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Equações diferenciais e

modelos epidemiológicos

Marlon M. López-Flores
Dan Marchesin
Vítor Matos
Stephen Schecter

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impa
Marlon M. López-Flores
Dan Marchesin
Vítor Matos
Stephen Schecter

Equações diferenciais e
modelos epidemiológicos
Equações diferenciais e modelos epidemiológicos
Primeira impressão, julho de 2021
Copyright © 2021 Marlon M. López-Flores, Dan Marchesin, Vítor Matos e Stephen Schec-
ter.
Publicado no Brasil / Published in Brazil.

ISBN 978-65-89124-42-9
MSC (2020) Primary: 92D30, Secondary: 34A26, 34E15, 91A22

Coordenação Geral Carolina Araujo


Produção Books in Bytes Capa Izabella Freitas & Jack Salvador

Realização da Editora do IMPA


IMPA www.impa.br
Estrada Dona Castorina, 110 editora@impa.br
Jardim Botânico
22460-320 Rio de Janeiro RJ
Sumário

Agradecimentos iii

Prefácio iv

1 Modelo SIS 1
1.1 O modelo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Contexto: Como fazer ciência ocidental . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.3 Noções de equações diferenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.4 Linha de fase para o sistema SIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.5 A constante ˇ e a dedução do modelo SIS . . . . . . . . . . . . . . 9
1.6 A constante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.7 O número de reprodução básico, R0 . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
1.8 Discussão do modelo SIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.9 Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

2 Modelo SIR 18
2.1 O modelo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.2 Contexto matemático: Campos de vetores e isóclinas . . . . . . . . 19
2.3 Contexto matemático: Funções e equações diferenciais . . . . . . . 21
2.4 Órbitas e retrato de fase para o sistema SIR . . . . . . . . . . . . . 22
2.5 Interpretação das órbitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.6 Modelo SIR com mortes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
2.7 Discussão do modelo SIR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.8 Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

3 Modelo SIR com perda de imunidade 32


3.1 O modelo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
3.2 Retratos de fase . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
3.3 Contexto matemático: Equações diferenciais lineares . . . . . . . . 35
3.4 Contexto matemático: Estabilidade assintótica e linearização . . . . 40
3.5 Equilíbrios do modelo SIR com perda de imunidade . . . . . . . . 42
3.6 Contexto matemático: Teoria planar . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
3.7 Estabilidade global do modelo SIR com perda de imunidade . . . . 48
3.8 Discussão do modelo SIR com perda de imunidade . . . . . . . . . 49
3.9 Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

4 Um modelo para Covid-19 e a matriz da próxima geração 52


4.1 O modelo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
4.2 Equilíbrios do modelo de Covid-19 . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
4.3 Contexto: Variedades normalmente hiperbólicas de equilíbrio . . . 56
4.4 Digressão: Estimando R0 no início de uma epidemia . . . . . . . . 57
4.5 Valores próprios de equilíbrio do modelo Covid-19 . . . . . . . . . 59
4.6 A matriz da próxima geração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
4.7 Contexto: A exponencial matricial . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
4.8 Explicação das entradas de V 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
4.9 Variantes da doença . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
4.10 Discussão do modelo Covid-19 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
4.11 Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

5 Alteração espontânea do comportamento humano 74


5.1 Um modelo para o comportamento humano em uma epidemia . . . 75
5.2 Tempo lento e tempo rápido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
5.3 O sistema limite rápido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
5.4 O sistema limite lento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
5.5 Combinando soluções dos sistemas limite rápido e lento . . . . . . 83
5.6 Integral entrada–saída . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
5.7 Soluções singulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
5.8 Discussão sobre a mudança do comportamento humano . . . . . . 87
5.9 Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

Bibliografia 92
Índice Remissivo 95
Agradecimentos

A orientação e o auxílio do professor Paulo Ney de Souza foram fundamentais


para a criação de um produto editorial de qualidade.
Aos instrutores, sem os quais este esforço não teria sido profícuo, foram: o
Prof. Pablo Castañeda (ITAM, Cidade do México), Ciro Campolina e Arthur Bizzi
(ambos do IMPA, Rio de Janeiro), e Lucas Furtado (CUNY, Nova York).
Agradecemos às nossas esposas Nancy Schecter, Miyoko Ohtani e Ruth Leão
pela sua paciência e apoio durante este projeto.
Prefácio

O objetivo deste pequeno curso é introduzir alguns modelos de doenças infeccio-


sas que são expressos como sistemas de equações diferenciais ordinárias (EDO).
Os conhecimentos prévios que esperamos o leitor tenha são o conhecimento intro-
dutório das EDO, que os estudantes normalmente adquirem nos cursos de cálculo,
juntamente com a teoria matricial através de valores próprios e vetores próprios.
Introduziremos ideias sobre EDO que poderão ser novas para si, à medida que
forem sendo necessárias.
A motivação para o curso é a pandemia Covid-19. Durante a pandemia, o
público em geral tomou consciência da importância dos modelos matemáticos,
tanto para antecipar o curso da pandemia como para avaliar possíveis intervenções.
Os investigadores em epidemiologia matemática tentam modelar uma grande
variedade de doenças infecciosas usando uma variedade de ferramentas matemá-
ticas. Para dar algum contexto ao curso, descreveremos algumas desta variedade
tanto de doenças como de ferramentas, e depois descreveremos o nosso foco neste
curso.

Doenças infecciosas
As doenças infecciosas são desvios do estado fisiológico causados por organis-
mos, tais como bactérias, vírus, fungos, parasitas, etc. Têm sido responsáveis por
enorme sofrimento e morte ao longo da história.
Novas doenças infecciosas têm surgido continuamente e continuarão a surgir
no futuro. A fonte é frequentemente algum tipo de transmissão de doenças de
outras espécies.
As doenças infecciosas e a sua propagação podem ser vistas como subprodutos
do progresso humano. A domesticação de animais e a penetração humana em
todos os biomas globais têm ajudado as doenças a migrar de outras espécies para
os seres humanos. O comércio global, que existe desde a antiguidade, tem ajudado
a propagação de doenças.
Os progressos na compreensão científica, saneamento, medidas de prevenção
e tratamentos levaram a um melhor controle de muitas doenças infecciosas na
maioria das partes do mundo. O aumento dos nossos conhecimentos e experiência
deu-nos ferramentas notáveis para fazer face à pandemia da Covid-19 e às doenças
infecciosas que irão surgir no futuro.

Modos de transmissão
Vamos dar alguns exemplos de doenças infecciosas especialmente mortais e os
seus modos de transmissão.
A peste é causada por uma bactéria que é tipicamente transmitida pela morde-
dura de uma pulga que anteriormente mordeu um animal infectado. Também pode
ser transmitida de pessoa a pessoa através da tosse. As pandemias de peste têm
estado entre os episódios mais devastadores da história humana (Frith 2012). A
peste Justiniana teve origem na Etiópia e atingiu Constantinopla (agora Istambul)
em 541 EC. Matou cerca de 5 000 a 10 000 pessoas por dia na cidade, e acabou
por matar talvez 100 milhões de pessoas na África, Ásia e Europa durante os anos
seguintes. Houve surtos repetidos ao longo dos 200 anos seguintes.
Na Europa, de acordo com (ibid.), “a disrupção social e econômica causada
pela Peste Justiniana levou ao colapso do sistema romano tardio e à sua substitui-
ção pelas culturas mais locais que caracterizavam a Europa medieval”.
A peste reapareceu na Europa em 1347 (a Peste Negra), trazida da Ásia Menor
para a Crimeia por um exército Tártaro. Matou um quarto da população da Europa,
25 milhões de pessoas, até 1350. Os surtos continuaram em África, Ásia e Europa
durante mais de 300 anos. A Peste Negra levou ao colapso da sociedade medieval
e ao crescimento de uma classe média.
A peste reapareceu na China em 1855 e não foi totalmente controlada durante
cem anos, altura em que já tinha matado 15 milhões de pessoas, a maioria na Índia.
A varíola é causada por um vírus que se propaga pelo contato com feridas dos
doentes, pelo contato com objetos contaminados como roupa de cama ou vestuário,
e pela tosse e espirros. Já estava presente no século III AEC no Egito. Foi trazido
para as Américas pelos europeus a partir dos anos 1520, onde era desconhecida e
não havia imunidade. Estima-se que as doenças do Velho Mundo, principalmente
a varíola, mataram 90 a 95% da população indígena das Américas. Embora as
campanhas de vacinação tenham começado no século 19, a varíola ainda matou de
300 milhões a 500 milhões de pessoas durante o século 20. A varíola foi declarada
erradicada em 1979 (Wikipedia 2021e).
A malária é causada por um parasita que é transmitido pelas picadas de mos-
quitos. Houve 229 milhões de casos de paludismo em 2019, levando a 409 000
mortes. Cerca de 94% dos casos e das mortes ocorreram em África (CDC 2021).
A cólera é uma doença bacteriana que se propaga geralmente através da água
contaminada. Houve sete pandemias de cólera desde o século XIX. A cólera mata
atualmente pelo menos 21 000 pessoas por ano (WHO 2021). Uma epidemia de
cólera no Haiti em 2010–2011, na sequência de um terremoto, fez adoecer quase
800 000 pessoas (Wikipedia 2021b).
A síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA ou AIDS) é causada pelo
vírus da imunodeficiência humana (VIH). É transmitido sexualmente, através do
contato com sangue infectado ou agulhas contaminadas, e de mãe para filho. A
SIDA já matou cerca de 33 milhões de pessoas desde que foi identificado pela
primeira vez nos anos 80 do século XX (Wikipedia 2021f). Provavelmente, saltou
dos chimpanzés ou gorilas para os humanos na África Central na década de 1920
(Wikipedia 2021d).
Enquanto os epidemiologistas matemáticos tentam modelar todas estas doen-
ças, neste curso preocupamo-nos com as doenças infecciosas que são principal-
mente transmitidas diretamente de uma pessoa para outra.
Influenza é o principal exemplo. É causada por uma família de vírus que se
espalham pela tosse ou espirro. A primeira pandemia de gripe documentada co-
meçou na Ásia em 1510 e se espalhou ao longo das rotas comerciais (Wikipedia
2021a).
A chamada pandemia de gripe espanhola de 1918-1920 matou cerca de 100
milhões de pessoas em todo o mundo. Foi observado pela primeira vez no estado
do Kansas, nos Estados Unidos, em janeiro de 1918, (Wikipedia 2021h). Ela se
espalhou rapidamente para outras partes dos Estados Unidos e da Europa, e depois
ao redor do mundo, chegando ao Brasil em agosto de 1918. No Rio de Janeiro,
a gripe espanhola matou cerca de 15 000 pessoas e adoeceu outras 600 000 —
cerca de 66 % da população da cidade. “A cidade logo se viu à beira do colapso.
Não havia comida suficiente, nem remédio suficiente, nem médicos suficientes e
nem hospitais suficientes para receber mais doentes. (…) As ruas da cidade foram
se transformando gradualmente em um mar de corpos insepultos, pois não havia
coveiros suficientes para enterrar os corpos ou caixões para colocá-los.” (Goulart
2005).
Mutações do vírus de 1918 são responsáveis  pela maioria dos casos de in-
fluenza desde então (Taubenberger e Morens 2006). As pandemias de gripe em
1957-58 e 1967-68 mataram 1 a 4 milhões de pessoas em todo o mundo (Wikipedia
2021g).
Os coronavírus são disseminados como os vírus da gripe. O vírus SARS-CoV
foi notificado pela primeira vez na China em fevereiro de 2003 e provavelmente
teve origem em morcegos. Espalhou-se pelas Américas, Europa e Ásia matando
quase 800 pessoas. O MERS-CoV foi noticiado pela primeira vez na Arábia Sau-
dita em 2012. Emergiu de morcegos via camelos como hospedeiros intermediários,
e matou mais de 800 pessoas. O SARS-CoV-2, reportado pela primeira vez em
Wuhan, China, em dezembro de 2019, causa a síndrome conhecida como Covid-
19, que é atualmente uma pandemia global. Acredita-se que tenha surgido de
morcegos. Ele causou quase 3 milhões de mortes até meados de abril de 2021
(Wikipedia 2021c).

Modelos usados em epidemiologia matemática


O nosso curso irá descrever o uso de EDO para modelar a propagação de doenças
como a gripe e as doenças do coronavírus. Os modelos de EDO são os mais utili-
zados para antecipar a propagação destas doenças e para explorar o efeito provável
das contramedidas. Os modelos de EDO dividem uma população em categorias,
chamadas compartimentos, e descrevem a evolução das frações de população nos
compartimentos ao longo do tempo. Pode haver apenas dois compartimentos, in-
fectados e não infectados, ou um grande número de compartimentos que dividem
a população de qualquer forma que se pense importante.
Seguem outros tipos de modelos utilizados na epidemiologia matemática, que
não iremos discutir.

Modelos estocásticos
Especialmente no início de uma epidemia, quando apenas algumas pessoas estão
infectadas, o elemento do acaso é importante para que a epidemia se propague ou
morra. Os modelos de EDO são deterministas. Os modelos estocásticos têm em
conta o aspecto probabilístico das epidemias. Uma referência introdutória é Allen
(2008).
Modelos de rede
Tanto modelos de EDO como modelos estocásticos dividem a população em com-
partimentos e assumem que os membros dos compartimentos se encontram uns
com os outros a determinadas taxas. Os modelos de rede, pelo contrário, repre-
sentam indivíduos como nós numa rede e representam os seus contatos uns com
os outros por arestas que ligam os nós. Semelhante aos modelos estocásticos, a
doença é transmitida probabilisticamente, através de bordas. Tais modelos alcan-
çam um elevado grau de realismo, mas são difíceis de analisar, a menos que sejam
feitas fortes suposições restritivas. Uma boa referência é Kiss, Miller e Simon
(2017).
Outro tipo de modelo de rede utiliza dois tipos de nós, um para indivíduos e
outro para misturar locais como locais de trabalho, lojas, e escolas. Os bordos
ligam os indivíduos aos locais de mistura. Estes modelos tornaram-se importantes
durante a pandemia de Covid-19 devido à disponibilidade de dados agregados de
celulares que registam o movimento de pessoas de casas para locais de mistura
(Chang et al. 2021).

Modelos baseados em agentes


Os modelos baseados em agentes são programas informáticos que simulam as in-
terações dos indivíduos (agentes) numa dada sociedade durante um período de
tempo. Podem ser notavelmente realistas.
Em 2006, um grupo do Imperial College (Londres) criou modelos baseados
em agentes para simular epidemias de gripe no Reino Unido e nos Estados Uni-
dos, com base em dados sobre a densidade populacional, tamanho do agregado
familiar e estrutura etária, escolas, locais de trabalho, e deslocamento, veja Fergu-
son, Cummings et al. (2006). Os modelos foram reaproveitados em um relatório de
Ferguson, Laydon et al. (2020) para prever o possível curso da pandemia Covid-
19 no Reino Unido e nos EUA. Este relatório influenciou muito a resposta dos
governos Reino Unido e EUA à pandemia (Booth 2020).
COMORBUSS é um modelo baseado em agentes desenvolvido no Brasil, destina-
se a modelar cuidadosamente uma única cidade a fim de aconselhar quais esfor-
ços de mitigação de doenças seriam mais eficazes lá (https://comorbuss.org,
http://www.cemeai.icmc.usp.br/ModCovid19/comorbuss).
Entre os problemas com os modelos baseados em agentes, incluem-se o tempo
necessário para os construir, o tempo necessário para os executar, e o fato de as
suas interações serem probabilísticas, pelo que muitas simulações podem ser ne-
cessárias para se obterem boas previsões.
Modelos de EDP
Nos modelos de EDO, as variáveis são apenas funções do tempo. Nos modelos de
equações diferenciais parciais (EDP) as variáveis são funções do tempo e do es-
paço. Assim, os modelos de EDP podem ser utilizados para estudar a propagação
de uma epidemia no espaço. Por exemplo, um modelo EDP foi utilizado para estu-
dar a propagação precoce da Covid-19 por redes rodoviárias na Itália (Berestycki,
Roquejoffre e Rossi 2021).

Modelos de EDO em epidemiologia matemática


O modelo fundamental de EDO da epidemiologia matemática é o modelo SIR,
cujo nome representa os seus compartimentos, suscetível, infeccioso e recuperado.
Foi introduzido num artigo de 1927 por A. G. McKendrick, um médico escocês
com experiência em malária na Serra Leoa e disenteria e raiva na Índia, e W. O.
Kermack, um químico escocês cego (Kermack e McKendrick 1927). Discutiremos
o seu modelo no Capítulo 2. O modelo SIS (suscetível, infeccioso, suscetível) é
ainda mais simples; discutiremos o seu modelo no Capítulo 1.
Um resultado básico subjacente a uma grande parte da matemática aplicada é
o Teorema de Perron–Frobenius, que diz, grosso modo, que o valor próprio prin-
cipal de uma matriz positiva é positivo e corresponde a um vetor próprio positivo.
Está por detrás de dois importantes resultados da epidemiologia matemática. Um
explica porquê, em muitos modelos epidemiológicos, se a população suscetível é
renovada por um mecanismo tal como perda de imunidade ou nascimentos, uma
doença pode tornar-se endêmica, veja Hethcote (1978). Outro, o método de matriz
da próxima geração, mostra como calcular o número básico de reprodução em um
modelo complicado.
O Teorema de Perron–Frobenius está para além do âmbito deste curso. Con-
tudo, no Capítulo 3, utilizamos argumentos mais simples para mostrar como a re-
novação da população suscetível num modelo SIR simples pode levar a que uma
doença se torne endêmica. E no Capítulo 4 explicamos a matriz da próxima ge-
ração e como utilizá-la, sem entrar em provas. O nosso principal exemplo nesse
capítulo é uma extensão do modelo SIR que representa as principais características
da Covid-19.
O Capítulo 5 introduz a mudança espontânea de comportamento humano. Sabe-
se — até por experiência própria — que, quando os níveis de infecção aumentam,
muitas pessoas que podem ficar em casa optam por o fazer; e que muitas vão ter
uma higiene mais rigorosa e vão praticar distanciamento social. Por outro lado,
quando os níveis de infecção diminuem, as pessoas relaxam. Este fato evidente
afeta grandemente a propagação de uma doença infecciosa, mas raramente é con-
tabilizado nos modelos epidemiológicos. Como lidar com a mudança de compor-
tamento humano está na fronteira da investigação em epidemiologia matemática.
Neste capítulo apresentamos uma abordagem que utiliza a dinâmica da imitação,
uma ideia da teoria dos jogos.
1 Modelo SIS

1.1 O modelo
Na população humana, uma doença infecciosa como o sarampo, gripe ou Covid-19
espalha-se devido à combinação de características patogênicas e comportamento
humano. As características patogênicas determinam as circunstâncias sob as quais
uma pessoa contagiosa pode infectar outra. O comportamento humano determina
a frequência com que estas circunstâncias ocorrem.
Uma palavra sobre a terminologia. Doenças infecciosas são distúrbios fisi-
ológicos causados por organismos tais como bactérias, vírus, fungos, parasitas,
etc. Aquelas que podem ser transmitidas de pessoa para pessoa são chamadas de
doenças contagiosas. Neste curso vamos apenas considerar doenças contagiosas.
Contudo, em epidemiologia matemática o termo “doença contagiosa” raramente
é usado; o termo mais abrangente “doença infecciosa” é quase sempre o usado.
Seguiremos esta tradição. Um indivíduo infectado pode ser ou não capaz de trans-
mitir a doença; caso seja capaz, é chamado contagioso, infectante ou infeccioso.

Neste capítulo, vamos considerar uma doença infecciosa para a qual ninguém
tem nem ganha imunidade. O resfriado comum é um exemplo. Supomos que
a população em consideração pode ser dividida em dois grupos: os suscetíveis
2 1. Modelo SIS

(aqueles que não têm a doença) e os infectados (aqueles que têm a doença; aqui,
todos os infectados estão doentes e são infecciosos). Em epidemiologia, esses
grupos são chamados de compartimentos.
Um indivíduo suscetível pode contrair a doença de um indivíduo infectado.
O indivíduo suscetível então torna-se infectado, e mantêm-se infectado até ficar
curado. Uma vez curado, o infectado volta a ser suscetível, dado que não existe
imunidade a esta doença.
Seja S.t / a fração da população que é suscetível no instante t e seja I.t / a
fração da população que está infectada no instante t. Temos S.t / > 0, I.t / > 0 e
S.t /CI.t / D 1. Um indivíduo suscetível torna-se infeccioso devido a um contato
com um indivíduo infeccioso. Esse contato tem que ter as características apropri-
adas para a transmissão da doença. Estas características podem estar relacionadas
com a duração do contato, a proximidade dos indivíduos durante o contato, onde o
contato ocorre, se o indivíduo doente espirra, etc. Tais contatos são, por vezes, de-
nominados contatos adequados, mas, por simplicidade, iremos referir-nos a eles
apenas como contatos. Claro que há também um elemento de probabilidade de
que um contato resulte realmente na transmissão da doença. Nós iremos abordar
este assunto na Seção 1.5.
Talvez seja razoável supor que se multiplicarmos I.t / por um número k, então
multiplicaremos a taxa com que tais contatos ocorrem por k; e se multiplicarmos
S.t / por um número k, então multiplicaremos também a taxa com que tais contatos
ocorrem por k. Isto significa que a taxa a que a doença é transmitida no momento
t é proporcional ao produto S.t/I.t/. Do mesmo modo, talvez seja razoável supor
que a taxa com que os infectados recuperam e voltam a ser suscetíveis, no tempo t ,
é proporcional a I.t /. Estes pressupostos levam ao seguinte par de equações para
as taxas:

dS
D ˇS.t /I.t / C I.t /; (1.1)
dt
dI
D ˇS.t /I.t / I.t /: (1.2)
dt

Nestas equações, ˇ e são constantes de proporcionalidade positivas. Tenha em


atenção o sinal de cada termo.
Nas Seções 1.5 e 1.6 daremos uma dedução mais cuidadosa do sistema (1.1)–
(1.2), assim como uma interpretação precisa do significado das constantes ˇ e .
Frequentemente, iremos usar um ponto para representar a derivada em relação
1.2. Contexto: Como fazer ciência ocidental 3

a t. Assim, as Equações (1.1) e (1.2) podem ser reescritas como:

SP .t/ D ˇS.t /I.t / C I.t /; (1.3)


IP.t/ D ˇS.t /I.t / I.t /: (1.4)

Podemos usar ainda uma notação menos pesada:

SP D ˇSI C I; (1.5)
IP D ˇSI I: (1.6)

As Equações (1.5) e (1.6) constituem o Modelo SIS.


Somando (1.5) e (1.6), temos SP C IP D 0, assim, se inicialmente temos S CI D
1, então S C I permanece igual a 1 para sempre. Isto tem sentido dado que S e I
são frações da população.

1.2 Contexto: Como fazer ciência ocidental


As Equações (1.5) e (1.6) dizem-nos que se sabemos os valores de S e I no instante
t , então sabemos as taxas de variação de S e I no mesmo instante. As fórmulas
simplesmente descrevem em termos matemáticos a forma como a transmissão da
doença funciona.
Contudo, as equações não nos dizem o que ocorre ao longo do tempo. Não
sabemos se a doença irá desaparecer, ou espalhar-se até a população inteira ficar
infectada, ou oscilar continuamente, ou tender para um valor intermédio ficando
presente na população para sempre.
As Equações (1.5) e (1.6) constituem um sistema de equações diferenciais. As
soluções do sistema irão dizer-nos o que acontece.
A ideia que Isaac Newton introduziu na ciência ocidental no século 17 é o que
o nosso entendimento de como o mundo funciona é usualmente um entendimento
acerca de taxas. Tal entendimento pode ser expresso como um sistema de equações
diferenciais. As soluções do sistema dirão o que se passará.

1.3 Contexto matemático: Noções de equações diferenci-


ais
Antes de avançarmos, vamos apresentar algumas noções e fatos básicos sobre
equações diferenciais do ponto de vista mais geométrico.
4 1. Modelo SIS


Seja x.t / D x1 .t/; : : : ; xn .t/ um ponto que se move em Rn . O vetor velo-
cidade é usualmente desenhado aplicado no ponto x.t /.
Por exemplo, suponha que x.t/ D .cos t; sen t/, um ponto movendo-se em R2 .
O ponto x.t / percorre o círculo de raio 1, com centro na origem. Temos x.t P /D
. sen t; cos t/. Portanto, x.0/ D .1; 0/, x.0/
P D .0; 1/, x.=2/ D .0; 1/, x.=2/
P D
. 1; 0/. Estes factos estão ilustrados na Figura 1.1.

x2
x.=2/
P
x.0/
P

x1

Figura 1.1: Trajetória x.t/ D .cos t; sen t/ a cinza e os vetores velocidade para
t D 0 e t D =2 a preto.

Como vimos, uma ideia científica geralmente diz-nos que se conhecemos, num
dado instante, o ponto x que representa o estado do sistema, então conhecemos x,
P
ou seja, como x está variando no mesmo instante. Em outras palavras, o vetor
velocidade xP é uma função do estado x, i.e., xP D f .x/ ou
xP 1 D f1 .x1 ; : : : ; xn /; (1.7)
::
:
xP n D fn .x1 ; : : : ; xn /: (1.8)
Uma equação da forma xP D f .x/ é uma equação diferencial ordinária de pri-
meira ordem.
• Primeira ordem: só existem primeiras derivadas, não existem derivadas
mais altas.
• Autônoma: a derivada depende apenas do estado do sistema x, não do
tempo t.
• Ordinária: só existem derivadas ordinárias, não derivadas parciais.
Quando uma equação diferencial xP D f .x/ em Rn com n > 1 é escrita na forma
(1.7)–(1.8), é chamado sistema de equações diferenciais.
1.3. Noções de equações diferenciais 5

Estamos certos de que se lembra da Segunda Lei de Newton, F D ma, ou


força iguala a massa vezes a aceleração. Seja x.t / a posição de um objeto no
instante t, então a sua velocidade é v D xP e a aceleração é a D vP D x.
R Temos
que a Segunda Lei de Newton é uma equação (ou sistema) diferencial de segunda
ordem, xR D F=m. Contudo, podemos transformar xR D F=m num sistema de
equações diferenciais de primeira ordem tomando .x; v/ como variável

xP D v;
vP D F=m:

A força F pode depender de x e v de várias formas, dependendo se estamos con-


siderando uma mola, um pêndulo, gravidade, ou o que for. Uma vez que se tenha
uma equação para F , temos um sistema de equações diferenciais. Se x, que re-
presenta a posição, está em R, temos um sistema de duas equações. Se x está em
R3 , é um sistema de seis equações diferenciais. (Se a força depende do tempo, o
sistema não é autônomo. Não iremos considerar sistemas não autônomos nestas
notas.)
Para usar a equação diferencial xP D f .x/ para realizar previsões sobre o que
acontecerá, i.e., para prever x.t/, é necessário resolver o problema de valor inicial

xP D f .x/; x.t0 / D x0 :

Noutras palavras, dada um equação diferencial xP D f .x/ e o estado x0 do sistema


no instante t0 , precisamos de encontrar uma função x.t / tal que x.t0 / D x0 e, para
todos os tempos t, x.tP / D f .x.t//.
Por exemplo, o sistema

xP 1 D x2 ; (1.9)
xP 2 D x1 ; (1.10)

com a condição inicial .x1 .0/; x2 .0// D .1; 0/, tem .x1 .t /; x2 .t// D .cos t; sen t /
como solução. Para confirmar que esta é realmente uma solução do sistema, basta
substituir xP 1 e xP 2 no lado esquerdo das Equações (1.9) e (1.10) e substituir x1 .t/
e x2 .t/ no lado direito:

sen t D sen t;
cos t D cos t:
6 1. Modelo SIS

Para verificar .x1 .0/; x2 .0// D .1; 0/, basta notar que cos 0 D 1 e sen 0 D 0.
O próximo teorema coleta alguns fatos fundamentais sobre equações diferen-
ciais:
Teorema 1.1. Sejam U um conjunto aberto em Rn , f W U ! Rn uma função
continuamente diferenciável e x0 2 U . Então:
1. O problema de valor inicial
xP D f .x/; x.t0 / D x0 :
tem solução única.
2. Se x.t / permanece num subconjunto compacto (fechado e limitado) de U
quando t aumenta (respectivamente, diminui), então x.t / está definido para
t0 6 t < 1 (respectivamente, 1 < t 6 t0 ).
As nossas equações diferenciais xP D f .x/ terão sempre funções f continua-
mente diferenciáveis, portanto este teorema vai sempre se aplicar.
O conjunto U , no qual a equação diferencial está definida, é chamado de es-
paço de fase.
A solução que o Teorema 1.1 diz existir pode ser uma que ninguém consiga
escrever de forma explícita. Mas ainda assim existe, e pode ser aproximada nume-
ricamente.
Um ponto x0 no qual xP D 0 é um equilíbrio da equação diferencial xP D f .x/,
portanto também f .x0 / D 0.
Corolário 1.2. Se x0 é um equilíbrio de xP D f .x/, então a única solução do
problema de valor inicial
xP D f .x/; x.t0 / D x0 ;
é x.t/ D x0 para 1 < t < 1.
Para provar este corolário, basta verificar que a fórmula de x.t / é uma solução
do problema de valor inicial, e então relembrar que a solução é única.
Corolário 1.3. Seja x.t/ uma solução de xP D f .x/. Suponhamos que, no instante
t0 , x.t0 / não é um equilíbrio, i.e., f .x.t0 // ¤ 0. Então, x.t / não é um equilíbrio
para todos os valores de t, i.e., f .x.t// ¤ 0 para todos os valores de t.
Este corolário é uma consequência imediata do anterior.
O Teorema 1.1 e os seus corolários têm importantes consequências que vere-
mos nas próximas seções.
1.4. Linha de fase para o sistema SIS 7

1.4 Linha de fase para o sistema SIS


No sistema SIS (1.5)–(1.6), vimos no final da Seção 1.1 que S.t / C I.t / D 1 para
qualquer tempo t. Então, realmente não necessitamos das duas equações, dado que
se calcularmos I.t /, conseguimos encontrar S.t / de S.t / D 1 I.t /. Podemos
então usar apenas a Equação (1.5), após substituir S D 1 I temos
IP D ˇ.1 I /I I D .ˇ /I ˇI 2 : (1.11)
Isto é uma única equação diferencial. Podemos encontrar a solução geral usando
separação de variáveis e integração de frações racionais escrevendo (ou uma tabela
de integração ou um software). Iremos fazer isto para valores particulares de ˇ e
nos problemas do final do capítulo.
Uma forma mais fácil de ver o que se passa é desenhar a linha de fase, a qual
é o eixo I , com pontos onde se encontram equilíbrios e setas mostrando onde as
soluções crescem e decrescem. Onde IP > 0, I.t / é crescente; onde IP < 0, I.t / é
decrescente; e onde IP D 0, existe um equilíbrio.
Para desenharmos a linha de fase, pode ajudar desenharmos primeiro o gráfico
de IP em função de I , ou seja, desenhar o gráfico de
IP D .ˇ /I ˇI 2 D I.ˇ ˇI /: (1.12)
O gráfico é uma parábola. Podemos utilizar o gráfico para desenhar a linha de
fase, pois ajuda-nos a ver onde I é positivo, negativo, e zero. Por exemplo, há
dois equilíbrios, em I D 0 e I D ˇ ˇ D 1 ˇ . Veja a Figura 1.2.
Na verdade, dado que I é uma fração da população, só o intervalo I D fI W
0 6 I 6 1g é importante. Noutras palavras, este intervalo é o nosso espaço de
fase. Quando restringimos a linha de fase ao intervalo I, obtemos o retrato de
fase.
Lembrando que ˇ e são positivos, vemos que existem dois casos:

• Se ˇ
> 1, o equilíbrio não nulo não está em I.

• Se ˇ
< 1, o equilíbrio não nulo está em I.
(Claro que existe um terceiro caso, ˇ D 1, mas sempre iremos ignorar tais impro-
váveis casos intermédios.)
Pelo Corolário 1.3, as soluções que começam fora de um equilíbrio não po-
dem passar pelos equilíbrios. O Teorema 1.1 diz-nos que soluções limitadas estão
definidas para tempos infinitos. Um outro fato importante ocorre no caso unidi-
mensional, soluções limitadas têm que se aproximar de equilíbrios. Portanto:
8 1. Modelo SIS

IP IP

I I

0 1 0 1
1 ˇ
1 ˇ

(a) =ˇ > 1. (b) =ˇ < 1.

Figura 1.2: Linha de fase (acima) e retrato de fase (abaixo) para a equação uni-
dimensional SIS (1.11). A parábola (1.12) é usada para desenhar a linha de fase:
setas para a esquerda quando IP < 0 e setas para a direita quando IP > 0; então
restringimos-nos ao intervalo I para obter o retrato de fase.


• Se ˇ
> 1, todas as soluções em I tendem a 0 quando t ! 1.

• Se ˇ < 1, todas as soluções em I com I.0/ > 0 tendem a 1 =ˇ quando


t ! 1. Por outro lado, quando t ! 1, as soluções com 0 < I.0/ <
1 =ˇ tendem a 0.
A interpretação dos retratos de fase é a seguinte:

• Para ˇ
> 1, se a doença entra na população, ela desaparece.

• Para ˇ < 1, se a doença entra na população, a fração da população com a


doença tende para o número positivo I D 1 =ˇ, e por fim prevalece na
população com, grosso modo, este valor.

No segundo caso, a doença é dita endêmica, e o equilíbrio I D 1 ˇ
é
chamado de equilíbrio endêmico. Outras possibilidades que tínhamos imaginado,
que I.t / poderia tender a 1 ou que poderia oscilar, não ocorrem. (Em geral não
consideramos D 0; admitimos que > 0. O caso D 0 corresponderia a uma
doença para a qual não há forma de se recuperar. Neste caso temos I.t / ! 1.)
O fato das soluções de uma equação diferencial demorarem um tempo infinito
a se aproximarem de um equilíbrio pode gerar confusão. No caso de ˇ > 1, por
1.5. A constante ˇ e a dedução do modelo SIS 9

exemplo, as soluções levam um tempo infinito a aproximarem-se de zero. Na


realidade, contudo, o tamanho da população é finito, então assim que a fração da
população é suficientemente pequena, não existem mais infectados. Esta é a razão
pela qual dizemos que a doença desaparece. De forma similar, no caso ˇ < 1, por
vezes dizemos que a a doença atingiu o equilíbrio endêmico.
Os epidemiologistas não distinguem os casos usando a fração =ˇ como fize-
mos. Em vez disso, eles usam a fração ˇ= ; dizem que se ˇ= < 1, a doença
desaparece, e se ˇ= > 1, a doença é endêmica. Para explicar porque os epide-
miologista preferem ˇ= em vez de =ˇ, vamos olhar mais profundamente no
significado das constantes ˇ e .
O resfriado comum é suposto ser uma doença à qual o modelo SIS se aplica.
O modelo prediz que a prevalência do resfriado comum é constante durante o ano.
Isto não é verdade onde o leitor vive? Talvez onde você vive, ˇ não seja constante
e varie com as estações. Se substituirmos ˇ por uma dada função ˇ.t / que varia
no tempo, então o sistema SIS não é autônomo, então a nossa análise não se aplica.

1.5 A constante ˇ e a dedução do modelo SIS


Nesta secção damos uma dedução cuidadosa do modelo SIS e explicamos o sig-
nificado da constante ˇ. Para tal, olhamos para a dimensão real da população em
vez de frações populacionais.
Consideremos uma população de tamanho constante N (ignoramos nascimen-
tos e mortes), onde N é um número grande. Seja s.t / o número de suscetíveis e
i.t / o número de infectados, de modo que s.t / C i.t / D N .
A doença propaga-se devido aos contatos com características apropriadas para
a transmissão da doença, aos quais chamamos apenas de contatos. Supomos que
a taxa de contatos por pessoa infectada é constante. Supondo uma população ho-
mogeneamente misturada, multiplicando esta taxa por s.t /=N obtemos a taxa de
indivíduos suscetíveis contatados por pessoa infectada. Se o tempo for medido em
dias, nós o temos:

pessoas contadas s.t/ pessoas suscetíveis contatadas


 D :
pessoa infectada  dia N pessoa infectada  dia

Multiplicando a taxa anterior pela probabilidade de cada pessoa suscetível de con-


trair a doença devido ao contato, obtemos a taxa de novas pessoas infectadas por
10 1. Modelo SIS

pessoa infectada:

novas pessoas infectadas


D
pessoa infectada  dia
pessoas contadas s.t/
D   probabilidade de transmissão: (1.13)
pessoa infectada  dia N

Definimos
pessoas contadas
ˇD  probabilidade de transmissão: (1.14)
pessoa infectada  dia

Utilizamos o símbolo ˇ porque este tem o mesmo significado do ˇ que usamos no


sistema SIS, (1.5)–(1.6). Na epidemiologia matemática, a constante ˇ é chamada
de coeficiente de transmissão e é a taxa de novas infecções quando todas as pessoas
contatadas são suscetíveis (i.e., quando s.t / D N ), como ocorre no início de uma
epidemia.
Por definição, ˇ é o produto de dois termos. Em circunstâncias normais,
quando os indivíduos não estão tomando medidas como o uso de máscaras para
se protegerem contra doenças, o segundo termo, a probabilidade de transmissão, é
uma propriedade da própria doença, ou seja, o quanto contagiosa ela é. O primeiro
termo, no entanto, depende do modo de vida da população. Por exemplo, pode ser
mais baixo numa zona rural do que numa zona urbana, onde indivíduos entram
normalmente em contato com muitos outros no decurso de um dia.
Uma vez que i.t / é o número de infectados no instante t, a taxa de novas in-
fecções na população inteira no momento t é obtida multiplicando Equação (1.13)
por i.t/:

novas pessoas infectadas s.t /


Dˇ  i.t /:
dia N
A taxa a que os infectados recuperam é proporcional a i.t /, com a mesma constante
de proporcionalidade utilizada anteriormente.
Obtemos o sistema de equações diferencias

ˇ
sP D si C i; (1.15)
N
ˇ
iP D si i: (1.16)
N
1.6. A constante 11

Relembre que S e I são as frações populacionais S D Ns e I D Ni . Para obtermos


o sistema (1.5)–(1.6) de (1.15)–(1.16), basta fazer a substituição s D SN e i D
I N em (1.15)–(1.16). Tente fazê-lo!
É interessante verificar as unidades em (1.15)–(1.16). Olhemos apenas para a
Equação (1.15). Se o tempo for medido em dias, por exemplo, então as unidades
de ds=dt são pessoa/dia. Dado que N , s e i têm todos unidades de pessoas, a
unidade de ˇ deve ser 1/dia. O que está correto: ˇ representa pessoas contagiadas
por pessoa infectada por dia. A unidade pessoa cancela.
De forma similar, as unidades de são 1/dia. Mas o que significa o exata-
mente?

1.6 A constante
Uma distribuição de probabilidade
R num intervalo J é uma função g.t / definida
em J tal que g.t/ > 0 e J g.t/ dt D 1. SeRK é um subintervalo de J , então
aR probabilidade de t estar no subintervalo é K g.t / dt . O valor médio de t é
J tg.t/ dt. Isto é análogo a como a média de uma distribuição de probabilidade
discreta é calculada.
Por simplicidade, vamos supor que a população inteira está infectada no ins-
tante 0 e que não há reinfecções, assim isolamos o fenômeno da recuperação. En-
tão (1.6) simplifica para o problema de valor inicial

IP D I; I.0/ D 1:

A solução é I.t / D e t .
IP D e t é a taxa à qual I varia. Esta taxa é negativa dado que I.t /
decresce com a cura das pessoas. A taxa à qual as pessoas se curam (expressa
como uma fração da população por unidade de tempo) é IP D e t , que é
positiva.
Por fim, todos se curam:
Z 1 Z 1
IP dt D e t dt D 1: (1.17)
0 0

Deverá verificar estes cálculos. Dado que a integral é 1, IP D e t é uma


distribuição de probabilidade no intervalo 0 6 t < 1.
Como as pessoas que ficam curadas no instante t estiveram doentes durante
um tempo t , o tempo médio para o qual as pessoas estão doentes é simplesmente
12 1. Modelo SIS

o valor médio de t no intervalo 0 6 t < 1. Este valor médio é


Z 1 Z 1
1
P
t I dt D t e t dt D : (1.18)
0 0
O leitor deverá verificar estes cálculos.
Assim, temos a nossa interpretação para : 1= é o tempo médio para o qual
as pessoas ficam doentes com a doença que está a ser modelada. Note que se as
unidades de são 1/dia, como na secção anterior, então 1= é dado em dias, o que
tem sentido.

1.7 O número de reprodução básico, R0


O número básico de reprodução R0 , “erre zero”, é o valor mais importante cal-
culado em modelos epidemiológicos. Tornou-se conhecido ao público em geral
durante a pandemia de Covid-19 através de inúmeros artigos noticiosos.
R0 é o número médio de indivíduos infectados por cada indivíduo infectado
quando uma doença é introduzida numa população, no pressuposto de que a tota-
lidadeda população, em particular todas as pessoas que se encontram com indi-
viduo infectado, é suscetível à doença. No modelo SIS, R0 é o número de novas
infecções causadas por dia por cada infectado vezes o número médio de dias em
que um indivíduo permanece infectado. Simbolicamente,
1 ˇ
R0 D ˇ  D :

Quando uma infecção é introduzida na população por um indivíduo, ao final do
tempo médio de recuperação, este indivíduo é substituído por outros R0 indivíduos
infectados. Assim, se R0 > 1, o número de infectados cresce e a infecção propaga-
se; se R0 < 1, o número de infectados decresce e a infecção extingue-se.
Olhemos de novo para o retrato de fase da Figura 1.2. Considerando a solução
I.t / que inicia perto de I D 0, então muito poucas pessoas estão infectadas e
quase toda a gente é suscetível. Então:
ˇ
• Se ˇ
> 1, então R0 D < 1. Podemos ver que I.t / diminui para 0.

• Se ˇ < 1, então R0 D ˇ > 1. Podemos ver que quando I.t / começa perto
de 0, I.t / cresce para um valor de equilíbrio positivo, que é
1
I D1 D1 :
ˇ R0
1.7. O número de reprodução básico, R0 13

Exemplos de solução são mostrados na Figura 1.3.

Poderá querer procurar on-line valores estimados de R0 para doenças infecci-


osas do seu interesse.
14 1. Modelo SIS

1:0 1:0
0:9 0:9
0:8 0:8
0:7 0:7
0:6 0:6
I.t/ 0:5 I.t/ 0:5
0:4 0:4
0:3 0:3
0:2 0:2
0:1 0:1
0:0 0:0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 0 5 10 15 20 25 30 35 40
t t

(a) ˇ D 0:3, D 0:4 e R0 D 3=4. Todas (b) ˇ D 0:6, D 0:4 e R0 D 3=2. Existe
as soluções aproximam-se de zero. um equilíbrio em 1 2=3 D 1=3. Todas
as soluções com I.0/ > 0 tendem a 1=3.

Figura 1.3: Soluções da equação unidimensional SIS, (1.11), para os seguintes


valores iniciais de I : 1, 0.6, 0.4, 0.2, 0.1, 0.01 e 0.001.

1.8 Discussão do modelo SIS


A suposição de que a infecção se alastra a uma taxa proporcional ao produto entre
as frações das populações de infectados e suscetíveis é chamada de lei de ação das
massas, que vem da química. Se uma solução bem agitada contém dois reagentes,
a lei de ação das massas diz que a taxa de reação é proporcional ao produto das
concentrações dos dois reagentes. Em epidemiologia o análogo a uma solução
bem agitada é uma população bem misturada, na qual as pessoas se encontram
aleatoriamente.
As populações humanas raramente são bem misturadas no mundo moderno.
As pessoas encontram preferencialmente certos grupos da população: família, ami-
gos, vizinhos, colegas de trabalho ou estudo, quem pega o mesmo ônibus, etc. Epi-
demiologistas usam modelos de rede e modelos baseados em agentes para capturar
estes fenômenos. Contudo, estes são mais difíceis de desenvolver, implementar
e de analisar do que os modelos de equações diferenciais. Outra forma de mode-
lar estes fenômenos é introduzir mais compartimentos nos modelos de equações
diferenciais para representar distintos grupos sociais, etários, profissionais, etc.
Outra suposição do modelo SIS é que ninguém entra ou sai da população a
ser modelada. Um bom exercício é tentar perceber outras suposições inerentes ao
modelo.
1.9. Problemas 15

Uma equação diferencial como o modelo SIS pode ser enganadora no início da
pandemia. Por exemplo, para R0 > 1, o modelo SIS prevê que basta um único in-
divíduo contrair, de alguma forma, a doença infecciosa para que esta se espalhe até
o equilíbrio endêmico ser atingido. Na verdade, há um certo grau de aleatoriedade
envolvido na possibilidade de um só indivíduo infectado efetivamente conseguir
infectar alguém, e se sim, quantas pessoas. Modelos estocásticos são usados para
quantificar a probabilidade de uma doença que é inicialmente contraída por um
pequeno número de pessoas efetivamente se espalhar.
Segundo o estatístico George Box, “Todos os modelos estão errados, mas al-
guns são úteis”. As extensões ao modelo SIS que vamos explorar nos capítulos
subsequentes estão seguramente errados, mas são definitivamente úteis: eles têm
sido usados por governos durante a pandemia de Covid-19 para prever o progresso
da epidemia no caso de serem aplicadas políticas governamentais ou ocorrerem al-
terações no comportamento da população.

1.9 Problemas
Problema 1.1 (Linhas de fase). Desenhe as linhas de fase das seguintes equações
diferenciais.
(a) xP D .x 1/.x 2/.x 3/;
(b) xP D x 2 .1 x/.
Problema 1.2 (SIS na forma adimensional). Deduza o sistema (1.5)–(1.6) de
(1.15)–(1.16) fazendo as substituições s D SN e i D I N .
Problema
Z 1 1.3 (Distribuição de probabilidades). Mostre que se > 0,
t
e dt D 1.
0
Z 1
t 1
Problema 1.4 (Tempo médio). Mostre que se > 0, te dt D . (De-
0
verá usar integração por partes ou procurar uma tabela de integrais.)
Problema 1.5 (Equilíbrio endêmico). O equilíbrio endêmico no modelo SIS é
I  D 1 ˇ . Assim, I  depende de ˇ e . Suponha que tem a seu cargo a
saúde pública e acha que o equilíbrio endêmico é muito alto, i.e., muitas pessoas
estão doentes simultaneamente. Como poderia tentar reduzir o valor do equilíbrio
endêmico?
16 1. Modelo SIS

Problema 1.6 (SIS com importação da doença). No modelo SIS, (1.1)–(1.2), su-
ponha que por vezes pessoas ficam infectadas devido a visitantes que vêm de fora
e transmitem a infecção. Modificamos o modelo da seguinte forma:
SP D ˇSI C I S; (1.19)
IP D ˇSI I C S: (1.20)
O modelo modificado diz que os suscetíveis podem contrair a infecção a uma
taxa proporcional à sua fração da população, independentemente do número de
infectados na população, devido aos visitantes.
(a) Dado que SP C IP D 0, devemos necessitar apenas de uma equação. Use a
equação de IP com a substituição S D 1 I e fatorize de forma a expressar
a equação como em polinômio em I .
(b) O gráfico de IP em função de I é uma parábola. Dado que o coeficiente de
I 2 é negativo, a parábola voltada para baixo. Mostre que quando I D 0,
IP é positivo e que quando I D 1, IP é negativo.
(c) Use o Item (b) para explicar porque existe um único equilíbrio em I D Œ0; 1,
e todas as soluções em I se aproximam dele.
Problema 1.7 (Soluções do modelo SIS). Consideremos a Equação (1.11) com
ˇ D 2 e D 1 (logo, R0 > 1) e escrevamos IP como dI
dt :

dI
DI 2I 2 :
dt
(a) No intervalo 0 < I.t/ < 12 , encontre a solução geral usando separação de
variáveis e frações parciais. Escolhemos um intervalo onde os argumentos
dos logaritmos são positivos, então não precisa tomar os valores absolutos
deles.
(b) Mostre que a solução do Item (a) se pode escrever como:
A
I D t
; A > 0:
2A C e

(c) Por substituição na equação diferencial, verifique que todas as funções da


forma do Item (b) são soluções do sistema, independentemente de A ser
maior ou menor que zero. A constante A é determinada pela condição ini-
cial I.0/ D I0 .
1.9. Problemas 17

(d) Do Item (b) temos limt ! 1 I.t/ D 0 e limt !1 I.t / D 12 . Para o intervalo
0 < I.0/ < 12 , estes limites são os observados na linha de fase, reveja
a Figura 1.2. Contudo, para I.0/ > 12 vemos que I.t / cresce quando t
diminui. Como pode esta solução tender a zero? Sugestão: pense, por
exemplo, na solução com I.0/ D 1.
(Este problema mostra que a linha de fase pode ser mais simples de entender
do que a solução geral.)
2 Modelo SIR

2.1 O modelo
Neste capítulo, consideramos uma doença infecciosa que não é fatal e que confere
imunidade permanente às pessoas que a contraem. Para modelar tal doença, nós
vamos dividir a população em três compartimentos: suscetíveis, infectados e recu-
perados (portanto, imunes). Sejam S.t /, I.t / e R.t / as frações da população em
cada compartimento no tempo t. Claro que temos S.t / > 0, I.t / > 0, R.t / > 0 e
S.t / C I.t/ C R.t / D 1. Considere a lei da ação de massas, o sistema governante
das equações diferenciais são semelhantes ao sistema SIS:

SP D ˇSI; (2.1)
IP D ˇSI I; (2.2)
RP D I: (2.3)

As constantes ˇ > 0 e > 0 têm o mesmo significado que tinham no modelo


SIS. As Equações (2.1) a (2.3) constituem o modelo SIR. A única diferença para
o modelo SIS é que, quando os infectados se recuperam, eles não retornam ao
compartimento suscetível; em vez disso, eles se movem para o compartimento
dos recuperado e não podem mais contrair a doença.
2.2. Contexto matemático: Campos de vetores e isóclinas 19

O modelo SIR também pode ser usado quando alguma fração da população
não é suscetível à doença por uma razão genética, comportamental, imunológica,
etc. Esta fração da população é incluída no compartimento dos recuperados desde
o início.
Caso a doença seja fatal para uma pequena fração dos infectados, como ocorre
com a Covid-19, o modelo SIR ainda pode ser usado. As fatalidades são contabi-
lizadas no compartimento R e este é renomeado compartimento dos “removidos”.
A constante ˇ > 0 tem o mesmo significado que no modelo SIS, mas a constante
agora representa a taxa de recuperação ou morte dos infectados. Mostramos como
deduzir o modelo SIR para este caso na Seção 2.6.
Lembre-se do número de reprodução básico R0 , para o modelo SIS é dado por
1 ˇ
R0 D ˇ  D :

Para o modelo (2.1)–(2.3), R0 tem a mesma fórmula.
Podemos verificar que SP C IP C RP D 0, portanto, se inicialmente temos S C
I CR D 1, então S CI CR permanece sempre igual a um. Assim, não precisamos
das três equações, depois de calcularmos S.t / e I.t / podemos encontrar R.t / de
R.t/ D 1 S.t / I.t /. Podemos, portanto, usar apenas as Equações (2.1) e (2.2):
SP D ˇSI; (2.4)
IP D ˇSI I: (2.5)
Para o modelo SIS, pudemos calcular fórmulas para soluções, mas o retrato
de fase foi mais útil. Para o modelo SIR não é possível encontrar fórmulas para
soluções. Portanto, vamos focar-nos no retrato da fase. O sistema é bidimensional,
então precisamos de mais conhecimentos sobre equações diferenciais.

2.2 Contexto matemático: Campos de vetores e isóclinas


Geometricamente, uma equação diferencial xP D f .x/, com x 2 Rn e f uma
função de um conjunto aberto U de Rn em Rn , define um campo de vetores em U .
O vetor f .x/ no ponto x é desenhado com sua cauda em x. Quando n D 2, como
no sistema SIR, (2.4)–(2.5), muitas vezes não é difícil ter uma ideia de como o
campo vetorial é. Podemos começar por encontrar as curvas em que xP 1 D 0 ou
xP 2 D 0 (as isóclinas verticais e horizontais, que chamaremos de nulóclinas).
Para o sistema (2.4)–(2.5), vemos que SP D 0 quando S D 0 ou I D 0, ou
seja, nos dois eixos está o plano SI. Também vemos que IP D 0 quando I D 0 ou
20 2. Modelo SIR

S D ˇ . Temos equilíbrios onde simultaneamente SP D 0 e IP D 0. Concluímos


que a linha I D 0 (o eixo S) é formada por equilíbrios, e não há outros equilíbrios.
O campo de vetores é vertical nas nulóclinas SP D 0 e horizontal nas nulóclinas
P
I D 0 (exceto onde eles se cruzam). As nulóclinas dividem o plano em regiões
abertas nas quais SP e IP têm sinal constante. Os sinais em cada região determinam
em que quadrante os vetores se encontram. Normalmente podemos saber em que
quadrante estão os vetores de uma dada região aberta olhando para que direção os
vetores apontam (para cima ou para baixo, direita ou esquerda) nas nulóclinas que
as delimitam.
Estamos interessados apenas no triângulo:

T D f.S; T / W S > 0; I > 0; S C I 6 1g;

que é o nosso espaço de fase. Assim há dois casos: R0 D ˇ < 1 e R0 D ˇ > 1.


No primeiro caso, ˇ > 1, então a linha S D ˇ não interseta T ; no segundo caso,

ˇ
< 1, interseta.
O campo de vetores em T nos dois casos é mostrado na Figura 2.1.

• Primeiro observe os equilíbrios ao longo do eixo S em ambos os casos.

• Em seguida, observe o eixo I em ambos os casos. Nele SP D 0 e IP < 0,


então os vetores apontam diretamente para baixo.

• No caso de R0 < 1, a parte positiva do triângulo

TC D f.S; T / W S > 0; I > 0; S C I 6 1g

encontra-se em uma única região, uma vez que nenhuma nulóclina a corta.
Nesta região é fácil verificar que SP < 0 e IP < 0, então os vetores estão no
terceiro quadrante (apontam para a esquerda e para baixo).

• Finalmente, no caso R0 > 1, TC é cortado em dois pela nulóclina SP D ˇ ,


na qual IP D 0. Podemos verificar que SP < 0 em TC . Por outro lado, IP é
positivo quando S > ˇ e negativo quando S < ˇ .
2.3. Contexto matemático: Funções e equações diferenciais 21

I I

S S
ˇ
R0 < 1 R0 > 1

Figura 2.1: Nulóclinas, equilíbrios e campo de vetores para as Equações (2.4)


e (2.5) no triângulo T .

2.3 Contexto matemático: Funções e equações diferenci-


ais
Vamos considerar a equação diferencial xP D f .x/ em Rn . Seja x.t / uma solução
e V W Rn ! R uma função continuamente diferenciável. Então, V .x.t // dá o
valor de V ao longo da solução em função de t. De acordo com a regra da cadeia,
a taxa de variação de V ao longo da solução é

@V  @V 
VP D x.t/ xP 1 .t/ C    C x.t / xP n .t/ D
@x1 @xn
D rV .x.t//  x.t/ P D rV .x.t //  f .x.t //:
 
@V @V
onde rV .x/ D @x 1
.x/; : : : ; @xn
.x/ é o gradiente de V no ponto x e  representa
o produto interno.
Uma maneira de pensar nesta fórmula é: se uma solução de xP D f .x/ passa
por um ponto x, então a derivada de V ao longo da solução nesse ponto é

VP .x/ D rV .x/  f .x/: (2.6)

Por exemplo, considere o sistema SIR, (2.4)–(2.5), no caso R0 > 1. Se uma


solução começa em TC na linha S C I D 1 com S > ˇ , sabemos que o vetor
aí está no segundo quadrante. Mas será que aponta para dentro de T ou para fora
de T ? Seria muito mau se apontasse para fora de T . Isso significaria que as
22 2. Modelo SIR

soluções que começam em S C I D 1 em breve estariam fora de T , S C I > 1.


Isto não faria sentido, uma vez que S e I são supostamente frações populacionais.
Teríamos um mau modelo.
Para ver se isto pode realmente acontecer, vamos escrever o sistema SIR, (2.4)–
(2.5), em vetorialmente como

.SP ; IP/ D f .S; I / D . ˇSI; ˇSI I /;

e considerar a função V .S; I / D S C I . Calculamos:

rV .S; I /  f .S; I / D .1; 1/  . ˇSI; ˇSI I / D I < 0 se I > 0:

Assim, a função S C I está a diminuir ao longo das soluções do sistema SIR na


região I > 0. Portanto, podemos ter a certeza que se uma solução começar em
TC com S C I D 1, então S C I diminuirá imediatamente, pelo que a solução
entrará no interior de T .
Outra utilização da Equação (2.6) é o seguinte teorema:

Teorema 2.1. Suponhamos que sempre que V .x/ D c, temos rV .x/ ¤ 0 e


VP .x/ D rV .x/  f .x/ D 0. Então, o conjunto V .x/ D c é invariante sob
xP D f .x/, ou seja, uma solução de xP D f .x/ que começa no conjunto V .x/ D c
permanece no conjunto V .x/ D c.

Por exemplo, para o sistema SIR, (2.4)–(2.5), I D 0 implica IP D 0. De


acordo com Teorema 2.1, segue que a linha I D 0 é invariante. (A função é
V .S; I / D I .)

2.4 Órbitas e retrato de fase para o sistema SIR


Uma órbita de uma equação diferencial é a curva no espaço de fase que é traçada
por uma solução. Podemos encontrar a órbita do sistema SIR, (2.4)–(2.5), através
de um método que se aprendeu em cálculo.
Vamos reescrever o sistema SIR como
dS
D ˇSI; (2.7)
dt
dI
D ˇSI I: (2.8)
dt
2.4. Órbitas e retrato de fase para o sistema SIR 23

Aprendemos em cálculo que se pode dividir a segunda equação pela primeira para
obter uma equação diferencial para as órbitas no espaço SI que são traçadas por
soluções. Dividindo, obtemos

dI
D 1C : (2.9)
dS ˇS

Integrando, obtemos a família das curvas


I D SC ln S C C: (2.10)
ˇ


Podemos verificar que todas estas curvas atingem o seu valor máximo em S D ˇ
,
como seria de esperar da Figura 2.1.

A Figura 2.2 mostra uma destas curvas no caso R0 > 1. Consideremos uma
solução .S.t /; I.t // que começa num ponto desta curva que está em TC . A curva
traçada pela solução não é toda a curva I D S C ln S C C , porque pelo Corolá-
rio 1.3, as soluções não podem passar através dos equilíbrios do eixo S . A curva
traçada pela solução é apenas a parte com I > 0 da curva I D S C ln S C C ,
ou seja, que está em TC . A curva I D S C ln S C C intersecta o eixo S em dois
pontos .S ; 0/ e .SC ; 0/, com SC < ˇ < S e

lim .S.t /; I.t // D .S ; 0/ e lim .S.t /; I.t // D .SC ; 0/:


t! 1 t !1
24 2. Modelo SIR

S

SC S
ˇ

Figura 2.2: Uma órbita do modelo SIR com R0 D ˇ D 3, ˇ D 13 . Escolhemos


S D 0:95, logo temos SC D 0:0672 e C D 0:9671 (valores calculados em
computador).

Remark 2.2. Assim, as curvas (2.10) que encontramos ao resolver a equação di-
ferencial (2.9) não são órbitas do sistema SIR, (2.7)–(2.8); são curvas invariantes.
Uma curva é invariante se uma solução que começa na curva permanece na curva.
Em geral as curvas invariantes são uniões de órbitas, ou seja, podem consistir em
mais do que uma órbita. No Teorema 2.1 descrevemos outra forma de encontrar
curvas invariantes. Notamos que a linha I D 0 é invariante pelo sistema SIR e
também consiste de mais do que uma órbita, dado que a origem é um equilíbrio.

Um retrato de fase de xP D f .x/ é um esboço de espaço de fase que mostra


todas as órbitas invulgares e exemplos de órbitas típicas, juntamente com setas nas
órbitas que indicam a direção do movimento.
Para o sistema SIR, os equilíbrios no eixo S e a órbita vertical ao longo do eixo
I qualificam-se como invulgares; as curvas (2.10) qualificam-se como típicas. A
fórmula (2.10) mostra que o retrato de fase do sistema SIR depende apenas da razão

ˇ
ou equivalente, depende apenas de R0 D ˇ . A Figura 2.3 mostra o retrato
de fase do sistema SIR nos dois casos R0 < 1 e R0 > 1. A figura da direita,
correspondente a R0 D 3, utiliza valores de ˇ e que são aproximadamente
adequados para a Covid-19.
2.5. Interpretação das órbitas 25

I I

S S
ˇ

(a) R0 D 1=3 (ˇ D 0:1; D 0:3). (b) R0 D 3 (ˇ D 0:9; D 0:3).

Figura 2.3: Retrato de fase do modelo SIR.

2.5 Interpretação das órbitas

No caso R0 > 1, a maioria das órbitas (2.10) do sistema SIR são similares às
mostradas na Figura 2.2: elas conetam um equilíbrio .S; I / D .S ; 0/, com

ˇ
< S < 1, a um equilíbrio .S; I / D .SC ; 0/, com 0 < SC < ˇ . Podemos
interpretar as órbitas como se segue. Uma epidemia começa num estado popula-
cional próximo de .S; I / D .S ; 0/ com ˇ < S 6 1. Por outras palavras, a
fração populacional S é susceptível e ninguém está ainda infectado. A fração
populacional restante R D 1 S não é susceptível à doença por uma razão tal
como as mencionadas na Seção 2.1. Quando a doença é introduzida, de modo a
que I se torne ligeiramente positivo, o número de infectados aumenta, e o número
de susceptíveis diminui. Com o tempo, o número de suscetíveis cai abaixo de ˇ
e o número de infetados começa também a cair. A doença começa a extinguir-se.
No final da epidemia, a fração susceptível da população é SC , com 0 < SC < ˇ .
Assim, S SC é a fração da população que contraiu a doença durante a epidemia.
É portanto de interesse do cálculo SC quando S é dado. Podemos fazer isto
como segue-se. Se a curva (2.10) passa pelo ponto .S ; 0/, então


0D S C ln S C C H) C D S ln S :
ˇ ˇ
26 2. Modelo SIR

Então, se a curva passa por .SC ; 0/, temos



0D SC C ln SC C C D SC C ln SC S ln S ;
ˇ ˇ ˇ
simplificando,

.SC S /C ln SC ln S D 0:
ˇ
Dado S podemos encontrar SC escrevendo

F .S / D .S S /C ln S ln S D0
ˇ
e resolver em ordem a S usando um método numérico. Na Figura 2.2 temos S D
0:95 e SC D 0:0672.
De particular interesse é o valor de SC quando S D 1, ou seja, quando ini-
cialmente toda a população é susceptível à doença. Então 1 SC dá a fração da
população infectada durante a epidemia. Para S D 1, a Figura 2.4 mostra 1 SC
como um função de R0 D ˇ para 0 < R0 6 5.

1:0
0:9
Infecções Totais

0:8
0:7
0:6
0:5
0:4
0:3
0:2
0:1
0:0
0:0
0:5
1:0
1:5
2:0
2:5
3:0
3:5
4:0
4:5
5:0

R0

Figura 2.4: Fração total da população infectada até ao final da epidemia em função
do R0 para o modelo SIR com S D 1 e 0 < R0 6 5.

Também de interesse é o valor máximo de I na órbita, o que dá a fração má-


xima da população infectada de uma só vez durante a epidemia. Este número ajuda
a saber se o sistema hospitalar será sobrecarregado em algum momento. O valor
máximo de I ocorre em S D ˇ . Na Figura 2.2, o valor máximo de I é 0:2676.
Para S D 1, a Figura 2.5 mostra o valor máximo de I em função de R0 .
2.6. Modelo SIR com mortes 27

Vamos parar por um momento para considerar algumas implicações da Fi-


gura 2.5. Para R0 D 3 , que deve ser uma estimativa conservadora para a Covid-19,
o valor máximo de I é de cerca de 0:3005. Isto significa que 30% da população
poderia ser infectada de uma só vez. A população do Brasil é de cerca de 211
milhões, e 30% de 211 milhões é de cerca de 63 milhões. Cerca de 3,5% dos pa-
cientes da Covid-19 requerem hospitalização; 3,5% de 63 milhões é de cerca de
2:2 milhões. Assim, 2:2 milhões de brasileiros iriam necessitar de hospitalização,
simultaneamente. Em comparação, o número de camas hospitalares no Brasil é
de cerca de 410 mil. Poderíamos também perguntar, se 30% dos trabalhadores
de saúde estivessem infectados com a Covid-19 e outros receando estar, quantos
destes leitos hospitalares estariam realmente disponíveis.
Convém salientar que estes números nunca corresponderão a uma situação real
entre humanos, seres que identificam uma epidemia e reagem a ela. Perante uma
situação tão dramática, a população muda o seu comportamento, independente-
mente de haver ou não leis a ditá-lo, fica em casa, usa máscaras, muda-se para
o campo, etc. Este comportamento reduz o valor de ˇ e de R0 . Estudaremos as
respostas humanas no Capítulo 5.

1:0
0:9
Valor Máximo de I

0:8
0:7
0:6
0:5
0:4
0:3
0:2
0:1
0:0

R0
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20

Figura 2.5: Valor máximo de I em função de R0 para o modelo SIR com S D 1


e 0 < R0 6 20.

2.6 Modelo SIR com mortes


Nesta seção mostramos como deduzir o modelo SIR (2.1)–(2.3) para uma doença
que às vezes é fatal.
Consideramos uma população de tamanho inicial de N . No momento t , se-
28 2. Modelo SIR

jam s.t/ o número de susceptíveis, i.t / o número de infectados, w.t / o número


de pessoas que se recuperaram e estão imunes, e d.t / o número de pessoas que
morreram da doença.
Definimos o coeficiente de transmissão ˇ como na Seção 1.5, exceto que ˇ
é agora definido quando a população tem tamanho N , quando ainda ninguém fa-
leceu. À medida que a população é reduzida por mortes, o número de pessoas
com as quais um indivíduo infectado entrará em contato é, presumivelmente, me-
nor. Consideramos que essa diminuição é dada pela fração da população ainda
viva. Assim, o coeficiente de transmissão no momento t, ˇ.t /, será dado por ˇ
multiplicado por essa fração:
s.t/ C i.t / C w.t /
ˇ.t/ D ˇ :
N
Como na Seção 1.5, a taxa a que um indivíduo infectado gera novas pessoas infec-
tadas no tempo t é ˇ.t / vezes a fração da população que no tempo t é suscetível,
s.t /
que agora é s.t/Ci.t /Cw.t /
. Para obtermos a taxa a que novos infectados são gera-
dos na população inteira, temos que multiplicar por i.t /. Portanto, a diminuição
de suscetíveis é dada por:
s.t / C i.t/ C w.t/
sP .t / D ˇ i.t/
N
s.t / C i.t/ C w.t/ s.t / ˇ
D ˇ i.t / D s.t / i.t /:
N s.t/ C i.t / C w.t / N
Consideramos que os infectados se recuperam à taxa de i e morrem à taxa de
ıi . (Os valores relativos de  e ı podem depender da disponibilidade de cuidados
médicos de alta qualidade.) Então, o sistema inteiro de equações diferenciais é:
ˇ
sP D si; (2.11)
N
ˇ
iP D si i ıi; ; (2.12)
N
wP D i; (2.13)
dP D ıi: (2.14)
Se juntarmos os compartimentos w e d em um único compartimento r D w C d ,
chamado compartimento removido, temos
rP D wP C iP D i C ıi D . C ı/i:
2.7. Discussão do modelo SIR 29

O sistema fica
ˇ
sP D si; (2.15)
N
ˇ
iP D si . C ı/i; ; (2.16)
N
rP D . C ı/i: (2.17)
s i
Finalmente, se S, I , e R denotarem as frações populacionais, S D N, I D N, e
R D Nr , obtemos:

SP D ˇSI; (2.18)
IP D ˇSI . C ı/I; (2.19)
RP D . C ı/I: (2.20)
Se substituirmos  C ı por , obtemos o sistema (2.1)–(2.3).

2.7 Discussão do modelo SIR


Da Figura 2.3 vemos que
• A doença extingue-se quando R0 < 1.
• A doença pode crescer quando R0 > 1.
Quando R0 > 1, o número de infectados cresce até que a fração susceptível
da população tenha caído para ˇ D R10 . Neste momento, a fração populacional
restante (recuperada mais infectada) é de 1 R10 , e o número de infectados começa
a diminuir. A fração da população de 1 R10 é a fração de imunidade de rebanho.
Uma vez que esta fração populacional já não é susceptível à doença, a doença
começa a extinguir-se.
Um programa de vacinação reduz a população susceptível e assim ajuda a
alcançar a imunidade de rebanho. Para a Covid-19, para a qual uma estimativa
conservadora de R0 é 3, a fração de imunidade de rebanho é de cerca de 1 31 D 23 .
É importante salientar que a constante ˇ está sob control humano. Vejamos
novamente a definição de ˇ, Equação (1.14):
pessoas contatadas
ˇD  probabilidade de transmissão:
pessoa infectada  dia
30 2. Modelo SIR

O primeiro fator, o número de pessoas contatadas por pessoa infectada por dia,
pode ser reduzido se as pessoas infectadas perceberem que estão infectadas (por-
que têm sintomas) ou que podem estar infectadas (porque entraram em contato
com uma pessoa infectada), e então escolherem, ou forem obrigadas, a se subme-
terem a uma quarentena. Se os infectados podem não apresentar sintomas, como
no caso da Covid-19, então podem não perceber que estão infectados. Neste caso,
a fim de reduzir o número de pessoas contatadas por pessoa infectada por dia, pode
ser necessário que toda a população fique em casa o máximo possível e, quando
não o fizer, mantenha distância social. Lembre-se de que a eficácia de um contato
pode depender do local, por exemplo, um contato que ocorre no interior é distinto
de outro que ocorre no exterior. Assim, pode ser necessário fechar negócios, es-
colas, locais de culto, etc., ou instituir várias restrições, a fim de reduzir o número
de contatos ocorridos em locais fechados com muita gente.
O segundo fator, a probabilidade de transmissão, pode ser reduzido pelo uso
de máscaras tanto por possíveis infectados quanto por suscetíveis.
Enquanto se mantém constante, uma redução de ˇ reduz R0 .
Dado que para uma dada doença permanece constante, a redução de R0 só
pode ser obtida pela redução de ˇ.
A Figura 2.4 mostra como o número máximo de indivíduos infectados em uma
epidemia pode ser reduzido reduzindo R0 . A Figura 2.5 mostra como o número
máximo de pessoas infectadas de uma só vez e, portanto, o estresse máximo sobre
o sistema de saúde, pode ser reduzido reduzindo R0 .
Retornaremos à questão do controle da Covid-19 no Capítulo 4 usando um
modelo mais detalhado.

2.8 Problemas

Problema 2.1 (Órbitas do sistema SIR). Para R0 > 1, vimos que a curva
 (2.10)

que passa por .S; I / D .S ; 0/ é I D .S S / C ˇ ln S ln S .

(a) Encontre o valor de S para o qual I atinge o seu máximo e obtenha uma
fórmula para o valor desse máximo, Imax .

(b) A fórmula que encontrou para Imax dá a fração máxima da população infec-
tada durante a epidemia em função dos valores de S, ˇ, e S . Admitindo
S > ˇ , mostre que:
2.8. Problemas 31

@Imax
(i) > 0. Isto faz sentido em termos epidemiológicos? É consis-
@S
tente com a Figura 2.3?
@Imax
(ii) > 0. Isto faz sentido em termos epidemiológicos?

@Imax
(iii) < 0. Isto faz sentido em termos epidemiológicos?
@
Problema 2.2 (Praticar retratos de fase I). Considere o sistema
xP D x; (2.21)
yP D 2y: (2.22)
(a) Encontre todos os equilíbrios.
(b) Divida (2.22) por (2.21) para obter uma equação diferencial para curvas
invariantes no plano xy. Encontre a solução geral e simplifique.
(c) Explique porque a linha x D 0 também é invariante.
(d) Use as suas respostas aos Itens (a) a (c) para desenhar o retrato de fase.
Consulte novamente a equação diferencial para decidir a direção das setas.
(e) Quantas órbitas contém cada curva invariante?
Problema 2.3 (Praticar retratos de fase II). Considere o sistema
xP D ˛x !y; (2.23)
yP D !x ˛y; (2.24)
com ˛ > 0 e ! > 0.
(a) Encontre todos os equilíbrios.
(b) Seja V .x; y/ D x 2 C y 2 . Mostre que VP D 2˛V . Pelo que V .t / D
V .0/e 2˛t , o que implica que todas as soluções se aproximam da origem.
(c) Seja .x; y/ D arctg yx a habitual coordenada angular. Mostre que P D
!. Dado que ! > 0, todas as soluções circulam no sentido anti-horário
em torno da origem. (Na verdade, arctg yx é apenas definido no semiplano
direito; pode ignorar esta tecnicidade).
(d) Os Itens (a) e (b) implicam que todas as soluções se espiralam no sentido
anti-horário em torno da origem enquanto se aproximam da origem. Use
estas informações para esboçar o retrato de fase.
3
Modelo SIR
com perda de
imunidade

3.1 O modelo
Neste capítulo, consideramos uma doença infecciosa para a qual a imunidade pode
ser perdida com o tempo. O modelo que vamos utilizar é o modelo SIR com dois
termos adicionais:

SP D ˇSI C R; (3.1)


IP D ˇSI I; (3.2)
RP D I R: (3.3)

Os novos termos indicam que os indivíduos se transferem do compartimento dos


recuperados, onde são imunes à doença, para o compartimento dos suscetíveis a
uma taxa proporcional a R. O significado da constante de proporcionalidade R é
que o tempo médio antes da perda da imunidade é de 1=. Este modelo ainda não é
utilizado para a pandemia de Covid-19 porque não se conhece nenhuma estimativa
de 1=.
Podemos verificar que SP C IP C RP D 0, então se S C I C R D 1 inicialmente,
teremos S C I C R sempre igual a 1. Assim, não precisamos das três equações,
pois se calcularmos S.t / e I.t/, podemos obter R.t / de R.t / D 1 S.t / I.t /.
3.2. Retratos de fase 33

Portanto, usaremos apenas (3.1) e (3.2), após a substituição R D 1 S I:

SP D ˇSI C .1 S I /; (3.4)


IP D ˇSI I: (3.5)

Estamos interessados apenas no triângulo T definido no capítulo anterior, que é o


nosso espaço de fase.
Como nos modelos SIS e SIR,

1 ˇ
R0 D ˇ  D : (3.6)

3.2 Retratos de fase


Comecemos por encontrar as nulóclinas:
 S
• SP D 0 quando I D CˇS
(uma hipérboles com dois ramos).

• IP D 0 quando I D 0 ou S D ˇ
(duas retas).

Aprendemos a desenhar o par de hipérboles usando derivadas, assímptotas e inter-


ceptações.
Como só estamos interessados no triângulo T , há dois casos, ˇ > 1 (ou seja,
R0 < 1) e ˇ < 1 (ou seja, R0 > 1). A Figura 3.1 mostra a configuração das
nulóclinas em todo o plano SI no segundo caso.
Há equilíbrios onde SP D IP D 0, ou seja, onde as nulóclinas SP e IP se cruzam.
Assim, temos dois equilíbrios, .S; I / D .1; 0/ e

 
.ˇ /
.S; I / D .S ; I / D ; ; (3.7)
ˇ ˇ. C /

o segundo está em T apenas para R0 > 1, ou seja, ˇ < 1.


A Figura 3.2 mostra as nulóclinas, os equilíbrios e o campo vetorial no triân-
gulo T nos casos R0 < 1 e R0 > 1.
No caso R0 < 1, as soluções têm I decrescente em todos os pontos de T com
I > 0. Parece que todas elas se aproximam do equilíbrio .S; I / D .1; 0/. Veremos
em breve que isto está correto. Neste equilíbrio, toda a população é suscetível à
34 3. Modelo SIR com perda de imunidade

1 S

ˇ


ˇ ˇ

Figura 3.1: Nulóclinas do sistema (3.4)–(3.5) no caso ˇ < 1 (i.e., R0 > 1). As
nulóclinas SP D 0 estão desenhadas a preto e as nulóclinas IP D 0 estão a cinza. No
caso de ˇ > 1 (i.e., R0 < 1) a nulóclina vertical cinza estaria à direita de S D 1.

doença (devido à perda de imunidade), e ninguém está infectado; a doença não


está mais presente na população.
O caso R0 > 1 é mais complexa. As soluções parecem circular em torno do
equilíbrio .S ; I /, mas não é evidente se elas se espiralam em direção a .S ; I /,
se espiralam a partir de .S ; I /. Também parece possível que algumas soluções
possam se unir a si mesmas para formar soluções periódicas, e outras podem espi-
ralar em direção a essas soluções periódicas ou se afastar delas.
Podemos obter mais informações sobre o nosso sistema usando a linearização.
O cálculo diferencial se baseia na ideia de que é útil aproximar uma função não
linear por uma função linear. Da mesma forma, às vezes é útil aproximar uma
equação diferencial não linear por uma linear. A linearização pode nos dizer se as
soluções se aproximam de um equilíbrio ou se se afastam dele.
3.3. Contexto matemático: Equações diferenciais lineares 35

I I

T T


S ˇ S
(a) R0 < 1, ˇ D 0:6, D 1:2,  D 0:15. (b) R0 > 1, ˇ D 0:6, D 0:2,  D 0:15.

Figura 3.2: Nulóclinas, equilíbrios e campo vetorial para (3.4)–(3.5) no triângulo


T . As nulóclinas SP D 0 estão a negro e as IP D 0 a cinza.

3.3 Contexto matemático: Equações diferenciais lineares


Uma equação diferencial linear é um sistema da forma

xP 1 D a11 x1 C a12 x2 C    C a1n xn ; (3.8)


xP 2 D a21 x1 C a22 x2 C    C a2n xn ; (3.9)
::
:
xP n D an1 x1 C an2 x2 C    C ann xn ; (3.10)

onde todos os aij são constantes.


Seja
2 3 2 3 2 3
x1 xP 1 a11 a12 : : : a1n
6x2 7 6xP 2 7 6a21 a22 : : : a2n 7
6 7 6 7 6 7
x D 6 :: 7 ; xP D 6 :: 7 ; A D 6 :: :: :: :: 7 : (3.11)
4:5 4:5 4 : : : : 5
xn xP n an1 an2 : : : ann

Então o sistema (3.8)–(3.10) pode ser escrito como uma única equação xP D Ax
(produto matricial).
Um fato que vemos imediatamente é que toda equação diferencial linear tem
um equilíbrio em x D 0.
36 3. Modelo SIR com perda de imunidade

No caso n D 1, (3.8)–(3.10) reduz-se para xP D ax, com x 2 R e a uma


constante. A solução com x.0/ D x0 é x D x0 eat . Se a < 0, todas as soluções
se aproximam do equilíbrio x D 0 com t ! 1. Se a > 0 e x0 ¤ 0, as soluções
crescem em módulo à medida que t aumenta, mas se aproximam do equilíbrio
x D 0 com t ! 1.
Com este exemplo em mente, é razoável perguntar se a equação diferencial
matricial xP D Ax tem alguma solução da forma x D x0 et . (Aqui x e x0 estão em
Rn ,  é uma constante, e x0 deve ser um vetor não nulo para se obter um resultado
interessante). Para responder a esta pergunta, nós substituímos x D x0 et em
ambos os lados de xP D Ax e obter
et x0 D Aet x0 ou x0 D Ax0 ou .A I /x0 D 0:
Aqui I é a matriz identidade n  n.
2 3
1 0 ::: 0
60 1 : : : 0 7
6 7
I D 6 :: :: : : :: 7 ;
4: : : :5
0 0 ::: 1
que tem a propriedade I x D x para qualquer x 2 Rn .
A equação .A I /x0 D 0 tem outras soluções além de x0 D 0 se e só se o
determinante da matriz A I for 0, i.e., det.A I / D 0. Os números  tais
que det.A I / D 0 são chamados autovalores de A. Se  é autovalor de A, os
vetores não nulos x0 tais que .A I /x0 D 0 são chamados autovetores do valor
próprio . O conjunto de todas as soluções de .A I /x0 D 0, incluindo x0 D 0,
é um subespaço de Rn chamado de autoespaço do autovalor . Os autovalores e
autovetores podem ser complexos.
A equação det.A I / D 0 (chamada equação característica de A) acaba
sendo uma equação polinomial de grau n, portanto, há exatamente n autovalores,
contando a multiplicidade.
Exemplo. Considere o sistema linear
xP 1 D x2 ; (3.12)
xP 2 D x1 : (3.13)
Escrevendo como uma equação matricial, temos
    
xP 1 0 1 x1
D :
xP 2 1 0 x2
3.3. equações diferenciais lineares 37

A equação característica é
     
0 1 1 0  1
det  D det D 2 1 D 0:
1 0 0 1 1 

Portanto, os autovalores são  D 1 e  D 1.


 D
Para encontrar os autovetores doautovalor 1, devemos resolver a equa-
 0 1
ção A . 1/I x0 D 0, com A D :
1 0
            
0 1 1 0 x1 0 1 1 x1 0
. 1/ D ou D :
1 0 0 1 x2 0 1 1 x2 0

As soluções desta equação são todos os múltiplos do vetor . 1; 1/. Elas cons-
tituem uma reta, i.e., um espaço 1-dimensional de R2 . Esta reta é o autoespaço do
autovalor  D 1. Se x.0/ D x0 é um ponto desta reta, um múltiplo de . 1; 1/,
então x.t / D e t x0 . Esta fórmula implica que x.t / é sempre um ponto desta reta,
x.t / ! 0 com t ! 1, e, se x0 ¤ 0, kx.t /k ! 1 com t ! 1.
De forma similar, para o autovalor 1, o autoespaço é constituído por todos os
múltiplos do vetor .1; 1/. De novo, temos uma reta. Se x.0/ D x0 é um ponto
desta reta, um múltiplo de .1; 1/, então x.t / D x0 et . Esta fórmula implica que
x.t/ é sempre um ponto desta reta, x.t / ! 0 com t ! 1, e, se x0 ¤ 0,
kx.t /k ! 1 com t ! 1.
Usando esta informação, podemos esboçar o retrato de fase do sistema linear
(3.12)–(3.13); veja a Figura 3.3. A reta x2 D x1 é o autoespaço do autovalor
1; nela, a direção do movimento é em direção à origem. A reta x2 D x1 é
o autoespaço do autovalor 1; nela, a direção do movimento é de afastamento da
origem. Outras condições iniciais podem ser consideradas como uma combinação
linear de . 1; 1/ e . 1; 1/. Quando t aumenta, o componente da . 1; 1/ diminui,
enquanto que a componente .1; 1/ aumenta. (Rodar o desenho 45º pode ajudar a
esboçar o retrato de fase.)
Podemos também tentar esboçar o retrato de fase de (3.12)–(3.13) usando nu-
lóclinas, ou encontrando uma fórmula para as órbitas.
A equação diferencial linear xP D Ax é chamada hiperbólica se todos os au-
tovalores de A tiverem parte real não nula. Há três tipos de equações diferenciais
lineares hiperbólicas:

1. Todos os autovalores têm uma parte real negativa: todas as soluções se apro-
ximam da origem com t ! 1.
38 3. Modelo SIR com perda de imunidade

x2

x1

Figura 3.3: Retrato de fase do sistema linear (3.12)–(3.13).

2. Todos os autovalores têm uma parte real positiva: todas as soluções se apro-
ximam da origem com t ! 1.

3. Contando a multiplicidade, k autovalores têm parte real negativa e n k de


têm parte real positiva. Então, existem subespaços E s de dimensão k e E u
de dimensão n k de tal forma que:

(a) uma solução x.t/ de xP D Ax aproxima-se da origem com t ! 1 se


e somente se x.0/ 2 E s ;
(b) uma solução x.t/ de xP D Ax aproxima-se da origem com t ! 1
se e somente se x.0/ 2 E u .

Os espaços E s e E u são chamados de subespaço estável e o subespaço instável


de xP D Ax, respetivamente.
O sistema linear (3.12)–(3.13) é um exemplo do terceiro tipo. Os subespaços
E s e E u têm ambos dimensão um.
Não vamos estudar equações diferenciais lineares não hiperbólicas.
Mesmo em apenas duas dimensões, as equações diferenciais lineares do pri-
meiro tipo (todos os autovalores têm parte real negativa) vêm em vários sabores.
Vamos ver exemplos dos dois casos mais comuns: (a) dois autovalores reais nega-
tivos diferentes e (b) autovalores complexos com parte real negativa.
As equações diferenciais lineares em duas dimensões do segundo tipo (todos
os autovalores têm parte real positiva) têm dois casos análogos: (a) dois autovalo-
res reais positivos diferentes e (b) autovalores complexos com a parte real positiva.
Os retratos de fase do segundo tipo são idênticos aos que desenharemos nas Se-
ções 3.3.1 e 3.3.2, mas com as setas invertidas.
3.3. equações diferenciais lineares 39

3.3.1 Dois autovalores reais, negativos e distintos


Como um exemplo simples de um sistema com dois autovalores reais, negativos
e distintos, vamos considerar:
    
xP 1 1 0 x1
D : (3.14)
xP 2 0 2 x2
Os autovalores são de 1 e 2. Você desenhou o retrato de fase deste sistema no
Problema 2.2. Veja a Figura 3.4.
x2

x1

Figura 3.4: Retrato de fase do sistema (3.14).

Todas as curvas invariantes que você encontrou, exceto o eixo x2 , são tangen-
tes ao eixo x1 . Para entender isto, observe que o eixo x2 é o autoespaço do auto-
valor 2, e o eixo x1 é o autoespaço do autovalor 1. Dado que 2 < 1 < 0,
a coordenada x2 de qualquer solução vai para 0 mais rápido que a coordenada
x1 (porque e 2t decresce muito mais rápido do que e t ), assim as soluções aca-
bam tangentes ao eixo x1 (exceto para soluções ao longo do eixo x2 , que não têm
coordenada x1 ).
Em geral, em duas dimensões, se os autovalores são 2 < 1 < 0, então
quase todas as soluções se aproximam da origem na direção do autoespaço do
autovalor 1 .

3.3.2 Dois autovalores complexos com parte real negativa


Como um exemplo simples de um sistema com dois autovalores complexos com
parte real negativa, vamos considerar:
    
xP 1 ˛ ! x1
D : (3.15)
xP 2 ! ˛ x2
40 3. Modelo SIR com perda de imunidade

com ˛ > 0 e ! > 0. Os autovalores são ˛ ˙ !i. Você desenhou este retrato de
fase no Problema 2.3. Veja a Figura 3.5.

x2

x1

Figura 3.5: Retrato de fase do sistema (3.15).

3.4 Contexto matemático: Estabilidade assintótica e line-


arização
Um equilíbrio de x0 de xP D f .x/ é assintoticamente estável se as soluções que
começam perto de x0 permanecerem perto de x0 no tempo futuro e, além disso,
aproximam-se de x0 com t ! 1.
Equilíbrios assintoticamente estáveis são estados que se espera observar per-
sistindo no mundo natural. Se alguma perturbação leva o estado do sistema a uma
pequena distância de um equilíbrio assimptoticamente estável, o estado retorna ao
equilíbrio.
Suponha que xP D f .x/ tenha um equilíbrio em x0 . Para estudar soluções
próximas de x0 , fazemos a substituição x D x0 C y. Então, um pequeno y cor-
responde a x perto de x0 . Obtemos yP D f .x0 C y/. Pelo teorema de Taylor

yP D f .x0 / C Df .x0 /y C    D Df .x0 /y C   

porque x0 é um equilíbrio. Aqui Df .x0 / é a matriz de nn cuja ij ésima entrada


@fi
é @x avaliada no ponto x0 .
j
A linearização da equação diferencial xP D f .x/ no equilíbrio x0 é a equação
diferencial linear yP D Df .x0 /y. Podemos determinar o retrato de fase de yP D
Df .x0 /y encontrando autovalores e autovetores.
3.4. estabilidade assintótica e linearização 41

O equilíbrio x0 de xP D f .x/ é chamado de hiperbólico se a equação diferen-


cial linear yP D Df .x0 /y for hiperbólica.
Para apresentar o teorema a seguir, precisamos da noção de variedade. Uma
variedade k-dimensional em Rn é um subconjunto de Rn que, na vizinhança a cada
um de seus pontos, parece um subespaço k-dimensional de Rn . Uma variedade
unidimensional é apenas uma curva, e uma variedade bidimensional é apenas uma
superfície.

Teorema 3.1 (Teorema da Linearização). Se x0 é um equilíbrio hiperbólico de


xP D f .x/, então o retrato de fase de xP D f .x/ perto de x0 se parece com o
retrato de fase de yP D Df .x0 /y perto da origem. Em particular:

• Se todos os autovalores de Df .x0 / têm parte real negativa, então x0 é um


equilíbrio assintoticamente estável de xP D f .x/. O equilíbrio x0 é cha-
mado de atrator.

• Se todos os autovalores de Df .x0 / têm parte real positiva, então x0 é um


equilíbrio assintoticamente estável do sistema xP D f .x/, onde invertemos
o sinal de f . Para o sistema original, xP D f .x/, todas as soluções que
estão perto de x0 sempre estiveram perto de x0 , e tendem a x0 com t ! 1.
O equilíbrio x0 é chamado de repulsor.

• Se Df .x0 / tem k autovalores com parte real negativa e n k autovalores


com parte real positiva (onde 0 < k < n), então existem duas variedades
invariantes que se intersetam em x0 , W s .x0 / de dimensão k e W u .x0 / de
dimensão n k, tais que:

– W s .x0 / contém todas as soluções que se aproximam de x0 com t !



– W u .x0 / contém todas as soluções que se aproximam de x0 com t !
1.

O equilíbrio x0 é chamado de sela. W s .x0 / e W u .x0 / são chamadas de va-


riedade estável e variedade instável de x0 , respectivamente. Em x0 , W s .x0 /
e W u .x0 / são tangentes aos subespaços estável e instável de yP D Df .x0 /y,
transladados para x0 .

Veja a Figura 3.6.


Particularmente simples é o modelo SIS, IP D f .I / D .ˇ /I ˇI 2 . Vimos
que existem equilíbrios em I D 0 e I D 1 ˇ . Temos f 0 .I / D ˇ 2ˇI .
42 3. Modelo SIR com perda de imunidade

Ws Wu

x0

Figura 3.6: Variedades estável de x0 a cinza e variedade instável de x0 a preto.


Podemos verificar que f 0 .0/ D ˇ e f 0 .1 ˇ
/ D .ˇ /. Assim, vemos
ˇ
que no caso R0 D > 1, o equilíbrio em I D 0 é repulsor, e I D 1 ˇ
é um
atrator. No caso R0 D < 1, o equilíbrio em I D 0 é um atrator, e I D 1 ˇ é
ˇ

um repulsor (mas não está no intervalo 0 6 I 6 1). Compare com a Figura 1.2.
Por outro lado, Teorema 3.1 não se aplica ao modelo SIR (2.4)–(2.5), porque
os equilíbrios não são hiperbólicos. Isso será verificado na seção dos problemas.

3.5 Equilíbrios do modelo SIR com perda de imunidade


Para o modelo SIR com perda de imunidade, (3.4)–(3.5), a matriz de linearização
é " # 
@SP @SP

@S @I ˇI  ˇS 
@IP @IP
D : (3.16)
ˇI ˇS
@S @I

Vimos que existem equilíbrios em .S; I / D .1; 0/ e, quando R0 > 1, em


.S; I / D .S ; I / D ˇ ; .ˇ /
ˇ .C
. Em .S; I / D .1; 0/, você pode verificar
substituindo em (3.16) que
" #  
@SP @SP
@S @I  ˇ 
@IP @IP
D : (3.17)
0 ˇ
@S @I

Facilmente pode-se verificar que os autovalores de (3.17) são  e ˇ . O


primeiro é negativo. O segundo é negativo quando R0 D ˇ < 1 e positivo
quando R0 > 1. Assim, o equilíbrio em .1; 0/ é um atrator quando R0 < 1 e uma
sela quando R0 > 1. Em particular:
3.5. equilíbrios do modelo SIR com perda de imunidade 43

Proposição 3.1. Para R0 < 1, soluções de (3.4)–(3.5) que começam perto de


.1; 0/ aproximam .1; 0/ assim que t ! 1.

Em .S; I / D .S ; I /, temos um pouco mais de trabalho


" # " #
@SP @SP ˇ
@S @I
 C  
@IP @IP
D ˇ : (3.18)
@S @I
 C 0

Poderíamos tentar encontrar os autovalores dessa matriz, mas há outra abordagem


que é um pouco mais fácil.
Podemos verificar que os autovalores de
 
a11 a12
(3.19)
a21 a22

são as soluções  D 1 e  D 2 da equação

2 .a11 C a22 / C .a11 a22 a12 a21 / D 0: (3.20)

Portanto,

2 .a11 C a22 / C .a11 a22 a12 a21 / D . 1 /. 2 /


2
D .1 C 2 / C 1 2 :

Assim tem-se

a11 C a22 D 1 C 2 and a11 a22 a12 a21 D 1 2 : (3.21)

A expressão a11 C a22 é o traço da matriz (3.19), e a expressão a11 a22 a12 a21
é o seu determinante.
A fórmula (3.21) ajuda-nos a determinar os sinais de 1 e 2 , se pudermos
encontrar os sinais de a11 C a22 e a11 a22 a12 a21 . Por exemplo,

• Se a11 a22 a12 a21 < 0, então um dos 1 , 2 é positivo e o outro é negativo.

• Se a11 a22 a12 a21 D 0, então pelo menos um de 1 , 2 é 0.

• Se a11 a22 a12 a21 > 0 e a11 Ca22 < 0, então 1 , 2 são ambos negativos,
ou 1 , 2 são um par conjugado complexo ˛ ˙ ˇi com ˛ < 0.
44 3. Modelo SIR com perda de imunidade

Para a matriz (3.18), facilmente se pode verificar que

ˇ
a11 C a22 D   e a11 a22 a12 a21 D .ˇ /:
C
ˇ
Se R0 D > 1, vemos imediatamente que

a11 C a22 < 0 e a11 a22 a12 a21 > 0:

Logo, 1 , 2 são ambos negativos ou 1 , 2 são um par conjugado complexo


˛ ˙ ˇi com ˛ < 0. Em ambos os casos, o equilíbrio .S ; I / é um atrator.
Concluímos:

Proposição 3.2. Para R0 > 1, soluções de (3.4)–(3.5) que começam perto de


.S ; I / aproximam .S ; I / com t ! 1.

A Proposição 3.1 e a Proposição 3.2 não fornecem toda a informação; mais


soluções se aproximam desses equilíbrios do que apenas aquelas que começam
perto deles. Para mostrar isso, primeiro precisamos de algumas informações bási-
cas sobre as equações diferenciais no plano.

3.6 Contexto matemático: Teoria planar


Lembre-se de que para uma equação diferencial em uma dimensão as soluções
que permanecem limitadas se aproximam dos equilíbrios. A situação é um pouco
mais complicada em duas dimensões. Para explicar a situação a duas dimensões,
necessitamos de alguns conceitos.
Se uma solução de uma equação diferencial é periódica no tempo, a órbita
correspondente é chamada fechada porque é sempre uma curva fechada simples.
Por exemplo, na Seção 1.3 vimos que a equação diferencial xP 1 D x2 , xP 2 D
x1 tem a solução .cos t; sen t/, que tem o período 2. A órbita correspondente,
mostrada na Figura 1.1, é o círculo x 2 Cy 2 D 1, que é uma curva fechada simples.

Teorema 3.2 (Poincaré–Bendixson). Considere xP D f .x/, uma equação dife-


rencial definida num aberto U de R2 . Caso uma solução permaneça num subcon-
junto compacto de U (fechado e limitado) conforme t aumenta, então esta solução
aproxima-se ou

• de um conjunto que contém um equilíbrio; ou


3.6. Teoria planar 45

• de uma órbita fechada.

A equação diferencial xP D f .x/ é chamada polinomial se, quando escrita


como um sistema

xP 1 D f1 .x1 ; : : : ; xn /;
::
:
xP n D fn .x1 ; : : : ; xn /;

todas as funções f1 ; : : : ; fn são polinômios. A equações diferenciais que tratare-


mos neste curso são todas polinomiais.

Para uma equação diferencial polinomial com n D 2, podemos dar mais deta-
lhes do que no Teorema 3.2.

Pode ocorrer que uma ou mais órbitas se ligarem a equilíbrios para formarem,
conjuntamente com os equilíbrios, uma curva fechada simples. Se a equação dife-
rencial determina uma direção consistente de movimento à volta desta curva, ela
é chamada ciclo separatriz. Um gráfico é uma união conexa de dois ou mais ci-
clos separatriz. Veja a Figura 3.7. Neste curso não nos alongaremos neste tema.
Iremos basicamente usar estas noções no próximo teorema.
46 3. Modelo SIR com perda de imunidade

.a/ .b/ .c/

Figura 3.7: (a) A solução aproxima-se de uma órbita fechada. (b) A solução
aproxima-se de um ciclo separatriz que consiste em duas órbitas e dois equilíbrios.
(c) A solução aproxima-se de um gráfico que consiste em dois ciclos separatriz.
Cada ciclo separatriz é composto de uma órbita e um equilíbrio.

Teorema 3.3 (Poincaré–Bendixson Generalizado). Considere xP D f .x/ uma


equação diferencial polinomial com n D 2 que tem apenas equilíbrios isolados.
Caso uma solução de xP D f .x/ permaneça num subconjunto compacto (fechado
e limitado) conforme t aumenta, então esta solução aproxima-se ou
• de um equilíbrio; ou
• de uma órbita fechada; ou
• de um ciclo separatriz; ou
• de um gráfico.
Encontra as duas versões do teorema de Poincaré–Bendixson em Perko (2001),
p. 245.
A existência de ciclos separatriz e gráficos é muitas vezes fácil de descartar.
Além disso, às vezes pode descartar-se a existência de órbitas fechadas usando o
critério de Bendixson ou o critério de Dulac, que discutiremos em breve. Uma vez
sabido que não há ciclos separatriz ou órbitas fechadas, uma solução que perma-
neça num conjunto compacto deve aproximar-se de um equilíbrio.
O critério de Bendixson ou o critério de Dulac são baseados no Teorema da
Divergência 2D, uma versão do Teorema de Green, que se aprende em cálculo.
Supomos que

xP 1 D f1 .x1 ; x2 /;
xP 2 D f2 .x1 ; x2 /;
3.6. Teoria planar 47

está definido em um conjunto aberto U no plano. Escrevemos xP D f .x/ para


abreviar. Seja C uma curva fechada simples em U , orientada no sentido anti-
horário. Para cada x em C , seja n.x/ o vetor unitário normal apontando para fora.
A divergência de f , r  f , é definida por

@f1 @f2
r  f .x1 ; x2 / D .x1 ; x2 / C .x1 ; x2 /:
@x1 @x2

Teorema 3.4 (Teorema da Divergência 2D). Suponha que uma curva fechada sim-
ples, C , e seu interior, IntC, estejam contidos em U . Então
“ Z
r  f .x/ dA D f .x/  n.x/ ds:
IntC C

A primeira integral é uma integral dupla ordinária de uma função sobre uma
região do plano. A segunda integral é a integral de uma função em torno de uma
curva em relação ao comprimento do arco.

Corolário 3.5 (Critério de Bendixson). Suponha (1) o conjunto aberto U não tem
buracos e (2) r  f é sempre positivo em U , ou r  f é sempre negativo em U .
Então, xP D f .x/ não tem órbitas fechadas em U .

Proof 1. Se xP D f .x/ tivesse uma órbita fechada C em U , então pelo Teorema


de Divergência 2D teríamos
“ Z Z
r  f .x/ dA D f .x/  n.x/ ds D 0 ds D 0 (3.22)
IntC C C

dado que f .x/ é tangente a C e n.x/ é perpendicular a C . No entanto, se r  f


é sempre positivo, então o integral duplo é positivo; e se r  f é sempre negativo,
então a integral dupla é negativa. O que é uma contradição.

Remark 3.6. Com um argumento similar, podemos provar que nas mesmas con-
dições não há ciclos separatrizes nem gráficos em U . Veja o Problema 1 na p.
263 de Perko (ibid.).

Corolário 3.7 (Critério de Dulac). Suponha (1) o conjunto aberto U não tem
buracos, e (2) há uma função positiva g.x/ tal que r  gf é sempre positivo em
U , ou r  gf é sempre negativo em U . Então xP D f .x/ não tem órbitas fechadas
em U .
48 3. Modelo SIR com perda de imunidade

Proof 2. Pelo critério de Bendixson, xP D g.x/f .x/ não tem órbitas fechadas em
U . Mas xP D f .x/ e xP D g.x/f .x/ têm as mesmas órbitas. (Os vetores f .x/ e
g.x/f .x/ apontam na mesma direção, eles apenas têm comprimentos diferentes.)
Logo, xP D f .x/ não tem órbitas fechadas em U .

Remark 3.8. Também aqui, com um argumento similar, podemos provar que nas
mesmas condições não há ciclos separatrizes nem gráficos em U .

3.7 Estabilidade global do modelo SIR com perda de imu-


nidade
O nosso triângulo T é um subconjunto fechado e limitado do plano. Para o sistema
(3.4)–(3.5), as soluções que começam em T permanecem nele. Para ver isso, basta
verificar se as soluções não podem escapar dos limites. As soluções que começam
em I D 0 permanecem em I D 0 e se aproximam do equilíbrio .0; 1/. Você
pode verificar soluções que começam nos outros lados de T usando as derivadas
de V .S; I / D S e V .S; I / D S C I ao longo das soluções (reveja a Seção 2.3).
O critério de Dulac e o Observação 3.8 podem ser usados para mostrar que
para quaisquer valores dos parâmetros positivos ˛, ˇ e , o sistema (3.4)–(3.5) não
tem órbitas fechadas, ciclos separatrizes nem gráficos no conjunto aberto I > 0.
A função g.S; I / D I1 é positiva em I > 0. Se multiplicarmos (3.4)–(3.5) por I1 ,
obtemos
1 S I
SP D ˇS C  ;
I
IP D ˇS :

A divergência é

@SP @IP 
C D ˇ ; (3.23)
@S @I I
que é negativo em I > 0. Então, o critério de Dulac e o Observação 3.8 impli-
cam que (3.4)–(3.5) não tem órbitas fechadas, ciclos separatrizes nem gráficos no
conjunto aberto I > 0.
Os ciclos separatriz e os gráficos não podem ocorrer no sistema (3.4)–(3.5), en-
tão os ignoramos. Assim, pelo Teorema 3.2, todas as soluções em T se aproximam
do equilíbrio. Mais precisamente:
3.8. Discussão do modelo SIR com perda de imunidade 49

1. Para R0 < 1, não há equilíbrios em T exceto .1; 0/, então todas as soluções
em T se aproximam de .1; 0/ com t ! 1.
2. Para R0 > 1, o equilíbrio .S; I / D .1; 0/ é uma sela hiperbólica. A sua
variedade estável é a linha I D 0. Assim, soluções que começam em I > 0 não
podem se aproximar de .1; 0/ quando t ! 1 (veja a explicação do Teorema 3.1).
O único outro equilíbrio em T é .S ; I /. Portanto, todas as soluções em T com
I > 0 se aproximam do equilíbrio .S ; I / com t ! 1.

3.8 Discussão do modelo SIR com perda de imunidade


O modelo SIR com perda de imunidade tem muito em comum com o modelo SIS
do Capítulo 1.
1. Para R0 < 1 existe um único equilíbrio no qual toda a população é suscetível
e ninguém está infectado. Todas as soluções se aproximam desse equilíbrio.
2. Para R0 > 1 esse equilíbrio ainda está presente, mas não é mais assintoti-
camente estável. Um novo equilíbrio aparece no interior do espaço de fase,
no qual a doença está presente na população em um nível intermediário. O
novo equilíbrio é assintoticamente estável e, de fato, quase todas as soluções
se aproximam dele.
Modelos com essas propriedades são chamados de modelos endêmicos, e o equi-
líbrio interno é chamado de equilíbrio endêmico. Modelos endêmicos frequente-
mente surgem por causa de algum mecanismo que reabastece o compartimento sus-
cetível, como perda de imunidade ou, como veremos nos problemas, nascimentos.
Esses processos não são importantes no início de uma epidemia, mas tornam-se
importantes no longo prazo.
Em contraste, modelos como o modelo SIR, no qual existem muitos equilí-
brios, são chamados de modelos epidêmicos. Eles ignoram processos de longo
prazo, como perda de imunidade e nascimentos. Eles são frequentemente usados
no início de uma pandemia de uma nova doença, quando a duração da imunidade
não é conhecida e os nascimentos não são importantes.
No próximo capítulo e seus problemas, veremos mais exemplos de ambos os
tipos de modelos.
Vamos dar uma outra olhada no equilíbrio endêmico para o modelo SIR com
perda de imunidade:
 
.ˇ /
.S ; I / D ; :
ˇ ˇ. C /
50 3. Modelo SIR com perda de imunidade

Reconhecemos ˇ , o valor de S . No modelo SIR usual, (2.4)–(2.5) com R0 > 1,


a reta S D ˇ separa a região onde I é crescente daquela onde I diminui; veja
a Figura 2.3. No modelo SIR usual, a imunidade de rebanho é atingida quando
a fração da população suscetível cai para ˇ . Quanto a I , a fração da população
que está infectada no equilíbrio endêmico, note que se  ! 0, então I ! 0. A
constante  está próxima de 0 quando o tempo médio até a perda da imunidade é
muito grande. Assim, quando o tempo médio até a perda da imunidade é muito
grande, o equilíbrio .S ; I / está próximo de . ˇ ; 0/. Para o modelo SIR usual,
(2.4)–(2.5), . ˇ ; 0/ é o equilíbrio que separa equilíbrios onde perto deles a epidemia
cresce dos equilíbrios para os quais perto deles a epidemia se extingue; veja a
Figura 2.3.

3.9 Problemas
Problema 3.1 (Equilíbrio do sistema SIR). (a) Calcular a matriz de lineariza-
ção do sistema SIR (2.4)–(2.5).
(b) Avalie a sua matriz em um equilíbrio .S; 0/.
(c) Encontre os autovalores do Item (b). Deve obter  D 0; ˇS .
(d) Algum dos equilíbrios é hiperbólico?
Problema 3.2 (SIR com nascimentos e mortes naturais). Consideramos o modelo
SIR com nascimentos e mortes naturais. (As mortes naturais são aquelas que
não são causadas pela doença a ser modelada.) A taxa de natalidade é de 
e todos os recém-nascidos são suscetíveis. Supomos que a taxa de mortalidade
também é , de modo que o tamanho da população permanece constante. A taxa
de mortalidade em cada compartimento é  vezes a fração da população desse
compartimento. Assim, obtemos o seguinte sistema para as frações da população:

SP D  ˇSI S; (3.24)


IP D ˇSI I I; (3.25)
RP D I R: (3.26)

(a) Mostre que se S C I C R D 1, então SP C IP C RP D 0. Em seguida, explique


a seguinte afirmação: portanto, pelo Teorema 2.1, se S C I C R D 1
inicialmente, então S C I C R permanece 1.
3.9. Problemas 51

(b) Como S C I C R D 1 sempre, precisamos apenas das duas primeiras


equações:

SP D  ˇSI S; (3.27)


IP D ˇSI I I: (3.28)

Encontre o equilíbrio de (3.27)–(3.28). Resposta: .1; 0/ e


  
C 1 1
.S ; I / D ; : (3.29)
ˇ C ˇ

(c) Mostrar: Se C ˇ
< 1, então .S ; I / está em T ; se C
ˇ
> 1, então
.S ; I / não está em T .

(d) Calcule a matriz de linearização de (3.27)–(3.28). Resposta:


 
ˇI  ˇS
: (3.30)
ˇI ˇS 

(e) Mostre que os autovalores da matriz de linearização no equilíbrio .1; 0/ são


 e ˇ . Em seguida, explique o seguinte: se C ˇ
< 1, de modo
que .S ; I / esteja em T , então .1; 0/ é uma sela; se C
ˇ
> 1, de modo
que .S ; I / não esteja em T , então .1; 0/ é um atrator.

(f) Mostre que se C


ˇ
< 1, de modo que .S ; I / está em T , então .S ; I / é
um atrator. Dica: basta mostrar isso para a matriz
 
ˇI  ˇS
; (3.31)
ˇI ˇS 

o traço é negativo e o determinante é positivo. Para o determinante, você


pode fazer isso sem substituir as fórmulas por S e I .

(g) Use o critério de Dulac e o Observação 3.8 como na Seção 3.7 para mos-
trar que para quaisquer valores dos parâmetros positivos ˇ, e , não há
órbitas fechadas, ciclos separatriz nem gráficos em I > 0. Que conclusões
se podem tirar?
Um modelo

4
para Covid-19
e a matriz da
próxima
geração

Neste capítulo, explicamos a matriz da próxima geração, que é usada para calcular
R0 em modelos compartimentais mais complicados do que aqueles que considera-
mos até agora. Duas boas introduções à matriz da próxima geração são Blackwood
e Childs (2018) e van den Driessche (2017). O principal exemplo que considera-
remos é um modelo compartimental que captura as principais características da
Covid-19.

4.1 O modelo
Nosso modelo para Covid-19 é baseado no modelo SEIR , que adiciona o comparti-
mento dos expostos entre o compartimento dos suscetíveis e o compartimento dos
infectados. Os suscetíveis que contraem a doença passam primeiro pelo comparti-
mento dos expostos — onde estão infectados, mas não podem contagiar ninguém
—, só depois entram no compartimento dos infectados — mais propriamente, dos
4.1. o modelo 53

infectados que são contagiosos. O modelo SEIR é usado quando os indivíduos


que contraem uma doença demoram um pouco para desenvolver os sintomas e a
se tornarem contagiosos.
Consideramos uma versão modificada do modelo SEIR que inclui as caracte-
rísticas mais relevantes da Covid-19. Os suscetíveis que contraem Covid-19 ficam
assintomáticos e não contagiosos por cerca de 2,5 dias (chamamos de Expostos).
Eles então se tornam contagiosos por cerca de 2,5 dias antes de desenvolver qual-
quer sintomas (chamamos de Contagiosos). Após esse período, cerca de um terço
dos portadores de Covid continua assintomático, mas contagioso (chamamos de
Assintomáticos); os outros dois terços desenvolvem sintomas enquanto permane-
cem contagiosos (chamamos de Infectados). O grupo assintomático deixa de ser
contagioso após cerca de cinco dias, o grupo sintomático após cerca de dez dias.
(Dados de Ngonghala, Iboi e Gumel (2020).) Note que a nomenclatura é um pouco
arbitrária, por exemplo, os expostos, contagiosos infectados e assintomáticos estão
todos eles infectados, mas apenas um compartimento é chamado de infectado.
O modelo que iremos descrever tem seis compartimentos:

• S , Suscetível: sem a doença nem imunidade.

• E, Exposto: infectado, mas ainda não contagioso ou sintomático.

• C , Contagioso: infectado e contagioso, mas sem sintomas.

• I , Infectado: infectado, contagioso com sintomas.

• A, Assintomático: infectado, contagioso e assintomático.

• R, Removido: recuperado imune ou falecido.

Para fins de modelagem, devemos supor que todos os indivíduos dos comparti-
mentos A e I entram no compartimento R quando deixam de ser contagiosos. De-
vemos supor que os indivíduos no compartimento R têm imunidade permanente
ou faleceram; a duração média real da imunidade para Covid-19 não é conhecida.
Modelos Covid-19 mais detalhados têm compartimentos adicionais para paci-
entes hospitalizados, UTI e falecidos. Ou ainda mais detalhados, dividem cada
compartimento por idade, comportamento, posição social ou outros fatores.
O sistema de equações diferenciais para as frações da população é (veja a Fi-
54 4. Um modelo para Covid-19 e a matriz da próxima geração

I
p C I

ˇC ˇI E
S E C R
ˇA

.1 p/ C A
A

Figura 4.1: Modelo SECIAR.

gura 4.1):

SP D ˇC S C ˇI SI ˇA SA; (4.1)
EP D ˇC S C C ˇI SI C ˇA SA E E; (4.2)
CP D E E C C; (4.3)
IP D p C C I I; (4.4)
AP D .1 p/ C C A A; (4.5)
RP D I I C A A: (4.6)

As constantes positivas ˇC , ˇI e ˇA representam a taxa de novas infecções poten-


ciais causadas diretamente por indivíduos nos compartimentos C , I e A, respec-
tivamente. Para a Covid-19, é sabido que ˇC é a maior das três constantes. ˇI é
menor do que se poderia esperar, uma vez que, devido aos sintomas, os indivíduos
no compartimento I sabem que estão doentes e poderão ficar em casa. As cons-
tantes positivas E , C , I , A são as taxas nas quais os indivíduos se movem
para fora de vários compartimentos. A constante p, 0 < p < 1, é a probabilidade
de um indivíduo no compartimento C desenvolver sintomas.
Podemos verificar que

SP C EP C CP C IP C AP C RP D 0:

Assim, se S CE CC CI CACR D 1 inicialmente, então S CE CC CI CACR


permanece 1.
4.2. Equilíbrios do modelo de Covid-19 55

Como nos capítulos anteriores, não precisamos da equação para R. Neste


capítulo, entretanto, vamos mantê-lo, uma vez que uma redução de seis equações
para cinco não é muito útil. O espaço de fase correto para este modelo é

f.S; E; C; I; A; R/ W
S > 0; E > 0; C > 0; I > 0; A > 0; R > 0; S CE CC CI CACR D 1g:
No entanto, vamos ignorar isso e apenas nos concentrar no sistema de seis dimen-
sões (4.1)–(4.6).

4.2 Equilíbrios do modelo de Covid-19


Para encontrar equilíbrios, começamos igualando as últimas quatro equações a
zero. Obtemos um sistema de quatro equações lineares nas quatro incógnitas E,
C , I , A. Na forma de matriz, o sistema de equações lineares fica
2 3 2 32 3 2 3
CP E C 0 0 E 0
6 IP 7 6 0 p C I 0 7 6C 7 607
7 6 7 6
6 7D6 D 7:
4 AP 5 4 0 .1 p/ C 0 A 5 4 I 5 405
RP 0 0 I A A 0

Você pode verificar que o determinante da matriz é E C I A , que é positivo.


Portanto, a única solução é E D C D I D A D 0.
Assim, todos os equilíbrios têm E D C D I D A D 0. Esses valores também
tornam as duas primeiras equações iguais a zero. O conjunto de equilíbrios do
sistema hexadimensional (4.1)–(4.6) é, portanto,
f.S; E; C; I; A; R/ W E D C D I D A D 0g:
A linearização do sistema (4.1)–(4.6) em um equilíbrio .S; 0; 0; 0; 0; R/ tem a
matriz 2 3
0 0 ˇC S ˇI S ˇA S 0
60 E ˇC S ˇI S ˇA S 0 7
6 7
60 E 0 0 0 7
6 C 7: (4.7)
60 0 p C I 0 07
6 7
40 0 .1 p/ C 0 A 05
0 0 0 I A 0
Para encontrar os autovalores, subtrairia  dos termos diagonais e tomaria o deter-
minante. Uma primeira etapa razoável seria expandir pela primeira coluna e uma
56 4. Um modelo para Covid-19 e a matriz da próxima geração

segunda etapa razoável seria expandir pela última coluna. Se você fizer isso, você
descobrirá que os autovalores de (4.7) são 0, 0, e os autovalores da submatriz
2 3
E ˇC S ˇ I S ˇA S
6 E C 0 0 7
KD6 4 0
7: (4.8)
p C I 0 5
0 .1 p/ C 0 A

4.3 Contexto: Variedades normalmente hiperbólicas de


equilíbrio
O sistema SIR (2.4)–(2.5) tem uma linha de equilíbrios. Vimos no Problema 1 da
seção anterior que todos eles têm pelo menos um valor próprio zero.
O sistema (4.1)–(4.6) tem um plano de equilíbrio. Vimos acima que todos eles
têm pelo menos dois valores próprios zero.
Suponha que a equação diferencial xP D f .x/ em Rn tenha um subespaço k-
dimensional E de equilíbrios. Um equilíbrio x0 em E é considerado normalmente
hiperbólico se a matriz Df .x0 / tiver exatamente k autovalores iguais a zero e os
n k autovalores restantes tiverem parte real diferente de zero.

Teorema 4.1. Suponha que a equação diferencial xP D f .x/ em Rn tenha um su-


bespaço k-dimensional E de equilíbrios. Seja E0 um subconjunto de E tal que to-
dos os equilíbrios em E0 são normalmente hiperbólicos. Suponha que para todos
os x0 em E0 , Df .x0 / tem ` autovalores com parte real negativa e m autovalores
com parte real positiva, k C ` C m D n. (` ou m pode ser zero.) Então

• Cada x0 em E0 tem uma variedade estável W s .x0 / de dimensão `.

• Cada x0 em E0 tem uma variedade instável W u .x0 / de dimensão m.

• A união das variedades W s .x0 / é uma variedade de dimensão k C ` cha-


mada W s .E0 /.

• A união das variedades W u .x0 / é uma variedade de dimensão k C m cha-


mada W u .E0 /.

O sistema SIR (2.4)–(2.5) fornece um exemplo deste teorema. Temos n D 2.


Existe um espaço unidimensional de equilíbrios .S; 0/, então k D 1. No Problema
3.1 você calculou que em .S; 0/, um autovalor da matriz de linearização é 0, e o
4.4. Digressão: Estimando R0 no início de uma epidemia 57

outro é ˇS . No caso de R0 D ˇ > 1, equilíbrios com ˇ < S 6 1 têm


seu segundo autovalor positivo, então ` D 0 e m D 1. Cada equilíbrio tem
uma variedade instável unidimensional, a saber (uma parte da) curva (2.10) que
passa por ele. Essas curvas se encaixam para formar uma variedade de dimensão
kCm D 2, ou seja, um subconjunto aberto do plano. Da mesma forma, equilíbrios
com 0 6 S < ˇ têm seu segundo autovalor negativo, então ` D 1 e m D 0. Cada
equilíbrio tem uma variedade estável unidimensional. Essas curvas se encaixam
para formar uma variedade de dimensão k C ` D 2, um subconjunto aberto do
plano.
O equilíbrio .S; I / D . ˇ ; 0/ não é normalmente hiperbólico, pois ambos os
autovalores são zero. Muitas coisas diferentes podem acontecer em equilíbrios
que não são normalmente hiperbólicos. Este é um exemplo do Princípio Anna
Karenina em matemática. O romance de 1877 do romancista russo Tolstói Anna
Karenina começa, “Todas as famílias felizes são iguais; cada família infeliz é in-
feliz à sua maneira.” A razão é que em famílias felizes, os cônjuges concordam
suficientemente sobre questões como dinheiro, religião, criação de filhos, divisão
de trabalho, padrões de limpeza e assim por diante. Desacordo em qualquer um
dos essas áreas podem ocorrer de várias maneiras e levar a um casamento infeliz.
Da mesma forma, todos os equilíbrios normalmente hiperbólicos são semelhan-
tes (Teorema 4.1), mas a hiperbolicidade normal pode falhar de várias maneiras,
resultando em muitos tipos diferentes de comportamento.
O Teorema 4.1 também se aplica a equações diferenciais que têm uma vari-
edade de equilíbrios k-dimensional, mas não precisamos deste nível de generali-
dade.

4.4 Digressão: Estimando R0 no início de uma epidemia


O problema 3.1 mostrou em particular que no modelo SIR, no equilíbrio .1; 0/, o
autovalor diferente de zero é ˇ . Isso implica que, no início de uma epidemia
em que toda a população é suscetível, I deve aumentar e S deve diminuir (mais
precisamente, 1 S deve aumentar) à taxa exponencial e.ˇ /t .
Para ˇ D 0:3 e D 0:1 (R0 D 3), as órbitas do sistema SIR foram represen-
tadas graficamente em Figura 2.3. A órbita de .1; 0/ tem a equação
1
I D .S 1/ C ln S D .S 1/ C ln S:
ˇ 3
A Figura 4.2a mostra o gráfico de I.t / para uma solução que começa em um
58 4. Um modelo para Covid-19 e a matriz da próxima geração

ponto nesta órbita próximo a .1; 0/ (o ponto tem S D 0:9999). I.t / parece cres-
cer exponencialmente no início. Isso pode ser verificado plotando ln I.t /; veja a
Figura 4.2b. Inicialmente, o gráfico é aproximadamente linear com inclinação as-
cendente. Este é o sinal de crescimento exponencial. (O final do gráfico também
é aproximadamente linear com inclinação descendente. Este é o sinal da queda
exponencial para o estado final.)
0:40 1

0:35 2

0:30 3

0:25 4

ln I.t /
I.t /

0:20 5

0:15 6

0:10 7

0:05 8

0:00 9
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
110
120
130
140

0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
110
120
130
140
tempo tempo
(b) Gráfico de ln I.t /.
(a) Gráfico de I.t/.

Figura 4.2: Modelo SIR com ˇ D 0:3 e D 0:1.

A taxa exponencial de crescimento pode ser verificada encontrando a inclina-


ção da linha. A porção do gráfico na Figura 4.2b de t D 0 a t D 30 é aproximada-
mente linear. Usar os pontos inicial e final desta parte do gráfico resulta em uma
inclinação de 0:198, que é aproximadamente igual a ˇ D 0:3 0:1 D 0:2.
No início de uma epidemia, o número de casos costuma crescer exponencial-
mente. Por exemplo, os dados do caso do Reino Unido durante o primeiro mês da
pandemia de Covid-19 e o logaritmo natural dos dados do caso são mostrados em
Stevens et al. (2020). Os autores calculam uma taxa de crescimento exponencial
para casos cumulativos de 0:251. A taxa de crescimento de casos cumulativos é
precisamente a taxa de crescimento de 1 S e, portanto, pode ser comparada ao
modelo SIR. Portanto, obtemos ˇ D 0:251.
Esta informação pode ser usada para estimar R0 para Covid-19 no Reino Unido?
Não imediatamente; como R0 D ˇ , precisamos de mais uma informação, como
ˇ ou . Por exemplo, se fosse estimado ao mesmo tempo que a duração média da
infecciosidade com Covid-19 era de dez dias, teríamos D 0:1, então ˇ D 0:351
4.5. Valores próprios de equilíbrio do modelo Covid-19 59

e, em seguida, R0 D ˇ D 3:51.
Obviamente, essa estimativa usa o modelo SIR, que não é preciso para Covid-
19, mas tem a vantagem de exigir poucas informações sobre a doença.

4.5 Valores próprios de equilíbrio do modelo


Covid-19
O Teorema 4.1 diz-nos que a natureza dos equilíbrios do modelo Covid-19, (4.1)–
(4.6), é determinada pelos autovalores diferentes dos dois autovalores zeros que
encontramos acima. Assim, devemos encontrar os autovalores da matriz K defi-
nida em (4.8).
Quando S D 0 (ninguém na população é suscetível à doença), você pode
facilmente verificar que os valores próprios de K são E , C , I , e A .
Assim, um equilíbrio com S D 0 tem uma variedade estável 4-dimensional.
À medida que aumentamos S no subespaço dos equilíbrios, os autovalores de
K mudam. Todos eles têm parte real negativa até que um se torne zero, ou um par
se torne puramente imaginário. Vamos supor que todos os autovalores de K têm
parte real negativa até que um se torne 0. Veremos mais tarde que essa suposição
está correta.
O produto dos valores próprios de qualquer matriz é o determinante da matriz.
(Vimos isso para matrizes 2  2 em Seção 3.5.) Portanto, um autovalor de K
torna-se zero se e somente se o determinante de K também se torna zero.
Depois de alguma álgebra, descobre-se que o determinante de K é zero para
1
SD ˇC pˇI .1 p/ˇA
: (4.9)
C C I C A

Quando S é menor que esse valor, todos os quatro valores próprios têm parte real
negativa, portanto, o determinante é positivo. Quando S é maior que esse valor,
o determinante torna-se negativo. Espera-se que isso aconteça porque três dos
quatro autovalores são negativos e um se torna positivo. Isso é realmente o que
acontece.
Com base na analogia do modelo SIR, pode-se esperar que o denominador de
(4.9) seja o número de reprodução básico R0 para o modelo Covid-19, de modo
que o valor de S em (4.9) seria R10 . Se R0 < 1, então todos os equilíbrios com
S 6 1 são atratores, e uma epidemia morreria. Se R0 > 1, os equilíbrios com
1
R0 < S 6 1 têm um autovalor positivo, e então as epidemias podem inicialmente
crescer.
60 4. Um modelo para Covid-19 e a matriz da próxima geração

4.6 A matriz da próxima geração


A matriz da próxima geração é usada para calcular R0 para os modelos compar-
timentais usados em epidemiologia. Este é um método muito geral, mas vamos
explicá-lo usando nosso modelo Covid-19, para termos uma explicação mais con-
creta.
As equações diferenciais para os compartimentos infectados são (4.2)–(4.5).
Vamos reescrever estas quatro equações diferenciais como
2 3 2 3 2 3
EP ˇC S C C ˇI SI C ˇA SA E E
6CP 7 6 0 7 6 E E C C C 7
6 7DF VD6 7 6 7:
4 IP 5 4 0 5 4 p C C C I I 5
AP 0 .1 p/ C C C A A
O termo F inclui todas as transferências de compartimentos não infectados
para compartimentos infectados. No nosso caso, há dois compartimentos não in-
fectados, S e R, mas só de S se transferem pessoas para os compartimentos infec-
tados, que são quatro: E, C , I e A.
O termo V inclui todas as transferências de compartimentos infectados para
qualquer outro compartimento, infectado ou não. Devido ao sinal menos em F V,
as transferências de entrada surgem com sinal negativo e as de saída com sinal
positivo; a transferências com esta convenção de sinal chamaremos transferências
de saída. Algumas transferências de saída ocorrem entre dois compartimentos de
infectados, então aparecem duas vezes em V, numa linha com um sinal positivo
e noutra com um sinal negativo. As transferências de saída para compartimentos
não infectados aparecem apenas uma vez, aparecem com sinal positivo. No nosso
caso, só há duas destas últimas transferências, de A para R e de I para R.
Para calcular a matriz da próxima geração, primeiro calcula-se a matriz K
obtida por linearização da expressão F V em torno do equilíbrio .S; 0; 0; 0; 0; R/.
Então K tem uma linha e uma coluna para cada um dos compartimentos infectados
E, C , I e A. Em seguida, escrevemos K como F V :
2 3 2 3
0 ˇC S ˇI S ˇA S E 0 0 0
60 0 0 0 7 6 07
KDF V D6 7 6 E C 0 7:
40 0 0 0 5 4 0 p C I 0 5
0 0 0 0 0 .1 p/ C 0 A
Temos que Fij é a derivada parcial de Fi em ordem ao j -ésimo estado infectado.
Deforma similar, Vij é a derivada parcial de Vi em ordem ao j -ésimo estado in-
fectado.
4.6. A matriz da próxima geração 61

Se multiplicarmos F por um vetor de frações da população nos compartimen-


tos infectados, obtemos a aproximação linear da taxa total de transferência de com-
partimentos não infectados para cada um dos compartimentos infectados.
Por exemplo, veja o cálculo
2 3 2 32 3 2 3
E 0 ˇC S ˇI S ˇA S E ˇC SC C ˇI SI C ˇA SA
6C 7 60 0 0 0 7 6 7 6 7
F6 7 6 7 6C 7 D 6 0 7:
4 I 5 D 40 0 0 0 5 4I 5 4 0 5
A 0 0 0 0 A 0

Este cálculo mostra que, no nosso caso, só há transferências vindas do comparti-


mento S , e as transferências ocorrem apenas para o compartimento E. Os outros
compartimentos infectados, C , I e A, não recebem transferências vindas de com-
partimentos de não infectados. A taxa de transferência para o compartimento E
depende da coordenada S do equilíbrio para o qual se fez a linearização, além de
depender das frações da população nos compartimentos infectados.

Remark 4.2. Em geral, deveríamos obter apenas uma aproximação à taxa total
de transferência, já que estamos utilizando uma linearização para fazer o cál-
culo. Contudo, em nosso modelo Covid-19, como todos os termos nas equações
diferenciais são lineares nas variáveis E, C , I e A, para um valor fixo de S, a
aproximação é exata. Isto também é verdade para outros cálculos nesta seção
que envolvem a multiplicação por um vetor de frações de população dos compar-
timentos infectados.

Remark 4.3. Uma linearização é normalmente multiplicada por um vetor repre-


sentando a mudança na entrada (objeto), a fim de se aproximar da mudança na
saída (imagem). Assim, seria de esperar que F fosse multiplicado por um vetor
da forma .E C I A/> . No entanto, no ponto em que linearizamos temos
E D C D I D A D 0, portanto .E C I A/> D .E C I A/> . É por
isso que podemos multiplicar F pelo vetor .E C I A/> . Devido a este fato, o
método de matriz da próxima geração só deve ser usado em equilíbrios onde todas
as variáveis infectadas sejam zero.

Se multiplicarmos V pelo vetor das frações da população dos compartimentos


de infectados, obtemos as transferências de saída representadas em V.
Por exemplo, tomando as frações da população nos compartimentos C e A
62 4. Um modelo para Covid-19 e a matriz da próxima geração

iguais a zero, o cálculo seguinte

2 32 3 2 3
E 0 0 0 E E E
6 E C 0 07 6 7 6 7
6 7 6 0 7 D 6 E E 7 :
4 0 p C I 0 5 4 I 5 4 I I 5
0 .1 p/ C 0 A 0 0

dá-nos a aproximação da taxa de transferência de saída dos compartimentos in-


fectados quando .E; C; I; A/ D .E; 0; I; 0/. A fração da população no compar-
timento exposto, E, é transferida à taxa E E para fora do compartimento e, ao
mesmo tempo, há uma entrada no compartimento C à mesma taxa. A fração da po-
pulação no compartimento infectado, I , é transferida para fora do compartimento
à taxa I I ; uma vez que é transferido para o compartimento removido, não há
termo negativo correspondente. Como no cálculo anterior, estas aproximações
são, na realidade, exatas.
A matriz da próxima geração faz uso de V 1 , a inversa da matriz V . Se você
não está familiarizado com V 1 , é a matriz pela qual você multiplica V para obter
a matriz identidade, I . Para nosso modelo de Covid-19,

2 1 3
E 0 0 0
6 1 1 7
6 C C 0 07
V 1
D6
6 p
7: (4.10)
4 I
p
I
1
I 07
5
1 p 1 p 1
A A 0 A

Veremos na Seção 4.8 que a entrada Vij 1 sempre dá o tempo médio que um in-
fectado passa no compartimento de infectados i , se começar no compartimento j .
Por exemplo, no modelo de Covid-19, a primeira coluna de (4.10) diz que, se o
infectado começa no compartimento E, vai permanecer em média um tempo 1E
no compartimento E, 1C no compartimento C , pI no compartimento I e 1 Ap no
compartimento A. Se relembrar a Seção 1.6, você facilmente verá que isto está
correto.
A matriz da próxima geração é definida pelo produto matricial F V 1. Para
4.6. A matriz da próxima geração 63

o nosso modelo temos:


2 32 1 0 0 0
3
0 ˇC S ˇ I S ˇA S E
60 6 1 1 7
0 0 0 776
0 0 7
FV 1 D 6 40 5 6 pC C
p 1 7
0 0 0 4 I I I 0 5
0 0 0 0 1 p 1 p
0 1
A A A
2ˇ S pˇ S .1 p/ˇ S
3
C
C II C A
A
  
6 C 0 0 0 07
D64
7; (4.11)
0 0 0 05
0 0 0 0
onde os asteriscos representam entradas sem importância.
Para entender F V 1 , pensemos no significado das entradas da matriz F . Ire-
mos referir-nos aos compartimentos de infectados apenas pelo índice, por exemplo,
usaremos compartimento k em vez de compartimento de infectados k. A entrada
Fi k é a taxa de transferência de compartimentos não infectados para o comparti-
mento i que é devido à infecção de alguém por indivíduos do compartimento k.
A entrada Vkj 1 é o tempo médio gasto no compartimento k por indivíduos inicial-
mente no compartimento j . Agora, pensemos como funciona a multiplicação de
matrizes. Multiplicando a taxa Fik pelo tempo Vkj 1 obtemos a transferência média
de compartimentos não infectados para o compartimento i que é devida ao tempo
gasto no compartimento k por indivíduos inicialmente no compartimento j . Com
a soma em k do produto Fik Vkj 1 obtemos a entrada ij de F V 1 , que, portanto,
é a transferência média total de compartimentos não infectados para o comparti-
mento i causada por indivíduos inicialmente no compartimento j , durante todo o
tempo que eles permanecem em algum dos compartimentos infectados no decorrer
da doença.
Portanto, se multiplicarmos F V 1 pelo vetor inicial de frações da população
infectada I0 , obteremos o vetor de novas infecções nos vários compartimentos
causados por I0 :
1
Inovo D F V I0 :
O comprimento de Inovo é um múltiplo do comprimento de I0 , o fator multiplica-
tivo depende de I0 . Para uma matriz não negativa, como F V 1 é, o valor máximo
desse fator multiplicativo é o maior autovalor de F V 1 .
Portanto, faz sentido definir R0 como o maior autovalor de F V 1 . Aliás, nos
modelos tratados nos três primeiros capítulos, temos apenas um compartimento
infectado, e o produto F V 1 toma a forma ˇ 1 .
64 4. Um modelo para Covid-19 e a matriz da próxima geração

Para modelos com múltiplos compartimentos, como os que estamos conside-


rando, R0 é definido como o maior autovalor de F V 1 no equilíbrio S D 1.
No nosso modelo, o maior autovalor de F V 1 para S > 0 é

ˇC S pˇI S .1 p/ˇA S
C C : (4.12)
C I A

Quando S D 1 obtemos

ˇC pˇI .1 p/ˇA
R0 D C C ; (4.13)
C I A

o que está de acordo com nosso palpite anterior. Este valor de R0 faz sentido
intuitivamente. O primeiro termo da soma representa as infecções causadas por
quem está no compartimento C . Os dois termos seguintes da soma representam
infecções causadas pelos indivíduos dos compartimentos I e A. Esses dois ter-
mos são ponderados pela fração de indivíduos de C que vão para cada um dos
compartimento I e A.
Além disso, um teorema afirma que num equilíbrio de um modelo epidemioló-
gico, se o maior autovalor de F V 1 é menor do que 1, então todos os autovalores
de K têm parte real negativa; e se o maior autovalor de F V 1 é maior do que
1, então todos os autovalores de K têm parte real positiva (van den Driessche e
Watmaugh 2002).
Para o nosso modelo de Covid-19, o maior autovalor de F V 1 pode ser rees-
crito como R0 S , veja a Equação (4.12). Portanto, esse autovalor é:

1
• menor do que 1 se S < R0 ;

1
• igual a 1 se S D R0 ;

1
• maior do que 1 se S > R0 .

Assim, como adivinhamos anteriormente, se R0 < 1, uma epidemia que começa


vai extinguir-se; se R0 > 1, uma epidemia que começa perto de um equilíbrio com
1
R0 < S 6 1 irá inicialmente crescer.
No restante desta seção, explicaremos por que a definição de R0 em termos
da matriz da próxima geração faz sentido.
4.7. Contexto: A exponencial matricial 65

4.7 Contexto: A exponencial matricial


Considere uma equação diferencial linear xP D Ax, com x em Rn e A uma matriz
n  n. A solução é uma certa função matricial de t vezes a condição inicial x.0/ D
x0 . Essa função matricial de t é chamada de exponencial matricial, etA .
Por exemplo, considere o sistema de equações diferenciais lineares

xP 1 D ax1 ;
xP 2 D bx2 ;

com condições iniciais x1 .0/ D x10 e x2 .0/ D x20 . A solução é

x1 .t/ D eat x10 ;


x2 .t/ D ebt x20 :

Em termos da matriz, o sistema de equações diferenciais lineares e as condições


iniciais tornam-se
        
xP 1 a 0 x1 x1 .0/ x
D ; D 10 ;
xP 2 0 b x2 x2 .0/ x20

e a solução é
   at  
x1 .t/ e 0 x10
D :
x2 .t/ 0 ebt x20

Em termos de matriz exponencial, temos


   at 
a 0 tA e 0
AD ; e D :
0 b 0 ebt

Neste exemplo, dado A, foi fácil encontrar etA . Não discutiremos métodos gerais
para encontrar etA . O fato importante é:
Teorema 4.4. A solução de xP D Ax, x.0/ D x0 é x.t / D etA x0 .
Você deve-se lembrar que quando x é um número real, ex pode ser escrito
como a série infinita
1 2 1
ex D 1 C x C x C x3 C    :
2Š 3Š
66 4. Um modelo para Covid-19 e a matriz da próxima geração

Da mesma forma, quando A é uma matriz quadrada,


1 2 2 1
etA D I C tA C t A C t 3 A3 C    : (4.14)
2Š 3Š
Nesta fórmula, A2 D AA, A3 D AAA, etc. (multiplicação da matriz). Portanto,
d ta
não é surpreendente que ex e etA tenham muito em comum. Por exemplo, dt e D
ta
ae e
d tA
e D AetA : (4.15)
dt

1
4.8 Explicação das entradas de V
Seja
2 3
E
6C 7
ID6 7
4I 5 ;
A

e considere a equação diferencial

IP D V I; I.0/ D I0 :

A solução I.t / dá o vetor das frações da população nos estados infectados no


tempo t , supondo que o vetor inicial de frações da população é I0 , ignorando as
entradas vindas de estados não infectados; no caso, ignorando apenas o movimento
de suscetíveis para os expostos. Temos I.t / ! 0 com t ! 1, uma vez que todos
os indivíduos infectados acabarão por ser transferidos para o compartimento dos
removidos.
Por outro lado, I.t/
P D V I.t/ é a taxa de transferência de saída dos compar-
timentos infectados no tempo t . Podemos calcular
Z 1
 
P / dt D I.t/ t D1 D I.1/ C I.0/ D I.0/ D I0 :
I.t (4.16)
t D0
0

Esta integral dá a transferência total para fora de todos os compartimentos, o que


equivale às concentrações iniciais, uma vez que todos os indivíduos infectados
acabarão por ser transferidos para o compartimento removido. A equação (4.16)
é o análogo da equação (1.17) em dimensões maiores que um.
4.8. Explicação das entradas de V 1 67

Vamos considerar I0 como sendo um para um compartimento infectado e zero


nos outros compartimentos infectados. Então, o tempo médio gasto em cada com-
partimento infectado
R 1por indivíduos que começam naquele compartimento infec-
tado específico é 0 t I.t/
P dt . Esta equação é análoga à integral na equação
(1.18).
Z 1
Teorema 4.5. Temos t I.t/
P dt D V 1 I0 :
0
Esta fórmula é análoga a (1.18). Para interpretá-la, observe que se I0 tem um
no primeiro compartimento infectado e zero nos outros, então V 1 I0 é a primeira
coluna de V 1 ; se I0 tem um no segundo compartimento infectado e zero nos
outros, então V 1 I0 é a segunda coluna de V 1 ; etc. Assim, a j -ésima coluna
de V 1 dá o tempo médio gasto em cada compartimento infectado por indivíduos
que começam no j -ésimo compartimento infectado.
Proof 3. Não podemos avaliar a integral como fizemos na equação (1.18) porque
não conhecemos uma antiderivada explícita. Em vez disso, usamos integração
por partes (que é como a antiderivada que usamos em (1.18) foi encontrada de
qualquer maneira):
Z 1 Z 1
t I.t/
P dt D Œ tI.t/1
0 C I.t / dt:
0 0
O termo tI.t/ é claramente zero em t D 0. O seu valor em 1 é na verdade um
limite,
lim tI.t /:
t !1

Acontece que I.t/ se aproxima de zero exponencialmente como t ! 1, então o


limite é zero. Portanto,
Z 1 Z 1
t I.t/ dt D
P I.t/ dt:
0 0

Agora usamos o fato de que IP D V I, então I.t/ D e tV I.0/:


Z 1 Z 1 h i1
I.t/ dt D e tV I.0/ dt D V 1 e tV I.0/ DV 1
I.0/:
0 0 0

Este cálculo pode parecer um pouco misterioso à primeira vista. Você pode ve-
rificar se V 1 e tV I.0/ é a antiderivada diferenciando-a usando (4.15). Além
disso, e0V D I , como você pode ver na série infinita (4.14). Finalmente, descobriu-
se que e tV ! 0 quando t ! 1.
68 4. Um modelo para Covid-19 e a matriz da próxima geração

4.9 Variantes da doença


Nesta seção, apresentamos um modelo simples, baseado no modelo SIR, de como
uma variante mais infecciosa de uma doença pode sobrepujar uma variante menos
infecciosa.
Consideramos uma doença com duas variantes. Ambas as variantes têm o
mesmo , mas seus valores de ˇ, que denotamos ˇ1 e ˇ2 , diferem. Suporemos
que ˇ2 > ˇ1 , para que a segunda variante seja mais facilmente disseminada.
Além dos compartimentos usuais S e R, existem dois compartimentos infec-
tados, um para cada variante, que denotamos I1 e I2 . O sistema de equações
diferenciais é

SP D ˇ1 SI1 ˇ2 SI2 ; (4.17)


IP1 D ˇ1 SI1 I1 ; (4.18)
IP2 D ˇ2 SI2 I2 ; (4.19)
RP D I1 C I2 : (4.20)

O conjunto de equilíbrios é f.S; I1 ; I2 ; R/ W I1 D I2 D 0g. A linearização do


sistema (4.17)–(4.20) em um equilíbrio .S; 0; 0; R/ tem a matriz
2 3
0 ˇ1 S ˇ2 S 0
60 ˇ 1 S 0 07
6 7:
40 0 ˇ 2 S 05
0 0

Os autovalores são 0, 0, ˇ1 S e ˇ2 S . Em particular, se S D 1 (a população


inteira suscetível), os valores próprios são 0, 0, ˇ1 e ˇ2 . Vamos supor que
ˇ1 > 0, de forma que ˇ2 > 0 também. Nesse caso, ambas as variantes
podem se espalhar, mas como o segundo autovalor é maior, esperamos que no
início da epidemia, pelo menos, a segunda variante se espalhe mais rapidamente.
A submatriz K com linhas e colunas para os estados infectados é
 
ˇ1 S 0
:
0 ˇ2 S
A que reescrevemos como
   
ˇ S 0 0
KDF V D 1 ;
0 ˇ2 S 0
4.9. Variantes da doença 69

e calculamos a próxima matriz de geração em S D 1:


  1   1

ˇ1 0 0 ˇ 0
FV 1
D D 1 :
0 ˇ2 0 1 0 ˇ2 1

Os valores próprios são ˇ1 1 e ˇ2 1. O maior é ˇ2 1. Portanto, temos


1
R0 D ˇ2 :
Comparando com o modelo SIR usual, vemos que este valor de R0 é apenas
o número básico de reprodução que se esperaria se a variante da doença menos
facilmente disseminada não existisse.
Na verdade, no início da epidemia, a variante mais facilmente disseminada
sobrepujará a outra variante. A Figura 4.3 mostra a solução de (4.17)–(4.20) com
ˇ1 D 0:3, ˇ2 D 0:6, D 0:1 e condição inicial
4 6 4 6
.S.0/ ; I1 .0/ ; I2 .0/ ; R.0// D .1 10 10 ; 10 ; 10 ; 0/: (4.21)
Assim, inicialmente, a primeira variante está presente 100 vezes o nível da segunda.
Apenas os valores de I1 .t/ e I2 .t/ são mostrados. A Figura 4.3a mostra que a
segunda variante passa a primeira após cerca de 16 dias. A Figura 4.3b mostra um
período de tempo mais longo.
0:020 0:60
0:018 I1 .t/ 0:55 I1 .t /
fração da população

fração da população

0:50
0:016 I2 .t/ I2 .t /
0:45
0:014
0:40
0:012 0:35
0:010 0:30
0:008 0:25
0:20
0:006
0:15
0:004
0:10
0:002 0:05
0:000 0:00
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 0 10 20 30 40 50 60 70 80
tempo tempo

(b) Tempo longo.


(a) Tempo curto.

Figura 4.3: Solução de (4.17)–(4.18) com condição inicial (4.21). Somente são
mostrados os valores de I1 .t/ e I2 .t/.

A explicação para as curvas dramáticas na Figura 4.3 é simplesmente a dife-


rença nas taxas de crescimento exponencial no início de uma epidemia. Se uma
70 4. Um modelo para Covid-19 e a matriz da próxima geração

variante de disseminação mais fácil for introduzida posteriormente na epidemia, o


resultado poderá ser menos dramático.

4.10 Discussão do modelo Covid-19


Para nosso modelo Covid-19 (4.1)–(4.6), vamos olhar mais cuidadosamente para
a expressão (4.13) que encontramos para R0 :
ˇC pˇI .1 p/ˇA
R0 D C C :
C I A
Aqui estão alguns valores plausíveis para os parâmetros.
• Como uma média de 2:5 dias são passados no estado C (contagioso ou sin-
tomático), usamos C D 1=2:5 D 0:4. Como os indivíduos são mais in-
fectantes neste momento, consideramos ˇC D 0:5, maior do que o valor
ˇ D 0:3 que geralmente usamos para Covid-19.
• Como os contagiosos assintomáticos deixam de ser contagiosos após cerca
de cinco dias, tomamos A D 1=5 D 0:2, e tomamos ˇA D 0:3.
• Como os contagiosos sintomáticos deixam de ser contagiosos após cerca de
dez dias, tomamos I D 1=10 D 0:1. Os contagiosos sintomáticos têm
maior probabilidade de transmitir a doença durante um contacto do que con-
tagiosos assintomáticos. Por outro lado, em média eles têm menos contatos,
pois sua doença geralmente os mantém em casa. Pegamos ˇI D ˇA D 0:3.
• Como cerca de 2/3 dos indivíduos expostos se movem para o compartimento
contagioso sintomático I , consideramos p D 2=3.
Usando esses valores de parâmetro e nossa expressão para R0 , obtemos
R0 D .0:5/.2:5/ C .2=3/.0:3/.10/ C .1=3/.0:3/.5/ D 1:25 C 2 C 0:5 D 3:75:
Pode-se usar esta expressão para estimar o impacto de várias medidas de con-
trole para Covid-19. Por exemplo, as verificações de temperatura têm como ob-
jetivo evitar que indivíduos no compartimento I entrem em contato com outras
pessoas. Os empregadores também podem pedir a qualquer funcionário que se
sinta doente (os do compartimento I ) que fique em casa. Suponha que essas me-
didas tenham sucesso na redução de ˇI de 0:3 para 0:1. Teríamos então
R0 D .0:5/.2:5/ C .2=3/.0:1/.10/ C .1=3/.0:3/.5/ D 1:25 C 0:67 C 0:5 D 2:42:
4.11. Problemas 71

Essas medidas não impediriam a propagação da doença.


O problema é que os indivíduos nos compartimentos C e A provavelmente não
suspeitam que têm a doença. O uso de máscaras por grande parte da população
talvez pudesse reduzir cada ˇ em cerca de um terço. Isso reduziria R0 em um
terço, para 1:61.
Outras medidas de controle possíveis são rastreamento de contato e lockdowns.
O rastreamento de contatos pode identificar algumas pessoas no compartimento A
que não sabem que têm a doença e incentivá-las a ficar em casa. É improvável
que identifique muitas pessoas enquanto elas ainda estão no compartimento E.
Um lockdown, como o uso de máscara, reduziria cada ˇ.

4.11 Problemas
Problema 4.1 (Por que tão diferente?). De acordo com os dados da Covid-19
no Reino Unido apresentados em Stevens et al. (2020), após 30 dias, 12 647 in-
divíduos contraíram Covid-19. Isso é 0:02% da população do Reino Unido de
66 650 000. Por outro lado, na Figura 4.2a, após 30 dias, cerca de 3% da popu-
lação está infectada. Porquê a diferença?
Problema 4.2 (Você poderia fazer melhor?). Na Seção 4.4 estimamos R0 para a
Covid-19 no Reino Unido, no início da pandemia, em 3:51. Quais são algumas
fontes de erro nesta estimativa? Você poderia ter melhorado na época?
Problema 4.3 (Interpretação de F V 1 ). A entrada ij de F V 1 é “a transferên-
cia média dos compartimentos não infectados para o compartimento contagioso
i causada por indivíduos inicialmente no compartimento contagioso j , durante
todo o tempo em que permaneceram nos compartimentos contagiosos.” Observe
a primeira coluna de F V 1 , calculado em (4.11). Explique cada entrada nessa
coluna em termos da frase anterior.
Problema 4.4 (SEIR com nascimentos e mortes naturais). Vamos considerar o
modelo SEIR mencionado no início deste capítulo, com nascimentos e óbitos na-
turais incluídos como fizemos para o modelo SIR no Problema 3.2. O sistema de
equações diferenciais para as frações da população é
SP D  ˇSI S; (4.22)
EP D ˇSI E E E; (4.23)
IP D E E I I I; (4.24)
RP D I I R: (4.25)
72 4. Um modelo para Covid-19 e a matriz da próxima geração

Poderíamos abandonar a última equação, mas não o faremos. O espaço de estado


é a região quadridimensional
S D f.S; E; I; R/ W S > 0; E > 0; I > 0; R > 0; S C E C I C R 6 1g:
As constantes ˇ, E , I e  são todas positivas.
1. Explique cada termo do sistema de equações.
2. Para S fixo, mostre que se
. E C /. I C / ˇ E S ¤ 0; (4.26)
então qualquer equilíbrio de (4.22)–(4.25) com aquele valor de S deve ter
E D I D R D 0. Sugestão: defina as três últimas equações iguais a
0. Para S fixos, você tem um sistema de três equações lineares em três
incógnitas. Na forma de matriz, o seu sistema de equações é
2 32 3 2 3
. E C / ˇS 0 E 0
4 E . I C / 0 5 4 I 5 D 405 :
0 I  R 0
. Mostre que (4.26) implica que o determinante da matriz 3  3 não é zero.
Então, a única solução é E D I D R D 0.
3. O problema anterior implica que se
ˇ E
< 1; (4.27)
. E C /. I C /
então o único equilíbrio de (4.22)–(4.25) em S é .1; 0; 0; 0/. Você vê por
quê?
4. Claro que .1; 0; 0; 0/ é um equilíbrio de (4.22)–(4.25) se (4.27) se mantém;
no entanto, acontece que quando
ˇ E
> 1;
. E C /. I C /
há um segundo equilíbrio em S. Em vez de buscar o segundo equilíbrio,
vamos linearizar o sistema (4.22)–(4.25) em .1; 0; 0; 0/. Verifique se a line-
arização de (4.22)–(4.25) em .1; 0; 0; 0/ tem a matriz
2 3
 0 ˇ 0
6 0 . E C / ˇ 0 7
6 7: (4.28)
4 0 E . I C / 0 5
0 0 I 
4.11. Problemas 73

5. A submatriz K com linhas e colunas apenas para estados infectados é


 
. E C / ˇ
KD :
E . I C /

Mostre que os autovalores de (4.28) são  com multiplicidade dois e os


autovalores de K.
ˇ E
6. Mostre que se . E C/. I C/
< 1, então K tem dois autovalores com parte
ˇ E
real negativa; e se . E C/. I C/
> 1, então K tem um autovalor negativo
e um autovalor positivo. Sugestão: veja Seção 3.5. Concluímos que as
ˇ E
epidemias não podem começar perto de .1; 0; 0; 0/ quando . E C/. I C/
<
ˇ E
1, mas podem quando . E C/. I C/
> 1.

7. Como fizemos neste capítulo, escreva K na forma K D F V onde F


contém apenas os termos que representam transferências para um compar-
timento infectado vindas de um compartimento não infectado. Em seguida,
calcule a matriz da próxima geração F V 1 e encontre seu maior autovalor.
(A inversa da matriz 2  2 é uma fórmula fácil; se você não souber, pesquise
no Google.) Resposta: o maior autovalor, que é R0 , é

ˇ E
:
. E C /. I C /

Como isso se relaciona com os resultados do Item 6?


Alteração
espontânea do

5 comportamento
humano em
modelos epide-
miológicos

Nos modelos que consideramos até agora, o comportamento humano não é afetado
pelo curso da epidemia. Por exemplo, em todos os nossos modelos, a constante ˇ,
que representa a taxa de contatos efetivos por indivíduo contagioso, não muda à
medida que a epidemia avança. Você sabe por experiência que isso é falso. Con-
forme o número de contagiosos na população aumenta, muitos suscetíveis reagirão
mudando seu comportamento. Eles ficam em casa, praticam a melhoria da higi-
ene, o distanciamento social e usam máscaras. O resultado é uma diminuição em
ˇ. Mais tarde, se o número de contagiosos na população cair, os suscetíveis podem
relaxar essas práticas.
Mudanças no comportamento humano podem ser afetadas por ordens do go-
verno que fecham negócios ou exigem que as pessoas fiquem em casa e usem
máscaras, caso não o façam. No entanto, a mudança de comportamento ocorrerá
5.1. Um modelo para o comportamento humano em uma epidemia 75

independentemente de haver ou não ordens do governo, e o cumprimento das or-


dens será maior se corresponderem ao que as pessoas tendem a fazer de qualquer
maneira.
Da mesma forma, em nossa breve discussão sobre vacinas em Seção 2.7, aca-
bamos de descrever o que aconteceria se uma fração de população suficiente fosse
vacinada. Não discutimos como as pessoas podem reagir ao próprio programa
de vacinação. A reação pode ter muito em comum com a mudança de compor-
tamento. Se o número de contagiosos na população for alto, as pessoas podem
suprimir qualquer preocupação sobre a segurança da vacina para se protegerem
ou aos seus filhos da doença. Se o número de contagiosos na população for baixo,
talvez por causa do próprio programa de vacinação, as preocupações sobre a segu-
rança da vacina podem levar as pessoas a recusar a vacinação para si mesmas ou
para os seus filhos.
Neste capítulo, veremos como uma ideia da teoria dos jogos evolucionários,
a dinâmica da imitação, pode ser usada para modelar o comportamento humano
nessas situações. A teoria dos jogos trata de situações em que a recompensa (pay-
off ) de uma ação depende não apenas de suas próprias escolhas, mas também das
escolhas dos outros. A teoria dos jogos evolucionários é o lado da teoria dos jogos
que usa equações diferenciais para modelar como as escolhas mudam em resposta
à mudança das escolhas dos outros.
Os payoffs na teoria dos jogos não são necessariamente monetários; incluem
tudo o que os indivíduos consideram consequências positivas e negativas das es-
colhas, e pode ser subjetivo.
Discutiremos o comportamento humano em uma epidemia. Nos problemas,
examinaremos a resposta humana aos programas de vacinação.
A dinâmica de imitação foi introduzida na epidemiologia matemática por C. T.
Bauch e Bhattacharyya (2012) no contexto de um modelo para vacinação infantil.
Poletti (2010) introduziu a ideia de usar a dinâmica de imitação para modelar a
resposta humana a uma epidemia. A análise do modelo de Poletti neste capítulo
vem de Schecter (2021).

5.1 Um modelo para o comportamento humano em uma


epidemia
Consideraremos um modelo SIR no qual os suscetíveis podem escolher entre o
comportamento normal e o comportamento cuidadoso. Os valores resultantes de
ˇ são ˇn , para comportamento normal, e ˇc , para comportamento cuidadoso. O
76 5. Alteração espontânea do comportamento humano

comportamento cuidadoso resulta em menos contatos com infectados, portanto


ˇc < ˇ n .
Cada comportamento produz uma recompensa (payoff ) esperada para um sus-
cetível que o adota. Para simplificar, o valor base do comportamento normal na
ausência de infectados é considerado zero. Se infectados estiverem presentes na
população, o comportamento normal tem um retorno negativo adicional devido à
possibilidade de contrair a doença. No modelo SIR, para cada indivíduo suscetí-
vel, a probabilidade de contrair a doença é proporcional à fração populacional de
infectados I . Portanto, consideramos que a recompensa pn do comportamento
normal é

pn D mn I

onde mn é uma constante positiva.


Indivíduos que adotam um comportamento cuidadoso ainda podem pegar a
doença, então eles têm um retorno de mc I , onde mc é uma constante positiva,
mas mc < mn . Eles também sofrem um retorno negativo médio de k, onde
k é uma constante positiva, por adotar um comportamento cuidadoso, devido a
alguma combinação de perda de renda, abstenção de atividades desejadas, perda
de interações sociais valiosas, etc. Assim, a recompensa pc de comportamento
cuidadoso é

pc D k mc I:

A diferença entre as duas recompensas é

pn pc D k .mn mc /I D k mI

onde m D mn mc , como k, é uma constante positiva. Vemos que o compor-


k
tamento normal tem uma recompensa maior quando I < m e uma recompensa
k
menor quando I > m .
Seja x a fração de suscetíveis que usam comportamento normal, 0 6 x 6 1,
então 1 x é a fração de suscetíveis que usam comportamento cuidadoso. A
ideia da dinâmica de imitação é que os suscetíveis que usam um comportamento
normal e cuidadoso têm conversas a uma taxa proporcional ao produto x.1 x/;
esta é a lei da ação de massa novamente. As conversas podem ser pessoais ou
por e-mail, texto ou mídia social. Se uma pessoa descobrir que o indivíduo que
encontra está usando um comportamento que dá uma recompensa melhor do que o
dela, é possível que ela mude para o comportamento oposto. A taxa de mudança é
5.1. Um modelo para o comportamento humano em uma epidemia 77

considerada proporcional à diferença nas recompensas dos dois comportamentos.


Assim
xP D x.1 x/.pn pc / D x.1 x/.k mI /: (5.1)
Observe que, quando o comportamento normal dá um retorno maior, x aumenta;
quando o comportamento normal dá um retorno menor, x diminui.
A dinâmica da imitação é análoga à transmissão de uma doença de um in-
fectado para um suscetível. Se, por exemplo, o comportamento normal tem um
retorno maior, podemos pensar em pessoas que praticam o comportamento nor-
mal como infectadas, e pessoas que praticam o comportamento cuidadoso como
suscetíveis. Quando as pessoas dos dois grupos se encontram, as que praticam
um comportamento normal podem “infectar” as que praticam um comportamento
cuidadoso e fazê-las mudar seu comportamento.
Na verdade, a Equação (5.1) não está correta. Se o tamanho do grupo sus-
cetível diminuir, por exemplo, os encontros entre diferentes tipos de suscetíveis
devem se tornar menos frequentes. Este fato não é levado em consideração na
Equação (5.1). Você deve se lembrar que, na Seção 2.6, olhamos para o modelo
SIR onde doença às vezes é fatal. Aí, consideramos corretamente a mudança na
taxa de encontros causados por uma diminuição no tamanho de um grupo. No
entanto, devemos deixar a Equação (5.1) como está, uma vez que é simples e co-
mumente usada, e alterá-la normalmente não faz muita diferença nas soluções.
O modelo SIR completo com dinâmica de imitação, ignorando a equação para
o compartimento recuperado, é

SP D ˇn x C ˇc .1 x/ SI; (5.2)

IP D ˇn x C ˇc .1 x/ SI I; (5.3)
xP D x.1 x/.ˇc ˇn /I C x.1 x/.k mI /: (5.4)
Vamos desmontar este sistema de equações. O valor médio de ˇ na popula-
ção, dado x, é ˇn x C ˇc .1 x/. Isso explica as duas primeiras equações. O
único mistério é a primeira parcela na equação x.P Dado que ˇc < ˇn , este termo
é sempre negativo. Isto reflete o fato de que, por si só, x tende a diminuir, porque
os suscetíveis com comportamento normal contraem a doença com mais frequên-
cia do que os suscetíveis com comportamento cuidadoso e se transferem para o
compartimento I . A forma deste termo será deduzida nos problemas.
O espaço de estado é o prisma
P D f.S; I; x/ W S > 0; I > 0; S C I 6 1; 0 6 x 6 1g:
Devemos fazer duas suposições:
78 5. Alteração espontânea do comportamento humano

ˇc ˇn
(a) <1< ;

k
(b) m < 1.

A primeira suposição diz que com comportamento normal, R0 > 1, então a epide-
mia pode se espalhar; mas com cuidado, R0 < 1, então a epidemia deve extinguir-
se. A segunda suposição diz que nenhum dos comportamentos tem garantia de
sempre dar um retorno maior. Embora o comportamento normal sempre dê um
retorno mais alto para I suficientemente baixo, a segunda suposição garante que,
para I suficientemente grande no intervalo 0 6 I 6 1, o comportamento cuida-
doso dá um retorno mais alto.
Também parece razoável supor que  é muito maior que ˇn , ˇc e , uma vez
que o comportamento é capaz de mudar muito mais rápido do que a maioria das
doenças pode se espalhar.
A Figura 5.1, retirada de Schecter (2021), mostra uma simulação típica do
sistema (5.2)–(5.4). Nesta simulação, os valores dos parâmetros são

ˇn D 1=2; ˇc D 1=10; D 1=6; k D 3=10; mn D 5; mc D 2;  D 200:

A partir dos valores de ˇn , ˇc e , vemos que R0 D 3 para o comportamento


normal e R0 D 0:6 para o cuidadoso. Temos I =.mn mc / D 1=10, então o
comportamento normal tem uma recompensa maior para I < 1=10, e o comporta-
mento cuidadoso tem uma recompensa maior para I > 1=10.
No início da simulação, .S; I; x/ D .0:96; 0:04; 0:98/. Portanto, I < 1=10.
Quase toda a população adota rapidamente um comportamento normal. Depois
que I aumenta para cerca de 0.18, a população muda rapidamente para um com-
portamento cuidadoso. Devido ao comportamento cuidadoso, I cai para cerca de
0:05. A população então retorna rapidamente ao comportamento normal e I sobe
para cerca de 0:13 (a segunda onda da epidemia). Depois de mais duas mudanças
comportamentais rápidas, a epidemia desaparece.
Uma característica importante do modelo que estamos estudando neste capí-
tulo, que vemos na simulação, é que, ao contrário de nossos modelos anteriores,
ele pode produzir epidemias com várias ondas.
Outra característica importante do modelo é que o comportamento é “pega-
joso”. Com isso queremos dizer que o comportamento não muda imediatamente
de normal para cuidadoso, ou vice-versa, quando I passa de 1=10. Demora um
pouco para o comportamento mudar. Isso ocorre porque a mudança de compor-
tamento é causada pela interação com outras pessoas usando um comportamento
diferente, que leva tempo.
5.2. Tempo lento e tempo rápido 79

1
susceptible
infected
0.9
normal behavior

0.8

0.7
fraction of population

0.6

0.5

0.4

0.3

0.2

0.1

0
0 0.2 0.4 0.6 0.8 1 1.2 1.4 1.6 1.8 2
time 10 4

Figura 5.1: Uma simulação do sistema (5.2)–(5.4). Se t representa o tempo em


dias, a escala de tempo desta simulação é 1=200 de um dia. A simulação mostra
20 000 unidades de tempo, ou 100 dias.

No restante deste capítulo, tentaremos obter uma visão matemática desses as-
pectos do modelo usando a teoria de sistemas rápido–lento (Kuehn 2015).

5.2 Tempo lento e tempo rápido


1
Uma vez que supomos que  é grande, escrevemos  D " com " > 0 pequeno.
Então multiplicamos (5.4) por " para remover as frações:

SP D ˇn x C ˇc .1 x/ SI; (5.5)

IP D ˇn x C ˇc .1 x/ SI I; (5.6)
"xP D "x.1 x/.ˇc ˇn /I C x.1 x/.k mI /: (5.7)

Lembre-se de que o ponto em (5.5)–(5.7) representa a derivada em relação a t ,


que normalmente representa o tempo em dias. A variável t é chamada de tempo
lento. O comportamento pode mudar em uma escala de tempo mais rápida. Para
80 5. Alteração espontânea do comportamento humano

capturar esse fato, definimos um tempo rápido  D "t . Por exemplo, se t é o tempo
1
em dias e " D 24 , então  é o tempo em horas.
Pela regra da cadeia,

d d d 1d
D D :
dt d dt " d

Fazemos essa substituição em todas as equações de (5.5)–(5.7) e, em seguida, mul-


tiplicamos as duas primeiras equações por " para remover as frações. Se usarmos
0 para significar derivada em relação a  , acabamos com o sistema


S0 D " ˇn x C ˇc .1 x/ SI; (5.8)

I 0 D " ˇn x C ˇc .1 x/ SI " I; (5.9)
x 0 D "x.1 x/.ˇc ˇn /I C x.1 x/.k mI /: (5.10)

Para " > 0, os sistemas (5.5)–(5.7) e (5.8)–(5.10) têm exatamente as mesmas


órbitas, pois só mudamos a velocidade com que elas são percorridas. No entanto,
os limites em " D 0 são totalmente diferentes.
O sistema limite lento, dado definindo " D 0 em (5.5)–(5.7), é

SP D ˇn x C ˇc .1 x/ SI; (5.11)

IP D ˇn x C ˇc .1 x/ SI I; (5.12)
0 D x.1 x/.k mI /: (5.13)

O sistema limite rápido, dado por tomar " D 0 em (5.8)–(5.10), é

S 0 D 0; (5.14)
I 0 D 0; (5.15)
x 0 D x.1 x/.k mI /: (5.16)

Temos assim dois sistemas limite, um rápido e um lento, com comportamentos


distintos. As soluções como a mostrada na simulação podem ser aproximadas com-
binando soluções do sistema limite rápido (5.14)–(5.16) e do sistema limite lento
(5.11)–(5.13). Portanto, examinaremos os dois sistemas limite separadamente, e
então veremos como combinar as suas soluções.
5.3. O sistema limite rápido 81

5.3 O sistema limite rápido


O sistema limite rápido (5.14)–(5.16) tem três planos de equilíbrio: x D 0, x D 1
k
eI D m . Você pode verificar que a matriz de linearização em um ponto onde
0
x D 0 ou x D 1 tem os autovalores 0, 0 e @x @x
D .1 2x/.k mI /. Portanto,
k
os equilíbrios nesses dois planos são normalmente hiperbólicos desde que I ¤ m .
Você pode verificar:

• No plano x D 0, os equilíbrios são normalmente repulsores (autovalor posi-


k k
tivo) para I < m e normalmente atratores (autovalor negativo) para I > m .

• No plano x D 1, a situação é inversa: os equilíbrios normalmente atrato-


k
res (autovalor negativo) para I < m e normalmente repulsores (autovalor
k
positivo) para I > m .

k
O plano de equilíbrio I D m não tem equilíbrios normalmente hiperbólicos e é
de pouca importância. Vamos ignorar isso.
As soluções do sistema limite rápido com 0 < x < 1 são fáceis de entender;
veja Figura 5.2a:

• S e I não mudam ao longo das soluções.

k
• Se I < m, então xP > 0, e de fato

lim x.t/ D 0; lim x.t / D 1:


t! 1 t !1

k
• Se I > m, então xP < 0, e de fato

lim x.t/ D 1; lim x.t / D 0:


t! 1 t !1

As duas últimas afirmações significam que se I for pequeno, o comportamento


rapidamente evolui para todos os indivíduos se comportando normalmente; se I
for grande, o comportamento evolui rapidamente para todos os indivíduos se com-
portando com cuidado.
82 5. Alteração espontânea do comportamento humano

x x

k/m k/m
I I

S S
(a) No sistema limite rápido, as órbitas (b) O sistema limite lento está definido
para 0 < x < 1 são verticais e os tri- apenas nos triângulos em x D 0 e x D 1.
ângulos em x D 0 e x D 1 consistem Em x D 0 é um sistema SIR com R0 < 1;
integralmente de equilíbrios. em x D 1 é um sistema SIR com R0 > 1.

Figura 5.2: Sistemas limite rápido e lento no prisma P.

5.4 O sistema limite lento


O sistema limite lento (5.11)–(5.13) só faz sentido onde a última equação é satis-
feita, ou seja, nos planos x D 0 e x D 1 (o topo e parte inferior do prisma), e no
k
plano I D m . O último conjunto não tem importância e iremos ignorá-lo.
Os planos x D 0 e x D 1 são realmente invariantes para o sistema lento (5.5)–
(5.7) para cada " > 0. Equivalentemente, eles são invariantes para o sistema
original (5.2)–(5.4) para cada  > 0.
No conjunto x D 0 (todo comportamento é cuidadoso), o sistema limite lento
se reduz a
SP D ˇc SI; (5.17)
IP D ˇc SI I: (5.18)
No conjunto x D 1 (todo o comportamento é normal), o sistema limite lento se
reduz para
SP D ˇn SI; (5.19)
IP D ˇn SI I: (5.20)
5.5. Combinando soluções dos sistemas limite rápido e lento 83

Ambos os sistemas são sistemas SIR comuns. Veja a Figura 5.2b.

5.5 Combinando soluções dos sistemas limite rápido e lento


A ideia é que para um pequeno " > 0, uma solução do sistema rápido, ou equi-
valentemente do sistema lento, que começa em 0 < x < 1 estará perto de uma
solução do sistema limite rápido até x estar próximo de zero ou um. Então, os ve-
tores no sistema limite rápido tornam-se pequenos e o sistema limite lento assume
o controle. Veja a Figura 5.3 para uma solução aproximada.
Assim, dado um pequeno " > 0 e o sistema rápido (ou lento), uma solução irá
se aproximará rapidamente de:

k
• x D 1 (todos se comportam normalmente) se I < m;

k
• x D 0 (todos se comportam com cuidado) se I > m.

Tendo chegado perto da parte atratora do plano x D 1 ou x D 0, a solução se-


guirá uma solução do sistema SIR correspondente. Se esta solução eventualmente
se mover para a parte repulsora do plano x D 1 ou x D 0, a solução começa
lentamente a afastar-se do plano e, então, de forma súbita, passa a seguir uma so-
lução do sistema limite rápido e move-se quase imediatamente para o outro lado
do prisma. O processo então se repete.
Este processo pode produzir ondas repetidas de uma epidemia. Uma onda
ocorre sempre que a parte lenta da solução no plano x D 1 tem I.t / aumentando.
O sistema SIR padrão não pode produzir ondas repetidas.
Quando uma solução segue uma trajetória próxima do SIR (em x D 0 ou
x D 1) e passa para a parte repulsora do plano, não se afasta imediatamente do
plano. Em vez disso, ela continua junto ao plano e só se afasta aproximadamente
no ponto determinado pela integral de entrada–saída — assunto da próxima seção.
Este fenômeno pode ocorrer quando o sistema limite lento tem um subespaço de
equilíbrios que permanece invariante para " > 0, como x D 0 e x D 1 no nosso
sistema. A integral de entrada–saída dá a explicação matemática para comporta-
mento “pegajoso” que observamos na simulação.
84 5. Alteração espontânea do comportamento humano

5.6 Integral entrada–saída


Para o sistema limite rápido (5.14)–(5.16), a atração ou repulsão em direção a
x D 0 no ponto .S; I; 0/ é governada pelo número

@x 0
.S; I; 0/ D k mI: (5.21)
@x
Seja .S0 ; I0 ; 0/ um ponto de x D 0 onde (5.21) é negativo. Seja .S.t /; I.t // a
solução de (5.17)–(5.18) com .S.0/; I.0// D .S0 ; I0 /. Seja t1 > 0 o tempo para
o qual: Z t1 0
@x
.S.t/; I.t /; 0/ dt D 0: (5.22)
0 @x
Seja .S1 ; I1 / D .S.t1 /; I.t1 //. Como a solução .S.t /; I.t // se aproxima de um
equilíbrio numa parte repulsora de x D 0 (veja o retrato de fase), este tempo
t1 existe sempre. A razão é que a solução leva um tempo infinito para atingir o
equilíbrio, então o integral em (5.22) cresce sem limites quando t1 ! 1.
Teorema 5.1. Para um pequeno " > 0, suponha que uma solução de (5.8)–(5.10)
(ou (5.5)–(5.7)) chegue numa pequena vizinhança do plano x D 0 perto do ponto
.S0 ; I0 ; 0/. Então a solução deixará aquela vizinhança do plano próximo ao ponto
.S1 ; I1 ; 0/.
Observe que a integral em (5.22) começa por ser negativa para t1 > 0 pequeno,
pois estamos na parte atratora do plano onde a função integranda é negativa. Mas a
curva .S.t/; I.t /; 0/ irá por fim entrar na parte repulsora de x D 0, onde a função
integranda é positiva. Em t1 , a repulsão equilibra a atração e a solução deixa a
vizinhança " do plano.
Da mesma forma, para o sistema limite rápido (5.14)–(5.16), a atração ou re-
pulsão em direção a x D 1 em um ponto .S; I; 1/ é governada pelo número

@x 0
.S; I; 1/ D .k mI /: (5.23)
@x
Seja .S0 ; I0 ; 1/ um ponto de x D 1 onde (5.23) é negativo. Seja .S.t /; I.t // a
solução de (5.19)–(5.20) com .S.0/; I.0// D .S0 ; I0 /. Seja t1 o menor número
positivo, se existir, para o qual:
Z t1 0
@x
.S.t/; I.t /; 1/ dt D 0: (5.24)
0 @x
5.7. Soluções singulares 85

Seja .S1 ; I1 / D .S.t1 /; I.t1 //. Ou contrário do que acontece no plano x D 0,


no plano x D 1 o tempo t1 pode não existir. Se você olhar para o retrato de fase,
você verá que a solução em x D 1 pode nunca entrar na parte repulsora do plano,
ou pode permanecer na parte repulsora do plano por apenas um breve tempo antes
de reentrar na parte atratora do plano.
Teorema 5.2. Para um pequeno " > 0, suponha que uma solução de (5.8)–(5.10)
(ou (5.5)–(5.7)) chegue numa pequena vizinhança do plano x D 1, perto do ponto
.S0 ; I0 ; 1/.
• Se existir um tempo t1 conforme definido acima, então a solução deixará
aquela vizinhança do plano perto do ponto .S1 ; I1 ; 1/.
• Se não existir t1 , a solução nunca deixará a vizinhança do plano e continu-
ará a seguir .S.t/; I.t/; 1/.

5.7 Soluções singulares


Para um pequeno " > 0, a sequência de soluções dos sistemas limite rápido e lento
que uma solução verdadeira deve seguir de perto é chamada de solução singular.
x

S
Figura 5.3: A solução singular.

A Figura 5.3 mostra o início de uma solução singular.


86 5. Alteração espontânea do comportamento humano

1. A primeira solução rápida começa no ponto onde S é grande, I é pequeno


e a maioria das pessoas está usando um comportamento normal. A solu-
ção rapidamente se aproxima do plano x D 1, onde todo mundo usa um
comportamento normal.
2. A primeira solução lenta está em x D 1, ou seja, é uma solução de um
sistema SIR com R0 > 1. O número de infetados aumenta até um ponto
onde a integral de entrada–saída (5.24) é zero.
3. A segunda solução rápida leva a um ponto em x D 0, ou seja, todos adotam
um comportamento cuidadoso.
4. A segunda solução lenta está em x D 0, ou seja, é uma solução de um
sistema SIR com R0 < 1. O número de infetados diminui até um ponto
onde a integral de entrada–saída (5.22) é zero.
5. A terceira solução rápida leva então a um ponto em x D 1.
6. A terceira solução lenta (não mostrada) está em x D 1. Pode representar
uma segunda onda da epidemia (ou seja, pode começar com I.t / aumen-
tando). Nesse caso, pode haver uma quarta solução rápida ou a epidemia
pode passar de um pico e depois morrer. Alternativamente, a terceira solu-
ção lenta poderia ter I.t/ decrescendo desde o início, representando o fim
da epidemia.
Vamos dar um exemplo numérico. Usamos os valores dos parâmetros

ˇn D 1=2; ˇc D 1=10; D 1=6; k D 3=10; mn D 5; mc D 2:

Os mesmos valores de parâmetro foram usados na simulação Seção 5.1. Como


na simulação, devemos usar o ponto de partida .S; I; x/ D .0:96; 0:04; 0:98/. Os
cálculos de integrais de entrada–saída necessários para produzir a órbita singular
foram feitos em Schecter (2021). A órbita singular resultante é a seguinte. Você
deve comparar a órbita singular com a simulação, que na verdade é uma simulação
de (5.8)–(5.10) com " D 1=200.

1. A primeira solução rápida vai de .0:96; 0:04; 0:980/ para .0:960; 0:040; 1/.
2. A primeira solução lenta vai de .0:960; 0:040; 1/ para .0:720; 0:184; 1/, onde
a integral de entrada–saída é 0.
3. A segunda solução rápida vai de .0:720; 0:184; 1/ para .0:720; 0:184; 0/.
5.8. Discussão sobre a mudança do comportamento humano 87

4. A segunda solução lenta vai de .0:720; 0:184; 0/ para .0:626; 0:045; 0/, onde
a integral de entrada–saída é 0.

5. A terceira solução rápida vai de .0:626; 0:045; 0/ para .0:626; 0:045; 1/.

6. A terceira solução lenta vai de .0:626; 0:045; 1/ para .0:276; 0:122; 1/, onde
a integral de entrada–saída é 0.

7. A quarta solução rápida vai de .0:276; 0:122; 1/ para .0:276; 0:122; 0/.

8. A quarta solução lenta vai de .0:276; 0:122; 0/ para .0:268; 0:081; 0/, onde
a integral de entrada–saída é 0.

9. A quinta solução rápida vai de .0:268; 0:081; 0/ para .0:268; 0:081; 1/.

10. A quinta solução lenta vai de .0:268; 0:081; 1/ para .0:146; 0; 1/, onde ter-
mina a epidemia. Não há nenhum ponto onde a integral de entrada–saída
seja 0.

5.8 Discussão sobre a mudança do comportamento hu-


mano
O modelo apresentado neste capítulo faz parte da disciplina da epidemiologia com-
portamental, que está em crescimento. Uma boa introdução é C. Bauch, d’Onofrio
e Manfredi (2013).
O modelo pode ser alterado de várias maneiras. Aqui temos alguns.

1. No modelo, todos experimentam o mesmo custo fixo k de comportamento


cuidadoso. Claro que isso não é correto. Os custos de ficar em casa para um
profissional que pode trabalhar em casa e para um trabalhador ocasional que
deve encontrar trabalho todos os dias são completamente diferentes. Talvez
o modelo deva ter diferentes compartimentos para diferentes grupos sociais.

2. O custo fixo k de um comportamento cuidadoso pode não ser realmente


corrigido. Com o tempo, as pessoas podem simplesmente se cansar de usar
máscara e ficar em casa, ou podem exaurir suas economias e precisar encon-
trar trabalho. Nesses casos o custo percebido de ficar em casa aumenta.

3. O modelo supõe que as pessoas reagem ao estado atual da epidemia, ou seja,


a I.t /. Outra possibilidade é que as pessoas reajam à memória da epidemia,
88 5. Alteração espontânea do comportamento humano

ou seja, a I.s/ por s 6 t. Esse pode ser um dos motivos pelos quais, quando
I.t / diminui, muitas pessoas ainda ficam em casa. Veja Poletti, Ajelli e
Merler (2012) para esta abordagem.
4. No modelo, as pessoas reagem apenas ao estado da epidemia e às suas intera-
ções com outras pessoas. Na verdade, as pessoas também reagem às ordens
do governo e às informações veiculadas na mídia. Uma vez que diferen-
tes mídias podem apresentar informações muito diferentes, talvez o modelo
deva ter compartimentos diferentes para diferentes estilos de consumo de
mídia.
O comportamento humano é complicado. Diferentes aspectos do comporta-
mento humano podem ser salientes em diferentes situações. Assim, modelos sim-
plificados que capturam apenas um ou alguns aspectos do comportamento humano
podem explicar corretamente o comportamento em algumas situações, mas não em
outras.
Os epidemiologistas matemáticos sabem que a mudança espontânea do com-
portamento humano é importante. No entanto, raramente é incluído em modelos
de uso prático. Por exemplo, Ferguson, Cummings et al. (2006) no seu detalhado
modelo de influenza para os EUA e Reino Unido, que foi mencionado no Prefá-
cio, escrevem: “Não supomos qualquer mudança espontânea no comportamento
de indivíduos não infectados como a pandemia progride, mas observe que as mu-
danças comportamentais que aumentaram a distância social junto com alguns fe-
chamentos de escolas e locais de trabalho ocorreram em pandemias anteriores (…)
e podem ocorrer em uma futura pandemia, mesmo que não façam parte da política
oficial. (…) Essas mudanças espontâneas no comportamento da população podem
reduzir mais facilmente o pico de incidência de casos diários.”
Existem pelo menos três razões pelas quais a mudança comportamental não é
levada em consideração na maioria dos modelos.
1. Como mencionamos acima, o comportamento humano é complicado, e pode-
se imaginar levando em consideração muitos aspectos diferentes do compor-
tamento humano.
2. Ainda não existe uma abordagem geral amplamente aceita sobre como levar
em consideração o comportamento humano em modelos de epidemia.
3. Coletar dados relevantes para o comportamento humano é um problema de-
safiador.
Essas questões representam um desafio importante para o futuro.
5.9. Problemas 89

5.9 Problemas
Problema 5.1 (Derivação do modelo SIR com dinâmica de imitação). Neste pro-
blema explicamos o primeiro termo da soma na Equação (5.4). O sistema (5.2)–
(5.4) é na verdade baseado em um modelo de quatro compartimentos. Existem
dois compartimentos suscetíveis, Sn e Sc . Indivíduos em Sn , com comportamento
normal, têm coeficiente de transmissão ˇn , e indivíduos em Sc , com comporta-
mento cuidadoso, têm coeficiente de transmissão ˇc . Os outros compartimentos
são infetados e recuperados. Ignorando a dinâmica de imitação, temos o seguinte
sistema de equações diferenciais para as frações da população.

SPn D ˇn Sn I; (5.25)
SPc D ˇc Sc I; (5.26)
IP D .ˇn Sn C ˇc Sc /I I; (5.27)
RP D I: (5.28)

Defina x D Sn =.Sn CSc /, então 1 x D Sc =.Sn CSc /. Use a regra de quociente


para mostrar que

xP D x.1 x/.ˇc ˇn /I:

Problema 5.2 (Resposta humana aos programas de vacinação). Considere o sis-


tema SIR com nascimentos e mortes naturais que vimos no Problema 3.2. Supomos
que C
ˇ
< 1. Vimos no Problema 3.2 que com esta suposição, a doença torna-se
endêmica, i.e., existe um equilíbrio .S ; I / no interior do espaço de fase. Com
a suposição oposta, Cˇ
> 1, a doença extingue-se. O R0 para este sistema é
C
ˇ
.
Dado que a doença se torna endêmica se nada for feito, é razoável desenvolver
um programa de vacinação. Suponha que uma fração x dos recém-nascidos sejam
vacinados contra a doença e que a vacinação seja totalmente eficaz. Assim, uma
fração x de recém-nascidos entra na categoria recuperada e uma fração 1 x
entra na categoria suscetível. O sistema no problema 3.2 torna-se

SP D .1 x/ ˇSI S; (5.29)


IP D ˇSI I I; (5.30)
RP D I R C x: (5.31)
90 5. Alteração espontânea do comportamento humano

Os pais que optam por não vacinar seu recém-nascido têm uma recompensa
negativa porque seu filho pode contrair a doença. Essa recompensa é proporci-
onal ao número de contagiosos na população. Portanto, é mI onde m é uma
constante positiva.
Por outro lado, os pais que optam por vacinar seu recém-nascido têm um
retorno negativo devido à possibilidade de efeitos colaterais da vacina. Este pa-
gamento é k, onde k é uma constante positiva.
Portanto, a recompensa de vacinar subtraída da recompensa de não vacinar
é igual a k C mI .
Para vacinas em uso, k é muito menor do que m. Assim, quando I não é muito
k
baixo (I > m ), a vacinação tem um retorno maior, mas quando I é muito baixo
k
(I < m /, como será se o programa de vacinação já estiver em vigor há muito
tempo, não vacinar tem uma recompensa maior.
Supondo a dinâmica de imitação, temos
xP D x.1 x/. k C mI /
com  uma constante positiva. Quando a vacinação dá um retorno maior, x au-
menta; quando a vacinação dá um retorno menor, x diminui.
O sistema completo é
SP D .1 x/ ˇSI S; (5.32)
IP D ˇSI I I; (5.33)
RP D I R C x; (5.34)
xP D x.1 x/. k C mI /: (5.35)

1. Mostre que se S C I C R D 1, então SP C IP C RP D 0. Portanto, devemos


ignorar a equação RP e considerar o sistema reduzido
SP D .1 x/ ˇSI S; (5.36)
IP D ˇSI I I; (5.37)
xP D x.1 x/. k C mI /: (5.38)
O espaço de estado é o prisma P.
2. Encontre todos os equilíbrios. Resposta:
 k
.S; I; x/ D .1; 0; 0/; .S ; I ; 0/; .0; 0; 1/; .S ; ; 1/; .S ; ; x /;
ˇ m
5.9. Problemas 91

com
   
C 1 1 ˇk
S D ; I D  ; x D 1 1 S :
ˇ C ˇ m

3. Use os métodos deste curso para aprender todas as informações adicionais


que puder sobre a dinâmica deste modelo. Os planos x D 0 e x D 1 são
invariantes. Você pode usar a linearização e a teoria planar para deter-
minar o fluxo nesses planos? A linearização nos equilíbrios ajuda você a
entender o fluxo em 0 < x < 1? É apropriado ver este sistema como um
sistema rápido–lento, e isso ajuda?
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Índice
Remissivo

A cuidadoso, 89
AIDS, vii humano, 27, 74
Arábia Saudita, viii normal, 89
Assintomáticos, 53 pegajoso, 78, 83
Autovalores e autovetores, 36, 55, Contato, 9
56, 59, 68, 73, 81 adequado, 2
Coronavírus, viii
B Covid-19, viii, 27, 29, 30, 52, 70, 71
Box, George, 15 Crescimento e decaimento
Brasil, vii, ix, 27 exponencial, 58, 69
C Curva invariante, 24
Campo de vetores, 19, 20, 33
China, viii D
Ciclo separatriz, 45, 48, 51 Determinante, 43, 55, 59
Coeficiente de transmissão, 10, 28, Dinâmica de imitação, 75, 90
29, 89 Distanciamento social, 30, 74
Cólera, vii Distribuição de probabilidade, 11,
COMORBUSS, ix 15
Compartimento, 2, 14 Doença
Comportamento endêmica, x, 8
95
96 Índice Remissivo

infecciosa, v, 1 Influenza, vii


Integração por partes, 67
E Itália, x
Equação
característica de uma matriz A, K
36 Kermack, W. O., x
diferencial
linear, 35 L
linear hiperbólica, 37 Lei de ação das massas, 14
matricial, 35 Linearização, 34, 40
ordinária, 4 Linha de fase, 7, 15
polinomial, 45 Lockdowns, 71
Equilíbrio, 6, 33, 55, 56, 68, 81, 90 Logaritmo natural, 58
assintoticamente estável, 40
M
atrator, 41
Malária, vii
endêmico, 8, 15, 49
Matriz
hiperbólico, 41
da próxima geração, x, 60, 62,
normalmente hiperbólico, 56,
73
57, 81
de linearização, 42, 50, 55, 68,
repulsor, 41
72, 81
sela, 41
exponencial, 65
sela hiperbólica, 49
inversa, 73
Espaço de fase, 6
McKendrick, A. G., x
Estados Unidos, ix
MERS-CoV, viii
Exponencial matricial, 65
Modelo
F para o Covid-19, 52
Frações parciais, 16 SEIR, 52, 71
SIR, x, 18, 56, 57
G SIS, 3
Gradiente, 21 Modelos
Gráfico, 45, 48, 51 baseados em agentes, ix, 14
Gripe espanhola, vii endêmicos, 49
epidêmicos, 49
I equações diferenciais
Imunidade, 1, 18, 32, 49 ordinárias, x
de rebanho, 29 parciais, x
Índia, x estocásticos, viii, 15
Infectados, 18 rede, ix, 14
Índice Remissivo 97

Morte, 19, 27, 50 Segunda Lei de Newton, 5


natural, 50, 71, 89 Separação de variáveis, 16
Serra Leoa, x
N
Sistema
Nascimentos, 49, 50, 71, 89
de saúde, 30
Newton, Isaac, 3
limite
Nulóclinas, 19, 33
lento, 80, 82
Número básico de reprodução R0 ,
rápido, 80, 81
12, 19, 27, 59, 63, 64, 70,
rápido–lento, 79
78
Solução singular, 85
O Subespaço estável e instável, 38
Ondas de uma epidemia, 83 Suscetíveis, 2, 18
Órbita, 22, 25, 57
fechada, 44, 51 T
Tempo
P
lento, 79
Pessoa infecciosa, 1
médio, 11, 15, 67
Peste, vi
rápido, 79
Princípio Anna Karenina, 57
Teorema de Perron–Frobenius, x
Probabilidade de transmissão, 30
Teoria dos jogos, 75
Problema de valor inicial, 5
Traço, 43
Q
Quarentena, 30 U
Unidades, 11
R Uso de máscaras, 30, 71, 74
Recém-nascidos, 89
Recompensa (Payoff), 75, 76, 78, 90
V
Recuperados, 18
Vacina, 29, 75, 89
Regra da cadeia, 21, 80
Valor médio, 11
Reino Unido, ix, 58, 71
Variantes, 68
Removidos, 19
Variedade, 41
Resfriado comum, 1
estável e instável, 41, 49, 57
Retrato de fase, 7, 24, 37, 39
Varíola, vi
Rio de Janeiro, vii
Verificações de temperatura, 70
S Vetor velocidade, 4
SARS-CoV, viii Visitantes, 16
Títulos Publicados — 33º Colóquio Brasileiro de Matemática

Geometria Lipschitz das singularidades – Lev Birbrair e Edvalter Sena


Combinatória – Fábio Botler, Maurício Collares, Taísa Martins, Walner Mendonça, Rob Morris e
Guilherme Mota
Códigos Geométricos – Gilberto Brito de Almeida Filho e Saeed Tafazolian
Topologia e geometria de 3-variedades – André Salles de Carvalho e Rafał Marian Siejakowski
Ciência de Dados: Algoritmos e Aplicações – Luerbio Faria, Fabiano de Souza Oliveira, Paulo
Eustáquio Duarte Pinto e Jayme Luiz Szwarcfiter
Discovering Euclidean Phenomena in Poncelet Families – Ronaldo A. Garcia e Dan S. Reznik
Introdução à geometria e topologia dos sistemas dinâmicos em superfícies e além – Víctor León
e Bruno Scárdua
Equações diferenciais e modelos epidemiológicos – Marlon M. López-Flores, Dan Marchesin,
Vítor Matos e Stephen Schecter
Differential Equation Models in Epidemiology – Marlon M. López-Flores, Dan Marchesin, Vítor
Matos e Stephen Schecter
A friendly invitation to Fourier analysis on polytopes – Sinai Robins
PI-álgebras: uma introdução à PI-teoria – Rafael Bezerra dos Santos e Ana Cristina Vieira
First steps into Model Order Reduction – Alessandro Alla
The Einstein Constraint Equations – Rodrigo Avalos e Jorge H. Lira
Dynamics of Circle Mappings – Edson de Faria e Pablo Guarino
Statistical model selection for stochastic systems – Antonio Galves, Florencia Leonardi e Gui-
lherme Ost
Transfer Operators in Hyperbolic Dynamics – Mark F. Demers, Niloofar Kiamari e Carlangelo
Liverani
A Course in Hodge Theory Periods of Algebraic Cycles – Hossein Movasati e Roberto Villaflor
Loyola
A dynamical system approach for Lane--Emden type problems – Liliane Maia, Gabrielle Norn-
berg e Filomena Pacella
Visualizing Thurston's Geometries – Tiago Novello, Vinícius da Silva e Luiz Velho
Scaling Problems, Algorithms and Applications to Computer Science and Statistics – Rafael
Oliveira e Akshay Ramachandran
An Introduction to Characteristic Classes – Jean-Paul Brasselet
a
ISBN 978-65-89124-42-9

impa
Instituto de
Matemática
Pura e Aplicada
9 786589 124429

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