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2017 Spa Vii Ppgac Eca Usp Caderno Resumos

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SPA 2017 PPGAC, ECA/USP

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Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo

S471r Resumos do Seminário de Pesquisas em Andamento PPGAC/USP (1.1 : 2017 :


São Paulo)

Resumos do 7º Seminário de Pesquisas em Andamento PPGAC/ USP /


organização: Elisabeth Silva Lopes; Carolina de Nadai, Catarina Martinho, Dáda
Felix, Danilo Silveira, Humberto Issao Sueyoshi, Isis Akagi, Marcello Amalfi,
Phelippe Celestino, Sofia Vilasboas – São Paulo: PPGAC-ECA/ USP, 2017.

v.1, n.1, p.470

Resumos apresentados no Seminário, realizado de 05 a 08 de setembro de 2017,


Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Escola de Comunicações e Artes/
USP.

ISSN 2318-8928

1. Teatro – Seminários 2. Teatro – Pesquisa I. Universidade de São Paulo. Escola


de Comunicações e Artes. Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas.

CDD: 792

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO …………………………………………………………………… 5

FICHA TÉCNICA …………………………………………………………………… 6

DADOS ESTATÍSTICOS …………………………………………………….……… 7

PROGRAMAÇÃO …………………………………………………………………… 8

REGISTROS FOTOGRÁFICOS ………………………………………….………… 10

RESUMOS ……………………………………………………………………..……… 18

ÍNDICE REMISSIVO (TÍTULOS DOS RESUMOS) …………………….………… 448

ÍNDICE ONOMÁSTICO (AUTORES DOS RESUMOS) …………………..……… 457

AGRADECIMENTOS ………………………………………………………………… 468

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APRESENTAÇÃO
O Seminário de Pesquisas em Andamento (SPA) é uma iniciativa dos alunos do
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da USP, que ocorre desde 2011, e tem como
objetivo criar um espaço de troca de experiências entre pesquisadores das Artes Cênicas para
ampliar a difusão das pesquisas em andamento e recém-concluídas na área.
Sua 7ª edição ocorreu nos dias 05, 06, 07 e 08 de setembro de 2017 (de terça a sexta-
feira), nas dependências do Departamento de Artes Cênicas da USP, em São Paulo - capital,
com a participação de 136 pesquisadores de 84 Universidades, perfazendo 142 horas de
atividades de aprofundamento e compartilhamento artístico e científico.
A conferência de abertura, “Anatomia de uma Decisão”, foi proferida pelo artista e
coreógrafo português João Fiadeiro.
As comunicações se deram em dois formatos: Comunicação Oral e Comunicação com
Demonstração Técnica. Foram aceitas submissões de comunicações relativas a pesquisas de
iniciação científica, trabalho de conclusão de curso, especialização, mestrado, doutorado, pós-
doutorado e pesquisa docente. Os trabalhos de iniciação científica e de conclusão de curso
foram aceitos desde que a pesquisa se concluísse até a data de apresentação no seminário.
Também foram aceitas inscrições de comunicações de Grupos de Pesquisas de universidades
interessados em apresentar suas linhas de pesquisa.
Nesta edição o seminário apresentou inovações estruturais significativas, como a
abertura para o envio de propostas de Oficinas e Palestras aos pesquisadores com trabalhos
aprovados para apresentação no evento; e a realização de seu primeiro Grupo de Trabalho:
Música e Voz nas Artes Cênicas.
Todas as atividades foram certificadas e os participantes tiveram seus trabalhos
publicados neste Caderno de Resumos (ISSN 2318-8928) com 470 páginas, contendo 138
resumos expandidos produzidos por 171 autores; o qual também inova ao apresentar a partir
desta edição o Índice Remissivo e o Índice Onomástico para auxiliar a localização dos títulos
e autores dos resumos, os Dados Estatísticos do evento, bem como Registros Fotográficos -
inovações que vão de encontro ao intuito de valorizar e preservar a memória do Seminário.

Tenham todos um ótima leitura!


Comissão de Organização SPA 2017


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FICHA TÉCNICA

COMISSÃO DE ORGANIZAÇÃO DO SEMINÁRIO & EDITORAÇÃO DO
CADERNO DE RESUMOS

Carolina Camargo De Nadai Isis Akagi


Catarina Martinho Marcello Amalfi
Dáda Felix Phelippe Celestino
Danilo Silveira Sofia Vilasboas

Humberto Issao Sueyoshi

MONITORES

Camilla Silva Gabrielle Távora
Chis Alexander Martins Guilherme Rodrigues
Fernanda Machado Victor Walles


APOIO TÉCNICO
Gustavo Gus e Marco Antonio Del Solle (CAC, ECA - USP)

DIAGRAMAÇÃO E ARTE DO CADERNO DE RESUMOS


Marcello Amalfi

REGISTRO FOTOGRÁFICO
Carolina Camargo De Nadai / Marcello Amalfi

SECRETÁRIA DO PPGAC/ECA-USP
Tamara Elizabeth Cury Sciré

PROFESSORA RESPONSÁVEL
Profa. Dra. Elizabeth Silva Lopes

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES


Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443
Cidade Universitária - 05508-020 - São Paulo – SP – Brasil
http://www3.eca.usp.br/ppgac/spa
spappgac@gmail.com


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DADOS ESTATÍSTICOS
EVENTO:
Período de pré-produção: novembro de 2016 à Setembro 2017
Duração: 4 dias

COMISSÃO ORGANIZAÇÃO: 18
Docentes: 1
Discentes Graduação: 6
Discentes Pós-graduação: 9
Apoio técnico: 2

PESQUISADORES PARTICIPANTES: 136 (USP: 53/OUTRAS UNIVERSIDADES: 83)


Docentes:12
Graduação - Iniciação Científica: 22
Graduação - TCC : 10
Pós-Graduação - Especialização: 4
Pós-Graduação - Mestrado: 55
Pós-Graduação - Doutorado: 31
Pós-Graduação - Pós-Doutorado: 2

FEIRA DE LIVROS:
Editoras participantes: 4
Lançamentos realizados:
Livros doados para a Biblioteca Central da ECA: 8

ABERTURA DO EVENTO:
Duração: 4Hs
Espectadores: 152

ATIVIDADES:
Oficinas: 11 (44Hs)
Palestras: 3 (9Hs)
Mesas de comunicação / Demonstrações técnicas: 29 (87Hs)
Apresentações Artísticas: 3 (2Hs)

CADERNO DE RESUMOS:
Páginas: 470
Resumos: 138
Autores: 171

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PROGRAMAÇÃO (VISÃO GERAL)

TERÇA-FEIRA (05 de setembro)

9h00 - Credenciamento
9h40 - Café da manhã
10h00 - Abertura Oficial do evento
10h20 - Palestra de abertura Anatomia de uma Decisão com João Fiadeiro
14h00 - Comunicações (orais e com demonstração técnica)
17h00 - Café da tarde
17h10 - Apresentação artística Vulvar – no lugar dela, de Marta Baião (USP)
18h30 - Oficina com João Fiadeiro

QUARTA-FEIRA (06 de setembro)

9h00 - Atividades simultâneas:


• Comunicações dos Grupos de Pesquisa
• Espaço Aberto de Conversa – Sobre a Produção Acadêmica nas Artes Cênicas:
heranças históricas, impasses sociais, rumos da pesquisa – Mediação: Editores da
Revista Aspas
• Grupo de Trabalho – Música e Voz nas Artes Cênicas: o músicoator tecendo seu
espaço – Coordenação: Dáda Felix e Marcello Amalfi
14h00 - Comunicações (orais e com demonstração técnica)
17h00 - Café da tarde
17h10 - Ação coreográfica Cardume, de Candice Didonet (UFPB)
18h30 - Oficina com João Fiadeiro

QUINTA-FEIRA (07 de setembro)

9h00 - Espaço de Compartilhamento: Oficinas e Palestras (ver programação referente)


14h00 - Comunicações (orais e com demonstração técnica)
17h00 - Café da tarde
17h10 - Apresentação artística Mulher da Montanha – versão de bolso, de Nadya Moretto
(USP)
18h30 - Oficina com João Fiadeiro

SEXTA-FEIRA (08 de setembro)

9h00 - Espaço de Compartilhamento: Oficinas e Palestras (ver programação referente)


14h00 - Comunicações (orais e com demonstração técnica)
17h00 - Café da tarde
18h30 - Encerramento/ demonstração pública da oficina do João Fiadeiro com participantes
23h00 - Festa de encerramento do VII SPA no Mundo Pensante (Show da Trupe Chá de
Boldo)

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PROGRAMAÇÃO (ESPAÇO DE COMPARTILHAMENTO)

QUINTA-FEIRA (07 de setembro, 09h00)

OFICINAS:
VAMOS PREPARAR UM ENSAIO? (Ana Paula Zanandréa, UFRGS)

POÉTICAS CORPORAIS A PARTIR DE EXPERIÊNCIAS COM A GERMAN DANCE


(Sayonara Pereira, USP)

LOUCO POR AROMAS (Tânia Villarroel Andrade, UNICAMP)

OS JOGOS MÚSICO-TEATRAIS DE JEAN-JACQUES LEMÊTRE DO THÉÂTRE DU


SOLEIL (Marcello Amalfi, USP / Université Paris 8)

UM CONVITE A ESCUTA DO ESTAR “LADO A LADO”, LADO-A-LADEANDO (Clara


Passaro, UFBA)

JOGOS PARA TRABALHAR O ENSINO TRIANGULAR DO TEATRO (Elaine de Souza


Silva, UFBA)

PALESTRA:
O TRÁGICO NA CENA CONTEMPORÂNEA: UMA EXPRESSÃO CORAL? (Carmem
Gadelha, UFRJ)

SEXTA-FEIRA (08 de setembro, 09h00)

OFICINAS:
O PACOTE DE ESTÍMULOS COMO DISPARADOR DE PROCESSOS CRIATIVOS
DENTRO E FORA DA SALA DE AULA (Amanda Duarte, UFBA)

CARTOGRAFIAS CORPO-ESPAÇO (Dora de Andrade Silva, UEMS)

PARTITURANDO COM VIEWPOINTS EM CENA (Mônica Mello, URCA)

QUE CORPO ESTÁ AQUI? O CORPO DO ALUNO EM CENA: USO PEDAGÓGICO DA


MÁSCARA NEUTRA (Mayara Tenório Gomes, Maicon Lima da Silva e Celeia Machado,
UFRJ)

BORDADO EXPERIMENTAL (Maria Celina Gil, USP)

PALESTRA:
A MONETIZAÇÃO DO ARTISTA E OS MEIOS DIGITAIS COMO NOVAS
PERSPECTIVAS DE PRODUÇÃO E CRIAÇÃO ARTÍSTICA (Laura Inês Sada Haddad,
USP)

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REGISTROS FOTOGRÁFICOS

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LES ÉPHÉMÈRES - CINEMA EM CENA NO THÉÂTRE DU SOLEIL


Julia Da Silveira Carrera

Palavras-Chave
cineficação da cena, filme de teatro, intermidialidade, cena expandida

A dissertação propõe uma análise da obra de Ariane Mnouchkine e do Théâtre du


Soleil, a partir do estudo sobre relações entre cinema e teatro, tendo como objeto principal de
pesquisa o espetáculo “Les Éphémères” (2006). Interessa investigar, além dos “filmes de
teatro” (PICON-VALLIN, 2001) produzidos, a influência da linguagem cinematográfica no
processo de criação da cena teatral no espetáculo “Les Éphémères” e os desdobramentos deste
nas obras seguintes da companhia. Este espetáculo é relevante na trajetória do grupo pela
ruptura temática e pela originalidade da encenação, da relação ator x espectador e do processo
de criação, diferenciando-se do que foi realizado em projetos anteriores. Como metodologia
adotada, analiso a trajetória da companhia e o espetáculo escolhido, a partir das teorias do
cinema (BAZIN, AUMONT, SONTAG, XAVIER), das teorias do teatro (FÉRAL, PAVIS,
FISCHER-LICHTE, PICON-VALLIN), além dos estudos sobre intermidialidade (PLUTA).
Parto da hipótese de que o espetáculo se destaca no repertório da companhia justamente por
incluir lacunas em sua tessitura como consequência da narrativa híbrida, presentes em um
teatro que absorve a linguagem do cinema e apresenta traços do teatro performativo,
oferecendo ao espectador uma experiência cinética que procura instaurar um presente
permanente, atualizado a cada instante, efêmero. Sendo um presente, passado e futuro
desaparecem, levando consigo a ideia de conflito e deixando o espectador livre para a
contemplação, - seja da cena, seja do outro espectador ou ator diante de si. Neste lugar,
portanto, não se pode pensar em um espetáculo que “re-presenta” a realidade, posto que não
há um único referencial de origem que deve ser evocado novamente, mas, sim, a constante
instauração de um tempo/espaço que se atualiza a cada experiência compartilhada por todos,
diante de todos. Analisei o processo de criação da peça em relação aos demais espetáculos da
companhia, observando sua consonância com o teatro contemporâneo, ainda que a companhia
não apresente como meta a inserção em nenhum rótulo ou gênero de criação artística, e
analisei as interlocuções que se dão entre o cinema e o teatro, em termos técnicos e estéticos,

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trazendo um contexto teórico como baliza. Assim, no primeiro capítulo, introduzi algumas
reflexões sobre o cinema e o teatro, suas imbricações e influências, tendo como referências
teóricas as análises dos autores BAZIN, AUMONT, SONTAG, XAVIER, e PAVIS. Em
seguida, me detive sobre os conceitos de “Filme de Teatro” e “Cineficação da Cena”,
propostos por Beatrice Picon-Vallin, e “Intermedialidade”, por Isabella Pluta, como
ferramentas para uma análise das relações entre teatro e cinema no teatro contemporâneo. Ao
final deste capítulo apresento uma análise histórica do percurso do Théâtre du Soleil, tendo
como guia a sua dupla vocação como companhia de teatro e equipe de cinema. No segundo
capítulo, iniciei a análise do espetáculo em questão com um estudo sobre as notas de ensaio
de “Les Éphémères” presentes no programa oferecido ao público na temporada francesa, sob
a ótica dos escritos de artista e das pesquisas sobre material de arquivo. Em seguida, propus
um aprofundamento na análise do processo criativo que originou o espetáculo, seu
alinhamento com o teatro performativo (FÉRAL, 2015) e com a ideia da
“autoetnografia” (VERSIANI, 2002), tendo como foco principal o trabalho do ator do Théâtre
du Soleil. Por fim e para exemplificar, tomando como base a entrevista realizada com a atriz
Juliana Carneiro da Cunha em junho de 2016 e com Ariane Mnouchkine em março de 2017,
analisei o processo criativo a partir do olhar das artistas, desde o ponto de partida do processo
até as reações do público que se seguiram durante a temporada e turnê mundial do espetáculo.
No terceiro capítulo, propus uma análise do espetáculo elegendo algumas cenas
emblemáticas, observando os efeitos da hibridação da cena e do filme produzido a partir
deste. Procurei mostrar por que “Les Éphémères” se caracteriza como um momento único no
percurso do Théâtre du Soleil. Também procuro enfocar o teatro biográfico e autobiográfico
sob a ótica da diretora Ariane Mnouchkine, que tem episódios marcantes da sua vida pessoal
transformados em cenas do espetáculo. Em seguida, proponho uma análise do espetáculo
seguinte, “Os Náufragos do Louca Esperança” (2010), levando à hipótese de que “Les
Éphémères” inaugura uma nova plataforma de trabalho para a companhia. Por fim, segue-se a
conclusão desta pesquisa, onde incluo algumas reflexões sobre o momento presente da
companhia, quando estão se dando as apresentações de “Une Chambre en Inde”, o mais
recente espetáculo em cartaz na Cartoucherie. A partir de uma fala de Ariane Mnouchkine,
percebe-se que a força motriz da trupe está intimamente ligada ao eterno movimento e a um
olhar sempre voltado ao porvir. Mnouchkine é uma encenadora que carregando um percurso

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de cinquenta e três anos de trabalho ininterrupto é capaz de não ter certezas, de tatear. É uma
pensadora do teatro contemporâneo mais ligada à prática do que à teoria. Ela não escreveu
livros, tampouco se preocupou em organizar e categorizar seu trabalho de forma sistemática.
Finalizei, portanto, com mais interrogações do que quando comecei a pesquisa, especialmente
porque se procurei reter um sentido e um alinhamento de ideias, me dei conta que enquanto as
palavras se sedimentam, elas deixam escapar muitos outros sentidos, que talvez evidenciem
outros caminhos. Percebi que, assim como o cinema, a escritura é também uma tentativa de
capturar um instante, de circunscrever no tempo e no espaço uma matéria volátil, fugidia e
sempre inacabada. Envelhece a cada ponto final. E como o que nos mantém vivos é o
movimento, imagino novas páginas em branco, assim como todo o porvir que o Théâtre du
Soleil tem pela frente. A metodologia de trabalho adotada se iniciou através do mapeamento
da bibliografia e videografia a respeito do Théâtre du Soleil, sua história, processos de criação
e, em especial, a produção intelectual realizada em torno do espetáculo “Les Éphémères”,
além do registro fílmico e programas das temporadas do espetáculo a que pude ter acesso.
Vale atentar que a maior parte deste material encontra-se em língua estrangeira, sobretudo
francês e inglês. Também pesquisei as principais linhas de pensamento teórico no que tange às
relações entre o cinema e o teatro, desde o início do século XX, e suas influências na
contemporaneidade. Pesquisei as principais análises teóricas voltadas ao trabalho do ator com
relação ao teatro performativo. Realizei uma entrevista ao vivo com a atriz Juliana Carneiro
da Cunha, na presença de alguns alunos do curso de Direção Teatral da Escola de
Comunicação da UFRJ, iluminando muitas das lacunas que foram surgindo ao longo da
pesquisa. Também tive a chance de obter algumas respostas da própria diretora, Ariane
Mnouchkine, o que elevou o patamar desta pesquisa e aumentou a responsabilidade diante dos
resultados a se alcançar. Por fim, reuni todo este material para a escritura desta dissertação,
procurando trazer um enfoque original ao trabalho, tanto pelas articulações quanto linha de
análise, mas especialmente por realizá-lo em língua portuguesa, traduzindo textos importantes
para a análise e contribuindo para ampliar as fontes de pesquisa sobre o Théâtre du Soleil no
Brasil.

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MÁSCARAS E RITUAL – UMA EXPERIÊNCIA AMAZÔNICA COM OS TICUNAS


Vanessa Benites Bordin

Palavras-Chave
bufão, máscaras, ritual

Esta proposta surge como um desenvolvimento da pesquisa iniciada no mestrado


(2011-2013), que traz uma reflexão sobre a apropriação do jogo do bufão na criação de uma
interface para o ator/performer. Uma das questões primordiais da investigação com o bufão é
o jogo com a máscara de corpo inteiro, onde a experimentação a partir do corpo grotesco é um
elemento chave na construção cênica que leva à espontaneidade. O artista, nesta direção, pode
se apropriar deste instrumental para criar algo próprio e autoral de acordo com o contexto
social que ele quer remeter e parodiar, mantendo os aspectos do cômico e grotesco como eixo
de seu trabalho. Por isso, durante a pesquisa, pensamos em como seria o bufão hoje, que
poderia ser um artista autoral e com estilo próprio, como relacionamos com a ideia dos
performers artivistas (junção do termo ativistas e artistas): artistas engajados que colocam sua
arte em sintonia com as questões políticas da atualidade de maneira interventiva e bem-
humorada, assumindo uma postura em que vida e arte se misturam. O desejo de ver a arte e a
vida em fluxo na constituição da persona do artista, como era com os Bobos da Idade Média e
como percebemos em alguns performers que estudamos, é algo presente no universo
ameríndio, onde não há a dissociação entre arte e vida: a arte faz parte do cotidiano e se
potencializa no momento ritual. Assim, buscamos também algo de transcendental e mágico
que a arte parece evocar. A magia e transcendentalidade fazem parte das discussões sobre o
bufão. Elisabeth Lopes nos faz pensar sobre o assunto: Sem ter a pretensão de abarcá-lo aqui
em toda a sua extensão, apontamos primeiramente uma espécie que, por não pertencer ao
universo específico do teatro, inserimos entre os bufões míticos, representados nas festas e
rituais que se associavam ao conceito de fertilidade e progresso. (...). Pertencem a esta
categoria os bailarinos diabólicos, xamãs, sacerdotes e reis, que utilizavam a imitação
burlesca, nas comunidades primitivas, para domesticar o riso pela via da ritualização
(Macedo, 2000, p. 36). As figuras extraordinárias destas representações ridicularizantes,
monstros, bruxas, anões, gigantes e loucos transpunham o imaginário popular, misturando os

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elementos satíricos com as situações sérias, alinhando valores opostos como o sagrado e o
profano, vida e morte, representação e realidade. (LOPES, 2005, p.10). Da mesma maneira
que o bufão representa o louco, ao revelar verdades ocultas, o xamã também é visto por
alguns, como louco. A ideia de loucura se dá pelo fato de ser o xamã “fazedor de mundos”-
como nos sugere Joana Overing (1990) - quem faz a ponte entre o mundo espiritual e o
mundo material, podendo se transformar em diferentes seres e então revelar novas
perspectivas para o seu povo. “Magos e xamãs tem poderes extraordinários para ajudar e
proteger os seres humanos porque podem entender-se com espíritos invisíveis de todos os
tipos e enfrentá-los. ” (FRAZER, 1982, p. 47). Desta forma, para tentar entender essas
relações que motivam a pesquisa, analiso as máscaras que fazem parte do ritual “A Festa da
Moça Nova” da etnia ameríndia Ticuna , um rito de passagem de menina para mulher. Essas
máscaras de corpo inteiro com características grotescas, que em um primeiro momento podem
remeter à figura do bufão, me levaram a querer conhecer os Ticunas, e hoje, mesmo sabendo
que suas funções e usos são completamente diferentes, percebo que possuem características
em comum e elementos de teatralidade que podem nos ajudar a refletir sobre a arte do ator na
atualidade. A metodologia de trabalho que está sendo utilizada é a pesquisa etnográfica, que
surge na antropologia pela necessidade de dados mais precisos para analisar os modos de vida
de diferentes culturas. Além disso, esse tipo de pesquisa se caracteriza também como um
ritual de iniciação. “ O campo – mais do que a formação acadêmica, a atividade profissional
ou a tese- faz o antropólogo, e assim a ida a campo é muitas vezes vista como um ritual de
iniciação. ” (SÁEZ, 2013, p. 133). Esta ideia, ajuda a compreender o porquê de muitos artistas
utilizarem essa metodologia de pesquisa, já que abre possibilidades para que vivenciem na
prática suas inquietações de estudo, o que de certa forma reverbera em seus processos
criativos. Acredita-se, que a relevância da pesquisa está em trilhar e refletir sobre novos
caminhos para a criação do ator/performer, pensando em um resgate da máscara primitiva no
desejo de fortalecer e renovar a arte desse artista que compartilha diretamente com o público,
no momento presente, possibilitando a abertura de espaços para a multiplicação de
sensibilidades poéticas. Para refletirmos sobre estas questões, temos como referência os
estudos da performance desenvolvidos por Richard Schechner, que abolindo as técnicas do
ator, caminha em direção à antropologia onde vida e arte se misturam, jogando com a
atemporalidade, espacialidade, reflexão e autorreflexão. Richard Schechner atenta para a

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performatividade presente nos rituais sagrados de povos primitivos, e o quanto as artes


performáticas podem estar ligadas a esses rituais sagrados. Eu acredito que se o estudo de
performance não expandir e aprofundar, indo muito além, tanto da formação de pesquisadores
da performance e da tradição ocidental de teatro e dança, o todo acadêmico das artes do palco,
empresa construída sobre a metade do século passado, entrará em colapso. A alternativa feliz
é expandir nossa visão de que a performance deve ser estudada não só como arte, mas como
um meio de compreensão dos processos históricos, sociais e culturais. (SCHECHNER, 2004,
p. 9). Deste modo, Schechner fala que muitos antropólogos vão performatizar a antropologia,
e muitas figuras significativas do teatro vão buscar na antropologia elementos para seu
trabalho.

Referências bibliográficas

FRAZER, James George. O Ramo de Ouro. São Paulo: Guanabara Koogan, 1982.

LOPES, Elisabeth Silva. A Blasfêmia, o prazer, o incorreto. São Paulo: Sala Preta (USP), v.
5, p. 9-21, 2005.

OVERING, Joanna. 1990. The Shaman as a maker of worlds: Nelson Goodman in the
Amazon. Man, vol 25(4).

SÁEZ, Oscar Calavia. Esse obscuro objeto da pesquisa: um manual de método, técnicas e
teses em Antropología. Edição do autor: Santa Catarina, 2013.

SCHECHNER, Richard. Performance Studies: the broad spectrum approach. In: The
Performance Studies Reader. Editado por Henry Bial. Nova Yorque: Routledge, 2004. P. 7-10.

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AUTORIA E REMONTAGEM EM DANÇA CONTEMPORÂNEA


Marcelo Domingues

Palavras-Chave
Autoria, Dança Contemporânea, Remontagem

Para iniciar sua conferência na Sociedade Francesa de Filosofia no ano de 1969,


Michel Foucault toma emprestado de Samuel Beckett a seguinte sentença: “Que importa
quem fala? ”. O filósofo francês, em seguida, analisa que é importante não apenas constatar o
desaparecimento do autor, antes disso, também se faz necessário descobrir em que locais do
discurso a função do autor é exercida (FOUCAULT, 2006). Quem fala, quem profere um
discurso ou cria uma obra possui uma determinada importância. Quem fala importa. A noção
de autor surgiu como uma maneira de punir e controlar os discursos transgressores, era
importante saber quem eram aqueles que desvirtuavam da ordem social vigente. Por outro
lado, essa mesma noção de autor, consequentemente, reforça a individualidade do sujeito
moderno. Assim, a individualidade que a noção de autor traz consigo, confere ao discurso
(assim como às obras artísticas e etc.), autenticidade, distinção e permanência (ANTONIO,
1998). Isto é, autor de uma obra importa, uma vez que a obra atrelada a seu nome passa a ter
um determinado status na sociedade. Na dança, o autor, durante muito tempo, esteve
personificado na figura do coreógrafo. Era ele quem criava as danças, transformava os passos
em sequências a serem dançadas, a princípio nos castelos nobres e, posteriormente, no palco.
Esse profissional era visto como único criador de uma obra de dança e, por conseguinte,
detinha os direitos de uma determinada obra. O coreógrafo ainda pode ser central na dança
contemporânea, ele ainda pode ser visto como aquele que cria uma obra ou aquele de quem
parte uma ideia ou estímulo para a criação de uma obra; a obra dançada no palco pode ser a
ideia externada do coreógrafo. Todavia, tem-se a noção de que ele não cria sozinho, de que há
outros contribuintes no processo de criação artística, como, por exemplo, o bailarino/
bailarino-criador/intérprete. Portanto, há colaboração na autoria, uma vez que ambos os
profissionais trabalham para que a obra seja criada. Entretanto existe uma divisão de trabalho,
de funções, uma divisão de tarefas dentro da criação artística. O coreógrafo pode ser visto
com aquele que detém a autoria da obra como um todo, pois muitas vezes é dele que partiu a

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ideia, o estímulo para a mesma. Por outro lado, o intérprete tem reconhecida sua parcela de
autoria por conta da movimentação de seu próprio corpo para a obra. Mesmo que haja passos
codificados e pré-estabelecidos, devemos ter em mente que cada corpo é diferente do outro, é
atravessado por saberes e experiências únicas que o moldaram até aquele momento. Deste
modo, por ser único, cada corpo possui um modo distinto de executar determinada instrução,
estímulo ou codificação. Assim, se concede autoria a este corpo que dança, e que é a própria
obra, na forma de reconhecimento pelo seu trabalho realizado em determinada obra. Uma
remontagem pode possuir múltiplos significados e diferentes objetivos finais, o que pode
acarretar em várias nomenclaturas, assim como as demandas podem partir de frentes distintas:
do próprio criador da obra, de uma companhia outra, de uma necessidade de atualização e
exposição a novos públicos, de memória. Mesmo que a remontagem ocorra com elenco e
coreógrafo diferentes do da primeira montagem, eles também têm sua parcela de autoria nesta
criação. Isto é, são novas maneiras de pensar, novos corpos novas formas de se mover, são
novos gestos que estão sendo inseridos em uma obra “antiga”. Há autoria quando falamos de
remontagem, pois a maneira como a obra foi remontada remete às peculiaridades de a quem a
remontou e as circunstâncias em que isso ocorreu (CERBINO, 2009). Esta obra que é
remontada está sujeita aos atravessamentos pelos quais seus remontadores foram submetidos
ao longo do tempo; são as particularidades e os novos gestos autorais de quem remonta que
nos permitem percebê-los como coautores. Ao remontar um novo gesto está dando nova vida,
permite que a obra tenha uma nova maneira de existir. A remontagem é exatamente isso, uma
nova maneira que uma obra realizada em outro tempo encontrou para existir, circular e
funcionar na sociedade e no atual intervalo de espaço-tempo. Portanto, uma remontagem não
é uma cópia de uma obra, muito menos uma outra obra, ela é uma nova existência de uma
obra em um outro intervalo de espaço-tempo; logo, possui autenticidade e originalidade
próprias. Consequentemente, quando falamos de remontagem de uma obra a autoria deve
encontrar uma nova maneira de maneira existir e funcionar na sociedade. Cada companhia de
dança acerta esta questão de um determinado modo, e, cabe dizer aqui, não há certo nem
errado. Mas, através das entrevistas realizadas , pudemos constatar que a questão da autoria
na remontagem acontece de forma semelhante à da criação de uma nova obra, trata-se, mais
uma vez, de uma demanda por reconhecimento do trabalho prestado em favor da obra que
está sendo remontada. Assim, o autor está ligado a uma necessidade por reconhecimento e

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prestígio e, não necessariamente por uma exigência de ser proprietário da obra. Não quero
dizer aqui que o autor não possui propriedade de sua criação, mas pelo menos durante as
pesquisas e entrevistas realizadas, entendeu-se que é importante ser reconhecido pelo trabalho
desenvolvido, pela criação, pela colaboração, e não necessariamente possuir a obra em si,
como uma propriedade. A autoria, outrora assumida como punição, hoje é percebida não
apenas como uma maneira de valorizar uma obra, mas como um modo de dar reconhecimento
àquele que criou ou que esteve envolvido em um processo de criação. A autoria se tornou uma
forma de conhecer e reconhecer quem criou o que dentro do processo artístico; a autoria,
portanto, é a forma encontrada para designar, dar reconhecimento e prestígio – dentro de um
determinado meio - aos profissionais envolvidos com a criação de uma obra artística.

Referências bibliográficas

AGAMBEN, Giorgio. O Autor como gesto. In: Profanações. São Paulo: Boitempo Editorial,
2007.

ANTONIO, Irati. Autoria e Cultura na Pós-Modernidade. In: Ci.Inf., Vol. 27, N. 2.


Brasília, 1998.

CERBINO, Beatriz. Dança e memória: usos que o presente faz do passado. Primeira
estação: ensaios sobre a São Paulo Companhia de Dança. São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2009.

FOUCAULT, Michel. O que é um autor?. In: Ditos e Escritos: Estética – literatura e pintura,
música e cinema (vol. III). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.

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JOGOS TEATRAIS- CONHECIMENTO EM ATO


Karine Ramaldes Vieira

Palavras-Chave
experiência, jogos teatrais, vivência

A presente pesquisa busca analisar a metodologia dos jogos teatrais desenvolvida por
Viola Spolin (1906-1994) sob o ponto de vista de um aprendizado pela experiência,
examinada a partir dos conceitos de experiência desenvolvidos por William James
(1842-1910) e John Dewey (1859-1952). Trata-se de uma pesquisa teórica, bibliográfica,
qualitativa, que busca compreender especificamente os conceitos de experiência na
perspectiva destes autores em suas várias formulações, evidenciando ainda possíveis diálogos
com a prática dos jogos teatrais. A metodologia improvisacional dos jogos teatrais, conforme
definida por Viola Spolin é fruto de uma longa construção realizada entre os anos de 1924 a
1990, resultando em uma prática do processo de conhecimento em ato. Prática que configura-
se primordialmente a partir de vivências físicas de jogos, pela sua ação continuada no aqui e
agora e pela reflexão durante o jogo e posterior a ele, um conhecimento obtido
fundamentalmente a partir da experiência significativa. O resultado deste aprendizado dos
jogos é produto de uma experiência completa e integral, na qual a vivência é estruturadora do
processo de conhecimento, o qual é elaborado e consuma-se, finaliza-se, aprimora-se como
vivência e pela vivência. Podemos dizer, seguindo o pensamento do filósofo grego Aristóteles
(384 a.C.-322 a.C.), que os jogos teatrais consumam-se como uma experiência construída na
integração vivenciada com as múltiplas memórias que configuram-se ou executam-se, num
processo em continuum. Experiência, como conceito e ideia, tem uma larga e complexa
trajetória, parte de Aristóteles e atravessa as principais discussões teóricas da modernidade.
Porém, neste trabalho, buscamos relacionar a metodologia dos jogos teatrais de Viola Spolin
apenas com o conceito de experiência desenvolvido por William James e John Dewey. Mas
por que procurar relacionar os jogos teatrais apenas com os princípios filosóficos por eles
desenvolvidos? Há uma razão prática inicial. Ressalte-se, primeiramente, a proximidade
geográfica e temporal das ideias de Dewey com o trabalho de Spolin, que se construiu na
intervenção prática de jogos recreativos e de grupo desenvolvidos por Neva Leona Boyd

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(1876-1963) na Hull House, lugar onde Dewey e Spolin também realizaram suas atividades
pedagógicas, não necessariamente semelhantes, mas com claros ecos das ideias de Dewey nas
proposituras de Spolin. Dewey nos leva diretamente a William James em suas semelhanças e
diferenças dentro do pragmatismo norte-americano. Jane M. Dewey (1939), filha de John
Dewey, na biografia de seu pai, destaca a importância do pensamento de William James nos
escritos paternos. Afirmando que a obra Principles of Psychology de William James [1890] é
a maior influência individual na mudança de direção do pensamento filosófico de Dewey nos
seus primórdios, principalmente na concepção dos conceitos de discriminação, comparação,
raciocínio e consciência. Spolin inicia seu livro Improvisação para o Teatro com um
importante capítulo intitulado Teoria e Fundamentação. No tópico A Experiência Criativa
(SPOLIN, 2005), define primeiramente o caráter democrático de sua metodologia afirmando
que todas as pessoas são capazes de atuar no palco, o que é fundamental em seu processo.
Demonstrado ainda pelo paradoxo de que aprendemos através da experiência, e ninguém
ensina nada a ninguém. Neste processo, Spolin compreende que a experiência nasce do
contato direto com o ambiente, por meio de envolvimento orgânico com ele. Isto significa
envolvimento em todos os níveis, sendo eles: intelectual, físico e intuitivo. Está claro, aqui, e
em todas as suas letras, o conceito de experiência de Spolin indo ao encontro dos conceitos
apresentados por James e Dewey. Pois de acordo com William James e John Dewey, um dos
aspectos importantes na concretização da experiência, é a consciência da experiência. Ambos
compreendem a experiência como um conhecimento que se constrói dentro do processo de
vivência, da relação reflexiva, ou seja, da relação consciente do indivíduo com o seu meio.
Dewey, em sua obra Como Pensamos, escrita em 1910, afirma que a experiência ocorre a
partir da interação do indivíduo com o meio, uma interação que resulta em uma cadeia de
atividades psíquicas. Descreve ainda o caráter consciente da experiência, pontuando que a
mesma exige a reflexão. Refere-se, também, ao caráter de continuidade das experiências: da
relação que as experiências passadas estabelecem com as experiências presentes, visando
experiências futuras, levando ao conhecimento e ao estabelecimento de novas verdades. Esse
caráter de continuidade das experiências é uma constante também nos estudos de James (1974
[1912]) que afirma que a principal função que uma experiência pode desempenhar é conduzir
a outra experiência. No processo de aprendizagem a partir dos jogos teatrais, a interação entre
indivíduo e meio com o contato direto com o ambiente é primordial ao processo da

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experiência, já que nele deve estar implícita a atitude reflexiva, pontuada por Spolin como
“envolvimento orgânico”, pois somente assim chegaremos a uma atitude intelectual que leva
o indivíduo ao conhecimento. Deste modo, este trabalho busca demonstrar que James e
Dewey apresentam uma densidade filosófica que embasa toda a metodologia desenvolvida
por Viola Spolin.

Referências bibliográficas

ARISTÓTELES. Órganon. Tradução do grego, textos adicionais e notas de Edson BINI.


Bauru: Edipro, 2005.

______. Metafísica. Tradução: Vinzenzo Coco. São Paulo: Abril Cultural, 1984. DEWEY,
John. Arte como Experiência. Tradução: Vera Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, [1934]
2010.

______. Como Pensamos: como se relaciona o pensamento reflexivo com o processo


educativo: uma reexposição. 3ª edição. Tradução: Haydée de Camargo Campos. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, [1910] 1959a.

DEWEY, Jane. M. Biography of John Dewey. In: SCHILPP, Paul A..

HAHN, Lewis E. (Eds.). The Philosophy of John Dewey. Chicago: Northwestern University,
1939. In https://brocku.ca/MeadProject/Dewey/Dewey_1939.html. Acesso em 12 out 2016.

JAMES, William. Os Pensadores (Pragmatismo [1907a]; O Significado da Verdade [1907b];


Princípios de Psicologia [1890]; Ensaios em Empirismo Radical [1912]). Tradução: Pablo
Rubén Mariconda. São Paulo: Editor Victor Civita. Abril Cultural, 1974.

SPOLIN, Viola. Improvisação para o Teatro. 5ª edição. Tradução: Ingrid Dormien Koudela
e Eduardo José de Almeida Amos. São Paulo: Ed. Perspectiva, [1963] 2005.

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ALEGORIAS PANTAGRUÉLICAS: UM EXPERIMENTO ARTÍSTICO-


PEDAGÓGICO
Lucas Gonzaga Rosa

Palavras-Chave
teatro e educação, jogo teatral, texto e jogo, modelo de ação

Essa pesquisa propõe uma imersão no âmbito da encenação teatral, vinculada à


pedagogia do teatro, a partir da análise do espetáculo-experimento Alegorias Pantagruélicas:
uma releitura de “Gargântua e Pantagruel” de François Rabelais. Tal experimento é
potencializado através da combinação de recortes do texto de Rabelais e de jogos populares e
jogos teatrais, que dão contorno à construção da linguagem da encenação assinada por Ingrid
Dormien Koudela. O percurso formativo, desvelado pelo espetáculo, foi apresentado por 65
atores-educadores formandos do curso de Teatro, Arte-Educação da Universidade de Sorocaba
em 2012. As metodologias empregadas na construção Alegorias Pantagruélicas não se
encerram com as apresentações do experimento, mas continuam como modelo de ensino
teatral. A experiência do educador é redimensionada para novas realidades à medida em que
se replica em lugares afastados dos grandes centros; um terreno em que atores e não atores
são convidados a jogar, cantar e narrar histórias através da linguagem do teatro popular. Para
desdobrar tal pesquisa, identificaremos os pontos de convergência entre criação artística e os
eixos fundamentais da pedagogia teatral - que se disseminaram por todo o país nas últimas
décadas, como os casos das ações do Programa de Qualificação em Artes da Secretaria de
Estado da Cultura, do Curso de Formação de Atores e da Incubadora de Grupos Artísticos do
Interior Paulista, ambas oferecidas pelo Grupo Os Geraldos (Campinas/Unicamp) por meio de
parceria entre entidades públicas e privadas. Pretendemos, com essa possibilidade de
continuidade prática, investigar o papel do artista-educador contemporâneo, com foco na cena
do interior paulista, em que podemos verticalizar a força da produção artística realizada
distante dos grandes centros. Outro ponto de abordagem dessa pesquisa reside nas tensões
entre o texto - como modelo de ação - e jogos teatrais e populares. Portanto, faremos uma
análise do texto de Rabelais (2009) e sua verticalização ao ser transposto para o teatro. Uma
encenação não pode pretender tapar os buracos de uma dramaturgia, tanto quanto um texto

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não consegue apresentar todas as soluções cênicas, existe um abismo entre essas duas
instâncias (RYNGAERT, 1995). Entender em que universo Rabelais está inserido nos faz
perceber as condições reais do comportamento quinhentista. Ao evocar um período do
passado conseguimos olhar com mais generosidade para os acontecimentos de nossa época e,
aos poucos, entender o lugar da construção do texto cênico (Pavis, 1999). Rabelais invoca o
tempo histórico do século XV através da literatura, do romance, no qual opera com a lenda, a
alegoria e com diversos elementos da cultura popular que, dada a devida cor local de nossa
terra, nos faz degustar músicas, histórias e lembranças de nossa infância nos parques enquanto
brincávamos e realizávamos nossas primeiras interações inter-pessoais. Alegorias
Pantagruélicas ressalta, inclusive, a oralidade latente no texto rabelesiano, embebido pelo
vocabulário da praça pública medieval e fortalecido pelas músicas tradicionais do carnaval
brasileiro, que compõe a trilha sonora executada ao vivo no espetáculo. Há infinitas formas de
trabalhar com o texto no teatro. Se ele pode constituir-se no valor principal do espetáculo,
fazendo convergir todos os outros elementos como atores, diretor, organização do espaço e
acompanhamento musical para a sua emissão, ainda assim ultrapassa a obra literária enquanto
escritura, em função da experiência sensorial da cena por meio do som, da visão e o corpo. As
palavras escritas se transformam em voz e presença física, pensamento em ação (KOUDELA,
1984), como poderá ser observada nas construções imagéticas que permeiam o experimento.
Um dos procedimentos que estudaremos na construção do texto cênico é o método de leitura
ativa utilizado durante o processo de criação que expõe o texto como material a ser moldado,
a ser contextualizado propiciando a experiência artística pelo movimento de mão dupla entre
o fazer e a apreciação estética. É a possibilidade de ir além do plano meramente intelectual e
buscar a percepção sensório-corporal para provocar o processo de estranhamento de gestos e
atitudes corporais - remontando a proposta pedagógica de Bertolt Brecht e tornando-a singular
(KOUDELA, 2010). O objetivo da aprendizagem é unir a percepção da vida cotidiana à
evocação da história, sem reduzir uma à outra, mas sim, com vistas ao reconhecimento de
características que são típicas e que podem ser identificadas em determinado contexto. O
estranhamento, entendido como procedimento didático-pedagógico, visa possibilitar, pelos
meios do ator brincante, do jogo teatral e da coralidade, o conhecimento veiculado pela forma
estética, que está prefigurada no modelo de ação. O trabalho é de natureza teórico-prática,
uma vez que pretendemos nos debruçar sobre os pilares que fortalecem na teoria e na prática a

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busca por uma pedagogia teatral. Para isso, elegemos o método indutivo pois, através dele,
vislumbramos algumas possibilidades de regularidade em procedimentos do ensino de teatro
que demonstram efetividade. As experiências são fundamentais para dar contorno à
metodologia dessa pesquisa. Os estudos e cruzamentos das obras, alinhados aos encontros
com a orientadora e com a realização das disciplinas oferecidas pela Universidade de São
Paulo (USP) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pretendem ampliar ainda mais
o lastro dessa pesquisa e expandir as relações criadas a partir das novas descobertas do
percurso formativo. Em todos os casos, os materiais e métodos são imprescindíveis para a
realização e produção de uma dissertação coesa, clara e que, de alguma forma, seja uma porta
de acesso para futuros educadores teatrais. Os resultados serão analisados por meio de
registros escritos (protocolos e avaliações), registros fotográficos (ensaios, aulas, oficinas e
apresentações), registros videográficos (confecção de vídeos relacionados aos projetos
realizados) e cruzamento entre os registros e o estudo teórico que fundamenta a pesquisa.

Referências bibliográficas

KOUDELA, Ingrid Dormien. Jogos Teatrais. São Paulo: Perspectiva, 1984.

______. Um vôo Brechtiano. São Paulo: Perspectiva, 1992.

______. Brecht: um jogo de aprendizagem. São Paulo: Perspectiva, 2010.

______. Alegorias Pantagruélicas. Anais do VII Congresso da ABRACE. Tempo de


memória: Vestígios, Ressonâncias e Mutações. Porto Alegre, 2012. Disponível em: http://
www.portalabrace.org/viicongresso/completos/pedagogia/Ingrid%20Koudela%20-
%20ALEGORIAS%20PANTAGRUELICAS%20ABRACE.pdf

PAVIS, Patrice. Dicionário do Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.

RABELAIS, François. Gargântua e Pantagruel. BH: Editora Itatiaia, 2009.

RYNGAERT, Jean-Pierre. Introdução à análise do teatro. Col. Leitura e Crítica. São Paulo
Martins Fontes, 1995.

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MONTAGEM EXPANDIDA: UMA RELAÇÃO METODOLÓGICA ENTRE CINEMA


E TEATRO
Dionatan Rosa

Palavras-Chave
cinema, direção teatral, montagem

Há uma certa indeterminação ao se tentar conceituar a palavra “encenador” quando


nos referimos aos processos de criação em teatro que correspondem ao período
contemporâneo. Há alguns desacordos, por exemplo, entre as definições de encenador teatral
e de diretor teatral, que na prática representam praticamente a mesma função no processo
criativo. Em 2008 me graduei em Direção Teatral na Universidade Federal de Santa Maria, e
desde então me dediquei a pesquisar sobre a participação da direção teatral no processo geral
de elaboração espetacular, principalmente no que concerne a relação entre o diretor e a
produção de espetacularidade. Dessa relação surgiu o interesse pelos mecanismos de
produção do cinema e toda a teoria que envolve a técnica cinematográfica. E esse interesse
originou esse estudo. A partir do ponto de vista da direção pretendo desenvolver uma pesquisa
sobre os modos de operar a criação cênica contemporânea tendo como base conceitual a teoria
da montagem cinematográfica sistematizado por Sergei Eisenstein como ponto de partida para
delinear uma noção que ao longo do texto chamo de montagem expandida. Para esclarecer
essa noção iniciei o percurso na linguagem cinematográfica, na teoria da montagem
desenvolvida nos anos 20 e sistematizada como teoria e prática por pelo cinema soviético
russo no final do século XIX, início do século XX. Através desse recorte, busco
primeiramente conceituar a montagem como um procedimento técnico da linguagem fílmica,
e em seguida trazê-la para a discussão com a cena teatral como um conceito multidimensional
(linguístico, filosófico, artístico), para além da cinematografia. A montagem pensada como
um repertorio conceitual que propõe uma relação aberta entre criador, objeto e espectador,
“como uma verdadeira ‘sintaxe’ da arte” (NETTO, 1974, p.105). Antes de se destacar como
um princípio do cinema a montagem já havia sido identificada como um processo inerente a
uma linha de criação em arte que privilegia a descontinuidade, o choque, e a desconstrução de
uma ideia de continuidade temporal/espacial ligada ao realismo e ao naturalismo. Assim a

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montagem é conhecida como um princípio cinematográfico que organiza grupos de


fotogramas individuais em uma descontinuidade capaz de provocar no espectador a reflexão
por meio do choque emocional calculado. Essa definição é baseada no conceito soviético
desenvolvido por cineastas como Lev Kuleshov, Pudovkin e Sergei Eisenstein nas primeiras
décadas do século XX. No âmbito da pesquisa, o desejo de me aprofundar no universo da
cinematografia se apresentou como uma possibilidade de preencher as lacunas conceituais
que surgem em cada processo de encenação em que ocupo a função de diretor. Ao descrever
uma poética de direção que inclua na sua feitura a tecnicidade do cinema e os paradigmas da
criação da imagem posso ampliar as possibilidades de criar e de “processar” a pratica teatral,
e abrir espaço para novas zonas de reflexão prática e teórica no âmbito da cena. Assim, a
pesquisa se desenvolve sob a expectativa de construir um mapa conceitual por meio do qual
esboço territórios nos quais percebo e descrevo uma relação criativa entre o cinema e o teatro.
Na primeira parte da pesquisa busco apresentar o conceito de montagem sob uma dimensão
artística, em suas relações com a sociedade russa e as incursões artísticas que influenciaram
sua constituição como conceito, evidenciando a relação entre Eisenstein e Meyerhold, a
influência da biomecânica no conceito de montagem intelectual, o fator antinaturalista de toda
a teoria eisensteniana e as diferenças entre o método de montar de Eisenstein e o método de
Lev Kuleshov. Na segunda parte, procuro expandir a noção proveniente do cinema russo a
partir das relações entre a origem do pensamento por montagem e o pensamento dialético, no
qual “o movimento é uma qualidade inerente a todas as coisas” (GADOTTI, 1990, p.7).
Através de duas linhas do tempo (a construtivista/ revolucionária e a marxista/ dialética)
demarco o passo- a- passo do surgimento da montagem entre as operações de concepção
cênica e a seguir disserto sobre uma dimensão linguística, pela qual a montagem, idealizada
sob a natureza das escritas orientais ideogramáticas, passa a ser operada na relação entre o
diretor e a criação cênica. Essa estratégia de apresentação corresponde a uma tentativa de
esboçar uma percepção nova sobre o procedimento de montar e é por esses territórios que
descrevo uma apresentação da “montagem expandida”: a montagem pensada como uma
pratica de criação que se estende a outras linguagens artísticas como a música, as artes
plásticas e a literatura. Trata-se inclusive de evidenciar montagem como lógica de
processamento de ideias, pensada para além das formas artísticas. Como etapa final da
pesquisa proponho a análise de dois espetáculos teatrais, para colocar em provas minhas

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próprias afirmações a respeito da interação entre a montagem e o campo artístico, o filosófico


e o linguístico. Os dois trabalhos que descrevo na segunda parte são Cabras: cabeças que
voam, cabeças que rolam, com direção de Maria Thaís da brasileira Cia Teatro Balagan, e
Agulhas e Ópio do grupo canadense EX-MAQUINA com direção de Robert Lepage. Ambos
foram escolhidos pela repercussão que tiveram dentro da cena artística em termos de
encenação e de pesquisa por novos recursos de construção da cena. Além da relevância como
processos de criação contemporâneos, levei em consideração na escolha dos campos de
analise as associações com as características da montagem como a desconstrução do tempo
ilusionista, o enquadramento das cenas que assemelha os espetáculos a um filme projetado, a
estética do choque emocional para produzir reflexão, elementos que se repetem em ambas as
composições.

Referências bibliográficas

GADOTTI, Moacir. A dialética: concepção e método. In: Concepção Dialética da Educação.


7 ed. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1990. P. 15-38.

NETTO, Modesto, C. Metáfora e Montagem. São Paulo: Editora Perspectiva, 1974.

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A CONTRADIÇÃO NA ATUAÇÃO – DEMONSTRAÇÃO TÉCNICA


Ney Luiz Piacentini

Palavras-Chave
Ator, cena, dialética.

Minha pesquisa - O ator dialético na Companhia do Latão - é decorrente dos vinte


anos em que atuo neste grupo teatral paulistano, fundado em 1997. Desde o início do nosso
coletivo houve uma opção pela investigação sobre o teatro dialético: uma cena que parte,
primordialmente, da contradição entre as forças sociais, de crítica ao predomínio de uma
sociedade dividida em classes. Neste âmbito, direcionei minha investigação acadêmica de
doutorado para o aprendizado de uma atuação contraditória, derivada dos estudos e práticas
da Companhia, no terreno da interpretação. Reproduzo um trecho da tese, em fase de
finalização, sobre as primeiras verificações empíricas: “Realizamos vários experimentos
cênicos, amparados nas ideias de Brecht, com o objetivo de estabelecer um discurso a atores e
demais participantes do projeto. Essas experiências, realizadas sob a supervisão dos músicos e
do preparador físico que integram o núcleo de pesquisa, vêm dotando o elenco de um
repertório mínimo indispensável à continuidade dos trabalhos.” (MARCIANO, 1977, p.
38-39) Depois de cinco anos de atividades teatrais ininterruptas, voltamo-nos para uma
oficina interna em que iríamos investir exclusivamente no nosso aprimoramento atoral e
escolhemos a releitura de Constantin Stanislavski como base. Justo porque, enquanto Bertolt
Brecht nos forneceria, principalmente, sua dramaturgia épica-dialética, o mestre russo nos
transmitiria os matizes que poderiam nos afinar em termos de interpretação. O propósito do
grupo nunca foi o de apenas fazer peças do poeta alemão se utilizando dos predicados
stanislavskianos. Mas sim, constituir uma poética cênica própria, de cores brasileiras, ainda
que influenciada pelos autores citados. E foi dentro deste painel que planejei a minha pesquisa
acadêmica de doutorado: unir as experiências de um ator que trabalhou em todos os
espetáculos do grupo com uma das possíveis sistematizações de um projeto iniciado há vinte
anos. Assim, engajei-me em rememorar, refletindo sobre, quais foram os ganhos e equívocos
na formação estético-contraditória dos nossos elencos. Quanto aos procederes, entrevistei
alguns dos meus colegas de cena para primeiro averiguar a visão deles sobre as buscas

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atuativas por nós vivenciadas. Segundo que me debrucei sobre as publicações produzidas pela
Companhia – livros, revistas e jornais, assim como periódicos de terceiros que continham
entrevistas com os dramaturgos e diretores da equipe, a fim de extrair suas opiniões
registradas a respeito do tema das minhas análises. Naturalmente que eu não poderia deixar de
revisitar a bibliografia brechtiana e de e sobre Stanislavski, além de outros teatrólogos, como
um terceira ponto de apoio, as quais, aliadas as minhas memórias de um ator que esteve
presente em todos os processos da Companhia, compuseram a estrutura em que me pautei
para a escrita da tese. De acordo com a avaliação feita pela Banca de Qualificação do projeto,
que foi composta pela Profa. Dra.Maria Silva Betti (FFLCH-USP) e pela Profa. Dra. Cibele
Forjaz Simões (PPGAC/ECA-USP), além do meu orientador – o Prof. Dr. Armando Sérgio da
Silva, o texto do doutorado está bem encaminhado, com a recomendação de poucos aspectos a
serem mudados. Após a reescritura do material, que se pautou pelas indicações dos
integrantes da Qualificação, submeti ao Prof. Armando S. da Silva novamente o material
elaborado e dele recebi a observação de repensar a conclusão da redação. Deduzi que a minha
tese está prestes a ser completada, uma vez que discorrer sobre os procedimentos por mim
utilizados para me tornar um ator dialético, na última seção do texto (conforme recomendou
meu orientador), não é tarefa das mais complexas. E é neste estágio em que me encontro:
refazendo a conclusão para enviá-la ao orientador para, seguindo suas opiniões, terminá-la.
Desde 2016, como integrante do CEPECA - Centro de Pesquisa em Experimentação Cênica
do Ator (PPGAC/ECA-USP) e do LAPCA - Laboratório de Processos de Criação Atorais (IA-
UNESP), venho experimentando performar os conteúdos artísticos transcritos para os
capítulos da minha tese. Escolhi um tópico sobre cada espetáculo da Companhia do Latão e os
retomei em suas formas cênicas originais. Ao acrescentar comentários a respeito das cenas,
sobre obras e referências que deram sustentação às peças teatrais, gradativamente elaborei
uma espécie de demonstração prática/teórica de como nos aproximamos da representação
épica/dialética. É este composto que será apresentado no 7o. Seminário de Pesquisas em
Andamento, caso eu seja para ele aprovado. Para que tenha uma noção do conteúdo do plano
em preparo, reproduzo um trecho do doutorado que, associada à cena dois do vídeo que estou
enviando aos senhores, fornecerá uma amostra do que farei no SPA: “No que diz respeito à
representação de Bocarra, havia uma particularidade: ele falava do processamento industrial
de enlatar carnes como se fosse alta poesia: “Lembra-te, ó Cridle, o dia Em que percorrendo o

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matadouro – era noite – Paramos ao pé da máquina de enlatar presunto? Lembra-te, ó Cridle,


aquele vitelo que virava o olho claro, grande e obtuso para o céu Enquanto entrava na faca?
Senti como se fosse carne Da minha carne Ai do nós Cridle, como é sangrento o nosso
comércio” (BRECHT, Bertolt, 1999) Isto era insólito por fundir duas vias opostas, o violento
mundo dos matadouros (“Enquanto entrava na faca?”) a uma poética que tem algo de clássico
(“...que virava o olho claro, grande e obtuso para o céu...”). E ainda por imprimir uma
dubiedade entre sentimento e insinceridade no maioral entre os negociantes (“...Ai de nós
Cridle, como é sangrento o nosso comércio”). Gustavo Bayer, o ator desse papel,
emocionava-se ao declamar tais versos o que levava o público a receber aquilo como
esquisito, causando estranhamento e então se instalava o distanciamento. Quero dizer, os
espectadores desconfiavam se o personagem estava sendo honesto ou não e, com a inflexão
sagaz da interpretação, via-se em seguida que se tratava de um artifício - sair dos negócios
dos matadouros - para mexer nos preços do mercado acionário e assim ganhar mais. Tal modo
de manejar com esses antagonismos seria reutilizado em outros dos nossos projetos, como em
A comédia do trabalho e Ópera dos vivos.”

Referências bibliográficas

BRECHT, Bertolt. Escritos sobre teatro, vol 1. Buenos Aires: Nueva Visión, 1970.

______. Escritos sobre teatro, vol 2. Buenos Aires: Nueva Visión, 1970.

______. A compra do latão. Lisboa: Vega, 1999.

______. Santa Joana dos Matadouros. São Paulo: CosacNaify, 1999.

STANISLAVSKI, Constantin. A Criação de um papel. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira. 1972.

______ El trabajo del actor sobre sí mismo en el proceso criador de la vivencia (I) e de la
ercanación (II). Barcelona: Alba Editorial, 2003.

______ Entretiens ai Studio du Bolchoi & L’Ethique. Strasburg: Circe, 2012.

______. Notes artistiques (ponser le théâtre). Strasburg: Circe, 1997.

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ATOR CAÇADOR
Thardelly Pereira Lima, Robson Carlos Haderchpek

Palavras-Chave
ator contado, contadores de historias, processos criativos

Esta pesquisa em andamento tem como motivação principal a possibilidade de unir as


narrativas tradicionais de caçadores ao rico universo de narrativas e dramas que têm como
inspiração as relações entres homens e feras e todos os significados políticos, sociais,
culturais e histórias que permeiam essas relações. A pesquisa de campo está sendo feita nos
municípios de Teixeira e São José do Espinharas, locais referidos pelo cordelista João
Melquíades de Ataíde, no seu folheto “Histórias de Cazuza Sátiro, o matador de onça”.
Fizemos um estudo de campo nos municípios de Teixeira e São José do Espinharas
registrando depoimentos de pessoas que conhecem histórias de caçadas. A segunda etapa, o
treinamento, visa de maneira prática, experimentar as possibilidades e técnicas de uso da
máscara, do estado de prontidão necessário ao ator para que este possa atingir zonas de
potência. Haverá uma pesquisa no sentido de construção de uma narrativa, onde serão
realizadas experimentações práticas no sentido de confrontar, concatenar e combinar as
diversas teorias que serão realizadas no decorrer do processo. A terceira e última etapa,
compreende a criação desse contador a partir dos experimentos práticos sobre as principais
teorias estudadas. Nesta etapa serão contemplados processos de montagem de um monólogo,
a partir do matéria coletado, dos cordéis e trecho da “A História de Tigresa”, de Dario Fo.
Esse projeto busca, através do contato com narrativas de caçadores, essa experiência, que será
incorporada ao texto teatral e à encenação Em 2008, ano em que realizei a Especialização em
Representação Teatral na Universidade Federal da Paraíba, tive contato com a pesquisadora
DrªNeyde Veneziano ,na qual pude conhecer o universo do artista Dario Fo , onde me seduzi
com a possibilidade de unir o divertimento de ouvir, contar e recontar histórias ao trabalho do
ator. Ali, me deparei com o teatro que sempre quis profissionalmente: o gosto pela
brincadeira, pelo desejo de se reinventar. Veneziano (2002) acrescenta que a região onde
Dario Fo nasceu conserva uma tradição da cultura popular muito viva e integrada ao
cotidiano, com muitos contadores de histórias, os chamados fabulatori, que contam e

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recontam histórias que remontam a modelos seiscentistas e até mesmo medievais. Segundo
Dario Fo (1998), os fabulatori tinham como objetivo impressionar os espectadores, e, para
isso, buscavam sempre a clareza e a vivacidade. A capacidade gestual no narrador contribuía
bastante para a clareza e a vivacidade desejadas e eles não só gesticulavam, mas, também
dominavam a linguagem gestual, representando sozinho uma história inteira com vários
personagens distintos. Conversando sobre esse estado de entrega e comunhão que a contação
transporta, com a colega de trabalho, professora e coordenadora do Programa de Pós-
graduação em Letras da UFPB, Ana Marinho, obtive conhecimento do cordel: Histórias de
Cazuza Sátyro, o matador de onça, de João Melquíades de Ataíde . E foi a partir daí e dessas
ideias de Dario Fo que comecei a minha caçada sobre os contadores de histórias de duas
cidades do interior da Paraíba que vivenciaram momentos de caçadas a onças e outros animais
silvestres da região. No entendimento de Busatto (2003) o conto de literatura oral se eternizou
na história da humanidade através da voz dos contadores de histórias, até o dia em que
antropólogos, folcloristas, historiadores, literatos, linguistas e outros afeiçoados do imaginário
popular saíram a campo para coletar e registrar estes contos, fosse através da escrita ou outras
tecnologias. Na tentativa da materialização dessa caçada, desenvolver tocaias metodológicas
no intuito de preservar e manter vivo o ciclo dos narradores, capturando novos contadores.
Catalogando e registrando essas histórias que fazem parte da memoria viva dessas regiões e
de outras. Por isso, essa pesquisa tem como motivação principal a possibilidade de unir essas
narrativas tradicionais de caçadores ao rico universo de narrativas e dramas que têm como
inspiração as relações entres homens e feras e todos os significados políticos, sociais,
culturais e histórias que permeiam essas relações. Assim como também, verificar as
possibilidades do uso da máscara na construção de personagens e na preparação do ator,
tomando como local de pesquisa o sertão nordestino, espaço rico em narrativas de caçadas e
caçadores. Essas memórias, intenções, histórias de vida, identidades pessoais são organizadas
em padrões narrativos. Histórias não acontecem simplesmente, elas são contadas, embora nem
sempre esteja explícito quem é e onde está o contador da história. Às vezes, o narrador é uma
só pessoa, outras vezes a história é criada conjuntamente. De qualquer modo, cada história e
cada palavra são polifônicas, seu significado é dado pelos incontáveis contextos onde
apareceu antes, fato que semelha ao princípio dialógico do discurso, onde Bakthin (1987) diz
que a psicologia narrativa sustenta um enfoque de um eu narrador e um eu narrado, onde um

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eu que vai tecendo o discurso, traçando argumentos, tecendo a trama, arquitetando


acontecimentos e criando significados. Narrar e contar são fatos intercambiáveis, daí a
importância dada ao tecer do enredo na configuração narrativa, fazendo com que o mundo
seja sempre temporal. Ao contar e recontar histórias, o narrador resgata memórias,
remodelando-as segundo a ótica do presente e dando outro significado às experiências.
Busatto (2003) aponta que a arte de contar histórias é que nos une ao inefável e que traz
resposta às nossas inquietações.

Referências bibliográficas

BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na idade media e no renascimento: o contexto de François


Rabelais. Editora Hucitec. São Paulo, 1987.

BENJAMIN, Walter. O narrador. In: Magia e Técnca, arte e politica. São Paulo: ed. Brasiliense,
2000.

BUSATTO, Cléo. Contar & encantar: Pequenos segredos da narrativa. Rio de Janeiro: Vozes,
2003

FO, Dario. Manual Mínimo do Ator. Organização Franca Rame. São Paulo: Senac, 1998.

VENEZIANO, Neyde. A cena de Dario Fo: O exercício da imaginação. São Paulo: Códex, 2002.

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A OFICINA DE ILUMINAÇÃO CÊNICA: REFLEXOS NA FORMAÇÃO DO


PROFISSIONAL DE TEATRO
Vanderlei Antonio Bachega Junior, Wagner Rosa

Palavras-Chave
Iluminação Cênica; Oficina; Pedagogia do Teatro;

A iluminação cênica esteve presente em manifestações artísticas desde os primórdios


do teatro, transitando entre recursos, como o uso da luz solar até a luz elétrica. Com o
desenvolvimento da iluminação como linguagem cênica se faz importante compreender qual é
o papel da luz dentro do espetáculo. Exigindo assim conhecimentos técnicos e estéticos,
através da prática e teoria sobre iluminação dos profissionais da área, tais como: entendimento
dos diferentes tipos de refletores existentes e seus efeitos; as possibilidades de alteração da
atmosfera da cena; a compreensão de como o posicionamento de luz interfere no objeto a ser
iluminado; percepção das intenções da luz dentro de cada estética teatral. Diante desses
pressupostos, evidencia-se aqui o problema dessa pesquisa. Como a prática com a iluminação
pode contribuir na formação do profissional de teatro? Segundo Camargo (2012), quando o
teatro passou a ser representado dentro de edifícios teatrais fechados, a luz teve de ser
reinventada, possibilitando a visibilidade em meio à escuridão. Além disso, tornou-se uma
linguagem modificadora dentro do espetáculo, principalmente no século XIX. De acordo com
Costa (2010), os profissionais de teatro aprendem sobre iluminação através de oficinas com
profissionais que já atuam, seja de forma profissional ou amadora, ou atuando como ajudantes
de técnicos de iluminação. Em alguns casos, o aprendizado se dá por autodidatismo. Desta
forma, ponderamos importante levar em consideração as especificidades de cada profissional,
deixando de lado o tecnicismo associado à atividade de iluminar, diversificando as formas de
trabalho com a iluminação e buscando, assim, novas metodologias para o trabalho com a
iluminação teatral. De acordo com Pavis (2015), a iluminação é um dos elementos visuais que
compõe o espetáculo, trabalhando juntamente com o ator, o cenário, o espaço, o figurino e a
maquiagem com objetivo de criar uma atmosfera objetiva. Exige, assim, um intercâmbio entre
todos os elementos de cena e dos profissionais envolvidos para a sua criação, pois, além de
iluminar, a luz cênica tem a função de dialogar com tudo que se apresenta na cena. Ainda para

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Pavis (2015), seria válido que, além de conhecer os equipamentos, os profissionais


observassem as localizações das fontes luminosas e como elas interferem na cena. Considera-
se importante conhecer sobre os equipamentos empregados no ofício, entretanto, muito mais
do que saber o que cada refletor é capaz de proporcionar, é importante saber quais os
procedimentos adequados para em relação à proposta cênica escolhida. Visando estabelecer
uma relação de diálogo entre a prática e a teoria, a presente pesquisa relaciona a teoria sobre
luz e o ensino de iluminação, por meio de obras de autores especializados no assunto; e para
relacionar estes à prática, a pesquisa conta com um objeto de estudo: uma oficina proposta
pelo pesquisador na Universidade Estadual de Maringá, destinada aos acadêmicos do curso de
Artes Cênicas e intitulada “Iluminação cênica: princípios práticos da iluminação teatral”. A
oficina permite relatar, comparar e exemplificar o que se constata na teoria da iluminação
cênica. Busca-se, nela, desenvolver um espaço para aprendizagem com base na prática,
permeando entre o conhecimento dos equipamentos técnicos (diferente refletores, acessórios,
a rede elétrica, dimmer e rack.), concepção de luz (desenho da luz na cena e seus efeitos), a
relação do ator com e na luz, o aprendizado da operação da mesa de luz (trabalhando a partir
da estética criada pela cena, propiciando para que o participante que opera a mesa desenvolva
um senso estético condizente e complementar, que dialogue com a cena). Até o momento a
pesquisa realiza a coleta de materiais produzidos durante os encontros da oficina, baseando-se
em diferentes etapas da iluminação: montagem, operação, concepção e atuação (o artista em
cena). Através do jogo teatral, um grupo de participantes, na sala de ensaio, cria uma cena
curta improvisada e, na sequência, outro grupo tem a responsabilidade de idealizar um
desenho de luz que ilumine a cena criada. Para tanto, projetam um mapa de luz, realizam o
cabeamento na rack e operam a mesa durante a apresentação da cena. Um terceiro grupo tem
como função realizar a montagem e afinação dos refletores a partir do mapa de luz criado. Ao
final de cada encontro, em uma roda de conversa, os participantes relatam suas percepções
sobre o que foi desenvolvido, apontam a importância da comunicação entre todos os
envolvidos (atores, diretores, iluminadores e técnicos), tanto para a criação da cena quanto
para o momento de montagem e contato com a iluminação. Indicam erros e acertos ocorridos
durante cada exercício, tratando a luz como linguagem que deve dialogar com a cena
proposta, ampliando suas significações. Buscam soluções e sugerem alternativas para a
solução de problemáticas encontradas no meio do percurso, tais como a ampliação de

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sombras, posicionamento dos artistas em relação à luz, efeitos luminosos que não ocorreram
como o desejado por questões técnicas etc. Em um dos encontros, foi realizado um exercício
de transição de cenas, a partir de uma luz pré-determinada, para iluminar um ou mais atores
parados em cena. No final desse encontro, uma participante relatou ter percebido a luz como
um dispositivo de criação cênica, complementando ainda que teve um grande fluxo de ideias
durante a realização do jogo para construir através da dramaturgia da luz. Outros
complementaram a fala demonstrando interesse no processo inverso de criação, criar a partir
da luz, invertendo a lógica de criar a luz somente depois que o espetáculo ou a cena já estão
concretizados. Para o pesquisador, esse relato é uma indicação que a compreensão da luz
como linguagem está sendo desenvolvida entre os participantes da oficina. A pequena
quantidade de materiais teóricos em relação a outras áreas do teatro é grande motivadora para
este estudo, principalmente no que tange ao ensino de iluminação. Através das experiências
do pesquisador enquanto estudante de Artes Cênicas (licenciatura) e estagiário do teatro da
Universidade (onde desempenha funções técnicas nos espetáculos e eventos) observa-se um
contraste nos trabalhos de estudantes que tiveram um contato prévio com iluminação. Além
isso, elencar as contribuições acerca da prática poderá permitir que os próprios profissionais
da área busquem mais conhecimentos sobre a iluminação, não somente para seguir a carreira
de iluminador mas, especialmente, como complemento e aprofundamento da sua formação
profissional.

Referências bibliográficas

CARMARGO, Roberto Gill. Função estética da luz. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2012.
174p.

COSTA, Ronaldo. A Oficina de Iluminação e a Construção de Espetáculo: anotações


para uma proposta pedagógica. 2014. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-
Graduação em Artes Cênicas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal 2010.

PAVIS, Patrice. A análise dos espetáculos: teatro, mímica, dança, dança-teatro, cinema. 2.
ed. São Paulo: Perspectiva, 2015. Tradução: Sérgio Sálvia Coelho.

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TEATRO: MEDIAÇÃO PARA A FORMAÇÃO HUMANA


Ana Roberta Marcone, Wagner Rosa

Palavras-Chave
Jogo dramático, Jogo lúdico, Jogo teatral, Pedagogia do Teatro, Teatro educação

A arte, vista como possibilidade de educação, é tema recorrente entre pesquisadores,


professores e profissionais ligados aos meios artístico e educacional. Nesse contexto acerca da
inserção da arte, investigou-se na pesquisa em questão as contribuições do teatro no âmbito
educacional por meio dos processos colaborativos de jogos lúdicos, dramáticos e teatrais. A
presente pesquisa, foi de caráter bibliográfico e empírico: para aprofundar a concepção sobre
educação, estudou-se as obras de Freire (1997) e Gadotti (2000) e, para justificar e
argumentar sobre a importância do teatro na educação, buscou-se os fundamentos teóricos e
metodológicos em Viola Spolin (2000), Carmela Soares (2010), Ricardo Japiassu (2010) e
Ingrid Koudela e Almeida Junior (2015). O objeto da pesquisa empírica foi a oficina de jogos
teatrais para crianças de 7 a 11 anos desenvolvida no ano de 2016 na Universidade Estadual
de Maringá. O teatro tem sido enfatizado como um elemento mediador da formação humana,
sendo considerado uma arte libertadora em virtude de sua linguagem lúdica. Segundo Gadotti
(2000), a educação tradicional tem uma concepção de uma educação como o processo de
desenvolvimento individual. No entanto, o autor pondera que deve-se caminhar por outra
direção, na qual busque-se na inter-relação com o outro, compreendê-lo e administrar os
conflitos ao trabalhar em projetos comuns. É nessa perspectiva de educação que o teatro na
escola ganha sentido como elemento dinamizador e humanizador, tal como expressa Freire
(1997), que a educação deve ser libertadora para o sujeito criar. A capacidade transformadora
que o teatro possui pode ser entendida como potencialidade educativa. E será trabalhada,
nessa pesquisa, com a intenção de expandir e abranger as vertentes do teatro que abordam a
conduta teatral na educação atual. A oficina “Brincar e Representar: Um jogo de
Aprendizagem” foi desenvolvida com a ideia de comprovar a tese do teatro como elemento
educacional, relacionando os jogos lúdicos, dramáticos e teatrais. Para isso, ressalta-se alguns
teóricos que abordam a ideia do trabalho desses jogos interligando com o colaborativo: Para
Carmela Soares (2010) o lúdico foi desenvolvido como forma educacional desde os tempos

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dos Jesuítas, ele contribui para ampliar o desenvolvimento cognitivo do ser humano. No jogo
dramático, para Japiassu (2010), todos que jogam são fazedores da ação imaginária sendo,
assim, um tipo de jogo que possibilita a desinibição do sujeito e o trabalho coletivo no
desenvolvimento da ação. Por último, o jogo teatral proposto por Spolin (2000), propõe um
problema para os participantes resolverem, acarretando a interação social entre esses que,
juntos, trabalham para solucionar o problema a partir das regras dramáticas estabelecidas pelo
grupo. O método de Spolin (2000), para Koudela e Almeida Junior (2015), possibilita ao
estudante ser sujeito da sua própria educação, pois está livre para produzi-la nas práticas
teatrais propostas. O trabalho da oficina, foi a partir de planos de aula oriundos do estudo dos
teóricos apontados. Estes planos foram compostos por quatro jogos, em média, dependendo a
duração de cada sessão. A oficina foi dividida em dois módulos. No primeiro módulo
enfatizou-se os jogos lúdicos e dramáticos, com o objetivo de criar o ambiente favorável para
o jogo, expandindo as relações grupais colaborativas. No segundo módulo introduziu-se os
jogos teatrais visando aguçar o autoconhecimento e a percepção do outro em cena. As aulas
eram finalizadas com feedbacks entre os participantes, sempre destacando o jogo e suas
percepções. Ao analisar os resultados das pesquisas notou-se pontos que foram trabalhados na
oficina, constata-se que desenvolveu-se a partilha com o grupo, o autoconhecimento, o
controle da ansiedade e do exibicionismo, a generosidade, a timidez, e a criatividade, entre
outros. A título de exemplo, uma situação que corrobora as percepções, ocorrida no Módulo II
da oficina: Os estudantes estavam especialmente agitados durante a realização de um jogo de
concentração que, obviamente, exigia silêncio de todos os participantes. Em virtude disso, um
estudante propôs o jogo da “cabra cega”, pois acreditava que, assim, os outros colegas
entenderiam o silêncio que a atividade requer. Quando essa ideia foi exposta, os outros
também quiseram partilhar ideias de jogos e aplicá-las. Por conseguinte, desenvolveu-se a
prática de que toda semana um participante ficaria encarregado de trazer uma atividade,
explicando o motivo de trazê-la e como executá-la, o que ampliou a percepção sobre o quanto
um ambiente favorável para a criação pode resultar em experiências criativas (e) autônomas.
Ao final das oficinas, foram realizadas conversas também com os pais dos participantes,
visando esclarecer quaisquer questionamentos que eles desejassem expor. O pai de um dos
estudante questionou sobre o desenvolvimento de seu filho, se ele era tímido ou não durante
as atividades. A ministrante esclareceu, então, que seu filho era mais reservado no início da

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oficinas, porém com o desenvolvimento dos jogos lúdicos e dramáticos a relação de grupo foi
criada e, assim, esse estudante ficou mais predisposto e aberto para jogar com seus colegas.
Outro pai quis falar sobre seu filho ser muito energético, afirmando que o teatro possibilitou a
ele explorar a energia de uma forma que potencializasse seu desenvolvimento. Tal avaliação
foi ao encontro da percepção da ministrante, de que seu filho soube, durante os jogos,
canalizar a energia e explorá-la nas ações. Considera-se que as práticas pedagógicas por meio
dos jogos contribuíram para o desenvolvimento, nos participantes, da capacidade de
identificação de problemas e os motivaram a se empenhar tanto individual quanto
coletivamente para as suas resoluções. As atividades potencializam a ludicidade no campo
educacional, o que facilita o desenvolvimento, consequentemente, da criticidade e a interação
entre os participantes. O ser, como afirmam alguns teóricos estudados, são fazedores de sua
própria ação, estão no comando de sua “vida” com sua imaginação os guiando. Com isso,
pode-se afirmar a relevância e necessidade da linguagem teatral no âmbito educacional, pois,
a partir do que observou-se e refletiu-se durante a realização dos dois módulos da oficina, as
atividades contribuíram visivelmente para o desenvolvimento dos participantes no que tange a
socialização, por meio da expressão e da comunicação.

Referências bibliográficas

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 12 ed. Paz e terra, 1997.

GADOTTI, Moacir. Perspectivas através da educação. Porto Alegre: Artmed, 2000.

JAPIASSU, Ricardo. Metodologia do Ensino do Teatro. Papirus, 2010.

KOUDELA, Ingrid Dormien; ALMEIDA JUNIOR, José Simões de. Léxico de Pedagogia do
teatro. 1 ed. São Paulo: Perspectiva: SP Escola de teatro, 2015.

SOARES, Carmela. Pedagogia do jogo teatral: uma poética do efêmero, o ensino do


teatro na escola pública.São Paulo, Hucitec, 2010.

SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. 4 ed. São Paulo, Perspectiva, 2000.

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DRAMATURGIAS RADICAIS EM PROCESSOS DIALÉTICOS


Viviane Rosa Juguero

Palavras-Chave
dialética, dramaturgia, radical

A proposição de uma dramaturgia radical é fruto de reflexões construídas ao longo de


minha experiência enquanto dramaturga, em espetáculos para adultos e crianças, em distintas
linguagens e contextos. A metodologia de trabalho engloba conhecimentos empíricos e
abstratos, relacionados dialeticamente (GIL, 2004), a partir da convicção de que toda a obra
apresenta um inerente comprometimento político e pedagógico (BRECHT, 1967; BOAL,
2008), sendo constituída por vetorizações de sentidos (PAVIS, 2010), os quais revelam o
posicionamento axiológico do autor e o formato dialógico proposto entre obra e público
(BAKHTIN, 2010). Proponho uma dramaturgia radical enfocando o ato da criação, a partir de
uma postura radical. Para Paulo Freire (1987), o posicionamento radical pressupõe a
permanente busca de consciência na percepção das ações em seus contextos sócio-históricos,
reconhecendo a dialeticidade necessária a toda a transformação, por meio de escolhas
embasadas na práxis – a partir da dialética materialista de Marx –, a qual é sempre composta
por ação e reflexão. Por essa razão, uma dramaturgia radical não pode prescindir nem da
prática da criação, nem da reflexão sobre o que é criado, com a humildade de compreender
que uma obra jamais poderá ser decodificada ou explicada integralmente, havendo a
possibilidade de múltiplas leituras (DE MARINIS, 2005) e aspectos inacessíveis ao próprio
autor, por vezes constituídos somente no ato da relação dialógica da apreciação (BAKHTIN,
2010). Henry Giroux (1988) ao associar os pensamentos de Paulo Freire e Mikhail Bakhtin,
propõe uma pedagogia radical cujos aspectos são essenciais à minha proposição de
dramaturgia radical: o reconhecimento de que todo o texto é um construto social – sendo
possível evidenciar contradições e lacunas – criado com base nos distintos discursos
disponíveis; todo o texto pode ser localizado historicamente em termos dos interesses que o
sustentam e legitimam, reconhecendo que sua política interna pode possibilitar ou restringir
determinadas representações sociais. A criação de uma dramaturgia radical parte do
reconhecimento da complexidade dos fatores que a compõem, tanto no que concerne ao

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acesso aos meios de produção para sua concretização, à realidade socioeconômica dos
criadores e sua formação (formal e informal) quanto no que diz respeito aos posicionamentos
axiológicos presentes nas pedagogias ocultas reconhecíveis em complexas composições
textuais cuja construção paradigmática e sintagmática plural (UBERSFELD, 2010) resulta na
vetorização de sentidos de uma organização artística (PAVIS, 2010). A proposição de uma
dramaturgia radical enfoca a criação artística a partir de uma análise filosófica, no sentido
proposto por Bakhtin (2010) quando refere que sua pesquisa textual transcorre em campos
limítrofes, relacionando distintas disciplinas. Nesse sentido, a postura de Bakhtin vem ao
encontro de outros autores nos quais esse trabalho está embasado. Brecht (1967) afirmava
buscar conhecimentos na psicologia moderna, psicanálise, behaviorismo, sociologia,
economia e história. Por sua vez, Patrice Pavis embasa sua teoria em estudos teatrais,
linguísticos, semiológicos, filosóficos, antropológicos, sociológicos e psicanalíticos. A partir
desse pressuposto, vale ressaltar que as citações de ideias dos autores são um diálogo com
suas elaborações teóricas e não uma subordinação a suas teorias como um todo. É possível
apresentar novos enfoques e distintas percepções dos textos originais, por vezes, resultando
em elaborações que convergem com o pensamento de um autor nos aspectos citados, mas
divergem em outros momentos teóricos, sendo esse, a meu ver, o modus operandi do
pensamento dialético. Além disso, não há nenhum comprometimento com a aplicação de
modelos de construção estética. Esse posicionamento radical – desenvolvido por meio da
práxis –, não se deixa prender em círculos de segurança que o aprisionem, definam e
delimitem, mas inscreve-se na realidade, podendo transformá-la internamente (FREIRE,
1987). Na dramaturgia radical, a pessoa criadora precisa refletir sobre si mesma e reconhecer
que há processos com escolhas conscientes e construções inconscientes, fatores culturais e
pessoais, subjetivos e objetivos, identificáveis e não identificáveis. A autora precisa se colocar
em uma situação de “risco responsável” – uma posição desconfortável que pode ser
comparada, metaforicamente, com o equilíbrio precário que Barba (1995) sugere ao ator –
sendo possível ousar, assumindo suas escolhas estéticas, éticas, políticas e pedagógicas. Uma
dramaturgia radical busca instigar o apreciador a assumir um papel ativo, crítico e autêntico;
portanto, reflete sobre as especificidades que precisam ser abarcadas em cada contexto. O
respeito à lógica lúdica do pensamento infantil no teatro para crianças (JUGUERO, 2014) e a
potencialidade provocativa de metáforas e analogias abstratas, no teatro para adultos, sem

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rótulos e delimitações engessadas, são aspectos fundamentais para essa investigação,


inclusive em obras de caráter transversal, ou seja, aquelas que procuram integrar a todos os
públicos etários.

Referências bibliográficas

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. 5ª
ed.

BARBA, Eugenio; SAVARESE, Nicola. A arte secreta do ator: Dicionário de antropologia


teatral. São Paulo: Hucitec Ed. da Unicamp, 1995.

BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas – 8ª ed. – Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2008.

BRECHT. Bertold. Teatro dialético: Ensaios. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.

DE MARINIS, Marco. En busca del actor y del espectador. Comprender el teatro II.
Buenos Aires: Galerna, 2005.

FREIRE, PAULO. Pedagogia do Oprimido. 17ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.

GIL, João Pedro Alcantara. “A abordagem dialética na pesquisa de teatro e educação”.


CENA: Revista do Departamento de Arte Dramática da UFRGS. Porto Alegre,n. 3, p. 59-66.
Novembro de 2004.

GIROUX, Henry. Escola crítica e política cultural. São Paulo: Cortez: Autores Associados,
1988.

JUGUERO, Viviane. Bando de Brincantes: um caminho dialético no teatro para crianças.


Dissertação (mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-
Graduação em Artes Cênicas, Porto Alegre, 2014.

PAVIS, Patrice. A análise dos espetáculos. São Paulo: Perspectiva, 2010.

UBERSFELD, Anne. Para ler o teatro. São Paulo: Perspectiva, 2010.

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POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DA PRÁTICA TEATRAL PARA BAILARINOS


Heloisa Pinheiro, Wagner Rosa

Palavras-Chave
teatro, dança, formação em dança

A Dança e o Teatro têm suas particularidades e distinções no que tange ao corpo


expressivo, à interpretação, à relação espectador-intérprete etc. Tais aspectos nos
possibilitaram, nesta pesquisa, a articulação entre as duas linguagens desde a teorização sobre
o balé clássico em sua história, até as criações realizadas nos âmbitos da dança moderna e da
dança contemporânea, atrelando estas teorias a autores do âmbito do teatro, tais como
Stanislávski, Grotowski e Barba, e dialogar sobre como estas teorias poderiam contribuir para
o desenvolvimento de um bailarino. A metodologia utilizada no projeto fez-se qualitativa e
exploratória e visou focar nas possíveis dificuldades dos bailarinos em se expressar e como a
teoria e prática do teatro poderia contribuir para uma formação mais efetiva deste profissional.
Sob esta perspectiva, por exemplo, os coros das tragédias e comédias oriundas da Grécia
Antiga que, segundo Roger Garaudy (1980), cantavam e dançavam para passar ao público o
que não era possível expressar, apenas com palavras e mímica. As teorias aqui abordadas
sobre a prática teatral mostram a necessidade de algumas técnicas e procedimentos para a
construção de uma personagem e para que se tenham estímulos fundamentais para que o
corpo reaja em cena. É viável que, por meio da experiência tida pela autora em dança, e pelas
pesquisas realizadas, essa (re) ação do corpo em cena é importante tanto para atores quanto
para bailarinos em concentrar-se na energia emanada pelo corpo e focar no que está sendo
realizado por ele, concentrar-se nesta organicidade necessária e, partir da repetição de
processos e códigos, proporcionar uma sensibilidade cênica ampla, tal como postulado por
Stanislávski ao teorizar sobre a formação do ator e a criação da personagem, algo que, em
nossa percepção, constitui-se, também, como fundamental para o artista na dança. Martha
Graham, por exemplo, postula o desenvolvimento de uma técnica particular para que o corpo
esteja pronto para responder as exigências propostas cenicamente. Sob esta perspectiva,
aponta para a relevância, vista aqui como objetivo da pesquisa, em compreender como é
possível fazer uso de técnicas do teatro para auxiliar bailarinos em cena, desde linguagens

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tradicionais, como o balé clássico - conduzindo o artista a trazer mais “vida” para a técnica
por ele desenvolvida, sem pensar apenas no virtuosismo físico e/ou na sistematização estética,
mas também num corpo presente - até a dança moderna, colaborando com a ampliação da
expressividade e a busca de uma sensibilidade cênica orgânica, ampliando a consciência
corporal e rompendo com automatismos tanto nos momento de preparação corporal e de
criação quanto na atuação em cena. Neste sentido, Jean-George Noverre, nos diz muito sobre
essa quebra com o virtuosismo e a sistematização: ele teoriza sobre a necessidade de inovar
na figuração que a dança se encontrava, interessando-se pela subjetividade do bailarino. Ao se
questionar sobre o tipo de formatação que era imposto ao artista da dança de seu tempo, criou
o “Ballet d’Action” – uma ação pela dança – com o intuito de fazer emergir uma expressão
verdadeira, um balé dramático, cujo objetivo era transmitir emoções para o espectador e
atingir a sua alma. Esta perspectiva abre a possibilidade (e até a necessidade) da inovação de
técnicas e formas de trabalho dentro da dança, da busca por novas possibilidades para a
criação. De forma análoga, também é possível encontrar uma busca por inovações nos
exercícios e escritos de alguns teatrólogos. No âmbito da formação em teatro, o polonês Jerzy
Grotowski considerava a técnica cênica e pessoal do ator como o coração de sua arte. Este
autor se ampara em exercícios para a liberação do corpo como forma de eliminar as
resistências do seu organismo e expandir a gama de possibilidades de criação. A partir de suas
ideias, tecemos a compreensão que tanto para a dança quanto para o teatro o corpo precisa
estar livre. Na linguagem da dança, a bailarina e coreografa americana Isadora Duncan frisava
esta ideia: era totalmente contra o academicismo e tinha certa aversão ao balé clássico.
Lutando constantemente contra a instituição de práticas opressivas, queria devolver na dança
a sua significação humana. Tais pressupostos também foram guardadas as devidas proporções,
teorizados e investigados por Stanislávski para a formação de seus atores no Teatro de Artes
de Moscou. Além de realizar estudos sobre a segmentação do corpo, propunha improvisações
para dar suporte na busca da expressão física das personagens, enaltecendo a necessidade de
não haver excessos na linguagem corporal, procurando tenuidade. Stanislávski estuda,
também, a relação entre palco e plateia, ou seja, do artista com o espectador. Visto que essa
relação é, em última instância, também elemento fundamental para a formação do artista na
linguagem da dança, torna-se relevante acessar seus postulados sobre como a “mensagem”
pode ser passada, seja pela via cognitiva, emocional ou imagética. Tais preceitos, quanto bem

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trabalhados, consequentemente tornarão mais rica a comunicação artística, seja pelos efeitos
produzidos, seja pela ampliação da experiência do artista ao expandir seu repertório de
possibilidades estéticas e comunicativas. O bailarino pode, obviamente, dançar “apenas” para
si, mas quando se coloca numa perspectiva cênica, há que nos preocupar com o olhar do
outro, a quem se pretende comunicar, expressar, tocar. Sendo Grotowski um grande seguidor
de Stanislávski, fica claro o uso que ele faz dessa significação humana, ademais da utilização
das ações físicas, que estão ligadas a desejos e vontades do indivíduo, lembrando que é
necessária a consciência sobre o corpo, mesmo que a ação venha do subconsciente. As
técnicas utilizadas pelos dois teóricos buscam, além de tudo, aumentar as possibilidades
expressivas. Há aqui um evidente aspecto em comum com a linguagem da dança, buscar
colocar em cena toda a potencialidade corpórea do intérprete. Na mesma perspectiva de
Noverre, acima citado, diversos coreógrafos inspiraram-se em seus postuladas, Azevedo
(2014) coloca que, para Laban, o intérprete deve conhecer todos os esforços para conseguir
usá-los conscientemente, e mudar essas qualidades quando preciso, enfocando o
enriquecimento do movimento, ou seja, também visando aumentar as possibilidades
expressivas, tanto para atores quanto para bailarinos. Nesta pesquisa, podemos observar a
vasta gama de possibilidades de inter-relacionar as técnicas e práticas das linguagens do teatro
e da dança, visando uma formação mais ampla e consciente. Visto que esta pesquisa encontra-
se em sua fase final, foi possível obter resultados, a partir dos estudos realizados, no que tange
a associação de aspectos em comum das linguagens da dança e do teatro e confirmando a
congruência existente entre elas e suas práxis no âmbito da formação artística.

Referências bibliográficas

AZEVEDO, Sônia Machado de. O papel do corpo no corpo do ator. São Paulo:
Perspectiva, 2014.

GARAUDY, Roger. Dançar a vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

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RADICALIZAÇÃO E IMPASSE NO EXÍLIO DE AUGUSTO BOAL E ZÉ CELSO EM


PORTUGAL REVOLUCIONÁRIO (1974-1978)
Paulo Bio Toledo

Palavras-Chave
Augusto Boal, Oficina, Zé Celso, Exílio

O trabalho em andamento é parte das pesquisas ligadas ao desenvolvimento de tese de


doutorado e decorrente do Programa de Doutorado-sanduíche no Exterior (PDSE) da CAPES.
Por meio de entrevistas realizadas em Lisboa, pesquisa em arquivos e jornais portugueses de
época, análise de montagens e mapeamento da trajetória de exílio, buscou-se reconstituir
criticamente o período no qual Augusto Boal e Zé Celso viveram em Portugal entre os anos de
1974 e 1978 em meio aos eventos da Revolução Portuguesa de 1974, que colocou fim aos 48
anos de ditadura fascista no país. Zé Celso chegou em 1974 no calor da revolução, depois de
ser preso e torturado por 20 dias no Brasil. Ao deixar a prisão ele deixou também o país
seguido por todo o grupo numa espécie de autoexílio coletivo. Já Boal, exilado na Argentina
desde 1971, após meses de prisão e tortura no Brasil, só consegue chegar em Lisboa em maio
de 1976. Viveu, portanto, o refluxo do período revolucionário, após o golpe conservador de
25 de novembro de 1975. A despeito do exílio soar muitas vezes como tempo interrompido na
trajetória criativa, ambos viveram na antiga metrópole momento de inflexão decisiva de suas
vidas artísticas. O trabalho que os diretores brasileiros tentaram inicialmente colocar em
prática naquela terra em efervescência revolucionária ligou-se às expectativas mais radicais
que tinham com os seus programas estéticos e políticos. Ao mesmo tempo, ambos
trabalharam em torno de montagens que foram decisivas em seu trabalho no Brasil da década
de 1960. Zé Celso trabalha com remontagens e fragmentos da peça Galileu Galilei e Boal
monta com o grupo A Barraca uma versão da peça Arena conta Tiradentes e organiza evento
português em torno do modelo da Primeira feira paulista de opinião. Contudo, por motivos
distintos, são projetos que logo viveram impasses paralisantes, fracassos e entraves que
fizeram com que ambos colocassem em questão os caminhos que vinham percorrendo e
reorientassem seu trabalho estético. De modo que a trajetória de ambos no exílio português é,
ao mesmo tempo, uma reelaboração de seu trabalho passado no teatro brasileiro da década de

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1960 e um apontamento para o futuro de suas posições. Embora Zé Celso e o Oficina tenham
chegado no centro do furacão dos eventos revolucionários, em Portugal eles buscaram
confrontar a suposta relutância da sociedade portuguesa em revolucionar as práticas culturais,
morais, sexuais. O grupo atacava o que consideravam os limites de uma revolução somente
político-social, “careta”, e propõem “carnavais revolucionários”. Organizaram intervenções a
partir de cenas reelaboradas do espetáculo Galileu Galilei (montado no Brasil em 1968). Eram
pequenas peças de agitação contracultural apresentadas em fábricas, bairros operários, terras
ocupadas e em festas populares com o objetivo de confrontar o povo com uma possibilidade
supostamente ainda mais radical do exercício da liberdade. As investidas criaram desconforto
e constrangimento na relação do grupo com as forças políticas de esquerda como o
Movimento das Forças Armadas (MFA) e o PCP, mas não conseguiram gerar o choque social
pretendido. Ao mesmo tempo, é naquele momento que realizaram uma das experiências mais
radicais de vida em comunidade. Habitaram em um antigo casarão salazarista e faziam
seguidas sessões coletivas de happenings regados ao uso de substâncias lisérgicas. Segundo
Luiz Fernando Ramos (2005), daí brotaria uma nova relação com a ideia de grupo/coletivo/
coro decisiva para desenvolvimento futuro do Oficina. Além disso, pouco após os impasses
em torno de Galileu, Zé Celso e Celso Luccas dedicaram-se ao trabalho cinematográfico com
uma ênfase nova. A prática até então residual e à reboque do teatro, passou a ser central na
história do grupo a partir desse momento e o cinema a ser visto como parte constitutiva de seu
híbrido trabalho artístico (SILVA, 2006). Boal, ao contrario, viajou ansioso para trabalhar
junto com as forças políticas da revolução, mas quando chegou em 1976 elas já haviam
perdido o protagonismo. As experiências sociais mais avançadas tinham sido interrompidas e
a política do país já assumia feição reacionária. As reflexões e práticas no exílio argentino do
ex-diretor do Teatro de Arena (entre 1971 e 1976) estavam cada vez mais voltadas para um
tipo de ação artística conjugada à luta social. Técnicas como o Teatro Jornal, o Teatro
Invisível, o Teatro Fórum (organizadas ao longo de sua vida em torno da ideia de Teatro do
Oprimido) vinham sendo experimentadas e defendidas como a chance de um teatro mais
radicalmente alinhado à luta de classes. A possibilidade de aplicar as técnicas em um
ambiente revolucionário apareciam como a conexão ideal imaginada pelo autor. Na extensa
correspondência que trocava com o crítico português Carlos Porto desde 1974 Boal deixa
claro que mais do que contribuir para edificar uma nova cultura no país, o seu desejo era de

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trabalhar com o “teatro como linguagem” e não como “produto acabado”, “transferir ao povo
os meios de produção do teatro” (BOAL, 1975, p. 127. E em carta para Carlos Porto de
10/5/75). Porém em Portugal ele encontrou somente uma tênue imagem do tempo aberto que
fora a revolução entre abril de 74 e novembro de 75. Seu trabalho viveu portanto o impasse
entre a vontade de encontrar fissuras para experimentar um teatro em conexão direta com a
luta social – um teatro que se recusa a ser somente teatro – e, de outro lado, o trabalho
possível dentro do campo da cultura. Embora organize alguns experimentos com Teatro
Fórum, encontra pouquíssima reverberação de suas ideias e o campo no qual consegue mesmo
trabalhar é como diretor do grupo profissional A Barraca. Após deixar Portugal, em 1978,
Boal reorganizará na França a ideia de Teatro do Oprimido subtraindo aos poucos justamente
sua face mais popular e radical e aproximando-o de uma concepção mais estética e
universalista. O trabalho teatral que Boal e Zé Celso realizaram no país revela também algo
da leitura e da avaliação que ambos fizeram de seu próprio trabalho anterior no Brasil. Afinal,
os dois diretores optaram por trabalhar com peças centrais encenadas pelo Oficina e pelo
Arena entre os decisivos anos de 1967 e 1968. Boal montou com A Barraca a peça Barraca
conta Tiradentes e organizou o evento Ao Qu’isto Chegou: feira portuguesa de opinião, em
torno do modelo da Primeira feira paulista de Opinião.. Já a Comunidade Oficina trabalhou a
partir do espetáculo Galileu Galilei. Essa justaposição entre passado, presente e futuro – tão
característica da violência do exílio – foi marcante para a vida artística de ambos e os anos
vividos ali parecem mesmo ter sido um ponto de inflexão. Dali em diante houve uma
paradoxal reviravolta em seus programas artísticos. Por um lado, ganharam destaque e
reconhecimento mundial, mas, por outro, perderam algo do revolucionário espírito modernista
que tanto animou os debates e práticas nas décadas de 1960 e 1970.

Referências bibliográficas

I. O. P. “Bárbaros tecnizados”: cinema no teatro oficina. Dissertação (Mestrado em


Antropologia Social) – FFLCH/USP, São Paulo, 2006.

RAMOS, L. F. Dez anos de Usina Uzona e trinta anos do exílio português. In:
MARGATO, I.;

GOMES, R. C. (Orgs.). Literatura/Política/Cultura (1994-2004). Belo Horizonte: Ed.


UFMG, 2005.

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BOAL, A. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 1974.

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O TEATRO PAULISTA DO ESTUDANTE NAS ORIGENS DO NACIONAL


POPULAR
Sara Mello Neiva

Palavras-Chave
Ruggero Jacobbi, Teatro brasileiro, TPE, Teatro de Arena

A comunicação apresentará uma síntese da pesquisa de mestrado, elaborada a partir de


um híbrido movimento entre reflexão teórica e produção historiográfica, no encalço da breve
e impactante existência do Teatro Paulista de Estudante (TPE) na história do teatro brasileiro.
Trata-se uma reflexão sobre a história do TPE, desde sua fundação até a fusão com o Teatro
de Arena. Defende-se a ideia de que aquele pequeno grupo de jovens tenha gestado a
possibilidade de outro caminho de modernização para o teatro brasileiro, pautado agora por
uma ideia própria de engajamento e de nacional popular. O estudo procurou situar o Teatro
Paulista do Estudante como uma espécie de síntese (provisória) de várias forças e, portanto,
um ponto chave de inflexão na história recente do teatro brasileiro. Convergiram no TPE: a)
uma tradição de teatro amador que vinha desde os anos 1940 e que buscava efetivar um teatro
moderno de horizonte popular, diverso do modelo esteticista do TBC, a exemplo do Teatro do
Estudante, criado por Paschoal Carlos Magno, em 1938, e do Teatro do Estudante de
Pernambuco, cuja direção ficou a cargo de Hermilo Borba Filho, a partir de 1946; b) a
influência decisiva do encenador italiano Ruggero Jacobbi com sua elaboração própria do
conceito de nacional popular e sua incansável busca por formulações antiburguesas no teatro;
c) por fim, a forte influência do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e de uma nova linha
cultural que defendia a possibilidade de engajamento por meio da arte. O TPE foi criado em
abril 1955 por jovens ligados à Juventude Comunista do PCB, como Gianfrancesco Guarnieri,
Oduvaldo Vianna Filho e Vera Gertel. A organização do Partido Comunista, ainda que
contraditória, foi de extrema importância “para as lutas nos meios artísticos e intelectuais no
período” (RIDENTI, 2008, p. 170), cujas obras significativas e imaginário de esquerda se
tornariam hegemônicos na produção dos anos 60. O grupo foi apadrinhado por Ruggero
Jacobbi, que vivera na Itália a experiência como artista na resistência antifascista e na
reconstrução democrática, bem como no movimento nacional popular que levou a criação do

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Piccolo Teatro di Milano (VANNUCCI, 2014). No Brasil Jacobbi entrou em contato com um
movimento que de certo modo visava a um desenvolvimento menos elitista da modernização,
como o Teatro Popular de Arte (TPA) e o amador Teatro do Estudante. Paschoal Carlos
Magno, um dos principais nomes e entusiastas do teatro amador, atribuía ao teatro um valor
educativo, social. Estimulou e procurou encenar autores novos, lançou muitos dos mais
proeminentes atores, professores e diretores do teatro de seu tempo (FERNANDES, 2013). O
movimento de teatro amador teve na década de 1940 grande importância e extensão por todo
o país. Diversos projetos estéticos avançados, perspectivas de outra relação social do teatro e
práticas modernas ainda que incipientes foram experimentadas e mudaram de fato o panorama
do pensamento teatral no país. Foi a partir da experiência junto ao TEB, e pelo incentivo do
amigo Paschoal Carlos Magno, que Ruggero Jacobbi começa sua batalha em defesa do teatro
amador empenhando-se, nos anos seguintes, em criar uma vertente paulista das possibilidades
abertas no Rio de Janeiro e também em Pernambuco. No curto espaço de tempo em que
Vianinha, Guarnieri e Vera Gertel estiveram a frente do TPE, o grupo montou cinco
espetáculos. A peça de estreia, A Rua da Igreja, do irlandês Lennox Robinson sugerida e
orientada por Ruggero Jacobbi, foi cancelada por vontade de parte dos integrantes logo após a
primeira apresentação, marcando um racha político no grupo. Em seguida reuniram-se em
nova formação e levaram para o II Festival de Teatro Amador a peça Está lá fora um inspetor
de J. B. Priestley. Naquele Festival apresentaram ainda uma tese que expunha um avançado
programa do grupo em direção a um projeto de teatro popular. Logo em seguida montaram
ainda duas peças curtas de Artur Azevedo e, por fim, a comédia O impetuoso capitão Tic
escrita em 1861 por Eugene Labiche, estreou no Teatro de Arena e permaneceu algumas
semanas em cartaz. Foram experiências que resultaram num constante impasse, mas que
abriram os caminhos para ao menos dois momentos decisivos no teatro brasileiro: a fase
engajada do Teatro de Arena e as experiências de democratização da arte na década de 1960,
como os Centros Populares de Cultura (CPCs) em todo o Brasil. Os impasses gerados pelas
apresentações aliados às dificuldades de manter um grupo de teatro amador de notável
autonomia e atuação política levaram-nos a fundir-se ao Teatro de Arena. Nesse sentido, o
TPE figura como um projeto que não chega a se realizar propriamente, mas que demarca
posições centrais para o debate sobre teatro e sociedade no Brasil e, com isso, abre as trilhas
para as experiências mais avançadas de teatro engajado socialmente que virão a seguir. Além

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disso, revela os vestígios de uma outra possibilidade de modernização do teatro brasileiro


ligada ao teatro amador de expectativa popular. Em junho de 1956, o núcleo principal e
amador do TPE fundiu-se ao profissional Teatro de Arena. Mas ao invés de serem
“incorporados” pelo grupo profissional, sua entrada contribuiu para a radical transformação
nos rumos do grupo inaugurado por José Renato alguns anos antes e, por extensão, nos rumos
do teatro moderno brasileiro nas décadas de 1950 e 1960.

Referências bibliográficas

FERNANDES, Nanci. Amadores Paulistas. In: FARIA, João Roberto (Org.). História do
teatro brasileiro 2 – do modernismo às tendências contemporâneas. São Paulo: Editora
Perspectiva e SESC/SP, 2013.

RIDENTI, Marcelo. Brasilidade vermelha: artistas e intelectuais comunistas nos anos


1950. In: BOTELHO, A.; BASTOS, E. R.; VILLAS BÔAS, G. (Org.) O moderno em questão
– A década de 1950 no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2008.

VANNUCCI, Alessandra. Missão Italiana. São Paulo: Perspectiva, 2014

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PERFORMANCE COMO CONSTRUÇÃO DE SUBJETIVIDADE: CUIDAR.


PERFORMAR. CONHECER.
Marina Tosti Lopes, Gabriela Fregoneis

Palavras-Chave
conhecer, cuidar, performance

O trabalho de conclusão de curso em andamento está vinculado ao grupo de pesquisa


“Poética Cênica Contemporânea” - que mantém encontros semanais na Universidade Estadual
de Maringá com estudos teórico-práticos - propõe diagnosticar por meio da ação performática
a necessidade de expressão individual - subjetiva - no que tange às vivências e "rotineirices"
do ser humano que está preso aos ajustes sociais e suas padronizações que nos impedem
diariamente de alcançarmos nossa autenticidade e reconhecimento de si mesmo. Ademais,
apontar as problematizações que o processo e a ação performática podem ocasionar no
performer e nos observadores, é um dos pontos pela qual a arte em questão torna-se
importante no processo que envolve a autonomia, admitindo as regras na qual o corpo
contemporâneo é instrumentalizado cotidianamente perdendo sua subjetividade. Neste intuito,
por meio de experiências práticas envolvendo a performance art e minha própria história de
vida praticados na programação da performance "Farta Penúria" e sua "presentação" no
evento Bastardas III - Encontro de Performance realizada na UEM (Universidade Estadual de
Maringá), e a análise apoiada em teorias de Michel Foucault referente aos termos cuidado de
si e conhecimento de si, espero alcançar o completo entendimento de mim mesma e,
consequentemente, a libertação social e a autenticidade do meu eu, veiculados pela
preparação, ação e reflexões que a performance art me proporcionou, assim como reverberou
nos observadores da ação. Referente ao quadro teórico que está fomentando meu processo de
pesquisa acadêmica busquei, inicialmente, as definições sobre o que é performance, suas
características e ocorrências e análises críticas em teóricos como: Marvin Carlson, Roselee
Goldberg, Renato Cohen e Jorge Glusberg. Um dos pontos cruciais para a pesquisa é o papel
conscientizador da performance art que Goldberg (2016) salienta em sua obra "A arte da
performance", que esta é um meio para conscientizar o público de sua relação de vítima
manipulada, tanto pelo performer quanto pela sociedade. Outro aspecto que contribui para o

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caminho de autonomia por meio da arte que o trabalho requer, são afirmações de Cohen
(2013), dentre elas, salienta a performance art como evento um ritualístico e envolvente, pois
ela concede ao público uma cumplicidade ao que eles veem ocorrendo no momento presente.
Sendo assim, o performer está mais propriamente disposto como alguém que encaminha os
outros e a si mesmo para uma partilha e uma construção conjunta de opiniões e pensamentos.
Em processo de construção do eu, eterno sujeito inacabado, ou seja, cuidando de si e assim
conhecendo-se, Michel Foucault (2006) defende o retorno para dentro de si, antes de voltar-se
para a esfera do outro, dizendo que este é um trabalho paralelo ao meio social e não solitário.
Gabriela Fregoneis (2015) cita a obra "A hermenêutica do sujeito" de Foucault, defendendo o
caráter autônomo do sujeito "foucaultiano", este que se dá regras, se constrói e se transforma.
A reflexão sobre si, o cuidado de si, a autoconstrução e voltar a si mesmo, caracterizam o
conhecer a si, gerando autonomia e autenticidade do ser. Conceitos da performance art e os
conceitos "foucaultianos" encontrados nela, desde sua programação, performance em ação e
problematizações causadas, são aspectos que mantêm-se interligados em minha pesquisa, pelo
fato de que a performance encontra-se organizada a partir do self as context que envolvem,
não apenas o objetivo e o resultado da pesquisa, mas o cerne da performance: o grito do
performer. Por conseguinte, após a vivência da performance "Farta Penúria" coletei minhas
ações e reações, além das diversas interpretações dos observadores e questionei-me sobre o
lugar de onde falo referente a fome, as fomes existentes em mim e no mundo, na qual
levaram-me a repensar sobre a anorexia: transtorno alimentar pelo qual vivenciei durante
minha pré-adolescência. Com isso, tenho prioridade para falar sobre o outro lado da fome,
essa fome marginalizada que contorce os nervos, que busca alcançar o controle de si e tenta
constantemente ajustar-se aos padrões que a sociedade nos impõe. Todo o embasamento
teórico e prático serviram para fundamentar minha experiência e compreendê-la. Por
enquanto, consegui retomar ao meu passado para examinar-me e, assim, percebi que a
temática escolhida - fome - tem um porquê envolto para as minhas experiências pessoais do
passado que recaem no meu eu hoje em traumas e também como forma de empoderamento e
emancipação, se o ser conseguir observar-se, cuidar de si e, por fim, conhecer-se ou
reconhecer-se. Lutei para conseguir sobreviver durante a anorexia e superá-la fundamentada
no entendimento das razões pelas quais fui vítima alienada desse distúrbio. Concluindo, o
trabalho em processo está sendo encaminhado para o aprofundamento dos conceitos voltados

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para o conhecimento e cuidado de si que Michel Foucault exemplifica em sua obra


"Hermenêutica do sujeito" e em "História da Sexualidade 3: o cuidado de si" para as questões
sociais que envolvem a mim e a minha performance em análise que dialogam com a mídia e a
indústria capitalista instrumentalizadora, com o culto a si, com a alienação, com o sistema
desumano que estamos inseridos e com os diferentes lados da fome. Com tais conceitos e
diálogos, encontramos fortalecida as idéias da necessidade da emancipação do ser para sua
desalienação, conquistando autenticidade por meio da arte, exclusivamente da performance
art, e como esta contribui para tais quesitos concretizarem-se.

Referências bibliográficas

COHEN, Renato. Performance como linguagem. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2013.

FREGONEIS, Gabriela Pereira. Entre o teatro e o cinema: experiência performativa. Ed.


Prismas, 2015.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 3: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Edições


Graal, 1985. Edição: 9ª, 2007.

______. A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

______. A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

GOLDBERG, Roselee. A Arte da Performance. Do Futurismo ao Presente. Ed. Martins


Fontes. Edição: 3ª, 2016.


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PARANGOLÉ E EXOTOPIA - PERFORMANCE E EXORTAÇÃO.


Deusimar Gonzaga

Palavras-Chave
exortação, exotopia, parangolé, performance

Pesquisa teórico-qualitativa fundamentada no método fenomenológico. O foco da


abordagem é a linguagem exortativa com a qual o artista plástico e performer Hélio Oiticica
(1986) definiu sua invenção Parangolé, em 1964. O artista carioca chamava sua proposição
artística de invenção, contrariando o que para críticos e outros artistas era uma obra de arte. A
invenção de Hélio é aqui comentada em relação dialógica com o que Mikhail Bakhtin
(2003[1979]) determina com o conceito de exotopia. Os parangolés são panos, plásticos,
esteiras, telas, cordas e outros tecidos de dimensões e cores variadas; eles são vestidos e
carregados para se ter um corpo expandido e dançar ao ritmo do samba. Com o Parangolé
Oiticica promove o espectador da obra de arte à posição de participador/propositor da mesma.
Vestir o parangolé e com ele se movimentar se torna a performance Parangolé: movimentos
corporais dançantes improvisados que transgridam o comportamento do corpo cotidiano. A
invenção de Hélio Oiticica (1986) só existe no tempo e no espaço quando da ação/
performance de cada participante. A atuação do dançante transforma o parangolé em capa, em
bandeira, em estandarte ou tenda. As cores saem das pinturas das paredes dos museus e
vestem os corpos. Performance-linguagem de movimentos para os que dançam, de imagens
para os que assistem; de experiências sensoriais para todos. Hélio Oiticica (1986) propõe ao
participador do Parangolé a estruturação de um ambiente artístico-mítico-vivencial. O
participador deve idealmente inserir a cor no corpo, no movimento, no tempo e no espaço; e
incorporar todo o ambiente. Arte mítica-ambiental em que o performer vestindo e dançando o
parangolé vivencia a ação Parangolé e se torna participador-obra. Oiticica (1986) admite
instâncias distintas de participação. Tanto os que atuam incorporando o Parangolé, quanto os
que assistem são afetados, de maneiras distintas, pela performance. Para Bakhtin
(2003[1979]) o que vemos apenas completa o que se vivencia e é secundário para a realização
de uma ação. Vemos no outro o que ele não consegue ver, na mesma relação, o outro vê o que
não conseguimos ver em nós – excedente de visão. A convivência com o outro pode ser

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transformada através do diálogo, que inclui o que ainda não sabemos sobre nós mesmos,
assim como o que o outro não sabe sobre si mesmo. No mundo concreto não podemos ocupar
o lugar do outro. Mesmo que estejamos onde o outro estava, o lugar será percebido de
maneira distinta. O lugar do outro só pode ser imaginado. No entanto, podemos encurtar esta
distância pelo conhecimento. A partir do conhecimento é possível construir um universo único
e de significado geral, já que o sujeito do conhecimento não ocupa um lugar concreto na
existência. Bakhtin (2003[1979]) nos adverte que com o conhecimento só é possível construir
um mundo suposto. É preciso entrar em empatia com o outro, ocupar o lugar dele no mundo,
retornar ao nosso lugar, olhar, sentir e conhecer o mundo com o excedente de visão obtido
com a experiência. As interações sociais se fundamentam em grande parte no que eu não sei
sobre o que o outro sabe de mim. As imagens que oferecemos de nós mesmos e que os outros
nos oferecem são interpretadas e compreendidas a partir do excedente de visão, que as
completa. Não ocupamos dois lugares no mundo ao mesmo tempo, mas somos constituídos de
muitos de nós mesmos. Aprendemos com Erving Goffman (1956) que na atuação da vida
cotidiana apresentamos - através do desempenho de funções profissionais, sociais, religiosas,
familiares, etc. muitas características tidas como não sendo nossas. Os outros que nos
constituem podem também ser exteriorizados como personagem nas atuações artísticas. Tanto
a atuação artística, quanto a dos afazeres do dia a dia são aqui pensadas como possibilidades
de construção de conhecimento. Vivências cotidianas e não cotidianas afetam os sentidos; que
afetam os sentimentos, os pensamentos e os comportamentos. O corpo e a mente se expandem
com a exteriorização do nosso mundo interior e com a interiorização do mundo exterior. O
atuar/performar – lugar dos sentidos incorporados; e o observar – lugar dos sentidos afetados
são lugares distintos e complementares de construção de experiência e de conhecimento. A
aposta de Oiticica (1986) é que as experiências sensoriais, vivenciadas com a movimentação
corporal na performance Parangolé encorajem transgressões de comportamentos
condicionados. O Parangolé foi inventado em um período de muitas transformações na cena
artística e na política brasileira. O final da década de 1950 e começo da de 1960 constituíram
a cena de mudanças na pintura, na escultura e na poesia, engendradas pelo movimento
concretista que contestava, dentre outras coisas, o figurativismo na pintura daquela época. Em
seguida este foi contestado pelo neoconcretismo, que se opunha ao formalismo “excessivo”
dos concretos. Na política o golpe militar de 1964 deflagrou repressão aos artistas de

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vanguarda e fortaleceu valores conservadores. O artista carioca vislumbrava com o seu


Parangolé novos comportamentos que reorganizassem nossos processos de construção de
conhecimento. O conteúdo exortativo da Obra-ação de Oiticica incitava comportamentos
transgressores que propusessem narrativas individuais e coletivas. Narrativas que pudessem
problematizar a existência para além do que estava estabelecido culturalmente.

Referências bibliográficas

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal (tradução a partir do russo de Paulo


Bezerra). São Paulo: Martins Fontes, 2003[1979].

BERESTEIN JACQUES, Paola. Estética da ginga: a arquitetura das favelas através da


obra de Hélio Oiticica. In: BRAGA, Paula P. (org.). Fios Soltos – A arte de Hélio Oiticica.
São Paulo. Ed. Saraiva, 2015.

GOFFMAN, Erving. The Presentation of Self in Everyday Life. Edinburgh: University of


Edinburgh, 1956. OITICICA, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.

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POÉTICAS DO CORPO E DRAMATURGIAS DO ESPAÇO NO CENTRO DE SÃO


PAULO
Marcelle Louzada

Palavras-Chave
corpo, cidade, videocartografia

Em uma apropriação poética da cidade como suporte e/ou campo ampliado de/para
trocas culturais e experimentações estéticas, problematiza-se as relações entre corpo e espaço
urbano por meio de oficinas de criação que utilizam como ferramenta o hibridismo entre
dança e cinema. Considerando que o lugar é a condição geral de nosso estar juntos
(MASSEY; 2009: p.220), aciona-se uma moradia ocupacional localizada na região central da
cidade de São Paulo – Ocupação Hotel Cambridge – para o exercício estético, convidando as
crianças e os adolescentes para as experimentações envolvendo corpo e cidade. O local em
questão foi escolhido por acolher uma pluralidade de estórias em processo, em diferentes
configurações e articulações dentro das mais amplas geometrias do poder do espaço
(MASSEY, 2009: p.190). Todavia, almeja-se impulsionar os processos criativos através da
vivência na cidade, que pode ser classificada como uma constelação de trajetórias (MASSEY,
2009: p. 221). Partindo do pressuposto de que corpo e espaço urbano estão co-implicados no
processo de formulação de vida pública, a cidade é acionada como campo de investigação e
criação de performances, que tem como intuito provocar fissuras nas previsibilidades
citadinas que configuram os modos de habitar dos envolvidos no processo, inclusive o próprio
pesquisador, provocando devires outros: poéticas do corpo que se abrem para dramaturgias do
espaço. Interessa-se saber que tipos de exterioridade estão afetando o corpo no centro da
cidade, no âmbito pessoal e grupal, o que toma o lugar em seu sentido político. Para tal, como
estratégia metodológica e artística, a cartografia é selecionada, na elaboração de imagens
através da produção de videocartografias. Mais do que se apropriar do conceito de cartografia,
contudo, intenta fazê-la funcionar por meio da criação de outro conceito, a videocartografia,
como estratégia operacional. Trata-se de uma possibilidade de apreensão da cidade pelos
recursos audiovisuais, como câmera filmadora. A videocartografia se apresenta como
agenciamento , em conexão com outros agenciamentos, propondo a produção de imagens a

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!

partir de dinâmicas que relacionam corpo e cidade, na produção de performances a um só


tempo corporais e cinematográficas. Aqui, o cinema investe na potência da imagem como
produtora de sentidos. As práticas corporais, como a dança contemporânea, também são
utilizadas como recurso para a criação através de práticas semanais ocorridas na moradia
ocupacional desde março de 2017. Através da dança, prepara-se o corpo para o movimento,
abrindo canais perceptivos para a vivência na cidade e convivência com o outro. Salienta-se,
portanto, que para além de uma técnica de aperfeiçoamento profissional e/ou artístico, o
enfoque está nas experimentações vividas pelo corpo e sua relação com a cidade. Além do
mais, acredita-se que a participação sinestésica, corporal e vivencial, quando aplicada no
cotidiano, é também política, social e ética. Trata-se, pois, da problematização de um corpo
que se experimenta na cidade. Porém, para além de enfocar a questão do “eu” que arrasta a
atenção para o campo do sujeito, foca-se no substantivo espaço, que remete ao que é exterior
ao próprio sujeito, abrangendo a dimensão do fora. Para além de qualquer oposição
conceitual, trata-se de superar dicotomias, seja referente as dualidades que envolvem o que é
exterior ou interior como também daquela estabelecida entre tempo e espaço. O que se
almeja, entrementes, é a consideração do caráter relacional que opera em uma subjetividade
espacial. Se o sujeito, aqui, é convidado a se posicionar, isso se deve a credibilidade a uma
voz que experimenta a existência mais do que ao encontro de uma identidade já constituída. A
noção de subjetividade, nesta ocasião, não se relaciona a projeções de um interior-conceitual
introspectivo, mas, antes, uma subjetividade que seja também espacial, olhando abertamente
em suas perspectivas e na consciência de sua própria constituição relacional (MASSEY, 2009:
p.124). Nesta propositiva, portanto, almeja-se pelo espaço como a esfera de possibilidade da
existência da multiplicidade, no sentido da pluralidade contemporânea, como a esfera na qual
distintas trajetórias coexistem; como a esfera, portanto, da coexistência da heterogeneidade.
(MASSEY, 2009: p.29). De acordo com Massey conceituar o espaço como aberto, múltiplo e
relacional, não acabado e sempre em devir, é um pré-requisito para que a história seja aberta
e, assim, um pré-requisito, também, para a possibilidade da política (MASSEY, 2009: p.95).
Nesse entrelaçar de histórias, a política é produzida coletivamente, por meio das relações de
envolvimento mútuo. Assim, o político se coloca como experiência de compartilhamento
através de práticas de coetaneidade. O fato de o sujeito estar no mundo por meio de seu corpo,
com seu corpo, gera nele um sentido de presença que o leva a experiência relacional. O corpo

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é o lugar de incidência de inúmeras correlações de força, contudo, deve-se abrir espaço para
que seja percebido como lugar de encontro com o outro, com o mundo, com a diferença,
liberando novos modos de vida que produzem novas ligações e conexões no todo que o
constitui. Afinal, no presente espacial, o que somos é realmente o que fazemos (MASSEY,
2009: p.274) e o que fazemos é reverberação das forças espaciais – trajetórias coetâneas,
estórias-até-agora – que atravessam nossos corpos. Assim, o foco está nas experimentações do
corpo, na sua força de invenção. O pleno reconhecimento da contemporaneidade implica uma
espacialidade que é a multiplicidade de estórias-até-agora (MASSEY, 2009: p.267).
Considera-se, as processualidades corporais pertinentes ao próprio movimento da vida, como
possibilidade de ruptura a qualquer padronização generalizada do sujeito, como campo de
força viva com a qual é possível criar nossos espaços existenciais e os contornos cambiantes
de nossa subjetividade espacializada.

Referências bibliográficas

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo:
Editora 34, 1995. v.1.

MASSEY, Doreen. Pelo espaço: uma nova política de espacialidade. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2009.

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O PRINCÍPIO DA OPOSIÇÃO NA CRIAÇÃO CÊNICA


Marilyn Nunes

Palavras-Chave
dramaturgia da atriz e do ator, odin teatret, oposição

Partindo da minha formação enquanto atriz junto ao Odin Teatret, e de todos os


estudos que as(os) integrantes desse grupo têm realizado acerca do vocabulário da atriz e do
ator, busquei conectar teoria e prática, retomando o treinamento que é desenvolvido nessa
tradição. Logo no início da pesquisa, o princípio da oposição, por sua recorrente presença nos
exercícios e também nos escritos, mostrou-se relevante dentro desse processo formativo,
especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento da presença e criação cênicas.
Debrucei-me sobre o conceito deste princípio e suas formas de manifestação, levando-me a
subdividi-lo em outros quatro: a contraposição, a resistência, a pré-ação e a introversão e
extroversão, e ainda, a relacioná-lo com outros estudos, tais como: a mímica moderna de
Decroux, a biomecânica de Meyerhold e a expressividade corpórea de Delsarte; Também
levei a oposição para dentro da minha cultura, através da Capoeira Angola e do samba
brasileiro. Enquanto que, para seu trato em contexto de formação da atriz e do ator, trouxe sua
explanação através dos exercícios conduzidos pelas atrizes Julia Varley, Iben Nagel
Rasmussen, Roberta Carreri e pelo ator Jan Ferslev, do Odin Teatret, sem deixar, contudo, de
abordar o contexto desse trabalho, permeado pela vivência com o grupo em sua sede, na
Dinamarca. Tendo esta pesquisa, prioritariamente, um caráter prático e artístico, houve a sua
materialização através da criação da demonstração de trabalho O oposto, possibilitando
reviver a experiência prática com um viés pedagógico. Além de exercícios e das influências
históricas, através das personagens e cenas dos espetáculos Estrelas e O Pesadelo da
Borboleta, bem como da própria demonstração de trabalho O oposto, dirigidos por Varley,
apresentei a incorporação da oposição na criação cênica, que, através dos exemplos dados,
mostrou ser uma ferramenta útil para a atriz e ator, permeando exercícios e criação de
espetáculos. A demonstração No Odin Teatret, a demonstração de trabalho tem o formato de
um espetáculo pelo seu caráter artístico, constituindo-se de cenas provenientes de materiais da
atriz e do ator, que atualizam na apresentação o seu trabalho. Assim, a demonstração carrega

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uma estética própria, proveniente de diversos aspectos, entre eles, do fato de que as atrizes e
os atores assumem o papel de criadoras e criadores protagonistas da cena. Ao mesmo tempo,
tem um caráter formativo, visto que é construída com o intuito de permitir o
compartilhamento dos processos e técnicas acumuladas e desenvolvidas pelas atrizes e atores
formados na cultura do Odin. Lúcia Romano (2013) define este trabalho como uma
metalinguagem do processo criativo, configurando-se como “aula-espetáculo”, rompendo
com a separação entre discurso e prática artísticos.A demonstração O oposto, criada durante o
mestrado, sob direção artística de Julia Varley, configura-se como uma obra artística
resultante de procedimentos artísticos em âmbito de pesquisa acadêmica, cujas apresentações
estão sendo realizadas desde março de 2016. Para fins de registro, a obra em dois formatos:
DVD e texto dissertativo, descrevendo todas as cenas, com reflexão sobre o processo de
criação da obra, do conteúdo ao qual ela se refere (conceito e história) e fotografias. A cena 1,
chamada Apresentando a oposição, mostra o início do trabalho de criação dos meus materiais
enquanto atriz-pesquisadora, cujo ponto de partida é o oposto. Na cena 2, As faces da
oposição, destrincho meu treinamento pessoal em partes, a saber, a contraposição (e a
contraposição sutil), a resistência, a pré-ação e a introversão e extroversão; dando exemplos
corpóreos de minha investigação sobre estes princípios. Na cena 3, intitulada Inspirações,
apresento os mesmos princípios, agora de acordo com inspirações históricas incorporadas, ou
seja, observando de onde estes princípios são oriundos. Sua construção, portanto, corresponde
ao resultado direto da análise das fontes teóricas, sempre com enfoque em sua aplicabilidade
prática. Para tanto, discorro sobre as oposições nos trabalhos de Delsarte, Decroux e
Meyerhold. Para ressaltar uma prática atual e que esteja presente em meu treinamento e
cultura, apresento a oposição na Capoeira Angola e no samba brasileiro. Após discorrer sobre
estes princípios de forma ampla, com enfoque histórico, contextualizo como os aprendi na
prática teatral junto ao grupo Odin Teatret, exibidos na cena 4, intitulada A oposição no
treinamento do Odin Teatret, os exercícios aprendidos com as atrizes e atores Julia Varley,
Iben Nagel Rasmussen, Roberta Carreri e Jan Ferslev, em que reconheço a presença da
oposição. Por fim, na cena 5, nomeada A oposição em cena, apresento a presença destas
oposições numa criação artística, através da exposição da criação de personagens e cenas dos
espetáculos solos em que atuo. Como a obra tem duração aproximada de 01 hora, focaremos
nesta edição do SPA na apresentação da cena 05, a Oposição em cena. Nesta cena,

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compartilho a soma de pequenas descobertas surgidas no processo de criação dos espetáculos


Estrelas e O Pesadelo da Borboleta, demonstrando como o princípio da oposição pode operar
enquanto agente facilitador para o desenvolvimento da criação cênica. Neste aspecto, esta
pesquisa está voltada para dar materialidade aos procedimentos; selecioná-los; organizá-los e
torná-los tangíveis, ao mesmo tempo em que averiguo a validade destes recursos para fins de
aplicabilidade pedagógica (uma vez que conformam uma técnica) e artística.

Referências bibliográficas

ROMANO, L. A escrita da atriz: Julia Varley, Iben Nagel Rasmussen e Roberta Carreri.
Urdimento, Santa Catarina, v.2, n. 21, p. 98-110, dez/2013.

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(TRA)VESTIDAS: SER/TORNAR-SE MULHER


Kátia Silva Souza Dos Anjos, Marília Balbi Silveira, Marília Velardi, Renata Frazão Matsuo,
Priscila Sayuri Mori.

Palavras-Chave
corpo, feminismo, pesquisa qualitativa

Nome: Kátia Silva Souza dos Anjos; Marília Balbi Silveira; Renata Frazão Matsuo;
Priscila Sayuri Mori; Marília Velardi Instituição: Universidade de São Paulo Linha de
Pesquisa: pesquisa qualitativa Orientador: Marília Velardi Contato: marilia.velardi@usp.br
Quatro mulheres em cena e uma na direção. Em março de 2017 nós resolvemos fazer um
trabalho performático, dançado. Cada uma possui experiência em alguma técnica dança, e por
essa via queríamos dizer, sentir e provocar algo de maneira sensível. Nossa inspiração: o que
é ser mulher? Nosso objetivo: transbordar sensações que reverberassem nos olhos, na pele, no
corpo de quem assistia o que é tornar-se mulher. Para nós um desafio, uma investigação que
partiu de um insight e foi ganhando forma e moldando a dramaturgia. Um poema de Clarice
Lispector, “Se Eu Fosse Eu”, narrado, e disponível no youtube, na voz de Débora Wainstock
fechou nossa performance: nos encontramos com ele “depois”, mas poderia, agora, iniciar
nossa escrita. “Se eu fosse eu parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a
entrada nova no desconhecido”. O feminismo sempre foi e será necessário, ser mulher num
mundo ainda patriarcal é um desafio cotidiano. Adichie (2014), autora negra e nigeriana,
relata que uma vez certo homem a questionou sobre o porquê dela se posicionar como mulher
e não como ser humano. Sensivelmente a autora respondeu afirmando que sabia que ela era
um ser humano, mas que havia certas coisas, específicas, que ela vivenciava por ser mulher.
Somos singulares e isso afeta nosso lugar no mundo; assim como ser negra implica
particularidades num mundo ainda racista. Beauvoir (1970) também já afirmou que a mulher
é um ser humano, mas que isso é abstrato demais, ressaltando que todo ser humano de fato é
visto e localizado de maneira singular. Falar em feminismo, especialmente no tempo em que
vivemos, se faz necessário em reconhecimento das atrocidades e desigualdades sociais,
políticas e econômicas ainda presentes. Sim, precisamos falar de gênero, e do que é ser
mulher. Como Adichie (2014) destaca, a questão de gênero tende a prescrever modos de ser e

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agir ao invés de reconhecer como nós somos. Ser significa, então tornar-se, para Beauvoir
(1970) é uma feitura assentada no social manifestado. Podemos dizer que o método que
usamos para produzir essa pesquisa, e esse texto, está apoiado na “investigação baseada nas
artes” (Arts Based Research). O método (compreendido como o nosso caminho) ganhou
corpo no processo investigativo, este assentado na produção artística, cênica, coreográfica. O
que fizemos foi problematizar nosso corpo feminino a partir de uma obra coreografada;
dançamos, trocamos de roupas em cena, nos maquiamos, falamos. A teoria, aqui posta, surgiu
depois, não foi a base para nossa produção, mas sim, nossas experiências como mulheres, e
artistas, nos levaram a esse resultado cênico e escrito. Como aponta Oliveira (2016) esse tipo
de pesquisa, baseada nas artes, vem para ampliar nosso entendimento de certas atividades
humanas a partir, ou por intermédio, de processos artísticos. A cinco vozes definimos as
inspirações para cada composição coreográfica. Marília: A direção foi observação, foi
trabalho sobre a ação, sobre a contação de histórias e as minhas memórias; foi a identificação
dos sentidos que se exacerbaram ao longo dos encontros coletivos. Dirigi o meu olhar, dirigi
as minhas sensações. O encontro com o poema Se eu fosse eu, narrado sem inflexões ou
entoações, descrito e não interpretado foi a síntese das cenas, ao mesmo tempo em que nos
mostrou o sentido que nos uniu, aquilo que nos agrupou. Assim como as autoras que trazemos
neste texto e que iluminam o que vivemos, o poema nos mostra que o nosso encontro com as
coisas do mundo e conosco mediam a nossa trajetória intelectual, acadêmica e científica. O
feminismo encarnado encontrou lugar de reflexão. Renata: Uma pergunta me norteou para
criar essa coreografia / cena. Que mulher é essa? E quando comecei a compor essa mulher,
uma outra pergunta me soava… O que você tem dessa mulher? E quando me dei conta, eu era
essa mulher também… Somos tantas e somos únicas! Minha personagem mulher, que
também sou eu, traz as dificuldades, as incertezas, as prisões, as tristezas e principalmente as
amarras que nos são impostas desde que nascemos (ou até antes do nascimento). Inspirada na
obra canônica de Martha Graham, Lamentation, me propus a retratar essa dor de viver presa
na própria pele… Kátia: Meu corpo é um corpo de mulher, disseram… Esse corpo sou eu. A
roupa que uso me coloca e desloca de lugar. Visto, desvisto, transformo e dou forma… Um
corpo dado, que me foi dado; A natureza me deu, e é meu, sendo meu posso mudar, ser quem
eu quiser. Vestir, despir; na ação que o verbo sugere vão dizendo meu lugar, e não lugar.
Mulher… Gênero (não) biológico. É gênero feminino, feminina. Travesti é um eu vestida de

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mulher (Tra)Vestida, sou eu vestida de uma mulher, das várias que posso ser… Usei a música
de Elza Soares “Mulher do fim do mundo” para essa coregrafia. Marília Silveira: O processo
de criação para performance das Travestidas foi guiado pelas reflexões de como ser mulher e
as diferentes facetas que assumimos na vida. Na composição envolvendo a Dança do Ventre e
o despir-se do glamoroso figurino e vestir-se em roupas comuns do dia a dia, busquei ressaltar
a importância da flexibilidade, impermanência e resiliência nas formas de ser. Ora,
assumimos lugares de destaque, estamos em evidencia. Ora, somos pessoas comuns,
ordinárias. E cabe a nós ressignificarmos esses papéis a nós mesmas, tomando cuidado com as
supervalorizações vindas do externo, e não credibilizar o desvalor em muitas situações
cotidianas também atribuídas pelo meio social. Ou, correremos o risco de nos perdemos, e
acreditarmos ser o que enxergam-julgam de nós. Sermos em essência, a verdade em nós,
independente de como nos travestimos, para que os trajes que escolhemos usar estejam a
serviço do que somos e não do que querem nos tornar. Sayuri: Eu me teço história, entre
tantas coisas ou quaisquer metades que nos “costuram”, vou desatando os nós.
Desconstruindo as angustias caladas as tristezas descompensadas, vou me permitindo. Sendo
então um pouco do que quero e menos do que sou, uma hipérbole eu diria. Costurando fio a
fio novos sentidos, caminhos… Sempre em movi-mento(e) Embalançando Despertando por
dentro para que eu possa existir por fora. Minha coregrafia apoiou-se na narração do poema
de Clarice Lispector já citado nesse texto. Livres, cada uma de nós escreveu sua inspiração
para compor. O que sobra está aqui nesse texto, mas ainda fica a ressonância de um fazer
artístico que não acabou. Essa obra teve duração de 15 (quinze) minutos e nos apresentamos
duas vezes, mas sentimos que pode continuar. Precisamos compor, experimentar, deixar fluir.

Referências bibliográficas

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas. São Paulo; Companhia das
Letras. 2014

BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. São Paulo; Difusão europeia do
livro.1970

OLIVEIRA, Marilda Oliveira de; CHARREU, Leonardo Augusto. Contribuições da


perspectiva metodológica “investigação baseada nas artes” e da a/r/tografia para as
pesquisas em educação.Educ. rev., Belo Horizonte, v. 32,n. 1,p. 365-382, Mar. 2016.

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Disponível: <http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0102-46982016000100365&lng=en&nrm=iso>.

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TRAJETÓRIAS QUE SE COMPLETAM: ATRIZ, PROFESSORA, PESQUISADORA.


Mônica Mello

Palavras-Chave
aprendizagem, princípios, trabalho de ator

A pesquisa à qual tenho me dedicado teve início em 1996 e, ao longo desses vinte anos
de trajetória artístico-acadêmica, o fio condutor tem sido o trabalho de ator em contexto de
treinamento. Três momentos distintos constituem esse percurso: na graduação, o projeto
“Ator: Ofício e Tradição. Em busca de uma identidade”, que constituiu um grupo de pesquisa
do PIBIC-UnB; no mestrado, a composição de um treinamento pré-expressivo (BARBA,
1991), “O Caminho do Ator Buscador” (MELLO, 2006) e o terceiro momento constituiu o
doutorado, no qual o treinamento era o espaço de identificação e categorização dos
fundamentos do ofício de ator, “Improvisação por Princípios: análise de um curso/treinamento
baseado em princípios específicos do trabalho de ator” (MELLO, 2011). Quando me refiro a
esses três momentos percebo três perspectivas: a experiência de um treinamento como atriz, a
estruturação dessa prática e a identificação dos seus fundamentos. Ainda que aqui esses ciclos
se apresentem numa cronologia, entendo que todas as etapas desse percurso estejam presentes
na pesquisa atual. E, neste sentido, me reconheço como atriz-professora-pesquisadora. Essa
perspectiva de pensar o trabalho de ator a partir dos seus fundamentos, ou seja, de seus
princípios, não se deu apenas do ponto de vista da Antropologia Teatral, ou seja, dos
princípios-que-retornam (BARBA, 1993), mas igualmente dos princípios que são a base da
preparação do ator e da sua atuação (MELLO, 2011). A busca pelos aspectos que
fundamentam o trabalho de ator se deu enquanto pesquisa prática, na sala de treinamento,
tendo como suporte teórico o pensamento de mestres do teatro do século XX, que se
debruçaram sobre o ofício de ator, e daqueles que pesquisam na atualidade a partir de suas
poéticas e caminhos de preparação. Desse modo, o que se identificou na literatura como sendo
essencial ao trabalho de ator foi investigado na prática, ao mesmo tempo em que os aspectos
detectados no treinamento foram igualmente localizados nas teorias. Outro fio condutor, que
gradativamente ganhou força na trajetória acima descrita, foi a necessidade de proporcionar a
outras pessoas, não diretamente ligadas ao teatro, as experiências que o fazer teatral

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oportuniza. Esse desejo seguiu contíguo à pesquisa sobre o trabalho de ator e foi sendo
satisfeito em meu cotidiano como artista-docente (ARAÚJO, 2016), na medida em que, das
minhas experiências como atriz-em-treinamento encontrava o caminho como professora de
teatro. No momento atual, como professora efetiva do curso de Licenciatura em Teatro da
Universidade Regional do Cariri, encontro um campo fértil para desenvolver pesquisa acerca
dos possíveis diálogos a serem estabelecidos entre esses dois campos de meu interesse: a
Pedagogia do Ator e a Pedagogia do Teatro, que trazem, respectivamente, o fazer teatral do
ator e do público em geral que experiencia o teatro enquanto meio de expressão. Ainda que o
exercício desse diálogo seja o objetivo principal da pesquisa, incluindo nessa meta a oferta de
um espaço de treinamento de ator e de oficinas para o público em geral, como professora de
uma licenciatura, mantenho constante a formação do professor de teatro como escopo. E a
perspectiva de identificar conexões manifesta-se também na intenção de perceber as possíveis
relações entre as Pedagogias em foco, ou seja, a do Ator e a do Teatro. O grupo de pesquisa
Pedagogias do Teatro no Cariri – PETECA e, mais especificamente, a linha de pesquisa
Processos de Aprendizagem de Teatro – PATE, dedica-se justamente à pesquisa acerca de
processos diversos de aprendizagem em teatro, tanto no que tange à diversidade de
metodologias possíveis, quanto no que tange às diferenças de público alvo. Pensando
enquanto pesquisa de longo prazo, a proposta do projeto Pedagogia do Ator e Pedagogia do
Teatro em Diálogo é justamente de investigar a práxis do teatro e as aproximações e
distanciamentos entre os dois grupos comumentes chamados de ator e não-ator. Nesse
primeiro ano de pesquisa os Viewpoints de Anne Bogart e Tina Landau (2005) foram eleitos
como eixo metodológico central da investigação, estando presente no corpo do treinamento e
nas proposições de oficina de teatro. Os Viewpoints apresentam em sua essência um caráter
investigativo fundamental para o espaço de treinamento de ator, ao mesmo tempo em que
aponta de maneira profícua para a aplicação no ensino de teatro como espaço de expressão
pessoal. E os objetivos aqui propostos tornam-se alcançáveis justamente por meio de uma
metodologia que se pauta na permanente imbricação entre teoria e prática (CARREIRA,
2006). Desse modo, o exercício da pesquisa será um fluxo de reflexão constante entre a
experiência pessoal como atriz/ator de cada integrante do treinamento, os estudos acerca do
trabalho de ator e das questões didáticas sobre o ensino de teatro e, por fim, as práticas como
docentes nas oficinas propostas. Ainda que se tenha iniciado há apenas 4 meses, a prática

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semanal e os estudos teóricos já apontam para: um maior desenvolvimento da capacidade


investigativa de cada integrante do grupo; uma apropriação significativa da técnica aplicada
de modo a possibilitar a segunda etapa da pesquisa, ou seja, das experiências de docência
planejadas e executadas pelos bolsistas, e ainda, uma aguçada capacidade de observação e
análise por ocasião das discussões teóricas, sempre permeadas pelas percepções individuais
das experimentações corporais e dos estudos teóricos. As expectativas agora voltam-se para a
segunda etapa do trabalho com as propostas de oficina que terão início em agosto/2017, e
nesse sentido, o foco é o trabalho docente, ainda que o treinamento se mantenha de forma
contínua, alimentando as propostas de ensino realizadas pelos futuros professores. O caminho
como artista-docente aponta para a formação de um professor mais capacitado, seguro e
ciente do seu papel e das suas opções metodológicas.

Referências bibliográficas

ARAÚJO, Valéria Gianechini de. Da Experiência Artística à Poética Docente. São Paulo:
Ed. Chiado, 2016.

BARBA, Eugenio. Além das Ilhas Flutuantes. Campinas: Hucitec, 1991.

______.A Canoa de Papel: tratado de Antropologia Teatral. Campinas: Hucitec, 1993.

BOGART, Anne e LANDAU, Tina. The Viewpoints Book: a pratical guide to Viewpoints
and Composition. New York: Theatre Communications Group, 2005.

CARREIRA, CABRAL, RAMOS e FARIAS (org.) Metodologias de Pesquisa em Artes


Cênicas. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006.

MELLO, Mônica Vianna de. O Caminho do Ator Buscador: um treinamento pré-


expressivo. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas). Escola de Teatro, Programa de Pós-
Graduação em Artes Cênicas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2006.

______. Improvisação por Princípios: análise de um curso/treinamento baseado em


princípios específicos do trabalho de ator. 2011. 283 f. il. Tese (Doutorado em Artes
Cênicas) Universidade Federal da Bahia, Escola de Teatro, Salvador, 2011.

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PEDAGOGIA DO ATOR E PEDAGOGIA DO TEATRO EM DIÁLOGO


Raimundo Kleberson De Oliveira Benicio, Thiago Silva Gomes

Palavras-Chave
aprendizagem, pedagogia do ator, pedagogia do teatro

O projeto Pedagogia do Ator e Pedagogia do Teatro em Diálogo desenvolvido na


Universidade Regional do Cariri-URCA, é de caráter teórico-prático. Em termos práticos,
iniciamos apenas com um treinamento psicofísico de atriz/ator, sendo que na segunda etapa
da pesquisa serão acrescentadas oficinas de teatro para o público em geral, ministradas pelos
pesquisadores. No que concerne à teoria, foi adotado referencial bibliográfico acerca, tanto da
Pedagogia do Ator, voltada para as práticas e metodologias de atuação teatral, quanto da
Pedagogia do Teatro, direcionada para a aplicação da linguagem teatral na formação do
indivíduo em geral. A partir dessa práxis busca-se o diálogo entre ambas. O treinamento é um
caminho que cada indivíduo escolhe para explorar todo seu ser, é o caminho da decisão, da
elaboração do seu trabalho pessoal, da autodisciplina. (BARBA, 1991). O treinamento de
atriz/ator em base pré-expressiva tem como principal objetivo o trabalho voltado para a
presença, seu bios cênico, seu corpo-em-vida. Nessa perspectiva, buscamos imbricar à noção
de treinamento uma investigação no que tange aos princípios do trabalho de atriz/ator,
englobando tanto as premissas da Antropologia Teatral, ou seja, os princípios-que-retornam,
quanto a noção de princípios de atuação e criação teatral (MELLO, 2011). Duas perspectivas
concernentes à Pedagogia do Teatro norteiam a pesquisa: a noção de artista-docente relativa
ao profissional que compreende sua prática docente como ato criativo (ARAÚJO, 2016) e
seus processos de criação artística como construção de conhecimento (ICLE, 2002) e a
primordialidade experiência nos processos de ensino-aprendizagem. (ARAÚJO, 2016) O
objetivo principal da pesquisa trata de fomentar o intercâmbio entre a Pedagogia do Ator e a
Pedagogia do Teatro, refletindo acerca das aproximações e distanciamentos de suas
respectivas práticas. No programa das atividades objetiva-se a experimentação, a partir de um
treinamento psicofísico e a proposição de oficinas, aplicando as diferentes técnicas
experimentadas e compreendidas no decorrer do treinamento. Entende-se, ainda, que a
vivência da pesquisa acima descrita visa, como objetivo fim, uma contribuição significativa

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para a formação do artista-professor-pesquisador. Tendo iniciado as atividades do projeto em


março deste ano, cabe ressaltar a trajetória metodológica percorrida pela pesquisa. Nos
encontros de treinamento, até então realizados, o trabalho se estabelece partindo de um roteiro
preciso que consiste em iniciar o encontro com sensibilização corporal, abrangendo
aquecimento das articulações realizado coletivamente e alongamento individual de modo a
atender às necessidades particulares dos partícipes. Seguimos, então, com a investigação da
técnica dos Viewpoints, que tem como proposta a criação de movimento para o palco, levando
em consideração suas dimensões temporal e espacial. (BOGART e LANDAU, 2005) A
prática dos Viewpoints traz em seu cerne a perspectiva da pesquisa, na medida em que, como
atriz/ator cada participante estará realizando um “trabalho sobre si”, na experimentação de
cada ponto de vista apontado pela técnica. A condução dos encontros tem um caráter rotativo,
ou seja, cada participante tem a oportunidade de conduzir o plano de sequência inicial do
encontro, possibilitando a experiência da práxis docente. Em fase posterior, a ideia é que cada
participante conduza o trabalho como um todo. Paralelamente às práticas corporais, foram
realizados encontros teóricos, pautados na leitura de bibliografia que articula estudo acerca do
conceito de treinamento, partindo de trechos da dissertação de mestrado de Mônica Mello, O
Caminho do Ator Buscador: um treinamento pré-expressivo e do livro Além das Ilhas
Flutuantes, de Eugenio Barba. Ainda desse autor, foi iniciada a leitura do livro A Canoa de
Papel: tratado da Antropologia Teatral, que versa sobre as premissas e gênese da Antropologia
Teatral e os princípios-que-retornam. Com base nas práticas e reflexões decorrentes, propõe-
se a realização de oficinas de teatro, atendendo ao público da comunidade acadêmica e em
geral. Estas serão iniciadas a partir do mês de agosto de 2017, segundo o cronograma do
projeto. As oficinas a serem propostas caracterizam-se como atividade de extensão, e
resultarão de projetos elaborados e executados pelos pesquisadores envolvidos. Trata-se da
consumação do diálogo proposto entre atriz/ator e público em geral. A partir do espaço de
treinamento com o Viewpoints percebemos possíveis rupturas de bloqueios psicofísicos,
possibilitando uma maior disponibilidade corporal dos participantes, bem como uma
ampliação de sua percepção de si, do outro e do tempo/espaço. A perspectiva dos encontros
não consiste em fixar ou engessar determinadas técnicas, mas buscar os princípios que estão
na base de cada uma, de modo que ao transpor a técnica para os espaços de ensino de teatro
do público em geral, se consiga identificar o que é essencial ao teatro e cabe em ambos os

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contextos. Desse modo, o horizonte de possibilidades artístico-pedagógicas encontra-se em


constante transição, não ancorando-se em visões únicas quanto à produção de conhecimento
(BARBA, 1994), mas buscando um pensamento em rede, dialógico, multifacetado, receptivo
às novas implicações, considerações, formas de entender, perceber e sentir a experiência. A
proposta de colocar em prática diferentes metodologias do trabalho de atriz/ator e estabelecer
uma ponte de comunicação com práticas de ensino de teatro, possibilita uma expansão das
reflexões acerca das relações do fazer teatral nos dois contextos, quais sejam, a Pedagogia do
Ator e do Teatro. Dessa forma, as dimensões que concernem aos resultados esperados
consistem, por um lado, no desenvolvimento de cada integrante da pesquisa no que tange ao
seu desempenho psicofísico como atrizes e atores e, por outro, na ampliação das opções
metodológicas para o ensino-aprendizagem de teatro.

Referências bibliográficas

ARAÚJO, Valéria Gianechini de. Da Experiência Artística à Poética Docente. São Paulo:
Ed. Chiado, 2016.

BARBA, Eugenio. Além das Ilhas Flutuantes. Campinas: Hucitec, 1991. ______. A Canoa
de Papel: tratado de Antropologia Teatral. Campinas: Hucitec, 1993.

BOGART, Anne e LANDAU, Tina. The Viewpoints Book: a pratical guide to Viewpoints
and Composition. New York: Theatre Communications Group, 2005.

ICLE, Gilberto. Teatro e Construção de Conhecimento. Porto Alegre: Mercado Aberto,


2002.

MELLO, Mônica Vianna de. O Caminho do Ator Buscador: um treinamento pré-


expressivo. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas). Escola de Teatro, Programa de Pós-
Graduação em Artes Cênicas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2006.

______ Improvisação por Princípios: análise de um curso/treinamento baseado em


princípios específicos do trabalho de ator. 2011. 283 f. il. Tese (doutorado) Universidade
Federal da Bahia, Escola de Teatro, Salvador, 2011.

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O “EU” PERDIDO: UM PROCESSO DE REDESCOBERTA NA ALA FEMININA DO


HOSPITAL PSIQUIÁTRICO DE MARINGÁ.
Rafaela Dumont

Palavras-Chave
Autonomia, Teatro, Mulher.

Historicamente construído e normatizado, o homem sempre tendeu a exercer sobre a


mulher um poder excessivo de lei e ordem, como se pode notar nas relações políticas, sociais
e econômicas, em que a influência feminina é muito menor. A pressão social, com isso,
recaída sobre a mulher sob a responsabilidade de cuidar dos demais afazeres que um homem
não seria “responsável” a fazer, por exemplo, contribuiu para seu processo de domesticação e
submissão, sendo ela sinônimo de administradora do lar, dos filhos e boa esposa (CUNHA,
2014). Em contraponto a esse viés, a mulher é muitas vezes vista como um ser mais frágil que
o homem e com necessidades de cuidados e atenção, pois dentro de um contexto biológico,
sobretudo, popular, ela é um ser com menor força física, instabilidade emocional e outras
atrocidades argumentativas. Sabendo dessa relação patriarcal existente e ainda predominante
em nossa sociedade contemporânea, viu-se a necessidade de trabalhar com o público feminino
em espaços liminares, situados nas margens sociais; com a redescoberta do eu e da própria
identidade perdida ou esquecida das mulheres. A experiência relatada aqui diz respeito à
vivência com as mulheres internadas no Hospital Psiquiátrico de Maringá (HPM), dentro da
disciplina de Estágio na Comunidade do curso de Artes Cênicas da Universidade Estadual de
Maringá. Estagiando neste estabelecimento podemos perceber, pelo contato direto e trocas de
informações com as pacientes da Ala Feminina, a degradação intimista da própria
personalidade e identidade, visto que muitas mulheres, tendo passado por diversas situações
estressantes em suas vidas que a desestabilizaram ou que não tiveram ajuda familiar, sendo o
marido um dos responsáveis também por essa deterioração; surtaram e socialmente falando,
começaram a ameaçar a integridade pública como: usar drogas, prostituir-se, transtorno
bipolar, depressão profunda, ameaçando a saúde física dos filhos, entre outros. Nesses
espaços de internação, que são denominados de Instituições Totais (GOFFMAN, 1974), o
indivíduo é afastado de todos os bens que possui, esse afastamento acontece porque o

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paciente precisa se desvincular de tudo aquilo que ele era anteriormente e criar um novo
aspecto de vida, o que rejeita primordialmente sua cultura e características pessoais. Aos
poucos esse fator reforça a desfiguração do sujeito, que vai preterindo os cuidados com a
aparência e da própria personalidade. As pacientes estão abaladas psicologicamente,
abandonando seu eu interior, estão diariamente esquecendo quem são, principalmente por
terceiros reforçarem suas condições de reprimidas. Nas Instituições Totais, como aponta
Goffman, essa relação estabelecida entre interno e dirigente provoca cada vez mais
“desfiguração pessoal” no sujeito que já acredita ser inferior. Ernesto Sang (2011) também
ressalta que esses sujeitos são vistos como indivíduos marginalizados pelo próprio ego, se
observam como impossibilitados de resolução dos conflitos vividos, dos traumas, das dores e
de superar o vazio permanente que sentem. Ou seja, há uma grande perda da subjetividade, do
impulso de viver e de se encontrar. É importante ressaltar que nesses locais que “abrigam”
pessoais com necessidades de tratamento psíquico, muitas atrocidades humanas acontecem e
já aconteceram durante anos. Mas atualmente, os tratamentos utilizados para a reabilitação
desses indivíduos se designam por dosagens de remédios, muitas vezes altíssimas, e
isolamento: isto quando o paciente não obedece às ordens pré-determinadas pela instituição
ou “dão trabalho” quanto ao seu comportamento. Este controle e a supervisão das atividades
diária dos internos provocam relações de confrontamentos, tanto da parte do interno quanto da
parte de quem administra, cria-se assim um ambiente de hierarquia, aquele que oprime e o
que é oprimido. A pessoa que comanda tem do paciente um olhar minucioso, acredita que este
não é digno de confiança, refere-se a ele com indignidade, ressalta seus defeitos e até mesmo
lembra quem está na posição de doente e o tratamento com este é baseada aos gritos; já o
interno, que é o que obedece, aceita as condições impregnadas à ele pois acredita que é
inferior, indigno, fraco e merece ser punido pelas ações que teve em sua vida (GOFFMAN,
1974). A maioria das mulheres que estão internadas no HPM veio de um contexto de muita
pobreza, violência e drogas, consequentemente são pessoas que passaram e ainda passam por
constantes humilhações e dificuldades (em geral) na sociedade. Tendo percebido esse
contexto político-social do universo feminino no Hospital Psiquiátrico de Maringá, o objetivo
da pesquisa em desenvolvimento é possibilitar as internas, por meio de uma pedagogia teatral,
olhar para si sob uma nova e modificada reflexão, poder criar, expandir e experimentar um
corpo que já estava esquecido, maltratado, rejeitado. E, principalmente, compreender que este

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corpo tem liberdade e autonomia, sendo também um corpo artístico com potencialidades e
expressividades latentes. Pretende-se com isto, fazer com que as pacientes, mesmo dentro de
um espaço que as limita diariamente, reconhecer-se, amar-se, aceitarem suas qualidades e
defeitos como parte integrante do todo, analisar por outro ângulo a própria vida e conseguir
por meio do teatro, emancipar-se das correntes sociais que as tiram da sanidade física e
psicológica. Cabem as propostas pedagógicas teatrais, capacitar essas mulheres – já perdidas
no seu próprio eu – resolucionar problemas ou conflitos que parecem impossíveis de ter saída.
É pelo jogo, pela dinâmica e por meio das relações estabelecidas que se pretende encontrar a
superação dos problemas.

Referências bibliográficas

CUNHA, Bárbara Madruga da. Violência contra a mulher, direito e patriarcado:


perspectivas de combate à violência de gênero. Artigo Classificado em 7º lugar na XVI
Jornada de Iniciação Científica de Direito da UFPR 2014

GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. Tradução: Dante Moreira. São


Paulo: Editora Perspectiva, 1974. SANG, Ernesto René. O eu em ruína. Perda e falência
psíquica. Rev. latinoam. psicopatol. fundam. vol.14 no.2 São Paulo June 2011.

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O CORO COMO PROCEDIMENTO DE AÇÃO E REFLEXÃO COLETIVA


Roberto Carlos Moretto

Palavras-Chave
coro, jogo teatral, texto

Esta proposta de pesquisa se insere no contexto das práticas da Pedagogia do Teatro.


Minha pesquisa bibliográfica de referência abordará a teoria dos jogos teatrais, da peça
didática, do modelo de ação, e do coro teatral. No que tange a literatura relativa aos jogos
teatrais se está usando como referência os seguintes autores: Viola Spolin e Ingrid Koudela.
Com relação as pesquisas sobre modelo de ação e peça didática nossas referências principais
são Bertolt Brecht, Heiner Muller e Ingrid Koudela.E nas pesquisas sobre coro/coralidade
estamos utilizando uma pesquisa histórica dos usos do coro e os autores Jean Pierre Sarrazac,
Nietzshe, Schiller, Aristóteles, dentre outros. Quando estive na Grécia em 2012, tive contato
com uma manifestação popular grega com origens no coro da tragédia antiga. A manifestação
era um espaço de encontro para senhores e senhoras da localidade de Épirus que por
intermédio de jogos e musicalidades expressavam questões sociais do dia a dia de suas vidas.
Segundo pesquisadores da Universidade Aristotélica, essa expressão popular estava servindo
como modelo de experimento ao coro teatral na cena grega atual. Inspirado por essa
experiência, quando retornei ao Brasil comecei a pesquisar procedimentos corais que
pudessem proporcionar posicionamentos coletivos entre artistas na cena e também entre
artistas e público e comecei a aproximar o procedimento do coro teatral com os objetivos de
um “teatro de aprendizagem”e comecei a pesquisar os autores Bertolt Brecht, Heiner Muller e
Ingrid Koudela. Brecht desenvolveu as pesquisas da peça didática com o objetivo de que os
atuantes pudessem se formar politicamente e perceber na prática as questões dialéticas. Para
ele, o atuante deveria ser capaz de problematizar tanto o objeto como a forma da
aprendizagem, e ainda que, nenhuma tese deveria a priori, ser comunicada pelo teatro para um
ouvinte, e sim que o próprio texto e os instrumentos de ação do jogo cênico proporcionassem
o aprendizado. Já, Heiner Muller, quando reescreve e repensa o modelo das peças didáticas,
percebe que, além de jogo e atuação, é necessário a fisicalização entre todos os papéis e
destaca nas notas para Mauser que todos os membros do coro deveriam jogar sucessiva ou

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simultaneamente o papel de protagonistas. (Koudela, 2012). Porém, diferente de Brecht que


buscava com suas pesquisas o acordo com a coletividade, Muller enxerga a impossibilidade
de tal acordo numa sociedade cuja classe trabalhadora transformou-se em “classe média” e
que busca o acumulo de bens e os mesmos luxos da classe dominante. Para Muller este é um
tempo onde a ideologia está petrificada em que não é mais possível a revolução. (Koudela,
2012). É nesse lugar, onde não existe uma resolução possível, onde não é mais possível
chegar a nenhuma síntese dialética que ele coloca o jogador atuante. Hans Thies Lehmann, ao
falar sobre Heiner Muller no livro Escritura Política do Texto Teatral, aproxima a dramaturgia
de Muller do teatro pós-dramático. Dentro desse conceito os textos de Muller operariam num
contexto descritivo de imagens, denominados autodramas. Nesse modelo de texto, o
procedimento coral é instigado pela fragmentação de vozes, proporcionando para quem
assiste o lugar do coletivo, dessas várias vozes que são o texto. Como diz Lehmann, nos
textos de Muller o coro não aparece na forma técnica e sim nas narrações, ele seria
ultrapassagem do modelo dialógico-dialético, para o modelo da apostrofe monológica em
alguns casos e em outros o modelo de um painel recheado de um coro de vozes. (Lehmann,
2002) O que representaria o atual modelo social que tem se mostrado incapaz de sínteses.
Partindo desses estudos e das experiências entre jogo e texto da minha orientadora Ingrid
Koudela, eu comecei a intuir alguns caminhos ao jogo com o coro teatral cujo objetivo seria o
de utilizá-lo como experiência de reflexão social. Estudando as questões musicais e as
possibilidades de jogos para o coro, é possível utilizar-se de vários procedimentos estéticos e
repensá-los a partir de uma lógica dialética formulando instruções e regras que levem os
atuantes a reflexão crítica. O coro poderia ser utilizado como espaço de jogos uníssonos, onde
através da escolha de notas musicais, os participantes ficariam numa mesma onda sonora.
Coro como uma experiência do coletivo que, entre o estar junto ao grupo e o separar-se, já
estabelece uma leitura sobre os processos da sociedade, sobre o coletivo em dialética com o
individual. È também possível experimentar as vozes corais, pensando musicalmente , para
além das melodias tonais europeias, buscando referências nas recentes musicas “seriais” de
Schoenberg e também em suas derivações eletrônicas. Nessas músicas podemos encontrar
representações sociais para os jogos que chegariam de forma sensível e nos dariam papéis
sociais a esse coro musical. Temos as músicas modais diretamente ligadas ao pulso, como as
musicas indígenas, o rock, o jazz, o funk, a musica minimalista, etc; todas representativas de

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modelos sociais. Todas essas possibilidades musicais podem fornecer ferramentas para
elaboração do jogo coral, e dentro dessas possibilidades musicais estão inseridos os cantos
polifônicos gregos, cantos que mantém vivo o canto imemorial da Trácia, pátria de Orfeu e
Dioniso e são focos brilhantes das sonoridades presentes no mundo. (Wisnik, 2002). E, nessa
manifestação popular grega, onde texto, musicalidade, e jogo se coadunam que podemos
retirar procedimentos pedagógicos de coros de “iniciados” que aproximariam público atuante
da experiência da cena jogada, através dos instrumentos catárticos presentes nesse jogo
comunitário. Temos pequenos coros uníssonos, alguns coros de sons da natureza, corifeus que
improvisam sonoridades, que narram estórias, uma dinâmica de embates, etc. A partir dessa
manifestação, é possível pensar em variações que sustentem posições sociais, tanto brincando
com graves e agudos, quanto jogando com as oitavas e as quintas musicais. Este é um
caminho que eu começo a percorrer, em aulas de musicalidade que tenho feito, e que junto do
conhecimento dos experimentos de Brecht, e de Muller, começo a intuir um caminho de jogos
corais. Seria um processo de jogo, com regras mais específicas, que buscassem na
composição entre coro e som/música processos sensíveis de experiências do social. Minha
ideia é transformar essas experimentações coletivas em jogos dialéticos com papeis sociais.

Referências bibliográficas

NIETZCHE, Friedrich Wilhelm. O NASCIMENTO DA TRAGÉDIA ou Helenismo e


Pessimismo. São Paulo: Cia das Letras, 1992.

KOUDELA, Ingrid Dormien. BRECHT: UM JOGO DE APRENDIZAGEM. São Paulo:


EDUSP/Perspectiva, 2010.

______. BRECHT NA PÓS-MODERNIDADE. São Paulo: FAPESP / Perspectiva, 2001.

______. (Org.) HEINER MÜLLER – O Espanto no Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2003.

LEHMANN, Hans-Thies. ESCRITURA POLÍTICA NO TEXTO TEATRAL. São Paulo:


Perspectiva, 2009.

WISNIK, Jose Miguel. O SOM E O SENTIDO. São Paulo: Cia das Letras, 1989.

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TEATRO DE GRUPO: AS INTERFACES DO HÍBRIDO ATOR-PRODUTOR


Lorenna Lima

Palavras-Chave
produção teatral, hibridismo, ator-produtor

O referente trabalho apresenta algumas atividades realizadas pela artista que são
pautadas na relação hibrida do ator-produtor, ou diretor-produtor. Uma pesquisa que tenta
discutir a relação do artista com o teatro de grupo e a suas possíveis inserções no mercado
cultural. No primeiro capítulo denominado A delimitação do objeto. Foram discutidas ideais
referentes ao conceito de produção cultural, fazendo uma breve contextualização com o
século XIX e início do XX. Refletindo sobre os meios de sobrevivências dos grupos teatrais
da época e como na contemporaneidade suas atitudes refletem na existência de outros grupos
teatrais. Podemos ainda, refletir algumas questões: Como a produção acontece dentro de
grupos de teatro? Quais as estratégias que um produtor pode usar para auxiliar no espetáculo
ou em algum evento? E qual a relação entre a Arte e o mercado apresentados na atualidade?
Como os profissionais envolvidos estão pensando a produção teatral em sua região?
Englobando a realidade acerca da produção e atuação na Região do Cariri, esta pesquisa foi
construída para uma reflexão a respeito das políticas públicas para o teatro, suas relações
entre Governo/administradores/ e a cultura principalmente na região local. Podemos notar
uma breve analise a respeito das leis de incentivo. Percebendo, brevemente a falta de editais
públicos para a região e o descaso da falta de incentivo por parte dos administradores
públicos. Essa carência, reflete na precariedade dos grupos, que na maioria das vezes,
necessitam de suas verbas para a manutenção de sedes e sobrevivência. No segundo capítulo
O Hibridismo entre a produção e o ator - Qual a realidade? Atores se preocupam com isso?
vamos refletir a respeito do hibridismo existente no trabalho do produtor e do ator, como esta
relação acontece na prática dos artistas - produtores. Como se estabelece a relação de produzi
e atuar. A polifonia (MALETTA, 2005) é um termo utilizado e emprestado da música. Em sua
tese são apresentadas discussões a respeito do conceito de artistas-polifônicos (MALETTA,
2005) que deixaram de ser especialistas em uma só área artística para tornarem-se artistas
múltiplos. Acreditando que através da formação o artista poderá encontrar diferentes

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habilidades que contribuirão de forma expressiva na obra artística. Por fim no terceiro
capítulo A produção Teatral pela criatividade: A artista e as experiências com produção.
Partimos para as vivências desenvolvidas pela minha experiência como artista-produtora.
Mesclando e tecendo conceitos discutidos até aqui como: ator-polifônico, ator-autônomo,
dentre outros. É também aqui, exposta uma cronologia de algumas vivências dentro e fora da
Universidade Regional do Cariri. Falaremos sobre a Scac-Sociedade de Cultura Artística do
Crato, espaço onde diversos artistas locais iniciaram/ou tiveram sua primeira experiência na
arte. Através do grupo de Pesquisa LaCriCe – Laboratório de Criação e Recepção Cênica,
lugar onde foi criado o espetáculo “O Evanescente Caminho” direção de Cecília Raiffer, foi o
lugar onde desenvolvi boa parte de minha experiência como atriz-produtora. Alguns autores
que serviram como suporte metodológico para as reflexões aqui estabelecidas foram: Ernani
Malleta, Romulo Avelar e Samantha Cohen. A análise parte de um olhar acerca do processo
de produção de espetáculos de teatro no cariri cearense, unidos pela produção do teatro de
grupo e a produção realizada na universidade. Reflexão esta que é explorada pela perspectiva
do hibrido ator produtor. O autor Romulo Avelar em seu livro O avesso da Cena (2008)
discuti a respeito do papel do produtor cultural e a produção em termos bastante profissionais
quais os caminhos trilhados por este na trajetória artística. Os elementos abordados nesta
referência foram bastantes esclarecedoras para o desenvolver da pesquisa colocando-a no
lugar de conceituação e profundidade no campo pesquisado. A respeito de como é tratada a
questão do teatro de grupo nesta pesquisa é embasada teoricamente pela jovem autora
Samanth Cohen, que faz uma análise crítica acerca de experiências desenvolvidas por grupos
que assumem esse lugar do Teatro de Grupo como conceito técnico no âmbito do teatro
(COHEN, 2010), fala das experiências de produção desenvolvidas por grupos com bastante
proporção artística no país e como estas analises se assemelham aos demais grupos
contemporâneos. Dentro das disciplinas Processo de Encenação I, II e III, que foram
desenvolvidas e colocadas em prática, possibilitando para os atores através da condução que
foi data pela encenadora-produtora estratégias para desenvolver e incentivar os atores a serem
atores-polifônicos, isto é, poderia ter autonomia para criar/sugerir na composição da cena; já
que nessas disciplinas o aluno deve desenvolver um processo artístico/encenação. Podemos
refletir sobre a Cia Engenharia Cênica como os grupos de teatro podem dar suporte para a
formação do estudante, até mesmo lhe permitindo a inserção no mercado de trabalho após o

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termino da graduação. Para compartilharem as possíveis experiências a respeito do teatro de


grupo e a política do teatro Vivenciamos grandes dificuldades e momentos de crise, percebo
que faz parte desse misterioso caminho da pesquisa em Artes Cênicas e principalmente sobre
o hibrido-ator- produtor, que carrega suas dúvidas, incertezas, alguns acertos e plausíveis
falhas. Cada nova experiência adquirida, seja ela de produzir ou de atuar, até mesmo de
ambas, percebo a importância de levar para a cena um ator que tem a capacidade de se
multiplicar, levando em consideração a atuação do ator múltiplo.

Referências bibliográficas

AVELAR, Romulo. O avesso da cena: notas sobre produção e gestão cultural. DUO
EDITORA. 3º Ed. Belo Horizonte, 2013.

COHEN, Samantha Augustin. Teatro de Grupo: Trajetórias e relações impressões de uma


visitante. Joinville, Editora Univille, 2010.

MALETTA, Ernani de Castro. A formação do Ator para uma atuação Polifônica:


Princípios e Práticas. Tese apresentada no Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal de Minas Gerais. BELO HORIZONTE. 2005.

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HABILIDADES MISTAS, CORPOS DIFERENCIADOS, TODOS OS CORPOS:


QUESTÕES TERMINOLÓGICAS SOBRE A PRODUÇÃO EM DANÇA
CONTEMPORÂNEA COM CORPOS QUE ESCAPAM AOS ESTEREÓTIPOS DAS
DANÇAS CONVENCIONAIS
Juliana Tiemi Anglas Tarumoto

Palavras-Chave
corpos diferenciados, dança contemporânea, habilidades mistas

A pesquisa, em fase de desenvolvimento, intitula-se “Habilidades mistas, corpos


diferenciados, todos os corpos: questões terminológicas sobre a produção em dança
contemporânea com corpos que escapam aos estereótipos das danças convencionais” e tem
como objetivo pesquisar como, historicamente, se deu a presença de corpos com deficiência
no cenário das artes da cena, especialmente a partir do aprofundamento do termo “corpos
diferenciados”, proposto por Felipe Henrique Monteiro Oliveira, somado com as reflexões
geradas a partir do contato prático com a Cia Dança sem Fronteiras. O primeiro contato com a
obra de Felipe Henrique Monteiro Oliveira se deu ainda na vigência da pesquisa realizada
anteriormente, “Dança e Inclusão da Pessoa com Mobilidade Reduzida: análise de produções
contemporâneas em dança inclusiva na Região Sudeste do Brasil e criação de duo
coreográfico para videodança inclusivo”, que pesquisou três companhias de dança
contemporânea da região Sudeste do Brasil que possuem em seu elenco bailarinos com e sem
deficiência, além da realização de um videodança com a participação de uma não bailarina
com mobilidade reduzida e a todo momento a busca por referenciais teóricos que pautassem a
pesquisa. Dentro desses referenciais chegou-se à obra “Corpos diferenciados: a criação da
performance Kahlo em mim eu e(m) Kahlo”, de Oliveira (2013); esta gerou uma nova
instigação acerca do termo que o autor elabora em sua pesquisa. O livro originou-se a partir
da pesquisa de mestrado do autor no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, defendida em março de 2013. Felipe Monteiro
é formado em licenciatura em Teatro do curso de Artes Cênicas da Universidade Federal do
Alagoas, e ele, sendo um artista da cena com um corpo diferenciado, faz a reflexão sobre o
próprio papel no cenário artístico, assim como as terminologias que lhe são empregadas. Essa

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reflexão lhe possibilita a pesquisa sobre o tema desde a graduação, tendo o olhar a partir do
teatro e da performance, o que culminou em uma apresentação prática a partir da vida e obras
de Frida Kahlo. Essa apresentação artística se tornou sua pesquisa para o projeto de mestrado,
sendo, assim, um dos poucos relatos de experiência em português sobre a questão de pessoas
com deficiência nas artes a partir do viés artístico. Assim, a pesquisa se propõe ao estudo da
obra de Oliveira (2013), considerando tanto seu estudo na íntegra quanto a leitura dos
referenciais utilizados por ele, possibilitando o estudo dos seguintes eixos: referenciais
bibliográficos que abordam a questão da deficiência, referenciais bibliográficos sobre as artes
cênicas, referenciais bibliográficos sobre a construção histórica de corpo e referenciais
bibliográficos sobre Frida Kahlo. Ainda, antes do término da pesquisa, espera-se um encontro
com o autor visando aprofundar as reflexões já geradas pelo estudo destes referenciais. O
contato inicial com a Cia Dança sem Fronteiras, sob direção de Fernanda Amaral, se deu
durante a vigência da pesquisa anterior. Desde o início se estabeleceu uma boa relação com a
diretora da companhia, também pelos questionamentos levantados por ela, e seu interesse pela
pesquisa, levando ao convite por parte da companhia da continuidade de relação,
possibilitando à pesquisadora estar presente nos ensaios, ações e apresentações. Fernanda
Amaral apresenta sua própria companhia como tendo um elenco com habilidades mistas,
sendo essa terminologia adotada por ela e que esta pesquisa também se propõe a estudar.
Como professora do método DanceAbility, desenvolvido Alito Alessi, os ensaios e processo
de sua companhia também vivenciam dinâmicas deste. Por ser um método que busca desde
sua concepção, formas de divulgação e atuação, incluir todas as pessoas, com ou sem
deficiência, de diversas idades e vivências, é possível observar o termo “habilidades mistas”
sendo adotado na prática, sempre buscando despertar as potencialidades de cada intérprete, e
não visando uma busca por ideal de corpo ou movimentação. Embora a pesquisa ainda se
encontre na metade de sua vigência, já é possível perceber como muitos dos padrões adotados
hoje pela sociedade são visões de corpo e “normalidade” que vêm sendo construídas e
possuem forte influência da Igreja Católica especialmente nos séculos XVII a XIX, algumas
das quais permanecem nos dias atuais. Também se percebe como essa reflexão de corpo,
estereótipos e “normalidade” chegam às artes da cena, especialmente com o surgimento das
performances que, desde seu início, possuem um forte caráter político. A performance,
estando nos entremeios das linguagens artísticas, permitiu que artistas elaborassem assuntos

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que lhes diziam respeito e que estavam em efervescência na sociedade, tendo espaço
especialmente a abordagem das temáticas feministas, da questão homossexual, da presença
dos negros nas artes, e também aqui se inclui a ideia de apresentar o corpo como ele
realmente é, sem a necessidade de se mascarar e estar por detrás de um personagem. O corpo
em sua veracidade carrega o peso que a sociedade lhe aplica, e nessa relação se dá a
possibilidade de corpos “diferenciados” protagonizarem seu próprio papel no campo das artes
da cena. Somado a estas reflexões, a partir da vivência com a Cia Dança sem Fronteiras, é
possível a percepção do termo “habilidades mistas” na prática, quando os laboratórios e
ensaios buscam que cada intérprete persiga sua própria potencialidade, podendo esta vir a ser
geradora para uma criação artística. Ainda, está sendo possível vislumbrar como uma
companhia com um elenco de habilidades mistas é vista na atual cena da dança
contemporânea da cidade de São Paulo, considerando suas formas e possibilidade de fomento
e atuação.

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MÁSCARA NEUTRA NO ENSINO MÉDIO: EXPERIÊNCIA COM NÃO ATORES E A


RELAÇÃO COM O OLHAR.
Mayara Tenório Gomes

Palavras-Chave
Arte, Escola, Teatro

O presente estudo trata de um relato sobre uma prática de ensino de Teatro que aborda
o exercício da Máscara Neutra com alunos do 1º ano do ensino médio do Colégio de
Aplicação da UFRJ. É possibilitado pela bolsa PIBIC/UFRJ (Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Federal do Rio de Janeiro) que está vinculada
ao Projeto Fazendo Gênero, que toma por base a teoria de sua ação, a pedagogia do ator
Jacques Lecoq e a pesquisa de mestrado da orientadora (Celeia Machado) Identidade
Expressiva (2010). O Projeto Fazendo Gênero, desenvolvido desde 1996, investiga um
exercício de criação teatral de forma processual e coletiva resultando na manifestação
artística, sob a perspectiva de um estudo no ambiente escolar, desta forma, o escopo do
projeto volta-se para o aprofundamento do estudo sobre o conjunto de competências
fundamentais para que o aluno do Ensino Médio se torne capaz de enfrentar a dinâmica da
criação com conhecimentos e habilidades que o possibilitariam empreender e compreender
esse percurso capacitando-o a apropriar-se dos meios que lhe permita pensar e fazer arte
legitimando sua autonomia. O Projeto Fazendo Gênero se baseia nas práticas com a Máscara
Neutra e com os Territórios Geodramáticos. Seu percurso de ensino se organiza da seguinte
forma: introduz-se o uso e conceitos teóricos da Máscara Neutra e dos territórios, a cada
início de trimestre depois segue-se com as práticas de cada um deles. Os jogos preparatórios
com a Máscara Neutra têm por objetivo buscar o corpo de atenção para cena, trabalhando os
aspectos de foco, apresentação e percepção do corpo/espaço. O exercício de foco se dá através
da atenção do olhar no registro de um ponto fixo e das distinções com e sem a Máscara, já a
apresentação busca prontificar esse corpo a ser percebido no espaço e como este interage com
o mesmo, sem nenhum tipo de ação determinada e sim buscando equilibrar suas forças, deste
diálogo entre foco e apresentação é que a percepção se amplia. Meu objetivo em direcionar
um estudo sobre a Máscara Neutra no ensino médio, vem do primeiro estranhamento que ela

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provoca, do desafio de busca de uma nova corporeidade que ela propõe, deixando assim o
adolescente, que muitas vezes é pré-disposto à falta de atenção, em estado de alerta e abertura
para recepção do novo. Minha observação parte das turmas que acompanhei, 21A em 2016 e
21 A e B em 2017. Ao chegar nas turmas pude notar que o anseio deles pelo teatro ainda
estava baseado na construção da cena, só e unicamente, pelo texto dramático, sendo assim,
teatro só era por eles considerado quando resultava em uma situação com diálogos e
personagens ou um espetáculo. Contudo o exercício com a Máscara Neutra apresenta uma
nova maneira de fazer teatro, apresenta a noção de preparação do corpo para cena, exige
disciplina e um outro tipo de postura. Dito isso minha proposta é relatar como se deu esse
caminho e quais foram as suas reverberações. No primeiro momento é feito a
contextualização da Máscara Neutra para eles, nessas primeiras aulas, são apresentadas as
diversas máscaras, desde as lavrarias até as máscaras expressivas, como as da Commedia
Dell’arte. Chama atenção, nesse primeiro contato, a associação que a grande maioria fez com
figuras conhecidas de seus universos, como desenhos animados, séries, entre outros; após o
apontamento teórico, partimos para prática como já havia citado acima, o primeiro dos nossos
exercícios práticos é o trabalho sobre o foco. Nesta etapa, é solicitado aos alunos que
caminhem pela sala e observem o que os cerca, os colegas ao seu entorno, o espaço que está
se compondo com TODOS e TUDO que nele existem, após a observação corpo/espaço
partimos para o que chamamos de suspensão corporal, que é o estado de cena, a presença do
corpo pronto para cena esse estado é galgado com os alunos com alguns exercícios de
impulsão que ligados a percepção de espaço/corpo, foco e atenção, sugere um equilíbrio de
tensões aos alunos, que é o necessário para a colocação na Máscara. “A máscara neutra é um
objeto particular, um rosto dito neutro, em equilíbrio [...]. Esse objeto colocado no rosto deve
servir para que se sinta o estado de neutralidade que precede a ação. ” (LECOQ, 2010, p.69).
A neutralidade que Lecoq sugere ao uso da Máscara é justamente esse ponto de equilíbrio de
tensões que se propõe aos alunos, ela é um rosto genérico, sem passado ou conteúdo
psicológico, ela vive sempre o presente, o seu ser é sempre estar, pois só se desenvolve na
face de outro, apesar de ser uma face carregada de signos, ela só se potencializa, ou não, na
utilização pelo outro. Assim, um primeiro caminho de disponibilização do corpo para
recepção da Máscara foi traçado: os alunos reconhecem e se percebem nesse estado de
atenção é hora de colocar um novo rosto. Vestir a Máscara requer alguns cuidados e regras

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como: não tocar na máscara, não a segurar pelos olhos, sempre tomar cuidado para não a
manusear pelo nariz, é preciso aprender a manipulá-la pelo queixo ou pela testa. Além disto, a
máscara demanda que o ator se vista com uma roupa que interfira no movimento com o
menos possível de informações pessoais, por isto solicita-se que os alunos venham de camisa
preta, lisa sem estampas, pois julgamos ser uma cor neutra e também que retirem os
acessórios e cobre-se o cabelo com uma touca preta. Como resultado, aponta-se as
observações dos alunos, os quais mencionam impressões distintas que vão desde a sensação
de dilatação e suspensão do corpo até sufocamento e incômodo; propiciando-me uma gama de
falas e compreensões que dão ponto de partida ao foco da pesquisa sobre a relação do olhar
com e sem a Máscara. E, sobretudo o uso da Máscara Neutra, em alunos do ensino médio,
proporciona, não só a percepção da corporeidade cênica, como a sensibilidade da visão corpo/
espaço para além de uma sala de teatro, de um palco, eles passam a ganhar escuta do externo
e a comungar as suas percepções com o outro.

Referências bibliográficas

LECOQ, Jacques. O Corpo Poético – Uma Pedagogia da Criação Teatral. São Paulo:
Editora SENAC São Paulo, 2010.

MACHADO, Celeia. A Identidade Expressiva do Ator. 2010. Tese (Doutorado em Artes)


Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010

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EXPERIMENTAÇÕES BORDADAS: A MULHER COMO CAMPO DE BATALHA


Maria Celina Gil

Palavras-Chave
bordado, matei visniec, traje de cena

O exercício aqui descrito é parte da pesquisa de mestrado “Os potenciais narrativos do


bordado no traje de cena”, que busca entender dois possíveis aspectos do bordado: o bordado
como narrativa e reimaginação da memória, funcionando como gatilho criativo; e o bordado
como criação coletiva. Para essa investigação, se toma como ponto de partida a peça “A
mulher como campo de batalha” para realizar diversos experimentos e exercícios envolvendo
a criação de trajes de cena utilizando o bordado como plataforma. Em “A mulher como campo
e batalha”, Matéi Visniec apresenta duas personagens: Dorra, descrita como uma mulher “que
fala com um sotaque do Leste Europeu”, vitima de estupro durante a Guerra da Bósnia e Kate,
descrita como alguém “que fala com sotaque Anglo-Saxão”, que descobrimos ser uma
terapeuta. A peça se passa num hospital onde estão essas mulheres. A escolha dessa peça
como ponto de partida dos exercícios se deu por ser esta uma obra contemporânea, que aborda
diversos assuntos ligados a papéis de gênero. Ficou claro que ao propor estudos sobre o
bordado, seria necessário partir de temáticas que estivessem ligadas à condição da mulher, já
que as artes têxteis foram ao longo do tempo associadas e produzidas por mulheres. Em “A
mulher como campo de batalha”, há não só a discussão da situação da mulher em contextos
de guerra, como também no cotidiano, levantando tópicos como a violência de gênero e a
posição da mulher na sociedade. Outro motivo que levou à escolha dessa peça é como se dá o
seu desenvolvimento: duas mulheres conversando e evocando suas memórias para criar uma
narrativa que busque racionalizar o horror da guerra. Como o trabalho do bordado se
desenvolve no coletivo e tem íntima relação com a memória e a construção de narrativas,
parece adequado que se pense as duas questões em paralelo. Aqui se relatará o processo e
resultados finais de um dos exercícios práticos que compõe a pesquisa. Este exercício foi
realizado no 1° semestre de 2017, com os alunos de graduação em Têxtil e Moda –
majoritariamente dos 2° e 3º ano – durante a aula de Traje de Cena e Cenografia, ministrada
pelo Prof. Dr. Fausto Viana, na EACH. A proposta era que o trabalho final da disciplina fosse

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a criação de um traje de cena baseado na peça “A mulher como campo de batalha”. Esse traje
tinha uma particularidade: ele deveria ser ao mesmo tempo parte do cenário e traje de cena.
Para isso, se propôs a criação de paineis (2,00m X 1,40m) têxteis que comporiam o cenário e,
em determinado momento da peça, seriam retirados das estruturas que os seguravam para se
tornar trajes usados pelas personagens. Esses trajes deveriam contar com bordados como parte
fundamental para a sua criação. Para atingir esse objetivo, antes da criação do traje em si
foram propostas algumas atividades para familiarizar os alunos com a técnica e a ideia geral
da peça e da proposta de trabalho: - Oficina de bordado livre: Os alunos foram apresentados
aos materiais para a realização do bordado livre e ensinados de três a cinco pontos básicos que
permitissem maior possibilidade de criação. - Leitura da peça: Foi feita uma leitura branca da
peça em sala de aula. Assim, os alunos podiam discutir entre si sobre os momentos que
achassem relevante no texto, bem como o compreender melhor. - Exercício 1 - Quadrados
bordados: partindo de um corte de tecido quadrado de algodão cru (0,4m X 0,4m), os alunos
deveriam pensar em alguma parte ou assunto que lhes tivesse chamado a atenção na leitura da
peça e criar uma peça bordada. Além do bordado, o quadrado poderia contar com tinta,
tecidos, fotos e outros materiais que o aluno achasse pertinente. Este trabalho também
contaria com sons e aromas para compor uma obra que fosse sensorial. - Exercício 2 –
Bordado sobre fotografia: a partir de um transfer de uma fotografia em um corte de tecido do
mesmo tamanho do exercício anterior, os alunos deveriam criar uma obra que promovesse
intervenções sobre a imagem. Essas intervenções deviam ser bordadas e podiam modificar a
foto, complementá-la, etc. As imagens eram fotografias de guerra. Dando início ao
planejamento e concepção do traje de cena para a peça em si, lhes foi pedido que pensassem
em pontos e temas que mais lhes chamasse a atenção no texto e depois que se dividissem em
grupos. Uma vez divididos, eles deveriam pensar em algum tema que achassem que permeava
toda a peça e dividir o texto em partes guiadas por esse eixo temático. Para definir melhor
como seria o trabalho final, os alunos deveriam pensar em uma série de pontos sobre o traje
de cena a ser criado: - Conceito gerador: a partir do tema, os alunos deveriam desenvolver
melhor a ideia, dizendo qual seria sua abordagem e quais aspectos seriam trabalhados. - Como
vestir/pendurar: por ser um trabalho que ao mesmo tempo deveria ser exposto (como
cenografia) e usado no corpo (como traje de cena), era preciso um descritivo detalhado de
como se dariam essas ações. - Desenhos, materiais e cores: croquis dos dois momentos do

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traje, com amostras e referências. - Orçamento: quanto seria o custo do trabalho como um
todo. Desse exercício surgiram algumas interpretações muito interessantes sobre o texto da
peça. Em uma delas, os alunos entenderam que as duas personagens da peça eram uma só:
Kate seria um alterego de Dorra, uma espécie de estratégia para conseguir lidar com seu
trauma da guerra. Por isso, para esse grupo, a peça deveria ser um monólogo e a atriz deveria
ter em seu traje elementos que remetessem à outra personagem – que só existia em sua mente.
Outro grupo entendeu que o mais importante era pensar na questão das guerras interétinicas
nos Bálcãs, principalmente diante do quadro de crise de refugiados no mundo. Por isso, o
grupo decidiu trabalhar não com as personagens da peça, mas sim com as diversas etnias
mencionadas ao longo do texto. Para aproximar ainda mais o público dessa questão, o grupo
optou por fazer um traje que fosse colocado na plateia: uma camisa de força, que seria
amarrada com faixas contendo símbolos dos países envolvidos na guerra. Esse trabalho
produziu também resultados muito interessantes quanto aos usos do bordado. Os grupos o
utilizaram majoritariamente para bordar frases da peça nos trajes de cena e símbolos dos
momentos que queriam chamar mais a atenção. Um dos grupos utilizou o bordado de maneira
bastante narrativa, criando um painel dividido em 4 partes diferenciadas pelo tipo de bordado
presente em cada uma. Com o tema “esperança”, o grupo tratou da questão da esperança em
momentos de guerra e como ela transita entre inexistente e ressurgida. Cada parte do painel
tinha bordados com símbolos, cores e texturas que de alguma maneira contassem a história da
esperança na peça.

Referências bibliográficas

VISNIEC, Matéi. A mulher como campo de batalha ou Do sexo da mulher como campo
de batalha na Guerra da Bósnia. Tradução: Luiza Jatobá. São Paulo: É Realizações, 2012.

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OLHANDO PARA AS ARTICULAÇÕES TEÓRICO-PRÁTICAS ENTRE O PROCESS


DRAMA E O PROCESSO COLABORATIVO
Amanda Duarte

Palavras-Chave
drama, pedagogia do teatro, processo colaborativo

Há, na prática cênica atual, uma premissa que, apesar de não poder ser facilmente
contestada, parece muitas vezes ser esquecida, ou mesmo ser retirada, dos debates avançados
entre artistas: a pedagogia do teatro e a criação teatral em grupos profissionais são duas
aplicabilidades de uma mesma forma artística. Assim sendo, ainda que elas promovam olhares
diferenciados sobre a cena, baseados em seus objetivos particulares, não parece sensato
visualizar as duas áreas de maneira tão separatista que não se possa olhar para as
similaridades entre suas estruturas e pensar nas possibilidades mútuas que uma tem a oferecer
para a outra – assim como a possibilidade de criar uma versão nova, que una ambas. Partindo
dessa compreensão, me proponho, na minha trajetória pelo mestrado, a pesquisar as
articulações teórico-práticas visíveis entre o drama (ou process drama) – metodologia de
ensino para crianças de origem inglesa – e o processo colaborativo – metodologia de criação
em grupos profissionais sistematizada por Antônio Araújo. Para isso, me aproximo do quadro
histórico, teórico e metodológico de ambas as modalidades na tentativa (que parece
improvável, dentro de um recorte de tempo e de espaço de escrita) de olhar para o todo
individual delas e, a partir daí, pinçar os pontos de aproximação e de distanciamento,
pensando em como e com quais objetivos práticas com similaridades tão basilares poderiam
se unir de maneira satisfatória para iniciar e desenvolver crianças na linguagem teatral.
Visando cumprir com o objetivo da revisão teórica sobre as formas de criação, me aproximei,
durante o primeiro ano de curso, dos principais autores que trataram sobre os temas citados.
Assim, sobre process drama, até o momento entrei em contato com as obras de Beatriz Cabral
(2012), Gavin Bolton (2007), David Hornbrook (1991), Flávio Desgranges (2006), Heloise
Vidor (2010), entre outros. Já sobre o processo colaborativo, acessei os escritos de Antonio
Araújo (2009), Vicente Concílio (2010), Stela Fischer (2003), Rafael Ary (2015), entre outros.
De acordo com os levantamentos já realizados pela leitura desenvolvida, temos alguns

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apontamentos teóricos de aproximações relevantes entre as duas instâncias: o trabalho


aprofundado sobre o coletivo e a criação em compartilhamento, a valorização do processo
sobre o produto, a divisão determinada das funções criativas, e a valorização da dramaturgia
autoral. Ambas as perspectivas se apresentam indispensáveis tanto ao process drama quanto
ao processo colaborativo, sendo, possivelmente, aquilo que pode definir o que elas são em
essência e, para mim, identificar que ambas as metodologias compartilham de um espírito
similar é crucial para questionarmos a tradição segregadora que por vezes afasta, sob vários
pretextos, a produção profissional da produção escolar e para pensarmos uma dinâmica de
iniciação e criação que as reaproxime. É claro que essa não é a única maneira de trazer a cena
contemporânea para dentro da sala de aula e, assim, educar esteticamente os alunos para que
eles sejam capazes de se comunicar com o que está sendo produzido pela cena teatral do país,
mas, pelo que me conta minha experiência e minha intuição, parece um caminho igualmente
válido. Por isso, decidi colocar essa aproximação teórica à prova, aplicando uma oficina de
teatro no contraturno dos alunos de terceiro, quarto e quinto anos da Escola Municipal São
Brás, em Salvador. A princípio, gostaria que esse aprendizado estivesse ocorrendo dentro do
currículo comum da escola, mas na impossibilidade descobriu-se uma potencialidade: estando
em uma posição de curso eletivo, disponho de um pouco mais de tempo para utilizar na
criação, tanto no que trata das horas/aula por dia (tenho, retirados os minutos dedicados ao
intervalo, 1h25min para trabalhar) quanto no que trata da possibilidade de flexibilizar a
duração da prática durante o ano. Assim, atualmente, estou ministrando essas aulas com o
olhar interessado para a união, desde o planejamento dos encontros, entre interesses e
artifícios do process drama e do processo colaborativo – ainda que, dadas as semelhanças tão
proeminentes, se mostre difícil, agora, separar o que é exclusividade da metodologia de
ensino e o que é exclusividade da metodologia de criação profissional. Para além do interesse
de pesquisadora sobre o tema, me parece que submeter essa proposta a uma avaliação prática
acrescenta ao pensamento uma dose importante de realismo ao considerar de que maneiras,
sem perder de vista o que é efetivamente possível dentro da realidade escolar, esse misturar de
práticas pode contribuir para que os alunos passem a dominar melhor a linguagem teatral e
passem a serem capazes de se comunicar por meio dela sem a necessidade de uma
intervenção autoritária do professor. Assim sendo, estamos no momento de realizar a prática e
olhar atenta e sinceramente para ela, ouvindo o que ela realmente está dizendo e repensando

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as opções disponíveis de potencialização a partir dos estudos teóricos desenvolvidos. Ao


mesmo tempo, como um nó sem fim em que não se pode visualizar um caminho único de
alimentação, escrevo os primeiros capítulos da dissertação e coloco em palavras minhas o que
foi descoberto no esmiuçar das práticas em suas individualidades – suas histórias com
matrizes diferentes, seus objetivos diversos, suas sistematizações específicas. Por esse motivo,
ainda não temos resultados melhor estabelecidos sobre a relação que propomos e sua
aplicação como possibilidade metodológica. Somente adiante, quando finalizarmos a oficina
na escola e nos debruçarmos para escrever sobre ela e, assim, repensá-la e coloca-la diante do
já escrito sobre os aspectos teóricos, poderemos considerar seu aproveitamento e apontar
objetivos e resultados que, esperamos, possam ser repensados, adequados e reutilizados em
outros espaços, com outros grupos, atendendo a outras pretensões.

Referências bibliográficas

ARY, Rafael. Princípios para um processo colaborativo. Revista Cena, Porto Alegre, n 18,
p 1-7, 2015.

ARAÚJO, Antonio. O processo colaborativo como modo de criação. Revista Olhares, São
Paulo, n 1, p 48-51, 2009.

BOLTON, Gavin. A history of drama education: a search for substance. IN: BRESLER,
Liora (Edição). International Handbook of Research in Arts Education. Dordrecht: Springer,
2007.

CABRAL, Beatriz. Drama como método de ensino. São Paulo: Hucitec, 2012. CONCÍLIO,
Vicente. A pedagogia do teatro em processos colaborativos: o caso do Grupo XIX de Teatro.
In: VI Congresso de Pesquisa e Pós-graduação em artes cênicas, 6º, 2010. Anais, ABRACE,
2010.

DESGRANGES, Flávio. A pedagogia do teatro: provocação e dialogismo. São Paulo:


Hucitec, 2006.

FISCHER, Stela. Processo colaborativo: experiências de companhias teatrais brasileiras


nos anos 90. 2003. 231f. Dissertação (mestrado em artes) – Instituto de Artes, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 2003.

HORNBROOK, David. Education in drama: Casting the dramatic curriculum. Florence:


RoutledgeFalmer, 1991.

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VIDOR, Heloise: Drama e teatralidade: o ensino do teatro na escola. Porto Alegre:


Mediação, 2010.

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ESTUDOS SOBRE PERCEPÇÃO PARA A COMPOSIÇÃO DE RITMO NA CENA


TEATRAL
Andreia Aparecida Paris

Palavras-Chave
Percepção, Ritmo, Trabalho do Ator e da Atriz

Este resumo se refere às atividades realizadas pelo grupo de pesquisa “O Ritmo do


Ator e da Atriz na Cena Teatral”, iniciado em fevereiro deste ano, 2017, no curso de
Licenciatura em Teatro da Universidade Regional do Cariri. O projeto é aberto aos
graduandos, graduados e pós-graduandos, assim como também pretende acolher músicos,
bailarinos e artistas visuais que tenham o ritmo ou a percepção como centro de seus trabalhos.
Também objetiva-se convidar pesquisadores e artistas de outras instituições de ensino e
grupos artísticos que possam ser colaboradores do projeto para ampliar, dilatar e fomentar a
pesquisa de ritmo e percepção no trabalho do artista cênico. Atualmente há três bolsistas da
graduação e um total de sete participantes entre graduandos e graduados. A organização é
distribuída em dois encontros coletivos semanais de três horas cada, sendo que são reservadas
outras duas horas semanais para organização, administração do grupo, orientações e encontros
individuais. O projeto “O Ritmo do Ator e da Atriz na Cena Teatral” é uma reflexão teórico-
prática que objetiva estudar e explorar ações pedagógicas para o ator e atriz perceberem,
entenderem e comporem ritmos em seu trabalho de atuação. Paralelamente aos estudos
rítmicos, estuda-se sobre a percepção corporal, porque acredita-se que este tema é
fundamental para se explorar o outro. Assim, os conceitos de ritmo e de percepção corporal
norteiam os estudos, exercícios e composições cênicas deste projeto. Nos estudos feitos para a
dissertação “Por uma Escuta do Sussurro: percepção e composição do ritmo no trabalho do
ator” (2008-2010) foi observado que, para uma melhor apreensão dos elementos rítmicos e
consequentemente, de sua composição, os estudos sobre percepção e sensibilização corporal
são fundamentais. Para toda a pesquisa prática e teórica foi imprescindível o estudo da
percepção corporal e práticas corporais que sensibilizassem o corpo, os sentidos, os
pensamentos, os olhares para que atores e atrizes percebessem e compusessem os ritmos, os
microritmos, os polirritmos, as disritmias do corpo, das relações humanas, do espaço, dos

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sons, das composições cênicas, dos textos e de tudo que envolvem a cena, o ambiente de
ensaio, o grupo, o movimento e etc. Devido a esta constatação, os estudos para a tese “O
Ritmo no Teatro e na Euritmia: estudos para o trabalho do ator” (2011-2016), se centraram na
prática da Euritmia artística, criada por Rudolf Steiner (1861-1925), que propõe abordagens
antroposóficas sobre percepção e práticas pedagógicas aplicadas ao movimento, à música e ao
ritmo. Para melhor compreensão sobre percepção, foram estudados, além de Steiner, Alain
Berthoz (1939-) e Michel Serres (1930-) cujos pensamentos estão pautados no entendimento
de corpo, cujos membros, partes e órgãos são vivos, têm funções independentes e também
conectadas, sendo cada um único e ao mesmo tempo, interligados. Para estes estudiosos,
todos os órgãos e sentidos estão envolvidos em todos os processos, assim como estamos e
somos suscetíveis a tudo que pode chegar ao corpo. A pele, os olhos, os ouvidos, o olfato, a
boca e o movimento estão interligados e processam juntos qualquer informação que se
conecta conosco. Do mesmo modo, este mesmo processamento não exclui o fato de que
estamos mergulhados, submersos, misturados ao mundo, ao universo e que isto interfere na
forma como o absorvemos, registramos e o compreendemos. A partir destes estudos, a
elaboração do projeto “O Ritmo do Ator e da Atriz na Cena Teatral” são permeados pelos
estudos da percepção, amparados pelos estudos teóricos sobre percepção nas concepções de
Rudolf Steiner, Alain Berthoz e Michel Serres, juntamente com os estudos rítmicos. Como
todos os participantes são iniciantes no universo da pesquisa, para fazer uma introdução ao
universo teórico destes autores e discutir pesquisa e, principalmente, metodologias de
pesquisa em artes (conceitos e métodos), foi feita uma parceria com o Prof. Dr. Carlos Tolovi,
pesquisador na área de filosofia da URCA, para iniciar um debate sobre a Fenomenologia,
passando pelos estudos de Husserl e Merleau Ponty, tema das leituras atuais dos encontros
teóricos do grupo. Paralelamente aos estudos teóricos, nos encontros práticos são
experimentados exercícios de percepção e sensibilização como uma prática corporal cênica,
que pretende se transformar em exercícios, composições cênicas e espetáculos teatrais. Os
exercícios práticos objetivam desenvolver a atenção dos participantes para assimilar, perceber,
deglutir, ruminar e dialogar ritmicamente entre si e com os elementos da cena. Para isto, faz-
se exercícios que procuram sensibilizar os atores aos fenômenos corporais (respiração, piscar
dos olhos, batimentos cardíacos, circulação, salivação); aos fenômenos externos (qualquer
som, ruído, vento, areia, cheiro, gosto, qualquer evento externo ao participante que possa ser

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captado por ele); exercícios que exploram músicas, instrumentos percussivos, os ambientes
externos como parques, rua, o trajeto cotidiano de cada ator, texturas de tecidos, papéis, etc. A
partir da percepção, do detalhamento de cada um destes elementos, o objetivo é fazer o
praticante perceber que está rodeado de ritmos e, portanto, de infinitas possibilidades e
materiais não só de percepção e aprendizagem, mas de diálogos e consequentemente,
composições. A composição rítmica pode surgir do detalhamento, assimilação do processo de
contaminação dos participantes com estes ritmos e do diálogo entre eles. Assim, o objetivo é
sensibilizar o artista para que perceba este universo e micros sistemas rítmicos ao seu redor
objetivando proporcionar-lhe a ampliação da sua potencialidade expressiva, já que estamos
mergulhados, ficcionalmente ou não, nestes eventos táteis, sonoros e cheirosos e a proposta é
que a composição surja deste estágio de percepção e contaminação. Por isso, a importância
dos estudos de percepção. Devido ao pouco tempo do grupo de pesquisa “O Ritmo do Ator e
da Atriz na Cena Teatral” não tem nenhum resultado para mostrar, a não ser contribuir para a
alimentar e promover a discussão sobre o ritmo na cena teatral e sobre os estudos de
percepção para o trabalho de atuação. Assim como pretende encontrar parceiros e pesquisas
que possam dialogar com este trabalho.

Referências bibliográficas

BERTHOZ, Alain. La Décision. Paris: Odile Jacob, 2003.

______. Le Sens du Mouvement. Paris: Odile Jacob, 2013.

MERLEAU-PONTY. Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes,


1999.

PARIS, Andréia Aparecida. A Escuta do Sussurro: percepção e composição do ritmo no


trabalho do ator. Dissertação. Universidade do Estado de Santa Catarina – PPGT (Programa
de Pós-Graduação – Mestrado em Teatro), Florianópolis, 2010.

______. O Ritmo no Teatro e na Euritmia: Estudos para o trabalho do ator. Tese


apresentada ao Programa de Pós-graduação em Teatro-PPGT. Florianópolis-SC. 2016.

SALANSKIS, Jean-Michel. Husserl. São Paulo: Estação Liberdade, 2006.

SERRES, Michel. Os Cincos Sentidos: filosofia dos corpos misturados 1. Trad. Eloá
Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

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STEINER, Rudolf. Os Doze Sentidos e os Sete Processos Vitais: conferência proferida em


Dornach (Suíça) em 12 de agosto de 1916. Trad. Christa Glass. São Paulo: Antroposófica,
2012. 4. Ed.

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ARTE E ESFERA PÚBLICA: O DRAMATURGO PERFORMER COMO


INSTAURADOR DE IMAGENS POÉTICAS
Camila Damasceno

Palavras-Chave
arte pública contemporânea, dramaturgia performativa, esfera pública, processos de criação

Este resumo apresenta pesquisa de caráter teórico-prático, interdisciplinar,


desenvolvida nos campos do Teatro Performativo e das Artes Visuais Públicas
Contemporâneas. Com objetivo de traçar mais precisamente o conceito de “dramaturgo
performer”, são analisados trabalhos dos artistas visuais Francis Alÿs e Banksy em diálogo
com a obra de Tadeusz Kantor, através de um olhar que mira tais práticas em relação às
noções de “esfera pública” e “ação” em Hannah Arendt (2007). O pressuposto é de que esta
investigação possibilite apontar modos de criação dramatúrgica em um contexto no qual o
fazer artístico se apresenta como ação na esfera pública. A ideia de uma aproximação entre
Teatro Performativo e Artes Visuais Públicas Contemporâneas se dá a partir do contato com
produções e reflexões a respeito destas manifestações – e mais especificamente das obras de
Banksy, Alÿs e Kantor - que dão conta de processos de criação artísticos muito específicos
quanto ao modo de se fazer presentes na esfera pública. As manifestações reconhecidas como
“Arte Pública Contemporânea” compreendem intervenções, performances, grafitti, projeções
áudio visuais e a utilização de inúmeras outras plataformas para ações que buscam se
desvincular do autoritarismo do monumento, se apresentando como campo de ação engajada
com a democracia (MASSON e QUINTELA apud FRADE, 2012). As obras dos artistas
escolhidos como estudos de casos, parecem carregar os mesmos princípios que movimentam
as criações cênicas performativas contemporâneas. Circulando em um fluxo intra e
extramuros, propondo questionamentos à ideia de fronteiras entre vida e obra, entre
representação e realidade, trabalhando a partir de diversos materiais, criando condições de
circulação de suas obras em múltiplas plataformas a partir da criação de imagens poéticas
potentes, as práticas visuais e cênicas parecem dialogar não somente em relação a seus
disparadores e procedimentos, mas em suas formas de estar no mundo, em suas relações com
e na esfera pública. Diante desta perspectiva, algumas questões se delineiam no horizonte

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desta pesquisa: Em que medida as práticas dos artistas pesquisados geram condições de
reestabelecer a dimensão de esfera pública nas sociedades nas quais se fazem presente? Como
a prática de uma dramaturgia performativa pode propor procedimentos e imagens poéticas
capazes de gerar visibilidade aos conflitos e contradições presentes na esfera pública,
proporcionando uma experiência tanto aos artistas envolvidos na obra em questão quanto ao
público? Quais passam a ser, então, as competências necessárias para a realização de uma
dramaturgia performativa potente? Entendendo dramaturgia enquanto articuladora de
processos, discursos, imagens poéticas, sentidos e sensações e não somente como produtora
de uma materialidade textual, o conceito de “dramaturgo performer” pretendido não se limita
a um manual de dramaturgia performativa, mas, antes, se apresenta como uma proposta de
modos de habitar este campo. A busca é por compreender os mecanismos de uma forma de
atuação artística que seja capaz de criar a dimensão de esfera pública, não como arte
relacional, mas como instauradora de fluxos perceptivos – ou, em outras palavras, da
multiestabilidade perceptiva proposta por Fischer Lichte (2008) em The Transformative
Power of Performance - que se estabeleça em um lugar liminar, instável, capaz de acessar
artistas e espectadores tanto pela via sensorial quanto pela dimensão interpretativa, através da
criação de imagens poéticas capazes de dar visibilidade a conflitos e contradições. Para tanto,
prevê-se a realização de práticas dramatúrgicas que compreendam processo de criação de obra
teatral junto ao Núcleo Tumulto! de Investigação Cênica (coletivo no qual a pesquisadora atua
como dramaturga desde 2013), além de práticas acadêmicas como a realização de evento
envolvendo artistas e pesquisadores das artes cênicas performativas e das artes visuais
públicas contemporâneas. A abordagem se dá de forma fenomenológica, considerando o que
Gaston Bachelard (2009) propõe como fenomenologia da imagem poética. São traçadas ainda
interlocuções com o linguista Roman Jakobson (1995) - a partir da definição de função
poética da linguagem - e com o filósofo Jacques Rancière (2005) - ao abordar a “partilha do
sensível”. Ainda em sua etapa inicial, o momento da pesquisa atém-se à revisão bibliográfica
e coleta e análise de materiais dos artistas selecionados como estudo de caso, além do exame
atencioso dos textos dos interlocutores teóricos a fim de ter uma perspectiva mais sólida das
noções a partir das quais se pretende analisar as obras e construir as práticas que compõem o
eixo experimental da pesquisa. Com base nas primeiras aproximações aos estudos de casos -
diante da perspectiva do caminhar como prática estética realizada tanto por Francis Alÿs

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quanto por Banksy em seus processos criativos - traçam-se os primeiros paralelos entre
criação visual e dramatúrgica, considerando a elaboração de imagens poéticas como elemento
de interseção entre ambas as práticas. A partir destas primeiras elaborações é possível traçar
caminhos para este estreitamento de diálogo entre Artes Cênicas Performativas e Artes
Visuais Públicas Contemporâneas diante da emergência de um retorno à esfera pública que os
tempos atuais parecem clamar, com suas inúmeras rearticulações coletivas em torno de
práticas artísticas e sociais em todo o mundo.

Referências bibliográficas

ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2007.

BACHELARD, Gaston. A Poética do Devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

FISCHER-LICHTE, Erika. The Transformative Power of Performance: A New Aesthetics.


Londres: Routledge, 2008.

FRADE, Isabela. Cartografia Criativa no Desafio dos Limites da Esfera Pública. In:
Revista Poiésis, Niterói, n.19, pp. 87-106, julho de 2012.

JAKOBSON, Roman. Lingüística e Comunicação. São Paulo: Cultrix, 1995.

RANCIÈRE, Jacques. A Partilha do Sensível. São Paulo: EXO Experimental, 2005.

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O PAPEL DO ATOR-XAMÃ NO ESPETÁULO-RITUAL


Jose Nilton Dos Santos, Nara Salles

Palavras-Chave
Artaud, teatro ritual, xamanismo

Esta investigação se estrutura a partir das matrizes: ator, xamã, espetáculo e ritual.
Essas quatro palavras nos servirão de base para a pesquisa e a escrita dissertativa acadêmica
sobre o tema proposto, bem como a realização de uma experimento artístico que envolva
ritual e teatro. Propõe-se analisar como o interprete e sua relação com os signos teatrais se
organizam e se estruturam no processo de construção do espetáculo-ritual. Pretende-se
observar o funcionamento do código teatral como um catalisador que envolve diversos
sistemas de signos na construção da obra cênica e dos signos apropriados dos cerimoniais e
seus sistemas simbólicos. Neste projeto serão observados os elementos rituais adotados pelo
ator enquanto artista-xamã durante a execução do espetáculo-ritual de forma organizada,
percebendo a relação das partes com o todo e os níveis de aproximação/distanciamento de
cada elemento identificado. Objetivamente, se propõe elaborar um experimento artístico com
aspectos de um ritual, com a finalidade de servir de objeto de análise para a dissertação
teórica sobre o tema. Desde o mês de novembro de 2016, este aluno-pesquisador e os atores
da Associação de Atores Dupla Face de Teatro iniciaram um processo de criação e pesquisa
deste espetáculo-ritual. A experimentação criativa que recebe o nome de “Y”, letra que
imageticamente simboliza um caminho bifurcado. Para o desenvolvimento dramatúrgico se
escolheu um bosque particular como espaço/cenário/palco. Este ambiente se configura como
uma espécie de templo sagrado como sonhava Artaud (1985) Em Paris em 1931 houve uma
extensa temporada de apresentações do teatro de Bali, que por sua vez teria encantado um
grupo imenso de pensadores que idealizavam a volta as bases do teatro como cerimônia e
ritual, entre eles, estava o ator Antonin Artaud. O pensamento destes artistas se afina com o
moderno pensamento antropológico, representado por Mircea Eliade (2013) e Lévi-Strauss
(2004), que valorizaram a contemplação das práticas culturais da ação ritual. Os elementos da
expressão teatral podem ser analisados em observação aos rituais antigos. BERTHOLD
(2008) aponta a pré-história, a historia da religião, a etnologia e o folclore oferecem material

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abundante sobre danças rituais e manifestações populares de caráter religioso das mais
diversas forma que carregam a semente do teatro. FORTUNA (2000) defende que o teatro
antes de tudo é um ritual mágico, ligado às forças psicológicas espirituais, baseado em uma
religião, crenças efetivas, e cuja eficácia se traduz por gestos. Verificamos nos apontamentos
de MOUSSINAC (1957) que o teatro ocidental, assim como o oriental surgiu do culto aos
deuses da natureza, da fertilidade, aos ritos de iniciação – nessas manifestações religiosas
podia-se realizar uma série de ritos: Meditação, drogas alucinógenas, dança, música, evocação
a espíritos da natureza, bem como a produção de ruídos ensurdecedores. Este mesmo
pensamento pode ser encontrado nos estudos de etnocenologia de LOMMEL ( 1970) segundo
ele, além do transe, o xamã irá se utilizar dom mais variados fins de representação artística
para curar o doente; o xamã é frequentemente muito mais um artista e deve ter sido mais em
tempo ancestrais. Com base nessa ideia podemos enxergar nos xamãs do ritual primitivo a
semente do ator teatral. Lévi-Straus (2004) na abordagem sociológica sobre o feiticeiro e sua
magia, irá descrever alguns casos em que o xamã recorre a práticas próximas a representação,
prestidigitação e pantomima como um recurso de cura ao doente. Os estudos de Lévi-Straus
(2004) sobre o feiticeiro e sua magia nos possibilitam comparar os procedimentos do xamã
com os procedimentos de interpretação do ator. Desta forma é possível traçar uma linearidade
entre o trabalho do “ator primitivo”, e o xamã Entre os defensores do teatro-ritual se destaca o
ator francês Antonin Artaud, que abandonou as práticas do teatro em voga na Europa dos anos
de 1930 e se dedicou ao tema do ritual, das transmutações, das práticas xamânicas, do corpo
sacralizado e das relações com o teatro não falado. Para Antonin Artaud o teatro ocidental
deveria passar por uma reformulação que priorizasse a ideia de que o teatro deve ser “antes de
tudo ritual e mágico. Os procedimentos metodológicos utilizados nesta pesquisa estão
centrados nas ações paralelas de leituras cientificas e experimentação artística dos atores no
espetáculo “Y”. servem-se de base as leituras e discussões de textos referentes às
contribuições trazidas pelas Ciências Sociais para o teatro. Para isto, pretende-se tomar como
referência as obras de LÉVI-STRAUSS (2004), ELIADE (2013), OTTO (2007). Paralela a
estas leituras, serão elaborados fichamentos, resenhas, seminários e painéis relacionados à
temática da pesquisa, relacionando se com as leituras e discussões em torno do Teatro-Ritual
enquanto sistema simbólico e imaginário:PAVIS (2005), AMARAL (1996), ARTAUD (1985),
MOUSSINAC (1957), FORTUNA (2000), BROOK (1970; 2014). Posteriormente a esta fase

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da pesquisa, almeja-se partir para a análise dos elementos cênicos experimentados pelos
atores no espetáculo “Y” para isto, será utilizada uma série gravação em vídeo de todo o
processo de construção cênica, bem como o estudo minucioso dos ritos que compõem o
espetáculo-ritual. Será adotado no estudo do roteiro de ações (roteiro teatral) inserção de ritos
convencionados para este ator-xamã como uma forma de acesso ao ato teatral. Durante a
experimentação e encenação com os atores convidados, irá se verificar se os elementos do
ritual conseguem imergir nas ações criativas dos participantes. Depois de estudar os diversos
sistemas simbólicos e imaginários que constituem o experimento cênico-ritual, a análise
pretende se voltar para o papel do Ator-Xamã como um todo, encontrando no sistema as
relações e as marcas que permitem pensar no Espetáculo-Ritual como um ato de sacralidade.

Referências bibliográficas

AMARAL, Ana Maria. O Teatro de Formas Animadas -3.ed. São Paulo: EDUSP, 1996

BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2008

BROOK, Peter. O Espaço Vazio. São Paulo: Apicure, 2014

______. O Teatro e seu Espaço. Rio de Janeiro: Ed. Vozes,1970

ARTAUD. Antonin. O Teatro e seu Duplo, São Paulo: Max Limonad, 1985

ELIADE, Mircea. O Xamanismo e as Técnicas Arcaicas do Êxtase. São Paulo: Martins


Fontes, 2002.

______. Mito e Realidade. São Paulo: Perspectiva. 2013.

LOMMEL. Andreas. Masken: gesichter der menschheit. Zurique: Friburgo, 1970

LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Tradução de Chaim Samuel Katz e


Eginardo Pires. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004

MOUSSINAC. Léon. História do Teatro: das Origens aos Nossos Dias. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1957

OTTO, Rudolf. O Sagrado. São Leopoldo/ Petrópolis. EST/Sinodal/Vozes. 2007.

PAVIS, Patrice. A análise dos espetáculos: teatro, mímica, dança, dança-teatro, cinema.
Trad. Sérgio Sávia Coelho. São Paulo: Perspectiva, 2005.


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QUANTO PORCENTO DE PESQUISA CIENTÍFICA?


Carmen Hoffmann, Débora Souto Allemand, Josiane Franken Corrêa

Palavras-Chave
composição coreográfica, pesquisa artística, processos de criação

Como artistas, percebemos que o trabalho não pode ser quantificado, não há um
caminho lógico, nem mesmo uma maneira de colocar o rendimento em forma de gráfico.
Assim, escolhemos escrever um texto concomitante ao processo de criação artística,
entendendo que as diferentes materialidades se retroalimentam. Neste processo, o disparador
é a numerificação, tendo a improvisação como estratégia criativa. Por compreendermos que a
complexidade do mundo é que possibilita a criação artística e a produção de novos
conhecimentos, não concordamos com a visão de Santos (2010), quando evidencia a invalidez
das pesquisas que não são quantitativas. Ao contrário, o que foi encontrado no processo de
criação em dança, mostra um contraponto: ao levarmos em consideração a questão de autoria
para a inovação e o ineditismo científico, o número, por si só, jamais poderia ser um dado
válido. O caminho para se chegar ao número sim, valida o novo conhecimento. A criação
tende ao infinito. Em função destas e de outras muitas inquietações sobre a relação prática-
teoria-prática e pesquisa quantitativa e qualitativa é que arriscamos jogar com a numerificação
de dados. Por isso, é preciso ressaltar que os números aqui expostos não são 100%
verdadeiros. A intenção, tanto no texto, como na dança, é potencializar o jogo e a imaginação,
tanto d% artista e d% escritor%, quanto d% espectador% e d% leitor%. Ainda, cabe relatar
que cerca de 72,38% do experimento artístico aconteceu durante o 1° Semestre de 2017 em
Pelotas (RS), enquanto o restante aconteceu em vivências pregressas. Um território que
começa a ser cultivado para culminar, enfim, na criação, na coreografia propriamente dita, no
corpo em movimento no espaço, na sala de ensaio e no não-saber, no ficar perdido
caminhando pela sala e falando números, porcentagens e frases rememoradas das experiências
já vivenciadas. Sentimos dificuldade de estabelecer um caminho metodológico com início,
meio e fim, indo ao encontro do que Zamboni (2012) coloca sobre o processo de trabalho na
pesquisa em arte, afirmando que este não é linear, mas cheio de idas e vindas. Então,
experimentamos a criação por um tempo, até chegar à materialização. Aos poucos, iniciamos

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esse desafio corporal e escrito em meio a números, que vieram e continuam a chegar como
ondas que impulsionam novos movimentos e pensamentos. Um balanço que indica estratégias
de criação conhecidas e desconhecidas, acessando memórias e instigando inusitadas
possibilidades de composição coreográfica. A coreografia e o texto assumiram o acaso e a
efemeridade como características principais, tornando-se a metodologia base para o trabalho.
Assim, a umidade do ar, por exemplo, influenciou em 70% no momento da criação, uma vez
que o trabalho foi realizado em Pelotas . Todavia, outros elementos também foram
importantes nesse processo, como: 13% voz do google ; 29% objetos que estavam no local;
37% trilhas sonoras utilizadas no aquecimento e na cena; 40% experiências anteriores; 76%
do acaso . Na perspectiva escolhida para realizar esta pesquisa, era necessário que a prática
artística disparasse teorizações, o que acreditamos ter 60% de chance de dar certo, em termos
metodológicos. Concordamos com Abib (2016), ao mencionar que no processo de compor há
um posicionamento inerente ao artista, ou seja, a composição passa e movimenta tudo o que
há e tudo aquilo que constitui o criador. Ainda, consideramos o trabalho de improvisação
como uma Composição em Tempo Real (FIADEIRO e CASPÃO, 2016) e entendemos essa
experiência como um conhecimento que acontece na própria experiência do fazer, sendo
menos um modo de conhecimento e mais um conhecimento de um modo (XAVIER e
MEYER, 2016). Aos poucos, o trabalho que tinha como objetivo realizar uma improvisação
sem o compromisso de assumir partituras corporais que pudessem ser repetidas em algum
momento futuro, passou a demonstrar a necessidade de acordar previamente alguns aspectos.
Entre eles, podemos citar a elaboração de uma trilha sonora, a trajetória espacial que cada
bailarin% desenharia em cena, a necessidade de pontos específicos na iluminação e a busca
por um figurino que tivesse coerência com a proposta investida. Por fim, assumimos que a
abertura do processo não diz respeito apenas a uma criação improvisacional, mas também foi
instigada pela realidade do nosso cotidiano. Existem lacunas que não podem ser preenchidas
e/ou finalizadas neste trabalho artístico tais como: a incompatibilidade de agendas e a busca
contínua por salas de ensaio na Universidade; a discussão teórica e a definição do que é
pesquisa em arte; a explanação ininterrupta de o porquê fazer arte no ambiente acadêmico;
entre tantos outros aspectos que podem se configurar como uma abertura ao novo. Em
momento algum, com o trabalho, menosprezamos as pesquisas quantitativas, pois entendemos
a relevância e a necessidade de cada tipo de pesquisa em sua respectiva área de conhecimento.

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Porém, pensamos que o papel d%s artistas é o de propor novas formas de conhecer e perceber
o mundo, que se afastam da mera quantificação científica.

Referências bibliográficas

ABIB, Marina. O ato de inventar-se. In: XAVIER, Jussara et al. (org.). Tubo de Ensaio:
composição [Interseções + Intervenções]. Florianópolis: Instituto Meyer Filho, 2016. p.
241-248.

FIADEIRO, João; CASPÃO, Paula. O fim dos princípios. In: XAVIER, Jussara et al. (org.).
Tubo de Ensaio: composição [Interseções + Intervenções]. Florianópolis: Instituto Meyer
Filho, 2016. p. 195-209.

LOBO, Lenora; NAVAS, Cássia. Arte da composição: Teatro do Movimento. Brasília: LGE
Editora, 2008.

SANTOS, Boaventura S. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2010.

XAVIER, Jussara; MEYER, Sandra. Com + posições = investigações acerca do ato de


compor nas artes. In: XAVIER, Jussara et al. (org.). Tubo de Ensaio: composição
[Interseções + Intervenções]. Florianópolis: Instituto Meyer Filho, 2016. p. 261-275.

ZAMBONI, Silvio. A pesquisa em arte: um paralelo entre arte e ciência. 4 ed. Campinas,
SP: Autores Associados, 2012.

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ENTRE BOMBAS E PALAVRAS: A RESISTÊNCIA NAS POÉTICAS DA CIA. NOVA


DANÇA 4.
Hariane Eva S. Georg

Palavras-Chave
Interdisciplinaridade, Teatralidade, Cia. Nova Dança 4

Tendo em vista a dança e suas ações de rupturas éticas e estéticas no ocidente,


emergidas no decorrer dos anos de 1960/70, esse resumo chega com o objetivo de clarear
alguns engajamentos exercidos diante das composições da cena contemporânea sob um dado
recorte na cidade de São Paulo. A escolha para essa proposta vem através da Cia. Nova Dança
4, dirigida por Cristiane Paoli Quito e Isabel Tica Lemos, e percorre a trajetória inicial dessa
companhia sob o final dos anos de 1990. A investigação se elabora a partir das análises de
dois espetáculos: Acordei Pensando em Bombas... (1999) e Palavra, a poética do movimento
(2002). A abordagem metodológica se desenvolveu por meio de entrevistas abertas e
depoimentos das duas diretoras, além de materiais e registros concedidos pelas mesmas como
vídeos, fotos e críticas referentes a essas duas obras para a análise de suas composições.
Conceitos referentes às práticas como a interdisciplinaridade e a teatralidade chegam
enquanto possíveis recursos norteadores do fazer crítico dessa companhia. Dentro do que
norteou o campo dessa escrita e das relações políticas conectadas a um pensamento crítico no
campo da dança e da arte, buscou-se levantar através desses dois trabalhos, questões que
olhassem e refletissem suas ações na cidade de São Paulo. Esse período se desenhou mais
especificamente no decorrer da década de 1990, guardando na transição entre um trabalho e
outro o interesse em refletir sobre suas ações de rupturas estéticas, suas necessidades de
indagar questões críticas sobre aquele dado contexto e trazê-las à cena, assim como, seus
engajamentos éticos frente a estruturas de linguagens até então vigentes nesse universo da
dança. Os depoimentos das diretoras do grupo compuseram uma rede de discursos que
atravessaram e dialogaram com o ideal da escrita. Em suas falas pôde-se notar o forte desejo
do comunicar e da relação estabelecida através das trocas tecidas entre o espectador e o
artista. A ruptura com sistemas fechados, o improvisar, a palavra falada, a relação com a
narrativa, o limite borrado entre as muitas estruturações cênicas (música, dança, teatro),

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compuseram alguns dos territórios percorridos por essas obras e suas duas diretoras, em que
suas posturas éticas e críticas diante das questões do mundo encontraram vias de manifestação
e se objetivaram sensivelmente. Alguns dos conceitos que possivelmente atravessaram os
trabalhos dessa companhia surge através da noção de Teatralidade, trazida nessa pesquisa pela
perspectiva da pesquisadora Sílvia Geraldi (2012). Esse conceito, pensado e desenvolvido
para o campo da dança, traz em suas semânticas as respectivas relações com os discursos
críticos e narrativos emergidos nesse fazer, assim sendo, a dança não seria mais pautada pela
sua relação com a forma ou com o bailarino/virtuosismo, mas passaria a ser tornar propositora
de outros meios de sentido pautados na relação com o mundo. Neste tipo de experiências
cênicas, o corpo expressa predominantemente estados, intensidades, fluxos energéticos,
pulsões, presenças, sensações, afastando-se da mera representação mimética da realidade
(GERALDI, 2012). No iniciar do grupo, ainda em meados da década de 1990, Cristiane Paoli
Quito relata algumas questões e prerrogativas acerca da aceitação e da compreensão dos
processos improvisacionais na dança e dos atravessamentos desse campo com o teatro,
estabelecidos sob esse período. Nesse contexto a movimentação das estruturas enrijecidas e as
ressignificações do papel dado ao coreógrafo/diretor diante de um determinado grupo passam
a ser um pouco mais reavaliadas pelo universo da dança. Volta-se para o corpo enquanto
dispositivo vivo e autônomo de enunciação; seu autoconhecimento, suas percepções, suas
capacidades criativas e cognitivas passam a ter uma alta relevância dentro das elaborações
coletivas: “é uma fase em noventa e poucos, em que o intérprete da dança está começando a
tomar uma certa autonomia, pelo menos em São Paulo. A figura do coreógrafo começa a ser
mais questionada” (QUITO, 2015, p.110). Fernando Villar (2005) inflama essas concepções
sobra a Cia. Nova Dança 4, destacando o caráter ético e também político de suas proposições,
tendo no jogo que compõe as estruturas da cena uma atitude que vai além dos limites
estabelecidos entre as linguagens artísticas. É político e anárquico ao repassar direitos e
deveres iguais para uma criação, questionando as hierarquias fixas. No querer de Lemos e
Quito, este terreno artístico expandido inclui os corpos, almas, estéticas e éticas dos jogadores
e jogadoras atuantes, em contínua, total e ininterrupta improvisação (VILLAR, 2005). Suas
duas diretoras, sendo pessoas incontestavelmente importantes no que diz respeito a
determinadas práticas - Lemos como uma grande conhecedora da improvisação e contato
improvisação, Quito em sua forte referência com o palhaço e a commedia dell’arte -

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possibilitaram o reconhecimento de uma estética bastante peculiar nos trabalhos dessa


companhia. As inclinações alçadas por esses artistas - sejam elas intuitivas, experimentais,
aproximativas, investigativas – possibilitaram o aprofundamento de uma estética muito
peculiar nas ações dessa companhia. Tendo em vista o desejo do grupo por comunicar e gerar
outros campos de vivência diante do fazer desse trabalho, abriram-se brechas para pensar uma
dança que tomasse outras organizações estéticas, tendo em vista a complexidade desse campo
e sua crescente busca por problematizar questões referentes às suas fundamentações históricas
e questionando seu momento. O encontro das fronteiras borradas tão fortemente assumidas
nesse trabalho, a tal ponto de colocá-lo em questão quanto à legitimidade de um trabalho de
dança, veio como ressonância de um momento em que as demarcações entre as linguagens
artísticas voltam a ser repensadas. Presume-se que reativar os percursos desses artistas que, de
muitas formas, contribuíram para o acionamento de outros olhares e atitudes nos processos e
nas ações da cena, pode vir a proporcionar um menor distanciamento entre esses campos de
conhecimento, sejam eles históricos, conceituais, políticos, estéticos, e a relação com a
sociedade no conhecimento de sua própria cultura.

Referências bibliográficas

GERALDI, Silvia. O lugar da teatralidade na dança contemporânea. Revista Sala Preta,


vol. 12, n. 2, p. 13-26, 2012.

QUITO, Cristiane Paoli. Depoimento concedido a Hariane Georg. Anexo II, São Paulo, 19
jun., 2015; 11 mai., 2016. In: GEORG, Hariane. Entre Bombas e Palavras: a resistência nas
poéticas da Cia. Nova Dança 4. 2017. 124 p. Dissertação (Mestrado em Artes da Cena) –
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2017.

VILLAR, Fernando Pinheiro. Palavras em movimento, Nova Dança 4 e outros trânsitos.


Revista do Lume, nº6, p. 25-39, 2005.

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RELAÇÕES ENTRE CIRCO SOCIAL E FORMAÇÃO EM CIRCO NO BRASIL


Marília Mattos

Palavras-Chave
circo social, arte, professores de circo

No Brasil, o circo chega com as famílias circenses, com pouco ou nenhum


instrumento, portando apenas as habilidades do próprio corpo (PIMENTA, 2009). Ser
circense era um modo de vida. O aprendizado sob a lona formava e qualificava para a vida
cotidiana, e para todos saberes profissionais circenses necessários à prática (SILVA; ABREU,
2009). Até a década de 1970, esse tipo de estrutura permanece sendo o único modo de
formação artística e profissional. (SILVA, 2011) O Circo, além de exercitar o corpo,
desenvolve valores morais, éticos e de convivência. O Circo viabiliza a inclusão de diferentes
grupos de pessoas, já que é um fazer plural, de diferentes habilidades, e permite que todos
tenham a chance de participar, se incluir, se descobrir e de compartilhar com muitos seus
ganhos, tropeços e perdas (FIGUEIREDO, 2007). Por isso, após a criação das escolas de circo
nos anos 1970 e 1980, a “função educativa do circo” (HOTIER, 2003) ganha destaque. Uma
das maiores responsáveis pela expansão do Circo no Brasil foi a expansão de projetos sociais,
que ainda que não tenham tido o objetivo de formar profissionais do circo, segue formando
muitos entusiastas e até artistas que não encontrarão continuidade formativa nessa expressão
artística (DUPRAT, 2014). Por isso é importante pensar quais os objetivos destes projetos
sociais que se utilizam do Circo como ferramenta e ou como prática que não tem como
objetivo de formar profissionais, mas que muitas vezes formam. Dessa maneira, colaboraram
para moldar o pensamento e o fazer do Circo no Brasil. Na década de 1980, o Circo começa a
ser descoberto como ferramenta educacional e pedagógica, e passa a ser incluído em
diferentes projetos educativos e sociais. Experimentar Arte, usufruindo ou criando, é produção
de sentido, de conhecimento, estimula a expressão, a comunicação e nos permite reinterpretar
as experiências do ser humano. A Arte tem potencial para gerar mudanças por propiciar um
olhar crítico para o mundo bem como melhor consciência de si mesmo. No caso do Circo,
uma arte democrática e social, experimentá-la não exige conhecimento prévio (saber ler e
escrever) e tem grande apelo junto aos jovens na medida em que fala a linguagem do corpo

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(FIGUEIREDO, 2007). As atividades no Circo Social, portanto, propiciam a crianças,


adolescentes e jovens, especialmente, os de classes e territórios populares, desenvolverem
elevação da sua autoestima, construção de autonomia e ampliação do seu exercício pleno da
cidadania (PERIM, 2010). No Circo Social temos um diferencial: é possível se utilizar da
sedução pelo risco. Este pode ser visto como um método, um caminho em outra direção frente
à situação de exclusão social e de crise no sistema do ensino formal (ROCHA, 2010).
Pesquisando referências de projetos sociais formativos e livres, foram encontradas algumas
referências. A Escola de Circo Crescer e Viver, no Rio de Janeiro, consolidada em 2003,
desenvolve ações nos campos de formação, produção, difusão e fruição das artes circenses,
atuando em diversos elos da cadeia produtiva do circo. Como este projeto, também existe em
Salvador - BA, a Escola Picolino de Artes do Circo. Ambas visam uma formação continuada
do artista, fortalecendo, dessa forma, a arte circense enquanto profissão. Além destas
iniciativas, temos outros tipos de projetos, com foco na melhoria da condição de vida das
crianças independente do desejo de formar circenses. Em São Paulo temos um projeto com
este caráter, que inclui o Circo em seu currículo e que se autodenomina de alguma forma
projeto social artístico cultural. É o caso do programa Fábricas de Cultura. O programa
Fábricas de Cultura é fruto de uma parceria entre o Governo do Estado de São Paulo e o
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), gerenciada pelo Instituto Poiesis, com
unidades por diversas regiões vulneráveis de SP. O objetivo da presente pesquisa se dá em
reconhecer nos projetos de circo social os elementos que formam o pensamento do fazer do
mesmo na prática e como isso se desdobra no pensamento sobre Circo no Brasil. Pensar o
entendimento sobre Circo praticado no Brasil a partir dos projetos sociais, de modo a
questionar as suas implicações político-ideológicas. A partir do mapeamento, discutir as
perspectivas estéticas como construção de discurso e produção de sentido. A metodologia da
pesquisa será, a partir do levantamento bibliográfico sobre Circo Social, visitar espaços
referência em Circo Social (que serão selecionados mediante abertura dos espaços para tal
visita, bem como a disponibilidade para viajar para as cidades dos mesmos), com o objetivo
de conhecer diferentes maneiras de pensar e praticar o Circo Social. Fazer visitas a campo
com o intuito de compreender como o projeto do papel se dá na prática cotidiana e quem são
os agentes desse trabalho, e quais são suas possibilidades de interferência em seus projetos.
Além disso, realizar um estudo histórico do desenvolvimento de Circo no Brasil a partir dos

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projetos sociais com Circo, com recorte no projeto Fábricas de cultura, olhando para a
produção ética e estética produzida como construção de discurso e produção de sentido. Os
resultados esperados desta pesquisa são de criar um pequeno panorama da formação de
pensamento sobre Circo no Brasil a partir da formação no Circo Social, que de acordo com
extensa bibliografia, formaram a base do Circo no Brasil.

Referências bibliográficas

DUPRAT, Rodrigo M. Realidades e particularidades da formação do profissional circense


no Brasil: rumo a uma formação técnica e superior. Tese (Doutorado). Campinas:
UNICAMP, 2014.

FIGUEIREDO, Carolina M. de S. As Vozes do Circo Social. 2007. Dissertação (Mestrado) –


Rio de janeiro: FGV, 2007.

HOTIER, H. (Org.). La fonction éducative du cirque. Paris: L’Harmattan, 2003.

PERIM, J. Circo Social brasileiro: da ação social educativa à produção estética. In:

BORTOLETO, M. A. C. (Org.). Introdução à pedagogia das atividades circenses. Jundiaí:


Fontoura, 2010.

PIMENTA, Daniele. A dramaturgia circense: conformação, persistência e


transformações. Tese (doutorado). Campinas: UNICAMP, 2009.

ROCHA, G. O Circo no Brasil – Estado da Arte. BIB, São Paulo, n. 70, 2o sem. 2010.

SILVA, Erminia; ABREU, L. A. Respeitável público... o circo em cena. Rio de Janeiro:


Funarte, 2009.

______. Saberes circenses: ensino/aprendizagem em movimento e transformações. In:


BARONI, J. F.; HECKTHEUER, L. F. A.; SILVA M. R. S. (Org.). Circo, lazer e esporte:
políticas públicas em jogo. Rio Grande: Universidade Federal do Rio Grande, 2011.

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ESTUDO DA ENCENAÇÃO CENSURADA DE CALABAR, DE CHICO BUARQUE


DE HOLLANDA E RUY GUERRA
Nina Hotimsky

Palavras-Chave
encenação, teatro brasileiro, teatro musical

Esta pesquisa visa ao estudo do teatro musical brasileiro político dos anos 1970
através da análise da primeira encenação de Calabar (escrita em 1973 por Chico Buarque e
Ruy Guerra). A montagem foi dirigida por Fernando Peixoto no mesmo ano, e censurada às
vésperas da estreia. O estudo se dedica ao exame detalhado das relações entre forma cênica,
condições produtivas e contexto histórico. O centro do trabalho está na análise da montagem,
de suas formações estéticas, num esforço de reconstituição de suas possibilidades artísticas,
tendo em vista a perspectiva da formação relativa de um projeto de teatro musical crítico.
Esse exame terá que partir, entretanto, do estudo do contexto de trabalho e do momento da
produção cultural no país. O objetivo da pesquisa é reavaliar essa encenação não finalizada
com vistas a compreender um momento específico do trabalho teatral mais crítico do país,
quando politização, interesses profissionais, pesquisa estética, diálogo com outros setores
artísticos se reuniam em torno do projeto de um teatro musical politizado brasileiro. Calabar:
o Elogio da Traição, revê o episódio histórico em que Domingos Fernandes Calabar se aliou
aos holandeses durante a Insurreição Pernambucana. Ao invés de reiterar a versão oficial que
o acusa de traição à pátria, a peça discute o que significa trair o colonizador. Mais do que
debater o fato histórico, o espetáculo construía uma crítica ao Regime Militar e suas
construções simbólicas – por exemplo, o slogan “Brasil: ame-o ou deixe-o” veiculado pelo
governo Médici. O processo de censura de Calabar foi iniciado em abril de 1973, e a
dramaturgia a princípio foi liberada pela censura federal. Os autores convidaram Fernando
Peixoto para dirigir a peça, e Fernando Torres e Fernanda Montenegro assumiram a produção.
Porém, “Quando os produtores solicitaram a censura do ensaio geral, com uma grande
produção já em andamento, teve início uma sequência de ações que fugiam aos padrões da
DCDP/DPF [Divisão de Censura de Diversões Públicas / Departamento de Polícia Federal] e
que culminaram no veto da peça, em janeiro do ano seguinte”. (HERMETO, Miriam. 2013).

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Dois dados são relevantes no processo de censura de Calabar: em primeiro lugar, o papel de
resistência exercido por Chico Buarque, que levou o caso à justiça e impetrou mandado de
segurança contra a decisão da DCDP/DPF. Essa ação, somada à expectativa frustrada dos
espectadores no aguardo da estreia, tornou o caso público e gerou debates na sociedade da
época. Em segundo lugar, é importante assinalar que o texto havia sido liberado, mas a
encenação foi vetada. É plausível a hipótese de que elementos da linguagem teatral
potencializaram a crítica apontada pela dramaturgia – pretendemos investigar quais eram
essas opções cênicas. Apesar de a peça ter sido impedida de estrear, possuímos algumas
informações sobre a encenação relevantes para este início de pesquisa. Calabar se propunha a
realizar um teatro musical político, revendo a tradição construída no Brasil dos anos 1960
(tradição que Fernando Peixoto ajudou a construir, ao integrar os grupos Arena e Oficina). Foi
um projeto de “superprodução” para os parâmetros da época – empregava mais de 80 pessoas,
e contava com Fernando Torres e Fernanda Montenegro na equipe de produção. A direção
musical era assinada por Dori Caymmi, que posteriormente realizou a direção musical de
Gota d’Água, também de Chico Buarque – espetáculo que oferece fontes documentais mais
detalhadas, pois permaneceu cinco anos em cartaz (de 1975 a 1980). A montagem também
contratou um coreógrafo, figura pouco frequente nos musicais políticos: Zdenek Hampl. Em
entrevista realizada por nós com vistas a esta pesquisa, Mário Masetti (diretor assistente da
primeira encenação de Calabar) descreveu a abordagem de Zdenek: O trabalho dele era quase
que de direção. Tinha muita música. (...) . E ele fazia coisas maravilhosas. Desde números de
dança comuns até… Como é que eu vou te falar? Movimentação de guerrilha no palco. Uns
caras pendurados. O cenário eram duas esteiras de porto. Sabe umas cordas que pegam os
contêiners? E eram essas cordas esticadas e as pessoas escalavam, pulavam de corda pra
corda, tinha uma movimentação ali . O depoimento de Mario Masetti revelou o dado de
coralidade presente na encenação, e a relação dos atores com a cenografia. Segundo ele, não
havia coxia, e o espetáculo era demarcado pela luz: “Os atores estavam praticamente o tempo
todo em cena, servindo à cena”. Diversas músicas eram interpretadas com o canto coral, o que
conferia um impacto cênico poderoso: um bom exemplo mencionado por Masetti é a canção
“Cala a Boca Barbara”. Dezenas de vozes mandavam Barbara se calar. Segundo Anselmo
Vasconcelos , ator do coro entrevistado por nós, haviam atores vestidos de soldados rondando
a cena durante essa canção. Ao sussurrar para Barbara se calar, o coro buscava protege-la da

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perseguição política que já condenara Calabar. Outro material importante para a pesquisa são
os escritos do diretor. A 13ª edição de Calabar conta com três textos de Peixoto, além de uma
entrevista. Em suas palavras, Calabar “(...) é um texto “mau comportado”. E por isso estimula
a elaboração de um espetáculo debochado, capaz de assumir a quase anárquica mas
organizada colagem e a justaposição de imagens e épocas”. (PEIXOTO. 1980). Calabar,
segundo o diretor, possuía traços cômicos com função crítica, e também aspectos grotescos. O
método de pesquisa aqui apresentado prevê: pesquisa de campo que reúna materiais
documentais tais como fotografias, diários de trabalho, registros e reflexões produzidos
durante o período de ensaios de Calabar; realização de entrevistas (até o momento foram
realizadas duas entrevistas – com o diretor assistente Mário Masetti e com o ator Anselmo
Vasconcelos); mapeamento histórico-crítico do teatro musical político no Brasil (visando
contextualizar Calabar em seu momento histórico, e considerando as experiências anteriores
de grupos como o Teatro de Arena, o Oficina e o Opinião). Este trabalho embasará uma
análise da encenação de Calabar como caso exemplar do teatro musical político no período
mais severo do Regime Militar. Tem-se como objetivo compreender de que maneira essa
encenação se inscreveu em propostas sistematizadas nos anos 1960, ao mesmo tempo que
lidou com um novo contexto produtivo (com mudanças no mercado teatral) e político
(especialmente na relação com os órgãos de censura do Estado).

Referências bibliográficas

HERMETO, Miriam. Olha a gota que falta: um evento no campo artístico-intelectual


brasileiro (1975 – 1980). São Paulo, Alameda, 2013.

MASETTI, Mario. Entrevista sobre Calabar. São Paulo, 29/11/2016. Entrevista a Nina
Hotimsky.

PEIXOTO, Fernando. “Depoimento sobre o espetáculo”. In BUARQUE, Chico e GUERRA,


Ruy. Calabar. 13ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.

VASCONCELOS, Anselmo. Entrevista sobre Calabar. São Paulo, 07/07/2017. Entrevista a


Nina Hotimsky.

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CORPO EM QUATRO CENAS - O TRABALHO CORPORAL NO PROJETO


FAZENDO GÊNERO SOB O OLHAR DE UM LICENCIANDO EM DANÇA.
Maicon Lima Da Silva

Palavras-Chave
Corpo, Jacques Lecoq, Licenciatura em Dança, Fazendo Gênero, Máscara Neutra, Análise

Este resumo pretende apresentar um estudo desenvolvido a partir da minha atuação no


Projeto Fazendo o Gênero, com duas turmas do primeiro ano do Ensino Médio. O Projeto
Fazendo Gênero trata da aplicação e análise de uma prática de ensino teatral para o Ensino
Médio, nas aulas de Artes Cênicas do Colégio de Aplicação da UFRJ, fundamentada na
teatralidade do corpo, com base nas ideias e conceitos do Teatro Físico, principalmente na
pedagogia de Jacques Lecoq. A proposta central do Projeto é sistematizar um caminho de
ensino de teatro, no qual abarque a experiência com o uso da Máscara Neutra e a exploração
dos territórios dramáticos, como campos ou zonas organizados de jogo e escritura cênicas.
São selecionados a tragédia, o melodrama e a comedia dentre os territórios geodramáticos
dispostos por Lecoq e planeado um percurso prático, reflexivo e vivencial. A abordagem parte
da experimentação da corporeidade e do jogo que sustenta cada territorio dramático. Neste
escopo, minha atuação como bolsista tem em vista o acompanhamento da prática corporal dos
alunos-atores nas aulas, planejando e elaborando exercícios e aplicando-os, discutindo e
analisando a progressão das turmas, realizando leituras e resenhas sobre temas pertinentes ao
Projeto. Neste sentido, meu estudo contempla a apreciação do percurso criativo corporal dos
adolescentes, com base na observação e registro das mudanças que se apresentam nos seus
corpos a partir dos exercícios com a Máscara Neutra e a cada território dramático. Meu foco
de pesquisa está em examinar a passagem corporal dos alunos por estas quatro etapas e tecer
comparações entre elas. O projeto tem me proporcionado não apenas a oportunidade de
pensar formas de trabalho para o corpo dos alunos a partir da teoria e dos conceitos teatrais
abordados como também me permite aplicar um olhar pedagógico de grande valia levando em
consideração a minha formação num curso de licenciatura em dança. Junto a mim, mas
deselvolvendo uma pesquisa com olhar para outro foco, atua uma graduanda do Curso de
Direção Teatral da UFRJ, nossas pesquisas e focos foram desdobramentos de um mesmo

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projeto que permitiu dois percursos de análise: a observação do uso da Máscara Neutra que
possibilita ao ator perceber e dissolver os resquícios de gestos e ações pessoais que interferem
na sua atuação, desenvolvendo um estado corporal para o jogo/cena, o qual pode ser definido
como estado de neutralidade (pesquisa com enfoque da graduanda em Direção Teatral); e a
apreciação do percurso criativo corporal dos adolescentes, com base na análise e registro das
mudanças que se apresentam nos seus corpos a partir dos exercícios com a Máscara Neutra e
a cada território geodramático (meu foco de observação e estudo). Os dois percursos tem em
vista refletir sobre as relações entre escola, arte e corpo, articulando ações e práticas de
criação cênica que contribuem para afirmação e formação do corpo na escola a partir da teoria
e dos conceitos teatrais abordados, ampliando a instrumentalização na formação do
profissional de teatro e um olhar pedagógico de grande valia para um graduando do Curso de
Licenciatura em Dança. O projeto me proporciona uma grande oportunidade de afirmar a
necessidade da educação, coscientização e expressão corporal com os adolescentes. Todo o
projeto é realizado sem ignorar as questões do ambiente de ensino ou as particularidades dos
alunos. As discussões com a Orientação são de grande valor para a construção do tipo de
docente que pretendo me tornar e mantém acesa a consciência da importância da profissão do
professor e do ensino das Artes em época de resistência. O Projeto Fazendo Gênero tem sido
uma grande fonte de pesquisa e desenvolvimento como bolsista oriundo de um curso de
Licenciatura: A primeira parte do protejo se caracteriza pelo trabalho com a Máscara Neutra e
as observações são fantásticas visto que quando os alunos experimentam esse dispositivo seus
corpos sofrem dilatações gritantes e se potencializam de tal forma que partes antes reprimidas
visivelmente ganham nítido desenvolvimento. Mas antes de se chegar à Máscara é feito todo
um trabalho de preparação com forte enfoque corporal, que se complementa ou encontra
maior território ao colocar a máscara, trabalho esse que abrange desde aquecimentos
específicos à exercícios que auxiliem em questões corporais particulares de alguns alunos e
que eu tenho o oportunidade de pensar e aplicar sob Orientação e acompanhamento do
docente em sala. Atualmente trabalhamos o Trágico como território geodramático e a
preparação corporal tende à fazer vir à tona um corpo mais vertical, do herói trágico e em
seguida um corpo que entenda o trabalho de coro. Os corpo não são mais os mesmo de antes
do trabalho com a Máscara Neutra e os alunos vez ou outra fazem colocações sobre o que já
foi vivenciado no início do processo fazendo relação com o trabalho atual, logo, percebe-se

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que o projeto faz todo um sentido para eles, mesmo que por vezes o grande número de
exercícios corporais praticados pelas turmas os deixem com vontade de fazer teatro com texto
por esta ser a grande concepção que caracteriza a maioria de uma geração influenciada. O
trabalho com o Trágico será concluído com uma montagem de pequenas cenas de tragédias na
quais duplas farão percursos de movimentações e trajetos diferentes na arena utilizando
ferramentas dos processos em aula: trabalho com bambú, cadeira, tecido, etc. Como bolsista
que enfoca o trabalho corporal no projeto, é nítida a progressão que se dá nos corpos das duas
turmas, cada uma a seu modo e com suas particularidades, e como licenciando em Dança, é
clara toda a potência que o trabalho corporal desenvolvido no Projeto faz reverberar na
atuação de alguns alunos no ambiente escolar, o que destaca mais uma vez a importância da
manutenção do ensino das Artes no Ensino Fundamental e Médio. Em breve abordaremos os
territórios geodramáticos: Melodrama e Cômico, continuando toda a pesquisa particular
necessária a cada um deles e alternando o nível dos exercícios corporais e preparação de
acordo com a evolução e progresso das turmas.

Referências bibliográficas

LECOQ, Jacques. O corpo poético: uma pedagogia da criação teatral / Jacques Lecoq;
com a colaboração de Jean-Gabriel Carasso e de Jean-Claude Lallias; tradução de Marcelo
Gomes. - São Paulo: Editora Senac São Paulo: Edições Sesc São Paulo SP, 2010.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. /


Paulo Freire. - São Paulo: Paz e Terra, 1996. - (Coleção Leitura)

RANCIÉRE, Jacques. O mestre ignorante - cinco lições sobre a emancipação intelectual/


Jacques Rancière; tradução de Lilian do Valle - Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

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NAS LINHAS E NAS ENTRELINHAS DOS DIÁRIOS DE BORDO: A EXPERIÊNCIA


E O SABER DA EXPERIÊNCIA
Lucas De Carvalho Larcher Pinto

Palavras-Chave
diário de bordo, escrita, experiência

O presente trabalho pretende compartilhar as reverberações de minha pesquisade


mestrado em minha prática docente, a partir do reconhecimento e da compreensão dopercurso
trilhado até o momento como artista-docente-pesquisador. Ou seja, oprofissional de Artes
(Cênicas) inserido no contexto acadêmico como docente, e queconjuga as atividades de
pesquisa, criação e magistério, segundo a A/R/Tografia - umamodalidade de pesquisa baseada
em Arte (DIAS; IRWIN, 2013).Tendo investigado durante o mestrado questões pertinentes às
estruturações dasencenações infantojuvenis atuais e o que elas expõem, identifiquei que a
metodologia deminha pesquisa se mostrou como um aspecto de dimensão relevante naquele
contexto.Fato este que me levou a não deixá-la apenas restrita ao segundo plano de
minhadissertação Inventariando “O Mensageiro do Rei” – reflexões e discussões acerca
doTeatro Infantojuvenil (2016).Ao trabalhar com os “documentos de processo” (SALLES,
2009) elaboradospela equipe de criação do espetáculo que era o foco de minha pesquisa, aferi
que estematerial poderia ser um potente recurso em situações de ensino-aprendizagem
queenvolvem a criação, configurando-se não apenas como aparatos para registro
oudocumentação das mesmas. Eles poderiam ser entendidos como recursos que
colaborampara o entendimento de outras instâncias intrínsecas à relação ensinar-aprender e
criarestabelecida entre discentes e docentes.Originados das anotações sobre acontecimentos
em trajetos de navegações, osdiários de bordo não são exclusivamente um instrumento
náutico para expediçõesmarítimas. São também a nomenclatura de uma espécie complexa que
reúne conjuntos de documentos de processos de criação, interligando indícios acerca dos
procedimentosde configuração do objeto artístico e da vida íntima de seu autor. Implicando a
superação da idéia de transferência de conhecimento em processosde ensino-aprendizagem e
criação, os diários de bordo vêm me servindo como umaliado pedagógico no contexto
educacional universitário, em que atuo. Por seremelaborações pessoais, não pensadas a priori

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como materiais para serem compartilhadas,estas brochuras trazem à tona um modo próprio e
particular de expressar o vivido e oimaginado por seus donos.Ao propor sua utilização nas
componentes curriculares que ministro, tenho aintenção de que os meandros do processo de
ensino-aprendizagem e criação individuaisnão se percam ao longo do tempo. Em uma viagem
em busca do conhecimento, entendoque, tanto docente, quanto discentes devem dar forma-
conteúdo, ou materialidade, aosrastros da memória das situações que vivenciam. E, ainda,
unir a estes, relatospensamentos, reflexões, devaneios...Para além de se estabelecerem como
índices de um percurso (único) de ensino-aprendizagem e criação e serem uma fonte para
pesquisas e/ou práticas pedagógicas –conforme os utilizei durante meu mestrado -, os diários
podem ser vistos ainda comouma espécie de criação de natureza diversa à do processo
documentado, como umcatalisador para as constantes (re)criações do sujeito, fazendo-o
refletir a partir de suas“experiências” (LARROSA, 2002), e, até mesmo, como instrumentos
de (auto)avaliação.Deste modo, “o saber da experiência” (LARROSA, 2002) é o conteúdo
centraldos diários de bordo, que, por meio das linguagens verbal e/ou não-verbal, revelam
edesvelam seu autor. Sendo este o discente ou o docente, seus registros podem ir, aolongo de
sua elaboração, deixando transparecer que junto ao fio da meada (assunto,tema) que
compõem os diários, questões relacionadas à essência do próprio autor sãoenunciadas,
demonstrando seu envolvimento com o foco de estudo e atribuindo a simesmo a característica
de ser um importante referencial para o material em questão. Quando na elaboração dos
diários o discurso verbal se torna o meio pelo qual oautor realiza seus registros, alguns
apontamentos podem ser feitos acerca da escritaacadêmica. Nos diários de bordo, ela encontra
uma possibilidade de se fazer mais fluida,como também romper com algumas das políticas de
linguagem que ainda perduram nas universidades. E, seu autor passa a se comportar como um
ensaísta, aquele que descobretudo à medida que anda, vivencia e/ou escreve. (LARROSA,
2003). Compreendo que escrever é um exercício, assim como, aperfeiçoar a escrita eexplorar
o estilo da mesma devem ser uma busca constante, pelo menos, do artistainserido no universo
do ensino superior. Por isso, parece-me que os diários de bordopodem ser um recurso útil
nesta empreitada, uma vez que possibilitam a exploração dacriatividade do artista, não
sistematizando obrigatoriamente suas reflexões em umpadrão de normas pré-estabelecidas,
que muitas vezes se fazem presentes em certasmodalidades de trabalhos acadêmicos.Como a
pesquisa se dá em meu próprio fazer pedagógico, este trabalho se utilizada observação de

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trechos de diários de bordo elaborados por mim e por estudantes emalgumas disciplinas que
ministrei recentemente, numa tentativa de reconhecer a riquezade conteúdo (memorialístico)
presente nos diferentes diários. E, mais ainda. Numatentativa de compreender até que ponto
as escritas contidas nos diários de bordo podemevidenciar os diferentes saberes da experiência
de discentes e de um docente quevivenciaram uma mesma situação de ensino-aprendizagem e
criação no contextoeducacional das Artes (Cênicas).

Referências bibliográficas

DIAS, Belidson; IRWIN, Rita L. (org.). Pesquisa educacional baseada em arte:a/r/


tografia. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2013.

LARCHER, Lucas. Inventariando O Mensageiro do Rei – reflexões e discussõesacerca do


Teatro Infantojuvenil. Dissertação de Mestrado em Artes, Instituto de Artesda Universidade
Federal de Uberlândia (UFU), Uberlândia, 2016.

LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. RevistaBrasileira de


Educação, 2002, n. 19, p. 20-28.
______. O ensaio e a escrita acadêmica. Educação e Realidade, 2003, v. 28,n. 2, p.
101-115.SALLES, Cecília Almeida. Gesto Inacabado – Processo de criação artística. 4.ed.
SãoPaulo: FAPESP/Annablume, 2009.

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TEATRO E CONTRA-HEGEMONIA: UM ESTUDO SOBRE O CAMPO DAS ARTES


CÊNICAS NO BRASIL DO SÉCULO XXI
Vicente Pereira Jr.

Palavras-Chave
artes cênicas, campo, contra-hegemonia

A relação entre teatro e política no Brasil ficou muito marcada pela atuação de grupos
teatrais dos anos sessenta do século passado, em especial aqueles que marcaram posição
contrária e combativa com relação à ditadura militar. As contribuições de tais grupos para a
popularização dos temas e das formas teatrais, para o pensamento crítico nas artes cênicas,
para a nacionalização dos textos e para a expressão cultural de extratos sociais subalternos
repercutem ainda hoje em boa parte do que assistimos nos palcos do país. Nesta segunda
década do século XXI, em um contexto de instabilidade política, de ocupação das ruas por
grandes protestos, sempre reprimidos por força policial de truculência superior a eles,
momento de acirramento de binarismos e de afloramento de posições conservadoras e
reacionárias na sociedade, a cena teatral encontra-se ocupada, em inúmeros exemplos, pela
crítica do sistema político na sua totalidade ou ainda por reivindicações de variadas vertentes,
passando pela melhoria dos serviços públicos, justiça social e cumprimento dos direitos
humanos (civis, econômicos, culturais). Nesse contexto, alguns coletivos de teatro e de dança
são constituídos em sua maioria (quando não exclusivamente) por representantes diretos de
grupos sociais marginalizados, tais como indivíduos residentes nas periferias, negros,
homossexuais. São artistas que, na maior parte das vezes, assumem o desafio e as dificuldades
de fazer cumprir na prática o lema “arte para todos”, mas que também reivindicam, através de
suas obras, o direito à expressão cultural da identidade. Grupos como Teatro da Laje, Cia.
Marginal e Cia. Abraço da Paz, no Rio de Janeiro; Treme Terra, Coletivo Negro, Os Crespos,
Teatro de Narradores, Coletivo Legítima Defesa, em São Paulo; e Coletivo As Travestidas, no
Ceará, têm alcançado relativos reconhecimento e espaço nas artes cênicas brasileiras. Em que
medida, as experiências pessoais, as performances e a insistência desses artistas em
permanecer atuantes interferem no campo das artes? Considero que as artes cênicas no Brasil
constituem um campo nos termos da sociologia de Pierre Bourdieu pois estabelecem códigos

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bastante específicos no que tange à análise e ao juízo crítico de seus artefatos, códigos esses
que não são facilmente decifrados pelo público leigo. Esta linguagem específica denota
fronteiras simbólicas, que delimitam “seu território, seus agentes, seus troféus, seus
mecanismos de ingresso e de exclusão” (BARROS, 2003, p. 30). Entendo então por campo
das artes cênicas, o espaço social ocupado por agentes - dentre os quais aqueles enfocados
neste estudo – que possuem interesses comuns, mas que dispõem de diferentes capitais
econômico, cultural e social. Neste campo, os indivíduos dotados de maior capital contam
com maior número e variedade de recursos para conservar posições de liderança, acabando
por definir regras para a participação. Também o pensamento do italiano Antonio Gramsci é
uma referência por ser um dos mais destacados, no âmbito do materialismo histórico, a tratar
da relação entre a dominação política e econômica e as expressões culturais e intelectuais das
diferentes classes sociais. Para ele, a produção artística e cultural não-hegemônica traz
consigo “uma série de inovações, frequentemente criadoras e progressistas, determinadas
espontaneamente por formas e condições de vida em processo de desenvolvimento, e que
estão em contradição com a moral dos estratos dirigentes, ou são apenas diferentes
dela” (GRAMSCI, 2011, p. 151-2). Esta compreensão trazida por Gramsci permite entender
as classes populares para além da condição de submissas, mas como indivíduos que
encontram na ação hegemônica certa utilidade para suas necessidades e que conseguem
realizar práticas independentes e “não funcionais” para a reprodução do sistema. Assim, a
teoria gramsciana aponta para interações mais complexas, onde as posições sociais não se
encontram fixadas para sempre. Minha hipótese é que as trajetórias daqueles grupos trazem
contribuições importantes para a ética do trabalho coletivo, para a construção dramatúrgica,
para a estética da encenação e para o trabalho do ator, daí o estabelecimento de uma
metodologia de pesquisa que se concentra no acompanhamento e na análise de seus processos
de criação e de seus artefatos, mas também suas trajetórias sociais e familiares e sua relação
com instâncias hegemônicas deste campo social específico. Busca refletir sobre o impacto
desses coletivos nas “regras” do fazer artístico no país, nas noções estéticas em vigor,
registrando e produzindo visibilidade sobre seu trabalho.

Referências bibliográficas

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BARROS, Clóvis de. A sociologia de Pierre Bourdieu e o campo da comunicação: uma


proposta de investigação teórica sobre a obra de Pierre Bourdieu e suas ligações
conceituais e metodologias com o campo da comunicação. Tese de doutorado. São Paulo:
Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, 2003.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Introdução, organização e seleção:


Sérgio Miceli. São Paulo: Perspectiva, 2005.

______. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. Tradução: Maria Lúcia
Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

______. Falando da sociedade: ensaios sobre as diferentes maneiras de representar o


social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2009.

______. A distinção: crítica social do julgamento. Tradução: Daniela Kern; Guilherme J. F.


Teixeira. Porto Alegre: Zouk, 2011.

CANCLINI, Néstor Garcia. A socialização da arte: teoria e prática na América Latina.


São Paulo: Editora Cultrix, 1984.

______. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP,
1997.

______. Gramsci con Bourdieu. Hegemonía, consumo y nuevas formas de organización


popular. Buenos Aires: Revista Nueva Sociedad nº 71, marzo-abril 1984, pp. 69-78.

GRAMSCI, Antonio. O leitor de Gramsci: escritos escolhidos 1916-1935. Carlos Nelson


Coutinho, organizador. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

MACHADO, Bernardo Fonseca. Iluminando a cena: um estudo sobre o cenário teatral


nas décadas de 1990 e 2000 em São Paulo. Dissertação de mestrado. São Paulo: Programa de
Pós-Graduação em Antropologia Social, Departamento de Antropologia, Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2012.

MORAES, Dênis de. Comunicação, hegemonia e contra-hegemonia: a contribuição


teórica de Gramsci. REVISTA DEBATES, Porto Alegre, v.4, n.1, p. 54-77, jan.-jun. 2010.

NEGRO, Coletivo. Negras Dramaturgias. São Paulo: Coletivo Negro, 2015.

TROTTA, Rosyane. A autoria coletiva no processo de criação teatral. Tese de Doutorado.


Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Teatro, Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro, 2008.

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O PRODUTOR-CRIADOR NO TEATRO DE GRUPO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA


CENA TEATRAL EM SÃO LUÍS
Alana Georgina Ferreira De Araújo, Narciso Laranjeira Telles Da Silva

Palavras-Chave
experiência, produtor-criador, teatro de grupo

A presente pesquisa busca investigar o papel do produtor dentro do teatro de grupo, e


analisar como este tem se configurado enquanto criador no processo de construção da cena
teatral. A pesquisa se dará a partir da análise da prática de grupos de teatro da cidade de São
Luís do Maranhão, onde nos últimos anos têm se configurado de modo a nos possibilitar uma
profícua e árdua reflexão no campo do teatro. Acepção de produtor-criador, ao qual nos
deteremos, a priori, está sendo entendida enquanto o integrante de um coletivo que, para além
de trabalhar na gestão e produção do grupo, marca decisivamente sua presença na construção
discursiva, criativa e estética de um grupo de forma objetiva. O movimento teatral em São
Luís há muito vem sendo constituído a partir da reunião de artistas que ora se agrupam por se
identificarem esteticamente, ora devido à necessidade de elenco das produções teatrais.
Dentro da variedade de grupos na cidade podemos perceber que determinados agrupamentos
se configuram de maneira a realizar um formato estético único além de determinar suas
escolhas e propostas cênicas. Conforme Santos (2013, p. 54), que ao realizar um estudo
acerca da transgressão do teatro no Maranhão nos diz que, “o novo movimento teatral
ludovicense é decorrente do crescimento do teatro experimental e de pesquisa, da
investigação sobre a cena contemporânea e da necessidade de os artistas debaterem”. Isso
acarretou nos últimos anos uma nova configuração nos modos de organização dos grupos de
teatro da cidade. A pesquisa, em termos de teoria e prática, enquanto elemento constante nos
grupos, sobretudo com o advento do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal
do Maranhão no ano de 2005, vai se estabelecer, decisivamente, nos grupos de teatro
ludovicenses. Nesse sentido, esses grupos começam a apresentar algumas características que
se coadunam com uma vertente teatral contemporânea, o que alguns pesquisadores e até os
próprios grupos se autodefinem, de “Teatro de Grupo”; muito embora “ainda não exista um
modelo claro dos procedimentos que o definem”. (COHEN, 2010, p. 26). Porém, segundo

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Carreira e Oliveira (2003, p.95), atualmente o conceito teatro de grupo está diretamente ligado
a “manifestações teatrais que se definem pelo uso do treinamento do ator, pela busca da
estabilidade do elenco, por um projeto de longo prazo e pela organização de práticas
pedagógicas”. Perpassando por esse raciocínio, alguns grupos da capital maranhense possuem
essas características, além da preocupação formação de seus membros. A participação do
produtor como criador da obra, particularmente, tem interferido nas suas resultantes estéticas,
onde a partir de um longo processo de treinamento dos atores, bem como as discussões
teóricas e intercâmbios com grupos de outras localidades do Maranhão e do Brasil vai instituir
um novo fazer teatral na cidade. A pesquisa ora proposta advém de nossa experiência dentro
do Núcleo de Pesquisas Teatrais Rascunho grupo de teatro da cidade de São Luís, que
demonstra em seus processos, que o produto final apresentado no palco, é influenciado
também pela participação do produtor que está para além da organização estrutural e
financeira do coletivo, bem como em determinados momentos vai se modificando conforme a
participação efetiva ou não dos demais membros nos projetos. O produtor contribui para a
construção das obras deste coletivo participando de reuniões, ensaios e atividades que
influenciam na tomada de decisões para a criação artística, pois nesse caso o produtor faz
parte do coletivo. Como dito acima, os alguns grupos de teatro ou “Teatro de Grupo” na
cidade São Luís, optam por desenvolver perspectivas cênicas variadas, com propostas, quando
comparadas, que dialogam com certas vertentes teatrais. Ao levar em conta a pertinência das
circunstâncias apresentadas, nos questionamos: como a relação do produtor-criador influencia
na estética do grupo? Qual é o papel do produtor dentro do teatro de grupo? Na criação, quais
os níveis de relação estabelecidos entre os membros na composição de seus espetáculos?
Quais são as metodologias utilizadas nas produções dos trabalhos? Existe uma identidade
construída pelo grupo a escolher trilhar certos caminhos e não outros? É possível estabelecer
caminhos na resultante cênica do grupo que podem ser colocadas pela não unanimidade de
ideias dentro do grupo e como? A partir desses questionamentos e contextos, queremos com
esta proposição investigativa realizar um debate em torno do produtor-criador dentro do
Teatro de Grupo onde a comunidade artística e acadêmica do Maranhão e demais localidade
do Brasil, possam vislumbrar e aprofundar o fazer teatral ludovicense. Portanto, é com o
objetivo de analisar o papel do produto-criador no contexto do teatro de grupo em São Luís
que visamos ampliar a reflexão e observância dos desafios da produção teatral brasileira.

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Realizaremos ao longo da pesquisa uma discussão sobre o produtor-criador e uma análise da


forma de como alguns agrupamentos de artistas, que por ora podemos denomina-los de Teatro
de Grupo. Através de uma abordagem qualitativa analítica e descritiva, buscamos ensejar uma
discussão pormenorizada acerca do objeto em questão. Conforme os indicativos que nos
levaram a esta investigação tal corrente teórico metodológica nos embasará para assim, dar
luz às nossas conjecturas. O método qualitativo analítico e descritivo é uma linha
investigativa que proporciona uma interação propícia para observar as distintas posturas
diante dos tratamentos dos dados colhidos na pesquisa. Esse posicionamento metodológico
pode ser pensado da seguinte forma, segundo Oliveira (2014): [...] é o que defende o estudo
do homem, levando em conta que o ser humano não é passivo, mas sim que interpreta o
mundo em que vive continuamente. [...] o estudo da experiência humana, entendendo que as
pessoas interagem e constroem sentido. (OLIVEIRA, 2014, p. 02-03) Conforme Vilela Junior
(2014) um dos principais objetivos da pesquisa qualitativa é a interpretação do fenômeno
observado. Observar os grupos e o movimento teatral ludovicense e perceber suas paulatinas
transformações não são tarefas fáceis, pois o olhar que queremos refletir nesta pesquisa a sua
causa, muito provavelmente, pode ser atribuído à nossa experiência em um contexto de um
grupo, que a partir deste se estende aos demais na cidade.

Referências bibliográficas

CARREIRA, A. OLIVEIRA, André L. A. N e Valéria Maria de. Teatro de Grupo: modelo


de organização e geração de poéticas. In: O Teatro Transcende. nº 12 – ano 2003.
Blumenau/SC.

SANTOS, Abimaelson Pereira. Transgressões Estéticas e Pedagogia do Teatro: o


Maranhão no século XXI. São Luís, MA: EDUFMA, 2013.

COHEN, Samantha Agustin. Teatro de Grupo: trajetórias e relações impressões de uma


visitante. Joinvile, SC: Editora Univille, 2010.

VILELA JUNIOR, Guanis de Barros. Pesquisa qualitativa. Disponível em: <http://


www.guanis.org/metodologia/a pesquisa_qualitativa.pdf>. Acesso em: 23 ago. 2016.

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CORPOS DANÇANTES ENTRE POÉTICAS E POLÍTICAS: UMA


EXPERIMENTAÇÃO
Daniella Nery, Kátia Maria Kasper

Palavras-Chave
corpo, ensino, experimentação

Quando a vida se entrelaça intensamente com a dança e a dança com a vida,


cruzamentos densos provocam vibrações e estados de escuta, de deslocamento, de suspensão.
Vida dança. Processo e vida da pesquisadora, afetada e afetando neste percurso investigativo.
Quando eu-corpo exposto e disponível às afetações do mundo abre-se, o caminho para uma
dança que modifica e se permite modificar. Transgride aos pensamentos tão engessados ainda
muito resistentes vistos no ensino da dança. Corpo mundo. Como criar uma dança que
impulsione o pensamento e as vontades, articulados em uma vibração de risco e criação em
diálogo com o mundo? Tremer. Existe um constante tormento que mobiliza dispositivos na
emergência de investigar, desatar nós, tecer com o outro. Existem inquietações sobre o pensar
e o fazer dança, em um pulsante desejo em investigar quais caminhos possíveis nós
educadores/artistas da dança podemos percorrer. Continuar. A pesquisa Corpos dançantes
entre poéticas e políticas: uma experimentação visa traçar linhas de conexão entre a dança, a
escola e a vida transbordando a seguinte questão: Que corpos são esses no processo de pensar,
fazer e criar dança? Em um diálogo dançante com Gilles Deleuze e Félix Guattari provocar
encontros rizomáticos, entre devires e experimentações. Neste pensar dança como modo de
existência, em um contra discurso do hegemônico, da cópia/execução, que gera quebras de
estereótipos e pensamentos engessados, sugere e potencializa a existência e disponibilidade de
um corpo poroso. Atravessar. Não um pensar em reconhecer o que já se conhece, uma
reafirmação do mesmo e sim pensar como um encontro, o arrancar das categorias
costumeiras, das normatizações. Sem dúvida é um pensar desconfortável. Risco. A pesquisa
em andamento, iniciando o processo da observação, do olhar e produção de dados, pretende
cartografar os processos que envolvem jovens estudantes de um projeto de dança de uma
escola pública estadual localizada em Curitiba, no Paraná. Acompanhar este processo de fazer
e refletir as possibilidades destes corpos criadores. Criar potência no fazer colaborativo e

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desestabilizador do pensar e fazer dança no coletivo e não em uma hierarquia professor-


estudante e /ou eu sei e você executa me leva e me eleva a pensar: O que transborda? O que
fica? O que atravessa? O que mistura? Escutar. Criar uma atmosfera no encontro. Cartografar,
criar mapas de afetos. “O mapa não reproduz um inconsciente fechado sobre ele mesmo, ele o
constrói. Ele contribuiu para a conexão dos campos, para o desbloqueio dos corpos sem
órgãos, para sua abertura máxima sobre um plano de consistência” (DELEUZE; GUATTARI,
2011). Fica inseparável corpo e mundo, vida e dança. Este borrar de fronteiras em
movimentos de fuga, criando algo novo em deslocamento, provocando imersões em outros
territórios e desencadeando a quebra do mecânico, do positivista. Na vida-dança “Essa
movimentação absorve fronteiras, cria um outro espaço de atuação e permite um fluxo de
continuidade entre diferentes modos de perceber e dialogar no mundo” (SETENTA, 2008).
Este normativo, ainda presente em muitos pensamentos e modos de ensinar de dança, não
desestabiliza, não interfere, não perpassa, não desloca. Como Deleuze e Gattari nos
provocam, temos que fazer rizoma, aumentar nosso território por desterritorialização.
Percebe-se a urgência da promoção da circulação de ideias, de posicionamentos e
acionamentos na desnaturalização de corpos robóticos e obedientes. Pensando com Kátia
Kasper (2011) “O corpo tem a potência de escapar. A subjetivação acontece com linhas
infinitas de disciplina. O dispositivo de poder busca classificar a subjetividade, mas o corpo
escapa, inventa novos modos”. Vibrar. O fluxo, o reexistir, o entre no processo de vir a ser o
outro. Como sobreviver, resistir com este pensamento de dança que não está deslocado de
toda a relação com o ser e estar no mundo? Corpo devir. Este pensar-fazer dança acredita num
pensamento voltado para a diversidade, explorando o potencial criativo pessoal e coletivo, os
diferentes suportes para a comunicação, o poder do compartilhamento de ideias e ideais. Que
na multiplicidade, na realidade de um mundo e conhecimentos múltiplos são geradas
conexões, interconectados como numa teia, um rizoma onde não existe uma hierarquia,
rompimento, onde não identificamos o início e o fim, onde suas ligações não são definidas,
com encontros imprevisíveis. Quando vamos ao encontro de estruturas rígidas, formatadas,
estamos caminhando ao aprisionamento e o rizoma vêm quebrando esta forma, ele é
movimento e se abre, ele explode e reverbera em diferentes direções, em linhas de resistência,
na inter-relação, nos encontros e desencontros, nas rupturas e conexões. Intensidade. Deleuze
e Guattari (2011) apontam que uma das características mais importantes do rizoma talvez seja

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a de ter sempre múltiplas entradas. Uma série de conexões de sentidos realizados pelos
estudantes são tecidas e ressignificadas. Caracteriza a educação inserida no seu tempo, e que,
portanto, é capaz de tecer o conhecimento, capaz de produzir grandes transformações sociais,
políticas, econômicas e culturais. A cartografia é a metodologia acolhida pois está em sintonia
com as relações e o percurso da pesquisa, o acompanhamento de processos inventivos. Ela
encaminha ao contato entrelaçado com o processo, tecendo um corpo pesquisadora, que
também é aberto e que caminha junto à pesquisa. A cartografia traz o olhar que capta os
cruzamentos que surgem no processo, as afetações, proporciona o registro não como simples
seleção de informações, traz o registro como criação. “A política da escrita deve incluir as
contradições, os conflitos, os enigmas e os problemas que restam em aberto. ” (PASSOS;
KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015). A composição traz as vozes da pesquisa para o texto, nos
apresenta diferentes texturas em uma criação/escrita potente, viva, que respira e que está
realmente nos entres, nas idas e vindas da pesquisa, carregada de afetos e afetações presentes
e tecidas no processo. Ainda no processo inicial de pesquisa Corpos dançantes entre poéticas
e políticas: uma experimentação já é perceptível o intercâmbio permanente do corpo, dos
afetos, dos acasos, das dúvidas deslizando para uma organização complexa do corpo
interligado com o meio. O corpo que é este lugar do encontro, onde são acionadas outras
formas de agir frente às experimentações.

Referências bibliográficas

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 1. Vol. 1. 2ª


Edição. Tradução Ana Lúcia de Oliveira, Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa — São
Paulo: Editora 34, 2011.

KASPER, Kátia M. Dos corpos sentados aos gestos em fuga: estatutos dos corpos em
processos de formação. Revista da Faculdade de Educação. Ano IX n.15, Jan/Jun., 2011.

PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana da. (org.). Pistas do método da
cartografia: Pesquisa- intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina,
2015.

SETENTA, Jussara S. O fazer-dizer do corpo. Dança e performatividade. Salvador:


EDUFBA, 2008.

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POÉTICAS: GRUPO DE PESQUISA COMO ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DE


CONHECIMENTO
Gabriel Ângelo De Luna Silva, Rani Lessa

Palavras-Chave
Análise do movimento, pesquisa, poética

Este artigo visa refletir os processos dos alunos Gabriel Ângelo de Luna Silva e
Ranielle Ferreira Lessa no Grupo de Pesquisa Ritmo do Ator/Atriz na Cena Teatral, com
orientação da Prof. Dr. Andreia Paris. Ambos os processos surgiram na disciplina Processo de
Encenação I, disciplina do sexto semestre do curso de Licenciatura em Teatro, sob a
orientação do Professor Me. Luiz Renato Moura, no primeiro semestre de 2017, também
ganhando espaço no Grupo de Pesquisa Ritmo do ator/atriz na Cena Teatral, espaço em que
nos permitiu o caráter de processo, continuidade e fluxo continuo, concomitantemente ao
Programa de Iniciação Científica - PIBIC/URCA na qual somos bolsistas. As pesquisas em
questão encontraram nestes três espaços possibilidades de estudos, discussões e
experimentações. Vale salientar que ambas as pesquisas fazem parte apenas de uma pequena
parcela do que é desenvolvido dentro do grupo, sendo assim, focaremos nos processos
individuais desenvolvidos por cada aluno e sua relação com o grupo de pesquisa. Cada um
dos integrantes pôde assim trazer suas pesquisas, ainda que em processo de amadurecimento
da questão, para dentro do grupo. Primeiramente como território de discussão, ampliando para
orientação e experimentação. Temporalmente os estudos iniciaram no primeiro semestre de
2017. Os trabalhos contém em si um resultado cênico, fruto das primeiras experimentações:
Ausência e Encaixotadas. Entendemos estes resultados cênicos como base primeira de uma
poética, que necessita também de expansão. Ausência traz em seu processo de criação dois
pontos significativos para discutirmos: a primeira, o movimento criado a partir do jogo com a
máscara expressiva; e a segunda, a análise deste movimento, dividindo-o em partes,
descobrindo os seus micro-movimentos. Neste período a vivência e orientação acerca da
análise do movimento foram fundamentais no processo criativo, explorando as articulações,
(PARIS, 2010), entendendo-a como primeiro ponto a ser trabalhado no estudo do movimento.
Após isso, a partir dos estudos dos textos de Lecoq, analisamos o processo inicial com as

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máscaras, na qual buscamos (LECOQ, 2010), tocar e senti-las, com intuito de estabelecer as
primeiras relações com os atores/atrizes, para que assim pudessem surgir os movimentos. A
partir também dos estudos de Meyerhold (CHAVES, 2001), passaremos a estudar cada
mínimo detalhe, explorando dinâmicas, procurando entender como esse movimento é
realizado, suas variações rítmicas e suas nuanças. Encaixotadas, parte do silêncio, o silêncio
não apenas entendido como ausência de voz, ou ruído, mas na perspectiva Cageana, que
estudou esta temática a maior parte da sua vida. Para John Cage som e silêncio não se opõem
se interpenetram, descobrindo desse modo que o silêncio não existe (HELLER, 2008). Nessa
perspectiva a cena Encaixotadas surge de questionamentos: Como criar a cena a partir do
silêncio? Como seria um corpo silencioso? Existe uma palavra silenciosa? Nos ensaios a
intensão era buscar as formas de silêncio, a caixa, um elemento presente na cena, era o meio
pelo qual provocava as atrizes para a criação e a busca desse silêncio que veio como forma de
solidão na cena apresentada. O silêncio ainda é uma busca, pois não existe apenas um tipo de
silêncio, existem vários e é nessa busca que a pesquisa se desenvolve. Diante das cenas
pensadas e construídas ao longo do primeiro semestre de 2017, percebemos pontos que se
entrecruzam das nossas pesquisas. Se pensarmos em silêncio e ausência juntos, percebe-se aí,
a primeira impressão de que são quase sinônimos. No entanto, o silêncio é pensado como a
presença invisível de algo, e a ausência como a falta de, e nessa perspectiva se opondo.
Contudo o ponto comum é que nossas cenas possuem uma composição rítmica, tornando as
cenas menos linear, embora esse também seja um ponto da pesquisa que ainda está em
processo. Vale destacar que na Universidade Regional do Cariri-URCA, e mais
especificamente no Centro de Artes Maria Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau, no curso de
Licenciatura em Teatro haviam poucos grupos de pesquisa relacionado a questão do trabalho
do ator e da atriz, e esses poucos grupos que tinham estavam parados, retornando e surgindo
novos grupos somente nesse primeiro semestre de 2017. Nesse viés é válido destacar a
importância que um Grupo de Pesquisa possui para a formação do estudante nas
Universidades. A pesquisa nos levam a refletir nossa prática enquanto artistas, professores e
pesquisadores. Encontramos então, o espaço do jogo, da experimentação poética, estas ainda
que em processo de maturação/gestação.

Referências bibliográficas

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CHAVES, Yedda Carvalho. A biomecânica como princípio como princípio constitutivo da


arte do ator. Tese de Mestrado Apresentada ao Departamento de Arte e Cicência da Escola
de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 2001.

HELLER, Alberto Andrés. John Cage e a poética do silêncio. Tese apresentada ao Curso de
Pós-Graduação em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina, 2008.

LECOQ, Jacques.O corpo poético: uma pedagogia da criação teatral I. Jacques Lecoq;
com a colaboração de Jean -Gabriel Carasso e de Jean Claude Lallias; tradução de Marcelo
Gomes. - São Paulo: Editora Senac São Paulo: Edições SESC SP, 2010.

PARIS, Andreia Aparecida. A escuta do sussurro: percepção e composição do ritmo no


trabalho do ator. Dissertação. Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC. Santa
Catarina, 2010.

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CONECTIVIDADES: UMA RELAÇÃO CORPO-ESPAÇO


André Sarturi, Fausto De Lima Pereira Ribeiro, Flavio Lima , Holly Cavrell, Raíssa Caroline
Brito Costa, Sandra Parra.

Palavras-Chave
Conectividade, receptividade, espacialidade.

“Conectividades : uma relação corpo-espaço” se caracteriza por ser uma comunicação


teórico-prática que apresenta questões relativas à recepção do público, participação,
envolvimento e intimidade no ambiente da produção de experiências artísticas. Tanto a prática
quanto a teoria se atravessam na busca de um estado coletivo de “fazer junto” entre
proponentes e público participante. Este estado constrói-se por meio de estratégias de convite
à participação do público e, no caso da presente comunicação, será feito dentro de acordo
prévio e em parceria com os outros participantes da mesa. A primeira estratégia de convite,
chamada aqui de Look, don’t Touch, parte da recepção ao público em um ambiente formal e
contraparticipativo, ainda que estranho ao usual de uma mesa de comunicação. O público é
levado então a se deslocar em função de uma intervenção, enquanto ouve sobre o estado de
espectador como elemento cultural. A intervenção proposta por alguns dos integrantes visa
abordar a relação corpo-espaço, refletindo fatores que versam sobre a influência do espaço na
composição, os riscos dos performers ao se disporem a criar em locais que propiciam
dificuldades inesperadas e, ainda, sobre as possíveis formas de resolução destes imprevistos e
relações que o espaço pode suscitar aos intérpretes. A reflexão incitada pela intervenção parte
do pensamento de TAKAHASHI (2010), para quem o espaço não existe por si só, mas pode
ser compreendido a partir da perspectiva do sujeito que o observa, sendo então corpo e espaço
duas entidades que estão em constante troca. Desta forma, podemos intuir que o simples fato
de observar o espaço já permite uma mútua transformação, tanto do observador quanto do
local observado, e essa troca possibilita inúmeras confluências entre corpo, espaço, transeunte
e espectador. Após a intervenção, procura-se aprofundar a reflexão sobre a questão da
participação e implicação do público, principalmente a partir de Justino (1998), sobre 4 tipos
de participação do público em relação a obras artísticas: a contemplação passiva, que se
caracteriza pelo fato da obra não exigir nada do espectador, de forma que não há choque entre

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ele e a obra, apenas contemplação e uma suposição de consenso; a contemplação ativa, que se
apresenta como uma experiência na qual o espectador é provocado a sair de seu local de
conforto e a buscar novas referências (seja dentro de si, seja no entorno cultural) para poder
acessar a obra; a contemplação emotiva, que se dá pela provocação ou evocação do artista à
participação do público, com um caráter muito mais de obediência do que de participação
propriamente dita, como acontece em shows de rock, em que o músico pede para a plateia
gritar e bater palmas; e, por fim, a contemplação experimental, que acontece quando a obra é
pensada de tal maneira que ela só se dá com ação direta do público e, sem essa participação, a
obra perde seu sentido – como se pode ver nos Parangolés de Hélio Oiticica, por exemplo.
Para além desses quatro tipos de participação, temos um outro tipo, que podemos chamar de
compositiva, proposta pelo artista português João Fiadeiro (FIADEIRO, 2012). Neste
contexto, o público é agente compositor da obra, e as relações não são estabelecidas a partir
de uma suposição de consenso entre os participantes, mas sim mediadas em suas relações de
dissenso. Como estudo de caso dessa relação, citamos a ação/acontecimento/espetáculo
“Soturnos e Latindo Alto” (2016), que teve como ponto de partida o desejo de fazer do espaço
urbano um campo de experimentação artística. O que foi compartilhado com o público
resultou da imersão do Grupo Os Profiçççionais, através de criação coletiva, com habitantes
de bairros “esquecidos” da cidade de Ribeirão Preto-SP. A ação, em uma zona periférica de
Ribeirão Preto, local rodeado de indústrias e de pessoas “invisíveis”, se propõe a fazer notar o
quanto estamos desertados do olhar do Estado, ou melhor, como fomos esquecidos por ELE.
Ainda assim, antes que a ação em si pudesse estrear, o “poder paralelo” da região negou
permissão para a execução do espetáculo, submetendo a equipe de produção a um processo
organizado, conhecido como “tribunal do júri” – sendo um dos motivos, mas não o único,
dentro de um longo e complexo raciocínio cabível a uma comunidade que precisa lutar com
seus próprios meios e suas próprias armas para sobreviver, o fato de o programa do espetáculo
conter a logomarca obrigatória do Estado de São Paulo (já que havia sido contemplado com o
apoio da Secretária de Estado da Cultura de São Paulo). Neste universo, o Estado é o inimigo,
e eles não só não queriam ter nada a ver com ele, como também não podiam confiar em quem
tivesse. Ao fim, o grupo decide seguir a orientação dos líderes da comunidade, mudando
algumas premissas do espetáculo, em nome da segurança de toda a equipe, mas também em
respeito a um espaço e a um universo que não lhes pertencia, e que não lhes cabia julgar. Este

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caso nos obriga a refletir que, como coloca SANTOS (2008), os espaços possuem história, e
se constituem de elementos fixos e fluídos que potencializam todo o processo do artista que se
disponibiliza a estar nos locais da cidade, permitindo-se desta forma ser influenciado e ainda
agregar ao seu corpo potencialidades que somente esta relação corpo-espaço propicia. Isso
também nos faz lembrar de BRITTO (2013), quando diz que a cidade é um campo de
processos em que o corpo está co-implicado, e a experiência urbana fica inscrita no corpo
daquele que experimenta. Um corpo – um artista – que atravessa e se permite ser atravessado
pelo lugar potencializa as descobertas de processos sensíveis e criativos em relação com
lugares específicos, gerando novas possibilidades de corporeidade, as quais não são acionadas
somente por meio das respostas automáticas do corpo cotidiano, mas pelos diálogos e criações
de resistências sociopolíticas, entre o artista e o lugar que ele se propõe ocupar.

Referências bibliográficas

BRITTO, F.D. A ideia de Corpografia Urbana como pista de análise. Redobra, Salvador,
EDUFBA, n.12, ano 4, 2013.

FIADEIRO, J. EUGENIO, F. O encontro é uma ferida: excerto da conferência-


performance “Secalharidade”. Culturgest, julho de 2012.

JUSTINO, M. J. Oiticica: Modernidade e pós-modernidade em Hélio Oiticica. Curitiba:


Ed. UFPR, 1998.

SANTOS, M. A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4.ed. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2014.

TAKAHASHI, J. Dimensões do corpo contemporâneo. In: GREINER, C.; AMORIM, C.


(Orgs.). Leituras do corpo. 2.ed. São Paulo: Annablume, 2010.

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CARTOGRAFIAS DE POÉTICAS ENTRE CORPOS-CIDADE


Dora De Andrade Silva, Vinicius Da Silva Lírio

Palavras-Chave
corpo-cidade, intervenção urbana, performatividade cênica, poéticas híbridas

Essa investigação nasce e é atravessada por percursos criativos e propostas cênicas


que são frutos de uma rede dialógica, polifônica e intersubjetiva, reflexo de experiências
diretas dos pesquisadores com diferentes poéticas. Estas, por sua vez, rompem com
segmentações e dicotomias convencionais obsoletas entre a prática artística e a pedagógica,
bem como, entre o(a) ator/atriz ou o(a) bailarino(a) e o performer, o teatro e/ou a dança e a
performance e a intervenção urbana e/ou outras manifestações culturais espetaculares (PAVIS,
2010), entre arte e vida. Desses interesses em comum é que surgiu essa pesquisa teórica
docente, em desenvolvimento, num formato interinstitucional, entre dois artistas-professores-
pesquisadores. A partir de suas vivências e inquietações multifacetadas em poéticas marcadas
por deslocamentos, trânsitos, (des)territorializações e por todas as dinâmicas instáveis
implicadas nisso, busca-se mapear possíveis articulações e inscrições entre corpos e espaços
urbanos, em atravessamentos mútuos entre fluxos e enunciações integrantes e integradoras
desses lugares. Essas experiências encontram eco em perspectivas como as que são levantadas
por Féral (2015) naquilo que ela entende como “performatividade cênica” e “teatro
performativo”, acerca do que ela elenca alguns elementos: o trânsito do ator ao lugar de
performer, o esgarçamento da representação ou de um pretenso “jogo de ilusão” em prol
descrição dos acontecimentos da ação e/ou estruturação de situações cênicas, enfoque na
construção de imagens e desenvolvimento de ações, tirando o eixo do texto dramático,
demanda de outros modos de receptividade e integração do espectador. Essas articulações,
que são, ao mesmo tempo, procedimentais e estéticas, criam campos intersticiais para criação,
sublinhando algo inerente à poética, onde prevalece uma dinâmica de trocas. Assim, nas
poéticas vivenciadas pelos pesquisadores, são reconhecidos traços de algo que Schechner
(2013) já sinalizava nos estudos da performance: o modo como os dramas sociais, nesse tipo
de articulação entre os domínios artísticos e culturais, afetam a dimensão estética,
reciprocamente, num movimento de interação social inerente. No caso das experiências

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deflagradoras da pesquisa, essa rede é agenciada pelo corpo na relação com espaço-tempo que
atravessa e pelo qual é atravessado. Isso diz respeito ao princípio do “corpomídia”: o corpo
como resultado de agenciamentos, negociações e mediações entre informações e referências
internas e externas, num ciclo de trocas com o que o cerca (GREINER, 2005). No contexto
dessas poéticas, surge, também, a demanda determinante de uma percepção, como sugere
Barja (2015), do espaço, de tudo que o atravessa e suas múltiplas enunciações. Logo,
considerando o suporte/cidade e o “interator” da ação artística, é preciso abordar o espaço
urbano em toda a sua complexidade, seu percurso histórico, sua lógica sócio-espacial, sua
geografia física e humana. Essas dimensões devem se articular com os elementos, os
conceitos e processos implicados no projeto artístico-cultural da outra dimensão que é
inerente aos processos provocadores dessa pesquisa, a intervenção urbana. Esse olhar
demanda considerar sujeitos, fluxos diversos, a arquitetura, as culturas e outros fenômenos
presentes nesse espaço. Com essas dimensões em vista, o corpo será abordado como potência
expressiva que transita e reformula estes espaços, embaraçando os limites entre linguagens/
expressões/manifestações na criação cênica. Configura-se, assim, como um território “entre”,
um território de trânsito quando em construção do estado cênico, e, por isso,
desterritorializado, ao mesmo tempo em que se encontra engajado e atento a si mesmo, ao
outro e ao meio. À luz dos princípios norteadores que vêm sendo elencados, essa investigação
fricciona elementos da pesquisa artística do Núcleo Fuga!, laboratório prático de pesquisa em
Artes Cênicas, vinculado ao LUME Teatro - UNICAMP, do qual a Prof. Dra Dora de Andrade
faz parte, e da poética da encenação Ruína de Anjos, da Outra Companhia de Teatro, de
Salvador-BA, da qual o Prof. Dr. Vinícius Lírio é criador, encenador e preparador de elenco.
Alguns princípios, dispositivos e/ou elementos dessas investigações e processos artísticos
encontram-se numa poéisis de desterritorializações, de transformação do cotidiano em poesia,
do belo no “banal”, numa busca de desconstrução do sentido unívoco, do reforço ao plural e
do ambíguo, dos deslocamentos de sentido(s) da cena. Os lugares de pesquisa, experiências e
experimentos poéticos dos pesquisadores dialogam em propostas nas quais a inscrição mútua
corpo-cidade se constrói na fragmentação, no paradoxo, na sobreposição de significados e
significações, nas múltiplas textualidades, na fricção entre real e ficção. Diante disso e do
reconhecimento dos lugares fronteiriços dos pesquisadores, também como artistas-criadores,
para essa pesquisa, vem sendo desenvolvidas sistematizações, análises, reflexões e

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interpretações, considerando os “rastros” das poéticas (diários de bordo, registros


audiovisuais, anotações, rascunhos de escrituras, relatos de outros criadores, etc.), transitando
entre alguns procedimentos e princípios da Crítica Genética (SALLES, 2008), dos métodos
etnográfico e autoetnográfico (VERSIANI, 2005) e do método cartográfico (DELEUZE;
GUATARRI, 2000), reconhecendo sua força performática e incorporando saberes-fazeres,
afetos e atravessamentos desse processo e de seus sujeitos. Destarte, intui-se construir uma
cartografia dos dispositivos e procedimentos de construção das escrituras/escritas cênicas nos
lugares de criação desses sujeitos-pesquisadores, partindo da relação corpo-cidade, a fim de
mapear os vetores dessas poéticas - e suas cenas - marcadas pelo caos, pela esquizofrenia da
relação/criação entre o corpo e o urbano, inscritas no risco, nas inter-relações, nas mises en
situation ou em situação (FÉRAL, 2015), onde se instala o elo entre o performer - como
sujeito integral e integrado - objetos, espaços e corpos.

Referências bibliográficas

BARJA, W. Intervenção/terinvenção: A arte de inventar e intervir diretamente sobre o


urbano, suas categorias e o impacto no cotidiano. In.: Revista Ibero-americana de Ciência
da Informação, v.1, n.1, jul./dez. 2008, p. 213-218.

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora
34. 2000.

FÉRAL, J. Além dos limites: teoria e prática do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2015.

GREINER, C. O corpo: pistas para estudos indisciplinares. 2a ed. São Paulo: Annablume,
2005.

PAVIS, P. A encenação contemporânea: origens, tendências, perspectivas. São Paulo:


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SALLES, C. A. Crítica genética: fundamentos dos estudos genéticos sobre o processo de


criação artística. 3ª ed. Rev. São Paulo: EDUC, 2008.

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2013.

VERSIANI, D. B. Autoetnografias: conceitos alternativos em construção. Rio de Janeiro:


7letras, 2005.

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O TRÁGICO E A CENA CONTEMPORÂNEA


Carmem Gadelha

Palavras-Chave
tragicidade, linguagem, filosofia

Não me refiro à tragédia. Duvido de tentativas cristãs de ligar o trágico ao niilismo:


aniquilamento e ascetismo apontados por Nietzsche (1982) desde A origem da tragédia.
Procuro captar, nos gregos, processos dentro e fora do âmbito do gênero teatral. Acompanho
Benjamin (1984) sobre aspectos trágicos do drama barroco e suas heranças populares greco-
latinas e hebraico-cristãs. Trato arkhé (origem) em múltiplos tempos e espaços confrontados
com a contemporaneidade: mundo e arte contrariam paradigmas modernos, balizados pelo
Iluminismo e pela fundação das Ciências Humanas (FOUCAULT, 1992). A pesquisa alimenta
cursos do Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena (Escola de Comunicação/UFRJ);
gera participações em congressos, orientações acadêmicas e publicações. Movo-me entre
paradigmas: obra de arte total (Wagner); por outro lado, a desconstrução do espetáculo (texto
e cena) por Artaud: consequências sobre noções de corpo, espaço e tempo, tal como
articuladas a partir dos anos 1960. Habitamos entre os extremos desta oposição, questionando
a representação (DERRIDA, 1995; DELEUZE, 1994, 1997; DELEUZE & GUATTARI, 1996,
2012) e vendo-a sempre de retorno. Isto viveu e sofreu Artaud (GADELHA, 2013), em
combates ao que considerava clássico (Wagner, primeiros encenadores, obras-primas). Estudo
a expressão de hoje, vendo-a próxima de um coro. Filosofia e teoria do teatro aliam-se à
análise de espetáculos, constituindo o campo especulativo. A “festa” de Artaud (1985, 1987) é
disruptiva. Pressiona a narrativa teatral, a partir de seu outro: não-teatro que preenche o teatro,
circunda-o e mostra vazios plenos de teatralidade. Nos processos, articulações e
entrelaçamentos com a subjetividade. Potências trágicas transbordam da linguagem teatral; no
“fora”, dobras (DELEUZE, 1995), inclusive políticas, em tempos de globalização (HARDT &
NEGRI, 2001, 2005). Nas dobras, vazios: potência de engendramentos e incompletudes entre
territórios instáveis. Daí aos contornos (ou falta deles) do espetáculo atual; o coro é um
análogo das turbas dionisíacas anteriores à polis e à tragédia (DETIENNE, 1988). Nietzsche
(1982) vê, na tensão Apolo/Dioniso, a individuação/desindividuação que ainda não distingue

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trágico e cômico. A instauração do diálogo (logos partido) faz indagar sobre o que separa e
une singular e múltiplo. Coro e cena euripidianos vislumbram um mundo de harmonia, livre
de turbulências. Dão voz ao homem teórico (força crítica e desanimadora), em oposição ao
homem trágico, afirmativo e criador (NIETZSCHE, 1982). Esse ascetismo permitiu moldar
uma “moral de sacerdote” correlata à ressentida “moral de escravos”: apego ao passado que
impede viver o presente e vislumbrar futuros (NIETZSCHE, s.d.). A inépcia para a dor estirpa
a alegria e garante uma modernidade voltada para o cálculo, o conhecimento binarizado –
cabeça separada do corpo, rosto dividido em significância/subjetivação (DELEUZE &
GUATTARI, 1996) e sujeitado à dívida com Deus, inscrita no Livro (DELEUZE, 1997). Ética
e estética de catecismo dominam o Ocidente – falsa tragédia convertida em melodrama; o
corpo esquece-se das dores da (in)diferenciação e se torna-se histrionismo mimético
(NIETZSCHE, 1999). Ambições de “objetividade” tentam controlar o mundo produzindo
imagens de perfeição para apoiar o Estado soberano (SZANIECKI, 2007) e definir moral e
estética burguesas. Mas, Nietzsche (s.d) argumenta: em Kant, o entendimento sabe que seus
objetos são ininteligíveis. Em dobra, os opostos se tensionam, encontrando, na linguagem,
porções arcaicas. Um “excesso de sentido” transborda da paisagem e dos rostos. Entre
poderes e devires, desfazem-se dicotomias do tipo pai-filho (DELEUZE & GUATTARI,
1996). O coro agora é de bacantes: des-identidade que liberta a tragicidade. A ação clássica
tem suporte em duas retas coincidentes: princípio, meio, fim; causalidade e tempo
cronológico. Cadeias quebradas, afirmam-se sentidos opostos; o presente é indistinção de
passado e futuro (Aion). A “ação” tornou-se agir: verbo no infinitivo, cujos paradoxos são
potências de acontecimentos multidirecionais. Faltam “bom senso” (seta a indicar a “boa”
direção) e “senso comum”, que identifica o diferente sobre o pano de fundo do Mesmo
(DELEUZE, 1994). O corpo adota regime grotesco (proliferação de simulacros). A
personagem perde profundidade histórica e psicológica, assumindo espessura de simples
figura. Sem unidade de sentido, o espetáculo abriga trocas de posição atores-público, ainda
que no palco italiano “arborescente”. A reterritorialização na árvore – tronco dos paradigmas,
provedor de sentido para os ramos sintagmáticos – não retorna ao aristotelismo, porque se
mantêm potências de rostidade e paisageidade. Com Zé Celso, não há rostos, mas quase-
máscaras: corpos multidimensionais transmutando-se uns em outros. As páginas de Os sertões
são arrebatadas das unidades históricas. O rosto é uma política; desfazê-lo também é; as

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desterritorializações arrastam a arte para o a-significante e o a-subjetivo (DELEUZE, 1996).


Os sertões é (são) novamente trágico(s). Este trânsito se serve da tragédia para fugir dela em
todas as direções: tragicidade fundada em rizomas. Do ponto de vista político e da produção
capitalista globalizada, a pesquisa encontra, na analogia do coro com a multidão (HARDT &
NEGRI, 2005), a sustentação teórica que permite pensar a subjetividade fora de
determinações universais. Isto exige repensar o conceito de personagem dramática, num
futuro próximo. Tenho, para o momento, observações da expressão lírica a partir de um “eu”
que vive a separação/união com o “nós”, tal como mostra Nietzsche (1982) a respeito de
Arquíloco. Temos, hoje, em Michel Melamed e Denise Stoklos, máscaras que fazem e
refazem espaços entre a identidade de um “eu” que agrega múltiplos “eus” em dialogismo
(BAKHTIN, 1997). Não tenho a pretensão de prever resultados. Se o trágico não é eterno, sua
pesquisa, de minha parte, poderá ser.

Referências bibliográficas

ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. São Paulo: Max Limonad, 1985

______. Van Gogh, o suicidado da sociedade. Lisboa: Hiena, 1987.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984.

DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. São Paulo: Editora 34, 1997.

______. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 1994.

DELEUZE, Gilles & GUATARI, Félix. Mil platôs. São Paulo: Ed. 34, 1996, v. 3.

______. Mil platôs. São Paulo: Ed. 34, 2012, v. 5.

DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 1995.

DETIENNE, Marcel. Dioniso a céu aberto. Rio: Jorge Zahar, 1988.

GADELHA, Carmem. Corpo, espaço, tempo – indagações sobre poética do teatro. Rio:
Editora Aretê, 2013.

HARDT, Michael & NEGRI, Antonio. Império. Rio: Record, 2001.

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______. Multidão. Rio: Record, 2005.

NIETZSCHE. Origem da tragédia. Lisboa: Guimarães, 1982.

______. A genealogia da moral. Rio: Ediouro, s.d.

______. O caso Wagner: um problema para músicos / Nietzsche contra Wagner: dossiê de
um psicólogo. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

SZANIECKI, Barbara. Estética da multidão. Rio: Civilização Brasileira, 2007.

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CENAS GROTESCAS: ESTUDO COMPARATIVO ENTRE WOYZECK DE


BÜCHNER E DESENHOS DE GOYA.
Natália Ferreira Caruso

Palavras-Chave
Grotesco, trágico, Woyzeck, Álbum C.

Esta pesquisa, orientada pela Professora Carmem Gadelha, pretende desenvolver


questões a respeito do “grotesco” desde o século XIX até alguns de seus aspectos na pós-
modernidade. Utilizamos Wolfgang Kayser (1986) para definir o termo “grotesco". Georges
Minois (2003) compreende a sociedade a partir dos motivos que a fazem rir, ressaltando os
conceitos de tragédia e comédia, o coro grego e da duplicidade apolíneo/ dionisíaco apontados
por Nietzsche (2011). Estudaremos, ainda, Mikhail Bakhtin (2010. A escolha do século XIX
para embasar a pesquisa teórica está em concordância com o nascimento dos estudos
sistemáticos do grotesco. Pretendemos pensar a analogia entre a identidade do monstro e a do
grotesco. Se o monstro no século XIX era visto com um certo horror, no século XXI esse
“monstro” faz parte do nosso cotidiano e tensiona as noções de trágico e cômico. Poderíamos
ressaltar as fotografias de Arthur Omar (1997) em a Antropologia da face gloriosa, onde o
fotógrafo retrata faces carnavalizadas em movimento, expondo assim o lugar de “festa”, de
“comicidade” ou ainda de “terror” em que a figura do monstro se encontra hoje.
Diferentemente do Romantismo, o racionalismo iluminista desqualificou a experiência do
trágico, novamente posta em evidência a partir da segunda metade do século XX, isto
acompanha a criação do Estado Moderno. As ciências humanas pretendem delimitar o que é
próprio de um corpo que em tudo se separa da natureza animal, vegetal e mineral. Hoje, as
próteses digitais e as hibridizações novamente põem em causa a identidade do humano. As
novas tecnologias dão contorno as formas políticas da globalização. Retornando ao
romantismo, o grotesco e o trágico envolvem as obras em Woyzeck de Büchner e o Álbum C
de Goya. Falam dos abusos do estado em nome da religião e da ciência e apontam a violência
que Fernando Peixoto (1983) observa na qualificação de um indivíduo psiquicamente
desequilibrado, por um sistema opressor. Valeriano Bozal (2008) destaca a violência dos
desenhos do Álbum C, cuja brutalidade não provoca riso. Jorge Seca (2013) chama atenção

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para os aspectos caricaturais, próprios de Goya, na expressão de Büchner. A exploração


social, o romantismo, o simbolismo e o expressionismo; a “massa solitária” são temas
encontrados em estudiosos como Alexandre Mate (2012), Tércio Loureiro Redondo (2006),
Jeannnine Baticle (2003) e Anatol Rosenfeld (1968, 1985, 1993). Deles nos utilizaremos para
contextualizar personagens e obras. Compondo as noções de grotesco e monstruosidade,
inclui-se a loucura como delimitação da civilidade (FOUCAULT, 2010); observamos a
condição do homem como objeto de estudo das ciências humanas (FOUCAULT, 2000).
Nelas, os limites da razão e seu transbordamento encontram-se na mesma situação de desafio
epistemológico. Lembremos que a estética do grotesco assume pela primeira vez dignidade
com Victor Hugo (2014): o belo existe no ideal das heroínas de Shakespeare, porém o feio é
encontrado nas múltiplas possibilidades humanas. Nossa pesquisa propõe a identificação dos
elementos de linguagem que fazem ambas as obras serem consideradas grotescas. Ao lado
disso, cabe compreender processos sociais e de subjetividade. Goya pintou o Album C como
testemunho da violência do castigo exemplar. Goya e Büchner não são utilizados como meros
exemplos, mas enquanto modelos comparativos para uma abordagem crítica, com o objetivo
de observar aspectos de criação que estabeleçam jogos de semelhanças e diferenças entre as
obras. Roberto Machado (2014) faz importantes apontamentos sobre a obra de Foucault
(2014). Machado observa o caráter genealógico do trabalho do filósofo, onde se verificam os
entrelaçamentos entre saber e poder. Manifesta-se no grotesco um fenômeno mutável e com
múltiplas origens, ultrapassando as questões unicamente artísticas e assumindo indagações
relacionadas à amplitude e à complexidade do imaginário humano. Veem-se processos de
negociação e exclusão no estabelecimento de um conceito moderno do humano e do não-
humano e sua “desfronteirização” contemporânea. É preciso compreender que o grotesco
trabalha apoiado sobre três domínios: a criação, a obra e a recepção (KAYSER: 1986). Eles
são mutáveis no decorrer da história, bem como a maneira como compreendemos o grotesco.
Amplas razões teóricas levam a associar o trágico a cultura grega e dionisíaca. Disto
falaremos, voltando o olhar não especificamente para a tragédia, mas para as múltiplas
origens do trágico. Benjamim (2013) chama atenção para o barroco como expressão capaz de
nos fazer contemplar o trágico no interior da cultura hebraico-cristã: trata-se de ressaltar
situações de expressões ligadas à ancestralidade e às festas populares que articulam morte e
vida, trágico e cômico. Muniz Sodré e Raquel Paiva (2002) ajudam-nos a ver, na mídia

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contemporânea, manifestações do grotesco no século XXI. As ruas atuais apresentam “vilões”


sacrificados por “justiceiros” em cenas cotidianas. O desenho Que crueldad (Goya, 1814), o
rapaz que teve gravada em sua face a tatuagem “sou ladrão e vacilão” encontram-se na
mesma esquina histórica onde Woyzeck (a personagem verídica) foi decapitado. E por isso
torna-se importante observar exemplos da ressonância do grotesco do século XIX em figuras
da arte do século XXI.

Referências bibliográficas

BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média: o contexto de François


Rabelais. São Paulo: Hucitec, 2010.

BATICLE, Jeannine. Francisco de Goya. Madrid: Biblioteca ABC, 2003.

BENJAMIN, Walter. Origem do drama trágico alemão. Belo Horizonte: Autêntica Editora,
2013.

BOZAL, Valeriano. “Dibujos Grotescos de Goya”. In: ANALES de historia del arte. Madri,
Volume Extraordinário, 2008. Pag. 407-426.

FOUCAULT, Michel. História da Loucura. São Paulo: Perspectiva, 2010.

______. Microfísica do poder. Rio: Record, 2014.

______. As Palavras e as Coisas. Rio: Martins Fontes, 2016.

HUGO, Victor. Do grotesco e do sublime. São Paulo: Perspectiva, 2014.

KAYSER, Wolfgang. O Grotesco. São Paulo: Editora Perspectiva, 1986.

MACHADO, Roberto. “Introdução”. In: FOCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio:


Record, 2014.

MATE, Alexandre. “O grotesco em ‘Woysécks’”. In: Revista do LUME. São Paulo, v. 1,


2012, pp. 1-18.

MINOIS, Georges. História do riso e do escarnio. São Paulo: UNESP, 2003.

NIETZCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia. São Paulo: Editora Escala, 2011.

OMAR, Arthur. A antropologia da face gloriosa. São Paulo: Cosac Naify,1997.

PEIXOTO, Fernando. A dramaturgia do terror. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983.

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REDONDO, Tércio Loureiro. A Corda e o Travessão. São Paulo: USP, 2006 (Tese).

ROSENFELD, Anatol. Teatro alemão. São Paulo: Brasiliense, 1968.

______. O teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 1985.

______ Teatro moderno. São Paulo/Campinas: Perspectiva/Edusp/Unicamp, 1993.

SECA, Jorge. La caricatura goyesca en el Woyzeck de Büchner. Magazin, n. 21, 2013, pp.
28-33.

SODRÉ, Muniz; PAIVA, Raquel. O Império do grotesco. Rio: Mauad, 2002.

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O SILÊNCIO COMO ELEMENTO ESTÉTICO/POÉTICO DE PRÁTICAS


ARTÍSTICAS CONTEMPORÂNEAS
Ester Cunha

Palavras-Chave
cage, ruído, silêncio

Na contemporaneidade observamos diversos trabalhos artísticos que se utilizam do


silêncio como mote artístico/poético de suas composições. Essas proposições se dão em
performances, proposições, espetáculos de teatro, de dança e etc... Nessa pesquisa analisamos
em especial as práticas que envolvem a participação do público e que tem o silêncio como
elemento impactante nessa troca/contato. Nossa pesquisa tem como objeto a performance
Caminhada Silenciosa da artista paulista Vivian Caccuri, na qual o voto de silêncio é
fundamental para promover uma maior sensibilização dos sentidos dos participantes à
variabilidade de estímulos que esse deslocamento propicia. Nosso objetivo é apontar a
potência da utilização do silêncio na abordagem de distintos elementos dentro do contexto no
qual se inserem e os desdobramentos múltiplos dessa utilização. Temos como metodologia de
pesquisa a abordagem dos estudos de John Cage acerca do silêncio/ruído, bem como a
apropriação da realidade cotidiana, em contato com produções artístico contemporâneas que
se utilizam do silêncio em suas proposições. Em sua vasta obra Cage se utilizou da colagem
de sons, do acaso e da indeterminação. Sua investigação sobre as dimensões físicas e
psicoacústicas do silêncio e do ruído ocupam uma posição central em sua produção. Sua obra
icônica é a peça 4’33” (quatro minutos e trinta e três segundos), tempo em que a sonoridade
como tosses da plateia, seus movimentos na cadeira, ou seja, a expressão sonora de seu
desconforto, entre outros sons externos são ouvidos a partir da ausência de uma sonoridade
advinda do palco, produzida pelo pianista. Nesse caso a ‘produção’ é o próprio ambiente
sonoro. Em 4’33” Cage estava tratando da relação entre silêncio/ruído, na instância da
produção x ausência de produção pela figura do artista, mas estava primordialmente propondo
a incorporação de dados do cotidiano na arte. Com essa apropriação Cage se utilizava do
acaso como instância de arbítrio sobre o que soa, compreendendo que não havia como
controlar ou mesmo prever o resultado de cada apresentação, numa aproximação com o

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próprio fluxo de acontecimentos da vida cotidianos. Para Cage o propósito da música sem
propósito seria conseguido se as pessoas aprendessem a ouvir. Quando elas ouvissem,
deveriam descobrir que preferiam os sons da vida cotidiana àqueles que hoje ouviriam nos
programas musicais (CAGE, 2013). A obra 4’33” não é, portanto, uma negação da música, e
sim uma afirmação da onipresença sonora (NYMAN, 1999), numa compreensão tal qual os
hindus, há muito tempo, sabiam que a Música transcorria permanentemente e que ouvir era
como olhar por uma janela para uma paisagem que não deixava de existir quando parávamos
de olhar (CAGE, 2013). Na utilização do ruído e do silêncio em produções artísticas,
observamos que o silêncio é um elemento empregado em contextos diversos, visando
diferentes intenções. Sua presença é percebida em contextos políticos, em situações
espirituais com intuito transcendental, além de ser utilizado em contextos onde adquire
significados estéticos e conceituais, entre muitos outros. Assim como o vazio, na arte o
silêncio se fez presente em momentos em que se almejou algo a mais fazendo algo a menos. A
crítica de arte Susan Sontag afirma que o silêncio nunca deixa de implicar seu oposto e
depender de sua presença (SONTAG, 1987), o que evidencia que o silêncio, seja qual for o
contexto, está sempre lidando com um outro elemento. Sontag afirma que assim como o
silêncio não existe, também não existe o espaço vazio, já que na medida em que o olho
humano está observando, sempre há algo a ser visto. Olhar para alguma coisa que está vazia
ainda é olhar, ainda é ver algo. Nesse sentido, o silêncio surge como uma metáfora, com a
busca de algo a mais, e aparece então como pré-condição para uma “visão asseada” Essa
utilização metafórica é característica tanto da obra 4’33” de John Cage, quanto da Caminhada
Silenciosa de Vivian Caccuri. O silêncio no sentido de uma ruptura, como a abertura de
espaço para o novo proporciona um estado meditativo preparatório para o amadurecimento, e
pode ser analisado como uma tomada de consciência do ser. Acerca do silenciar da fala,
Sontag aponta que apenas após um momento de silêncio vem a consciência da palavra
proferida. Sontag está falando da dupla tensão a que está submetido o artista, tanto a nível
interno onde se confronta com suas emoções que, se são, por um lado, de difícil expressão, o
são, por outro lado, “bombas de tempo”, isto é, têm que imperativamente “sair para fora”,
tomar forma. Do lado externo, o artista tem a cobrança do público e a dificuldade do diálogo
(muitas vezes criador e receptor não estão sintonizados na mesma frequência). Essa angústia
interna e essa ruptura no diálogo conduzem ao silêncio. O silêncio do artista tanto é

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representado pela não-produção quanto pela produção de obras que intencionalmente, ou não,
não comuniquem (COHEN, 2002). Como praticante do Zen Budismo, Cage aprendeu com o
Zen a prerrogativa de que se algo está desinteressante depois de dois minutos devemos tentar
por quatro minutos, se mesmo assim continua desinteressante então devemos tentar por oito,
dezesseis, trinta e dois minutos, e assim em diante. Eventualmente se descobrirá que aquilo
não é entediante, mas muito interessante. (CAGE, 1973). Esse ensinamento diz sobre nossa
percepção, uma vez que nossas impressões não são fixas, mas mutáveis, nossa percepção
sobre um mesmo evento pressupõe variações em decorrência do tempo, mesmo que esse
tempo seja de dois minutos. O tempo age, nesse sentido, enriquecendo nossa experiência.
Dessa forma, Cage abordava o tempo em suas proposições como a possibilidade de uma
expansão da percepção. A pesquisa foi apresentada anteriormente no SPA/USP com o enfoque
na experiência do Caminhada Silenciosa da artista Vivian Caccuri. Essa apresenta busca trazer
o tema central do trabalho acerca da utilização do silêncio e seus desdobramentos.

Referências bibliográficas

CAGE, John. De Segunda a um ano. Tradução de Rogério Duprat; revista por Augusto de
Campos. 2. ed. Rio de Janeiro: Cobogó, 2013.

______. Silence. Connecticut: Wesleyan University Press, 1973.

COHEN, Renato. Performance como linguagem. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.

NYMAN, Michael. Experimental music: Cage and beyond. New York: Cambridge Uni-
versity Press, 1999.

SONTAG, Susan. A Vontade Radical. Companhia das Letras, São Paulo, 1987.

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UM QUALQUER ESPECTADOR NOTAS SOBRE OS ESCÂNDALOS TEATRAIS


BRASILEIROS
Luiz Paulo Pimentel De Souza

Palavras-Chave
história do teatro brasileiro, espectador teatral, pateada, polícia

A proposta de recorte da pesquisa para a comunicação oral do SPA consiste na


exposição de fragmentos textuais recolhidos de periódicos brasileiros dos séculos XIX e XXI
que versam sobre o comportamento dos espectadores dentro das salas de espetáculo do país.
Esse material compõe o arquivo que serve como base para a pesquisa Do governo das patas:
uma genealogia do espectador teatral, que se dedica à análise do entrecruzamento histórico
entre práticas teatrais e educacionais no Brasil, por meio dos deslocamentos atribuídos por
tais relações ao corpo do espectador. Para a comunicação aqui submetida, pretende-se
avizinhar três episódios ocorridos no país ao longo do ano de 1827, com destaque para um
escândalo teatral. Tais acontecimentos históricos são aqui perspectivados a partir de
problemas contemporâneos concernentes às relações entre teatro, política e educação. A
alusão a acontecimentos do passado, cabe enfatizar, não enseja traçar semelhanças entre a
situação à qual o espectador teatral está submetido hoje e suas possíveis formalizações
pregressas. Da mesma maneira, o recuo histórico aqui proposto não pretende forjar uma
narrativa com fins de recompor o que poderia vir a ser uma nova proposta para a
historiografia oficial do teatro. Ao contrário, interessa escavar justamente as dessemelhanças,
os desvios, as descontinuidades e as discrepâncias entre os regimes de verdade
contemporâneos e os que circulavam na discursividade sobre o teatro na primeira metade do
século XIX. Trata-se, fazendo eco ao procedimento arqueogenealógico proposto pelo
pensador Michel Foucault, de investigar, em determinado ponto do tempo, a emergência de
toda uma nova racionalidade que, de certa maneira, insiste na contemporaneidade. Assim, o
intuito da presente comunicação localiza-se na problematização da centralidade da figura do
espectador nos debates entre teatro e política contemporâneos, de modo a esboçar o caminho
que fez com que tal personagem se vinculasse diretamente ao elo discursivo entre as práticas
teatrais e educacionais na história brasileira. Sabe-se que não é recente o atual movimento das

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Artes Cênicas que vem delegando protagonismo à figura do espectador no interior das
discussões entre teatro e política no Brasil. De acordo com Flávio Desgranges, pesquisador
dedicado às relações entre teatro, educação e espectador, o modo de produção de coletivos
teatrais, nas últimas décadas, viria deixando de se restringir às montagens de espetáculos, e
redundando em algo que intitula espectador em processo. Parte dos artistas de teatro teria
passado, inclusive, a convidar o público para integrar processos criativos ou a atuar em
diversas outras frentes de trabalho, tais como oficinas, workshops, laboratórios de vivência
etc. De maneira análoga, políticas públicas vêm propondo a realização de monitorias,
mediações de espetáculos e oficinas de iniciação à linguagem para a população em geral.
Como exemplo dessa modalidade de ação, temos o extinto Programa de Formação de Público,
situado na cidade de São Paulo em 2001, que se encarregava de operar uma formação
gradativa da população na linguagem teatral. Pode-se observar aí uma firme articulação
discursiva entre teatro, educação e políticas governamentais, tendo como leitmotiv as relações
entre os artistas e os espectadores. Nesse cenário, como afirmam os manifestos do movimento
Arte Contra a Barbárie, organização de artistas responsável pela implantação da Lei de
Fomento ao Teatro, as práticas teatrais deveriam ser consideradas como um espaço social tão
fundamental quanto a educação, uma vez que se contraporiam à barbárie generalizada,
resultante do sistema capitalista. O teatro, portanto, deveria ser considerado pelo movimento
como responsável pela formação de cidadãos críticos. A partir dessa fina articulação entre
arte, educação, crítica social e cidadania, não parece gratuita a intensa circulação dos escritos
sobre arte e política de Jacques Rancière no país. A edição brasileira de seu livro O espectador
emancipado foi lançada em 2012 e vem sendo largamente comentada por pesquisadores de
diversos campos de pensamento das Artes Cênicas, como teatro-educação, pedagogia do
espectador e teatro e política. Em geral vinculadas à aplicabilidade dos conceitos elaborados
por Rancière com vistas a engendrar análises ou novas proposições artístico-pedagógicas, são
poucas as pesquisas, no entanto, que partem da problemática formulada pelo pensador franco-
argelino para interrogar o presente dos discursos artísticos e pedagógicos. Menos afeito à
prescrição ou ao aconselhamento de formas mais propícias de gestão artística, Rancière
afirma que, para que seja possível traçar alguma relação entre a ideia de emancipação
intelectual e a questão do espectador nos dias de hoje, seria preciso reconstituir a rede de
pressupostos que põem a questão do espectador no cerne da discussão sobre as relações entre

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arte e política. Mais além, seria necessário descrever toda uma racionalidade veridictiva sobre
a qual passamos a julgar as implicações políticas do espetáculo teatral, por meio da incidência
de tal prática no corpo dos espectadores. Assim sendo, a intenção da comunicação texto é a de
se vincular a uma problematização dessa natureza, reportando-se a uma atitude teórica
experimental, cuja tentativa trataria de organizar um estranhamento em relação aos próprios
discursos e regimes de veridicção que se desdobram no tempo presente. Trata-se, portanto, de
experimentar fazer o presente resfolegar e, de alguma forma, perder o passo, atrasar-se um
breve instante com o intuito de devolver algum pasmo em relação aos seus lugares comuns
discursivos. O recorte de pesquisa proposto para o seminário trata de apresentar a recorrência
das práticas escandalosas do teatro do século XIX e evidencia a prática da pateada,
desaparecida nos dias de hoje, a qual consistia num ruidoso bater dos pés a ser disparado a
qualquer momento da representação por parte dos espectadores insatisfeitos em relação ao
que viam e ouviam. A pateada é aqui exibida tanto em sua manifestação legitimada
socialmente quanto no período que concerne a sua contestação e coerção policial. Recorrendo
à análise da prática da pateada, objetiva-se apresentar um momento histórico em que o
comportamento e a subjetividade do espectador começariam a ser regulados em direções
diversas e um novo tipo de endereçamento público-cena emergiria. Assim, trata-se de
descrever e analisar a emergência de toda uma nova ordem de governo da conduta do
espectador, tendo como fim a normalização de seus comportamentos, que diz respeito, em
certa medida, às suas configurações contemporâneas.

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COREOGRAFIA COMO PRODUÇÃO DE OUTROS MUNDOS POSSÍVEIS


Paloma Bianchi

Palavras-Chave
dança, outros mundos, coreografia

Parados, me olham, nos olham. Se mostrando à nós. Caminham para trás até parar.
Mas não param. Algo acontece neles, quase imperceptível, mas a transformação se revela.
Esperam que as forças se revelem na própria anatomia. Lidam com essas forças para
manusear as próprias formas. Que intensidade tem essas forças que operam sobre eles? Que
intensidade tem eles ao operarem nessas forças? Vejo serem afetados por desejos que
emergem da própria situação. Eu me sinto capturada neles. Uma captura pouca, que duvida,
que observa e tenta desvendar o que acontece. A luz me cega ao mesmo tempo em que
começo a ouvir um coro que não é nem choro nem lamento. Um som que vem do gesto. Uma
reverberação daquilo que eles dão forma. Eles seguem a partir das forças que os afetam, cada
um a seu tempo, mas não separados: um coro de corpos. O som sai deles mas não é só deles, é
do espaço e contém o espaço. Fecho os olhos e deixo essa voz me invadir. Ela entra por todos
meus poros, ela ocupa as minhas células. Eles vem chegando cada vez mais perto de mim e eu
consigo ver seus rostos. Quem são esses? Um olhar que olha e não olha? Uma voz que fala e
não fala? Não consigo dizer, consigo somente sentir que essas pessoas estão deixando de ser
pessoas. Estão deixando de ser pessoas como eu conheço pessoas, estão deixando de ser
pessoas como se entende pessoa. O som ocupa cada partícula de ar que me envolve. Eles
circulam entre nós. Não é apenas o som que nos toma de perto, são essas criaturas. Eles
passam por mim se colocando pra nós. Caminham, mas não é só caminhar. Eles voltam a se
encontrar no espaço ritual. Enquanto uns acolhem o desejo do próprio peso, outros usam o
peso num giro no próprio eixo: permitem que cada parte do corpo seja agida por algo que não
é exatamente eles, mas que, de algum modo, também não deixa de sê-lo. O giro que não
cessa, as caminhadas inertes, o som contínuo, o peso que age: tudo aparenta ser diferente mas
são a exata mesma coisa. Xamãs? Sacerdotes? Alienígenas? Fantasmas? Animais? São tudo
isso. Fico confusa e atraída. Estou cada vez mais tomada. Devagar pegam bastões de metais.
Batem com eles em placas e no chão. Ressoam como sinos violentos. Violentos mas não

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agressivos. Como ser violento sem agressividade? Os bastões são parte deles... Parte que
ecoam uma outra voz que se dissipa. Duas dessas criaturas começam a girar com os bastões
nas mãos. O girar faz criar o gesto. O girar transforma a relação desses corpos com o espaço.
Elas giram muito rápido. Seguem girando e deixando com que esse looping, que parece poder
durar pra sempre, as transforme. Elas são transformadas e eu vou me transformando junto.
Começo a perceber que eu também entro em giro. É uma hipnose. Não é possível isso não ser
um transe. Tem um controle... Não é um controle, é uma certa qualidade de atenção. Não é
atenção. É estar em consonância com sua própria percepção. Será que isso existe? Eu não
sei... Não sei se sei alguma coisa disso aqui. Acho que não consigo mais saber. Só sei me
altera. É inominável. Eles seguem girando como se o tempo houvesse pausado. Como se não
houvesse início, como se só fosse. Uma pausa no tempo, sem pausar. Parece que dura uma
eternidade; uma suspensão contínua. E eles giram, giram, giram. Há outro som... Uma
orquestração que parece cordas de metal em roldanas, rodas de um trem... não... são ondas
metálicas que giram tanto quanto eles. O giro aumenta, o som fica mais veloz e eles batem
com o bastão no chão. Juntos. Sino: pulso que marca o não tempo. Uma hipnose que não me
tira daqui, mas afirma e confirma minha presença. A luz me cega de novo. Uma mulher bem
no centro. Um bastão que cai quase em cima dela. Ela não se assusta e pega o bastão. Deixa
esse bastão habitar seu corpo, ele transita por ela, ela não o controla, ela permite que ele esteja
nela e ela nele, sem cessar. O bastão voa nela e quando ela o perde, ela não perde, ela deixa
sua reverberação atuar sobre ela. A reverberação dela age nos outros como uma ação
fantasma. Que que isso? Não são duas coisas: é um e outro. Não é um e outro, é um e um. É
um. Quando o bastão cai e eles se separam, o bastão continua reverberando em seus corpos. O
gesto segue, não como lembrança, mas como realidade. Não é uma lembrança da relação, é a
relação em outra ordem, ela ocupa os outros corpos. Não é um domínio de instrumento, de
artefato. É uma simbiose. Um fantasma de ação... Será que isso é um fantasma? Não é um
fantasma porque é materializado. Um fantasma materializado; eles criam coisas impossíveis!
Um fantasma em matéria não existe, mas existe porque estou vendo isso. Eu vivo isso. Eu já
não respiro. Já não me separo deles. Quem são eles? Não é quem: o que são eles? Não me
interessa responder, mas continuo perguntando porque não há como não questionar. Tem uma
espera, tem um vazio. Repleto.. Um vazio que espera, que percebe. O corpo pulsando em cada
célula. Pulsando o espaço. Um espaço sem limite. Será que é assim que é estar fora da terra?

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Mas não é fora da terra... O som segue, eles seguem com o som, o som segue com eles.
Alternam-se entre girar com o bastão e deixar o bastão habitar o corpo. O que que é isso?
Como acontece isso? Sou levada com eles. Não sei onde estou, não sei dizer o que sinto. É
outro lugar, é outro espaço, é outro tempo. É outra coisa. É outro tudo. A luz volta a cegar e
eles são espectros de tudo aquilo que aconteceu até agora. Tudo aquilo que vivi/vi/passei,
retorna. Tudo aquilo que eles fizeram, retorna. Ali o vestígio de tudo: o bastão sendo tomado,
o giro. Tudo de novo: fantasma materializados, sacerdotes, xamãs, monges, animais,
alienígenas. Cada vez com mais força. São todos esses juntos... Estou num abismo que não é
um abismo para o nada, é um abismo para o tudo. É uma bruxaria. É um feitiço que eu
preciso. Eu quero estar aqui, eu preciso estar aqui, não quero estar em outro lugar. Eu quero
continuar aqui, eu quero que o tempo pare. Continua! Me deixa aqui, porque eu não quero
saber quem eu sou. Me enfeitiça, me leva junto. Me encanta. Por favor, me encanta. Não me
tira daqui. E eles se revelam cada vez mais. Nus, fica evidente que eles não estão humanos.
Isso aqui é outra ordem de vivo. É outra ordem de mundo. São os encantados. SIM Eu não
quero saber nada. Eu quero ficar aqui. Eu quero ficar nisso. Eles param, e eu me sinto
flutuando fincada no chão. Eles criam céu. Um céu que nasce deles e nos invade. O som
volta. Aquele som, aquele coro. Percebo meu corpo inteiro formigar, enquanto o som me
invade, enquanto o céu me invade. Do que que eu sou feita? Eu não sei dizer, não quero dizer.
Não quero existir. Não, eu quero existir aqui. O céu ocupa todo o espaço. Não estou nesse
mundo. Quero permanecer aqui. Eles agora giram com cordas que cortam o céu. Pequenos
brilhantes. É lento. Me contém ao mesmo tempo que me faz transcender. Como é que pode
isso? Como é possível fazer isso? Não tem mais tempo. Não tem mais pausa. Não tem mais
suspensão. Não tem mais espaço. Só tem isso. Tem esse som. Não tem mais eu. Não tem mais
eles. Não tem mais tempo. Não tem mais espaço. Mas tem nisso. Eu sou isso. Eu não existe.
Isso.

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ESCRITAS CARTOGRÁFICAS EM DANÇA: APRENDIZAGEM E


DESTERRITORIALIZAÇÃO
Renata Roel

Palavras-Chave
dança, aprendizagem, desterritorialização

A presente pesquisa se propõe a pensar nas relações de escrita e dança, assinalando


perspectivas conceituais para a noção de aprendizagem e desterritorialização. Se apresenta
como parte da pesquisa de doutorado em andamento junto ao Programa de Pós-graduação em
Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina. É uma tentativa de vivenciar a dança de
outros modos, para perceber afecções inesperadas a partir de encontros imprevistos,
heterogêneos. A experiência desta tese considera um método cartográfico que acompanha
processos desde às idas aos Bailes do Clube dos Solitários localizado na região central de
Curitiba- PR. Considera os deslocamentos do corpo e as forças que se agitam no seu interior.
As rupturas, dúvidas e oscilações. Acompanha o como as políticas de subjetivação afetam este
corpo, a dança e os processos de aprendizagem. Aqui, a escrita se tece a partir do que é
heterogêneo onde, o fenômeno dos bailes no Clube dos Solitários abre uma porta, aparece
como um campo de experienciação. Uma porta para o terreno da incerteza. A dança no baile
como impulso e mobilização do desejo do encontro. É essa possibilidade de dança que a
pesquisa vai explorar. A dança como coextensiva do espaço. A dança como mobilizadora do
que o corpo é e vai sendo junto aos desejos e impulsos que o fazem deslocar-se. Assim, o
trabalho na escrita está, como na dança, em encontrar lugares de passagem para o movimento
e as forças que pedem expressão. Parte de considerar que há sempre um duplo jogo entre a
redução e a amplificação, onde as palavras escritas também podem circular e agir sobre o
mundo, criar corpo junto às realidades que habita. Assim, escrever sob e a partir das idas aos
bailes no Clube dos Solitários, não é sobre afirmar fatos em uma posição fixa e privilegiada
de observador, mas sobre problematização e invenção de mundos possíveis. O conjunto de
percepções emaranhadas e a escrita como possibilidade de laboratório e registro, desloca e dá
volume aos acontecimentos, acompanha e cria o relevo das topografias vigentes, convoca o
corpo à experiência de problematização, colocando em tensão as faculdades da sensibilidade,

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da memória e da imaginação. Não é sobre relatar os fatos verdadeiramente ou da busca de


definições antropológicas acerca do lugar, mas sobre a possibilidade de cartografar as relações
de afetos possíveis, o estranhamento e a tensão entre o saber anterior e a experiência do
presente. Apreender os fenômenos na condição de transformá-los faz titubear as noções de
veracidade em um enunciado, cartografar como possibilidade de não representar, mas
inventar. Considerar a palavra autônoma, dispensa-a da função de fazer-se apenas como
intermédio entre um lugar e outro. Assim como coloca Latour (2007, p.62) esses lugares
silenciosos, abrigados, confortáveis, dispendiosos, onde leitores escrevem e pensam, se ligam
por mil fios ao vasto mundo, cujas dimensões e propriedades transformam. A invenção,
portanto, perpassa nosso cotidiano, não se restringe a algo raro e excepcional, permeia o
funcionamento cognitivo como condição para aprendizagem em habitação de um território,
assim, contextualização e produção de subjetividade envolve processos de aprendizagem. Este
entendimento de território, se articula com as abordagens de Deleuze e Guattari (1996) onde
destacam que o território pode ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema
percebido no seio da qual um sujeito se sente “em casa”. O território é sinônimo de
apropriação, de subjetivação fechada sobre si mesma. O conceito de território, colabora para a
instauração de outra perspectiva acerca da subjetividade não mais pautada no modelo de
representação ocorridas no interior da modernidade; modelo pautado na imagem de
identidade e semelhança, o qual se distancia da relação com a diferença. A subjetividade se
faz em interação com movimentos de conexões e diferenças, assim está sempre em invenção.
Viver é continuamente criação de subjetividade a partir das conexões, encontros
heterogêneos, esta ideia é um enfrentamento às noções de sujeito unificado, fixo. Convoca a
pensar o corpo em processo contínuo de aprendizagem, é um contínuo processo de perder,
fazer se desfazendo. Virgínia Kastrup (2001), problematiza os processos de aprendizagem e
invenção na estreita relação com a possibilidade de habitação de um território. Kastrup afirma
que aprender não é somente ter hábitos, mas habitar um território. Habitar um território é um
processo que envolve o “perder tempo", que implica errância e também assiduidade,
resultando numa experiência direta e íntima com a matéria. No deslocamento de um território
a outro há sempre outros agenciamentos, outros encontros. É justamente esse movimento de
reterrotirialização que fomenta o entendimento da aprendizagem junto à invenção, ampliando
as conexões e gerando experiência de estranhamento. Aprendizagem não pelo

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reconhecimento, mas pela problematização e imprevisibilidade, produzindo uma


reconfiguração nos processos subjetivos. Desterritorializar-se é a possibilidade de não
continuar sempre o mesmo. A realidade se cria e recria em interdependência com os processos
perceptivos. Habitar e criar se fazem juntos, o corpo e a escrita vão se reconfigurando e
ganhando outros volumes em relação à textura das situações. No engendramento dos
percursos e das escritas disparadas sob e a partir dos bailes, o corpo vai aprendendo a ser
sensível ao que se revela no campo da experiência vivida. As escritas abrem outras portas de
acesso para acompanhar os efeitos dos afetos. Efeitos que desestabilizando os movimentos da
percepção, convocam o corpo a aprender em estado de errância com o espaço a acompanhar
outros movimentos. A possibilidade do conhecimento estar atrelado ao acontecimento implica
em território, ou seja, conhecer implica na articulação da presença com as forças do lugar
onde se habita, vivenciando o risco intrínseco à experiência onde a relação com o heterogêneo
convoca estados de criação e invenção. Aprender com e não aprender como implica em
relação, desloca a noção de aprendizagem pautada na reprodução para a criação. A escrita é
brecha para a criação e invenção ao convocar outro estado de articulação com o espaço,
implica no desconhecido e ao mesmo tempo em habitação contextualizada de espaço-tempo.
É processo de criação e problematização da presença.

Referências bibliográficas

DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Felix. Mil platôs - capitalismo c esquizofrenia, vol. 3;


tradução de Aurélio Guerra Neto et alii. — Rio de Janeiro : Ed. 34, 1996

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Objectos impuros. Experiências em estudos sociais da ciência Porto: Edições Afrontamento.

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O JOGO TEATRAL E SUA PROPOSIÇÃO POLÍTICA


Luana Joia Chrispim

Palavras-Chave
jogo, política, teatro

A relação entre teatro e política remonta às origens das artes cênicas. Os rituais
predecessores da encenação teatral tinham um caráter mágico ou religioso, no geral, mas eram
realizados em sociedades nas quais as autoridades religiosas e políticas eram exercidas pelo
mesmo grupo e, muitas vezes, a mesma pessoa. É o caso das manifestações cênico-religiosas
pré-colombianas e orientais estudadas pelo teórico, ator e encenador francês Antonin Artaud .
Na Grécia antiga, temas políticos eram recorrentes nas tragédias. O texto mais antigo de teatro
grego que sobreviveu aos dias de hoje é Os Persas, de Ésquilo, encenada pela primeira vez em
472 a.C., trata de um acontecimento histórico real envolvendo conflitos bélicos e políticos
entre Esparta e Pérsia, nos quais o próprio autor participou como combatente. Ao longo da
História do Teatro, outras temáticas políticas podem ser destacadas, como a obra renascentista
A Mandrágora, de Maquiavel, ou o drama barroco A Vida É Sonho, de Calderón de La Barca,
entre outras. No entanto, a definição do que seria um "teatro político" só irá aparecer após a
chamada "crise do drama", no início do século XX (A crise do drama tem como expoentes os
dramaturgos August Strindberg, Antonin Tchekhov, Henrik Ibsen, Maurice Maeterlink e
Gerhart Hauptmann e o encenador André Antoine. Trata-se de um momento específico da
História do Teatro, no qual os padrões dramáticos de escrita dramatúrgica e de encenação
foram colocados em questão). Entre os primeiros encenadores a tematizarem especificamente
sobre o teatro político está Erwin Piscator e Bertold Brecht. Não por acaso, inclusive nos dias
de hoje, são vários os trabalhos que envolvem o sistema de jogos teatrais, um dos alvos dessa
pesquisa, e as proposições de Bertold Brecht, destacando-se o trabalho de Ingrid Koudela. A
pesquisa aqui proposta, que se insere na área de Pedagogia do Teatro, propõe-se analisar o
sistema jogos teatrais como propulsor do trabalho com a linguagem cênica e,
consequentemente, propiciar no momento da avaliação, questões de ordem política, partindo
da concretude da construção cênica que o jogo teatral estabeleceu anteriormente. A concepção
de um sistema de jogos teatrais foi fomentado por Viola Spolin, numa ruptura com a

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“produção brodway” do fazer teatral, sistema este que será recorrente à criação de espaço e
relação não só para atores. O jogo, segundo Spolin (2015), é o modo de trabalho grupal que
exige envolvimento pessoal e liberdade, necessários para a criação e envolvimento com a
experiência. Dessa forma, o jogo teatral caminha para a criação de uma experiência estética
que parte do encontro entre jogadores e as regras, impulsionador da criação. O trabalho
debruçou-se sobre o sistema de jogos teatrais para analisar a potencialidade da discussão
política fomentada a partir do jogo da cena. Para isso, num primeiro momento foi realizado
um estudo bibliográfico, cujo tema abrangia principalmente a conjuntura política brasileira
em contraste com a produção teatral. Já a segunda etapa, configurou-se numa pesquisa de
campo no SESC Belenzinho em novembro, onde a Cia. Teatro Documentário (fundada em
2006 na cidade de São Paulo) fez um trabalho de mediação com alunos do 8º e 9º do Ensino
Fundamental II, 1º, 2º e 3º ano do Ensino Médio, EJA e professores. Após a experiência,
seguiu-se um período de entrevistas, discussões com o orientador sobre o que foi presenciado
e uma revisitação a bibliografia, num caminho de formular um ponto de vista analítico e a
preparação da parte prática da pesquisa, que se caracteriza numa oficina de Jogos Teatrais
direcionada para os professores que acompanharam a mediação no SESC Belenzinho. Com
isso, foi observado e analisado um projeto de formação de espectadores com professores da
rede municipal de São Paulo (diretoria regional de ensino da Penha), sob a coordenação da
Cia. Teatro Documentário, a qual motivou um trabalho pratico em torno desse grupo de
professores. A proposição foi realizada no período de formação integrada (JEIF) da escola
municipal Infante Dom Henrinque. Durante as discussões, pode-se compreender a
importância da criação coletiva e do papel fundamental da plateia dentro do sistema de jogos
teatrais, e em qualquer outra proposta metodológica, tanto para o refinamento estético dos
envolvidos, quanto para alimentar as discussões de ordem política que surgiram mediante a
fruição das apresentações.

Referências bibliográficas

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SOLER, Marcelo. Teatro Documentário: a pedagogia da não ficção. São Paulo: Hucitec,
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______. O jogo teatral no caderno do diretor. São Paulo: Perspectiva, 1999.

______ BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. São
Paulo: Brasiliense, 1996.

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BRECHT, Bertold. Estudos sobre teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.

GARCIA, Silvana. Teatro de militância. São Paulo: Perspectiva, 1990.

RIOS, Terezinha. Ética e competência. São Paulo: Cortez Editora, 2001.

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À MESA COM CANIBAIS: SUBJETIVIDADE ANTROPOFÁGICA NO TRABALHO


DO ATOR-XAMÃ.
Matheus Way

Palavras-Chave
trabalho sobre si, novos modos de subjetivação, subjetividade antropofágica

O projeto que se tornou a pesquisa que ponho em curso no nível de mestrado tratava,
inicialmente, de um estudo das performances rituais dos Borum Krenak, considerados os
últimos botocudos do leste. O termo pejorativo botocudo foi atribuído a uma grande
quantidade de grupos Macro-Jê que habitavam do sul da Bahia até a altura do Rio Doce, no
estado do Espírito Santo e leste das Minas Gerais, e que usavam grandes alargadores labiais e
auriculares, que remetiam ao colonizador aos botoques de tapar barris. Sabe-se que nos
últimos séculos culturas não-ocidentais tem sido continuamente revisitadas pelo ocidente com
o intuito de repensar a arte européia, promover rupturas ou novas possibilidades de
alargamento de técnicas, poéticas e treinamento. É também do conhecimento dos estudiosos
de teatro que no século XX vemos uma crescente nas investigações sobre culturas
extraocidentais - orientais, primitivas, arcaicas -, sobretudo a partir de movimentos de
vanguardas como o surrealismo e dadaísmo. No Brasil, as religiões de matrizes africanas, as
manifestações populares, as culturas indígenas começaram a ganhar espaço, como projeto
sistemático de reconstrução identitária nacional, com os modernistas nas artes plásticas,
música, literatura, nas artes da cena. Investigações de grande importância a serem citadas são
as de Artaud, Grotowski, Brook , Barba; no Brasil, temos o Teatro Oficina, o LUME, a Cia
dos Atores, dentre outros. Seguindo essa linha de pensamento e um desejo cultivado desde a
infância, me propus a investigar a ritualidade Krenak a fim de encontrar elementos caros ao
fazer teatral contemporâneo. No entanto, algumas questões ainda pairavam: Como direcionar
a pesquisa? Quais ferramentas e métodos poderiam se mostrar eficazes no exercício do
encontro no trabalho de campo? Quais os métodos de análise? Ou, ainda, o que realmente
busco nesses rituais? Nesse momento apareceram a antropofagia e a cartografia como
possibilidade de habitar o mundo e se fazer artista, pesquisador, vivente. “Só me interessa o
que não é meu. Lei do Homem. Lei do Antropófago.” (ANDRADE, 1928) Para o ator-xamã

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interessado nos processo de transformação de si, o quinto aforismo do Manifesto Antropófago


é de salivar! A lei evocada por Oswald sugere um movimento de outramento pelo qual o
homem é capaz de se refazer e deslocar em sua identidade. Ao contrário dos povos
colonizadores, os antropófagos tupis do século XVI não pareciam estar preocupados em
catequizar. Enquanto os padres se esforçavam em ensinar o pai nosso, os nativos se
contentavam em aprendê-lo e mais tarde esquecê-lo – como as esculturas de murta que, ao
crescerem ao passar dos dias, se esquecem da forma originária dada pelo escultor, segundo a
belíssima alegoria concebida pelo Padre Antonio Vieira no Sermão do Espírito Santo.
Enquanto o colonizar se encarregava de empurrar “goela a baixo” o seu modo de ver o
mundo, os antropófagos se contentavam em escolher os pedaços de carne européia que lhes
interessava. Não se tratava de impor maniacamente sua identidade sobre o outro, ou recusá-la
em nome de uma possível excelência étnica; mas, sim, de atualizar uma relação com a
alteridade, relação desde sempre existente, sob o modo virtual, a partir de princípios contidos
na cosmogonia ameríndia, e, com isso, transformar a própria identidade (VIVEIROS DE
CASTRO, 2002). O antropófago se abre ao devir, ele afeta e é afetado, se transforma, abre-se
às trocas relacionais, propõe (alter) ações, mudanças de pontos-de-vista, compara, avalia,
pesa, desterritorializa. Desse modo, se propõe a produzir novos modos de subjetivação. Não
seria esse o trabalho do ator contemporâneo? Tencionar os campos da arte, dos discursos, das
relações socioculturais? As noções de estar e pensar o mundo? Crendo que sim, proponho-me
a devorar, na condição de ator, a alteridade Krenak a fim de ser afetado e desse encontro criar
novas cartografias, modos de subjetivação, ações desterritorializadas, transformações da
noção de sujeito. A pesquisa se apóia em três partes: inicialmente trabalhar com o intuito de
formular um exercício de pensamento que possa olhar a antropofagia por diversas
perspectivas, passando pelos relatos históricos de navegadores, padres, naturistas, viajantes e
antropólogos sobre as referidas práticas rituais, atualizando o conceito pela acepção de
Oswald de Andrade e seus desdobramentos na contemporaneidade, sobretudo através das
contribuições de Eduardo Viveiros de Castro, Beatriz Azevedo e Suely Rolnik; a segunda
parte do trabalho olha mais especificamente para os Krenak por meio de textos históricos,
vídeos, e, sobretudo, pelo trabalho de campo realizado na Aldeia Krenak, no município de
Resplendor - MG, onde as entrevistas, a observação participante e o método cartográfico
operaram enquanto aparato metodológico para o exercício de apreender novas possibilidades

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de subjetivação; por último, mas não nessa ordem, espera-se criar ações e performances que
dialoguem com as experiências da pesquisa. Trata-se de um laboratório de investigação do
trabalho do ator e seus modos de fazer/ ser no mundo. Evoco os trabalhos de Antonin Artaud,
do Teatro Laboratório, alguma nuance do método Stanislavski, de Zigmund Molik e Eugênio
Barba para repensar minhas práticas – portanto não se trata de reproduzir o trabalho dos
citados, mas de me deixar afetar para a construção de outro caminho, atravessado pelas
experiências pessoais, os desejos, a voz das alteridades. Pensar o corpo vibrátil do ator,
noções de escuta, presença, outramento, novos modos de subjetivação, poéticas da
transformação de si. Sem mais, essa pesquisa se pretende que haja um fluxo - do modo que
está e até a data de sua defesa - aberto a alterações, transformações, assimilações, devires e
devorações. Uma cartografia antropófaga por um ator-xamã.

Referências bibliográficas

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Vanguarda européia e modernismo brasileiro: apresentação e crítica dos principais manifestos
vanguardistas. 3ª ed. Petrópolis: Vozes; Brasília: INL, 1976.

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ROCHA, Joao Cezar de Castro e RUFFINELLI, Jorge. Antropofagia Hoje? - Oswald de


Andrade Em Cena. Ed. É Realizações, 2011.

SAFATLE, V. O Circuito dos Afetos. Corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo.


Ed. Autêntica, 2016.

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!

VIVEIROS DE CASTRO, E. A Inconstancia da Alma Selvagem. Ed. Cosac e Nayfi, 2002.

______. Metafísicas canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. Ed. Cosac e
Nayfi, 2015.

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OS CANTOS DE TRADIÇÃO QUE SOMOS COMO DISPOSITIVO DE GATILHOS


DE CORPOREIDADES NO ATOR
Cristiane Madeira Motta

Palavras-Chave
cantos de Tradição, corporeidade, Grotowski, Maud Robart, Candomblé

A pesquisa tem por objetivo propor que os cantos de Tradição Afro-brasileira (banto)
possibilitam gerar alterações nos padrões do uso do corpo a partir de qualidades neles
inerentes, suscitando novas potências que se desdobram, ampliam e expandem pelas
percepções advindas dos cantos. Esta pesquisa relaciona-se com o trabalho dos cantos de
Tradição Vodu haitiano da Maud Robart e do Workcenter of Jerzy Grotowski and Thomas
Richards. Os cantos que têm a capacidade de expandir a nossa consciência e percepção
sensorial, trazendo vibrações diretas na cabeça, coração e corpo. E por esta capacidade de
expansão da consciência - de si, do outro, do espaço, tempo - e percepção sensorial, tornam-se
atrativos para o performer como experiências poderosas, como fita de Moebius. E o performer
que se propõe a fazer uma pesquisa com os cantos de Tradição viverá um processo que é uma
conversação entre a percepção, espontaneidade e a disciplina, é o aqui e agora, rendendo-se
aos impulsos e ações advindos deles. Os cantos de Tradição Afrobrasileira (Banto) podem ser
pontes para uma experiência perceptiva, portanto, para uma experiência corporal, pois nos
deslocam do pensamento científico. Eles nos ajudam a recobrar o que havíamos desaprendido
a ver, a ouvir e sentir, seria o rompimento com a noção de corpo-objeto. Os cantos
proporcionariam um novo sentido para o logos, realizando-se como uma leitura de dimensão
poética e plástica do corpo em movimento e percepção. Nesta pesquisa, tratamos a
experiência com os cantos de Tradição como performance, pois também nos interessa
investigar o que eles produzem nas pessoas, e como interagem e se relacionam com elas
(cf.SCHECHNER, 2002:28-29). O trabalho com os cantos são experiências de performances
liminares, em que ocorrem transições e transformações, levando a estados de vulnerabilidade
que empoderam aberturas de mudanças, de caminhos para novas situações em que há
possibilidade criativa. E que, muitas vezes, leva o performer a um “ [...] fugaz estado de
êxtase e sentido de união (com duração frequente de somente alguns segundos) que pode ser

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descrito como um arrepio – nada mais que isso – que desce pelas costas até um certo
ponto.” (d'AQUILI et al.1979: 177); tratamos também como campo de possibilidades para
experiência do sensível, como um modo de ampliação da percepção, procurando qualidades e
significados de uma experiência que esteja intimamente relacionada com o corpo, tornando
este corpo uma ferramenta de manifestação e interação com o mundo. A pesquisa é prática.
Sem intenção de criar uma nova metodologia de trabalho para o ator, queremos investigar
como potencializar as percepções d(n)o corpo do performer advindas das qualidades inerentes
nos cantos de Tradição Afro-brasileiro (Banto), pois, ao darmos atenção à consciência
perceptiva, seria possível induzir uma nova articulação de dados preexistentes, portanto, seria
dar corpo e voz aos outros que cantam o canto antes de mim. Propomos conduzir uma práxis
a, no máximo, quatro atores/performers convidados, porém observando, sob nossas
perspectivas, como os cantos de Tradição banto podem alterar os padrões do uso do corpo a
partir das qualidades inerentes que os cantos trazem em si, e se podem atuar como
disparadores de percepções d(n)o corpo do performer e, a partir disso, abrir potências d(n)este
que se ampliarão, desdobrarão e expandirão para o ato criativo. Faremos a formulação de
questionários para serem respondidos pelos participantes durante os encontros de pesquisa,
além da escrita em diários individuais de suas percepções, sensações, vontades e
necessidades, material este que será utilizado como parâmetro para reflexão. Gravação de
material áudio-visual de cantos de Tradição praticados pela comunidade de terreiro, Nzo
Musambu Hongolo Menha – Casa do Arco-Íris, para ser acoplado aos exemplares finais da
tese. A conclusão da pesquisa se dá na elaboração final e escrita da tese. Temos como
objetivos gerais: propor uma nova travessia para o ator/performer, por meio de cantos da
Tradição Banto. Ativar novas percepções de si, do outro e do espaço, lançando este ator/
performer a um campo de possibilidades para a experiência do sensível como reflexão
corporal. Usar os cantos, o corpo, a percepção como ferramenta para o ato criativo e de certo
modo compreender o mundo contemporâneo. Romper com as respostas automáticas do ator/
performer em cena. Alargar a compreensão de funcionamento de nós mesmos, de processos
de percepção, espontaneidade e de criatividade. A nossa pesquisa segue a via das práticas no
Teatro Contemporâneo, visando uma formação do artista teatral em nível transcultural. Ao
começarmos com a presença de elementos (cantos de Tradição/corporeidade/percepção) e
processos interculturais, transdisciplinares no trabalho do ator, podemos colocar a inserção

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deste projeto, por sua similaridade, com as pesquisas realizadas pela haitiana Maud Robart,
pelo diretor teatral polonês Jerzy Grotowski, e seu Workcenter of Jerzy Grotowski and
Thomas Richards. É uma pesquisa que passa e atravessa vários estudos, tais como a História
da África, as Diásporas no Transatlântico, os cantos de Tradição no Sul dos Estados Unidos,
Haiti, Cuba e Brasil; a Fenomenologia da percepção de Merleau Ponty, que nos orienta a
entender o fenômeno da percepção no corpo; a Memória da percepção de Henry Bergson,
uma vez que não podemos falar de percepção sem tratar da memória, pois uma é imbricada na
outra; a Antropologia da corporeidade de Thomas Csordas, pois ao tratarmos do fenômeno da
percepção no corpo, falamos deste corpo que é sujeito da cultura, da corporeidade que situa o
indivíduo no mundo; o conceito de Habitus do sociólogo Pierre Bourdieu, que nos conduz a
entender o como se dá a percepção do corpo que está engajado em uma cultura e no mundo; a
Antropologia da performance de Victor Turner e Richard Schechner, em que vemos as
questões performativas do cantar e de como podemos observar nas práticas de Maud e
Grotowski/Workcenter, processos estes de liminaridade; os estudos de Etnomusicologia de
Kazadi wa Mukuna, que nos explica as questões da relação das línguas tonais banto com a
sonoridade dos cantos e música.

Referências bibliográficas

D’AQUILI, E.G.; LAUGHLIN JR., C. D. & McMANUS, J. (eds). The Spectrum of Ritual,
New York: Columbia University Press, 1979.

SCHECHNER, Richard. Performances Studies: An introduction, London: Routledge, 2002.

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ASPECTOS DO TEATRO ÉPICO EM A COMÉDIA DO TRABALHO DA CIA DO


LATÃO
Alexandre Villibor Flory, Mileni Vanalli Roéfero

Palavras-Chave
brecht, companhia do latão, teatro épico

Este trabalho tem como objetivo geral analisar a peça A Comédia do Trabalho da Cia
do Latão, compreendendo sua forma de recepção do teatro épico brechtiano. Como objetivos
específicos, buscou-se: a) compreender algumas passagens da história do teatro brasileiro que
se apropriaram do teatro épico; b) conhecer o percurso da Cia do Latão até a peça em estudo;
c) apresentar algumas proposições do teatro épico brechtiano e d) discutir, a partir da análise
da peça, especificidades do trabalho do teatro épico. A Companhia do Latão foi criada no ano
de 1997. Em 1996 já haviam encenado (CARVALHO; MARCIANO, 2008) uma adaptação de
A morte de Danton, de Georg Büchner, mas será com a retomada dos estudos sobre Teatro
Dialético e a encenação de Santa Joana dos Matadouros que Brecht, Marx e outros pensadores
importantes surgem como referência distanciando-se do modelo dramático tradicional. Mas,
para compreender a constituição do grupo e as razões pelas quais eles seguiram por esse
caminho precisa-se contextualizar a trajetória do teatro brasileiro, pois os questionamentos em
relação ao drama já não eram inéditos. Porém, ainda não se havia conquistado uma superação
tão efetiva quanto conseguiu a companhia paulista. Para isso, mencionam-se as formas
teatrais da década de 30, 60 e 90, anos que foram marcados por importantes tentativas de
superar o drama, sugerindo e transformando-o em outras possibilidades formais. Em 1930,
autores como Oswald Andrade e Mário de Andrade iniciaram a discussão e tentativa de
renovação do debate artístico, introduzindo questões políticas em suas obras que, em certa
medida, remetem ao teatro épico. Porém, suas peças não foram encenadas e o novo
movimento não teve força suficiente para dar início a uma nova estética teatral. Em 1960,
essa tentativa reaparece com artistas como Boal, Guarnieri e Vianinha, no âmbito do Arena,
com muito mais força que no ciclo anterior. Isso permitiu uma renovação da direção teatral
que foi tornada mais coletiva e na forma de pesquisa e encenação, com críticas duras à
mercantilização da arte (CARVALHO, 2003). O último ciclo – e o mais efetivo no que diz

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respeito à superação do drama, pois o fez no plano da forma e do conteúdo -, se deu na década
de 90, período em que a Cia do Latão foi criada. Analisando a trajetória trilhada pelo teatro
brasileiro, é notável que este grupo deu continuidade a uma pesquisa que vinha sendo
atualizada no decorrer do século, porém a fez com tamanha originalidade, consciência e
efetividade que o tornou grupo reconhecido no cenário nacional quando se pensa em teatro
político. A originalidade e a efetividade se dão no plano da apropriação e atualização do teatro
épico brechtiano. Eles conseguiram escapar do perigo de uma leitura unilateral da estética
brechtiana, que instrumentaliza algumas técnicas e, consequentemente, diminuem o seu
potencial dialético, pouco afeito à normas rígidas. Brecht se preocupava em falar sobre
questões sociais (conteúdo), utilizando recursos formais como narração, paródia, ironia e
música (forma), para suscitar a reflexão crítica no público que o assistia, de modo a fazê-los
reconhecer as mazelas sociais e as injustiças a que estavam submetidos. A peça A Comédia do
Trabalho, de 2000, fala sobre a relação entre patrão e empregado e os abusos e explorações a
que estão submetidas as classes inferiorizadas e que são, muitas vezes, alienadas das
condições precárias e exploratórias de trabalho, aceitando-as com naturalidade. A peça, cujo
título alude a uma comédia, pode ser lida em dois planos distintos: o da tragédia – que mostra
a impossibilidade de fugir da determinação social - representado por Núlio e os demais
desempregados e o plano da comédia, que, por meio do tom paródico e farsesco, caracteriza
os personagens que representam os empresários e banqueiros (PERUCHI, 2016).
Basicamente, a peça se divide em dois núcleos dramáticos: o dos empregadores (banqueiros e
governadores) e o dos empregados (desde recém-desempregados até mendigos). A peça
retrata as dificuldades do desemprego gerado pelas demissões em massa do banco da cidade.
A peça faz referência ao capitalismo financeiro, modelo econômico adotado no Brasil em
meados de 1980 e cujo objetivo era a flexibilização do trabalho e a redução de estoques
(PAULANI, 2006), tornando necessária a demissão da maioria dos trabalhadores. Este
modelo econômico acentua ainda mais a desigualdade social existente no país. Essas questões
são tratadas pelo Latão com ironia e alguns efeitos de distanciamento que permitem a reflexão
elevada à crítica, como será apresentado em alguns exemplos a seguir. Um dos pontos
apresentados de forma irônica é a subdivisão da classe trabalhadora em pequenos grupos
distintos, como se vê quando uma mendiga se aproxima do grupo de pedintes e sugere a união
dos grupos. Ela ouve como resposta que a união não será possível, pois são grupos distintos:

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os mendigos são a versão inferior dos pedintes, que se consideram habilidosos na abordagem
do cliente (maneira como eles mencionam os transeuntes). (CARVALHO; MARCIANO,
2008). Essa passagem evidencia a dispersão dos grupos que torna a classe ainda mais
fragilizada e enfraquecida. Enquanto um grupo se mostra desunido, a classe empregadora se
vangloria das estratégias encontradas para demitir seus funcionários de modo despercebido,
para que eles não sejam responsabilizados pelos efeitos da crise econômica (idem). Para
encontrar subterfúgios e maneiras naturalizadas de encarar o problema, os desempregados
criam uma imagem confortável da demissão, como se fosse uma condição essencial do Brasil,
um efeito irreversível da economia. Dessa forma, percebe-se que o grupo apresenta, no
mínimo, quatro perspectivas possíveis: a da classe dominante, cujas peripécias são tratadas
com ironia; a dos trabalhadores, que naturalizam a demissão; a dos mendigos e pedintes, que
escancaram a desigualdade social e revelam os mecanismos de manutenção do status quo e,
por fim, a visão engajada dos atores do grupo, que utilizam efeitos de distanciamento para
evidenciar a semelhança das situações fictícias da obra com a realidade brasileira. A
alternância entre os quatro pontos de análise explora o potencial dialético e didático do teatro
brechtiano, concedendo o distanciamento necessário ao público para identificar as críticas ao,
nesse caso, sistema capitalista.

Referências bibliográficas

CARVALHO, Sérgio de. Atitude modernista no teatro brasileiro. Folha de São Paulo, São
Paulo, 2003.

CARVALHO, Sérgio de, MARCIANO, Márcio. Companhia do Latão: 7 peças. São Paulo:
Cosac Naify, 2008.

PAULANI, Leda Maria. Capitalismo financeiro e estado de emergência econômico no


Brasil: o abandono da perspectiva do desenvolvimento. X Jornada da Economia Crítica, v.
23, 2006.

PERUCHI, Camila Hespanhol. Formas épicas da dramaturgia da Companhia do Latão:


teoria, história e crítica. 2016. 213 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2016.

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UMA BREVE JORNADA PELO VALE DOS PROGRAMAS TEATRAIS: A


COMPANHIA BRASILEIRA DE TEATRO
Angélica Mayara Gonçalves Rodrigues

Palavras-Chave
dramaturgia, programas teatrais, teatro

Para compreendermos os caminhos seguidos nesta pesquisa, primeiramente,


pontuaremos os estudos de Gérard Genette sobre as relações transtextuais. Este define uma
dessas categorias em paratextualidade ou transcendência textual do texto. Como o mesmo
aponta, o paratexto é formado por duas modalidades, o peritexto e o epitexto. O peritexto da
continuidade direta ou unidade a obra, como nome do autor, os títulos, indicações, capa,
ilustração e outros elementos que circundam o texto dentro do espaço da própria obra. Já, o
epitexto relaciona-se a elementos que não dão uma continuidade direta a obra. Estes tomam
forma de suportes midiáticos, por exemplo, notícias de jornal, entrevistas e suportes privados,
cartas pessoais, diários, etc. No tocante ao nosso trabalho, este último, o epitexto será objeto
de nosso estudo, mais precisamente o programa teatral. Nossos estudos demostram que o
programa teatral, não só carrega informações básicas, relativas ao horário, local, elenco, etc.,
como também um discurso dos agentes criativos da peça que vai muito além de uma sinopse
do espetáculo, mas sim um material que tem cada vez mais assumido importância dentro da
dinâmica do espetáculo, por isso sua relevância também no campo literário. O programa
teatral há algumas décadas deixou de ser uma propaganda, pois carrega um discurso poético,
estético e abre outras miríades para o trabalho artístico. A nossa metodologia, portanto, será
um pouco diferente da maioria das pesquisas a respeito de obras teatrais. Pois, em geral, os
estudos de teatro tendem a voltar-se para os textos teatrais ou para análise do espetáculo,
como indica Walter Lima Torres (2013) em sua análise sobre os programas de teatro, relativa
a eausência de estudos dedicados exclusivamente aos programas de teatro como fontes. Deste
modo, nós estaremos perscrutando o chamado paratexto teatral e nos guiando através dos
conceitos de Gérard Genette. Assim sendo, para entendermos melhor o papel do programa
teatral ao longo da história, traçaremos um breve relato sobre este. Uma das primeiras análises
sobre o tipo de texto, discurso presente nos programas teatrais, foi proposta pelo pesquisador

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David Gilbert, em relação a espetáculos canadenses e que levaram o professor Walter Lima
Torres Neto (2013) a criar uma nomeação dos discursos presentes nos programas. Esses
discursos foram nominados de ênfase, separadas segundo o professor como ênfase histórica,
ênfase didascália, ênfase genética e ênfase estética. Em relação a ideia de discurso, estaremos
trabalhando num sentido mais amplo em consonância com as indicações e pensamento de
Michel Foucault a respeito do assunto. Segundo Foucault, em seu livro A Arqueologia do
saber (2008), o discurso seria uma representação culturalmente construída pela realidade, não
uma cópia exata. Sendo assim, o discurso não deve ser pensando como algo natural e
despretensioso, é uma construção social, uma produção intelectual que busca um determinado
objetivo. Foucault (2008), ainda propõe que o discurso seria o conjunto de enunciados, sob
uma dada formação discursiva, praticados ao longo do tempo. Sua proposição no texto A
Ordem do Discurso (1971), também corrobora com as indicações propostas acima, quando o
autor indica, que supõe que em toda a sociedade a produção do discurso é simultaneamente
controlada, selecionada, organizada e redistribuída por um certo número de procedimentos
que têm por papel exorcizar- lhe os poderes e os perigos, refrear- lhe o acontecimento
aleatório, disfarçar a sua pesada, temível materialidade. Portanto, o discurso se confirma
como uma produção humana, intencional que se insere nas esferas sociais e políticas, mais
precisamente, no nosso caso, na esfera da arte. Sendo os conteúdos escritos, a escolha do
formato, cores e fotos dos programas elementos que expressam os pressupostos do coletivo
sobre determinado espetáculo em determinado período. Desta maneira, nosso trabalho
converge em uma análise do conjunto de enunciados presentes nos programas da Companhia
Brasileira de Teatro (CBT) ao longo de sua trajetória. A respeito da Companhia Brasileira de
Teatro, esta foi criada por Márcio Abreu em 1999, em Curitiba e junto com Giovana Soar,
Nadja Naira e Cassia Damasceno vem desenvolvendo um trabalho voltado para a pesquisa
teatral, a criação de espetáculos e a formação de público. As linhas de atuação identificadas na
sua trajetória são: criação de dramaturgia original; releitura de clássicos; encenação e tradução
de dramaturgia contemporânea inédita. Segundo as palavras da atriz, iluminadora e diretora
Nadja Naira (2010), a companhia se auto define como inspirados na força das palavras
poéticas de Cortázar, Gonçalo M. Tavares, Leminski, Pommerat na fala cotidiana e prosaica
de Minyana e nas palavras mudas e reveladoras de Lagarce. Nos programas da Companhia
Brasileira de Teatro que estamos analisando, percebemos algumas tendências, como uma

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variedade de mescla destas ênfases, uma escolha por criação e montagem de dramaturgias não
tradicionais, que problematizam questões relativas ao conflito, ação, personagem e fábula.
Além disso, uma expansão e diferenciação na utilização do termo dramaturgia em relação a
texto dramático e roteiro. Também mapearemos algumas tendências nos processos e
dinâmicas de edificação cênica e autoria do espetáculo, levando em conta o leitmotiv da
companhia, o texto dramático. Criaremos um diálogo entre os discursos dos programas
teatrais da CBT, os materiais teóricos e de crítica especializada. O denominador comum,
mesmo que bastante abrangente, da nossa pesquisa seria a ideia de um conjunto de
enunciados criativos, contidos nos programas teatrais, de autoria da CBT, que serão
analisados dentro de suas variáveis e pontos de convergência, menos como uma unidade
estável, mas como um processo em movimento.

Referências bibliográficas

FOUCAULT, Michel.A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.

______. A ordem do discurso. São Paulo : Ed Loyola, 1971.

NAIRA, N. Quem somos. Disponível em: http://www.companhiabrasileira.art.br/quem


somos/&gt. Acesso em: 12/09/2015. TORRES N., W. L. Programa de Teatro como
documento: questões históricas e metodológicas. Revista Art Cultura, Uberlândia, n. 26, jan./
jun. 2013.

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O QUE ESCAPA: DANÇANDO NA TENSÃO DO ESPAÇO


Mariah Spagnolo

Palavras-Chave
dança, espaço, performatividade

A presente pesquisa parte de um interesse investigativo e experiencial no campo da


dança, a qual é vista como uma área de conhecimento teórico-prático, abordando noções
epistemológicas acerca do corpo e espaço em relação com diferentes áreas do conhecimento,
como a arte, filosofia e geografia. Acontece em nível de graduação, como Trabalho de
Conclusão de Curso de Bacharelado e Licenciatura em Dança da Universidade Estadual do
Paraná – Campus de Curitiba II. O assunto de interesse da pesquisa diz respeito ao espaço na
estreita relação com a experiência em dança. Assim, pretende-se investir na relação entre
corpo e espaço, nas afetações que o espaço gera no corpo que dança e que o mesmo gera no
espaço, como o corpo lida com esses afetos que o atravessam, a partir da seguinte pergunta
como norteadora deste processo investigativo em dança: O que escapa hoje? Interessa estudar
e vivenciar o espaço enquanto estratégia para expandir a atenção do corpo que dança, atento
para as relações que ele constrói e para aquelas que o constitui. Dançar a partir do que escapa
no espaço propõe mobilizar uma compreensão que o restringe aos materiais que o constitui
enquanto referenciais fixados, os quais o torna rígido e deixa de considerar a possibilidade da
sua reinvenção, tornando rígidas também as relações que o compõe. As abordagens da
geógrafa britânica Massey (2008) contribuem de modo significativo nesta pesquisa. A autora
problematiza a relações entre sujeito e espaço, ao considerar o espaço sempre em processo de
construção, instigando o exercício de (re)olhar para as relações que o compõe, já que a defesa
do seu caráter processual traz a atenção para o enquanto. De acordo com a autora, é
necessário construir um novo modo de imaginar o espaço, que escapa de imaginários
estabilizados na história ocidental, a qual o concebe como estático e atemporal construído por
narrativas predominantes masculinas e brancas. Por isso, tratar do espaço como aberto e
dinâmico significa considerar a coexistência de outros modos de vida, que se atravessam e se
escapam, criando outra dinâmica para viver, imaginar e dançar. A atenção em que se investe
no presente e na possibilidade de reinventar o espaço, convida o corpo para conviver com o

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não saber, na tentativa de encontrar brechas para mobilizar modelos pré-definidos de espaço,
corpo e dança, já que parte da ideia de abertura, multiplicidade e relação. Lidar com a
possibilidade de experienciar a abertura para a criação implica direcionamento da atenção
para a experiência do corpo no espaço, não considerando o corpo como um receptáculo de
informações que recebe sobre o entorno, e que também não age em um espaço passivo e
acabado. A tentativa é de afastar-se das dicotomias e aproximar as distâncias, buscando
experienciar como é dançar a partir da ideia de um espaço que é móvel e inacabado. No que
diz respeito às abordagens sobre corpo e experiência essa pesquisa é pautada nos estudos da
epistemóloga argentina Denise Najmanovich (2001). A autora traz no livro "O sujeito
encarnado: Questões para a pesquisa no/do cotidiano" um panorama dos entendimentos de
corpo, onde ela também apresenta o paradigma que diz respeito a afirmação da corporalidade
do sujeito, defendendo que conhecer implica perceber e, logo, relacionar-se, o que reforça a
ideia de co-dependência e co-evolução entre corpo e meio. Ao pensar corpo e espaço em
estreita relação, a partir das abordagens de Najmanovich (2001) e Massey (2008), o conceito
de performatividade (SETENTA, 2008) colabora para problematizar as relações entre corpo,
espaço e dança, mobilizando discussões na prática artística. Segundo Setenta, a
performatividade relaciona-se com um modo de estar no mundo que está sempre atento para o
“como” se faz ou como são construídas nossas relações com o entorno. Esse modo de operar
tem a ver com movimentos de reflexão crítica e de questionamentos sobre a prática,
instigados pela ideia de dança que se constrói a partir da estreita relação com o contexto. A
construção do discurso performativo, para Setenta, apresenta questões próprias do corpo que
dança como assunto e, por isso, inventa um jeito específico para discutir e posicionar-se no
mundo, atualizando seus modos de dançar. E essa dança que realiza a própria ideia que
comunica, inventando seu formato e jeito de dançar, é denominada pela autora de “fazer-
dizer”, o qual privilegia questões implícitas no próprio fazer e busca não fixar procedimentos,
ampliando a atenção do corpo que dança para o entorno. Entende-se a criação de modos de
produzir discursos encarnados como possibilidade de mobilizar noções sobre a prática
artística, pois impulsiona a reinvenção do jeito de dançar a partir de um corpo que move
atento a si e ao espaço e se reconhece enquanto sujeito, pois descola lugares fixados, afim de
gerar discurso e aproximações entre sujeito, dança e espaço. Assim, é possível reorganizar
noções que fixam procedimentos ideais ao considerar o caráter performativo, que se encontra

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em ressonância com questões que deslocam o jeito que se dança no enquanto da ação de
dançar. A cartografia (método formulado por Delleuze e Guatarri, 1995) tem surgido como
possibilidade de metodologia para essa pesquisa, tendo em vista que, segundo Kastrup (2009),
ela visa acompanhar um processo de produção de dados em pesquisas de campo a partir da
perspectiva construtivista do conhecimento. Sendo assim, o processo de ensino-aprendizagem
é entendido pela noção de cultivo, tendo a cartografia para assegurar o rigor enquanto método,
mas também olhando para a imprevisibilidade do processo. Ao apresentar uma estreita relação
com o espaço, com o acompanhamento dos percursos, isto é, como um método móvel que
acompanha e se atualiza no decorrer da pesquisa; a cartografia instiga mobilizar também os
modos de dançar, os quais tensionam entendimentos de corpo, articulando outras
possibilidades de experienciar o espaço.

Referências bibliográficas

KASTRUP, V. O funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo. In: PASSOS, E.,


KASTRUP, V. e ESCÓSSIA, L. (orgs). Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção
e produção de subjetividade /. – Porto Alegre: Sulina, 2009. P.32-51.

NAJMANOVICH, D. O sujeito encarnado: questões para a pesquisa no/do cotidiano. Rio


de Janeiro: DP&A, 2001.

MASSEY, D. Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2008.

SETENTA, J. O fazer-dizer do corpo: dança e performatividade, Salvador: EDUFBA,


2008.

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PARA UMA POÉTICA DA DESPOSSESSÃO: UM ESTUDO SOBRE O


AUTOBIOGRÁFICO COMO NEGATIVIDADE E ABJEÇÃO NA OBRA DE
ANGELICA LIDDELL
Janaina Fontes Leite

Palavras-Chave
abjeção, autobiografia, performatividade

A proposta que aqui se apresenta é uma decorrência da pesquisa realizada em nível de


mestrado, que procurou cercar alguns temas caros ao teatro contemporâneo no tocante às
diferentes (e polêmicas) concepções do “real” e sua relação com a ideia de
“autorrepresentação”. A pesquisa, que nasceu de um interesse prático pela cena “documental”
a partir do trabalho artístico da pesquisadora proponente deste projeto, foi se distanciando de
uma certa pretensão categorizante que distinguiria um teatro dito “documental” de “outros”
teatros, e se encaminhou para uma pesquisa de linguagem mais ampla, caracterizada por
determinados interesses como o uso do depoimento, a exploração de uma cena performativa e
a constituição e manipulação de arquivos – sem com isso pretender configurar-se como parte
de um território ou categoria. Como aprofundamento e ampliação dos contornos dessa
pesquisa, propomos, ao nível do doutoramento, explorar a autorrepresentação no território da
des-identidade. Para tanto, tomamos como principal objeto de trabalho a obra de uma das
mais importantes artistas da cena contemporânea, a performer, encenadora e dramaturga
espanhola Angélica Liddell, a fim de verificar de que maneira, em seu trabalho, o
autobiográfico se articula, resultando no que estamos chamando de uma poética da
despossessão. Dentro de uma trajetória de mais de trinta anos de produção, com dezenas de
textos de teatro publicados e espetáculos encenados, propomos como recorte duas sequências
de sua obra intituladas “Atos de desobediência” e “Atos de Resistência contra a morte”. Não à
toa, nossa escolha recai sobre a fase em que ela denomina de “Atos” apontando para uma
curva em sua trajetória na qual a performatividade e o que ela chama de “confessional” se
evidenciam. Em 2003, a artista é convidada a apresentar no Festival de teatro contemporâneo
de Madrid “El triptico de la aflición”, uma sequência de peças sobre o horror e a violência
dentro família. Para o evento, Angélica cria uma performance chamada “Lesiones

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incompatibles con la vida” na qual ela está nua, com os pés presos numa placa de gesso, com
projeções de ruas, mercados e fotos de família e onde, durante 30 minutos ela golpeia o
próprio sexo com uma pedra enquanto faz uma espécie de manifesto sobre sua recusa em ter
filhos. Llega un momento en que la sociedad se excita, se impacienta y procrea, procrea
porque sí, procrea. ¿Qué motivos tienen?? Me pregunto, ¿qué motivos tienen?? Pero mi
decisión es anormal. Perdón por la violencia.? Mi violencia verbal es mi lucha contra la
violencia real.? Mi cuerpo es mi protesta. (LIDDELL, 2005) “Lesiones incompatibles con la
vida” comporá o que ela chama de “ações” ou os “Actos de desobediencia” inaugurando um
novo ciclo em sua obra. Quando a artista é questionada sobre se fala ou não em seu próprio
nome, Liddell responde: Nas minhas últimas criações, sim. Totalmente, completamente.
Tentando, para além disso, ultrapassar a barreira do pudor. O impudor ofereceu-me uma
liberdade brutal. O impudor referente à minha própria vida: como uma defecação em cena.
Quebrar a barreira do pudor pressupõe um esforço. É como passar a barreira do som.
Dediquei-me a isso nas minhas três últimas criações: duas peças pequenas, Anfaegtelse e Te
haré invencible con mi derrota, que culminam em La casa de la fuerza. Trabalho com os meus
sentimentos, que pertencem às minhas noites, ao que se passou na minha vida. Acontece-me
convocar novamente sentimentos que ultrapassei, porque é com isso que trabalho. Foi esse o
meu objetivo nestes dois últimos anos. Tudo isso torna-se objeto de uma construção, mas
atenção: construir não significa fingir. Desloco-me numa linha ténue entre a construção e os
sentimentos reais. (LIDDELL, 2012) Angélica Liddell é então uma artista que empreende um
projeto teatral no qual assume radicalmente a fala em primeira pessoa, sem, com isso, reiterar
as ilusões narcisistas que sustentam grande parte dos empreendimentos autobiográficos tão
comuns e banalizados na contemporaneidade. Sem, tão pouco, recair em uma espécie de
reinvindicação identitária, seja do ponto de vista do sujeito, seja do ponto de vista de alguma
categoria de pertencimento coletiva. A des-identidade é então o aparente paradoxo sobre o
qual pretendemos nos debruçar visto que partiremos de uma obra que se declara
“pornograficamente” pessoal. O trabalho de Liddell e, em especial, o recorte que estamos
propondo, nos interessa sobretudo porque parece propor um agenciamento peculiar entre
teatralidade e performatividade, cujos termos nos interessa investigar. Liddell parece empurrar
“o ilusionismo até o ponto do real” (FOSTER, 1996), através de sua teatralidade excessiva,
quase barroca, de signos ostensivos. Ao mesmo tempo que rejeita o ilusionismo, “numa

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tentativa de evocar o real enquanto tal” (id) através da emergência do corpo, da confissão e do
sacrifício, que nega a mediação, ao propor a literalidade como única maneira de se aproximar
do horror. Nos parece que no teatro de Liddell o excesso da confissão, numa autoexposição
pornográfica (ou abjeta?) do corpo, da própria vida, termina por dissolver o “eu” (o sujeito da
memória, ancorado no imaginário) em uma zona de difícil simbolização, quando não de
impossível captura. É o que parece acontecer também nos trabalhos em que Liddell opera
com ficções, como em “Ricardo III”, parte da trilogia “Atos de resistência contra a morte”. A
ficção, no seu caso, parece ser um “outro” para a experiência pessoal através do qual o “eu”
também pode se “despossuir”. Para refletir sobre a articulação em seu trabalho, entre vida e
obra, performatividade e teatralidade, nossa hipótese é de que os conceitos de negatividade
(articulado por Lacan na teoria das pulsões) e de abjeção (tal qual proposto por Júlia Kristeva
em “Os Poderes do horror”) podem ser importantes instrumentos para pensar o teatro de
Liddell – e, avançando, a própria cena contemporânea como um todo – evitando os
incontornáveis impasses da dicotomia real e ficcional. São esses também conceitos
fundamentais para pensar o trabalho de autorrepresentação como experiência de despossessão
(referência aqui a Judith Butler ao pensar o “relato de si” que se produz a partir do encontro
com a opacidade do outro).

Referências bibliográficas

FOSTER, Hal. O retorno do real: A vanguarda no final do século XX. São Paulo: Cosac
Naif, 2014.

LIDDELL, Angélica. Entrevista cedida a Culturgest, Fundação Caixa Geral de Depósitos,


por ocasião da apresenração de La casa de la fuerza em fevereiro 2011, Portugal. Lesiones
incompatibles con la vida, 2005 in http://estrangulaelvacio.blogspot.com.br/2013/02/lesiones-
incompatibles-con-la-vida.html 1/10

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TEATRO DO SENTENCIADO: RESISTÊNCIA CULTURAL DAS CLASSES


POPULARES
Viviane Narvaes

Palavras-Chave
teatro e prisão, teatro e resistência, teatro do sentenciado

Este trabalho é fruto de pesquisa de doutorado em andamento, trata-se de pesquisa


histórica de natureza básica, qualitativa e documental, portanto teórica e empírica. A
abordagem metodológica baseia-se no materialismo histórico dialético e os procedimentos de
pesquisa envolvem o levantamento bibliográfico e de fontes documentais, a realização de
entrevistas e análise documental. O Teatro do Sentenciado é uma expressão cunhada por
Abdias Nascimento para descrever e nomear as experiências de encenação teatral
desenvolvidas no interior da unidade prisional em que esteve encarcerado, a saber: a
Penitenciária do Estado de São Paulo (Carandiru), na década de 1940, antes da fundação do
Teatro Experimental do Negro – TEN. A produção teatral realizada neste período dentro da
penitenciária por Abdias do Nascimento está documentada em algumas publicações do autor e
nas fontes constantes do acervo digital do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro Brasileiros –
Ipeafro. Foram realizadas 6 (seis) encenações, quase todas em 1943, algumas cenas curtas, ou
“cenas brasileiras” conforme as identifica Abdias, e números musicais. Os espetáculos foram:
“O dia de Colombo”, “Revista Penitenciária”, “Patrocínio e a República”, “Defensor Perpétuo
do Brasil”, “Zé Bacoco” e “O preguiçoso”. As cenas brasileiras foram “Apertura de Simplício
e Zé Porqueiro”, “Pimpinelli e suas extravagâncias” e números de ilusionismo e
prestidigitação. Os números musicais eram apresentados pelo grupo “Jaz Cristal” e pelo
regional “Anjos do Ritmo”. A experiência teatral que examinaremos foi protagonizada por
sujeitos altamente invisibilizados na nossa sociedade, constituindo-se também como
resistência cultural e étnica, uma vez que já naquela década o perfil da população carcerária
possuía raça, classe social, faixa etária e grau de escolarização específicos. O fato de Abdias
ser um militante do movimento negro permite também nos fazer refletir sobre que impactos a
população carcerária da época pode ter promovido em sua trajetória. Nossa discussão se dá a
partir da compreensão de que este teatro se refere às expressões de setores subalternizados1

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!

da sociedade brasileira. Para proceder nossa análise, este trabalho foi dividido em três partes.
Na primeira parte apresentaremos um pouco da trajetória de Abdias Nascimento, iluminando
momentos que se relacionam de forma mais ou menos direta com a experiência do Teatro do
Sentenciado. A trajetória de Abdias é marcada por sua militância no movimento negro
interligada à sua atuação artística, portanto é importante destacar alguns elementos
relacionados ao desenvolvimento do movimento negro no Brasil. Por volta de 1930 foi criada
no Brasil a Frente Negra Brasileira – FNB, que mais tarde se tornou um partido político e que
em 1937 foi colocado na ilegalidade com advento do Estado Novo. Se o período foi de
endurecimento do regime no Brasil, no contexto internacional a partir de 1938 o conflito
predominante é o da Segunda Guerra Mundial, que impacta de muitas maneiras as lutas
sociais em diferentes contextos. Nos Estados Unidos, por exemplo, é no pós-guerra que há o
ascenso das lutas da resistência negra face ao modelo de segregação racial. Na segunda parte
trataremos de situar o contexto político dos primeiros anos da década de 1940 e de destacar
alguns pontos para o debate da tradição da história do teatro brasileiro. No intuito de
contextualizar o período em que se inscreve o Teatro do Sentenciado, cabe identificarmos o
momento histórico internacional, bem como as particularidades do cenário brasileiro. Por
volta de 1910 se disseminavam na imprensa paulista e carioca inúmeros jornais voltados a
tratar a questão negra e dirigidos a esta parcela da população. Esse movimento não é isolado
em relação ao contexto da esquerda internacional, tanto que, em 1920, ocorre em Moscou o II
Congresso do COMINTERN, amplamente conhecido como a 3ª Internacional Comunista, em
que pela primeira vez se coloca em pauta a questão dos negros na América. Na terceira parte
faremos o debate sobre cultura e política considerando o teatro no contexto da luta de classes,
utilizando como referenciais teóricos as ideias de Roberto Schwarz (2014) e de Iná Camargo
Costa (1996). A partir da obra “Cultura e política, 1964-1969” de Roberto Schwarz, bem
como sobre o teatro no contexto da luta de classes, tema amplamente desenvolvido por Iná
Camargo Costa em várias de suas obras, compreendemos que ambos tratam da questão da
política de colaboração de classes do PCB naqueles anos. Iná (1996), por sua vez, estabelece
seu eixo de análise do golpe de 64 como o momento que promove a interrupção no processo
de socialização dos meios de produção das linguagens artísticas por força do Estado. Para
Schwarz (2014), o ciclo que, em maior ou menor grau, compunha uma unidade de projeto
econômico e estético - com o nacional-desenvolvimentismo e com o debate do nacional

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popular tendo em vista a constituição de uma frente ampla para conquistar as reformas de
base - se quebra com o golpe, no entanto uma cultura de esquerda conquista relativo espaço
em determinados nichos sociais. O debate dos dois autores enfoca período posterior aos anos
iniciais da década de 40, se referenciando em termos de teatro e estética em movimentos que
ocorrem a partir de 1944 com a fundação do TEN. No entanto, muitos elementos de suas
análises dão pistas e permitem inferências que reportam a outros momentos históricos. Com
apoio no pensamento de Roberto Schwarz, de quem tomamos emprestado para nossa reflexão
a ideia de que a periferia tem condições de revelar algo específico do global, nos
perguntamos: a experiência do Teatro do Sentenciado na periferia do capitalismo não teria
também algo a revelar da experiência social e cultural global? Referências

Referências bibliográficas

COSTA, Iná Camargo. Panorama do Rio Vermelho: Ensaios sobre o Teatro Americano
Moderno. São Paulo: Nankin Editorial, 2001

______. A hora do teatro épico no Brasil. São Paulo: Graal, 1996.

______. Nem uma lágrima: teatro épico em perspectiva dialética. São Paulo: Expressão
Popular, 2012.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, vol. 5. Caderno 25. Edição e tradução: Carlos
Nelson Coutinho, Co-edição: Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira; Rio de
Janeiro; Ed. Civilização Brasileira, 2002.

NASCIMENTO, Abdias. Entrevista com Abdias Nascimento In Revista Acervo vol. 22


número 2. O Negro na Sociedade Contemporânea. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. 2004

______. Teatro Experimental do Negro: Trajetória e reflexões In Revista Estudos


Avançados no 18. IEA – USP. 2004.

SCHWARZ, Roberto. As ideias fora do lugar: Ensaios Selecionados. São Paulo: Penguin
Classics Companhia das Letras, 2014.

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O JOGO DE HOLOGRAMAR NO MODO OPERATIVO AND


Arlette Souza E Souza

Palavras-Chave
cognição, mente, modo operativo AND

Eugénio e Fiadeiro (2013) apresentam um modelo voltado para os processos de


atenção e coletivização da produção da obra. No Modo Operativo AND (MO_AND), o sujeito
não é protagonista da ação, ao invés disso, ele toma uma posição ao participar da construção
do acontecimento. O pensar e o fazer acontecem concomitantemente no tempo e no espaço,
criando um plano comum de possibilidades. Os autores consideram este plano como um
laboratório, uma maquete onde podemos observar a composição e os processos mentais de
sua construção, em ato. Em seu livro, Rhonda Blair (2008) relaciona a arte do ator e o método
de atuação de Stanislavsky com as ciências cognitivas. A partir das discussões da autora,
comecei a perceber uma correspondência entre o processo de composição no MO_AND e as
ciências cognitivas. Blair (2008) começou sua pesquisa com as ciências cognitivas porque
entende que a arte de atuar tem uma relação fundamental com o corpo. O corpo do ator é sua
ferramenta principal, e as recentes pesquisas nas ciências cognitivas demonstram um corpo
sempre em mutação, justamente porque está em relação constante com o mundo. A autora se
dedica ao teatro baseado no texto, mas explica que o teatro de performance ou de improviso
também pode ser analisado através das ciências cognitivas. O MO_AND se encaixa nesta
necessidade de um processo de criação que acompanhe a constante mutação do mundo em
que vivemos e do próprio processo em si. E, além disso, que abrace a ideia de um processo
criativo mais comunitário, em relação atenta com o mundo à nossa volta e não tão
fundamentado no indivíduo ou no self. Alguns autores que Blair discute em seu livro
esclarecem alguns pontos do MO_AND. A ideia de mente incorporada discutida por George
Lakoff e Mark Johnson (1999) e também por Francisco Varela, Evan Thompson e Eleanor
Rosch (1993) me ajudou a entender como a concepção de que a mente é uma manifestação do
corpo poderia explicar os processos mentais do MO_AND. A ideia de que a mente é
incorporada vai além da afirmação de que precisamos de um corpo para que haja razão. Na
verdade, segundo Lakoff e Johnson (1999), a razão é produzida, em grande parte, pela própria

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estrutura corporal. Isto quer dizer que, a razão imagina conceitos através das mesmas
estruturas neurais e mecanismos cognitivos que o corpo utiliza para perceber o mundo. As
ideias de Lakoff e Johnson me levaram a concluir que, para entender melhor o MO_AND,
muitos pontos deveriam ser levados em consideração: o corpo e sua singularidade, o ambiente
e suas relações, o acontecimento e ainda, a estrutura do pensamento, ou seja, como
percebemos e como nos relacionamos com o mundo à nossa volta. A partir de então, os
mecanismos cognitivos para criação de conceitos e aqueles que tem relação com a percepção,
passaram a ser as ferramentas que utilizo para estudar e praticar o MO_AND. Além destes,
para discutir a maneira como nos relacionamos no MO_AND e a experiência em si, utilizo o
conceito de integração conceitual ou blending que Gilles Fauconnier e Mark Turner (2002)
desenvolvem em seu livro. Para Fauconnier e Turner (2002), o blending é um sistema que
organiza, aciona e afere os significados e conceitos com objetivo de entendê-los de uma
forma consciente, mas que também é operado, em sua grande parte, de uma maneira
inconsciente. Os linguistas cognitivos explicam que a identidade, a integração e a imaginação
são as operações básicas para a construção de significado. A integração conceitual, como
centro da imaginação, é regida por espaços mentais, que são espaços que construímos com as
imagens que manuseamos em nossa mente. No MO_AND também construímos espaços
mentais pois manuseamos imagens no intuito de combiná-las entre si para que possamos
compor e também para lidar com acidentes que possam vir a acontecer. Segundo os autores a
identidade, a integração e a imaginação são as operações básicas para a fabricação de
significado, dos mais simples aos mais intrincados. É claro que estas operações não são
simples, são complexas, inconscientes, enigmáticas e interligadas; na verdade, elas são a base
tanto para percebermos simples significados no nosso dia a dia quanto para grandes insights,
ideias ou explosões de criatividade humana. Para estabelecer estes espaços mentais nós nos
utilizamos de relações conceituais chamadas de relações vitais, que aparecem
sistematicamente comprimidas no blending, são elas: Mudança; Identidade; Tempo; Espaço;
Causa e Efeito; Parte – Todo; Representação; Papel; Analogia; Diferenciação; Propriedade;
Similaridade; Categoria; Intencionalidade e Unidade. Irei explicar cada uma delas mais
adiante. Estas relações vitais são comprimidas e descomprimidas constantemente, movendo-
se e associando-se entre si, criando, ainda, significados emergentes, sendo este processo
chamado de integração conceitual. (FAUCONNIER; TURNER, 2002) A partir dessa chave de

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compreensão discuto o blending em dois momentos: primeiro na produção de imagens do


ator, como estabelecido por Rhonda Blair (2008), e, em segundo lugar, as nuances do
blending no MO_AND e de que maneira este conceito dialoga com a questão da composição
de imagens mentais, especialmente no Jogo das Perguntas. No Jogo das Perguntas, de uma
maneira um pouco mais consciente (dentro dos limites de nossa consciência destes processos
mentais) também vamos categorizando, combinando e descartando imagens mentais no
intuito de deixar emergir uma nova estrutura que não existia de antemão. O estudo das
Relações Vitais abriu, para mim, um novo campo de associações. Quando comecei a praticar
o MO_AND, eu insistia em perceber a relação entre as coisas apenas através ou de
similaridade, repetição ou diferença. Ao começar a pensar em outros tipos de associações,
evidentemente o jogo ganhou outra dimensão para mim. O Jogo das Relações ganhou uma
nova perspectiva, pois, a partir das Relações Vitais, poderia passar a identificar outras nuances
naquilo que existe no intervalo entre as coisas. Além de enriquecer meu vocabulário para o
jogo, percebi que estas outras relações podem ser facilmente entendidas por todos os
participantes tanto quanto a relação de similaridade ou repetição da aparência.

Referências bibliografias

BLAIR, Rhonda. The Actor, Image and Action: Acting and Cognitive Science. USA and
Canada: Routledge, 2008.

EUGENIO, Fernanda; FIADEIRO, João. O Jogo das Peguntas: O Modo Operativo “AND”
e o VIVER JUNTOS SEM IDEIAS. In Fractal, Rev. Psicol. v 25, n.2, p.221 – 246. Maio/
Agosto 2013.

FAUCONNIER, Gilles; TURNER, Mark. The Way We Think: Conceptual Blending and
the Mind’s Hidden Complexities. Cambridge: University Press, 2002.

LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Philosophy in the Flesh: The Embodied Mind and
its Challenge to Western Thought. New York: Basic Books, A Member of the Perseus
Books Group, 1999.

VARELA, Francisco J.; THOMPSON, Evan; ROSCH, Eleanor. The Embodied Mind:
Cognitive Science and Human Experience. Massachusetts: Massachusetts Institute of
Technology Press, 1993.

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CENAS, SUJEITOS E OPRESSÕES: O TEATRO DO OPRIMIDO NUMA


EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA E SUAS REVERBERAÇÕES
Marilene Aparecida Batista, Vinicius Da Silva Lírio

Palavras-Chave
ensino de teatro, teatro do oprimido, teatro político

Esta pesquisa, desenvolvida como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da


Licenciatura em Teatro, na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais
(EBA/UFMG), trata de uma experiência com técnicas do Teatro do Oprimido (TO) realizada
com alunos da turma de teatro e com o grupo de mulheres da Casa Sr. Tito, ONG localizada
no bairro Palmital, na cidade de Lagoa Santa–MG. Desenvolve-se um exercício analítico,
interpretativo e reflexivo sobre o uso do TO, à luz da proposta de Augusto Boal, num
processo de criação e de ensino e aprendizagem, realizado no primeiro semestre 2017, com
sujeitos em situação de opressão. Um dos objetivos era documentar e sistematizar a
experiência vivida com aquele coletivo de sujeitos, naquele contexto específico, considerando
as questões sociais, culturais, identitárias, políticas e econômicas que atravessam o cotidiano
dos mesmos. Buscou-se, assim, com o processo, contribuir para a formação política e artística
dos alunos de teatro e do grupo de mulheres da instituição, bem como, intenta-se que a
sistematização desenvolvida na monografia de conclusão de curso em pauta possa servir a
outros praticantes do método e arte educadores, colaborando para a multiplicação do TO, em
práticas pedagógicas e criativas. Foram utilizadas as abordagens etnográfica e autoetnográfica
(FORTIN, 2009; VERSIANI, 2002) como metodologia para realização e sistematização desta
pesquisa. A escrita desse estudo ocorreu em paralelo ao desenvolvimento da poética, de modo
que ambas se atravessaram de modo vivo, em potência e movimento. Para geração de dados,
alguns recursos foram utilizados para registro dos rastros do processo e construção das
(auto)etnografias, como: diário de bordo, material audiovisual, relatos dos participantes,
planos de curso e de aula, anotações e relatórios. A escolha dessas abordagens se justifica,
tanto por esta pesquisa ter se constituído enquanto qualitativa e reflexiva, quanto por incluir a
observação participante da autora, de modo que houve por esta uma imersão na cultura local –
que ainda se mantem – colocando-se em dialogia com o contexto e, a partir disso, engajando-

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se num processo de interpretação do mesmo e das experiências ali vivenciadas com os seus
sujeitos. Ademais, as questões da poética e do processo de ensino e aprendizagem, em si,
atravessam a autora, em dimensões pessoais, artísticas e profissionais. O que justifica o
enfoque numa prática autoetnográfica nessa sistematização. A história pessoal, nesse tipo de
abordagem, deve de se tornar o trampolim para uma compreensão maior. Não se trata de
narcisismo. O discurso do praticante pesquisador, ao se voltar sobre si, não pode “ficar lá”,
deve ir em direção a outros. Na escrita desse estudo monográfico, considerou-se não apenas a
perspectiva de professora da autora, mas também traços autobiográficos que se entrecruzam
com sua prática profissional. Assim como seus alunos, a mesma também é moradora da região
metropolitana de Belo Horizonte - MG e vivencia, em meu cotidiano, relações de opressão
que se assemelham às vividas por eles. Diante de reconhecimentos como esse, percebeu-se,
então, uma interlocução entre a perspectiva metodológica acerca do sujeito da pesquisa e do
pesquisador na autoetnografia com a poética do Teatro do Oprimido, na qual, no exercício
político e estético da cena do Teatro - Fórum, o ator não fala pela voz do oprimido. São os
próprios espectadores que, ao se identificarem com as situações opressivas representadas,
entram em cena e podem, com sua voz, seu corpo e sua ação combater o opressor. Além de
treinar reações a opressões vivenciadas em seu dia-a-dia. Assim, empreendeu-se um exercício
de teorização, articulando estudos sobre o Teatro do Oprimido e a dramaturgia do Teatro-
Fórum, tendo como foco o processo com esses alunos da Casa Sr Tito. Para tanto, utilizou-se
como referenciais teóricos os estudos de Augusto Boal (1980; 2002; 2013; 2015), Flávio
Sanctum (2017), Bárbara Santos (2010), Suzana Schmidt Viganó (2006). Nesse sentido,
foram descritos e analisados alguns procedimentos utilizados para mapeamento das opressões
vividas pelos alunos e para apreensão de conceitos-chave do Teatro do Oprimido. Foi
introduzida, ainda, a estrutura dramática do Teatro - Fórum, cujas bases atravessaram a etapa
de criação dramatúrgica. E, por fim, refletiu-se acerca das reverberações do TO no cotidiano
dos sujeitos envolvidos nesta poética. O estudo leva a coadunar com a perspectiva de que não
há segmentação entre arte e vida, compreensão sustentada por Augusto Boal, criador do TO, e
que, aqui, é reflexo da prática com os alunos. Logrou-se, com o processo, interferir numa
dada situação de opressão vivida pelos moradores do bairro, gerando transformações inclusive
nos participantes do processo. Compreendeu-se, numa experiência prática, que, através das
técnicas do TO, é possível estimular e provocar os alunos – bem como os demais sujeitos em

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relação no processo – a se posicionar ativamente no mundo, fazendo teatro. Um teatro


peculiar que traz em si a potencialidade de tornar os espectadores protagonistas. A poética do
oprimido propõe a própria ação. O espectador não delega poderes ao personagem para que
atue nem para que pense em seu lugar. Pelo contrário, o espectador assume um papel de
protagonista, transforma a ação dramática, ensaia soluções possíveis. O Teatro do Oprimido e,
mais especificamente, o Teatro - Fórum é um ensaio para a realidade, para a transformação
social.

Referências bibliográficas

BOAL, Augusto. Jogos para atores e não atores. São Paulo: Cosac Naify, 2015.

______. O arco-íris do desejo: o método Boal de teatro e terapia. Rio de Janeiro: Editora
Civilização Brasileira, 2002.

______. Stop: c’est magique! Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1980.

______. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

BOAL, Julián. Posfácio. In.: BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas.
São Paulo: Cosac Naify, 2013.

FORTIN, Sylvie. Contribuições da etnografia e auto – etnografia para a pesquisa na


prática artística. Cena (UFRGS), n 7, p. 77-88, 2009.

SANCTUM, Flavio. Curinga – O Investigador de Alternativas. Disponível em: http://


www.academia.edu/28104903/Curinga_O_Investigador_de_Alternativas. Acesso em: 06 de
junho de 2017.

SANTOS, Bárbara. A arte de curingar. 2010. Disponível em: http://kuringa-


barbarasantos.blogspot.com.br/2010/08/arte-de-curingar.html Acesso em 13 de maio de 2017.

VERSIANI, Daniela Beccaccia. Autoetnografia: uma alternativa conceitual. Letras de


Hoje, Porto Alegre, v. 37, n 4, p. 57-72, dez, 2002.

VIGANÓ, Suzana Schmidt. As regras do jogo: a ação sociocultural em teatro e o ideal


democrático. SP: Hucitec: Edições Mandacaru, 2006.

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O PÚBLICO COMO PARTICIPANTE E AGENTE COMPOSITOR NAS


LINGUAGENS DO TEATRO E DA PERFORMANCE
Matilde Wrublevski

Palavras-Chave
encenação, espaço, espectação

A atuação do espectador está localizada exatamente no momento onde o evento cênico


acontece, isto é, no encontro entre o público e os atores ou performers. Devido à grande
multiplicidade de manifestações, este encontro também se apresenta de diferentes formas,
principalmente se pensarmos especificamente sobre o viés do público, considerado, aqui,
como um participante. Do mesmo modo, as múltiplas configurações dessas linguagens
moldam e propõem essa participação. A partir da perspectiva de que o espectador do teatro e
da performance extrapolam uma condição aparentemente observadora, é preciso compreender
em que consiste esta nova conjuntura. Este estudo teórico está sendo desenvolvido no
mestrado em Artes da Cena do PPGAC/ECO. A proposta então, passa pela investigação da
relação entre o ator ou performer e o espectador, na intenção de pensar o espectador como um
agente participante e compositor da cena ou da ação. Estes termos serão descontruídos e alvo
de reflexão para pensar quais são as formas de participação que existem em ambas
linguagens. Deste modo, a seguinte questão se faz presente: existe alguma forma de arte onde
o público não possua nenhuma forma de participação? É importante mencionar que considero
o espectador uma figura participante em qualquer condição pelo seu papel fundamental para a
arte em geral. Será necessário então, diferenciar neste estudo que qualidade de participação
está sendo procurada e no que ela se difere. Ela então se constitui principalmente no momento
quando o espectador é envolvido também pelo seu corpo, através de uma ação que possui
características de ritual (no sentido laico), compartilhando do tempo e espaço da cena. Através
de alguns exemplos será evidenciado como a noção de obra de arte se modifica durante o
século XX, entre as noções de arte moderna e pós moderna, juntamente com diferentes formas
de participação que podem ser encontradas em linguagens como: artes visuais, cinema e
teatro. Para levantar suas diferenças e similaridades, serão abordados aqui os casos de artistas
como Marcel Duchamp, Lygia Clark e Hélio Oiticica. Além do processo onde o cinema se

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alia as artes visuais para habitar outros espaços. No teatro serão tratados de modelos
configurados sobre o palco italiano e a proposta Wagneriana da obra de arte total, onde o
público é posicionado no espaço da plateia, frequentemente sentado em cadeiras. Esta
proposta será vista também a partir da noção de obra de arte viva de Adolphe Appia, onde o
autor se utiliza das ideias de Wagner, problematizando-as no processo. Percorreremos, então,
possibilidades onde o espectador é envolvido intelectual e fisicamente. Os estudos teóricos de
Antonin Artaud, a partir da obra O teatro e seu duplo, contribuirão para a ideia de um público
que é colocado no centro da ação; essa mudança levanta problemas. Para este estudo a
performance entra como um exemplo de linguagem disparadora e provocadora desta condição
de participante do espectador, possibilitando um modo diferenciado de inclusão. Nela é
possível ver traços de uma dinâmica que prioriza o coletivo e cede espaço à reação e
posicionamento sobre o que é visto e vivido. Deste modo, serão através destes exemplos, nas
artes visuais, no teatro e no cinema, que será traçado uma ponte e demonstrarei como
características presentes nas teorias da performance são vistas nos processos de diversas áreas
artísticas. Utilizarei as pesquisas de Richard Schechner (2006) e Renato Cohen (2002) com
seus estudos e revisões sobre as teorias da performance e a linguagem da performance art.
Será acrescentado também a visão mais recente de Josette Féral (2015) sobre as influências
mutuas do teatro e da performance. Neste processo, poderá ser observado o modo como é
entendida a noção de obra de arte, como ela é produzida, assim como a sua atuação. Tais
questões apontam para uma noção central sobre a ideia de arte moderna e influenciam
diretamente a relação entre obra/artista e público. A partir desta mudança, será possível
perceber como a linguagem da performance apresenta questões que são referentes a uma nova
forma de se pensar a arte. Dentro de um espaço entre a performance e o teatro busca-se
elementos que demonstrem novas relações. A partir do levantamento das diferentes
características, os termos que serão utilizados para definir determinadas qualidades
observadas, como a noção de obra de arte “ficção” e “tempo real”, entre outros, serão
desenvolvidos e analisados ao longo da pesquisa. A princípio pode aparentar ser um trabalho
de contrapontos e delimitações de diferenças, contudo o intuito aqui é um aprofundamento
maior. Primeiramente, porque os limites entre tais características não são fixados e inflexíveis,
pelo contrário, eles se movimentam o tempo inteiro. Tais limites estão localizados
simultaneamente entre polos como realidade e ficção e pertencem em trânsito e/ou mesmo

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tempo aos dois extremos. Esta possível trajetória sobre a condição do espectador vem
demonstrar uma mudança sobre a relação da arte com o público. A co-presença espectador/
ator ou performer é uma condição participativa que impõe abordagem de aspectos políticos.
Vê-se um espectador que adota um apassivamento físico para participar intelectualmente do
espetáculo, em contraponto a um espectador envolvido fisicamente na ação. Esta trajetória
não acontece de modo linear e progressiva; na verdade, é um processo muito mais complexo,
em que ambos aspectos são encontrados em épocas distintas e em alguns casos
simultaneamente. Esta pesquisa pretende compreender os desdobramentos de uma condição
de espectador onde ele se torna um co-criador da cena, transitando entre o dentro e fora da
situação do artista.

Referências bibliográficas

ARTAUD, Antonin, O Teatro e Seu Duplo. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

APPIA, Adolphe. A obra de arte viva. Amadora. ESTC. 2006.

COHEN, Renato. Performance como linguagem. São Paulo: Perspectiva, 2002.

FÉRAL, Josette. Além do limite: teoria e prática do teatro. Tradução de J. Guinsburg. São
Paulo: Perspectiva, 2015.

SCHECHNER, Richard. What is performance? IN: Performance studies: an introduction,


second edition. New York & London. Routledge. 2006.

WAGNER, Richard. The artwork of the future IN: TREITLER, Leo. Strunk’s Source
Readings in Music History. Nova York, Norton, 1998.

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PROCEDIMENTOS DA CENA ENTRE A FICÇÃO E A NÃO-FICÇÃO: TRADUÇÕES


POÉTICAS PARA UM PENSAMENTO
Miguel Atticciati Prata

Palavras-Chave
ensaio, pensamento, tradução, poesia

A presente investigação propõe uma análise dos procedimentos de F for fake


(Verdades e Mentiras, 1976), de Orson Welles; e Looking for Richard (Ricardo III: um ensaio,
1998), de Al Pacino; guiada, inicialmente por dois estudos sobre filmes-ensaio, Corrigan
(2011) e Weinrichter (2007), tendo como base a formulação de Goddard do ensaio no cinema
como uma forma que pensa (WEINRICHTER, 2007), localizada entre a ficção e a não-ficção
(CORRIGAN, 2011). Alain Bergala (WEINRICHTER, 2007) afirma que o ensaio no cinema
surge quando alguém ensaia pensar com suas próprias forças sem a garantia de um saber
prévio. E o que se vê na tela, ainda que se trate de pedaços da realidade, só existe pela razão
de ter sido pensado por alguém. Em F for fake (Verdades e Mentiras, 1976), Orson Welles,
junto com o documentarista francês François Reichenbach, realiza uma pseudo-reportagem,
nas palavras de Truffaut (2006), sobre o falsificador de arte Elmir de Hory e seu biógrafo
Clifford Irving (autor do livro Fake!, 1969, e da “falsa” biografia do magnata Howard
Hughes). Welles também nos narra sua própria história de falsificações, truques e
charlatanismo, desde a estreia nos palcos em Londres até a entrada em Hollywood, passando
por um dos mais notórios engodos da história da indústria cultural no século XX, a
transmissão radiofônica da “Guerra dos mundos” de H. G. Wells em 1938 (SOARES, 2013).
Entre verdades e mentiras confessadas em cena, Welles encerra afirmando que, “na verdade”,
forjou uma história de arte e o que mentirosos como ele (e Elmir) esperam servir é a verdade,
como afirma com Picasso que a arte é uma mentira que nos faz perceber a verdade. Em
Looking for Richard (Ricardo III: um ensaio, 1998), Al Pacino (roteirista, produtor e diretor
do filme) justapõe cenas expondo diversos modos de aproximação e leitura com o texto de
William Shakespeare. Um dos interesses do filme destacado em uma fala do também ator,
Pacino, é investigar os sentidos e a relevância do texto shakespeariano para seus
contemporâneos. Al Pacino parte de questões (questions), que se realizam como uma série de

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buscas (quests), que o colocam em cena a partir de gestos que oscilam entre a ficção da peça e
a realidade dos atores, dos habitantes e das ruas de uma cidade. Os gestos de Al Pacino expõe
para seu público a procura por formas de traduzir para o cinema aquela outra língua do texto,
sem buscar alguma compreensão “verdadeira” que o texto poderia evocar naqueles que se
especializam na obra, pelo contrário, os especialistas que aparecem no filme também são
mostrados com certa ironia. A forma contida nos filmes e os autores que escolhemos para
estudá-las nos direcionam também a Michel de Montaigne, o primeiro que se tem notícia que
nomeou seus escritos como Ensaios (Essays) (STAROBINSKI, 2011). Para Jean Starobinski
(2011), em Montaigne, o exercício da reflexão interna é inseparável da inspeção da realidade
exterior. É depois de ter abordado as grandes questões morais, escutado a sentença dos autores
clássicos, enfrentado os dilaceramentos do mundo presente, depois de se dirigir para muitos
espaços que procurando comunicar suas cogitações, ele se descobre consubstancial ao seu
livro, oferecendo de si mesmo uma representação indireta, que pede apenas para ser
completada, enriquecida (STAROBINSKI, 2011). Em cada ensaio dirigido à realidade
externa, ou ao seu corpo (STAROBINSKI, 2011), Michel de Montaigne experimenta suas
forças intelectuais próprias, em seu vigor e em sua insuficiência (STAROBINSKI, 2011).
Corrigan aponta que na trajetória do ensaio desde Montaigne, o mais interessante não é como
ele privilegia uma expressão pessoal e subjetiva, mas como complica e gera um problema
para a própria noção de expressividade e sua relação com a experiência (CORRIGAN, 2011).
Em seu último ensaio, intitulado Da Experiência, Montaigne escreve que os eruditos falam e
anotam suas ideias mais precisa e minuciosamente. Ele, que só vê as que a experiência lhe
informa, sem ordem, apresenta as dele no geral, e tateando (MONTAIGNE, 2010). Corrigan
aproxima essas características do ensaio ao texto Sobre a essência e a forma do ensaio, de
Georg Lukács, a partir da ideia de poemas intelectuais (LUKACS, 2008). Essa noção nos
desloca até Jacques Rancière. Para o autor, na exposição de seu pensamento, em seu ato de
palavra, o homem não transmite seu saber, ele poetiza, traduz e convida os outros a fazer a
mesma coisa (RANCIÈRE, 2008). O pensamento nos filmes que estamos analisando pode ser
tomado talvez como uma invenção, uma criação literária, uma ficção, um poema. Mas, como
afirma Rancière, a ficção, em geral, não é a bela história ou a vil mentira que se opõem à
realidade ou que se querem fazer passar por ela. Fingire não significa inicialmente fingir, mas
forjar (RANCIÈRE, 2010). Segundo o autor, é a impossibilidade que é a nossa de dizer a

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verdade, mesmo quando a sentimos, que nos faz falar como poetas (RANCIÈRE, 2008).
Nesse sentido, os filmes analisados a partir da relação que estabelecem entre a ficção e a não
ficção, conjugam um modo poético de expor um pensamento sobre um texto ou um assunto,
sem privilegiar o ponto de vista do artista, pelo contrário, são movimentos que questionam a
própria capacidade do observador. Desejamos com essa pesquisa contribuir para uma
discussão da cena teatral contemporânea que se caracteriza por uma tensão entre realidade e
ficção, entre o real e o fictício (FISCHER-LICHTE, 2013). No olhar de Fischer-Lichte
(2013), a proposta de alguns espetáculos contemporâneos, é diluir a oposição entre real e
ficcional, gerando um estado de crise à ponto que qualquer certeza quanto a saber se devemos
nos posicionar num mundo real ou ficcional se desvanece (FISCHER-LICHTE, 2013).

Referências bibliográficas

CORRIGAN, T. The Essay Film: from Montaigne, After Marker. Nova York: Oxford
University Press, 2011.

FISCHER-LICHTE, E. Realidade e ficção no teatro contemporâneo. Tradução BORJA,


Marcus. Revista Sala Preta. São Paulo, v. 13, n. 2, p. 14-32, jul./dez. 2013.

LUKACS, G. Sobre a essência e a forma do ensaio: Uma carta a Leo Popper. Revista
UFG, ano X, n. 4, p. 104-121, jan./jun. 2008.

MONTAIGNE, M. Os Ensaios: uma seleção. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

RANCIÈRE, J. A Ficção Documental: Marker e a ficção da memória. Revista Do PPGAV/


EBA/UFRJ, ano 22, n. 21, p. 179-189, dez, 2010.

______. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo


Horizonte: Editora Autêntica, 2008.

SOARES, M. Arte e mercado em Verdades e mentiras, o falso documentário de Orson


Welles. Revista da Cinemateca Brasileira, n. 2, p. 40-53, jul, 2013.

STAROBISNKI, J. É possível definir o ensaio. Remates de Males. Campinas, v. 31, n. 1-2,


p. 13-24, Jan./Dez. 2011.

TRUFFAUT, F. Welles e Bazin. In: Orson Welles. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 2006.

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HEINER MÜLLER E UMA DRAMATURGIA TEATRAL DESVINCULADA DA


TRADIÇÃO LITERÁRIA
Gabriel Gouvêa Vilela Dias

Palavras-Chave
Dramaturgia, drama, fragmentação, literatura, teatro.

A atual pesquisa propõe abrir uma reflexão sobre a obra do escritor e diretor alemão
Heiner Müller, cuja dramaturgia se desvinculada do teatro com raízes fincadas em formas
tradicionais da escrita dramática literária. Após revisão bibliográfica para contextualização
sobre vida e obra do autor e para instrumentalização conceitual para abordar sua obra, serão
analisadas três obras teatrais, dividindo o trabalho em duas partes. No primeiro momento um
embate entre as peças de aprendizagem A Decisão (1930) de Bertold Brecht e Mauser (1970)
de Müller, buscando formular sua principal crítica referente ao modelo de teatro épico
brechtiniano. No segundo momento, através da análise da peça Hamletmáquina (1977),
mostraremos o uso da poética da fragmentação tanto na estrutura textual quanto na
interpretação do ator, partindo da ideia que Müller desenvolve de corpo contra o conceito,
revelando que a fragmentação pode abranger um espaço maior para a reflexão do público em
contraposição ao teatro de fábula clássica. Este projeto visa pesquisar a dramaturgia de Müller
e seu teatro que foge dos padrões relativos à prática dramática cristalizada, abrindo outras
possibilidades de dramaturgias e fazeres teatrais, que reverberam em nossa
contemporaneidade cênica. Esta investigação propõe-se também a fundamentar uma futura
direção e encenação de Müller por este orientando. A abordagem metodológica utilizada por
esse projeto será feita por meio da leitura e levantamento de referências bibliográficas
relacionadas à vida e obra do autor, focando na cisão do teatro com a literatura dramática para
assim, construir a primeira linha de raciocínio do artigo. E a partir disso, estabelecer um fio
cronológico ligando às Vanguardas Históricas do começo do século XX e investigar sua
influência sobre a obra de Müller. A segunda etapa consistirá no estudo transdisciplinar de
algumas obras do autor, dialogando com os conceitos de desconstrução de Jacques Derrida e
de historicidade de Walter Benjamin, visando abrir o entendimento do caráter fragmentado
dos seus textos, buscando explicitar a forma de sua estrutura dramática e seu sentido. Por fim,

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pretende-se levantar uma discussão sobre a importância de uma escrita livre de amarras e
conceitos pré-estabelecidos, que parta para uma arte mais democrática na sua criação,
desprendida do textocentrismo. Logo, espera-se aprofundar o entendimento de questões que
abrangem a nossa contemporaneidade teatral, como a estrutura fragmentada de seus textos ou
como a materialização das obras do dramaturgo alemão se faz por meio da ação, entre outros
aspectos e características que estamos analisando. Além disso, com o término dos estudos
pretende-se criar uma base conceitual e analítica para um salto futuro, em uma segunda
iniciação científica teórico/prático, que inclua em sua metodologia e investigação uma
montagem, caracterizada pela relação de leitura e entendimento de um texto de Müller
conduzido pelo corpo do ator. Essa ambicionada montagem certamente se beneficiará desta
pesquisa e os novos caminhos que este estudo adentrará. Essa reflexão, pertencente a uma
iniciação cientifica em andamento, tem como finalidade debater a importância de Müller na
construção de um teatro mais autônomo da tradição literária dramática. Por meio da reescrita
da peça clássica Hamlet do escritor William Shakespeare e o questionamento da fábula
clássica como característica das peças de aprendizagem de Brecht, o autor reivindica através
de sua crítica à literatura dramática, um empoderamento do teatro, que bastasse a si mesmo,
dando prosseguimento às reflexões levantadas pelos autores que compuseram as vanguardas
históricas no começo do século e que continuam em nossos dias. Portanto conclui-se, que a
discussão nunca foi contra a palavra, mas sim pelo papel hegemônico, logocêntrico e
hierárquico que ela ocupava no teatro ou pelo esvaziamento de seus sentidos na inconsciência
da primazia da ação criativa na arte teatral que materialize esteticamente essa palavra. Assim
como George Fuchs usava como lema a reteatralização do teatro (FUCHS apud SANCHES,
1999). contra os literatas, Müller acrescenta seu grito radical por um teatro em oposição e
resistência à literatura, que aumentaria sua contundência política, estética e cultural em textos
que não pudessem ser representados pelo teatro convencional, como dizia ele (MÜLLER
apud RÖHL, 1997). Além dos conterrâneos de Müller citados anteriormente, outros
professores pesquisadores brasileiros e de outras nacionalidades – que se debruçaram sobre as
obras de Brecht, Müller e sobre poéticas do diverso e múltiplo teatro contemporâneo – são
aliados conceituais e contextuais fundamentais. Podemos destacar o francês Jean Jacques
Roubine sobre o teatro contemporâneo, o espanhol José Antonio Sánchez sobre as Vanguardas
Históricas, a paulistana Ingrid Koudela (USP), sobre o teatro de Heiner Müller, Ruth Röhl

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(USP) auxiliando na abordagem analítica das peças do autor alemão e Luciano Gatti com o
estudo da metodologia das peças de aprendizagem de Brecht e Müller. Os conceitos de
dialogismo, de Mikhail Bakhtin, e de historicidade, de Walter Benjamin, também estão sendo
investigados para averiguar outras portas de entrada para a obra de Heiner Müller e para
discussão das poéticas teatrais contemporâneas, mais distantes da hegemonia da escrita de
gabinete, do drama logocêntrico e desteatralizado, que desaproveita as articulações e fissuras
entre o semiótico e o semântico, ou entre o verbal e o cênico ou performativo, que a
linguagem teatral pode proporcionar de forma única, como Müller clamava.

Referências bibliográficas

RÖTH, Ruth. O teatro de Heiner Müller. São Paulo: Editora Perspectiva, 1997.

SANCHEZ, José A.. La escena moderna: Manifestos y textos sobre teatro de la época de
las vanguardias. Madri: Ediciones Akal, 1999.

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ENUNCIADOS PARA UMA CORPOREIDADE MELANCÓLICA


Nathalia Oliveira

Palavras-Chave
corporeidade da contradição, melancolia, Walter Benjamin

A pesquisa investiga uma corporeidade melancólica que pode ser vista como um
reflexo das contradições do estado de exceção da experiência social hipermoderna
(Lipovetsky). A importância da melancolia para esta pesquisa se funda na possibilidade que
ela parece oferecer de reflexão sobre este corpo hipermoderno, fundado em uma estrutura
social produtora de experiências subjetivas de pauperização, ao mesmo tempo que pode ser
visto como potência de resistência a este contexto. Toma-se este corpo como um corpo social
em estado de desordem e de suspensão, mas que, contraditoriamente, está engajado em uma
reflexão e criação críticas diante de sua própria falência. Investiga-se uma experiência social
subjetiva hipermoderna por meio de um estudo centrado na ideia de melancolia, aqui
entendida como sintoma de um sistema econômico, social e político gerador de miséria
subjetiva e, de outro lado, como potência de resistência e de criação de uma nova anatomia de
nossa experiência física e social. A potência deste corpo ancora-se na sua capacidade de
revelar nossa condição hipermoderna como um estado de exceção, interessando-nos pesquisar
a linguagem artística e os enunciados dramatúrgicos que podem ser elaborados neste processo
de tradução do “vazio melancólico” em corporeidade. Esta pesquisa partiu de um processo de
criação artística, o solo Anatomia da Melancolia – experiência I, em que o material teórico foi
experimentado como corporeidade e dramaturgia e a partir do qual foram criados enunciados
compositivos. Esses enunciados nascem, assim, em uma perspectiva dialética, no limiar de
uma reflexão filosófica, sociológica e histórica, tendo como referências bibliográficas
principais os autores Walter Benjamin, Georges Didi-Huberman, Giorgio Agamben, Julia
Kristeva e Theodor Adorno. A palavra melancolia, no Ocidente, designa uma estrutura de
sensibilidade que caracteriza o sujeito que se vê em posição excêntrica frente à norma de sua
época. Da Grécia homérica até o romantismo, passando por Aristóteles e pela crise do
Renascimento, o melancólico era considerado como um ser de exceção, sujeito à alternância
entre momentos de inspiração poética e ataques de fúria ou de inapetência para a vida.

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Segundo Jackie Pigeaud, a reflexão sobre a melancolia tem sido, desde Aristóteles,
indissociável da pergunta sobre a criação estética, já que se relaciona sempre com uma
experiência subjetiva e anímica. O diálogo negativo entre o eu do artista e a realidade que o
envolve é base fundante deste corpo melancólico, aquele que ainda conseguiria ser afetado
pelos choques e contradições entre sua subjetividade e o progresso da modernidade. É desse
choque que parece emergir sua potência de resistência: a melancolia evidencia a inadequação
do sujeito a sua época, ao mesmo tempo que atesta a contaminação deste corpo pela mesma.
Esta contradição pode ser vista na afirmação da autora Julia Kristeva (1987) ao dizer que “o
artista consumido pela melancolia é ao mesmo tempo o mais implacável a combater a
demissão simbólica que o envolve”. Em nosso presente estudo, a ideia de melancolia é
tomada tanto como um estado do corpo, como alegoria de uma condição existencial, cultural e
social. Bastante anterior ao conceito psiquiátrico do termo, a melancolia é, desde Homero,
uma cólera ligada à existência humana, podendo ser vista como um estado de recusa de tudo
que parece não ser justo ao homem, ou ainda, como sintoma da consciência de nossa miséria.
É possível buscar em Walter Benjamin aspectos da melancolia como um sintoma social do
nosso século, relacionando o desencanto do melancólico ao efeito de uma inadequação ou de
uma recusa em relação as suas condições sociais. A desvalorização da experiência da vida
conduziria ao fatalismo que está na origem da indolência do coração do melancólico. Em
"Origem do drama barroco alemão" de Walter Benjamin, a acedia melancólica refere-se ao
sentimento de um "mundo vazio" em que as ações humanas são privadas de todo o valor. A
desvalorização da experiência da vida, para Benjamin, conduziria ao fatalismo que está na
origem da acedia, da “indolência do coração” do melancólico. O choque, para Walter
Benjamin, estaria relacionado ao impacto que a realidade causaria sobre a subjetividade,
tornando sua recepção incompatível com a experiência. O autor relacionou a crise da
experiência e da linguagem à nossa incapacidade de transformar uma experiência vivida em
experiência autêntica, devido ao impacto do trauma sobre o corpo e da impossibilidade de
assimilarmos o choque. Se à época de Benjamin, os corpos ainda ressentiam e não
assimilavam o choque, o trauma que vivemos em nossa hipermodernidade parece ser a
distorção perversa desta situação: estamos a tal ponto traumatizados que já absorvemos o
choque, o assimilamos sem estranhamento, não ressentimos seu impacto sobre nossos corpos,
tornamo-nos apáticos em relação àquilo que nos violenta. Nossa capacidade de espanto e de

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choque face à realidade foi neutralizada, no entanto, esta aparente neutralidade gera uma nova
qualidade traumática, deixando, inevitavelmente, rastros latentes (abatimento, angústia,
ansiedade, entre outros sintomas) de incompreensão e inadequação a esta violência
emudecida. Um desses traços é a melancolia, contraditoriamente, sintoma e antídoto de
resistência a esse mesmo trauma. Este corpo melancólico procura encontrar em suas ações e
enunciados, uma dramaturgia que possa reconstituir o choque, trazendo à tona as contradições
de sua época, evidenciando o trauma e, assim, talvez resistindo à apatia hipermoderna. Um
dos enunciados encontrados em Anatomia da melancolia – experiência I para trazer à tona o
choque normatizado, foi o de fazer o corpo operar a partir de contradições: se de um lado este
corpo melancólico se encontra em total paralisia, petrificado, tragado pela gravidade da Terra
e pelas leis terrenas do capital, de outro, é justamente a partir da insistência sobre esta
imobilidade, do trabalho sobre esta impiedosa anulação subjetiva, que pode emergir uma ação
de resistência melancólica. Nesta proposta de comunicação oral, procurarei compartilhar os
enunciados que foram criados a partir desta chave da contradição. Buscarei igualmente expor
o caminho teórico-prático a partir do qual foi possível nomear e conceber esses mesmos
enunciados, em vista da criação desta corporeidade.

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A CANÇÃO EM CENA: CORPO E GESTO NAS VOZES DE MÔNICA SALMASO E


MARIA JOÃO
Lígia Petrucci

Palavras-Chave
canção, cena, gesto

A discussão acerca do fim da canção, deflagrada por uma declaração do compositor


Chico Buarque em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo em dezembro de 2004, mobilizou no
debate artistas, críticos e pesquisadores. Porém, o que podemos perceber hoje, passados mais
de dez anos, é que a canção popular continua sendo matéria viva não só no que diz respeito
aos processos criativos de cancionistas e intérpretes, como também no que se refere à reflexão
escrita sobre o tema. Se, de um lado, nesse período, a produção cancional abriu-se ainda mais,
projetando suas linhas em múltiplas direções – aqui não podemos nos esquecer de considerar
a atuação de arranjadores, instrumentistas, produtores, diretores musicais e encenadores em
suas parcerias com cantores e compositores –, permitindo assim a coexistência e o
cruzamento de diferentes gêneros, estilos e abordagens, por outro lado é marcante o
crescimento de publicações a ela dedicadas. Na última década, e mesmo antes, o mercado
editorial brasileiro viu surgirem pequenas ou extensas biografias de figuras da canção popular,
monografias, coletâneas de textos, entrevistas e livros de partituras, além de importantes
estudos sobre teoria e história, de autores como Hermano Vianna, Luiz Tatit, Carlos Sandroni,
José Miguel Wisnik e Regina Machado. A universidade também se mostra a cada dia mais
receptiva e atuante na prática e na investigação da música popular, produzindo um número
significativo de teses, dissertações e trabalhos de conclusão de curso que têm como assunto a
canção popular. No entanto, uma vez que ainda são raros os cursos de graduação na área da
música popular e mais raros ainda os programas de pós-graduação específicos, a canção tem
sido mais comumente estudada em departamentos e programas de História, Musicologia,
Educação Musical, Comunicação e, sobretudo, Letras. Pois foi esse o campo que
impulsionou, de certa forma, as pesquisas a partir das teorizações inaugurais de Luiz Tatit
(2002). Recorrendo a ferramentas próprias da semiótica e à ideia basilar de compatibilização
entre melodia e letra, ele lançou os fundamentos para a análise da canção popular brasileira. A

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partir de então, foi possível perceber a canção em sua particular especificidade: nem
exclusivamente música, nem só poesia, mas um objeto único intrinsecamente ligado à
oralidade, à melodia da fala, à entoação. Porém, quer estejam alinhadas à formulação teórica
proposta por Tatit, quer não, podemos notar que a maior parte das pesquisas (assim como boa
parte do acervo bibliográfico que vem se constituindo no país) privilegia o exame da obra do
cancionista, o compositor de canções. Há também aqueles trabalhos que se debruçam sobre
movimentos, como a Bossa Nova e a Tropicália, ou sobre gêneros, como o samba e o rock; a
presença de estudos sobre os intérpretes não-compositores é espantosamente menor. Há, no
entanto, uma outra questão a ser destacada: de um modo geral, as pesquisas, sejam elas
voltadas para a análise de canções, sejam elas voltadas para a interpretação do cantor, têm
como principal fonte o registro fonográfico. Nesse processo de tornar mais compreensíveis os
procedimentos e as escolhas dos artistas, os pesquisadores se amparam principalmente na
escuta de seus fonogramas. De fato, no Brasil, assim como em diversos outros países, a
história da canção popular se confunde com a história das tecnologias de gravação,
reprodução e difusão. Às primeiras técnicas de gravação ela deve a sua configuração básica: a
de uma peça breve com duração variável de três a quatro minutos. Aos suportes de reprodução
e difusão – disco, fita cassete, rádio, TV, internet – ela deve o seu imenso alcance. Se é
inegável que a canção popular, tal como a conhecemos hoje, se conforma e se projeta como
obra mediatizada, não podemos tampouco negar o caráter performático e cênico que lhe é
próprio. E mais do que próprio: fundante. Pessoas cantavam para ser ouvidas por outras
pessoas muito antes da invenção das máquinas falantes, como eram chamados os primeiros
fonógrafos, e da descoberta de que ondas eletromagnéticas poderiam propagar o som (e
posteriormente a imagem) – e continuaram a fazê-lo mesmo depois de a revolução digital ter
transfigurado o mundo. Assim, a partir da premissa de que a canção é também uma arte da
cena, a pesquisa se dedica à análise das performances de palco da cantora brasileira Mônica
Salmaso e da cantora e compositora portuguesa Maria João. Para compreender a especial
força poética de um concerto de canções e de que forma as atuações das duas artistas podem
ser tão catalisadoras e criadoras de sentidos, o estudo procura perceber as diferenças e as
aproximações entre seus procedimentos cênicos, elegendo como conceito central a noção de
gesto, tal como é proposta pelo medievalista suíço Paul Zumthor. Gesto é entendido aqui
como um movimento ou atitude corporal que encontra seu equivalente em um certo uso da

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voz e vice-versa; unidos, eles projetam no espaço da performance o corpo daquele que canta.
O trabalho recorre também a outros conceitos e noções: proposições como gestualidade oral,
de Luiz Tatit (2002); vocalidade, de Mirna Spritzer (2010) e Paul Zumthor (1993, 2005, 2007,
2010); grão da voz, de Roland Barthes (2009) e gesto expressivo, de Christine Roquet (2001),
deslocam-se pelo texto, envolvendo e acompanhando a noção central de gesto, ao lado de
outros termos importantes como performance, performance mediatizada, acontecimento,
presença, corpo e corporeidade. Colocados em relação, eles nos possibilitam reconhecer e
apreender, ainda que parcialmente, os gestos de Mônica Salmaso e Maria João. A metodologia
contempla, além do mapeamento documental (discos, DVD’s, registros em vídeo, entrevistas
e depoimentos impressos e gravados), a observação de concertos, a realização de entrevistas e
a análise dos documentos de acordo com os referenciais teóricos escolhidos. A expectativa é
de que, ao final da dissertação, seja possível ultrapassar o senso comum que reduz a força e o
fascínio de uma performance de canções ao magnetismo, ao carisma pessoal do intérprete. E
que, ao fim, possamos perceber nas perfomances de Mônica Salmaso e de Maria João aquilo
que elas são: uma construção, uma criação, uma poética.

Referências bibliográficas

BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso. Lisboa: Edições 70, 2009.

ROQUET, Christine. Da análise do movimento à abordagem sistêmica do gesto


expressivo. O Percevejo Online, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, 2011. Disponível em: <http://
www.seer.unirio.br/index.php/opercevejoonline>. Acesso em: set. 2015. SPRITZER, Mirna.
Ator e palavra: práticas da vocalidade. In: VI CONGRESSO DE PESQUISA E PÓS-
GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS. Memória ABRACE, São Paulo, 2010.

TATIT, Luiz. O cancionista: composição de canções no Brasil. São Paulo: Edusp, 2002.

ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz: a “literatura” medieval. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993.

______. Escritura e nomadismo. Cotia: Ateliê Editorial, 2005.

______. Performance, recepção, leitura. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

______. Introdução à poesia oral. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.

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TEATRO DE ÁGUA: UMA ESTÉTICA RELACIONAL POR MEIO DA MEDIAÇÃO


ARTÍSTICA
Joelson Inocêncio De Oliveira

Palavras-Chave
arte relacional, teatro interativo, teatro e mediação

O projeto Teatro de Água: uma Estética Relacional por meio da Mediação Artística
surge a partir de uma inquietação à respeito da participação do espectador na cena teatral
aliada à experiência de quase dois anos de estágio, trabalhando como mediador em exposições
de Artes Visuais promovidas pelo Serviço Social do Comércio (SESC). Ainda hoje, quando
pensamos em “teatro”, não é difícil cairmos em certas convenções remanescentes do teatro de
tipo burguês e uma das mais evidentes, tanto ao imaginário popular quanto nas próprias
produções atuais, está na famigerada divisão entre palco e plateia: os atores em seu espaço
podem realizar várias ações e dialogar entre si, mas para que isso ocorra os espectadores, em
contrapartida, necessitam guardar silêncio e permanecerem sentados para o deleite do que há
de vir aos seus olhos (SOLER, 2013). Cada grupo assume seu respectivo “papel” para que
assim seja possível acontecer o espetáculo. Neste teatro, como no cinema, não se pode
comentar diretamente ao que se vê: qualquer fala a ser emitida pelo espectador deve ficar para
depois do espetáculo (BOURRIAUD, 2009). A experiência de visitar uma exposição de arte,
por outro lado, revela-se como um momento de diálogo em si, dentro e durante a visitação.
Ainda que o espaço expositivo possua, muitas vezes, uma arquitetura intimidadora, sua
configuração é toda construída para uma proximidade entre espectador e obra, ou seja, para
que eles possam se relacionar. Quando uma obra de arte se encontra no espaço expositivo ela
se abre ao diálogo, à discussão com os espectadores, fomentando também a discussão deles
entre si (BOURRIAUD, 2009). É verdade que toda manifestação artística propõe formas
específicas de socialidades, constituindo-se um objeto relacional, pois a participação do
espectador se faz necessária para dar sentido à obra (BOURRIAUD, 2009), mas o que é
importante se perguntar é qual o tipo de relação queremos proporcionar: uma relação que
ocorre através de uma divisão espacial e de contratos tácitos? Ou uma relação em que o
espectador não necessita ser privado de nada para que a obra de arte possa acontecer? Com o

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processo de globalização e as inovações tecnológicas nos campos da comunicação e da


informática, o capitalismo se tornou mais sofisticado e criativo, ampliando suas formas de
produção de consumo. O que antes era imaterial, agora, tornou-se produto através das
reificações que transformam em objeto tudo o que seja interessante comercializar. Hoje em
dia não é difícil que simples conversas, por exemplo, apenas tornem-se possíveis se algo for
consumido, ainda que seja uma bebida (BOURRIAUD, 2009). As relações humanas e suas
socialidades não são mais vivenciadas diretamente ou então construídas, elas foram
substituídas por representações espetaculares de seus efeitos, as quais são oferecidas em toda
parte sem restrições à lugar ou hora do dia, podendo manifestar-se explicitamente ou de
maneira velada. O sujeito ideal desta sociedade do espetáculo está reduzido à condição de
consumidor (Idem). Assim, quando a arte se mantém delegada ao formato de um espetáculo,
ela também acaba reduzindo seu espectador à um cliente. O Teatro de Água, entretanto,
procura propiciar uma manifestação artística em que não haja limites para a ação do
espectador. Abolindo a divisão de palco e plateia e instaurando no lugar uma interatividade
sincera entre atores e espectadores, estas nomenclaturas perdem sentido, sendo preferível
trocá-las por proponentes e participantes, respectivamente. Tudo o que acontece no Teatro de
Água é resultado da relação direta entre as propostas dos proponentes com as respostas dos
participantes, ainda que estes últimos as refutem, as neguem, ou proponham outra coisa em
seu lugar. É neste ambiente inusitado que reside este teatro, que, ao se abrir ao diálogo, abre-
se também para as surpresas (BOAL, 2009). A mediação artística entra nesta pesquisa como
fonte provedora de encontros, já que a posição de mediador se constitui como elemento chave
nos processos de intercâmbio cultural, troca de saberes e dinamização das interações sociais
(MORAES, 2009). Não é de se estranhar, por exemplo, que contemporaneamente, a nível
internacional, tanto a arte quanto a mediação englobam múltiplas faculdades em suas
abordagens, de modo que até mesmo as fronteiras entre elas tornam-se embaçadas
(SCHMITT, 2011). Hoje a arte contemporânea toma como horizonte a esfera das interações
humanas, a obra de arte torna-se um interstício social (BOURRIAUD, 2009) Tais
conceituações, coincidentemente ou não, também revelam ao que se dedica a mediação
artística atualmente (SCHMITT, 2011). A execução prática dessa pesquisa tem sido realizada
através de um processo de formação com atores provenientes do curso de Artes Cênicas da
Universidade de São Paulo (USP) para a realização de atividades de mediação artística e de

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arte relacional em instituições sociais. Essas atividades são programadas como encontros
episódicos que exploram os elementos constituintes da linguagem teatral, não se restringindo
apenas à criação de cenas. Independentemente do que é proposto e da forma como ocorre a
proposição, a arte só acontece na ação resposta dos participantes, cabendo aos proponentes
estarem prontos à se adaptar ao universo de possibilidades guardado em cada indivíduo. Tal
característica é o que cunhou o nome Teatro de Água. A água foi imortalizada como elemento
representativo de adaptabilidade por Bruce Lee quando, em uma entrevista, se referiu à
capacidade maleável deste elemento que pode assumir qualquer forma, não importando quais
sejam as particularidades de seu recipiente. Por fim, este projeto almeja para o futuro
conceber um experimento cênico final destinado às instituições parceiras que englobe todos
os resultados gerados a partir dos encontros em cada atividade, sendo construído na base da
estética relacional, com a mediação artística, afim de consolidar novas formas de relações
humanas na arte.

Referências bibliográficas

SOLER, Marcelo. Encenação: um espaço possível para a aprendizagem do espectador.


TRAMA Interdisciplinar. São Paulo, v.4, n.1, p.88-98, 2013. Disponível em: <http://
editorarevistas.mackenzie.br/index.php/tint/article/view/5544>. Acesso em: 25 març. 2017.

BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. São Paulo: Martins, 2009.

SCHMITT, Eva. Mediação artística enquanto arte? Arte enquanto mediação artística?
Ou: por que, às vezes, arte e mediação artística são a mesma coisa. Mediação Artística.
Humboldt. Ano 52, n.104, p.5-6, 2011. Disponível em: <http://www.goethe.de/wis/bib/prj/
hmb/the/156/pt8622694.htm>. Acesso em: 20 març. 2017.

MOARES, Diogo de. A mediação como compartilhamento. 2009. Disponível em: <http://
www.canalcontemporaneo.art.br/arteemcirculacao/archives/002646.html>. Acesso em: 10 jan.
2017.

BOAL, Augusto. Teatro como arte marcial. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.

I AM Bruce Lee. Direção: Pete McCormarck. Fotografia: Derik Murray. 82 min, HD, color,
2012. Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=R-80RBQCUCA>. Acesso em: 10 jan.
2017.

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ENTRE O ACONTECIMENTO TEATRAL E O CORPORAL: CORPOS-


NEGATIVOS, SUBTEXTOS E PRESENÇAS
Angelene Lazzareti

Palavras-Chave
acontecimento teatral, corpos-negativos, entre, presenças, subtextos

A pesquisa almeja conceber uma reflexão de base intersticial para discutir a respeito
do acontecimento teatral. O objetivo é tratar das formas de interação existentes nesse
acontecimento no qual, inclusive, os corpos acontecem, evento que se dá na relação de suas
incompletudes (daquilo que não está, que não é dito, que não é visto). O acontecimento teatral
é abordado como experiência limite, pois faz do limiar entre os corpos envolvidos um espaço
de forças ativas ao considerar o exercício de alteridade um motor de criação artística e
corpórea. A pesquisa de doutorado apresentada se organiza a partir de ensaios que dialogam
sobre e a partir da esfera do entre. Não se propõe, dessa forma, a uma reflexão sobre a
especificidade dos campos do processo criativo dos artistas ou da recepção teatral em si. As
relações entre os corpos-sujeitos espectadores e atores, e as relações autônomas que essas
relações operam entre si são objeto de discussão. O trabalho do artista, a partir dessa reflexão,
é o de propor espaços para o nascimento do sentido e o espectador, por sua vez, comparece
acionando o espaço da participação entre os corpos. Já o pesquisador desse fenômeno, só
pode se aproximar da possibilidade de tocar a relação realizada entre esses agentes se
colocando em risco, se lançando nos lugares de experiência entre os tocantes, tentando
enxergar e escutar o que surge e sobra, buscando por vestígios de um transborde inerente ao
próprio tocar. A pesquisa está pautada em estudos das artes cênicas e da filosofia e também
fundamenta parte da reflexão em relatos sobre experiências artísticas vinculadas de diferentes
formas à ideia de acontecimento teatral. No campo das artes cênicas os principais autores
estudados são Constantin Stanislavski (1997), Antonin Artaud (1985), Jorge Dubatti (2016) e
Erika Fischer-Lichte (2011). Na filosofia, a principal inspiração parte das obras de Jean-Luc
Nancy (2006) e Georges Bataille (2016), pensadores de aporte inestimável para as reflexões
sobre a ideia de entre. O entre, entendido aqui como campo autônomo, é a condição para a
relação entre os corpos, não como laço de união, mas como diferença e lugar de acesso. Além

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de condição para e parte do fruto das relações, o entre excede ambos os aspectos e em seu
excesso possui camadas próprias que agenciam outras operações. A partir dessa proposta de
reflexão, dentre os pontos operadores dos acontecimentos do entre (ou do interstício do entre)
está o corpo na perspectiva de corpos-negativos, os subtextos e as presenças. No interstício se
relacionam os corpos na perspectiva de corpos-negativos, não na medida de uma falta que
possa ser preenchida ou sanada, mas de uma insuficiência e incompletude como condição de
existência. Nenhum corpo “é” na totalidade de ser, a negatividade pulsa na irrealização de si
como totalidade ou completude. Realiza-se apenas na presença do outro e em provisoriedade.
A singularidade do outro oferece um “a que” se singularizar, a pluralidade dos corpos, faz da
existência uma produção em comum, na qual, segundo Nancy (2006), o ser é compartilhado.
Na relação com o outro, os corpos se ex-cedem, excedendo suas fronteiras num deslocamento
infinito que faz do outro parte da produção de si. Corpos-sujeitos plurais e singulares de
contornos abertos, rasgados, irrealizáveis como totalidade encerrada. A partir desse
pensamento, ator e espectador só reafirmam suas existências (junto a suas funções e papéis)
no ato de seu encontro, onde um torna necessária e atual a existência do outro como tal. Onde
um deseja, busca e realiza o outro. Não há uma capacidade que exista independente em
nenhuma dessas partes que não alcance sua potência no encontro entre elas. Outra camada do
interstício se refere à comunicação entre os subtextos criados pelos atores e pelos
espectadores. A partir da continuidade da reflexão iniciada na ocasião do mestrado em Artes
Cênicas, o subtexto, conceito trabalhado por Stanislavski, é tratado aqui como um repertório
ativo corpóreo que é matéria para e criador de ações cênicas. A relação entre texto e subtexto,
faz da visibilidade e invisibilidade uma esfera só, na qual o subtexto se manifesta no texto
que, no ato de sua atualização, recria o subtexto, reenviando o texto à outro lugar. Como
elemento produtor de sentido para ações físicas e vocais, o subtexto se desdobra no
espectador que se vê autônomo no espetáculo do qual é também agente da criação. Os
subtextos e textos dos atores acionam subtextos nos espectadores e essas criações se
encontram em contato no entre que partilham, reverberando reenvios e realizando
comunicações ocultas para além da linguagem. Entre ocultação e revelação temos ainda a
presença, que não é aqui compreendida como a capacidade do ator de reter atenção do
público, ou como habilidade do espectador a partir do campo criativo da recepção. No campo
do interstício, a presença não é um objeto, mas relação. Relação que se ausenta no mesmo

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momento de sua manifestação como presença. Dá lugar ao que ela causa, ao que ela faz
aparecer, ao que é sentido, que, por sua vez, só é sentido como corpo. A relação de presença
entre os corpos atores e espectadores é a condição primeira do acontecimento teatral. Esse
estado de convívio em presença, segundo Dubatti (2016), faz da matriz do teatro um ponto
ontológico importante para reflexão sobre uma arte que tem na efemeridade dos corpos em
criação conjunta, a sua possibilidade de surgimento. Assim como existem coisas que
simplesmente não se pode ver ou tocar (mas que podem ser sentidas e escutadas), existem
coisas que tornam possível ver o que se pode ver e tocar o que se pode tocar. Mas no ato do
deslocamento entre essa possibilidade e o seu acontecimento como visão e toque, elas se
retiram como coisas, dando lugar ao próprio acontecimento junto ao que ele faz acontecer no
corpo que viu e que tocou e, igualmente, no que foi visto e tocado. Trata-se de uma relação de
nascimento, tais elementos atuam em níveis de visibilidade e invisibilidade sem pertencer a
uma ordem dicotômica de oscilação, mas a um terceiro estado formado das duas partes –
sobrepondo corpos de imaterialidades e imaterialidades corporificadas.

Referências bibliográficas

ARTAUD, Antonin. A arte e a morte. Lisboa: Helena Editora, 1985.

BATAILLE, Georges. A experiência interior: seguida de Método de meditação e


Postscriptum 1953. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.

DUBATTI, Jorge. O teatro dos mortos: introdução a uma filosofia do teatro. São Paulo:
Edições Sesc São Paulo, 2016.

FISCHER-LICHTE, Erika. Estética de lo performativo. Madrid: Abada, 2011.

NANCY, Jean-Luc. Ser singular plural. Madrid: Arena Libros, 2006.

STANISLAVSKI, Constantin. El Trabajo del Actor Sobre Sí Mismo en el Proceso Creador


de la Encarnación. Buenos Aires: Editora Quetzal, 1997.

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OS TEATROS SÃO DO REAL; AS FIGURAÇÕES, DE UMA APORIA


Matheus Cosmo

Palavras-Chave
experiência, forma, teatros do real

Não é de hoje que os ares sentem o frescor de uma reiterada premissa, nos estudos
artísticos: o grau máximo de incidência política das obras encontra-se em sua forma de
composição. Tão conhecido diagnóstico propaga-se a despeito dos que insistem em considerar
os debates estéticos apenas envoltos em seus inerentes contornos e ao lado daqueles que
compreendem que, por mais descontextualizados ou a-históricos que possam parecer alguns
materiais, todo objeto utilizado em determinada criação ainda carrega em seu âmago as
matrizes do contexto no qual foi possível sua irrupção primeira. Dentre outras coisas, a
perspicácia desta forma de entendimento reside em sua percepção de que todos os elementos
estão em constante transformação. Em outras palavras, isso significa dizer que um bom
estudo sobre o teatro contemporâneo não deve se isolar nas aparências difusas de um tempo
sem qualidades, mas investigar profundamente suas matrizes de composição, sempre em
incessante alteração, por mais que a necessidade do movimento em grande parte dos casos
acabe apenas por repor o esperado, ou gerar figurações de uma ininterrupta paralisia. Todavia,
se as alterações históricas parecem ser um dado da realidade, que se transforma em sua
permanência e permanece enquanto ruptura, talvez um novo pressuposto possa ser formulado
às análises que ainda insistem em aproximações entre os campos da arte e da política: hoje, é
provável que o grau máximo de incidência política das obras esteja e não esteja em sua forma.
Se o protesto de Duchamp calou-se no exato instante de sua institucionalização, talvez algo
semelhante esteja a se revelar na neblina de uma teoria que encontrou seus limites na
exaltação de seus preceitos. Era Adorno quem declarava a alta probabilidade dos artistas, ao
evocarem a si mesmos e a seus trabalhos ares de uma inquestionável potência revolucionária,
apenas tentarem esconder ou ofuscar a intrínseca margem de impotência que reverbera em
toda sua criação. O otimismo irrefutável, porque descontextualizado, de parte da teoria
produzida atualmente, cujos resultados por vezes independem dos próprios objetos analisados,
tem relação e parentesco com isso. Foi o psicanalista Tales Ab’Sáber quem, em um texto

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recente, afirmou que uma das grandes transformações vivenciadas durante a segunda metade
do século XX consistiu no esgotamento dos impulsos políticos da geração protagonista dos
anos 1960, embora sua derrota seja passível de aclamação em ares razoavelmente
progressistas, somado ao subsequente nascimento de uma nova geração: os derrotados de
1968 não demoraram a se mostrar incrédulos a respeito de qualquer possibilidade de
transformação social, embora ainda permanecessem profundos sonhadores, atirados sob a
promessa de uma improvável experiência – termo que, ao que tudo indica, parece menos uma
matriz de análise recorrente sobre o teatro contemporâneo e mais o resultado de um conflito e
derrota históricos. Como aos recentes trabalhos artísticos interessa o processo e não mais a
obra, ao mesmo tempo em que a essa ainda se estipula um preço no aparentemente
incontornável reino das mercadorias, resta aos espectadores e à crítica a possibilidade de
elaboração da atravessada experiência, sempre única e radical, como tanto se diz. Com tão
comum diagnóstico, encerra-se a maior parte das análises desenvolvidas atualmente, em
especial aquelas que se dedicam aos intitulados teatros do real. Excluído da equação
permanece um singelo apontamento, feito por Helena Silveira, acerca da produção
cinematográfica desenvolvida após os anos da década de 1930: no fundo, o fato é que o real
dá muito mais bilheteria que a fantasia! Se é verdade que, desde sua fundação, o fenômeno
teatral precisou assegurar a si mesmo um lugar entre a realidade e a ficção, um irrestrito
limiar, na medida em que aqueles dois âmbitos permaneciam operantes na profundidade de
sua estrutura, como intrínsecas e irreconciliáveis substâncias, quando se fala sobre os
famigerados teatros do real, concebidos por Maryvonne Saison em 1998, talvez não sejam as
considerações e apontamentos sobre representação que devam ocupar o centro dos casos e
debates, mas o estudo inescapável das condições que propiciaram o advento de uma
configuração na qual a verdade do mundo do trabalho tornou-se uma irrestrita condição ao
advento das obras. No limite, anunciada a irrupção de uma sociedade inteiramente
unidimensional, fundada na paralisia da crítica, incapaz de vislumbrar o avesso das coisas,
coube às obras uma profunda adaptação ao existente, ou, na melhor das hipóteses, a
possibilidade de vislumbrar um outro qualquer, ainda fincado no sempre igual. E, na medida
em que permanecem intocadas as bases econômicas de sustentação da realidade, o barulho
feito pode até ser grande, mas orquestra uma sinfonia pouco incômoda. Todavia, parece certo
que sob o estatuto de uma experiência muita coisa pode acontecer. Seguramente, cabe-nos

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desconfiar da certeza de sua enunciação, junto ao entendimento de que toda resistência


sempre se estabelece a partir de bases demasiadamente concretas: afinal, a aclamada
experiência é radical em quais circunstâncias, com quais objetivos, vivenciada por quem?
Enfim, parece armar-se novamente a velha indagação: qual o projeto de transformação
política que se encontra em pauta? Ora, a própria Saison formulara a resposta ao enunciado,
quando defendeu que as obras, aquelas mensuradas pelo paradigma de teatros do real, não
vislumbravam qualquer projeto, na medida em que os olhares fundantes à criação estética são
todos múltiplos e fragmentados. Todavia, talvez uma das grandes lições que os escritores
realistas do século XIX deixaram como legado resida no fato de que o interesse pelo realismo,
como forma de criação e intervenção social, só pode existir junto à ideia mesma de totalidade,
buscando a todo custo a possibilidade de sua reativação e reinvenção. Ao que tudo indica,
uma boa crítica ao teatro contemporâneo também deve conseguir abarcar em seu âmago a
perspicácia de uma crítica possível às ideias correntes de multiplicidade e diferença, duas
pautas políticas fundamentais, contudo tornadas moedas de troca. Como se vê, muito do que
hoje se conclui em parte dos debates beira uma silenciosa reiteração das ideologias
dominantes – por vezes, desconhecidas pelos próprios autores, encantados com a
possibilidade reinante, desde o século passado, de um fim das grandes narrativas e das
próprias ideologias. Todavia, a impossibilidade de enunciar alguns termos é, antes de tudo, o
sintoma de um bloqueio inteiramente objetivo. Em resposta a ele, este trabalho se faz.

Referências bibliográficas

AB'SÁBER, T. “Da experiência ao melhor entretenimento do mercado”. Peixe Elétrico, n.


3. Disponível em: http://www.peixe-eletrico.com/single-post/2016/10/16/Da-
experi%C3%AAncia-ao-melhor-entretenimento-do-mercado. Acesso em: 07 dez. 2016.

ADORNO, T. W. Teoria Estética. Lisboa: Edições 70, 2013.

KURZ, R. Os últimos combates. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1997.

SAISON, M. Les théâtres du réel. Pratiques de la représentation dans le théâtre


contemporain. Paris, Montreal: L’Harmattan, 1998.

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DRAMATURGIAS CORPORAIS EM DESLOCAMENTO


Luiza Romani Ferreira Banov, Sayonara Sousa Pereira

Palavras-Chave
dança, dramaturgia, processo de criação

No ano de 2015, um pequeno grupo de artistas localizados no interior de São Paulo, na


cidade de Piracicaba, envolvidos pelo projeto de residência artística do grupo australiano
Polyglot Theater e o Núcleo Dédalos de pesquisa em movimento, vivenciaram um processo
breve e intenso de criação em artes da cena; esta experiência nos faz refletir sobre questões
inerentes aos artistas atuais bem como as formas e caminhos das artes no tempo presente. Foi
possível, através do edital PROAC - Aprimoramento Artístico - SP, receber a diretora artística
e uma integrante do Polyglot Theater, respectivamente Sue Giles e Penny Baron, para uma
residência de dez dias em São Paulo - Brasil, mais especificamente nas cidades de Piracicaba
e São Paulo. Ao longo deste período foram realizadas experiências de criação cênica
culminando na criação da peça “No coração uma semente...”. Na presente discussão,
gostaríamos de adentrar a um momento específico e central do trabalho elaborado ao longo do
breve encontro intercultural. Os grupos não se conheciam, e sabendo que teriam um curto
período para interagir criativamente o Núcleo tratou de iniciar a poética que iria nortear o
encontro através da elaboração de uma dança com duração de vinte minutos, que serviria,
então, como base para os jogos e interferências que iriam acontecer quando todos estivessem
juntos. Cabe ressaltar que este processo em desenvolvimento foi sendo acompanhado por
reuniões virtuais entre as artistas australianas e a diretora do núcleo, Luiza Banov. Nestas
reuniões eram relatados ações e pontos de investigação poética que estariam sendo
investigadas pelo núcleo. Este fato foi criando sintonia entre as partes. As artistas Sue Giles e
Penny Baron puderam neste sentido também propor ações, e se preparar para sua viagem e
residência com foco em comum ao grupo. Neste sentido, os elementos apresentados por elas
foram catalisadores para as ações criativas propostas. Os jogos aos poucos se amalgamaram
às estruturas coreográficas da dança ampliando sua atuação mediante ao público. Todo o
grupo e artistas envolvidos foram muito receptivos para a exploração proposta e esta força
positiva contribui enormemente para um bom aproveitamento dos encontros. Como a

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residência foi aberta para toda a comunidade de Piracicaba, no segundo encontro o Núcleo
apresentou a célula de vinte minutos para o grupo, que depois respondeu com impressões; os
temas e as respostas que emergiram foram muito fortes: como se fosse a vida dando força,
imagens de sangue, lama e água, o rio e sua natureza selvagem contrastavam com o corpo
humano. Ocorre que após intervenção dos jogos investigados ao longo do processo de
residência, os quais adentraram a cena e fermentou o trabalho, o significado daquele “estudo”
havia se transformado por completo. Esta realidade nos atenta para questões dramaturgicas e
de como a relação estabelecida entre dança e público, no caso as crianças, faz com que a cena
transforme seu sentido. O desempenho da dança que o Núcleo trouxe foi uma forma distinta e
o significado para o público era forte, claro e pessoal. Ao abrir isso para a resposta de crianças
e crianças muito pequenas, o significado transformado. Neste sentido, Salles, 2004 nos
apresenta a reflexão de que forma e conteúdo estão intimamente ligados, uma vez que o
conteúdo se manisfeta a partir da forma alem disto esta autora enfatiza a relação inerente no
processo de criação entre o artista e os meios que o mesmo seleciona. Percebemos desta
maneira que ao combinarmos o jogo, a participação e a dança transformaram por completo o
significado e sentido do trabalho. Este breve exemplo, estudo, experiência nos faz crer, assim
como nos aponta Salles, 2004 em relação à forma sendo ela o que constitui o conteúdo, e
assim, invariavelmente, uma vez que a forma se modifica, o conteúdo e sentido também irá se
transformar. Neste sentido gostaríamos de discutir em especial na obra do grupo Australiano,
de que maneira a corporeidade ganha novo sentido na cena e como o contexto de uma obra
pode influenciar no contexto de sua realização. Estaria a dramaturgia passível de se deslocar
pelo espaço tempo de uma mesma obra? Para Macedo, 2016, a compreensão da dramaturgia
se da em sua processualidade, é ela quem propõe uma estruturação do sentido da obra,
levando em conta a singularidade artística de cada processo; em sua tese de doutorado, a
autora nos apresenta visões distintas sobre dramaturgia a partir do olhar de coreógrafos
atuantes na cena da dança, ela ainda nos apresenta a dramaturgia como sendo o coração, o
lugar no qual pulsa a obra cênica. Como este processo pulsante estaria então vinculado ao seu
tempo/espaço e relações estabelecidas? De que forma estaria a dramaturgia fixada na essência
de um trabalho? A pesquisa, que segue em ampla escavação, compartilha da ideia de
“meshwork” apresentada pelo antropólogo Ingold, 2010 e vislumbra compreender quantos
caminhos uma mesma obra pode ter e de que maneira sua dramaturgia se transforma diante

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dessas escolhas. Para tanto tem como impulso a obra de Polyglot, sendo experiência acima
propulsora desta indagação. O estudo pretende analisar as fronteiras e espaços de
compartilhamento entre atores-autores e do público presente nas performances, e de que
forma a realidade local teria impacto neste tipo de construção artística sugerida pelo grupo
australiano.

Referências bibliográficas

INGOLD, Tim. Being alive: Essays on movement, knowledge and description. New York:
Routledge, 2011.

MACEDO, Vanessa. Pulsação da obra: dramaturgia nas práticas contemporâneas de


dança. Tese de Doutorado em artes cênicas – Escola de comunicação e artes / Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2016.

SALLES, Cecília Almeida. Gesto Inacabado – Processo de Criação Artística. São Paulo:
Annablume/ FAPESP, 2002.

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A IMAGINAÇÃO NA EXPERIÊNCIA CORPORAL DO ARTISTA DA CENA


Luisa Dalgalarrondo

Palavras-Chave
imaginação, imagens, corpo

A presente pesquisa em andamento tem como questão central discutir a imaginação no


trabalho corporal como um caminho possível para criar experiência no corpo-mente do artista
da cena. A grosso modo, podemos dizer que imaginar é a ação de conceber mentalmente e
concentrar-se em imagens que não estão presentes no contexto dessa ação. Essas imagens não
se resumem somente a imagens visuais, mas podem ser também sonoras, olfativas, táteis,
gustativas e proprioceptivas. A imaginação estaria, então, intimamente ligada aos nossos
sentidos. A imaginação necessariamente se relaciona e apresenta intersecções com as noções
de sensação, de percepção e memória, uma vez que imaginamos algo que já sentimos e
percebemos em outro contexto e que criamos, guardamos ou ainda, atualizamos, em algum ní-
vel, em nossa memória. Nesta pesquisa construímos nosso problema a partir de alguns
aspectos das obras de Konstantin Stanislavski e Antonin Artaud, como referências importantes
no trabalho com imaginação no teatro, trabalhada por eles de duas maneiras distintas: em
Stanislavski a imaginação está presente principalmente na criação de um contexto e está
subordinado a ele, enquanto em Artaud a imaginação seria um dispositivo para a criação de
um corpo. Em sua pesquisa, Stanislavski organizou alguns dispositivos para criar a
experiência de cena e alguns destes elementos práticos estão diretamente ligados ao uso da
imaginação tais como as “circunstâncias dadas” e o “subtexto ilustrado”, abordados nesta
pesquisa. Alguns elementos investigados por Stanislavski possuem convergência com as
ideias de Antonin Artaud ( 1896 -1948). A conexão corpo-mente, o comprometimento
rigoroso com o fazer teatral e a busca pela experiência em cena em contraposição à
representação, são alguns dos elementos que podemos encontrar em comum na obra destes
dois autores. Mais especificamente em relação a imaginação, há na obra dos dois a ideia de
que o ator se mobilize na criação de imagens para que essa conexão corpo-mente crie a
experiência viva. No entanto, enquanto Stanislavski utilizava a imaginação sempre a serviço
da obra teatral, ela surge em Artaud como um caminho para reconfiguração de um corpo.

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Podemos dizer que, se Stanislavski perseguia a criação da experiência viva em cena, a busca
de Artaud estava intimamente ligada a explorar a experiência viva no corpo. Sua obra é farta
em imagens do corpo humano, de seus órgãos, músculos, funções fisiológicas, de sua
enfermidades. No entanto, elas não surgem nunca seguindo uma lógica anatômica funcional.
O corpo não surge nem como um objeto a ser dissecado, nem como figura de linguagem, mas
como o lugar da transformação de si. Ao expressar a urgência em modificar a realidade na
qual ele se encontrava, o autor fala sobre a necessidade de uma "revolução fisiológica" e de
uma "metamorfose orgânica verdadeira do corpo humano" (ARTAUD apud VIRMAUX,
1978, p .321 -324). A revolução teria de ser feita no corpo e através do teatro. O teatro se
tornaria então o lugar em que o corpo se transforma e, através dele, se reorganiza- ou se
desorganiza- a realidade em que vivemos. Ou seja, em Artaud, ao contrário de Stanislavski, a
imaginação não está a serviço da obra teatral, mas, assim como a própria obra teatral, está
subordinada ao objetivo principal de realizar esta "revolução fisiológica". A partir da idéia de
que a imaginação opera concretamente no corpo do artista da cena e pode, assim, transformá-
lo, nos propomos problematizar esta relação, investigando e articulando, nessa discussão
inicial, algumas abordagens do corpo da antropologia e das ciências cognitivas. Através das
ciências cognitivas falamos, por exemplo, da prática da “imagética motora”, uma técnica,
aplicada principalmente na área da saúde e de esportes para a recuperação e aperfeiçoamento
de atividades musculares, em que, através da imaginação de uma atividade, observa-se uma
ativação de estruturas neuronais análogas às que seriam ativadas no exercício da atividade em
si. Comentamos em nossa pesquisa experimentos realizados com atores que nos fornecem
indícios similares acerca da eficácia corporal do uso da imaginação. Contudo, embora estes
estudos tenham o rigor comum dos experimentos científicos, eles não podem ser considerados
isoladamente, por não darem conta de todas as camadas do fazer artístico. Tendo em vista o
trânsito que almejamos entre materiais que analisam e organizam o corpo e materiais que
levam em conta a experiência e a subjetividade deste corpo, necessitamos recorrer a outras
formas de entendê-lo. Neste sentido, nos interessa o texto “Eficácia Simbólica” de Lévi-
Strauss, em que o autor narra um processo de cura xamânico em uma mulher parturiente da
tribo indígena Cuna. Neste processo o xamã é chamado para ajudar uma mulher com
dificuldades no trabalho de parto. Através de um canto ele vai narrando todo o processo de
fecundação, gestação e nascimento por meio de imagens que se referem a mitologia desta

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cultura. Neste texto, Lévi-Strauss está menos interessado em precisar o que acontece no corpo
da mulher do ponto de vista fisiológico do que explicitar a potência do uso de símbolos na
transformação da situação descrita. Não existe aí um experimento rigoroso que demonstre
empiricamente a eficácia das imagens, mas a transformação - a “metamorfose orgânica” -
através delas é igualmente legítima. Estes materiais nos levam a dois pontos cruciais para uma
investigação da imaginação no teatro: 1) a eficácia da imagem está ligada diretamente a
relação do indivíduo com aquela imagem; ou seja, o nosso repertório de possibilidades está
relacionado ao nosso contexto cultural e a nossa história pessoal - seja o exercício da
imaginação por um treinamento como na técnica da imagética motora, seja uma prática
cultural ligada à imagens como a da tribo Cuna e 2) imaginar não é uma ação que é dada de
imediato, é uma ação a ser construída e que se constrói levando em conta a subjetividade
daquele que imagina. Embora sejam pesquisas de caráter bastante distintos, todos elas nos
levam a pensar que existe uma potência no uso de imagens para uma transformação do corpo.
Entretanto, nenhum destes materiais nos apresentam um treinamento claro desta imaginação.
Para que nossa pesquisa possa se aprofundar nesta exploração, será iniciado no próximo
semestre a parte prática da pesquisa, em que serão explorados exercícios que se utilizem da
imaginação, revisitando exercícios tradicionais e elaborando novos, na criação de um caderno
de exercícios.

Referências bibliográficas

ARTAUD, Antonin, O teatro e seu Duplo, São Paulo: Martins Fontes, 2006

LEVI-STRAUSS, Claude, Antropologia Estrutural , Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993

STANISLAVSKI, Constantin, A preparação do ator, Rio de Janeiro: Civilizacao Brasileira,


2008

VIRMAUX, Alain, Artaud e o Teatro, São Paulo: Perspectiva, 1978

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ENTRE OVOS E MEDOS: PERFORMANCE E BUFONARIA


André Rodrigues

Palavras-Chave
Bufonaria, jogo, performance

ENTRE OVOS E MEDOS: PERFORMANCE E BUFONARIA Andre Luiz Rodrigues


Ferreira (André Rodrigues). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
Linha de pesquisa: Processos formativos e educacionais. Orientação: Profa. Dra. Tatiana
Motta Lima. Doutorado. Início: Fevereiro de 2014. Conclusão: março de 2018. Bolsista
CNPq. E-mail: andrerodriguesperfo@gmail.com Palavras-chave: bufonaria, jogo,
performance Link de registro da performance: https://www.youtube.com/watch?
v=of_iqLvopj0&t=1s Duração: 10 a 12 minutos. Necessidade técnica: uma sala fechada com
porta onde a ação será realizada, da qual os participantes deverão optar em ficar ou sair
durante a ação. Que mudanças de afetos e dinâmicas internas são geradas no espectador/
participante através de uma ação de provocação? O programa performativo Entre ovos e
medos busca respostas possíveis a essas questões a partir do contágio entre bufonaria e
experiência performativa, transitando por comicidade, tensionamentos na relação performer/
espectador/participante e desconexões político-performativas. Com duração de cerca de dez
minutos, Entre ovos e medos é um jogo irônico e um contrato cujas regras são firmadas na
presença dos participantes, é motor de experimentação, ativador de experiência capaz de
afetar e criar corpos tanto para aquele que media a ação como para os que dela participam. O
contrato performativo Entre ovos e medos foi desenvolvido por este pesquisador como
exercício de encontro e contágio entre as investigações da minha tese de doutoramento e a
práxis do bufão franco-italiano Leo Bassi. Esta tese investiga as relações entre bufonaria,
política e performatividade a partir da análise de espetáculos teatrais e ações artísticas
desenvolvidas por Bassi. Criando experiências cênicas provocadoras, baseadas na zombaria
de valores e instituições, Bassi tem se destacado nas últimas décadas como um dos mais
instigantes artistas da cena mundial, dando passagem em seus trabalhos às potências
contestadoras e subversivas da comicidade. Buscando uma reflexão em ação, que caminhasse
junto com o ato da escrita, e desenvolvida a partir da noção de programa performativo, Entre

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ovos e medos visa contaminar as relações entre o corpus da pesquisa e a própria carne deste
artista-pesquisador. Eleonora Fabião (2011) desenvolve o conceito de programa performativo
como motor de experimentação, ativador de experiência capaz de afetar e criar corpos tanto
para aqueles que realizam a ação como para os que a recebem – seja como espectadores,
participantes ou até coautores – compondo camadas de experienciação que fazem girar noções
como aprendizagem por tentativa e risco. Partindo da definição de corpo criada por Espinosa,
e defendida por Deleuze (2002) – segundo a qual um corpo é definido por duas perspectivas
concomitantes: como relações de velocidades diferentes entre as partículas que o compõem,
em dinâmicas de repouso e movimento, acelerações e lentidões (não é definido um corpo por
sua forma, órgãos ou funções); e, em outro viés, é definido por seu poder de afetar e ser
afetado, pelos afetos de que o corpo é capaz – o Programa Performativo Entre ovos e medos
objetiva investigar que mudanças de velocidades e afetos podem ser geradas no corpo do
espectador através de uma ação de provocação, mesmo que a provocação seja uma proposição
muito simples como a possibilidade de o participante ser atingido por dois ovos crus. Assim,
este programa consiste na leitura de um contrato cuja aceitação de seu conjunto de regras
implica ao participante a condição de poder ser alvo de um ato de rebaixamento, a quebra de
dois ovos reais (serão mesmo reais?), caso deseje acompanhar a performance até o seu final.
Além da possibilidade de ser vítima da sujeira ao sabor da decisão do performer, este contrato
coloca o participante diante de diversas outras provocações que põem em jogo a sua
autonomia, as suas escolhas enquanto espectador e o que as move, criando coletivamente uma
enunciação verbal de voltagem performativa, gerador de experimentação psicofísca. O desejo
de realizar esta demonstração técnica vem do compartilhamento entre as questões que
moveram a criação da ação e as dúvidas que vêm sendo investigadas na construção da tese,
perguntas disparadoras como: a partir da observação das experiências artísticas singulares de
Leo Bassi, e inspirado por elas, do que estamos tratando ao falar de bufonaria? O que Bassi
entende como o trabalho de um bufão? Como a bufonaria pode privilegiar a criação de um
fenômeno cênico desestabilizador e/ou político? Que relações podemos estabelecer entre a
bufonaria desenvolvida por Bassi e uma cena de caráter performativo? Como desenvolve
Elizabeth Lopes (2001), os bufões configuravam uma espécie de espelho invertido da
sociedade, destacando os vícios e defeitos das relações sociais. Lecoq (2010), por sua vez,
destaca que estas figuras cômicas e, ao mesmo tempo, ácidas, tratavam da dimensão social

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das relações humanas, para denunciar seus absurdos. Bufões falam do poder e sua hierarquia,
invertendo através do rebaixamento estes valores. Abrindo mão das deformidades corpóreas
comumente associadas aos bufões, Leo Bassi busca potencializar a lógica de marginalidade e
provocação associada à bufonaria, travestindo-se de “homem sério”, vestindo terno e gravata
e adotando atos sóbrios, para se aproximar e ampliar as críticas e denúncias sobre o poder e
seus representantes, a partir do interior de suas estruturas, presentificando a deformação dos
ordenamentos sociais. Ainda segundo Lopes (2001), a bufonaria transcende características
histriônicas e a excepcionalidade física para presentificar o ser humano em sua complexidade
e amoralidade. Nesse sentido, a criação de um contrato performativo segue a estratégia de
apropriação de um dos mecanismos mais utilizados pelos ordenamentos jurídicos como forma
de produzir um conjunto de regras absurdas e, ao mesmo tempo, provocar o espectador em
sua autonomia e escolhas. Aqui a performance visa transitar pela capacidade política da arte
apontada por Rancière (2012) como mecanismo capaz de embaralhar lugares e funções
criando fenômenos intersubjetivos desestabilizadores. Esta ação foi desenvolvida em 2014 e
tem sido realizada em eventos como Corpo, Política e Performatividade, em julho de 2015, na
cidade de Porto Alegre/RS, Esforços #2 – mostra de performances, maio de 2016, na cidade
do Rio de Janeiro e no IX Congresso da Abrace (Uberlândia, 2016). Seu compartilhamento
tem se mostrado como fundamental à discussão disparada pela tese, presentificando questões
e instabilidades na investigação de um fenômeno cênico capaz de criar corpo e mover artista-
pesquisador e seus participantes. Assim, diante do risco do embotamento cotidiano dos
sentidos e dos jogos de poder que atravessam nossas relações, a experiência cênico-
performativa de Entre ovos e medos tem demonstrado cada vez mais a contundência e os
curtos-circuitos que a buforaria pode privilegiar.

Referências bibliográficas

DELEUZE, Gilles. Espinosa - Filosofia prática. São Paulo: Escuta, 2002.

FABIÃO, Eleonora. Performance e Teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea.


Próximo Ato: teatro de grupo. São Paulo: Itaú Cultural, 2011.

LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: Uma Pedagogia da Criação Teatral. São Paulo:
SENAC, 2010.

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LOPES, Elizabeth Silva. Ainda é Tempo de Bufões. São Paulo: Tese - Doutorado, USP,
2001.

RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.

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CENTRO DE ARTES CÊNICAS DO MARANHÃO: MEMÓRIA E HISTÓRIA DA


FORMAÇÃO DO ATOR EM SÃO LUÍS
Gilberto Dos Santos Martins

Palavras-Chave
história, memória, teatro maranhense

A presente pesquisa pretende sistematizar e refletir a história do Centro de Artes


Cênicas do Maranhão (CACEM) por meio da memória e da plurivocalidade dos seus
colaboradores. A partir de um recorte histórico e gestor, tentamos, durante a pesquisa,
compreender, na sua tessitura histórica, como a única escola de formação de atores de nível
técnico do Estado do Maranhão foi concebida e desenvolvida ao longo de dez anos
(1997-2007). No percurso traçado nos pusemos a identificar os principais desafios que
permearam a profissionalização do ator ludovicense; analisamos as memórias dos
profissionais que contribuíram no engendramento da história do CACEM no período
delimitado e descrevemos a criação da escola e suas principais incursões e reflexos no meio
cultural maranhense. O CACEM é uma escola técnica de formação de atores de nível médio
inaugurada no ano de 1997 na cidade de São Luís pela iniciativa da Companhia Oficina de
Teatro (COTEATRO). Durante o recorte eleito para a sistematização e reflexão, o CACEM
teve dois gestores: Tácito Borralho (1997-2003) e Domingos Tourinho (2004-2007). Durante
os dez anos iniciais dessa escola de teatro as vozes obtidas na pesquisa se opõem ao
qualificarem esse espaço de formação. Se por um lado os narradores definem o CACEM
como uma das mais importantes ações culturais da cidade de São Luís na década de 1990; por
outro, há quem defina a escola como uma ação rodeada de problemas que persistem até a
atualidade e que limitam as suas atividades dando margem a desconfianças acerca da sua
pedagogia. O Centro de Artes Cênicas do Maranhão por vários anos não ocupou o espaço da
discussão acadêmica sobre os procedimentos adotados ou até mesmo como foi a sua
configuração ao longo dos anos. Nesse ínterim, muitas criticas foram feitas pela classe
artística e sociedade civil quanto a sua qualidade. Essa escola de formação de atores, ao longo
dos anos, foi vista de diversas formas: “necessária”, “importante” e “promissora”, por outro
lado, “decadente”, “desqualificada” e “irrelevante”. A pesquisa não pretende dedicar-se a

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afirmar um ou outro lado, mas provocar uma reflexão ao longo da sistematização de sua
história, buscando entender em quais pressupostos a escola foi assentada durante dez anos,
como se relacionou com as esferas do poder público; como se configuravam as relações de
ensino e aprendizado na escola; como se regularizou uma escola de teatro em São Luís num
contexto instável de produção teatral. Para a elaboração da pesquisa alguns pressupostos
conceituais se mostraram fundamentais no embasamento do estudo. Esses conceitos foram
essenciais na medida em que serviram como um trampolim para guiar as ações e
argumentações no desenvolvimento do texto. Esses conceitos, que deram sustentação
argumentativa e orientações no caminho metodológico, são a saber: Memória, Narrativa,
Experiência e Formação. Este último sempre ligado à formação artística ou mais precisamente
do ator. O estudo em questão faz das narrativas e das experiências advindas dessas uma fonte
fundamental para construção argumentativa do texto. O auxílio a outrem é uma constante ao
tentarmos trazer de volta informações do passado, eventos que de uma forma ou outra
queremos ratificar ou até mesmo reiterar. Ainda assim podem chegar-nos obscuros e
fragmentados. (HALBWACHS, 2006). Assim, a tentativa de reconstruir a história de uma
escola de teatro onde a sua documentação está esparsa em vários espaços e sob posse de
várias instituições se apresentou como uma das grandes dificuldades encontradas nesta
pesquisa. Ao longo do trabalho percebemos que nem mesmo a própria escola tinha o domínio
de todos os registros que compõem a história daquela instituição. Considerando as
dificuldades de acesso a documentos contundentes da escola e a sua falta, optamos por lançar
mão de mecanismos que nos permitissem ter acesso às informações até então não registradas
acerca da história da escola. Os caminhos sugeridos pelo campo metodológico da História
Oral nos pareceram pertinentes para alcançar nosso propósito. Esta, pensada após a II Guerra
Mundial, tem-se configurado nos últimos anos como uma potente ferramenta que possibilita
equilibrar as fontes orais às consideradas acadêmicas dando importância às memórias que
outrora não faziam parte das matérias-primas do conhecimento histórico. Este procedimento,
segundo Rabetti (2006, p. 46) é com se colocasse a meio caminho entre o rigor de linhagem
cientificista e o laboratório de um imaginário a serviço de mitos e devaneios intermináveis.
Este tipo de metodologia nos proporcionou uma abordagem histórico-analítica, enaltecedora
de subjetividades, pois a objetivação à interlocução entre os “atores” da história e o
“historiador” será permeada por um alto teor interpretativo. Para a investigação dos dados

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seguimos os seguintes passos: a catalogação de pessoas que fizeram a história do CACEM,


entrevistas, apropriando-nos de questionários, diários de bordo, análise de fotos, além da
utilização de materiais auditivos e audiovisuais na captura de informações; após, seguimos à
análise, sistematização e discussão com materiais relacionados à literatura especializada. A
pesquisa levou em consideração as narrativas de vinte colaboradores que estiveram
envolvidos com o objeto de estudo no recorte estabelecido, além de contar com documentos,
fotos e inúmeras discussões em bares e fóruns de discussão teatral onde a escola era citada
pela classe artística de São Luís. A pesquisa mostrou que o espaço é apenas um dos pontos
problemáticos que refletem no ensino da escola. Somada à estrutura física, existe a estrutura
humana, material, a falta de profissionais de fato preocupados com o ensino do Teatro e, por
fim, talvez a não menos importante, a gestão. É preciso saber gerenciar um espaço de Cultura
e Educação como uma Escola de Teatro. Após análise das informações obtidas na pesquisa
pudemos perceber que as relações da escola com o órgão gestor, a SECMA, são bastante
confusas. A Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão, entre os anos de 2004 e 2007, anos
correspondentes à gestão inicial do CACEM (quando este passa ser regido pelo Estado), se
configurou como um órgão ausente quanto à sua assistência a escola. Por outro lado, a inércia
da gestão em propor e em exigir o cumprimento das ações solicitadas divide com a SECMA
os créditos da situação da escola.

Referências bibliográficas

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.

RABETTI, Maria de Lourdes. Observações sobre a prática historiográfica nas artes do


espetáculo. In: Metodologias de Pesquisa em Artes Cênicas. Memória ABRACE IX
(Associação Brasileira de Pesquisa e Pós Graduação em Artes Cênicas) UNIRIO-RJ. Rio de
Janeiro, 2006, p. 09-130.

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A FORMAÇÃO DO ARTISTA NO PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE PALHAÇO


PARA JOVENS DOS DOUTORES DA ALEGRIA
Thaís Caroline Póvoa Balaton

Palavras-Chave
clown, máscara, pedagogia teatral

O interesse no campo das artes cênicas pela linguagem popular e, mais


especificamente, pela linguagem circense se dá no início do século XX a partir de artistas da
primeira vanguarda que buscavam outras formas de expressão que se distanciassem das
formas consagradas pelo teatro realista. Foram inúmeras as contribuições dos artistas que
voltaram seus olhares para a investigação das formas populares como o circo, a pantomima,
os rituais, a Commedia Dell´Arte, os bufões, os charlatões, os teatros de feiras, as máscaras,
etc. É nesse contexto, e no âmbito das práticas teatrais, que surge o resgate do estudo do
palhaço no Século XX. Seguindo uma linhagem de artistas que pesquisam o universo das
máscaras nas primeiras décadas do século - como Jacques Copeau e Jean Dastè - o pedagogo
Jaques Lecoq funda sua escola na França em 1956, e desenvolve em parceria com Amleto
Sartori o que podemos considerar a primeira máscara pedagógica, a máscara neutra. Na sua
escola Lecoq, que desenvolve uma metodologia de trabalho baseada na análise do movimento
(LOPEZ, 2008), formou diversos artistas interessados na linguagem da máscara - entre elas, a
linguagem do palhaço - e do corpo. A formação da escola, definida pelo seu criador como
“pedagogia mimodinâmica” desenvolve-se em dois anos dedicados “de um lado a
improvisação e suas regras; de outro, a técnica do movimento e sua análise” (LECOQ, 2010).
O terceiro ano é destinado a quem deseja estudar o processo pedagógico. É muito bem
documentada a influência de Lecoq na formação de artistas do mundo todo e na França, duas
escolas voltadas à formação do palhaço foram criadas por profissionais formados pela Escola
de Jacques Lecoq: a Escola Philippe Gaulier, formada em 1980, e a Escola Le Samovar, que
teve sua fundação em 1990. No Brasil, principalmente a partir da década de 1980, vários
artistas passam a se interessar pelo trabalho com a pedagogia das máscaras, criando vertentes
que estimularam a pesquisa de diversos grupos e profissionais (SANTOS, 2007). Outra
importante vertente são as escolas de circo. A primeira escola de circo da América Latina, a

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Academia Piolin de Artes Circenses, foi fundada no Brasil e funcionou em São Paulo, entre
1978 e 1983. Outras importantes escolas foram fundadas posteriormente, dentre as quais
podemos destacar a Escola Nacional de Circo (RJ), a Picadeiro Circo Escola (SP) e o CEFAC
– Centro de Formação Profissional em Artes Circenses (SP). Apesar da crescente oferta de
cursos nas últimas décadas, a qualificação do profissional circense ocorre ainda sem o
reconhecimento do Estado (DUPRAT, 2014) e a formação do palhaço, que tradicionalmente
acontecia por transmissão oral dos conhecimentos, compartilhados apenas na esfera restrita do
núcleo familiar, passa a ser estruturada e ofertada através de cursos informais. Porém, o que
se desconhece é que os Doutores da Alegria - um coletivo de atores que funda uma instituição
não governamental e, desde 1991, utiliza-se da linguagem do palhaço para realizar
intervenções artísticas em hospitais públicos - fundam um curso de formação de palhaços em
2004 em São Paulo. Na equipe que compõe o quadro de artistas que coordenam esta proposta
pedagógica identificamos um perfil bastante definido: são artistas que estudaram na Escola de
Arte Dramática – EAD - e na Escola Livre de Teatro em Santo André e formam uma equipe
de profissionais que se tornaram referência no estudo da linguagem das máscaras em São
Paulo. O Programa de Formação de Palhaço para Jovens dos Doutores da Alegria é um curso
gratuito voltado ao artista que deseja se aprofundar na linguagem do palhaço, com uma carga
horária expressiva. Com aulas diárias por dois anos consecutivos e um terceiro ano de
acompanhamento, o curso integra as atividades da escola dos Doutores da Alegria, que
oferece ainda outros cursos na linguagem das máscaras como “Palhaços para Curiosos”,
“Introdução ao Jogo Cênico”, “Máscara Neutra”, “Comédia Humana”, dentre outros. Ao
passar pela escola na função de assistente de coordenação artística, nos anos de 2014 e 2015,
descobri que a escola desenvolve uma séria investigação pedagógica que se inicia com o
estudo da máscara neutra, da expressão corporal e das técnicas circenses. Uma segunda etapa
é dedicada à exploração do estudo de máscaras como a Commedia Dell´Arte e o curso de
Comédia Humana, com aulas práticas e teóricas, para, só então, chegar ao estudo da menor
máscara do mundo: a do palhaço. Apesar da influência direta da metodologia de artistas
estrangeiros como Jacques Lecoq, Phillipe Gaulier e Francesco Zigrino, o curso associa o
trabalho com a pedagogia das máscaras, o estudo corporal e a descoberta do seu próprio
clown, fundamentada na proposta metodológica da escola de Lecoq, na França, ao estudo do
movimento através dos ritmos e danças populares brasileiros - como o frevo, o cavalo-

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marinho, o coco de roda, o maracatu -, o aprendizado das gags clássicas brasileiras, de


tradição circense, além da relação com palhaços da cultura popular brasileira (como os
personagens encontrados nas festas populares do Brasil, como a Folia de Reis, o Pastoril
Profano, o Cavalo Marinho ou Bumba meu Boi, etc). Os procedimentos metodológicos
escolhidos para a pesquisa são o método antropológico etnográfico, conhecido como
observação-participante e a análise de documentos contendo registros diários dos encontros,
desde a fundação do curso. A pesquisa pretende se utilizar, também, do “Método Matricial” de
Jacó Guinsburg, trazendo para o campo da pedagogia teatral a metodologia analítica,
inicialmente proposta para processos de criação em artes cênicas. Os disparadores desse
projeto de pesquisa nascem, portanto, do interesse em estudar o Programa de Formação de
Palhaço para Jovens, da Organização Doutores da Alegria, em São Paulo, documentar sua
trajetória e discutir suas contribuições no âmbito da formação do palhaço em São Paulo, ao
longo de seus doze anos de existência. Além dessas premissas centrais, há o desejo de
contribuir para a discussão no campo de formação do palhaço no país, investigando as
possíveis analogias com outras escolas de formação existentes na mesma linguagem.

Referências bibliográficas

DUPRAT, Rodrigo Mallet. Realidades e particularidades da formação do profissional


circense no Brasil, rumo a uma formação técnica e superior. Campinas-SP. 2014.

LECOQ, Jacques. O corpo poético. Uma pedagogia da criação teatral.; com a colaboração
de Jean-Gabriel Carasso e de Jean Claude Lallias; tradução de Marcelo Gomes – São Paulo:
Editora Senac São Paulo: Edições SESC SP, 2010.

LÓPEZ, Miguel Ángel García. La máscara neutra en la pedagogía de la expresión


corporal. IV Congreso Internacional y XXV Nacional de Educación Física. Universidad de
Córdoba. 2008. Disponível em: <http://www.uco.es/
IVCongresoInternacionalEducacionFisica/congreso/Documentos/001-199-120-003-001.html>
Acesso em 01 out.2016.

SANTOS, Leslye Revely dos. A pedagogia das máscaras por Francesco Zigrino: uma
influência no teatro de São Paulo na década de 80. UNESP. Instituto de Artes. São Paulo,
2007

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NIKKEI EM CENA: CORPO EM SUSPENSÃO


Isis Akagi

Palavras-Chave
Artista do Corpo Nipobrasileiro (nikkei); Mestiçagem; Ma; Do

Esta pesquisa analisa o papel do nipodescendente brasileiro a partir da perspectiva de


artista do corpo, tendo como contexto a cena artística paulistana e uma realidade brasileira de
imigração e diáspora, num viés praticoteórico. O Brasil possui a maior população de
japoneses e seus descendentes residindo fora do território japonês. E não só isso, como
também concentra a maior rede de pesquisas sobre Japão e aspectos da cultura japonesa na
América do Sul. Escolhemos especificamente São Paulo como contexto por dois motivos: é a
cidade brasileira com maior concentração de descendentes de japoneses, bem como a que
possui o maior número de produções artísticas no Brasil. Apesar de já estarem na sexta
geração, os nikkeis ainda carregam o estigma de estrangeiros devido ao seu fenótipo do leste
asiático. Um corpo nikkei não é um corpo "neutro". E esse olhar atravessa também o contexto
das artes da cena (consideramos Dança, Teatro e Performance), onde esse corpo é muitas
vezes alocado em alguma prática "japonesa" - sendo que muitas vezes, tais artistas nem
sequer têm contato com a cultura de seus antepassados, apenas herdaram algumas
características físicas. A partir dessa noção, conversamos com algumas artistas que atuam na
cidade de São Paulo para entender quais os pontos de vista de cada uma em relação a isso.
Tais conversas revelaram algo que é óbvio, mas que muitas vezes nos esquecemos e acaba
passando despercebido: a questão da singularidade. Somos singulares e únicos no que diz
respeito às nossas trajetórias, memórias, experiências e vivências. Levamos em consideração
que tudo resulta de processos. São encontros e confrontos, são contradições e ambivalências
que se revelam e que fazem parte de contaminações e atravessamentos. Consideramos
também a relação entre ocidente e oriente, representados aqui por Brasil e Japão,
respectivamente - noção que também é questionada, porque na verdade o Brasil, em muitos
países, não é sequer considerado um pais ocidental. A Teoria do Corpomídia (KATZ &
GREINER, 2001) é importante para a compreensão de co-relação e co-evolução inestanque e
mútua de corpo e ambiente. Neste sentido, corpo nunca "é", mas "está sendo", porque é a

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partir da relação com o ambiente que ele "vai sendo". O corpo do nikkei lida hoje com
questões que seus antepassados imigrantes não lidavam. Nascidos e criados no Brasil, muitas
vezes não são reconhecidos como brasileiros, podendo até sofrer racismo e xenofobia. Ao
mesmo tempo, se esse nikkei vai ao Japão, é considerado gaijin, ou seja, estrangeiro. São
questões novas, frutos de interações resultantes de diásporas e imigrações, processos de
globalização e novas mídias que conectam diferentes (e distantes) partes do planeta. Apesar
dos possíveis embates resultantes, consideramos a mestiçagem (PINHEIRO, 2013;
LAPLANTINE & NOUSS, 2016; GRUZINSKI, 2001) decorrente desse encontro algo que
enriquece e complexifica de maneira positiva o contexto apresentado. Alguns
questionamentos nem seriam possíveis caso o encontro não tivesse acontecido. A partir do
entendimento da mestiçagem, os processos se dão em "vaivém" e "ziguezague". "Mestiçagem
aqui não remete ao cruzamento de raças, ainda que obviamente o inclua, mas à interação entre
objetos, formas e imagens da cultura. A mestiçagem não opera por fusão, que apaga as
diferenças, nem por mero reconhecimento das diversidades, que as mantém isoladas: é sim
um conhecimento a partir do bote canibalizante no alheio, em vaivém e ziguezague,
montagem em mosaico móvel dessas multidões de outros, suas linguagens e civilizações.
Está, portanto, aquém das lógicas binárias da identidade e das oposições: as dualidades dos
centros e das periferias não lhe servem. A mestiçagem é uma onça alegre que se alimenta de
todas esses outros (bichos, gentes, objetos) escondidos, abandonados e
rejeitados." (PINHEIRO) Nos utilizamos alguns termos da cultura japonesa, Ma e Do,
devidamente deslocados em seus sentidos e ressignificados no contexto mencionado para
entender a suspensão e a diáspora, respectivamente. Para falar do termo Ma, utilizamos o
estudo da professora e pesquisadora Michiko Okano. Segundo esse estudo, Ma não é
facilmente explicável e não é visível, apesar de fazer parte do cotidiano dos japoneses. É um
gap, uma pausa. O momento certo. Seu ideograma significa literalmente um portão por onde
se entrevê o sol. Também está presente em contextos mais artísticos. Quando o dia não está
bom e nada está dando certo, usa-se a expressão "Ma ga warui", literalmente, "Ma ruim".
Quando o artista acerta o timing da entrada, da deixa, ele acertou o "Ma". Ele pode ser usado
tanto espacial quanto temporalmente. Para nós, deslocado e ressignificado de seu contexto
original, representa o "entre-lugar" do nikkei, estrangeiro tanto no Brasil quanto no Japão. Do
é literalmente caminho, curso. O caminho oriental é muito mais do que uma filosofia ou

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religião, mas se aproxima da noção de um estilo de vida. No Brasil, Do é conhecido por causa
das artes marciais - um dos caminhos do pensamento japonês. Para nós, Do tem a ver com as
diásporas geográficas e cognitivas que são desencadeadas desses encontros. Os estudos de
Hashiguti (2008) e Takeuchi (2016), que tratam especificamente do corpo nipobrasileiro,
também compõem as referências teóricas deste estudo, no qual lançamos a possibilidade de
olhar para estes indivíduos através de outra perspectiva, que tenta fugir dos estereótipos e
clichês historicamente embutidos neles. Afinal, o que é ter um corpo japonês? Uma voz
japonesa? Mas tudo isso dentro de um contexto brasileiro? E que é também um corpo artista,
que atua na cena, que resiste e insiste em ser reconhecido como o que é - um corpo brasileiro?
A presença de artistas nikkeis no cenário artístico paulistano representa uma luta importante
por representatividade. Esta apresentação tem o caráter de mostrar parte de um processo de
pesquisa teóricoprático que foi sendo desenvolvido (e que ainda está sendo) durante quase
dois anos e meio de reflexões e pesquisa sobre bibliografia específica sobre o tema.

Referências bibliográficas

GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo. Companhia das Letras. 2001

HASHIGUTI, Simone Tiemi. Corpo de memória. Tese apresentada ao Instituto de Estudos


da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção de título de Doutor em
Linguística Aplicada. Campinas, 2008.

KATZ, Helena e GREINER, Christine. Por uma Teoria do Corpomídia. In: O Corpo: pistas
para estudos indisciplinares. Org: GREINER, Christine. São Paulo. Annablume. 2005.

PINHEIRO, Amálio. Barroco, cidade, jornal. São Paulo. Intermeios. 2013.

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PROCESSOS DE CRIAÇÃO AUDIOVISUAL NO MIDIACTORS GRUPO DE MÍDIA


CÊNICA
Aline Oliveira, Danilo Felisberto Pedroso, Danilo Lucas Marcelino

Palavras-Chave
corpo, instalação, vídeo

O grupo Midiactors foi criado em 2013 pela Profª Dra Aline Mendes de Oliveira
(Aline Andrade) e está vinculado ao Departamento de Artes Cênicas da Universidade Federal
de Ouro Preto. Seu foco de pesquisa consiste na análise e na prática das relações criativas
produzidas a partir da manipulação de elementos mutimidiáticos, especialmente audiovisuais,
e dos possíveis diálogos com conceitos ligados à noção de imagem cênica, teatro, presença e
do uso de novas tecnologias aplicadas à cena. No ano de 2016, através de projeto financiado
pela FAPEMIG - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais, o Midiactors
teve a oportunidade de construir uma experiência cênica que se aliou à computação, produção
videográfica(1), edição de imagens e operação de vídeo mapping (projeção mapeada)(2). A
experiência, intitulada “Ressuscitações e outras formas de sangue”, teve estreia em dezembro
de 2016 e foi reapresentada em maio de 2017. A seguir, compartilharemos alguns
desdobramentos sobre o processo de criação. Partimos de uma ideia inicial de investigação de
espaços possíveis para a construção de projeções mapeadas, que oferecessem um diferencial
na estrutura de apresentação e relação entre imagem e cena. Nosso desejo era criar uma
experiência imersiva para o espectador através de visualidades, sonoridades, texturas e
ambiências que propusessem uma relação sensorial com o audiovisual. Consideramos, então,
um esboço de encenação que remetia a uma galeria de arte, com espaços distintos, como
“cubos”(3), que pudessem abrigar uma variedade de propostas, que partiam das seguintes
ideias: Estrutura "cabe-tudo" - instalações que ocupam o espaço e se apropriam dele. Cada
cubo, uma ação, uma ideia. Atravessamento entre as ações. A potência da indicação do trajeto
(Reflexão sobre como fazer o espectador seguir um trajeto sem mediação ou indicação
humana). O espetáculo foi construído, portanto, com base em quatro “cubos”. Procuramos
estabelecer alguns parâmetros para pensar, em relação à espacialização, a concepção da
instalação cênica que desejávamos investigar e nos deparamos com a definição de Pavis

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(2005), que nos norteou no trabalho e que reflete que a instalação insere no espaço elementos
plásticos, meios de comunicação de massa, palavras, música, trajetos pela obra. Porém,
exclui, entretanto, atores ou performers vivos. Vídeos, projeções, imagens de computador
fazem parte da composição espacial e favorecem o deslocamento do público, de forma livre
ou conduzida. O que se percebe é que a noção do tempo ganha primeiro plano; os
espectadores determinam a duração do seu trajeto, observando detalhes ou seguindo em
frente. A temporalidade interfere na proposição da obra. Portanto, nossa ideia inicial, a partir
dessa referência, era criar um percurso, plástico, sonoro, de ações e imagens que pudessem
compor uma trajetória narrativa para o espectador. Um trajeto de situações e sensações que
produzissem múltiplos significados em jogos de interação com o público. A interferência
audiovisual na espacialidade promove diálogos entre o tempo real, presente, e o tempo
abstrato, imaginado. No primeiro cubo, a imagem de um globo terrestre gira até que toda a
área de projeção seja inundada por imagens de um mar. A princípio, o foco é conduzir o olhar
do espectador, de fora para dentro, entrando no azul da imagem que se transforma no
movimento das águas. No mapa destacado no globo, a região da Síria fica em destaque,
antecipando o universo temático da cena. O ator atravessa o mar com um barquinho de papel
nas mãos e desvanece em uma das extremidades. No segundo cubo, as imagens evocam
texturas, em função de suas cores e objetos como plantas, estradas, paisagens no horizonte e
janelas. Estas imagens decorreram dos registros em vídeo que fizemos no bairro Morro São
Sebastião, no município de Ouro Preto-MG. Ao longo do processo de criação, observamos o
potencial de interatividade entre o ator e as imagens projetadas, concebidas como instalação
no espaço. Corpo e vídeo criam formas e volumes, e traçam relações dialógicas sob o olhar do
espectador. No terceiro cubo, alguns trechos de filmagens de ensaios são utilizados para criar
um deslocamento espacial e temporal em relação aos movimentos do ator. A ideia era
multiplicar sua imagem, provocando ecos da mesma, relacionando o ator real, presente, e sua
imagem situada no passado, reflexos de sua memória. No quarto e último cubo, trabalhamos
com frases projetadas sobre o corpo do ator. A aparição destas frases remete ao ato da
datilografia e diversos efeitos de distorção são aplicados ao vivo conforme a movimentação
do ator no espaço. Nesse momento, a forma gráfica da linguagem textual oscila entre as
funções de narração, iluminação, personificação e abstração poética. A imagem do texto
projetado adquire um sentido opressor em relação ao corpo do ator e, com ele, se desenvolve

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num movimento de temporárias permanências e transformações. Trata-se de uma integração


entre corpo e vídeo, entre suas formas e dimensões espaciais, provocando um contraste entre a
amplidão da imagem e o corpo em movimento. Dessa forma, concluímos esse presente texto
refletindo sobre a potencialidade da imagem real e a virtual, imaginada, recriada ou direta, e
as possibilidades criativas vivenciadas na experiência aqui descrita. Notas: 1. Produção
videográfica: consideramos produção videográfica como a criação de vídeos específicos para
interação com o processo de criação do espetáculo, bem como registros audiovisuais do
processo. 2. Projeção mapeada: Como pensado em nosso processo, indicamos aqui a
definição de vídeo mapping que buscamos empregar em nossas investigações: Projeção de
vídeo mapping é uma técnica de projeção que pode transformar quase qualquer superfície em
uma tela de vídeo dinâmico. Softwares especializados são utilizados para distorcer e mascarar
a imagem projetada e torná-la apta para telas em formatos irregulares. Quando bem feito, o
resultado final é uma instalação de projeção dinâmica que transcende a projeção de vídeo
comum. (http://videomapping.tumblr.com/, acessado em 30/11/2014, às 23:30). 3. Os “cubos”
foram uma forma de viabilizar um espaço definido para criações individuais, onde os
performers poderiam ter total liberdade de propor um universo de investigação pessoal. A
ideia é que, a partir das criações individuais, experiências de compartilhamento e
atravessamento das propostas fossem realizadas como exercícios de exploração e expansão do
material cênico produzido com fins de estruturação do espetáculo.

Referências Bibliográficas:

PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. Trad. J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo:
Perspectiva, 2005.

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OSSUÁRIO: UMA POÉTICA RITUALÍSTICA DA MORTE NA ARTE DA


PERFORMANCE
Thales Jose Sousa Luz

Palavras-Chave
corpo, morte, performance

Esta pesquisa se compõe no cruzamento entre a conjuração da morte em trabalhos


artísticos e em práticas de rituais de bruxaria, tendo como ponto de interseção a performance
como experiência de materialização de uma poética da morte. Estabeleço inicialmente um
plano no qual a prática de bruxaria converge com a noção de necromancia, entendida como
habilidade de invocação dos espíritos dos mortos para práticas de oráculos e de feitiços.
Assim, tomando as minhas práticas rituais bruxas e a ideia de constituição de um nexo social
do corpo morto proposto por Nadia C. Seremetakis (1991), traço uma ideia da morte como
um encontro específico com a materialidade do mundo, que se desdobra, na minha vivência,
em possibilidades de composição artística. Proponho nesse momento uma percepção material
da morte como ação de decomposição, de dissolução, como movimento e transformação, cuja
matriz de significação é o próprio corpo. Assim, provoco, buscando no conceito de
performatividade proposto por Judith Butler (2000), uma reflexão sobre a dinâmica
performativa da bruxaria. Proponho, também, articulando o conceito de corpo performativo,
elaborado por Eleonora Fabião (2010), um pensamento convergente acerca da bruxaria e da
arte de performance, do qual a performance artístico-ritual emerge como uma experiência de
desestabilização da noção de identidade do corpo, lida por mim nessa pesquisa como uma
ação de morte. Tal percepção está na noção da arte de performance, (PHELAN, 1998), como
um acontecimento que marca o corpo em si mesmo como perda. Faço, em seguida, uma
análise de algumas obras de arte de performance que lançam mão da morte como operação
crítica de leitura do mundo e do corpo. Os trabalhos aqui abordados são a Série Silhuetas
(1973-1980) e Chicken Piece/Death of a Chicken (1972), ambos da artista cubana Ana
Mendieta, e The Burden of Guilt (1995), da artista cubana Tania Bruguera. Na Série Silhuetas,
Ana Mendieta cria, utilizando-se como molde, imagens do próprio corpo a partir de elementos
como terra, água, fogo, árvores e pedras. A composição de suas múltiplas silhuetas indica uma

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ação ritualística que provoca o revolvimento da energia própria da matéria com que a imagem
é construída no corpo e a partir do corpo. Mendieta se multiplica e se dissolve em suas
Silhuetas, deixando rastros do seu corpo e tornando-se ela própria não mais que esses rastros.
Identifico aqui como a poética elaborada por Mendieta revela a materialidade dos elementos
envolvidos, não os limitando apenas a uma mera matéria-prima para a construção de
silhuetas. A força nesse trabalho se constrói da maneira com que a matéria é moldada e no que
emana dela. Cada silhueta reverbera distintamente, visto que parte da relação do corpo da
artista com elementos diversos, com corpos-matérias outros. Assim, apesar da ação ser
aparentemente a mesma, cada experiência de silhueta é singular. Cada elemento trabalhado
afeta singularmente o corpo da artista e vice-versa. Nesse encontro, nenhum dos corpos
parece sobrepor-se ao outro, pois ambos dissolvem-se numa espécie de performance da morte.
Na performance em Super 8 Chicken Piece e nas fotografias Death of a Chicken, Ana
Mendieta permanece de pé, posicionando uma galinha agonizante com o pescoço cortado na
altura da sua vagina, manchando de sangue toda essa região do seu corpo. Assim, faço uma
leitura do sacrifício do animal e do sangue como elementos potentes na poética ritual da
artista, presentes em vários rituais sacrificiais. As ações remetentes aos rituais são: a relação
de incorporação com o corpo sacrificado, sua incorporação como gerador de sacrifício, a
manipulação do objeto simbólico e a conversão do instrumento de sacrifício em outro – nesse
caso, a conversão da ave em corpo da artista. Tania Bruguera, na performance The Burden of
Guilt, veste-se com a carcaça de um carneiro e, lentamente, durante uma hora, come terra
cubana de um vaso de barro e bebe água com sal. Nesse trabalho, a artista reencena uma ação
ritual realizada por indígenas cubanos que, como forma de resistência diante da colonização
espanhola, comeram terra como forma de suicídio. Identifico, nessa experiência, uma forma
de Bruguera acessar sua ancestralidade, ao reiterar uma ação vivida pelos índios em Cuba,
com o intento de estes convocarem os seus ancestrais para um encontro em um ritual de
morte. Percebo, nesses trabalhos, elementos poéticos relevantes para uma investigação sobre
o corpo em experiência ritual da/com morte, preparando assim uma base conceitual para uma
leitura dos elementos que permeiam o meu próprio processo de criação artística. É então no
último momento dessa pesquisa que compartilho uma experiência estética com a morte
através de um relato do processo de criação do trabalho Ossuário. Trata-se do relato de um
processo de composição artística como oportunidade de experimentar no corpo as operações

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críticas mobilizadas pela performatividade da bruxaria e pela leitura do mundo através da


morte. Ao compor a escrita acerca desse processo de criação artística, que se dá na proposta
de uma relação ritualística com ossos, volto-me para as minhas imersões no interior do Piauí -
lugar onde nasci - e no litoral do Ceará - lugar onde vivo atualmente - em um trabalho de
coleta de ossos. Utilizo nesse momento o conceito de limiar de Walter Benjamin, trabalhado
por Jeanne Marie Gagnebin (2010) e Roger Behrens (2010), a interpretação da morte
apresentada por Nadia Seremetakis (1991) e uma noção de corporeidade trazida por Kuniichi
Uno (2012). No decorrer dessa pesquisa de mestrado, considero que a experiência do corpo na
performance como experiência de morte não é discutida como um acontecimento em direção
a um fim. O corpo aqui é percebido ao mesmo tempo como uma encruzilhada, o encontro e
partida de caminhos.

Referências bibliográficas

BEHRENS, Roger. Seres Limiares, Tempos Limiares, Espaços Limiares. In: OTTE,
Georg; SEDLMAYER, Sabrina; CORNELSEN, Elcio. Limiares e passagens em Walter
Benjamin. Belo Horizonte: UFMG, 2010.

BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do “sexo”. In: LOURO,
G. L. (Org.). O Corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica,
2000.

FABIÃO, Eleonora. Corpo Performativo. In: BARDAWIL, Andrea. (Org.). Tecido afetivo:
por uma dramaturgia do encontro. Fortaleza: Cia das Artes Andanças, 2010.

GAGNEBIN, J. M. Entre a Vida e a Morte. In: OTTE, Georg; SEDLMAYER, Sabrina;


CORNELSEN, Elcio. Limiares e passagens em Walter Benjamin. Belo Horizonte: UFMG,
2010.

PHELAN, Peggy. A Ontologia da performance: representação sem produção. In:


MONTEIRO, P. F. (Org.). Revista de Comunicação. Lisboa: Cosmos, 1998.

SEREMETAKIS, C. Nadia. The last word women: death and divination in inner mani.
Chicago: Chicago Press, 1991. ______. The senses still: perception and memory as material
culture in modernity. Chicago: Westview Press, 1994.

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DIREÇÃO DE ATORES: UM CORPO EM PROCESSO


Ana Paula Zanandréa

Palavras-Chave
Direção de atores, encenação, processo de criação

Existe uma urgência em aprofundar estudos acerca da direção teatral. Este ofício é
consideravelmente recente se comparado com aquele do ator ou do dramaturgo. Por séculos, a
direção de um espetáculo ficou sob a responsabilidade do melhor ator da companhia, do
escritor ou de outro artista envolvido no processo. Apenas no século dezenove esta função
começa a ser encarada como um ofício artístico que exige um conhecimento específico e
aprimorado. Deste então, em pouco mais de um século, o diretor ganha importância dentro do
fenômeno teatral, tornando-se figura chave no processo de criação cênica contemporâneo.
Esta importância não se reflete na produção bibliográfica teatral. É inegável a existência de
diversas obras teóricas acerca da poética e da estética alcançada ou almejada por alguns
encenadores. Porém, o estudo da direção de atores, faceta fundamentalmente manifestada ao
longo do processo de ensaio, resta pouco abordada. Entende-se por direção de atores o
trabalho do encenador com os atores durante o processo de criação de um espetáculo. Esta
dinâmica é caracterizada pela maneira na qual ele guia seus companheiros na empreitada
teatral. Dentre as atribuições da direção de atores podemos destacar a organização dos
encontros, a escolha dos procedimentos a serem propostos a cada dia e a adequação deste
planejamento à realidade pulsante no ensaio. Como relembra Sophie Proust (2004, 01), a
noção de direção de atores faz referência direta ao trato com os indivíduos atores e não com a
atuação, o movimento cênico ou as personagens, o que remete a existência de uma relação
particular entre os artistas envolvidos no processo que extrapola àquela profissional. Esta
relação particular é construída não apenas pelas propostas verbalizadas pelo diretor: o seu
corpo está plenamente engajado no processo. Consequentemente, ele também é veículo de
comunicação – intencional ou não - da sua direção. Deste modo, poucos diretores
permanecem estanques nos seus lugares de espectadores, afastados da cena. Para além do
cliché que atribui ao encenador a posição sentada e a função de assistir a evolução dos atores
à uma certa distância propícia à visão geral do trabalho, ao longo de um processo de criação

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teatral, ele se aproxima do ator no palco durante o aquecimento, nos laboratórios de


improvisação e de exploração da peça, e até na marcação de cenas. O seu corpo, a sua voz, a
sua energia auxiliam a estimular cada momento da criação. É na proximidade que o diretor
pode reagir melhor às pulsões dos atores, gerando estímulos que se diluem no desenho final
da cena. Este contato físico deixa profundas marcas, traços, vestígios no espetáculo. Porém,
salvo nas apresentações onde o diretor teatral ocupa a cena como ator ou como diretor, o
espectador não vê o produto direto do seu corpo que subjaz em cena. Esta característica
contagia a academia, culminando na falta de estudos que busquem melhor entender o que
acontece nesta relação corpórea fundamental para a direção de atores. Nesta premissa, a
presente pesquisa propõe a investigação de métodos e procedimentos de criação teatral a
partir da perspectiva do corpo do encenador e de suas implicações dentro do processo de
direção de atores. Aliando prática artística e teoria, objetiva-se elencar e analisar estratégias
de encenação que estabeleçam vínculos profissionais, artísticos e afetivos com os atores
durante a montagem de um espetáculo. Este estudo é desenvolvido no Programa de Pós-
Graduação em Artes Cênicas da UFRGS dentro da linha de pesquisa “Processos de Criação
Cênica”. Ele conta com a orientação do Professor Dr. João Pedro Alcântara Gil e encontra-se
em fase de qualificação. Com duração de quatro anos, ele parte da análise da experiência
artística e docente desenvolvida pela pesquisadora durante este período, que investiga e
experiencia em processo as noções, conceitos e práticas que se encontram na convergência da
pesquisa, da docência e da criação artística. Através desta análise são traçados agenciamentos
entre a relação ator e diretor com aquelas entre professor e aluno e entre pesquisador e objeto
de pesquisa, investigando atritos e complementaridades existentes nestas dinâmicas. O
suporte conceitual da pesquisa emerge na transversalidade tanto da teoria teatral e de outras
áreas de conhecimentos afins, entre elas a da filosofia e da linguística, quanto da prática
artística da pesquisadora. Uma atenção especial é dada ao desenvolvimento das noções de
direção de atores e encenação através da investigação de exemplos que problematizem os
limites e as fronteiras do fazer do diretor teatral no processo de criação. Auxiliam também
para o aprofundamento da questão duas noções filosóficas de Jacques Derrida: “subjétil”, que
corrobora para o entendimento do papel do diretor-pesquisador; e “destinerrância”,
concernente às diferentes leituras deste corpo em processo por parte dos atores. Os resultados
preliminares apontam que, no emaranhado de afetos onde se prefiguram as relações artísticas

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!

e profissionais, mesmo após a chegada do público e o afastamento físico do diretor do palco,


há algo de seu que permanece vivo nos atores e nas marcações, assim como há algo dos atores
que seguirá latente dentro do diretor nos próximos projetos. Como o teatro persiste impresso
no corpo do espectador, assim permanece o diretor, de algum modo, pulsando dentro da
estrutura do espetáculo encenado.

Referências bibliográficas

DERRIDA, Jacques. Enlouquecer o subjétil. São Paulo: Editora da UNESP, 1998.

______. The postcards: from Socrates to Freud and Beyond. Chicago: The University of
Chicago Press, 1987.

PROUST, Sophie. La Direction d’Acteurs. Vic la Gardiole: L’entretemps, 2006.

______. Le corps du metteur en scéne. Revue DEMéter, Lille, Université de Lille-3, junho
2004. Disponível em www.univ-lille3.fr/revues/demeter/corps/proust.pdf.

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A RESSIGNIFICAÇÃO DAS ARTES MARCIAIS NA CENA


André Sarturi, Fernanda Helena Guedes Reis Teixeira Dos Santos, Luciana Mizutani

Palavras-Chave
artes marciais, artes da cena

Introdução A colaboração das artes marciais para os artistas da cena tem sido alvo de
investigação na construção pré-expressiva do corpo do artista cênico, como material para
criação poética na transposição de um princípio marcial ou como experiência em seu contexto
abrangente. Introduzidas em estruturas culturais, as artes que se encontram em um mesmo
nicho, são atravessadas pelos mesmos contextos políticos, sociais, históricos e filosóficos.
Assim é possível perceber a performatividade das artes marciais chinesas e da marcialidade
na ópera de Pequim (HUNT, 2003) ou reconhecer a filosofia zen-budista em diversas artes
com caligrafia, pintura e escultura. (WHEELER, 1984) Imbuídos desse espírito de
marcialidade na cena propomos aqui a reunião de três artistas marciais com diferentes
especialidades em cena: uma praticante uma de gong fu, uma do kenjutsu e um de karatê-do e
judô respectivamente com enfoques de trabalho no teatro, na dança e na performance.
Intencionamos detectar pontos de confluência de diferentes processos, um de cada artista, ao
trazer as artes marciais para o contextos e configurações da cena. Na prática de Luciana
Mizutani, a demonstração terá enfoque no processo de criação do desenho de movimento do
espetáculo “O dragão de fogo” com texto de Cássio Pires e direção de Marcelo Lazzaratto.
Para esta encenação, inspirada na ópera de Pequim, os atores contaram com preparação
corporal de gong fu que foi ponto de partida para a construção da gestualidade das
personagens. A demonstração técnica de Fernanda Santos será a desmontagem do espetáculo
Miradas do Caos #1, um solo realizado em 2013. Neste trabalho, o arquétipo do guerreiro e
do samurai haviam sido explorados esteticamente. No trabalho desenvolvido atualmente no
doutorado, o solo You will be unafraid, o kenjutsu será utilizado enquanto exploração
coreográfica. Já no trabalho teórico-prático de André Sarturi serão apresentados elementos de
Karatê-Dô e Judô utilizados na performance Ilinx: Jogos e Memórias (2015), que é parte
integrante da sua pesquisa de doutorado. Neste trabalho o pesquisador explora suas memórias
a respeito de questões relativas a equilíbrio e desequilíbrio e instiga o público a participar do

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jogo cênico, praticando técnicas de judô e karatê-Dô. Procedimentos de trabalho e a praxis


como poiesis Desenvolver uma rotina de treinamento, após o surgimento do método de
Constantin Stanislavski tem sido uma verdadeira obsessão para os profissionais do teatro.
Segundo Cassiano Quilici, todos os principais pedagogos do teatro do sec. XX, tais como
Stanislavski, Grotowski, entre outros, entendiam a formação do ator como um caminho que
implica numa capacitação mais ampla do sujeito, entendendo a dimensão ética, política,
existencial e espiritual. (QUILICI, 2012). Matteo Bonfitto também parte de Stanislavski para
falar do treinamento como poiesis diz que esta discussão a respeito dos procedimentos de
aprendizagem abriram, a partir das propostas do encenador russo, para a experimentar aquilo
que ficou conhecido como “o trabalho sobre si” (Bonfitto, 2012, p. 4). Dessa forma, Bonfitto
estabelece uma diferenciação entre o trabalho como poiesis e como praxis. Segundo Bonfitto
(2009) um “treinamento como práxis pode ser associado com a aplicação de sistemas de
atuação” enquanto um treinamento como “poiesis com a exploração de princípios”. Na
marcialidade da cena, a práxis poderia ser pensada como a transposição de formas como
estrutura de onde surgirão partituras de movimento para a cena. Se pensada como poiesis, a
função emerge do processo de seu fazer, podendo ser geradora de um campo estético em que
não há como se prever um resultado antes mesmo do seu fazer. Artes marciais e os trabalhos
pré-expressivos dos artistas da cena As artes marciais podem ser utilizadas como preparação
corporal para o artista da cena, proporcionando benefícios físicos habilidades como
treinamento muscular, alongamento e aterramento do praticante. Também envolve o
conhecimento de combate versando sobre estratégia, treinamento espiritual, visando o cultivo
da energia interna, equilíbrio e prontidão. As relações ético-poéticas entre as artes da cena e as
artes marciais A apreensão das artes marciais pelas artes cênicas pode acontecer no nível
poético e estético, em que o artista se contagia pela poética do guerreiro e todo o imaginário
que o envolve. A tradução do termo gong fu, revela seu principal fundamento e postura ética.
Segundo Andraus, o étimo pode ser traduzido, grosso modo, como "habilidade acumulada",
ficando implícita a ideia de que requer muitos anos de treinamento (ANDRAUS, 2004). Em
conjunto temos a noção de um trabalho duro para conseguir a maturidade ou de afinco de
muitos anos para atingir a maestria. O Kendo, ou o Caminho da Espada, é um dos caminhos
possíveis, um do, ou seja, um caminho para iluminação, dentre outros possíveis, através da
espada. Em vários escritos sobre o bushido, o código de honra dos samurais, é recorrente a

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associação da espada com o espírito. Na performance Ilinx: Jogos e memórias o treinamento


de artes marciais tais como o Karate-do e suas práticas conexas - como por exemplo o zazem3
e os treinamentos de atenção multifocal - visava explorar estados de equilíbrio e desequilíbrio,
que eram importantes para o processo compositivo da performance. Já o treinamento de judô
tinha o objetivo de explorar técnicas de quedas e recuperação, rolamentos, que além de úteis
para a segurança física do intérprete-criador, abrem espaço para um processo de
autodescoberta, pois a arte marcial, apesar de seu sentido utilitário para a luta, visa antes de
tudo a formação humana.

Referências bibliográficas

______. A poesia da luta: um olhar voltado para a gestualidade do estilo de gong fu


louva-a-deus como estímulo para uma criação coreográfica. Dissertação de Mestrado -
Instituto de Artes da Unicamp, 2004.

BONFITTO, Matteo. Cinética do invisível: Processos de atuação no teatro de Peter


Brook. São Paulo: Perspectiva, 2009.

CAMPBELL, Joseph. As máscaras de Deus. São Paulo: Palas Athena, 2004.

HUNT, Leo. Kung Fu Cult Masters: from Bruce Lee to Crouching Tiger. Londres:
Wallflower press, 2003.

MUSASHI, Miyamoto. O livro dos cinco anéis. São Paulo: Conrad, 2006.

QUILICI, C.S. O Treinamento do ator/performer: Repensando “o trabalho sobre si” a


partir de diálogos interculturais. In: Revista Urdimento. V19. Florianópolis, p.15-20, 2012.

WHEELER, Mark Frederick. Surface to Essence: appropriation of the orient by modern


dance. Tese de Doutorado - Philosophy School of the Ohio State University, 1984. Fut.
Cidade: Urdimento, 2016.

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PEDAGOGIA DA APRECIAÇÃO: RELATOS E DEMONSTRAÇÕES TÉCNICAS DA


EXPERIÊNCIA COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Elaine De Souza Silva

Palavras-Chave
Apreciação, Arte-Educação, Teatro

A proposta em pedagogia do espectador, na experiência com crianças e adolescentes


de Itabuna-Ba, foi desenvolvida visando estimular jovens pelo gosto de apreciar o teatro,
como meio de compreensão das narrativas sociais, e, a autonomia dos educandos. No corpo
do texto da dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da
Universidade Federal da Bahia – UFBA, e defendida em abril de 2017, como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Artes Cênicas, esboço relatos e
analiso a vivência com o Grupo de Experiências em Espect-Ação, formado inicialmente por
25 crianças e adolescentes de 09 a 16 anos, resultado da oficina de teatro em dois bairros do
município de Itabuna/BA. A pesquisa de campo teve a duração de um ano, dividido em três
ciclos de formação. O principal referencial teórico para embasar esse trabalho, está presente
em obras dos seguintes autores: Flávio Desgranges (2010), Walter Bemjamin (2012), Ana
Mae Barbosa (1991), Paulo Freire (1998), Jorge Larrosa Bondía (1998), Jean-Jacques
Russeau (1993), Ingrid Koudela (2001) e Augusto Boal (1977). Foram utilizadas
metodologias em formação de espectadores, a partir da abordagem triangular do ensino da
arte, haja vista que a arte da observação contribui para o desenvolvimento cultural e o fruidor
teatral especializado tem mais oportunidades de exercer didaticamente esses “papéis” de
quem contextualiza, aprecia e produz teatro. A partir dos jogos teatrais, foi possível exercer as
funções de conhecer, ler e criar cenicamente em sala de aula, como também houve o momento
de encerramento da pesquisa de campo com um experimento cênico intitulado Retirantes,
apresentado na programação do VI Festival de Cinema Baiano – FECIBA/Ano 2016. Mais do
que o dialogismo inerente a essa arte, foi proposta a iniciação de jovens espectadores no
universo da arte teatral com procedimentos espetaculares e extra-espetaculares. Essa
experiência, além de viabilizar o acesso físico desses seguimentos, a espetáculos
profissionais, proporcionou concomitantemente encontros de formação em espaços não

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formais de ensino, tornando possível maior aprofundamento de questões que contextualizam o


saber teatral e a prática pedagógica em arte-educação. Através de atividades voltadas para
uma pedagogia do espectador, a ação desenvolvida pretendeu ser um estímulo aos jovens em
criar o gosto por apreciar produtos artísticos e culturais, principalmente o teatro, como meio
de melhor compreender as narrativas sociais. Desse modo, o Grupo de Experiências em
Espect-Ação foi criado, tendo como objetivo proporcionar uma vivência de conhecimentos
mútuos acerca do ensino e do aprendizado no que tange a arte de ser apreciador teatral,
utilizando dessa experiência como disparadora ou provocadora para desdobramentos no
campo dos processos educacionais em Artes Cênicas. Ciente de que o intuito nunca foi formar
atores, o teatro foi sim o impulso, o atrativo, mas, o objetivo principal era o de despertar
nesses jovens tão vulneráveis por seus contextos individual e social, o desejo de reescreverem
suas histórias, despertando o interesse pela práxis do Protagonismo Juvenil a partir de um
contato mais próximo com a Arte Teatral. É possível suscitar o interesse e o gosto pelo teatro
através do debate estético, da apreciação de espetáculos teatrais e práticas de criação cênica,
além de compreender a potência transformadora que a experiência do fazer teatro
proporciona. Para tanto, foi proposto mediar práticas teatrais junto a esse grupo, com vistas a
uma arte da observação em espaços não formais de ensino, por meio de encontros de
formação onde fosse possível vivenciar o contextualizar, o fruir, e o fazer teatro. Os resultados
práticos dessa proposta é o que pretendo demonstrar junto aos pesquisadores interessados pela
temática, a partir de jogos teatrais que proporcionam evidenciar no corpo, as distinções dos
lugares de onde se vê e de onde se é visto na cena. Bem como, farei também a apresentação
oral contextualizando a pesquisa de mestrado concluída. A dissertação escrita ao final da
pesquisa, está dividida em uma introdução, três capítulos complementares, as considerações
finais, textos e imagens em anexo, ilustrada através de relatos, entrevistas, relatórios e planos
de aula, a proposta realizada em pedagogia do espectador com crianças e adolescentes do
município de Itabuna-Ba, com vistas a dividir com demais pesquisadores e Arte-Educadores
que atuam nos processos educacionais em Artes Cênicas, a análise dos desdobramentos,
desafios e considerações mais relevantes para o desenvolvimento de um pensamento sobre
pedagogia do espectador a partir dessa experiência. Enfatizando a importância da necessidade
de colaboradores comprometidos na execução de ações pedagógicas dessa natureza e
dinâmica. Assim como, chamo a atenção para o valor vital de que a formação de arte/

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!

educadores esteja voltada também, para uma percepção que valoriza a dimensão da
apreciação na arte teatral.

Referências bibliográficas

BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva, 1991.

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: Magia e técnica, arte e política. Tradução de Sérgio
Paulo Rouanet. 8ªEd. São Paulo; Brasiliense, 2012.

BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras Poéticas Políticas. 2ª Ed. Rio de Janeiro;
Civilização Brasileira, 1977.

BONDIA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Rev. Bras.
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______. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. Tradução: Alfredo Veiga-Neto.


Porto Alegre: Contrabando, 1998.

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______. A pedagogia do espectador. 2º Ed. São Paulo: Hucitec, 2010.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia - Saberes necessários à prática educativa. 9. Ed.


São Paulo: Paz e Terra, 1998.

KOUDELA, Ingrid Dormien. Jogos Teatrais. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

______. O jogo com o modelo da peça didática de Bertolt Brecht. Curso realizado durante
o V Congresso Internacional SESC de Arte/Educação, Recife/PE: no período de 25 a 29 de
julho de 2016.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Carta a d’Alembert. Tradução de Roberto Leal Ferreira.


Campinas: Editora da UNICAMP, 1993.

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!

CORPO E TECNOLOGIA: UMA ANÁLISE PARA PRÁTICAS AUTORAIS EM


TEMPO REAL
Rodrigo Rhenan Domingues

Palavras-Chave
Composição cênica, corpo e tecnologia, tempo real

Este trabalho tem o objetivo de abordar a relação do corpo e tecnologia em tempo real
em um contexto cênico, a partir da análise do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC),
realizado ao final do ano de 2016 para o curso de Licenciatura e Bacharelado em Dança
(UNESPAR, Campus de Curitiba II - FAP). Partindo então da prática que se constrói em
tempo real, entre corpo e tecnologia, ou corpo que dança e corpo projetado, percebe-se que a
produção de presença e a produção de sentido (GUMBRECHT, 2008) é algo que pode ocorrer
de maneira natural, a partir da inter-relação entre as duas partes, ao entender que ambos se
colocam no espaço cênico a fim de compartilharem o momento, e assim juntos construírem a
composição cênica. Para tanto, a prática parte do conceito de Interface que de maneira breve
permite que dois ambientes semelhantes ou distintos se comuniquem, como no exemplo de
apertar um simples botão onde o mesmo processe tal ação e devolva ao usuário (ARANTES,
2005). Além deste, outro conceito que ajuda a aprofundar a relação que este trabalho tem
interesse, se encontra no conceito de “Corpo Interface” (SANTAELLA, 2013) e seus vetores
(dentro-fora, intersticial e fora-dentro) que possibilitam a relação do indivíduo com o entorno.
Partindo então destes conceitos que permitem que o indivíduo troque informações com o
meio externo, o trabalho se reveste de uma possibilidade de composição cênica pautada na
relação entre humano e máquina. O recorte desta análise se encontra no ‘Interstício’,
entendido aqui como o lugar do ‘entre’. Este intermeio é entendido como o lugar em que a
ação do compor em tempo real acontece, ou seja, quando o corpo que dança e corpo projetado
se dispõem no espaço-tempo para que a obra seja construída. Este lugar onde ocorre tal ação
não é um lugar palpável, mas sim um lugar onde as ações convergem para o momento, desta
maneira o corpo que dança tem que canalizar suas emoções a fim de construir uma inter-
relação com o corpo projetado em detrimento da obra. Entende-se que por mais que a relação
tenha a possibilidade de ocorrer de maneira mais confortável, o corpo que dança ainda assim

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possui traços biológicos que podem interferir sendo necessário filtrar. Espera-se que o corpo
que dança tenha afetação dos estímulos causados a partir do feedback do corpo projetado e de
todas as possibilidades contidas na cena, as mesmas são entendidas como potência de
desenvolvimento da obra. Este fator não deverá ser entendido a partir do sentido de estar
reagindo de diversas maneiras aos estímulos gerados. Mas espera-se que o corpo que dança a
partir da sua percepção possa se utilizar desses estímulos como potência para a criação cênica.
Isto vem de encontro também ao momento de “re-parar” (EUGÊNIO; FIADEIRO, 2013).
Além disso, esta prática tem sua influência no Modo Operativo AND (EUGÊNIO;
FIADEIRO, 2013) que tem sua base em composição em tempo real. Desse modo a
composição cênica proposta entre corpo e tecnologia acontece na medida em que o espaço-
tempo são alargados e a constante pergunta “o que há?” (EUGÊNIO; FIADEIRO, 2013),
norteia toda a construção da obra. A obra performática é construída pela constante ação-
reflexão-ação do corpo que dança, ou nas palavras de João Fiadeiro na “pensação”. E assim, o
“como não ter uma ideia” influenciam o trabalho proposto porém em um contexto entre corpo
e tecnologia. Nesta ação o corpo que dança, vai produzindo presença e sentido
(GUMBRECHT, 2008), a partir desta relação entre o corpo projetado, possibilitando que o
corpo que observa a também participar desta produção. Então, é essencial a ação de “re-parar”
(EUGÊNIO; FIADEIRO, 2013) tais mudanças de sentido e presença, e utiliza-las como
potência para a construção cênica. Por fim, corpo e tecnologia tornam-se codependentes para
que a obra ocorra, ao se disporem neste espaço-tempo a fim de produzir/compor na esperança
de como Fiadeiro menciona “saborear o que há” e deste modo a partir deste ato poder dar a
possibilidade para o corpo que observa, produzir presença e sentido (GUBRECHT, 2008).
Desta forma, partindo da prática em tempo real influenciada pelo conceito de Composição em
tempo real, porém alargada para uma inter-relação entre corpo que dança e corpo projetado,
percebe-se que este processo composicional tem relação com o pensamento de Arlindo
Machado (2007) quando ele menciona que o artista subverte a funcionalidade da tecnologia,
ou seja, que nós criamos ou alargamos as funcionalidades para qual determinada tecnologia
foi destinada (MACHADO, 2007). É possível inferir, portanto, que a partir desta prática o
corpo e a tecnologia são entendidos com a mesma relevância cênica, sendo outro modo de se
trabalhar a relação entre corpo e tecnologia que difere dos trabalhos realizados por grupos
como: MOMIX, Käfig, David Middendorp, entre outros, que possuem a característica do

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movimento corporal extremamente afinada e em sincronia perfeita com a projeção, onde não
é aberto espaço para o improviso na cena e onde a estética proporcionada entre corpo e
projeção/tecnologia é meticulosamente planejada.

Referências bibliográficas

ARANTES, Priscila. @rte e mídia: perspectivas da estética digital. São Paulo: Senac,
2005.

EUGENIO, Fernanda; FIADEIRO, João. Jogo das perguntas: o modo operativo “AND” e
o viver juntos sem ideias. Fractal Revista de Psicologia, v.25, nº2., 2013.

GUMBRECHT, Ulrich. Hans. Produção de presença: o que o sentido não consegue


transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto e PUC-RJ, 2010.

MACHADO, Arlindo. Arte e Mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007.

SANTAELLA, Lúcia. Comunicação ubíqua: repercussões na cultura e na educação. São


Paulo: Paulus, 2013.

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POESIA~POEMA E(M) PERFORMANCE: A LEITURA VOCALIZADA COMO


PRIMEIRA ABORDAGEM PERFORMATIVA
Priscila Soares Garcia

Palavras-Chave
corpo, leitura, performance, poema, voz

Este trabalho é parte da pesquisa de mestrado em andamento Poesia~poema e(m)


performance: cartografando o processo de composição de “Ritos de Passagem”, de Paula
Tavares que está sendo desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da
Universidade de Brasília. A leitura vocalizada de poemas é uma das experimentações que
compõe o projeto em questão e foi uma das primeiras abordagens utilizadas, por mim, em
relação aos poemas contidos no livro Ritos de Passagem, de 1985, da poetisa angolana Paula
Tavares. A abordagem pragmática é uma proposta metodológica do Grupo de Pesquisa
Vocalidade e Cena , do Departamento de Artes Cênicas da UnB, que considera a natureza
mais permeável do que fixa do texto poético e busca direcionar a palavra desde os primeiros
momentos a uma dimensão de ato (VIEIRA, 2014). Nesse contexto, parte-se da ideia de que
no poema estão contidas intenções e atitudes que extrapolam as significações semânticas e
podem ser compostas a partir dos parâmetros do som (altura, duração, intensidade e timbre)
expressos na voz. A leitura em voz alta foi um procedimento utilizado para trazer novas
camadas de significação para os poemas de Paula Tavares. Essa prática privilegiou a leitura e
a recepção da palavra poética, em duplas e em grupo, e contou com a participação de seis
ledores/performadores que se alternavam entre a leitura e a recepção dos poemas. O corpo é
acionado através de um estado ativo: em pé, sentados ou em deslocamento pelo espaço,
privilegiando a ação de dizer e a produção de novos sentidos em performance. Utilizo o termo
performance no sentido definido por Paul Zumthor no livro "A letra e a voz: a 'literatura”
medieval' (1993). De acordo com esse autor, temos uma situação de performance quando a
comunicação e a recepção do texto poético passam a coincidir no tempo. A poesia, enquanto
gênero literário, é um material fértil para a pesquisa vocal e cinética do ator e sua
performance coloca-nos em contato direto com a materialidade da voz, fazendo o corpo
dançar ao som das palavras. Ao proporcionar expressividades sonoras e musicais, a poesia

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ativa os nossos sentidos, memórias e emoções através da palavra articulada. A leitura


vocalizada coloca em jogo um primeiro índice performancial que está relacionado ao grau de
engajamento do corpo durante a leitura em voz alta. Quanto mais o nosso corpo estiver
implicado no ato de ler, ou seja, quanto mais nos valemos dos aspectos cinético-acústico-
visuais implicados na performance, mais nos aproximamos dos sentidos imersos na poesia.
Assim sendo, o corpo, repleto de poderes sensoriais, é o primeiro espaço de performance, isto
é, é nele que ocorre a produção de sentidos e é através dele que eu vivo uma experiência com
a poesia. Ao lermos um texto em voz alta, colocamos nossos músculos, percepções e
sensações “em jogo”. A palavra poética vocalizada viabiliza uma certa dança articulatória por
onde trafega a fruição e o prazer estético, favorecendo a sinestesia e a tatilidade. De acordo
com o poeta e ensaísta mexicano Octavio Paz (1982), a poesia vocalizada é exercício
respiratório, ritmo, imagem e sentido e compõe uma unidade. Os versos nos provocam prazer
porque ativam movimentos agradáveis dos músculos. Desse modo, a palavra em performance
ativa processos químicos, físicos e afetivos no corpo de quem a produz e de quem a escuta
(VIEIRA, 2014). Esse tipo de abordagem performativa do texto permite que saiamos de uma
relação visual com a letra e a forma da poesia no espaço do papel para privilegiar o nível
acústico da palavra em performance. Assim, nessa prática metodológica, cada corpo que
ocupa a palavra num dado momento da leitura a experimenta e faz o outro experimentá-la de
um modo novo e diferente. O medievalista, crítico literário, historiador da literatura e
linguista suíço Paul Zumthor (2007) afirma que o contato com a poesia traz a necessidade de
uma intervenção corporal que ocorre através de uma operação vocal. O que percebemos com
essa prática foi que cada corpo que habitava a palavra promovia pequenos movimentos
corporais (uma inclinação do corpo, um gesto, uma relação de equilíbrio/desequilíbrio com o
corpo) e deslocamentos semânticos, isto é, a cada leitura novas camadas de significação iam
se compondo. O corpo reagia ao sabor dos versos e a leitura vocalizada permitiu que a palavra
se inserisse num outro tempo, o tempo do aqui-agora e do agora que passa, mas que se
sustenta em sua potência de efemeridade. Dessa forma, os sons em presença compartilhada
“realizam” a poesia (ZUMTHOR, 2005). A poesia mostra-se assim como pertencente ao
território da voz. E cada voz que ocupa o espaço poético se oferece para habitar o território da
potência poética. Desse modo, em poesia, dizer é agir, pois o ato de enunciar mobiliza a ação
do corpo no espaço de um acontecimento. Percebo que este tipo de abordagem nos coloca

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mais próximos à forma propriamente dita do poema, à sua duração, à sua dinâmica tempo-
ritmo, às suas texturas acústicas, às suas provocações e convites às sensações e memórias. A
leitura silenciosa e individual, diferentemente da leitura vocalizada compartilhada, favorece a
nossa aproximação e persistência em torno da dimensão do significado, não favorecendo o
contato com a amplitude de sentidos para os quais a vocalização de poema pode apontar. Até
o momento foram explicitadas a experiência com a vocalização de poesia~poema. A
performance que está sendo construída joga com as atitudes do performer em cena, buscando
criar experiência em jogo com o público. Essa dimensão do outro, de um interlocutor, está
presente o tempo todo, visto que é no diálogo que a poesia acontece.

Referências bibliográficas

PAZ, Octavio. O arco e a lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

VIEIRA, Sulian. Abordagem pragmática de textos teatrais e a técnica da microatuação:


da letra à voz e à palavra em performance. In: ALEIXO, Fernando (Org.). Práticas e
poéticas vocais. Uberlândia: Editora EDUFU, 2014.

ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz: a “literatura” medieval. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993

______. Escritura e Nomadismo. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2005.

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TRANSMISSIBILIDADE: ATUALIZAÇÃO DO PASSADO AO ENCONTRO DE


NOVOS CAMINHOS
Sayonara Sousa Pereira

Palavras-Chave
atualização, coreografia, memória, tempo, transmissão

É possível pensar que a transmissão de uma obra cênica seja comparável a um tipo de
“história oral”, pela fluidez de sua forma de apreensão, por ser trazida do passado e repassada
para bailarinos da contemporaneidade. A presente comunicação oral refere-se a um recorte, da
pesquisa em andamento que esta sendo realizada no grupo de pesquisa LAPETT-ECA-USP
(Laboratório de Pesquisa e Estudos em Tanz Theatralidades da Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo) através do processo de transmissão da obra cênica
Caminhos (1998), que foi criada e dançada pela coreógrafa Sayonara Pereira (1960),
transmitido à sua orientanda a bailarina Luiza Banov (1985). Na pesquisa questiona-se de que
forma gestos, movimentos, palavras, canções e sentimentos, arquivados nas memórias
corporais dos intérpretes ao longo de suas existências, podem vir à tona durante os processos
de criação. No caso específico da transmissão de Caminhos (1998), pretende-se discutir a as
relações que se estabelecem entre autor-intérprete original e o novo intérprete. É possível que
a obra permaneça através da memória do autor e do registro em vídeo. Todavia quando a obra
original é transmitida para outro corpo, que possui outra história e memórias corporais, o
quanto esta obra irá se modificar, e se atualizar? Como o outro corpo perceberá as intenções
dos movimentos, da musicalidade, do manuseio com os adereços da obra, além, do uso do
tempo, e do espaço? Com isso, novas possibilidades de atualização vão surgir, garantindo que
a obra persista no tempo. CAMINHOS (1998-2017) "Eu somente posso procurar mostrar,
procurar dizer e procurar encontrar o que está perto de meu coração (...). Entretanto isso é
algo absolutamente concreto. É a única medida que se tem: para alcançar o que se procura, e
para dar origem a alguma forma." Pina Bausch Quando em 1998 depois de ter criado os solos
SAUDADES (1996) e PULS (1997) seria natural seguir com novas criações. E assim veio o
terceiro solo criado por mim CAMINHOS no idioma alemão weg, que teve o início de sua
criação em outubro de 1997 na cidade de Essen e estreou em maio de 1998 na Fabrik Heeder -

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na cidade de Krefeld - Alemanha. Entrando, novamente em contato, com o material da época,


concluo que a nova peça queria falar de esperança, em um primeiro momento. Ou ainda
esperança, vozes e ritmos, memórias que já estavam inscritas no meu corpo havia muito
tempo. A metodologia de criação, a partir do olhar que tenho no presente, posso me observar,
cada vez mais, como uma coreógrafa que se inspira por músicas e por imagens. E por ter
oportunidade de trabalhar com grupos de pessoas me deixo inspirar muito pelo movimento
dos corpos dos artistas e pelas suas histórias. Em 1998 CAMINHOS apresentava uma artista
brasileira que vivia fora de sua pátria há 13 anos, naquela ocasião, com suas memórias e
vivencias, e que estava friccionando fatos de sua história com as vivencias e estados que ia
passando. Ano passado foi apresentando o vídeo da peça CAMINHOS, em sala de aula, e um
colega me disse após assistir o vídeo: É muito forte a peça. Gostei! Parece uma mulher que
está no exílio recordando fatos de sua vida. Aquela consideração me pegou em cheio, e me
deu “coragem” de querer transmitir CAMINHOS para uma intérprete que pudesse se
interessar pela empreitada. Os grandes temas que trabalho, já há alguns anos, são as memórias
gravadas e inscritas no corpo do intérprete cênico, fatos de sua biografia, o processo criativo
de obras cênicas com temáticas contemporâneas, e a análise de gestuais, em associação com
elementos encontrados no Tanztheater. Transmitir uma coreografia valoriza, também, o lado
histórico, possibilitando que uma obra criada há muitos ou há alguns anos seja revisitada,
reestudada, e trazida à cena. O fato da obra ser dançada por outro corpo, é uma maneira de
rejuvenescimento, de atualização, de encontrar outros acentos e ter a possibilidade de
impactar novamente tanto o corpo da jovem bailarina que apreende a obra, quanto o público
que terá a chance de assistir ao vivo uma obra que foi criada talvez antes do nascimento de
alguns. É possível pensar que a transmissão de uma obra cênica seja comparável a um tipo de
“história oral”, pela fluidez de sua forma de apreensão. Por ser trazida do passado por um
profissional autorizado e especializado, ou pelo próprio autor da obra que irá (re) estudar e
repassar a obra para a interprete escolhida. Alguns autores preferem definir o campo de ação
da história oral como “técnica”, “ferramenta”, “metodologia”, e até “saber”. O que nos parece
pertinente na especificidade da palavra “saber”, aplicada dentro da história oral, é a busca
para que sejam estabelecidos valores e um conjunto de procedimentos que a qualifiquem
como matéria do tempo presente, tendo como seus objetos o estudo da memória e da
identidade. O autor Duarte Jr. acrescenta ainda: Do mesmo modo que o saber reside na carne,

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no organismo em sua totalidade, numa união de corpo e mente. Neste sentido, manifesta-se o
parentesco consanguíneo do saber com sabor: saber implica em saborear elementos do mundo
e incorporá-los a nós (ou seja, trazê-los ao corpo, para que dele passem a fazer parte). Sempre
me emociono em pensar que conheci Luiza Banov quando ela tinha 19 anos, e desde então,
temos tido uma parceria profissional, que se mistura com laços de amizade e afetividade. Sua
vivacidade sempre me conectou, são fragmentos de juventude misturados com a carreira de
profissional cênica, pesquisadora, diretora de núcleo de pesquisa e mãe. Tudo isto em uma
pessoa só. Durante o processo de transmissão a bailarina tem composto, criado, recriado,
atualizado de forma dinâmica e instável em diferentes fluxos as cenas originais. Os
movimentos são atravessados e ao mesmo tempo são renovados. Temos nos esquivado de
separações ou comparações entre o que foi e o que está sendo, entre forma e conteúdo,
essência ou existência; e, no entanto, sua dança me traz novas imagens, saberes, sabores e
singularidade própria. Para o profissional de dança, grande parte do conhecimento que ele irá
adquirir ao longo de toda a sua vida é passada corpo a corpo e depois é experimentado “na
pele”, quase como um patrimônio cultural-imaterial que comporta valores das tradições e
costumes herdados de diferentes culturas, do passado, reapropriando-os no presente. Heranças
estas que muitas vezes não são tocadas, mas sentidas com o coração e se encontram no
imaginário das pessoas. Qualquer que seja o código, o estilo, a configuração da dança poderá
ser preenchida por um significado atualizado e a compreensão será imediata. A dança por
diferentes caminhos busca uma significação e também um modo de torná-la significativa para
outros. Provavelmente este seja um dos seus maiores mistérios.

Referências bibliográficas

BAUSCH, Pina. O-Ton Pina Bausch -Tanz ist die einzig wirkliche Sprache -Norbert
Servos,1990 Interviews und Reden 01- Wädenswil-Germany:

NIMBUS- Kunst u Bücher- Editions. pinabausch.org -2016

DUARTE JR. João Francisco. O Sentido dos Sentidos. 2ª ed. Curitiba: Criar Edições Ltda.,
2003

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LIMITES, DESLOCAMENTOS E ATRAVESSAMENTOS: UMA TENTATIVA DE


CONCEITUAR A DESMONTAGEM
Tatiane Santoro

Palavras-Chave
conceito, desmontagem, treinamento técnico

Este trabalho tem como principal objetivo apresentar o processo do primeiro capítulo
da pesquisa de mestrado O Treinamento Técnico e a Criação Artística como Construção de
Desmontagem. Para essa apresentação pretendo seguir os rastros do termo Desmontagem,
buscando quando ele começou a ser utilizado e em quais circunstâncias, na tentativa de
conceituá-lo; refletir sobre as práticas que tenham características semelhantes da
desmontagem, para tensionar e entender os limites do conceito com outros procedimentos,
como, por exemplo, o da demonstração técnica; e assimilar esse procedimento como prática
pedagógica para a formação do ator. A desmontagem cênica é a apresentação do processo de
criação daquele ator para uma plateia, ou seja, a partir de uma montagem o ator recria o passo
a passo da sua construção e dialoga com o público, que acompanha como foi o processo do
ator. As demonstrações de trabalho feitas pelos atores na América Latina começaram a ser
chamada de desmontagem cênica em 1993, na X Oficina da Escola Internacional de Teatro da
América Latina e Caribe, que aconteceu em Havana, Cuba (DIEGUEZ, 2014). Durante o
festival o ator Victor Varela, do grupo de Teatro Obstáculo, apresentou o seu processo de
trabalho e chamou de desmontagem. Em 1995, este mesmo festival ocorreu em Lima, Peru, e
nesta ocasião teve o seguinte título, Desmontagem: encontro com Yuyachkani. Desde então, o
termo vem sendo utilizado por alguns atores nas apresentações dos seus processos na América
Latina. A prática de atores abrirem para o público o seu processo de construção e treinamento
não começou com as desmontagens, mas sim, nos anos 1980 pelo Odin Teatret, dirigido por
Eugênio Barba. O grupo que foi fundado em 1964 na Noruega tem o hábito de fazer
demonstrações técnicas e cada ator possui a sua demonstração, compartilhando com o público
o rigor técnico no cotidiano do grupo norueguês. As demonstrações técnicas têm como
principal objetivo revelar o trabalho técnico daquele ator, isto é, os atores do grupo têm uma
rotina de treinamento, no qual eles desenvolvem a precisão dos seus movimentos, o controle

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do próprio corpo e seus aspectos energéticos e é sobre esta rotina que eles demonstram,
compartilhando as dificuldades e crescimentos possíveis do treinamento técnico. No caso, a
criação de um personagem para um espetáculo não é, necessariamente, o foco da
demonstração e, sim, as técnicas que aquele ator acumula no seu cotidiano dentro do grupo e
as possíveis trocas que aqueles atores vivenciam com outros mestres, de fora do grupo. No
caso das desmontagens cênicas, elas possuem um espetáculo “por trás”, ou seja, o
procedimento narrativo da desmontagem, tem como pressuposto uma montagem. A partir de
um espetáculo feito por aquele ator ou vários espetáculos, a desmontagem apresenta como foi
a construção técnica, corporal, afetiva daquele(s) personagem(ens) específico(s). O ator
mostra para o público a sua construção artística, levando em consideração, todos os elementos
que o atravessaram durante o processo, quer dizer, aquele ator tem as suas práticas técnicas
com o grupo e durante determinado processo ganha abrangência poética, pessoal e política e
são todos esses elementos que o ator divide com o público. Nesse caso, a montagem é o ponto
de partida da desmontagem. O limite entre a desmontagem cênica e a demonstração técnica é
bem tênue, pois o trabalho técnico do ator faz parte do processo de um espetáculo, o que estou
pesquisando é como esse treinamento é modificado durante o processo para se transformar na
criação do personagem e do espetáculo. Há a técnica daquele ator nas desmontagens, mas
com o objetivo de transformá-la na sua construção artística específica. Além da construção
técnica, as desmontagens têm como característica todos os outros atravessamentos daquele
ator durante o processo. Diante disso, creio que surjam questões pertinentes à construção do
ator contemporâneo que tem acesso a muitos treinamentos técnicos direcionados a sua relação
com o espaço, com outros atores, com textos, com objetos, etc., e, também, a outros tipos de
treinamento que podem auxiliar nos seus procedimentos de criação, sendo de suma
importância considerar que todos esses elementos podem ser atravessados pelas suas questões
pessoais e transformados para a cena. Ou seja, o ator como sujeito de sua criação, colocando-
se como autor de sua construção. Trazendo a tona, a multiplicidade que um processo criativo
pode ter. A desmontagem recupera a abundância do ato de criação, possibilita ao ator entrar
em contato novamente com todo o material levantado durante o seu processo. No entanto, não
dá pra dizer que a desmontagem é um ator, realmente, revelando os seus processos, porque
tem na desmontagem algum caráter espetacular e que não pode ser deixado de lado, ela
também é um novo espetáculo. Aquele ator escolhe o que vai mostrar para os espectadores,

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escolhe a linha narrativa da sua apresentação, há performatividade. O procedimento narrativo


da desmontagem das formas permite, em suas bordas, atiçar o que lá insiste/resiste como
força de criação (BENEVIDES E PASSOS, 2003). A desmontagem é uma prática que está em
construção na América Latina e vem ganhando notoriedade e adesão dos grupos. Como
mencionei no início desse resumo, o termo desmontagem teve a sua primeira aparição num
contexto latino americano, no qual aqueles grupos alargaram os limites do que é a
demonstração técnica e redefiniram os seus processos com este novo conceito, a
desmontagem. O caráter pedagógico desta prática está, justamente, em termos as nossas
práticas em discussão e a construção dos nossos corpos nos nossos grupos.

Referências bibliográficas

DIÉGUEZ, Ileana. Desmontagem cênica. Revista Rascunhos. Uberlândia, v.1, n.1, 2014.

BENEVIDES, R. e PASSOS, E. A instituição e suas bordas. In: FONSECA, T. e KIRST, P


(org.). Cartografias e devires: a construção do presente. Porto Alegre: UFRGS, 2003.

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ESTÉTICA DA CIDADE E ESTÉTICA DO SUBÚRBIO: ATRAVESSAMENTOS


SOCIAIS E GEOGRÁFICOS NA CRIAÇÃO CÊNICA
Juliana Souza Do Rego

Palavras-Chave
arte pública, criação cênica, subúrbio

Este trabalho objetiva abordar reflexões sobre pontos da minha pesquisa de mestrado,
ainda em andamento, que envolve a relação da criação cênica, a partir de processos
colaborativos, com a cidade, mais especificamente com o subúrbio do Rio de Janeiro. A ideia
é pensar em um teatro que surge no espaço urbano do subúrbio e nele se concretiza, buscando
este espaço não apenas como palco, mas como propulsor para a criação da cena teatral. Para
esta comunicação pretendo debruçar-me sobre os seguintes pontos, na ordem que se segue:
contextualização da história do subúrbio do Rio de Janeiro, acompanhada de um breve
levantamento sobre editais públicos destinados ao fomento do teatro nesta região; uma breve
conceituação de espaço público e de arte pública; proposições de como este espaço urbano
interfere na criação cênica e dramatúrgica. Para esta última parte, parto de exemplos e
questões advindos da minha vivência como diretora junto ao grupo Trupe de Lá TAG, que
surgiu em janeiro de 2014, como parte da programação da ocupação do Teatro Armando
Gonzaga, da FUNARJ, tendo hoje 12 integrantes moradores dos bairros de Marechal Hermes
e arredores, como Bento Ribeiro, Oswaldo Cruz e Madureira. No ano de 2015, o grupo foi
contemplada por dois editais da Prefeitura do Rio de Janeiro, para realização do projeto “Se
essa praça fosse minha”, por meio do qual criamos um espetáculo de teatro de rua, realizado
em 18 praças do subúrbio da cidade, no ano de 2016. Atualmente, o grupo tem pesquisado
formas de atuação nas ruas de Marechal Hermes, além de realizar ensaios e intervenções nas
praças locais. O artista é um constituinte da esfera pública e a arte pode constituir-se como
uma maneira diferente de apropriar-se do espaço e criar vínculos sociais. No primeiro
Seminário de Arte Pública do Rio de Janeiro, o teatrólogo Amir Haddad, diretor do grupo
carioca “Tá na Rua”, proferiu um discurso promovendo uma noção de arte pública e
defendendo que a arte é latente em toda a cidade e não deve se restringir a espaços fechados a
ela destinados, mas precisa ser coisa pública que se manifesta em toda e qualquer parte da

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c i d a d e ( D i s p o n í v e l e m : h t t p : / / w w w. c u l t u r a . r j . g o v. b r / s e c a o 2 / d o c /
gps_teatro__final_amir_haddad_a_miseria_do_latifundio_cultural_135473). A estrutura
social e geográfica da cidade sempre me atravessou, já que estive inserida, durante toda a
minha formação, no contexto de viver em uma grande metrópole – o Rio de Janeiro –, embora
não desfrutasse de todos os benefícios e alegorias que dizem ser propiciados pela vida em um
grande centro urbano. Isso porque cresci no subúrbio do Rio de Janeiro e, assim, percebi
desde cedo que a cidade – aquele grande amontoado de serviços, possibilidades e
oportunidades – não é para todos. Logo que comecei a me envolver com a arte e, em seguida,
mais especificamente com o teatro, dei-me conta de como a estrutura de organização urbana
interferia na arte, fosse na forma de produção, de acesso ou de criação. Trago o enfoque para
o teatro no subúrbio também porque esta é região da cidade ainda pouco incorporada pelo
teatro ou por algumas outras artes, como as favelas têm sido, por exemplo. Ocorreu nos
últimos anos um processo de abordagem da realidade sociocultural das favelas – não
necessariamente positivo, segunda a maneira como é feito – que fez com que esses espaços
fossem um pouco mais inseridos em discussões sobre a cidade e também no cenário artístico e
teatral. Já os subúrbios permanecem esquecidos e muito pouco ainda é abordado sobre essas
regiões. O subúrbio do Rio de Janeiro apresenta características próprias que o diferem dos
conceitos tradicionais e da própria etimologia da palavra. Segundo o professor de geografia da
Universidade Federal Fluminense, Marcio Piñon de Oliveira, o subúrbio no Rio de Janeiro
ultrapassa o sentido etimológico e geográfico da palavra, referindo-se a regiões com
características econômicas, sociais e culturais próprias, com uma identidade (OLIVEIRA,
2013). Já Nelson da Nóbrega Fernandes, também professor de geografia da UFF, o conceito
carioca de subúrbio é decorrente de um fenômeno ideológico de desmoralização da classe
operária diante da região da cidade para onde grande parte desse grupo social migrou
(FERNANDES, 2011). Assim, essas áreas acabam por configurarem-se como lugares
genuinamente populares e destinados às classes sociais mais baixas da sociedade e, em geral,
desenvolvidos ao longo da linha ferroviária. Proponho, então, refletir como essas
características tão específicas se desdobram na criação artística, que meios podem ser usados
em um processo artístico para que esses atravessamentos se deem e até que ponto elas podem
ser capazes de produzir diferentes estéticas teatrais. Isso porque, além da existência de poucos
teatros, da baixa quantidade de fomento a grupos de regiões periféricas, há também uma

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concepção de que o que é produzido nas zonas economicamente mais desenvolvidas da


cidade é superior esteticamente e intelectualmente ao que se produz nas áreas de condições
econômicas inferiores, como o subúrbio. A estética suburbana – se é que se pode assim dizer
e, por isso, aqui defino uma visão não factual – agrega elementos sociais, visuais, linguísticos
e sonoros que, embora muitas vezes excluídos do processo de reconstrução e embelezamento
da cidade, interessa à arte. Os sons da linha ferroviária, os camelôs, as construções
irregulares, as crianças brincando nas ruas, as ruas desertas e silenciosas à noite, as festas de
rua, os altos sermões religiosos, os aglomerados de trabalhadores em pontos de ônibus, dentre
tantos outros aspectos podem ser alvo de diferentes formas de olhar por meio da arte. Por isso,
hoje, devolver a esfera pública à arte precisa inserir o olhar a esses espaços e dessacralizar os
espaços e as regiões convencionais da cidade, geralmente postas como produtoras artísticas.
André Carreira, ao falar sobre a relação entre a cidade e o teatro, aborda a cidade não como
um palco no sentido convencional, não como um mero cenário, mas como possibilidade de
modulação da técnica interpretativa, um condicionamento à percepção do público, uma
interferência direta no trabalho do ator, que se encontra desprotegido em um espaço cênico
diversificado (CARREIRA, 2011). A partir da minha vivência no subúrbio e da experiência
junto à Trupe de Lá TAG intenciono refletir sobre esse atravessamento, tendo ainda mais
questões do que conclusões sobre os meios para que isso se dê, visto que a pesquisa ainda está
em andamento.

Referências bibliográficas

CARREIRA, André. Sobre um ator para um teatro que invade a cidade. Florianópolis,
Universidade do Estado de Santa Catarina. Revista Moringa, 2011.

FERNANDES, Nelson da Nóbrega. O rapto ideológico da categoria subúrbio: Rio de


Janeiro, 1858 – 1945. Rio de Janeiro: Apicuri, 2011.

OLIVEIRA, Márcio Piñon. Caderno Globo Universidade, Rio de Janeiro, Globo, v. 1, n. 2,


mar. 2013.

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PAISAGEM, AÇÃO, VIAGEM, ERRÂNCIA: ALGUNS OLHARES PARA A EARTH-


BODY-ART LATINO AMERICANA.
Moacir Romanini Junior

Palavras-Chave
América Latina, earth-body-art, performance

Percorrer. Trilhar. Caminhar. Transpassar. Encontrar-se em trajetória. Como palavras,


ações e como palavras-ações, tais verbetes tem movimentado esta pesquisa de doutorado em
curso, iniciada em fevereiro de 2017 no Programa de Pós-Graduação do Instituto de Artes da
Unicamp, sob a orientação de Matteo Bonfitto Jr. A Earth-body-art, essa prática presencial
que transborda para muito além da caixa preta e que encontra sua morada em paisagens
ermas, por exemplo, é o foco desse estudo que debruça-se sobre práticas de performers latino-
americanos. No atual estágio dessa investigação e como uma espécie de engrenagem principal
que inquieta, essa pesquisa questiona: quais as (des)fronteiras entre arte e vida nessa
linguagem específica a favor de uma ética da presença? Como é possível verificar nas ações
artísticas desses performers a presença sócio-político-cultural de seus próprios territórios?
Como procedimento, a errância e as deambulações parecem ser caminhos possíveis e, como
lentes, surgem a esse estudo para exercitar um dos muitos olhares para observar essas
práticas. Como fundamentação teórica, o conceito “artista radicante”, de Nicolas Bourriaud,
tem ampliado os horizontes dessa pesquisa. É a partir da biologia vegetal que o autor visualiza
certas práticas da arte contemporânea e é desse olhar que alcunha o seu conceito. Para
Bourriaud, a botânica, para além das formas de vida e seus modos de crescimento, poderia ser
descrita como uma ciência de movimentos. Observada por esse ângulo, não estaria tão longe
das práticas artísticas que inventam, antes de tudo, trajetórias: produzem caminhos ao longo
de signos, objetos ou formas na elaboração de um conteúdo por meio de um processo errante.
Na botânica, as radicantes são as plantas de raízes múltiplas que crescem em todas as
direções. São ainda aquelas capazes de produzi-las sempre que replantadas; uma espécie que
se desenvolve conforme adere às superfícies que enfrenta, como a hera, por exemplo. Ao
contrário da planta radical, cujo crescimento depende de uma única raiz fincada à terra, as
radicantes adaptam-se e transformam-se de acordo com o solo que as recebe. A partir desse

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movimento desenhado por esta espécie vegetal, o conceito de Bourriaud questiona o


multiculturalismo pós-moderno e procura compreender o mundo contemporâneo e o papel
que a arte desempenha, em que testa esses novos modelos bem como certas configurações
identitárias. Conforme o autor, “o radicante pode separar-se de suas primeiras raízes sem que
haja danos e aclimatar-se novamente: não há uma origem única, mas arraigamentos
sucessivos, simultâneos ou cruzados”. Nesse trânsito, é possível transportar fragmentos
identitários, desde que o solo a receber esse transplante o aceite em sua permanente
metamorfose. (BOURRIAUD, 2011, p. 111) Assim, o artista radicante está constantemente
construindo a sua identidade, inventando novas trajetórias e usando a materialidade da
paisagem para reconstruir discursos e histórias artísticas. Ao transplantar seu olhar para o caos
social, no qual existe visivelmente um esforço à padronização das culturas e línguas, onde
predomina o culto ao efêmero e a paisagem cultural mundial se caracteriza por uma
superprodução de objetos com a saturação de informações, Bourriaud argumenta a hipótese
de que os artistas parecem ter encontrado um modo de resistir e tirar força a partir desse
ambiente oscilante. Esse modo de resistência tem sido definido como "estética precária”,
encontrada na produção de artistas que retomam, reutilizam, reinterpretam, cortam
fragmentos, elaboram composições, “unem o que foi separado e separam o que é indivisível”.
(BOURRIAUD, 2011, p.51) Nessa direção, e legitimando o conceito de artista radicante,
caberia a esse atuante uma postura ética na invenção de novas relações com o mundo e, por
essa orientação, uma busca pela reconciliação entre arte e vida que, diferente da forma utópica
da obra de arte total, produziria “alteridades possíveis”. (BOURRIAUD, 2011, p.168) Essa
radicância versa sobre práticas de artistas que exploram diferentes geografias e terrenos e que
se colocam em constantes derivas, estabelecendo relações flexíveis entre eles e as coisas do
mundo. Desse modo, a “errância” e a “viagem”, como reflexos da abertura de fronteiras entre
territórios geográficos pelos processos migratórios, por exemplo, são para Bourriaud, fortes
características do artista contemporâneo que habita este mundo e, imerso nele, procura novos
modos de habitá-lo. Esse artista dotado de raízes móveis e que transita entre territórios
implica em um sujeito cuja identidade se constrói em trajetória. A sua produção se faz pela
relação profunda – ao mesmo tempo móvel – que estabelece com o seu entorno, o que
demanda modos mais sensíveis de percepcionar os espaços e o tempo. Nessa errância gerada
pelos deslocamentos topográficos a favor de uma poética em curso, lançar olhares sobre a

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Earth-body-art latino-americana, amplia uma possível análise concernente à presença nas


artes da cena. Ao colocarem-se presentes nas fendas de seus próprios territórios, os artistas
que se aventuram por esta linguagem registram a radicalização da experiência de imersão em
ambientes naturais e, mais além, promovem a dissolução de fronteiras entre as linguagens
artísticas em uma relação direta com a paisagem: a floresta, a montanha, o deserto, o mar. É
com os dedos fincados na matéria da paisagem, como um modo de instaurar uma relação
profunda com o seu entorno, que performers latino-americanos se colocam nesses espaços
cambiantes para criar. Ao exercitar um olhar biológico, o performer se coloca a vivenciar um
embate relacional e de mão dupla com a paisagem. A prática não surge como resultado de
uma imagem ou narrativa pré-concebida, mas é construída diretamente nas diferentes
topografias em que transita; a ação criativa surge enquanto processo. (ROMANINI, 2017, p.
111-112) Conclusivamente, o atual estágio dessa pesquisa em trajetória busca compartilhar
esse exercício de múltiplos olhares para as ações de artistas latino-americanos que encontram
nessa linguagem modos extensivos entre a pele e os espaços que transitam e habitam.

Referências bibliográficas

BOURRIAUD, Nicolas. Radicante: por uma estética da globalização. Tradução Dorothée


de Bruchard. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

ROMANINI, Moacir. Tocar a paisagem: por uma poética neoconcreta nas artes
presenciais. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena do
Instituto de Artes da Unicamp. Campinas, 2017.

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O USO DO CENTRO DO CORPO PARA A PERCEPÇÃO DO TRABALHO DO ATOR


Rodney Cardoso

Palavras-Chave
centro, corpo, movimento

INTRODUÇÃO O corpo sempre foi objeto de estudo, atraindo atenção de


pesquisadores das mais diversas áreas. Em se tratando das Artes Cênicas, o corpo possui
extrema relevância, uma vez que, em linhas gerais, é considerado como uma espécie de
matéria-prima. A presente pesquisa propõe estudar o uso do centro do corpo durante o
trabalho do ator e, consequentemente, sua importância para a concentração do direcionamento
das estruturas ósseas do corpo durante a ação do movimento. Para esta pesquisa denomina-se
centro a estrutura óssea da pelve em concomitância com suas relações com a coluna vertebral
e o direcionamento para os membros inferiores. A potencialidade do corpo nas Artes Cênicas
presente na cena contemporânea deve-se a uma série de teóricos teatrais que, a partir de
investigações e experiências anteriores, desenvolveram técnicas com o intuito de expandir a
corporeidade do ator. Como o intuito de desenvolver a reflexão acerca da proposta a ser
apresentada para este projeto de pesquisa, adiante serão apresentados os teóricos mais
expoentes vinculados ao tema e sua relevância. Vsevolod Emilevitch Meierhold (1874-1940)
foi ator, diretor e teórico russo, mais conhecido pela sua teoria da biomecânica. Em meados
de 1920, considerou que o ator ao ocupar o espaço cênico assume um corpo com capacidade
expressivo. Para ele, o movimento é muito mais potente que a palavra (Bonfitto, 2002). A
partir disso, criou uma técnica com o objetivo de desenvolver o corpo do ator, quando tornou
a fisicalidade uma linguagem artística fundamental da arte teatral e fez com que o ator
tomasse conhecimento do seu próprio centro de gravidade. Rudolph Laban (1879-1959) foi
responsável pela sistematização da linguagem do movimento nos seus diversos aspectos e
refletiu que o movimento seria o principal meio de expressão do indivíduo, uma vez que a
palavra não consegue abarcar o que considerava ser o tangível e o intangível do ser humano
(Bonfitto, 2002). Em seu trabalho de pesquisa corporal, estabeleceu dois centros corporais -
sendo eles o centro de gravidade, zona pélvica; e o centro de leveza, zona das costelas e
esterno -, que auxiliam, além de outros fatores, na criação de partituras corporais. Klauss

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Vianna (1928-1992), bailarino e coreógrafo brasileiro, desenvolveu um método próprio para a


expressão corporal na Dança e no Teatro, o qual, posteriormente, foi sistematizado. Seu
estudo tem como foco a estrutura óssea por compreender que o esqueleto é o suporte do corpo
como um todo, como um sistema integral, no qual uma parte interfere na totalidade. Para ele,
a questão está na descoberta dos ossos, na verificação dos espaços que existam entre eles, pois
é aí que estão baseadas as alavancas do corpo, fundamentais para o desenvolvimento do
movimento (Miller, 2007). Diante dessas concepções do centro do corpo apresentadas por
alguns autores da reflexão teatral sobre o movimento, o trabalho de pesquisa consiste em
desenvolver procedimentos a partir da investigação das possibilidades que a sensibilização da
pelve poderia trazer para o trabalho do ator, com o intuito de oferecer ferramentas para o
desenvolvimento corporal deste artista para alcançar a sua expressividade. Pois como pontua
Burnier (2009), ao ator o trabalho de corpo deve lhe proporcionar contato consigo mesmo,
além do contato com o espectador. Além do levantamento histórico a ser desenvolvido dentro
da pesquisa, este projeto de iniciação científica propõe desenvolver procedimentos de
percepção das estruturas ósseas da pelve, com o intuito de promover o reconhecimento
corporal desta parte do corpo e também integrá-lo ao processo de estudo de partituras
corporais voltadas para o desenvolvimento de personagens. JUSTIFICATIVA O primeiro
intuito dessa pesquisa é fazer um levantamento dos teóricos que discorrem sobre o uso do
centro do corpo na criação teatral. Aliado a isso, investigar quais métodos, conceitos e
ferramentas tais autores estabelecem para que o ator desenvolva e potencialize sua
expressividade corporal. O levantamento de autores teatrais que relacionam o centro do corpo
com a expressividade do ator a partir de uma perspectiva histórica poderá oferecer subsídios
para futuras investigações que envolvam a preparação corporal para o trabalho teatral, a
investigação sobre consciência do corpo voltado para atores e também eventuais pesquisas
voltadas para o campo de percepção do corpo para estudantes e futuros atores. A investigação
de procedimentos de percepção da pelve em conjunto com o direcionamento das estruturas
ósseas do esqueleto humano voltadas para o trabalho do ator também propiciará um campo de
investigação para futuros preparadores corporais no campo de conhecimento do Teatro. Além
disso, a pesquisa também poderá ser utilizada dentro de pesquisas que envolvam a integração
entre consciência corporal e o trabalho de ator, tanto no âmbito artístico como em eventuais
investigações voltadas para o ensino do Teatro. OBJETIVOS DA PESQUISA Objetivo Geral

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Investigar do uso do centro do corpo no campo da criação teatral. Objetivos Específicos -


Investigar autores que investiguem o uso do centro do corpo e delinear possíveis relações
históricas; - Pesquisar as estruturas ósseas da pelve e suas relações entre coluna vertebral/
membros inferiores; - Desenvolver procedimentos de percepção e investigação do centro do
corpo do ator para potencializar a expressividade corporal; - Aplicar na prática princípios
teóricos pesquisados e apresentar partitura corporal criada a partir dos estudos realizados; -
Complementar a formação acadêmica do aluno com o desenvolvimento da pesquisa.
METODOLOGIA Inicialmente, haverá um levantamento de informações com leitura e
fichamento de material bibliográfico sobre o assunto pesquisado, com o objetivo de reunir
informações que sirvam de base para o desenvolvimento da pesquisa. Depois, haverá um
momento de análise dos conteúdos para verificar quais serão os conceitos que nortearão a fase
de trabalho prático e possíveis relações existentes entre tais conceitos. Uma vez munido dos
conceitos, chega-se o momento do "fazer teatral". Nessa fase, haverá a experimentação do que
foi constatado na teoria com a investigação do movimento, desenvolvida pelo aluno-
pesquisador, a partir do conceito de centro do corpo e expressividade. Para isto serão
utilizadas estruturas ósseas em resina, na fase de um período de estudo das estruturas da pelve
a partir de sua escultura em argila. Durante todo esse processo, as percepções apreendidas na
sala de ensaio serão registradas num Caderno Atoral para que as sensações experienciadas ao
longo do processo sejam aprofundadas não se percam e para que possam ser usadas na escrita
do relatório final. Por fim, com direcionamento do professor orientador, o material de
pesquisa vivenciado na “Sala de Ensaio” será convertido numa cena com direito à
apresentação pública, sendo necessários ensaios e produção.

Referências bibliográficas

BONFITTO, Matteo. O ator-compositor: as ações físicas como eixo: de Stanislávski a


Barba. São Paulo: Perspectiva, 2002.

BURNIER, Luís Otávio. A arte de ator: da técnica à representação. 2ª ed. Campinas, SP:
Editora Unicamp, 2009.

MILLER, Jussara. A escuta do corpo – sistematização da técnica Klauss Vianna. Ed.


Summus, 2007.

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SENTA, LEVANTA, SENTA! A REEDUCAÇÃO SOB O OLHAR DA TÉCNICA DE


ALEXANDER
Daiana Felix Pereira

Palavras-Chave
Técnica de Alexander, Reeducação Psicomotora

Este artigo tem objetivo o estudo da Técnica de Alexander. Como o trabalho dessa
técnica pode ajudar na reeducação psicomotora, o uso do corpo, a forma vocal e respiração
Palavra- Chave: Técnica de Alexander, Reeducação Psicomotora O trabalho de Alexander
iniciou ainda na juventude quando tornou-se um renomado ator shakespeariano na Austrália e
Nova Zelândia. Sua saúde, que já era frágil na infância, foi piorando em função de suas
constantes apresentações teatrais, problemas como rouquidão e respiração foram tornando-se
cada vez pior. Alexander procurou ajuda médica e lhe foi recomendado repouso vocal. Esse
tratamento trazia um resultado paliativo, positivo e sua voz se restaurava a normalidade. No
entanto, ao voltar a recitar o problema reincidia (ALEXANDER, 1992, p.27-28; MAISEL In:
ALEXANDER, 1993, p. 24-27). Sem sucesso com os médicos e sem saber como solucionar
esses problemas, Alexander iniciou uma pesquisa usando a si mesmo como objeto de
observação, percebendo que o modo como usava seu corpo e pensamento afetava diretamente
o funcionamento geral do organismo, seus problemas de voz e respiração eram apenas
conseqüências de um desequilíbrio total de seu corpo. Então, percebi que tinha duas opções:
ou abandonominha carreira ou tento resolver o problema. Imagino que, se a fala comum não
causa rouquidão, ao passo que a declamação sim, devia haver algo de diferente entre o que
faço ao declamar e o que faço ao falar normalmente. Deste modo, imagino que se pudesse
descobrir qual era a diferença, isso poderia ajudar resolver o problema (ALEXANDER, 1992,
p. 28). A partir daí, desenvolveu uma prática com base na unidade psico-física do homem,
hoje chamada de Técnica de Alexander. No ano de 1930 iniciou o primeiro curso de formação
para professores, no que mais tarde ficou conhecido como Técnica Alexander, e continuou
ensinando a sua Técnica até 1955, ano de sua morte. Difícil, no primeiro momento do estudo
da técnica, perceber seu objetivo, é provável que consigamos entendê-la em um segundo
momento ou talvez alguns anos, como foi o meu caso. Estive em contato com a Técnica de

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Alexander , participando das aulas ministradas pelo prof. Ulfred Tölle , que vinha todos os
anos para o Brasil, ministrar seus cursos. Acho de extrema importância falar sobre o trabalho
desta técnica, que aqui no Brasil era tão pouco conhecida, mas que tive o prazer de trabalhar e
conhecer, quando ainda não era estudante da Graduação em música, cursava na época, anos
90, o curso de extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/ UFRGS, direcionado
a comunidade. Este curso foi destinado aos estudantes, professores e comunidade em geral, ou
seja, aberto também aos estudantes de extensão e demais cursos da Universidade, é preciso
dizer que foi tão importante o curso que o Prof. Ulfried retornou todos os anos para ministrar,
fiz durante cinco anos seguidos o curso sobre a Técnica de Alexander e levei para meus
estudos e vivência musical. Partindo da hipótese de que seu problema deveria se originar de
algo que ele fazia consigo mesmo, Alexander testou e observou a reação do seu corpo ao usar
a voz e com a ajuda de espelhos, ele iniciou seus trabalhos, observando e experimentando em
si mesmo várias posições e assim repetindo-as sucessivamente. Em uma dessas observações,
descobriu que a origem do problema estava, não diretamente em sua voz, mas no seu corpo
como um todo, ao começar a declamar, por exemplo,“tendia a inclinar a cabeça para trás,
comprimir a laringe e sorver o ar através da boca de tal modo que produzia um som ofegante”
(ALEXANDER, 1992, p. 29). Alexander deduziu que esses três fatores forçavam em demasia
sua voz, constituindo um mau uso do órgão fonador. Posteriormente, Alexander percebeu que
havia uma sincronia do uso incorreto da cabeça, pescoço, laringe, pregas vocais e órgãos da
respiração, “o que determinava um quadro de tensão muscular excessiva em todo o [...]
organismo” (ALEXANDER, 1992, p, 36). Com o aprofundamento dessas observações,
Alexander descobriu que todo seu corpo estava trabalhando em conjunto, tanto no bom
quanto no mau funcionamento. Quando sua cabeça se inclinava para trás, além da compressão
de sua laringe, havia também uma tendência associada de “erguer o tórax e reduzir a
estatura”, de forma que “o funcionamento dos órgãos da fonação era influenciado pela [...]
maneira de usar todo o tronco. Alexander relata que, a partir da prevenção do mau uso,
“observou-se grande melhora nas condições da laringe e das cordas vocais”. Mais tarde
compreendemos que o objetivo principal da Técnica de Alexander é que tenhamos uma
reeducação psicomotora, ou seja, aprender que corpo e mente podem funcionar juntos no
desempenho de todas as atividades diárias, pois ajuda a detectar e a reduzir o excesso de
tensão promovendo harmonia e bem estar: viver com menos esforço e maior liberdade, tanto

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de movimento quanto de pensamento. E era nesse ponto que o prof. Ulfried fazia questão de
salientar que, a técnica é um método de reeducação prático e simples, não é um tratamento e
não deve ser identificado com técnicas de relaxamento, massagem ou expressão corporal, é
uma prática que resulta em um melhor funcionamento dos reflexos naturais do organismo.

Referências bibliográficas

ALEXANDER, Frederick Matthias. O uso de si mesmo. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

______. A Ressurreição do corpo.São Paulo: Martins Fontes, 1993.

______. Re-education of the kinaestehetic systems, (Early Articles, 1908). In: ALEXANDER,
Frederick Matthias. Articles and lectures. London: Mouritz, 1995. p. 79-85.

SANTIAGO, Patrícia Furst.A perspectiva da Técnica Alexander sobre os problemas


físicos da performance pianística. In: ANPPOM, 15. , 2005, Rio de Janeiro.

______.Potenciais contribuições da Técnica Alexander para a pedagogia pianística. In:


ABEM, 12., 2006, Fortaleza.

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A MEMÓRIA E O DEVANEIO: DIÁLOGOS ENTRE O ALZHEIMER E A MULHER


EM CADEIRA DE BALANÇO DE SAMUEL BECKETT
Isabella Amaral Soares

Palavras-Chave
Alzheimer, Memória, Samuel Becket

O presente trabalho destaca meu campo de estudo que investiga o esquecimento


presente nos portadores da doença de Alzheimer, em especial meu avô materno, em paralelo
com as memórias descritas pela personagem Mulher na peça “Cadeira de Balanço” de Samuel
Beckett. Deseja-se construir uma paisagem cênica que aproxime a ficção e a realidade nas
histórias compartilhadas pelos portadores de tal demência como via de investigação numa
dramaturgia corporal e cênica. Exige-se, portanto, traçar caminhos que reúnam imagens e
memórias imaginadas a partir dos momentos de colapsos que circundam os portadores da
doença de Alzheimer, investigando o espaço entre recordação e imaginação. Por ora, tenho
me debruçado sobre vias de narratividade, como apontadas pelo intelectual Walter Benjamin,
em especial as que são tratadas no livro de sua autoria, O Narrador, onde Benjamin formula
sobre uma narrativa que nasce das ruínas, o que acarreta por consequência novas maneiras de
dizer o indizível dos horrores da guerra que, paralelamente aparece em peças teatrais deste
primeiro período de reconstrução do Pós 2ª Guerra Mundial. Como contemporâneo de Samuel
Beckett, destaco como os argumentos defendidos por Benjamin podem ser vistos na prática
discursiva e dramatúrgica nas obras dramáticas do dramaturgo irlandês, onde são apontados o
uso ampliado de fragmentos, rupturas e colagens nas narrativas de suas personagens,
resquícios de diálogos que nascem das ruínas e do deserto das relações humanas. As obras
Poética do Devaneio e A Poética do Espaço, de Gaston Bachelard conjuntamente fazem parte
dessa trajetória teórica e também como vertente metodológica, já que estão calcadas na
fenomenologia. Há o interesse em investigar em tais obras a imagem, a qual é por si mesma
dinâmica e independente de impulsos de passado (BACHELARD, 1993). Logo, visa-se
construir imagens cênicas, tratando-se sobre a composição prática deste trabalho, que
contenham em si mesmas maneiras próprias de se desdobrar no presente imaginário de cada
espectador. Como objetivo geral, viso investigar as relações presentes através da memória no

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texto Cadeira de Balanço com a memória compartilhada pelos idosos portadores da doença de
Alzheimer, a fim de verificar implicações criativas que visem a criatividade na experiência
artística, ao buscar concatenar a realidade e a ficção como norteio da pesquisa.
Especificamente, os objetivos da pesquisa visam relacionar numa dramaturgia corporal alguns
parâmetros observados a partir da relação em que Beckett não distingue as personagens dos
espaços, desconstruindo, portanto, uma certa lógica, como se houvesse um hibridismo entre o
humano e a coisa, numa espécie de continuação ou confusão entre o humano e a paisagem na
qual está inserido, tal como os objetos em cena, que servem como extensões das figuras ou
um corpo-caco em anexo. O corpo que se confunde com os objetos e palavras estendem-se
pela paisagem, exemplifica a “descorporificação” das personagens, que assumem nada mais
fazer. Perdidas, tentam se encaixar pela memória, repetindo ações e diálogos vazios sem
sentido algum. Para o corpo que tenta se permanecer como sujeito, torna-se carcaça. Não há
memória. A história está excluída, aparecendo apenas como seu produto final: o declínio. As
personagens denunciam a dissociação da unidade da consciência onde a interioridade
destruída (sem memória, animalizada, aguardando evacuação- nas palavras de Adorno) e a
exterioridade coisificada confundem-se, sem demarcação clara. A realidade exterior, de
significados insólitos e inconscientes, não permite ao sujeito senão uma não-identidade
fragmentada, muitas vezes igualada ao inventário disparatado da sucata sem proveito que
constitui seu tesouro e herança (ANDRADE, 2001). Com isso, creio que é possível traçar
semelhanças e disparidades encontradas no comportamento de atitudes nos portadores da
Doença de Alzheimer e investigar como tais estados corporais se dão em mim, como
observadora ativa na criação e no desenvolvimento cênico. Portanto, é a partir da costura
entre as memórias e relatos compartilhados comigo que busco construir intervenções do olhar
externo, como estímulo poético ao que vejo e presencio. Deste modo, é possível seguir esta
trajetória com o olhar fenomenológico, ao se deixar levar pela observação e condensamentos
próprios da imagem e imaginação independente, e do onírico que se busca navegar em prática
escrita. Creio que pela via fenomenológica é possível fortalecer a imagem no momento
presente em que se apresenta, sem reverenciar psicologismos ou maneiras de racionalizar o
que está sendo proposto. Como nas citadas obras de Bachelard, existe a tentativa de olhar a
intimidade pela casa, desencadeando memórias e afetividades (BACHELARD, 1993). Como
centro de memórias, devaneios e relatos não só de seu avô materno, mas de outros portadores

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da Doença de Alzheimer, os quais serão entrevistados já no segundo semestre deste ano,


busca-se relacionar pontos do inconsciente que emergem em imagem-cena, entretanto,
transportá-las ao presente do fazer poético e íntimo da prática dramatúrgica corporal. O desejo
de trazer à tona esses acessos oníricos da imagem é de concretizar via corpórea criativa,
concatenando imagens que possuam ruídos da terceira idade, como a construção de um tempo
próprio entre as ações e arquétipos imagéticos que possam de alguma maneira relembrar o
cansaço e as dificuldades em certos movimentos enfrentados pelos idosos. Sintomas como o
transtorno de linguagem que se deglutina com o agravamento da doença de Alzheimer. A
fragmentação da memória, que pode ser o combustível criativo das ações, as colagens de
imagens em lembranças, além de funções executivas e a agnosia serão temas que busco como
resultado a esta prática.

Referência bibliográfica

ANDRADE, Fabio. Samuel Beckett: O Silêncio Possível. São Paulo: Ateliê, 2001.

BACHELARD, Gaston. A poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

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!

IN: NÓS – BUSCA PELO CORPO QUE É MEMÓRIA ARQUETIPÍCA DE SI, VIA
GROTOWSKI E JUNG.
Erick Santos

Palavras-Chave
Grotowski, Jung, Performer

A pesquisa se desenrola a partir das provocações e meditações sobre o trabalho do


diretor polonês Jerzy Grotowski, principalmente nos períodos do Parateatro e a Arte como
Veículo. Debruço-me também sobre o Perfomer, publicado originalmente em 1987 pela
revista Art-Press de Paris e traduzido pela revista Performatus no ano de 2015, difundindo o
texto para o Brasil. Comecei almejando desbravar o corpo-memória, tentando descobrir
impulsos vivos e chaves de associações internas, através da exaustão e da imaginação ativa,
experimentados no trabalho de laboratório, em que houve tanto jogo com parceiros, quanto
experimentações individuais. Lancei-me na busca de um corpo ancestral que, tal como
pesquisado por Grotowski (2015), é um dos principais acessos à via criativa. Então, iniciei a
busca pelo o instinto animal, construindo uma corporalidade animalesca inspirada no lobo, em
que tento dilatar meus sentidos com a vocalidade, o olfato – por meio da abertura dos canais
da respiração com o exalar forte – e o andar sobre os quatro apoios. Tento manifestar, além do
instinto animal, algo que interliga a existência de várias espécies (incluindo a humana), como
por exemplo o instinto de não morrer. Por experimentações, chego próximo a uma repulsa e
“raiva”, mas não o sentimento, e sim o estado. Este, a partir do trabalho com a orientação,
mais olhares de fora e a pesquisa teórica sendo desenvolvida, me leva à denominação do
conceito psicanalítico da sombra. A partir de Jung (2002), trago para o trabalho a reflexão
sobre os instintos, que são fatores impessoais e universais, que são difundidos e hereditários,
que em si têm um caráter mobilizador ao entrar em contato com a psique humana, mas que
ainda, por muitas vezes, principalmente na evolução mental do ser moderno, se encontra
muito afastada do limiar da consciência. Nas experimentações corporais e leituras, disponho-
me a alcançar um estado extracotidiano, quiçá atingir uma parte que se transforme, sem passar
pelo viés do entretenimento – o se lançar para o estado da Performance, como Flaszen (2015)
alega, a uma pausa do cotidiano e uma suspensão de espetáculos que a vida cotidiana

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apresenta através das mídias e do entretenimento. Atingir um nível tal que, por meio do canto,
dos gestos simbólicos e das estruturas que estão sendo formadas, os arquétipos possam se
manifestar, podendo ser decodificados de várias maneiras por quem está presente, como
espectador: esse é uns dos objetivos centrais desta pesquisa contínua. Primeiro busco a
alteração do meu próprio estado interno para um estado extracotidiano, começando pela
ressonância dos balbucios que provoco em meu corpo, que se originaram do fazer e das
experimentações, a partir da qual eu levo a atenção às qualidades vibratórias que ela pode
provocar em meu corpo e no ambiente que estou. Para me alterar e chegar a esse estado,
estruturo formas corporais nesse estágio da pesquisa, concretizando-as, para só depois me
jogar no que ela pode se transformar a cada vez que é executada. Estou nesta etapa da
pesquisa, o de incluir junto às ações e gestos simbólicos um estado alterado de mim
primeiramente, e que chegue até quem está presente no ambiente de uma maneira mais
profunda que a da análise racional, a partir daquilo que se apresenta no meu corpo-voz e nas
minhas ações. Nos mergulhos teóricos me inspiro, além do diretor polonês Grotowski, no
psicanalista suíço Carl G. Jung; nas leituras acerca do xamanismo com o mitólogo Mircea
Eliade; no artista francês Antonin Artaud. Apoios que me lançam inquietações e a vontade de
experienciar no laboratório e levar esta experimentação a tocar sensivelmente quem está
comigo. Alcancei a colocação da voz com trabalhos experimentais sobre os vibradores, nas
práticas realizadas no projeto ao qual me vinculo. Corporeidades e sonoridades do animal
lobo, inserção do poema de Fernando Pessoa; aspiro, com o tempo e com o desenrolar dessa
pesquisa, anexar a essa trabalho palavras originadas das potências que as estruturas em si
permitem. A pesquisa aqui apresentada tem caráter contínuo: leio os autores citados e, dentro
da sala de trabalho, vou por meio dos estímulos realizando o trabalho formal até então
encontrado, e as imagens geradas dele, me aquecendo no fazer, para depois experimentar o
próximo passo. A demonstração técnica será iniciada por um canto advindo desse trabalho
experimental, já com movimentos corpóreos desenvolvidos até então; insiro uma pequena
explicação verbal do que busco, tocando no conceito de arquétipos; construo gradativamente
o corpo e a ação instintiva de um lobo; passeio pelo espaço em movimentos circulares até ir
me direcionando para o centro do círculo em que estou; realizo mordidas em meus braços
junto com o cuspir a própria pele; parto em seguida para a próxima forma, que consiste em
um acocorar-me com os braços à frente do corpo; desloco minha visão para cima,

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direcionando o foco do meu olhar para o centro da minha própria testa; emito em seguida uma
vocalização com sonoridade parecida à do início; com as repetições da vocalização, subo para
o plano alto e inicio uma corrida no sentido anti-horário, durante a qual, ao passar por alguns
pontos no círculo, blablações são emitidas espontaneamente; depois de algumas voltas,
retorno novamente ao ponto central arrastando a mão esquerda no chão; executo a atividade
de puxar algo de lá e subir até o plano alto, disparando em conjunto o poema O Quinto
Império, de Fernando Pessoa; refaço o mesmo movimento e texto com o braço direito,
também elevando-o; rotaciono meu corpo para a lateralidade; desloco meu tronco para trás até
o limite, para enfim, no final da última estrofe, ceder caindo ao chão; passo para a próxima
forma, que é a de um recolhimento oval, inspirado em fetos de animais; levanto-me até o
plano médio e intervenho uma estrofe de minha autoria; cedo ao chão e emito grunhidos
similares ao choro de um recém-nascido; com a aceleração e sonoridade da respiração, me
elevo até o plano alto e me encaminho para a saída, cantando a mesma melodia com qual
inicio, junto com a ação de puxar os dedos, as mãos, os cabelos, a máscara facial, até me
retirar totalmente da cena, me arrastando no plano baixo.

Referências bibliográficas

JUNG, Carl Gustav. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.

FLASZEN, Ludwik. Grotowski & companhia: origens e legado. São Paulo: É Realizações,
2015.

Grotowski, Jerzy. Performer [1987]. ePerfomatus, v.14, a.3, jul 2015. Disponível em:
<https://performatus.net/traducoes/performer/ >. Acesso em: 29 de jul. de 2015.

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BECKETT, CRAIG, ZUMTHOR: UMA INVESTIGAÇÃO DE PROCESSOS VOCAIS


COMO UMA POÉTICA DA ATUAÇÃO.
Manuel Fabricio Alves De Andrade, Suely Master

Palavras-Chave
Beckett, Craig, criação vocal, teatro, Zumthor

Nome: Manuel Fabricio Alves de Andrade Instituição: Universidade Estadual Paulista


“Julio de Mesquita Filho” Linha de Pesquisa: Estética e poéticas cênicas Orientador: Suely
Master Nível: Doutorado Data de início: março de 2016 Data de Conclusão: março de 2020
Bolsa de fomento: CAPES Pesquisa disponível em: em andamento Contato:
manuelfabricio@gmail.com Palavras-chave: Beckett, Craig, criação vocal, teatro, Zumthor O
objetivo desta pesquisa é investigar como os aspectos da performance vocal presentes no
teatro tardio de Samuel Beckett e na elaboração do Über-marionette de Edward Gordon Craig
podem ser explorados no processo de ensino/aprendizagem/investigação do trabalho vocal do
intérprete e se tal prática pode se configurar como uma poética para a atuação contemporânea.
Tal atividade de exploração que visa confluir os conceitos e ideias de Beckett, Craig e
Zumthor acerca da atuação e da vocalidade pode se configurar como uma poética para o
trabalho do ator e da atriz? A performance no teatro beckettiano pode apresentar algumas
problemáticas para o trabalho atoral, como: uma atuação não personalista; a busca por um
desprendimento do ego; a ênfase na experimentação; um preparo técnico refinado; a
desconstrução do conceito de personagem; uma fisicalidade bastante acentuada na atuação;
natural versus artificial; representação versus presentação; e uma infinidade de possíveis
interações entre movimento e fala. A partir deste levantamento, cinco tópicos se apresentam
como norteadores desta pesquisa e aglutinam as instâncias levantadas: “A entrega do
intérprete”; “Personagem”; “A relação corpo/voz”; “Rituais de preparação”; e “O trabalho
vocal”. (ANDRADE, 2014). Tais tópicos estruturam esta investigação teórico-prática. Para
Beckett o trabalho, tanto corporal, quanto vocal, possui a mesma importância na encenação,
sem que um se sobreponha ao outro. (BECKETT, 1999). A maneira como se articulam na
cena faz entrever uma engrenagem teatral composta por elementos plásticos, sonoros e
semânticos em constante interação, não hierarquizados, mas sim, harmonizados. Este fator

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mostra-se importante para sua estética teatral, pois desafia o ator e a atriz em suas funções de
intérpretes (KALB, 1999) e deixa entrever paralelismos entre a atuação proposta por ele e o
conceito do Über-marionette desenvolvido por Gordon Craig, para quem os atores deveriam
ser substituídos por marionetes, pois estes não estão sujeitos às vicissitudes humanas
(CRAIG, 2009, 2016). Ao propor uma via negativa da atuação, que teria como inspiração o
objeto sem vida, a marionete e a Morte, Craig sugere um novo campo de investigação para o
trabalho atoral desapegado dos princípios naturalistas e realistas de imitação da vida,
exigindo-lhe um domínio técnico refinado e uma profunda entrega de si mesmo ao ofício,
num trabalho de auto-investigação contínuo. Sua formulação pressupõe um ator ideal, um
virtuose que detenha o controle total de suas técnicas de atuação, e ao sugerir que um Über-
marionette substitua os atores, desafia-os a substituir a vaidade por disciplina como meio de
elevar sua arte ao sublime (RIBEIRO, 2016). É dentro deste contexto de trabalho atoral, onde
os elementos que compõem o acontecimento teatral são entendidos como não hierarquizados,
que esta pesquisa se desenvolve. Zumthor, ao conceituar poesia vocal e performance,
contribui para o entendimento de uma vocalidade indissociável do corpo, como expansão
dessa corporeidade e definida como acontecimento. (ZUMTHOR, 2007). Ao afirmar que a
Poesia Sonora se realiza em performance (ZUMTHOR, 1992), o autor oferece reflexões e
provocações que servem como disparadoras de estratégias que podem afetar o trabalho de
criação vocal no contexto descrito, possibilitando novas abordagens quanto ao treino corporal/
vocal, pesquisa de sonoridades, relação com o texto escrito, construção de presença etc., o que
auxilia a aprofundar o entendimento dos cinco tópicos anteriormente citados. É este o lastro
da pesquisa prática a ser realizada em quatro etapas: 1ª treinamento; 2ª exploração/
experimentação; 3ª criação/composição; e 4ª performance. Formulação inspirada pelas dez
etapas da performance de Schechner (SCHECHNER, 2002). Três artistas com formação em
teatro, que já atuem profissionalmente há pelo menos dois anos, colaboram na investigação
prática. Os registros das etapas têm sido realizados por gravação de áudio, vídeo e através de
diários de bordo, material a ser utilizado na análise dos resultados. Investigar na prática as
orientações encontradas nos “cadernos de encenação” de Beckett parece abrir um campo de
trabalho investigativo bastante excitante sobre os elementos que constituem a atuação neste
tipo de teatro, sobretudo pelos links com o pensamento de Craig e Zumthor. A interação entre
estes autores ajuda a entender a performance vocal no teatro beckettiano e a pavimentar uma

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exploração prática dessas questões no processo de ensino/aprendizagem/investigação do


trabalho vocal na atuação contemporânea. Ao final do processo, esperamos poder perceber,
além de uma melhora no desempenho vocal dos/das artistas envolvidos, que se tenha
esboçado uma poética que auxilie no trabalho de composição e criação atoral que tem na voz
seu ponto de partida, mas que comunga de uma relação não hierarquizada com os outros
elementos que integram o acontecimento teatral.

Referências bibliográficas

ANDRADE, M. F. A. Sonoridades beckettianas: a criação vocal do intérprete. 2014. 139f.


Dissertação (Mestrado em Artes). Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista, São
Paulo, 2014.

BECKETT, S. Happy days: Samuel Beckett’s production notebook. Edited by James


Knowlson. New York: Grove, INC, (1ª ed. 1985).

______. The complete dramatic works. London: Faber and Faber, 2006.

______. The theatrical notebooks of Samuel Beckett: The shorter plays: with revised
texts for Footfalls, Come and Go and What Where. Edited by S. E. Gontarski. General
Editor James Knowlson. London: Faber and Faber, Grove Press, 1999.

CRAIG, E. G. “O ator e o über-marionette (Versão integral)”. Tradução de Almir Ribeiro.


In: RIBEIRO, A. Gordon Craig: a pedagogia do über-marionette. Giostri Editora. São Paulo,
2016.

______. On the art of the theatre. Edited by Franc Chamberlain. New York: Routledge,
2009.

KALB, J. Beckett in performance. Cambridge, New York, Port Chester, Melbourne, Sydney:
Cambridge University, 2000.

RIBEIRO, A. Gordon Craig: a pedagogia do über-marionette. Giostri Editora. São Paulo,


2016.

SCHECHNER, R. Performance studies: an introduction. London, New York: Routledge,


2002.

ZUMTHOR, P. Performance, Recepção e Leitura. Tradução: Jerusa Pires Ferreira e Suely


Fenerich. Cosac Naify. São Paulo, 2007.

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!

______. “Poesia do espaço: novos territórios para uma nova oralidade”. Tradução:
Philadelpho Menezes. 138-144. In: Poesia Sonora: Poéticas Experimentais da Voz no Século
XX. São Paulo: Educ, 1992.

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A PESQUISA EM LITERATURA DRAMÁTICA NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR


DE TEATRO: BREVE RELATO DE EXPERIÊNCIA
Fernanda Vieira Fernandes, Mario Celso Pereira Junior

Palavras-Chave
formação docente, leitura dramática, literatura dramática

Este trabalho visa apresentar algumas atividades desenvolvidas no projeto de pesquisa


“Leituras do drama contemporâneo”, do curso de Teatro-Licenciatura da Universidade
Federal de Pelotas, vinculado ao “Grupo de Estudos em Teatro: Histórias e
Dramaturgias” (CNPq), na linha de pesquisa “Dramaturgia: estudos e leituras”, e como as
mesmas influenciam diretamente a prática discente de leitura de textos teatrais, o apreço por
descobertas da dramaturgia através de leituras dramáticas, bem como a relevância disto na
formação em andamento do professor-artista-pesquisador, por meio de relato de experiência
do autor, aluno do curso e colaborador da pesquisa. O projeto foi criado pela Prof.ª Dra.
Fernanda Vieira Fernandes no segundo semestre de 2015 e cadastrado em abril de 2016 na
UFPel, e tem como objetivo expandir a visão acerca da dramaturgia produzida a partir do
final do século XX. O grupo é composto atualmente pela coordenadora, uma aluna egressa e
mais cinco estudantes de fases distintas do curso. A pesquisa se divide em três grandes partes
que ocorrem concomitantemente, sendo a primeira o estudo dos conceitos relacionados à
literatura dramática contemporânea, utilizando como referencial teórico autores como Hans-
Thies Lehmann (2011), Jean-Pierre Ryngaert (1996 e 1998), Jean-Pierre Sarrazac (2012) e
Patrice Pavis (2010). Na segunda, o foco recai sobre os dramaturgos e suas obras, analisando
peças e relacionando-as com os conceitos ponderados na primeira parte. E o terceiro momento
refere-se à realização de leituras dramáticas abertas, seguidas de bate-papo, no final de cada
ciclo de estudo, tendo como principal público alvo os estudantes do curso de Teatro. Durante
a mencionada licenciatura na UFPel, o estudo de dramaturgias através de análises e
observação de peças, é desenvolvido nas disciplinas de história do teatro. Muito embora
ocorra esta abordagem na formação do futuro docente, ela não dá conta de nutrir de forma
aprofundada o conhecimento deste. Devido à vasta quantidade de conteúdo a ser abrangida na
graduação, o contato com a literatura dramática preenche uma pequena fração disso. Dessa

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forma, segundo a coordenadora da pesquisa, o projeto se configura como uma oportunidade


de aproximar os estudantes e a literatura dramática (FERNANDES, 2016). Além desse estudo
desenvolvido durante as disciplinas de história do teatro, o curso prevê no quinto semestre a
disciplina de Dramaturgia, que envolve três áreas relacionadas a este campo de conhecimento:
a conceituação do que é dramaturgia, quais suas particularidades e como ela vem se
modificando com o tempo, fazendo um apanhado histórico do texto teatral; a realização de
análise de uma peça; e a prática de iniciação à escrita dramática. Mesmo com essa
movimentação em relação à dramaturgia, nota-se que muitos estudantes tendem a ter certa
dificuldade de compreensão da forma e/ou do conteúdo do texto dramático, principalmente no
que diz respeito aos mais contemporâneos. Um dos mal-entendidos que ocorrem entre quem
escreve peças atualmente e os que as leem, é a busca incessante, dos leitores, por um
entendimento da fábula que supostamente a obra conteria, contudo, vários desses autores não
estavam ou estão preocupados em apresentar uma história no sentido tradicional do termo, e
sim em explorar as variadas densidades e formas que a escrita pode oferecer (RYNGAERT,
1998). O texto dramático, por si só, é considerado um gênero literário difícil de ser lido, já
que a sua estrutura é tida por “esburacada”, com muitos “brancos” na folha, por se desenrolar
apenas por falas (descontando-se as rubricas), causando um estranhamento. Com isso, muitas
pessoas optam por conhecer e apreciar a peça apenas quando é encenada, acreditando que
somente a representação daria conta de preencher o texto, mas mesmo a montagem de uma
obra não a esgota (RYNGAERT, 1996). Ao cursar a disciplina de Dramaturgia, o autor deste
trabalho observou que muitos colegas, não vinculados à pesquisa aqui referenciada e que não
frequentam as leituras propostas pelo grupo e, consequentemente, os bate-papos que se
seguem a elas, não tinham a mesma visão sobre as particularidades que apresenta a literatura
dramática. Muitos não entendiam os mecanismos estruturais que o texto teatral denota (como
rubrica, divisão das falas, fragmentação, ausência de fábula ou enredo etc.), assim como
alguns conceitos específicos e básicos desse campo intelectual. Haviam também aqueles que
compreendiam um pouco mais do que o restante da turma, por terem vivências e maiores
aproximações com o fazer teatral. Entretanto, mesmo esses, ao se depararem com a escrita
contemporânea, perguntavam: “Como uma peça tão fragmentada e sem um enredo linear vai
ser encenada?”, ou, “O dramaturgo só pode escrever se for ‘possível’ de representar, não é?”.
Não se perguntavam sobre o que de fato seria este “ser possível” no teatro contemporâneo.

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Notava-se que essas dúvidas recorrentes estavam sempre relacionadas com a preocupação de
uma dramaturgia para ser encenada, como se o texto servisse somente como roteiro da cena, e
não como uma obra completa e possível de ser apreciada pela leitura. O diretor não
complementa ou estende o texto teatral, mas sim cria a sua proposta estética, constituindo
deste modo duas obras independentes. Ler uma peça é um ato que se basta por si, não
necessitando de uma representação (RYNGAERT, 1996). A partir disso, questiona-se: como
estimular ou despertar o interesse por descobrir novas literaturas dramáticas em um estudante
de licenciatura em teatro? Quais os meios de tornar o apreço por dramaturgias mais acessível
a este público em formação? Essas são algumas perguntas que instigam a pesquisa. Até o
presente momento, o grupo realizou a leitura de obras de seis dramaturgos, brasileiros e
estrangeiros, em doze sessões na universidade e fora dela, sempre com a prática de diálogo
com o público ao final. Percebe-se notoriamente a melhora de compreensão dos aspectos
dramáticos por parte daqueles que colaboram com a pesquisa, incluindo-se aí o autor deste
resumo. Entre os alunos espectadores ouvintes o interesse por dramaturgia também é
crescente, com aumento considerável de espectadores a cada sessão. Dessa forma, a pesquisa
contribui diretamente ao curso ao qual está vinculada. Logo, os grupos de estudos voltados à
literatura dramática desempenham papéis fundamentais no sentido de oportunizar a
aproximação do estudante com os textos. Para o discente que desenvolve esta reflexão, a
participação no projeto tem sido de grande importância, pois incita à leitura e apreciação de
dramaturgias, dilatando seu entendimento e horizontes de possibilidades do texto teatral, bem
como aponta caminhos possíveis para se trabalhar uma peça de teatro, aumentando o
repertório de práticas de docência do futuro professor.

Referências bibliográficas

FERNANDES, Fernanda Vieira. Leituras do drama contemporâneo. Pelotas: Pró-Reitoria


de Pesquisa e Pós-Graduação, Universidade Federal de Pelotas. 2016.

LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. São Paulo: Cosac Naif, 2011.

PAVIS, Patrice. A encenação contemporânea: origens, tendências, perspectivas. São


Paulo: Perspectiva, 2010

RYNGAERT, Jean-Pierre. Introdução à análise do teatro. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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!

______. Ler o teatro contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

SARRAZAC, Jean-Pierre (org.). Léxico do drama moderno e contemporâneo. São Paulo:


Cosac Naify, 2012.

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O CLOWN COMO IMAGEM ARQUETÍPICA E PROCESSO DE


TRANSFORMAÇÃO DE SI
Renata Domingos Volpato

Palavras-Chave
clown, imagem arquetípica, palhaço, psicologia analítica, transformação de si

A comunicação tratará da pesquisa de mestrado em fase final (dissertação entregue a


banca com defesa dia 31/07/17) em Artes da Cena, de natureza prática e teórica; a pesquisa
consistiu no registro e análise de uma prática pedagógica-artística de aulas de clown e na
análise do clown como imagem arquetípica e potencializadora de transformação de si para os
atuantes desta arte. A pesquisadora dedica-se ao estudo do clown desde 2000 e ministra aulas
com os procedimentos do trabalho denominado “Florescer do Clown” desde 2012. Seu
percurso como palhaça e professora foi descrito na pesquisa e acrescentou dados para a
análise do processo de transformação pelo qual ela também passou através da vivência do
clown. A sustentação teórica se deu principalmente por meio de diálogos com conceitos da
psicologia analítica de C. G. Jung e outras referências de professores e autores da palhaçaria
(professoras: Luciene Domenicone, Silvia Leblon, Adelvane Néia e Angela de Castro; autores
e professores: Ana Elvira Wuo, Ricardo Puccetti, Philippe Gaulier e Demian Moreira Reis),
do teatro (Renato Ferracini, Cassiano Quilici, Dario Fo, Luís Otávio Burnier e Viola Spolin) e
dança (Graziela Rodrigues e Hubert Godard). O método de pesquisa utilizado foi a
cartografia. Os dados para análise da prática e de indícios de processos de transformação dos
atuantes foram produzidos através de depoimentos escritos e gravados em vídeo durante oito
aulas para um grupo de voluntários (estudantes da UNICAMP em artes cênicas, dança,
música, artes plásticas, ciências sociais e outros convidados). A pesquisadora observava, antes
de ingressar no mestrado, através de sua experiência artística como atuante e das aulas que
ministrava com técnicas clownescas, que o clown promovia transformações de si nos
atuantes. No grupo de estudos com voluntários da pesquisa experenciou procedimentos
conhecidos, ampliou o repertório de suas aulas com novas propostas de exercícios e registrou
os processos de alguns participantes. Através dos depoimentos de percepções destes atuantes
gerou dados para análises com os indícios de transformações vividas em aula e de alguns

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desdobramentos em suas vidas pessoais. Concluiu que o clown também pode ser
compreendido como uma imagem arquetípica que emerge de uma dimensão psíquica muito
profunda denominada por Jung de inconsciente coletivo, se manifestando nas diversas
culturas humanas com diferentes nomes e roupagens, mas que pertence à dimensão coletiva
da psique. No processo de elaboração artística do clown o atuante pode, além de acessar os
conteúdos da dimensão consciente e do inconsciente pessoal, acessar também do inconsciente
coletivo. À medida, que foi percebendo esse possível acesso do atuante a uma realidade
arquetípica na figura do clown, se interessou em aprofundar os estudos na abordagem
junguiana. Uma das percepções foi a relação entre o aspecto arquetípico do clown e a
possibilidade integrativa que tal vivência pode promover; o atuante pode estabelecer, através
desta técnica, mais diálogo entre consciente e inconsciente, expandindo suas capacidades,
relativizando e aceitando melhor seus próprios erros, defeitos e problemas.

Referências bibliográficas

BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista


Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 19, p. 20-28, jan./abr., 2002.

BURNIER, Luís Otávio. A arte de ator: da técnica à representação. Campinas, SP: Editora
da Unicamp, 2001.

FERRACINI, Renato. A arte de não interpretar como poesia corpórea do ator. Campinas,
SP: Editora da Unicamp, Imprensa Oficial do Estado S.A. – IMESP; 2001

______. Café com Queijo, Corpos em Criação. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de
Campinas, Multimeios, Campinas, SP, 2004.

GAULIER, Philipe. O atormentador: minhas ideias sobre teatro. Tradução: Marcelo


Gomes. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2016.

GODARD, Hubert. "Olhar cego. Entrevista com Hubert Godard, por Suely Rolnik". In:
ROLNIK, Suely. (Org.). Lygia Clark, da obra ao acontecimento. Somos o molde. A você cabe
o sopro. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2006. p. 73-80.

GRINBERG, Luiz Paulo. Jung: o homem criativo. São Paulo: FTD, 2003.

JUNG, Carl Gustav. O espírito na arte e na ciência. Vol. XV das Obras Completas.
Petrópolis, RJ, 1987.

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______. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Vol. 9/1 das Obras Completas.


Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

KAST, Verena. A dinâmica dos símbolos – fundamentos da psicoterapia junguiana. São


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NÉIA, Adelvane. [27 de janeiro, 2017a]. Entrevistadora: Renata Domingos Volpato.


Campinas. NÉIA, Adelvane. [08 de junho, 2017b]. Entrevistadora: Renata Domingos Volpato.
Campinas. PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana da (Org.). Pistas do
método da cartografia – pesquisa intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre:
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PUCCETTI, Ricardo. “O clown através da máscara: uma descrição metodológica” in


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SONS QUE DANÇAM: ESTRUTURAS CÊNICO-MUSICAIS DO NYANGA (POVO


NYUNGWE, PROVÍNCIA DE TETE, MOÇAMBIQUE)
Jhonny Alexander Muñoz Aguilera

Palavras-Chave
arte africana, cultura nyungwe, modos de transmissão, polifonia na cena, resistência cultural

O nyanga é uma dança e prática musical do povo Nyungwe, presente nas províncias de
Tete, Manica e Sofala, na região central de Moçambique. Nela são utilizadas várias dezenas
de flautas, chamadas também de nyanga, construídas com tubos de bambu ou de plástico
(PVC), que estão fechados em seu extremo inferior . Nos grupos de nyanga todos os
participantes, que podem chegar até mais de cinquenta, realizam as tarefas de tocar os
instrumentos, cantar e dançar, tudo ao mesmo tempo, dentro de uma estrutura musical e
cênica polifônica e polirítmica, extremamente organizada. A interpretação dos instrumentos
inclui uma sofisticada técnica, com a qual os músicos conseguem emitir sons vocais afinados,
entre os ataques das notas musicais nas suas flautas. Igualmente, os integrantes do nyanga têm
chocalhos metálicos amarrados nas pernas, que lhes permite criar, enquanto realizam seus
movimentos dentro de uma complexa dança circular, um acompanhamento percussivo de uma
das formas mais requintadas na utilização de flautas de pã na África. (MALAMUSI, 1992;
TRACEY, 1971, 1992). Na composição cênica-musical do nyanga é possível notar, portanto,
múltiplas possibilidades de perspectivas, a justaposição, a coexistência de contrários, a junção
de planos plena de diversidade, de polifonia (SANTOS, 2002), dentro de uma estrutura que
está em contínuo deslocamento. Para os “espectadores”, inclusive, a participação não se limita
só à observação exterior do acontecimento (PAVIS, 1999), mas, pelo contrário, eles também
estão inseridos em uma estrutura cênica capaz de relacionar realidades contrárias e
dessemelhantes (SANTOS, 2002). Este projeto de pesquisa pretende estudar e analisar os
processos composicionais e os modos de transmissão do nyanga, na sua complexidade, isto é,
entendendo a música como um modo de pensamento e de ação social (BLACKING, 2007;
SEEGER, 2008; KUBIK, 1979), assim como a base de uma composição cênica fortemente
estilizada e organizada (MEYERHOLD, 1971, 2012; PICON-VALLIN, 1981; SANTOS,
2002). Focamos, portanto, nesta pesquisa, nos elementos estéticos, assim como filosóficos,

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éticos e epistemológicos, que estão envolvidos na composição cênica-musical e no processo


de transmissão do nyanga. Investigamos, desse modo, o processo de formação de um
"dançarino-músico" capacitado para tocar o seu instrumento, realizar coreografias,
representações e cantar, dentro de umas estruturas cênicas e musicais polifônicas
(MEYERHOLD, 1971; SANTOS, 2002). Também, investigamos nos regimes de
conhecimento que transversalizam a sua transmissão (CARNEIRO DA CUNHA, 1998,
2009), ou seja, os modos como as comunidades estabelecem acordos sobre os seus
conhecimentos durante o processo de ensino/aprendizagem, nas relações mestre-aluno, na
realização das aulas, treinos ou apresentações, e nos compromissos éticos que os alunos
assumem durante a sua formação (HAMPÂTÉ BÂ, 1997, 2010; GUSDORF, 1970). Interessa
investigar, ainda, as relações do nyanga com a cultura do povo nyungwe e com a cultura
banto (TEMPELS, 1949; SILVA, 2007; ALTUNA, 1985; GIROTO, 1999) do qual os
nyungwe fazem parte (MAIA, 2015); ou seja, a maneira como conceitos como “força vital”,
“união vital” ou o culto aos ancestrais são fundamentais no entendimento dos processos
composicionais e os modos de transmissão do nyanga. Esta pesquisa surge de algumas
experiências significativas como ator, professor e músico, construtor e intérprete da flauta de
pã, assim como de uma reflexão crítica sobre minha própria formação artística e de um
desdobramento da minha pesquisa de mestrado, realizada no Programa de Pós-graduação em
Artes Cênicas da Universidade de São Paulo (MUÑOZ, 2015). O projeto compreende uma
pesquisa bibliográfica e uma realização de trabalho de campo no Moçambique,
principalmente na Província de Tete, acompanhando as práticas de algumas destacadas
agrupações de nyanga.

Referências bibliográficas

ALTUNA, Raul. Cultura Tradicional Banto. Luanda: Edições do Secretariado


Arquidiocesano de Pastoral, 1985.

BLACKING, John. Música, cultura e experiência. Trad. André-Kees de Moraes Schouten.


In: Cadernos de campo, São Paulo, n. 16, p. 201-218, 2007

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& Naify, 2009.

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propriedade intelectual. In: Sexta-Feira: Antropologia, Artes e Humanidades, Sa~o Paulo, n.
3, p. 93-97, out. 1998.

GIROTO, Ismael. O Universo Mágico-religioso Negro-africano e Afro-brasileiro: Mantu


e Nàgó. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, FFLCH,
USP, 1999.

GUSDORF, Georges. Professores para quê? Lisboa: Moraes Editores, 1970.

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África I: Metodologia e pré-história da África. Cap. 8. Brasília: UNESCO, 2010.

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KUBIK, Gerhard. Educação tradicional e ensino da música e dança em sociedades


tradicionais africanas. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 22, p. 107-112, dec. 1979.

MAIA, António. Mudanças Socioculturais entre os Nyungwe do Vale do Zambeze:


Resistências, Rupturas e Continuidades na Estrutura Social. Tese apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, FFLCH, USP, 2015.

MALAMUSI, Moya. Thunga la Ngororombe — the Panpipe Dance Group of Sakha


Bulaundi. In: African Music. Vol. 7, No. 2 (1992), pp. 85-107.

MEYERHOLD, Vsevolod. Teoria Teatral. Madrid, Ed. Fundamentos, 1971. ______. Do


Teatro. São Paulo, Ed. Iluminuras, 2012.

MUÑOZ, Jhonny. O que é a arte da Grima. Modos de Transmissão e Resistência em um


Bairro Rural do Norte de Cauca (Colômbia). Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Artes Cênicas, orientadora: Maria Thais Lima Santos. ECA, USP, 2014.

PAVIS, Patrice. Dicionário do Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.

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Documents. Rennes, Université de Haute Bretagne, 1981.

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(Doutorado em Artes) Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo.

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São Paulo, n. 17, p. 237-260, 2008.

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A REPRESENTAÇÃO DE (UMA) MULHER NO TEATRO A PARTIR DO


PROCESSO DE CRIAÇÃO OFÉLIAS
Fernanda Vieira Fernandes, Juliana Caroline Da Silva

Palavras-Chave
feminismo, Ofélia, processo de criação

O presente resumo tem como objetivo apresentar o trabalho de conclusão do curso de


Teatro-Licenciatura da autora, ainda em andamento, na Universidade Federal de Pelotas
(UFPel), sob a orientação da Prof.ª Dra. Fernanda Vieira Fernandes. O projeto visa analisar a
construção da personagem Ofélia, do monólogo Ofélias, criado em 2016 com direção da
autora a partir de releituras da personagem clássica shakespeariana para a disciplina de
Encenação II do referido curso, considerando propiciar uma reflexão sobre a discriminação
sexual e situações condicionadas à mulher. Como referência para a criação dramatúrgica do
texto Ofélias, feita por Carla Araújo, a atriz e também aluna do mencionado curso, as
releituras usadas foram personagens das peças Hamlet-Máquina (1977), de Heiner Müller;
Roberto Zucco (1988), de Bernard-Marie Koltès e dos filmes Elena (2012), de Petra Costa e
Melancholia (2011), de Lars Von Trier. O projeto justifica-se por reconhecer e denunciar
como se deu e ainda se dá a participação da mulher no teatro, principalmente no que diz
respeito à dramaturgia e ao sexismo que direciona a representação de apenas um tipo de
mulher: submissa, delicada, mãe, histérica e também apontar a questão de gênero e poder que
condiciona essa situação e interfere nos processos históricos, sociais e culturais, incluindo o
teatro, reconhecendo algumas causas dessa representação no teatro contemporâneo. Na
montagem universitária, a clássica Ofélia, pensada, escrita e encenada por um homem no
século XVII, foi ressignificada por um grupo de jovens mulheres artistas e estudantes dos
cursos de Música, Artes Visuais e Design, além do Teatro, com uma dramaturga-atriz e uma
diretora. O trabalho de conclusão de curso planeja, portanto, abranger a ascendência da
participação da mulher na história do teatro como influência na encenação Ofélias, além de
permitir trazer uma reflexão sobre teatro e feminismo, focando na criação teatral feita por
mulheres e ressaltando, mesmo que brevemente, a história do feminismo, visto que a
aproximação da atriz e diretora com o movimento direcionou a ideia e a construção do

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processo. Após, então, a revisão bibliográfica e as pesquisas em relação à forma como a


mulher é caracterizada no teatro, se decorrerá a etapa de relato de experiência do processo
cênico em questão, salientando as ressignificações de signos ditos femininos utilizados em
cena, como o vestido branco de casamento, indicando castidade e pureza, aliado ao buquê de
flores que é esmagado, simbolizando a feminilidade a ser expurgada da personagem. Nesta
criação acadêmica, a personagem Ofélia carrega em suas qualidades um contraste entre a
submissão e a força. A criação de cenas que remetessem imageticamente algumas
possibilidades de situações às quais muitas mulheres estão sujeitas e ainda outras cenas que
exprimissem um empoderamento da personagem de forma arrastada e até agressiva, recebeu
estímulos diversos, tanto estéticos, como a construção de um corpo com movimentação
fluída, imergido na água, quanto carregado de características que constituem um tipo de ser
mulher, como a delicadeza, um corpo vulnerável. As maiores influências na concepção da
encenação foram grupos contemporâneos integralmente compostos por mulheres, que buscam
dar visibilidade para o trabalho da mulher. Além daqueles da área teatral, como As Marias da
Graça (Rio de Janeiro), de mulheres palhaças, o coletivo valeu-se de grupos de outras áreas,
como Casa Cultural Las Vulvas (Pelotas), com um projeto que prioriza o protagonismo de
mulheres na circulação de arte independente; Vulvaê (Rio Grande), com um grupo de
mulheres cantoras/compositoras unidas pela arte feminina; e Lua Sangrenta (Pelotas), com um
programa na rádio de pautas feministas. O processo de criação da encenação teve como foco
explorar a temática feminina, a representação da mulher e questões feministas da luta por
igualdade, sendo assim, o grupo empenhou-se em contemplar as próprias reflexões,
sentimentos e revoltas no processo criativo, apossando-se de múltiplas influências, como as
citadas acima. A estrutura do trabalho de conclusão de curso em questão prevê uma divisão
em quatro partes: a primeira delas, fase inicial sobre a qual a autora debruça-se neste
momento, voltada ao apanhado histórico sobre mulher e feminismo, com referencial de Abreu
(2002) e Costa (2014); a segunda mais direcionada à representação da mulher no teatro,
principalmente na dramaturgia, levantando comentários sobre algumas personagens como a
Ofélia de Müller e a Garota de Koltès, além da ação da mulher no teatro contemporâneo, com
referencial de Leite (1965), Fischer (2013) e Romano (2009); após, será feito o relado de
Ofélias, realizado na Encenação II, que é foco central da pesquisa; e por fim, à guisa de
conclusão, levantar-se-ão questionamentos sobre a relação da história das mulheres e suas

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consequentes representações. A fusão de diversas influências construiu Ofélias e através de


uma fragmentação do processo, poderá se dar ênfase na discussão deste no referido contexto
de reflexão sobre o feminino na sociedade e sua representatividade no teatro.

Referências bibliográficas

ABREU, Z. Luta das mulheres pelo direito de voto: movimentos sufragistas na Grã-
Bretanha e nos Estados Unidos. "ARQUIPÉLAGO. História". 2ª série, vol. 6 (2002):
443-469. Universidade dos Açores.

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Iluminismo: Uma Análise do Capítulo IV – “Observações sobre o estado de degradação
ao qual a mulher é reduzida por várias causas.” Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Instituto de Filosofia, Sociologia e Política, da Universidade Federal de
Pelotas (Bacharelado em Filosofia). Pelotas, 2014.

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Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. Disponível em:
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Coura. São Paulo: Hucitec, 1995.

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(FILME) MELANCHOLIA. Direção: Lars Von Trier. Dinamarca: Louise Vesth e California
Filmes, 2011. 136 minutos

MÜLLER, Heiner. Hamlet-máquina. Trad. de Reinaldo Mestrinel. In: Quatro textos para
teatro: Mauser; Hamlet-máquina; A missão; Quarteto. São Paulo: Hucitec, 1987.

SHAKESPEARE, William. Hamlet. Trad. de Millôr Fernandes. São Paulo: Peixoto Neto,
2004.

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contemporâneo. Tese (Doutorado em Artes Cênicas). Escola de comunicação e artes da
Universidade de São Paulo/ECA-USP. São Paulo, 2009.

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REFLEXÕES ACERCA DA OBRA “THE DEFENDERS PART 2” DA SÉRIE


OBJETOS COREOGRÁFICOS DE WILLIAM FORSYTHE
Candice Didonet

Palavras-Chave
espacialidades, instalação, objetos coreográficos

A proposta desta pesquisa concentrou-se na tessitura de reflexões teóricas suscitadas


pela obra “The Defenders Part 2” (2008), visitada no Centraal Museum da cidade de Utrecht
em 2009. Primeiramente realizada como monografia e depois como artigo, o interesse foi
observar processos compartilhados com o público em um diferente modo organizativo como
esta obra escolhida, instalativa, que levantou discussões acerca de abordagens e
acontecimentos nesta e em outras danças contemporâneas. Neste caso, o pensamento
coreográfico lançado pelo coreógrafo William Forsythe apresentou a dança como instalação
colocando na experiência do deslocamento dos espectadores as seguintes perguntas: pode um
objeto coreográfico deslocar a vivência da dança para o espaço? A coreografia só pode ser
vivida pelos bailarinos? Como perceber a coreografia a partir de relações criadas por
materialidades de objetos? A instalação é um termo advindo das artes visuais que cria
especificidades em relação aos lugares em que obras artísticas acontecem (CARVALHO,
2005). Vale salientar que os lugares de acontecimento agregam modos de acontecimentos, e
no caso das instalações, muitas vezes o público é convidado a entrar na obra fazendo parte
dela. Assim, as instalações detonam problemáticas nas artes contemporâneas tangenciadas nas
relações entre diferentes públicos e obras de arte. Nesta pesquisa o objeto coreográfico em
questão apresentou-se como instalação o que aproximou dança e artes visuais. O que se viu na
obra foi um grande objeto compondo um caminho a ser percorrido pelo público, criado por
espelhos dispostos como biombos pelo espaço. Estes espelhos refletiam imagens
fragmentadas, não só das pessoas que ali passavam como do ambiente do museu. Alternados
entre superfícies lisas, os espelhos salientavam suas próprias materialidades criando assim,
ampliamentos visuais cortados, refletindo possibilidades de leituras espaciais, temporais e
corporais que iam sendo percebidos a partir da mobilidade do público. Ainda que esta
pesquisa tenha sido realizada no âmbito teórico e há alguns anos atrás, a materialidade dos

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!

espelhos sugere a retomada reflexiva ampliando o que se viu. Hoje, torna-se importante
destacar a proposta do contato com obras de dança não restritas aos espaços e tempos em que
foram realizadas. Dessa forma, pesquisar amplia possibilidades de experienciar dança
detonando ações e práticas. Embora a metodologia utilizada tenha se concentrado em
referências teóricas articuladas a ideias e conceitos, as reflexões tecidas constituem um campo
de atuação expandido nas possibilidades de vivenciar a dança artisticamente e
pedagogicamente. Assim, o retorno a esta pesquisa já concluída proporciona reverberações
em tempo presente atualizando conhecimentos, metodologia e práticas em dança
contemporânea. No quadro teórico a principal ideia trabalhada foi a noção de espacialidade
(FERRARA, 2008) colocada como discussão principal de compreensão do espaço mais do
que suporte para corpos dançantes. As espacialidades, segundo a autora citada, são as próprias
dinâmicas constituintes do espaço que, no caso do objeto coreográfico aqui escolhido se
apresentaram na mobilidade e no deslocamento propostos ao público como instalação. Outro
aspecto importante das espacialidades é que junto com as visualidades e comunicabilidades
elas se tornam categorias do espaço, o que proporciona tratá-las como qualidades corporais
vivenciais. Então enquanto qualidades corporais, as espacialidades ampliam abordagens
coreográficas no campo de conhecimentos em dança contemporânea, propondo diferentes
tratamentos coreográficos aos espaços em que acontecerão. Com o objetivo de expandir
entendimentos acerca de corpos dançantes e a posição dos espectadores em obras de dança,
percebeu-se que as materialidades criadas pelo objeto coreográfico de William Forsythe, que
no caso desta obra escolhida foram espelhos, interferiram diretamente na composição dos
movimentos de deslocamento do público. Assim, houve o deslocamento da dança para a
vivência de espacialidades do objeto coreográfico, que possibilitou compreender que as
espacialidades transformam a dança como experiência e mobilidade, e a coreografia como
caminho a ser experienciado e não apenas visto. Este foi o objetivo, que de maneira geral
explorou e problematizou relações entre dança e coreografia, corpo e espaço no âmbito das
artes contemporâneas. Os principais resultados alcançados com esta pesquisa suscitam a
importância de compreender a dança a partir de espacialidades geradas por objetos e suas
materialidades que deslocam noções fixas de corpo e espaço, bem como, colocam o
espectador como leitor ativo dos processos de percepção da coreografia. Isto traz a
possibilidade de pensar que práticas coreográficas geram modos de organização não restritos,

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expandindo lugares e entendimentos acerca do que pode ser corpo. Se os objetos


coreográficos expandem campos de atuação e ação em coreografia, trazem antigas questões
ao campo de conhecimentos em dança gerando novos paradigmas em relação aos
entendimentos de corpo e de movimento. Interessa modos de colocar perguntas percebendo e
reverberando reflexões no tempo, atualizando leituras sem palavras (FERRARA, 1993). Por
isto, a obra “The Defenders Part 2” (2008) de William Forsythe foi escolhida como
disparadora desta pesquisa, por trazer espelhos que refletem corpos que se misturaram ao
ambiente fazendo destas materialidades reflexões coreográficas e reflexos perceptivos que se
ampliaram para além dela.

Referências bibliográficas

CARVALHO, Ana Maria Albani. Instalação como problemática artística contemporânea:


os modos de espacialização e a especificidade do sítio. Tese de Doutorado em Artes Visuais.
Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005.

FERRARA, Lucrécia D’Alessio. Comunicação, Espaço, Cultura. São Paulo: Annablume,


2008.

______.. Leitura sem Palavras. São Paulo: Editora Ática, 1993.

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O TRAJE DE CENA DO ATOR POPULAR


Tainá Macêdo Vasconcelos

Palavras-Chave
Ator popular, Teatro brasileiro, Traje de cena.

Essa pesquisa vem sendo desenvolvida dentro do doutorado do Programa de Pós


Graduação em Artes Cênicas, da Escola de Comunicação e Artes, da Universidade de São
Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Fausto Viana, e tem como objetivo geral estudar, a partir
da teoria da árvore do traje (VIANA, 2014), o traje de cena do ator popular, com foco no
trabalho do ator nordestino José Maciel, buscando entender a relação entre cultura popular e
figurino teatral. A tese apresentada é a de que o traje de cena do ator é uma trama plural,
confeccionada com fios artísticos, culturais e sociais. A partir disso, propõe-se estudar as
relações do traje de cena no teatro popular brasileiro e os contextos artístico, cultural e social.
Para conceituar cultura popular brasileira, dialoga-se com as definições de Mário de Andrade
(1982) e Luís da Câmara Cascudo (2002), relacionadas com o conceito de culturas híbridas de
Néstor Garcia Canclini (2003) e experiência de John Dewey (2010). Defende-se que o
folguedo, a brincadeira popular é fruto de uma construção cultural, tradicional e em constante
mutação. Ao olhar à questão da árvore do traje de cena, compreende-se que o traje de cena é
influenciado por questões artísticas, culturais e sociais, inclusive pelo traje de folguedo. O
estudo tem como orientação fundamental os escritos sobre traje do folguedo e traje de cena,
do prof. Dr. Fausto Viana (2014) e a concepção de figurino teatral de Patrice Pavis (1999). O
traje de cena, ou figurino teatral, é entendido como uma subdivisão da roupa civil de acordo
com a sistemática dos museus europeus. A teoria da árvore do traje (VIANA, 2014) é um
conceito desenvolvido a partir da ideia de arbor mundi da professora Elena Vássina, que
entende as raízes dessa árvore como a cultura popular, o tronco como a cultura erudita e as
folhas e frutos como novas possibilidades para fazer e pensar arte. Dessa forma, a árvore do
traje gera um processo cíclico que sempre é renovado, criando uma interseção entre o
universo popular e o acadêmico, compartilhando idéias e ações. Com base nessas teorias, esta
pesquisa começa a olhar a história de vida de José Maciel, um ator que tem a experiência da
cultura popular e do teatro. O foco é examinar a teoria da árvore do traje, buscando alcançar

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as raízes desta árvore, como base para as artes cênicas contemporâneas, entendendo que a
cultura erudita está entrelaçada pela experiência popular. A importância deste estudo de caso é
destacar as principais relações entre figurino teatral e cultura popular, uma vez que José
Maciel é filho de feirantes, e participou de muitas manifestações da cultura popular na
Paraíba, como quadrilha junina, escola de samba e outros. O interesse dele pelas artes cênicas
surge desta interação com o universo popular, que o faz buscar por profissionalização como
ator. Não é possível apagar as marcas das experiências vividas por ele, ou dissociá-las do
processo criativo artístico. Os espetáculos que ele participou sempre trouxeram, de alguma
forma, detalhes culturais do nordeste brasileiro, na literatura dramática, na encenação, etc. Na
maior parte das montagens, essa característica regional estava clara na estética cênica, que
envolve o figurino. Ao abranger o traje de cena do teatro popular brasileiro, uma temática
específica pouco difundida, verifica-se o potencial para divulgação desta cultura, alcançando
o âmbito acadêmico e artístico, nacional e internacional. Com isto, espera-se contribuir com
novas interseções entre a cultura popular e o teatro, principalmente auxiliando os figurinistas
e atores neste processo de reflexão sobre a construção criativa. Do ponto de vista
metodológico, essa pesquisa parte de um estudo teórico sobre o traje de cena e de folguedo,
seguido por estudo de caso. A experiência de vida dos participantes é o foco desta pesquisa.
De acordo com Miriam Goldemberg (2004), a pesquisa qualitativa tem como base a
interpretação das experiências dentro do contexto em que foram realizadas, com isso a
compreensão da perspectiva dos sujeitos é de fundamental importância, a partir da expressão
espontânea de cada um deles. Para isso, vem sendo utilizado o método da história oral, além
da pesquisa bibliográfica e do acervo documental do ator José Maciel e da Cia Oxente, que
integram o estudo de caso. A análise dos dados acontece a partir do entrelaçamento dos
referenciais teóricos estudados e dos dados coletados durante as entrevistas. Com base na
hipótese deste trabalho, busca-se alcançar uma reflexão teórica diretamente relacionada a
prática teatral, colaborando para construção do saber científico aliado à ação. A escolha pela
história oral se deu principalmente pela possibilidade de estar em contato com o sujeito dessa
pesquisa, e poder ouví-lo diretamente. Zeila Demartini (2005) afirma que a história oral é uma
abordagem metodológica utilizada como fonte complementar aos documentos disponíveis em
outras fontes, e se faz necessário o envolvimento entre pesquisador e objeto/sujeito de estudo.
É exatamente sobre essa perspectiva que esse estudo tem se desenvolvido, contando com a

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abertura e disponibilidade de José Maciel e da Cia Oxente para refletir sobre essas relações
através das experiências deles. Compreende-se a importância do estudo do traje de cena e de
folguedo, quando volta-se para uma afirmativa que Néstor Garcia Canclini (2003) fez sobre
culturas híbridas, quando afirmou que na atualidade o tradicional tem se aproximado do
moderno, ainda que de forma mecânica. Nesse aspecto, esta pesquisa mostra sua
originalidade, ao traçar as interações entre os trajes de forma fluída, tendo como base o
trabalho do ator.

Referências bibliográficas

ANDRADE, Mário de. Danças dramáticas do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1982.

CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: Estratégias para entrar e sair da


modernidade. São Paulo: EDUSP, 2003.

CASCUDO, Luís Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto


Nacional do Livro, 1954.

DEMARTINI, Zeila de Brito Fabri. Relatos orais, documentos escritos e imagens: Fontes
complementares na pesquisa sobre imigração. In: ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz;
CAMPOS, Maria Christina Siqueira de Souza. História, memória e imagens nas migrações:
Abordagens metodológicas. Portugal: Celta Editora, 2005.

DEWEY, John. A arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

GOLDEMBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em


ciências sociais. Rio de Janeiro: Record, 2004.

PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.

VIANA, Fausto; BASSI, Carolina (orgs.). Traje de cena, traje de folguedo. São Paulo:
Estação das Letras e Cores Editora, 2014.

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A CONCEPÇÃO E COMPOSIÇÃO DA ESCRITA DRAMÁTICA NO ESPETÁCULO


COMBATE: CORPOS MORTOS, VIVOS E POR VIR
Fernanda Vieira Fernandes, Maria Amélia Gimmler Netto

Palavras-Chave
dramaturgismo, dramaturgia contemporânea, montagem teatral

Este resumo tem como objetivo apresentar o projeto de pesquisa Poética, concepção e
composição da escrita dramática no “Laboratório de Dramaturgismo e Direção Rotativa”,
coordenado pela Prof.ª Dra. Fernanda Vieira Fernandes, na Universidade Federal de Pelotas,
vinculado ao Grupo de Estudos do CNPq “Teatro: Histórias e Dramaturgias”, na linha de
pesquisa “Dramaturgismo e suas relações com o teatro contemporâneo”. O projeto teve início
em março de 2016 e encontra-se em andamento, com previsão de desenvolvimento até agosto
de 2018. O Laboratório surgiu a partir da parceria da autora com a Prof.ª Ma. Maria Amélia
Gimmler Netto, ambas docentes do curso de Teatro-Licenciatura da UFPel. Cada uma delas
dedicou-se a um enfoque de pesquisa, que se complementavam na prática teatral. Netto
vinculou-se às questões de encenação, processo colaborativo e criação de cenas,
desenvolvendo uma possibilidade metodológica para a pedagogia da cena contemporânea,
baseada na experimentação da direção rotativa de cenas (NETTO, 2016). Fernandes, por sua
vez, dentro do projeto mencionado na abertura deste resumo, concentrou-se nas proposições
relativas aos caminhos de concepção e composição da literatura dramática contemporânea e
suas especificidades para o trabalho de teatro em grupo, com estímulo à escrita por parte dos
colaboradores e à criação cênica a partir de textos dramáticos ou não (FERNANDES, 2016).
Assim sendo, o Laboratório nasceu da aliança entre estudos práticos e teóricos. As
possibilidades de encenação e seus possíveis desdobramentos, na experiência coletiva,
serviram como meios à composição da escrita dramática, sendo do mesmo modo instigados
por ela. Além das professoras mencionadas, que também compuseram o elenco, o laboratório
contou em 2016 com a colaboração de três estudantes egressos e quatro em formação no
referido curso. Fernandes, a partir de propostas lançadas tanto no âmbito de textos,
depoimentos, peças, vídeos, áudios, reportagens jornalísticas, canções, entre outros, como no
âmbito da experimentação cênica proporcionada por Netto (jogos, improvisações e criação de

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cenas), coletou o material para que pudesse executar o que se denomina “dramaturgismo”. Ou
seja, o foco da pesquisa esteve na presença e papel da professora-pesquisadora dramaturgista,
acompanhando e estimulando a prática teatral. A figura do dramaturgista surge no teatro
ocidental do século XVIII, na Alemanha, com Lessing, designado dramaturg, diferenciando-
se daquela figura que apenas escreve a peça, o dramatiker, ou dramaturgo, em língua
portuguesa. Em Dramaturgia de Hamburgo, ele compila vários de seus textos e reflexões a
partir de práticas cênicas, que originam este novo papel dentro de uma companhia. Seria então
um tipo de conselheiro literário e teatral, que se agrega a uma trupe, a um encenador ou ao
responsável pela preparação de uma produção teatral (PAVIS, 2003). O ponto de partida
textual para estímulo cênico escolhido por Fernandes foi a peça "Combate de negro e de
cães", de Bernard-Marie Koltès, dramaturgo estudado pela pesquisadora no mestrado e
doutorado. A opção se deu em função dos aspectos temáticos selecionados pelas professoras
para a montagem, que versavam sobre o machismo e o racismo presentes nas relações da
sociedade contemporânea. A outra referência literária direta trazida ao grupo foram poesias de
Angélica Freitas, do livro "Um útero é do tamanho de um punho". Somaram-se a estes alguns
dados estatísticos em relação à violência contra mulheres e negros, informações históricas
(em especial relativas ao Rio Grande do Sul e a Pelotas) e reportagens jornalísticas da
atualidade sobre o mesmo assunto. Além dos recursos textuais, algumas canções, filmes e
pontos de umbanda foram incorporadas aos estímulos e, posteriormente, à composição
dramática. Cumpre ressaltar que não apenas Fernandes apresentava as ideias, já que todos os
membros podiam agregar propostas ao processo. Por tratarem-se de temas que habitam o
cotidiano dos participantes da pesquisa e pensando na ideia de construção de uma visão crítica
e pessoal, a dramaturgista incentivou a escrita dos colaboradores, através de memórias e
relatos. A primeira pergunta, lançada nos primórdios dos ensaios, foi: “O que te traz conforto?
E o que te desconforta?”. Num outro momento, cada um teve espaço para trazer ao grupo uma
história de racismo ou machismo vivenciada consigo ou perto de si. Estes instantes foram de
extrema importância, aproximação e sensibilização dos artistas-criadores, já que se
identificavam nas opressões sofridas ou, ao menos, podiam conhecer melhor aquelas pelas
quais passaram ou passam seus colegas. Todas as proposições serviram como base para a
criação de cerca de dezoito cenas, pensadas e experimentadas coletivamente. Após, seguiu-se
o momento das professoras fazerem a seleção e estabelecerem um roteiro que seria a estrutura

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do espetáculo. À professora dramaturgista coube também o papel da concepção e composição


do texto final, conforme previsto inicialmente e em consonância com os objetivos específicos
de sua pesquisa, adaptando cenas de Koltès, trechos de poesias de Freitas e todos os demais
elementos mencionados anteriormente, em uma estrutura literária dramática. A encenação
ficou a cargo de Netto. Os projetos resultaram no espetáculo Combate: corpos mortos, vivos e
por vir, estreado em outubro de 2016 no Museu do Doce UFPel, em Pelotas/RS. Além da
estreia, houveram mais duas apresentações no mesmo local e uma em Jaguarão/RS, durante o
5º Encontro (Inter)Nacional de Produção Cultural promovido pela UNIPAMPA. No ano de
2017, após a saída de alguns colaboradores, o grupo se reestruturou e encontra-se no processo
de ensaios de remontagem, com previsão de reestreia em setembro de 2017. A composição da
dramaturgia da peça encerrou-se com sua estreia, porém o projeto foi renovado junto à UFPel,
visando novas temporadas e circulação do espetáculo, e, também, as reflexões teóricas e
produções científicas da professora a partir da experiência realizada.

Referências bibliográficas

FERNANDES, Fernanda Vieira. Poética, concepção e composição da escrita dramática no


“Laboratório de Dramaturgismo e Direção Rotativa”. Grupo de Estudos em Teatro:
Histórias e Dramaturgias. Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação UFPel, 2016.

FREITAS, Angélica. Um útero é do tamanho de um punho. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

KOLTÈS, Bernard-Marie. Combate de negro e de cães; O retorno ao deserto; Tabataba.


Ed. bilíngue. Tradução de Ângela Leite Lopes. São Paulo: Aliança Francesa/Instituto Totem
Cultural/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010.

NETTO, Maria Amélia Gimmler. Composição de cenas e condução de grupo em processo


colaborativo de criação teatral no “Laboratório de Dramaturgismo e Direção Rotativa”.
Grupo de Estudos e Pesquisas em Teatro, Educação e Práxis Social. Pró-Reitoria de
Pesquisa e Pós-Graduação UFPel, 2016.

PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. Tradução sob a direção de J. Guinsburg e Maria Lúcia
Pereira. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.

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CORPO E FORMAÇÃO: DISCURSOS E PRÁTICAS


Priscilla Carbone

Palavras-Chave
arqueogenealogia, corpo, formação

Este projeto visa investigar as condições de aparecimento da noção de “presença do


corpo” do ator nos discursos e práticas pedagógicas teatrais. Quando o corpo do ator, sua
presença, sua anatomia, sua carne, sua inteligência, sua técnica, etc. começam a se tornar um
assunto das artes cênicas e no ensino das artes cênicas? Como professora de teatro em escolas
de formação técnica de atuação e como artista teatral tenho acompanhado a emergência de
diversos estudos e práticas que tratam do corpo do ator em cena. Um grande número de
artistas/ pedagogos se ocupando em como treinar o corpo do artista cênico, publicações
discutindo metodologias, quais seriam melhores para determinados fins. Identifico, hoje,
muitas vozes se proliferando a cerca de tal assunto. Identifico, inclusive, a minha voz no meio
desse emaranhado de vozes que discutem a importância de se pensar e praticar a formação do
corpo do ator. Nas escolas em que atuo como professora, sou responsável pelas disciplinas de
expressão corporal, ou seja, lido constantemente com o problema da formação do corpo do
ator e gostaria de pensar sobre isso de outra forma, sob outra perspectiva. Não me interessa
pensar em fazer um tipo de pesquisa que proponha uma nova metodologia de treinamento do
corpo, e nem estudar uma metodologia existente e aplicá-la em junção com outras correntes
de pensamento. Não se trata de fazer a história da formação do corpo do ator, e sim, fazer
história do que tornou/torna necessária a formação corporal do artista teatral. Dessa forma,
acredito que possamos colocar em debate as relações entre o corpo e os mecanismos de poder
que o investem, e como a “presença do corpo do ator” faz parte, em seu aparecimento,
desenvolvimento e nos discursos teatrais que a suportam, da história política do corpo. Na
metade do século XX, o ator João Caetano encaminha para a câmara um requerimento
revogando meios para abrir uma escola de artes dramáticas. Seria o primeiro plano
pedagógico de ensino do teatro no país. Em grau de importância, ele elenca os seguintes
conteúdos necessários para a formação do ator: 1. Recta Pronúncia: se baseava no ensino da
gramática da língua portuguesa e forma correta da pronúncia brasileira; 2. História: antiga,

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medieval, moderna e brasileira; 2. Declamação: focada em interpretação de texto; 5. Esgrima:


“Para adestramento da arte teatral que incluísse o jogo das armas” (Carvalho,1989). Ora, o
assunto pedagógico se voltava mais à fala, à uma certa forma de falar; à uma certa erudição, e
por último, talvez, há algo que tange o corpo do ator para a cena: o conhecimento de esgrima,
única e exclusivamente para o ator conseguir manusear uma arma em cena. No fim da
primeira metade do século XIX, começam a surgir as primeiras escolas de formação de atores.
O que elas teriam a dizer sobre o corpo do ator? A formação corporal consistia na prática do
balé clássico, esgrima, subir e descer escadas, sentar e levantar de uma cadeira, abrir e fechar
portas (FARIA, 2013). São práticas que objetivavam a mecânica do corpo, no máximo a sua
flexibilização. Em 1948, ano de sua fundação, a Escola de Artes Dramáticas de São Paulo, por
exemplo, disponibilizava 153 horas para aulas de corpo, chamada de técnica corporal nos
primeiros anos e passando a ser chamada de ritmo nos anos seguintes. Em 1959, a carga
aumenta para 300 horas e passa a ser chamada de expressão corporal, entra para o conteúdo
escolar a matéria “mímica”. Em 1970, há uma mudança de perspectiva e o corpo começa a ser
visto como “parte integrante do processo de atuação” (FARIA, 2013), pois técnicas
contemporâneas começam a integrar os discursos e práticas pedagógicas das escolas,
principalmente as oriundas da educação somática. Vemos, então, o corpo do ator sendo
investido de novos saberes e tempo. Podemos fazer uma breve análise das mudanças de
sentido que investem o corpo do intérprete: como suporte para a voz de um poeta/texto -Sec
XIX; (BERTHOLD, 2004); como estrutura que abriga outro corpo ficcional, o da
personagem, que precisa ter um domínio praticamente mecânico de seu corpo - Sec XX
(BERTHOLD, 2004); como uma materialidade expressiva, expandida, produtora e
compositora da cena teatral - Sec XX e XXI (BONFITTO, 2013). Tratam-se de mudanças
bastante significativas no que se refere ao como o corpo do ator se construiu ao longo da
história. Desde uma época nada ou pouco se falava sobre o como este corpo deve se articular
para estar em cena, até o surgimento de saberes que investem o corpo e determinam a prática
e a formação do ator. Este projeto visa o estudo de tais mudanças dentro da perspectiva
metodológica arqueogenealógica (FOUCAULT, 2008) tal como propõe o pensador francês
Michel Foucault, isto é, o estudo da emergência e proveniência de conceitos ou noções. A
arqueogenealogia propõe um recuo histórico por parte do pesquisador, e com isso lançar
olhares sobre o presente sem instaurar palavras de ordem nesse presente, nem explicá-lo. No

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VII Seminário de Pesquisa em andamento, pretendo compartilhar o modo com o qual


pretendo abordar a noção de corpo do artista teatral. Entendendo a presença do corpo do
artista cênico como uma noção construída por práticas de governamentalidade, como um
acontecimento discursivo no interior das práticas cênicas. Pretendo abordar os aspectos da
arqueogenealogia e como pretendo aplicá-la ao desenvolvimento do projeto. Expor
brevemente a forma como dividi as fontes em 1. temática, 2. empíricas e 3. metodológicas.
Sendo a primeira composta por pesquisas recentes realizadas sobre o tema do corpo do ator, e/
ou formação do artista teatral para situar o campo conceitual. A segunda, formada por
documentos sobre o que foi dito e falado sobre o tema em periódicos das artes cênicas, tais
como a revista SBAT, Tablado, Sala Preta e Revista Brasileira de Estudos da Presença, e pelas
ementas das disciplinas corporais da Escola de Arte Dramática de São Paulo e do curso de
graduação em Artes Cênicas. A fonte metodológica sendo o estudo da perspectiva
arqueogenealógica de Michel Foucault através de seus escritos e pesquisas feitas por seus
estudiosos. Por fim, gostaria de traçar um relato sobre o que foi levantado pela pesquisa até o
presente momento, estando a aberta à trocas e ao diálogo com pesquisadores da área, para que
possamos estabelecer uma rede de pensamentos sobre o tema do corpo do artista em cena.

Referência bibliográficas

BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2004.

BONFITTO, Matteo. O ator compositor: As ações físicas como eixo: De Stanislávski a


Barba. São Paulo: Perspectiva, 2013.

CARVALHO, Enio. História e formação do ator. São Paulo: Ática, 1989.

FARIA, João Roberto. História do teatro brasileiro: volume II - do modernismo às


tendências contemporâneas. São Paulo: SESCSP, 2013.

FOUCAULT, Michel. Nietzsche, a Genealogia, a História. Ditos e escritos, volume II:


arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2008c.

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BARAFONDA: UM ESTUDO CRÍTICO À LUZ DA TEORIA DO ATOR REDE


Luiz Antonio Romboli Farina

Palavras-Chave
artes cênicas, antropologia, metodologia

Retorno ao ano de 2012 e à minha atuação como espectador do espetáculo Barafonda,


encenado pela Cia. São Jorge de Teatro e Variedades ao longo de quatro horas de itinerância
pelo bairro da Barra Funda. Nesse dia, ao chegar ao ponto de encontro, eu me deparo, logo no
início, com um acontecimento inusitado: acorrentado ao Elevado Presidente João Goulart,
anteriormente nomeado Elevado Presidente Costa e Silva e mais conhecido como Minhocão,
está o ator Rogério Tarifa, que interpreta o titã Prometeu. Eu começo, então, juntos aos
artistas, aos demais espectadores e mesmo aos muitos transeuntes descompromissados, uma
deriva conduzida pelas ruas, em que, ao contrário do cotidiano, tudo parece se apresentar a
mim de maneira singular e peculiarmente ordenada. Eu percebo com extraordinária clareza os
diversos sujeitos com os quais eu me encontro, assim como percebo suas respectivas ações: os
artistas, os espectadores, os transeuntes e, é claro, as diferentes formas presentes na própria
cidade, como as ruas, os postes, as placas e adesivos colados aos postes, as esquinas, os
estabelecimentos abertos e fechados; tudo, enfim, parece falar, mas não com uma única voz e,
sim, como uma multiplicidade de vozes que se encontra, nesse momento, agrupada. Neste
trabalho, pretendo utilizar esse relato, e a experiência que ele manifesta, como base para uma
reflexão acerca da complexa interação estabelecida entre o espetáculo e a cidade de São
Paulo. Para isso, tomo como base metodológica o amplo conjunto de premissas e de
instrumentos sugeridos por Bruno Latour em sua Teoria do Ator Rede (ANT) (LATOUR,
2012). Já na introdução de Jamais fomos modernos, o autor afirma a urgência de uma reforma
analítica da sociologia e da antropologia. Nesse momento, seu objetivo é a sugestão de uma
“antropologia simétrica”, que dissolva as rígidas oposições que considera constituintes do
pensamento moderno e de suas ciência e epistemologia. Dentre elas, humanos e não humanos,
natureza e cultura, ocidentais e não ocidentais (“nós e os outros”), local e global, entre outras
(LATOUR, 1994). Sua solução, então, estaria na compreensão das redes, mais tarde
concebidas como agrupamentos efêmeros e formados por uma série de atores híbridos e

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heterogêneos. Sob essa perspectiva, qualquer coisa que transforme determinada situação de
maneira perceptível é um ator, ou, se ainda não possuir figuração, um actante. A figuração é,
nesse caso, uma operação que atribui forma a um ator no contexto de sua atuação. Um ator-
rede, por fim, não é o disparador solitário de um ato e, sim, o ponto de confluência de um
conjunto de outros atores que, no momento estudado, enxameiam em sua direção. Em outras
palavras, suas ações nunca são somente suas. Pelo contrário, são resultado de um conjunto de
funções enoveladas e atualizadas que, para serem compreendidas, precisam ser
desemaranhadas. E é justamente esse o trabalho do analista: reconstruir, por meio de
procedimentos interpretativos, as diversas associações implícitas e explícitas que constituem
uma dada situação (LATOUR, 2012). Nesse processo, a utilização de técnicas oriundas da
semiótica, inclusive de suas vertentes literárias, é fundamental. Com isso, é possível o
acompanhamento dos diversos atores, o entendimentos dos significados veiculados por eles e,
então, o estabelecimento de uma narrativa que compreenda suas ações. A interpretação é,
nesse sentido, uma maneira de entender o que está visível para, então, dar forma ao que não
está. Latour, afinal, enfatiza a todo o tempo a não separação entre os efeitos reais, coletivos e
discursivos derivados de cada ação. Tais efeitos, porém, muitas vezes não são declarados e
precisam ser explicitados por meio de ferramentas analíticas específicas. Daí a importância de
uma abordagem interpretativa capaz de identificar, contextualizar e significar os muitos atores
e ações (LATOUR, 1994 e 2012) Volto, então, à cena inicial de Barafonda, por considerá-la
uma potente metonímia do desenrolar da obra. Com isso, esclareço também, a metodologia
proposta, por meio de um breve exemplo de sua aplicação. Como dito, o que a princípio se vê
é um ator acorrentado ao Elevado Rapidamente, percebe-se que esse ator está representando
Prometeu, figura central da mitologia grega e, por consequência, personagem relevante do
imaginário ocidental. Esse conjunto já complexo de significados, partilhado ou não pelos
espectadores em sua totalidade, é, porém, apenas um ponto de partida. O que acontece, e o
que de fato importa, é a emergência de outros sentidos, inéditos, decorrentes da justaposição
radical de símbolos pertencentes a regimes muito distintos. Ou, para ser mais específico, é a
explicitação dos processos semânticos, coletivos e materiais subjacentes a cada um dos
muitos elementos. O Minhocão passa a ser visto como uma construção que não é feita
somente de pedra, mas também de trabalho e de dinheiro. Prometeu admite ser mito, além de
titã. Os artistas, os transeuntes e os espectadores reconhecem-se como o que são no momento

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em que estão: pessoas exercendo funções distintas, inclusive em termos econômicos, e


conectadas a toda uma gama de relações diversas. Postes de luz, anúncios, bancas de jornal,
faixas de pedestre, lombadas, rotatórias, bares, restaurantes e todos os demais elementos
pertencentes à antiga paisagem urbana deixam de ser elementos cenográficos para tornarem-
se, enfim, atores. E, nesse processo particular de agência, esses novos sujeitos explicitam
aquilo que normalmente escondem e que lhes confere, como singularidades e como grupo, o
caráter de uma verdadeira multidão de atores e de actantes. O espetáculo, assim, assume a
descrita condição de ator-rede, ao mobilizar toda uma gama de atores variados, que
contemplam até mesmo a própria cidade. Minha pesquisa encontra-se, neste momento,
precisamente no entendimento e no desenvolvimento da metodologia escolhida. Seu
propósito, em termos mais amplos, é a transposição das ideias de Latour para o contexto da
crítica teatral. Com essa operação, pretendo chegar a um conjunto de instrumentos que
permitam a compreensão dos diversos sujeitos que compõem um espetáculo nos instantes de
sua atualização. Almejo, mais adiante, discorrer também sobre as potenciais consequências
políticas dessa compreensão no contexto teatral e questionar o papel que o teatro pode hoje
exercer na explicitação das diversas redes que continuamente se formam e se dissolvem no
cotidiano. Sua eficácia, nesse sentido, talvez esteja justamente na possibilidade de desvendar
determinadas figurações e de, com isso, exemplificar o exercício de seu esclarecimento.
Como sugere Giorgio Agamben, ao discorrer sobre a poesia e sobre o conceito de
contemporâneo, manter o olhar fixo em seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas, sim,
o escuro (AGAMBEN, 2009).

Referências bibliográficas

LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. São Paulo: Editora 34, 1994.

______. Reagregando o social: uma introdução à teoria do Ator-Rede. Salvador-Bauru:


EDUFBA-EDUSC, 2012.

AGAMBEM, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009.

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UMA REVISÃO EM DESENVOLVIMENTO: TEATRO E DRAMATURGIA NA


PRIMEIRA REPÚBLICA
Phelippe Celestino

Palavras-Chave
história do teatro brasileiro, Primeira República, dramaturgia, função dramaturgo

Minha pesquisa tem buscado, basicamente, compreender a função dramaturgo no


teatro brasileiro da Primeira República. Entendo por função dramaturgo todo um conjunto de
ações que dão origem ao modo de produção artística pelo qual o escritor de textos para a cena
desenvolve seu trabalho criativo. Essas ações, por sua vez, compreendem as relações
objetivas que esse sujeito estabelece com o campo artístico, social e político. Na
contemporaneidade, a especificidade da escrita dramatúrgica é um elemento fundamental
responsável por definir a função do sujeito que escreve para a cena e com a cena.
Desvencilhado de questões propriamente literárias ou de cunho estritamente estético, o sujeito
dramaturgo se posiciona no campo teatral a partir da capacidade que ele tem de articular os
códigos e as convenções que dão origem às dinâmicas próprias e aos objetivos das diversas
materialidades cênicas que lhe são contemporâneas. No teatro brasileiro, pode-se dizer que
esta imersão do dramaturgo na cena ocorre em meados da década de 60, com os experimentos
da criação coletiva, potencializando-se à medida que se despontava a criação colaborativa.
Depois que estas transformações ocorreram, as suas características principais permaneceram:
uma dramaturgia porosa, dada a irrupção de elementos “não-textuais”; precária, devido ao seu
caráter instável, sujeita a constante modificações; e democrática, graças à horizontalidade nas
funções criativas estimulada pelos movimentos de coletivização da prática teatral. Todavia, a
função dramaturgo não se apresentou sempre dessa maneira ao longo de toda a história do
teatro do século XX no Brasil. No século XIX, talvez com exceção de alguns, como Martins
Pena – que segundo José Veríssimo (sem saber talvez a dimensão da afirmação), era “senão
isto, escritor de teatro”, “que sabe imaginar ou arranjar uma peça, combinar as cenas, dispor
os efeitos, travar o diálogo, e tem essa espécie de observação fácil, elementar, corriqueira e
superficial” (1998, p. 361) –, os outros homens de letras que escreviam para a cena exerciam
tal função a partir do seu ponto de vista restrito, do campo estritamente literário. No caso das

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criações românticas de Gonçalves de Magalhães voltadas para o teatro, pode-se falar ainda de
uma vinculação indireta com o campo social, pois é fato que o autor almejava um alcance
simbólico na imaginação da sociedade recém-independente. Talvez o mesmo se possa dizer da
comédia realista de José de Alencar. Mas essas aproximações com o campo social e o campo
de poder se davam mais pelo caráter estético do movimento que militavam do que
necessariamente por meio de uma ação que desejasse se relacionar objetivamente com a
prática teatral em si. Avançando para o meio do XIX, veremos que quando se trata dos
homens de letras que escreviam peças teatrais, as suas criações não transcendiam o âmbito
literário de uma dramaturgia. Mesmo que muitos deles tenham escrito poderosas críticas
sobre o teatro e a sociedade, seus argumentos não invadem a materialidade cênica
propriamente dita, aspecto necessário para compor o conjunto de ações da função dramaturgo.
Ou seja, as intenções destes homens de letras quando escreviam para e sobre o teatro era a de
intervir no gosto literário, em instâncias que dizem respeito ao juízo de valor de uma obra
literária – e não se pode pautar isso em juízo do autor, pois estavam em harmonia com o seu
tempo. Sendo assim, pouco ou quase nada se detinham na especificidade da cena, da dinâmica
teatral propriamente dita. Caminhando para as décadas finais do XIX, verifica-se uma guinada
do escritor literário para a materialidade cênica. As experiências que compunham o repertório
que ficou conhecido como teatro ligeiro certamente tinham relações intrínsecas com o avanço
do texto sobre o palco. Apesar de todo esse envolvimento notável dos escritores ligeiros com
a prática teatral, arrisco dizer que suas ações não se vinculam ainda àquelas que compõem um
conjunto maior de ações pautadas em relações de ordem objetiva com o campo social, político
e artístico do momento. É certo que essas criações são, em sua maioria, uma crônica e retrato
fiéis de uma época, abarcando uma grande maioria de eventos, situações e episódios da vida
nacional. Porém, em que medida se pode dizer que tais criações se relacionavam num âmbito
de objetividade com a vida social, política e artística daquele momento, intervindo assim na
discussão sobre o teatro e a sociedade? Por outro lado, como se dava a participação de alguns
outros homens de letras que escreviam para o teatro na Primeira República? Estaria ali a
gênese da função dramaturgo tal como a compreendemos hoje? Nosso foco incide sobre as
posturas e as tomadas de decisão que esses autores estabeleceram diante da posição que
ocupavam no campo literário, a partir dos possíveis que lhes foram apresentados. Esses
aspectos serão fundamentais para definir o que denomino como função dramaturgo.

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Chegando ao ponto central da pesquisa, observa-se que no início do século XX houve uma
movimentação intelectual e artística que confrontou as ideias e a hegemonia dicotômica que
vinha sendo desempenhada de um lado pelo teatro ligeiro, e no outro pelo repertório clássico
das companhias estrangeiras. Marcado por uma forte tendência idealístico-simbolista, esse
teatro da Primeira República foi sentenciado pela tradição como um teatro da decadência.
Esse veredicto, entretanto, sustenta-se em uma percepção intelectualmente equivocada,
baseada em pressupostos de análise comparativa que por sua vez não se pautam em nenhum
momento sobre o caso específico do teatro brasileiro. Estimulados pela máxima da renovação,
da originalidade e da atualização estética, esses críticos e historiadores buscaram na cena
nacional experiências equivalentes às que se desenvolviam simultaneamente na Europa. Não
se atentaram em perceber, estimular e analisar de maneira singular uma vertente teatral
atuante na cena nacional, que produzia textos e representações, e que se apresentava enquanto
alternativa ao teatro ligeiro e ao teatro de repertório clássico das companhias estrangeiras.
Assim, durante décadas negligenciaram-se experiências que posteriormente se mostrariam
fundamentais para consolidação da prática teatral moderna no Brasil. De fato, o objetivo mais
pulsante dessas obras era o de renovar a cena nacional pelo viés do teatro dito “sério”. Se à
época lhe foram imputadas um olhar de soberania em relação ao gênero ligeiro somente pelo
simples fato de serem “sérias”, isso mais as prejudicou do que as ajudou, pois uma vez
consideradas “sérias”, o que significava dizer “literárias”, a crítica observava-as estritamente
pelo aspecto literário, negligenciando com isso as suas potencialidades cênicas. Portanto, a
nossa justificativa se estrutura a partir da necessidade de reelaboração crítica e histórica das
contribuições de alguns dramaturgos brasileiros que escreveram para a cena nas três primeiras
décadas do século XX. Mais especificamente, aqueles que se opunham ao teatro cômico-
musicado e desejavam uma ampliação do horizonte teatral. A intenção, todavia, não vai de
encontro ao desejo de consagração desses autores, mas sim na tentativa de reavaliar suas
produções, a fim de reconsiderar o papel que atualmente ocupam na história do teatro
brasileiro.

Referências bibliográficas

VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira: de Bento Teixeira (1601) a


Machado de Assis (1908). Rio de Janeiro: Topbooks, 1998.

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“FALTA JOGAR”: INVESTIGAÇÕES INICIAIS SOBRE A UTILIZAÇÃO DO


VOCÁBULO “JOGO” NA PRÁTICA CÊNICA
Henrique Bezerra De Souza

Palavras-Chave
ensino, formação do ator, jogo

A presente comunicação visa investigar a trajetória e presença do vocábulo “jogo” nos


discursos sobre a prática cênica. Afinal, o que se pretende afirmar quando se diz que um ator
tem ou não tem “jogo”? Tal proposta é um fragmento de uma pesquisa de doutorado, ainda
em andamento, que analisa as influências do jogo na formação de artistas no ensino superior
de licenciatura e bacharelado em teatro. No atual estágio, a comunicação desenvolve uma
investigação da literatura do conceito e se limita a apontar os indícios e possíveis motivos
para apropriação do termo na formação de atores, bem como sua influência na criação de
metodologias de ensino. A inquietação inicial deste estudo parte do uso diversificado e
recorrente que o vocábulo “jogo” assume nos discursos sobre a formação artística. Para iniciar
as investigações, tomo como ponto de partida os escritos de Colas Duflo (1999). Em uma
tentativa de mapeamento do conceito, o pesquisador aponta uma trajetória do pensamento
sobre o jogo. De acordo com ele, inicialmente a discussão sobre o jogo centrava-se no seu
aspecto moral, visto o mesmo estar constantemente associado a um caráter “recreativo”, um
repouso das atividades e uma busca pelo prazer. Nesta ótica, a discussão enfocava os aspectos
éticos do excesso de jogo. Todavia, ainda de acordo com o autor, o pensamento sobre o termo
era justificado devido a sua associação com a ideia de aprendizagem e, a partir do momento
em que esta funcionalização do conceito passa a ser evidenciada, a investigação sobre o jogo
passa a migrar paulatinamente dos aspectos puramente morais e éticos para o campo
epistemológico. Nesta transição destaco o pensamento de Schiller (1991), pois, na visão do
filósofo, o estado lúdico é capaz de unificar o homem. Para Schiller o indivíduo vive uma
cisão entre os instintos naturais e sua construção moral ou da razão, divisão esta que ele
denomina em duas tendências: tendência sensível e tendência formal. Ocorre que, apesar do
pensamento schilleriano considerar esta cisão natural, também defende que o homem cindido
está fadado a um conflito trágico, visto ansiar pela totalidade, mas não conseguir atingi-la.

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Neste dilema, o filósofo aponta que o momento mais próximo desta totalidade está presente
no jogo, pois nele se lida ao mesmo tempo com as duas tendências, submetendo os próprios
instintos a regras livremente consentidas. Esta cooperação harmoniosa entre as duas
tendências carrega a possibilidade de gerar respostas e avanços inovadores para os desafios
postos em jogo. Este potencial para descobertas também é apontado por Huizinga (2010)
quando este fala sobre o “rasgo de intuição”. Para ele, o jogador descobre a solução para o
problema apresentado nas relações que estabelece durante o ato de jogar. A questão não é
sanada através de um encadeamento racional de informações, mas no ato, nas relações
estabelecidas com os parceiros no momento do jogo. Estes caminhos iniciais parecem apontar
os indícios para uma apropriação do termo pela prática cênica. Em jogo, supõe-se que o
jogador deva estar inteiro, receptivo e “poroso” para os eventuais desafios que possam surgir.
Traçando um paralelo com a ação performativa, pode-se entrever situação semelhante. Ora, na
dinâmica que o desafio gera para o artista, rapidamente ele deve criar uma solução com seus
parceiros de jogo – outros atores e eventuais espectadores – para responder a demanda
apresentada, quer esta seja desde uma reação a uma simples fala de um texto ou, até mesmo,
um imprevisto na situação cênica. A medida em que ele está aberto e receptivo para o que
ocorre, frequentemente diz-se que ele “tem jogo” e, em oposição, quando este artista está
fortemente agarrado a um roteiro previamente traçado e ignora as situações que surgem na
cena, comumente se afirma que ele “não joga”. Aqui o vocábulo jogo poderia então ser
traduzido em palavras como atenção, ação/reação, presença, e uma miríade de informações
que visam apontar um ator que esteja em relação direta com a cena. Não obstante, cada vez
mais estratégias presentes em ações cênicas contemporâneas tendem a romper com a
centralização em torno de uma fábula e buscam um rompimento com um cosmos fictício
fechado e unívoco. Em tais ações, a evidenciação da teatralidade da cena parece apresentar
características que em muito se aproximam de um jogo, pois, como aponta Josette Féral
(2004), estes encaminhamentos da prática cênica convidam o espectador para um duplo
processo, visto que ele não deve mais só receber a obra, mas construí-la conjuntamente com
os artistas, jogar com as regras que a dimensão estética lhe apresenta para significar e criar
um sentido próprio para aquilo que vê. As aproximações do vocábulo “jogo” não se detêm no
ato cênico, mas também permeiam o processo pedagógico no teatro. Se o jogo carrega o
potencial de trazer descobertas pessoais, “rasgos de intuição” para aqueles que dele

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participam, estas são características que passaram a ser buscadas cada vez mais na formação
de atores. Ora, como aponta Odette Aslan (1994), durante muito tempo a formação do artista
se baseava em copiar as ações e formas de um ator-professor considerado como mestre,
porém, os processos pedagógicos, principalmente os disparados por encenadores-pedagogos
como Stanislavski, Grotowski e Eugenio Barba, passaram a considerar cada vez mais a
subjetividade e descobertas pessoais dos participantes através de exercícios diversos. É
possível entrever tal processo até mesmo em uma perspectiva mais voltada diretamente para o
ensino, a exemplo, os jogos teatrais de Viola Spolin (2005). Neles se busca fazer com que os
participantes apreendam a linguagem teatral jogando, descobrindo respostas pessoais no
próprio corpo para os desafios que são lançados. Tais aproximações são apenas alguns dos
indícios, trilhas da presença do termo jogo no pensamento em teatro. No atual estágio da
pesquisa não busco traçar um mapeamento completo do conceito, mas, a partir das trilhas
apontadas, aprofundar a discussão e os impactos da presença do vocábulo na formação de
atores.

Referências bibliográficas

ASLAN, Odette. O ator no século XX. São Paulo: Perspectiva, 1994.

DUFLO, Colas. O jogo: de Pascal a Schiller. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

FÉRAL, Josette. Teatro, teoría y práctica: más allá de las fronteras. Buenos Aires:
Galerna, 2004.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo:
Perspectiva, 2010.

SCHILLER, Friederich. Cartas sobre a educação estética da humanidade. São Paulo:


EPU, 1991.

SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 2005.

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ROMANCE-EM-CENA: O ESPETÁCULO O QUE DIZ MOLERO ENTRE AS


ESCRITAS CÊNICA E ROMANESCA.
Daniele Lopes Dos Santos

Palavras-Chave
escrita cênica, romance em cena, teatro brasileiro

A dissertação, concluída em março de 2017, buscou analisar o romance-em-cena O


que diz Molero, a partir do viés da adaptação operada na transposição do romance para o
palco. Assim, considerou as mudanças de discurso do diretor Aderbal Freire-Filho, no sentido
de verificar que a transposição da literatura para a cena pressupõe uma grande adaptação de
linguagens, visto que, à data de estreia de O que Diz Molero, o encenador ainda considerava
que o romance encenado não sofria adaptações. A partir disto, foram selecionadas algumas
operações de adaptação feitas, previamente, no romance que dizem respeito a movimentos de
edição, reescrita, tradução e algumas inserções. Este recorte me permitiu compreender que, de
fato, há uma adaptação feita no romance, antecedendo a adaptação cênica, essa sim, intrínseca
à encenação. Posteriormente, foram analisados os movimentos de adaptação feitos na
transposição cênica do romance, relacionando-os com o conceito de teatralidade, já que se
mostra uma preocupação do encenador a “busca pela teatralidade do romance”. Neste sentido,
buscou-se estabelecer diálogo com autores como Josette Féral, Denis Guénoun e Patrice
Pavis, de modo a entender de que forma a escrita cênica do espetáculo ganha contornos anti-
ilusionistas, formadores da teatralidade do espetáculo, a partir do momento em que revela o
jogo cênico em sua estrutura. Assim, foram destacadas operações de adaptação cênica que dão
a ver as fricções entre palavra e imagem, revelando o caráter anti-ilusionista da encenação.
Estas operações foram verificadas a partir da comparação entre o romance original e o texto
amulhercariocado (assim denominado por Aderbal Freire-Filho) e o material videográfico.
Por fim, a análise das entrevistas sobre o processo de criação do espetáculo cedidas
gentilmente pelos atores Gillray Coutinho e Augusto Madeira, acompanhada de uma
observação atenta do material videográfico disponível, levou ao entendimento de que o ator é
elemento fundamental para a criação da dramaturgia da cena e para a deflagração do humor
no espetáculo. Esta afirmação está pautada nos discursos dos próprios atores entrevistados

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sobre o processo de criação do espetáculo, que explicitam a liberdade de criação e autonomia


no trabalho atoral, tal como a observação de alguns procedimentos cênicos nos quais o ator
está envolvido diretamente como agente criador. Destaca-se a composição vocal e corporal
das personagens, além do afinado trabalho com a narração do romance, acompanhado do
refinamento com o qual os atores trabalham os tempos e ritmos cômicos nas cenas do
espetáculo como um todo. No segundo momento, a pesquisa buscou compreender a escrita
cênica do espetáculo a partir do recorte sobre a sistematização do uso dos objetos em O que
diz Molero. Neste sentido, dedicou-se à análise das dimensões ficcionais propostas pelo
espetáculo e sua relação com o uso do espaço cênico, a fim de entender os diálogos
estabelecidos a partir do cruzamento destas dimensões, sobrepondo temporalidades. Neste
sentido, observa-se que a teatralidade do espetáculo também está relacionada às intersecções
que a cena cria, mas que a narrativa em nenhum momento propõe. Assim, desvenda-se o
trabalho de adaptação cênica da peça, entendendo-o como o mais radical e, talvez por isso, o
único que o encenador admite, de fato, ter feito. Além disto, sempre considerando as relações
que se estabelecem entre narrativa e cena, investigou-se o sistema de objetos do espetáculo,
procurando com isso dar a ver de que forma os usos do cenário móvel da peça eram
responsáveis pela evocação de lugares e imagens, revelando os usos metonímicos e
metafóricos dos objetos cênicos e sua importância na escrita cênica de O que diz Molero. Por
fim, mapeamos alguns dos objetos cênicos utilizados na composição de personagens e
procuramos entender sua função dentro da encenação, a partir da retomada de alguns
procedimentos analisados ao longo desta dissertação, agora, voltados mais especificamente
para a relação entre o ator e os objetos. Constatando, mais uma vez, que o uso dos objetos é
proposta basilar do espetáculo O que diz Molero e característica própria do mesmo, não
necessariamente se estendendo ao entendimento da proposta de todos os Romances-em-cena.

Referências bibliográficas

ARONSON, A. Olhando para o abismo. Trad. Lídia Kosovski. In: O Percevejo- Revista de
teatro, crítica e estética. V.8. Nº 1. 2016, p.149-171.

BRECHT, B. Estudos sobre teatro. 2ed. Trad. Fiama Paes Brandão. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2005.

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COSTA, F.S. O objeto e o teatro contemporâneo. In: Móin-Móin: Revista de estudos sobre
teatro de formas animadas. Ano 3, v.4, 2007.ISSN 1809-1385.Járaguá do Sul: SCAR/UDESC.

DIAS, J. G. Narrativas em cena: Aderbal Freire-Filho (Brasil) e João Brites (Portugal).


2015. Rio de Janeiro: Móbile, 2015.

DIEGUES, I. [conversa sobre os romances que levou para o palco]. Entrevista de Aderbal
Freire-Filho ao Jornal Plástico Bolha em novembro de 2006.

FÉRAL, J. Além dos Limites: teoria e prática do teatro. Trad. J. Guinsburg [et.al.]. São
Paulo: Editora Perspectiva, 2015.

GUÈNOUN, D. A exibição das palavras: uma ideia (política) do teatro. Trad. Fátima
Saadi. Rio de Janeiro: Teatro do Pequeno Gesto, 2003.

PAVIS, P. A encenação contemporânea. Trad. Nanci Fernandes. São Paulo: Editora


Perspectiva, 2013.

______. Dicionário de Teatro. Trad. sob a direção de J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira.
São Paulo: Editora Perspectiva, 1999.

______. A Análise dos Espetáculos: teatro, música, dança, dança-teatro, cinema. 2 ed.
Trad. Sérgio Sálvia Coelho. São Paulo: Editora Perspectiva, 2015.

SARRAZAC, J.P. O Futuro do Drama .1 ed. Porto: Campo das Letras, 2012.

______. A irrupção do romance no teatro. In: FOLHETIM. N ° 28. 2009, p 7-15.

MACHADO, D. O que diz Molero. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2004.

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FICÇÕES DE SI E AUTODESTRUIÇÃO COMO PRÁTICAS FORMATIVAS/


CRIATIVAS EM ATUAÇÃO
Renan Dias

Palavras-Chave
cartografia, corpo e subjetividade, pensamento contemporâneo, práticas formativas/criativas

Esta pesquisa de mestrado, todavia em andamento, elabora a possibilidade de conceber


processos formativos/criativos em atuação a partir da afirmação de “ficções de si”. Aqui,
entende-se como ficção todo acontecimento que se inscreve com aquilo que, em uma
realidade instituída, vibra de modo invisível, incompleto, obscuro, impreciso, confuso, aberto.
Em outras palavras, as ficções de si não se opõem a um “eu mais real”, que seria dado de
antemão, mas propõem modos de subjetivação que prescindem desta busca de/por um sujeito
verdadeiro e imutável. Nesse sentido, uma alternativa possível seria lançar-se a processos de
“autodestruição”, ou seja, deslocar-se até tais zonas obscuras e perigosas do corpo-
pensamento (que já nem chegam a ser próprias) e fortalecê-las, articulá-las contra o centro
que legitima uma subjetividade enrijecida e isolada. Na tentativa de falar a partir dessa
implosão dos fundamentos – que pode comprometer não apenas os limites do eu-atuante, mas
colocar em xeque a própria cena como fundo da atividade teatral –, talvez se consiga
inaugurar processos para desmoronar o poder do artista, a verticalidade do discurso, a
dependência das significações e os domínios da interpretação. É a partir da perspectiva da
Cartografia, sugerida pela filosofia de Gilles Deleuze e Félix Guattari, que a pesquisa se
move. Deslocado de uma abordagem historicista, o olhar cartográfico não toma o processo de
pesquisa como representação de um objeto a ser compreendido, mas consegue colocar numa
mesma paisagem dinâmica o pesquisador e seu percurso. Interessa, neste trabalho, a dimensão
do pesquisador que se vincula a conceitos e autores porque reconhece aí os caminhos que
apontam direções fora de si. O processo de pesquisa para a escrita do trabalho – num
desenvolvimento em que a linguagem, assim como o corpo marcado pela autoimunidade, se
volta contra si mesma – começou com a leitura de parte da bibliografia de Antonin Artaud,
com atenção depositada sobre o modo com que o autor, por meio de uma disputa urgente com
a medicina pelo termo “doença”, produziu deslocamentos de sentido sobre as noções de corpo

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e de ação. Entretanto, são as “ficções” de Artaud e os interesses autodestrutivos do


pesquisador que se cruzam e inauguram verdadeiros acampamentos ficcionais compartilhados
e abertos à criação. Os organizadores de “Linguagem e Vida” apresentam Artaud a partir de
uma explosão de categorias e identificam um movimento de refluxo ao longo de seu processo
de pensamento, que dirigiria de volta para si mesmo suas utopias em relação ao teatro
(FERNANDES; GUINSBURG In: ARTAUD, 2014). Talvez o grande legado de Artaud, do
qual este trabalho se serve, seja justamente a compreensão de que a impossibilidade de ação
começa nas representações biológicas/culturais/sociais replicadas na dimensão do corpo:
aparece aí um alvo para se atacar ou sobre o qual atuar neste desejo de livrar-se da “doença” e
criar resistência. Aquilo que muitos leitores de Artaud reconhecem como uma cena demasiado
utópica, uma teoria de atuação sem metodologia clara, é, para o pesquisador, um exemplo de
potência das ficções de si. Qual é nossa capacidade de atuar sobre as amplas estruturas sociais
que nos tira o potencial de invenção, compreendendo que elas podem estar replicadas em cada
nova estruturação (ainda que artística), assim como a carne que ainda não percebe em si
mesma as doenças do mundo? A trajetória artaudiana inspira esta pesquisa a pensar como, nas
palavras de Foucault, uma utopia situada nos próprios contornos que limitam um corpo social
pode fazer nascer um corpo que retorna seu poder utópico contra si, a fim de desequilibrar a
realidade que dá sustentação aos poderes (FOUCAULT, 2013). Além de Artaud, Foucault,
Deleuze e Guattari, ajudam a criar essa paisagem ao longo do trabalho, entre outros, Friedrich
Nietzsche e Jerzy Grotowski, dialogando com palavras que performam nos textos produzidos
por esta pesquisa até o momento. O próprio teatro passa a ser, aqui, uma palavra de
significados provisórios. Abordam-se as noções de “corpo sem órgãos”, anunciada por Artaud
e tomada pela filosofia deleuziana como um processo experimental de si mesmo (DELEUZE
& GUATTARI, 1996), além das perspectivas do “rizoma” e do “sem-fundo” (DELEUZE &
GUATTARI, 2014); as noções de esgotamento e dessubjetivação (PELBART, 2013); a
abordagem sobre a questão do ressentimento e sua possibilidade de cura no processo de
alguém “tornar-se o que é” (NIETZSCHE, 2008); “vigilância” (FOUCAULT, 2009) e
“cuidado de si” (FOUCAULT, 1985); “transe” e “transfiguração” (GROTOWSKI, 2013). Esta
pesquisa está atravessada pela parceria com a pesquisadora Karina Acosta, psicóloga que
desenvolve trabalhos junto ao Núcleo de Subjetividade da PUC/SP. A dissertação em curso

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compõe com uma série de reflexões produzidas, nesta parceria, sobre práticas de comunidade,
testemunho e criação.

Referências bibliográficas

ARTAUD, Antonin. Linguagem e vida. 2.ed. São Paulo: Perspectiva, 2014.

______. Oeuvres. Paris: Quarto Gallimard, 2004.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka: Por uma literatura menor. Belo Horizonte:
Autêntica, 2014.

______. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol.3. São Paulo: Ed. 34, 1996.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 3: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Edições


Graal, 1985.

______. O corpo utópico, as heterotopias. São Paulo: n-1 Edições, 2013.

______. Vigiar e Punir. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

GROTOWSKI, Jerzy. Para um teatro pobre. 3 ed. Brasília: Teatro Caleidoscópio; Editora
Dulcina, 2013.

NIETZSCHE, Friedrich. Ecce homo: como alguém se torna o que é. São Paulo: Companhia
das Letras, 2008.

PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; TEDESCO, Silvia. Pistas do método da


cartografia. V. 2. Porto Alegre: Sulina, 2014.

PELBART, Peter Pál. O avesso do niilismo: cartografias do esgotamento. São Paulo: n- 1


Edições, 2013.

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TEATRALIDADE DA MORTE - IMAGENS ENCARNADAS


Clarissa Moser

Palavras-Chave
imagem, memória, morte

O estudo se orienta a partir da temática da morte. Pois a morte carrega consigo o


princípio da transformação, age sobre o corpo, lida com mistérios, aciona simbologias,
permite elucubrações e rasga de forma irremediável o cotidiano, seus padrões e normas.
Investiga-se contribuições deste universo para os processos de criação do ator: o diálogo com
as imagens da memória e sua transposição para a realidade da cena. Para tal fim a pesquisa se
detém na obra Tadeusz Kantor e Tatsumi Hijikata, artistas que viveram um contexto pós
guerra, fortaleceram seus processos criativos a partir do contato com a morte, transformaram
material autobiográfico em expressão artística e buscaram explorar o corpo em cena através
de uma teatralidade. Tadeusz Kantor comenta que a vida somente pode ser expressa na arte
pela ausência de vida e pela referência a morte. O ritual de convocação dos mortos faz os
pais, avós, tios e tias, há muito tempo desaparecidos, surgirem no palco. A memória é de onde
ele parte para agir neste quarto da imaginação: uma espécie de lugar isolado, onde se pode
exercer um questionamento fundamental sobre si mesmo através da encenação no espaço.
Kantor passou por duas guerras mundiais em uma Polônia constantemente invadida, quando
criança seu pai foi chamado para o exército e nunca mais voltou. Conviveu e observou a
morte de perto. Artista plástico, identificado com os dadaístas e os happenings, Kantor
comenta que decidiu viver e se mover no palco, trouxe para dentro dele sua cama, sua mesa,
suas pinturas, e chama este espaço de pobre e pequeno quarto da imaginação (Kantor: 1991) A
criação destes espaços simbólicos, seus objetos e suas lógicas de funcionamento, os quais
Kantor explora e manipula, servem como forma do artista acessar e se relacionar com um
imaginário que lhe faz sentido. Kantor ao lidar com questões autobiográficas conseguiu fazer
uma alegoria da Europa, dilacerada por conflitos perpétuos. Pós bomba atômica, Hijikata nos
convida a pensar no cadáver em degradação, nos processos de deterioração do corpo sob ação
da natureza, quando a vida dá lugar a uma outra vida. Esta ideia do que vive e acontece depois
da morte é muito interessante para pensar processos. Em tempos em que o imediato rege as

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leis da vida, é significativo se atentar a este subterrâneo em que as coisas não se resolvem por
um passe de mágica, onde, por mais que evitemos, nos vemos convivendo com o indigesto,
com algo que dói. A morte de algo instaura um convívio extremamente vivo com a mesma,
um processo de transformação evidente e profundo. Se ao invés do corpo em decomposição
pensarmos nas folhas de uma árvore, basta se sentar em um quintal para observar a riqueza
desta transformação: convivem no mesmo chão, uma folha verde, outra já amarelada, a
marrom e aquela que já é apenas a estrutura. Tatsumi Hijikata criou o Butoh. O Butoh é sobre
capturar os espíritos no intervalo Ma. O corpo morto escuta a si e ao universo a sua volta. É
um instrumento atento, perceptivo. Uma caixa de ressonância: recebe “informação” como
uma “antena” e a devolve em forma de movimento e imagem. Os processos e imagens
nascidas nas células do corpo lhe interessam, assim como os espíritos que se expressam
através dele. Grande parte da tradição teatral japonesa, da qual o Butoh é um desdobramento,
se baseia em espíritos que encontram um corpo para contar e entender suas histórias. Como
acessar e selecionar este material autobiográfico e transpô-lo a materialidade da cena torna-se
uma pergunta fundamental a esta pesquisa. Investigo duas possibilidade, em uma busco, a
partir do meu corpo, criar imagens e colocar as imagens que me habitam no espaço em um
constante fluxo de afetar e se deixar ser afetado por elas e para isso busco dialogar com
Hijikata, com o universo da dança, dos espíritos e do Butoh. Na outra vejo corpos com
elementos de rigidez que se aproximam do tipo, do universo cômico e observo como Tadeusz
Kantor coloca o seu imaginário no espaço, orientando os atores para que eles façam as coisas
de acordo com suas lógicas: cada um deles age e se comporta conforme suas próprias
experiências pessoais. Jacques Copeau diz que para o ator, doar-se é tudo. E para doar-se, é
preciso antes possuir-se. O ator ganha potência quando confia na particularidade de suas
ações, quando estas fazem sentido para ele. Neste diálogo com a morte inspiro-me na festa
que os mexicanos fazem no Dia dos Mortos, em suas caveiras enfeitadas e coloridas, no fato
deles irem ao cemitério conversar com seus entes queridos, levarem comidas e colocarem
músicas de forma prazenteira. Vejo também o alerta que os Krahô (CUNHA: 1978) me dão ao
dizer, tome cuidado com a conversa que você estabelece com seus mortos, pois eles podem
estar querendo te levar com eles. A partir disto estou buscando não evitar algo que me dilacera
e transforma, pois acredito que só dialogando com a morte eu posso estar viva, porém quero
desvendar quais os meios e caminhos pelos quais eu posso travar este contato e criar a partir

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dele. Durante todo o processo prático como teórico, buscarei ir registrando esta trajetória
através da escrita bem como desenhos, fotos, vídeos, documentando todo este processo de
investigação, assim, a análise dos resultados será feita a partir da sistematização de toda a
experiência. Viso com isto compreender e melhorar a prática, extrair seus ensinamentos e
compartilhá-los. A partir deste conhecimentos e reflexões pretende-se arriscar procedimentos
a serem utilizados na formação do ator que aliem princípios técnicos com o imaginário
relacionado ao tema. Gostaria de construir um lugar onde o ator possa refletir sobre seu
trabalho, sobre as possibilidades de evidenciar o imaginário no corpo e pensar como (e se) a
temática da morte pode interferir nos seus processos de criação.

Referências bibliográficas

COPEAU, Jacques Registres I - Appels. Tradução de Roberto Mallet. Éditions Gallimard,


Paris, 1974

CUNHA, Manuela C. Os Mortos e os Outros. Editora Hucitec. São Paulo, 1978.

KOBIALKA, M. A journey through other spaces. Essays and manifestos, 1944- 1990 –
Tadeusz Kantor. Los Angeles: University of California Press, Ltd. 1993.

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ARTICULAÇÕES ENTRE A PEDAGOGIA DO TEATRO E A FORMAÇÃO DO


ATOR NA EXPERIÊNCIA TEATRAL “A MULHER-ALVO”
Melissa Da Silva Ferreira

Palavras-Chave
experiência, formação do ator, pedagogia do teatro

A experiência teatral “A mulher-alvo” foi realizada com crianças de quatro a oito anos
da Escola Municipal Monsenhor João Castilho Barbosa e atores, atrizes e performers da
cidade de Ouro Preto (MG). Inspirada no texto A mulher-alvo e seus dez amantes de Matéi
Visniec, a experiência foi desenvolvida como parte do projeto “Teatro contemporâneo e
infância”. O projeto está inserido no âmbito da pesquisa de pós-doutorado “Pedagogia do ator,
teatro contemporâneo e infância: a prática como produtora de conhecimento”, desenvolvida
no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal de Ouro Preto, e
tem como foco a proposição da prática artística como pesquisa em uma série de experimentos
cênicos que estimulam parcerias entre atrizes, atores, performers e crianças. O objetivo
central destes experimentos é a articulação de diferentes esferas do fazer teatral: a formação
do ator, a pedagogia do teatro e a criação artística. As ações artísticas realizadas no projeto
operam como processos de investigação e formação para atores, atrizes e performers e, ao
mesmo tempo, proporcionam às crianças experiências nas quais elas podem se apropriar da
linguagem teatral por meio da interação direta com contextos ficcionais que têm ressonância
com suas próprias realidades sócio-étnico-culturais. Os experimentos são criados pelos
artistas como estruturas em potencial que se concretizam com a participação ativa das
crianças. As crianças são iniciadas na arte teatral por meio da vivência direta da cena, da
ritualização e do jogo. As convenções do teatro são apreendidas na interação com os seres
ficcionais, nas tomadas de decisões em situações e desafios dados pelo contexto da ficção e na
atuação de papeis. Os modos de ser, de estar e de agir da criança, a capacidade de “entrar no
jogo”, de perceber o mundo com os todos os sentidos da percepção, de transitar naturalmente
entre a ficção e o real, servem de guia para as ações de performes. O caráter pedagógico das
ações se dá, tanto para adultos quanto para crianças, na (e pela) experiência do próprio fazer
teatral. Apoiada em avaliações das experiências anteriores, o processo de “A mulher-alvo”, a

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terceira ação do projeto, partiu de algumas diretrizes. Da mesma forma que nas primeiras duas
ações, o experimento cênico se deu em quatro encontros que foram precedidos por um
processo de duas semanas de preparação de uma estrutura (em potencial) pelos adultos a
partir do texto de referência A mulher-alvo e seus dez amantes. O processo de “A mulher-
alvo”, porém, envolveu também encontros laboratoriais para a prática de técnicas da mimesis
corpórea e da arte da bufonaria com o objetivo de potencializar a investigação dos atores e das
atrizes. Os laboratórios permitiram que os atores explorassem as pistas dadas pela
dramaturgia para a composição de seres ficcionais que, posteriormente, foram corporificados
de forma fluida e gradual na interação com as crianças. Outra decisão tomada a partir de
olhares críticos às experiências anteriores, foi a busca por extrapolar o território da Escola
Municipal Monsenhor João Castilho Barbosa, que é a instituição sede do projeto, para ocupar
espaços que pertencem ao cotidiano das crianças, como o bairro da escola, e outros espaços
que, por questões socio-econômicas e culturais, são pouco acessíveis às crianças, como o
Teatro Municipal Casa da Ópera, a Tenda do Circo da Estação e o Centro de Artes e
Convenções da UFOP. A interação com tais espaços ampliou e aprofundou as camadas de
significação da experiência na medida em que gerou tensões entre os sentidos dados pelos
estímulos dramatúrgicos articulados no contexto ficcional e a materialidade dos lugares, das
pessoas e das situações do cotidiano da cidade. A escolha de um texto dramatúrgico
contemporâneo que não foi escrito para o público infantil também foi uma decisão baseada
nas experiências anteriores e partiu da necessidade de que o processo estivesse mais focado na
exploração das possibilidades cênicas e performativas do que na narrativa e nos conteúdos
(didáticos e moralizantes) da fábula. O projeto busca explorar diferentes perspectivas da
criação artística, da formação do ator e da pedagogia do teatro e busca positivar os
conhecimentos e os modos de produção de cultura que as crianças trazem para as relações de
parceria que se estabelecem entre elas e os adultos. Por ter um caráter de pesquisa em
andamento, cada ação artística provoca uma série de reflexões a respeito das concepções de
infância que emergem das formas de ensinar e de fazer arte com crianças. Como grande parte
dos atores, atrizes e performers envolvidos nas ações também são professores e professoras de
teatro, o projeto busca estimular reflexões crítica sobre questões artísticas e pedagógicas que
surgem da própria prática, como as metodologias do ensino das artes cênicas, as formas de
atuar com e para a criança e os automatismos resultantes de visões adultocêntricas de arte e de

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infância que acabam se manifestando na relação com as crianças. Desde 2015, o projeto
envolveu cerca de cinquenta crianças de quatro a oito anos, professoras, estagiários e
funcionários da escola e mais de vinte performers da cidade de Ouro Preto. Como forma de
aprofundamento do trabalho e impacto na vida das crianças e dos performers, optou-se por
manter as ações com as mesmas crianças por todo o período do projeto. Já é possível afirmar,
porém, que a presença marcante dos artistas na escola, impacta toda a comunidade escolar. As
cenas, performances e dramatizações, que ocorrem em vários espaços da instituição,
estimulam reflexões quem tocam em questões sociais, raciais e de gênero. As ações também
abrem na escola um importante espaço de reflexão sobre as formas de fazer e de ensinar arte
para crianças.

Referências bibliográficas

DESGRANGES, Flávio. A arte como experiência da arte. In: Lamparina. Revista de Ensino
de Teatro – EBA/UFMG. Belo Horizonte, v.1, n. 1, p. 50-56, 2010.

FERREIRA, Melissa da Silva. Isto não é um ator. O teatro da Socìetas Raffaello Sanzio.
São Paulo: Editora Perspectiva, 2016.

MARINO, Massimo. Il metodo errante di Chiara Guidi. In: Doppiozero, abr. 2014.
Disponível em: < http://www.doppiozero.com/materiali/scene/il-metodo-errante-di-chiara-
guidi> Acesso em: 03 abr. 2014.

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AS MÚLTIPLAS FORMAS DA GRAVIDADE EM UM PROCESSO CRIATIVO COM


A PAREDE
Carolina Laranjeira, Candice Didonet

Palavras-Chave
processo criativo em dança, gravidade, estados corporais

Este trabalho busca compartilhar reflexões sobre a experiência da gravidade em um


processo criativo ancorado em investigações corporais emergentes da relação entre imagens e
estados do corpo, permeado pela experiência urbana. Interessa-nos aqui elaborar uma
narrativa que transite entre a descrição e a reflexão focada em procedimentos criativos até o
momento explorados. A pesquisa se iniciou pela prática, pelo desejo de mover ideias, sobre/
no/com o mundo, impulsionada pela provocação de pesquisarmos a relação entre espaço,
presença e imagem. A proposta vinha ao encontro da necessidade de darmos continuidade às
pesquisas artísticas anteriores, com estados corporais (LARANJEIRA, 2015) e espacialidade
(DIDONET, 2011). Assim, identificada com a formulação do que seria uma pesquisa
performativa (HASEMAN, 2006), os laboratórios corporais foram iniciados. Partimos da
proposição de explorar movimentos na parede em relação a algumas imagens fotográficas.
Num segundo momento, nos deparamos com a necessidade de abordarmos questões sobre a
cidade, suas contradições, assimetrias sociais e poesia, percebidas cotidianamente nos nossos
percursos diários. Como se a cidade nos impelisse a entrar na pesquisa, realizamos derivas e
percursos nas proximidades de nossas casas, quando produzimos fotografias com as quais
trabalhamos em sala. As experimentações emergem da relação entre imagens e corpos na
parede sendo as imagens projetadas, imaginadas ou evocadas por memórias corporais e o
acionamento de estados. A parede sugere um tipo de tônus que estabelece imagens no corpo e
é justamente na relação entre imagens vivenciadas (nas errâncias) e imagens projetadas
(fotográficas ou corporificadas) que a exploração corporal se dá. A relação entre imagens e
estados corporais discutida na neurociência (DAMÁSIO, 2004) e na dança (GODARD, 1995)
são tomadas como referência. Entretanto, neste momento, somos impulsionadas pelas
seguintes questões: como a visualidade das imagens fotográficas ganham corpo, ou ressoam
(NANCY, 2015)? Como dançar essas imagens podem embaralhar os regimes cognitivos e

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sensoriais estabelecidos (RANCIÈRE, 2015)? Além disso, as questões emergentes no trabalho


corporal apontam para uma perspectiva específica sobre o trabalho com a gravidade. Para
entendermos este último aspecto é preciso descrever alguns procedimentos elaborados e
sistematizados ao longo do processo. O trabalho com os estados caracteriza-se por se
relacionar diretamente com a emergência de imagens mas também, por modulações tônicas
surgidas pela atenção voltada às qualidades sensórias do movimento. A motricidade importa
se combinada com o aspecto sensitivo do movimento, implicando em um trabalho com a
percepção que se dá sobre o próprio corpo, o corpo do outro, o espaço e as imagens. Nesse
sentido trata-se de um trabalho de gerenciamento da gravidade. A experimentação do apoio
ativo (MILLER, 2012), utilizado inicialmente como preparação, vem se reconfigurando
enquanto dispositivo criativo. Por meio dele, abre-se uma relação de reciprocidade e afeto
entre o corpo e o chão; estabelece-se uma percepção mais acurada da gravidade ao trabalhar a
ação de ceder e empurrar; exercita-se a soltura do peso da estrutura muscular e óssea
permitindo a criação de espaços articulares; trabalha-se a improvisação a partir de
movimentações autogeradas por meio de um fluxo contínuo e criativo. Ao desdobrarmos esse
exercício, incluímos o olhar como um outro ponto de apoio, o que nos levou a: variar suas
qualidades; descobrir novas relações espaciais e com os outros dançarinos; além de perceber
como ele reverbera na movimentação e nos estados do corpo. Os trabalhos com os apoios, são
antecedidos por práticas de toque com as mãos e exercícios com os olhos. Os primeiros são
conduzidos por diferentes imagens, que possibilitam maneiras distintas de estimular pele,
ossos e músculos. Foram experimentadas as instruções de ceder o peso para quem toca e
quem é tocado (AGNEESSENS; TAHATA, 2012), assim como deixar cair e pousar as partes
tocadas e permitir a reverberação desta sensação no sentido de ampliação do espaço corporal.
Por meio da movimentação gerada pela pressão de pontos de apoio no chão e no espaço,
incluindo as pessoas, alcançamos a parede. Sua materialidade nos impõe a força do concreto,
texturas ásperas, rugosas, temperaturas mais frias, gerando estados específicos em negociação
constante com a gravidade. A direcionalidade - enquanto o sentido de cair em qualquer
direção (MCHOSE, 2017), é experimentada de forma onidirecional. Ao ponto de
percebermos, por vezes, a parede se tornar chão e o contorno corporal, sem o apoio da parede,
expandir. Ao mesmo tempo, a parede é suporte para as projeções, e a entendemos como
superfície e fundo de imagens. Os trabalhos nos possibilitam entrar em sintonia com nós

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mesmos e com os parceiros, por meio da qual estados de ressonância são gerados
impulsionando as improvisações. Os resultados alcançados dizem respeito a uma metodologia
de trabalho criativo ainda em processo e discussões e reflexões teórico-práticas em vias de
sistematização. Este processo prevê ainda resultados performados, que será primeiramente em
um formato de instalação.

Referências bibliográficas

AGNEESSENS, Carol; TAHATA, Hiroyoshi. Yielding: Engaging Touch, Presence, and the
Physiology of Wholeness. Structural Integration: The Journal of the Rolf Institute. 40(1):
10-16. Jun. 2012.

DAMÁSIO, Antònio R. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São


Paulo: Companhia das Letras, 1996.

DIDONET, Candice. Espacialidades em Danças Contemporâneas: reflexões a partir da


obra The Defenders Part 2, da série Choreographic Objects de William Forsythe. Anais
do 2º Encontro Nacional de Pesquisadores de Dança (ANDA), 2011.

GODARD, Hubert. Le geste et sa perception. In: GINOT, I.; MICHELL, M. (Org.) La danse
au XXème siècle. Paris: Bordas, 1995.

HASEMAN, Brad. A manifesto for Performative Research. IN: Media International


Australian incorporating Culture and Policy, n 118, february 2006, pp.98-106.

LARANJEIRA, Carolina Dias. Os estados tônicos como fundamento dos estados


corporais em diálogo com um processo criativo em dança. Revista Brasileira de Estudos
da Presença. V. 05. p-596-621, 2015.

MCHOSE, Caryn. Flocos de neve a cair: Uma relação pessoal e profissional com a
gravidade. Cadernos de Leituras n. 61, p.1-09. Belo Horizonte: Edições Chão de Feira, 2017.

MILLER, Jussara. Qual é o corpo que dança? - Dança e Educação Somática para adultos
e crianças. São Paulo: Summus, 2012.

NANCY, Jean-Luc. Imagem, mímesis & méthexis. In: ALLOA, Emmanuel (org). Pensar a
Imagem. Belo Horizonte: Autêntica, 2015, p. 55-73.

RANCIÈRE, Jacques. As imagens querem realmente viver? In: ALLOA, Emmanuel (org).
Pensar a Imagem. Belo Horizonte: Autêntica, 2015, p. 191-201.

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TEATRO NO ANTIGO EGITO E A BUSCA PELO SAGRADO NA FORMAÇÃO DO


ARTISTA TEATRAL
Lucia Gomes Serpa

Palavras-Chave
Teatro; Formação; Egito; Sagrado; História; processos de transmissão.

Este trabalho pretende investigar a relação entre o teatro e o sagrado através da cultura
do Antigo Egito e seus processos de transmissão, como mitos, danças dramáticas, cerimônias,
inscrições, literatura. A pesquisa tem como objetivo refletir sobre a perda de referências de
outras culturas, como a egípcia, a partir da demarcação da origem do teatro do ocidente na
Grécia Antiga. Autores como Baty e Chavance (1932) em “Vie de l'art théatral des origines a
nos jours” trazem relato de papiros com textos dramatúrgicos do Antigo Egito com uma
estrutura muito similar a encontrada em textos posteriores de autores gregos. Com a ajuda
destes autores e também de Araújo (2000), que traz uma análise da literatura do Egito
faraônico com vários exemplos de textos de representações teatrais, e também de diretores/
pensadores do Teatro como Brook (1970), com o auxílio de Campbell (2015), Eliade
(1995/2010/2016) e Clark (2004) iremos traçar um caminho de busca de respostas e
aprofundamento, em que outros autores estão sendo chamados para dialogar conosco.
Sabemos que a história é construída através de documentação, mas não podemos esquecer de
que tudo passa pelo filtro humano, que interpreta os registros encontrados. Será que os
documentos históricos relativos ao Antigo Egito não foram compreendidos à luz da
modernidade? Encontramos em Araújo (2000, p.22) que o desconhecimento da língua, com
uma grafia feita de “desenhos” abriu a possibilidade para a elaboração de uma imagem
idealizada daquela civilização "e aqui se começou a reinventar o Egito; além disso, utilizaram
as fontes disponíveis, exposta naquela escrita de desenhos realistas, numa direção que
privilegiava na verdade uma interpretação livre, altamente alegórica, dos signos isolados ou
em pequenos conjuntos, sempre de acordo com os termos abstratos de sua própria filosofia."
Se focamos especificamente na área do teatro, talvez haja dificuldade em olhar para uma
cultura que, ao ser “reinventada”, tenha sido “esquecida” dentro dos círculos das teorias
teatrais, talvez pela complexidade que esse processo representa, pois não distingue entre os

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mistérios e as formas de produção artística. A partir da “origem grega”, uma ideia universal de
teatro foi se construindo e “apagando” outras culturas que não partilhavam da mesma noção
de arte, ou não possuíam termos equivalentes aos que são utilizados na tradição ocidental. É
importante ressaltar que a busca que pretendo empreender neste trabalho não é a configuração
de um modelo egípcio para o teatro, mas estudar as relações entre o teatro e o sagrado nessa
cultura. E buscar “estímulos” para o artista teatral em seu ofício, tocando em fios invisíveis
que formam, a todos nós, sem distinção. Há um ditado antigo, egípcio, que afirma que "quem
bebe da água do Nilo, nunca o deixa, nunca o esquece, nunca o abandona". Creio que carrego
esse ditado. Nos 20 anos em que tenho contato com a cultura do Antigo Egito como busca
pessoal, noto que há muito a ser descoberto e compreendido. Mas a intenção de ter como
objeto de estudo de doutorado a relação entre o teatro e o sagrado no Antigo Egito, ultrapassa
- e bastante - o sentido pessoal. A dedicação nos últimos anos à formação do professor teatral,
através do curso de Licenciatura em Teatro na Universidade Federal da Paraíba e a
participação no Grupo de Pesquisa de Teatro na Educação, traz, a todo instante, o pensamento
sobre o ofício do teatro e, mais especificamente, o do artista teatral. O teatro como área de
conhecimento e o artista que busca realizar seu ofício da melhor forma tornam-se impulsos
para reflexões mais profundas sobre a dimensão humana. Por um lado, há a vontade de
resgatar uma cultura tão rica que pode trazer elementos importantes para as discussões das
teorias teatrais na atualidade, não como um modelo teatral, mas como possibilidades que a
demarcação do teatro grego como modelo ocidental pode ter dissipado no caminhar da
história. Em relação ao artista contemporâneo, há tentativas frequentes de retomada de
relações primordiais do teatro e creio que encontrar outras referências sempre mostra sentidos
na busca do fazer teatral. A sabedoria do Antigo Egito pode trazer elementos que auxiliem no
processo de criação do artista teatral da atualidade? Acredito que a resposta é afirmativa, mas
faz-se necessária uma discussão aprofundada e uma pesquisa cuidadosa para responder a
essas questões com argumentos reconhecidos pelo pensamento contemporâneo. Ou trazer
elementos que possam ser incluídos nesse pensamento. A mística presente no modo de vida
do Antigo Egito e, consequentemente, em todas as áreas daquela sociedade, pode ser
compreendida e ressignificada na arte teatral em nossos dias? Esta é uma pergunta de difícil
resposta, mas que traz a chama, a provocação necessária para impulsionar uma busca. A
riqueza da cultura egípcia é muito grande. E foi uma civilização extremamente organizada,

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que durou mais de 5000 anos. Em 1932, Baty & Chavance (p. 28) escreveram: "Durante
muito tempo ignorou-se o teatro egípcio e foi apenas há alguns anos que foram revelados,
graças sobretudo às descobertas do abade Driotton, os primeiros textos de literatura
dramática. Eles ressuscitam em número cada vez maior, sem que até agora se tenha
inventariado toda a sua riqueza. Hoje podemos acompanhar, no vale do Nilo, uma evolução
semelhante àquela que encontramos em todo o Extremo-Oriente; pode-se mesmo afirmar que
nunca foi tão sólido o laço entre a religião e as formas dramáticas; podemos enfim restituir ao
Egito a honra de descobertas que a jactância grega ostentava para sua própria glória." A
revelação destas descobertas e, consequentemente, a transmissão da cultura egípcia para os
dias de hoje, talvez fiquem ainda circunscritas às áreas de história e arqueologia de uma forma
mais contundente. E há também a literatura, já que, passados 84 anos, conseguimos encontrar
alguns livros que mencionam formas dramáticas, inclusive de festivais que aconteciam no
Antigo Egito, como o Festival de Raker, no qual durante 8 (oito) dias era encenada a Paixão
de Osíris, em uma estrutura narrativa que nos remete à Paixão de Cristo. (Carvalho, 1997, p.
03 e Clark, 2004, p.121) Mas há ainda poucos registros. É preciso tempo e dedicação para
encontrar material e organizá-lo, para empreender a tarefa de tornar possível a inserção do
Egito nas discussões das teorias teatrais e nas origens do teatro em nossa história. Referências

Referências bibliográficas

ARAÚJO, Emanuel. Escrito para a eternidade – A Literatura no Egito Faraônico.


Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000.

BATY, G. e CHAVANCE, R. Vie de l'art théatral des origines a nos jours. Paris: Ed.
Librairie Plon, 1932.

BROOK. Peter. O teatro e seu espaço. Petrópolis: Vozes, 1970.

CAMPBEL, Joseph. O Herói de Mil faces. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1997.

______. As transformações do mito através do tempo. São Paulo: Cultrix, 2015.

CARVALHO, Tania. Paixão de Osíris. Curso de Egito Místico. João Pessoa: AD’OR, 1997.

CLARK, Rundle. Símbolos e Mitos do Antigo Egito. Deuses, Mitos e Cultos. São Paulo:
Hemus, 2004.

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ELIADE, Mircea. História das crenças e das ideias religiosas – I. Da Idade da pedra aos
Mistérios de Elêusis. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

______. O conhecimento sagrado de todas as eras. São Paulo: Mercuryo, 1995.

______. Mito e Realidade. São Paulo: Perspectiva, 2016.

GROTOWSKI, Jerzy. Em busca de um teatro pobre. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,


1992.

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A CONVENÇÃO PALCO/PLATEIA NAS SÉRIES INICIAIS E A FORMAÇÃO DE


ESPECTADOR (A) DE TEATRO
Wesley Fróis Aragao

Palavras-Chave
lúdico; series iniciais; teatro; teatro educação;

A convenção palco/plateia nas séries iniciais e a formação de espectador (a) de teatro


O Projeto de extensão “Brincando de faz de conta: a vivência do lúdico nas séries iniciais” é
coordenado pela Professora Marina de Oliveira da Universidade Federal de Pelotas e tem
como ação desenvolver oficinas de teatro com meninas de 6 a 8 anos de idade no Instituto
Nossa Senhora da Conceição. Localizado no centro da cidade de Pelotas, no Rio Grande do
Sul, o Instituto oferece atividades para meninas em situação de vulnerabilidade social, no
contra turno das aulas. O “Brincando” iniciou-se em março de 2017 e conta com três
estudantes voluntários. Tem como objetivo promover a vivência de jogos às crianças, de
maneira que produzam conhecimento no campo teatral. Além de explorar a expressão
corporal, estimulando a criatividade e dando espaço para a ampliação da imaginação, de
forma que as atividades lúdicas gerem o princípio da autonomia. Esse artigo analisa a
inserção da linguagem teatral, especificamente, da convenção de palco/plateia por meio do
lúdico para esses pequenos seres que não possuem alguns pré-julgamentos acerca do teatro.
Relata como foi o processo de mostrar a importância de as participantes assistirem a si
mesmas e às outras, com a energia dispersiva em determinados momentos. Para além da
construção da convenção palco/plateia, narra duas situações em que as meninas assistiram a
trabalhos cênicos, introduzidas enquanto espectadoras. No primeiro encontro, o projeto
iniciou com vinte e cinco meninas ao mesmo tempo, com muita energia e vontade de
experimentar com intensidade o que estava sendo proposto. No entanto, por conta dessa
vivacidade, percebemos a necessidade de dividi-las em dois grupos, cada um dispondo de
sessenta minutos. Após a divisão dos grupos, solucionou-se parte dos obstáculos encontrados,
mas ainda divididas as meninas apresentavam exacerbada dispersão que atrapalhava na
realização dos jogos, sobretudo os que requeriam a observação das ações umas das outras.
Depois de notar esta dificuldade, organizamos os encontros da seguinte maneira:

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alongamento, aquecimento com jogos tradicionais e, posteriormente, os jogos teatrais. Como


citado, após o alongamento das articulações, propúnhamos, um jogo tradicional para exaurir
as energias contidas, como: “pega-pega”; “corre-estátua”; “elefante colorido”; “corrida de
bambolê”, entre outras foram propostas. A partir dessas atividades, notamos uma maior
disponibilidade para os jogos que as inseriam na linguagem teatral. Através de alguns Jogos
Teatrais sistematizados por Viola Spolin, iniciamos o processo de compreensão da convenção
palco/plateia, exemplificado no jogo realizado: “mímica”. Divididas em dois grupos, um deles
recebia uma indicação de lugar, um “onde” para representar ao outro. Mas antes de uma
equipe iniciar as ações, a outra já tentava descobrir, sem esperar o cenário se instaurar,
gritando e atropelando as improvisações. Apesar disso, o processo foi evoluindo a cada
encontro. Embora esperássemos que o jogo da “engrenagem¹ ” fosse de difícil execução,
tendo em vista que haveria o tempo de espera de observação do que estava sendo proposto
pela pessoa que iniciava, percebemos uma melhora na disponibilidade em assistir ao outro.
Perceptível também a partir do jogo do “espelho² ”, em que a maioria assistia a duas
integrantes fazendo ações espelhadas por um grande período, de forma que a maior parte do
grupo se encontrava sentada como observadora. A partir desse processo, quando se aplicou
novamente o jogo apresentado por Viola Spolin, envolvendo o “Onde”, “O que” e “Quem”,
posicionaram para assistir e o esperaram para dizer o que ocorreu, mais atenciosas do que nos
encontros iniciais. Divididas em trios, improvisaram a partir de temas como o núcleo familiar,
apareceram ações das mais diversas, como, “levar a filha à escola”; “tomar café”, “buscar a
filha no ballet”; “comprar roupas”, entre outras. Com papéis definidos pelas próprias
jogadoras, a plateia era questionada com perguntas direcionadas: “Quem ela era?”, “Onde
estava?”, “Ela estava fazendo o que?”, de forma que as indagávamos sobre as três esferas
propostas por Spolin. Participávamos da improvisação enquanto monitores para a
compreensão de que não se resumia a um jogo de adivinhação, sendo os detalhes da ação e
sua execução o mais importante de ser observado. De forma que ao assistirem as atividades
propostas, ampliaram as suas percepções estéticas enquanto espetadoras. Mas essa posição de
espectadoras durante as improvisações não substitui a experiência de irem ao teatro, ou do
teatro ir ao Instituto. A experiência como espectadoras de fato pode ser observada no dia em
que o ator Carlos Prado, da “Elefante Colorido”, esteve no Instituto e narrou “Joãos e
Marias”, interagindo diretamente com elas. No momento em que era apenas a narração da

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história, sem intervenções, elas se posicionavam com os olhos vidrados e prontas para
qualquer instrução. Outra experiência no campo da recepção foi a apresentação da bailarina
Tainara Machado, também dentro do Instituto. Iniciou quando percebemos, a partir de alguns
jogos teatrais o interesse das meninas pelo tema “ballet”. Introduzimos uma história: “A
boneca bailarina”, que conta sobre uma boneca, Isadora, que sonhava em ser uma bailarina,
mas não conseguia pois não tinha estrutura física, por conta disso desejava se tornar humana.
As aulas levaram ao surgimento do “padrinho mágico” (personagem representado pelo
monitor Rafael Bueno), capaz de tornar Isadora em bailarina de verdade. Assim, convidamos
a bailarina Tainara, acadêmica do curso de Teatro, para participar da brincadeira. Dessa
maneira, numa dramatização em que todos, monitores e alunas, participaram, a Isadora
transformou-se na esperada bailarina, que dançou e ensinou alguns movimentos do ballet às
meninas. Essas experiências enquanto espectadoras faz com que penetrem em outro espaço-
tempo efêmero, atravesse a imaginação daquelas espectadoras mirins e torne vulnerável a
nossa identidade, como é explanado por Taís Ferreira. Assim, o trabalho da convenção palco/
plateia a partir dos jogos teatrais, a contação da história “Joãos e Marias” e a participação da
bailarina Tainara na dramatização de “A boneca bailarina” constituem-se como três ações que
iniciaram o processo de formação de espectadoras das meninas do Instituto Conceição.
Concomitantemente a este processo, abordam-se temas transversais, como núcleo familiar
plural e questões étnico raciais, trazidas por elas e pela assistente social do Instituto. Notas ¹O
jogo inicia com uma pessoa propondo um gesto e um som, ao analisar a imagem, outra pessoa
encaixa outro movimento e outro som, de maneira que consolide uma máquina, envolvendo
velocidade (rápido, normal e devagar) até essa engrenagem quebrar ²Mencionado por Viola
Spolin, consiste em duas pessoas se olharem olho no olho e se movimentarem de forma
conexa, sem a ideia de imitação, mas movimentação simultânea.

Referências bibliográficas

FERREIRA, Tais. A escola no teatro e o teatro na escola. Porto Alegre: Mediação, 2006.

SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 1963.

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CORPO EM JOGO: REFLEXÕES SOBRE AÇÕES DE DANÇA NA URBE


Luana Leite

Palavras-Chave
dança, jogo, rua

Esta pesquisa se propõe a investigar a presença e o efeito do jogo na ação urbana


RINHA, concebida e dirigida por mim em 2016, bem como, os atravessamentos com a
pesquisa de modos de composição em dança e intervenção urbana do artista mineiro Vanilton
Lakka, e da artista mexicana Olga Gutiérrez. O presente estudo considera?o conceito de jogo?
não apenas como ferramenta de composição em ensaio ou como mecanismo técnico-
preparatório para o ator/intérprete/dançarino, mas, potencialmente, como objeto central da
obra, ou seja, no papel de articulador, em tempo real, da dramaturgia, da sonoplastia, da
iluminação e como instrumento de potencialização da presença cênica do intérprete. ?A?
proposta volta-se para a análise da experiência de?criação, pesquisa e montagem da obra
RINHA (2016), da oficina-interação urbana Mono-blocos: Ocupação, Interação e Ação na
Praça em 2016 dirigida e ministrada por Vanilton Lakka e da oficina Movimiento Público em
2016, ministrada por Olga Gutiérrez. A fim de estabelecer um diálogo com a descrição da
prática tenho utilizado pensamentos a respeito do termo jogo baseados nos livros Homo
Ludens (2014 – 8. ed.) do autor holandês Johan Huizinga, El Juego del Juego (1982) do autor
francês Jean Duvignaud e Jogos Finitos e Infinitos (2003) do britânico James P. Carse. Para
discutir a relação da dança no contexto urbano tenho dialogado com os escritos de Maria
Vitoria Perez Royo em sua publicação Danza en Contexto (2009), e a dissertação de Vanilton
Lakka, intitulada Para uma cidade habitar um corpo (2011). Com a intenção de estabelecer
um panorama político, social e arquitetônico para pensar a cidade, venho trazendo conceitos
de Walter Benjamin, Guy Debord, Michel de Certeau, Paola Jacques e Fabiana Dultra Britto.
A execução deste projeto está sendo realizada em três etapas. A primeira consistiu na
participação das oficinas e no processo de montagem da ação urbana. A segunda está
consistindo na descrição das experiências e na realização de entrevistas com os artistas. A
terceira se dará na análise dos dados tendo como fundamento para tal o levantamento teórico
e descritivo dos processos e experiências práticas. Um dos “resultados” alcançados é a

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percepção que o interesse pelo jogo está na relação entre intérprete e espectador. O ponto de
partida para a escrita do Projeto RINHA foi a presença do jogo na cena. O desejo de trabalhar
com esse elemento surgiu da experiência de montagem da encenação Rinha, ocorrente dentro
da disciplina de Prática de Direção Teatral, no curso de Bacharelado e Licenciatura em Teatro
da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Naquele momento utilizei o jogo
para compor cenas e construir relações entre os jogadores. Ao testar o jogo na rua me deparei
com uma quantidade de outros jogos: o jogo de atravessar antes de abrir o sinal, o jogo de
chegar primeiro, o jogo de entrar antes no ônibus para poder sentar, o jogo de falar mais alto
para poder vender, o jogo dos comerciantes ilegais com a polícia e muitos outros jogos
arraigados na rotina urbana. Por que inserir mais um jogo no meio de tantos outros, tão fortes,
capazes de engolir o nosso? Cheguei a conclusão que, uma maneira possível de colocar em
crise este interminável jogo de esfera macropolítica, seria evidenciá-lo. A partir daí busquei
usar o jogo como recurso para, através da relação intérprete-transeunte, revelar, e não apenas
reforçar, o combate diário e infinito da urbe. Portanto, a partir da experiência na rua, passei a
enxergar o jogo como dispositivo de partilha e relação com o espectador e não somente como
meio de composição prévia de cenas. No entanto, quais os limites de defender e construir um
trabalho que se firma no jogo? Até que ponto seguimos jogando? Este é uma questão
recorrente no dia a dia do grupo. Apesar de em todo ensaio eu incentivar e cobrar que eles
estejam cada vez mais abertos ao jogo “natural” da rua, alguns obstáculos por ventura
aparecem durante a execução da ação RINHA. Durante uma das apresentações da temporada
de estreia, em dezembro de 2016, o centro estava lotado de pessoas querendo comprar seus
presentes de natal, um fluxo intenso de transeuntes com pressa de chegar a algum lugar. Em
meio a ação, eis que surge, por detrás da multidão uma banda com cerca de 10 homens
vestidos de papai, todos de vermelho e barba. Assistindo, de longe, eu me perguntava: como
jogar com isso? Como será que os performers iriam jogar? Já que se tratava de um
acontecimento tão forte que não poderia ser ignorado. Imagino que muitas pessoas que
assistiam se questionavam como proceder naquele momento, inclusive os membros da banda
de papai Noel. Um dos intérpretes sorriu, ameaçou dançar a música Jingle Bell, clássica
canção de natal. Muitas pessoas paravam para observar e tentar identificar do se tratava
aquilo. Seis pessoas caiam no chão incessantemente enquanto uma banda tocava músicas de
natal. Em resumo, os performers não arriscaram ações em relação a banda, penso que agiram

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timidamente em questão de jogo. Contudo, a tensão que se construiu por duas coisas com
energias tão diferentes se encontrarem, já construiu certa potência de acontecimento. Sentia o
público que acompanhava apreensivo em relação aquilo. Já no dia vinte e oito de abril de
2017, dia de greve geral, meio dia, o ato da manifestação em apoio a greve se encontrou com
a nossa cena. As atrizes optaram por abrir e deixar o ato passar, e fico me questionando se
haveria possibilidade de jogar sem correr o risco de cair num confronto, visto que, os ânimos
dos últimos atos - contra as reformas da previdência, trabalhista e contra o presidente gospista
Michel Temer – tem sido aflorados, não há espaço para discordar sem ser recebido com
agressividade. Muitas pessoas, durante as apresentações vieram questionar do que se tratava a
ação. Faziam perguntas como: Pra que serve? Qual o intuito da ação? É em prol de alguma
causa? Manifestação de direita ou esquerda? E logo em seguida eu me como responder a isso
de uma forma não conclusiva? Alguns até sugeriram que eu identificasse o trabalho, colocasse
faixas e cartazes pra avisar do que se trata. Uma angústia por entender toma conta das
pessoas. A falta de texto naquela dança descontrola aqueles que passam e não podem parar em
busca de entender. Porque a dança, para aquelas pessoas, precisa de identificação? Porque a
dança, para aquelas pessoas, precisa de explicação? Espero, ao final desta pesquisa, poder
responder estas perguntas (possivelmente com outras perguntas). Quais as regras do jogo?
Quem comanda esse jogo? O jogo pelo jogo é suficiente para manter o espectador ativo?
Tendo em vista que a característica primordial do jogo é sua capacidade de fascinação/
engajamento, pode ser então o jogo um meio de acesso e compartilhamento com o público?

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A POÉTICA DA MEMÓRIA NA OBRA DE ANA MENDIETA: ARTICULAÇÕES


COM ANTIGAS CIVILIZAÇÕES MATRILINEARES
Valeri Carvalho

Palavras-Chave
Matrilinear, Memória, Performance

A presente pesquisa se inclina sobre a obra da performer cubana americana, Ana


Mendieta, com o intuito de construir três rotas de investigação. A primeira infere uma
articulação da obra de Ana Mendieta com civilizações matrilineares que habitaram a Antiga
Europa (6500~3500 a.C), a segunda se debruça sobre a questão da memória dentro do
território criativo da performance e a terceira busca uma interseção entre as duas primeiras
confluindo para o campo da pedagogia, no sentido de práticas artísticas que venham a
exercitar o potencial criativo acessando memórias ancestrais, memórias do corpo e memórias
sutis que possam expandir as identidades, as relações subjetivas e as coletivas. Ana Mendieta
nasceu em Havana, mas em consequência de questões políticas aos 12 anos idade foi enviada
clandestinamente para os Estados Unidos. O exílio lhe trouxe uma nova identidade social,
econômica e racial. Em 1972, a artista se formou pela Universidade de Iowa. Foi aluna do
artista alemão-americano, Hans Breder, docente do Intermedia, curso multidisciplinar, que
reunia às artes visuais dança, música, teatro e linguagem escrita. Neste período entrou em
contato com a vanguarda artística do início dos anos 70 e se aproximou dos movimentos
feministas. Por cerca de quinze anos, Mendieta mergulhou numa extensa produção. Sua
práxis artística incluiu performance, escultura, pintura, vídeo e fotografia. As intervenções se
constituíam de forma ritualística, utilizando materiais heterogêneos tais como lama, sangue,
penas, água, fogo e pedras. Grande parte das pesquisas que giram em torno da obra de Ana
Mendieta afirmam que sua obra busca pela repatriação perdida devido ao exílio involuntário.
Minha proposta é averiguar se mais que uma repatriação relativa a um país de origem e uma
determinada cultura, Ana Mendieta buscou uma repatriação do corpo e do gênero feminino
em estâncias diversas, não somente social, política e artística, mas também existencial e
espiritual num sentido cosmogênico. Nesta perspectiva, o exílio da terra natal ganha um
contorno amplo, um exílio da própria terra, tanto o elemento quanto o planeta, possuidor de

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inúmeras irradiações simbólicas e míticas ancestrais numa perspectiva arquetípica universal.


Ao longo de suas experimentações Mendieta cunhou o conceito Earth-Body. Seu trabalho se
alicerçou nesta relação ritual do corpo com a terra, em que ambos estão inexoravelmente
amalgamados, ambos são terreno do divino e da transcendência da vida e da morte, são da
mesma matéria, vertem em direção ao mesmo principio criador. Ana Mendieta afirmou que os
seus exercícios em Earth-Body implicavam numa união à terra. Tanto seu corpo se tornava
uma extensão da mesma, como a natureza se convertia numa extensão de si. Ana definiu sua
obra como um ato obsessivo de aprimoramento e aprofundamento de seus vínculos com a
terra, tornando o dispositivo para reativar crenças primitivas, uma força feminina onipresente
e retomar a imagem do acolhimento do útero materno, em função de uma sensação de sede de
vida (apud RAMIREZ, 2003). Este estudo elenca, em particular, duas produções de Mendieta:
Silueta Séries e Esculturas Rupestres. Estas coleções são habitadas por imagens muito
similares às várias imagens e esculturas encontradas em sítios arqueológicos da Antiga
Europa e do Oriente Próximo tais como Catal Huyuk e Hacilar, assim como em templos
cretenses, entre outros. O material destes sítios, assim como o de Creta, revelam sociedades
matrilineares antigas, geralmente pertencentes ao Neolítico, que cultuavam uma Grande
Deusa ancestral e praticavam ritos em que a terra e o corpo feminino formavam uma sagrada
aliança geradora de vida. A primeira e a segunda rota desta pesquisa se sustem na teoria e
conceituação empreendida por Aby Warburg. Nascido na segunda metade do século XIX,
Warburg promoveu uma verdadeira revolução no campo dos estudos da arte. Georges Didi-
Huberman (2010) ressaltou que Warburg foi para a história da arte o que Freud foi para a
psicologia. Warburg observou que as imagens pertenciam a outro tempo. Um tempo
descolado da concepção evolutiva e progressista linear. As mesmas imagens se repetiam,
atravessavam o tecido temporal de forma peculiar e ressurgiam em espaços e cronologias
distintas. Os mesmos gestos e expressões (phatos) reapareciam em imagens de culturas
diversas. Esta observação, junto a uma prática analítica constelar, criou um espaço
transdisciplinar para a história da arte, fazendo-a acolher outras disciplinas tais como:
antropologia, filologia, cultura visual, psicologia social, entre outras. Portanto a imagem
passou a ser concebida como um índice cultural. Ainda na primeira rota, em relação às
civilizações matrilineares, a arqueóloga lituana Marija Gimbutas é uma referência essencial
nesta pesquisa em função da sua atuação na arqueologia e do arcabouço de imagens que

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catalogou e reinterpretou ao compor a Hipótese Kurgan . Para a terceira rota desta pesquisa,
me baseio na produção teórica, experimental e investigativa em pedagogia e performance de
Mara Leal, da Universidade Federal de Uberlândia. Leal tem como um dos eixos de seu
trabalho as relações entre arte contemporânea e memória, além de procedimentos artísticos-
pedágogicos que trabalham a montagem e a reperformance. A articulação entre Ana Mendieta
e as antigas civilizações matrilineares conjugam duas questões muito caras à
contemporaneidade: o gênero feminino em suas diversas camadas existenciais e a relação
humana com a “terra/Terra” numa discussão vital para as gerações presentes e as que virão.
Quanto a performance, este estudo pretende reafirmar seu imenso potencial criativo, que se
constitui num território circular e ritualístico, origem de todo o teatro ocidental. Espaço caro
ao corpo sem órgãos, visto que as estratificações são móveis e voláteis. Uma pergunta que
ecoa: a performance pode ser um campo de exercício artístico propício para a aparição de
memórias ancestrais exiladas que ocasionaria uma afetação nas mentalidades vigentes?

Referências bibliográficas

DIDI-HUBERMAN, Georges. Atlas ¿Cómo llevar el mundo a cuestas? Madrid: Reina


Sofía, 2010.

GIMBUTAS, Marija. The Living Goddesses. Berkeley, EUA: University of Califórnia Press,
1999.

VISO, Olga. Ana Mendieta earth body. Germany: Hatje Cantz Publishers, 2004.

RAMIREZ, Juan Antonio. Corpus Solus: para um mapa del corpo em el arte
contemporâneo. Madrid: Siruela, 2003.

WARBURG, Aby. Atlas mneumosyne. Espanha: Akal, Ediciones, 2010.

______. O Nascimento de Venus e a Primavera Sandro Boccitelle. Portugal, KKYM, 2012.


1 - A Hipótese Kurgan foi composta por Gimbutas por meio de seus estudos e práticas em
arqueologia, etnologia e linguística. Esta teoria supõe que durante o Neolítico a Europa foi
povoada por antigas civilizações matrilineares, que reverenciavam uma grande Deusa Mãe.
Estas foram suplantadas na Idade do Bronze por civilizações androcráticas indo-européias,
que impuseram uma hierarquia de homens guerreiros.

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CORPOS QUE ESCAPAM À PELE: TOQUE, CONTÁGIO E DYS-APPEARANCE


Alessandra Fernandes Montagner

Palavras-Chave
espectador, toque, contágio

Essa breve reflexão compõe uma das meditações centrais da pesquisa de doutorado
(em andamento) intitulada Liminaridade, Comunidade e Participação: Perspectivas para a
Experiência do Choque na Cena Contemporânea. Opera-se, aqui, um exercício reflexivo sobre
a experiência pessoal da presente autora enquanto espectadora da peça Sobre O Conceito da
Face no Filho de Deus, do coletivo italiano Socìetas Raffaello Sanzio, e busca-se em dois
acontecimentos performativo-sociais – (i) o cuspe do Deputado Jean Wyllys no Deputado Jair
Bolsonaro e (ii) a performance Máfia, do Desvio Coletivo, concebida e performada a partir
daquela situação – modos de reflexão sobre as noções de toque, contágio e dys-appearance
(LEDER, 1990) na espectaçao de materialidades abjetas em cena. Nessa incursão, a
fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty (2011) emoldura a abordagem metodológica
adotada e evidencia a exaltação do corpo na confrontação com o abjeto. Sobre O Conceito da
Face no Filho de Deus apresenta uma situação familiar na qual um filho dá assistência ao seu
pai incontinente sob o olhar de uma pintura da face de Jesus Cristo. No palco, pai e filho se
encontram enredados num ciclo de repetição de episódios de incontinência fecal, no qual uma
substância que se assemelha a excremento humano escapa das fraldas geriátricas do pai para
manchar o ambiente impecável que os contém, demandando a constante limpeza do ambiente,
e do pai, por parte do filho. No auditório, tal recorrência eleva gradualmente a intensidade do
cheiro que se assemelha ao odor de fezes, espessando o ar e fomentando desconforto físico,
ofensa, náusea, e a intensificação da presença dessa espectadora. A materialidade fecal
utilizada naquela obra se espalhava pelo palco, através da ação desenvolvida pelos atores, e
parecia, igualmente, avançar sobre a audiência: movendo-se sobre a espectadora, arrebatando-
a na totalidade da sua pele e tocando-a com uma pressão que a comprimia e imobilizava. Esse
toque, invasivo e desconfortável, instaurava, na experiência em questão, a insurgência de um
corpo espectatorial que despontava de forma disfuncional. Essa disfuncionalidade manifesta-
se através do conceito de dys-appearance, concebido por Drew Leder em The Absent Body

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(1990): o corpo que se tematiza e torna foco da percepção frente a circunstâncias de


desconforto - o prefixo grego dýs significa dificuldade, desgraça, contrariedade, mal estado.
Em condições normativas, o corpo é aquilo que somos e com o qual existimos, ao mesmo
tempo que é imperceptível para nós mesmos. Contudo, segundo Leder, frente ao desconforto
o corpo despontaria enquanto aparecimento disfuncional: enquanto presença insurgente pelo
viés do negativo, ou do abjeto. O abjeto, como o concebe Julia Kristeva em Powers of Horror
(1982), compreende o abominável que nos compõem, como as fezes e o fedor, e que
habitamos em negação. Assim, o encontro com o abjeto na experiência supracitada sugere,
através da sua força afetiva, uma circunstância na qual o espectador se tornaria
“(des)confortável na própria pele”: vítima da tatilidade das substâncias que escapam o corpo
para retornar enquanto ameaças, e testemunha da insurgência do seu corpo pelas
contaminações implícitas ao abjeto. O processo de contágio demanda algum nível de contato
entre órgãos e objetos, fluidos ou bactérias, e se manifesta através de proliferação rápida, que
se espalha de A a Z, para conectar todos os envolvidos em uma rede de infecção. O toque
participa desses processos de contágio, pois a pele, órgão atribuído ao toque, é tanto escudo
quanto meio de entrada para contaminações de outros corpos. Nos processos do nosso próprio
corpo biológico, nem todos os procedimentos são purificadores: o corpo produz sua própria
sujeira e dejetos e pode infectar-se. O contato com fluidos corporais contaminados - nossos ou
de outros – pode, portanto, levar a perturbações ao sistema corpóreo, e o contato direto com
excremento consiste em risco de contrair doenças infecciosas sérias que, dependendo da
gravidade, podem ameaçar a manutenção da vida. Portanto, nossos corpos são feitos de
escape e contenção, pele e dejeto, proteção e (auto)destruição, mecanismos de limpeza e
contaminação. No contexto da cena, o tipo de contato afetivo instaurado pela (a)presentação
do abjeto simula ameaças similares, e reações espectatoriais adversas: que tateiam o
desconforto, o mal estar e a ofensa. Contudo, no contexto do evento teatral/performativo,
como poderia o corpo do espectador se contaminar pelo testemunho do abjeto? O que
compreende esse (des)aparecimento que toca e contamina a experiência do espectador?
Ademais, como pode o ar que o circunda consolidar-se enquanto toque? Na tentativa de
endereçar essas questões e as redes de contágio expressas naquilo que deixa o corpo para
retornar enquanto ameaça, o cuspe de Jean Wyllys em Jair Bolsonaro configura-se enquanto
um bom estudo de caso, por carregar consigo o estereótipo de transmissões infecciosas,

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potencialmente, ainda associadas ao corpo LGBT. Porém, os vários cuspes e fezes


depositados sobre a face de Bolsonaro, na performance Máfia, complicam as fronteiras entre
o sujo e o higienizado, o limpo e o corrompido. Juntamente com Sobre O Conceito da Face no
Filho de Deus, esses casos atestam, através de suas performatividades e da força afetiva das
materialidades que empregam, o poder de contaminação do abjeto em performance. Assim,
nos processos intersubjetivos que constituem o ato espectatorial, a relação espectatorial com o
abjeto parece entrelaçar uma rede tátil na qual espectador e obra se tocam, contaminam e
afetam mutuamente: através de um toque afetivo que confronta o espectador com a sua
finitude – expressa no corpo que se esvai por seus orifícios – e pela sua presença disfuncional
frente ao abjeto.

Referências bibliográficas

LEDER, Drew. The absent body. Chicago e Londres: The University of Chicago Press,
1990.

KRISTEVA, Julia. Powers of Horror: An Essay on Abjection. New York: Columbia


University Press, 1982.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Editora WMF


Martins Fontes, 2011.

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PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DE UM CORPO COMO OBJETO DE APRECIAÇÃO


ESTÉTICA NO TEATRO
Eder Tavares

Palavras-Chave
corpo, objeto, teatro

A presente perquisição tem por objetivo a análise de teorias de diversas linhas do


saber, dentre as quais se presentificam a filosofia (MERLEAU-PONTY, 1999) (DUFRENNE,
2004), sociologia (JEUDY, 2002), psicologia (SCHILDER, 1980) e teóricos do teatro
principalmente nas discussões entre corpo e objeto nas propostas cênicas. A pesquisa em nível
de mestrado está em fase de desenvolvimento, sendo que neste primeiro momento se busca
uma dimensão cartográfica das teorias que enquadram o corpo como discurso principal nestas
áreas de conhecimento. Entende-se, que refletir no campo teórico das artes e outras teorias
valida assim um pensamento, que por vezes, corre o risco de grandes chances de falsa
interpretação: compreender o corpo como um objeto de apreciação estética. Para tanto,
conforme as teorias do século XX frente ao corpo, o abrangem em seu protagonismo, e não
desmerece o sujeito. Pensar em um corpo como objeto difere de aceitar um cogito cartesiano.
No teatro, ao apresentar o corpo como objeto, é uma escolha estética que vem do sujeito.
Portanto, nas análises levantadas, sugerem hipóteses do efeito de triangulação do efeito
estético para enquadrar um corpo como objeto. São necessários, o sujeito (Artista) o objeto
(corpo) e o espectador. O último elemento é essencial, devido ao efeito da percepção.
Equiparar o corpo a um objeto de arte é um sintoma do pós-humanismo, cybercultura, e
momento de imensa criação de imagens corporais. Guia o olhar na pesquisa um olhar
fenomenológico do corpo. As pesquisas de Paul Schilder (1980) que influenciaram as
produções de Merleau-Ponty e Jeudy são estudos clínicos da psicologia, o qual, desenvolve
uma análise médica, filosófica e sobretudo fenomenológica das complexidades da mente,
sobretudo as patologias que envolvem a nossa imagem corporal. É em Schilder que pode-se
atribuir que a mente atribui uma separação do corpo. Isso não significa confirmar um
dualismo raso a respeito da mente-corpo, e sim perceber as imagens do nosso corpo em
relação aos objetos e a outros corpos humanos. E como essa imagem pode ser recomposta,

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passível de montagem. Vínculo do ser no mundo, o corpo é tido como objeto segundo
Merleau-Ponty (1999) se comparada aos outros objetos. Nada obstante, o corpo é agente de
sensações duplas, neste caso, ele pode ser apresentado enquanto objeto, para os outros, e para
mim mesmo. Enquanto que o objeto é só considerado em si, o corpo se considera para si.
Entretanto, não se enquadra apenas nisso uma função estética ao corpo. Segundo Mikel
Dufrenne (2004), o objeto estético está intimamente ligado a intencionalidade. Essa intenção
artística concebe o momento de sublimação de um corpo como objeto, o corpo se torna objeto
de apreciação estética. Já Henri-Pierre Jeudy (2002) acrescenta o elemento da recepção desse
objeto (corpo) como elemento final do fenômeno. O corpo como objeto se conclui na
percepção, na triangulação entre artista, objeto e público. Em contrapartida, é necessário
também repensar como o corpo está sujeito a objetificação sem a menor intenção. É nesse
sentido que a reificação do corpo assume um papel mais voltado aos instrumentos de
dominação na conjectura atual. É em Adorno (2002), Debord (1995) e Jameson (1995) que
um contraponto é levantado. A objetificação corporal tem resquícios únicos de dominação e
alienação, enquanto que a presentificação de um corpo como objeto de apreciação estética
encaminha a um momento de transcendência artística, de simbiose entre o objeto e o corpo. É
nesse momento de atividade contemporânea mais institucionalizada, se percebe pontos de
convergência entre Arte e Indústria Cultural. Principalmente ao se observar em trabalhos de
artistas (em sua maioria mulheres) com propostas performáticas. Paradoxalmente dando ao
status do corpo, um bom exemplo de corpo como objeto. Ao pensar o corpo como objeto,
convenientemente remete-se a pensar em uma representação visual artística, como uma
pintura ou escultura. Nas Artes Visuais, por exemplo, as complexidades em entender o corpo
como um objeto de Arte diferem em comparação ao teatro. Afinal, o corpo sempre foi objeto
de representação visual, enquanto que no teatro o valor do corpo enquanto matéria variou
conforme a história. Contudo, é no século XX que uma premência na produção teatral, nos
discursos e treinamentos reivindicam uma teatralidade para o teatro. Nesse momento que
pensadores/criadores do teatro como Craig, Meierhold, Tadeusz Kantor apresentam
posicionamentos estéticos enquadrando o corpo como elemento equivalente aos objetos
teatrais. Influenciados também por Heinrich Von Kleist, (1777-1811), o qual, escreveu um
ensaio intitulado Sobre o Teatro das Marionetes. Inicia-se uma procura da substituição do ator
por um outro corpo mais eficaz, não no sentido literal, mas se viu na cena teatral um resgate

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de técnicas como a da Commedia Dell'Art, junto a isto, o retorno da máscara. É no Teatro de


Formas Animadas uma crescente produção contemporânea que traduz os elementos aqui
destacados da simbiose do corpo como objeto. Dessa forma, não apenas o objeto é animado
pelo artista, como, o corpo também ganha características do inanimado. E é nessa contramão
que o estudo presente tem interesse de verificar, as potencialidades estéticas expressivas desta
escolha subjetiva artística.

Referências bibliográficas

ADORNO, Theodor W. Indústria Cultural e Sociedade. Trad. Julia Elizabeth Levy [et al].
5ª Ed. São Paulo: Paz e Terra 2002.

DEBORD, Guy. A sociedade dos espetáculos. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro:
Contraponto, 1997.

DUFRENNE, Mikel. Estética e filosofia. 3ª.ed. Trad. Roberto Figurelli. São Paulo:
Perspectiva, 2004.

JAMESON, F. Reificação e utopia na cultura de massa. In: Jameson, F. As marcas do


visível. Rio de Janeiro: Graal, 1995. p. 9-35. Louro.

JEUDY, Henri-Pierre. O corpo como objeto de arte. Trad. Tereza Lourenço. São Paulo:
Estação Liberdade, 2002.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Trad. Carlos A. R. de Moura.


2a ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

SCHILDER, Paul. A imagem do corpo: as energias construtivas da psique. Trad. Rosanne


Wertman. São Paulo: Martins Fontes, 1980.

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GESTOGRAFIAS - COMPOSIÇÃO DO GESTO COMO DANÇA


Camila De Moura Venturelli

Palavras-Chave
composição, dança, gesto

A presente pesquisa se encontra em processo inicial de desenvolvimento e busca


fundamentar os conceitos de gesto, memória e imaginação a partir da relação entre estudos
das ciências cognitivas (DAMASIO, 2000), ciências sociais (SENNET, 2009), teorias da
comunicação (LAKOFF & JOHNSON, 2002), aportando na teoria corpomídia (KATZ &
GREINER, 2008) como perspectiva de abordagem do corpo que dança. Pretende-se, ainda,
investigar a noção de performatividade nas teorias do teatro e da performance (FÉRAL,
2015), (FISCHER-LICHTE, 2011), a fim de ampliar a noção de gesto como movimento de
dança. Aliada à investigação teórica, são realizadas práticas laboratoriais que experimentam a
composição coreográfica a partir dos conceitos pesquisados, de modo que a investigação em
laboratório desenvolva aspectos da pesquisa no âmbito da prática em diálogo com a análise
teórica. A pesquisa aqui apresentada parte dos procedimentos de investigação do gesto
desenvolvidos no processo de criação do espetáculo solo de dança contemporânea “Segredo
de Lindonéia”, de minha autoria e atuação. Sua pesquisa coreográfica se deu a partir da
fricção de duas matrizes poéticas iniciais: a obra do artista plástico Rubens Gerchman “A Bela
Lindonéia ou Gioconda do Subúrbio”, criada no ano de 1966 no contexto da ditadura militar
no Brasil, e o livro de receitas de minha tataravó. O espetáculo contou com o apoio do Prêmio
Proac Primeiras Obras de Dança para seu desenvolvimento e teve estreia em novembro de
2015. A abordagem do gesto como material de composição coreográfica norteou o
desenvolvimento do processo criativo do espetáculo e apontou para os conceitos centrais que
estão sendo aprofundados na pesquisa deste mestrado: gesto, memória e imaginação e a
investigação de composição coreográfica pela perspectiva do gesto como movimento de
dança. Tal pesquisa foi desenvolvida em laboratórios individuais e compartilhados que deram
início ao “Laboratório de Manuseio do Gesto” e tem continuidade nessa dissertação como
plataforma de investigação dos conceitos abordados no âmbito da prática coreográfica. Nessa
pesquisa teórica e prática, parte-se da compreensão de que gesto comunica um modo de estar

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no mundo. Gesto que exprime uma grafia própria, um modo de mover-se particular, que se dá
por sua relação percepção/realidade. Pretende-se elaborar um entendimento sobre o gesto
humano ancorado nas pesquisas do neurologista António Damásio (2000), para investigar
como o gesto se constitui na integração mente-corpo, articulado ao estudo de seu papel na
relação corpo-mundo. A partir da Teoria Corpomídia (KATZ&GREINER,2008), é possível
entender o corpo como trânsito permanente entre natureza e cultura, que organiza e atualiza
constantemente sua relação com o mundo e é mídia de seus processos de transformação. Essa
compreensão, a de que o corpo é um corpomídia do seu estado de existência, rompe as
barreiras que separam em instâncias estanques natureza e cultura, corpo e ambiente, dentro e
fora. O que se vê em um corpo é justamente uma coleção de informações selecionadas
naquele momento pelas suas condições de existência (KATZ, 2005). Sendo assim, quanto
maior o contato com determinada informação, maior é sua presença no corpo. Considerando a
dança contemporânea como um processo contínuo e constantemente atualizado dessa relação
entre o corpo e o mundo, propõe-se abordar o campo de gestos específicos de um corpo,
construídos pela recorrência de informações com as quais entra em contato, como material de
composição coreográfica, o que chamamos de gestografias. O modo como estes gestos criam
coreografia e comunicam um modo de estar no mundo. A comunicação oral desta
apresentação no SPA será acompanhada de demonstração técnica, que pretende compartilhar a
etapa inicial do processo em que a pesquisa se encontra. Será exposta a pesquisa prática
coreográfica que deu início a este estudo – deslocada do contexto do espetáculo - que consiste
em uma investigação de um modo de coreografar o gesto pelo manuseio de tensão. Este modo
de compor aborda o gesto a partir do reconhecimento de suas tensões musculares e provoca o
trânsito – gera coreografia – através de uma lógica de organização que não parte de uma
ordenação linear dos gestos, mas de um ponto de partida comum entre eles. Identifica-se o
uso de tensão como o elemento comum a todo gesto e passa-se a trabalhar uma lógica
coreográfica gerada pelo manuseio de tensão. Este termo e prática, desenvolvido e
experimentado em práticas laboratoriais, gerou a criação de um espetáculo cênico e continua
em processo de pesquisa prático e reflexivo nessa dissertação, através de aprofundamento
teórico e investigações no Laboratório de Manuseio do Gesto. Como se traça o gesto de
dança? Como gesto vira dança? Como se dá o trânsito entre a gesto, memória e imaginação na
composição do movimento dançado? Em suma, pretende-se desenvolver reflexões acerca do

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estudo do gesto no corpo e das relações entre corpo e mundo, percepção e realidade,
implicados nos processos de composição nas artes do corpo e, especificamente, na dança
contemporânea.

Referências bibliográficas

DAMÁSIO, António. O Mistério da Consciência: do corpo e das emoções ao


conhecimento de si. Tradução Laura Teixeira Motta. Revisão técnica Luiz Henrique Martins
Castro. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

FÉRAL, Josette. Além dos limites: teoria e prática do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2015.

FISCHER-LICHTE, Erika. Estética de lo performativo. Madrid: Abada Editores, 2011.

GREINER, Christine. O Corpo: pistas para estudos indisciplinares 3. Ed. São Paulo:
Annablume, 2008.

KATZ, Helena. 1,2,3, A Dança é o Pensamento do Corpo. Belo Horizonte: FID Editorial,
2005.

LAKOFF, George; MARK Johnson. Metáforas da vida cotidiana. Coordenação de tradução


Mara Sophia Zanotto. São Paulo: Educ, 2002.

SENNETT, Richard. O Artífice. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2009.

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SOBRE DESLOCAR PARA ENCONTRAR O OUTRO, AS VOZES SILENCIADAS,


OS ENCONTROS IDENTITÁRIOS E O LADO-A-LADO.
Clara Passaro

Palavras-Chave
identidade, alteridade, encontrar o Outro, diferença, lado-a-lado, vozes silenciadas.

Os temas que envolvem esta pesquisa costumavam movimentar o pensamento nos dias
em que eu saía de casa para realizar o trabalho de assessoria técnica, junto aos moradores do
Quilombo Dom João, comunidade cuja sede é a cidade de São Francisco do Conde, no
Recôncavo Baiano. Saía de minha casa e percorria, até o ponto de ônibus, já um caminho que
raramente utilizava. Pegava no Aquidabã um ônibus até a cidade de Candeias, uma cidade que
jamais eu frequentaria se não fosse nesta situação de trabalho, e então uma van até São
Francisco do Conde. Neste caminho, realizado aproximadamente duas vezes por mês durante
o ano de 2016, ganhava densidade a consciência do lugar que se ocupa neste mundo grande.
Digo como branca, classe media, intelectual, artista e etc.. Também a percepção de que este
deslocamento não é pessoal ou individual. Há tempos, ao menos desde o início do século
XIX, antropólogos, cineastas, artistas, arquitetos/urbanistas, dançarinos, fotógrafos,
sociólogos, entre outros profissionais, realizam deslocamentos físicos para entrar em contato
com uma etnia diferente, uma comunidade, uma religião. Todavia, percebemos que esta
qualidade de movimentação “sair para encontrar o Outro” como prática transdisciplinar vem
ganhando mais frequência. Ou seja, envolvendo o interesse investigativo de vários campos de
conhecimento, todavia com uma qualidade de vibração peculiar, que envolve todos estes
deslocamentos, mas que não limita-se a uma ou outra disciplina. Esta pesquisa de doutorado
nasce de um processo vivido pela autora e uma equipe de assessoria técnica em formação, no
âmbito da Especialização em Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social
(PPGAU-UFBA), em 2015-2016, onde foi realizado um trabalho juntamente com os
moradores do Quilombo Dom João, uma comunidade quilombola cujos moradores são
pescadores e marisqueiras que vem sofrendo constantes intervenções da Prefeitura para
desapropriação e tomada das terras que ocupam. Tendo por finalizado, ou melhor,
temporariamente em suspensão, o trabalho efetivo de assessoria técnica com estes moradores,

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esta pesquisa sugere um outro caminho investigativo, olhando para as texturas deste
movimento de deslocamento para o “encontro com” buscando também perceber as demandas
de um contexto ampliado. Demandas do contexto atual, que há algumas décadas vem
consolidando a ideia de mundo globalizado, mundialização do conhecimento, cidades-
mundiais caracterizadas pela homogeneização e apaziguamento das diferenças; mas que, ao
mesmo tempo que vem lentamente se movimentando em direção ao reconhecimento de
algumas das diversas volumetrias de manifestações, da amplitude de formas de vida que
existem nas entranhas, nos descaminhos, nas fissuras e que são abafados pelo ainda atual
processo de Colonização. Desta maneira, a experiência vivida no processo de trabalho com os
moradores do quilombo Dom João foi uma possibilidade, da autora e sua equipe, experienciar
uma qualidade de encontro que se busca investigar mais profundamente nesta pesquisa.
Olhando para o lugar de quem se desloca (quem tem o lugar da fala dentro da Academia,
quem tem o titulo de especialista) e buscando problematizar o encontro desde o lugar da troca,
do dar e receber, da abertura para o aprendizado. Também em prol de um interesse que é
comum - a luta pelo reconhecimento e efetivação dos direitos quilombolas, sua terra, seu
sustento garantido; através do encontro de diferentes expectativas, desejos, conhecimentos,
formas de fazer, etc.. Agregando e transformando. Diferentemente de se experienciar o
encontro desde um lugar de técnico especialista cujas intervenções desconsideram com as
características e as formas de fazer locais através de planos arrasantes e tábulas-rasas, ou
então de um agente externo que, em contato com diferentes formas de fazer, exotizam-a,
congelam este conhecimento vivo para trazer como “bibelôs” em museus étnicos. Neste
sentido, esta pesquisa de doutorado, ainda no segundo ano de investigação, vem adensando
sua questão e insiste um tempo em algumas perguntas: Qual a densidade de vibração das
demandas, em um contexto ampliado, faz despertar cada vez mais frequente este interesse
pelo encontro com o “Outro”? É um desejo que permeia a subjetividade hegemônica ou
continua fazendo parte de uma micropolítica do encontro? Qual a qualidade de encontro
estamos buscando investigar? Tem sido também mais frequente, ainda que muito pouco,
discursos, leituras que percebem o quão fortemente os impactos da colonização e a visão
“eurocêntrica” (incluindo América do Norte) é real e presente também dentro da Academia.
Por exemplo Suely Rolnik (2015), em sua fala sobre o saber-corpo em uma apresentação na
Casa do Povo (SP): “Com a noção de Inconsciente colonial-capitalístico pretende-se

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!

descrever a política de desejo dominante na cultura moderna ocidental, cuja origem, como
sabemos, é indissociável da economia capitalista e da empresa de colonização.”
Complementando com a fala de Boaventura de Souza Santos (2014) “O que eu só quero é que
a conversa do mundo seja mais ampla e que a gente integre mais gente e que não fiquem
apenas eles a ocupar o espaço. É muito importante trazer estas outras experiências para que
podemos capitar a riqueza extraordinária do mundo que não cabe na visão ocidental.” As
perguntas ainda ressoam. Qual a qualidade de encontro estamos buscando investigar? Para já,
clareamos que certamente não é o encontro “pretensioso”, encontro “parasita” ou quaisquer
outros nomes que podemos emprestar para falar sobre deslocamentos que desconhecem, de
imediato, o não saber. Desconhecem que a densidade, as formas comuns que costumam fazer
e olhar e pisar no mundo são somente mais uma forma de fazer. Deslocamentos que trazem a
visão paralisada do Outro como o diferente e, sendo diferente, nada tem a ver comigo, e, por
isso, não me abalo. Avançando pé-ente-pé nas investigações, trazemos ao final - para a
continuidade das reflexões, a provocação realizada por James Baldwin no filme-documentário
“I am Not Your Negro” é uma importante provocação: “I am not a negro. A am a man. But
you think I am a negro, means you need it. And ou haven’t found out why”.

Referências bibliográficas

ROLNIK, Suely. Pensar a partir do saber-do-corpo. Uma micropolítica para resistir ao


inconsciente colonial. Apresentação na Casa do Povo, 2015, São Paulo. Disponível em:
https://vimeo.com/173642284.

SANTOS, Boaventura de Souza. As epistemologias do Sul e as ciências sociais do futuro.


Conferência com Boaventura de Souza Santos no evento de comemorações dos 80 anos da
UFRGS, 2014, Porto Alegre. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?
v=tvZBoV4o86Y

(FILME): I AM NOT YOUR NEGRO. Direção: Raoul Peck. Com Samuel L. Jackson,
James Baldwin, Dick Cavett. Gênero: documentário. EUA, 2016, Cores, 93 min.

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PRIMEIRAS LINHAS DESENHADAS: O SOMÁTICO EXPRESSIVO


Elisa Abrão

Palavras-Chave
acidente vascular cerebral; sistema Laban/Bartenieff; somático-expressivo;

O presente texto versa sobre as primeiras linhas desenhadas no processo de


doutoramento. A partir das orientações e das reflexões realizadas na disciplina de Pesquisa em
Arte do Programa de Pós-graduação em Artes da Cena da Unicamp, aponta-se o somático
expressivo como conceito que atravessa a presente pesquisa. Nas linhas que seguem se
pretende apresentar as escolhas de tal conceito frente ao objeto da pesquisa e a preferência
pelo campo somático específico para o presente estudo. Uma prática nutrida por um olhar
somático-expressivo marca a referida pesquisa, pois afirma a vulnerabilidade como impulso
para criação. O campo somático há muito desenvolve técnicas a partir de questões de corpos
vulneráveis por/com problemas de saúde. A presente pesquisa parte das experiências da
pesquisadora que foi acometida por um acidente vascular cerebral. O AVC marca o corpo da
pesquisadora e transforma experiências na vida e arte. A necessidade de escuta do corpo, dos
tempos do corpo geraram mudanças significativas na vida/dança. Gera a percepção e
necessidade de permanências, de pausa, de respirar, de movimentar com imprecisões. Em
certa medida o corpo da pesquisadora é a questão da pesquisa. Um corpo aberto a se
reinventar. Um corpo reinventado por uma explosão interna que gera investigações para o ato
dançar. O corpo da pesquisadora mudou e com essa mudança encontrou outro caminho para
investigar dança. Caminho esse que entrelaça saberes somáticos e expressivos. Intui-se que os
saberes somáticos criam travessias e mapeamento de singularidades. Inscrevem gestos atentos
a percepções aguçadas do corpo e os atravessamentos das relações e ambientes. Atenta às
diferentes práticas somáticas, dialoga-se com o Sistema Laban/Bartenieff. Essa referência é
permeada por perspectivas somáticas e uma ampla exploração para investigar o movimento
expressivo. Um sistema de investigação que apresenta uma perspectiva de função e expressão
como qualidades que deslizam numa fita de Moebius, tornando o percurso mais estimulante,
pois inverte perspectivas de oposições excludentes, reapresentando como continuum gradual
sem fixar oposições. Isso rompe com discursos de verdade pautados em oposições. Os

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!

deslizamentos moebianos apontam olhares inclusivos, de interpretações variadas, numa


atitude que tende mais para ações de reinventar e reinterpretar as circunstâncias, do que
classificá-las e defini-las (MIRANDA, 2008). As contribuições de Bartenieff para o Sistema
Laban e a relação que estabeleceu com tais saberes cria a potência de experienciar as
conexões corporais, aguçando as percepções dos gestos/movimentos e suas reverberações por
todo o corpo. Ela propôs o estudo da materialidade do corpo e suas relações com o ambiente,
atravessando diversos saberes que concomitantemente abarcam os movimentos expressivos e
funcionais. Bartenieff objetivava a circulação viva entre a conexão interna, necessárias ao
funcionamento corporal e a expressividade externa (HACKNEY, 1986). Importante ressaltar
que quando se aponta que as contribuições de Bartenieff trabalham com a materialidade do
corpo, abarcam-se os diversos elementos que o englobam, pois a história, as relações com o
ambiente e a subjetividade se apresentam em cada gesto, em cada organização corporal. Nessa
pesquisa, incluem-se as feridas criativas inscritas no corpo que dança, traz o corpo com suas
feridas criativas para dançar lidando com sua materialidade. Bartenieff atrelou aos conceitos
labanianos novos contornos sobre o desenvolvimento humano e suas inscrições no corpo.
Analisou as inscrições como marcas do estabelecimento das conexões corporais e das
habilidades de efetivar relações entre corpo e ambiente, num trânsito fluido entre interno-
externo. Propondo um olhar para as porosidades do corpo, evidenciando os campos
relacionais frente às totalidades de conexões existentes (MIRANDA, 2008). O sistema Laban/
Bartenieff é proposto com ênfase na mobilidade. A mobilidade nessa proposta não é uma ação
apenas dos músculos, mas inclui todo o corpo desde as dimensões mais transitórias, como o ar
que adentra e nutre o corpo no ato de respirar o qual é transformado e devolvido ao espaço
externo ao corpo até às dimensões mais concretas como as conexões ósseas. Sendo assim,
compreende-se que em todo movimento é necessário mais de um elemento, transitando pela
ideia de orquestrar o corpo para realizar o movimento. O AVC exige que o orquestrar do
corpo receba investigações. Frente a isso a presente pesquisa pretende investigar a partir do
Sistema Laban/Bartenieff caminhos para o corpo em movimento atenta a uma perspectiva
deslizante entre os saberes somático-expressivo. Na intenção de um dançar que assuma a
vulnerabilidade como mote investigativo. Atenta a uma percepção aguçada das cicatrizes
corporais e suas possibilidades expressivas. Uma abertura para o silêncio no ato de dançar.

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Caminho esse que se aproxima do que Laban afirmava como dança, ou seja, o poema do
esforço pelo qual cada pessoa não cessa de inventar o seu próprio corpo (SUQUET, 2008).

Referências bibliográficas

FERNANDES, Ciane. O corpo em movimento: o Sistema Laban/Bartenieff na formação


e pesquisa em Artes Cênicas. (2ª Ed.) São Paulo: Annablume, 2006

HACKNEY, Peggy. Conexão e Expressividade nos Bartenieff Fundamentals. Nouvelles de


Danse, nº 28, 1986.

MIRANDA, Regina. Corpo-Espaço: aspectos de uma geofilosofia do corpo em


movimento. Rio de Janeiro: 7 letras, 2008.

SUQUET, Annie. Cenas. O corpo dançante: um laboratório da percepção. In:


COURTINE, Jean-Jacques (Dir.). História do Corpo vol. 3: As mutações do olhar. O século
XX. Petrópolis: editora Vozes, 2008. p. 509-539.

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ODRADEK STREET BUTOH THEATRE - A DANÇA DENTRO DA CIDADE.


Nadya Moretto D' Almeida

Palavras-Chave
dança japonesa, dança na cidade, Butoh

A presente comunicação tem como objetivo lançar um olhar para a produção


performática do artista japonês Shoichi Fukushi através do relato da performance “Odradek
Street Butoh Theatre” realizada em Aomori, no Japão, no ano de 2015. A partir da observação
desta ação performática, em que um grupo de artistas comandados por Fukushi percorrem as
ruas da cidade, buscaremos refletir sobre a dança em espaços não convencionais e sua
incorporação no cotidiano deste espaço. Para tanto, nos ampararemos nos escritos de Richard
Schechner sobre o teatro ambiental e também em ideias desenvolvidas sobre site-specific nas
artes visuais. Shoichi Fukushi (1953) é um artista japonês que nasceu e atua principalmente
no Japão, embora já tenha se apresentado em países da Ásia e Europa. Apesar de realizar
peças em teatros, a maior parte de sua ações acontecem em espaços “não convencionais”,
onde o artista explora os elementos disponíveis e estabelece um jogo com o espaço. Sua
primeira grande influência foi o diretor japonês Shuji Terayama (1935 -1983) que visitou a
escola de Fukushi em Aomori, quando ele ainda estava no ensino médio. Este importante
artista da vanguarda japonesa casou grande impacto em Fukushi e acabou por influenciá-lo a
estudar artes cênica. Foi então que Fukushi iniciou sua formação teatral na Universidade
Yamagata onde conheceu Shigeya Mori, um dançarino de Butoh e funcionário público. Com a
abordagem de Mori, que dançava pela cidade, Fukushi diz ter encontrado a verdadeira
essência da dança. Ao voltar para Aomori, ele se torna funcionário público de sua cidade e há
35 anos atua como um dançarino-burocrata, como ele mesmo se apresenta. A seguir, faremos
uma exposição comentada de uma das performances de Shoichi Fukushi que pudemos assistir
em Aomori, no ano de 2015, intitulada “Odradek Street Butoh Theatre” A performance era
composta por um grupo de músicos (percussão, saxofone e shamisen ) e cerca de 10
performers, cada qual com seu próprio estilo, figurino e tipo de movimentação. A proposta era
que a trupe percorresse diferentes pontos da cidade. O trajeto de “Odradek Street Butoh
Theatre” se iniciou em um pequeno templo. Em seguida, os performes percorreram as

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!

calçadas, atravessando ruas, e passando em frente às casas e ao comércio local. Algumas


vezes eram recebidos por alguns comerciantes em suas lojas. Uma floricultora, ao ver Fukushi
se aproximar, preparou uma flor para lhe entregar e esta foi imediatamente incorporada ao
movimento do performer. Todos os artistas que compunham esse “Street Butoh Theatre”
realizavam ações independentes entre si. Pareciam evoluir sem uma ordem muito definida ou
fixada. Quando se cruzavam, os performers “jogavam” entre si assim como também
"jogavam" com o espaço e público. Os músicos pareciam também independentes, evoluindo
de forma livre pelo trajeto que parecia estar definido apesar de nenhuma rua ter sido fechada
para a passagem do grupo. Os performes se locomoviam pelos espaços da cidade, obedecendo
suas regras e seus tempos: esperavam que os semáforos se fechassem pra atravessar ou
performavam no meio da rua, mas só enquanto o farol vermelho para os carros permitisse,
entravam em algumas lojas, dividiam a calçada com quem veio para assistir e com quem foi
surpreendido pela ação. Depararam-se com uma manifestação política na rua e a
incorporaram na performace e foram incorporados por ela, jogando a todo momento com o
tempo e os elementos da cidade. Por fim, os performers entram no subsolo de um prédio,
onde funciona o mercado de peixes da região e depois de passar entre as barracas, nos
conduzem a um local que estava previamente preparado para ser o local de encerramento da
performance. Performar no espaço e deixar que o espaço performe parecem ser características
fundamentais dentro do trabalho de Shoichi Fukushi. Neste sentido, podemos dizer que este
evento performático está muito próximo à ideia de teatro ambiental de Richard Schechner,
quando o autor argumenta que “para encenar uma performance 'ambientalmente' significa
mais do que simplesmente afastá-la do proscenium ou fora da arena. Uma performance
ambiental é aquela em que todos os elementos ou partes que compõem a performance são
reconhecidos como vivos” (Schechner,1994) Para Schechener estar vivo é mudar,
desenvolver, transformar, ter necessidades e desejos para expressar e usar a conciência. Em
Odradek Street Butoh Theatre o jogo que os performers têm com o espaço evidencia esta
vivacidade dos elementos, que passam a integrar a performance no momento em que os
artistas respondem aos estímulos das situações cotidianas. Os performers evoluem no seu
tempo performático, mas também absorvem o espaço em sua performance. Momentos como
quando o farol que sinaliza a parada para o pedestre se fecha, alterando o tempo de passagem
dos artistas ou mesmo criando uma tensão na cena. Ou quando um grupo de manifestantes

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!

passa e imediatamente alguns performers aderem a causa em questão. São momentos de


intersecção da vida cotidiana e de ação performática que a presente comunicação pretende
analisar.

Referências bibliográficas

Caderno de programação – PSI 2015 – Tohoku Beyond Contamination –Corporality,


Spirituality an Piligrimage in Northen Japan.

KWON , Miwon One Place After another – Notes on Site Specific. (1997) in Theory in
Contemporary Art since 1985 LEUNG,Simon KOCUR, Zoya (organização), 2009

MELLO, Paulo Cezar Barbosa. Site Specificity na arte contemporânea: Inhotim. Tese de
Doutorado. Universidade de São Paulo., 2015

SCHECHNER, Richard. Eviromental Theater (an expanded new edition) Applause, 1994.

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!

A TRAJETÓRIA DE AUGUSTO BOAL COMO PROFESSOR DE DRAMATURGIA.


Paula Autran

Palavras-Chave
dialética, dramaturgia, teatro político,

O objeto da pesquisa é a trajetória de Augusto Boal como professor de dramaturgia


desde o Seminário de Dramaturgia do Teatro de Arena (1958) até suas reflexões pós exílio.
Passando pelas aulas que ministrou na EAD, em duas turmas: 1961/62 e 1965/66. O objetivo
central da pesquisa é investigar de que forma os procedimentos teóricos e práticos da
trajetória de Augusto Boal como pesquisador e professor de dramaturgia contribuíram para a
consolidação de uma visão coletiva sobre dramaturgia que influenciou o trabalho de uma
geração de dramaturgos, atores, diretores, teóricos etc. Mais do que isso, é compreender a
forma específica desses procedimentos que se configuram como uma modalidade de prática
teatral, em que a escrita decorre de debates estéticos, discussão de temas do momento
político, avaliação de propósitos cênicos. Para tanto, será fundamental analisar e interpretar
não apenas a história desses procedimentos como sua materialização em anotações inéditas de
suas aulas, que conseguimos junto a Lauro César Muniz, e em escritos esparsos que
pretendemos sistematizar. Entre os objetivos específicos pretendemos analisar o papel
diferente que passou a assumir o autor teatral, e com isso, recolocar no debate sobre a
dramaturgia brasileira, a discussão sobre a função do dramaturgo numa produção coletivizada
e sua necessidade de um ambiente de pesquisa em que se formulem não só questões técnicas,
mas também políticas, sociais e estéticas. Um aspecto fundamental dessa trajetória de Boal
será destacado no estudo: seu caráter de formação, sua vertente didática mesmo, que se
incumbia de dar aos dramaturgos iniciantes, e aos estudiosos do tema em geral, uma base
teórica e prática que sustentasse o seu interesse na escrita pelo teatro. Mais do que um
conjunto de textos acabados para ir ao palco, criou-se por meio de exercícios e debates a ideia
e a prática de uma formação em que o assunto e a orientação crítica engendram sua forma.
Com vistas a contribuir para os estudos do entrecruzamento entre texto e cena e da pedagogia
da dramaturgia, o trabalho pretende investigar a trajetória de Boal como professor e pensador
de dramaturgia com foco nos esforços de sistematização dos procedimentos de análise e

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!

criação de um pensamento sobre o tema. Além disso, pretende-se pesquisar o referencial


crítico e teórico utilizado por Boal. Para isso será necessário cotejar a bibliografia existente
com novas fontes (como entrevistas e material inédito de arquivo) e extrair desse processo as
referências a suas aulas, palestras e aos procedimentos de análise ali executados. Um segundo
passo será a realização da análise crítica do que foi produzido, tendo em vista as tensões entre
enunciados da forma e interesses temáticos anunciados, buscando interpretar seu sentido
crítico diante do projeto geral de uma arte nacional e popular no contexto anterior e pós 1964.
Pesquisa bibliográfica: construção do quadro teórico de referência, hipóteses; Na primeira
fase do estudo foi realizada a leitura da bibliografia básica. Houve no período ainda um
trabalho de reunião de uma bibliografia esparsa, num campo de estudos pouco sistematizado.
A trajetória de Boal nesse aspecto específico de professor e pensador de dramaturgia, em que
pese sua importância, foi pouco analisada. Os raros relatos existentes são de natureza pessoal.
Como estratégia de estudo dividiu-se a bibliografia em três frentes, a saber: 1-Textos e livros
teóricos sobre as influências de Boal e os que ele próprio escreveu; 2-Peças escritas no
Seminário de Dramaturgia do Teatro de Arena, peças de outros alunos da EAD e peças que ele
analisa por meio de seu olhar sobre a teoria da dramaturgia; 3-Biografias e entrevistas dos
artistas e alunos que conviveram com ele no período analisado. A partir dessa divisão foi feito
um levantamento minucioso do que existe publicado sobre o assunto em questão, realizadas
leituras e apontamentos que nortearão os próximos passos da pesquisa. Nossa metodologia de
pesquisa pressupõe o entrelaçamento teórico de todos os instrumentos de análise que
utilizamos para em um primeiro momento coletar nosso material e em um segundo momento
analisá-lo. Queremos chegar a um ponto em que tanto o material prático, a saber, aquele que
se refere aos exercícios desenvolvidos por Boal em seus cursos, quanto o material teórico,
tanto de conceitos quanto de fatos históricos, sejam entrelaçados para que tenhamos uma
amostragem mais geral de nosso objeto de pesquisa. Nossos instrumentos continuam a ser a
pesquisa de campo, por meio de entrevistas, busca em acervos públicos e pessoais, e análise
de material pré-existente. Com esse material em mãos, vamos descobrir qual a melhor
metodologia para sua análise, por meio do arsenal teórico que viemos recolhendo durante
nossa pesquisa. Foi priorizada a pesquisa aprofundada na bibliografia existente, incluindo
também a cotização de matérias em jornais, revistas e periódicos. Além disso, a ênfase da
pesquisa foi deslocada de um recorte meramente histórico para um caráter mais analítico.

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Essa análise será feita principalmente no entrecruzamento entre dramaturgia e cena e na


investigação do aspecto da produção que parte de um trabalho de grupo, com bases mais
coletivizadas e igualitárias. A outra dificuldade apontada, a de escassez de material, vai sendo
suplantada pela minuciosa análise do material que nos foi cedido e que vai mostrando muitas
camadas, assim como o restante dos livros, artigos, depoimentos, etc. Assim, trabalhamos
também na análise das entrelinhas dos discursos e das obras. Um dos principais aspectos da
pesquisa se deu após nos ter sido cedido, por Lauro César Muniz, material inédito que mapeia
com riqueza de detalhes as aulas de Boal na EAD, além de algumas de suas palestras no
Teatro de Arena. Com isso, tivemos uma radical mudança na estrutura da nossa tese. O
material também requer leitura aprofundada de parte do material teórico que não havíamos
realizado, entre outras novidades que ainda não podemos enunciar, pois estamos no “copo a
corpo” da análise das muitas páginas desse precioso material.

Referências bibliográficas

ALMADA, Isaías. Teatro de Arena. Uma Estética de Resistência. Editora Boitempo. São
Paulo. 2004.

BETTI, Maria Silvia. Oduvaldo Vianna Filho. Edusp. São Paulo. 1997.

______. Do impulso ao Salto.in Revista Sala Preta. 2015.

BOAL, Augusto. Hamlet e o Filho do Padeiro, RJ, Record, 2000

______. Teatro do Oprimido. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 1980.

______. Técnicas Latino-Americanas de Teatro Popular. Editora Hucitec. São Paulo. 1979

CAMPOS, Cláudia Arruda. Zumbi, Tiradentes. Editora Perspectiva. São Paulo. 1988.

DIONYSOS. Especial Teatro de Arena. Ministério da Educação e Cultura. Serviço Nacional


de Teatro. 1978.

MOSTAÇO, Edélcio. Teatro e Política: Arena, Oficina, Opinião. SP, Proposta Editorial

PATRIOTA, Rosângela. Vianinha. Um Dramaturgo No Coração de Seu Tempo. Editora


Hucitec. São Paulo. 1999

PEIXOTO, Fernando (org.) Vianinha: Teatro, Televisão, Política. Org.. Editora Brasiliense.
São Paulo. 1983.


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DRAMATURGIA DE SI
Juliano Ricci Jacopini

Palavras-Chave
dramaturgia, ficção, memória

O conceito de dramaturgia na cena contemporânea vem sendo desdobrado. O que


antes, na história do teatro, relacionava o sentido da palavra ‘dramaturgia’ só e apenas ao
texto - ou seja, algo criado por dramaturgos em seu ofício da escrita – se alarga para camadas
mais plurais, em que o conceito se estende para mais linguagens do fazer teatral e das artes do
corpo atravessado pela ideia de composição. Em minhas pesquisas junto à Cia. Labirinto de
Teatro (Matão/SP) uma das linhas de trabalho criativo resulta como parte fundamental de
meus interesses: a autoria de um texto teatral nascido no corpo do ator, e, para isso, a
memória do vivido é tomada como potência para a tessitura de dramaturgias autorais
ficcionais de si. “Ame!”, espetáculo estreado em 2016, foi um processo criativo junto à atriz
Mabê Henrique em que a pesquisa parte da vida da atriz para compor uma dramaturgia
autoral-ficcional, via corpografia, procedimento que venho buscando definir como uma
possibilidade criativa para o trabalho do ator/diretor em processo colaborativo dentro das
perspectivas contemporâneas das escritas performativas do drama na cena teatral, em que,
pelo encontro da memória pessoal (referencial interno) com material coletado (referencial
externo), nasce um possível e potente caminho para a criação ficcional. A corpografia faz
parte de minhas pesquisas de doutoramento. Ao buscar tecer um drama corpóreo, aqui, a ideia
do drama nascido verticalmente, não no papel, mas na ação do ator, em seu corpo, busca-se
desenvolver práticas direcionadas à criação coletiva dramatúrgica de um corpo que cria em
cena pela codificação de memórias vividas, ressignificadas ficcionalmente. A ideia, nesta
experiência prática, é a possibilidade de enxergar a memória como parte e extensão do corpo,
que quando estimulada para a criação, toma ação e imaginário em diálogo / em composição
cênica. Janaina Leite (2017) nos apresenta uma trajetória de processos de pesquisa que
culminam no pressuposto de uma de escrita performativa da cena, que seria uma forma
contemporânea de criação dramatúrgica, em que os aspectos autobiográficos da criação para a
cena vêm à tona, ou seja, a própria vida é material para criação e torna-se de fato o

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acontecimento artístico, revivendo-se. Colocar a própria vida como material para criação
desponta cada vez com maior intensidade, ou ainda, com maior necessidade nas artes da cena.
Mas por que falar de si? O ser humano carrega em si traços constituintes de seu vivido, estes
que constroem sua identidade. Ao falar de si, o artista expressa sua voz via camadas
ficcionais, não relatando o que de fato aconteceu, mas sim aquilo que possivelmente pode ser
dito. Existem graus de ficcionalização em todo relato, mesmo sendo ele documental, ou
autobiográfico, e, talvez, trazer o si próprio para o jogo das relações criativas – as memórias,
os eventos vividos, as histórias pessoais – é uma necessidade de transformação, como se se
pudesse “recontar” a própria história no mundo, construindo um “era uma vez” de uma outra
história, essa outra a mesma, esse outro, o outro de si mesmo. A teoria da pulsão de ficção,
cunhada por Suzi Sperber (2009), trata sobre a necessidade inata do ser humano de criar, o
que pressupõe a existência de universais/ saberes básicos. Seriam eles: simbolização,
efabulação e imaginário que possibilitam a comunicação. Partindo do desenvolvimento da
linguagem na criança, a teoria toma por base a expressão do ser humano como necessidade
para comunicar algo no mundo, e isso se dá via elaboração de emoções profundas e eventos
vividos que se expressam por meio do imaginário e utilização de simbologia. Seria uma força
criativa que cada indivíduo tem em si, como maneira própria de produzir conhecimento por
meio do vivido, da experiência – e também matéria fundamental para a recepção. Sperber
ainda postula que a pulsão de ficção está à disposição, mas precisa ser estimulada, pois é o
estímulo que desperta circunstâncias do vivido (familiar, histórico, cultural, social) muitas
vezes caladas e oprimidas, para recuperação da própria voz, ou seja, da autoria para o
indivíduo. “Ame!” parte das memórias vividas pela atriz que, em confluência com quadros do
artista plástico Amedeo Modigliani (1884-1920) suscitaram uma relação. Esse fora o jogo
inicial proposto: que Mabê relacionasse obras do pintor a pessoas de sua vida, estas que
tivessem em sua trajetória (constituição) uma relação de amor, o universal que inicialmente,
sem termos clareza, selecionamos para o trabalho. Ocorreu que foram selecionadas obras de
Modigliani e relacionadas às seguintes pessoas de sua vida: “A Cigana (1918)” – mãe
biológica; “Retrato de Lunia Czechovska (1919)” – mãe adotiva; “Retrato de Jean Cocteau
(1916)” – dois professores de teatro; “Rapariga Ruiva em Camisa (1918) – ela mesma, mais
jovem; “Autorretrato (1919)” – namorado; “Beatrice Hastings (1915)” – ex-namorada;
“Retrato de Leopold Zborovski (1918)” – pai adotivo; “Retrato de Jeanne Hébuterne (1919)”

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– ela mesma, no futuro. Matrizes corporais surgiram no corpo de Mabê, advindas da


codificação das fotografias/ quadros selecionados, via mímesis corpórea (BURNIER, . Para
essas matrizes postas em relação, a memória do vivido surgiu como elemento complementar
que engrenou a tessitura do drama. Personagens nasceram com “memórias” inventadas, pela
via do vivido por Mabê, em uma trama relacional. Tínhamos claro que não queríamos narrar a
vida da atriz, mas, pela narrativa dos eventos vividos pela atriz - sua história - tecer uma
dramaturgia ficcional. Assim, os interesses dessas reflexões se engendram na ideia de que a
própria vida tem potencial para ser referência dramatúrgica, inventiva, deveras, afinal, a
ficcionalização permeia o imaginário do ser humano e se expressa em seu discurso por seus
desejos e possibilidades de atribuir voz a si mesmo, em possíveis dramaturgias ficcionais de
si.

Referências bibliográficas

BURNIER, L. A Arte de ator: da técnica à representação. São Paulo: UNICAMP, 2009.

LEITE, J. Autoescrituras performativas: do diário à cena. São Paulo: Perspectiva: Fapesp,


2017.

SPERBER, S. Ficção e Razão: uma retomada das formas simples. São Paulo: Aderaldo &
Rothschild: Fapesp, 2009.

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DISPOSITIVOS DE INTENSIFICAÇÃO DO ACONTECIMENTO CÊNICO: A OBRA


DE ARTE COMO ABERTURA PARA A PRESENÇA AUTÊNTICA
Alessandra Lima De Carvalho

Palavras-Chave
Presença; Dispositivo; Intensidade; Cena “contemporânea”.

Certos espetáculos da cena contemporânea se caracterizam pela forte exposição da


fisicalidade dos corpos, pela presença de seres reais e não ficcionais, pela violência e pelo
corpo em risco. Isso coloca o público, por vezes, em intensos confrontos com as
materialidades e resíduos produzidos pelos atuantes, expondo o humano em sua fragilidade e
finitude. Estas estratégias da encenação que, em um passado recente, se restringiam a
colaborar para a eficácia narrativa do texto dramático, em alguns espetáculos
contemporâneos, parecem se comportar como um modo de intensificar o acontecimento
cênico. A partir do conceito de Dasein (ser-humano em existência) formulado pelo filósofo
Martin Heidegger (1889-1976), este estudo propõe refletir sobre como um espetáculo, a partir
do uso de dispositivos cênicos intensificadores, poderia ser um instrumento capaz de
promover uma abertura que conduza o espectador à autenticidade. Para isso, a pesquisa se
apoia também na análise de três espetáculos teatrais – Tragédia Endogonidia (Socìetas
Raffaello Sanzio, 2003); Para acabar com o julgamento de Deus (Oficina Uzyna Uzona,
2016); e Suz o Suz (La Fura dels Baus, 1985); Sabe-se que há muito tempo os “fazedores” de
teatro criam e utilizam recursos técnicos e visuais que colaboram na criação da cena visando
efeitos e objetivos específicos. Desde as origens do teatro ocidental é possível identificar
relatos do uso de soluções cênicas pensadas por aqueles que, de alguma forma, eram os
responsáveis por criar e gerir espetáculos. Pode-se dizer que em cada período da história do
teatro sempre existiu, já a partir dos gregos, uma pessoa responsável por cuidar da
coordenação material da representação. (PAVIS, 2013). Pensar sobre a cena, é também refletir
sobre como o criador “contemporâneo” manipula os recursos cênicos e tecnológicos
disponíveis a fim de obter resultados específicos. Os recursos são entendidos, a princípio,
como quaisquer elementos cênicos que podem se transformar em dispositivos provocadores
ou colaboradores de certos efeitos, sejam eles o som, a luz, a cenografia, os atores, ou

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qualquer outra presença humana ou não, que pode ser reconfigurada ou rearticulada de modo
a provocar reações desejadas, mesmo que empiricamente pelo encenador. O termo dispositivo
é observado a partir do conceito pensado por Michel Foucault (1926-1984) e ampliado por
teóricos como Giorgio Agamben (1942-) e Gilles Deleuze (1925-1995). Foucault parece
trazer as práticas não discursivas para dentro da sua ideia de dispositivo, ou seja, de como as
subjetividades são produzidas não só pelo dizer, mas também pelo fazer, uma vez que o
dispositivo está sempre inserido em um jogo de poder, onde os saberes por ele produzidos
também o nutrem e o mantém. A ideia de “intensificação” de um dispositivo é pensada a
partir do conceito de intensidade de Henri Bergson (1859-1941), abordado em sua obra
“Ensaio sobre os dados imediatos da consciência” (1927). Ele utiliza a intensidade para falar
sobre como o tempo e a duração se manifesta na consciência. Para Bergson, a intensidade
carrega um caráter fortemente subjetivo, por isso não pode ser medida por um caráter
quantitativo. Pensando a intensidade à maneira de Bergson, a intensificação seria, para o
dispositivo cênico, um aumento na qualidade de percepção, a partir da intensidade das
sensações e na capacidade de afetar que pode ter uma cena intensificada. Desse modo, os
dispositivos de intensificação da cena – operando com uma intensidade qualitativa na
experiência estética do espectador – poderiam levar ao “salto” descrito por Heidegger, ou
seja, conduziriam o Dasein à autenticidade. Para Heidegger o ente que se diferencia de todos
os outros entes, exatamente porque se pergunta sobre o seu próprio ser, é o Dasein – um termo
decisivo para a compreensão de seu livro “Ser e Tempo” (Sein und Zeit), publicado em 1927.
Mas, os seres humanos se diferenciam na maneira como atuam no mundo, alguns apenas
vivem de maneira automática e cotidiana, e são assim, considerados por Heidegger como
inautênticos. Outros, por algum fato que lhes acontece, tornam-se conscientes de sua
existência, tornam-se autênticos. Essa mudança pode se dar de modos variados: desde um
simples tropeçar ou a morte de um ente querido. No primeiro momento o Dasein se angustia -
é a angústia de perceber-se como Dasein. E é nesse angustiar-se que, segundo Heidegger,
existe a possibilidade de uma abertura privilegiada para a autenticidade, já que a angústia
singulariza o Dasein e o retira de sua cotidianidade, revela sua autenticidade e inautenticidade
como possibilidade. Mas como a arte pode ser um instrumento de abertura para o autêntico?
No livro “A origem da obra de arte” (1950), Heidegger defende que é próprio da arte a
manifestação da verdade do ser. A arte põe em suspensão o olhar cotidiano, costumeiro, e

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proporciona a entrada num novo domínio de abertura no qual nossas crenças são suspensas,
como uma revelação. A obra de arte abre a clareira onde a verdade do ser da obra aparece, por
isso o desvelamento não é um estado fixo, é um acontecimento. E isso permite supor que
talvez a obra de arte possa ser um instrumento provocador do salto para um Dasein autêntico,
ao pensar a arte como esse “pôr-se-em-obra da verdade”, descrito por Heidegger.
(HEIDEGGER, 2010) Mas o que seria um acontecimento cênico intensificado a partir dessa
hipótese da obra de arte como desvelamento? Uma das características do Dasein autêntico é a
consciência da sua própria morte. E saber-se finito libera o Dasein para uma vida de liberdade
de escolha – uma liberdade pela morte. Supõe-se então, que quando espetáculos abordam esse
tema de maneira direta ou indireta talvez se dê uma intensificação do acontecimento cênico
operando, assim, na produção da angústia capaz de promover essa abertura, e
consequentemente o “salto”. E não por acaso, os espetáculos que serão analisados tratam
exatamente de temas ligados à violência e ao risco, ou mesmo a vulnerabilidade do humano.
O grau de afetação que estes espetáculos parecem provocar pode atuar, justamente, nessas
questões que o Dasein cotidiano se mantém alheio. Se através da intensificação da experiência
estética a “clareira” se abrir, essa abertura talvez possa significar uma possibilidade de
mudança de estado do Dasein: ele tomaria sua vida nas mãos através da abertura que arte
pode promover. Aí estaria a dimensão política que perpassa a pesquisa: a liberdade pela
autenticidade. A consciência de saber-se como possibilidade aberta no abismo da decisão
permanente.

Referências bibliográficas

BERGSON, Henri. Ensaio sobre Os Dados Imediatos da Consciência. Lisboa: Edições 70,
1988.

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

HEIDEGGER, Martin. A Origem da Obra de Arte. Lisboa: Edições 70, 2010

______. Ser e Tempo. Tradução e organização Fausto Castilho. São Paulo: Editora da
Unicamp, 2014.

PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2003.

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______. A encenação contemporânea: origens, tendências, perspectivas. São Paulo:


Perspectiva, 2013.

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A ILUMINAÇÃO NA CENA CONTEMPORÂNEA DO RIO DE JANEIRO: “AS


GAMBIARRAS DO ACASO”
Fernanda Guimarães Mattos De Souza

Palavras-Chave
aprendizado, iluminação cênica, processo criativo, teatro

Há tempos que a iluminação vem conquistando um lugar de destaque na cena teatral


brasileira. A luz, antes utilizada cenicamente apenas com o intuito de iluminar atores e
cenário, transformou-se ao longo dos tempos em um elemento fundamental na construção da
narrativa, entre tantas outras importantes funções estéticas. Entretanto, devemos observar a
predominância do modelo não formal de aprendizagem que permeia a formação de
profissionais iluminadores no Rio de Janeiro. Um dos objetivos deste estudo é entender a
supremacia da prática em relação à teoria no ensino da iluminação na cena carioca de teatro.
Para tanto, analisaremos experiências formativas sob a orientação de um profissional mais
experiente, a partir do depoimento de três iluminadores representantes de diferentes gerações,
cujas formações foram marcadas pela convivência com um mestre. Não havendo nenhuma
possível interferência acadêmica, formaram uma tríade na qual um veio a ser mestre do outro
consequentemente. Foram levantadas questões a serem exploradas em entrevistas, nas quais
os iluminadores discorrerão sobre os temas: formação, processo criativo, trajetória, condições
de trabalho e ofício do iluminador no Rio de Janeiro. Por meio destes estudos de casos, serão
traçados panoramas sobre as três diferentes gerações de mestres e discípulos, possibilitando a
reflexão sobre os sentidos políticos e estéticos que permeiam seus trabalhos. O desejo de
produzir um projeto acadêmico sobre o processo criativo e os possíveis modelos de
aprendizagem na iluminação cênica, deu-se a partir da minha própria experiência enquanto
aprendiz, tendo experimentado a prática não formal, aprendendo o ofício junto a um mestre. A
questão da ausência de formalidade no ensino e da escassa produção teórica sobre a luz me
instigou, isto é, quando decidi me dedicar ao ofício de iluminar, percebi que, além de uma
limitada produção bibliográfica sobre o tema, não havia ainda uma frequente oferta de cursos
de formação técnica no Brasil. Roberto Gill Camargo (2012, p. 123) pontua o fato de que na
Língua Portuguesa, a produção editorial relacionada à temática é escassa, e poucos são os

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títulos que se propõe a analisar o conceito de luz e seus processos de criação. Isso me levou a
constatar que o modelo de formação que eu havia experienciado, ainda era o principal modelo
de aprendizagem na formação de profissionais dedicados a trabalhar com a luz na cena
brasileira. Compreendo, que para esse estudo, refiro-me à educação não-formal, tendo em
vista que apesar da ausência de um método pedagógico específico e inerente às instituições de
ensino no que diz respeito ao aprendizado da iluminação cênica, no Rio de Janeiro, existe,
contudo, a possibilidade de formação de conhecimento através da vivência prática mediada
pela informalidade das relações entre mestre e aprendiz. Considerando a afirmação de Jacques
Rancière que "a grande tarefa do mestre, é transmitir seus conhecimentos aos alunos, para
eleva- los gradativamente à sua própria ciência, para que os mesmos imprimam no domínio
da técnica, traços de sua própria personalidade" ( RANCIÈRE, 2015, p.19), observa-se que
apesar do convívio com o mestre iluminador, cada discípulo vem a desenvolver suas próprias
características estéticas na criação de luz, pois isso está diretamente ligado a conceitos
artísticos particulares. Verifica-se ainda, que o mestre é capaz transmitir conhecimentos
técnicos, enquanto as noções estéticas ficam a cargo do próprio aprendiz e seus referenciais de
vida. Assim, o exercício que farei, nesta pesquisa, consiste em pensar a luz e suas
possibilidades de transformação cênica a partir de um conjunto de fatores relevantes à
formação de profissionais que, a cada geração, propõe ao campo da iluminação novos
sentidos de leitura e compreensão artística. Para levantar hipóteses norteadoras e pontos
capitais de discussão, o caminho metodológico da pesquisa consistiu em entrevistas com três
diferentes iluminadores cariocas consagrados, que tiveram suas trajetórias marcadas por meio
da prática e do acompanhamento dos mais experientes, em diferentes gerações e,
consequentemente, aprenderam empiricamente uns com os outros. Os profissionais são:
Jorginho de Carvalho, primeiro iluminador reconhecidamente profissional da cena brasileira,
representante da primeira geração de mestres iluminadores; seguido de Aurélio de Simoni,
discípulo de Carvalho e aclamado iluminador carioca; por fim, Renato Machado,
representante da terceira geração de iluminadores formados empiricamente, discípulo de
Simoni e premiado iluminador reconhecido internacionalmente. Devo ressaltar que a escolha
dos iluminadores investigados nessa pesquisa se deu pelo fato de os três terem sido mestres e
aprendizes uns dos outros. A partir do contato investigativo com esses iluminadores, este
trabalho pretende verificar como acontece a transmissão oral de saber e o desenvolvimento de

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processos de criação através da prática empírica de ensino na formação de profissionais


iluminadores no Rio de Janeiro. O que se propõe analisar, neste sentido, é o processo de
criação, as relevâncias estéticas e as heranças artísticas adquiridas por cada geração diante das
mudanças sociais, tecnológicas e culturais vivenciadas por esses profissionais. Além de
entrevistar os três iluminadores com o intuito de adquirir informações sobre suas próprias
experiências, formação e pensamentos com relação aos possíveis modelos didáticos diante das
diferentes gerações, pretendendo também verificar como acontece a formação do processo de
criação de luz, no trabalho de cada profissional. Será necessário, portanto, traçar diálogos
entre as já mencionadas entrevistas entre si, extraindo delas um pensamento teórico que nos
leve a refletir sobre os diversos fatores relevantes ao panorama artístico, às transformações
conceituais e à narrativa proposta pela luz, a cada geração abordada na pesquisa. Por fim,
considero que desenvolver um trabalho acadêmico sobre a luz, os criadores de luz e seu
potencial artístico dentro das artes cênicas, poderá constituir um passo importante para
permitir que este elemento alcance um lugar de maior destaque na cena brasileira.

Referências bibliográficas

CAMARGO, Roberto Gill. Conceitos de iluminação cênica: processos coevolutivos. Rio de


Janeiro: Musica & Tecnologia, 2012.

RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante – cinco lições sobre a emancipação intelectual.


Belo Horizonte: Autentica Editora, 2015.

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OS ESPECTROS DE HEINER MÜLLER.


Danilo Riva De Moraes

Palavras-Chave
Heiner Müller, história, tempo

A dissertação Os espectros de Heiner Müller: um estudo sobre os confrontos textuais


de sua prática dramatúrgica tem por objetivo o estudo da dramaturgia de Heiner Müller, sendo
seu principal eixo de abordagem a análise dos confrontos artísticos e históricos que o
dramaturgo estabelece com escritas teatrais anteriores, tais como: Ésquilo, Sófocles,
Shakespeare, Corneille, Brecht, entre outros. Neste sentido, foram analisadas duas peças de
Müller: Macbeth (a partir de Shakespeare), que relê e reescreve, em 1971, o texto
shakespeariano de 1606, e Mauser, que, em 1970, relê e reescreve a peça A Decisão, de 1929,
de Bertolt Brecht. Esses espaços temporais criam uma tensão entre proximidade e distância,
visto que os textos escritos em momentos históricos mais próximos (Mauser e A Decisão) se
distanciam mais radicalmente na forma da escrita - há um rompimento mais evidente com a
estrutura textual da peça que serve de “material” para Müller. Já em Macbeth, há fragmentos
da peça shakespeariana que reaparecem no texto de Müller, o que faz com que sua escrita
possa ser pensada, de algum modo, como um palimpsesto. Ao arrancar a “carne” dos textos
que lhe servem de material, Müller estabelece novos arranjos, seja alterando a estrutura de
segmentação dos textos – como quando elimina a divisão em atos do Macbeth de Shakespeare
-, seja suprimindo qualquer divisão – como faz em Mauser, ao escrever a peça em um único
bloco, como um “rolo compressor”, no qual os acontecimentos se chocam, se confundem e se
atritam. Todas estas “subversões” presentes na escrita de Müller contribuíram para uma forte
resistência por parte dos críticos alemães. Em críticas referentes a Macbeth, chegaram a
questionar a legitimidade de seu trabalho: [...] Ele [Müller] foi ainda acusado de excesso de
violência no palco [...]. A questão da peça de Müller como uma “adaptação genuína" foi
levantada novamente em uma mesa redonda organizada em 1973 e publicado mais tarde no
Shakespeare Jahrbuch (Ost) de 1974. Kuckhoff , um dos mais importantes críticos
doutrinários de Shakespeare da época, questionou a "Umfunktionierung" [Refuncionalização]
de Shakespeare em Müller (NICOLAESCU, p.127-128). Umfunktionierung, termo em

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alemão que pode ser traduzido para o português como “refuncionalização”, pode ser uma via
de compreensão da violência como elemento estruturante da escrita de Müller. Walter
Benjamin, em seu ensaio O autor como produtor, aborda o conceito de “refuncionalização” de
Brecht associando-o à capacidade de transformar as formas e instrumentos de produção
artística. Escreve Benjamin: Brecht criou o conceito de “refuncionalização” para caracterizar
a transformação de formas e instrumentos de produção por uma inteligência progressista e,
portanto, interessada na liberação dos meios de produção, a serviço da luta de classes. Brecht
foi o primeiro a confrontar o intelectual com a exigência fundamental: não abastecer o
aparelho de produção, sem o modificar, na medida do possível, num sentido socialista
(BENJAMIN, 1994, p.127). Ao escrever Macbeth e Mauser, Müller modifica suas estruturas
originais, produz novas montagens e novos arranjos com falas, personagens, temas e situações
presentes nas peças que foram reescritas. E isso se dá, justamente, a partir dos confrontos
históricos e artísticos envolvidos em seu processo de escrita, confrontos estes foram
trabalhados ao longo da dissertação. No primeiro capítulo, recortou-se uma das facetas do
trabalho dramatúrgico de Heiner Müller, tomando como ponto de partida uma operação
recorrente em sua vasta produção: a reescritura. Para tanto, buscou-se trabalhar algumas
noções fundamentais para a compreensão da dramaturgia de Heiner Müller, tais como:
tradição e tradução, que implicam também a de traição. Na sequência, foram realizadas duas
análises comparativas. Na primeira – cujos objetos de estudo foram os Macbeth(s) de Müller
e Shakespeare –, procurou-se demonstrar algumas tensões temporais presentes em ambas as
peças, seja no falar dobrado das bruxas que prenunciam, por meio de suas profecias, o tempo
que ainda não há, o futuro, seja na própria figura de Macbeth, situado no limiar entre
fantasmas e profecias. A escrita de Müller “monta” relações temporais em que passado,
presente e futuro são sobrepostos. É dentro desta singular temporalidade que se dá a
fantasmagoria presente nos Macbeth(s), seja pelo fantasmagórico punhal que Macbeth
empunha, seja pela presença do fantasma de Banquo, assinalando um tempo descontínuo. A
análise seguinte se dá entre Mauser e A Decisão. De início, é abordado o possível confronto
entre Müller e Brecht no que diz respeito à questão do coro e das personagens
individualizadas, confronto este em que a própria noção de personagem é problematizada.
Novamente, na peça de Müller, tempos distintos se sobrepõem, livres de qualquer
enquadramento. Tempo e história foram ainda pensados a partir do tema da revolução, central

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em ambas as peças. A peça de Müller opera uma crítica ao modo como Brecht formula, em A
Decisão, o processo revolucionário, compreendido aí não como uma interrupção do contínuo
da história, mas como um processo teleológico, com um fim quase que inevitável a ser
atingido. No último capítulo, onde são tecidas as considerações finais, foi estabelecido um
confronto entre as duas peças de Müller, sob a perspectiva de dois elementos: a figura do
homem-máquina, que age a partir da supressão do tempo intervalar – seja entre o agir e o
pensar, no caso de Macbeth, seja entre o dedo e o gatilho, no caso de A. Há, de certo modo,
algo de inumano em algumas personagens que compõem as peças de Müller, “inumanidade”
esta decorrente, talvez, da violência da qual essas personagens emergem e a partir da qual elas
se configuram. É intrigante pensar hoje, em tempos também tão violentos – e, em parte,
sombrios –, a dramaturgia de Heiner Müller. Uma escrita que, de certo modo, responde aos
impasses políticos e artísticos de seu tempo ouvindo os ecos, ou fazendo ressoar os impasses,
sofrimentos e violências de outros tempos e de outros textos – mais recentes – como os de
Brecht – ou mais remotos – como os de Shakespeare. É também a partir deste confronto que
Müller constrói sua concepção de teatro, constituído no dilaceramento e no diálogo com os
mortos. De algum modo, a dissertação também se lançou na tarefa de dialogar com os mortos,
pois, como disse Jean Jourdheuil: “Aqueles que se interessam pelo teatro de Heiner Müller
tomarão a peito fazer dele, de agora em diante, um espectro. Ele próprio preparou
minuciosamente o terreno”.

Referências bibliográficas

BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas: magia e técnica, arte e política. Vol. I. Trad. Sérgio
Paulo Rouanet. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

JOURDHEUIL, Jean. A arte de fazer os mortos falarem. Trad. José Marcos Macedo. Folha
de São Paulo, São Paulo, 28 jan. 1996.

NICOLAESCU, Madalina. Re-Working Shakespeare: Heiner Müller’s Macbeth.


American, British and Canadian Studies Journal. Sibiu, n.25, p.119-131, 2015.

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GAMBIARR[A]ÇÃO#3 -- DAS FRONTEIRAS AOS LIMITES: PERFORMANCE


SITUADA NA GAMBIARRAÇÃO
Carolina Camargo De Nadai

Palavras-Chave
dança, performance, gambiarra, modo operativo

Das Fronteiras ao Limite: performance situada na Gambiarração é um vídeo-


performance criado por ocasião da 1ª edição do Seminário Nómada em Estudos da
Performance (SNEP) , em Lisboa, Portugal. O convite para inaugurar a plataforma mensal de
encontro SNEP, em novembro de 2015, foi o mote para uma colaboração minha com
Fernanda Eugénio, como artistas e investigadoras que trabalham modos de fazer afins: fazer
com o que se tem, com o que lá está. Seja pela via da ética-estética da suficiência, base da
ferramenta de improvisação e com-posição criada por Fernanda Eugénio para o Modo
Operativo AND ; seja pela via da gambiarração, investigação que se materializa em minha
pesquisa de doutorado – Gambiarração: poéticas em composição coreográfica. Este texto
apresenta uma das quatro instalações coreográficas compostas na referida pesquisa de
doutorado como um modo de discutir aspectos metodológicos para a criação-composição e
modos de pensar-fazer da performance. Em resposta ao desafio lançado pelo SNEP e
sintetizado na questão-rastilho: "Onde começa o corpo na performance? E há fim por vir?",
propusemos um jogo entre imagem e enunciação, através de uma performance situada nas
fronteiras do que é cada corpo-coisa-território-acontecimento. Lá mesmo: onde (e quando) as
fronteiras devêm (i)limites. A proposta se realiza como partilha de modos de fazer fazendo-os:
etnobiarras ou gambigrafias. Nós nos apropriamos do jogo Afeto-Enunciado-Imagem para
chegarmos à sentença síntese da composição: o corpo situa a altura em que o limite toma
corpo. Esta sentença passa a ser nossa primeira posição diante do acidente, a posição [-1] do
jogo, sendo que consideramos o acidente as questões acima citadas, propostas pelos
organizadores do seminário, mas ainda estávamos na posição [0], ou seja, já havíamos
trabalhado na direção da construção de um plano comum, mas ainda havia uma performance
para ser composta. Um enunciado não bastava, não era um modo “completo” de nos
apresentarmos. Após chegarmos a este enunciado, fomos visitar o espaço, a Latoaria, onde

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aconteceria o seminário; vasculhamos cada canto dele e decidimos gravar o vídeo de um


plano alto, que mostra nossa ação no chão, numa visão panorâmica, ao contrário da visão que
tínhamos enquanto compúnhamos o trabalho, limitada à altura do nosso corpo em relação ao
chão. A ação programada foi escrever o enunciado apenas com objetos existentes na Latoaria.
Por ser um espaço de trabalho coletivo, diversos grupos de teatro frequentam e armazenam
figurinos e adereços variados para as criações de suas peças. Tínhamos, portanto, uma
quantidade enorme de materiais disponíveis. Primeiro fizemos o trabalho etnográfico,
operação que se resumiu a fotografar o espaço não somente para listarmos os objetos
existentes, mas para especificarmos onde estavam, assim, construímos uma espécie de mapa-
inventário local. E desse modo pudemos nos apropriar dos objetos em benefício da
composição, com a garantia de devolvê-los onde os encontramos. Era extremamente
importante para a construção da performance a ideia de lidar com o que havia ali, fazer com o
que se tem, desdobrar uma ação a partir de um estado de precariedade, atualizar esse estado e,
então, chegar à composição. E assim foram as quatro horas seguintes de instalação do
enunciado, alimentando o processo de dentro para fora. Lidar com o que se tem não era
somente em relação a nossa ação com os objetos, mas se dava também no trato com tudo que
conversamos, registramos e escrevemos, que por fim tornou-se uma única frase síntese em
relação à provocação feita pelos organizadores do seminário: "ONDE começa o corpo na
performance?”; “Há FIM por vir?". Portanto, havia uma dimensão espacial que se alastrava
pela questão “onde” e outra temporal, que fazia emergir um “quando”. Foi aí que se iniciou o
mapa-inventário sobre as perguntas, antes mesmo daquele que fizemos na Latoaria. Para a
primeira pergunta-provocação ser possível, é preciso presumir que o corpo já existe e que em
algum momento, ele começa na performance, mas antes disso ele já é corpo (EUGÉNIO,
2015). Portanto, do ponto de vista da pergunta, esse corpo não é a performance, mas um corpo
que está “pronto” antes mesmo da performance acontecer; por outro lado, se pensarmos
performance e corpo como acontecimento é quase impossível distingui-los. Ao acontecer,
corpo performance e acontecimento poderiam estar num mesmo plano (EUGÉNIO, 2015, s/p)
de construção, um entendimento de que a performance é um lugar e que ela e o corpo não são
a mesma coisa. “Quando começa o corpo na performance?” - esta poderia ser outra
formulação da questão, apenas para tensionar ainda mais as perguntas feitas e não para
respondê-las. Nessa direção, podemos pensar sobre quando começamos e acabamos e se há

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realmente esses limites na vida e na arte e no trânsito entre vida e arte. Performar é apenas
estar em cena? Performar faz parte de como sobrevivemos, de como nos relacionamos no
ambiente de trabalho, família? Na linha de pensamento da Performance Studies adotada por
Richard Schechner, tudo é considerado performance, inclusive uma catástrofe como o
ocorrido em 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, quando as torres gêmeas foram
derrubadas e quase três mil pessoas morreram. Em linhas menos radicais, muito tem se
discutido acerca dos limiares, de como o corpo transita entre performance e não performance,
por exemplo. Nos apropriamos dessas conversas que tivemos sobre o que a própria
provocação feita pelos organizadores do evento nos suscitou e inserimos em áudio no vídeo-
performance. Num primeiro momento da performance estamos em nossas casas, cada uma
com uma câmera no peito registrando cada passo, realizado antes de irmos até a latoaria para
a execução da performance, há nesta experiência, uma dimensão performativa da vida, que
brinca com a questão: Onde começa o corpo na performance? Depois disso é o encontro,
quando nos deparamos uma com a outra para a ação da performance (que já era antes
performance) e então: Há fim por vir?

Referências bibliográficas

EUGÉNIO, Fernanda: fala presente no vídeo-performance Das Fronteiras ao Limite:


performance situada na gambiarração. Disponível em: <https://vimeo.com/154442170>.
Acesso em: 23 de Julho de 2016.

SCHECHNER, Richard. Performance Studies: an introduction. Nova Iorque e Londres:


Routledge, 2013.

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A CRÍTICA DE DANÇA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE CRÍTICA


Fernanda Perniciotti

Palavras-Chave
Charles Sanders Peirce, crítica de dança, jornalismo cultural

A crítica de dança: considerações sobre o conceito de crítica Breve Histórico No


Brasil, assim como nos EUA, a produção especializada em dança no Jornalismo Cultural teve
um papel importante na produção bibliográfica da área. Desde o século XX, especificamente
em 1913, quando a primeira crítica é publicada, as transformações do Jornalismo Cultural se
tornaram balizadoras no entendimento de crítica no país. Como o Jornalismo tem como
característica a periodicidade, o cotidiano de sua produção se estabilizou de forma
hegemônica como “o lugar” da crítica de dança. Porém, assim como sucedeu com outras áreas
artísticas, o espaço para a crítica de dança foi tornando-se cada vez mais escasso, e acabou por
desaparecer de boa parte dos grandes jornais do país. A ausência de espaço para a crítica no
Jornalismo Cultural se liga ao contexto maior de crise do Jornalismo impresso. Assim como
outros setores sociais, o jornalismo não é discutido na sua importância política e social, mas
sim como produtividade monetária, financeirização atada ao lucro. O sistema sociometabólico
do capital, como propõe Mészáros (2003), não distingue especificidades. Pierre Dardot e
Christian Laval (2016) reconhecem uma nova razão do mundo, em que a racionalidade está
pautada em uma razão neoliberal, que abrange todas as esferas da vida. Como nos explicam, é
importante reconhecer no desenvolvimento neoliberal a sua grande capacidade de adaptação.
Assim, crise deixa de ser um contexto de enfraquecimento, para se constituir no momento em
que as lógicas praticadas se tornam ainda mais consolidadas – o que parece estar evidente no
que se chama de “crise do Jornalismo”, que atinge o Jornalismo Cultural. A nova razão do
mundo sobrevive deste tipo de crise. Para contextualizar a condição do jornalismo impresso,
para além da necessária investigação da “nova ordem”, é igualmente indispensável considerar
as mudanças de comportamento surgidas a partir das tecnologias em contínuo crescimento no
cotidiano. Há que considerar as transformações em curso em nossos corpos, entre as quais
sobressai a que nos faz aderir a uma outra lógica de viver, que Manovich (2013) apresenta
como sendo a “lógica do software”. Não é mais possível separar a vida on da vida off line e

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esse novo comportamento produz outro tipo de leitor, outro tipo de produção textual e,
obviamente, modifica o entendimento de crítica. Segundo Katz (2014), na lógica do software,
a questão central é o funcionamento dos aplicativos e não mais as informações e/ou o modo
como aparecem no mundo. Considerações sobre o conceito de crítica Serão convocados
alguns conceitos e, principalmente, o movimento do pensamento de Charles Sanders Peirce
para elucidar possibilidades sobre o entendimento de crítica: Na arquitetura do pensamento de
Peirce, a crítica está configurada nas ciências normativas (estética, ética e lógica) como um
dos ramos da lógica. As ciências normativas se co-determinam, uma vez que, a estética, a
ciência dos ideais – admirável sem razão prévia –, colabora com a ética – ciência da conduta
auto-deliberada, auto-controlada e aceitável – na determinação do summum bonum. E
respectivamente a lógica – ciência do pensamento auto-controlado e deliberado – depende do
estabelecimento dos princípios éticos para tornar possível o pensamento, do ponto de vista de
sua aceitabilidade. Os três ramos da lógica apontados na filosofia peirceana são: a Gramática
Especulativa, a Crítica e a Metodêutica/Retórica Especulativa. Sendo a Gramática
Especulativa compreendida como o estudo da classificação dos signos, a Crítica como o
estudo das inferências, ou seja, da relação de representação entre signo e objeto (operações
argumentativas) e a Metodêutica como discurso com um fim ou da análise da condição de
inteligibilidade de um signo. A complementariedade entre os três ramos sustentam uma
operação de ordem lógica. Com os estudos comunicacionais realizados sobre a produção de
discurso das novas redes um traço surge com muita força: o discurso auto-referenciado. Ou
seja, o objeto do discurso - função de análise da crítica - está no próprio discurso, que é
orientado por um fim. A operação denominada crítica, neste caso, se torna uma metodêutica, a
finalidade do discurso que prevê a condição de inteligibilidade como único critério,
impedindo uma separação necessária aos discursos críticos entre o que se diz sobre o objeto e
o objeto existente no mundo. Aqui está uma cisão importante de ser observada e pensar o
impacto dela nos novos projetos de crítica que surgem no campo das Artes Cênicas no
contextos das redes digitais. Ainda com Peirce, é possível convocar o conceito de
razoabilidade concreta, que é a razão em processo de crescimento, para compreender o
continuum do pensamento, que não está na ‘cabeça’, mas no mundo. O pensamento está no
mundo. A crítica está atada à razoabilidade concreta. O termo ‘concreta’ enfatiza a
necessidade do esforço dos interpretantes para a concretização de sua continuidade. Peirce

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classifica três tipos de interpretantes: interpretante emocional, interpretante enérgico e


interpretante lógico. A condição para o desenvolvimento do interpretante lógico, que é o
campo em que a crítica se desenvolve, depende do empenho do interpretante energético, que é
de ordem ética, dentro das ciências normativas (SANTAELLA, 2016). Uma vez que, a partir
do contexto supracitado, compreendemos que o Jornal já não pode ser visto dentro do campo
do comprometimento ético, parece ser improvável o desenvolvimento do interpretante lógico.
Sendo assim, é possível considerar que a crítica fica restrita ao interpretante emocional. Sem o
comprometimento ético e na improbabilidade lógica, uma vez que os discursos auto-
referenciados parecem se organizar a partir de uma operação unicamente metodêutica, é
possível ainda chamar o que se produz de crítica?

Referências bibliográficas

DAPIEVE, Arthur. A renovada crise do jornalismo cultural. Revista Alceu 27: Rio de
Janeiro, 2013.

DARDOT e LAVAL, Pierre e Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade
neoliberal. Boitempo Editorial, 2016.

KATZ, Helena. O pensamento crítico no mundo do corpo apps e da lógica do Software.


Disponível em: <http://www.portalanda.org.br/anaisarquivos/6-2014-1.pdf>. Acesso em: 3.
mai. 2016.

MÉSZÁROS, István. Para além do capital. Boitempo Editorial, 2002.

PEIRCE, C. S. (1931-58). Collected Papers. Vols. 1-6 ed. Hartshorne and Weiss; vols. 7-8
ed. Burks. Cambridge, Mass.: Harvard. University Press.

PIZA, Daniel. Jornalismo Cultural. Editora Contexto, 2003.

SANTAELLA, Maria Lúcia. Chaves do pragmaticismo peirciano nas ciências normativas.


Cognitio. Revista de Filosofia – no. 1. Disponível em: < http://revistas.pucsp.br/index.php/
cognitiofilosofia/article/viewFile/13425/9952>. Acesso em: 01. mai. 2016.

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TOCA NA PRISÃO
Mateus Gonçalves

Palavras-Chave
Direitos humanos, prisão, Teatro do Oprimido

A linha de pesquisa Teatro do Oprimido no Cariri - TOCA, vinculada ao grupo de


pesquisa Pedagogias do Teatro no Cariri - PETECA, visa a investigação do sistema reflexivo
e instrumental denominado Teatro do Oprimido (TO), desenvolvido pelo teatrólogo brasileiro
Augusto Boal ao longo de décadas, junto a diversos coletivos sociais e artísticos no Brasil e
em todo o mundo. A busca das possíveis contribuições e repercussões desse sistema junto a
grupos, coletivos e instituições na região Cariri, nordeste brasileiro, é o objetivo primeiro
dessa pesquisa, que visa também a ampliação do conhecimento acerca do TO e o
desenvolvimento de práticas artísticas e sociais a partir das reflexões construídas
coletivamente, na busca da superação de situações de opressão. A metodologia da pesquisa
inclui estudos teórico-práticos sobre o Teatro do Oprimido, com revisão bibliográfica e
experimentação dos jogos e técnicas propostos por Augusto Boal nas diferentes obras escritas
por ele, a partir das experiências em diferentes contextos, com diversos sujeitos sociais. As
práticas desenvolvidas visam a percepção do alcance do método junto a coletivos organizados
e instituições na região do Cariri, com os quais se estabelecerá parcerias para o
desenvolvimento de ações políticas, artísticas e sociais. Realizam-se encontros semanais com
bolsistas, onde estudos e ações são planejados e executados, conforme diferentes focos de
análise de cada agente envolvido. Como o Teatro do Oprimido busca desvelar e superar
situações de opressão junto a comunidades e grupos socialmente vulneráveis, de modo a
promover a reflexão crítica sobre suas realidades e possíveis ações político-artísticas, a
pesquisa teve como campo inicial a Penitenciária Industrial Regional do Cariri – PIRC, no
município de Juazeiro do Norte/CE, através do Programa Projovem Urbano Prisional. Este
Programa é uma iniciativa do Governo Federal com execução do Governo do Estado do
Ceará, através da Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado e Coordenadoria Estadual
Especial de Juventude, com a participação do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho –
IDT. O TOCA desenvolveu oficinas de Teatro do Oprimido junto aos internos daquela

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unidade prisional, uma vez por semana ao longo de um mês. Os encontros tiveram duração de
três horas cada e diferentes reflexões foram suscitadas a partir deles. De modo a facilitar o
entendimento sobre as possibilidades pedagógicas/artísticas do método, foi apresentada à
equipe de educadores do Projovem a Árvore do Teatro do Oprimido, e explicada a
metodologia de trabalho a partir dela. Uma vez que o Projovem Urbano Prisional trabalha
com a metodologia integrada por Temas Integradores, escolhidos coletivamente a cada
quinzena, foi proposta a inserção nesse planejamento, de modo a trabalhar com o Teatro do
Oprimido na perspectiva da educação em Direitos Humanos, no que tange à dimensão do
pensamento livre, da livre expressão e opinião, conforme o que é expressado pela
Organização das Nações Unidas – ONU. Os resultados esperados com as oficinas de teatro
junto aos internos, foram nos aspectos de ampliação da socialização, da expressão artístico-
teatral, do reconhecimento crítico de suas realidades e da motivação para aprendizagens tanto
na área teatral, como do Projovem Urbano Prisional como um todo, uma vez que os internos
tinham com esse programa, aulas em diferentes áreas do conhecimento. Foi importante
salientar que todas as ações que seriam desenvolvidas pelo TOCA, estariam em acordo com
as normativas da instituição, sendo responsabilidade das partes, estabelecer esse diálogo
sistematicamente, de modo a evitar transtornos e/ou prejuízos ao trabalho. Como forma de
melhor desenvolver as oficinas teatrais, a realização dos encontros se deu sempre com uma
dupla de curingas – facilitadores das oficinas de Teatro do Oprimido. Ao longo dos encontros,
diferentes aspectos observados em práticas teatrais em instituições prisionais ao longo de
nossa história recente, foram observados. Por meio de estudos relacionados à prática na
prisão, em especial aqueles realizados por Vicente Concílio (CONCÍLIO, 2008) e Natalia
Fiche no projeto “Teatro na prisão” (FICHE, 2009), percebemos que a pressão desencadeada
pelo trabalho no interior de uma instituição prisional não foi algo exclusivo de nossa
experiência. Os relatos de experiências em presídios desde a década de 70, dão conta de que
por seu caráter eminentemente transgressor e emancipatório, o trabalho com teatro e em
especial com o Teatro do Oprimido, tende a sofrer com a falta de continuidade e a repressão
da própria instituição. No trabalho desenvolvido na penitenciária em Juazeiro do Norte,
verificou-se essa questão, bem como outros limites advindos do próprio Projovem, como a
falta de uma frequência regular por parte dos internos, motivada de um lado pela intervenção
de agentes penitenciários, que muitas vezes dificultavam o acesso da equipe aos internos, mas

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também pela não compreensão das possibilidades de desdobramento do trabalho com teatro
em outras ações do próprio programa. O mesmo que se percebe em instituições de ensino,
quando o teatro é visto como produtor de encenações para eventos específicos, foi explicitado
como desejo por parte da equipe de educadores. Esperavam uma apresentação ao final do
projeto, sem perceberem que apenas quatro encontros seriam muito insuficientes para
quaisquer resultados cênicos passíveis de apresentação externa. Um dos aspectos interessantes
que pôde ser desenvolvido e percebido pelos internos foi o fato de terem nas oficinas de
teatro, um espaço de real liberdade de ação e posicionamento crítico sobre a realidade que
vivem em seu cotidiano. Importante citar as improvisações realizadas demonstram claramente
a realidade do sistema prisional, e mais, as complexas engrenagens do sistema jurídico
brasileiro que acaba, em última instância, penalizando e criminalizando práticas e ações de
sujeitos que poderiam ser evitadas, se existissem políticas efetivas de acesso à educação,
assistência e outros bens sociais que deveriam ser para todos os cidadãos. No momento o
grupo encontra-se na reflexão crítica sobre a prática desenvolvida, pensando nas
possibilidades de retorno à Penitenciária Industrial Regional do Cariri para a continuidade do
trabalho realizado, por entender que ainda existe muito a ser descoberto, refletido,
investigado, acionado junto aos internos que participaram desse momento inicial. A pesquisa
ainda é bastante recente, e o TOCA tem a pretensão de não somente continuar o trabalho
nessa unidade prisional, como ampliar sua ação em outras instituições que atuam com pessoas
em conflito com a lei.

Referências bibliográficas

CONCÍLIO, Vicente. Teatro e prisão: dilemas da liberdade artística. São Paulo: Hucitec,
2008.

FICHE, Natália Ribeiro. Teatro na prisão: trajetórias individuais e perspectivas coletivas.


Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro,
2009.

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O BARQUEIRO EM PROCESSO IN “O SOLO NARRATIVO: PERCURSOS DE


PESQUISA E CRIAÇÃO”.
Mario Lucio Cortes Junior

Palavras-Chave
Barqueiro, Ensaio, Solo Físico Narrativo

Esta demonstração de trabalho intui na apresentação o processo de criação do


espetáculo teatral “O Barqueiro”. A Peça teatral estreou em Setembro de 2016 a partir da cena
curta homônima criada dentro da pesquisa de Iniciação Científica “O Teatro Solo e a
Narrativa”, sob orientação da Professora Vilma Campos. A peça corresponde ao gênero
teatral: Solo Físico Narrativo, que é o entrelaçamento entre o teatro físico e a narrativa.
Descrita como: Junção realizada por um só ator em cena dispõe do mínimo de objetos e
cenografia possível, e que tem como pilares importantes a tríade: o corpo e sua
disponibilidade de criar imagens e intensidades; a voz capaz de gerar o discurso direto com o
público e indireto em relação às personagens que surgem no decorrer da história; e por último,
mas não menos importante, o som criado a partir do corpo e da voz do ator, que não é
desassociado do movimento que complementa a ação. (CORTES, 2016, p. 2). A demonstração
técnica refaz o caminho do ator-criador da construção do espetáculo, resultado das pesquisas e
leituras, sobretudo do português José Saramago, e de desdobramentos acerca do gênero teatral
solo, resultando no artigo “De um pirata para um espectador: procedimentos na cena de um
espetáculo solo”, no projeto de Iniciação Científica contemplado pela FAPEMIG “O Teatro
Solo e a Narrativa” e por último o projeto de Iniciação Científica ainda em andamento
fomentado pelo CNPq “O Solo Narrativo: Percursos de pesquisa e criação” sob orientação da
pesquisadora Fátima Antunes. A pesquisa artística é também resultado de oficinas realizadas
em busca de elementos para o estudo, oficinas propostas pelos artistas Julio Adrião e Denise
Stoklos , nas quais foram trabalhadas algumas das cenas principais do espetáculo e também
de disciplinas realizadas no Curso de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia. O
escritor português, José Saramago, descreve a necessidade de refazer os caminhos que foram
feitos para poder traçar novos passos ao lado deles. Passos que podem fazer enxergar novas
potencialidades e novas maneiras de se apresentar uma obra ao público. Uma das intenções

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neste compartilhamento é revelar este limite entre o cais e o mar, uma metáfora para se buscar
o limite entre sala de ensaio e o espetáculo, revelando alguns conceitos e traços norteadores
do processo, tal como a maneira do ator tecer a relação entre um personagem e outro,
alicerçando-se no gênero solo físico narrativo e afastando-se do monólogo, que nada mais é
um único relato para o espectador. Esse diálogo entre o ator/narrador e interlocutores/
personagens da peça apresenta-se por um emaranhado de diálogos e se cria um universo
pulsante que instiga o público a ver o que não está visto. No espetáculo solo se produz uma
sobreposição de dois aspectos muito importantes e aparentemente contraditórios. Ele é
interpretado por apenas um ator, mas muitas vezes aparecem várias personagens, situação na
qual o conceito mesmo de personagem é colocado em xeque. Num mesmo relato cênico é
possível apreciar o próprio corpo de o ator mudar em várias personagens. Isso parece ser um
aspecto característico, mas não se apresenta como um elogio à esquizofrenia, pois uma das
personagens pode assumir o papel de narrador, ou seja, daquele que cria a trama unificadora e
produz a coesão dos fragmentos. (DIP, 2005, p. 38). Essa interpretação requer do ator
imaginação, corpo ativo e relação direta com o público. A peça é inspirada na composição
cênica do espetáculo “A Descoberta das Américas” criando uma relação intima com o espaço
cênico e o público e trabalhando a exploração do corpo cênico, a triangulação e do uso da voz
também como elemento sonoro, todos esses elementos ajuda o público a formar as imagens
pelo narrador e personagens construída. A demonstração artística é dividida em dois
momentos: O primeiro intitula-se “força”, que é o que surge em primeiro lugar no processo de
ensaio, o espaço e os estímulos. O ator que ensaia sozinho, determina-se em utilizar o tempo
para executar tarefas que são por ele impostas, a criação sem o diretor esbarra-se na
dificuldade do auto controle, e do compromisso com a criação. Por isso é preciso criar meios
para imergir na criação, atalhos que podem facilitar a conexão do artista com sua pesquisa. O
segundo momento, intitulado “imensidão”, é a busca poética pela imagem, como exemplo um
vento calmo levando uma folha que se solta de uma grande árvore, produzindo os silêncios e,
a partir dele, o jogo com o texto e suas intenções. Assim, na beira do cais, o barqueiro olha o
espelho d’água e enxerga o reflexo do seu processo como um todo e se questiona sobre aquilo
que vê. Porque para Sam personagem do espetáculo e para Saramago ,autor inspirador desta
obra, os viajantes sempre acabam, mas a viagem não acaba nunca. Etapas em tópicos da
apresentação: 1 – Força 1.1 – Espaço: O corpo que emerge no espaço 1.2 – Estímulo Inicial:

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A música desperta o corpo. 2 – Imensidão 2.1 – Improvisação: A partir da Literatura e de


frases propulsoras. 2.2 – Partitura Física e Texto: Nasce uma cena. Por fim, a cena sugerida
nasce da ideia de trabalhar o grotesco a partir da mímica, os estudos bufanescos e
principalmente o deslocamento da realidade ficcional. A ideia é criar uma cena dentro de
outra cena, representando o pensamento do personagem sobre o que acontece ou o que
acontecerá em cena, um devaneio ou um escape para o ator captar ainda mais o espectador
para a história. A demonstração tem 20 minutos de duração, iniciando-se com a leitura de um
pequeno texto, em formato de carta que compõe a peça, e logo em seguida apresentação
prática de 15 minutos.

Referências bibliográficas

CORTES, Mario. Plano de trabalho iniciação científica - O Solo Narrativo: Percursos de


pesquisa e criação. Uberlândia: CNPq, 2016. DIP, Nerina Raquel. Espetáculo solo,
fragmentação da noção de grupo e a contemporaneidade. Dissertação (Programa de Pós-
Graduação em Teatro - Mestrado). Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC,
2005.

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RITOS DE PASSAGEM: UMA ABORDAGEM CONTEMPORÂNEA NO PROCESSO


CRIATIVO DO ATOR
Suellen Araujo De Brito

Palavras-Chave
experiência, liminaridade, memória, processo criativo, ritos de passagem

A presente pesquisa de mestrado em andamento propõe investigar o conceito Ritos de


Passagem, reconhecido principalmente pelos estudos realizados por Arnold van Gennep e
Victor Turner, numa perspectiva performativa. Vislumbrando o processo criativo como o
próprio rito de passagem, especificamente o rito de margem, na qual se refere o estado de
liminaridade. O estado liminar é demarcado pelo desconhecido, fronteiras e descobertas, o
indivíduo é situado num estado de transição, não se encontra no estado passado e não
reconhece o estado futuro. Na liminaridade encontra-se a possibilidade de contato direto com
as experiências pessoais e coletivas que nos acontece, de modo a causar transformações e
afetações que são elementos que conduz a criação artística e, também a significação do estar
no mundo. Neste espaço de criação liminar os atores são estimulados a utilizar como material
de criação e composição de cena, processos pessoais que envolvem aspectos presentes nos
ritos de passagem, como a transformação e mudança de estado. Processos que estejam ligados
ao acontecimento enquanto experiência que afeta, marca, atravessa e transforma o indivíduo.
Para vivenciar este estado de liminaridade, busco refletir o ator como o sujeito da experiência,
como propõe Jorge Larrosa. Constituído por uma disponibilidade em deixar-se ser afetado e
tocado pelos acontecimentos, permitindo entrar num estado de perigo, trocas e
atravessamentos das experiências que o transpassa. Estar livre, aberto, disponível para acessar
este lugar de desequilíbrio e instabilidade. Penso também a memória como integrante desta
experiência, pois, ela reflete como parte da leitura do mundo através de imagens e apreensão
desse mundo através do corpo. Neste espaço liminar o sujeito da experiência abre fendas
intermitentes de relações pessoais e coletivas, que atravessam e afetam a experiência e
memória que permeiam seus acontecimentos. Nesta relação o sujeito dirige suas
transformações para significar sua posição enquanto indivíduo social e singular. Compreendo
nesta pesquisa que o artista precisa estar nessa região de fronteira para ser afetado e marcado

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por meio de suas experiências, e sua posição enquanto indivíduo social e singular como
elemento constituinte para conduzir sua criação artística. São nessas condições que o corpo
vai além das estruturas impostas pela sociedade, e dão lugar para um sujeito singular e cheio
de movimentos e vontades. Os atores participantes do processo, da cidade de Porto Alegre no
estado do Rio Grande do Sul, buscam a partir de seus processos pessoais refletir e explorar as
potencialidades e subjetividades em relação as experiências que os atravessaram, provocando
um espaço liminar individual e coletivo de encontro, experiência, troca e transformação. O
processo criativo se desenvolve por encontros na qual busca-se a integridade e solidariedade
nas relações construídas, afim de prevalecer o respeito e valorização dos processos pessoais
trabalhados. Muitos dos materiais de composição de cena escolhidos pelos atores trazem
particularidades intensas e íntimas, que são reveladas a partir da carga de experiência e
transformação que os acompanham. Por este caminho, levo em consideração alicerçado pelo
pensamento de Richard Schechner e Mara Lúcia Leal, um processo de criação que caminhe
na ideia da performance. Visto que, é uma maneira de ativar possibilidades de perceber novos
atravessamentos de sentidos para imagens simbólicas do sujeito sobre sua própria experiência.
O rito de passagem é compreendido nesta pesquisa, por um olhar contemporâneo e contexto
histórico atual, enfatizando a estrutura do mesmo para a investigação no processo criativo do
ator. O foco não está nos ritos de passagem propriamente ditos e sim na estrutura que permite
a condição de liminaridade e transformação que o acompanha como elementos. Também
buscando refletir como o sujeito da atualidade vivencia e compreende os ritos de passagem
diante de uma sociedade demarcada pela fugacidade dos acontecimentos e da efemeridade das
relações, onde a valorização está no acúmulo de informações ao invés das experiências
vividas e compartilhadas. E o sujeito contemporâneo está envolto a uma anistia na qual o
contato tangível com o mundo é atenuado em detrimento de um bombardeamento de sentido,
demandas, necessidades impostas pela mídia e entre outros. Como considera Gennep, os ritos
de passagem é uma maneira de reflexão sobre o universo das relações sociais formalizadas
entre os homens, os grupos, os espaços e as posições fixas. Ressaltando que sem os ritos de
passagem a sociedade humana não existiria como algo consciente. Deste modo, busco refletir
o rito de passagem que atravessa o corpo no seu estado liminar no contexto atual pela
perspectiva performativa. E neste encontro de corpos afetados por seus ritos de passagem,
deixar ser envolvido pela liminaridade que transforma e possibilita novos encontros, afetos e

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atravessamentos. Descobrir como o sujeito diante da incompletude de experienciar aquilo que


o atravessa, pode explorar o que ficou retido, marcado, quais mudanças e transformações
afetam este corpo, suas relações sociais e criativas num processo criativo compreendido como
rito de passagem, no estado liminar.

Referências bibliográficas

GENNEP, Arnold van. Os ritos de passagem. Petrópolis: Vozes, 2013.

LARROSA, Jorge. Tremores: Escritos sobre a experiência. Belo Horizonte: Editora


Autêntica, 2016.

TURNER, Victor. O processo ritual: estrutura e anti-estrutura. Petrópolis: Vozes, 2013.

SCHECHNER, Richard. Performance Theory. Routledge: Londres e Nova York, 1988.

LEAL, Mara Lucia. Memória e(m) performance: material autobiográfico na composição


da cena. Uberlândia: EDUFU, 2014.

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ESPECTADOR-VISITANTE: IMPLICAÇÕES PARA UMA ARTE AINDA VIVA NA


GALERIA
Sofia Vilasboas

Palavras-Chave
dança contemporânea, espectador, museu

Criações contemporâneas vêm, de longa data, utilizando-se do espaço museal como


local de apresentação e experimentação. Esse deslocamento do teatro para o museu implica
numa organização a novos códigos institucionais, bem como num redirecionamento do lugar
do visitante-espectador. Para essa reflexão apresento como estudo de caso a exposição
coreográfica: Work/Travail/Arbeid da coreógrafa belga Anne Teresa de Keersmaeker exibida
no Centre Pompidou em Paris, em 2016, onde a artista escolheu afastar-se de uma exposição
habitualmente documental sobre seu trabalho para expor a dança como materialidade e
experiência para os visitantes do museu. A pergunta que norteou o projeto foi: “O que torna-se
uma coreografia uma vez que ela é apresentada segundo os códigos de uma exposição?” (DE
KEERSMAEKER, 2016, p.88). Como objetivo desse estudo traçarei breves pontos para
pensar quais códigos e deslocamentos estão implicados nessa pergunta; de que maneira a arte
da dança ocupa as galerias do museu; como este projeto utiliza-se das normas visíveis e
invisíveis da arquitetura nesses espaços de exposição de arte; qual papel do espectador-
visitante nesses lugares. As autoras Otília Arantes, arquitetura nos novos museus, e Érika
Fischer-Lichte, o lugar do espectador contemporâneo, acompanham as discussões teóricas. O
primeiro código que a coreógrafa quis assumir em seu trabalho foi da duração. Para isso, ela
trabalhou elementos da coreografia Vórtex Temporum (2013), apresentada em teatro clássico,
com duração de uma hora e meia, para ser exibida como uma exposição no período de nove
dias consecutivos, durante noves horas por dia, das onze da manhã as nove da noite – na
lógica de abertura e fechamento do prédio. O próprio nome da exposição – Work/Travail/
Arbeid – completa essa relação com o tempo expandido, pois dá ao visitante a possibilidade
de ver o trabalho do dançarino num tempo dilatado e diário, diferente das salas de teatro,
mesmo que a coreografia fosse repetida todos os dias. Durante a exposição, os dançarinos e
músicos intercalam suas participações em forma de acumulação, como se o espectador

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pudesse conhecer o todo por partes sobrepostas ao longo da jornada de trabalho. Otília
Arantes (1993), em texto sobre os novos museus, pontua que tais espaços acabaram se
parecendo com casas de cultura ou shopping center da cultura devido a oferta de estímulos e
modos de consumo da arte. A autora aponta, ainda, que a arquitetura é uma característica
marcante no projeto dos novos museus e que estes são executados como “monumentos que
sirvam de suporte e lugar de criação da cultura e reanimação da vida pública” (p.164). Para
isso, estratégias são criadas para incorporar tal construção no caminho da cidade, assim, a
arquitetura acaba sendo protagonista nessa nova configuração transformando o mundo
exterior num mundo estético e num “grande cenário vivo” (p.168). Será que expor a dança
pode convidar o publico, usual ou amante das artes da cena, a vivenciar outras experiências
num espaço já saturado de ofertas? Ou será que expor a dança só reafirma que nesses espaços
podemos encontrar ‘todas as manifestações artísticas’ para consumo imediato, indo ao
encontro de Baudrillard (1991) quando declara o Beaubourg como “um hipermercado da
cultura”(p.166), ao atacar duramente tal projeto como um efeito das políticas culturais
francesas? A exposição de Rosas foi apresentada na Galerie Sud do Beaubourg, uma grande
sala branca e isolada, um espaço que não compete com outras obras de arte e parece ser um
refúgio solitário no meio da imensidão do museu, pois não se conecta nem com a galeria de
acervo ou exposições permanentes, nem com o hall de entrada e seus frenéticos neons do
café, livraria, lojinha de souvenir, bilheteria entre outros. Percebe-se uma relação entre a
arquitetura e o espaço de exposição pelas grandes janelas transparentes que rondam o local
produzindo um recorte da cidade enquanto os artistas dançam, algo se faz visível entre o
publico que contempla os artistas e os transeuntes que por vezes aproximam-se para espiar.
Certamente a paisagem que vemos não produz um cenário magnífico, talvez caminhe no
sentido oposto, pois a visão que temos é do largo que rodeia o museu, com seus restaurantes e
cafés parisienses construindo imagens e imaginários do cotidiano daquela região da cidade.
Ainda, essa transparência permite uma relação direta com a incidência da luz do dia que vai
produzindo coloração variada ao longo da jornada de trabalho da dança. Com isso, o dentro e
o fora acabam se sobrepondo e o dançarino pode ser vistos como uma ramificação da cidade
comum e urbana ou como objetos moventes dentro da sala do museu que é exibida à cidade.
Sobre a relação com o publico, observa-se, cada vez mais, estratégias estéticas e
procedimentos que repensam o lugar do espectador nas artes cênicas. A interação entre

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espectador e ator é fator fundamental, o que os atores/dançarinos fazem corporalmente exerce


impacto, tanto sobre os outros atores/dançarinos, como sobre os espectadores que dividem o
mesmo espaço. No trabalho que Anne Teresa propõem isso fica mais explícito pois o visitante
do museu não está parado frontalmente, sentado numa poltrona de teatro. Aqui, quando o
visitante entre na sala é confrontado com outra dinâmica perceptiva espaço-temporal. Ao
mesmo tempo em que vê os dançarinos executando seus movimentos, ele se reconhece como
público. Em alguma medida, o visitante-espectador vivência um estado de ruptura. A
experiência de proximidade entre espectadores e dançarinos e a possibilidade de escolha de
novos ângulos de olhar e se deslocar no espaço faz com que o espectador-visitante perceba o
corpo fenomenal do dançarino em pequenos detalhes: uma respiração mais intensa; momentos
de suspensão e pausas bruscas; descontinuidades no tempo de execução do movimento;
expansão do tempo cronológico que pode produzir sensação de flutuação entre começo e fim
da coreografia. Tudo isso pode produzir descontinuidade na percepção e sensação de
instabilidade no espectador. Para Ficher-Lichte o instante de salto de uma ordem (ficção) a
outra (real) é marcado por um momento de ruptura onde “… o espectador torna-se consciente
que os significados não são transmitidos, mas que ele que os criou, e que ele pode muito bem
criar outros. Assim, ele próprio faz a experiência de ‘criador de um novo sentido’” (2008, p.
79). Essa sensação produz significações específicas que criam novos sentidos agindo sobre a
dinâmica do processo de percepção.

Referências bibliográficas

ARANTES, Otília. Os novos museus. In: O lugar da arquitetura depois dos modernos.
São Paulo, Edusp, 1993. p. 161-169.

BAUDRILLARD, Jean. O efeito Beaubourg: implosão e dissuasão. In: Simulacros e


simulação. Lisboa: Relógio D’água, p. 81-101, 1991.

De KEERSMAEKER, A. T. Work/Travail/Arbeid. In: Code Couleur 24. Tout l’actualité du


Centre Pompidou. janvier - avril. Paris, 2016b. p. 88.

FISCHER-LICHTE, Érika. De l’activité du spectateur. In: Hunkeler, Thomas; Fournier


Kiss, C; Luthi, A. (orgs) Place au public: les spectateurs du théâtre contemporain. Genève:
Metis Presses, 2008. p.69-83.

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CONTORNOS DA CENA PAULISTANA A PARTIR DO FOMENTO PÚBLICO


Simone Do Prado Romeo

Palavras-Chave
lei de fomento, teatralidade contemporânea, transgressões simbólicas

Esta comunicação tem por objetivo debater a pesquisa de doutorado em andamento


que visa analisar a programação instituída durante os dez primeiros anos da Lei de Fomento
ao Teatro para a Cidade de São Paulo, recorte temporal suficiente para apreender os matizes
desse novo arranjo expressivo Tal análise buscará construir uma espécie de geografia social
da cena teatral recente instituída através da Lei Fomento e, ao mesmo tempo, apreender o
triplo movimento do teatro contemporâneo entre nós, que inclui a transgressão de princípios
canônicos, seguido pela maneira como os próprios criadores, a crítica e os espectadores vão,
pouco a pouco, incorporando essas transgressões e alargando as fronteiras do teatro,
terminando por provocar reações e transgressões ainda mais radicais (HEINICH, 1998). Para
tanto, a tese será elaborada em duas partes. A primeira consistirá na construção da geografia
social dos dez primeiros anos da Lei de Fomento, informando os contornos da cena
fomentada nestes anos, oferecendo uma apreensão de nível geral, inspirada no estudo de
CHARLE (2012). Para termos condições de, no segundo momento, tecermos análises mais
aprofundadas sobre as configurações e especificidades dessa cena e do movimento histórico e
estético do teatro contemporâneo entre nós. Ao adotar tal perspectiva pesquisa se baseia em
duas hipóteses complementares. A primeira é a de que a Lei de Fomento teria tido o efeito de
converter o experimental em mainstream. De onde deriva nossa segunda hipótese trabalho,
segundo a qual ela, todavia, teria fornecido as condições sociais para que rupturas mais
radicais pudessem ser colocadas em cena, difundindo entre nós práticas identificadas à
teatralidade contemporânea. O interesse pelas continuidades e mudanças artísticas no campo
do teatro paulistano surgiu a partir de minha pesquisa de mestrado (ROMEO, 2016), que
dedicou-se a investigar o movimento teatral que deu origem aquela política pública, tomada
por nós enquanto um conjunto de princípios que expressam uma nova legitimidade em
matéria de teatro. A análise do movimento que reuniu setores heresiarcas do teatro em São
Paulo buscou apreender, ainda, as disposições artísticas e teatrais que se generalizaram a

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partir daquela movimentação de artistas, até elucidar o processo que lhes permitiu impor as
categorias de percepção e apreciação teatral legítimas através de um programa elaborado na
contramão das políticas culturais em voga orientadas pelo patrocínio empresarial por via dos
incentivos fiscais. Admitindo a dupla natureza dos bens simbólicos (BOURDIEU, 2005) a Lei
de Fomento pode ser tomada na ordem das transgressões simbólicas. Tendo analisado essas
lutas, o próximo passo consiste em investigar os matizes desse movimento de renovação
teatral recente, apreendendo a ordem de convenções e inovações que ele mobiliza e seus
impactos sobre a cena local. Importa ressaltar que não pretendemos tecer julgamentos quanto
a qualidade artística das peças fomentadas mas, antes, analisar as condições sociais de sua
produção e recepção. Nesse sentido, destacam-se as contribuições da sociologia histórico-
analítica das formas de teatro desenvolvidas por WILLIAMS (2010), para quem as
transformações formais devem ser analisadas a luz dos enfrentamentos sociais e expressivos
que as desencadearam e dos problemas que eles acarretaram para a esfera da criação. A partir
da noção de “estrutura de sentimentos”, o autor irá dedicar-se à compreensão dos modos de
sentir de determinada época, expressando-se no plano da cultura e em obras concretas. Assim,
é na ideia de uma experiência compartilhada com certo texto dramático, com sua encenação e
a consequente recepção, que se define a estrutura de sentimento. No caso da pesquisa em
pauta, além da análise da programação no período proposto, vislumbramos a realização de
entrevistas com espectadores para acessar, ao menos em partes, a estrutura de sentimentos da
época atual. Poderemos proceder, também, à análise mais detalhada de um espetáculo em
particular, enquanto amostra representativa do conjunto (PAVIS, 2015). A análise se baseará
principalmente (mas não exclusivamente) em quatro tipos de fontes documentais, dos quais 1)
materiais do Fomento ao Teatro, disponíveis no arquivo da Secretaria Municipal de Cultura de
São Paulo; 2) material crítico acerca dessa programação, veiculado tanto pelo jornalismo
cultural quanto pela crítica especializada; 3) programa das peça que compõem a programação,
quanto houver; 4) levantamento e balanço bibliográfico, buscando dialogar com o que já se
produziu sobre o assunto, bem como revisão da bibliografia sobre teoria e história do teatro,
sociologia da cultura, teoria teatral e demais estudos que se revelem capazes de fornecer
aportes às análises em curso. Dessa forma, pretendemos realizar um trabalho de investigação
empírica orientado pela reflexão teórica. Além das fontes escritas vislumbra-se a realização de
entrevistas com espectadores e com criadores. No caso dos primeiros, ainda que os

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espetáculos não estejam mais em cartaz, em alguns casos pode ser possível chegar à pessoas
que tenham assistido ao espetáculo quando o mesmo foi a público, podendo-se nesse caso
acessar a memória do espectador através da entrevista aberta ou, ainda, entrevistar
frequentadores atuais das mesmas salas ou teatros em que aquela programação circulou. Já no
caso dos criadores, prevemos a entrevista semi-diretiva com ao menos um artista de cada
núcleo fomentado, buscando apreender os aspectos que balizaram os procedimentos criativos
em discussão. Em ambos os casos, acreditamos que a entrevista figura enquanto um
instrumento que permite acessar informações e nuances que não estão, e muitas vezes nem
poderiam estar, formalmente documentados. Ainda, a partir do quadro geral dos grupos
fomentados no período que a pesquisa abrange, será realizado um estudo de campo a fim de
conhecer (ou de reconhecer) suas principais características, além de produzir uma pequena
etnografia dos espaços teatrais por onde a programação circulou. Assim, cotejando a um só
tempo fontes e métodos teóricos e empíricos, acreditamos adquirir os meios adequados de
observação.

Referências bibliográficas

BOURDIEU, Pierre. As Regras da Arte: gênese e estrutura do campo literário. Lisboa:


Presença, 2005.

CHARLE, Christophe. A gênese da sociedade do espetáculo: teatro em Paris, Berlim


Londres e Viena. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

HEINICH, Nathalie. Le triple jeu de l’art contemporain. Paris: Minuit, 1998.

PAVIS, Patrice. Análise dos espetáculos: teatro, mímica, dança, teatro, cinema. São Paulo:
Perspectiva, 2015

ROMEO, Simone do Prado. O movimento Arte contra a barbárie: gênese, estratégias e


legitimação e princípios de hierarquização das práticas teatrais em São Paulo
(1998-2002). Dissertação desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais da Universidade Federal de São Paulo, sob orientação de Carolina Pulici. Guarulhos,
2016.

WILLIAMS, Raymond. Drama em cena. São Paulo: Cosac Naify, 2010

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“DIZ QUE SIM & DIZ QUE NÃO” E “A CONDIÇÃO HUMANA”: REFLEXÕES
SOBRE CONTRADIÇÃO
Thereza Junqueira

Palavras-Chave
contradição, dramaturgia, política

A comunicação apresentará os resultados parciais alcançados para a construção do


primeiro capítulo do projeto de tese intitulado “A potência política da contradição na
dramaturgia de Bertolt Brecht”. Nesse capítulo, estuda-se a peça didática “Diz que sim & Diz
que não”, entendida como uma metáfora do teatro épico, tendo como contraponto a obra “A
condição humana” de Hannah Arendt. As peças didáticas foram compostas como exercícios
para atores, em um período anterior ao teatro épico propriamente dito. Elas se destacam por
buscar um efeito educacional ou pedagógico.“Diz que sim & Diz que não” foi escrita entre
1929 e 1930, com colaboração de Elisabeth Hauptamnn e Kurt Weil, a partir de uma fábula
japonesa do Teatro Nô, intitulada Taniko. A peça é composta de duas partes autônomas, cada
qual estruturada em dois atos, que apresentam os mesmos personagens, quais sejam, um
menino, seu professor, sua mãe e um grupo de estudantes. Conta a história do menino, que sai
em expedição com seu professor e outros estudantes para “a cidade do outro lado das
montanhas”, em busca de um remédio para a peste que assolava sua cidade, e que havia
acometido sua mãe. O menino pede ao professor para participar da expedição, assumindo os
riscos, previamente esclarecidos, mas adoece no meio do caminho. A partir desse ponto as
duas partes oferecem diversos desenvolvimentos. Na primeira, o menino é informado pelo
professor e pelos estudantes a respeito de uma tradição cuja norma requer que o doente seja
deixado no caminho. O menino discorda em ser deixado, mas relê a tradição, concorda com
seus fins e propõe que seja lançado do precipício, o que seria, em seu sentir, melhor que ser
deixado. Assim, ele diz “sim” à tradição, que é relida, mas somente quanto aos meios, pois
seus fins permanecem. Na segunda parte, a tradição já é outra, pois quem adoece deve ser
lançado do despenhadeiro. O menino é informado pelo professor sobre sua “imemorial
vigência” e sobre a prudência em assentir, mas responde “não”, contradizendo, não apenas os
meios, mas a própria tradição. Em “Diz-que-sim & Diz-que-não”, a contradição, ou sua

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afirmação em lugar de um princípio da identidade, pode ser percebida, como uma questão
profunda, metaforizada pela trajetória do menino. A personagem menino, ao dizer “não”,
representa o homem que rejeita uma atuação lógica, através da qual, uma vez aclaradas as
premissas, seguiriam sem esforço as deduções. O menino prefere uma atitude prática, que
revê as teorias e regras à medida em que os problemas se apresentam. É a mesma sequência
de ações que leva o menino ao despenhadeiro e, na segunda peça, de volta a sua cidade, o que
destaca sua variabilidade, e a possibilidade de reconstrução. Ao contrário da infalibilidade do
destino trágico, a peça destaca a construção que a ação pode empreender. O propósito de “A
condição humana”, segundo Hannah Arendt, é refletir sobre “o que estamos fazendo”. A
autora mostra as consequências do elogio da técnica que fora promovido pela ciência
moderna. A discussão e a palavra perderam seu lugar, ante ao knowhow, ante à importância
conferida ao “saber fazer”. As máquinas não refletem sobre o que fazem, e elas apenas
precisam ser operadas. E, o homem, satisfeito por saber construir máquinas, perdeu-se nos
mecanismos engenhosos de suas engrenagens. Pretende-se estabelecer um diálogo entre essa
constatação e o percurso do menino de “Diz-que-sim & Diz-que-não”, de Bertolt Brecht. A
personagem é tomada como um contraponto para se pensar a vida política. O objetivo dessa
abordagem é oferecer uma alternativa para subsidiar o debate em torno da situação política
contemporânea, que embora pareça já ter superado um momento moderno de cegueira política
ante o elogio da técnica, enfrenta cotidianamente a violência, a corrupção, a intolerância, a
desigual distribuição de renda, a miséria. Será que discutimos suficientemente o que estamos
a fazer? Ou ainda estamos presos nas engrenagens das máquinas modernas? Theresa Calvet
de Magalhães (2006) pontua que a política, segundo Hannah Arendt, refere-se ao nosso “viver
juntos no mundo” e à habilidade de “falar dele com os outros”, o que supõe o fato de sermos
iguais (ante a possibilidade de nos comunicar via linguagem); e diferentes/ plurais (por termos
diferentes pontos de vista). Assim, estudar a política requer a compreensão da condição
humana da pluralidade, que é o motor da ação. E a ação, ou a capacidade de agir é, para
Arendt, a categoria central do pensamento político. A “ação” consiste na “atividade que se
exerce entre os homens sem a mediação das coisas ou da matéria”; isso porque “os homens, e
não o Homem, habitam o mundo” (Arendt, 2009). É o fato de estarmos entre seres diferentes
que requer a ação, se os homens fossem iguais ela não seria cogitada. Ao dizer “não”, o
menino propõe uma leitura da história pautada pela contradição. E o faz nos dois sentidos

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apontados para a contradição, incorporando uma “atitude prática”, em oposição ao que seria
uma “atitude lógica”; bem como decompondo o que seria um conflito dramático. Não existe
somente um bem em questão, o remédio almejado para curar a doença e sua mãe, mas a vida
do próprio menino. O conflito dramático seria reproduzido se a escolha se orientasse em torno
somente do bem-remédio. O menino se afirma pela contradição, ao mostrar dois gestos
aparentemente díspares que o movem, o sim à expedição (e ao remédio para sua mãe) e o
“não” à sua morte, que implica um não a seu sim anterior, mas que não deve ser entendido
como um não ao remédio. Com seu “não”, o menino se afirma, em contradição. Agiria
logicamente pautado pela identidade se orientasse sua ação pela premissa levantada
anteriormente, afirmar-se pela identidade significaria sua morte, e a reprodução de uma
tradição. Sua palavra-gesto interrompe o fluxo da tradição e promove a regressão ao passado,
ele recupera sua história, o que o levou àquela expedição, o contexto da fala em que desejou
tomar parte e o contexto que o fez recuar.

Referências bibliográficas

ARENDT, Hannah. A condição humana, 10ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2009.

BRECHT, Bertolt. Diz que sim & Diz que não. Teatro Completo. Tradução de Fernando
Peixoto, Renato Borghi e Wolfgang Bader. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1991.

______. Pequeno Organon para o Teatro. Estudos sobre Teatro. Tradução de Fiama Pais
Brandão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.

KOUDELA, Ingrid Dormien. Brecht: um jogo de aprendizagem. São Paulo: Editora


Perspectiva, 1991.

MAGALHÃES, Theresa Calvet de. Ação, Linguagem e Poder: Uma releitura do Capítulo
V [Action] da obra The HumanCondition. In CORREIA, Adriano (Org.). Hannah Arendt e
a condição humana. Salvador: Quarteto Editora, 2006.

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A ESTÉTICA PERFORMATIVA DO TREINAMENTO DE ATOR-DANÇARINO EM


SITE-SPECIFIC
Ana Paula Gomes Da Rocha

Palavras-Chave
estética performativa, processo de criação em site-specific, treinamento de ator

O que abraça esse trabalho é a presença performativa do ator-performer. Presença esta,


que, automaticamente, fundida ao tempo e espaço –natural ou inventado – traz a tona uma
estética performativa e relacional entre o artista e o espectador, entre o artista e o ambiente
por intermédio da imagem daquele que se prontifica a agir em um determinado espaço. E essa
interconexão ganha vida através da tríade corpo, espaço e tempo: o espaço dentro do corpo, o
corpo dentro do espaço, o espaço-tempo do corpo no sentido interno ou externo, o espaço e o
tempo das coisas. Por se permitir estar entregue ao aqui e agora, a figura do artista se abre
para um ato que se efetiva sem que, necessariamente, precisa se apelar ao campo do
dramático, do mimético. O corpo que treina se torna um espaço encarnado (BARROS, 2011,
p. 27). ¬¬¬¬¬¬ O treinamento performativo do ator-dançarino é uma proposta para o
processo de criação do artista da cena, que tem por princípio a improvisação de um repertório
orgânico de exercícios híbridos que possibilita alcançar um determinado corpo ou formas
corporais, ao mesmo tempo, que abre essa metamorfose de criação para o espectador.
Percebe-se que as regras para dilatar esse corpo são híbridas e decorrem a partir da
necessidade de cada ator-dançarino. O que é caracterizado pela soma de exercícios
construídos pelo próprio ator que, durante o trajeto de execução, além de evidenciar uma
estética performativa, também proporciona àquele que faz uma descoberta de si. O
treinamento performativo do ator-dançarino se constitui da abertura para ser observador e
provocador de si mesmo, além de que essa questão também afeta a quem assiste. Nesse ponto,
chega-se a uma questão importante para a concretização do treinamento aqui abarcado:
“estado de presença autêntica de si e em relação às pessoas, às coisas e ao mundo”.
(DASCAL, 2008, p.51) É um encontro de conectividade do ator-dançarino, também
considerado performer nessa pesquisa, que ao se propor alcançar uma forma específica,
adquire-se um repertório pessoal de autoconhecimento, um inventário de exercícios e ações

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capazes de levá-lo a formas e energias diferentes, não importa quantas vezes o treinamento for
repetido. O inventor desse treinamento nada mais é do que o próprio ator, que de início ainda
se dá o direito de cuidar do seu interior e, aos poucos, se reconhece e se respeita para ampliar
o seu estado de presença para o espaço, o contato com o grupo que está treinando e aquele
que está observando, este que também pode decidir entrar ou não na ação. Então, seguindo os
pensamentos até aqui, elencamos estágios do treinamento possíveis de ser visto: do corpo
comum, o ator-dançarino é convocado e provocado por si mesmo para despertar em seu
próprio corpo uma presença diferente do seu corpo cotidiano. Ao se observar, o ator-
dançarino identifica como o seu corpo está naquele momento e quais são as necessidades dele
e o que ele pretende provocar em seus espectadores. Esta questão pode ser de fato pensada
antes do fazer e o objetivo vem á tona durante a prática. Como meus pés tocam o chão? Como
o chão toca o meu pé? Será que o outro percebe como eu toco o chão e como o chão toca o
meu pé? Quando eu pulo e levanto a poeira do chão, a poeira é a resposta ao pulo ou é o chão
correspondendo a minha ação? Se eu pulo sem flexionar os meus joelhos antes de retornar ao
chão, eu machuco apenas a extensão do meu corpo com esse choque brusco com o chão, ou
eu também provoco choques no chão, choques em quem me observa? Essas perguntas
desenham o que seria um inventário de sensações, que, por conseguinte, influenciam não
apenas o corpo carne do ator-dançarino, porque todo o espaço de trabalho é considerado uma
extensão do seu corpo. Essa relação ganha visibilidade através das formas geradas a cada
exercício e na relação espaço-tempo daquilo que se mostra enquanto se treina. O treinamento
performativo do ator-dançarino também pode agregar temas de trabalho, o que diretamente
afeta a que parte do corpo o ator-dançarino vai dar mais atenção, ou melhor, em como ele vai
agir para ampliar as sensações de seu corpo em relação ao ambiente e aos observadores da
prática. Por exemplo: além de ter como objetivo a imagem de abraçar e ser abraçado (por
mim mesma, pelo espaço e pelo outro, que treina ou apenas observa), tem-se a proposta de
trabalhar determinadas musculaturas com o objetivo de atingir tônus específicos em meu
corpo. Então, se “o tônus é responsável por toda atitude e toda postura que o corpo pode
assumir em movimento ou descanso” (idem, 2008, p.65), as imagens corporais e sensações
caminham juntos com o fazer e podem, concomitantemente, serem evidenciadas durante o
treinamento performativo. Se o tônus tem total ligação e interação com o ambiente e essa
relação modifica o tônus, então o ato de treinar fora da sala de ensaio – em lugares abertos –

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propiciam diferentes variações de tônus que compõem um treinamento de ator. Quanto maior
for à abertura que o ator-dançarino se proporciona e se permite para treinar e apresentar,
maior será a naturalidade de sua expressividade. Dessa forma, não apenas será exibido o
processo do fazer e o resultado dessa ação, mas, também, um estado de presença em
“condição de inteireza”. Um treino que permite ao ator descobrir o seu próprio corpo, suas
sensações, seus bloqueios, dificuldades, superações, a sabedoria de ser feito carne e osso, e
energia, e desenhar as intenções de cada movimento no espaço. Movimentar-se determina
uma estética corporal e, uma estética corporal evidencia uma qualidade de presença.
Lembrando que presença aqui abordada nasce da relação corpo e espaço: o meu corpo
instaura a performatividade a partir de uma presença que é produzida perante experiências
potencializadoras em um determinado espaço. Nesse ponto, a cada espaço em que se executa
o treinamento, novas perspectivas e particularidades ganham vida por meio de um processo
criativo em site-specific.

Referências bibliográficas

BARROS, Amílcar Borges de. Dramaturgia corporal (Acercamiento y distanciamento


hacia La acción y La escenificación corporal). Chile. Editorial Cuarto Próprio. 1ª edición,
junio 2011.

DASCAL, Miriam. Eutonia: o saber do corpo. Editora Senac, São Paulo, 2008.

RAMOS, Luiz Fernando Angerami. Mimesis Espetacular: À Margem de Invenção


Possível. Tese apresentada ao Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicação e
Artes da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Livre-Docência. São Paulo,
2012.

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AUTOFICÇÃO EM SOLO: ENTRE AS POLÍTICAS DE SUBJETIVAÇÃO E


FEMINISMOS
Jussyanne Rodrigues Emidio

Palavras-Chave
autoficção, subjetivação, solos, teatro feminista

Esta comunicação visa apresentar algumas questões pertinentes ao projeto de


doutoramento em Teatro iniciado em 2016, no PPGT/UDESC. Inserido na linha de pesquisa
Linguagens Cênicas, Corpo e Subjetividades, a investigação teórica se volta à elaboração
cênica que acontece a partir de narrativas pessoais ficcionalizadas por atuantes em práticas
solo. Para isso, é indispensável a pesquisa junto a artistas que já desenvolvam essas práticas
em suas obras e que também têm teorizado sobre o assunto. Também me proponho a elaborar
solos no decorrer do desenvolvimento da pesquisa acadêmica, buscando a interrelação entre a
pesquisa teórica e prática. A cena da qual quero tratar não se refere somente aos monólogos
do território teatral, mas o conceito de solo também abarcará a dança e a performance. O
termo autoficção, de origem literária (BULHÕES-CARVALHO, 2008), remete à poetização
de experiências pessoais como elaboração artística. A autoficção foi criado pelo escritor Serge
Doubrovsky em 1977, designando romances em que o autor utiliza fatos estritamente reais e
pessoais, assumindo-se como personagem, num processo de recriação literária de suas
memórias. Vários são os olhares e conceitos que surgem quando a memória e o ethos no lidar
com os seus materiais de invenção se interpenetraram na atuação. É possível se deparar com
diversas nomenclaturas que têm direcionado a pesquisa acadêmica sobre tal fazer artístico.
Por essa razão, a pesquisa procura escapar de um desejo de totalização destes campos, visto
que essa é uma tarefa que não condiz com a multiplicidade, que é o que mais se ressalta
nesses processos. Entretanto, mesmo que a autoficção não seja a nomenclatura utilizada por
artistas – a bailarina fortalezense Sílvia Moura, por exemplo, nomeia seus solos como “dança
DESABAFO” – essa perspectiva auxilia a delimitar o escopo da pesquisa. Ao me
compreender como mulher e feminista, a autoficção que elaboro também poderá abarcar
questões de gênero na prática artística. Os trabalhos solos em dança no princípio do século
XX (que não se propunham a serem autoficção), apresentavam um fazer que foi feminino e

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questionava modelos de feminilidade na sociedade e na arte vigentes à época (ROPA, 2009).


Na atualidade, gênero e fazer feminino encontram diversas manifestações como o Projeto
Magdalena , rede internacional de mulheres de teatro e performance cujo fazer artístico
feminino é foco principal de discussão. Deste modo, a pesquisa perpassa questões de gênero
que estão, de alguma maneira, entremeadas no fazer artístico. A maneira de operar em cenas
solo de autoficção também levanta questões pertinentes à composição e registro compositivo
dos processos, que muitas vezes se dão de forma solitária. Que procedimentos de composição
podem advir dessa prática, uma composição que delineia dramaturgia, cena e afetos? Como se
movem, em criação, as subjetividades de quem elabora um solo de autoficção? De que
maneiras essa elaboração se constitui como um agir político e como essa questão é percebida
por artistas da cena? Pensar na autoficção como atravessamento de forças que estão
vinculadas a políticas de subjetivação (ROLNIK, 2006) movimenta outras perspectivas sobre
o encontro afetivo que pode vir a acontecer na cena. É necessária, também, a atenção às
políticas que movem a elaboração de solos de autoficção e questões de espetacularidade do eu
(SIBILIA, 2013). Metodologicamente, a pesquisa seguirá uma perspectiva genealógica
(FOUCAULT, 2008) na análise conceitual das nomenclaturas que circundam os campos dos
solos de autoficção; uma perspectiva cartográfica de atenção e participação no mapeamento
dos dados pertinentes aos processos de artistas entrevistadas (PASSOS; KASTRUP;
ESCÓSSIA, 2009) e uma abordagem autoetnográfica (FORTIN, 2009), compreendendo a
mim mesma como artista-pesquisadora em produção. Um dos resultados práticos da pesquisa
é a perfopalestra Bruxas, Santas, Loucas, Velhas, Meninas, “Belas, Recatadas e do Lar”, que
realizo desde outubro de 2016, um solo performático que, transitando entre a cena e o formato
de palestra, apresenta questões relacionadas à figura do corpo feminino, a partir da trajetória
política de Dilma Rousseff, o discurso midiático construído sobre Marcela Temer e a
santidade da Menina Benigna, cearense que se tornou uma santa popular após sofrer uma
tentativa de estupro que culminou em sua morte, sendo evocada como a santa “Heroína da
Castidade”. Ao cruzar as figuras dessas três mulheres em performance, reelaboro a última
caminhada de Benigna como autoficção, quando alinho a sua vida com a da minha avó (sua
contemporânea) e a minha própria, por termos habitado a mesma região. Além disso, são
apontados os usos do corpo feminino na mídia, na política, na violência simbólica ocorrida no
processo de impeachment, na religiosidade e na cena. A pesquisa inicia, nesse semestre, a fase

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de entrevistas com artistas da cena em práticas solos, além de continuar no aprofundamento


teórico-conceitual nos campos da autoficção, feminismo e políticas de subjetivação.

Referências bibliográficas

BULHÕES-CARVALHO, Ana Maria. Autoficção no teatro contemporâneo: um exemplo


argentino. In: V Congresso da Abrace. 2008. Disponível em: <http://www.portalabrace.org/
vcongresso/textos/territorios/Ana%20Maria%20Bulhoes%20Carvalho%20-
%20A%20autoficcao%20no%20teatro%20contemporaneo%20um%20exemplo%20argentino.
pdf> Acesso: 25/01/2015.

FORTIN, Sylvie. Contribuições possíveis da Etnografia e da Auto-etnografia para a


pesquisa na prática artística. Trad. Helena Maria Melo. In: Revista Cena. Porto Alegre:
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – Instituto de Artes da UFRGS, n.7, 2009.

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2008.

PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana (orgs.). Pistas do método da


cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina,
2009.

ROLNIK, Suely. Geopolítica da cafetinagem. 2006. Disponível em <www.pucsp.br/


nucleodesubjetividade/suely/geopolitica>. Acesso: 22/09/2016.

ROPA, Eugenia Casini. O Solo de dança no século XX: entre proposta ideológica e
estratégia de sobrevivência. Trad. Adriana A. S. Andrade. In: Urdimento. Revista do
Programa de Pós-graduação em Teatro da UDESC. n. 12. Março, 2009.

SIBILIA, Paula. La intimidad como espectáculo. Trad. Paula Sibilia e Rodrigo Fernández
Labriola. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2013.

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NENHUMA CARTA: UMA CRIAÇÃO CÊNICA ENTRE A PERFORMATIVIDADE E


“O ESPAÇO BIOGRÁFICO”
Larissa Lacerda Da Silva Araujo

Palavras-Chave
espaço biográfico, processo de criação teatral, teatro performativo

Esta pesquisa, teórico-prática, propõe-se a ler o processo de criação da encenação


“nenhuma carta”, tomando como recorte as relações entre o “espaço
autobiográfico” (ARFUCH, 2010) e a noção de “efeito de real” (BARTHES, 2004)
imbricadas como matéria de legitimação do discurso da cena. Parte inicialmente das seguintes
questões: o que fica quando se dissipam as fronteiras entre a ficção e a vida: um recorte de um
pedaço de passado revivido na experiência do instante mesmo em que se conta? Qual a
necessidade de se buscar como linguagem o cruzamento entre o simbólico, metafórico e o
“real”? Como isso acontece em “nenhuma carta”? A percepção atual da pesquisa é que o
caminho de elaboração de “nenhuma carta”, estreado em maio de 2016, como trabalho final
do curso de graduação em Artes Cênicas com ênfase em Direção Teatral da Universidade
Federal da Bahia, se confunde com a busca pela memória do suicídio do amigo da atriz
Larissa Lacerda. Em 2014, o embrião do que viria a se conformar como o espetáculo em
questão foi intitulado “Precipício: experimento n°1” e aconteceu em uma mostra didática da
mesma instituição. Naquele momento, constatou-se que o evento ocorrera cerca de um ano e
meio após o suicídio do poeta baiano Alexandre Coutinho, o amigo da pesquisadora
encenadora-atriz. De lá até o presente momento, quatro anos se passaram e, com eles, muitas
memórias foram inventadas, outras realimentas, outras suprimidas e outras recalcadas pelo
processo, ora da vida, ora do teatro. A dor, os sentimentos renovados, as angústias, as
memórias da vida e as impressões sobre a morte, os esquecimentos: tudo isso parece ser o que
se performa em “nenhuma carta”. “nenhuma carta”, este título, para além de ser uma
constatação da falta de um bilhete do suicidado, é mais um dado de realidade que se
apresenta, um dado real da ausência de um documento, e é também mais uma camada da
metáfora da ausência que se redunda em outras camadas simbólicas da encenação. A presença
do “real” em cena e da fricção entre o que acontece no território teatral, e fora dele, não é fato

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novo. Desde os rituais gregos, o instante da representação possuía uma conexão direta com a
vida. Como em um espiral, atualmente, trabalhos que transitam nas fronteiras entre o “real” e
o ficcional têm tornado à cena. Extrapolar essas raias, ou tencioná-las, tem sido um
imperativo na arte teatral contemporânea. São diversas as práticas que pretendem o real como
parte da sua construção. Para colaborar com os problemas teóricos levantados pela pesquisa,
tem-se tomado de empréstimo os seguintes suportes: a ideia de “teatro performativo”, de
Josette Féral (2008), que se encontra citada no projeto de encenação do espetáculo “nenhuma
carta”, um dos objetos de análise da pesquisa, e que responde à demanda inicial da peça: ser
performativa. O argumento principal do projeto de encenação gira em torno da ideia de que a
fratura que o real pode causar na representação seria o único correspondente possível ao
suicídio do seu amigo. Como se diante de uma circunstância que se renova a cada
“presentação” pública, metáfora alguma pudesse superar, só a entrega real de um pedaço da
vida da atriz em cena pudesse ser legítima. É sempre a memória de novo. Desse modo, as
noções de “teatralidades do real” levantadas por Silvia Fernandes (2009), tem sido aportes
necessários para a pesquisa não no sentido de localizá-la no eixo dos estudos do teatro do real,
mas no sentido de problematizar e confrontar as ideias de teatralidade e performatividade em
“nenhuma carta”. A noção de “espaço biográfico”, inicialmente cunhada por Philipe Lejeune
(2014), sob a ótica da leitura de Leonor Arfuch (2010) é um empréstimo feito da teoria
literária. A autora amplia a metáfora de “espaço biográfico” no sentido de projetar um
horizonte analítico sobre um “fenômeno de época” que envolve, dentre outras questões, a
perda da dimensão entre o público e o privado/íntimo, investindo-se de novos sentidos e
valorações referentes às subjetividades contemporâneas. Arfuch aponta ainda o
atravessamento das formas autobiográficas nos diversos gêneros discursivos em profundo
crescimento desde o século XVIII, tendo sua legitimação no século XX em formas canônicas
e, inclusive, nas ciências sociais. Desta autora, apropria-se também da discussão do conceito
de “polifonia” em Bakhtin, para refletir as dissipações dos limites que ocorrem na encenação
e que deslizam para a pesquisa confundindo sujeito e objeto, pesquisadora e objeto de
pesquisa, tornando a observação uma atividade desafiadora: colocar-se diante de anotações,
reflexões, de diários interrompidos, de projetos de encenação abortados, de filmagens do
espetáculo, de textos rabiscos, do corpo machucado pela estrutura de ferro que compõe a
cenografia do espetáculo e pela ausência presente constante do amigo. Como errar tão à beira

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da perda, da morte e de meus traumas sem correr o risco de incorrer num ensimesmamento?
Como lidar com a ficcionalização de si distanciando somente o suficiente para a condução
necessária por essa travessia? Questiona-se a encenadora-atriz-pesquisadora. A cada nova
apresentação de “nenhuma carta”, novas percepções emergem: todas as vezes em que a atriz-
encenadora-pesquisadora volta ao encontro com a experiência de lidar com as memórias no
ato da “presentação”, surpreende-se com a falta de memória. Ou melhor, constata a invenção
que se propõe a fazer cada vez que precisa incursionar nesse “espaço biográfico” para se
encontrar com o público de “nenhuma carta”. Desse modo, pretende-se como comunicação
final desta pesquisa, a produção de uma espécie de ensaio de percurso do seu processo de
criação que não tem fim.

Referências bibliográficas

ARFUCH, Leonor. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de


Janeiro, RJ: EDUERJ, 2010. 368 p.

BARTHES, Roland. O efeito de real. In: O rumor da língua. 2ª Ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2004.

FÉRAL, Josette. Por uma Poética da Performatividade: o teatro performativo. Sala Preta,
Revista de Artes Cênicas: São Paulo, n. 8, 2008. p. 191-210.

FERNANDES, Silvia. Teatralidades Contemporâneas. São Paulo: Perspectiva, 2010.

______. Teatralidades do Real. Revista Subtexto, Belo Horizonte, n.06, dez. 2009.

LEJEUNE, Philippe. O Pacto Autobiográfico: de Rousseau à internet. Trad. Jovita Maria


Gerheim Noronha, Maria Inês Coimbra Guedes. 2 ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014
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TEATROS E FEMINISMOS EM SALVADOR: UMA CARTOGRAFIA DAS


MEMÓRIAS DE MULHERES CRIADORAS
Camila Guilera Ferreira

Palavras-Chave
feminismo, mulheres, teatro

O Projeto de pesquisa intitulado “Teatros e Feminismos em Salvador: Uma cartografia


das memórias de mulheres criadoras” parte das inquietações da artista pesquisadora e de sua
trajetória dentro do fazer teatral, que começou com a fundação do grupo teatral Panacéia
Delirante em 2008, no contexto de um projeto de pesquisa na iniciação científica na Escola de
Teatro da Universidade Federal da Bahia. Constituído somente por mulheres, o grupo buscou
tratar de questões de gênero em suas produções – tanto nos espetáculos que montou como nas
atividades formativas e de pesquisa. Algumas questões que foram sendo testadas,
amadurecidas e reinventadas ao longo do trajeto do Panacéia Delirante: Qual a importância da
auto-declaração como feminista dentro de um grupo de mulheres voltado para questões que
dizem respeito às mulheres? Como se dá a negociação dos posicionamentos políticos dentro
do espaço do grupo? A estas se juntam outras indagações, levantadas pela pesquisadora:
Existe uma categoria que pode ser denominada 'teatro feminista'? Existem, na cidade de
Salvador, atualmente, criadoras interessadas em produzir um teatro feminista? Que
mecanismos de criação são operativos para levar discussões de gênero para a cena?
Ultrapassando o próprio grupo de origem da pesquisadora, esse projeto parte da percepção de
uma emergência, efervescência e diversidade de produções teatrais assinadas por mulheres
(seja como dramaturgas, diretoras, proponentes de projetos, idealizadoras ou autoras em
estruturas colaborativas), ou que tem mulheres como maioria nas equipes, e de viés feminista,
nos últimos anos, na cidade de Salvador. Principalmente a partir de 2013, observa-se um
movimento crescente de produções solo e em grupos que se propõem a levar para a cena
questões de gênero e que tem mulheres como articuladoras de seus processos. O teatro que
fazemos hoje é, como o é a sociedade em que vivemos, herdeiro de uma ordem patriarcal e
importada. As mulheres atuantes no teatro, na segunda década do século XXI são, ainda,
herdeiras de uma tradição teatral, dramatúrgica e artística predominantemente masculina. Nas

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escolas e centros e formação em Artes Cênicas estudamos e encenamos autores – são eles os
grandes nomes entre os teóricos, dramaturgos, críticos, atores, encenadores (quase todos
europeus e, mais recentemente, estadunidenses) até, pelo menos, a segunda metade do século
XX. Kathleen Gough, ao listar as características do poder masculino em sociedades arcaicas e
contemporâneas declara que, entre outras formas, o estabelecimento desse poder se dá ao
restringir a criatividade das mulheres ou quando as retiram de amplas áreas de conhecimento
e de realizações culturais da sociedade (GOUGH, 1975). O panorama de hoje não é mais
absolutamente masculino, é certo, são inúmeras as artistas, autoras, dramaturgas e teóricas
que assinam seus nomes no campo das artes e na Academia. Ainda assim, é escassa a
literatura sobre a produção de mulheres no teatro e sobre articulações entre teatro e
feminismo, principalmente em português. Portanto, o quadro teórico desta pesquisa se situa
entre os estudos de gênero (autoras como Adrienne Rich, Joan Scott, Lilian Faderman) que
tratam da invisibilidade das produções e das relações entre mulheres, pesquisadoras do campo
das artes cênicas que tentam olhar para figuras e criações femininas (Ângela Reis que estuda
vida e obra de atrizes do século XIX, Elza Cunha Vicenzo, que pesquisa dramaturgia escrita
por mulheres), teóricas norte-americanas que tratam de teatro feminista (Elaine Aston e
Charlotte Canning) e, finalmente, autoras brasileiras contemporâneas que tratam das
aproximações entre feminismo e arte (Roberta Barros, “Como Falar de Feminismo à
Brasileira”) e, mais especificamente, da experiência entre feminismo e teatro (Lígia Tourinho
e Luciana Mitkiewicz, “Bonecas Quebradas”). Ainda integram esse quadro, Ileana Diéguez,
pesquisadora mexicana que estuda principalmente teatralidades e performatividades latino
americanas que se inscrevem como ações políticas e Teresa Ralli, atriz do grupo peruano
Yuyachkani, em seu relato de experiência sobre um trabalho realizado ao longo de anos com
as mulheres de seu grupo. O trabalho aqui apresentado tem como principais objetivos, traçar
um panorama de criadoras, tanto de mulheres atuantes no cenário teatral soteropolitano, como
de outras artistas referenciadas por estas primeiras. Esse levantamento visa mapear, visibilizar
e documentar o teatro feito por mulheres na cidade, criando referências para futuros trabalhos.
A perspectiva cartográfica será utilizada para conduzir o supracitado panorama através de
uma lógica não-linear: ao invés de um recorte temporal, a pesquisa está sendo guiada por
relatos e citações. Ao entrevistar determinada atriz, por exemplo, a pesquisadora elenca outras
criadoras citadas por esta como suas principais referências e as busca para uma nova

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entrevista, tecendo assim uma rede de memórias, afetos e ‘genealogias teatrais’. As atuais
perguntas norteadoras são: na atual cena teatral soteropolitana, que mulheres artistas são
referências para outras mulheres criadoras? Essas referências femininas existem? Que
criadoras se identificam com o termo ‘teatro feminista’ ou referenciariam sua criação como
feminista? Como resultados parciais, o projeto desenhou uma retrospectiva, ao longo dos
últimos três anos, das produções teatrais em Salvador assinadas por mulheres. Além de um
cenário de obras e autoras, foi feita uma descrição das distintas formas de agenciamento entre
as equipes criadoras e de organização da autoria das obras, por exemplo, se as propostas
partem de grupos, da convocação de uma diretora, se são experiências solo etc. Outro ponto
observado são as questões centrais - corpo, sexualidade, atravessamentos entre gênero e raça
etc - levadas para a cena nestes espetáculos. Os resultados esperados incluem uma revisão
bibliográfica acerca de teatro feminista e a produção dessa cartografia de memórias, que toma
a experiência, as recordações e referências de mulheres que estão criando na cena teatral
soteropolitana.

Referências bibliográficas

GOUGH, Kathleen. The Origin of the Family. In: REITER, Ranya (Ed.). Toward an
Anthropology of Women. New York: Monthly Review Press, 1975.

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ENTRE PROGRAMAS E ANTI-PROGRAMAS PERFORMATIVOS: ARTE DA


PERFORMANCE E MOBILIDADE URBANA
Elilson Nascimento

Palavras-Chave
arte da performance, cartografia, mobilidade urbana

Este trabalho apresenta proposições teóricas e artísticas que integram a dissertação


“Vulnerabilidade Vibrátil: arte da performance e mobilidade urbana”, que estou
desenvolvendo no Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena da UFRJ. O planejamento
urbano da cidade do Rio de Janeiro e suas transformações, iniciativas poéticas e políticas para
praticar a circulação na cidade; a experimentação dos transportes coletivos como espaços
performativos; a relação entre caminhada e memória e o interesse pela concidadania são
alguns dos aspectos que norteiam a inter-relação que proponho entre performance e
mobilidade urbana, a partir da experimentação de ações performativas em ruas e transportes
coletivos. Nessa tessitura de movimentos com a organização dos espaços da cidade e da
circulação de seus corpos, as linhas de tráfego da pesquisa compreendem cartografias de
transição que tenho experimentado entre os papéis de passageiro, espectador, pedestre e
performer. Transição norteada por dois conceitos basilares: “cartografia (corpo vibrátil)” e
“programa performativo”, concebidos, respectivamente, pelas pensadoras Suely Rolnik e
Eleonora Fabião, ambas em diálogo com o conceito de “Corpo sem Órgãos”, dos filósofos
Gilles Deleuze e Félix Guattari. A noção de cartografia se refere a um “desenho que
acompanha e se faz ao mesmo tempo que o desmanchamento de certos mundos – sua perda de
sentido – e a formação de outros: mundos que se criam para expressar afetos
contemporâneos” (ROLNIK, 1989). Nesta abordagem, um cartógrafo, consciente de que os
modelos organizacionais carregam uma obsolescência que não dá conta de expressar as
urgências e os pormenores das relações que se criam entre os corpos e os espaços, tem o
interesse de participar ativamente da inscrição de outros desenhos nos mapas correntes. Tem,
portanto, o desejo de ser produtor para além de produzido. Para isso, entrega-se de “corpo e
língua” à experiência cartográfica, na tarefa “de dar língua aos afetos que pedem
passagem” (ROLNIK, 1989). Considero que a atividade do cartógrafo pode exemplificar os

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gestos e ações da performatividade urbana. Com essa afirmação, posso referir-me não só aos
artistas da performance, mas também àqueles que agem no meio urbano a partir da criação de
outras linhas e engajamentos possíveis para a construção e realização de desejos. Ciclistas,
skatistas, trabalhadores de carga , ambulantes, religiosos, pedintes e artistas de rua são corpos
que agem desviando a lógica espetacular das cenografias do cotidiano (JACQUES, 2008).
Inscrevem um engajamento maior de seus corpos aos espaços, adaptando-os às suas diversas e
específicas necessidades de circulação e sobrevivência e exercitando uma possível autonomia
que nega e evidencia, simultaneamente, as disposições coreográficas que controlam a
movimentação na cidade (LEPECKI, 2011). Quanto aos artistas da performance, acredito que
podem atuar como o cartógrafo, engajando-se de corpo e língua no espaço urbano, pois o
cartógrafo “vive de expropriar, se apropriar, devorar e desovar, transvalorado” (ROLNIK,
1989). Um performer que atua na urbanidade pode expropriar-se dos seus trajetos cotidianos,
apropriando-se de caminhos desconhecidos, de corpos desconhecidos, dos espaços e dos
materiais da cidade, devorando as linhas que inscreve nas rotas urbanas, desovando, por fim,
toda essa experiência em práticas de transvaloração. O artista da performance pode mudar o
valor das coisas (FABIÃO, 2015), transvalorando a cidade em movimento, ao praticar novas
maneiras de socialização que são motorizadas pelos programas que expandem a vibratilidade
do seu corpo. Um programa performativo é um “motor de experimentação psicofísica e
política” porque sua prática cria corpo e relações entre corpos; deflagra negociações de
pertencimento; ativa circulações afetivas impensáveis (FABIÃO, 2013). Um programa
performativo, assim, é o planejamento que dispara a dramaturgia do imprevisível operada
pelas ações performativas e, por isso mesmo, constitui o “enunciado que possibilita, norteia e
move a experimentação”, (FABIÃO, 2013). Todo esse movimento gerado pelos programas
promove iniciativas que desenham perpendiculares curvilíneas de encontro e deslocamento na
padronização retilínea da cidade, alimentando a vibratilidade do corpo do performer no
desencadeamento de encontros. Ancorado no conceito de programa performativo, que tem
norteado minha prática como performer em espaços públicos da cidade, sugiro que os planos
de mobilidade urbana funcionam como anti-programas performativos. Compostos por
enunciados (verbais, pictóricos, arquitetônicos), os anti-programas controlam o trânsito
urbano, estipulam preceitos comportamentais e, muitas vezes, inculcam noções de
pertencimento e cuidado para camuflar os cerceamentos que esgotam o agir social. Ao

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contrário dos programas, os planos de mobilidade – lidos como anti-programas – não se


interessam em motorizar a experimentação e circulam enunciados que são diluidores
relacionais. Esses enunciados, aliás, disparam uma oposição formal com os programas
performativos: se estes são constituídos por frases concisas, sem adjetivos e com verbos no
infinitivo (FABIÃO, 2013), os anti-programas enunciam verbos no imperativo: “é proibido
sentar-se no chão do trem”; “deixe a direita livre” etc. Tendo em vista que esses enunciados
podem moldurar os corpos para que permaneçam como um conjunto ordenado e obediente,
para que circulem como uma massa córica, o objetivo central deste trabalho é observar como
a realização de ações performativas no espaço urbano caminham em contrafluxo ao projeto de
dominação revestido nos planos de mobilidade (KAPP, 2011), motorizando a coletividade e
fazendo eclodir práticas urbanas de concidadania. Assim, metodologicamente, descreverei 5
das ações que realizei em ruas e transportes coletivos no intuito de averiguar as proposições
teóricas aqui citadas. Os trabalhos são: “Pago 4 e 10”, “Estação Adílio”, “Transporte
Olímpico”, “Massa Ré” e “Gota”. Espero que a descrição da prática desses programas
performativos em meio aos anti-programas vigentes nos espaços públicos da cidade possam
inscrever outras lógicas de produção e relação, inserindo práticas de experimentação através
de negociações éticas com transeuntes. Negociações não somente para a experimentação
estética, mas também para a cidade que passa em movimento.

Referências bibliográficas

FABIÃO, Eleonora. Programa performativo: o corpo-em-experiência. In: ILINX Revista


do LUME (Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da UNICAMP): #4, 2013, p. 1-11.

______. Ações. Rio de Janeiro: Tamanduá, 2015.

JACQUES, Paola Berenstein. Corpografias urbanas. In: Revista Arquitextos, v. 093.7, ano
08, 2008.

KAPP, Silke. Alienação via mobilidade. Campinas: Oculum Ensaios. V. 15, 2012. p. 30-41.

LEPECKI, André. Coreo-política e coreo-polícia. In: Ilha, Revista de Antropologia. V. 13, n.


1,2. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2011.

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OS JOGOS MÚSICO-TEATRAIS DE JEAN-JACQUES LEMÊTRE DO THÉÂTRE


DU SOLEIL
Marcello Amalfi

Palavras-Chave
Jean-Jacques Lemêtre, Théâtre Du Soleil, música do teatro, trilha sonora, macro-harmonia,

No primeiro dia do longo período em que estive na sede do Théâtre Du Soleil em


Paris, a convite do músico Jean-Jacques Lemêtre, perguntei-lhe quais seriam as melhores
fontes para desvelar as questões que envolvem a música da trupe e seu aprendizado. Ele foi
categórico em nomear duas: a primeira, prosseguir com a minha ideia inicial e falar
diretamente com os atores da companhia, pois, apesar disso jamais ter sido feito, de fato são
eles os primeiros a estabelecer a conexão com a música, e são eles que estão no outro canto
do palco, em cena. Sobre a segunda fonte, ele prosseguiu: "Quando você me pergunta se há
outras questões, eu penso que com todos os estágios, com todas as coisas que você já tem…
(Ele refere-se ao acervo que venho reunindo desde 2011). [...] Você tem mesmo muita coisa!
Porque depois, nós colocamos uma questão, e a resposta já está lá nos estágios. [...] A música
não vem da música, ela vem do estado do personagem, e o estado fornece o corpo do
personagem, e a voz do personagem. Se ele não têm o estado, não há o corpo, e não há a voz.
Agora, se você pega a voz para cobrir o personagem, é um passo idiota. É uma técnica nesse
momento… se você pega o corpo e você faz assim - gesticula desengonçado - para dizer 'meu
personagem é assim', você vê… e daí o que você fez? Uma caricatura”. Sendo assim, para
adentrar um pouco no universo do que identifiquei como OS JOGOS MÚSICO-TEATRAIS
DE JEAN-JACQUES LEMÊTRE, embarcaremos em suas palavras proferidas durante a
abertura de um estágio, realizado na USP em novembro de 2011: "Meu nome é Jean-Jacques.
Eu trabalho a música no Théâtre Du Soleil apenas há trinta e quatro anos. Nesse começo, eu
pretendo trabalhar com vocês sobre essa relação música X teatro, teatro X música, sobre a
forma de vários pequenos exercícios. De fato, eu vou tentar dar a vocês uma espécie
alimentação, de forma que vocês possam digeri-la, e fazer com ela aquilo que vocês quiserem
fazer individualmente. Então, farei pequenos exercícios, que eu não terminarei jamais, já que
serão vocês que os terminaram em suas casas, se quiserem. Portanto, são todos muito fáceis

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no início, e depois…”. Desde 2011 Jean-Jacques vem me ensinando paciente e


detalhadamente muito da sua música, de seus instrumentos, e me convidando para ajuda-lo
nos estágios que ministra. Isso me permitiu compreender um pouco de seu modo de pensar a
música do teatro. Chama atenção o fato de Lemêtre não ver o seu papel nos estágios, e tão
pouco nas montagens de espetáculos do Théâtre Du Soleil, como o de um professor
tradicional, mas como um facilitador, um fornecedor de algo que pode alimentar o trabalho do
ator. De fato, ele jamais chega para um estágio com uma lista de JOGOS MÚSICO-
TEATRAIS pré-selecionados, vindo a seleciona-los a partir do contato que tem com a turma,
e da análise de seu comportamento exercício por exercício. Já nas montagens do Théâtre Du
Soleil, quando surge uma necessidade de os atores desenvolverem certa “aptidão”, é
convidado um "mestre" de apoio, cuja função é, sob a tutoria de Jean-Jacques, ensinar alguma
habilidade aos membros da trupe, como uma forma de canto singular, uma dança, ou uma
determinada expressão corporal, que ficará disponível para ser utilizada durante a criação do
novo espetáculo, como me explicou Duccio Bellugi Vannuccini, em uma entrevista concedida
em 03/06/2016, na sua residência em Paris: "Nós tivemos, por exemplo, durante o Tambours
[sur la digue, 1999], tivemos alguém que veio, Kimbouksou, e depois seus alunos, seus
assistentes, que nos ensinaram o Tshangou, e todas essas coisas que estiveram, depois, elas
mesmas no espetáculo. Tivemos uma música, que nós aprendemos, que esteve lá. Nós
tivemos, por exemplo, para Et soudain de nuits d'éveil [1997], Dolma, que é uma dançarina de
danças tibetanas, que são danças com canto. Então nós trabalhamos isso.". Por outro lado, as
atividades conduzidas por Lemêtre, quer seja durante as montagens, quer seja nas oficinas
dentro e fora do Théâtre Du Soleil, não ficam submetidas a questões que chamaríamos
puramente musicais, ou questões puramente teatrais, posto que ele simplesmente não faz tal
distinção. Em seu entendimento, a música deve servir o teatro ao integrar de forma
indissociável o espetáculo, o que nos parece natural, uma vez que suas composições estão
inseridas dentro da poética de uma companhia que cria as cenas e a música ao mesmo tempo,
no mesmo momento do ensaio. Dessa forma, seria uma incoerência tentar classificar como
musical ou teatral, por exemplo, a entrada de um ator em um dos espetáculos do Théâtre Du
Soleil, o que fica claro nas palavras de Duccio: “DB - […] Portanto, existe esta música que de
pronto procuramos em nós mesmos, que descobrimos em nós mesmos, que tentamos executar
em nós mesmos. Isso nos prepara para escutar a música que nos sopra Jean-Jacques. E

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também, se não a escutamos, tem alguém na frente, Ariene, que nos diz "Escute a música!
Você não está na música, você não a aproveita a sustentação!" Isso te força a fazer, de saída,
um esforço. Maior, menor, isso depende do ouvido mais ou menos musical de cada um dentre
nós. Mas isso não quer dizer que um músico forçosamente iria melhor. Não se trata desta
música. MA - A escuta é diferente! DB - A Escuta é diferente. MA - Essa escuta... como
podemos falar dela? Porque para o músico, ele escuta e "ok, terça maior, acorde menor...".
Mas com o ator, como isso funciona no palco? DB - Tem-se que escutar como um sopro que
"te sopra", que "te dá uma emoção". Evidentemente, existe um ritmo, mas não é "um, dois,
três, quatro". Existe um batimento. É preciso escutar o batimento do corpo dessa música. Isso
te entrega se "é um céu laranja", se... Estes são os estado que essa música te fornece. Não são
as notas musicais, não é a melodia. Mas o que este conjunto de notas, de sons... o que isso te
fornece. Estes são nossos apoios, nossa sustentação. Esta vem a ser a matéria da inspiração. É
o mundo. Não falamos 'bidê', ou 'eu tenho uma ideia de fazer assim', não... Eu tenho uma
visão! Estas são as visões". A partir dessa vivência com o músico francês desde 2011, pude
observar que os JOGOS MÚSICO-TEATRAIS são atividades imbuídas de um pensamento no
qual a música está integrada de forma indissociável à realização teatral. Isso significa que, ao
transcrever e organiza-los com a colaboração direta do músico e dos atores da companhia em
nossa pesquisa, estamos registrando fielmente, e pela primeira vez, uma prática que ocorre
desde 1978, que permaneceu até agora restrita aos membros da companhia e aos eventuais
participantes de suas oficinas.

Referências bibliográficas

AMALFI, Marcello. A Macro-Harmonia da Música do Teatro: A relação criativa entre o


compositor Jean-Jacques Lemetre e a Encenadora Ariane Mnouchkine. São Paulo: Ed.
Giostri, 2015.

______. Entrevista exclusiva concedida por Jean-Jacques Lemêtre a Marcello Amalfi em


18/10/2011.(não publicado)

PICON-VALLIN, Béatrice. Le Théâtre Du Soleil, Les Cinquante Premiéres Années. Paris:


ACTES SUD / Théâtre Du Soleil, 2014.

(OUTRAS FONTES) Registros pessoais inéditos em vídeo: 48hs Oficinas/ 22hs entrevistas.
Brasil / França. (não publicados)

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PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO: UMA JORNADA CÊNICA COM O LOUCO


Tânia Villarroel Andrade

Palavras-Chave
aromas, criação, individuação

A individuação é uma busca constante que pode ser alcançada com um estado de alerta
reflexivo perante os estados emocionais experienciados num processo criativo junto a seus
resultados simbólicos explícitos na criação. Tal processo traz diálogo entre a consciência e o
inconsciente, e é mediado pelo universo simbólico de cada um que pode adquirir significados
múltiplos e mutáveis, tornando as possibilidades de imagem algo transitório e imerso no
movimento de criar. Se para a psicologia junguiana a individuação é um caminho para a
pessoa “tornar-se o que ela é”, a criatividade pode ser um catalisador da nossa individuação e
nos coloca em contato direto com quem somos como seres singulares, com peculiaridades. No
que tange o processo de individuação, uma atitude artística ativa no aprofundamento com a
nossa poética revela o nosso processo criativo perante todas as facetas da vida, nos colocando
em contato direto com a (re)organização das nossas imagens e significados de experiências e
vivências, potencializando uma maioridade. Maioridade aqui expressa não como maturidade
relacionada a fatos da vida de forma linear, mas uma maturação perante seu próprio repertório
arquetípico, expondo, propositalmente, nosso repertório simbólico a outros contextos e, em
consequência, a variantes de criação. Se “a individuação é um processo de diferenciação: a
especificidade de uma pessoa deve se manifestar, é a sua singularidade” (KAST, 1997); a
criação é um caminho, uma possibilidade de jornada, pois intensifica tudo que a pessoa é e o
que ela quer ser; e mais ainda, o que ela ainda não imagina poder ser – ela se reinventa, para
irromper na dinamização de sua personalidade e na infinita possibilidade que é uma obra
multiplicando significados, fazendo do outro uma presença de si, aumentando o contato com
o self, sem cerimônias, tornando o artista mediador da sua própria energia de forma autônoma
e irradiante. IMPROVISAR COM AROMAS: UM OBJETIVO METODOLÓGICO
Improvisar é um ato de coragem. É necessário encontrar-se num mínimo estado de dilatação
energética, disposição emocional e entrega espiritual quando nos disponibilizamos a
improvisar. É preciso criar sendo, ser por estados de diluição e, ao mesmo tempo,

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condensando significações e sua pluralidade de escolhas materializadas no ato criativo.


Considerando que “ato criador não nos parece existir antes ou fora do ato intencional” e “é
poder dar forma a algo novo”, a improvisação é uma escolha metodológica que convida a uma
variante maior e a intensificação do repertório já conhecido pelo criador ou a reagir ao vazio
com o impensado. Pois “abrange, portanto a capacidade de compreender, e esta, por sua vez, a
de relacionar, ordenar, configurar e significar” (OSTROWER, 1983), neste caso com urgência
e presença, com o deparar-se com o elemento do aqui e agora de forma mais pronunciada,
acessando mais a intuição do que a intelectualização do ato poético. A Aromaterapia estimula
o sistema límbico e reorganiza todo o sistema imunológico, é um ativador de sensações e
imagens. Se “improvisamos com o coração, seguindo esse fluxo, as opções se transformam
em imagens, e as imagens em novas opções, com uma tal rapidez que não temos tempo de
sentir medo ou arrependimento diante do que a intuição está nos
dizendo” (NACHMANOVITCH, 1993), então existe a possibilidade de que os óleos
essenciais, com todas suas propriedades associadas a uma prática de sensibilidade e de
alteridade, sejam ativadores supremos de atos e encontros artísticos que incluem a
improvisação e vice-versa. JOKER: O LOUCO COMO DISPARADOR DE PESQUISA A
carta do louco, arcano maior do tarot, foi uma escolha que deixei-me tomar. Cada vez que
repensava minha pesquisa ela reaparecia de outra forma, com algum detalhe ou nuance que,
até então eu não havia vislumbrado. Foi exatamente a sensação de que era ela como imagem
que me buscava inclusive em momentos em que tentava descartá-la, que me fez mergulhar
ainda mais no que me movia para dentro dela. Nos arcanos menores, ou para esclarecimento
de leigos nessa linguagem, mas não no jogo de cartas, o louco é o único que sobrevive como
imagem quando vindo dos arcanos maiores. De carta 22 ou zero, torna-se joker, assumindo
qualquer número, naipe ou papel que seja exigido pelo contexto que compõe um jogo
completo: ele executa a coringagem, assumindo máscaras diversas, brincando de ser uma
variante, um elemento não visível, ou uma energia excedente criativa que quando
materializada sai da suspensão da dúvida para mobilizar decisões relacionais. O louco “é uma
imagem do tarô que representa a pura potencialidade”, escancarando uma liberdade, a
presença do infinito como possibilidade de relação e expressão. Se pensamos em processo
criativo através de improvisações ambientalizadas com aromas, não podemos deixar de
lembrar que “loucos, bobos, bufões e também os xamãs, em certa medida, têm servido como

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musas, como canais do inconsciente, sem o medo e a vergonha que inibem os


adultos” (NACHMANOVITCH, 1993) ALGUMAS PERCEPÇÕES: LANÇANDO OS
DADOS Improvisar com aromas está embebido de intencionalidade, no entanto, torna a
variante muito amplificada. Algumas perguntas surgiram no decorrer desta pesquisa - que
reflete a busca de uma poética e a intensificação de atos criativos. O que é possível
experienciar ao que se refere à sincronicidade quando existe o uso de um óleo essencial na
improvisação? A sensibilização dos sentidos e o acesso potencializado ao mundo das imagens
é uma manifestação mútua – envolve artista e público - ou é algo que procede
individualmente? O fato de ambas as partes saberem que há uma determinada
intencionalidade nessa sinergia – arte e aroma, influencia o envolvimento do público ou a
entrega da artista? Cada vez que a improvisação vem à tona é uma vez única, singular e
intransferível. Mesmo que faça a mesma cena, o público já não será o mesmo e eu, menos
ainda. O que o ato de mesclar estes ingredientes - improvisação, processo criativo e aromas –
catalisa num processo de individuação através da arte?

Referências bibliográficas

KAST, Verena. A dinâmica dos símbolos: fundamentos da psicologia junguiana. São


Paulo, Edições Loyola, 1997.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis, Vozes, 1983.

NACHMANOVITCH, Stephen. Ser criativo: o poder da improvisação na vida e na arte.


São Paulo, Summus, 1993.

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A LINGUAGEM DA LUZ NO SITE-SPECIFIC


Lúcia Galvão

Palavras-Chave
cidade, cor, intervenção, luz, site-specific

O projeto apresentado tem por objetivo investigar experiências visuais no campo da


iluminação desenvolvidas por artistas de teatro e das artes plásticas, na tentativa de aproximar
os dois campos através de uma linguagem comum, a luz. O eixo central da investigação se
dará pelo foco na relação estabelecida entre o olho humano, a luz e o espaço. A compreensão
da arte enquanto experiência artística e do espaço como fator determinante na relação entre
obra e espectador, pretende nortear o recorte dos artistas e movimentos selecionados. Numa
primeira etapa, a pesquisa buscará analisar as obras de artistas brasileiros que investigam a
relação da luz com o espaço através da performance e também de instalações site-specific, a
exemplo de: Eleonora Fabião, que na sua pesquisa performática por vezes se utiliza da luz
enquanto objeto de linguagem; e Lucia Koch, que investiga e explora a luz em suas
intervenções e instalações. Como pano de fundo para a análise dessas obras, a pesquisa se
apoiará na obra dos artistas norte-americanos James Turrel, Robert Irwin ; cujas investigações
artísticas foram atravessadas pelo movimento Minimalista e da Land Art. Em seguida,
pretende-se relacionar as questões suscitadas pelos artistas, através de suas instalações e
proposições acerca da luz, com o trabalho do iluminador Guilherme Bonfanti e, em especial o
projeto ‘Bom Retiro 958’ . O espetáculo escolhido incorpora táticas e operações de
intervenção urbana através da luz que interessam para pesquisa e dialogam com a linguagem
utilizada pelos artistas visuais citados anteriormente, no que diz respeito ao uso de materiais e
nas relações estabelecidas com as especificidades do espaço. É muito rica a maneira como os
projetos de luz de Bonfanti foram desenvolvidos junto com o Teatro de Vertigem de forma
colaborativa e incorporando condições , muitas vezes adversas, tanto no que diz respeito ao
meio e à paisagem, quanto à limitações econômicas; e tudo isso traduzido conceitualmente e
esteticamente nas propostas. Um ponto estruturante para a pesquisa são as questões suscitadas
a partir da idéia de site-specific, isto é, de trabalhos pensados para lugares específicos, e que
muitas vezes incorporam a paisagem urbana. Foi esse o aspecto, na perspectiva da

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iluminação, que orientou a escolha dos artistas que serão investigados. Alguns dos
movimentos que emergem na década de sessenta, no campo das artes plásticas, são
precursores em problematizar as questões que surgem na relação de determinados espaços e a
paisagem; a luz assume papel de grande relevância para o trabalho de alguns artistas, como é
o caso de Turrel e Irwin. E a partir da década de setenta a idéia de trabalhos site-specific ira
incorporar cada vez mais aspectos políticos e geográficos em suas proposições artísticas, e
esse conceito irá se dissolver em uma gama diversificada de trabalhos. Nesse sentido o
trabalho dos artistas brasileiros selecionados são particularmente interessantes e muito
potentes no que toca essas questões. A análise das obras parte também de uma abordagem
fenomenológica, que se baseia na idéia romântica de que a luz se estabelece numa relação
entre o olho e o espaço. Nesse sentido o tratado de Goethe sobre as cores se configura como
um interessante ponto de partida, e todo o contexto do romantismo oferece uma perspectiva
rica para o entendimento do tipo de trabalho que será desenvolvido em iluminação ao longo
do séc. XX. E é a partir da premissa, de que existe uma área comum nas pesquisas em
iluminação e nas relações que são estabelecidas com a paisagem através da visão e da
experiência corporal, que se busca uma aproximação entre a produção dos artistas que operam
nas artes plásticas e no campo teatral. Finalmente, existe a intenção de que o trabalho de
pesquisa possa estimular a atualização do meu fazer artístico, e é nesse contexto que faço a
opção de revisitar e refletir sobre algumas instalações urbanas por mim realizadas entre 2005
e 2008, e que dialogam com a obra dos artistas e os assuntos investigados. De forma que,
paralelamente à pesquisa teórica, o projeto se propõe também a incluir uma dimensão prática
que poderá culminar na criação de novos trabalhos ao longo desses dois anos.

Referências bibliográficas

BARROS, Anna. A arte da percepção: um namoro entre a luz e o espaço. São Paulo:
Annablumme; Fapesp. 1999.

CERTEU, Michel de. A invenção do Cotidiano-1:Artes de Fazer. Petrópolis: Ed. Vozes,


1994.

FABIÃO, Eleonora. Ações: Eleonora Fabião; org. Eleonora Fabião , Andre Lepecki. Rio de
Janeiro: Tamanduá Arte, 2015

GOTHE, J. W. Doutrina das Cores. São Paulo: Ed. Nova Alexandria, 1993.

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KOCH, Lucia Machado. Estados Alterados do Lugar. Tese de Doutorado. São Paulo: ECA/
USP, 2013.

KWON, Miwon. One place after another: site- specific art and locational identity.
Massachysetts Institute of Technology, 2002.

MERLEU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Livraria Martins


Fontes Editora Ltda, 2011.

______. O olho e o espírito: seguido de A linguagem indireta e as vozes do silêncio e A


dúvida de Cézanne; tradução Paulo Neves e Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira;
prefácio Claudio Lefort; posfácio Alberto Tassinari. .São Paulo: Cosac e Naify, 2004

PALLAMIN, Vera. Arte, cultura e cidade: aspectos estético-políticos contemporâneos.


São Paulo: Annablume, 2015.

SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. São Paulo:
Editora Universidade de São Paulo, 2014.

WESCHELER, Lawrence. Seeing is forgetting the name of the thing one sees: over thirty
years of conversations with Robert Irwin. California, University of California Press, 2008.
Sites http://jamesturrell.com/ http://www.teatrodavertigem.com.br/ http://luciakoch.com/

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MAL-AMADAS: AS MULHERES QUE NÃO DERAM CERTO


Maria Marta Baião Seba

Palavras-Chave
artivismo, gênero, teatro feminista

Nestes últimos tempos as Mal-Amadas, têm despertado a curiosidade de pesquisadoras


feministas, principalmente em relação aos códigos estéticos que corroboraram para justificar a
Poética do Desmonte, marcada pelo hibridismo e pela perspectiva libertária. É importante
incluir neste relato o porquê da filosofia de Moreno1 e a Poética de Brecht, na formulação da
Poética do Desmonte. Espontaneidade e Criatividade são pontos fundamentais da teoria
moreniana, ele parte do princípio que o ser humano vem ao mundo livre e espontâneo e que as
conservas culturais são resultantes do malogro das relações sociais. Em relação a Brecht, o
que nos atrai é o fato de ser uma prática artística de representação desnaturalizadora2, ou seja,
a desmontagem da aparência de naturalidade das coisas numa perspectiva reflexiva e
transformadora. No momento em que estava justamente esboçando um breve relato sobre o
Teatro Feminista das Mal-Amadas, a pedido de uma amiga/pesquisadora, fui surpreendida por
uma mensagem no Facebook de uma atriz de trinta e quatro anos pedindo ajuda. Devo dizer
que é um fato recorrente, mas, o que me surpreendeu foi o grau de gratuidade da violência a
que foi exposta e a indiferença da “plateia” que a tudo assistiu sem manifestar nenhuma
reação. A violência de gênero é uma dessas categorias que escapa das definições, como bem
disse a antropóloga indiana Veena Das, a violência não é uma categoria transparente, ela é
performativa. Maria ia subir pelo elevador do prédio onde mora sozinha e sentiu que de
dentro alguém tentava impedir que ela puxasse a porta. Ela forçou e quando abriu, viu um
casal; ela perguntou por que não a queriam deixar subir e completou: ”vocês são racistas” e
ouviu a seguinte resposta: “e se fossemos, qual o problema? ”, responderam. Maria fez
menção de pegar o celular na bolsa; o homem não esperou ela completar o gesto, grudou nos
seus cabelos e arrastou-a até o estacionamento do prédio onde passou a esganá-la. Ela tentou
se defender, só quando viram que ela estava machucada, um homem puxou o agressor e
mandou que ela subisse e ainda teve tempo para verbalizar a sua covardia, tipo “não conte
comigo para ser testemunha”. Lembrei das inúmeras vezes que ao final da apresentação, a

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plateia permanecia sentada, então, sentávamos juntas e conversávamos muito. Lembro a


dificuldade encontrada para nos despedir. Nas peças atuais, o diálogo faz parte da cena. Devo
dizer que nesses 24 anos vimos e ouvimos de tudo, a crueldade, a violência, a misoginia nua e
crua, raiva, um ódio histórico que os homens nutrem pelas mulheres. Maria assistiu a peça-
jogo VULVAR (no lugar dela) em 2016. Participou e entendeu que isto que ela vivenciou é
violência, é crime. Reagiu, pediu ajuda e, mesmo com medo, denunciou. Esta relação entre
público e as atrizes define, em parte, o nosso teatro feminista que fomenta reflexão, fortalece
e desnaturaliza a violência de gênero, uma relação muito clara que não deixa dúvidas acerca
desse vínculo, espontâneo e transitório. Temos muito a falar sobre o teatro anti-patriarcal, não
me refiro a temática, mas sobre o modo antilusionista de ser e fazer. O início dos trabalhos
com as Mal-Amadas foi em 1992 através de um convite para montar uma peça teatral em
vinte dias para celebrar o dia internacional da mulher e embora sabendo que não teria em
mãos um código estético que correspondesse às necessidades expostas, muito menos regras
para esta categoria de teatro, aceitei o desafio. Somente na terceira fase do grupo comecei a
nomear as ações, as práticas de cena, sendo que o Artivismo esteve presente desde sempre,
intervenções performativas, modalidades que nasciam em resposta a necessidade dada. Por
isso mesmo, os métodos, procedimentos, jogos do campo cênico exigiram a adoção de uma
perspectiva feminista, visto que a grande maioria das propostas conceituais e metodológicas
são de autoria masculina, portanto modo de operar falocêntrico. Saffiotti (2015) diz que a
compreensão do caráter histórico da dominação masculina é fundamental para a compreensão
do sistema patriarcal que rege a sociedade há pelo menos sete mil anos. Ela afirma que a
apreensão da própria história empodera as mulheres, no sentido de que, ao se apropriar da
origem e da natureza da violência de gênero, o projeto de dominação-exploração praticado
pelos machos, arrefece. O Teatro Feminista ainda é um modo invisível de ser e fazer na cena
mundial, artivismo não é visto com bons olhos. A Poética do Desmonte é um modo de operar
nas contradições da lógica binária, problematiza, mas não faz uso de conflitos, explora o
caráter arbitrário da relação entre o significado e o significante, lançando mão do desmonte de
tudo que indica domesticidade: falas, imagens, ideias, valores, entre outros. Quando
começamos a nomear esta prática, confesso que encontrei e encontro dificuldades, tem sido
uma luta, trabalhar com formas que não se pretendem acabadas nos meteu em caminhos
muitas vezes pedregosos, sem saída. Para o grupo inicial, onde a maioria das mulheres não

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conhecia uma sala de teatro, operamos com a estética que pareceu mais justa para o momento,
além das já citadas, praticamos Augusto Boal, um mestre rejeitado pela academia, embora
seja um dos poucos compositores de um método substancioso pautado pelo anti-aristotelismo,
na segunda fase veio a Poética de Brecht e na terceira o épico-performativo, ainda em
construção. Com o tempo fomos descobrindo que a perspectiva feminista no teatro requer
alguns elementos fundamentais como o protagonismo das mulheres em todos os sentidos,
autoral e atoral, a desmistificação da representação e a criação sem limites. Somos sujeitas das
nossas obras, afinal, foram séculos de interdição, não faz sentido espetacularizar as nossas
dores, as “pequenas mortes” cotidianas, alimentar o Pathos Trágico, a aparência de eternidade,
nossa perspectiva é libertária. Nós Mal-Amadas Somos as Mulheres que Não deram certo,
para eles, é claro, os Patriarcas!

Referências bibliográficas

LAQUEUR, Thomas. Inventando o Sexo: Corpo e Gênero dos gregos a Freud. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 2001

MEDEIROS, Maria Beatriz. Arte, Performance e Rua. Ouro Preto: in Revista Artefilosofia
12,UFOP , 2012.

MORENO, Jacob Levy. O Teatro da Espontaneidade. São Paulo:Summus, 1984.

PERROT, Michelle. Minha História das Mulheres. São Paulo: Editora Contexto, 2008.

SAFIOTTI, Heleieth Iara B. Gênero e Patriarcado Violência. São Paulo: Ed. Expressão
Popular, 2015.

DAS, Veena. Entre palavras e vidas: Um pensamento de encontro com margens,


violências e sofrimento in Dilemas, Revista de estudos de conflitos e controle social, vol 5,
nº 2, 2012.

TAYLOR, Diana. Traduzindo Performance. In Antropologia e Performance ensaios


Napedra, São Paulo: Ed. Terceiro Nome, 2013.

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UNINDO COSTURAS: A MONTAGEM CINEMATOGRÁFICA E O ESCRITOR


RAPSODO
Igor Nascimento

Palavras-Chave
Dramaturgia; montagem cinematográfica; escritor-rapsodo

A pesquisa apresentada tem explora o conceito de escritor-rapsodo e montagem


cinematográfica. Como hipótese de pesquisa, investiga-se como as rupturas do cinema com a
decupagem tradicional podem oferecer balizas, técnicas e procedimentos para análise e
confecção de textos que rompem também com o drama tradicional. O termo escritor-rapsodo
cunhado por Sarrazac (1981, p.27) considera o dramaturgo como: “aquele que junta o que
previamente despedaçou e despedaça o que acabou de unir”. Segundo o autor, diferente do
drama clássico que é um mundo fechado em si, o drama rapsódico, é “franzido”, “com riscas
em todos os sentidos”, “aberto e incompleto” e sua característica principal é o contraste que
surge na amálgama de múltiplas escritas. Trata-se do primeiro levantamento teórico da
pesquisa. Serão apresentados alguns pressupostos da Montagem Intelectual, de Eisenstein
(1990a, 1990b), tecendo um paralelo deste conteúdo com as teorias sobre o drama moderno e
contemporâneo de acordo com os estudos de Sarrazac (1981), Ryngaert (1991) e Joseph
Danan (2012). Ao conduzir tal investigação, espero abordar o drama contemporâneo em seu
aspecto prático e teórico, propondo ferramentas que poderão ser utilizadas tanto para
compreensão (e apreensão) do texto teatral em seu aspecto dinâmico (sem os psicologismos e
as explanações sobre o contexto histórico e biografia de autor específico). Sarrazac (1981)
considera o texto teatral moderno e contemporâneo como um mosaico de junções e
disjunções, que não segue um curso delimitado e não tem uma forma definida, assemelhando-
se a uma colcha de retalho, um patchwork. Para abarcar essa forma de tecer o texto, Sarrazac
(Idem) sugere a “pulsão rapsódica” como geradora de uma forma de escrita mais livre que
permite hibridações formais e que dinamitam os moldes da pièce bien faite. Porém, longe de
instaurar uma anarquia, o escritor rapsodo também propõe suturas, emendas, criando, assim,
novas criaturas - monstros que se diferem do “belo animal” sugerido por Aristóteles1 (2003).
Para junção desses campos distintos (a montagem cinematográfica e a dramaturgia do texto),

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um indício: o termo rapsodo, que vem do grego antigo, rhaptein que significa ‘costurar’. O
montador junta pedaços de filmes, alterna tomadas (os takes), edita o filme levando em conta
um sem-número de fatores – luz, ação, cor, continuidade, sons etc. Antigamente, o filmes era
montados de maneira bem artesanal, por meio de uma moviola, que nada mais era do que dois
rolos operados por uma manivela. A película era inserida nesse aparelho e, o montador, vendo
as tomadas pelo monitor, selecionava os pontos, cortava e colava os pedaços de filmes. Dessa
forma, juntar pedaços, fazer recortes, criar relações em fragmentos, colar, rasgar, tecer,
costurar, amarrar são ações que encontro na minha prática enquanto dramaturgo e que fazem
parte do universo de composição dos montadores. Os procedimentos levados em conta pela
montagem cinematográfica ultrapassam a mera colagem de uma tomada com outra. Nessa
junção e agenciamento de planos são postos em questão elementos como: a continuidade ou a
não continuidade da ação dentro do quadro, as camadas dentro um plano, o ritmo e tempo
entre cada tomada, as possibilidades de fusão entre planos etc. (XAVIER, 1977). Cada
escolha, cada elemento escolhido em detrimento de outro, cada parte posta em relevo (ou não)
revela uma operação criativa e uma estratégia de composição do filme que pode influir na
textura de uma sequência, no andamento linear ou não linear do enredo, na aproximação ou
no afastamento emotivo do espectador entre outros fatores. De um lado, o drama moderno e
contemporâneo, de ‘pulsão rapsódica’ que rompe com o drama tradicional, de outro, a
Montagem Cinematográfica e suas rupturas com a decupagem tradicional. Todavia, diferente
do Cinema, os estudos sobre dramaturgia de textos ainda é carente de obras que versem sobre
a carpintaria do texto propriamente dita. Sobretudo quando o texto não figura mais como o
centro da criação e as três unidades aristotélicas são dinamitadas. A noção de dramaturgia se
expande e sai do campo do texto para abranger outros elementos do espetáculo, havendo a
dramaturgia do corpo, da cenografia, do figurino, da luz, da direção e, nesse ínterim, a
dramaturgia do texto, agora não regida apenas pelo conflito, mas por uma gama de
possibilidades de composições (DANAN, 2010). Para a comunicação oral no Seminário de
Pesquisa em Andamento da ECA, apresento primeiramente a montagem cinematográfica
desvinculada do desenvolvimento lógico-causal do enredo. Tal montagem não implica em
reconstituir um todo provindo de um fragmento da realidade. Ela possui uma inteligência
própria e joga com os buracos, os espaços vazios, a desconstrução do tempo, do espaço da
ação. Os cortes a, as elipses, a descontinuidade da ação, os planos não servem apenas para

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contar um enredo, mas, também, para “montar” uma ideia, uma sensação, uma ideologia etc.
A partir daí, teço relações com o drama moderno e contemporâneo que também assumiu, em
sua composição, os buracos, os vazios, os quadros, a interrupção da ação dramática, os micro-
conflitos etc. No estágio estou na pesquisa, tais paralelos abriram o campo de visão da
dramaturgia do texto, não tão associada desenvolvimento do enredo e do conflito. A
montagem no seio do texto se dá tanto em seu aspecto amplo, fragmentação do texto em
quadros; tanto em seu aspecto mínimo – no campo das réplicas, no qual os diálogos, embora
estejam na mesma cena, possuem enunciações diferentes. Sendo assim, o pesquisador
apresenta no Seminário de Pesquisa em Andamento alguns dos cruzamentos resultantes da
revisão bibliográfica sobre o drama moderno e contemporâneo com alguns pressupostos da
montagem cinematográfica. Essa junção dos campos é parte do chão harmônica teórico da
pesquisa de doutorado que prevê, durante seu curso, a realização de ateliês de dramaturgia
com peças de formato curso no estado de São Paulo e do Maranhão.

Referências bibliográficas

ARISTÓTELES. Arte Poética. Tradução Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2003.

ARAÚJO, Antônio. A gênese da vertigem: o processo de criação de o Paraíso Perdido.


São Paulo: Perspectiva, 2011

DANAN, Joseph. Qu’est-ce que la dramaturgie?. Arles: Actes-Sud Papiers 2010

DANAN, Joseph; SARRAZAC, Jean-Pierre. L’Atelier de l’écriture théâtrale. Arles: Actes-


Sud Papiers, 2012.

EISENSTEIN, Sergei. A Forma do Filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990a.
______. O Sentido do Filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990b.

RYNGAERT, Jean-Pierre. Introduction à l’analyse du théâtre. Paris : Bordas, 1991.

______. Ler o teatro contemporâneo. Tradução Andréia Stahel M. da Silva. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2013.

SARRAZAC, Jean-Pierre. L’Avenir du Drame : Écritures Dramatique Contemporaines.


Laussanne (Suisse): Editions De L’Aire, 1981.

SARRAZAC, Jean-Pierre (org.); Catherine Naugrette... [et al]. Léxico do Drama moderno e
contemporâneo. Trad. Adré Telles. São Paulo: CasacNaify, 2012.

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XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: A opacidade e transparência. Rio de


Janeiro: Editora Paz e Terra, 1977

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ÍNDICE REMISSIVO

TÍTULOS DOS RESUMOS AUTOR(AS/ES) PG.


A CANÇÃO EM CENA: CORPO E GESTO NAS
Lígia Petrucci 215
VOZES DE MÔNICA SALMASO E MARIA JOÃO
A CONCEPÇÃO E COMPOSIÇÃO DA ESCRITA
Fernanda Vieira Fernandes, Maria
DRAMÁTICA NO ESPETÁCULO COMBATE: 316
Amélia Gimmler Netto
CORPOS MORTOS, VIVOS E POR VIR
A CONTRADIÇÃO NA ATUAÇÃO –
Ney Luiz Piacentini 36
DEMONSTRAÇÃO TÉCNICA
A CONVENÇÃO PALCO/PLATEIA NAS SÉRIES
INICIAIS E A FORMAÇÃO DE ESPECTADOR Wesley Fróis Aragao 350
(A) DE TEATRO
A CRÍTICA DE DANÇA: CONSIDERAÇÕES
Fernanda Perniciotti 396
SOBRE O CONCEITO DE CRÍTICA
A ESTÉTICA PERFORMATIVA DO
TREINAMENTO DE ATOR-DANÇARINO EM Ana Paula Gomes Da Rocha 417
SITE-SPECIFIC
A FORMAÇÃO DO ARTISTA NO PROGRAMA
DE FORMAÇÃO DE PALHAÇO PARA JOVENS Thaís Caroline Póvoa Balaton 240
DOS DOUTORES DA ALEGRIA
A ILUMINAÇÃO NA CENA CONTEMPORÂNEA
Fernanda Guimarães Mattos De
DO RIO DE JANEIRO: “AS GAMBIARRAS DO 387
Souza
ACASO”
A IMAGINAÇÃO NA EXPERIÊNCIA
Luisa Dalgalarrondo 230
CORPORAL DO ARTISTA DA CENA
A LINGUAGEM DA LUZ NO SITE-SPECIFIC Lúcia Galvão 438
A MEMÓRIA E O DEVANEIO: DIÁLOGOS
ENTRE O ALZHEIMER E A MULHER EM
Isabella Amaral Soares 285
CADEIRA DE BALANÇO DE SAMUEL
BECKETT
À MESA COM CANIBAIS: SUBJETIVIDADE
ANTROPOFÁGICA NO TRABALHO DO ATOR- Matheus Way 175
XAMÃ.
A OFICINA DE ILUMINAÇÃO CÊNICA:
Vanderlei Antonio Bachega Junior,
REFLEXOS NA FORMAÇÃO DO 42
Wagner Rosa
PROFISSIONAL DE TEATRO
A PESQUISA EM LITERATURA DRAMÁTICA
Fernanda Vieira Fernandes, Mario
NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE TEATRO: 295
Celso Pereira Junior
BREVE RELATO DE EXPERIÊNCIA
A POÉTICA DA MEMÓRIA NA OBRA DE ANA
MENDIETA: ARTICULAÇÕES COM ANTIGAS Valeri Carvalho 356
CIVILIZAÇÕES MATRILINEARES

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TÍTULOS DOS RESUMOS AUTOR(AS/ES) PG.


A REPRESENTAÇÃO DE (UMA) MULHER NO
Fernanda Vieira Fernandes, Juliana
TEATRO A PARTIR DO PROCESSO DE 307
Caroline Da Silva
CRIAÇÃO OFÉLIAS
André Sarturi, Fernanda Helena
A RESSIGNIFICAÇÃO DAS ARTES MARCIAIS
Guedes Reis Teixeira Dos Santos, 255
NA CENA
Luciana Mizutani
A TRAJETÓRIA DE AUGUSTO BOAL COMO
Paula Autran 377
PROFESSOR DE DRAMATURGIA.
ALEGORIAS PANTAGRUÉLICAS: UM
Lucas Gonzaga Rosa 30
EXPERIMENTO ARTÍSTICO-PEDAGÓGICO
ARTE E ESFERA PÚBLICA: O DRAMATURGO
PERFORMER COMO INSTAURADOR DE Camila Damasceno 109
IMAGENS POÉTICAS
ARTICULAÇÕES ENTRE A PEDAGOGIA DO
TEATRO E A FORMAÇÃO DO ATOR NA Melissa Da Silva Ferreira 340
EXPERIÊNCIA TEATRAL “A MULHER-ALVO”
AS MÚLTIPLAS FORMAS DA GRAVIDADE EM Carolina Laranjeira, Candice
343
UM PROCESSO CRIATIVO COM A PAREDE Didonet
ASPECTOS DO TEATRO ÉPICO EM A COMÉDIA Alexandre Villibor Flory, Mileni
182
DO TRABALHO DA CIA DO LATÃO Vanalli Roéfero
Thardelly Pereira Lima, Robson
ATOR CAÇADOR 39
Carlos Haderchpek
AUTOFICÇÃO EM SOLO: ENTRE AS
POLÍTICAS DE SUBJETIVAÇÃO E Jussyanne Rodrigues Emidio 420
FEMINISMOS
AUTORIA E REMONTAGEM EM DANÇA
Marcelo Domingues 24
CONTEMPORÂNEA
BARAFONDA: UM ESTUDO CRÍTICO À LUZ
Luiz Antonio Romboli Farina 322
DA TEORIA DO ATOR REDE
BECKETT, CRAIG, ZUMTHOR: UMA
Manuel Fabricio Alves De Andrade,
INVESTIGAÇÃO DE PROCESSOS VOCAIS 291
Suely Master
COMO UMA POÉTICA DA ATUAÇÃO.
CARTOGRAFIAS DE POÉTICAS ENTRE Dora De Andrade Silva, Vinicius Da
148
CORPOS-CIDADE Silva Lírio
CENAS GROTESCAS: ESTUDO COMPARATIVO
ENTRE WOYZECK DE BÜCHNER E Natália Ferreira Caruso 155
DESENHOS DE GOYA.
CENAS, SUJEITOS E OPRESSÕES: O TEATRO
Marilene Aparecida Batista, Vinicius
DO OPRIMIDO NUMA EXPERIÊNCIA 200
Da Silva Lírio
PEDAGÓGICA E SUAS REVERBERAÇÕES
CENTRO DE ARTES CÊNICAS DO
MARANHÃO: MEMÓRIA E HISTÓRIA DA Gilberto Dos Santos Martins 237
FORMAÇÃO DO ATOR EM SÃO LUÍS

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TÍTULOS DOS RESUMOS AUTOR(AS/ES) PG.


André Sarturi, Fausto De Lima
CONECTIVIDADES: UMA RELAÇÃO CORPO- Pereira Ribeiro, Flavio Lima , Holly
145
ESPAÇO Cavrell, Raíssa Caroline Brito Costa,
Sandra Parra.
CONTORNOS DA CENA PAULISTANA A
Simone Do Prado Romeo 411
PARTIR DO FOMENTO PÚBLICO
COREOGRAFIA COMO PRODUÇÃO DE
Paloma Bianchi 165
OUTROS MUNDOS POSSÍVEIS
CORPO E FORMAÇÃO: DISCURSOS E
Priscilla Carbone 319
PRÁTICAS
CORPO E TECNOLOGIA: UMA ANÁLISE PARA
Rodrigo Rhenan Domingues 261
PRÁTICAS AUTORAIS EM TEMPO REAL
CORPO EM JOGO: REFLEXÕES SOBRE AÇÕES
Luana Leite 353
DE DANÇA NA URBE
CORPO EM QUATRO CENAS - O TRABALHO
CORPORAL NO PROJETO FAZENDO GÊNERO
Maicon Lima Da Silva 127
SOB O OLHAR DE UM LICENCIANDO EM
DANÇA.
CORPOS DANÇANTES ENTRE POÉTICAS E
Daniella Nery, Kátia Maria Kasper 139
POLÍTICAS: UMA EXPERIMENTAÇÃO
CORPOS QUE ESCAPAM À PELE: TOQUE,
Alessandra Fernandes Montagner 359
CONTÁGIO E DYS-APPEARANCE
DIREÇÃO DE ATORES: UM CORPO EM
Ana Paula Zanandréa 252
PROCESSO
DISPOSITIVOS DE INTENSIFICAÇÃO DO
ACONTECIMENTO CÊNICO: A OBRA DE ARTE
Alessandra Lima De Carvalho 383
COMO ABERTURA PARA A PRESENÇA
AUTÊNTICA
"DIZ QUE SIM & DIZ QUE NÃO" E “A
CONDIÇÃO HUMANA”: REFLEXÕES SOBRE Thereza Junqueira 414
CONTRADIÇÃO
DRAMATURGIA DE SI Juliano Ricci Jacopini 380
DRAMATURGIAS CORPORAIS EM Luiza Romani Ferreira Banov,
227
DESLOCAMENTO Sayonara Sousa Pereira
DRAMATURGIAS RADICAIS EM PROCESSOS
Viviane Rosa Juguero 48
DIALÉTICOS
ENTRE BOMBAS E PALAVRAS: A
RESISTÊNCIA NAS POÉTICAS DA CIA. NOVA Hariane Eva S. Georg 118
DANÇA 4.
ENTRE O ACONTECIMENTO TEATRAL E O
CORPORAL: CORPOS-NEGATIVOS, Angelene Lazzareti 221
SUBTEXTOS E PRESENÇAS
ENTRE OVOS E MEDOS: PERFORMANCE E
André Rodrigues 233
BUFONARIA

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TÍTULOS DOS RESUMOS AUTOR(AS/ES) PG.


ENTRE PROGRAMAS E ANTI-PROGRAMAS
PERFORMATIVOS: ARTE DA PERFORMANCE Elilson Nascimento 429
E MOBILIDADE URBANA
ENUNCIADOS PARA UMA CORPOREIDADE
Nathalia Oliveira 212
MELANCÓLICA
ESCRITAS CARTOGRÁFICAS EM DANÇA:
Renata Roel 168
APRENDIZAGEM E DESTERRITORIALIZAÇÃO
ESPECTADOR-VISITANTE: IMPLICAÇÕES
Sofia Vilasboas 408
PARA UMA ARTE AINDA VIVA NA GALERIA
ESTÉTICA DA CIDADE E ESTÉTICA DO
SUBÚRBIO: ATRAVESSAMENTOS SOCIAIS E Juliana Souza Do Rego 273
GEOGRÁFICOS NA CRIAÇÃO CÊNICA
ESTUDO DA ENCENAÇÃO CENSURADA DE
CALABAR, DE CHICO BUARQUE DE Nina Hotimsky 124
HOLLANDA E RUY GUERRA
ESTUDOS SOBRE PERCEPÇÃO PARA A
Andreia Aparecida Paris 105
COMPOSIÇÃO DE RITMO NA CENA TEATRAL
EXPERIMENTAÇÕES BORDADAS: A MULHER
Maria Celina Gil 98
COMO CAMPO DE BATALHA
"FALTA JOGAR”: INVESTIGAÇÕES INICIAIS
SOBRE A UTILIZAÇÃO DO VOCÁBULO Henrique Bezerra De Souza 328
“JOGO” NA PRÁTICA CÊNICA
FICÇÕES DE SI E AUTODESTRUIÇÃO COMO
PRÁTICAS FORMATIVAS/CRIATIVAS EM Renan Dias 334
ATUAÇÃO
GAMBIARR[A]ÇÃO#3 -- DAS FRONTEIRAS
AOS LIMITES: PERFORMANCE SITUADA NA Carolina Camargo De Nadai 393
GAMBIARRAÇÃO
GESTOGRAFIAS - COMPOSIÇÃO DO GESTO
Camila De Moura Venturelli 365
COMO DANÇA
HABILIDADES MISTAS, CORPOS
DIFERENCIADOS, TODOS OS CORPOS:
QUESTÕES TERMINOLÓGICAS SOBRE A
PRODUÇÃO EM DANÇA CONTEMPORÂNEA Juliana Tiemi Anglas Tarumoto 92
COM CORPOS QUE ESCAPAM AOS
ESTEREÓTIPOS DAS DANÇAS
CONVENCIONAIS
HEINER MÜLLER E UMA DRAMATURGIA
TEATRAL DESVINCULADA DA TRADIÇÃO Gabriel Gouvêa Vilela Dias 209
LITERÁRIA
IN: NÓS – BUSCA PELO CORPO QUE É
MEMÓRIA ARQUETIPÍCA DE SI, VIA Erick Santos 288
GROTOWSKI E JUNG.
JOGOS TEATRAIS- CONHECIMENTO EM ATO Karine Ramaldes Vieira 27

!451
SPA 2017 PPGAC, ECA/USP
!

TÍTULOS DOS RESUMOS AUTOR(AS/ES) PG.


LES ÉPHÉMÈRES - CINEMA EM CENA NO
Julia Da Silveira Carrera 18
THÉÂTRE DU SOLEIL
LIMITES, DESLOCAMENTOS E
ATRAVESSAMENTOS: UMA TENTATIVA DE Tatiane Santoro 270
CONCEITUAR A DESMONTAGEM
MAL-AMADAS: AS MULHERES QUE NÃO
Maria Marta Baião Seba 441
DERAM CERTO
MÁSCARA NEUTRA NO ENSINO MÉDIO:
EXPERIÊNCIA COM NÃO ATORES E A Mayara Tenório Gomes 95
RELAÇÃO COM O OLHAR.
MÁSCARAS E RITUAL – UMA EXPERIÊNCIA
Vanessa Benites Bordin 21
AMAZÔNICA COM OS TICUNAS
MONTAGEM EXPANDIDA: UMA RELAÇÃO
Dionatan Rosa 33
METODOLÓGICA ENTRE CINEMA E TEATRO
NAS LINHAS E NAS ENTRELINHAS DOS
DIÁRIOS DE BORDO: A EXPERIÊNCIA E O Lucas De Carvalho Larcher Pinto 130
SABER DA EXPERIÊNCIA
NENHUMA CARTA: UMA CRIAÇÃO CÊNICA
ENTRE A PERFORMATIVIDADE E “O ESPAÇO Larissa Lacerda Da Silva Araujo 423
BIOGRÁFICO”
NIKKEI EM CENA: CORPO EM SUSPENSÃO Isis Akagi 243
O “EU” PERDIDO: UM PROCESSO DE
REDESCOBERTA NA ALA FEMININA DO Rafaela Dumont 83
HOSPITAL PSIQUIÁTRICO DE MARINGÁ.
O BARQUEIRO EM PROCESSO IN “O SOLO
NARRATIVO: PERCURSOS DE PESQUISA E Mario Lucio Cortes Junior 402
CRIAÇÃO”.
O CLOWN COMO IMAGEM ARQUETÍPICA E
Renata Domingos Volpato 299
PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO DE SI
O CORO COMO PROCEDIMENTO DE AÇÃO E
Roberto Carlos Moretto 86
REFLEXÃO COLETIVA
O JOGO DE HOLOGRAMAR NO MODO
Arlette Souza E Souza 197
OPERATIVO AND
O JOGO TEATRAL E SUA PROPOSIÇÃO
Luana Joia Chrispim 171
POLÍTICA
O PAPEL DO ATOR-XAMÃ NO ESPETÁULO-
Jose Nilton Dos Santos, Nara Salles 112
RITUAL
O PRINCÍPIO DA OPOSIÇÃO NA CRIAÇÃO
Marilyn Nunes 70
CÊNICA
O PRODUTOR-CRIADOR NO TEATRO DE
Alana Georgina Ferreira De Araújo,
GRUPO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA CENA 136
Narciso Laranjeira Telles Da Silva
TEATRAL EM SÃO LUÍS

!452
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TÍTULOS DOS RESUMOS AUTOR(AS/ES) PG.


O PÚBLICO COMO PARTICIPANTE E AGENTE
COMPOSITOR NAS LINGUAGENS DO TEATRO Matilde Wrublevski 203
E DA PERFORMANCE
O QUE ESCAPA: DANÇANDO NA TENSÃO DO
Mariah Spagnolo 188
ESPAÇO
O SILÊNCIO COMO ELEMENTO ESTÉTICO/
POÉTICO DE PRÁTICAS ARTÍSTICAS Ester Cunha 159
CONTEMPORÂNEAS
O TEATRO PAULISTA DO ESTUDANTE NAS
Sara Mello Neiva 58
ORIGENS DO NACIONAL POPULAR
O TRÁGICO E A CENA CONTEMPORÂNEA Carmem Gadelha 151
O TRAJE DE CENA DO ATOR POPULAR Tainá Macêdo Vasconcelos 313
O USO DO CENTRO DO CORPO PARA A
Rodney Cardoso 279
PERCEPÇÃO DO TRABALHO DO ATOR
ODRADEK STREET BUTOH THEATRE - A
Nadya Moretto D' Almeida 374
DANÇA DENTRO DA CIDADE.
OLHANDO PARA AS ARTICULAÇÕES
TEÓRICO-PRÁTICAS ENTRE O PROCESS Amanda Duarte 101
DRAMA E O PROCESSO COLABORATIVO
OS CANTOS DE TRADIÇÃO QUE SOMOS
COMO DISPOSITIVO DE GATILHOS DE Cristiane Madeira Motta 179
CORPOREIDADES NO ATOR
OS ESPECTROS DE HEINER MÜLLER. Danilo Riva De Moraes 390
OS JOGOS MÚSICO-TEATRAIS DE JEAN-
Marcello Amalfi 432
JACQUES LEMÊTRE DO THÉÂTRE DU SOLEIL
OS TEATROS SÃO DO REAL; AS FIGURAÇÕES,
Matheus Cosmo 224
DE UMA APORIA
OSSUÁRIO: UMA POÉTICA RITUALÍSTICA DA
Thales Jose Sousa Luz 249
MORTE NA ARTE DA PERFORMANCE
PAISAGEM, AÇÃO, VIAGEM, ERRÂNCIA:
ALGUNS OLHARES PARA A EARTH-BODY- Moacir Romanini Junior 276
ART LATINO AMERICANA.
PARA UMA POÉTICA DA DESPOSSESSÃO: UM
ESTUDO SOBRE O AUTOBIOGRÁFICO COMO
Janaina Fontes Leite 191
NEGATIVIDADE E ABJEÇÃO NA OBRA DE
ANGELICA LIDDELL
PARANGOLÉ E EXOTOPIA - PERFORMANCE E
Deusimar Gonzaga 64
EXORTAÇÃO.
PEDAGOGIA DA APRECIAÇÃO: RELATOS E
DEMONSTRAÇÕES TÉCNICAS DA
Elaine De Souza Silva 258
EXPERIÊNCIA COM CRIANÇAS E
ADOLESCENTES
PEDAGOGIA DO ATOR E PEDAGOGIA DO Raimundo Kleberson De Oliveira
80
TEATRO EM DIÁLOGO Benicio, Thiago Silva Gomes

!453
SPA 2017 PPGAC, ECA/USP
!

TÍTULOS DOS RESUMOS AUTOR(AS/ES) PG.


PERFORMANCE COMO CONSTRUÇÃO DE
Marina Tosti Lopes, Gabriela
SUBJETIVIDADE: CUIDAR. PERFORMAR. 61
Fregoneis
CONHECER.
POESIA~POEMA E(M) PERFORMANCE: A
LEITURA VOCALIZADA COMO PRIMEIRA Priscila Soares Garcia 264
ABORDAGEM PERFORMATIVA
POÉTICAS DO CORPO E DRAMATURGIAS DO
Marcelle Louzada 67
ESPAÇO NO CENTRO DE SÃO PAULO
POÉTICAS: GRUPO DE PESQUISA COMO
Gabriel Ângelo De Luna Silva, Rani
ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DE 142
Lessa
CONHECIMENTO
POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DA PRÁTICA
Heloisa Pinheiro, Wagner Rosa 51
TEATRAL PARA BAILARINOS
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DE UM CORPO
COMO OBJETO DE APRECIAÇÃO ESTÉTICA Eder Tavares 362
NO TEATRO
PRIMEIRAS LINHAS DESENHADAS: O
Elisa Abrão 371
SOMÁTICO EXPRESSIVO
PROCEDIMENTOS DA CENA ENTRE A FICÇÃO
E A NÃO-FICÇÃO: TRADUÇÕES POÉTICAS Miguel Atticciati Prata 206
PARA UM PENSAMENTO
PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO: UMA
Tânia Villarroel Andrade 435
JORNADA CÊNICA COM O LOUCO
PROCESSOS DE CRIAÇÃO AUDIOVISUAL NO Danilo Lucas Marcelino, Aline
246
MIDIACTORS GRUPO DE MÍDIA CÊNICA Oliveira, Danilo Felisberto Pedroso
QUANTO PORCENTO DE PESQUISA Carmen Hoffmann, Débora Souto
115
CIENTÍFICA? Allemand, Josiane Franken Corrêa
RADICALIZAÇÃO E IMPASSE NO EXÍLIO DE
AUGUSTO BOAL E ZÉ CELSO EM PORTUGAL Paulo Bio Toledo 54
REVOLUCIONÁRIO (1974-1978)
REFLEXÕES ACERCA DA OBRA “THE
DEFENDERS PART 2” DA SÉRIE OBJETOS Candice Didonet 310
COREOGRÁFICOS DE WILLIAM FORSYTHE
RELAÇÕES ENTRE CIRCO SOCIAL E
Marília Mattos 121
FORMAÇÃO EM CIRCO NO BRASIL
RITOS DE PASSAGEM: UMA ABORDAGEM
CONTEMPORÂNEA NO PROCESSO CRIATIVO Suellen Araujo De Brito 405
DO ATOR
ROMANCE-EM-CENA: O ESPETÁCULO O QUE
DIZ MOLERO ENTRE AS ESCRITAS CÊNICA E Daniele Lopes Dos Santos 331
ROMANESCA.
SENTA, LEVANTA, SENTA! A REEDUCAÇÃO
Daiana Felix Pereira 282
SOB O OLHAR DA TÉCNICA DE ALEXANDER

!454
SPA 2017 PPGAC, ECA/USP
!

TÍTULOS DOS RESUMOS AUTOR(AS/ES) PG.


SOBRE DESLOCAR PARA ENCONTRAR O
OUTRO, AS VOZES SILENCIADAS, OS
Clara Passaro 368
ENCONTROS IDENTITÁRIOS E O LADO-A-
LADO.
SONS QUE DANÇAM: ESTRUTURAS CÊNICO-
MUSICAIS DO NYANGA (POVO NYUNGWE, Jhonny Alexander Muñoz Aguilera 303
PROVÍNCIA DE TETE, MOÇAMBIQUE)
TEATRALIDADE DA MORTE - IMAGENS
Clarissa Moser 337
ENCARNADAS
TEATRO DE ÁGUA: UMA ESTÉTICA
RELACIONAL POR MEIO DA MEDIAÇÃO Joelson Inocêncio De Oliveira 218
ARTÍSTICA
TEATRO DE GRUPO: AS INTERFACES DO
Lorenna Lima 89
HÍBRIDO ATOR-PRODUTOR
TEATRO DO SENTENCIADO: RESISTÊNCIA
Viviane Narvaes 194
CULTURAL DAS CLASSES POPULARES
TEATRO E CONTRA-HEGEMONIA: UM
ESTUDO SOBRE O CAMPO DAS ARTES Vicente Pereira Jr. 133
CÊNICAS NO BRASIL DO SÉCULO XXI
TEATRO NO ANTIGO EGITO E A BUSCA PELO
SAGRADO NA FORMAÇÃO DO ARTISTA Lucia Gomes Serpa 346
TEATRAL
TEATRO: MEDIAÇÃO PARA A FORMAÇÃO
Ana Roberta Marcone, Wagner Rosa 45
HUMANA
TEATROS E FEMINISMOS EM SALVADOR:
UMA CARTOGRAFIA DAS MEMÓRIAS DE Camila Guilera Ferreira 426
MULHERES CRIADORAS
TOCA NA PRISÃO Mateus Gonçalves 399
Kátia Silva Souza Dos Anjos,
Marília Balbi Silveira, Marília
(TRA)VESTIDAS: SER/TORNAR-SE MULHER 73
Velardi, Renata Frazão Matsuo,
Priscila Sayuri Mori.
TRAJETÓRIAS QUE SE COMPLETAM: ATRIZ,
Mônica Mello 77
PROFESSORA, PESQUISADORA.
TRANSMISSIBILIDADE: ATUALIZAÇÃO DO
PASSADO AO ENCONTRO DE NOVOS Sayonara Sousa Pereira 267
CAMINHOS
UM QUALQUER ESPECTADOR NOTAS SOBRE
Luiz Paulo Pimentel De Souza 162
OS ESCÂNDALOS TEATRAIS BRASILEIROS
UMA BREVE JORNADA PELO VALE DOS
Angélica Mayara Gonçalves
PROGRAMAS TEATRAIS: A COMPANHIA 185
Rodrigues
BRASILEIRA DE TEATRO

!455
SPA 2017 PPGAC, ECA/USP
!

TÍTULOS DOS RESUMOS AUTOR(AS/ES) PG.


UMA REVISÃO EM DESENVOLVIMENTO:
TEATRO E DRAMATURGIA NA PRIMEIRA Phelippe Celestino 325
REPÚBLICA
UNINDO COSTURAS: A MONTAGEM
Igor Nascimento 444
CINEMATOGRÁFICA E O ESCRITOR RAPSODO

!456
SPA 2017 PPGAC, ECA/USP
!

ÍNDICE ONOMÁSTICO

AUTOR(AS/ES) TÍTULOS DOS RESUMOS PG.


O PRODUTOR-CRIADOR NO TEATRO DE
Alana Georgina Ferreira De Araújo,
GRUPO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA CENA 136
Narciso Laranjeira Telles Da Silva
TEATRAL EM SÃO LUÍS
CORPOS QUE ESCAPAM À PELE: TOQUE,
Alessandra Fernandes Montagner 359
CONTÁGIO E DYS-APPEARANCE
DISPOSITIVOS DE INTENSIFICAÇÃO DO
ACONTECIMENTO CÊNICO: A OBRA DE ARTE
Alessandra Lima De Carvalho 383
COMO ABERTURA PARA A PRESENÇA
AUTÊNTICA
Alexandre Villibor Flory, Mileni ASPECTOS DO TEATRO ÉPICO EM A COMÉDIA
182
Vanalli Roéfero DO TRABALHO DA CIA DO LATÃO
Aline Oliveira, Danilo Lucas
PROCESSOS DE CRIAÇÃO AUDIOVISUAL NO
Marcelino, Danilo Felisberto 246
MIDIACTORS GRUPO DE MÍDIA CÊNICA
Pedroso
OLHANDO PARA AS ARTICULAÇÕES
Amanda Duarte TEÓRICO-PRÁTICAS ENTRE O PROCESS 101
DRAMA E O PROCESSO COLABORATIVO
A ESTÉTICA PERFORMATIVA DO
Ana Paula Gomes Da Rocha TREINAMENTO DE ATOR-DANÇARINO EM 417
SITE-SPECIFIC
DIREÇÃO DE ATORES: UM CORPO EM
Ana Paula Zanandréa 252
PROCESSO
TEATRO: MEDIAÇÃO PARA A FORMAÇÃO
Ana Roberta Marcone, Wagner Rosa 45
HUMANA
ENTRE OVOS E MEDOS: PERFORMANCE E
André Rodrigues 233
BUFONARIA
André Sarturi, Fausto De Lima
Pereira Ribeiro, Flavio Lima, Holly CONECTIVIDADES: UMA RELAÇÃO CORPO-
145
Cavrell, Raíssa Caroline Brito Costa, ESPAÇO
Sandra Parra
André Sarturi, Fernanda Helena
A RESSIGNIFICAÇÃO DAS ARTES MARCIAIS
Guedes Reis Teixeira Dos Santos, 255
NA CENA
Luciana Mizutani
ESTUDOS SOBRE PERCEPÇÃO PARA A
Andreia Aparecida Paris 105
COMPOSIÇÃO DE RITMO NA CENA TEATRAL
ENTRE O ACONTECIMENTO TEATRAL E O
Angelene Lazzareti CORPORAL: CORPOS-NEGATIVOS, 221
SUBTEXTOS E PRESENÇAS
UMA BREVE JORNADA PELO VALE DOS
Angélica Mayara Gonçalves
PROGRAMAS TEATRAIS: A COMPANHIA 185
Rodrigues
BRASILEIRA DE TEATRO

!457
SPA 2017 PPGAC, ECA/USP
!

AUTOR(AS/ES) TÍTULOS DOS RESUMOS PG.


O JOGO DE HOLOGRAMAR NO MODO
Arlette Souza E Souza 197
OPERATIVO AND
ARTE E ESFERA PÚBLICA: O DRAMATURGO
Camila Damasceno PERFORMER COMO INSTAURADOR DE 109
IMAGENS POÉTICAS
GESTOGRAFIAS - COMPOSIÇÃO DO GESTO
Camila De Moura Venturelli 365
COMO DANÇA
TEATROS E FEMINISMOS EM SALVADOR:
Camila Guilera Ferreira UMA CARTOGRAFIA DAS MEMÓRIAS DE 426
MULHERES CRIADORAS
REFLEXÕES ACERCA DA OBRA “THE
Candice Didonet DEFENDERS PART 2” DA SÉRIE OBJETOS 310
COREOGRÁFICOS DE WILLIAM FORSYTHE
Carmem Gadelha O TRÁGICO E A CENA CONTEMPORÂNEA 151
Carmen Hoffmann, Débora Souto QUANTO PORCENTO DE PESQUISA
115
Allemand, Josiane Franken Corrêa CIENTÍFICA?
GAMBIARR[A]ÇÃO#3 -- DAS FRONTEIRAS
Carolina Camargo De Nadai AOS LIMITES: PERFORMANCE SITUADA NA 393
GAMBIARRAÇÃO
Carolina Laranjeira, Candice AS MÚLTIPLAS FORMAS DA GRAVIDADE EM
343
Didonet UM PROCESSO CRIATIVO COM A PAREDE
SOBRE DESLOCAR PARA ENCONTRAR O
OUTRO, AS VOZES SILENCIADAS, OS
Clara Passaro 368
ENCONTROS IDENTITÁRIOS E O LADO-A-
LADO.
TEATRALIDADE DA MORTE - IMAGENS
Clarissa Moser 337
ENCARNADAS
OS CANTOS DE TRADIÇÃO QUE SOMOS
Cristiane Madeira Motta COMO DISPOSITIVO DE GATILHOS DE 179
CORPOREIDADES NO ATOR
SENTA, LEVANTA, SENTA! A REEDUCAÇÃO
Daiana Felix Pereira 282
SOB O OLHAR DA TÉCNICA DE ALEXANDER
ROMANCE-EM-CENA: O ESPETÁCULO O QUE
Daniele Lopes Dos Santos DIZ MOLERO ENTRE AS ESCRITAS CÊNICA E 331
ROMANESCA.
CORPOS DANÇANTES ENTRE POÉTICAS E
Daniella Nery, Kátia Maria Kasper 139
POLÍTICAS: UMA EXPERIMENTAÇÃO
Danilo Felisberto Pedroso, Danilo PROCESSOS DE CRIAÇÃO AUDIOVISUAL NO
246
Lucas Marcelino, Aline Oliveira MIDIACTORS GRUPO DE MÍDIA CÊNICA
Danilo Lucas Marcelino, Aline PROCESSOS DE CRIAÇÃO AUDIOVISUAL NO
246
Oliveira, Danilo Felisberto Pedroso MIDIACTORS GRUPO DE MÍDIA CÊNICA
Danilo Riva De Moraes OS ESPECTROS DE HEINER MÜLLER. 390
Débora Souto Allemand, Carmen QUANTO PORCENTO DE PESQUISA
115
Hoffmann, Josiane Franken Corrêa CIENTÍFICA?

!458
SPA 2017 PPGAC, ECA/USP
!

AUTOR(AS/ES) TÍTULOS DOS RESUMOS PG.


PARANGOLÉ E EXOTOPIA - PERFORMANCE E
Deusimar Gonzaga 64
EXORTAÇÃO.
MONTAGEM EXPANDIDA: UMA RELAÇÃO
Dionatan Rosa 33
METODOLÓGICA ENTRE CINEMA E TEATRO
Dora De Andrade Silva, Vinicius Da CARTOGRAFIAS DE POÉTICAS ENTRE
148
Silva Lírio CORPOS-CIDADE
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DE UM CORPO
Eder Tavares COMO OBJETO DE APRECIAÇÃO ESTÉTICA 362
NO TEATRO
PEDAGOGIA DA APRECIAÇÃO: RELATOS E
DEMONSTRAÇÕES TÉCNICAS DA
Elaine De Souza Silva 258
EXPERIÊNCIA COM CRIANÇAS E
ADOLESCENTES
ENTRE PROGRAMAS E ANTI-PROGRAMAS
Elilson Nascimento PERFORMATIVOS: ARTE DA PERFORMANCE E 429
MOBILIDADE URBANA
PRIMEIRAS LINHAS DESENHADAS: O
Elisa Abrão 371
SOMÁTICO EXPRESSIVO
IN: NÓS – BUSCA PELO CORPO QUE É
Erick Santos MEMÓRIA ARQUETIPÍCA DE SI, VIA 288
GROTOWSKI E JUNG.
O SILÊNCIO COMO ELEMENTO ESTÉTICO/
Ester Cunha POÉTICO DE PRÁTICAS ARTÍSTICAS 159
CONTEMPORÂNEAS
Fausto De Lima Pereira Ribeiro,
André Sarturi, Flavio Lima, Holly CONECTIVIDADES: UMA RELAÇÃO CORPO-
145
Cavrell, Raíssa Caroline Brito Costa, ESPAÇO
Sandra Parra
A ILUMINAÇÃO NA CENA CONTEMPORÂNEA
Fernanda Guimarães Mattos De
DO RIO DE JANEIRO: “AS GAMBIARRAS DO 387
Souza
ACASO”
Fernanda Helena Guedes Reis
A RESSIGNIFICAÇÃO DAS ARTES MARCIAIS
Teixeira Dos Santos, André Sarturi, 255
NA CENA
Luciana Mizutani
A CRÍTICA DE DANÇA: CONSIDERAÇÕES
Fernanda Perniciotti 396
SOBRE O CONCEITO DE CRÍTICA
A REPRESENTAÇÃO DE (UMA) MULHER NO
Fernanda Vieira Fernandes, Juliana
TEATRO A PARTIR DO PROCESSO DE 307
Caroline Da Silva
CRIAÇÃO OFÉLIAS
A CONCEPÇÃO E COMPOSIÇÃO DA ESCRITA
Fernanda Vieira Fernandes, Maria
DRAMÁTICA NO ESPETÁCULO COMBATE: 316
Amélia Gimmler Netto
CORPOS MORTOS, VIVOS E POR VIR

!459
SPA 2017 PPGAC, ECA/USP
!

AUTOR(AS/ES) TÍTULOS DOS RESUMOS PG.


A PESQUISA EM LITERATURA DRAMÁTICA
Fernanda Vieira Fernandes, Mario
NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE TEATRO: 295
Celso Pereira Junior
BREVE RELATO DE EXPERIÊNCIA
Flavio Lima, André Sarturi, Fausto
De Lima Pereira Ribeiro, Holly CONECTIVIDADES: UMA RELAÇÃO CORPO-
145
Cavrell, Raíssa Caroline Brito Costa, ESPAÇO
Sandra Parra
POÉTICAS: GRUPO DE PESQUISA COMO
Gabriel Ângelo De Luna Silva, Rani
ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DE 142
Lessa
CONHECIMENTO
HEINER MÜLLER E UMA DRAMATURGIA
Gabriel Gouvêa Vilela Dias TEATRAL DESVINCULADA DA TRADIÇÃO 209
LITERÁRIA
PERFORMANCE COMO CONSTRUÇÃO DE
Gabriela Fregoneis, Marina Tosti
SUBJETIVIDADE: CUIDAR. PERFORMAR. 61
Lopes
CONHECER.
CENTRO DE ARTES CÊNICAS DO
Gilberto Dos Santos Martins MARANHÃO: MEMÓRIA E HISTÓRIA DA 237
FORMAÇÃO DO ATOR EM SÃO LUÍS
ENTRE BOMBAS E PALAVRAS: A
Hariane Eva S. Georg RESISTÊNCIA NAS POÉTICAS DA CIA. NOVA 118
DANÇA 4.
POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DA PRÁTICA
Heloisa Pinheiro, Wagner Rosa 51
TEATRAL PARA BAILARINOS
"FALTA JOGAR”: INVESTIGAÇÕES INICIAIS
Henrique Bezerra De Souza SOBRE A UTILIZAÇÃO DO VOCÁBULO 328
“JOGO” NA PRÁTICA CÊNICA
Holly Cavrell, André Sarturi, Fausto
De Lima Pereira Ribeiro, Flavio CONECTIVIDADES: UMA RELAÇÃO CORPO-
145
Lima, Raíssa Caroline Brito Costa, ESPAÇO
Sandra Parra
UNINDO COSTURAS: A MONTAGEM
Igor Nascimento 444
CINEMATOGRÁFICA E O ESCRITOR RAPSODO
A MEMÓRIA E O DEVANEIO: DIÁLOGOS
ENTRE O ALZHEIMER E A MULHER EM
Isabella Amaral Soares 285
CADEIRA DE BALANÇO DE SAMUEL
BECKETT
Isis Akagi NIKKEI EM CENA: CORPO EM SUSPENSÃO 243
PARA UMA POÉTICA DA DESPOSSESSÃO: UM
ESTUDO SOBRE O AUTOBIOGRÁFICO COMO
Janaina Fontes Leite 191
NEGATIVIDADE E ABJEÇÃO NA OBRA DE
ANGELICA LIDDELL

!460
SPA 2017 PPGAC, ECA/USP
!

AUTOR(AS/ES) TÍTULOS DOS RESUMOS PG.


SONS QUE DANÇAM: ESTRUTURAS CÊNICO-
Jhonny Alexander Muñoz Aguilera MUSICAIS DO NYANGA (POVO NYUNGWE, 303
PROVÍNCIA DE TETE, MOÇAMBIQUE)
TEATRO DE ÁGUA: UMA ESTÉTICA
Joelson Inocêncio De Oliveira RELACIONAL POR MEIO DA MEDIAÇÃO 218
ARTÍSTICA
O PAPEL DO ATOR-XAMÃ NO ESPETÁULO-
Jose Nilton Dos Santos, Nara Salles 112
RITUAL
Josiane Franken Corrêa, Carmen QUANTO PORCENTO DE PESQUISA
115
Hoffmann, Débora Souto Allemand CIENTÍFICA?
LES ÉPHÉMÈRES - CINEMA EM CENA NO
Julia Da Silveira Carrera 18
THÉÂTRE DU SOLEIL
A REPRESENTAÇÃO DE (UMA) MULHER NO
Juliana Caroline Da Silva, Fernanda
TEATRO A PARTIR DO PROCESSO DE 307
Vieira Fernandes
CRIAÇÃO OFÉLIAS
ESTÉTICA DA CIDADE E ESTÉTICA DO
Juliana Souza Do Rego SUBÚRBIO: ATRAVESSAMENTOS SOCIAIS E 273
GEOGRÁFICOS NA CRIAÇÃO CÊNICA
HABILIDADES MISTAS, CORPOS
DIFERENCIADOS, TODOS OS CORPOS:
QUESTÕES TERMINOLÓGICAS SOBRE A
Juliana Tiemi Anglas Tarumoto PRODUÇÃO EM DANÇA CONTEMPORÂNEA 92
COM CORPOS QUE ESCAPAM AOS
ESTEREÓTIPOS DAS DANÇAS
CONVENCIONAIS
Juliano Ricci Jacopini DRAMATURGIA DE SI 380
AUTOFICÇÃO EM SOLO: ENTRE AS
Jussyanne Rodrigues Emidio POLÍTICAS DE SUBJETIVAÇÃO E 420
FEMINISMOS
Karine Ramaldes Vieira JOGOS TEATRAIS- CONHECIMENTO EM ATO 27
CORPOS DANÇANTES ENTRE POÉTICAS E
Kátia Maria Kasper, Daniella Nery 139
POLÍTICAS: UMA EXPERIMENTAÇÃO
Kátia Silva Souza Dos Anjos,
Marília Balbi Silveira, Marília
(TRA)VESTIDAS: SER/TORNAR-SE MULHER 73
Velardi, Renata Frazão Matsuo,
Priscila Sayuri Mori.
NENHUMA CARTA: UMA CRIAÇÃO CÊNICA
Larissa Lacerda Da Silva Araujo ENTRE A PERFORMATIVIDADE E “O ESPAÇO 423
BIOGRÁFICO”
A CANÇÃO EM CENA: CORPO E GESTO NAS
Lígia Petrucci 215
VOZES DE MÔNICA SALMASO E MARIA JOÃO
TEATRO DE GRUPO: AS INTERFACES DO
Lorenna Lima 89
HÍBRIDO ATOR-PRODUTOR

!461
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AUTOR(AS/ES) TÍTULOS DOS RESUMOS PG.


O JOGO TEATRAL E SUA PROPOSIÇÃO
Luana Joia Chrispim 171
POLÍTICA
CORPO EM JOGO: REFLEXÕES SOBRE AÇÕES
Luana Leite 353
DE DANÇA NA URBE
NAS LINHAS E NAS ENTRELINHAS DOS
Lucas De Carvalho Larcher Pinto DIÁRIOS DE BORDO: A EXPERIÊNCIA E O 130
SABER DA EXPERIÊNCIA
ALEGORIAS PANTAGRUÉLICAS: UM
Lucas Gonzaga Rosa 30
EXPERIMENTO ARTÍSTICO-PEDAGÓGICO
Lúcia Galvão A LINGUAGEM DA LUZ NO SITE-SPECIFIC 438
TEATRO NO ANTIGO EGITO E A BUSCA PELO
Lucia Gomes Serpa SAGRADO NA FORMAÇÃO DO ARTISTA 346
TEATRAL
Luciana Mizutani, André Sarturi,
A RESSIGNIFICAÇÃO DAS ARTES MARCIAIS
Fernanda Helena Guedes Reis 255
NA CENA
Teixeira Dos Santos
A IMAGINAÇÃO NA EXPERIÊNCIA
Luisa Dalgalarrondo 230
CORPORAL DO ARTISTA DA CENA
BARAFONDA: UM ESTUDO CRÍTICO À LUZ
Luiz Antonio Romboli Farina 322
DA TEORIA DO ATOR REDE
UM QUALQUER ESPECTADOR NOTAS SOBRE
Luiz Paulo Pimentel De Souza 162
OS ESCÂNDALOS TEATRAIS BRASILEIROS
Luiza Romani Ferreira Banov, DRAMATURGIAS CORPORAIS EM
227
Sayonara Sousa Pereira DESLOCAMENTO
CORPO EM QUATRO CENAS - O TRABALHO
CORPORAL NO PROJETO FAZENDO GÊNERO
Maicon Lima Da Silva 127
SOB O OLHAR DE UM LICENCIANDO EM
DANÇA.
BECKETT, CRAIG, ZUMTHOR: UMA
Manuel Fabricio Alves De Andrade,
INVESTIGAÇÃO DE PROCESSOS VOCAIS 291
Suely Master
COMO UMA POÉTICA DA ATUAÇÃO.
POÉTICAS DO CORPO E DRAMATURGIAS DO
Marcelle Louzada 67
ESPAÇO NO CENTRO DE SÃO PAULO
OS JOGOS MÚSICO-TEATRAIS DE JEAN-
Marcello Amalfi 432
JACQUES LEMÊTRE DO THÉÂTRE DU SOLEIL
AUTORIA E REMONTAGEM EM DANÇA
Marcelo Domingues 24
CONTEMPORÂNEA
A CONCEPÇÃO E COMPOSIÇÃO DA ESCRITA
Maria Amélia Gimmler Netto,
DRAMÁTICA NO ESPETÁCULO COMBATE: 316
Fernanda Vieira Fernandes
CORPOS MORTOS, VIVOS E POR VIR
EXPERIMENTAÇÕES BORDADAS: A MULHER
Maria Celina Gil 98
COMO CAMPO DE BATALHA
MAL-AMADAS: AS MULHERES QUE NÃO
Maria Marta Baião Seba 441
DERAM CERTO

!462
SPA 2017 PPGAC, ECA/USP
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AUTOR(AS/ES) TÍTULOS DOS RESUMOS PG.


O QUE ESCAPA: DANÇANDO NA TENSÃO DO
Mariah Spagnolo 188
ESPAÇO
CENAS, SUJEITOS E OPRESSÕES: O TEATRO
Marilene Aparecida Batista, Vinicius
DO OPRIMIDO NUMA EXPERIÊNCIA 200
Da Silva Lírio
PEDAGÓGICA E SUAS REVERBERAÇÕES
Marília Balbi Silveira, Kátia Silva
Souza Dos Anjos, Marília Velardi,
(TRA)VESTIDAS: SER/TORNAR-SE MULHER 73
Renata Frazão Matsuo, Priscila
Sayuri Mori.
RELAÇÕES ENTRE CIRCO SOCIAL E
Marília Mattos 121
FORMAÇÃO EM CIRCO NO BRASIL
Marília Velardi, Kátia Silva Souza
Dos Anjos, Marília Balbi Silveira,
(TRA)VESTIDAS: SER/TORNAR-SE MULHER 73
Renata Frazão Matsuo, Priscila
Sayuri Mori.
O PRINCÍPIO DA OPOSIÇÃO NA CRIAÇÃO
Marilyn Nunes 70
CÊNICA
PERFORMANCE COMO CONSTRUÇÃO DE
Marina Tosti Lopes, Gabriela
SUBJETIVIDADE: CUIDAR. PERFORMAR. 61
Fregoneis
CONHECER.
A PESQUISA EM LITERATURA DRAMÁTICA
Mario Celso Pereira Junior,
NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE TEATRO: 295
Fernanda Vieira Fernandes
BREVE RELATO DE EXPERIÊNCIA
O BARQUEIRO EM PROCESSO IN “O SOLO
Mario Lucio Cortes Junior NARRATIVO: PERCURSOS DE PESQUISA E 402
CRIAÇÃO”.
Mateus Gonçalves TOCA NA PRISÃO 399
OS TEATROS SÃO DO REAL; AS FIGURAÇÕES,
Matheus Cosmo 224
DE UMA APORIA
À MESA COM CANIBAIS: SUBJETIVIDADE
Matheus Way ANTROPOFÁGICA NO TRABALHO DO ATOR- 175
XAMÃ.
O PÚBLICO COMO PARTICIPANTE E AGENTE
Matilde Wrublevski COMPOSITOR NAS LINGUAGENS DO TEATRO 203
E DA PERFORMANCE
MÁSCARA NEUTRA NO ENSINO MÉDIO:
Mayara Tenório Gomes EXPERIÊNCIA COM NÃO ATORES E A 95
RELAÇÃO COM O OLHAR.
ARTICULAÇÕES ENTRE A PEDAGOGIA DO
Melissa Da Silva Ferreira TEATRO E A FORMAÇÃO DO ATOR NA 340
EXPERIÊNCIA TEATRAL “A MULHER-ALVO”
PROCEDIMENTOS DA CENA ENTRE A FICÇÃO
Miguel Atticciati Prata E A NÃO-FICÇÃO: TRADUÇÕES POÉTICAS 206
PARA UM PENSAMENTO

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AUTOR(AS/ES) TÍTULOS DOS RESUMOS PG.


Mileni Vanalli Roéfero, Alexandre ASPECTOS DO TEATRO ÉPICO EM A COMÉDIA
182
Villibor Flory DO TRABALHO DA CIA DO LATÃO
PAISAGEM, AÇÃO, VIAGEM, ERRÂNCIA:
Moacir Romanini Junior ALGUNS OLHARES PARA A EARTH-BODY-ART 276
LATINO AMERICANA.
TRAJETÓRIAS QUE SE COMPLETAM: ATRIZ,
Mônica Mello 77
PROFESSORA, PESQUISADORA.
ODRADEK STREET BUTOH THEATRE - A
Nadya Moretto D' Almeida 374
DANÇA DENTRO DA CIDADE.
O PAPEL DO ATOR-XAMÃ NO ESPETÁULO-
Nara Salles, Jose Nilton Dos Santos 112
RITUAL
O PRODUTOR-CRIADOR NO TEATRO DE
Narciso Laranjeira Telles Da Silva,
GRUPO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA CENA 136
Alana Georgina Ferreira De Araújo
TEATRAL EM SÃO LUÍS
CENAS GROTESCAS: ESTUDO COMPARATIVO
Natália Ferreira Caruso ENTRE WOYZECK DE BÜCHNER E 155
DESENHOS DE GOYA.
ENUNCIADOS PARA UMA CORPOREIDADE
Nathalia Oliveira 212
MELANCÓLICA
A CONTRADIÇÃO NA ATUAÇÃO –
Ney Luiz Piacentini 36
DEMONSTRAÇÃO TÉCNICA
ESTUDO DA ENCENAÇÃO CENSURADA DE
Nina Hotimsky CALABAR, DE CHICO BUARQUE DE 124
HOLLANDA E RUY GUERRA
COREOGRAFIA COMO PRODUÇÃO DE
Paloma Bianchi 165
OUTROS MUNDOS POSSÍVEIS
A TRAJETÓRIA DE AUGUSTO BOAL COMO
Paula Autran 377
PROFESSOR DE DRAMATURGIA.
RADICALIZAÇÃO E IMPASSE NO EXÍLIO DE
Paulo Bio Toledo AUGUSTO BOAL E ZÉ CELSO EM PORTUGAL 54
REVOLUCIONÁRIO (1974-1978)
UMA REVISÃO EM DESENVOLVIMENTO:
Phelippe Celestino TEATRO E DRAMATURGIA NA PRIMEIRA 325
REPÚBLICA
Priscila Sayuri Mori, Kátia Silva
Souza Dos Anjos, Marília Balbi
(TRA)VESTIDAS: SER/TORNAR-SE MULHER 73
Silveira, Marília Velardi, Renata
Frazão Matsuo
POESIA~POEMA E(M) PERFORMANCE: A
Priscila Soares Garcia LEITURA VOCALIZADA COMO PRIMEIRA 264
ABORDAGEM PERFORMATIVA
CORPO E FORMAÇÃO: DISCURSOS E
Priscilla Carbone 319
PRÁTICAS

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O “EU” PERDIDO: UM PROCESSO DE
Rafaela Dumont REDESCOBERTA NA ALA FEMININA DO 83
HOSPITAL PSIQUIÁTRICO DE MARINGÁ.
Raimundo Kleberson De OliveiraPEDAGOGIA DO ATOR E PEDAGOGIA DO
80
Benicio, Thiago Silva Gomes TEATRO EM DIÁLOGO
Raíssa Caroline Brito Costa, André
Sarturi, Fausto De Lima Pereira CONECTIVIDADES: UMA RELAÇÃO CORPO-
145
Ribeiro, Flavio Lima , Holly Cavrell, ESPAÇO
Sandra Parra
POÉTICAS: GRUPO DE PESQUISA COMO
Rani Lessa, Gabriel Ângelo De Luna
ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DE 142
Silva
CONHECIMENTO
FICÇÕES DE SI E AUTODESTRUIÇÃO COMO
Renan Dias PRÁTICAS FORMATIVAS/CRIATIVAS EM 334
ATUAÇÃO
O CLOWN COMO IMAGEM ARQUETÍPICA E
Renata Domingos Volpato 299
PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO DE SI
Renata Frazão Matsuo, Kátia Silva
Souza Dos Anjos, Marília Balbi
(TRA)VESTIDAS: SER/TORNAR-SE MULHER 73
Silveira, Marília Velardi, Priscila
Sayuri Mori.
ESCRITAS CARTOGRÁFICAS EM DANÇA:
Renata Roel 168
APRENDIZAGEM E DESTERRITORIALIZAÇÃO
O CORO COMO PROCEDIMENTO DE AÇÃO E
Roberto Carlos Moretto 86
REFLEXÃO COLETIVA
Robson Carlos Haderchpek,
ATOR CAÇADOR 39
Thardelly Pereira Lima
O USO DO CENTRO DO CORPO PARA A
Rodney Cardoso 279
PERCEPÇÃO DO TRABALHO DO ATOR
CORPO E TECNOLOGIA: UMA ANÁLISE PARA
Rodrigo Rhenan Domingues 261
PRÁTICAS AUTORAIS EM TEMPO REAL
Sandra Parra, André Sarturi, Fausto
De Lima Pereira Ribeiro, Flavio CONECTIVIDADES: UMA RELAÇÃO CORPO-
145
Lima , Holly Cavrell, Raíssa ESPAÇO
Caroline Brito Costa
O TEATRO PAULISTA DO ESTUDANTE NAS
Sara Mello Neiva 58
ORIGENS DO NACIONAL POPULAR
TRANSMISSIBILIDADE: ATUALIZAÇÃO DO
Sayonara Sousa Pereira PASSADO AO ENCONTRO DE NOVOS 267
CAMINHOS
Sayonara Sousa Pereira, Luiza DRAMATURGIAS CORPORAIS EM
227
Romani Ferreira Banov DESLOCAMENTO
CONTORNOS DA CENA PAULISTANA A
Simone Do Prado Romeo 411
PARTIR DO FOMENTO PÚBLICO

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ESPECTADOR-VISITANTE: IMPLICAÇÕES
Sofia Vilasboas 408
PARA UMA ARTE AINDA VIVA NA GALERIA
RITOS DE PASSAGEM: UMA ABORDAGEM
Suellen Araujo De Brito CONTEMPORÂNEA NO PROCESSO CRIATIVO 405
DO ATOR
BECKETT, CRAIG, ZUMTHOR: UMA
Suely Master, Manuel Fabricio
INVESTIGAÇÃO DE PROCESSOS VOCAIS 291
Alves De Andrade
COMO UMA POÉTICA DA ATUAÇÃO.
Tainá Macêdo Vasconcelos O TRAJE DE CENA DO ATOR POPULAR 313
PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO: UMA
Tânia Villarroel Andrade 435
JORNADA CÊNICA COM O LOUCO
LIMITES, DESLOCAMENTOS E
Tatiane Santoro ATRAVESSAMENTOS: UMA TENTATIVA DE 270
CONCEITUAR A DESMONTAGEM
A FORMAÇÃO DO ARTISTA NO PROGRAMA
Thaís Caroline Póvoa Balaton DE FORMAÇÃO DE PALHAÇO PARA JOVENS 240
DOS DOUTORES DA ALEGRIA
OSSUÁRIO: UMA POÉTICA RITUALÍSTICA DA
Thales Jose Sousa Luz 249
MORTE NA ARTE DA PERFORMANCE
Thardelly Pereira Lima, Robson
ATOR CAÇADOR 39
Carlos Haderchpek
"DIZ QUE SIM & DIZ QUE NÃO" E “A
Thereza Junqueira CONDIÇÃO HUMANA”: REFLEXÕES SOBRE 414
CONTRADIÇÃO
Thiago Silva Gomes, Raimundo PEDAGOGIA DO ATOR E PEDAGOGIA DO
80
Kleberson De Oliveira Benicio TEATRO EM DIÁLOGO
A POÉTICA DA MEMÓRIA NA OBRA DE ANA
Valeri Carvalho MENDIETA: ARTICULAÇÕES COM ANTIGAS 356
CIVILIZAÇÕES MATRILINEARES
A OFICINA DE ILUMINAÇÃO CÊNICA:
Vanderlei Antonio Bachega Junior,
REFLEXOS NA FORMAÇÃO DO 42
Wagner Rosa
PROFISSIONAL DE TEATRO
MÁSCARAS E RITUAL – UMA EXPERIÊNCIA
Vanessa Benites Bordin 21
AMAZÔNICA COM OS TICUNAS
TEATRO E CONTRA-HEGEMONIA: UM
Vicente Pereira Jr. ESTUDO SOBRE O CAMPO DAS ARTES 133
CÊNICAS NO BRASIL DO SÉCULO XXI
Vinicius Da Silva Lírio, Dora De CARTOGRAFIAS DE POÉTICAS ENTRE
148
Andrade Silva CORPOS-CIDADE
CENAS, SUJEITOS E OPRESSÕES: O TEATRO
Vinicius Da Silva Lírio, Marilene
DO OPRIMIDO NUMA EXPERIÊNCIA 200
Aparecida Batista
PEDAGÓGICA E SUAS REVERBERAÇÕES
TEATRO DO SENTENCIADO: RESISTÊNCIA
Viviane Narvaes 194
CULTURAL DAS CLASSES POPULARES

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AUTOR(AS/ES) TÍTULOS DOS RESUMOS PG.


DRAMATURGIAS RADICAIS EM PROCESSOS
Viviane Rosa Juguero 48
DIALÉTICOS
TEATRO: MEDIAÇÃO PARA A FORMAÇÃO
Wagner Rosa, Ana Roberta Marcone 45
HUMANA
POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DA PRÁTICA
Wagner Rosa, Heloisa Pinheiro 51
TEATRAL PARA BAILARINOS
A OFICINA DE ILUMINAÇÃO CÊNICA:
Wagner Rosa, Vanderlei Antonio
REFLEXOS NA FORMAÇÃO DO 42
Bachega Junior
PROFISSIONAL DE TEATRO
A CONVENÇÃO PALCO/PLATEIA NAS SÉRIES
Wesley Fróis Aragao INICIAIS E A FORMAÇÃO DE ESPECTADOR 350
(A) DE TEATRO

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AGRADECIMENTOS

CAC ECA/USP

Prof. Dr. Marcelo Denny de Toledo Leite (Chefe do Departamento); Prof. Dr. Sérgio Ricardo

de Carvalho Santos (Vice-chefe do Departamento); Robenilto Araujo da Silva (Secretário de

Departamento de Ensino); Alê Vaz Machado; Eloisa Salles; Idalvo Silva dos Santos

(Fernandes); Jonas de Moraes; Juliano Tramujas; Maria Josenilda Fernandes; Raimunda

Lopes da Silva Santos.

EAD / USP

Profª. Me. Sandra Regina Sproesser (Diretoria); Profº. Dr. José Fernando Peixoto de Azevedo

(Vice-diretoria) Carlos Alves da Costa (Secretário); Bertha S. Heller; Carlos Alves da Costa

(Croata); Denílson Marques de Oliveira; Mário de Castro; Nilton Ruiz Dias; Paulo Sérgio

Basílio; Roberto Elias Jugdar; Silvana de Carvalho e Zito Rodrigues de Oliveira.

FEIRA DO LIVRO SPA

Ed.Perspectiva e Ed. 34 - Angela Souza;

Ed. É Realização - Fernanda Santos e Raphael Caldeira.

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES


Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443
Cidade Universitária - 05508-020
São Paulo – SP – Brasil
http://www3.eca.usp.br/ppgac/spa
spappgac@gmail.com

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