcela de ganhos operacionais retidos pelas nossas principais empresas investidas que, sob a
contabilidade GAAP, não se refletem em nossos lucros, menos; (3) um valor de imposto que
seria pago pela Berkshire caso os ganhos retidos pelas investidas fossem distribuídos para
nós. Ao tabular os “ganhos operacionais”, excluímos os ajustes contábeis de preço de compra,
assim como ganhos de capital e outros itens não-recorrentes.

A tabela a seguir mostra nossos ganhos ​look-through de 1999, embora eu já avise que
os valores são apenas aproximações, uma vez que são baseados em uma certa quantidade de
premissas. (Os dividendos pagos a nós pelas investidas foram incluídas nos ganhos
operacionais itemizados ​na página 15​, a maioria no item “Insurance Group: Net Investment
Income.”)
(1) Não inclui ações atribuíveis a participações minoritárias.
(2) Calculado na média de participação ao longo do ano.
(3) A taxa de tributação usada é 14%, que é a taxa que a Berkshire paga pelos dividendos
que recebe.

Relatórios completos e honestos

Na Berkshire, escrever um relatório completo significa dar a vocês as mesmas


informações que gostaríamos de receber caso estivéssemos em seus lugares. O que Charlie e
eu iríamos querer nessa circunstância seriam todos os fatos importantes a respeito das
operações atuais, assim como uma visão franca do CEO a respeito das características de
longo prazo da empresa. Nós iríamos querer muitos detalhes financeiros e uma discussão dos
dados que fossem necessários para entendermos o que foi apresentado.

Quando Charlie e eu lemos relatórios, nós não temos interesse em ver fotos da equipe,
plantas ou produtos. Referências ao EBITDA nos fazem estremecer - a gestão acha que a fada
dos dentes é quem paga pelos gastos de capital? Nós suspeitamos muito de metodologias
contábeis que sejam vagas ou pouco claras, uma vez que isso com frequência indica que a
gestão deseja esconder alguma coisa. E nós não queremos ler mensagens escritas pelo setor
de relações com investidores ou por consultores. No lugar disso, esperamos que o próprio(a)
CEO explique, em suas palavras, o que está acontecendo com a companhia.

Para nós, um relatório justo significa levar a informação aos nossos 300.000 “sócios”
simultaneamente, ou o mais perto disso quanto possível. Assim, nós colocamos nossos
relatórios financeiros trimestrais e anuais na Internet entre o fechamento do mercado na
sexta-feira e a manhã seguinte. Ao fazer isso, nossos acionistas (e outros investidores
interessados) têm acesso a informações oportunas e importantes, além de terem tempo de
digerir as informações antes da abertura do mercado na segunda-feira. Este ano, nossos
relatórios trimestrais estarão disponíveis aos sábados, nos dias 12 de maio, 11 de agosto e 10
de novembro. A carta anual de 2001 será enviada no dia 9 de março.

Nós aplaudimos o trabalho que Arthur Levitt Jr., presidente da SEC9 até pouco tempo
atrás, fez ao desmantelar a prática corporativa de “informação seletiva” que havia se espalhado
como câncer nos últimos tempos. De fato, havia se tornado uma prática rotineira em grandes
corporações “levar” analistas ou grandes investidores a expectativas de lucros exatamente
iguais ou levemente abaixo daquilo que a companhia realmente tinha a expectativa de ter. Por
meio de dicas seletivas, piscadelas e abanos de cabeça que as empresas faziam, instituições
especulativas recebiam informações privilegiadas em relação a indivíduos orientados a
investimentos. Esse era um comportamento corrupto, e infelizmente abraçado por Wall Street e
pela maioria das empresas americanas.

Graças a Levitt, cujos esforços em nome dos investidores foram incansáveis e eficazes,
as empresas são agora obrigadas a tratar todos os seus acionistas de maneira igual. O fato
que essa reforma aconteceu de forma coercitiva, e não por exame de consciência, deveria ser
motivo de vergonha para os CEOs e seus departamento de relação com investidores.

Aproveitando que estou colocando a boca no trombone, Charlie e eu acreditamos ser


tanto enganador quanto perigoso CEOs fazerem previsões a respeito da taxa de crescimento
de suas empresas. Ele são, é claro, frequentemente encorajados a fazer isso por analistas e
por seus próprios departamentos de relação com investidores. Eles deveriam resistir a isso,
porém, porque tais previsões frequentemente causam problemas.

Não há problema algum para um CEO ter seus próprios objetivos e, em nossa visão, é
até adequado que um CEO expresse de maneira pública suas expectativas para o futuro,
desde que essas expectativas sejam acompanhadas das advertências apropriadas. Mas uma
grande empresa prever que seus lucros por ação irão crescer no longo prazo a, digamos, 15%
ao ano é o mesmo que arrumar sarna pra se coçar.

Isso é verdade porque uma taxa de crescimento dessa magnitude pode ser mantida
apenas por um pequeno percentual de grandes empresas. Eis um teste: analise o histórico das
200 companhias mais lucrativas de 1970 a 1980 e calcule quantas delas aumentaram os lucros
por ação a uma taxa de 15% desde então. Você irá ver que poucas conseguiram tal feito. Eu
apostaria alto com você que menos de 10 das 200 empresas mais lucrativas em 2000 irão
manter uma taxa anual de 15% de crescimento nos lucros por ação pelos próximos 20 anos.

O problema de previsões assim não é só o fato delas espalharem um otimismo


inocente. O que é mais preocupante é que elas corrompem o comportamento do CEO. Ao
longo dos anos, Charlie e eu observamos várias situações em que os CEOs fizeram manobras
econômicas para atingir as metas de lucratividades que haviam estabelecido anteriormente. E

9
​Securities and Exchange Commission​, órgão que supervisiona o mercado de capitais nos EUA.
o pior, depois de exaurir todas as acrobacias operacionais, eles ainda recorriam a uma
variedade de jogos contábeis para chegar nos números que queriam. Essas maluquices
contábeis acabaram tendo um efeito de bola-de-neve: uma vez que uma empresa transfere os
ganhos de um período para o outro, os déficits que ocorrem a partir daquele ponto precisam de
ainda mais acrobacias contábeis. Isso pode fazer com que os exageros passem a se tornar
fraudes. (Como se costuma dizer, mais dinheiro foi roubado com a ponta de uma caneta do que
com a ponta de um fuzil.)

Charlie e eu costumamos ficar desconfiados de empresas que impressionam seus


investidores com previsões sofisticadas. Alguns desses gestores se mostrarão profetas - mas
outros se mostrarão otimistas congênitos, ou mesmo charlatões. Infelizmente, não é fácil saber
com antecedência com qual espécie estamos lidando.

************

Eu já avisei em outras ocasiões que você não deve acreditar em tudo que lê e ouve
falar a respeito da Berkshire - mesmo quando for publicado ou transmitido por uma prestigiosa
organização da mídia. De fato, notícias errôneas são particularmente perigosas quando
circuladas por membros altamente respeitados da mídia, simplesmente porque a maioria dos
leitores e espectadores sabem que tais canais costumam ser críveis e, portanto, acreditam no
que é falado.

Um exemplo foi um erro grotesco a respeito das atividades da Berkshire que apareceu
na edição de 29 de dezembro do The Wall Street Journal (WSJ), um jornal excelente e que, por
toda a minha vida, me foi muito útil. Na capa, o jornal publicou uma notícia dizendo, em termos
inequívocos, que estávamos comprando títulos da Conseco e Finova. Isso direcionava o leitor
para a seção Dinheiro e Investimentos. Lá, no segundo parágrafo, o jornal reportou novamente,
e sem nenhuma qualificação, que a Berkshire estava comprando títulos da Conseco e Finova,
dizendo ainda que a Berkshire havia investido centenas de milhões de dólares em cada uma
delas. Apenas no décimo oitavo parágrafo da matéria (que, a esse ponto, já estava em outra
página) o jornal se protegeu um pouco ao dizer que as compras da Conseco haviam sido
reveladas por pessoas familiarizadas com o assunto.

Bom, não tão familiares, pelo jeito. É verdade que compramos títulos e dívidas da
Finova - muito embora a reportagem tenha errado feio a respeito do montante. Mas até o dia de
hoje, nem a Berkshire, nem eu compramos uma ação ou título da Conseco.

A Berkshire costuma ser coberta por um repórter do WSJ em Chicago que é preciso e
consciente a respeito do que faz. Nesse caso, no entanto, a reportagem foi um produto de um
repórter de Nova York. De fato, o dia 29 foi corrido para ele: no início da tarde, ele repetiu a
história para a CNBC. Imediatamente, outro respeitável canal de notícias, se apoiando
unicamente no que havia sido escrito no jornal, começou a noticiar os mesmos “fatos”. O
resultado: a ação da Conseco subiu fortemente durante um dia, com um volume tão incomum
de negociação que a colocou na nona posição da lista de ações mais ativas do dia na NYSE.

Durante todo o desenrolar da história, eu nunca ouvi ou li a palavra “rumor”.


Aparentemente, repórteres e editores que vivem se vangloriando do uso comedido da
linguagem simplesmente não conseguem usar esta palavra. Mas que outra descrição poderia
se encaixar de forma mais precisa? Os termos usuais como “fontes dizem” ou “foi reportado”
certamente não seriam adequados.

Uma coluna chamada “Rumores do Dia”, porém, não cairia muito bem para a imagem
de muitos jornais, que se consideram muito acima disso. Os membros desses jornais
certamente iriam sentir que publicar algo do tipo seria o equivalente ao ​L’Osservatore Romano
10
começar a publicar uma coluna de fofocas. Mas são rumores que essas organizações
costumam publicar, por mais que elas tentem disfarçá-los de outra coisa. Pelo menos os
leitores merecem uma terminologia honesta - um aviso que proteja sua saúde financeira, da
mesma forma que os fumantes recebem alertas dos malefícios do cigarro.

A Primeira Emenda da Constituição permite que a mídia publique ou diga quase


qualquer coisa. A Primeira Regra do Jornalismo deveria ser a análise criteriosa dos fatos para
decidir o que vai ser, de fato, publicado.

Miscelânea

Na carta do ano passado, examinamos a discussão contábil a respeito do ​pooling (usar


ações como moeda de troca) em fusões. Tivemos a impressão de que os dois lados da história
tinham argumentos sólidos em alguns aspectos e seriamente falhos em outros. Estamos
contentes em ver que o ​Financial Accounting Standards Board​, responsável por definir as
regras contábeis, passou a adotar uma abordagem alternativa que nos parece bastante correta.

Se a regra proposta for aprovada, nós não iremos mais incorrer em grandes
amortizações anuais de intangíveis. Por consequência, os nossos relatórios financeiros irão
refletir nossa realidade econômica com mais fidelidade. (​Veja a página 65​.) Nada disso terá
efeito no valor intrínseco da Berkshire. Este presidente que vos fala, porém, irá pessoalmente
se beneficiar com isso, pois haverá um item a menos para eu explicar nestas cartas.

************

Junto desta carta, está anexo um relatório - generosamente cedido pela ​Outstanding
Investor Digest - das principais falas de Charlie no encontro anual da Wesco em maio passado.
Charlie tem um pensamento a respeito de fundamentos econômicos e assuntos corporativos

10
Jornal oficial do Vaticano.
mais afiado do que qualquer outra pessoa que conheço, e eu aprendi muito com ele ao longo
dos anos. Ler o que ele disse irá melhorar o seu entendimento a respeito da Berkshire.

************

Em 1985, nós compramos a Scott Fetzer, adquirindo não apenas um ótimo negócio,
mas também os excelentes serviços de Ralph Schey também, que é um excelente CEO. Ralph
tinha 61 anos na época da aquisição. A maioria das companhias, focadas mais no calendário
do que em habilidades, teria se beneficiado dos talentos de Ralph por apenas alguns anos.

Na Berkshire, por outro lado, Ralph tocou a Scott Fetzer por 15 anos, até a sua
aposentadoria no fim de 2000. Sob sua liderança, a companhia distribuiu U$ 10,3 bilhões para
a Berkshire. Para efeitos de comparação, pagamos um valor líquido pela empresa de U$ 230
milhões. Nós usamos os fundos que a companhia gerou para comprar outros negócios mais.
Somando tudo, as contribuições de Ralph para o valor atual da Berkshire estão na casa dos
bilhões de dólares.

Como gestor, Ralph pertence ao Hall da Fama da Berkshire, e Charlie e eu ficamos


felizes em colocá-lo nessa lista.

************

Um pouco de nostalgia: faz exatamente 50 anos que entrei na sala de aula de Ben
Graham em Columbia. Na década anterior, eu tinha adorado - ou melhor, amado - analisar,
comprar e vender ações. Mas meus resultados não tinham sido melhores do que a média.

No começo de 1951, o meu desempenho melhorou. Não, eu não havia começado uma
nova dieta ou a praticar exercícios. O único ingrediente novo eram as ideias de Ben. De
maneira simples, algumas horas junto do mestre se mostraram muito mais valiosas do que dez
anos de um suposto pensamento independente.

Além de ter sido um ótimo professor, Ben era um amigo maravilhoso. Minha dívida com
ele é incalculável.

Doações designadas pelos acionistas

Cerca de 97% de todas as ações elegíveis participaram do programa de doações da


Berkshire de 2000, totalizando U$ 16,9 milhões. Uma descrição completa do programa pode
ser encontrada ​nas páginas 74-75​.
Ao longo de vinte anos desse programa de doações, a Berkshire fez contribuições de
U$ 164 milhões, seguindo sempre as indicações dos acionistas. O restante das doações da
Berkshire foram feitas por nossas subsidiárias, que mantém seus padrões filantrópicos que já
existiam antes de serem adquiridas (com a exceção de que seus antigos acionistas é que se
encarregam da responsabilidade por suas doações pessoais). No total, nossas subsidiárias
fizeram doações de U$ 18,3 milhões em 2000, incluindo doações de produtos no valor de U$ 3
milhões.

Para participar dos programas futuros, você deve ter ações da Classe A que estejam
registradas em seu próprio nome, não no nome de um terceiro, da corretora ou do banco.
Ações que não estiverem registradas até o dia 31 de agosto de 2001 não poderão participar do
programa de 2001. Quando você receber os formulários de doação, retorne-os prontamente a
nós para evitar que eles sejam deixados de lado ou esquecidos. Os formulários que forem
recebidos após a data limite não serão considerados.

O encontro anual

No ano passado, mudamos o encontro anual para o Civic Auditorium, e isso funcionou
muito bem para nós. Nós iremos nos encontrar lá novamente no sábado, 28 de abril. As portas
se abrirão às 7:00h, o filme terá início às 8:30h e o encontro em si começará às 9:30h. Haverá
um breve intervalo ao meio-dia para o almoço, com sanduíches nos estandes do Civic. Exceto
por esse interlúdio, Charlie e eu responderemos as perguntas até as 15:30h.

Pelos próximos anos, o Civic vai ser a nossa única escolha. Nós precisamos, portanto,
fazer o encontro no sábado ou domingo para evitar um pesadelo de trânsito e estacionamento
que ocorreria caso nos encontrássemos em outro dia da semana. Em breve, no entanto,
Omaha terá um novo centro de convenções, com muito espaço para estacionar. Assumindo
que esse novo centro terá disponibilidade para nós, eu irei fazer uma pesquisa com os
acionistas para verificar se vocês desejam voltar a ter o encontro anual às segundas-feiras.
Nós iremos decidir isso baseado na maioria dos votos dos acionistas, não por número de
ações.

O material anexo a esta carta contém todas as explicações sobre como você pode obter
as credenciais necessárias para ser admitido no encontro e em outros eventos. Em relação à
reservas de carro, hotel e passagens de avião, nós novamente pedimos para a American
Express (800-799-6634) dar uma ajuda especial a vocês. Como sempre, teremos ônibus
saindo dos maiores hotéis para levá-los até o encontro. Após o encontro em si, os ônibus farão
viagens de volta aos hotéis, para o Nebraska Furniture Mart, Borsheim’s e o aeroporto. Mesmo
assim, talvez um carro alugado seja mais útil.
Nós compramos tantas empresas novas esse ano que eu não irei dar detalhes de todos
os produtos que iremos vender no encontro. Mas venha preparado para levar de tudo para
casa, desde tijolos até doces. Um novo produto, porém, merece uma atenção especial: Bob
Shaw criou um tapete 3 x 5 com um excelente desenho de Charlie. Obviamente, Charlie ficaria
envergonhado - na verdade, humilhado - se um volume baixo de vendas nos fizesse diminuir o
preço do tapete. Portanto, faça a sua parte.

A GEICO terá um estande com os melhores agentes seguradores do país, todos eles
prontos para fazer orçamentos. Na maioria dos casos, a GEICO poderá lhe oferecer um
desconto especial de acionista (normalmente de 8%). Traga os detalhes do seu seguro atual e
verifique se você pode economizar conosco.

No aeroporto de Omaha, no sábado, teremos uma exibição de jatos da Executive Jet


para que você possa dar uma olhada. Basta pedir a um representante da EJA no Civic para ver
os aviões. Se você for comprar o que consideramos ser um número adequado de produtos
durante o fim de semana, pode ser que você realmente precise de um avião para conseguir
levar tudo para casa.

No Nebraska Furniture Mart, localizado em uma área de mais de 300 mil metros
quadrados na 72nd Street entre Dodge e Pacific, nós teremos novamente os preços especiais
da Berkshire Weekend, o que significa que daremos descontos aos nossos acionistas que,
normalmente, são restritos apenas aos funcionários. Nós demos início a esses preços
diferenciados no NFM quatro anos atrás, e as vendas durante o Weekend cresceram de U$ 5,3
milhões em 1997 para U$ 9,1 milhões em 2000.

Para receber o desconto, você deverá fazer suas compras entre a quarta-feira, 25 de
abril, e segunda-feira, 30 de abril, e apresentar a sua credencial do evento. Os preços
especiais desse período irão se aplicar até a marcas famosas que normalmente têm regras
muito rígidas a respeito de descontos, mas que, no espírito do nosso encontro, irão abrir uma
exceção a vocês. Nós agradecemos por essa cooperação. O NFM fica aberto das 10:00h às
21:00h nos dias de semana e das 10:00h às 18:00h aos sábados e domingos.

Borsheim’s - a maior joalheria do país depois da loja da Tiffany em Manhattan - terá dois
eventos para os acionistas. O primeira será um coquetel de recepção das 18h às 22h na
sexta-feira, 27 de abril. O segundo, o evento de gala, acontecerá das 9h às 17h no domingo, 29
de abril. Os preços exclusivos para acionistas estarão disponíveis entre quinta-feira e segunda.
Assim, se você desejar evitar as grandes multidões que irão ocorrer na noite de sexta-feira e no
domingo, venha até a loja em outro momento e se identifique como sendo um acionista. No
sábado, estaremos abertos até as 18h. A Borsheim’s opera com uma margem bruta que é mais
de vinte pontos percentuais abaixo de seus principais concorrentes. Assim, quanto mais você
comprar, mais você irá economizar (ao menos é isso que a minha família me diz).
No centro comercial ao lado da Borsheim’s, teremos jogadores profissionais de bridge
para jogar contra os acionistas no domingo. Bob Hamman, que normalmente vem até o evento,
estará na África este ano. No entanto, ele prometeu que irá comparecer ao evento de 2002.
Patrick Wolff, bicampeão nacional de xadrez, também estará lá para jogar contra qualquer
pessoa - e de olhos vendados! No ano passado, Patrick conseguiu jogar até seis partidas
simultaneamente - com sua venda firmemente posicionada - e destruiu seus oponentes.

Como se tudo isso não fosse suficiente para testar as suas habilidades, nossa
Olimpíada da Borsheim’s terá este ano Bill Robertie, um dos dois únicos jogadores a ser
bicampeão no torneio mundial de gamão. Gamão pode ser um jogo que envolve muito dinheiro,
portanto traga os certificados de suas ações.

Gorat’s - minha churrascaria favorita - irá abrir novamente e exclusivamente para os


acionistas no domingo, dia 29 de abril, e irá funcionar das 16h à meia-noite. Por favor,
lembre-se de que você só poderá comparecer ao Gorat’s no domingo se tiver uma reserva.
Para fazer uma, ligue para 402-551-3733 no dia 2 de abril (​mas não antes​). Se o domingo
estiver esgotado, visite o Gorat’s em uma das outras noites que você estiver na cidade. Se
você fizer um pedido de um T-Bone mal passado com batatas picadas e fritas, você
automaticamente será classificado como um profundo conhecedor de gastronomia.

O costumeiro jogo de baseball irá acontecer no Rosenblatt Stadium às 19h do sábado.


Este ano, os Omaha Golden Spikes irão jogar contra os New Orleans Zephyrs. Ernie Banks11
estará novamente no jogo para - de forma destemida - encarar a minha bola rápida (cuja maior
velocidade chegou a ser de 150 km/m - quilômetros por mês).

Meu desempenho no ano passado não foi dos melhores: eu precisei de cinco
arremessos para jogar algo que se assemelhasse a um ​strike​. E, acredite em mim, é bastante
solitário no montinho quando você não consegue achar o ​plate​. Por fim, consegui mandar uma
bola boa, e Ernie disparou em direção ao canto esquerdo do campo. Depois de eu ser retirado
do jogo, os vários repórteres esportivos que estavam presentes me perguntaram que bola tinha
sido aquela. Eu repeti a frase que Warren Spahn disse após Willie Mays mandar um de seus
arremessos para um ​home run (o primeiro de Willie na ​major league​): “Foi um belo de um
arremesso nos primeiros 18 metros”.

Este ano a coisa vai ser diferente: eu não irei virar a minha mão, de forma que Ernie vai
ter de lidar com um arremesso que ele nunca viu antes na vida.

Nosso material em anexo contém instruções sobre como obter ingressos para o jogo,
além de muitas outras informações que lhes serão úteis durante o tempo que vocês forem
passar em Omaha. Venham para o Woodstock Weekend e juntem-se à nossa Celebração do
Capitalismo no Civic.

11
Ex-jogador de baseball. Na data de publicação desta carta, Ernie Banks já estava aposentado.
Warren E. Buffett
Presidente do conselho
28 de fevereiro de 2001
Nota: a tabela a seguir aparece na capa da carta anual e é referenciada ao longo do texto.
Observações:
Os dados vêm dos anos-calendários, com as seguintes exceções: em 1965 e 1966, o
ano se encerrou em 30 de setembro, com 15 meses findos em 31/12.

Começando em 1979, as regras contábeis passaram a exigir que as companhias de


seguro mostrassem seus montantes aplicados em ações a valor de mercado ao invés
do mínimo entre custo de aquisição e valor de mercado, que era a regra até então. Na
tabela anterior, os resultados da Berkshire até 1978 foram refeitos para estarem de
acordo com as mudanças nas regras. Em todos os outros aspectos, os resultados foram
calculados com os números originalmente reportados.

Os números apresentados para o S&P 500 são antes de impostos, enquanto que os
números da Berkshire são após impostos. Se uma corporação como a Berkshire tivesse
simplesmente comprado o índice S&P 500 e acumulado os impostos, o resultado da
companhia teria sido pior do que o S&P nos anos em que o índice teve retornos
positivos e melhor nos anos em que o índice teve retornos negativos. Ao longo dos
anos, os custos dos impostos teriam feito o acumulado de perdas ser substancial.

Fonte original: ​https://www.berkshirehathaway.com/letters/2001.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

A nossa ​queda em patrimônio líquido durante o ano 2001 foi de US$ 3,77 bilhões, o que
diminuiu o valor patrimonial por ação das Classes A e B em 6,2%. Nos últimos 37 anos (isto é,
desde que assumimos o controle da companhia), o valor patrimonial por ação cresceu de US$
19 para US$ 37.920, uma taxa anual composta de 22,6%1.

O valor intrínseco por ação cresceu um pouco mais do que o valor patrimonial durante
esses 37 anos, e provavelmente diminuiu um pouco menos em 2001. Nós explicamos o
conceito de valor intrínseco no nosso Manual do Acionista, que começa ​na página 62​. Eu peço
encarecidamente que os novos acionistas leiam esse manual para se familiarizarem com os
princípios econômicos da Berkshire.

Há dois anos, na carta de 1999, eu disse que havíamos passado pelo pior desempenho
absoluto e relativo em nossa história. Eu acrescentei que “resultados relativos são o que nos
preocupam”, um ponto de vista que eu já tinha estabelecido desde o meu primeiro clube de
investimentos, que teve início em 5 de maio de 1956. Ao me encontrar com os sete membros
fundadores naquela noite, eu dei a eles um pequeno artigo intitulado “As regras fundamentais”,

1
Todos os valores mostrados nesta carta se referem às ações da Classe A da Berkshire, que são as
sucessoras do único tipo de ação que a empresa tinha em circulação até 1996. As ações B têm um valor
econômico equivalente a 1/30 da A.
o qual tinha a seguinte frase: “O nosso desempenho, bom ou ruim, deverá ser comparado com
o índice geral de ativos.” Nós inicialmente usávamos o índice Dow Jones Industrial como nosso
benchmark​, mas mudamos para o S&P 500 quando este passou a ser mais amplamente
utilizado. Nosso histórico comparativo desde 1965 é mostrado na página inicial desta carta; a
vantagem da Berkshire em relação ao índice no ano passado foi de 5,7 pontos percentuais.

Algumas pessoas discordam do nosso foco em desempenho comparativo,


argumentando que “não se come desempenho relativo”. Mas se você acha - como Charlie
Munger, vice-presidente da Berkshire, e eu achamos - que comprar o índice S&P 500 irá
produzir resultados razoavelmente satisfatórios ao longo do tempo, faz sentido pensar que,
para investidores de longo prazo, ter pequenas vantagens anuais sobre o índice certamente
será recompensador. Da mesma maneira que você consegue comer bem durante o ano se
tiver um negócio altamente lucrativo, mas altamente sazonal, como a See’s (que perde uma
quantia considerável de dinheiro durante os meses de verão), você também consegue se
banquetear com retornos de investimento que batam os ​benchmarks​, por mais variáveis que
sejam os números absolutos.

Embora o nosso desempenho corporativo no ano passado tenha sido satisfatório, o


meu próprio desempenho passou longe disso. Eu gerencio a maior parte do portfólio da
Berkshire, e meus resultados foram ruins, da mesma forma que têm sido nos últimos anos.
Ainda mais importante, eu permiti que a General Re fechasse um contrato sem as devidas
precauções que eu sabia que eram importantes e, no dia 11 de setembro2, tal erro cobrou seu
preço. Eu irei falar mais sobre meu erro mais à frente e o que estamos fazendo para corrigi-lo.

Outra das minhas regras fundamentais permanece válida: “Eu não posso prometer
resultados certos aos meus sócios.” Mas Charlie e eu podemos prometer que o resultado
econômico que vocês tiverem seguirá em linha com o nosso: nós não iremos receber bônus,
stock options ou qualquer outra benesse que torne nossos resultados melhores do que os de
vocês.

Além disso, eu irei manter mais de 99% do meu patrimônio na Berkshire. Minha esposa
e eu nunca vendemos uma ação sequer, e nem temos a intenção de fazer isso. Charlie e eu
nos sentimos enojados pela situação, tão comum recentemente, onde os acionistas sofrem
perdas bilionárias, enquanto os CEOs, promotores e outros executivos de alto escalão, que
normalmente são os responsáveis por grandes desastres, escapam ilesos e ainda com muita
riqueza. De fato, muitas dessas pessoas chegam ao cúmulo de incentivar os acionistas a
comprarem ações, ao mesmo tempo em que vendem as próprias, utilizando-se muitas vezes
de métodos escusos para tal. Infelizmente, e para a vergonha desses líderes corporativos, eles
vêem os acionistas como bodes expiatórios, não como sócios.

2
O dia 11 de setembro de 2001 ficou marcado pelos atentados terroristas ao World Trade Center, em
Nova York, e ao Pentágono, em Washington.
Embora a Enron tenha se tornado o símbolo de abuso contra acionistas3, não faltam
exemplos de uma conduta flagrante na América corporativa. Uma história que ouvi ilustra bem
a atitude de gestores em relação aos acionistas: uma bela mulher chega perto de um CEO em
uma festa e diz provocativamente “Eu faço qualquer coisa que você quiser. Qualquer coisa.
Basta me dizer o que você quer.” Sem hesitar, o CEO responde: “Reprecifique as minhas
opções.”

Um último comentário a respeito da Berkshire: no futuro, nós não iremos chegar nem
perto de replicar o nosso histórico passado. Mas só para garantir, Charlie e eu lutaremos por
um desempenho acima da média, e não iremos nos contentar com menos do que isso. Mas
duas condições na Berkshire são agora muito diferentes do que eram antigamente: antes,
conseguíamos comprar empresas e ações a ​valuations muito mais atrativos do que agora; e,
mais importante, nós tínhamos muito menos dinheiro do que temos agora. Alguns anos atrás,
uma boa ideia de US$ 10 milhões seria excelente para nós (basta olhar para os nossos
investimentos no Washington Post, em 1973, e na GEICO, em 1976). Hoje, a combinação de
dez ideias assim, com cada uma tendo o triplo do valor, iria aumentar o patrimônio líquido da
Berkshire em apenas 0,25%. Nós precisamos de “elefantes” para conseguir ganhos
significativos atualmente - e eles são difíceis de achar.

Do lado positivo, temos o melhor conjunto de gestores que você possa imaginar. (Você
pode ler mais a respeito de vários deles no novo livro de Robert P. Miles: ​The Warren Buffett
CEO​.) Em boa parte, eles administram negócios com características econômicas que vão de
boas a incríveis. Nós completamos 37 anos de Berkshire sem que um CEO sequer de nossas
subsidiárias pedisse demissão para ir trabalhar em outro lugar.

Nosso time estelar aumentou mais em 2001. Primeiro, completamos duas aquisições
que havíamos dado início em 2000 - Shaw e Johns Manville. Em seguida, adquirimos outras
duas, MiTek e XTRA, e firmamos contrato para comprar mais duas: Larson-Juhl, uma aquisição
que acabou de ser fechada, e Fruit of the Loom, que irá ser fechada em breve caso os credores
aceitem nossa oferta. Todas essas empresas são lideradas por CEOs inteligentes, experientes
e confiáveis.

Adicionalmente, todas as aquisições do ano passado foram feitas em dinheiro, o que


significa que nossos acionistas se tornaram donos de negócios adicionais sem ter suas
participações diluídas nas ótimas empresas que já tinham em carteira. Nós vamos continuar
usando nossa conhecida fórmula, lutando para aumentar o valor dos excelentes negócios que
temos, acrescentando novas empresas de qualidade similar e emitindo ações com relutância.

3
Enron era uma companhia americana do setor elétrico que, por meio de contabilidade criativa e
dissuasão, escondeu dívidas bilionárias vindas de negociações e projetos mal-sucedidos. O caso ganhou
notoriedade em outubro de 2001.
Aquisições de 2001

Alguns dias antes do encontro de acionistas do ano passado, eu recebi um pesado


pacote de St. Louis com uma desinteressante peça de metal cuja função eu não fazia a menor
ideia qual era. No entanto, havia uma carta junto do pacote de Gene Toombs, CEO de uma
companhia chamada MiTek. Ele me explicou que a MiTek era a principal produtora da peça
que eu havia recebido, uma “placa de conexão”, que é usada para fazer treliças de telhados.
Gene também disse que a matriz inglesa da MiTek queria vender a companhia, e que a
Berkshire lhe parecia ser a compradora ideal. Como gostei da carta, liguei para Gene. Levei
apenas um minuto para perceber que ele era o tipo de gestor que gostamos e que a MiTek era
o tipo de empresa que entendemos. Nós fizemos uma oferta em dinheiro para a matriz na
Inglaterra e um acordo foi rapidamente firmado.

A equipe gerencial de Gene é incrivelmente entusiasmada com a companhia e quis


participar da compra. Dessa maneira, fizemos um acordo de forma que 55 membros da equipe
MiTek pudessem comprar 10% da companhia, com cada um colocando um valor mínimo de
US$ 100.000. Muitos pegaram dinheiro emprestado para participar do acordo.

Assim como aconteceria mesmo se eles tivessem outras opções, todos esses membros
da companhia são, agora, verdadeiros donos da empresa. Eles irão encarar tanto os pontos
positivos e negativos das decisões que tomarem. Eles incorreram em custo de capital. E não
podem “reprecificar” suas partes: o que eles pagaram é o que eles terão de aceitar.

Charlie e eu adoramos a atitude empreendedora e de alto nível que existe na MiTek, e


temos a expectativa de que a empresa se mostre uma vencedora para todos os envolvidos.

************

No início de 2000, meu amigo, Julian Robertson, anunciou que ele iria encerrar o seu
fundo, Tiger Fund, e que iria liquidá-lo por completo, exceto por quatro grandes posições. Uma
delas era a XTRA, a líder em locação de trailers. Eu liguei para Julian e perguntei se ele
consideraria vender sua participação na XTRA ou se a gestão da companhia teria interesse em
receber uma oferta pela empresa inteira. Julian me passou, então, o contato de Lew Rubin,
CEO da XTRA. Nós dois tivemos uma conversa agradável, mas tudo indicava que não
chegaríamos a um acordo.

Em junho de 2001, Julian me ligou e disse que havia decidido vender sua participação
na XTRA, e então eu retomei minha conversa com Lew. O conselho da XTRA aprovou a
proposta que fizemos, que seria efetivada por meio de uma oferta pública de aquisição com
vencimento em 11 de setembro. As condições da oferta incluíam a usual cláusula de “saída”,
que nos permitia retirar a oferta caso o mercado fechasse antes da oferta expirar. Em boa parte
do dia 11, Lew passou por uma experiência particularmente dolorosa: primeiro, ele tinha um
cunhado que estava trabalhando no World Trade Center e que não estava sendo localizado; e
segundo, ele sabia que nós tínhamos a opção de retirar a oferta. Mas a história teve final feliz:
o cunhado de Lew escapou sem grandes ferimentos e a Berkshire completou a transação.

O aluguel de trailers é um negócio cíclico, mas é um em que esperamos ter retornos


decentes ao longo do tempo. Lew é um novo talento a ser adicionado à Berkshire, e esperamos
conseguir expandir no setor de aluguéis.

************

No dia 3 de dezembro, recebi uma ligação de Craig Ponzio, dono da Larson-Juhl, a líder
nos EUA de molduras customizadas para quadros e fotografias. Craig havia comprado a
empresa em 1981 (após trabalhar no chão de fábrica enquanto estava na faculdade) e desde
então havia aumentado as vendas da empresa de US$ 3 milhões para US$ 300 milhões.
Embora eu nunca tenha ouvido falar da Larson-Juhl antes da ligação de Craig, alguns minutos
conversando com ele me levaram a crer que fecharíamos um acordo. Ele foi bem direto na
descrição do negócio, se mostrou preocupado sobre quem iria comprar e foi realista ao falar a
respeito do preço. Dois dias depois, Craig e Steve McKenzie, o CEO da empresa, vieram até
Omaha e, em noventa minutos, fechamos negócio. Em dez dias, tínhamos um contrato
assinado.

Larson-Juhl atende cerca de 18.000 lojas de moldura nos EUA e é a empresa líder no
setor no Canadá e em boa parte da Europa. Nós esperamos encontrar oportunidades de fazer
aquisições complementares no futuro.

************

Enquanto escrevo esta carta, credores estão avaliando uma oferta que fizemos pela
Fruit of the Loom. A companhia entrou em falência há alguns anos, vítima de uma dívida
descontrolada e gestão mal-feita. E muitos anos antes disso, eu tive uma experiência com a
Fruit of the Loom.

Em agosto de 1955, eu era um de cinco empregados, incluindo duas secretárias, que


trabalhavam para os três gestores da Graham-Newman Corporation, uma companhia de
investimentos de Nova York. A Graham-Newman controlava a Philadelphia and Reading Coal
and Iron (“P&R”), uma produtora de antracite4 que tinha dinheiro em caixa e crédito fiscal, mas
que estava em um setor em declínio. Na época, eu tinha uma parcela significativa do meu
limitado patrimônio investido em ações da P&R, refletindo a confiança que eu tinha no talento
de meus chefes, Ben Graham, Jerry Newman e Howard (Micky) Newman.

4
Espécie de carvão mais puro.
Esta confiança foi recompensada quando a P&R adquiriu a Union Underwear Company
de Jack Goldfarb por US$ 15 milhões. A Union (embora tivesse apenas uma licença do nome
na época) produzia cuecas da Fruit of the Loom. A empresa tinha US$ 5 milhões em caixa -
US$ 2,5 milhões dos quais a P&R usou para fazer a compra - e tinha uma receita antes de
impostos de US$ 3 milhões, ganhos que poderiam ser protegidos pelo crédito fiscal da P&R.
Ah, e antes que eu esqueça: US$ 9 milhões dos US$ 12,5 milhões que faltavam foram obtidos
com títulos remunerados a juros, pagos usando 50% de qualquer ganho acima de US$ 1
milhão que a Union tivesse. (Essa sim era uma época boa; eu me arrepio só de pensar nesses
acordos.)

Subsequentemente, a Union comprou o licenciador do nome Fruit of the Loom e, junto


da P&R, se fundiu na Northwest Industries. A Fruit chegou a ter ganhos anuais antes de
impostos de US$ 200 milhões.

John Holland foi o responsável pelas operações da Fruit durante a maior parte dos anos
mais abundantes. Em 1996, porém, John se aposentou, e a gestão inundou a empresa com
dívidas, em parte para fazer uma série de aquisições que se mostraram infrutíferas. A falência
veio em seguida. John foi recontratado e passou a fazer grandes alterações nas operações da
companhia. Antes do retorno de John, as entregas estavam caóticas, os custos haviam inflado
e as relações com grandes clientes se deterioraram. Ao corrigir esses problemas, John reduziu
a folha de pagamento de inchados 40.000 funcionários para 23.000. Em resumo, ele está
restaurando a Fruit of the Loom, muito embora o setor atualmente esteja bem mais competitivo.

Entrando no processo de falência da Fruit, fizemos uma proposta aos credores na qual
não estabelecemos nenhuma condição financeira, muito embora a nossa oferta tenha se
mantido em aberto durante muitos meses. Nós insistimos, porém, em colocar uma condição
muito incomum: John teria de continuar sendo CEO após a nossa aquisição. Para nós, John e
a marca são os principais ativos da Fruit.

Eu recebi a ajuda nessa transação do meu amigo e ex-chefe, Micky Newman, agora
com 81 anos. Tudo o que vai realmente volta.

************

Nossas subsidiárias fizeram algumas aquisições oportunas durante o ano, e eu não


posso deixar de falar a respeito de uma delas. Em dezembro, Frank Rooney me ligou para
contar que a H.H. Brown iria comprar o estoque e a marca da Acme Boot por US$ 700.000.

Sei que isso soa como café pequeno. Mas - dá pra acreditar? - a Acme foi a segunda
compra da P&R, uma aquisição que aconteceu pouco antes de eu sair da Graham-Newman, na
primavera de 1956. O preço tinha sido de US$ 3,2 milhões, sendo que parte disso foi também
paga com títulos remunerados a juros, por um negócio que tinha vendas de US$ 7 milhões.
Depois que a P&R se fundiu com a Northwest, a Acme se tornou a maior fabricante de
botas do mundo, entregando lucros anuais muito maiores do que a companhia havia custado
para a P&R. Mas a empresa eventualmente começou a patinar e nunca mais se recuperou, o
que resultou em nossa compra dos remanescentes da Acme.

No início do livro ​Security Analysis​, Ben Graham e Dave Dodd citam Horácio: “Muitos
que estão caídos serão restaurados, e muitos que agora desfrutam de glória irão cair.”
Cinquenta e dois anos depois de eu ter lido isso, meu apreço pelo o que eles falaram a respeito
de empresas e investimentos continua aumentando a cada dia que passa.

************

Além de aquisições oportunas, nossos gestores continuam buscando formas de crescer


internamente. Neste aspecto, eis um posfácio de uma história que contei dois anos atrás a
respeito da expansão da R.C. Willey para Boise. Como vocês devem se lembrar, Bill Child,
presidente da Willey, queria expandir sua operação de móveis para além do estado de Utah,
onde a companhia já tinha vendas de mais de US$ 300 milhões (que eram de US$ 250.000
quando Bill assumiu a empresa há 48 anos). Além disso, a companhia atingiu essa posição
com uma política de não abrir aos domingos, o que desafiava a sabedoria convencional de
varejo. Eu tinha minhas dúvidas se essa política iria ter sucesso em Boise ou em qualquer
outro lugar fora de Utah. Afinal de contas, domingo é o dia que muitas pessoas mais gostam de
sair às compras.

Bill então insistiu em algo extraordinário: ele iria investir US$ 11 milhões de seu próprio
dinheiro para construir a loja em Boise e iria vendê-la à Berkshire (sem juros!) caso o
empreendimento fosse bem-sucedido. Se não desse certo, Bill iria manter a loja e assumir o
prejuízo. Como eu disse a vocês na carta de 1999, a loja imediatamente se tornou um enorme
sucesso - e tem crescido desde então.

Pouco depois da inauguração em Boise, Bill sugeriu abrir uma loja em Las Vegas, e
fiquei ainda mais cético. Como poderíamos fazer negócio em uma metrópole daquele tamanho
e fechar aos domingos, dia que nossos competidores iriam explorar com vigor? Porém,
sustentado pela experiência em Boise, nós abrimos a loja em Henderson, uma cidade em
franca expansão que fica do lado de Las Vegas.

O resultado: esta loja em específico vende mais que todas as outras da R.C. Willey,
tendo um volume de negócios que supera com folga qualquer concorrente e que é o dobro do
que eu havia previsto. Eu cortei a faixa de inauguração em outubro - isso foi depois de um ​soft
opening e algumas semanas de vendas excepcionais - e, da mesma forma que fiz em Boise,
sugeri às pessoas que estavam na inauguração que a ideia da nova loja tinha sido minha.
Ninguém acreditou. Hoje, quando eu falo algo a respeito de varejo, as pessoas na
Berkshire simplesmente dizem “O que o Bill acha?” (Eu irei bater o pé, no entanto, se ele
sugerir que nós também fechemos aos sábados.)

Fundamentos econômicos dos seguros de bens e acidentes

Nosso principal negócio - embora tenhamos outros de grande importância - é o de


seguros. Para entender a Berkshire, portanto, é necessário que você entenda como avaliar
uma seguradora. Os fatores principais são: (1) a quantidade de ​float que a empresa gera; (2)
seu custo; e (3) o mais importante de tudo, o prospecto de longo prazo para os dois fatores
anteriores.

Para começar, ​float é o dinheiro que fica conosco, mas que não é nosso. Em uma
operação de seguros, o ​float surge porque os prêmios são recebidos antes dos pagamentos de
sinistros, um intervalo que pode, às vezes, levar muitos anos. Durante esse período, a
seguradora investe esse dinheiro. Essa prazerosa atividade traz consigo um lado negativo: os
prêmios que uma seguradora recebe não costumam cobrir todos os sinistros e despesas que a
empresa precisa pagar. Isso a deixa em uma situação de “prejuízo de subscrição”, que é o
custo do ​float​. Uma empresa seguradora possui valor caso o seu custo de ​float​, ao longo do
tempo, seja menor do que a empresa incorreria de outra maneira para obter tais fundos. Mas a
empresa pode se tornar um verdadeiro abacaxi caso o custo do ​float seja maior que a taxa de
juros do mercado.

Historicamente, a Berkshire tem obtido seu ​float a um custo muito baixo. Na verdade,
nosso custo tem sido menor do que zero em cerca de metade dos anos desde que entramos
em operação; isto é, nós acabamos sendo pagos para segurar o dinheiro de outras pessoas.
Nos últimos anos, porém, nosso custo tem sido muito alto, e foi terrível em 2001.

A tabela a seguir mostra (em intervalos) o ​float gerado por vários segmentos de seguros
da Berkshire desde que entramos no ramo há 35 anos com a aquisição da National Indemnity
Company (cujas tradicionais linhas estão incluídas no segmento “Other Primary”). Por meio da
tabela, calculamos nosso ​float - que geramos em grande quantidade comparado com o nosso
volume de prêmios - somando as reservas líquidas de sinistros, ajustes de reservas, fundos
detidos com resseguros assumidos e reservas de prêmios não recebidos, subtraídos da folha
de pagamento, custos de aquisição, impostos pré-pagos e cobranças diferidas aplicáveis a
resseguros assumidos. (Deu pra entender?)
No ano passado eu disse que a menos que uma mega-catástrofe acontecesse, nosso
custo de ​float ​provavelmente iria diminuir em relação ao seu custo de 6% em 2000. Eu tinha em
mente catástrofes naturais quando disse isso, mas acabamos passando por uma catástrofe
causada por humanos no dia 11 de setembro - um evento que causou o maior prejuízo à
indústria de seguros em toda a história. Nosso custo de ​float atingiu o espantoso patamar de
12,8%. Foi o nosso pior ano de custo de ​float desde 1984, e esse resultado foi causado por nós
mesmos, conforme irei explicar na próxima seção.

Se nenhuma mega-catástrofe ocorrer, eu - mais uma vez - espero que o custo de ​float
diminua no ano seguinte. Nós iremos precisar operar com custos baixos, assim como o
restante da indústria. Alguns anos atrás, um custo de ​float de, digamos, 4% era tolerável
porque os títulos do governo pagavam o dobro disso, e as perspectivas para as ações eram
ainda melhores. Atualmente, ganhos polpudos não são encontrados em lugar algum (pelo
menos nós não os encontramos) e os montantes alocados para o curto prazo rendem menos
de 2%. Sob essas condições, todas as nossas seguradoras, exceto uma, vão precisar ter um
lucro de subscrição para serem consideradas um bom negócio. A exceção é a nossa operação
de resseguros retroativa (que explicamos na carta do ano passado), que possui fundamentos
econômicos interessantes, muito embora ela atualmente nos dê um prejuízo de subscrição de
cerca de US$ 425 milhões.

Princípios de subscrição em seguros

Quando seguradoras de bens e acidentes são analisadas em relação ao seu custo de


float​, poucas delas se mostram satisfatórias. E de maneira interessante - e diferente da
situação que prevalece em muitas outras indústrias - nem o tamanho, nem a marca determina
a lucratividade de uma seguradora. De fato, muitas das maiores e mais conhecidas empresas
entregam resultados medíocres com frequência. O que conta nesse setor é a disciplina com a
subscrição. Os vencedores são aqueles que não falham em seguir três fatores principais:

1. Eles aceitam apenas os riscos que são capazes de quantificar (ficando dentro de
seus círculos de competência) e que, depois de avaliados todos os fatores
relevantes, incluindo cenários remotos de prejuízos, carregam a expectativa de
darem lucro. Seguradoras assim ignoram questões de ​market share e se
mostram otimistas a respeito de perder contratos para concorrentes que
oferecem apólices a preços ridículos.
2. Eles limitam os contratos que aceitam de forma a garantir que eles não irão
sofrer um combinado de prejuízos a partir de um único evento ou de eventos
relacionados que coloquem sua solvência em xeque. Eles procuram
incansavelmente por possíveis correlações entre riscos aparentemente
desconectados.
3. Eles evitam fazer negócios que envolvam um risco moral: não importa qual seja
a taxa, tentar subscrever bons contratos com pessoas ruins não dá certo.
Enquanto que a maioria dos segurados e clientes são honrosos e éticos, fazer
negócio com algumas exceções normalmente custa caro, às vezes mais do que
você imagina.

Os eventos que aconteceram no dia 11 de setembro deixaram claro que a nossa


implementação das regras 1 e 2 na General Re estava perigosamente fraca. Ao definir os
preços e avaliar o risco agregado, nós deixamos de lado a possibilidade de prejuízos em larga
escala causados por terrorismo. Este era um relevante fator a ser considerado nas subscrições,
e nós o ignoramos.

Ao precificar apólices para imóveis, por exemplo, nós olhamos para o histórico de
eventos e levamos em conta apenas custos que poderiam envolver tempestades, incêndios,
explosões e terremotos. Mas o que está para ser o maior prejuízo em seguros de imóveis e
propriedades da história (depois de adicionar indenizações relacionadas com a quebra de
fornecimento de alguns serviços) não foi originado por nenhum desses fatores. Em resumo,
todos nós da indústria de seguros cometemos um erro fundamental de subscrição ao focar
apenas na experiência, e não na exposição, assumindo assim um enorme risco de terrorismo
pelo qual não recebemos nenhum prêmio.

A experiência, é claro, é um ponto de partida extremamente útil para definir o preço da


maioria das apólices. Por exemplo, é importante que as seguradoras que subscrevem seguros
contra terremotos na Califórnia saibam quantos terremotos acima de 6.0 na escala Richter
ocorreram no estado no último século. Essa informação não lhe dirá a probabilidade exata de
ocorrer um grande terremoto no próximo ano, ou onde ele poderá ocorrer. Mas essa estatística
tem utilidade, especialmente se você estiver subscrevendo uma grande apólice cobrindo o
estado todo, como a National Indemnity fez nos últimos anos.
Em alguns momentos, no entanto, usar a experiência como um guia para precificar as
apólices não só é inútil, como também perigoso. No fim de um ​bull market​, por exemplo,
grandes prejuízos advindos de seguros de diretores e executivos (D&E) costumam ser raros.
Quando as ações estão subindo, poucas pessoas são processadas, e tanto uma contabilidade
questionável quanto chicanas de gestores passam despercebidas. Nessa conjuntura, o
histórico de seguros D&E pareceria excelente.

Mas é exatamente nesses momentos que o risco de exposição tem maiores chances de
estar explodindo por meio de IPOs ridículos, manipulação de lucros, promoções de ações que
mais parecem pirâmides financeiras e uma miscelânea de outras atividades suspeitas. Quando
as ações caem, esses pecados emergem, causando perdas aos investidores na casa das
centenas de bilhões de dólares. Os júris que decidem se esses prejuízos devem ser suportados
por pequenos investidores ou por grandes seguradoras certamente darão veredictos que pouco
se assemelham com aqueles dados durante o ​bull market​. Mesmo um único e grande processo
pode fazer com que os acordos em julgamentos futuros se tornem ainda mais caros.
Consequentemente, a taxa correta para o “excesso” em D&E (o que significa que a seguradora
ou resseguradora terá de pagar uma indenização acima de um limiar já bastante alto) pode ser
cinco ou mais vezes maior do que a taxa calculada pela experiência.

As seguradoras sempre pagaram um preço alto ao ignorar novas exposições. Fazer


isso no caso de terrorismo, porém, poderia literalmente levar a indústria toda à falência.
Ninguém sabe qual a probabilidade de ocorrer uma explosão nuclear em uma grande
metrópole este ano (ou múltiplas explosões, uma vez que uma organização terrorista capaz de
construir uma bomba desse porte dificilmente parará por aí). E ninguém consegue, mesmo com
um modesto grau de precisão, calcular a probabilidade deste ano, ou em qualquer outro, ter um
ataque com elementos químicos ou biológicos que sejam introduzidos simultaneamente
(digamos, pelo sistema de ventilação) em múltiplos prédios corporativos ou plantas fabris. Um
ataque desse tipo geraria indenizações trabalhistas astronômicas.

Eis o que nós realmente sabemos:

1. A probabilidade de desastres tão grandes assim, embora seja muito baixa no


atual momento, está longe de ser nula.
2. As probabilidades estão aumentando, de forma irregular e incomensurável,
conforme o conhecimento e material se tornam mais amplamente disponíveis a
quem quer nos fazer mal. O medo pode diminuir com o tempo, mas o perigo,
não - a guerra contra o terrorismo nunca será ganha. O melhor que nossa nação
pode fazer é passar por longos períodos de estagnação nesta seara. Não existe
xeque-mate contra inimigos que se multiplicam como hidras.
3. Até o momento, as seguradoras e resseguradoras têm despreocupadamente
assumido as consequências financeiras dos riscos incalculáveis que acabei de
descrever.
4. Em um cenário próximo do pior caso, que poderia facilmente passar da marca
de US$ 1 trilhão em danos, a indústria de seguros seria destruída, a menos que
ela conseguisse limitar de maneira dramática a assunção de riscos relacionados
a terrorismo. Apenas o governo americano tem os recursos para absorver um
impacto desse tamanho. Se ele não estiver disposto a fazer isso em uma base
prospectiva, o cidadão comum deverá aguentar seus próprios riscos e contar
com o governo para resgatá-lo caso um desastre aconteça.

Por que, você pode perguntar, eu não reconheci os fatos anteriores antes do dia 11 de
setembro? A resposta, infelizmente, é que eu previ - mas não transformei o pensamento em
ação. Eu violei a regra de Noé: apenas prever que irá chover não adianta nada; o que conta é
construir a arca. Eu consequentemente deixei a Berkshire operar a um nível perigoso de risco -
especialmente na General Re. Eu lamento informar que boa parte dos riscos pelos quais não
fomos compensados ainda permanece em nossos balanços, mas estão sendo diluídos a cada
dia que passa.

Vale notar que nós, da Berkshire, temos assumido, nos últimos anos, mais risco do que
qualquer outra seguradora no país. Isso ainda se mantém verdadeiro. Nós estamos
perfeitamente dispostos a perder de US$ 2 bilhões a US$ 2,5 bilhões em um único evento
(como foi o caso de 11 de setembro) se formos devidamente remunerados para assumir o risco
que causou o prejuízo (que não foi o caso na ocasião).

De fato, temos uma enorme vantagem competitiva por causa de nossa tolerância a
grandes prejuízos. A Berkshire possui enormes disponibilidades líquidas, ganhos substanciais
fora do setor de seguros, uma posição tributária favorável e uma base acionária bem informada
e disposta a aceitar volatilidade nos lucros. Essa combinação única nos permite assumir riscos
que excedem em muito o apetite até de nossos maiores concorrentes. Ao longo do tempo,
fazer seguros com riscos tão grandes se mostrará bem lucrativo, muito embora,
periodicamente, eles irão nos trazer um ano terrível.

O resumo da ópera é que nós iremos subscrever algumas coberturas relacionadas com
prejuízos causados por terrorismo, incluindo algumas apólices não correlacionadas com limites
bem altos. Mas nós não iremos expor a Berkshire a prejuízos que nos deixem desconfortáveis.
Nós iremos controlar nossa exposição com cautela, não importa o que a concorrência esteja
fazendo.

Operações de seguros em 2001

Ao longo dos anos, nossas seguradoras nos providenciaram fundos crescentes e


baratos que foram usados para turbinar o crescimento da Berkshire. Charlie e eu acreditamos
que esse continuará sendo o caso. Mas nós tropeçamos feio em 2001, principalmente por
conta dos prejuízos de subscrição na General Re.

No passado eu havia garantido que a General Re estava subscrevendo com disciplina -


e eu estava enganado. Embora as intenções dos gestores fossem boas, a empresa descumpriu
todas as regras que mencionei na seção anterior e pagou um preço alto por fazê-lo. Uma causa
óbvia para a falha que a empresa cometeu foi que ela não provisionou corretamente - mais
sobre isso na seção seguinte - o que a fez errar feio o custo do produto que estava vendendo.
Não conhecer seus custos irá sempre causar prejuízos, não importa qual seja o ramo em que
você esteja inserido. Em resseguros de cauda longa, onde anos de desconhecimento podem
promover e prolongar uma subprecificação severa, a ignorância dos verdadeiros custos tem o
mesmo efeito que dinamite.

Além disso, a General Re se mostrou competitiva demais ao ir atrás de contratos e


mantê-los. Embora seja a intenção de todas as seguradoras subscrever com cuidado, é difícil
para profissionais competentes e dedicados suprir o desejo de ficar na frente de seus
competidores. Porém, se a métrica para definir o vencedor for o ​market share​, não os lucros,
problemas irão surgir. O “não” deve ser uma palavra muito importante no vocabulário de
qualquer subscritor.

Correndo o risco de soar como a Pollyana, eu posso assegurar que a disciplina de


subscrição está sendo restaurada na General Re (e em sua subsidiária Cologne Re) com a
urgência apropriada. Joe Brandon foi indicado como CEO da General Re em setembro e, junto
de Tad Montross, o novo presidente da empresa, está compromissado em produzir lucros de
subscrição. No outono passado, Charlie e eu lemos o excelente livro de Jack Welch5, ​Jack,
Straight from the Gut ​(compre uma cópia para você!). Ao conversar a respeito do livro,
concordamos que Joe tem muitas das características de Jack: ele é inteligente, coloca a mão
na massa e tem altas expectativas para si mesmo e para a empresa.

Quando era uma empresa independente, a General Re brilhava com frequência, e


agora ela tem as consideráveis vantagens da Berkshire para usar. Com essa vantagem e com
a disciplina de subscrição restaurada, a General Re se mostrará um excelente ativo para a
Berkshire. Eu acredito que Joe e Tad irão tornar isso realidade.

************

Na operação de resseguros da National Indemnity, Ajit Jain continua adicionando um


enorme valor à Berkshire. Trabalhando com apenas 18 associados, Ajit gerencia uma das
maiores operações de resseguros do mundo em número de ativos, e a maior em tamanho de
riscos individuais assumidos.

5
Jack Welch foi o CEO da General Electric de 1981 a 2001. Durante sua gestão, as ações da companhia
se valorizaram 4.000%.
Eu conheço os detalhes de quase todas as apólices que Ajit já subscreveu desde que
ele se juntou a nós em 1986, e em nenhuma ocasião eu o vi quebrar qualquer uma das três
regras de subscrição. Sua incrível disciplina, é claro, não o torna imune a prejuízos; porém, ela
evita prejuízos causados por motivos tolos. E é exatamente esse o ponto: assim como nos
investimentos, as seguradoras conseguem produzir resultados maravilhosos no longo prazo
primariamente por evitar tomar decisões imbecis ao invés de ter ideias brilhantes.

Desde 11 de setembro, Ajit tem estado particularmente ocupado. Dentre as apólices


que subscrevemos e retivemos por completo em nossa carteira estão (1) US$ 578 milhões de
coberturas de propriedade de uma refinaria sul-americana quando o prejuízo exceder US$ 1
bilhão; (2) US$ 1 bilhão em coberturas vindas de atos de terrorismo em algumas grandes e
internacionais companhias aéreas; (3) £500 milhões em coberturas de propriedade em uma
grande plataforma de petróleo no Mar do Norte, cobrindo prejuízos de terrorismo e sabotagem,
além de £600 milhões que a segurada reteve ou ressegurou em outro lugar; e (4) uma
cobertura significativa pela Sears Tower, incluindo prejuízos causados por terrorismo, acima do
limiar de US$ 500 milhões. Nós subscrevemos muitos outros riscos gigantescos também, tais
como a proteção para a Copa do Mundo de as Olimpíadas de Inverno de 2002. Em todos os
casos, porém, tentamos evitar subscrever grupos de apólices para as quais os prejuízos
possam se combinar de forma perigosa. Nós não iremos, por exemplo, emitir apólices para um
grande número de prédios corporativos e residenciais em uma única metrópole sem excluir os
prejuízos que podem surgir de uma explosão nuclear e de incêndios que ocorrerão em seguida.

Ninguém consegue acompanhar a velocidade com a qual Ajit consegue oferecer


grandes apólices. Após o 11 de setembro, sua rapidez em responder, que é algo sempre
importante, se tornou uma enorme vantagem competitiva. O mesmo pode ser dito a respeito de
nossa insuperável força financeira. Algumas resseguradoras - particularmente aquelas que, por
sua vez, repassam boa parte de seus contratos para uma segunda camada de resseguradoras,
conhecidas como retrocessionárias - estão em uma situação delicada e dificilmente
conseguiriam sobreviver a uma segunda mega-cat. Quando existe uma ligação em cascata
entre retrocessionárias, um único elo mais frágil pode ameaçar todo o sistema. Afinal de
contas, você só descobre quem está nadando nu depois que a maré fica baixa. Na Berkshire,
nós retemos todos os nossos riscos e não dependemos de ninguém. E não importa por quais
problemas o mundo passe, nossos cheques sempre vão ter fundo.

Os negócios que estão sob a gestão de Ajit terão idas e vindas - mas seus princípios de
subscrição permanecerão inalterados. É impossível estimar o valor que ele tem para a
Berkshire.

************
A GEICO, de longe a nossa maior seguradora primária, teve um progresso enorme em
2001 graças a Tony Nicely, seu CEO, e seus associados. De maneira simples, Tony é o gestor
dos sonhos de qualquer acionista.

O volume de prêmios da GEICO cresceu 6,6% no ano passado, seu ​float aumentou em
US$ 308 milhões, e a empresa obteve um lucro de subscrição de US$ 221 milhões. Isso
significa que nós recebemos essa quantia no ano passado para guardar os US$ 4,25 bilhões
do ​float que, é claro, não pertence à Berkshire, mas que pode ser usado por nós para ser
investido.

A única decepção com a GEICO em 2001 - e foi uma decepção grande - foi a nossa
inabilidade de conseguir novos segurados. Nosso número de clientes preferenciais6 (que
representam 81% do total) cresceu 1,6%, mas o número de nossas apólices caiu 10,1%. De
maneira geral, as apólices ativas caíram 0,8%.

A quantidade de novos contratos tem aumentado nos últimos meses. Nossa ​closure rate
7
em ​inquiries8 feitas via telefone tem crescido, e nossos negócios pela Internet continuam
aumentando de forma constante. Nós, portanto, esperamos ter ao menos um ganho modesto
no número de apólices em 2002. Tony e eu estamos dispostos a gastar muito mais com
marketing do que os US$ 219 milhões que gastamos no ano passado, mas, no momento, não
enxergamos como podemos fazer isso de maneira eficiente. No meio tempo, nossos custos
operacionais estão baixos e muito menores do que os de nossos principais concorrentes;
nossos preços estão atrativos; e nosso ​float​ está crescendo sem custo algum.

************

Nossas outras seguradoras primárias entregaram, como de costume, excelentes


resultados no ano passado. Tais empresas, tocadas por Rod Eldred, John Kizer, Tom Nerney,
Michael Stearns, Don Towle e Don Wurster tiveram um volume combinado de prêmios de US$
579 milhões, um aumento de 40% comparado com 2000. O ​float cresceu 14,5%, para US$ 685
milhões, e eles registraram um recorde de lucro de subscrição de US$ 30 milhões. Ao todo,
essas companhias são algumas das melhores seguradoras do país, e os prospectos para 2002
são excelentes.

“​Loss development​” e contabilidade para seguros

6
Equivalente a clientes-fidelidade no Brasil.
7
Taxa de contratos fechados.
8
Resposta preliminar de clientes em potencial após uma campanha publicitária. O número de ​inquiries ​(e
sua posterior conversão ou não em receitas para a empresa) é uma medida de eficácia de uma
campanha.
Uma terminologia ruim é inimiga de um bom raciocínio. Quando empresas ou
profissionais de investimento usam termos como EBITDA ou “pro forma”, eles querem que você
inconscientemente aceite conceitos que têm falhas perigosas. (No golfe, meu placar fica
frequentemente abaixo do esperado em uma base pro forma: eu tenho planos firmes para
reestruturar minhas tacadas e contar apenas aquelas em que eu acertar o buraco.)

Nas declarações financeiras de seguradoras, o ​loss development é um termo muito


usado - e que é muito enganoso. Primeiro, uma definição: as reservas de prejuízo (​loss
reserves​) de uma seguradora não são fundos que ficam guardados para uma ocasião ruim,
mas sim um passivo. Se for calculado da maneira correta, esse passivo indica a quantia que
uma seguradora teria de pagar por todos os prejuízos/sinistros (incluindo custos associados)
que ocorreram em datas anteriores ao relatório, mas que ainda não foram pagos. Ao calcular
essa reserva, a seguradora tem em mãos as notificações de sinistros que deverá pagar, mas
há aqueles que ainda não foram reportados. Esses prejuízos são chamados de IBNR (​incurred
but not reported9). De fato, em alguns casos (como seguros contra produtos ou fraudes) o
segurado sequer sabe que um sinistro ocorreu.

É claramente difícil para uma seguradora calcular o valor de todos os custos envolvendo
tais eventos, reportados ou não. Mas a habilidade de fazê-lo com uma acurácia razoável é vital.
Do contrário, os gestores da seguradora não conseguirão saber os dispêndios com sinistros e
não poderão compará-los com os prêmios que estão sendo cobrados. A GEICO passou por
maus bocados na década de 1970 porque a empresa dimensionou mal as reservas (para
baixo), o que a fez acreditar que seu produto custava muito menos do que realmente era o
caso. Consequentemente, a companhia continuou a inocentemente precificar para baixo o seu
produto e a vender mais e mais apólices com sinistros cada vez maiores.

Quando se torna evidente que os provisionamentos feitos no passado ficaram abaixo do


passivo real que existia na época, as companhias começam a falar de ​loss development​. No
ano em que são descobertos, esses déficits penalizam os ganhos reportados porque os custos
de compensação de anos anteriores precisam ser incorporados no ano-base quando os
resultados são calculados. Foi isso que aconteceu com a General Re em 2001: assustadores
US$ 800 milhões em prejuízos que ocorreram em anos anteriores, mas que não foram
registrados, foram reconhecidos com atraso no ano passado e descontados dos ganhos
reportados. O erro não foi intencional, posso lhes garantir isso. Mesmo assim, durante muitos
anos esse sub-provisionamento nos levou a acreditar que nossos custos eram muito menores
do que realmente eram, um erro que contribuiu, lamentavelmente, para uma precificação
inadequada. Adicionalmente, os lucros sobrestimados nos levaram a pagar bônus que não
deveríamos ter pago e a incorrer em impostos muito antes do necessário.

Nós recomendamos deixar de usar o termo ​loss development e seu irmão gêmeo
igualmente feio, “reforço de provisionamento”. (Você consegue imaginar uma seguradora

9
Em tradução livre: incorridos, mas não reportados.
usando um termo como “enfraquecimento de provisionamento” ao descobrir que exagerou no
tamanho de suas reservas?) O ​loss development sugere que um evento natural e incontrolável
ocorreu no ano corrente, e o “reforço de provisionamento” implica que uma reserva que já
estava em um patamar adequado simplesmente recebeu um suporte ainda mais forte. A
verdade, porém, é que a gestão cometeu um erro em suas estimativas, o que, por sua vez,
produziu um erro nos ganhos previamente reportados. Os prejuízos (​losses) ​não se
“desenvolveram” (​developed​) - eles estavam lá o tempo todo. O que se desenrolou foi o
entendimento da gestão a respeito dos prejuízos (ou em casos envolvendo chicanas, na
disposição da gestão em finalmente confessar seus pecados).

Uma forma mais direta de se referir a esse fenômeno seria “custos com prejuízos que
não fomos capazes de reconhecer quando ocorreram” (ou talvez apenas um “oops”). O
subprovisionamento, vale notar, é um problema comum - e sério - em toda a indústria de
seguros de bens e acidentes. Na Berkshire, contamos a vocês a respeito de nossos próprios
problemas que tivemos com subprovisionamento nos anos de 1984 e 1986. De maneira geral,
no entanto, nosso provisionamento tem sido conservador.

Grandes problemas de provisionamento são comuns em casos de companhias que


lutam para sobreviver. Com efeito, a contabilidade no setor de seguros é como uma prova
auto-avaliativa em que a seguradora passa seus números para uma empresa de auditoria e as
coisas ficam por isso mesmo. (O que a empresa de auditoria recebe, porém, é uma carta da
gestão feita com o intuito de livrar a firma de qualquer problema caso os números se mostrem
errados no futuro.) Uma companhia que passa por dificuldades financeiras - do tipo que, se
verdadeiramente encaradas, poderiam levar a empresa à falência - raramente se mostra
rigorosa em avaliar seus próprios balanços. Quem, afinal de contas, quer se preparar para
assinar sua própria bancarrota?

Mesmo quando as companhias são bem intencionadas, não é fácil provisionar de


maneira adequada. Eu já contei aqui da história do cidadão que estava fora do país quando
recebeu uma ligação de sua irmã dizendo que o pai deles havia morrido. O irmão disse que era
impossível chegar a tempo para o funeral, mas se que se dispunha a arcar com os custos. Ao
retornar para casa, o irmão recebeu uma conta da funerária de US$ 4.500, que ele
prontamente pagou. Um mês depois, e no mês seguinte a esse, ele pagou US$ 10 por uma
fatura recorrente. Quando uma terceira fatura de US$ 10 chegou, ele ligou para a irmã e pediu
explicações. “Ah”, ela respondeu, “eu esqueci de te falar. Nós enterramos papai em um terno
alugado.”

Existem muitos ternos alugados enterrados em operações passadas das seguradoras.


Às vezes os problemas ficam dormentes por décadas, como foi o caso do amianto, antes de se
manifestarem de forma abrupta e violenta. Por mais difícil que seja o trabalho, é
responsabilidade da gestão levar em conta todas as possibilidades. Adotar uma postura
conservadora é essencial. Quando o gerente do setor de indenizações entra na sala do CEO e
diz “Adivinhe o que acabou de acontecer?”, seu chefe, se for veterano no assunto, não espera
ouvir boas notícias. As surpresas no mundo dos seguros nunca foram simétricas em relação
aos ganhos.

Por conta de tudo isso, é loucura sugerir, como alguns têm feito, que todas as reservas
de seguros de bens e acidentes sejam descontadas. Essa abordagem reflete o fato de que elas
serão pagas no futuro e que, portanto, seus valores correntes são menores do que o passivo
atribuído a elas. Fazer o desconto pode ser aceitável se, e somente se, as reservas forem
definidas com precisão. Mas isso é impossível, uma vez que uma miríade de forças - expansão
jurídica do linguajar das apólices e a inflação médica, para citar dois problemas crônicos -
constantemente entram em cena para mostrar que os provisionamentos estavam inadequados.
Praticar o desconto iria exacerbar essa situação já séria e, adicionalmente, iria fornecer mais
uma ferramenta para empresas que têm uma inclinação a embustes.

Eu diria que os efeitos de dizer ao CEO de uma seguradora que mal consegue dar lucro
para diminuir as reservas por meio de descontos seriam comparáveis ao pai que diz a seu filho
de 16 anos para ter uma vida sexual normal. Nenhum dos dois exemplos precisa desse tipo de
empurrão.

Fontes dos ganhos reportados

A tabela a seguir mostra as principais fontes dos ganhos reportados pela Berkshire.
Nessa forma de apresentação, os ajustes contábeis de preço de compra (primariamente
relacionados ao ​goodwill​) não são feitos a empresas específicas, mas sim aglutinados e
mostrados em separado. Esse procedimento permite que você veja os lucros de nossas
empresas da forma que eles seriam reportados por elas caso nós nãos as tivéssemos
comprado. Nos últimos anos, nossas “despesas” com a amortização do ​goodwill foram
grandes. A partir de agora, o GAAP10 não irá mais exigir a amortização do ​goodwill​. Essa
mudança irá aumentar os nossos ganhos reportados (mas não nossos ganhos econômicos
reais) e irá simplificar esta seção da carta.

10
Generally Accepted Accounting Principles (ou Termos Contábeis Normalmente Aceitos). Conjunto de
regras contábeis para a apresentação e padronização dos resultados das empresas.
(1) Inclui a Acme Brick a partir de 1 de agosto de 2000; Benjamin Moore a partir de 18 de
dezembro de 2000; Johns Manville a partir de 27 de fevereiro de 2001; e MiTek a partir
de 31 de julho de 2001.
(2) A partir da data de aquisição, 8 de janeiro de 2001.

Eis alguns destaques (alguns não tão bons) de 2001 e nossas atividades fora do setor
de seguros:

● Nossa operação do setor de calçados (incluído em “Other Businesses”) perdeu


US$ 46,2 milhões antes de impostos, com os lucros da H.H. Brown e Justin
sendo mais do que igualados pelos prejuízos da Dexter.

Eu tomei três decisões em relação à Dexter que prejudicaram os acionistas: (1)


comprar a empresa, para início de conversa; (2) usar ações na transação e (3)
procrastinar quando a necessidade de mudanças era óbvia. Eu gostaria de
colocar a culpa desses erros no Charlie (ou em qualquer outra pessoa), mas
eles foram meus. A Dexter, antes de nossa compra - e, na verdade, alguns anos
depois também - prosperou, apesar da competição estrangeira de baixo custo,
que era brutal. Eu concluí que a Dexter poderia continuar lidando bem com a
situação, e eu estava errado.
Nós colocamos a operação da Dexter - que ainda tem um tamanho substancial -
sob a gestão de Frank Rooney e Jim Issler na H.H. Brown. Esses dois homens
tiveram desempenhos excelentes para a Berkshire, lidando habilmente com as
extraordinárias mudanças que passaram a atormentar o setor de calçados.
Durante parte de 2002, a Dexter ainda irá sofrer por vendas não lucrativas feitas
no ano passado. Depois disso, acreditamos que a operação passará a ser
razoavelmente lucrativa.

● MidAmerican Energy, da qual detemos 76%, mas com controle diluído, teve um
bom ano em 2001. Seus ganhos reportados deverão aumentar de forma
considerável em 2002, dado que a companhia tem aguentado uma grande
amortização de ​goodwill​, e esse “custo” irá desaparecer sob as novas regras
GAAP.

No ano passado, a MidAmerican trocou algumas propriedades na Inglaterra,


adicionando a Yorkshire Electric e seus 2,1 milhões de clientes. Nós prestamos
serviço agora para 3,6 milhões de pessoas no Reino Unido e somos a segunda
maior empresa do setor elétrico de lá. Nós temos uma operação igualmente
importante em Iowa, assim como grandes usinas de geração de energia na
Califórnia e nas Filipinas.

Com a MidAmerican - e isso pode surpreender você - nós também somos a


segunda maior corretora de imóveis residenciais do país. Somos líderes de
mercado em uma porção de grandes cidades, especialmente no Meio-Oeste, e
adquirimos recentemente importantes firmas em Atlanta e no sul da Califórnia.
No ano passado, operando sob vários nomes conhecidos localmente, nós
tivemos aproximadamente 106.000 transações envolvendo propriedades num
valor próximo de US$ 20 bilhões. Ron Peltier construiu esse negócio para nós, e
é provável que ele faça mais aquisições em 2002 e nos anos seguintes.

● Considerando o ambiente recessivo que está em cima delas, nossas operações


de varejo se saíram bem em 2001. No ramo joalheiro, ​same-store sales caíram
7,6%, e as margens, antes de impostos, foram de 8,9% contra 10,7% em 2000.
O retorno sobre o capital investido permaneceu alto.

Same-store sales nas nossas lojas de móveis permaneceram as mesmas, assim


como a margem - de 9,1%, antes de impostos. Aqui, também, o retorno sobre o
capital investido permaneceu excelente.

Nós continuamos expandindo, tanto no setor joalheiro quanto no setor de


móveis. Vale mencionar que o Nebraska Furniture Mart está construindo uma
gigantesca loja de mais de 40.000 metros quadrados para atender a região de
Kansas City a partir do outono de 2003. Apesar do sucesso contra-intuitivo de
Bill Child, nós iremos manter a loja aberta aos domingos.

● As grandes aquisições que iniciamos no fim de 2000 - Shaw, Johns Manville e


Benjamin Moore - deram um show no primeiro ano conosco. Charlie e eu
sabíamos, no momento das aquisições, que estávamos em boas mãos com Bob
Shaw, Jerry Henry e Yvan Dupuy, respectivamente - e nós passamos a admirar
o trabalho deles ainda mais. Juntos, essas três empresas lucraram cerca de US$
659 milhões, antes de impostos.

Pouco depois do fim do ano, nós trocamos 4.740 ações Classe A da Berkshire
(ou o equivalente em ações da Classe B) pelos 12,7% restantes de participação
na Shaw, o que significa que agora temos 100% da empresa. Shaw é a nossa
maior operação fora do setor de seguros e terá um papel muito importante no
futuro da Berkshire.

● Toda a receita mostrada no item Flight Services em 2001 - e um pouco mais -


veio da FlightSafety, nossa subsidiária de treinamento de pilotos. Seus lucros
aumentaram 2,5%, embora o retorno sobre o capital investido tenha caído um
pouco em razão do investimento de US$ 258 milhões que fizemos no ano
passado em simuladores e outros ativos imobilizados. Meu amigo de 84 anos, Al
Ueltschi, continua tocando a FlightSafety com o mesmo entusiasmo e espírito
competitivo que ele tinha em 1951, quando investiu US$ 10.000 para dar início à
companhia. Se eu colocar Al junto de várias outras pessoas de 60 anos no
encontro anual, você não será capaz de identificá-lo.

Depois do 11 de setembro, o treinamento em companhias comerciais caiu, e


ainda se mantém em um estágio deprimido. No entanto, o treinamento para
empresas de voo particulares e aviação em geral, que é a nossa principal
atividade, permaneceu perto dos níveis normais e deverá continuar crescendo.
Em 2002, a nossa expectativa é de gastar US$ 162 milhões com 27
simuladores, uma soma que excede em muito a nossa depreciação anual de
US$ 95 milhões. Para aqueles que acreditam que o EBITDA é, de alguma forma,
equivalente ao nossos reais lucros, fiquem à vontade para pagar a conta.

Nosso programa de participação fracionada, NetJets, vendeu um número


recorde de aviões no ano passado e também teve um ganho de 21,9% na
receita de serviços com cobranças administrativas. Mesmo assim, a empresa
teve um pequeno prejuízo, versus um pequeno lucro em 2000. Nós fizemos um
pouco de dinheiro nos EUA, mas ele foi engolido pelos prejuízos que tivemos na
Europa. Medida pelo valor dos aviões de nossos clientes, a NetJets tem um
tamanho de cerca de metade da indústria. Nós acreditamos que os outros
participantes, somados, perderam muito mais dinheiro do que nós.
Manter um nível de primeira linha em segurança e serviço sempre foi caro, e o
custo de mantê-los foi exacerbado pelo 11 de setembro. Não importa qual seja o
custo, nós continuaremos sendo os líderes de mercado nesses dois aspectos.
Uma insistência inabalável de entregar apenas o melhor aos seus clientes é algo
que está no DNA de Rich Santulli, CEO da companhia e inventor da participação
fracionada. Eu fico encantado como o fanatismo dele em relação a isso, pois os
efeitos são positivos tanto para a empresa quanto para minha família: eu
acredito que a família Buffett tem mais horas de voo em participações
fracionadas - somamos mais de 800 horas - do que qualquer outra família. Caso
você esteja se perguntando, nós usamos exatamente os mesmos aviões e
tripulações que atendem os outros clientes da NetJets.

A NetJets passou por um surto de crescimento de novos pedidos depois do 11


de setembro, mas o ritmo de vendas voltou ao normal depois. O uso de aviões
por cliente caiu um pouco durante o ano, provavelmente por conta da recessão.

Tanto nós quanto nossos clientes temos significativos benefícios operacionais


por sermos o líder isolado em participações fracionadas. Nós temos mais de 300
aviões prontos para decolar em todo o território dos EUA e, portanto, podemos
chegar a qualquer lugar que nossos clientes queiram em pouco tempo. A
ubiquidade de nossa frota também reduz os nossos custos de “posicionamento”,
que são menores do que os incorridos por operadores com frotas menores.

Essas vantagens de escala, e muitas outras, dá uma significativa vantagem


econômica para a NetJets em relação aos concorrentes. No entanto, sob as
condições competitivas que, provavelmente, irão perdurar nos próximos anos,
essa vantagem irá produzir, no máximo, lucros modestos.

Nossa linha de produtos financeiros inclui agora a XTRA, General Re Securities


(que está no modo “escoamento” e irá permanecer assim por algum tempo) e
algumas outras operações relativamente pequenas. A grande parte dos ativos e
passivos desse segmento, porém, vêm de algumas estratégias prefixadas,
envolvendo títulos altamente líquidos AAA, os quais eu administro. Essa
atividade, que só faz sentido quanto algumas condições de mercado existem,
produziu bons retornos no passado e tem prospectos razoáveis de continuar
assim pelos próximos um ou dois anos.

Investimentos
Apresentamos abaixo nossos investimentos em ações. Aqueles com um valor de
mercado acima de US$ 500 milhões foram itemizados.

Nós fizemos algumas alterações em nosso portfólio durante 2001. Quando vistas em
grupo, nossas maiores posições tiveram um desempenho ruim nos últimos anos, sendo que
algumas delas tiveram desempenho operacionais decepcionantes. Charlie e eu ainda
gostamos de base de negócio das companhias que temos investimentos. Mas não acreditamos
que as ações que estão na carteira da Berkshire estejam subavaliadas.

Nosso entusiasmo contido com essas ações está em linha com nossos sentimentos
mais mornos a respeitos dos prospectos para o mercado acionário na próxima década. Eu
expressei a minha opinião a respeito dos retornos em ações em um discurso que fiz na Allen
Company em julho (que acabou sendo uma sequência de uma apresentação similar que eu
havia feito há dois anos), e uma versão editada dos meus comentários apareceu em um artigo
da edição de 10 de dezembro da Fortune. ​Junto desta carta está uma cópia do artigo​. Você
também pode ver a versão da Fortune do meu discurso de 1999 em nosso website,
www.berkshirehathaway.com

Charlie e eu acreditamos que as empresas americanas se darão bem ao longo do


tempo, mas achamos que os preços que as ações se encontram hoje representam um
presságio de retornos apenas moderados para os investidores. O mercado se valorizou mais
do que as próprias empresas durante um bom tempo, e em algum momento isso tinha que
acabar. Por outro lado, um mercado que apenas cresce conforme as empresas tende a deixar
muitos investidores desapontados, especialmente aqueles de primeira viagem.

Eis uma pequena curiosidade para aqueles que gostam de coincidências estranhas: A
Grande Bolha acabou no dia 10 de março de 2000 (embora nós só tenhamos notado isso
alguns meses depois). Neste dia, a NASDAQ (atualmente em 1.731 pontos) bateu seu recorde
histórico a 5.132 pontos. No mesmo dia, as ações da Berkshire eram negociadas a US$
40.800, seu menor preço desde 1997.
************

Durante 2001, nós estivemos mais ativos do que de costume com ​junk bonds​. Devemos
enfatizar que esse tipo de investimento não é recomendável para o público em geral,
especialmente porque eles, com frequência, acabam se mostrando, como o próprio nome
sugere, podres. Nós nunca compramos uma nova emissão de ​junk bonds​, que é o único tipo
que a maioria dos investidores acaba comprando. Quando prejuízos acontecem nesse ramo,
eles são quase sempre desastrosos: muitas emissões acabam valendo apenas uma pequena
fração do preço de oferta original, e algumas chegam a virar pó.

Apesar desses perigos, nós periodicamente encontramos alguns - pouquíssimos -


títulos que se mostram interessantes para nós. E, até o momento, a nossa experiência de 50
anos com títulos de avaliação ruim tem se mostrado recompensadora. Na carta de 1984,
descrevemos nossas compras de títulos da Washington Public Power System quando o
emissor passou por um processo de descrédito. Ao longo do tempo, nós também nos
envolvemos em algumas situações que pareciam ardilosas, como a da Chrysler Financial,
Texaco e RJR Nabisco - todas elas acabaram dando certo. Mesmo assim, caso permaneçamos
ativos em ​junk bonds,​ é quase certo que teremos prejuízos de vez em quando.

Ocasionalmente, a compra de alguns títulos desse tipo nos levam a algo maior. No
início da bancarrota da Fruit of the Loom, nós compramos a dívida pública e com bancos da
companhia por cerca de 50% do valor de face. Essa foi uma falência incomum, pois os
pagamentos de juros em dívidas antigas continuaram ocorrendo sem interrupção, o que
significou receber um retorno de aproximadamente 15%. Aumentamos nossa posição em
dívida da Fruit of the Loom para 10%, o que provavelmente acabará nos retornando cerca de
70% do valor de face. Por meio desse investimento, nós indiretamente reduzimos o nosso
preço de compra de toda a companhia.

No fim de 2000, nós começamos a comprar as obrigações do FINOVA Group, uma


companhia financeira que estava passando por maus bocados, e isso, também, nos levou a
fazer uma grande transação. A FINOVA tinha, na época, cerca de US$ 11 bilhões em dívidas
em circulação, dos quais compramos 13% a dois terços do valor de face. Nossa expectativa
era a de que a empresa entrasse com o pedido de falência, mas acreditávamos que a
liquidação de seus ativos iria produzir um retorno aos credores que seria muito maior do que
nosso custo. Conforme a bancarrota se aproximava no início de 2001, nós unimos forças com a
Leucadia National Corporation para apresentar à companhia um pré-plano de falência.

O plano foi subsequentemente alterado (e irei simplificar aqui) para que os credores
recebessem 70% do valor de face (junto do pagamento completo de juros) e que novas
emissões a juros de 7,5% fossem feitas pelos outros 30% que não foram pagos em dinheiro.
Para financiar a distribuição de 70% da FINOVA, a Leucadia e Berkshire formaram uma
entidade só - chamada de Berkadia - que pegou US$ 5,6 bilhões emprestados com o
FleetBoston e, por sua vez, re-emprestou esse montante para a FINOVA, obtendo também
prioridade em seus ativos. A Berkshire garantiu 90% do empréstimo da Berkadia, e tem ainda
uma segunda garantia sobre os 10% sob responsabilidade da Leucadia. (Eu já disse que estou
simplificando?)

Existe um ​spread de cerca de dois pontos percentuais entre o que a Berkadia paga pelo
empréstimo e o que ela recebe da FINOVA, sendo que 90% da diferença vai para a Berkshire e
10% para a Leucadia. Enquanto escrevo isto, o montante emprestado já diminuiu para US$ 3,9
bilhões.

Como parte do plano de falência, que foi aprovado no dia 10 de agosto de 2001, a
Berkshire também concordou em oferecer 70% do valor de face por até US$ 500 milhões do
principal da quantia de US$ 3,25 bilhões que foi emitida via os títulos de 7,5% pela FINOVA.
(Desses, nós já recebemos US$ 426,8 milhões do principal por conta de nossa participação de
13% na dívida original.) A nossa oferta, que estava planejada para ocorrer até o dia 26 de
setembro de 2001, podia ser retirada sob uma variedade de condições, sendo que uma delas
seria ativada caso a ​New York Stock Exchange fechasse as operações durante o período da
oferta. Quando isso de fato ocorreu na semana do 11 de setembro, nós prontamente retiramos
nossa oferta.

Boa parte dos empréstimos da FINOVA envolvem aviões cujos valores foram
significativamente reduzidos após os acontecimentos do 11 de setembro. Outros recebíveis
detidos pelas companhia também sofreram as consequências econômicas do ataque no dia.
Os prospectos da FINOVA, portanto, não são tão bons quanto os que estavam em vigor
quando fizemos nossa proposta de falência. Mesmo assim, acreditamos que a transação se
mostrará satisfatória para a Berkshire. A Leucadia é quem tem a responsabilidade operacional
dia-a-dia pela FINOVA, e sempre ficamos impressionados com a perspicácia corporativa e
gerencial de seus principais executivos.

************

É hora de déjà-vu novamente: no início de 1965, quando o fundo de investimento que


eu tinha assumiu o controle da Berkshire, a companhia tinha suas principais relações bancárias
com o First National Bank of Boston e um grande banco de Nova York. Até então, eu não havia
feito negócio com nenhum deles.

Pulemos para 1969, quando eu queria que a Berkshire comprasse o Illinois Bank and
Trust of Rockford. Nós precisávamos de US$ 10 milhões, e eu entrei em contato com ambos os
bancos. Não obtive resposta do banco de Nova York. No entanto, dois representantes do
banco de Boston imediatamente vieram até Omaha. Eles me disseram que iriam fornecer o
dinheiro para a transação, e que depois iriam trabalhar nos detalhes do empréstimo.

Nas três décadas seguintes, nós pegamos pouquíssimo dinheiro emprestado de


bancos. (Dívida é quase um palavrão na Berkshire.) Então, em fevereiro, quando estávamos
estruturando a transação da FINOVA, eu liguei mais uma vez para Boston, onde o First
National havia se transformado no FleetBoston. Chad Gifford, o presidente da companhia,
respondeu da mesma forma que Bill Brown e Ira Stepanian em 1969: “O dinheiro é seu. Iremos
trabalhar nos detalhes depois.”

E foi isso que aconteceu. FleetBoston estruturou um empréstimo de US$ 6 bilhões (no
fim das contas, acabamos não precisando de US$ 400 milhões), e rapidamente recebemos
ofertas de 17 outros bancos ao redor do mundo. Então… se você um dia precisar de US$ 6
bilhões, ligue para o Chad - desde que, claro, sua avaliação de crédito seja AAA.

************

Mais um ponto a respeito de nossos investimentos: a mídia com frequência diz que
“Buffett está comprando” isso ou aquilo, tendo se baseado o “fato” em reportes que a Berkshire
solta. Algumas notícias são verdadeiras, mas, às vezes, as transações da Berkshire estão
relacionadas com aquelas feitas por Lou Simpson, que gere uma carteira de US$ 2 bilhões na
GEICO e cujo portfólio é bastante independente do meu. Lou normalmente não me diz o que
está comprando ou vendendo, e eu fico sabendo a respeito de suas atividades apenas quando
olho para o resumo de portfólio da GEICO que recebo alguns dias após o fim de cada mês. O
pensamento de Lou é, claro, bem parecido com o meu, mas nós normalmente acabamos
comprando ativos diferentes. Isso se deve muito ao fato de que ele administra menos dinheiro
do que eu, o que o permite investir em empresas menores. Ah, sim, e tem uma outra diferença
mínima entre nós: n​ os últimos anos, o desempenho de Lou tem sido muito melhor do que o meu11.

Doações

A Berkshire segue uma política bastante incomum a respeito de doações - mas é uma
que Charlie e eu acreditamos ser racional e justa para com os acionistas.

Primeiro, nós deixamos todas as nossas subsidiárias tomarem suas próprias decisões
de doações, pedindo apenas para os gestores e administradores que estavam na companhia
antes dela ser comprada para fazer todas as suas doações pessoais usando seus próprios
recursos, e não os recursos da companhia. Quando nossos gestores usam fundos da
companhia, esperamos que eles façam doações tangíveis ou intangíveis que beneficiem as
operações que gerenciam. As contribuições feitas pelas subsidiárias da Berkshire no ano
passado somaram US$ 19,2 milhões.

Na matriz, nós só fazemos doações que estejam rigorosamente de acordo com os


desígnios dos acionistas. Nós não fazemos ​matching contributions12 com doações de diretores

11
O autor fez questão de diminuir a fonte no documento original.
12
Atividade em que a empresa faz uma doação em montante igual ao arrecadado pelos funcionários.
ou funcionários, nem favorecemos as instituições preferidas das famílias Buffett e Munger. No
entanto, antes de as adquirirmos, algumas de nossas subsidiárias já tinham programas de
matching contributions​, e não temos problema algum em mantê-los; não faz parte do nosso
estilo mexer em culturas corporativas bem-sucedidas.

Para colocar os desejos de nossos acionistas em prática, todos os anos nós notificamos
os detentores de ações Classe A (que representam 86,6% do nosso capital social) de uma
quantia por ação que eles podem nos instruir para doar para até três instituições de caridade.
Os acionistas nomeiam as instituições; a Berkshire assina o cheque. Qualquer organização que
esteja em dia com a Receita Federal pode ser escolhida por nossos acionistas. No ano
passado, a Berkshire fez contribuições de US$ 16,7 milhões seguindo as orientações de 5.700
acionistas, que indicaram 3.550 organizações beneficentes. Desde que começamos esse
programa, as doações de nossos acionistas somaram US$ 181 milhões.

A maioria das empresas de capital aberto evitam doar para instituições religiosas.
Essas, no entanto, são as favoritas de nossos acionistas, que indicaram 437 igrejas e
sinagogas no ano passado. Além disso, 790 escolas também foram beneficiadas. Alguns de
nossos maiores acionistas, incluindo Charlie e eu, destinam suas próprias fundações para
receberem as doações, de forma que essas entidades possam, por sua vez, desembolsar tais
fundos com sabedoria.

Eu recebo algumas cartas toda semana criticando a Berkshire por contribuir com a
Planned Parenthood13. Essas cartas costumam vir de organizações que querem boicotar os
produtos da Berkshire. Elas são sempre educadas e sinceras, mas quem as escreve se
esquece de um ponto principal: não é a Berkshire, mas sim seus acionistas, que tomam as
decisões relacionadas às doações - e esses acionistas possuem as opiniões mais divergentes
que você possa imaginar. Por exemplo, eles provavelmente estão tão divididos na questão do
aborto quanto a população americana em geral. Nós iremos seguir as instruções deles, seja
para a Planned Parenthood ou para a Metro Right to Life14, desde que elas possuam o status
501(c)(3)15. É como se distribuíssemos dividendos e os acionistas os doassem. Nossa forma de
desembolso, porém, é mais eficiente do ponto de vista tributário.

Na compra de bens ou na contratação de pessoal, nós nunca levamos em consideração


a religião, gênero ou orientação sexual das pessoas com quem estamos lidando. Não seria
apenas errado fazer isso, mas também uma idiotice. Nós precisamos de todo o talento que
podemos encontrar, e aprendemos que gestores, empregados e fornecedores capazes e
confiáveis vêm de amplo espectro de humanidade.

13
Instituição que fornece instruções e conselhos de planejamento familiar. Também é responsável por
realizar abortos em estados americanos que a legislação permite.
14
Instituição contrária ao aborto.
15
Trecho do código tributário americano que isenta organizações sem fins lucrativos do pagamento de
impostos federais.
************

Para participar dos programas futuros, você deve ter ações da Classe A que estejam
registradas em seu próprio nome, não no nome de um terceiro, da corretora ou do banco.
Ações que não estiverem registradas até o dia 31 de agosto de 2002 não poderão participar do
programa de 2002. Quando você receber os formulários de doação, retorne-os prontamente a
nós. Os formulários que forem recebidos após a data limite não serão considerados.

O encontro anual

O encontro anual deste ano acontecerá no sábado, 4 de maio, no Civic Auditorium. As


portas se abrirão às 7:00h, o filme terá início às 8:30h e o encontro em si começará às 9:30h.
Haverá um breve intervalo ao meio-dia para o almoço, com sanduíches nos estandes do Civic.
Exceto por esse interlúdio, Charlie e eu responderemos as perguntas até as 15:30h. Faça sua
melhor pergunta.

Pelos próximos anos, o Civic vai ser a nossa única escolha. Nós precisamos, portanto,
fazer o encontro no sábado ou domingo para evitar um pesadelo de trânsito e estacionamento
que ocorreria caso nos encontrássemos em outro dia da semana. Em breve, no entanto,
Omaha terá um novo centro de convenções, com muito espaço para estacionar. Assumindo
que esse novo centro terá disponibilidade para nós, eu irei fazer uma pesquisa com os
acionistas para verificar se vocês desejam voltar a ter o encontro anual às segundas-feiras.
Nós iremos decidir isso baseado na maioria dos votos dos acionistas, não por número de
ações. (Este é um sistema, porém, que jamais iremos adotar para definir quem deve ser o
CEO.)

O material anexo a esta carta contém todas as explicações sobre como você pode obter
as credenciais necessárias para ser admitido no encontro e em outros eventos. Em relação à
reservas de carro, hotel e passagens de avião, nós novamente pedimos para a American
Express (800-799-6634) dar uma ajuda especial a vocês. Eles fazem um trabalho fantástico
todos os anos, e eu os agradeço imensamente por isso.

Como sempre, teremos ônibus saindo dos maiores hotéis para levá-los até o encontro.
Após o encontro em si, os ônibus farão viagens de volta aos hotéis, para o Nebraska Furniture
Mart, Borsheim’s e o aeroporto. Mesmo assim, talvez um carro alugado seja mais útil.

Nós compramos tantas empresas novas esse ano que eu não irei dar detalhes de todos
os produtos que iremos vender no encontro. Mas venha preparado para levar de tudo para
casa, desde tijolos até doces. E cuecas também, claro. Assumindo que nossa compra da Fruit
of the Loom se encerre até 4 de maio, venderemos os mais novos lançamentos da Fruit, o que
o tornará o líder de moda em seu bairro. Compre um estoque para a vida toda.
A GEICO terá um estande com os melhores agentes seguradores do país, todos eles
prontos para fazer orçamentos. Na maioria dos casos, a GEICO poderá lhe oferecer um
desconto especial de acionista (normalmente de 8%). Essa oferta especial é permitida em 41
das 49 jurisdições em que operamos. Traga os detalhes do seu seguro atual e verifique se
você pode economizar conosco.

No aeroporto de Omaha, no sábado, teremos uma exibição de jatos da NetJets para


que você possa dar uma olhada. Basta pedir a um representante no Civic para ver os aviões.
Se você for comprar o que consideramos ser um número adequado de produtos durante o fim
de semana, pode ser que você realmente precise de um avião para conseguir levar tudo para
casa. E se você comprar uma fração de um avião, nós podemos até dar um conjunto de três
cuecas boxers de brinde.

No Nebraska Furniture Mart, localizado em uma área de mais de 300 mil metros
quadrados na 72nd Street entre Dodge e Pacific, nós teremos novamente os preços especiais
da Berkshire Weekend, o que significa que daremos descontos aos nossos acionistas que,
normalmente, são restritos apenas aos funcionários. Nós demos início a esses preços
diferenciados no NFM cinco anos atrás, e as vendas durante o Weekend cresceram de U$ 5,3
milhões em 1997 para U$ 11,5 milhões em 2001.

Para receber o desconto, você deverá fazer suas compras entre a quarta-feira, 25 de
abril, e segunda-feira, 30 de abril, e apresentar a sua credencial do evento. Os preços
especiais desse período irão se aplicar até a marcas famosas que normalmente têm regras
muito rígidas a respeito de descontos, mas que, no espírito do nosso encontro, irão abrir uma
exceção a vocês. Nós agradecemos por essa cooperação. O NFM fica aberto das 10:00h às
21:00h nos dias de semana e das 10:00h às 18:00h aos sábados e domingos.

Borsheim’s - a maior joalheria do país depois da loja da Tiffany em Manhattan - terá dois
eventos para os acionistas. O primeira será um coquetel de recepção das 18h às 22h na
sexta-feira, 3 de maio. O segundo, o evento de gala, acontecerá das 9h às 17h no domingo, 5
de maio. Os preços exclusivos para acionistas estarão disponíveis entre quinta-feira e segunda.
Assim, se você desejar evitar as grandes multidões que irão ocorrer na noite de sexta-feira e no
domingo, venha até a loja em outro momento e se identifique como sendo um acionista. No
sábado, estaremos abertos até as 18h. A Borsheim’s opera com uma margem bruta que é mais
de vinte pontos percentuais abaixo de seus principais concorrentes. Assim, quanto mais você
comprar, mais você irá economizar (ao menos é isso que ouço de minha esposa e filha). Venha
até a loja e nos deixe fazer uma “carteirotomia” em você.

No centro comercial ao lado da Borsheim’s, teremos jogadores profissionais de bridge


para jogar contra os acionistas no domingo à tarde. Bob Hamman, junto de Petra Hamman e
Sharon Osberg, serão os anfitriões. Patrick Wolff, bicampeão nacional de xadrez, também
estará lá para jogar contra qualquer pessoa - e de olhos vendados! No ano passado, Patrick
conseguiu jogar até seis partidas simultaneamente - com sua venda firmemente posicionada - e
irá tentar jogar contra sete este ano. Por fim, Bill Robertie, um dos dois únicos jogadores a ser
bicampeão no torneio mundial de gamão, estará lá também para testar as habilidades de vocês
no jogo. Venha até o centro comercial no domingo para as Olimpíadas de Mensa.

Gorat’s - minha churrascaria favorita - irá abrir novamente e exclusivamente para os


acionistas no domingo, dia 5 de maio, e irá funcionar das 16h à meia-noite. Por favor,
lembre-se de que você só poderá comparecer ao Gorat’s no domingo se tiver uma reserva.
Para fazer uma, ligue para 402-551-3733 no dia 1 de abril (​mas não antes​). Se o domingo
estiver esgotado, visite o Gorat’s em uma das outras noites que você estiver na cidade. Mostre
toda a sua sofisticação ao pedir um T-Bone mal passado com batatas picadas e fritas.

O costumeiro jogo de baseball irá acontecer no Rosenblatt Stadium às 19h do sábado.


Este ano, os Omaha Golden Spikes irão jogar contra os Oklahoma RedHawks. No ano
passado, em uma tentativa de emular a mudança de carreira de Babe Ruth16, eu desisti de
fazer os arremessos e fui para o posto de rebatedor. Bob Gibson17, que é natural de Omaha,
estava no montinho, e eu estava morrendo de medo de seu famoso arremesso ​brush-back​. No
lugar disso, ele mandou uma ​fast ball na zona de strike, e com uma rebatida ao melhor estilo
Mark McGwire18, eu consegui pegar bola, que inexplicavelmente não foi muito longe. Eu nem
tentei correr: na minha idade, jogar uma rodada de bridge já é o suficiente para me cansar.

Eu não faço ideia do que irá acontecer no estádio este ano, mas venha ver o jogo e se
surpreenda. Nosso material em anexo contém instruções sobre como obter ingressos para o
jogo. Aqueles que reservarem ingressos para o encontro anual receberão um guia com muitas
informações que lhes serão úteis durante o tempo que forem passar em Omaha. Venham para
o Woodstock Weekend e juntem-se à nossa Celebração do Capitalismo no Civic.

************

Por fim, eu gostaria de agradecer pela incrível e maravilhosa equipe que trabalha
comigo em nossa matriz (em todos os seus quase 500 metros quadrados) e que tornam o meu
trabalho tão fácil de ser executado. A Berkshire acrescentou cerca de 40.000 empregados no
ano passado, elevando nossa força de trabalho para 110.000. Na matriz, contratamos mais
uma pessoa e temos agora 14,8 funcionários (Eu tentei, em vão, convencer JoEllen Rieck a
mudar sua carga horária de quatro para cinco dias por semana; eu acho que ela gosta do
reconhecimento nacional que tem por representar o 0,8).

Lidar de maneira tranquila com as várias tarefas que surgem com o nosso tamanho e
escopo - assim como algumas atividades adicionais, tais como o baile de gala dos acionistas e

16
Lendário jogador de baseball.
17
Ex-jogador profissional de baseball. Na época em que esta carta foi escrita, Bob Gibson estava com 60
anos.
18
Ex-jogador de baseball. Sua posição era a de rebatedor.
o programa de doações - requer um grupo muito especial de pessoas. E isso nós com certeza
temos.

Warren E. Buffett
Presidente do conselho

28 de fevereiro de 2002
Nota: a tabela a seguir aparece na capa da carta anual e é referenciada ao longo do texto.
Observações:
Os dados vêm dos anos-calendários, com as seguintes exceções: em 1965 e 1966, o
ano se encerrou em 30 de setembro, com 15 meses findos em 31/12.

Começando em 1979, as regras contábeis passaram a exigir que as companhias de


seguro mostrassem seus montantes aplicados em ações a valor de mercado ao invés
do mínimo entre custo de aquisição e valor de mercado, que era a regra até então. Na
tabela anterior, os resultados da Berkshire até 1978 foram refeitos para estarem de
acordo com as mudanças nas regras. Em todos os outros aspectos, os resultados foram
calculados com os números originalmente reportados.

Os números apresentados para o S&P 500 são antes de impostos, enquanto que os
números da Berkshire são após impostos. Se uma corporação como a Berkshire tivesse
simplesmente comprado o índice S&P 500 e acumulado os impostos, o resultado da
companhia teria sido pior do que o S&P nos anos em que o índice teve retornos
positivos e melhor nos anos em que o índice teve retornos negativos. Ao longo dos
anos, os custos dos impostos teriam feito o acumulado de perdas ser substancial.

Fonte original: ​https://www.berkshirehathaway.com/letters/2002.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Nosso ganho em patrimônio líquido durante 2002 foi de US$ 6,1 bilhões, o que
aumentou o valor patrimonial das nossas ações Classe A e B em 10%. Nos últimos 38 anos
(isto é, desde que assumimos o controle da companhia), o valor patrimonial por ação cresceu
de US$ 19 para US$ 41.727, ou uma taxa composta anual de 22,2%1.

O ano de 2002 se mostrou excepcionalmente bom. Darei mais detalhes à frente, mas
eis um resumo:

● Nossas várias operações fora do setor de seguros tiveram um desempenho


muito bom, mesmo com a economia patinando. Há uma década, os ganhos
antes de impostos da Berkshire com as operações de não-seguros era de US$
272 milhões. Agora, com a nossa coleção cada vez maior de empresas de
manufatura, varejo, serviço e finanças, conseguimos ganhar essa soma todos os
meses.

1
Todos os valores mostrados nesta carta se referem às ações da Classe A da Berkshire, que são as
sucessoras do único tipo de ação que a empresa tinha em circulação até 1996. As ações B têm um valor
econômico equivalente a 1/30 da A.
● Nosso grupo de seguradoras aumentou seu ​float para US$ 41,2 bilhões, um
aumento significativo de US$ 5,7 bilhões em relação ao ano passado. Melhor
ainda, o custo desses fundos em 2002, para nós, foi de apenas 1%. Voltar a ter
custos baixos com ​float é algo bom, especialmente depois de nossos resultados
ruins durante os três últimos anos. A divisão de resseguros da Berkshire e a
GEICO tiveram resultados excepcionais em 2002, e a disciplina com subscrição
foi restaurada na General Re.
● A Berkshire adquiriu algumas empresas importantes - com fundamentos que vão
de bons a ótimos, com gestores que vão de ótimos a ótimos. Esses atributos
representam dois itens da nossa estratégia de compra, sendo o terceiro um
preço de compra que faça sentido. Ao contrário de alguns operadores e
empresas de ​private equity​, nós não temos uma estratégia de “saída” - nós
compramos com a intenção de manter. Essa é a principal razão pela qual a
Berkshire é normalmente a primeira - e, às vezes, a única - escolha daqueles
que estão interessados em vender.
● Nossas ações tiveram um desempenho melhor do que a maioria dos índices.
Para Lou Simpson, que gerencia o portfólio de ações da GEICO, isso não foi
nenhuma novidade. Mas, para mim, foi uma mudança muito bem-vinda em
relação aos últimos anos, durante os quais o meu histórico de investimentos foi
terrível.

A confluência desses fatores favoráveis em 2002 fez o nosso ganho em valor


patrimonial superar o desempenho do S&P 500 por 32,1 pontos percentuais. Esse resultado foi
uma aberração: Charlie Munger, vice-presidente da Berkshire e meu sócio, e eu esperamos ter
- na melhor das hipóteses - uma vantagem anual de apenas alguns pontos. No futuro, haverá
anos em que o S&P irá nos atropelar com vontade. Isso, com quase toda a certeza, irá
acontecer durante um forte ​bull market​, porque a porção de nossa carteira voltada às ações
diminuiu bastante de tamanho. Essa mudança, é claro, ajuda no nosso desempenho relativo
em mercados de baixa, como foi o que tivemos em 2002.

Eu tenho outra advertência a fazer a respeito dos resultados do ano passado. Se você é
um leitor atento de balanços financeiros, deve ter percebido uma inundação de declarações
“​pro-forma​” ultimamente - tabelas em que os gestores invariavelmente mostram “ganhos” muito
maiores do que os auditados. Nesse tipo de apresentação, o CEO diz aos acionistas para “não
considerar isso, não considerar aquilo - só leve em conta aquilo que torna os ganhos maiores”.
Com frequência, esse comportamento de “esqueça as coisas ruins” é observado ano após ano,
e os gestores parecem não ter vergonha alguma.

Ainda esperamos o dia em que veremos uma apresentação ​pro-forma dizendo que os
ganhos auditados foram altos demais. Portanto, vamos entrar para a história: no ano passado,
em uma base ​pro-forma​, a Berkshire teve ganhos menores do que os que reportamos.
Isso é verdade porque dois fatores favoráveis nos beneficiaram. Primeiro, em 2002 não
houve nenhuma mega-catástrofe, o que significa que a Berkshire teve (e outras seguradoras
também) lucros maiores com seguros do que o normal. Em anos em que o oposto acontece -
por conta de um grande furacão, terremoto ou desastre de natureza humana - muitas
seguradoras gostam de reportar que elas teriam ganho X “exceto pelo” evento incomum. A
implicação é que uma vez que mega-cats são raras, elas não deveriam entrar na conta do
cálculo dos lucros “reais”. Isso é uma besteira e uma enganação. Prejuízos do tipo “exceto por”
serão sempre parte do ramo de seguros, e eles sempre serão pagos com dinheiro dos
acionistas.

De qualquer maneira, para os propósitos deste exercício, vamos seguir a cartilha da


indústria. Como não tivemos nenhum grande desastre no ano passado, um ajuste para baixo
pode se mostrar adequado caso você deseje “normalizar” nosso resultado de subscrição.

Em segundo lugar, o mercado de títulos em 2002 favoreceu algumas estratégias que


havíamos empregado em nossos produtos financeiros. Ganhos vindos dessas estratégias com
certeza diminuirão em um ou dois anos - e pode até desaparecer.

Entããão… “exceto por” alguns eventos favoráveis, nossos ganhos antes de impostos no
ano passado teriam sido cerca de US$ 500 milhões a menos do que reportamos. Mesmo
assim, ficamos felizes em bancar esse excesso. Como Jack Benny2 disse ao receber um
prêmio: “Eu não mereço essa honra - mas, pensando bem, eu tenho artrite, e não mereço isso
também”.

************

Nós continuamos sendo abençoados com um grupo extraordinário de gestores, muitos


dos quais não têm a menor necessidade financeira de trabalhar. Mesmo assim, eles
permanecem firmes em seus cargos: em 38 anos, nunca passamos pela experiência de um
CEO de uma de nossas subsidiárias deixar a Berkshire para ocupar uma posição em outra
companhia. Contando Charlie, nós agora temos seis gestores com mais de 75 anos, e espero
que esse número aumente daqui a quatro anos em, pelo menos, dois (Bob Shaw e eu temos
ambos 72 anos). Nosso racional: “É difícil ensinar velhos truques a cachorros novos".

Os CEOs da Berkshire são verdadeiros mestres em seus ofícios e tocam os negócios


como se fossem deles. Meu trabalho é não atrapalhá-los e alocar o excesso de capital gerado
por suas empresas. É fácil.

O meu modelo gerencial é Eddie Bernett, que era um rebatedor. Em 1919, aos 19 anos,
Eddie deu início à sua carreira no Chicago White Sox que, naquele ano, chegou ao World
Series. No ano seguinte, Eddie foi para o Brooklyn Dodgers, e eles, também, ganharam o título.

2
Comediante e radialista americano. Faleceu em 1974.
Nosso herói, no entanto, sentiu que algo não estava certo. Mudando de time novamente, ele
entrou para os Yankees em 1921, e eles ganharam seu primeiro título. E então Eddie
permaneceu no time, notando de maneira perspicaz o que estava por vir. Nos sete anos
seguintes, os Yankees ganharam cinco títulos da American League.

O que isso tem a ver com gestão? É simples - para ser um vencedor, trabalhe com
vencedores. Em 1927, por exemplo, Eddie recebeu US$ 700 pela participação de 1/8 da World
Series do lendário time de Ruth e Gehrig. Essa soma, que Eddie recebeu trabalhando apenas
quatro dias (uma vez que seu time deu um show no campeonato), era aproximadamente a
mesma que o salário de um ano de um rebatedor que trabalhava em um time comum.

Eddie entendeu que a forma como ele rebatia não tinha importância; o que contava era
ficar próximo da nata do esporte. Eu aprendi bastante com Eddie. Na Berkshire, eu
frequentemente entrego os tacos para os melhores rebatedores da América corporativa.

Aquisições

Nós adicionamos alguns rebatedores ao nosso time no ano passado. Duas aquisições
que estavam pendentes no final de 2001 foram concluídas: Albecca (que opera sob o nome
Larson-Juhl), a líder nacional em molduras de quadros; e Fruit of the Loom, a produtora de
cerca de 33,3% de cuecas masculinas e infantis nos EUA e de outras peças de roupa também.

Ambas as companhias vieram acompanhadas de excelentes CEOs: Steve McKenzie,


na Albecca, e John Holland, na Fruit. John, que havia se aposentado da Fruit em 1996, voltou a
trabalhar há três anos e resgatou a companhia do caminho desastroso que ela havia tomado
depois que ele saiu. Ele está agora com 70 anos, e estou tentando convencê-lo a se aposentar
novamente comigo (minha aposentadoria atualmente está programada para ocorrer cinco anos
após a minha morte - data essa que pode ser estendida).

Nós iniciamos e completamos duas outras aquisições no ano passado que foram um
pouco abaixo do valor mínimo que costumamos usar como limiar. Somados, porém, esses
negócios têm uma receita de mais de US$ 60 milhões por ano antes de impostos. Ambos
operam em setores com características difíceis, mas ambos também possuem forças
competitivas que permitem que tenham retornos decentes sobre o capital.

As novas empresas são:

A. CTB, líder mundial em equipamentos para aves, porcos, produção de ovos e


grãos; e
B. Garan, uma fabricantes de roupas infantis, cujo maior e mais conhecido produto
é o Garanimals.
Essas duas empresas vieram com os gestores responsáveis por seus históricos
impressionantes: Vic Mancinelli, na CTB, e Seymour Lichtenstein, na Garan.

A maior aquisição que demos início em 2002 foi a The Pampered Chef, uma companhia
cujo histórico fascinante teve início em 1980. Doris Christopher era então uma professora de
economia doméstica de 34 anos que morava no subúrbio de Chicago com seu marido e duas
filhas. Ela não tinha qualquer experiência com negócios. No entanto, buscando aumentar o
modesto salário que a família tinha, ela decidiu focar no que conhecia melhor - preparação de
comida. Por que não, ela pensou, criar um negócio de venda de utensílios de cozinha, focando
nos itens que ela mais considerava úteis?

Para dar início ao negócio, Doris pegou US$ 3.000 emprestados do seu seguro de vida
- o único dinheiro que foi injetado na companhia - e foi para o Merchandise Mart para comprar
as peças. Chegando lá, ela escolheu algumas dúzias disso e daquilo e então voltou pra casa
para montar a operação em seu porão.

O plano dela era fazer apresentações a domicílio para pequenos grupos de mulheres
reunidas na casa de suas amigas. Enquanto dirigia rumo à sua primeira apresentação, Doris
quase desistiu, pois estava convencida de que iria falhar.

Mas as mulheres para as quais ela fez a apresentação naquela noite adoraram ela e os
produtos, compraram US$ 175 em mercadoria e, assim, a TPC teve início. Trabalhando junto
com seu marido, Jay, Doris vendeu US$ 50.000 em seu primeiro ano. Hoje - apenas 22 anos
depois - a TPC tem vendas de mais de US$ 700 milhões ao ano e tem mais de 67.000
consultoras.

Eu já fui até uma reunião da TPC, e é fácil ver o motivo da empresa ser um sucesso. Os
produtos da companhia, a maioria proprietários, são bem desenhados e muito úteis, e as
consultoras conhecem bem o que estão vendendo e são muito simpáticas. Todo mundo se
diverte. Acesse pamperedchef.com na Internet para descobrir a reunião mais próxima de você.

Há dois anos, Doris trouxe Sheila O’Connell Cooper, agora CEO, para dividir a carga de
trabalho, e elas se reuniram comigo em Omaha em agosto. Eu levei cerca de dez segundos
para decidir que essas eram duas gestoras com as quais eu gostaria de me associar, e
rapidamente fechamos um acordo. Os acionistas da Berkshire não poderiam estar em
melhores mãos do que com Doris e Sheila.

************

A Berkshire também fez algumas aquisições importantes no ano passado por meio da
MidAmerican Energy Holdings (MEHC), uma companhia que detemos em 80,2%. Por conta do
Public Utility Holding Company Act (PUHCA), que nos limita a ter uma participação votante de
até 9,9%, nós não podemos consolidar por completo as declarações financeiras da MEHC com
as nossas.

Apesar da limitação de voto - e a estrutura de capital meio estranha que a MEHC


engendrou - a empresa é uma parte muito importante da Berkshire. Ela já possui US$ 18
bilhões em ativos e nos entrega o maior fluxo de lucros fora do setor de seguros. Ela pode se
tornar maior ainda.

No ano passado, a MEHC adquiriu dois importantes gasodutos. O primeiro, Kern River,
se estende de Wyoming até a Califórnia3. Essa linha movimenta cerca de 25 milhões de metros
cúbicos de gás por dia e está passando por uma expansão de US$ 1,2 bilhão que irá dobrar a
sua capacidade até o fim deste outono. Quando isso ocorrer, este gasoduto terá capacidade o
suficiente para gerar eletricidade para dezenas de milhões de casas.

A segunda aquisição, Northern Natural Gas, é um gasoduto de mais de 26.000


quilômetros que sai do sudoeste do país e se ramifica em várias localidades do Centro-Oeste.
Esse compra encerra uma odisseia corporativa de bastante interesse aos moradores de
Omaha.

Desde seu início na década de 1930, a Northern Natural era uma das empresas mais
destacadas de Omaha, sendo tocada por CEOs que frequentemente eram vistos como líderes
na comunidade. Então, em julho de 1985, a empresa - que em 1980 havia sido rebatizada
como InterNorth - se fundiu com a Houston Natural Gas, um negócio de menos da metade de
seu tamanho. As empresas anunciaram que a nova operação seria baseada em Omaha, com o
CEO da InterNorth dando continuidade ao trabalho.

Dentro de um ano, tais promessas foram descumpridas. Na época, o antigo CEO da


Houston Natural havia assumido o posto na InterNorth, a companhia foi rebatizada novamente
e a matriz passou para Houston. Essas mudanças haviam sido orquestradas pelo novo CEO -
Ken Lay - e novo nome passou a ser Enron.

Avance 15 anos para 2001. A Enron passava pelas dificuldades que ouvimos tanto falar
e havia tomado dinheiro emprestado com a Dynegy, colocando o gasoduto Northern Natural
como garantia. As duas empresas rapidamente se deterioraram, e a titularidade do gasoduto
passou para a Dynegy. Tal companhia, por sua vez, rapidamente se esbarrou em problemas
financeiros também.

A MEHC recebeu uma ligação em uma sexta-feira, 26 de julho, da Dynegy, que buscava
uma rápida e certeira venda em dinheiro do gasoduto. Dynegy ligou para o lugar certo: no dia
29 de julho assinamos um contrato, e pouco depois a linha Northern Natural voltou pra casa.

3
Aproximadamente 1.800 km de distância.
Quando 2001 começou, Charlie e eu não fazíamos ideia que a Berkshire iria se
envolver no ramo de gasodutos. Mas ao terminar a expansão do Kern River, a MEHC irá
transportar cerca de 8% de todo o gás usado nos EUA. Nós continuamos buscando por
grandes ativos no setor de energia, muito embora a PUHCA restrinja a nossa envergadura de
ação.

************

Alguns anos atrás, e meio que por acidente, a MEHC se viu mergulhada no ramo de
corretagem de imóveis. Não é acidente, porém, que tenhamos aumentado dramaticamente a
operação neste setor. Tudo indica que continuaremos expandindo no futuro.

Nós chamamos essa linha de atuação de HomeServices of America. Nas várias


comunidades que presta serviço, no entanto, a empresa opera sob o nome da empresa que
adquiriu, como a CBS, em Omaha, Edina Realty, em Minneapolis, e Iowa Realty, em Des
Moines. Na maioria das regiões metropolitanas em que atuamos, somos o líder de mercado.

HomeServices é agora a segunda maior corretora de residências no país. Atuando tanto


na compra quanto na venda, nós participamos em um total de US$ 37 bilhões em transações
no ano passado, uma alta de 100% quando comparada com 2001.

A maior parte deste crescimento veio de três aquisições que fizemos durante 2002,
sendo que a maior delas foi a Prudential California Realty. No ano passado, essa companhia, a
empresa líder nos condados de Los Angeles, Orange e San Diego, participaram em US$ 16
bilhões em negócios fechados.

Em um curtíssimo período de tempo, Ron Peltier, CEO da companhia, aumentou a


receita da HomeServices - e os lucros - de maneira impressionante. Embora esse seja um setor
que sempre será cíclico, é um que gostamos e no qual continuaremos a ter um apetite por
aquisições importantes.

************

Dave Sokol, CEO da MEHC, e Greg Abel, seu principal associado, são grandes ativos
para a Berkshire. Eles são negociantes e gestores. A Berkshire está pronta para injetar
enormes somas de dinheiro na MEHC - e vai ser divertido ver até onde Dave e Greg poderão
levar a empresa.

Fundamentos do setor de seguros de bens e acidentes


Nosso principal negócio - embora tenhamos outros de grande importância - é o de
seguros. Para entender a Berkshire, portanto, é necessário que você entenda como avaliar
uma seguradora. Os fatores principais são: (1) a quantidade de ​float que a empresa gera; (2)
seu custo; e (3) o mais importante de tudo, o prospecto de longo prazo para os dois fatores
anteriores.

Para começar, ​float é o dinheiro que fica conosco, mas que não é nosso. Em uma
operação de seguros, o ​float surge porque os prêmios são recebidos antes dos pagamentos de
sinistros, um intervalo que pode, às vezes, levar muitos anos. Durante esse período, a
seguradora investe esse dinheiro. Essa prazerosa atividade traz consigo um lado negativo: os
prêmios que uma seguradora recebe não costumam cobrir todos os sinistros e despesas que a
empresa precisa pagar. Isso a deixa em uma situação de “prejuízo de subscrição”, que é o
custo do ​float​. Uma empresa seguradora possui valor caso o seu custo de ​float​, ao longo do
tempo, seja menor do que a empresa incorreria de outra maneira para obter tais fundos. Mas a
empresa pode se tornar um verdadeiro abacaxi caso o custo do ​float seja maior que a taxa de
juros do mercado. Além do mais, a tendência de queda nas taxas de juros nos últimos anos
tem transformado prejuízos de subscrição que antes eram toleráveis em fardos que levam cada
vez mais seguradoras para a categoria de abacaxi.

Historicamente, a Berkshire tem obtido seu ​float a um custo muito baixo. Na verdade,
nosso custo tem sido menor do que zero em cerca de metade dos anos desde que entramos
em operação; isto é, nós acabamos sendo pagos para segurar o dinheiro de outras pessoas.
Em 2001, no entanto, nosso custo foi terrível: 12,8%, sendo que cerca de metade disso foi
causado pelo atentado ao World Trade Center. Em 1983-84, os resultados foram ainda piores.
Não há almoço grátis com ​float​ barato.

A tabela a seguir mostra (em intervalos) o ​float gerado por vários segmentos de seguros
da Berkshire desde que entramos no ramo há 36 anos com a aquisição da National Indemnity
Company (cujas tradicionais linhas estão incluídas no segmento “Other Primary”). Por meio da
tabela, calculamos nosso ​float - que geramos em grande quantidade comparado com o nosso
volume de prêmios - somando as reservas líquidas de sinistros, ajustes de reservas, fundos
detidos com resseguros assumidos e reservas de prêmios não recebidos, subtraídos da folha
de pagamento, custos de aquisição, impostos pré-pagos e cobranças diferidas aplicáveis a
resseguros assumidos. (Deu pra entender?)
No ano passado, o nosso custo de ​float ​foi de 1%. Como mencionei anteriormente, você
deve segurar sua animação a respeito desse resultado, uma vez que nenhuma
mega-catástrofe ocorreu em 2002. Com certeza algum desastre dessa proporção irá ocorrer
periodicamente, e quando isso acontecer, nosso custo de ​float​ irá disparar.

Nossos resultados de 2002 foram prejudicados por 1) uma cobrança dolorosa na


General Re por prejuízos que deveriam ter sido registrados como custos em anos anteriores, e
2) uma cobrança “desejável” que arcamos anualmente com seguros retroativos (leia a seção
seguinte para maiores informações a respeito disso). Esses custos somaram US$ 1,75 bilhão,
ou cerca de 4,6% do ​float.​ Felizmente, nossa experiência geral com subscrição foi excelente
em 2002, o que nos permitiu, mesmo depois de deduzir essas enormes despesas, chegar perto
de um custo nulo.

Se nenhuma mega-catástrofe ocorrer, a expectativa é que nosso custo de ​float em 2003


seja bem baixo - talvez até menor do que zero. Na descrição a seguir a respeito dos seguros,
você irá ver porquê estou otimista que, ao longo do tempo, nossos resultados de subscrição
irão superar os obtidos pela indústria e nos entregar fundos para serem investidos e um custo
mínimo.

Operações de seguros

Para que nossas operações de seguros gerem um ​float de baixo custo ao longo do
tempo, elas precisarão: (a) subscrever com uma disciplina inabalável; (b) provisionar de
maneira conservadora; e (c) evitar exposições em conjunto que, em um incidente “impossível”,
ameacem suas solvências. Todas as nossas seguradoras, com exceção de uma, têm passado
por esse crivo.
A exceção é a General Re, e muito teve de ser feito na empresa no ano passado para
colocá-la nos trilhos. Fico feliz em reportar que sob a liderança de Joe Brandon, com a ajuda
fiel de Tad Montross, um progresso enorme tem sido feito em todas as três frentes citadas
anteriormente.

Quando eu concordei com a fusão da Berkshire com a Gen Re em 1998, eu achei que a
companhia seguia à risca as três regras que enumerei. Eu havia estudado a operação deles
durante décadas e havia observado que a disciplina de subscrição era consistente e o
provisionamento era conservador. Quando a fusão foi feita, eu não detectei nenhum sinal de
problema na Gen Re.

Eu estava completamente enganado. A cultura e prática da Gen Re haviam mudado de


maneira substancial e de maneira inadvertida para a gestão - e para mim - a empresa estava
errando grosseiramente na precificação das apólices. Além disso, a Gen Re havia acumulado
um agregado de riscos que teria sido fatal caso, digamos, terroristas tivessem detonado
grandes bombas nucleares em um ataque aos EUA. Um desastre dessa magnitude é, claro,
improvável, mas é tarefa das seguradoras limitar seus riscos de forma a deixar suas finanças
em ordem caso o “impossível” aconteça. De fato, caso a Gen Re não tivesse se fundido
conosco, o ataque ao World Trade Center teria ameaçado a continuidade da empresa.

Quando o desastre do WTC aconteceu, ele expôs fragilidades nas operações da Gen
Re que eu deveria ter detectado antes. Mas eu tive sorte: Joe and Tad já estavam à bordo, com
autoridades reforçadas e uma grande vontade em rapidamente corrigir os erros do passado.
Eles sabiam o que devia ser feito - e fizeram.

No entanto, leva tempo para as apólices vencerem, e o ano de 2002 já estava em um


bom caminho antes mesmo de reduzirmos nosso risco nuclear, químico e biológico (NCB -
nuclear, chemical and biological​) a um nível tolerável. Este problema está, agora, no passado.

Em uma outra frente, a atitude relacionada com subscrição da Gen Re foi


dramaticamente alterada: a empresa inteira entende agora que queremos subscrever apenas
negócios que tenham um preço que faça sentido, não importa qual efeito isso tenha no volume
de contratos fechados. Joe e Tad são avaliados ​apenas pela lucratividade das subscrições da
Gen Re. O tamanho simplesmente não importa.

Por fim, estamos nos esforçando ao máximo para colocar nossos provisionamentos em
ordem. Se não fizermos isso, não teremos meios para saber nossos verdadeiros custos.
Qualquer seguradora que não saiba seus reais custos terá sérios problemas.

No final de 2001, a General Re tentou provisionar de forma adequada para levar em


conta todos os prejuízos que haviam ocorrido antes da data, mas que ainda não haviam sido
pagos - mas falhamos miseravelmente nisso. Dessa forma, os resultados de subscrição de
2002 da companhia foram penalizados com US$ 1,31 bilhão adicionais que tivemos de registrar
para corrigir os erros de estimativas que havíamos feito em anos anteriores. Ao rever os erros
de provisionamento que foram descobertos na General Re, um trecho de uma música country
pareceu fazer sentido: “​I wish I didn’t know now what I didn’t know then​”.4

Eu posso prometer a vocês que a nossa principal prioridade a partir de agora será evitar
provisionar de maneira inadequada. Mas eu não posso prometer que teremos sucesso. A
tendência natural da maioria dos gerentes de seguradoras é provisionar para menos, e eles
precisam ter um ​mindset bem específico - que, para a surpresa de muitos, não tem nada a ver
com experiência atuarial - para superar esse viés devastador. Além disso, uma resseguradora
tem muito mais dificuldades com provisionamento do que uma seguradora primária. Mesmo
assim, na Berkshire, nós temos tido sucesso em provisionar de maneira adequada, e estamos
determinados a seguir fazendo isso na General Re.

Em resumo, acredito que a General Re está agora bem posicionada para nos entregar
enormes quantidades de ​float sem custo, e o risco de falência foi eliminado. A companhia ainda
possui as importantes vantagens competitivas que eu destaquei no passado. E ela ganhou uma
vantagem muito significativa no ano passado quando cada um de seus três principais
concorrentes, anteriormente avaliados como AAA, sofreram rebaixamentos em ao menos uma
agência de classificação de risco. Entre os gigantes, a General Re, que manteve sua avaliação
AAA intacta em todas as agências, está agora em um outro patamar com relação à sua força
financeira.

Nenhum atributo poderia ser mais importante que esse. Recentemente, em contraste,
uma das maiores resseguradoras do mundo - uma companhia que era frequentemente
recomendada a seguradoras primárias - não tem feito nada mais do que pagar sinistros, tanto
recentes quanto passados. Essa empresa está devendo bilhões de dólares a centenas de
seguradoras primárias, que estão tendo de encarar gigantescos ​write-offs.​ Um resseguro
“barato” é balela: quando uma seguradora entrega dinheiro hoje em troca da promessa de uma
resseguradora pagá-la dali a uma ou duas décadas, é perigoso - e possivelmente fatal - para a
seguradora lidar com qualquer outra resseguradora que não seja a mais confiável do mercado.

Os acionistas da Berkshire devem a Joe e Tad um enorme agradecimento por suas


conquistas em 2002. Eles trabalharam duro ao longo do ano, muito mais do que eu desejaria
para alguém - e o esforço está sendo recompensado.

************

Na GEICO, tudo correu tão bem em 2002 que deveríamos estar nos beliscando. O
crescimento foi substancial, os lucros foram incríveis, a retenção de segurados aumentou e a

4
“Eu gostaria de não saber hoje o que eu não sabia antes”.
produtividade de vendas saltou de maneira significativa. Essas tendências continuam firmes no
início de 2003.

Agradeça a Tony Nicely por tudo isso. Qualquer um que o conhece sabe que Tony é
apaixonado pela GEICO há 41 anos - desde que ele começou a trabalhar para a empresa,
quando tinha 18 anos - e os seus resultados refletem essa paixão. Ele tem orgulho do dinheiro
que economizamos para os segurados - cerca de US$ 1 bilhão anualmente, versus o que
outras seguradoras, em média, cobrariam de seus clientes. Ele tem orgulho do serviço que
oferecemos aos nossos segurados: em uma importante pesquisa da indústria feita
recentemente, a GEICO ficou na frente de seus principais competidores. Ele tem orgulho de
seus 19.162 colaboradores que, no ano passado, receberam uma participação nos lucros igual
a 19% de seus salários-base por conta dos resultados fantásticos que tiveram. E ele tem
orgulho dos lucros cada vez maiores que ele entrega para os acionistas da Berkshire.

A GEICO tinha um volume de prêmios de US$ 2,9 bilhões quando a Berkshire adquiriu
a companhia por completo em 1996. No ano passado, o volume foi de US$ 6,9 bilhões, sendo
que ainda há muito espaço para crescer. A operação na internet da companhia tem se
mostrado particularmente promissora, com um aumento de 75% de contratos fechados no
último ano. Acesse GEICO.com (ou ligue para 800-847-7536). Na maioria dos estados, nossos
acionistas recebem um desconto especial de 8%.

Eis uma nota de rodapé relacionada com os ganhos da GEICO em 2002 que mostram a
importância de se fazer negócios apenas com as resseguradoras mais confiáveis. Em
1981-1983, os gestores que estavam à frente da companhia resolveram testar a sorte com
seguros guarda-chuva5. Os riscos pareciam modestos: a companhia recebeu apenas US$
3.051.000 com essa linha, e usou quase que a totalidade disso - US$ 2.979.000 - para comprar
resseguros de forma a limitar suas perdas. A GEICO ficou com um insignificante valor de US$
72.000 pelos riscos mantidos consigo própria. Mas essa pequena mordida da maçã foi mais do
que suficiente para tornar a experiência memorável. Os prejuízos da GEICO com isso
chegaram agora a absurdos US$ 94,1 milhões, ou cerca de 130.000% do prêmio líquido que
recebeu. Desse prejuízo total, nada menos do que US$ 90,3 milhões estão relacionados a
valores que não serão recebidos de resseguradoras que deram calote (incluindo US$ 19
milhões cobrados em 2002). Isso que dá fazer resseguro “barato”.

************

A divisão de resseguros de Ajit Jain foi a principal razão do nosso custo de ​float ter sido
tão baixo no ano passado. Se algum dia colocarmos uma foto na carta anual da Berkshire, será
a de Ajit. E em cores!

5
Um seguro guarda-chuva é aquele que protege a companhia do risco financeiro de ações judiciais. É
uma linha de atuação que entra em jogo quando os outros seguros (gerais, de automóveis, etc) são
insuficientes para pagar por danos causados pela empresa.
A operação de Ajit acumulou US$ 13,4 bilhões em ​float​, muito mais do que a vasta
maioria de outras seguradoras jamais conseguiria amealhar. Ele conseguiu isso com um início
em 1986, e mesmo hoje a sua força de trabalho se resume a apenas 20 pessoas. E, mais
importante, ele obteve lucros com subscrição.

Seus lucros foram particularmente notáveis se você considerar alguns fatores contábeis
que irei explicar agora. Portanto, coma seu espinafre (ou, alternativamente, se débitos e
créditos não te chamarem atenção, pule os dois próximos parágrafos).

O lucro de subscrição de Ajit de US$ 534 milhões veio ​depois que sua operação
reconheceu uma cobrança de US$ 428 milhões atribuíveis ao seguro “retroativo” que ele havia
subscrito ao longo dos anos. Nessa linha de negócios, nós assumimos as obrigações de outras
seguradoras de pagar quantias específicas de sinistros que elas incorreram - normalmente, de
eventos ocorridos décadas atrás - mas que ainda precisam ser pagos (por exemplo, um sinistro
relacionado a um acidente de um trabalhador que gerou pagamentos mensais vitalícios).
Nesses tipos de arranjo, a seguradora nos paga um enorme prêmio adiantado, mas que é
menor do que os prejuízos que teremos de pagar. Nós aceitamos essa diferença porque a)
nossos pagamentos têm um limite, e b) nós podemos usar o dinheiro até que os pagamentos
sejam, de fato, feitos, sendo que eles normalmente ocorrem ao longo de uma década ou mais.
Cerca de 80% dos provisionamentos que temos para sinistros ambientais e de amianto vêm de
contratos com teto, cujos custos, consequentemente, não sairão do controle.

Quando subscrevemos uma apólice retroativa, nós imediatamente registramos tanto o


prêmio quanto o provisionamento para os prejuízos esperados. A diferença entre os dois é
marcada como “cobranças diferidas - resseguros assumidos”. Este não é um item pequeno: no
fim do ano, a soma de todas as apólices retroativas foi de US$ 3,4 bilhões. Nós então
amortizamos esse ativo com cobranças na receita ao longo da vida de cada apólice. Tais
cobranças - US$ 440 milhões em 2002, incluindo as da Gen Re - criam um prejuízo de
subscrição, mas um que é intencional e desejável. E mesmo depois desse “arrasto” nos
resultados, Ajit obteve um grande ganho de subscrição no ano passado.

Nós precisamos enfatizar, porém, que assumimos riscos nas operações de Ajit que são
enormes - muito maiores do que aqueles retidos por qualquer outra seguradora no mundo.
Portanto, qualquer evento pode causar grandes variações nos resultados de Ajit de um
trimestre ou ano. Isso não nos incomoda em nada: contanto que sejamos pagos de maneira
adequada, nós adoramos a volatilidade de curto prazo que outros tentam evitar. Na Berkshire,
nós preferimos ganhar um retorno irregular de 15% do que um retorno suave de 12%.

Se você ver Ajit em nosso encontro anual, faça uma reverência.

************
As seguradoras menores da Berkshire tiveram um ano incrível. O ​float somado cresceu
38%, e elas realizaram um lucro de subscrição de US$ 32 milhões, ou 4,5% dos prêmios. Se
fossem uma empresa só, essas operações seriam uma das melhores seguradoras do país.

Junto desses números, no entanto, estão incluídos resultados terríveis em nossa


operação de seguros de trabalho na Califórnia. Lá, temos trabalho a fazer. Lá, também, nosso
provisionamento foi feito de maneira errada. Até descobrirmos como acertar essa linha de
negócios, a manteremos em um tamanho reduzido.

Pelo ano fabuloso que tiveram em 2002, agradecemos Rod Eldred, John Kizer, Tom
Nerney, Don Towle e Don Wurster. Eles adicionaram muito valor ao investimento de vocês na
Berkshire.

Fonte dos ganhos reportados

A tabela a seguir mostra as principais fontes dos ganhos reportados pela Berkshire.
Você irá notar que os ajustes de preço de compra caíram drasticamente em 2002. A razão para
isso foi a mudança nas regras GAAP6, que não exigem mais a amortização do ​goodwill​. Essa
mudança aumenta os nossos ganhos reportados, mas não tem efeito em nossos ganhos
econômicos.

6
Generally Accepted Accounting Principles (ou Termos Contábeis Normalmente Aceitos). Conjunto de
regras contábeis para a apresentação e padronização dos resultados das empresas.
1. Inclui a Fruit of the Loom a partir de 30 de abril de 2002, e Garan a partir de 4 de
setembro de 2002.
2. Inclui Johns Manville a partir de 27 de fevereiro de 2001, e MiTek a partir de 31 de julho
de 2001.
3. A partir da data de aquisição, em 8 de janeiro de 2001.

Eis um resumo dos principais acontecimentos nas empresas não-seguradoras:

● Os ganhos da MidAmerican Energy cresceram em 2002, e provavelmente irão


repetir a dose este ano. A maior parte deste crescimento, tanto presente quanto
futuro, vem das aquisições já descritas. Para financiá-las, a Berkshire comprou
US$ 1,273 bilhão da dívida de curto prazo da MidAmerican (elevando a nossa
participação de 11% nas obrigações para US$ 1,728 bilhão), e também investiu
US$ 402 milhões em um equivalente de ações ordinárias. Nós temos agora (em
uma base diluída) 80,2% do patrimônio da MidAmerican. Os resultados
financeiros da MidAmerican são apresentados em detalhes ​na página 37​.

● No ano passado eu comentei a respeito dos problemas na Dexter que nos


levaram a ter um grande prejuízo no ramo de calçados. Graças a Frank Rooney
e Jim Issler da H.H. Brown, a operação da Dexter passou por um ​turnaround​.
Apesar do custo que tivemos para reverter a situação, nós tivemos um lucro de
US$ 24 milhões com calçados no ano passado, um aumento de US$ 70 milhões
em relação a 2001.

Randy Watson, da Justin, também contribuiu para essa melhora, aumentando as


margens de maneira significativa e reduzindo a quantidade de capital investido.
O ramo de calçados é difícil, mas temos excelentes gestores e acreditamos que
teremos, no futuro, retornos razoáveis sobre o capital investido nessa operação.

● Em um ano insosso para o setor de móveis e joalheria, nossas operações


tiveram um bom desempenho. Dentre as nossas oito operações de varejo, a que
teve melhor desempenho foi a Homemaker’s, em Des Moines. Lá, a talentosa
família Merschman obteve excelentes ganhos em vendas e em lucros.

O Nebraska Furniture Mart irá abrir uma megaloja na área metropolitana de


Kansas City em agosto. Com uma área de quase 42 mil metros quadrados, ela
pode se tornar a segunda maior loja de móveis em volume nos EUA - a líder
continua sendo a operação da empresa em Omaha. Eu espero que os acionistas
da Berkshire na área de Kansas City prestigiem a inauguração e passem a fazer
suas compras lá.

● Nossos ramos de casa e construção - Acme Brick, Benjamin Moore Paint, Johns
Manville, MiTek e Shaw - tiveram ganhos de US$ 971 milhões antes de impostos
no ano passado. O ganho mais significativo veio da Shaw, cujos ganhos
saltaram para US$ 424 milhões em comparação a US$ 292 milhões obtidos em
2001. Bob Shaw e Julian Saul são gestores magníficos. Os preços de carpetes
aumentaram apenas 1% no ano passado, mas os ganhos de produtividade da
Shaw e o excelente controle de gastos entregaram margens muito melhores.

Nós exaltamos um bom controle de gastos na Berkshire. O modelo que usamos


é o da viúva que foi até o jornal local para fazer um nota obituária. Ao ser
informada que cada palavra custava 25 centavos, ela pediu pra colocar “Fred
Brown morreu”. Em seguida, ao ser informada que o mínimo eram sete palavras,
ela respondeu: “Tudo bem, coloque então ‘Fred Brown morreu, vendo tacos de
golfe’”.

● Os ganhos vindos de serviços de voo aumentaram no último ano - mas apenas


porque realizamos um ganho especial pré-impostos de US$ 50 milhões com a
venda de 50% de nossa participação na FlightSafety Boeing. Sem esse ganho,
os resultados do nosso ramo de treinamento de pilotos teriam sido um pouco
piores, em consonância com a redução dos negócios relacionados com a
aviação. O treinamento da FlightSafety continua sendo reconhecido como o
melhor do mercado, e esperamos ver um crescimento nos próximos anos.

Na NetJets, nossa operação de compra fracionada, somos o líder isolado em um


ramo que conta com quatro empresas. Os registros da FAA (​Federal Aviation
Administration​) indicam que nossa participação na indústria foi de 75%, o que
significa que o volume de cliente que compraram ou alugaram aviões conosco
foi o triplo das outras três empresas juntas. No ano passado, nossa frota voou
132,7 milhões de milhas náuticas7, levando clientes a 130 países.

Nossa preeminência pode ser diretamente atribuída a Rich Santulli, CEO da


NetJets. Ele inventou o setor em 1986, e desde então tem mostrado um devoção
sem igual ao níveis mais altos de serviço e segurança. Rich, Charlie e eu
insistimos em usar aviões (e pessoal) que sejam dignos de carregar nossas
famílias - porque elas usam a empresa com frequência.

Embora a receita da NetJets tenha batido um recorde em 2002, a empresa


perdeu dinheiro novamente. Um pequeno lucro obtido nos EUA foi mais do que
compensado por grandes prejuízos na Europa. De maneira geral, a indústria de
participação fracionada perdeu grandes somas no ano passado, e é quase certo
que isso irá acontecer novamente em 2003. O fato inegável é que custa caro
operar aviões.

Com o passar do tempo, essa realidade econômica será vantajosa para nós,
uma vez que para muitas empresas, aviação executiva é uma ferramenta
essencial. E para a maioria dessas empresas, a NetJets faz muito sentido em
ser utilizada, seja como fonte primária ou suplementar de frota.

Muitas empresas poderiam economizar milhões de dólares todos os anos ao


voar conosco. De fato, a economia anual de algumas empresas poderia passar
de US$ 10 milhões. Igualmente importante, essas empresas iriam aumentar
suas capacidades operacionais ao usar nosso serviço. Um participação
fracionada de um único avião da NetJets permite que o cliente tenha vários
aviões no ar simultaneamente. Além disso, por meio do nosso acordo de
permuta, o dono de uma participação em um avião pode voar em qualquer um
dos doze modelos que temos, usando a aeronave que faça mais sentido para a
missão. (Uma de minhas irmãs tem uma fração de um Falcon 2000, que ela usa
para viajar para o Hawaii, mas - exibindo o gene Buffett - ela troca pelo modelo
Citation Excel, mais econômico, ao fazer viagens curtas nos EUA.)

7
Cerca de 236 milhões de quilômetros.
O rol de usuários da NetJets confirma as vantagens que oferecemos para
grandes empresas. Pegue a General Electric como exemplo. Ela tem uma
grande frota própria, mas tem também um conhecimento sem igual de como
utilizá-la de maneira eficiente e econômica. E é o nosso maior cliente.

● Nosso ramo de produtos financeiros cobre uma grande variedade de operações,


dentre elas algumas atividades com títulos prefixados de alta qualidade que se
mostraram altamente lucrativos em 2002. Os ganhos nesta seara provavelmente
irão continuar durante um tempo, mas certamente irão diminuir - e talvez
desaparecer - daqui a alguns anos.

Essa categoria também inclui o nosso altamente satisfatório - mas rapidamente


decrescente - fluxo de receitas do nosso investimento da Berkadia na Finova
(descrito na carta do ano passado). Nosso sócio, Leucadia National Corp., tem
lidado com essa operação com grande habilidade, voluntariamente fazendo bem
mais do que sua parte no trabalho pesado. Eu gosto dessa divisão de trabalho, e
espero poder me juntar à Leucadia em transações futuras.

Do lado negativo, a linha financeira também inclui as operações da General Re


Securities, um ramo de derivativos e ​trading​. Essa entidade perdeu US$ 173
milhões antes de impostos no ano passado, um resultado que, em parte, vem de
um reconhecimento tardio de uma contabilidade falha, embora padrão, que havia
sido usada em anos anteriores. Com efeito, os derivativos merecem um olhar
mais cauteloso, tanto em relação ao aspecto da contabilidade usada na área
quanto aos problemas que eles podem trazer para os indivíduos e para as
empresas em nossa economia.

Derivativos

Charlie e eu pensamos da mesma forma em relação aos derivativos e as operações de


trading que os acompanham: nós as vemos como bombas-relógio, tanto para as partes que as
negociam quanto para o sistema econômico.

Dito isso, e irei voltar ao assunto mais à frente, deixe-me voltar um pouco e explicar o
que são derivativos, muito embora a explicação precise ser bem geral pelo fato da palavra
descrever uma miríade de contratos financeiros. Essencialmente, estes instrumentos dão a
opção do dinheiro trocar de mãos em uma data futura, sendo que o montante é definido por um
ou mais itens de referência, tais como taxas de juros, preços de ações ou valores cambiais. Se,
por exemplo, você estiver comprado ou vendido em um contrato futuro do S&P 500, você é um
participante de uma transação envolvendo derivativos muito simples - sendo que seu lucro ou
prejuízo ​deriva dos movimentos do índice. Contratos de derivativos possuem durações
variadas (alguns de mais de 20 anos) e o seus valores são atribuídos a algumas variáveis.

A menos que os contratos de derivativos sejam colaterizados ou garantidos, o seu valor


final também depende da qualidade de crédito de suas contrapartes. No ínterim, no entanto,
antes do contrato ser firmado, as contrapartes registram lucros e prejuízos - normalmente em
grandes quantidades - em suas declarações financeiras sem que um centavo sequer troque de
mãos.

O espectro de contratos de derivativos é limitado apenas à imaginação do homem (às


vezes, como parece ser, de homens loucos). Na Enron8, por exemplo, derivativos de papel de
jornal e banda larga, com vencimento para daqui muitos anos, foram colocados nos livros
contábeis. Ou então, digamos que você quer celebrar um contrato especulando a respeito do
número de gêmeos que irão nascer em Nebraska no ano de 2020. Sem problemas - por um
determinado preço, você facilmente encontrará uma contraparte disposta a fechar negócio.

Quando compramos a Gen Re, ela veio com a General Re Securities, uma corretora de
derivativos que Charlie e eu não queríamos, julgando que ela parecia ser perigosa. Nós
falhamos em tentar vender a operação, porém, e agora iremos encerrá-la.

Mas falar é mais fácil do que fazer. Vai levar muitos anos para sairmos completamente
dessa operação (embora estejamos reduzindo nossa exposição diariamente). De fato, os
ramos de resseguros e derivativos são similares: assim como inferno, ambas são fáceis de
entrar, e quase impossíveis de sair. Em ambas as indústrias, uma vez que você assina um
contrato - que pode exigir o pagamento de uma grande soma décadas depois - você tem que
mantê-lo consigo. A bem da verdade, existem formas de mitigar o risco. Mas a maioria de
estratégias desse tipo acabam deixando uma obrigação residual.

Outro fator em comum entre resseguros e derivativos é que ambos geram ganhos
reportados que costumam ser muito sobre-estimados. Isso acontece porque os ganhos atuais
são baseados de maneira significativa em estimativas cuja falta de acurácia pode levar anos
para ser descoberta.

Os erros normalmente são honestos, refletindo apenas a tendência humana de ter uma
visão otimista das obrigações. Mas as partes envolvidas com derivativos também possuem
enormes incentivos para trapacear na contabilidade dos mesmos. Aqueles que negociam
derivativos são normalmente pagos (em parte ou por completo) por “ganhos” calculados por
uma contabilidade de marcação a mercado. Mas, com frequência, não existe um mercado real
(lembre-se do nosso contrato envolvendo gêmeos), de forma que uma marcação a modelo é
utilizada. Essa substituição pode trazer consigo muitas falcatruas. Como regra geral, contratos
envolvendo itens de referência múltipla e datas de acordo distantes aumentam as

8
Empresa envolvida em escândalos no início dos anos 2000.
oportunidades das contrapartes usarem premissas ilusórias. No caso dos gêmeos, por
exemplo, as duas partes envolvidas no contrato podem usar modelos diferentes que mostram
lucros substanciais para ambas durante muitos anos. Em casos extremos, a marcação a
modelo se degrada para o que chamo de marcação a mito.

É claro que auditores internos e externos revisam os números, mas isso não é tarefa
fácil. Por exemplo, a General Re Securities no final do ano (após dez meses reduzindo o
tamanho de sua operação) tinha 14.384 contratos em circulação, envolvendo 672 contrapartes
ao redor do mundo. Cada contrato tinha um valor positivo ou negativo derivado de um ou mais
itens de referência, alguns extremamente complexos. Ao avaliar um portfólio assim, auditores
experientes poderiam fácil e honestamente ter opiniões bem divergentes.

O problema de ​valuation está longe de ser acadêmico: nos últimos anos, algumas
fraudes de grandes proporções foram facilitadas por negociações de derivativos. Nos setores
de energia e eletricidade, por exemplo, as companhias usaram derivativos e atividades de
trading para reportar grandes “ganhos” - até que as coisas azedaram quando tentaram
converter os recebíveis de derivativos que constavam em suas balanços por dinheiro. A
marcação a mercado realmente se transformou em marcação a mito.

Eu posso lhes garantir que a marcação de erros no ramo de derivativos não tem sido
simétrica. Quase invariavelmente, elas favoreceram ou o ​trader que estava mirando um bônus
multi-milionário, ou o CEO que queria reportar ganhos “impressionantes” (ou ambos). Os bônus
foram pagos, e o CEO lucrou com suas opções. Só depois é que os acionistas descobriram
que os ganhos reportados eram uma farsa.

Outro problema com derivativos é que eles podem exacerbar problemas que uma
empresa tem tido por razões sem nenhuma ligação entre si. Esse efeito de acúmulo acontece
porque muitos contratos de derivativos exigem que uma companhia que esteja passando por
um rebaixamento de crédito imediatamente forneça um caução às contrapartes. Imagine,
então, que uma companhia seja rebaixada por conta de adversidades gerais, e que seus
derivativos instantaneamente ativem suas exigências, impondo uma enorme e inesperada
demanda por caução em dinheiro à companhia. A necessidade de honrar com essa demanda
pode jogar a empresa em uma crise de liquidez que pode, em alguns casos, acionar outros
rebaixamentos. Tudo se torna uma espiral que pode levar a empresa à falência.

Os derivativos também criam um risco de efeito dominó semelhante ao risco que


algumas seguradoras ou resseguradoras correm ao dispensar boa parte de seus negócios com
outras partes. (Na Gen Re Securities, nós ainda temos US$ 6,5 bilhões de recebíveis, embora
estejamos em modo de liquidação há quase um ano.) Um participante pode ver a si próprio
como prudente, acreditando que suas grandes exposições de crédito estejam diversificadas e,
portanto, não representam perigo. Sob certas circunstâncias, porém, um evento exógeno pode
fazer com que os recebíveis da Companhia A fiquem “ruins”, o que pode afetar os recebíveis
das Companhias de B a Z. A história nos ensina que uma crise frequentemente causa
problemas que se correlacionam de maneiras que sequer eram sonhadas em tempos mais
tranquilos.

No setor bancário, o reconhecimento de um problema de efeito dominó foi uma das


razões que levou à formação do ​Federal Reserve System.​ Antes que o Fed fosse estabelecido,
a falência de bancos mais frágeis colocava, às vezes, uma demanda inesperada de liquidez em
outros bancos que até então eram fortes, levando estes à falência também. O Fed agora isola
os bancos fortes dos problemas dos frágeis. Mas não existe um banco central com a tarefa de
impedir que os dominós caiam no ramo de seguros ou derivativos. Nesses setores, empresas
que são fundamentalmente sólidas podem passar por problemas simplesmente por conta de
empresas menores. Quando existe a ameaça de uma reação em cadeia em uma indústria, vale
a pena pagar para minimizar os danos. É assim que conduzimos nossos resseguros, e é a
razão pela qual estamos saindo do ramo de derivativos.

Muitas pessoas argumentam que os derivativos reduzem os problemas sistêmicos, de


forma que os participantes do mercado que não podem correr determinados riscos podem
transferi-los para outros participantes mais fortes. Essas pessoas acreditam que os derivativos
ajudam a estabilizar a economia, facilitar as negociações e eliminar as chacoalhões de
participantes individuais. E, a um nível micro, elas têm razão. De fato, na Berkshire, eu às
vezes me envolvo em transações de derivativos de larga escala para facilitar algumas
estratégias de investimento.

Charlie e eu acreditamos, porém, que o cenário macro é perigoso e está piorando cada
vez mais. Uma grande quantidade de risco, especialmente de crédito, tem se concentrado nas
mãos de relativamente poucos ​dealers de derivativos que, além disso, negociam intensamente
entre si. Um problema com um deles poderia se espalhar para todos. Além disso, tais ​dealers
têm enormes somas a receber de contrapartes que não são ​dealers​. Algumas dessas
contrapartes, como já mencionei, estão conectadas de tal forma que elas poderiam
concomitantemente se envolver em problemas por conta de um único evento (como a implosão
da indústria de telecomunicações ou a forte queda do valor de mercado de projetos de
energia). Essa ligação entre as partes, quando subitamente revelada, pode disparar alguns
problemas sistêmicos graves.

De fato, em 1998, uma forte alavancagem e uso de derivativos de um único ​hedge fund​,
Long-Term Capital Management, fez com que o Federal Reserve apressadamente
orquestrasse um plano de resgate. Em um depoimento no Congresso mais tarde, os oficiais do
Fed reconheceram que, caso não tivessem intervindo, os ​trades em circulação do LTCM - uma
empresa até então desconhecida do grande público e que empregava apenas algumas
centenas de pessoas - poderiam se tornar uma grande ameaça à estabilidade do mercado
americano. Em outras palavras, o Fed atuou porque seus líderes ficaram com medo do que
poderia acontecer com outras instituições financeiras caso o dominó do LTCM começasse a
cair. E este caso, embora tenha paralisado muitas partes do mercado de renda fixa durante
semanas, foi longe de ser o pior cenário.
Um dos instrumentos derivativos que o LTCM usou foram os ​total-return swaps​,
contratos que facilitam uma alavancagem de 100% em vários mercados, incluindo o de ações.
Por exemplo, a Parte A de um contrato, normalmente um banco, entra com todo o dinheiro para
a compra de uma ação, enquanto que a Parte B, sem colocar capital algum, concorda em
receber, em uma data futura, qualquer ganho ou arcar com qualquer prejuízo que o banco
tenha.

Total-return swaps desse tipo transformam as exigências de margem em piada. Além


disso, outros tipos de derivativos reduzem muito a habilidade dos reguladores em refrear a
alavancagem e entender os perfis de risco de bancos, seguradoras e instituições financeiras.
De forma parecida, mesmo investidores experientes e analistas encontram grandes problemas
em analisar as condições financeiras de empresas que estejam muito envolvidas com contratos
de derivativos. Quando Charlie e eu terminamos de ler as longas notas de rodapé descrevendo
as atividades com derivativos de grandes bancos, a única coisa que entendemos é que não
entendemos quanto risco a instituição está correndo.

O gênio dos derivativos saiu da lâmpada, e esses instrumentos irão certamente


multiplicar em variedade e número até que um evento deixe claro a sua toxicidade. O
conhecimento do quão perigosos eles podem ser já está bem sedimentado nos setores de
eletricidade e gás, nos quais a erupção de grandes problemas fez com que o uso de derivativos
diminuísse drasticamente. Em outros setores, porém, o ramo de derivativos continua em franca
expansão. Até o momento, bancos centrais e governos não encontraram formas eficazes de
controlar, ou mesmo monitorar, os riscos desses tipos de contratos.

Charlie e eu acreditamos que a Berkshire deve ser uma fortaleza financeira - pelo bem
de nossos acionistas, credores, segurados e empregados. Nós buscamos estar sempre alertas
para qualquer risco de uma mega-catástrofe, e essa postura pode nos tornar excessivamente
apreensivos com as quantidades crescentes de contratos de derivativos de longo prazo que
estão sendo emitidos e pela enorme soma de recebíveis não-colaterizados9 que está sendo
gerada. Em nossa visão, porém, os derivativos são armas financeiras de destruição em massa,
carregando riscos que, embora latentes, podem ser potencialmente fatais.

Investimentos

Mostramos abaixo os nossos investimentos em ações. Aqueles com um valor de


mercado acima de US$ 500 milhões ao final de 2002 foram itemizados.

9
Um empréstimo ou acordo não-colaterizado é aquele em que o ​score ​e histórico de crédito são usados
como garantia no lugar de um caução. Para obter isso, é necessário que a parte tenha um ótimo ​score e
seja reconhecidamente confiável, uma vez que o banco ou credor irá usar a reputação da parte como
garantia de pagamento da dívida.
Nós continuamos a fazer pouca coisa com ações. Charlie e eu estamos cada vez mais
confortáveis com nossas posições nas principais empresas investidas da Berkshire, uma vez
que a maioria delas aumentou seus ganhos, mas seus ​valuations diminuíram. Mas não
estamos inclinados a aumentar nossas posições. Embora essas empresas tenham bons
prospectos, nós não acreditamos que suas ações estejam subvalorizadas.

Em nossa visão, a mesma conclusão pode ser obtida para o mercado de ações em
geral. Apesar de três anos de preços em queda, o que melhorou de forma significativa a
atratividade das ações, apenas algumas poucas conseguiram chamar um pouco de nossa
atenção. Esse fato sombrio é apenas um efeito dos ​valuations insanos que surgiram durante a
Grande Bolha. Infelizmente, a ressaca poderá se mostrar tão severa quanto a bebedeira que a
causou.

A aversão a ações que Charlie e eu temos hoje está longe de ser congênita. Nós
adoramos ter ações - se elas puderem ser compradas a preços atrativos. Em meus 61 anos
como investidor, 50 e poucos anos ofereceram as condições para tal. Haverá anos assim
novamente. A menos que vejamos uma alta probabilidade de obter retornos de pelo menos
10% antes de impostos (que se traduzem em retornos de 6,5%-7% após impostos), iremos ficar
de fora do jogo. Com dinheiro de curto prazo para oportunidades rendendo menos de 1% após
impostos, ficar sem fazer nada não tem a menor graça. Mas, ocasionalmente, ter sucesso em
investimentos requer períodos de inatividade.

No ano passado, porém, nós conseguimos fazer investimentos razoáveis em alguns


junk bonds e títulos de dívida. De maneira geral, nossa posição nesta seara sextuplicou,
alcançando US$ 8,3 bilhões ao final do ano.

Investir em ​junk bonds e em ações tem algumas semelhanças: ambas as atividades


exigem um cálculo de preço-valor e também requerem que procuremos dentre centenas de
títulos aqueles que tenham relações de risco/retorno interessantes. Mas há diferenças
importantes entre as duas áreas também. Em ações, nós temos a expectativa do investimento
dar certo por concentrar nossas fichas em negócios conservadores, com grandes vantagens
competitivas, e administrados por pessoas competentes e honestas. Se compramos essas
empresas a preços razoáveis, as chances de perdas são muito pequenas. De fato, durante os
38 anos que administramos a Berkshire, os ganhos que obtivemos com ações (isto é, excluindo
aquelas que são gerenciadas pela General Re e pela GEICO) ultrapassaram os prejuízos em
uma proporção de 100 para 1.

Ao comprar ​junk bonds​, lidamos com empresas muito mais marginais. Tais empresas
costumam estar carregadas de dívidas, e atuam em setores caracterizados por baixo retorno
sobre o capital. Além disso, a qualidade da gestão costuma ser bem questionável. Os gestores
podem até, na verdade, ter interesses que são diretamente opostos aos dos credores das
dívidas. Dessa forma, nós já temos a expectativa de ter, ocasionalmente, grandes prejuízos
com emissões ​junk​. Até o momento, no entanto, temos tido resultados razoavelmente bons
nesta modalidade.

Governança corporativa

Tanto a habilidade quanto a fidelidade dos gestores têm precisado de um


monitoramento há um certo tempo. De fato, há quase 2.000 anos, Jesus Cristo endereçou esse
tópico ao falar bem (Lucas 16:2) de um “certo homem rico” que disse a seu gestor, “Dá contas
da tua mordomia, porque já não poderás ser mais meu mordomo".

Mordomos e ser responsabilizado por seus atos entraram em declínio na última década,
se transformando em qualidades desnecessárias sob os olhos daqueles que se envolveram
com a Grande Bolha. Conforme os preços das ações foram subindo, a moralidade dos gestores
foi caindo. No fim da década de 1990, os CEOs que andavam pelo caminho dos justos não
encontravam muita companhia.

A maioria dos CEOs, vale ressaltar, são homens e mulheres que você ficaria feliz em ter
como administrador dos ativos de seus filhos ou como vizinhos de porta. Muitas dessas
pessoas, porém, se comportaram mal no trabalho nos últimos anos, exagerando certos
números e concordando com pagamentos estratosféricos para resultados medíocres. Essas
pessoas, que até então eram decentes, simplesmente seguiram o caminho de Mae West10: “Eu
era a Branca de Neve, mas me perdi no caminho".

Na teoria, as mesas diretoras deveriam ter prevenido essa deterioração de conduta. Eu


já escrevi a respeito das responsabilidades dos diretores de uma companhia na carta de 1993.
(Nós podemos lhe enviar uma cópia desta carta caso queira, ou você pode lê-la na Internet na

10
Atriz americana falecida em 1980, aos 87 anos.
seção de Governança Corporativa da carta de 1993.) Na época, eu disse que os diretores
“deveriam se comportar como se a empresa tivesse apenas um dono ausente, cujos interesses
de longo prazo eles deveriam proteger a qualquer custo”. Isso significa que o conselho deve se
livrar de um gestor(a) que seja medíocre (ou até pior), por mais simpático que ele(a) seja. O
conselho diretor deve se comportar como a bela jovem que decidiu se casar com um
multimilionário de 85 anos e respondeu o seguinte ao ser indagada se ainda o amaria caso ele
perdesse toda a sua fortuna: “Claro que sim. Eu sentiria a sua falta, mas ainda te amaria".

Na carta de 1993, eu também disse que o conselho diretor tinha uma outra tarefa: “Se
gestores competentes, mas gananciosos demais, tentarem chegar até os bolsos dos
acionistas, os diretores devem dar um bofetão em suas mãos”. Desde que eu escrevi isso,
muitos bolsos já foram alcançados, mas poucas mãos foram esbofeteadas.

Por que diretores tão inteligentes e decentes falharam tão miseravelmente? A resposta
não está em leis inadequadas - sempre esteve claro que os diretores são obrigados a
representar os interesses dos acionistas - mas sim no que chamo de “atmosfera do conselho”.

É quase impossível, por exemplo, em um conselho cheio de pessoas educadas,


perguntar se o CEO deveria ser substituído. Também é desconfortável questionar uma
proposta de aquisição feita pelo CEO, especialmente quando sua equipe e conselheiros
externos estão presentes e se mostram unanimemente a favor da decisão. (Eles não estariam
na sala caso não concordassem.) Por fim, quando o comitê de remuneração - acompanhado,
claro, de um consultor muito bem pago - decide dar uma enorme quantidade de opções para o
CEO, um diretor pedir para o comitê reconsiderar a decisão seria o mesmo que arrotar em uma
mesa de jantar.

Essas dificuldades “sociais” requer que os diretores externos passem a se encontrar


sem a presença do CEO - uma reforma que está começando a ser instituída, e a qual eu apoio
com entusiasmo. Eu duvido, no entanto, que a maioria das novas regras de governança e
recomendações irão trazer benefícios comensuráveis com os custos monetários que terão.

O que está em voga atualmente é o pedido por diretores “independentes”. É claro que é
desejável ter diretores que pensam e falam de maneira independente - mas eles também
precisam ter experiência com negócios, interesse no assunto e tomar atitudes orientadas aos
acionistas. Na carta de 1993, foram essas três qualidades que descrevi como essenciais.

Ao longo de 40 anos, eu estive no conselho de 19 companhias de capital aberto


(excluindo a Berkshire) e devo ter interagido com cerca de 250 diretores. A maior parte deles
era “independente”, como definido pelas regras atuais. Mas grande parte desses diretores não
tinha ao menos uma das qualidades que valorizo. Como resultado disso, as contribuições que
eles davam para o bem do acionista eram mínimas, quando não negativas. Essas pessoas, por
mais decentes e inteligentes que fossem, simplesmente não conheciam o suficiente do negócio
e/ou se importavam o suficiente com os acionistas para questionar aquisições sem sentido ou
compensações muito acima do normal. O meu próprio comportamento, devo informar com
pesar, frequentemente ficou aquém do esperado também: fiquei em silêncio por muitas vezes
quando a gestão fez propostas que eu julgava ser contra os interesses dos acionistas. Nesses
casos, o colegiado passava por cima de independência.

Para que possamos ver melhor os problemas com “independência”, vamos olhar para
um estudo de caso de 62 anos que cobriu milhares de empresas. Desde 1940, uma lei federal
exigia que grande parte dos diretores de companhias de investimento (a maioria fundos
mútuos) fosse independente. O requisito inicial era de 40%, e agora está em 50%. De qualquer
forma, um fundo típico tem operado há muito tempo com a maioria dos diretores sendo
independentes.

Esses diretores, e todo o conselho, na verdade, costumam ter tarefas muito superficiais,
possuindo, de fato, apenas duas responsabilidades importantes: obter o melhor gestor de
investimentos e negociar com este gestor para cobrar a menor taxa possível. Quando você
busca por ajuda em investimentos para si mesmo, esses dois objetivos são os únicos que
contam, e os diretores que atuam em nome de outros investidores deveria buscar exatamente
as mesmas prioridades. Ainda assim, quando se trata de diretores independentes buscando
cada um desses objetivos, o histórico mostra que os esforços foram patéticos.

Milhares de conselhos de empresas de investimento se reúnem todos os anos com o


trabalho vital de selecionar quem irá administrar os milhões de dólares dos acionistas que
representam. Ano após ano, os diretores do Fundo A escolhem o gestor A, os diretores do
Fundo B escolhem o gestor B, etc… em um processo acéfalo que zomba da administração.
Muito ocasionalmente, um conselho se revolta. Mas na grande maioria das vezes, há mais
chances de um macaco escrever uma peça de Shakespeare do que o diretor de um fundo
mútuo sugerir que seu fundo busque por outros gestores, mesmo com o gestor atual tendo um
histórico ruim. Quando estão lidando com seu próprio dinheiro, no entanto, os diretores buscam
por conselheiros alternativos - mas eles nunca fazem isso quando estão agindo como
fiduciários para outras pessoas.

A hipocrisia que permeia o sistema fica exposta quando uma companhia de gestão de
fundos - chamemos de “A” - é vendida por uma grande soma para um Gestor “B”. Neste
momento, os diretores passam por uma “contra-revelação” e decidem que o Gestor B é a
melhor opção possível - mesmo quando B estava disponível (e foi ignorado) em anos
anteriores. De maneira não tão coincidente assim, B também poderia ter sido contratado a uma
taxa muito menor agora que adquiriu A. Isso acontece porque B gastou uma fortuna para
adquirir A, e B precisa recuperar o dinheiro gasto por meio das taxas que os acionistas de A
pagam. (Para uma discussão maravilhosa a respeito do setor de fundos mútuos, leia o livro
Common Sense on Mutual Funds​, de John Bogle.)

Alguns anos atrás, a minha filha foi convidada para se tornar diretora de um conjunto de
fundos administrados por uma grande instituição. As taxas que ela receberia como diretora
eram substanciais ao ponto de aumentar sua receita anual em 50% (um aumento, ela lhe diria,
que seria de muito bom grado!). Legalmente, ela seria uma diretora independente. Mas o
gestor do fundo a abordou com a ideia de que ela poderia pensar de maneira independente
como conselheira? Claro que não. Eu tenho orgulho em dizer que ela mostrou ter uma
verdadeira independência ao recusar a oferta. O fundo, no entanto, não teve problema algum
para preencher a vaga (e - surpresa - o fundo não trocou seus gestores).

Os diretores de companhias de investimento também falharam em negociar taxas de


gestão (assim como muitos comitês de compensação de grandes companhias americanas
falharam em segurar as compensações de seus CEOs a níveis razoáveis). Se eu ou você
tivéssemos poder, posso garantir que poderíamos facilmente negociar uma redução material
nas taxas dos fundos com os gestores incumbidos de sua administração. E, acredite em mim,
se fizéssemos a promessa de repassar aos diretores uma parte das economias com taxas, os
céus ficariam cheios de taxas em queda. No sistema atual, porém, as reduções não significam
nada para os diretores “independentes” e tudo para os gestores. Adivinhe quem ganha?

Ter o gestor certo, é claro, é muito mais importante para um fundo do que reduzir a taxa
cobrado pelo gestor em si. Mas ambas as tarefas são de responsabilidade dos diretores. E ao
tentar acatar essas importantes responsabilidades, dezenas de milhares de diretores
“independentes”, ao longo de mais de seis décadas, falharam miseravelmente. (Eles tiveram
sucesso, no entanto, em cuidar de si próprios; as taxas que recebem por estar em vários
conselhos de uma mesma “família” de fundos ultrapassa, com frequência, os seis dígitos.)

Quando o gestor se importa muito e os diretores, não, o que se faz necessário é uma
grande força compensatória - e é isso que está em falta hoje na governança corporativa. Se
livrar de CEOs medíocres e eliminar os aproveitadores requer a ação dos acionistas - grandes
acionistas. A logística não é tão difícil: a detenção de ações tem ficado cada vez mais
concentrada nas últimas décadas, e hoje seria fácil para gestores institucionais exercer suas
vontades em situações problemáticas. Vinte, ou talvez menos, das maiores instituições,
atuando em conjunto, poderiam fazer uma reforma na governança corporativa de uma empresa
simplesmente retendo os votos para diretores que toleram um comportamento odioso. Em
minha visão, esse tipo de ação orquestrada é a única forma de melhorar a administração
corporativa.

Infelizmente, algumas grandes instituições sofrem com “teto de vidro” ao pedir por
melhor governança em outras empresas; elas iriam estremecer, por exemplo, com a ideia de
revisar seus próprios desempenhos e suas próprias taxas. Mas Jack Bogle, da Vanguard
Fame, Chris Davis, da Davis Advisors, e Bill Miller, da Legg Mason, estão se tornando líderes
em fazer os CEOs tratarem seus acionistas com respeito. Fundos de pensão, assim como
outros fiduciários, irão colher melhores retornos no futuro caso ofereçam suporte a esses
homens.
O principal teste da reforma será em relação às compensações do CEO. Os gestores
irão alegremente concordar em ter “diversidade” nos conselhos; irão se adequar a norma da
SEC e irão seguir propostas inócuas em relação aos processos. O que muitos vão reclamar, no
entanto, é a respeito de um pente fino em seus próprios recebimentos e benefícios.

Nos últimos anos, comitês de compensação têm, com frequência, seguido docilmente
as recomendações de consultores, que não costumam ser conhecidos por manter os acionistas
protegidos. (Se você não sabe de qual lado uma pessoa está, ela não está do seu.) Verdade
seja dita, a SEC exige que cada comitê explique o racional por trás dos pagamentos. Mas os
documentos costumam apenas seguir um determinado padrão, escritos pelos advogados da
companhia ou pelo departamento de relação com investidores.

Todo esse dispendioso teatro precisa acabar. Os diretores não deveriam fazer parte dos
comitês de compensação, a menos que eles próprios sejam capazes de negociar em nome dos
acionistas. Eles deveriam explicar tanto o que eles pensam a respeito dos pagamentos quanto
como eles medem o desempenho dos gestores. Como estão lidando com dinheiro dos
acionistas, eles deveriam se comportar como se o dinheiro fosse deles próprios.

Na década de 1890, Samuel Gompers11 descreveu o objetivo de uma força de trabalho


organizada como “Mais!”. Na década de 1990, os CEOs dos EUA adotaram esse mote. O
resultado foi que os CEOs acumularam enormes montantes de dinheiro, enquanto seus
acionistas passaram por desastres financeiros.

Os diretores deveriam parar com essa pirataria. Não há nada de errado em pagar bem
por um desempenho realmente excepcional. Mas por qualquer coisa a menos que isso, chegou
a hora dos diretores gritarem “Menos!”. Seria um absurdo que as compensações vistas nos
últimos anos se transformem no novo padrão para o futuro. Está na hora dos comitês de
compensação voltarem à prancheta.

************

Regras que foram propostas e quase certamente entrarão em efeito irão exigir
mudanças no conselho da Berkshire, nos obrigando a colocar diretores que atendam aos
requisitos de “independência”. Ao fazê-lo, iremos acrescentar um teste que acreditamos ter
grande relevância, mas longe de ser determinante, para estimular a independência: iremos
selecionar diretores que tenham grandes e verdadeiros interesses (isto é, ações que ele ou sua
família tenham comprado, não que tenham sido dadas pela Berkshire ou obtidas via opções)
com a esperança de que isso influencie suas ações e diminua outras considerações a respeito
de prestígio ou taxas pagas a quem está no conselho.

11
Líder sindical. O movimento “Mais!” tinha por objetivo melhorar os salários e condições de trabalho dos
associados.
Aqui chegamos em um ponto que costuma passar despercebido sobre a compensação
de diretores, que em companhias de capital aberto chegam a, talvez, US$ 50.000 por ano. Eu
fico embasbacado em perceber que muitos diretores que recebem essa quantia, que às vezes
corresponde a 20% ou mais de suas receitas, são considerados independentes, enquanto Ron
Olson12, por exemplo, que está em nosso conselho, não o é considerado porque uma pequena
porcentagem de sua enorme receita vem de taxas legais pagas pela Berkshire. Como a saga
das companhias de investimento sugere, um diretor cuja receita moderada é muito dependente
das taxas que ele recebe como diretor em si - e que espera ser convidado para outros
conselhos para receber ainda mais taxas - tem pouquíssima chance de ofender um CEO ou
seus outros colegas diretores que, em boa dose, determinam sua reputação em círculos
corporativos. Se os reguladores acreditam que um dinheiro “grande” mancha a independência
(e certamente pode acontecer), eles deixaram de olhar para um enorme grupo de possíveis
transgressores.

Na Berkshire, queremos que as taxas sejam irrisórias para nossos diretores, de forma
que pagamos apenas uma ninharia. Além disso, como não queremos proteger nossos diretores
de qualquer desastre corporativo, nós não oferecemos seguros a eles (uma heterodoxia que,
sem grandes surpresas, economizou milhões de dólares a nossos acionistas ao longo dos
anos). Basicamente, queremos que o comportamento de nossos diretores seja guiado pelo
efeito que suas decisões tenham no patrimônio de suas famílias, não por suas compensações.
É assim que Charlie e eu fazemos para nós mesmos, e acreditamos ser o comportamento
correto para os diretores da Berkshire também.

Para encontrar novos diretores, iremos buscar dentre nossos acionistas aqueles que
diretamente, ou em suas famílias, tenham grandes posições na Berkshire - na casa dos
milhões de dólares - há muito tempo. Indivíduos que passarem por esse crivo automaticamente
atenderão a dois de nossos critérios: ter interesse na Berkshire e ser orientado aos melhores
interesses dos acionistas. Em nosso terceiro critério, iremos buscar por experiência com o
negócio, algo que está longe de ser fácil de ser encontrado.

Por fim, continuaremos a ter membros da família Buffett no conselho. Eles não estão lá
para tocar a empresa depois que eu morrer, nem para receber compensações de qualquer tipo.
O propósito deles é garantir, tanto para nossos acionistas quanto para nossos gestores, que a
cultura única da Berkshire irá permanecer mesmo depois que eu for sucedido por outros CEOs.

Nenhuma alteração que ocorrer na composição do conselho da Berkshire irá mudar a


forma com que Charlie e eu administramos a companhia. Nós continuaremos a dar prioridade
para a substância em detrimento à forma, e iremos desperdiçar o mínimo tempo possível em
nossas reuniões de conselhos e com atividades superficiais. A tarefa mais importante do

12
Advogado americano que presta serviços advocatícios para a Berkshire Hathaway. Seu escritório é
mesmo que tem Charlie Munger como sócio.
conselho tem tudo para ser a seleção dos sucessores de Charlie e eu, e é nisto que o conselho
ficará focado.

O conselho que tivemos até agora foi muito orientado aos acionistas e tocado de acordo
com os princípios econômicos mostrados ​nas páginas 68-74 (que eu peço encarecidamente
que nossos novos acionistas leiam). Nosso objetivo é conseguir novos diretores que sejam
igualmente devotados e esses princípios.

Comissões de auditoria

As comissões de auditoria não conseguem auditar. Apenas um auditor externo pode


determinar se os ganhos alegados pela gestão são suspeitos. Reformas que ignorem essa
realidade e foquem apenas na estrutura e estatuto do comitê de auditoria irão conseguir
poucos resultados.

Como já discutimos, muitos gestores exageraram nos números de suas companhias


nos últimos anos usando artifícios contábeis e operacionais que são tipicamente legais, mas
que mesmo assim enganaram os investidores de forma material. Com frequência, os auditores
sabiam dessas falcatruas. E também com frequência, porém, eles se mantiveram em silêncio.
O principal trabalho de uma comissão de auditoria é fazer com que os auditores divulguem o
que sabem.

Para fazer esse trabalho, a comissão precisa se certificar que os auditores se


preocupam mais em encontrar embustes do que em ofender a gestão. Nos últimos anos, os
auditores não seguiram isso. Eles têm visto o CEO, ao invés dos acionistas ou diretores, como
seu cliente. Isso foi o resultado natural da relação de trabalho do dia-a-dia e também do
entendimento dos auditores que, não importa o que as regras digam, o CEO e o CFO são as
pessoas que pagam por seus salários e determinam se eles vão ficar no trabalho de auditoria
ou em outro setor. As regras que foram instauradas recentemente não vão mudar essa
realidade de forma material. O que realmente pode quebrar essa zona de conforto é fazer com
que as comissões de auditoria inequivocamente coloquem seus auditores sob escrutínio,
fazendo-os entender que eles serão multados severamente caso não sejam transparentes e
divulguem as informações de forma apropriada.

Na minha opinião, as comissões de auditoria podem atingir esse objetivo fazendo


quatro perguntas aos auditores e gravando as respostas para que os acionistas possam ouvir
depois. As perguntas são:

1. Se o auditor fosse o único responsável pela elaboração das declarações


financeiras da companhia, elas teriam sido elaboradas de uma maneira
diferente? Essa pergunta deve englobar diferenças materiais e imateriais. Se o
auditor fizesse algo diferente, os lados tanto do auditor quanto da gestão
deveriam ser divulgados. A comissão de auditoria tomaria, então, uma decisão.
2. Se o auditor fosse um investidor, ele teria recebido - de maneira clara e objetiva -
as informações essenciais para o entendimento do desempenho financeiro
durante o período reportado?
3. A companhia está seguindo o mesmo procedimento de auditoria interna que
seria seguido caso o auditor em si fosse o CEO? Se não, quais seriam as
diferenças e por quê?
4. O auditor está ciente de quaisquer ações - contábeis ou operacionais - que
tiveram o propósito e efeito de mover receitas ou despesas de um período para
o outro?

Se a comissão de auditoria fizer essas perguntas, sua composição - que costuma ser o
foco da maioria das reformas - tem pouca importância. Além disso, esse procedimento irá
economizar tempo e dinheiro. Quando os auditores ficam em uma saia justa, eles cumprem
com seu dever. Do contrário… bom, nós vimos o que acontece.

As perguntas que enumeramos deveriam ser feitas pelo menos uma semana antes dos
resultados de um trimestre serem divulgados ao público. Esse ​timing irá permitir que as
diferenças entre os auditores e a gestão sejam resolvidos por meio da comissão. Se o ​timing
for mais apertado - se a divulgação estiver muito próxima - a comissão pode se sentir
pressionada a aprovar os valores reportados. A pressa é inimiga da perfeição. O meu
pensamento, na verdade, é que as recentes reduções de prazos da SEC irão prejudicar a
qualidade da informação que os acionistas recebem. Charlie e eu acreditamos que essa nova
regra é um erro e deveria ser rescindida.

A principal vantagem dessas quatro perguntas é que elas podem agir como um
profilático. Quando os auditores passarem a entender que a comissão de auditoria irá exigir
que eles endossem de maneira enfática, e não apenas aquiesçam, as atitudes da gestão, eles
irão buscar cortar o mal pela raiz bem antes que números fabricados constem nos livros
contábeis da companhia. O medo de serem processados irá reforçar esse comportamento.

************

O Chicago Tribune exibiu uma série em quatro episódios sobre Arthur Andersen em
setembro último que foi excelente para mostrar como os padrões contábeis e a qualidade de
auditoria têm se desgastado nos últimos anos. Algumas décadas atrás, uma opinião auditada
de Arthur Andersen era o padrão-ouro da profissão. Dentro da empresa, um membro que fosse
de elite do Professional Standards Group (PSG) sempre insistiria em reportes honestos,
independentemente da pressão que fosse exercida sobre o cliente. Se atendo a esses
princípios, o PSG se posicionou, em 1992, a favor das ​stock options serem registradas como
uma despesas - o que, de fato, são. O posicionamento do PSG, porém, foi revertido pelos
“figurões” que eram sócios de Andersen, que sabiam o que os clientes queriam - ganhos
reportados cada vez maiores, não importa qual fosse a realidade. Muitos CEOs também se
mostraram contra colocar as ​stock options como despesas, pois sabiam que se os verdadeiros
custos (exorbitantes) viessem à luz, as ​stock options​ receberiam muitas críticas.

Pouco depois da decisão de Andersen ser revertida, o conselho independente de


padrões contábeis (FASB) votou por 7-0 a favor de colocar as opções como despesas. De
forma previsível, as grandes empresas de auditoria e um exército de CEOs correu até
Washington para colocar pressão no Senado - que outra melhor instituição para decidir a
respeito de questões contábeis? - para limitar o poder da FASB. As vozes de quem estava
protestando foram amplificadas por suas grandes contribuições de campanha, normalmente
feita com um dinheiro que pertencia exatamente aos acionistas que estavam prestes a sair
prejudicados em toda esta história. Não foi algo bonito de se ver.

Para a vergonha do Senado, ele votou 88-9 contra classificar opções como despesas.
Alguns senadores até pediram pela extinção da FASB caso ela não abandonasse suas
convicções a respeito do assunto. (Isso que é independência.) Arthur Levitt Jr., então
presidente da SEC - e normalmente um paladino dos acionistas - descreveu sua relutante
anuência às pressões do Congresso e das empresas como o ato que ele mais se arrepende
enquanto foi presidente. (Os detalhes dessa sórdida história podem ser lidos no excelente livro
de Levitt, ​Take on the Street​.)

Com o Senado em seu bolso e com a SEC de mãos atadas, as empresas americanas
sabiam agora que eram eles quem mandavam quando o assunto era contabilidade. Com isso,
uma nova era de reportes feitos de qualquer jeito - revisados e, algumas vezes, até
encorajados por grandes auditores - teve início. O comportamento licencioso que se seguiu
rapidamente se tornou uma bomba de ar para a Grande Bolha.

Após ser ameaçada pelo Senado, a FASB voltou atrás em sua proposta original e
adotou um “sistema de honra”, dizendo que era preferível declarar opções como despesas,
mas que as companhias podiam ignorar assim caso desejassem. O resultado desalentador:
das 500 empresas do S&P, 498 adotaram a abordagem que era menos desejável, o que, é
claro, as levou a reportar ganhos “maiores”. Os CEOs sedentos por compensações adoraram
isso: deixe que a FASB fique com a honra, eles tinham o sistema.

Na carta de 1992, ao discutir o comportamento egoísta de tantos CEOs, eu disse que “a


elite corporativa corre o risco de perder sua credibilidade em assuntos que tem grande
importância para a sociedade - e sobre os quais eles podem ter muito a dizer - quando passam
a advogar apenas em causa própria”.

Essa perda de credibilidade aconteceu. O trabalho dos CEOs é, agora, recuperar a


confiança da América - e pelo bem do país, é importante que eles consigam isso. Eles não
terão sucesso nessa empreitada, porém, com propagandas presunçosas, políticas de
administração sem sentido ou mudanças estruturais em conselhos e comissões. Está na hora
dos CEOs cumprirem o que prometem.

************

Três sugestões para os investidores: primeiro, tenha cuidado com empresas que
mostram ter uma contabilidade duvidosa. Se uma companhia ainda não coloca opções como
despesas, ou se suas premissas com planos de aposentadoria são extravagantes, fique alerta.
Quando uma gestão decide seguir o caminho menos virtuoso em aspectos que são visíveis, é
provável que eles sigam um caminho similar por baixo dos panos. Dificilmente há apenas uma
barata na cozinha.

Falar demais sobre EBITDA é uma prática particularmente perniciosa. Fazer isso
implica que a depreciação não é uma despesa real, dado que não tem “efeito caixa”. Isso é
besteira. Na verdade, depreciação é uma despesa pouco atraente, porque o custo que ela
representa é pago adiantado, antes que o ativo adquirido tenha entregado quaisquer benefícios
ao negócio. Imagine que, no começo do ano, uma empresa pague todos os seus funcionários
pelos próximos dez anos (da mesma forma que a empresa desembolsaria dinheiro para
comprar um ativo que fosse útil pelos próximos dez anos). Nos nove anos seguintes, a folha de
pagamento seria uma despesa sem efeito caixa - uma redução de compensação pré-paga
estabelecida neste ano. Alguém realmente argumentaria que o registro das despesas dos anos
dois ao dez seria apenas uma formalidade contábil?

Segundo, notas de rodapé ininteligíveis normalmente indicam uma gestão que não é
confiável. Se você não consegue entender uma nota de rodapé ou outras explicações da
gestão é porque o CEO não quer que você entenda. As descrições de algumas transações da
Enron ainda me deixam assustado.

Por fim, suspeite de empresas que falam demais a respeito de projeções de ganhos e
expectativas de crescimento. As companhias raramente operam em um ambiente tranquilo e
sem surpresas, e os ganhos simplesmente não avançam de forma suave (exceto, é claro, nos
livros de oferta dos bancos de investimento).

Charlie e eu não só não sabemos o quanto nossa empresa irá lucrar no ano que vem -
nós sequer sabemos o quanto ela irá lucrar no próximo trimestre. Nós sempre ficamos com o
pé atrás com CEOs que frequentemente dizem saber o que acontecerá no futuro, e ficamos
incrédulos quando eles consistentemente atingem suas metas. Gestores que sempre
prometem “fazer acontecer” irão, em algum momento, inventar números.

Doações designadas pelos acionistas


Cerca de 97,3% de todas as ações elegíveis participaram do programa de doações da
Berkshire de 2002, totalizando U$ 16,5 milhões.

Ao longo de vinte e dois anos desse programa de doações, a Berkshire fez doações de
U$ 197 milhões, seguindo sempre as indicações dos acionistas. O restante das doações da
Berkshire foram feitas por nossas subsidiárias, que mantém seus padrões filantrópicos que já
existiam antes de serem adquiridas (com a exceção de que seus antigos acionistas é que se
encarregam da responsabilidade por suas doações pessoais). No total, nossas subsidiárias
fizeram doações de U$ 24 milhões em 2002, incluindo doações de produtos no valor de U$ 4
milhões.

Para participar dos programas futuros, você deve ter ações da Classe A que estejam
registradas em seu próprio nome, não no nome de um terceiro, da corretora ou do banco.
Ações que não estiverem registradas até o dia 31 de agosto de 2003 não poderão participar do
programa de 2003. Quando você receber os formulários de doação, retorne-os prontamente a
nós para evitar que eles sejam deixados de lado ou esquecidos. Os formulários que forem
recebidos após a data limite não serão considerados.

O encontro anual

O encontro anual deste ano acontecerá no sábado, 3 de maio, novamente no Civic


Auditorium. As portas se abrirão às 7:00h, o filme terá início às 8:30h e o encontro em si
começará às 9:30h. Haverá um breve intervalo ao meio-dia para o almoço, com sanduíches
nos estandes do Civic. Exceto por esse interlúdio, Charlie e eu responderemos as perguntas
até as 15:30h. Faça sua melhor pergunta.

O material anexo a esta carta contém todas as explicações sobre como você pode obter
as credenciais necessárias para ser admitido no encontro e em outros eventos. Em relação à
reservas de carro, hotel e passagens de avião, nós novamente pedimos para a American
Express (800-799-6634) dar uma ajuda especial a vocês. Eles fazem um trabalho fantástico
todos os anos, e eu os agradeço imensamente por isso.

Como sempre, teremos ônibus saindo dos maiores hotéis para levá-los até o encontro.
Após o encontro em si, os ônibus farão viagens de volta aos hotéis, para o Nebraska Furniture
Mart, Borsheim’s e o aeroporto. Mesmo assim, talvez um carro alugado seja mais útil.

Nossa área de exibição de produtos da Berkshire estará maior e melhor este ano.
Portanto, venha preparado para gastar. Eu acho que vocês irão gostar de visitar o estande da
The Pampered Chef, onde poderão conhecer Doris e Sheila.
A GEICO terá um estande com os melhores agentes seguradores do país, todos eles
prontos para fazer orçamentos. Na maioria dos casos, a GEICO poderá lhe oferecer um
desconto especial de acionista (normalmente de 8%). Essa oferta especial é permitida em 41
das 49 jurisdições em que operamos. Traga os detalhes do seu seguro atual e verifique se
você pode economizar conosco.

No aeroporto de Omaha, no sábado, teremos uma exibição de jatos da NetJets para


que você possa dar uma olhada. Basta pedir a um representante no Civic para ver os aviões.
Se você for comprar o que consideramos ser um número adequado de produtos durante o fim
de semana, pode ser que você realmente precise de um avião para conseguir levar tudo para
casa. E se você comprar uma fração de um avião, nós podemos até dar um conjunto de três
cuecas boxers da Fruit of the Loom de brinde.

No Nebraska Furniture Mart, localizado em uma área de mais de 300 mil metros
quadrados na 72nd Street entre Dodge e Pacific, nós teremos novamente os preços especiais
da Berkshire Weekend, o que significa que daremos descontos aos nossos acionistas que,
normalmente, são restritos apenas aos funcionários. Nós demos início a esses preços
diferenciados no NFM seis anos atrás, e as vendas durante o Weekend cresceram de U$ 5,3
milhões em 1997 para U$ 14,2 milhões em 2002.

Para receber o desconto, você deverá fazer suas compras entre a quinta-feira, 1 de
maio, e segunda-feira, 5 de maio, e apresentar a sua credencial do evento. Os preços
especiais desse período irão se aplicar até a marcas famosas que normalmente têm regras
muito rígidas a respeito de descontos, mas que, no espírito do nosso encontro, irão abrir uma
exceção a vocês. Nós agradecemos por essa cooperação. O NFM fica aberto das 10:00h às
21:00h nos dias de semana e das 10:00h às 18:00h aos sábados e domingos. No sábado, das
18:00h às 22:00h, teremos um evento especial apenas para os acionistas. Eu estarei lá,
comendo cachorro-quente e tomando Coca-Cola.

Borsheim’s - a maior joalheria do país depois da loja da Tiffany em Manhattan - terá dois
eventos para os acionistas. O primeira será um coquetel de recepção das 18h às 22h na
sexta-feira, 2 de maio. O segundo, o evento de gala, acontecerá das 9h às 17h no domingo, 4
de maio. Peça para o Charlie autografar o seu cupom fiscal.

Os preços exclusivos para acionistas estarão disponíveis entre quinta-feira e segunda.


Assim, se você desejar evitar as grandes multidões que irão ocorrer na noite de sexta-feira e no
domingo, venha até a loja em outro momento e se identifique como sendo um acionista. No
sábado, estaremos abertos até as 18h. A Borsheim’s opera com uma margem bruta que é mais
de vinte pontos percentuais abaixo de seus principais concorrentes. Assim, quanto mais você
comprar, mais você irá economizar (ao menos é isso que ouço de minha esposa e filha).

No centro comercial ao lado da Borsheim’s, teremos jogadores profissionais de bridge


para jogar contra os acionistas no domingo à tarde. Bob Hamman, Sharon Osberg, Fred
Gitelman e Shieri Winestock serão os anfitriões. Patrick Wolff, bicampeão nacional de xadrez,
também estará lá para jogar contra qualquer pessoa - e de olhos vendados! No ano passado,
Patrick conseguiu jogar até seis partidas simultaneamente - com sua venda firmemente
posicionada - e, pela primeira vez, sofreu um derrota. Ele tem treinado sem parar desde então,
e planeja se tornar invicto novamente.

Além disso, Bill Robertie, um dos dois únicos jogadores a ser bicampeão no torneio
mundial de gamão, estará lá também para testar as habilidades de vocês no jogo. Por fim,
teremos uma novidade: Peter Morris, o campeão mundial de ​Scrabble em 1991 estará lá
também. Peter irá jogar contra cinco pessoas simultaneamente (mas sem estar vendado), e
também irá permitir que seus desafiantes usem um dicionário.

Também iremos testar as cordas vocais de vocês no centro comercial. Meu amigo Al
Oehrle, da Filadélfia, irá estar no piano para tocar qualquer música em qualquer tom. Susie e
eu puxaremos o coro. Ela sim é boa cantora.

Gorat’s - minha churrascaria favorita - irá abrir novamente e exclusivamente para os


acionistas no domingo, dia 5 de maio, e irá funcionar das 16h à meia-noite. Por favor,
lembre-se de que você só poderá comparecer ao Gorat’s no domingo se tiver uma reserva.
Para fazer uma, ligue para 402-551-3733 no dia 1 de abril (​mas não antes​). Se o domingo
estiver esgotado, visite o Gorat’s em uma das outras noites que você estiver na cidade. Mostre
toda a sua sofisticação ao pedir um T-Bone mal passado com batatas picadas e fritas.

Este ano não teremos o jogo de baseball. Depois que a minha bola rápida registrou uma
velocidade de 8 km/h no ano passado, decidi pendurar minhas chuteiras. Assim, no lugar disso,
verei vocês no NFM no sábado à noite.

************

No ano que vem, nosso encontro acontecerá no novo centro de convenções de Omaha.
Essa mudança de local nos permitirá fazer o evento em um sábado ou em uma segunda, o que
a maioria de vocês preferir. Por favor, vote em sua preferência no cartão de votação que
acompanha esta carta - ​mas apenas o faça se for provável que você venha até o evento no
futuro.

Nós tomaremos a decisão entre sábado/segunda seguindo a maioria dos votos dos
acionistas, não de ações detidas por eles. Isto é, um acionista que tenha uma única ação
Classe B terá o mesmo poder de voto que um acionista que tenha muitas ações da Classe A.
Se a votação for apertada, iremos escolher a preferência daqueles que moram foram da
cidade.

Novamente, apenas vote se tiver uma chance razoável de você vir a algum de nossos
encontros no futuro.
Warren E. Buffett
Presidente do conselho

21 de fevereiro de 2003.
Nota: a tabela a seguir aparece na capa da carta anual e é referenciada ao longo do texto.
Observações:
Os dados vêm dos anos-calendários, com as seguintes exceções: em 1965 e 1966, o
ano se encerrou em 30 de setembro, com 15 meses findos em 31/12.

Começando em 1979, as regras contábeis passaram a exigir que as companhias de


seguro mostrassem seus montantes aplicados em ações a valor de mercado ao invés
do mínimo entre custo de aquisição e valor de mercado, que era a regra até então. Na
tabela anterior, os resultados da Berkshire até 1978 foram refeitos para estarem de
acordo com as mudanças nas regras. Em todos os outros aspectos, os resultados foram
calculados com os números originalmente reportados.

Os números apresentados para o S&P 500 são antes de impostos, enquanto que os
números da Berkshire são após impostos. Se uma corporação como a Berkshire tivesse
simplesmente comprado o índice S&P 500 e acumulado os impostos, o resultado da
companhia teria sido pior do que o S&P nos anos em que o índice teve retornos
positivos e melhor nos anos em que o índice teve retornos negativos. Ao longo dos
anos, os custos dos impostos teriam feito o acumulado de perdas ser substancial.

Fonte original: ​https://www.berkshirehathaway.com/letters/2003.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Nosso ganho em patrimônio líquido durante 2003 foi de US$ 13,5 bilhões, o que
aumentou o valor patrimonial das nossas ações Classe A e B em 21%. Nos últimos 39 anos
(isto é, desde que assumimos o controle da companhia), o valor patrimonial por ação cresceu
de US$ 19 para US$ 50.498, ou uma taxa composta anual de 22,2%1.

No entanto, o que importa é o valor intrínseco, não o valor patrimonial. E aqui a


perspectiva é boa: entre 1964 e 2003, a Berkshire se transformou de um negócio têxtil
moribundo, cujo valor intrínseco era menor do que o valor patrimonial, em uma empresa
altamente diversificada e que vale muito mais do que seu patrimônio. Nosso ganho de 39 anos
em valor intrínseco, portanto, foi maior do que o nosso ganho de 22,2% em valor patrimonial.
(Para entender melhor o que é o valor intrínseco e os princípios econômicos que guiam Charlie
Munger, meu sócio e vice-presidente da Berkshire, e eu ao administrar a empresa, leia o
Manual do Acionista, que começa na página 69.)

1
Todos os valores mostrados nesta carta se referem às ações da Classe A da Berkshire, que são as
sucessoras do único tipo de ação que a empresa tinha em circulação até 1996. As ações B têm um valor
econômico equivalente a 1/30 da A.
Apesar de suas limitações, o cálculo do valor patrimonial é útil para a Berkshire como
uma métrica levemente subestimada para medir a taxa de crescimento de longo prazo em
nosso valor intrínseco. O cálculo, no entanto, tem se tornado cada vez menos relevante para
avaliar o desempenho de um único ano em relação ao índice S&P 500 (comparação esta que
nós mostramos na primeira página). Nossas posições em ações, incluindo ações preferenciais
conversíveis, caíram de maneira considerável como percentual de nosso patrimônio líquido, de
uma média de 114% na década de 1980, por exemplo, para uma média de 50% em 2000-03.
Dessa forma, os movimentos anormais no mercado de ações afetam, agora, uma porção muito
menor do nosso patrimônio líquido do que antigamente.

Mesmo assim, o desempenho de longo prazo da Berkshire em relação ao índice S&P


continua sendo importante. Nossos acionistas podem comprar o S&P por meio de um fundo de
índices a um custo muito baixo. A menos que consigamos ter ganhos no valor intrínseco no
futuro que sejam melhores do que o desempenho do S&P, Charlie e eu não estaremos
acrescentando nada a vocês.

Se falharmos, não teremos nenhuma desculpa. Charlie e eu trabalhamos em um


ambiente ideal. Para começo de conversa, nós temos o suporte de um grupo incrível de
homens e mulheres que tocam as nossas operações. Se houvesse uma Olimpíada
Corporativa, nossos CEOs certamente ocupariam o pódio. Qualquer problema com os
resultados da Berkshire não serão fruto de nossos gestores.

Além disso, nós desfrutamos de uma rara liberdade gerencial. A maior parte das
companhias fica amarrada com restrições institucionais. O histórico de uma companhia, por
exemplo, pode deixá-la atada a uma indústria que oferece poucas oportunidades de
crescimento. Um problema ainda mais comum é uma base acionária que pressiona a gestão a
dançar conforme a música de Wall Street. Muitos CEO resistem a isso, mas muitos outros
acabam cedendo e adotando políticas operacionais e de alocação de capital muito diferentes
daquelas que escolheriam por si próprios.

Na Berkshire, nem o histórico, nem as demandas dos acionistas impedem uma tomada
de decisão inteligente. Quando Charlie eu cometemos erros, eles são - no jargão de tênis -
erros não-forçados.

Ganhos operacionais

Quando os valuations são parecidos, nós preferimos muito mais comprar empresas
inteiras do que ações. Durante a maior parte dos nossos anos de operação, porém, as ações
se mostraram a alternativa mais barata. Nós, portanto, inclinamos a nossa alocação de capital
de forma muito contundente para o mercado acionário, conforme ilustrado pelos percentuais
citados anteriormente.
Nos últimos anos, no entanto, tem sido cada vez mais difícil encontrar ações
subavaliadas, dificuldade essa acentuada pela quantidade de cada vez maior de dinheiro que
precisamos alocar. Atualmente, o número de ações que podem ser compradas em quantidades
grandes o suficiente para mexer o ponteiro de desempenho da Berkshire é apenas uma
pequena fração do número que existia décadas atrás. (Os gestores de investimento costumam
lucrar mais com acúmulo de ativos do que com o bom gerenciamento deles. Portanto, quando
algum gestor lhe falar que uma quantidade maior de dinheiro para ser alocado não irá
prejudicar o desempenho de seus investimentos, dê um passo para trás: o nariz dele
certamente irá crescer.)

A escassez de ações a preços atrativos não nos incomoda, desde que possamos
encontrar empresas para comprar que (1) tenham fundamentos econômicos favoráveis e
duradouros; (2) sejam tocadas por gestores talentosos e honestos; e (3) estejam disponíveis
para compra a preços razoáveis. Nós compramos várias empresas assim nos últimos anos,
mas não o suficiente para alocar o montante colossal que temos de dinheiro. Ao comprar
companhias, eu cometi alguns erros terríveis, tanto de comissão quanto de omissão. De
maneira geral, porém, nossas aquisições trouxeram ganhos decentes por ação.

A tabela a seguir serve para quantificar esse argumento. Mas antes precisamos
avisá-los de que as taxas de crescimento podem ser distorcidas de maneira significativa pela
escolha do período a qual se referem. Por exemplo, se os lucros forem pequenos no ano inicial,
um desempenho de longo prazo medíocre pode parecer sensacional. Esse tipo de distorção
pode acontecer caso a empresa em questão tenha um tamanho muito reduzido em seu ano
base - o que significa que apenas alguns poucos ​insiders se beneficiaram do desempenho
divulgado - ou porque a empresa era grande, mas estava operando apenas levemente acima
do ​breakeven​. Escolher um ano final que tenha sido particularmente pujante também irá
favorecer o cálculo do crescimento no período.

A Berkshire Hathaway que assumimos o controle em 1965 já era grande há muito


tempo. Mas em 1964, a empresa lucrou apenas US$ 175.586, ou 15 centavos de dólar por
ação, tão perto do ​breakeven que qualquer cálculo de crescimento de lucros usando aquele
ano como base não faria o menor sentido. Na época, porém, até esses parcos lucros pareciam
bons: na década que seguir a fusão da Berkshire Fine Spinning Associates com a Hathaway
Manufacturing, em 1955, a operação havia tido prejuízo de US$ 10,1 milhões e mandando
vários funcionários embora. Não foi uma união muito boa.

Levando esse contexto em consideração, nós optamos por mostrar o crescimento da


Berkshire a partir de 1968, mas também incluímos anos-base espaçado em um período de
cinco anos. Uma série de cálculos são apresentados para que você mesmo decida quando
período de análise faz mais sentido. Eu comecei por 1968 porque foi o primeiro ano completo
que operamos com a National Indemnity, que foi a primeira aquisição que fizemos quando
começamos a expandir os negócios da Berkshire.
Eu não acredito que usar 2003 como o ano final distorce os nossos números. Foi um
ano maravilhoso para o nosso ramo de seguros, mas o grande salto que isso trouxe para os
ganhos foi, em boa parte, compensado pela taxa de juros pateticamente baixa que ganhamos
em cima de nossos equivalentes de caixa (algo que não irá durar por muito tempo). Todos os
ganhos mostrados a seguir, vale lembrar, ​excluem​ os ganhos de capital.

Nós vamos continuar com as práticas de alocação de capital que usamos no passado.
Se as ações ficarem significativamente mais baratas do que empresas inteiras, nós iremos
comprá-las de maneira agressiva. Se alguns títulos se tornarem atrativos, como aconteceu em
2002, nós iremos novamente comprar muito dessa classe de ativo. Sob quaisquer condições
econômicas ou de mercado, ficaremos felizes em comprar empresas inteiras que passem pelo
nosso crivo. E, dentre aquelas que passarem, quanto maior, melhor. Nosso capital está
subutilizado no momento, mas isso sempre acontece de tempos em tempos. É uma condição
dolorosa de se estar - mas não tão dolorosa quanto fazer algo estúpido. (Falo por experiência
própria.)

De maneira geral, nós temos absoluta certeza de que o desempenho da Berkshire no


futuro não chegará nem perto do desempenho que teve no passado. Mesmo assim, Charlie e
eu permanecemos esperançosos em entregar resultados que fiquem modestamente acima da
média. É para isso que somos pagos.

Aquisições

Como os leitores mais antigos já sabem, nossas aquisições normalmente acontecem de


maneira inusitada. Nenhuma delas, porém, foi mais incomum do que a nossa compra do ano
passado da Clayton Homes.

A fonte pouco provável dessa aquisição foi um grupo de estudantes de finanças da


University of Tennessee, e seu professor, Dr. Al Auxier. Nos últimos cinco anos, Al tem trazido
os seus estudantes para Omaha, onde o grupo faz uma turnê pelo Nebraska Furniture Mart e
Borsheim’s, come no Gorat’s e então vem para o Kiewit Plaza para conversar comigo. Cerca de
40 estudantes costumam participar.

Depois de mais ou menos 2 horas, o grupo tradicionalmente me dá um presente de


agradecimento. (As portas ficam trancadas até que o presente seja dado.) Nos últimos anos,
recebi de presente itens como uma bola de futebol americano autografada por Phil Fulmer e
uma bola de basquete autografada pelo famoso time feminino de Tennessee.

Neste último mês de fevereiro, o grupo optou por me dar um livro - que, para minha
sorte, era a recém-publicada autobiografia de Jim Clayton, fundador da Clayton Homes. Eu já
sabia que a empresa era a mais bem vista dentro da indústria de fabricação de casas,
conhecimento que adquiri algum tempo atrás ao cometer o erro de comprar alguns títulos de
dívida da Oakwood Homes, uma das maiores empresas do setor. Na época que fiz essa
compra, eu não sabia das práticas financeiras atrozes que haviam tomado a maior parte da
indústria de fabricação de casas. Mas eu aprendi a lição: não demorou muito para que a
Oakwood fosse à falência.

Casas pré-fabricadas, vale notar, podem entregar um grande valor aos seus
compradores. De fato, durante décadas, esta indústria foi responsável por mais de 15% das
casas construídas nos EUA. Além do mais, durante esses anos, tanto a qualidade quanto a
variedade das casas pré-fabricadas melhoraram muito.

O progresso feito nas áreas de projeto e construção não acompanhou, no entanto, o


progresso na distribuição e financiamento. Ao invés disso, conforme os anos foram passando,
o modelo de negócios da indústria passou a ficar cada vez mais centrado na habilidade dos
vendedores e fabricantes em repassar dívidas terríveis para credores inocentes. Quando a
“securitização”2 se tornou popular na década de 1990, distanciando ainda mais o tomador do
empréstimo do credor, o comportamento da indústria se tornou ainda pior. Boa parte do volume
que o setor teve alguns anos atrás veio de compras que não deveriam ter sido feitas,
financiadas por credores que não deveriam ter emprestado dinheiro. A consequência tem sido
um enorme número de reintegrações de posse e um proporção baixíssima de dinheiro
recuperado.

A Oakwood se envolveu por completo nessa insanidade. Mas a Clayton, embora não
pudesse se isolar completamente das práticas da Indústria, se comportou de uma maneira
muito melhor do que seus principais competidores.

Quando recebi o livro de Jim Clayton, eu disse aos alunos o quanto eu admirava o seu
histórico, e eles levaram essa mensagem de volta para Knoxville, cidade natal da University of
Tennessee e da Clayton Homes. Al então sugeriu que eu ligasse para Kevin Clayton, filho de

2
Conversão de uma dívida, normalmente em um empréstimo, em instrumentos financeiros que podem
ser negociados, tipicamente com o propósito de levantar dinheiro ao vendê-los a outros investidores.
Jim e CEO, para expressar os meus sentimentos de maneira direta. Conforme fui conversando
com Kevin, ficou claro que ele era muito competente e eficiente.

Pouco tempo depois, fiz uma oferta pela empresa baseado apenas no livro a respeito
de Jim, das impressões que tive de Kevin, das declarações financeiras públicas da Clayton e o
que eu tinha aprendido da experiência com a Oakwood. O conselho da Clayton foi bastante
receptivo, uma vez que eles sabiam que o grande financiamento que a Clayton precisava
poderia ser difícil de conseguir. Os credores haviam desistido quase que por completo da
indústria e da securitização, e os poucos que ficaram cobravam juros muito altos e tinham
termos muito mais restritivos do que no passado. Esse aperto era particularmente sério para a
Clayton, uma vez que suas receitas dependiam muito das securitizações.

Atualmente, a indústria de casas pré-fabricadas continua inundada de problemas. O


número de delinquências continua alto, a reintegração de posse continua abundante e o
número de revendedores caiu pela metade. Um modelo de negócios diferente se faz
necessário, um que elimine a capacidade do revendedor e do representante em embolsar uma
substancial quantidade de dinheiro ao fazer vendas financiadas por empréstimos que
certamente sofrerão calote. Tais transações trazem muitos problemas, tanto para o comprador
quanto para o credor, e levam a um aumento significativo de reintegrações que, por sua vez,
diminuem as vendas de novas unidades. Usando o modelo adequado - que deve exigir valores
grandes de entrada e empréstimos apenas de curto prazo - a indústria provavelmente se
manterá em um tamanho muito menor do que era na década de 1990. Mas tal modelo irá
entregar um ativo, de fato, aos compradores das casas, e não uma decepção.

Fechando o círculo, a Clayton concordou em comprar os ativos da Oakwood. Quando a


transação for finalizada, a capacidade de produção da Clayton, seu alcance geográfico e seus
pontos de venda aumentarão de forma substancial. Como um subproduto, a dívida que temos
da Oakwood, que compramos a um grande desconto, provavelmente nos dará um pequeno
lucro.

E os alunos? Em outubro, tivemos uma “formatura” surpresa em Knoxville para os 40


que despertaram o meu interesse na Clayton. Eu vesti um capelo e presenteei cada aluno com
um PhD (​phenomenal hard-working dealmaker3) da Berkshire e uma ação da Classe B. Al
recebeu uma ação da Classe A. Se você encontrar alguns de nossos novos acionistas do
Tennessee em nosso encontro anual, agradeça-os. E pergunte se eles andam lendo algum
bom livro ultimamente.

************

3
Algo como “negociador fenomenal e trabalhador”.
Eu consigo entender o motivo do Tesouro estar frustrado com as empresas americanas
e prestes a explodir de raiva. Mas ele deveria buscar o Congresso e o Executivo para
reparação, não a Berkshire.

Os impostos pagos pelas empresas no ano fiscal de 2003 somaram 7,4% do total de
impostos federais recebidos, uma queda do pico de 32% no pós-guerra em 1952. Com apenas
uma exceção (1983), o percentual do ano passado foi o mais baixo registrado desde que os
dados começaram a ser publicados em 1934.

Mesmo assim, alívios fiscais para empresas (e seus investidores, especialmente os


maiores) foram uma das principais iniciativas do Executivo em 2002 e 2003. Se uma guerra de
classes está acontecendo nos EUA, a minha classe claramente está vencendo. Atualmente,
muitas grandes empresas - tocadas por CEOs extremamente talentosos em dissimulação - não
chegam nem perto de pagar o imposto federal de 35% que está na lei.

Em 1985, a Berkshire pagou US$ 132 milhões em impostos federais, e as empresas


como um todo pagaram US$ 61 bilhões. Os montantes comparáveis em 1995 foram US$ 286
milhões e US$ 157 bilhões, respectivamente. E, conforme já mencionado, nós iremos pagar
cerca de US$ 3,3 bilhões em 2003, ano em que a soma de todas as empresas será de US$
132 bilhões. Nós esperamos que nossos impostos continuem a aumentar no futuro - pois
indicará que estamos prosperando - mas também esperamos que o restante das companhias
se junte a nós.

Aquisições

Para verificar se as empresas americanas estão realmente engajadas em reformar a si


próprias, o salário que o CEO recebe continua sendo o teste final. Até o momento, os
resultados não são animadores. Poucos CEOs, como Jeff Immelt, da General Electric, deram
início a programas que sejam mais justos com os gestores e os acionistas. De maneira geral,
no entanto, o exemplo de Jeff tem sido mais admirado do que seguido.

Não é difícil entender como os salários saíram de controle. Quando a gestão contrata
empregados, ou quando empresas barganham com vendedores, a intensidade de interesse é
igual em ambos os lados da mesa. O ganho de um lado é o prejuízo de outro, e o dinheiro
envolvido nisso tem um significado real para ambas as partes. O resultado é uma negociação
justa e honesta.

Mas quando CEOs (ou seus representantes) se encontram com as comissões de


compensação, com frequência um dos lados - o do CEO - se importa muito mais com o
resultado da negociação do que a outra contraparte. Um CEO, por exemplo, irá sempre ver a
diferença entre receber opções para 100.000 ações ou 500.000 como gigantesca. Para a
comissão de compensação, no entanto, essa diferença pode parecer insignificante -
especialmente se, como tem acontecido na maioria das empresas, nenhuma das duas
alternativas tem qualquer efeito nos ganhos reportados. Sob essas circunstâncias, a
negociação normalmente parece envolver dinheiro de brincadeira.

A ousadia dos CEOs aumentou muito na década de 1990 conforme os pacotes de


compensação foram ganhos pelos mais avarentos - título muito disputado - e replicados em
todo lugar. Os entregadores dessa epidemia de ganância foram os consultores e
departamentos de recursos humanos, que logo perceberam quem é que pagava por seus
salários. Como um consultor de compensação chegou a comentar: “Existem dois tipos de
clientes que você não pode ofender - os atuais e os potenciais”.

Dentre as propostas para reformar esse sistema que funciona mal, a principal bandeira
levantada tem sido a de ter diretores “ independentes” nos conselho. Mas a questão sobre o
quê realmente motiva a independência tem sido amplamente negligenciada.

Na carta do ano passado, eu avaliei como os diretores “ independentes” - seguindo a


definição do estatuto - se comportaram no ramo de fundos mútuos. O Investment Company
Act, de 1940, exige a presença de diretores independentes nos conselhos das empresas, o que
significa que tivemos, desde então, um longo período para avaliar os efeitos desta regra. Em
nossa análise do ano passado, olhamos para o histórico de diretores de fundos em relação a
duas tarefas muito importantes que os membros do conselho devem desempenhar - seja em
um fundo mútuo ou em qualquer outro negócio. Esses dois principais pontos são, primeiro,
obter (ou reter) um gestor que seja capaz e honesto, e então recompensá-lo de maneira justa.

O panorama que encontramos não foi nada encorajador. Ano após ano, em literalmente
milhares de fundos, os diretores mantiveram os mesmos gestores no cargo, por mais patéticos
que fossem seus desempenhos. E, de maneira rotineira, os diretores aprovaram taxas que, em
muitos casos, excederam em muito aquelas que poderiam ter sido negociadas. Neste contexto,
quando a gestão de uma companhia era vendida - invariavelmente a um preço muito maior em
relação aos seus ativos tangíveis - os diretores passavam por uma “contra-revelação” e
imediatamente embarcavam com a visão da nova gestão e aceitavam suas novas taxas. Com
efeito, os diretores decidiram que quem pagasse mais pela antiga gestão da companhia
deveria ser a parte que administraria o dinheiro dos acionistas no futuro.

Apesar desse comportamento dócil de diretores Independentes de fundos, nós não


concluímos que eles são pessoas ruins. Eles não são. Mas, infelizmente, a “atmosfera de
conselho” quase invariavelmente atua como um sedativo aos genes fiduciários

No dia 22 de maio de 2003 pouco depois da carta da Berkshire ser divulgada, o


presidente do Investment Company Institute falou com seus membros a respeito do “estado da
indústria”. Respondendo àqueles que “expuseram suas opiniões a respeito de nossos
aparentes erros”, ele disse, “eu me questiono como a vida seria se nós, de fato tivéssemos feito
algo de errado”.

Cuidado com aquilo que você deseja.

Depois de poucos meses, o mundo começou a descobrir que muitas empresas que
gerenciavam fundos haviam seguido políticas que prejudicavam os acionistas dos fundos que
elas administravam, aumentando as taxas que iam para os gestores. Antes dessas
transgressões, vale notar, essas companhias de gestão tinham margens de lucro e retornos
sobre o capital tangível que causavam inveja nas empresas americanas. Mesmo assim, para
inflar ainda mais os lucros, eles pisotearam os interesses dos acionistas dos fundos de uma
maneira inacreditável.

E o que os diretores desses fundos estão fazendo agora? Enquanto escrevo isto, não vi
nenhum deles rescindir seus contratos com nenhuma empresa (muito embora algumas delas
tenho demitido alguns de seus funcionários). Você consegue imaginar diretores que foram
pessoalmente enganados tomando esse tipo de atitude?

Para finalizar, pelo menos uma empresa patife dessas se colocou à venda,
indubitavelmente esperando receber uma grande soma de dinheiro por “entregar” os fundos
mútuos que administravam para a maior pagador. Isto é uma farsa. Por que raios os diretores
desses fundos simplesmente não selecionam quem eles acham mais competente dentre os
ofertantes e negociam com ele diretamente? Desta forma, o vencedor pode ser poupado de um
enorme ​payoff ​a ser pago para o antigo gestor que, tendo deturpado os bons princípios de
administração, não merece sequer um centavo. Ao não ter de lidar com esse custo de
aquisição, o vencedor certamente conseguiria administrar os fundos em questão a uma taxa
muito menor do que a que estivesse em vigor até então. Qualquer diretor verdadeiramente
independente deveria insistir nessa abordagem ao contratar um novo gestor.

A realidade é que nem as regras que já existem há décadas regulando os diretores de


companhias de investimento, nem as novas regras que irão se aplicar às empresas americanas
incentivam a eleição de diretores que sejam verdadeiramente independentes. Em ambas as
instâncias, um indivíduo que recebe 100% de sua receita com taxas de diretoria - e que pode
desejar expandir ainda mais a sua receita por meio da eleição para outros conselhos - é
considerado independente. Isso não faz sentido. As mesmas regras que dizem que o diretor da
Berkshire e advogado, Ron Olson, que recebe um pagamento de nós correspondente a, talvez,
3% da sua enorme receita, não se qualifica como um diretor independente porque esses 3%
vem de taxas advocatícias que a Berkshire paga ao seu escritório, e não taxas que ele recebe
como diretor da Berkshire. Esteja certo que 3% de qualquer fonte que seja não iria acabar com
a independência de Ron. Mas receber 20%, 30% ou 50% de sua receita de taxas de diretoria
pode muito bem atrapalhar a independência de muitas pessoas, especialmente se suas
receitas não forem muito grandes. Na verdade, penso que está claro que isso acontece nos
fundos mútuos.
***********

Deixe-me fazer uma pequena sugestão aos diretores “independentes” de fundos


mútuos. Por que não simplesmente dizer em cada reporte anual que “(1) Nós olhamos para
outras empresas de gestão e acreditamos que aquela que escolhemos para o próximo ano está
entre as melhores do setor; e (2) nós negociamos uma taxa com nossos gestores que é
comparável ao que outros clientes com montantes equivalentes a serem geridos negociariam.”

Não parece nada absurdo esperar que os diretores dos fundos - que costumam receber
taxas que ultrapassam o montante de US$ 100.000 por ano - levantem esses pontos. Com
certeza esses diretores iriam cumprir os dois itens anteriores se eles colocassem uma grande
parte de seu próprio dinheiro no fundo. Se os diretores não estão dispostos a fazer essas duas
declarações, os acionistas deveriam se lembrar da velha máxima “Se você não sabe de qual
lado alguém está, provavelmente não está do seu”.

Por fim, uma observação. Uma grande quantidade de fundos têm sido bem
administrados, apesar das oportunidades de malfeitorias que existem na indústria. Os
acionistas desses fundos em particular se beneficiaram com isso, e os gestores receberam um
pagamento justo. De fato, se eu fosse diretor em alguns fundos, incluindo alguns que cobram
taxas acima da média, eu ficaria feliz em fazer as duas declarações que mencionei. Além disso,
os fundos de índice que possuem um custo muito baixo (como o Vanguard) são, por definição,
amigáveis aos investidores e se mostram a melhor opção para aqueles que desejam ter ações.

Eu estou expondo minha opinião de maneira contundente agora apenas por que as
flagrantes irregularidades que aconteceram traíram a confiança de milhões de acionistas.
Centenas de pessoas que trabalhavam na indústria certamente sabiam o que estava
acontecendo, e mesmo assim ninguém veio a público. Foi necessário que Eliot Spitzer4, e os
delatores que o ajudaram, contassem o que sabiam para passar as coisas a limpo. Mas
pedimos que os diretores de fundos continuem fazendo esse trabalho. Assim como diretores
que trabalham em várias empresas americanas, esses fiduciários devem, agora, decidir se
seus empregos consistem em trabalhar para os acionistas ou para os gestores.

Governança da Berkshire

A verdadeira independência - o que significa ter disposição em desafiar um CEO


quando algo está errado - é uma virtude extremamente importante em um diretor. Também é
algo muito raro. O local para procurar por isso é entre pessoas cujos interesses estejam em
linha com os acionistas - em linha de verdade.

4
Procurador-geral de Nova York na época.
Nós fizemos essa busca na Berkshire. Nós temos agora 11 diretores, e cada um deles,
junto dos membros de suas famílias, possuem mais de US$ 4 milhões em ações da Berkshire.
Além disso, todos eles já tinham posições na empresa há muito tempo. No caso de 6 dentre os
11 diretores, a participação da família soma, pelo menos, centenas de milhões de dólares e
data de três décadas atrás. Todos os diretores compraram suas participações no mercado, da
mesma forma que vocês; nós nunca emitimos opções ou ações restritas. Charlie e eu
adoramos esse tipo de participação transparente. Afinal de contas, quem manda lavar um carro
alugado?

Além disso, as taxas pagas aos diretores da Berkshire são nominais (como meu filho,
Howard, sempre me lembra). Dessa forma, o crescimento da Berkshire para esses 11 diretores
é proporcionalmente igual ao crescimento obtido por qualquer acionista. E sempre será assim.

As desvantagens dos diretores da Berkshire são, na verdade, maiores que os seus,


porque nós não oferecemos nenhum tipo de seguro a eles. Dessa forma, se algo realmente
catastrófico acontecer durante a gestão deles, eles estarão expostos a prejuízos muito maiores
do que os seus.

Resumindo: se vocês ganham, eles também ganham muito; se vocês perdem, eles
perdem ainda mais. A nossa abordagem pode ser chamada de capitalismo verdadeiro. Nós
desconhecemos uma forma melhor de obter uma verdadeira Independência. (Essa estrutura
não garante um comportamento perfeito: eu já participei de conselhos de companhias nas
quais a Berkshire tinha grandes posições e fiquei em silêncio quando propostas questionáveis
foram aprovadas.)

Além de serem independentes, os diretores devem conhecer bem o negócio, serem


orientados aos acionistas e possuir interesse genuíno na empresa. A qualidade mais rara
dentre essas três é o conhecimento do negócio - e se isso estiver em falta, as outras duas
qualidades pouco ajudam. Muitas pessoas que são inteligentes, articuladas e admiradas não
possuem um bom entendimento dos negócios. E não há nada de errado com isso; eles podem
brilhar em outros campos. Mas eles não devem participar de conselhos diretores. De maneira
similar, eu seria inútil em conselhos médicos ou científicos (embora eu provavelmente fosse
bem acolhido por um presidente que quisesse tocar as coisas da sua própria maneira). Meu
nome iria enfeitar a lista de diretores, mas eu não teria conhecimento suficiente para criticar e
avaliar as propostas feitas. Além disso, para esconder a minha ignorância, eu iria ficar de boca
fechada (consegue imaginar isso?). Para ser sincero, eu poderia ser substituído, sem perda
alguma, por um vaso de planta.

No ano passado, conforme fizemos alterações em nosso conselho, eu pedi que os


acionistas da Berkshire que acreditavam ter as qualidades necessárias para ser um diretor se
candidatassem. Mesmo com a falta de qualquer tipo de seguro e um alto salário, nós
recebemos mais de 20 currículos. A maior parte foi boa, vindos de indivíduos orientados ao
interesse dos acionistas e que possuíam participações na Berkshire bem acima de US$ 1
milhão. Depois de analisá-los, Charlie e eu - junto de nossos diretores incumbentes - pedimos
para que quatro acionistas que não haviam nos contactado se juntassem ao conselho: David
Gottesman, Charlotte Guyman, Don Keough e Tom Murphy. Essas quatro pessoas são amigas
minhas e eu conheço bem seus pontos fortes. Elas trarão uma quantidade extraordinária de
talento para negócios ao conselho da Berkshire.

O principal trabalho de nossos diretores é escolher o meu sucessor, seja depois da


minha morte ou de algum acidente, ou quando eu começar a ficar caquético. (David Ogilvy
acertou quando disse: “Desenvolva suas excentricidades quando jovem. Dessa forma, quando
você ficar velho, as pessoas não vão achar que você está ficando senil.” A família de Charlie e
a minha acham que nós levamos o conselho de David muito a sério.)

Em nossas reuniões de diretores, nós cobrimos os assuntos usuais que envolvem uma
empresa. Mas a verdadeira discussão - estando eu na sala ou não - diz respeito os pontos
fortes e fracos dos quatro candidatos internos que podem me substituir.

Nosso conselho sabe que o seu próprio desempenho será determinado pelo histórico
do meu sucessor. Ele ou ela precisará manter a cultura da Berkshire, alocar capital e continuar
deixando feliz o melhor grupo de gestores do país. Esse não é o trabalho mais difícil do mundo
- o trem já está andando e já fez uma boa parte da viagem - e eu me sinto completamente
confortável que a tarefa será muito bem feita por qualquer um dos quatro candidatos que
identificamos. Eu tenho mais de 99% do meu patrimônio alocado na Berkshire, e ficarei feliz em
deixar minha esposa ou fundação (a depender da ordem em que ela e eu morrermos) continuar
com esse nível de concentração.

Resultados setoriais

Como gestores, Charlie e eu Queremos dar aos nossos acionistas as informações


financeiras e comentários que gostaríamos de receber caso nossos papéis estivessem
invertidos. fazer isso com clareza e previda disse torna cada vez mais difícil conforme o escopo
da Berkshire aumenta. alguns de nossos negócios possuem características econômicas muito
distintas o que faz os nossos resultados consolidados, com uma pletora de números, quase
impossíveis de serem analisados.

nas páginas seguintes, portanto, nós iremos apresentar os resultados financeiros das
nossas quatro principais categorias de negócio junto de comentários a respeito de cada um
Nossa particularmente queremos que você entenda as circunstâncias limitadas nas quais
iremos recorrer a dívida, uma vez que tipicamente nós não usamos essa ferramenta. Mas não
iremos e mandá-los, porém, com informações que não tenham r$ 1 significado para calcular o
valor intrínseco da Berkshire. fazer isso certamente iria ofuscar os fatos mais importantes. um
aviso: quando analisar a Berkshire, lembre-se sempre que a empresa deve ser encarada como
um filme, e não uma fotografia. aqueles que a pena no passado tem altas chances de chegar
nas conclusões erradas.

Seguros

Vamos começar pelo setor de seguros - uma vez que aí que está o dinheiro.

A fonte de fundos que desfrutamos em nossas operações de seguro vem do ​float​, que é
um dinheiro que não pertence a nós, mas que fica conosco durante algum tempo. A maior parte
do ​float ​surge porque (1) os prêmios são pagos antecipadamente, embora o serviço que
prestamos - proteção com seguros - abranja um período de normalmente um ano; e (2) os
prejuízos que ocorrem hoje nem sempre resultam em indenizações imediatas, uma vez que
pode levar anos para que os prejuízos sejam reportados (como foi o caso do amianto),
negociados e acordados.

O ​float é maravilhoso - caso ele não venha com preço muito alto. O custo do ​float ​é
determinado pelos resultados de subscrição, que é como as despesas e prejuízos se
comparam com os prêmios que recebemos. A indústria de seguros de bens e acidentes como
um todo costuma operar com um prejuízo de subscrição e, portanto, frequentemente tem um
custo de ​float​ não é nada atrativo.

De maneira geral, nossos resultados têm sido bons. Verdade seja dita, nós tivemos 5
anos terríveis em que o ​float nos custou mais de 10%. Mas em 18 dos 37 anos que a Berkshire
tem participado do ramo de seguros, nós operamos com os lucros subscrição. Isso significa
que fomos pagos para segurar o dinheiro. E a quantidade desse dinheiro barato cresceu muito
mais do que eu jamais sonhei quando entramos no ramo em 1967.
O ano passado foi maravilhoso. O ​float que recebemos atingiu níveis recordes e veio
sem nenhum custo, uma vez que todos os grandes segmentos contribuíram para o lucro de
subscrição de US$ 1,7 bilhão antes de impostos que a Berkshire teve.

Nossos resultados têm sido excepcionais por uma única razão: nós temos gestores
verdadeiramente excepcionais. Nossas seguradoras simplesmente vendem um pedaço de
papel que contém uma promessa de proteção. Qualquer um pode copiar o produto do outro.
Nenhuma base bem estabelecida, patentes, patrimônio ou recursos naturais protegem uma
posição competitiva de uma seguradora e, com frequência, as marcas não são diferenciais
relevantes para a escolha de qual seguro comprar.

As variáveis mais importantes, portanto, são a inteligência da gestão, disciplina e


integridade. Nossos gestores têm todos esses atributos em abundância. Vamos olhar cada um
deles e suas operações.

● A General Re tem sido o filho problemático da Berkshire desde nossa aquisição


em 1998. Infelizmente, era um filho de 200 quilos, de forma que seu impacto
negativo em nosso desempenho geral foi enorme.

Isso ficou no passado: a Gen Re está de volta no jogo. Agradeça a Joe Brandon,
CEO da empresa, e seu sócio, Tad Montross, por isso. Quando eu escrevi a
carta do ano passado, eu acreditava que a disciplina havia sido restaurada na
empresa, tanto na subscrição quanto no provisionamento. Os eventos durante
2003 solidificaram essa minha visão.

Isso não significa que nunca teremos problemas. o ramo de resseguros é um


negócio que certamente trará prejuízos de tempos em tempos. Porém, com Joe
e Tad, essa operação vai ser um componente importante na lucratividade futura
da Berkshire.

A força financeira da Gen Re, sem igual entre as outras resseguradoras,


aumentou ainda mais durante o ano. Muitos competidores da empresa sofreram
rebaixamentos de crédito no ano passado, deixando a Gen Re, e sua irmã de
operação National Indemnity, como as únicas companhias avaliadas como AAA-
dentre as principais resseguradoras do mundo.

Quando uma seguradora compra um resseguro, ela compra nada mais do que
uma promessa - cuja validade pode levar décadas para ser testada - e não
existem promessas no mundo de resseguros que sejam iguais àquelas
oferecidas pela Gen Re e pelo National Indemnity. Além do mais, diferente da
maioria das seguradoras, nós retemos virtualmente todos os riscos que
assumimos. Dessa forma, a nossa habilidade de pagar não depende da
habilidade ou vontade de outras empresas em nos reembolsar. Essa força
financeira independente pode ser muito importante quando a indústria passa por
mega-catástrofes, que com certeza sempre irão ocorrer.

● Os leitores mais antigos das nossas cartas sabem das incríveis contribuições de
Ajit Jain para a prosperidade da Berkshire nos últimos 18 anos. A história não foi
diferente em 2003. Com uma equipe de apenas 23 pessoas, Ajit comanda uma
das maiores operações de resseguros do mundo, especializada em riscos
gigantescos e bastante incomuns.

Com frequência, isso envolve assumir riscos de catástrofes - por exemplo, a


ameaça de um grande terremoto na Califórnia - muito maiores do que qualquer
outra recicladora aceitaria. Isso significa que os resultados de Ajit (e da
Berkshire) serão voláteis. Não fique surpreso, portanto, quando a operação que
ele toca tenha um ano horrível ocasionalmente. Com o tempo, porém, você pode
estar certo que os resultados vindos desse gestor sem igual serão magníficos.

● Ajit subscreve algumas apólices bem incomuns. No ano passado, por exemplo, a
PepsiCo promoveu um concurso que ofereceu aos participantes a chance de
ganhar um prêmio de US$ 1 bilhão. De maneira compreensível, a Pepsi queria
se livrar desse risco, e nós fomos a opção lógica para assumi-lo. Sendo assim,
nós subscrevemos uma apólice de US$ 1 bilhão, retendo todo o risco conosco.
Como o prêmio, caso fosse entregue, podia ser pago ao longo de um
determinado período de tempo, a nossa exposição em termos de valor presente
era de US$ 250 milhões. (Eu até cheguei a sugerir que o vencedor recebesse
US$ 1 por ano durante um bilhão de anos, mas essa proposta não foi para
frente.) O concurso aconteceu no dia 14 de setembro. Ajit e eu prendemos
nossa respiração, assim como o finalista do concurso, mas nós saímos mais
felizes do que ele. A PepsiCo renovou o contrato para um concurso a ser
realizado novamente em 2004.

● A GEICO era uma boa seguradora quando Tony Nicely assumiu como CEO em
1992. Agora é uma ótima seguradora. Durante sua gestão, o volume de prêmios
aumentou de US$ 2,2 bilhões para US$ 8,1 bilhões, e a nossa participação no
mercado de seguros de carro cresceu de 2,1% para 5%. E o mais importante, a
GEICO obteve esses ganhos junto de um desempenho fantástico em
subscrição.
(Pausa para um comercial)

Faz 67 anos que Leo Goodwin teve uma excelente ideia de negócio ao criar a
GEICO, pensada para economizar bastante dinheiro para os seus segurados.
Visite GEICO.com ou ligue para 1-800- 847-7536 e veja o que podemos fazer
por você.
(Fim do comercial)

Em 2003, o número de contratos fechados na GEICO aumentou


significativamente. Como resultado, a nossa quantidade de segurados
preferenciais aumentou 8,2%, e nossas apólices padrão e não-padrão
cresceram 21,4%.

O crescimento da GEICO cria uma demanda sem fim por mais empregados e
locações. Nossa mais recente expansão, anunciada em dezembro, é um centro
de atendimento aos clientes em - fico muito feliz em dizer- Buffalo. Stan Lipsey,
que publica o Buffalo News, teve um papel fundamental em unir a cidade e a
GEICO.

Quem teve o papel principal, porém, foi o governador George Pataki. Sua
liderança e tenacidade foram a razão pela qual a cidade de Buffalo vai ter 2.500
novos empregos quando nossa expansão for finalizada. Stan, Tony e eu - e
Buffalo - o agradecemos pela ajuda.

As seguradoras menores da Berkshire tiveram um ano fantástico. Este grupo de


empresas, lideradas por Rod Eldred, John Kizer, Tom Nerney, Don Towle e Don
Wurster, aumentou o seu ​float em 41% e entregou resultados de subscrição
excelentes. Esses homens, embora trabalhem em um setor nada empolgante,
produzem resultados verdadeiramente animadores.

************
Vale a pena mencionar novamente que em um ano qualquer, uma empresa que
subscreve contratos de cauda longa (coberturas relacionadas à indenizações acordadas muitos
anos após o sinistro ter ocorrido) pode reportar praticamente qualquer resultado que o CEO
quiser. Com frequência a indústria tem reportado números absurdamente fora da realidade por
distorcer os seus reais passivos. A maior parte destes erros foi honesta. Algumas vezes,
porém, eles foram intencionais e com o intuito de confundir investidores e reguladores.
Auditores e atuários não têm conseguido repelir esse tipo de comportamento.

Eu também falhei algumas vezes, especialmente ao não identificar a falha inconsciente


no provisionamento da Gen Re há alguns anos. Isso não implicou apenas em reportar números
errados a vocês, como também no pagamento antecipado de impostos que poderiam ter sido
diferidos. Aaarrrggghh. Eu disso no ano passado, no entanto, que eu acreditava que o nosso
atual nível de provisionamento estava correto. Até o momento, este julgamento tem se
mostrado acertado.

Eis os ganhos de subscrição da Berkshire antes de impostos por segmento:

* Esses contratos foram explicados ​na página 10​ da carta de 2002, que está disponível na
Internet em ​www.berkshirehathaway.com​. Em resumo, este segmento consiste de algumas
apólices bem grandes que provavelmente produzirão prejuízos de subscrição (mas que
possuem um limite), mas irão produzir quantidades gigantescas de ​float​.

Setor de serviços regulamentados

Por meio da MidAmerican Energy, nós temos uma participação de 80,5%


(completamente diluída) em uma grande gama de serviços. Os maiores são (1) Yorkshire
Electricity e Northern Electric, cujos 3,7 milhões de clientes a tornam a terceira maior
distribuidora de eletricidade no Reino Unido; (2) MidAmerican Energy, que atende 689.000
clientes em Iowa; e (3) gasodutos da Kern River e Northern Natural, que transportam 7,8% de
todo o gás natural dos Estados Unidos.

A Berkshire tem três sócios, que detém os outros 19,5%: Dave Sokol e Greg Abel, os
brilhantes gestores do negócio, e Walter Scott, um amigo de longa data meu que me
apresentou para empresa. Como a MidAmerican está sujeita ao Public Utility Holding Company
Act (“PUHCA”), a participação votante da Berkshire é limitada a 9,9%. Walter é quem tem o
voto controlador.
A nossa participação limitada de votos nos força a contabilizar as declarações
financeiras da MidAmerican de uma maneira resumida. Ao invés de incluir seus ativos,
passivos, receitas e despesas em nossas declarações, nós registramos apenas uma linha no
balanço patrimonial e nas receitas. É provável que algum dia, talvez em breve, a PUHCA seja
revogada ou as regras contábeis mudem. Se isso ocorrer, os números consolidados da
Berkshire irão então contabilizar toda a MidAmerican, incluindo uma quantidade substancial de
dívida que ela utiliza.

O tamanho dessa dívida (que não é, e nunca será a, uma obrigação da Berkshire) é
adequado. As operações diversificadas e estáveis da MidAmerican garantem que, mesmo
sobre condições econômicas difíceis, os lucros combinados serão grandes o suficiente para
acomodar de maneira muito confortável a dívida que a empresa possui.

No fim do ano, US$ 1,578 bilhão da dívida de curto prazo da MidAmerican tinha a
Berkshire como credora. Essa dívida permitiu que aquisições fossem feitas sem que os nossos
outros três sócios precisassem aumentar seus investimentos já substanciais na MidAmerican.
Cobrando 11% de juros, a Berkshire vai ser recompensada de maneira justa por fornecer os
fundos necessários para as aquisições, enquanto nossos sócios não terão suas participações
diluídas.

A MidAmerican possui ainda um grande negócio fora da linha de serviços, a Home


Services of America, segunda maior imobiliária do país. Diferente de nossas operações de
serviços, esse negócio é altamente cíclico, mas mesmo assim animador. Nós temos um gestor
incrível, Ron Peltier, que, por meio de aquisições e habilidades operacionais, está construindo
uma imobiliária que mais parece uma fortaleza.

No ano passado, a Home Services participou de US$ 48,6 bilhões em transações, um


ganho de US$ 11,7 bilhões em relação a 2002. Cerca de 23% desse aumento veio de quatro
aquisições que fizemos durante o ano. Por meio de nossas 16 firmas - todas elas mantêm suas
identidades locais - nós empregamos 16.343 corretores em 16 estados. A Home Services
certamente irá crescer de maneira substancial na próxima década, conforme nós continuemos
a adquirir operações líderes em suas praças.

************

Eis uma pequena curiosidade para aqueles que são fãs do livre mercado. No dia 31 de
março e 1990, dia em que os serviços de eletricidade foram desnacionalizados no Reino Unido,
a Northern e a Yorkshire tinha 6.800 empregados em funções que essas duas empresas
continuam executando até hoje. Agora elas empregam 2.539. Mesmo assim, as duas
companhias atendem o mesmo número de clientes de quando eram detidas pelo governo e
estão distribuindo mais energia.
Vale notar que esse não é um trunfo da desregulamentação. Os preços e os lucros
continuam sendo regulados de uma maneira justa pelo governo, que é como deve ser. É uma
vitória, porém, para aqueles que acreditam que gestores incentivados pelo lucro, embora
reconheçam que boa parte dos benefícios retornem diretamente para os clientes, sempre irão
encontrar maneiras mais eficientes de tocar a empresa de uma forma que o Estado jamais
conseguirá fazer.

Eis os principais números da operações da MidAmerican:

* Inclui juros pagos à Berkshire (liquidos de impostos) de US$ 118 em 2003 e US$ 75 em 2002.

Produtos financeiros

Este setor inclui um grande número de atividades. Eis alguns comentários sobre as
mais importantes.

● Eu gerencio algumas estratégias oportunas em títulos prefixados AAA que se


mostraram muito lucrativas nos últimos anos. As oportunidades vêm e vão - e,
no momento, elas estão escassas. Nós aceleramos a despedida delas no ano
passado, realizando 24% de ganho de capital, que mostramos na tabela a
seguir.

Embora longe de infalíveis, essas transações não envolvem risco de crédito e


são conduzidas em títulos excepcionalmente líquidos. Nós, portanto,
financiamos essas posições quase inteiramente com dinheiro emprestado.
Conforme os ativos vão sendo reduzidos, nós também reduzimos os
empréstimos. O portfólio menor que nós temos agora significa que, no futuro
próximo, os nossos ganhos nessa categoria de investimentos irá cair de maneira
significativa. Foi divertido enquanto durou. Em algum momento, teremos a
oportunidade de investir novamente nessas estratégias.

● Uma operação muito menos prazerosa que também estamos nos desfazendo é
a Gen Re Securities, que consiste na negociação de derivativos que herdamos
quando compramos a General Reinsurance.

Quando começamos a liquidar a Gen Re Securities no início de 2002, ela tinha


23.280 contratos em circulação com 884 contrapartes (algumas com nomes que
eu sequer conseguia pronunciar, muito menos avaliar o seu risco de crédito).
Desde então, os gestores da unidade têm sido hábeis e diligentes em desmontar
as posições. Mesmo assim, no final deste ano - quase 2 anos depois - nós ainda
tínhamos 7.580 contratos em circulação com 453 contrapartes. (Como diz
aquela música de country, “​How can I miss you if you won’t go away?”5)

A redução desse negócio tem sido cara. Nós tivemos prejuízos, antes de
impostos, de US$ 173 milhões em 2002 e US$ 99 milhões em 2003. Esses
prejuízos, vale lembrar, vieram de um portfólio de contratos que - seguindo à
risca o GAAP6 - havia sido marcado a mercado, com empréstimos padrão para
futuros prejuízos de crédito e custos administrativos. Além disso, a nossa
liquidação aconteceu tanto em um mercado benigno - onde não tivemos
prejuízos de crédito significativos - quanto de uma maneira ordenada. Esse é o
oposto do que poderíamos esperar caso uma crise financeira forçasse os
negociadores de derivativos a encerrar as operações de maneira simultânea.

Se nossa experiência com derivativos - e as falcatruas enormes da Freddie Mac


que foram reveladas no ano passado - faz você ficar com um pé atrás a respeito
da contabilidade desse ramo, você já pode se considerar mais sábio. Não
importa o quão financeiramente sofisticado você seja, você simplesmente não
conseguirá aprender nada ao ler os documentos de empresas que usam
derivativos de forma intensa, muito menos entender os riscos de suas posições.
De fato, quanto mais você aprende sobre derivativos, menos você sente que
poderá aprender com os documentos que costumam ser oferecidos pelas
empresas a respeito dessas operações. Usando as palavras de Darwin, “A
ignorância frequentemente gera mais confiança do que o conhecimento.”

************
E agora é hora da confissão: eu poderia ter economizado para vocês mais de
US$ 100 milhões caso eu tivesse agido de forma mais enérgica para encerrar as
atividades da Gen Re Securities. Charlie e eu sabíamos que o ramo de

5
“Como posso sentir saudade se você não vai embora?”
6
Generally Accepted Accounting Principles (ou Termos Contábeis Normalmente Aceitos). Conjunto de
regras contábeis para a apresentação e padronização dos resultados das empresas.
derivativos da General Reinsurance não era nada atrativo quando fizemos a
fusão com a empresa. Os lucros reportados nos pareciam ilusórios, e nós
sentíamos que o negócio carregava riscos muito grandes que não podiam ser
medidos de maneira eficiente. Além disso, nós sabíamos que quaisquer grandes
problemas que a operação passasse teriam, provavelmente, correlação com
problemas no mundo financeiro ou de seguros que iria afetar a Berkshire de
alguma outra forma. Em outras palavras, se o ramo de derivativos precisasse de
apoio, ele iria exigir capital e crédito da Berkshire justo no momento em que nós
poderíamos utilizar esses recursos de maneira muito mais vantajosa. (Um pouco
de história: nós passamos por uma experiência assim em 1974, quando fomos
vítimas de uma grande fraude em seguros. Durante algum tempo, nós não
conseguíamos determinar o quanto essa fraude iria nos custar e, portanto,
mantivemos mais fundos em nossos equivalentes de caixa do que normalmente
fazemos. Se não tivéssemos essa preocupação, teríamos feito compras muito
maiores de ações que, na época, estavam extraordinariamente baratas.)

Charlie teria agido de forma muito mais contundente para encerrar as atividades
da Gen Re Securities - não há a menor dúvida sobre isso. Eu, por outro lado,
hesitei. Como consequência, nossos acionistas estão pagando um preço muito
mais alto do que o necessário para sair do negócio.

● Embora os ramos de resseguros de vida e saúde da Gen Re sejam listados na


parte de “seguros”, nós mostramos os resultados de Ajit Jain para vida e pensão
vitalícia nesta seção. Isso ocorre porque esse negócio, em boa parte, envolve a
arbitragem de dinheiro. As nossas pensões variam de negócios vendidos
diretamente na internet a acordos estruturados que exigem que façamos
pagamentos por 70 anos ou mais a pessoas que sofreram graves acidentes.

Nós acabamos realizando uma receita extra no negócio por conta de


pagamentos acelerados do principal que recebemos de alguns títulos prefixados
que havíamos comprado com desconto. Esse fenômeno chegou ao fim, e as
receitas provavelmente serão menores neste segmento durante os próximos
anos.

● Nós temos um investimento de US$ 604 milhões na Value Capital, uma


sociedade tocada por Mark Byrne, que é um membro da família que tem ajudado
a Berkshire de muitas formas ao longo dos anos. A Berkshire possui um controle
muito limitado na Value e não tem nenhum dizer sobre a gestão de Mark, que é
especializado em oportunidades prefixadas com grande hedge. Mark é
inteligente e honesto e, junto de sua família, tem um grande investimento na
Value.
Por conta dos abusos contábeis na Enron e em vários outros lugares, regras em
breve serão instituídas de forma a fazer com que os ativos e passivos da Value
sejam consolidados no balanço da Berkshire. Nós consideramos esse requisito
como inapropriado, uma vez que o passivo da Value - que costuma ser maior do
que US$ 20 bilhões - não nos pertence de forma alguma. Ao longo do tempo,
outros investidores irão se juntar a Value. Quando um número suficiente o fizer,
a necessidade de consolidar os valores da empresa irá desaparecer.

● Nós já contamos em cartas passadas a vocês a respeito da Berkadia, a


sociedade que formamos três anos atrás com a Leucadia para financiar e gerir o
desligamento da Finova, uma operação de crédito que estava em falência. O
plano era que nós iríamos oferecer a maior parte do capital, e a Leucadia iria
oferecer a maior parte da inteligência. Foi assim que aconteceu. De fato, Joe
Steinberg e Ian Cumming, que tocam a Leucadia juntos, fizeram um trabalho tão
incrível em liquidar o portfólio da Finova que os US$ 5,6 bilhões que usamos de
garantia na transação foram extintos O subproduto infeliz desse rápido
pagamento é que nossa receita futura vai ser muito reduzida. De maneira geral,
a Berkadia gerou um retorno excelente para nós, e Joe e Ian se mostraram
excelentes sócios.

● Nossos ramos de ​leasing ​são a XTRA (equipamento de transporte) e CORT


(móveis para escritório). Essas operações tiveram lucros muito ruins nos últimos
dois anos, uma vez que a recessão fez com que a demanda caísse
consideravelmente, mais até do que havíamos antecipado. As duas empresas
continuam líderes em seus setores, e eu espero, pelo menos, uma melhora
modesta nos lucros deste ano.

● Com a nossa compra da Clayton, adquirimos uma significativa operação de


financiamento de casas pré-moldadas. A Clayton, assim como muitas outras
empresas do ramo, havia feito recorrido à securitização dos seus empréstimos.
Tal prática aliviou a volatilidade no balanço da Clayton em detrimento à receita
(um resultado ditado pelo GAAP).

Nós não temos a menor pressa em começar a registrar toda essa receita de uma
vez só. Nós temos um balanço financeiro saudável e acreditamos que, no longo
prazo, as vantagens de segurar esses empréstimos serão superiores àquelas
que realizamos por meio de securitização. Dessa forma, a Clayton tem
começado a reter seus empréstimos.

Nós acreditamos ser perfeitamente apropriado financiar uma quantia seleta de


recebíveis usando dívida como ferramenta (da mesma forma que um banco faz).
Sendo assim, a Berkshire irá pegar dinheiro emprestado para financiar o portfólio
da Clayton, repassando os fundos para a empresa a preço de custo somado a
1%. Essa taxa recompensa de maneira justa a Berkshire por colocar seu
excelente histórico de crédito em uso, e ainda entrega dinheiro para a Clayton a
um preço atrativo.

Em 2003, a Berkshire fez cerca de US$ 2 bilhões dessas operações de


empréstimo e re-empréstimo, sendo que a Clayton usou a maior parte desse
dinheiro para comprar portfólios de operações de crédito que estavam para sair
do mercado. Uma parte de nossos empréstimo foi usada, ainda, para financiar
contratos que a companhia havia gerado no início do ano, mas que ainda não
haviam sido securitizados.

Você pode se perguntar o motivo de pegarmos dinheiro emprestado, mesmo


com uma montanha de dinheiro sob nossos pés. É por conta de nossa filosofia
de “compartimentos fechados”. Acreditamos que qualquer subsidiária que pegue
dinheiro emprestado deva pagar uma taxa apropriada pelos fundos necessários,
não devendo ser subsidiada pela matriz. Do contrário, ter um pai rico pode levar
a tomar decisões ruins. Além disso, o dinheiro que acumulamos na Berkshire
serve para a aquisição de negócios inteiros ou ações que ofereçam grandes
oportunidades de lucro. O portfólio de empréstimos da Clayton provavelmente irá
crescer para, pelo menos, US$ 5 bilhões daqui a poucos anos. Adotando
práticas de crédito razoáveis, a empresa conseguirá entregar lucros muito
interessantes.

Para simplificar, incluímos todos os lucros da Clayton neste setor, embora uma
grande parte venha de outras áreas que não o financiamento ao consumidor.

* Inclui todos os passivos.


** A partir da data de aquisição: 7 de agosto de 2003.
Produtos financeiros

Nossas atividades nesta categoria abrangem uma miríade de coisas. Mas vamos dar
uma olhada em um balanço simplificado e na demonstração de resultados que englobam todo
o grupo.

Este grupo eclético, que engloba produtos que vão desde picolés a Boeings 737, teve
um forte lucro médio de 20,7% sobre o patrimônio líquido tangível no ano passado. No entanto,
nós compramos esses negócios pagando um prêmio substancial sobre o patrimônio líquido -
isto é mostrado pelo ​goodwill que aparece no balanço patrimonial - e este fato reduz o nosso
lucro médio para 9,2%.

Eis os lucros antes de impostos para as maiores categorias (ou unidades) deste grupo.
* A partir da data de aquisição: 23 de maio de 2003.

● Três de nossos negócios de material de construção - Acme Brick, Benjamin


Moore e MiTek - tiveram lucros operacionais recordes no ano passado. E os
lucros na Johns Manville, a quarta empresa do setor que temos em nosso
portfólio, estavam em trajetória de crescimento no final do ano. Somadas, estas
empresas tiveram um lucro de 21% sobre o patrimônio líquido tangível.

● A Shaw Industries, a maior produtora no mundo de carpete ​broadloom7, também


bateu um recorde no ano passado. Liderada por Bob Shaw, que construiu este
império do zero, a empresa provavelmente terá um novo recorde em 2004. Em
novembro, Shaw adquiriu várias operações do Dixie Group, o que deverá
acrescentar cerca de US$ 240 milhões em vendas neste ano, aumentando o
volume da Shaw para quase US$ 5 bilhões.

● No grupo de acessórios, a Fruit of the Loom é a nossa maior operação. A Fruit


tem três grandes ativos: uma marca de 148 anos que é mundialmente
reconhecida, uma operação de baixo custo e John Holland, seu CEO. Em 2003,
a Fruit somou 42,3% de todas as cuecas masculinas que foram vendidas em
grandes lojas de varejo (Wal-Mart, Target, K-Mart, etc.) e aumentou sua
participação em roupas íntimas femininas de 11,3% (em 2002) para 13,9%.

● No varejo, nosso grupo de móveis teve um lucro de US$ 106 milhões antes de
impostos, nossas joalherias tiveram um lucro de US$ 59 milhões, e a See’s, que
é fabricante e revendedora, outros US$ 59 milhões.

Tanto a R.C. Willey quanto o Nebraska Furniture Mart (“NFM”) inauguraram lojas
de enorme sucesso no ano passado. A Wiley abriu loja em Las Vegas, enquanto
o NFM abriu em Kansas City, Kansas. Acreditamos que a loja de Kansas é a loja
de maior volume de móveis do país. (Nossa operação em Omaha, embora
esteja em um único grande terreno, consiste de três unidades.)

7
Carpete fabricado em grandes e largos rolos.
O NFM foi fundado por Rose Blumkin (“Sra. B”) em 1937 com US$ 500. Ela
trabalhou até os 103 anos (hmmm… não é má ideia). Uma sabedoria que ela
incutiu nas gerações seguintes foi “Se você tem o menor preço, os clientes irão
eventualmente encontrá-lo”. A nossa loja em Kansas City, que fica em uma área
não muito populosa, mostrou que a Sra. B estava certa. Embora tenhamos mais
de 100 mil metros quadrados de estacionamento, ele já ficou lotado em algumas
ocasiões.

“A vitória”, disse o Presidente Kennedy após o desastre da Baía dos Porcos,


“tem milhares de pais, mas a derrota é orfã”. No NFM, soubemos que tínhamos
uma vitória um mês depois de nossa inauguração, quando nossa nova loja atraiu
uma paternidade inesperada. Uma pessoa que estava lá, se referindo à família
Blumkin, disse que “Eles estavam tão confiantes e o governo estava funcionando
tão bem que eles foram capazes de fornecer trabalho para 1.000 cidadãos.” O
pai orgulhoso que disse isso? Presidente George W. Bush.

● Nos serviços de voo, a FlightSafety, nossa operação de treinamento, passou por


uma queda nos lucros operacionais “normais”, indo de US$ 183 milhões para
US$ 150 milhões. (As anormalidades: em 2002, tivemos um ganho antes de
impostos de US$ 60 milhões de uma venda de participação para a Boeing e, em
2003, reconhecemos um prejuízo de US$ 37 milhões causado pela
obsolescência prematura de simuladores.) A aviação corporativa diminuiu muito
o ritmo nos últimos anos, e isto prejudicou muito os resultados da FlightSafety. A
empresa continua, no entanto, a ser a líder disparada em seu setor. Seus
simuladores têm um custo original de US$ 1,2 bilhão, que é mais do que o triplo
do custo do nosso principal competidor.

A NetJets, nossa operação de participação fracionada, teve um prejuízo de US$


41 milhões antes de impostos em 2003. A empresa teve um lucro operacional
modesto nos EUA, mas foi mais do que compensado por um prejuízo de US$ 32
milhões com inventário e pelos prejuízos contínuos na Europa.

A NetJets continua dominando o setor de participação fracionada, e sua


liderança tem aumentado ainda mais: os prospectos ficam cada vez mais a
nosso favor do que nossos concorrentes. No ano passado, dentre nós quatro,
fomos responsáveis por 70% das vendas líquidas (medidas por valor).

Um exemplo do que separa a NetJets dos competidores é o nosso programa de


viagens executivas para a Mayo Clinic8, um benefício gratuito que é desfrutado
por todos os nossos acionistas. Na terra ou no ar, em qualquer lugar do mundo e
a qualquer hora do dia, nossos acionistas e suas famílias têm uma ligação direta

8
Centro de atendimento médico altamente respeitado no mundo todo.
com a Mayo. Se uma emergência ocorrer durante a viagem ou no exterior, a
Mayo é capaz de rapidamente direcioná-los para o médico ou hospital mais
apropriado. Qualquer histórico que a Mayo tiver sobre o paciente é
automaticamente transferido para o responsável. Muitos acionistas já puderam
ver o valor incomensurável deste serviço, especialmente um que precisou de
uma cirurgia cerebral emergencial enquanto estava viajando pela Europa
Oriental.

O ​writedown ​de US$ 32 milhões que fizemos no inventário em 2003 ocorreu por
conta da queda nos preços de aeronaves usadas no começo do ano. Mais
especificamente, nós compramos frações de volta de acionistas que estavam se
retirando aos preços do momento, e estes caíram antes que pudéssemos
revendê-los. Os preços agora, porém, estão estáveis.

O prejuízo na Europa é dolorido. Mas qualquer empresa que deixe a Europa de


lado, como foi o caso de todos os nossos outros competidores, está fadada a
ficar em segundo plano. Muitos de nossos acionistas voam bastante pelo Europa
e querem a segurança que a NetJets e seus pilotos oferecem. Apesar de um
início mais vagaroso, nós estamos atraindo cada vez mais clientes europeus.
Durante os anos 2001 a 2003, tivemos ganhos de 88%, 61% e 77% nas receitas
de gestão e voo da Europa. No entanto, nós ainda não conseguimos sair do
vermelho no Velho Continente.

Rich Santulli, o extraordinário CEO da NetJets, e eu temos a expectativa que


nosso prejuízo na Europa diminua em 2004 também que ele será, desta vez,
compensado pelo lucro nos EUA. Nossos clientes realmente adoram a NetJets.
Um deles nos provocou certa vez, e disse que voltar à aviação comercial é o
mesmo que voltar a andar de mãos dadas, apenas. A NetJets se tornará uma
grande empresa com o tempo, e será uma em que teremos uma enorme
satisfação dos clientes e enormes lucros. Rich irá garantir que isso aconteça.

Investimentos

A tabela a seguir mostra nossos investimentos em ações. Aqueles com um valor de


mercado maior do que US$ 500 milhões ao final de 2003 foram itemizados.
Compramos um pouco de ações do Wells Fargo ano passado. Fora isso, dentre nossas
seis maiores participações, nós fizemos mudanças pela última vez nas posições da Coca-Cola
em 1994, da American Express em 1998, da Gillette em 1989, do Washington Post em 1973, e
da Moody’s em 2000. As corretoras não gostam da gente.

Nós não estamos empolgados e nem desanimados com o portfólio que temos. Nós
temos partes de empresas excelentes - sendo que todas tiveram bons ganhos de valor
intrínseco no ano passado - mas seus preços atuais já refletem essa excelência. O corolário
desagradável a respeito disso é que cometi o grande erro de não vender algumas de nossas
principais posições durante a Grande Bolha. Se as ações estão bem precificadas agora, você
pode questionar o que eu estava pensando quatro anos atrás, quando o valor intrínseco estava
menor e os preços estavam muito mais elevados. Eu também me questiono isso.

Em 2002, os ​junk bonds ficaram muito baratos, de forma que compramos US$ 8 bilhões
deles. O pêndulo balançou depressa e esta modalidade de investimento não nos é nada
atrativa agora. As ervas daninhas de ontem estão sendo precificadas como flores hoje.

Nós já dissemos várias vezes que os ganhos realizados pela Berkshire não têm o
menor sentido para fins analíticos. Nós temos um gigantesco montante de ganhos não
realizados em nossos livros contábeis, e o nosso racional de quando, e se, realizá-los não
depende de maneira alguma do desejo de aumentar os ganhos reportados em um dado
trimestre. Mesmo assim, para ver a diversificação das nossas atividades de investimento, talvez
valha a pena dar uma olhada na tabela a seguir, que lista os ganhos reportados durante 2003.
Os lucros com ações vieram de posições marginais em nosso portfólio - e não, como já
mencionamos, da venda de nossas principais posições. Os lucros com títulos do governo
vieram da liquidação de STRIPS9 (que são os voláteis do governo) e de algumas estratégias
que eu sigo dentro da nossa divisão de produtos financeiros. Nós ficamos com a maior parte de
nosso portfólio de ​junk bonds​, vendendo apenas algumas poucas emissões. Chamamentos e
vencimentos foram os responsáveis pelo restante dos ganhos na categoria ​junk​.

Durante 2002, nós entramos no mercado de moeda estrangeira pela primeira vez na
minha vida e, em 2003, aumentamos nossa posição conforme fui ficando cada vez mais
pessimista com o dólar. Eu devo acrescentar que o cemitério para videntes possui uma enorme
parte reservado apenas para aqueles que tentam prever o cenário macro. Nós fizemos poucas
previsões macro na Berkshire, e raramente vimos outras pessoas fazer previsões com sucesso.

Nós temos - e vamos continuar tendo - a maior parte do patrimônio líquido da Berkshire
alocado em ativos americanos. Mas, nos últimos anos, o déficit comercial de nosso país tem
forçado boa parte da América/ garganta abaixo do mundo. Durante um tempo, o apetite por
esses ativos supriu a oferta. No fim de 2002, porém, o mundo começou a engasgar com sua
própria dieta, e o valor do dólar começou a cair frente às principais moedas. Mesmo assim, as
taxas de negociação atuais não darão um descanso a nosso déficit comercial. Assim, gostem
ou não, os investidores estrangeiros continuarão sendo inundados com dólares. As
consequências disso, ninguém sabe. Ela podem, no entanto, ser preocupantes - e atingir, na
verdade, setores que vão muito além do mercado de câmbio.

Como americano, eu espero que essa história tenha um final feliz. Eu mesmo sugeri um
possível solução - que, incidentalmente, não é do menor interesse de Charlie - em 10 de
novembro de 2003 em um artigo na revista Fortune. Porém, é possível que os alertas que fiz se
mostrem desnecessários: o dinamismo e resiliência de nosso país já provaram que são muito
superiores ao pessimismo de alguns. Mas a Berkshire tem muito bilhões de equivalentes de
caixa emitidos em dólar. Assim, me sinto mais confortável em ter alguns contratos em moeda
estrangeira que ao menos compensem parte da posição em dólar.

9
Separate Trading of Registered Interest and Principal of Securities​. É o equivalente a títulos prefixados
do Tesouro Nacional.
Esses contratos estão sujeitos a regras contábeis que exigem que as mudanças em
seus valores sejam concomitantemente incluídas em ganhos ou perdas de capital, mesmo se
os contratos ainda não tenham vencido. Nós mostramos essas alterações todos os trimestres
no segmento ​Finance and Financial Products em nossos demonstrativos de resultados. Ao final
do ano, nossos contratos em moedas estrangeiras somaram US$ 12 bilhões a valor de
mercado e estavam divididos em cinco denominações diferentes. Além disso, quando
estávamos comprando ​junk bonds em 2002, tentamos ao máximo comprar emissões em euro.
Atualmente, temos cerca de US$ 1 bilhão de títulos assim.

Quando não conseguimos encontrar nada interessante para investir, nosso


comportamento padrão é deixar o dinheiro aplicado em ​Treasuries do governo. Não importa o
quão baixo seja o retorno desses títulos, nós nunca tentamos obter uma receita maior
diminuindo nossos critérios de crédito ou aumentando os vencimentos. Charlie e eu
detestamos correr riscos, a menos que sejamos devidamente recompensados por isso. O mais
longe que podemos chegar nesta seara é comer queijo ​cottage um dia depois da data de
vencimento impressa na embalagem.

************

Um livro de 2003 que os investidores podem usar para aprender muita coisa é o ​Buy!​,
de Maggie Mahar. Outros dois livros que eu recomendo são ​The Smartest Guys in the Room​,
por Bethany McLean e Peter Elkind, e ​In an Uncertain World​, por Bob Rubin. Todos os três são
muito bons e muito bem escritos. Além disso, Jason Zweig fez um trabalho incrível ano
passado ao revisar ​O Investidor Inteligente​, meu livro e investimentos favorito.

Programa de doações

De 1981 a 2002, a Berkshire tocou um programa que permitia aos acionistas indicarem
doações a suas instituições de caridade favoritas; doações essas que seriam, em sequência,
feitas pela própria Berkshire. Ao longo dos anos, somamos mais de US$ 197 milhões em
contribuições. As igrejas foram as mais beneficiadas, e muitas outras milhares de organizações
foram beneficiadas. Nós éramos a única empresa de capital aberto a oferecer esse tipo de
programa aos acionistas, e Charlie e eu tínhamos orgulho disso.

Nós relutantemente encerramos o programa em 2003 por conta da controvérsia a


respeito do assunto envolvendo aborto. Ao longo dos anos, várias organizações, dos dois do
tema, receberam doações designadas por nossos acionistas. Como resultado, nós passamos a
receber várias objeções a respeito dessas contribuições. Algumas delas vieram de
organizações que começaram a boicotar os produtos de nossas subsidiárias. Isso não nos
preocupou. Nós recusamos todos os pedidos para limitar o direito de nossos acionistas em
fazer quaisquer doações que julgassem necessárias.
Em 2003, no entanto, muitos representantes independentes da The Pampered Chef
começaram a sentir os boicotes. Esse novo desenrolar dos fatos indicou que pessoas que
confiavam em nós - mas que não eram nossos empregados, e tampouco tinham voz na tomada
de decisão da Berkshire - sofreram reduções drásticas em suas receitas.

Para nossos acionistas, havia uma pequena vantagem tributária pelo fato da Berkshire
fazer as doações - ao invés de serem feitas por eles mesmos. Além do mais, o programa foi
consistente com nossa abordagem de “parceria”, que é o primeiro princípio em nosso Manual
do Acionista. Mas essas vantagens se mostraram pequenas quando avaliadas perto do estrago
feito a representantes leais que haviam, com muito esforço, construído seus próprios negócios.
De fato, Charlie e eu não vemos caridade alguma em prejudicar pessoas decentes e
trabalhadoras apenas para que nós e nossos acionistas paguem um pouco menos de
impostos.

A Berkshire não faz mais doações partindo da matriz. Nossas várias subsidiárias
seguem políticas filantrópicas que já faziam parte delas antes de as adquirirmos. A única
diferença é que doações de cunho pessoal, que antes eram feitas com dinheiro da empresa,
agora são feitas do próprio bolso dos associados dessas subsidiárias.

O encontro anual

No ano passado, pedi que vocês votassem para decidir se o encontro anual continuaria
acontecendo aos sábados ou se voltaria a ocorrer nas segundas-feiras. Eu estava torcendo
pela segunda. Mas o sábado ganhou de 2 para 1. Vai demorar para que a democracia volte à
Berkshire.

Mas vocês decidiram, e nós iremos fazer o encontro anual deste ano no dia 1 maio, no
novo Qwest Center, no centro de Omaha. O Qwest oferece 18 mil metros quadrados para
exibição dos estandes de nossas subsidiárias (saindo dos 6 mil metros quadrados do ano
passado) e uma capacidade muito maior de acomodar pessoas sentadas. As portas do Qwest
irão abrir às 7:00h, o filme terá início às 8:30h, e o encontro em si começará às 9:30h. Haverá
um breve intervalo ao meio-dia para o almoço, com sanduíches nos estandes do Qwest. Exceto
por esse interlúdio, Charlie e eu responderemos as perguntas até as 15:30h. Nós iremos contar
tudo o que sabemos… e, ao menos no meu caso, até o que não sei.

O material anexo a esta carta contém todas as explicações sobre como você pode obter
as credenciais necessárias para ser admitido no encontro e em outros eventos. Em relação à
reservas de carro, hotel e passagens de avião, nós novamente pedimos para a American
Express (800-799-6634) dar uma ajuda especial a vocês. Eles fazem um trabalho fantástico
todos os anos, e eu os agradeço imensamente por isso.
Como sempre, teremos ônibus saindo dos maiores hotéis para levá-los até o encontro.
Após o encontro em si, os ônibus farão viagens de volta aos hotéis, para o Nebraska Furniture
Mart, Borsheim’s e o aeroporto. Mesmo assim, talvez um carro alugado seja mais útil.

Nossa exibição de produtos e serviços da Berkshire irá impressionar vocês este ano.
Haverá, por exemplo, uma casa de 148 metros quadrados da Clayton (com tijolos Acme,
carpete Shaw, isolamento Johns-Manville, fechos MiTek, toldos Carefree e mobília NFM). Você
verá que é uma enorme evolução do estereótipo de casa móvel de algumas décadas atrás.

A GEICO terá um estande com os melhores agentes seguradores do país, todos eles
prontos para fazer orçamentos. Na maioria dos casos, a GEICO poderá lhe oferecer um
desconto especial de acionista (normalmente de 8%). Essa oferta especial é permitida em 41
das 49 jurisdições em que operamos. Traga os detalhes do seu seguro atual e verifique se
você pode economizar conosco.

No aeroporto de Omaha, no sábado, teremos uma exibição de jatos da NetJets para


que você possa dar uma olhada. Basta pedir a um representante no Qwest para ver os aviões.
Se você for comprar o que consideramos ser um número adequado de produtos durante o fim
de semana, pode ser que você realmente precise de um avião para conseguir levar tudo para
casa.

No Nebraska Furniture Mart, localizado em uma área de mais de 300 mil metros
quadrados na 72nd Street entre Dodge e Pacific, nós teremos novamente os preços especiais
da Berkshire Weekend, o que significa que daremos descontos aos nossos acionistas que,
normalmente, são restritos apenas aos funcionários. Nós demos início a esses preços
diferenciados no NFM sete anos atrás, e as vendas durante o Weekend cresceram de U$ 5,3
milhões em 1997 para U$ 17,3 milhões em 2002. Batemos um novo recorde todos os anos.

Para receber o desconto, você deverá fazer suas compras entre a quinta-feira, 29 de
abril, e segunda-feira, 3 de maio, e apresentar a sua credencial do evento. Os preços especiais
desse período irão se aplicar até a marcas famosas que normalmente têm regras muito rígidas
a respeito de descontos, mas que, no espírito do nosso encontro, irão abrir uma exceção a
vocês. Nós agradecemos por essa cooperação. O NFM fica aberto das 10:00h às 21:00h nos
dias de semana e das 10:00h às 18:00h aos sábados e domingos. No sábado, das 17:30h às
20:00h, teremos um evento especial apenas para os acionistas. Eu estarei lá, comendo
churrasco e tomando Coca-Cola.

Borsheim’s - a maior joalheria do país depois da loja da Tiffany em Manhattan - terá dois
eventos para os acionistas. O primeira será um coquetel de recepção das 18h às 22h na
sexta-feira, 30 de abril. O segundo, o evento de gala, acontecerá das 9h às 16h no domingo, 2
de maio. Peça para o Charlie autografar o seu cupom fiscal.
Os preços exclusivos para acionistas estarão disponíveis entre quinta-feira e segunda.
Assim, se você desejar evitar as grandes multidões que irão ocorrer na noite de sexta-feira e no
domingo, venha até a loja em outro momento e se identifique como sendo um acionista. No
sábado, estaremos abertos até as 18h. A Borsheim’s opera com uma margem bruta que é mais
de vinte pontos percentuais abaixo de seus principais concorrentes. Assim, quanto mais você
comprar, mais você irá economizar - ao menos é isso que ouço de minha esposa e filha. (Acho
que as duas ficaram impressionadas quando crianças com a história do menino que, ao perder
o ônibus, caminhou até sua casa e orgulhosamente disse que havia economizado 5 centavos.
Seu pai ficou zangado: “Por que você não perdeu um táxi e economizou 85 centavos?”)

No centro comercial ao lado da Borsheim’s, teremos Bob Hamman e Sharon Osberg,


dois dos maiores jogadores de bridge, para jogar com os acionistas no domingo à tarde. Além
disso, Patrick Wolff, bicampeão nacional de xadrez, também estará lá para jogar contra
qualquer pessoa - e de olhos vendados! Eu já assisti suas partidas, e ele não trapaceia.

Gorat’s - minha churrascaria favorita - irá abrir novamente e exclusivamente para os


acionistas no domingo, dia 2 de maio, e irá funcionar das 16h à meia-noite. Por favor,
lembre-se de que você só poderá comparecer ao Gorat’s no domingo se tiver uma reserva.
Para fazer uma, ligue para 402-551-3733 no dia 1 de abril (​mas não antes​). Se o domingo
estiver esgotado, visite o Gorat’s em uma das outras noites que você estiver na cidade. Mostre
todo o seu requinte ao pedir um T-Bone mal passado com batatas picadas e fritas.

Nós teremos uma recepção especial no sábado à tarde, das 16:00h às 17:00h, para os
acionistas que vêm de fora da América do Norte. Todos os anos nosso encontro atrai pessoas
de todo o mundo, e Charlie e eu queremos conhecer pessoalmente cada um que vem de tão
longe. Qualquer acionistas que venha de países que não os EUA e Canadá receberá uma
credencial especial e instruções para participar desta recepção.

Charlie e eu nos divertimos muito nos encontros anuais. E você irá gostar também.
Portanto, venha até o Qwest e junte-se a nós na Woodstock para Capitalistas.

Warren E. Buffett
Presidente do conselho

27 de fevereiro de 2004
Nota: a tabela a seguir aparece na capa da carta anual e é referenciada ao longo do texto.
Observações:
Os dados vêm dos anos-calendários, com as seguintes exceções: em 1965 e 1966, o
ano se encerrou em 30 de setembro, com 15 meses findos em 31/12.

Começando em 1979, as regras contábeis passaram a exigir que as companhias de


seguro mostrassem seus montantes aplicados em ações a valor de mercado ao invés
do mínimo entre custo de aquisição e valor de mercado, que era a regra até então. Na
tabela anterior, os resultados da Berkshire até 1978 foram refeitos para estarem de
acordo com as mudanças nas regras. Em todos os outros aspectos, os resultados foram
calculados com os números originalmente reportados.

Os números apresentados para o S&P 500 são antes de impostos, enquanto que os
números da Berkshire são após impostos. Se uma corporação como a Berkshire tivesse
simplesmente comprado o índice S&P 500 e acumulado os impostos, o resultado da
companhia teria sido pior do que o S&P nos anos em que o índice teve retornos
positivos e melhor nos anos em que o índice teve retornos negativos. Ao longo dos
anos, os custos dos impostos teriam feito o acumulado de perdas ser substancial.

Fonte original: ​https://www.berkshirehathaway.com/letters/2004.html

Aos acionistas da Berkshire Hathaway, Inc.:

Nosso ganho em patrimônio líquido durante 2004 foi de US$ 8,3 bilhões, o que
aumentou o valor patrimonial das nossas ações Classe A e B em 10,5%. Nos últimos 40 anos
(isto é, desde que assumimos o controle da companhia), o valor patrimonial por ação cresceu
de US$ 19 para US$ 55.824, ou uma taxa composta anual de 21,9%1.

No entanto, o que importa é o valor intrínseco, não o valor patrimonial. E aqui a


perspectiva é boa: entre 1964 e 2004, a Berkshire se transformou de um negócio têxtil
moribundo, cujo valor intrínseco era menor do que o valor patrimonial, em uma empresa
altamente diversificada e que vale muito mais do que seu patrimônio. Nosso ganho de 40 anos
em valor intrínseco, portanto, foi maior do que o nosso ganho de 21,9% em valor patrimonial.
(Para entender melhor o que é o valor intrínseco e os princípios econômicos que guiam Charlie
Munger, meu sócio e vice-presidente da Berkshire, e eu ao administrar a empresa, leia o
Manual do Acionista, que começa na página 73.)

1
Todos os valores mostrados nesta carta se referem às ações da Classe A da Berkshire, que são as
sucessoras do único tipo de ação que a empresa tinha em circulação até 1996. As ações B têm um valor
econômico equivalente a 1/30 da A.
Apesar de suas limitações, o cálculo do valor patrimonial é útil para a Berkshire como
uma métrica levemente subestimada para medir a taxa de crescimento de longo prazo em
nosso valor intrínseco. O cálculo, no entanto, tem se tornado cada vez menos relevante para
avaliar o desempenho de um único ano em relação ao índice S&P 500 (comparação esta que
nós mostramos na primeira página). Nossas posições em ações, incluindo ações preferenciais
conversíveis, caíram de maneira considerável como percentual de nosso patrimônio líquido, de
uma média de 114% na década de 1980, por exemplo, para uma média de 50% nos últimos
anos. Dessa forma, os movimentos anormais no mercado de ações afetam, agora, uma porção
muito menor do nosso patrimônio líquido do que antigamente. Isto faz com que normalmente
tenhamos um desempenho pior do que o mercado quando as ações sobem demais, e melhor
quando sobem de menos.

Mesmo assim, o desempenho de longo prazo da Berkshire em relação ao índice S&P


continua sendo importante. Nossos acionistas podem comprar o S&P por meio de um fundo de
índices a um custo muito baixo. A menos que consigamos ter ganhos no valor intrínseco no
futuro que sejam melhores do que o desempenho do S&P, Charlie e eu não estaremos
acrescentando nada a vocês.

No ano passado, o ganho em valor patrimonial da Berkshire de 10,5% ficou um pouco


abaixo do ganho de 10,9% do S&P. O nosso desempenho meio apagado não foi causado por
tropeços dos CEOs que tocam as nossas subsidiárias: como sempre, eles mais do que fizeram
a sua parte. Minha mensagem a eles a simples: administre a sua empresa como se ela fosse o
único ativo que sua família poderia ter nos próximos 100 anos. Quase invariavelmente eles
fazem exatamente isso e, depois de tirar parte dos fundos para que suas empresas continuem
funcionando bem, eles mandam o restante do dinheiro para Omaha para que eu o aloque.

Eu não fiz esse trabalho muito bem no último ano. Minha expectativa era de fazer
algumas aquisições bilionárias que iriam acrescentar novas e significativas fontes de lucros à
Berkshire. Mas eu não consegui. Além disso, não achei muitas ações a preços atrativos para
comprar. Assim, a Berkshire finalizou o ano com uma posição de equivalentes de caixa de US$
43 bilhões, algo que não gostamos. Charlie e eu trabalharemos para transformar uma parte
desse montante em ativos mais interessantes durante 2005, embora não possamos fazer
nenhuma promessa.

Em relação a um ponto, 2004 foi um ano muito importante para o mercado de ações por
conta de um fato que ficou meio esquecido no labirinto de números ​na página 2​. Se você olhar
para os 35 anos desde que a década de 1960 terminou, você irá perceber que o retorno médio
que o investidor teve, incluindo dividendos, com o índice S&P foi de 11,2% ao ano (retorno
esse muito acima do que esperamos observar no futuro). Mas se você procurar por anos onde
os retornos foram próximos de 11,2% - digamos entre 8% e 14% - você irá contratar apenas
um ano antes de 2004. Em outras palavras, o retorno do último ano não teve nada de normal.
Nos últimos 35 anos, as empresas Americanas entregaram excelentes resultados.
Dessa forma, era fácil para os investidores terem retornos interessantes: tudo o que tinham que
fazer era acompanhar as principais empresas de uma forma diversificada e barata. Um fundo
indexado deixado intocado teria feito isso com maestria. Ao invés disso, muitos investidores
tiveram experiências que variaram de medíocre a desastrosas.

Três causas primárias levaram a isso: primeiro, altos custos, normalmente porque os
investidores negociaram de maneira excessiva ou gastaram muito com gestores de
investimento; segundo, decisões de portfólio baseadas em dicas e burburinhos ao invés de
avaliações quantitativas bem pensadas a respeito das empresas; e terceiro, movimentos de
entra-e-sai do mercado, normalmente entrando nos estágios finais de uma alta e saindo nos
piores momentos de uma queda. Os investidores devem sempre se lembrar que a empolgação
e as despesas são seus inimigos. E se eles insistirem em continuar tentando acertar o ​timing
do mercado, eles devem buscar ter medo quando outros estiverem gananciosos, e
gananciosos apenas quando os outros estiverem com medo.

Resultados por setor

Como gestores, Charlie e eu queremos dar aos nossos acionistas as mesmas


informações financeiras que gostaríamos de receber caso nossos papéis estivessem invertidos.
Fazer isso de maneira clara e razoavelmente breve se torna cada vez mais difícil conforme a
Berkshire vai crescendo. Alguns de nossos negócios possuem fundamentos econômicos muito
diferentes um do outro, o que faz com que nossos resultados consolidados, junto de uma
pletora de números, sejam quase inúteis para uma análise.

Nas páginas a seguir, portanto, iremos mostrar alguns balanços e demonstrativos de


resultados das nossas quatro principais categorias de negócios, junto de comentários a
respeito de cada uma. Nós particularmente queremos que vocês entendam as limitadas
circunstâncias nas quais iremos recorrer à dívidas, uma vez que nós raramente utilizamos essa
ferramenta. Nós não iremos, porém, inundá-los com dados que não tenham significado para o
cálculo do valor intrínseco da Berkshire. Fazer isso tenderia a ofuscar os fatos que têm
importância.

Serviços regulados

Nós temos uma participação de 80,5% (completamente diluída) na MidAmerican Energy


Holdings, que detém uma ampla gama de operações. As maiores são (1) Yorkshire Electricity e
Northern Electric, cujos 3,7 milhões de clientes a tornam a terceira maior distribuidora de
eletricidade no Reino Unido; (2) MidAmerican Energy, que atende 698.000 clientes,
especialmente em Iowa; e (3) gasodutos da Kern River e Northern Natural, que transportam
7,9% de todo o gás natural usado nos Estados Unidos.

Os outros 19,5% da MidAmerican estão na mão de três sócios nossos: Dave Sokol e
Greg Abel, os brilhantes gestores do negócio, e Walter Scott, um amigo de longa data meu que
me apresentou para empresa. Como a MidAmerican está sujeita ao Public Utility Holding
Company Act (“PUHCA”), a participação votante da Berkshire é limitada a 9,9%. Walter é quem
tem o voto controlador.

A nossa participação limitada de votos nos força a contabilizar as declarações


financeiras da MidAmerican de uma maneira resumida. Ao invés de incluir seus ativos,
passivos, receitas e despesas em nossas declarações, nós registramos apenas uma linha no
balanço patrimonial e nas receitas. É provável que algum dia, talvez em breve, a PUHCA seja
revogada ou as regras contábeis mudem. Se isso ocorrer, os números consolidados da
Berkshire irão então contabilizar toda a MidAmerican, incluindo uma quantidade substancial de
dívida que ela utiliza (embora essa dívida não seja uma obrigação da Berkshire).

No fim do ano, US$ 1,478 bilhão da dívida de curto prazo da MidAmerican tinha a
Berkshire como credora. Essa dívida permitiu que aquisições fossem feitas sem que os nossos
outros três sócios precisassem aumentar seus investimentos já substanciais na MidAmerican.
Cobrando 11% de juros, a Berkshire vai recebe um valor justo por fornecer os fundos
necessários para as aquisições, ao mesmo tempo em que nossos sócios não têm suas
participações diluídas. Como a MidAmerican não fez nenhuma grande aquisição no ano
passado, ela nos pagou US$ 100 milhões do que nos deve.

A MidAmerican possui ainda um grande negócio fora da linha de serviços, a Home


Services of America, segunda maior imobiliária do país. Diferente de nossas operações de
serviços, esse negócio é altamente cíclico, mas mesmo assim animador. Nós temos um gestor
incrível, Ron Peltier, que, por meio de aquisições e habilidades operacionais, está construindo
uma imobiliária que mais parece uma fortaleza.

No ano passado, a Home Services participou de US$ 59,8 bilhões em transações, um


ganho de US$ 11,2 bilhões em relação a 2003. Cerca de 24% desse aumento veio de seis
aquisições que fizemos durante o ano. Por meio de nossas 17 firmas - todas elas mantêm suas
identidades locais - nós empregamos mais de 18.000 corretores em 18 estados. A Home
Services certamente irá crescer de maneira substancial na próxima década conforme nós
continuemos a adquirir operações líderes em suas praças.

No ano passado, a MidAmerican se desfez de um grande investimento em um projeto


de recuperação de zinco, iniciado em 1998 e que se tornou operacional em 2002. Grandes
quantidades de zinco estão presentes na salmoura produzida pelas nossas operações
geotérmicas na Califórnia, e nós acreditávamos que poderíamos lucrar com a extração deste
metal. Durante muitos meses, pareceu que a recuperação seria, de fato, comercialmente
viável. Mas em mineração, assim como acontece com a exploração de petróleo, os prospectos
acabam inebriando os que estão envolvidos no projeto. Sempre que um problema era
resolvido, outro surgia no lugar. Em setembro, jogamos a toalha.

A nossa falha aqui ilustra a importância de se ter regras que sirvam de guia - ​se
mantenha em proposições simples - que nós normalmente usamos em investimentos. Se
apenas uma variável importa para uma decisão, e essa variável tem 90% de chance de sair
conforme o esperado, então a sua chance de sucesso é, obviamente, 90%. Mas se dez
variáveis independentes precisam dar certo, cada uma com 90% de chance de funcionar, a
probabilidade do conjunto todo dar certo é de apenas 35%. Como uma corrente só é tão forte
quanto seu elo mais fraco, faz sentido buscar - perdoe-me pelo paradoxo - por correntes de um
elo só.

Os resultados da MidAmerican são mostrados a seguir. Em 2004, a categoria “Other”


inclui um lucro de US$ 72,2 milhões da venda de um recebível da Enron que veio junto da
compra da Northern Natural há dois anos. Walter, Dave e eu, todos nascidos em Omaha,
encaramos esse lucro surpresa como reparações de guerra - compensação parcial pelo
prejuízo que nossa cidade sofreu em 1986 quando Ken Lay transferiu a Northern para Houston,
mesmo depois de prometer que deixaria a empresa em Omaha. (Para mais detalhes, leia a
carta de 2002).

Eis os números:

* Inclui juros pagos à Berkshire (liquidos de impostos) de US$ 110 em 2004 e US$ 118 em
2003.
Seguros

Desde que a Berkshire comprou a National Indemnity (“NICO”) em 1967, o seguro de


bens e acidentes tem sido nosso principal negócio e o maior propulsor de nosso crescimento.
O setor de seguros nos deu muitos fundos, com os quais adquirimos as ações e negócios que
nos dão agora uma variedade ainda maior de receitas. Nesta seção, irei explicar um pouco
como chegamos até aqui.

A fonte de fundos que desfrutamos em nossas operações de seguro vem do ​float​, que é
um dinheiro que não pertence a nós, mas que fica conosco durante algum tempo. A maior parte
do ​float ​surge porque (1) os prêmios são pagos antecipadamente, embora o serviço que
prestamos - proteção com seguros - abranja um período de normalmente um ano; e (2) os
prejuízos que ocorrem hoje nem sempre resultam em indenizações imediatas, uma vez que
pode levar anos para que os prejuízos sejam reportados (como foi o caso do amianto),
negociados e acordados. Os US$ 20 milhões que tínhamos de ​float ​em 1967 aumentou - tanto
por meio de crescimento interno quanto por aquisições - para US$ 46,1 bilhões.

O ​float é maravilhoso - caso ele não venha com preço muito alto. O custo do ​float ​é
determinado pelos resultados de subscrição, que é como as despesas e prejuízos se
comparam com os prêmios que recebemos. Quando um lucro de subscrição é alcançado -
como foi o caso da Berkshire em metade dos 38 anos em que estamos no ramo - o ​float é
melhor do que receber algo de graça. Quando esse tipo de lucro acontece, nós acabamos
recebendo por segurar o dinheiro de outras pessoas. Para a maioria das seguradoras, porém, a
vida tem sido muito mais difícil: no geral, a indústria de bens e acidentes quase invariavelmente
opera com prejuízo de subscrição. Quando o prejuízo é grande, o ​float ​se torna caro; às vezes,
até demais.

As seguradoras acabaram tendo resultados ruins por uma razão bem simples: elas
vendem um produto que é uma commodity. As apólices são padronizadas, e o produto está
disponível em diferentes fontes, algumas das quais são companhias mútuas (“detidas” pelos
segurados, não por acionistas) com objetivos limitados de lucro. Além disso, a maioria dos
segurados não se importa de quem estão comprando o seguro. Milhões de consumidores falam
“Eu quero uma lâmina da Gillette” ou “Eu quero uma Coca-Cola”, mas ninguém cogita falar “Eu
quero uma apólice da National Indemnity, por favor”. Consequentemente, a competição de
preços no ramo de seguros é ferrenha, quase como em assentos de avião.

Sendo assim, você pode se perguntar como as operações da Berkshire superaram


fundamentos econômicos tão complicados e obtiveram suas vantagens competitivas? Nós
encaramos o problema de várias formas. Vamos dar uma olhada na estratégia da NICO.

Quando compramos a empresa - que era especialista em seguros gerais e de


automóveis - ela não parecia ter nenhum atributo que a permitiria superar os problemas
crônicos da indústria. Ela não era muito conhecida, não tinha vantagens de informação (a
empresa nunca teve um atuário), não tinha uma operação de baixo custo e vendia suas
apólices usando representantes, um método que muitas pessoas já consideravam
ultrapassado. Mesmo assim, na maioria dos últimos 38 anos, a NICO teve um desempenho
estelar. De fato, caso não a tivéssemos adquirido, a Berkshire não valeria nem metade do que
vale hoje.

O que nós tínhamos de vantagem era um mindset gerencial impossível de ser replicado
pela maioria das seguradoras. Dê uma olhada na primeira página desta carta. Você consegue
pensar em alguma companhia de capital aberto que iria abraçar um modelo de negócios que
iria levar à queda de receitas que passamos no período de 1986 a 1999? Essa enorme queda,
vale enfatizar, não aconteceu porque estava difícil fechar contratos. Bilhões de dólares em
prêmios estavam disponíveis à NICO caso nós estivéssemos dispostos a baixar nossos preços.
Mas, no lugar disso, nós consistentemente precificamos nossos produtos para ter lucro, não
para cobrir a oferta de nosso competidor mais otimista. Nós nunca abandonamos clientes - mas
eles nos abandonaram.

A maioria das empresas americanas possuem um imperativo institucional que rejeita


períodos prolongados de queda nas receitas. Que CEO deseja reportar aos seus acionistas
que não apenas o volume de contratos caiu no último ano, mas que a tendência é de uma
queda ainda maior? No ramo de seguros, o desejo por continuar subscrevendo contratos é
intensificado pelo fato de que leva-se muito tempo para que erros de precificação se tornem
aparentes. Se uma seguradora se sente otimista em relação ao provisionamento, os lucros
serão exagerados, de forma que anos podem passar antes que os verdadeiros valores dos
prejuízos sejam conhecidos (uma forma de auto-enganação que quase destruiu a GEICO no
início da década de 1970).
* ​Leva-se um bom tempo para se descobrir a verdadeira lucratividade de um dado ano.
Primeiro, muitos pedidos de indenização são recebidos depois que o ano termina, e nós
precisamos estimar quantos irão ocorrer e qual será o custo. (No jargão de seguros, as
indenizações recebem o nome de INBR - ​incurred but not reported2.) Segundo, as indenizações
levam anos, ou mesmo décadas, para serem acordadas, o que significa que podem surgir
muitas surpresas no meio do caminho.

Por estas razões, os resultados mostrados simplesmente representam a nossa melhor


estimativa ao final de 2004 de como foi nosso desempenho nos anos anteriores. As margens
de lucro para os anos até 1999 provavelmente estão corretas, dado que estes anos já estão
“maduros”, isto é, existem poucas indenizações desse período que ainda estão em circulação.

2
Incorridos, mas não reportados.
Quanto mais recente o ano, maior o “chute”. Em particular, os resultados mostrados para 2003
e 2004 provavelmente irão mudar muito.

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