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Abordagem Cognitivo-Comportamental Na Escola: Possibilidades de Intervenção

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Aletheia v.54, n.1, p.105-112 Jan./jun.

2021
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Abordagem cognitivo-comportamental na escola: possibilidades de


intervenção
Márcia Elisa Jager
Isadora Esteve Torres
Laís Ismael Freitas
Samara Silva dos Santos
Resumo: O objetivo deste artigo é descrever técnicas grupais desenvolvidas nas turmas do 3º e 6º ano do
ensino fundamental de uma escola municipal situada em uma cidade do interior do estado do Rio Grande
do Sul. As técnicas tiveram o intuito de intervir em demandas escolares associadas a relações
interpessoais e comportamentos desafiadores e opositores tendo como base os pressupostos teóricos e
práticos da abordagem cognitivo-comportamental. Os grupos foram homogêneos, com média de 10
estudantes, com objetivo de psicoeducação e de orientação/ treinamento, visando a promoção de saúde na
escola. A experiência relatada colabora com a práxis metodológica da área a qual pertence, oferecendo
relatos de práticas singulares que podem ser adaptadas a outros contextos e demandas escolares similares.
Palavras-chave: Terapia cognitiva; Educação; Psicologia.

Cognitive behavioral approach at school: possibilities for intervention


Abstract: The objective of this article is to describe group techniques that have developed in the 3rd and
6th grade classes of a municipal school located in a city in the state of Rio Grande do Sul. These
techniques, based on the theoretical and practical assumptions of cognitive behavioral theory, have
intended to intervene in school demands related to interpersonal relationships and challenging behavior
and opposing behaviors. The groups have been homogeneous, with an average of 10 students, aiming at
psychoeducation and orientation / training, with the objective at to promote health at school. The reported
experience collaborates with the methodological praxis of the area to which it belongs, offering reports of
singular practices that can be adapted to other similar contexts and school demands.
Keywords: Cognitive therapy; Education; Psychology.
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Introdução
A Psicologia Escolar e Educacional (PEE) foi reconhecida como especialidade pelo Conselho
Federal de Psicologia (CFP, 2007) por meio da Resolução nº 013/2007. Viana (2016) ressalta que, desde
então, os psicólogos e psicólogas escolares enfrentam desafios diários para consolidar sua identidade
profissional, considerando-se os estereótipos que caracterizam as representações da comunidade escolar
sobre o papel da Psicologia neste campo. Autores como Guzzo, Moreira e Mezzalira (2016), Cruces
(2010) e Marinho-Araújo (2016), pautados na perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural, defendem
uma atuação que considere os determinantes históricos, sociais, culturais e políticos das queixas e
demandas escolares, lhe conferindo singularidade e complexidade. Estes autores argumentam que a
atuação do psicólogo escolar deve-se ancorar na potencialidade das situações sociais de desenvolvimento,
priorizando ações que integrem a história social e a experiência individual e concreta dos sujeitos a partir
de relações sociais partilhadas. A Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABPEE) e o
CFP (2013) sinalizam que, embora a prática profissional no campo da PEE se caracterize pela diversidade
teórico-metodológica, o reconhecimento de questões histórico-culturais deve pautar toda e qualquer ação
do psicólogo.
A Abordagem Cognitivo Comportamental (ACC) vem ganhando visibilidade no contexto
escolar a partir da pesquisa e desenvolvimento de protocolos de intervenções em diferentes demandas
escolares, tais como adaptação escolar, relações interpessoais, educação e desenvolvimento
socioemocional, problemas de comportamento, dificuldades de aprendizagem, formação de professores,
entre outros. Sua ênfase no desenvolvimento de habilidade cognitivas, sociais e emocionais confere à esta
abordagem uma importante referência para a promoção de saúde mental na escola (Fava & Martins, 2016;
Paternostro, Sullivan, Behar, Berlyant & Friedberg, 2015; Fava, 2017; Neufeld, Daiolo & Longhini,
2015).
Para Fava e Martins (2016), a (o) psicóloga (o) que atua na escola deve estar atenta (o) às
mudanças históricas, políticas e sociais que circunscrevem os contextos educacionais, bem como às
reflexões teóricas do campo da PEE. Para estas autoras, a prática em PEE contemporânea contrapõe o
modelo clínico e biomédico característico da década de 60, o qual tinha como objetivo avaliar e
classificar os “alunos-problemas” a partir de testes psicológicos, buscando seu disciplinamento e
ajustamento à padrões escolares. Com o amadurecimento da Psicologia enquanto ciência e profissão, a
partir da década de 80, com os estudos pioneiros de Maria Helena Souza Patto (Patto, 2015), o foco de
atuação do psicólogo deixa de ser o “aluno-problema” e passa a ser as relações dialéticas entre o aluno, o
professor, a escola, a família e a cultura que caracteriza um determinado tempo histórico. Este novo olhar
reivindica da (o) psicóloga (o) o desenvolvimento de intervenções coletivas e institucionais sensíveis aos
determinantes sociais, culturais e históricos inscritos na queixa escolar e na própria escola enquanto
instituição social, indo além de aspectos cognitivos da aprendizagem (Fava & Martins, 2016; Daolio,
Elias & Neufeld, no prelo; Neufeld, Ferreira & Maltoni, 2016a).
Com o intuito de ampliar as possibilidades de atuação sob o enfoque da ACC, visto que sua
inserção no campo escolar é recente (Fava & Martins, 2016) este artigo descreve técnicas grupais
desenvolvidas nas turmas do 3º e 6º ano do ensino fundamental de uma escola municipal situada em uma
cidade do interior do estado do Rio Grande do Sul. As técnicas tiveram o intuito de intervir em demandas
escolares associadas a relações interpessoais e comportamentos desafiadores e opositores através do
desenvolvimento de habilidades socioemocionais. As intervenções buscaram desenvolver e aprimorar o
reconhecimento das emoções, a capacidade de perceber a emoção do outro e aceitar sentimentos
diferentes dos seus, respeitando a diversidade. Buscou-se também desenvolver e aprimorar as habilidades
para reconhecer, compreender e tomar decisões frente problemas, as habilidades sociais de cooperação e
de comunicação bem como capacidade de regular as emoções e externá-las de forma socialmente
adequada (Tacla, Ferreira, Estanislau & Foz, 2014).
Compreensão da realidade escolar e identificação de demandas
A prática descrita ocorreu no ano de 2016 em uma Escola Municipal de uma cidade do interior
do Estado do RS, através de uma prática de estágio curricular do curso de Psicologia de uma
Universidade situada na mesma cidade. O estágio teve finalidade profissionalizante, carga horária total
360 horas e suas práticas foram supervisionadas por duas profissionais psicólogas, sendo uma delas em
nível local e a outra em nível acadêmico.
Com o intuito de, inicialmente, compreender as demandas escolares, realizou-se observações das
relações e interações sociais que ocorreram no cotidiano da escola, bem como entrevistas abertas com a
direção escolar, professores e com os próprios estudantes. A análise institucional sobre a realidade escolar
e suas principais demandas foram compartilhadas com a psicóloga escolar (supervisora local), com a
direção e com os professores da escola, com o intuito de legitimar a análise institucional a partir do olhar
de profissionais atuantes na escola.
Dentre as diferentes demandas escolares identificadas, para a prática de estágio curricular,
definiu-se como prioridade junto à supervisora local, direção e professores da escola, as demandas de
relações interpessoais e comportamentos desafiadores e opositores que, naquele momento, caracterizavam
as turmas do 3º e 6º ano. Para estas demandas, desenvolveu-se um plano de intervenção, compartilhado
também com a supervisora local, que contemplou as intervenções grupais aqui descritas. Os grupos
desenvolvidos tiveram uma frequência quinzenal e ocorreram nas dependências da escola, em um horário
de aula cedido pela (o) professor (a) e autorizado pela direção escolar.
Intervenções realizadas
A modalidade grupal utilizada para as intervenções foi a de grupos de orientação/treinamento.
Conforme Neufeld, Maltoni, Ivatiuk e Rangé (2017), os grupos de orientação/treinamento buscam
promover mudanças cognitivas, comportamentais e emocionais através de técnicas que possibilitem um
aprofundamento no modelo cognitivo e de reestruturação cognitiva. Esta modalidade grupal traz efeitos
positivos, especialmente, no treinamento de habilidades socioemocionais. Para Reddy (2012) e Tacla et
al. (2014), o coletivo proporciona um espaço para desenvolver a espontaneidade, a tomada de decisão e
resolução de problemas, o autocontrole, as habilidades sociais de cooperação e comunicação e a prática
de comportamentos sociais. Ainda, estes autores argumentam que o grupo possibilita aos seus integrantes
o reconhecimento das próprias emoções e da emoção do outro, desenvolvendo a autorregulação
emocional a partir das relações grupais.
Para que estes objetivos possam ser atingidos, Reddy (2012) sugere que o grupo possua, em
média, 10 participantes. Neufeld et al. (2017) sugerem, em média 15 participantes. Estes autores
argumentam que este número médio de participantes possibilita ao psicólogo uma maior proximidade e
engajamento nas relações grupais. Na prática grupal descrita, o número médio de participantes foi de 10
estudantes em cada grupo.

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Fava e Martins (2016) descrevem que, após a compreensão da demanda escolar a partir de um
olhar cognitivo-comportamental, muitas técnicas e estratégias psicoterápicas da Terapia Cognitiva
Comportamental (TCC) podem ser adaptadas e desenvolvidas no contexto escolar. Desta forma, as
intervenções grupais realizadas buscaram adaptar algumas técnicas da TCC (Leahy, 2006), levando em
consideração as especificidades do contexto escolar e sua aplicabilidade à infância e adolescência,
conforme sugere Neufeld, Ferreira e Maltoni (2016a) e Neufeld et al. (2015). Para estes autores, é
importante que as intervenções grupais contemplem atividades lúdicas e criativas que chamem a atenção
e o interesse dos participantes e que possibilitem a projeção de seus pensamentos, emoções e
comportamentos no coletivo.
Turma do 3º ano: relações interpessoais e dificuldades para externar opiniões
A turma do 3º ano composta por 22 estudantes, com faixa etária entre oito e 10 anos de idade, foi
dividida em dois grupos com 11 participantes que se encontraram ao longo de 20 encontros. A demanda
identificada nesta turma foi a de dificuldades nas relações interpessoais, bem como dificuldades de
externar emoções e pensamentos de forma adequada, sem recorrer à recursos verbais ou comportamentais
violentos e agressivos. Conforme Caballo (2014), as habilidades socioemocionais se referem àquelas
construídas na interação social e afetiva, representadas na forma como a pessoa percebe, sente e nomeia a
associação entre as situações e comportamentos. Neste sentido, para Del Prette e Del Prette (2003),
estratégias que articulem os sentimentos, pensamentos e comportamentos possibilitam a construção de
relações sociais adequadas em diferentes situações e demandas interpessoais.
Para atender tal objetivo, buscou-se desenvolver o reconhecimento de situações-problemas
comuns ao grupo, identificar pensamentos, emoções e comportamentos associados e desenvolver técnicas
de reestruturação cognitiva e mudança comportamental. O primeiro encontro, conforme sugere Neufeld et
al. (2017), foi direcionado para a apresentação do mediador, dos estudantes, da prática da psicologia
escolar e sua relação com os objetivos dos encontros, bem como para a construção de acordos coletivos.
No segundo e terceiro encontro criou-se uma mascote com o objetivo de delinear uma identidade
grupal e reconhecer algumas expressões cognitivas, emocionais e comportamentais (Neufeld et al. 2015)
dos estudantes. A mascote foi nomeada como “Rebeca” e recebeu a projeção grupal sobre algumas
situações comuns ao cotidiano na escola, família e grupo de amigos. A turma foi dividida em três
pequenos grupos e cada um deles recebeu um espaço social (escola, família ou amigos) para construir
situações e projetá-las em um cartaz. Quatro perguntas geradoras foram distribuídas aos grupos para
auxiliar na construção das situações: Quais situações que deixam Rebeca triste? Quais situações que
deixam Rebeca com raiva? Quais situações que deixam Rebeca feliz? Quais situações que deixam Rebeca
com medo? Todos os grupos puderam contribuir na construção das situações, visto que os cartazes
circularam entre eles.
No quarto e quinto encontro, com o objetivo de psicoeducar (Beck, 2013; Leahy, 2006) o grupo
de estudantes sobre o modelo cognitivo, distribui-se as situações construídas entre duplas e solicitou-se
que os estudantes produzissem possíveis pensamentos, emoções e comportamentos associadas a ela. Os
pensamentos foram escritos em balões coloridos, as emoções em corações de EVA e os comportamentos
em cartolina. Orientou-se os (as) estudantes a ligarem com um barbante as situações vivenciadas com os
balões (pensamentos automáticos), corações (emoções) e cartolinas (comportamentos), buscando
compreender a relação entre eles. As duplas socializaram no grande grupo suas produções e buscou-se
então discutir sobre a influência dos pensamentos nas emoções e o quanto que os comportamentos são
tensionados por elas. Ou seja, a maneira como interpretamos as situações do cotidiano é que determina a
maneira como nos sentimentos e perceber os nossos pensamentos, compreendê-los e aprender a
questioná-los e, até mesmo testá-los, quando possível, é uma possibilidade para diminuir emoções
negativas e, por consequência, comportamentos disfuncionais e inadequados socialmente (Beck, 2013).
Ainda, buscou-se discutir sobre a forma como os comportamentos refletem as emoções e a influência de
respostas comportamentais disfuncionais ou inadequadas sobre as relações sociais. O objetivo foi
construir, junto ao grupo de estudantes, respostas comportamentais alternativas, visto que, conforme
Caballo (2014) é importante que os comportamentos expressem sentimentos, atitudes, desejos, opiniões
ou direitos, mas sem gerar prejuízos ou problemas ao outro e as próprias interações sociais.
Do sexto ao décimo encontro buscou-se adaptar algumas técnicas de reestruturação cognitiva em
forma de cartas direcionadas à Rebeca, simulando a técnica de ventilação escrita (Leahy, 2006) para
trabalhar o questionamento dos pensamentos automáticos criados. Os (as) estudantes, em pequenos
grupos, foram recebendo perguntas que auxiliaram a escrita e proporcionaram o questionamento dos
pensamentos automáticos, emoções e comportamentos disfuncionais/inadequados da personagem. As
perguntas foram adaptadas das técnicas da seta descendente, teste de evidências, atribuição de

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significado, análise custo benefício e construção de alternativas descritas em Leahy (2006). Para Oliva
(2016), perguntas auxiliares frente situações-problemas que demandem habilidades emocionais e
comportamentais podem ser um importante dispositivo para o desenvolvimento de habilidades
socioemocionais. As cartas foram lidas no grande grupo e discutidas coletivamente.
Do décimo primeiro ao décimo sexto encontro foi proposto a contação de histórias infantis. Para
Santos (2011), as histórias infantis estimulam o desenvolvimento intelectual e promovem ideias e atitudes
positivas que mobilizam a formação de habilidades que contribuem para a formação pessoal e social.
Foram escolhidas duas histórias que fazem parte da coleção “Habilidades para a Vida - HVs”, destinada
às crianças com idades entre seis e 10 anos. A escolha pelas histórias partiu dos objetivos a serem
atingidos com o grupo: desenvolvimento de habilidades socioemocionais.
O livro “A arte de conviver com Gustavo, o cão” de Neufeld, Ferreira e Maltoni (2016b) trabalha
as habilidades de relacionamento interpessoal e autoconhecimento. As autoras buscam trabalhar
interações positivas com o outro, auxiliando na vinculação e na manutenção de relacionamentos sociais e
afetivos. Ao longo da história, as autoras trazem exercícios interativos que buscam promover o
autoconhecimento na medida em que exploram pensamentos, emoções e comportamentos do personagem
a partir da experiência do próprio leitor.
Outra história utilizada foi a contada pelos autores Neufeld, Maltoni e Ferreira (2016c), no livro
“Aprendendo a se posicionar com o Pedro, o coelho”. Esta história auxilia no desenvolvimento de
comportamentos assertivos, propiciando uma melhor externalização de pensamentos e emoções,
considerando a influência da resposta comportamental na interação social. A história infantil trabalha
algumas expressões empáticas frente os relacionamentos sociais e afetivos e também apresenta exercícios
interativos que buscam relacionar a história do personagem com a história do (a) leitor (a). Após a
contação das histórias, os estudantes foram estimulados a construírem um outro final ao personagem
principal, buscando ampliar as discussões trazidas pelos autores.
Do décimo sétimo ao décimo nono encontro trabalhou-se com a discussão de cartões com
situações associadas a habilidades sociais. Estes cartões foram construídos com base nas sugestões de
Oliva (2016) e buscaram desenvolver a habilidade de expressar desejos, sentimentos e atitudes de forma
socialmente adequada (Caballo, 2014). Dentre as situações descritas nos cartões, estavam: “perceber o
colega triste”; “ter vontade de bater”; “ter vontade de chorar”; “ter vontade de dizer que amo”, “dizer
não”, “pedir desculpas”, “iniciar uma interação social” e “emitir e enfrentar críticas”. Esses cartões foram
deixados em um caixa ao fundo da sala. Em alguns dos encontros, os (as) estudantes foram convidados
(as) a posicionar-se em círculo e orientados a alguém retirar um cartão. Esse cartão foi lido pelo (a)
estudante e discutido pelo grupo. As discussões realizadas buscaram relacionar as situações com o
cotidiano dos (as) estudantes, refletir sobre o comportamento frente a ela e buscar soluções alternativas,
quando necessário. No vigésimo encontro realizou-se o fechamento com o grupo de estudantes com um
lanche compartilhado e discussões sobre os aspectos aprendidos nos encontros.
Turma do 6º ano: comportamentos desafiadores e opositores
A turma do 6º ano composta por 24 estudantes, com faixa etária entre 11 e 13 anos de idade, foi
dividida em dois grupos com 12 de participantes. A demanda do grupo esteve relacionada a
comportamentos desafiadores e opositores e foi trabalhada ao longo de 18 encontros. O primeiro
encontro teve o mesmo objetivo relatado na intervenção grupal anterior. O segundo e terceiro encontro
buscaram conhecer o grupo e criar uma identidade grupal e, portanto, adotou-se o mesmo manejo do
grupo anterior no que se refere a construção da mascote e elaboração de situações vivenciadas por ela em
diferentes espaços sociais. A mascote recebeu o nome de “Gertrudes” e apresentou, predominantemente,
pensamentos associados a rejeição e oposição, emoções de medo, raiva e tristeza e comportamentos
respondentes como brigas, xingamentos e agressões físicas.
Conforme Ceron-Litvoc, Gutt, Zukauskas e Polanczyk (2014), comportamentos de agressividade
que expressam irritabilidade e oposição são comuns na infância e adolescência, pois as crianças e
adolescentes estão reconhecendo e aprendendo a lidar com suas emoções e buscam em seu repertório
comportamental maneiras de externar o que sentem. Neste sentido, é pertinente compreender a
funcionalidade das emoções e dos comportamentos opositivos e desafiadores em uma perspectiva
histórico-cultural que revela a história de desenvolvimento socioemocional de cada indivíduo. Piske
(2013) enfatiza que o desenvolvimento socioemocional contempla diferentes experiências históricas e
culturais que envolvem sentimentos e emoções com um propósito, sentido e significado social. Assim,
para Ceron-Litvoc et al. (2014), nem sempre a escola está preparada para compreender a significar os
comportamentos opositores e desafiadores de seus estudantes como uma forma de expressão e busca por
validação emocional.

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Por esta razão, Lipp (2016) sinaliza que muitos estudantes com comportamentos desafiadores são
comumente reconhecidos como “alunos-problemas” que apresentam comprometimento no
desenvolvimento socioemocional e de habilidades interpessoais, bem como déficits em empatia. Esta
autora enfatiza que a intervenção no contexto escolar para redução de comportamentos agressivos é
relevante, visto o lugar da escola como espaço social para a promoção de saúde mental para estudantes e
professores (as).
Devido aos conflitos e à fragilidade no manejo da raiva e dos comportamentos agressivos e
impulsivos entre os participantes do grupo, houve a necessidade de construir acordos grupais específicos,
uma vez que os (as) estudantes tinham dificuldade de respeitar as relações e a diversidade de opiniões dos
demais integrantes do grupo. Estes acordos foram elaborados ao longo do quarto encontro, mas
retomados sempre que necessário. Na elaboração destes acordos, não se definiu o que era “certo” e
“errado” previamente, buscando construir um conjunto de valores com o grupo, conforme sugere Neufeld
et al. (2015). Para reforçar os comportamentos de empatia entre os participantes, mantendo a coesão
grupal, utilizou-se a técnica de economia de fichas. Neufeld et al. (2016a) defendem que essa técnica
firma a importância de respeitar os acordos grupais e incentivar a cooperação como um todo. Em um
primeiro momento, construiu-se com o grupo uma lista de desejos que poderiam ser atendidos na medida
em que os participantes respeitassem as regras construídas. Entre estes desejos estiveram presentes: fazer
uma gincana, um passeio e um piquenique. Construiu-se com o grupo um grande tabuleiro no qual
algumas casas representavam a possibilidade de realizar um dos desejos. Para chegar até essas casas, o
grupo deveria juntar fichas e avançar gradativamente.
Aliou-se a técnica com a mascote criada para representar a identidade grupal. A mascote era
quem “andava” no tabuleiro, ao final de cada encontro. Cada estudante que realizava um comportamento
que expressasse empatia e tolerância à diferença no grupo recebia individualmente uma ficha. Ao final do
encontro, as fichas de todos eram somadas e, a cada três fichas, a mascote “Gertrudes” andava uma casa
no tabuleiro. Ao longo da prática, o grupo ganhou um piquenique e um passeio na praça da cidade como
uma forma de valorizar a coesão grupal conquistada pelos estudantes.
Nas experiências grupais, pode-se perceber nos (as) estudantes dificuldades no reconhecimento
das emoções (suas e do outro) e no manejo da raiva e impulsividade. Com o objetivo de ampliar o
repertório de conhecimento sobre as emoções, utilizou-se a psicoeducação do modelo cognitivo por
intermédio da mímica (Neufeld et al. 2016a). No quinto e sexto encontro foram distribuídos pedaços de
papel entre os (as) estudantes, com o nome das emoções. Essas emoções deveriam ser imitadas para que
os (as) colegas adivinhassem. Após adivinhar cada uma das emoções distribuídas, os estudantes,
organizados em pequenos grupos, foram encorajados a desenhar em um cartaz os ambientes, pessoas e
situações que despertavam as emoções, bem como alguns pensamentos automáticos associados. No
sétimo e oitavo encontro buscou-se pensar, junto ao grupo, formas de externalizar as emoções descritas
sem agredir o outro. Para cada encontro que se iniciava após essa intervenção, relembravam-se com os
(as) estudantes as emoções e a importância de as reconhecer e falar sobre elas, da mesma forma que
respeitar e ser empático à emoção manifestada pelo outro.
Para dar seguimento à intervenção, do nono ao décimo terceiro encontro utilizou-se o baralho das
emoções (Caminha & Caminha, 2011) e dos comportamentos (Caminha & Caminha 2013). As cartas
contendo as emoções e comportamentos foram distribuídas a pequenos grupos que deveriam montar uma
história. A partir das dimensões comportamentais das habilidades socioemocionais trazidas por Caballo
(2014), mediou-se a construção da história com reflexões sobre os pensamentos, emoções e,
especialmente, sobre os comportamentos que apareciam associados às diferentes situações construídas
pelo grupo. Do décimo terceiro ao décimo sétimo encontro, as histórias foram materializadas em
personagens confeccionados em fantoches e, através da dramatização (Neulfed et al., 2017), os grupos
encenaram sua história, utilizando os fantoches, em um palco improvisado. No décimo oitavo e último
encontro buscou-se retomar os objetivos iniciais do grupo e conversar com os estudantes sobre as
aprendizagens socioemocionais adquiridas. Ao longo dos encontros, pode-se observar mudanças
comportamentais nas interações sociais grupais que sinalizavam um maior reconhecimento das emoções
(suas e dos outros), bem como a presença de novos comportamentos e estratégias na resolução de
conflitos interpessoais.
Considerações Finais
As intervenções grupais descritas neste artigo foram desenvolvidas a partir de demandas
escolares associadas às relações interpessoais e comportamentos desafiadores e opositores. As ações
buscaram desenvolver habilidades socioemocionais a partir de intervenções cognitivo comportamentais.
Embora algumas técnicas tenham se repetido nas intervenções grupais propostas, buscou-se construir

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intervenções singulares que espelhassem o funcionamento e interesse de cada uma das turmas. Esse
cuidado legitima a importância de, ao se utilizar da ACC no contexto escolar, é necessário definir técnicas
e construir intervenções que partam de uma referência científica associada à eficácia e efetividade, mas
que, ao mesmo tempo, reconheçam as singularidades da realidade encontrada.
Os resultados das intervenções descritas foram percebidos a partir da narrativa de professores
(as), dos (as) estudantes e pela observação das mudanças cognitivas e comportamentais vivenciadas no
próprio grupo. No grupo do 3º ano houve relatos de melhora nas relações interpessoais, com diminuição
da agressividade e uma maior autonomia dos estudantes em externar suas opiniões em sala de aula de
forma a respeitar a diversidade. No grupo do 6º ano houve relatos de comportamentos mais assertivos,
bem como uma diminuição de comportamentos agressivos, associado à busca de alternativas para a
resolução de problemas, como buscar o auxílio da professora para mediar os conflitos interpessoais.
Não se pode avaliar a eficácia e efetividade das práticas descritas a partir de critérios científicos,
uma vez que não se utilizou instrumentos para análise e coleta de informações antes e após a intervenção,
tampouco uma metodologia que possibilitasse a comparação com um grupo controle. A utilização de
instrumentos para avaliar e desenvolver competências socioemocionais tais como os descritos por Marin,
Silva, Andrade, Bernardes e Fava (2017) podem auxiliar em intervenções escolares com este objetivo.
No entanto, destaca-se que, conforme as orientações dos Periódicos Eletrônicos em Psicologia (2014), a
relevância de um relato de experiência está na pertinência e importância dos problemas que nele se
expõem, assim como a possível generalização na aplicação de procedimentos em outras situações
similares. Desta forma, mesmo que não este relato não apresente ou valide um protocolo de intervenção
cognitivo-comportamental, ele colabora com a práxis metodológica da área a qual pertence, oferecendo
relatos de práticas singulares que podem ser adaptadas a outros contextos e demandas escolares, conforme
a criatividade do profissional.
Referências
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Recebido em: outubro de 2019 Aceito em: fevereiro de 2021
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Márcia Elisa Jager: Psicóloga. Mestre em Psicologia. Docente no curso de Psicologia da Universidade
Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus de Santiago. Doutoranda no Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria.

111 Aletheia v.54, n.1, jan./jun. 2021


Isadora Esteve Torres: Psicóloga. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal de Santa Maria.
Laís Ismael Freitas: Psicóloga. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal de Santa Maria.
Samara Silva dos Santos: Psicóloga. Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Professora adjunta do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação da
Universidade Federal de Santa Maria.
E-mail para contato: marciajager@yahoo.com.br.

112 Aletheia v.54, n.1, jan./jun. 2021

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