Document 32
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modelos epidemiológicos
Marlon M. López-Flores
Dan Marchesin
Vítor Matos
Stephen Schecter
a
impa
Marlon M. López-Flores
Dan Marchesin
Vítor Matos
Stephen Schecter
Equações diferenciais e
modelos epidemiológicos
Equações diferenciais e modelos epidemiológicos
Primeira impressão, julho de 2021
Copyright © 2021 Marlon M. López-Flores, Dan Marchesin, Vítor Matos e Stephen Schec-
ter.
Publicado no Brasil / Published in Brazil.
ISBN 978-65-89124-42-9
MSC (2020) Primary: 92D30, Secondary: 34A26, 34E15, 91A22
Agradecimentos iii
Prefácio iv
1 Modelo SIS 1
1.1 O modelo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Contexto: Como fazer ciência ocidental . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.3 Noções de equações diferenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.4 Linha de fase para o sistema SIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.5 A constante ˇ e a dedução do modelo SIS . . . . . . . . . . . . . . 9
1.6 A constante
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.7 O número de reprodução básico, R0 . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
1.8 Discussão do modelo SIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.9 Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2 Modelo SIR 18
2.1 O modelo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.2 Contexto matemático: Campos de vetores e isóclinas . . . . . . . . 19
2.3 Contexto matemático: Funções e equações diferenciais . . . . . . . 21
2.4 Órbitas e retrato de fase para o sistema SIR . . . . . . . . . . . . . 22
2.5 Interpretação das órbitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.6 Modelo SIR com mortes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
2.7 Discussão do modelo SIR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.8 Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
Bibliografia 92
Índice Remissivo 95
Agradecimentos
Doenças infecciosas
As doenças infecciosas são desvios do estado fisiológico causados por organis-
mos, tais como bactérias, vírus, fungos, parasitas, etc. Têm sido responsáveis por
enorme sofrimento e morte ao longo da história.
Novas doenças infecciosas têm surgido continuamente e continuarão a surgir
no futuro. A fonte é frequentemente algum tipo de transmissão de doenças de
outras espécies.
As doenças infecciosas e a sua propagação podem ser vistas como subprodutos
do progresso humano. A domesticação de animais e a penetração humana em
todos os biomas globais têm ajudado as doenças a migrar de outras espécies para
os seres humanos. O comércio global, que existe desde a antiguidade, tem ajudado
a propagação de doenças.
Os progressos na compreensão científica, saneamento, medidas de prevenção
e tratamentos levaram a um melhor controle de muitas doenças infecciosas na
maioria das partes do mundo. O aumento dos nossos conhecimentos e experiência
deu-nos ferramentas notáveis para fazer face à pandemia da Covid-19 e às doenças
infecciosas que irão surgir no futuro.
Modos de transmissão
Vamos dar alguns exemplos de doenças infecciosas especialmente mortais e os
seus modos de transmissão.
A peste é causada por uma bactéria que é tipicamente transmitida pela morde-
dura de uma pulga que anteriormente mordeu um animal infectado. Também pode
ser transmitida de pessoa a pessoa através da tosse. As pandemias de peste têm
estado entre os episódios mais devastadores da história humana (Frith 2012). A
peste Justiniana teve origem na Etiópia e atingiu Constantinopla (agora Istambul)
em 541 EC. Matou cerca de 5 000 a 10 000 pessoas por dia na cidade, e acabou
por matar talvez 100 milhões de pessoas na África, Ásia e Europa durante os anos
seguintes. Houve surtos repetidos ao longo dos 200 anos seguintes.
Na Europa, de acordo com (ibid.), “a disrupção social e econômica causada
pela Peste Justiniana levou ao colapso do sistema romano tardio e à sua substitui-
ção pelas culturas mais locais que caracterizavam a Europa medieval”.
A peste reapareceu na Europa em 1347 (a Peste Negra), trazida da Ásia Menor
para a Crimeia por um exército Tártaro. Matou um quarto da população da Europa,
25 milhões de pessoas, até 1350. Os surtos continuaram em África, Ásia e Europa
durante mais de 300 anos. A Peste Negra levou ao colapso da sociedade medieval
e ao crescimento de uma classe média.
A peste reapareceu na China em 1855 e não foi totalmente controlada durante
cem anos, altura em que já tinha matado 15 milhões de pessoas, a maioria na Índia.
A varíola é causada por um vírus que se propaga pelo contato com feridas dos
doentes, pelo contato com objetos contaminados como roupa de cama ou vestuário,
e pela tosse e espirros. Já estava presente no século III AEC no Egito. Foi trazido
para as Américas pelos europeus a partir dos anos 1520, onde era desconhecida e
não havia imunidade. Estima-se que as doenças do Velho Mundo, principalmente
a varíola, mataram 90 a 95% da população indígena das Américas. Embora as
campanhas de vacinação tenham começado no século 19, a varíola ainda matou de
300 milhões a 500 milhões de pessoas durante o século 20. A varíola foi declarada
erradicada em 1979 (Wikipedia 2021e).
A malária é causada por um parasita que é transmitido pelas picadas de mos-
quitos. Houve 229 milhões de casos de paludismo em 2019, levando a 409 000
mortes. Cerca de 94% dos casos e das mortes ocorreram em África (CDC 2021).
A cólera é uma doença bacteriana que se propaga geralmente através da água
contaminada. Houve sete pandemias de cólera desde o século XIX. A cólera mata
atualmente pelo menos 21 000 pessoas por ano (WHO 2021). Uma epidemia de
cólera no Haiti em 2010–2011, na sequência de um terremoto, fez adoecer quase
800 000 pessoas (Wikipedia 2021b).
A síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA ou AIDS) é causada pelo
vírus da imunodeficiência humana (VIH). É transmitido sexualmente, através do
contato com sangue infectado ou agulhas contaminadas, e de mãe para filho. A
SIDA já matou cerca de 33 milhões de pessoas desde que foi identificado pela
primeira vez nos anos 80 do século XX (Wikipedia 2021f). Provavelmente, saltou
dos chimpanzés ou gorilas para os humanos na África Central na década de 1920
(Wikipedia 2021d).
Enquanto os epidemiologistas matemáticos tentam modelar todas estas doen-
ças, neste curso preocupamo-nos com as doenças infecciosas que são principal-
mente transmitidas diretamente de uma pessoa para outra.
Influenza é o principal exemplo. É causada por uma família de vírus que se
espalham pela tosse ou espirro. A primeira pandemia de gripe documentada co-
meçou na Ásia em 1510 e se espalhou ao longo das rotas comerciais (Wikipedia
2021a).
A chamada pandemia de gripe espanhola de 1918-1920 matou cerca de 100
milhões de pessoas em todo o mundo. Foi observado pela primeira vez no estado
do Kansas, nos Estados Unidos, em janeiro de 1918, (Wikipedia 2021h). Ela se
espalhou rapidamente para outras partes dos Estados Unidos e da Europa, e depois
ao redor do mundo, chegando ao Brasil em agosto de 1918. No Rio de Janeiro,
a gripe espanhola matou cerca de 15 000 pessoas e adoeceu outras 600 000 —
cerca de 66 % da população da cidade. “A cidade logo se viu à beira do colapso.
Não havia comida suficiente, nem remédio suficiente, nem médicos suficientes e
nem hospitais suficientes para receber mais doentes. (…) As ruas da cidade foram
se transformando gradualmente em um mar de corpos insepultos, pois não havia
coveiros suficientes para enterrar os corpos ou caixões para colocá-los.” (Goulart
2005).
Mutações do vírus de 1918 são responsáveis pela maioria dos casos de in-
fluenza desde então (Taubenberger e Morens 2006). As pandemias de gripe em
1957-58 e 1967-68 mataram 1 a 4 milhões de pessoas em todo o mundo (Wikipedia
2021g).
Os coronavírus são disseminados como os vírus da gripe. O vírus SARS-CoV
foi notificado pela primeira vez na China em fevereiro de 2003 e provavelmente
teve origem em morcegos. Espalhou-se pelas Américas, Europa e Ásia matando
quase 800 pessoas. O MERS-CoV foi noticiado pela primeira vez na Arábia Sau-
dita em 2012. Emergiu de morcegos via camelos como hospedeiros intermediários,
e matou mais de 800 pessoas. O SARS-CoV-2, reportado pela primeira vez em
Wuhan, China, em dezembro de 2019, causa a síndrome conhecida como Covid-
19, que é atualmente uma pandemia global. Acredita-se que tenha surgido de
morcegos. Ele causou quase 3 milhões de mortes até meados de abril de 2021
(Wikipedia 2021c).
Modelos estocásticos
Especialmente no início de uma epidemia, quando apenas algumas pessoas estão
infectadas, o elemento do acaso é importante para que a epidemia se propague ou
morra. Os modelos de EDO são deterministas. Os modelos estocásticos têm em
conta o aspecto probabilístico das epidemias. Uma referência introdutória é Allen
(2008).
Modelos de rede
Tanto modelos de EDO como modelos estocásticos dividem a população em com-
partimentos e assumem que os membros dos compartimentos se encontram uns
com os outros a determinadas taxas. Os modelos de rede, pelo contrário, repre-
sentam indivíduos como nós numa rede e representam os seus contatos uns com
os outros por arestas que ligam os nós. Semelhante aos modelos estocásticos, a
doença é transmitida probabilisticamente, através de bordas. Tais modelos alcan-
çam um elevado grau de realismo, mas são difíceis de analisar, a menos que sejam
feitas fortes suposições restritivas. Uma boa referência é Kiss, Miller e Simon
(2017).
Outro tipo de modelo de rede utiliza dois tipos de nós, um para indivíduos e
outro para misturar locais como locais de trabalho, lojas, e escolas. Os bordos
ligam os indivíduos aos locais de mistura. Estes modelos tornaram-se importantes
durante a pandemia de Covid-19 devido à disponibilidade de dados agregados de
celulares que registam o movimento de pessoas de casas para locais de mistura
(Chang et al. 2021).
1.1 O modelo
Na população humana, uma doença infecciosa como o sarampo, gripe ou Covid-19
espalha-se devido à combinação de características patogênicas e comportamento
humano. As características patogênicas determinam as circunstâncias sob as quais
uma pessoa contagiosa pode infectar outra. O comportamento humano determina
a frequência com que estas circunstâncias ocorrem.
Uma palavra sobre a terminologia. Doenças infecciosas são distúrbios fisi-
ológicos causados por organismos tais como bactérias, vírus, fungos, parasitas,
etc. Aquelas que podem ser transmitidas de pessoa para pessoa são chamadas de
doenças contagiosas. Neste curso vamos apenas considerar doenças contagiosas.
Contudo, em epidemiologia matemática o termo “doença contagiosa” raramente
é usado; o termo mais abrangente “doença infecciosa” é quase sempre o usado.
Seguiremos esta tradição. Um indivíduo infectado pode ser ou não capaz de trans-
mitir a doença; caso seja capaz, é chamado contagioso, infectante ou infeccioso.
Neste capítulo, vamos considerar uma doença infecciosa para a qual ninguém
tem nem ganha imunidade. O resfriado comum é um exemplo. Supomos que
a população em consideração pode ser dividida em dois grupos: os suscetíveis
2 1. Modelo SIS
(aqueles que não têm a doença) e os infectados (aqueles que têm a doença; aqui,
todos os infectados estão doentes e são infecciosos). Em epidemiologia, esses
grupos são chamados de compartimentos.
Um indivíduo suscetível pode contrair a doença de um indivíduo infectado.
O indivíduo suscetível então torna-se infectado, e mantêm-se infectado até ficar
curado. Uma vez curado, o infectado volta a ser suscetível, dado que não existe
imunidade a esta doença.
Seja S.t / a fração da população que é suscetível no instante t e seja I.t / a
fração da população que está infectada no instante t. Temos S.t / > 0, I.t / > 0 e
S.t /CI.t / D 1. Um indivíduo suscetível torna-se infeccioso devido a um contato
com um indivíduo infeccioso. Esse contato tem que ter as características apropri-
adas para a transmissão da doença. Estas características podem estar relacionadas
com a duração do contato, a proximidade dos indivíduos durante o contato, onde o
contato ocorre, se o indivíduo doente espirra, etc. Tais contatos são, por vezes, de-
nominados contatos adequados, mas, por simplicidade, iremos referir-nos a eles
apenas como contatos. Claro que há também um elemento de probabilidade de
que um contato resulte realmente na transmissão da doença. Nós iremos abordar
este assunto na Seção 1.5.
Talvez seja razoável supor que se multiplicarmos I.t / por um número k, então
multiplicaremos a taxa com que tais contatos ocorrem por k; e se multiplicarmos
S.t / por um número k, então multiplicaremos também a taxa com que tais contatos
ocorrem por k. Isto significa que a taxa a que a doença é transmitida no momento
t é proporcional ao produto S.t/I.t/. Do mesmo modo, talvez seja razoável supor
que a taxa com que os infectados recuperam e voltam a ser suscetíveis, no tempo t ,
é proporcional a I.t /. Estes pressupostos levam ao seguinte par de equações para
as taxas:
dS
D ˇS.t /I.t / C
I.t /; (1.1)
dt
dI
D ˇS.t /I.t /
I.t /: (1.2)
dt
SP D ˇSI C
I; (1.5)
IP D ˇSI
I: (1.6)
Seja x.t / D x1 .t/; : : : ; xn .t/ um ponto que se move em Rn . O vetor velo-
cidade é usualmente desenhado aplicado no ponto x.t /.
Por exemplo, suponha que x.t/ D .cos t; sen t/, um ponto movendo-se em R2 .
O ponto x.t / percorre o círculo de raio 1, com centro na origem. Temos x.t P /D
. sen t; cos t/. Portanto, x.0/ D .1; 0/, x.0/
P D .0; 1/, x.=2/ D .0; 1/, x.=2/
P D
. 1; 0/. Estes factos estão ilustrados na Figura 1.1.
x2
x.=2/
P
x.0/
P
x1
Figura 1.1: Trajetória x.t/ D .cos t; sen t/ a cinza e os vetores velocidade para
t D 0 e t D =2 a preto.
Como vimos, uma ideia científica geralmente diz-nos que se conhecemos, num
dado instante, o ponto x que representa o estado do sistema, então conhecemos x,
P
ou seja, como x está variando no mesmo instante. Em outras palavras, o vetor
velocidade xP é uma função do estado x, i.e., xP D f .x/ ou
xP 1 D f1 .x1 ; : : : ; xn /; (1.7)
::
:
xP n D fn .x1 ; : : : ; xn /: (1.8)
Uma equação da forma xP D f .x/ é uma equação diferencial ordinária de pri-
meira ordem.
• Primeira ordem: só existem primeiras derivadas, não existem derivadas
mais altas.
• Autônoma: a derivada depende apenas do estado do sistema x, não do
tempo t.
• Ordinária: só existem derivadas ordinárias, não derivadas parciais.
Quando uma equação diferencial xP D f .x/ em Rn com n > 1 é escrita na forma
(1.7)–(1.8), é chamado sistema de equações diferenciais.
1.3. Noções de equações diferenciais 5
xP D v;
vP D F=m:
xP D f .x/; x.t0 / D x0 :
xP 1 D x2 ; (1.9)
xP 2 D x1 ; (1.10)
com a condição inicial .x1 .0/; x2 .0// D .1; 0/, tem .x1 .t /; x2 .t// D .cos t; sen t /
como solução. Para confirmar que esta é realmente uma solução do sistema, basta
substituir xP 1 e xP 2 no lado esquerdo das Equações (1.9) e (1.10) e substituir x1 .t/
e x2 .t/ no lado direito:
sen t D sen t;
cos t D cos t:
6 1. Modelo SIS
Para verificar .x1 .0/; x2 .0// D .1; 0/, basta notar que cos 0 D 1 e sen 0 D 0.
O próximo teorema coleta alguns fatos fundamentais sobre equações diferen-
ciais:
Teorema 1.1. Sejam U um conjunto aberto em Rn , f W U ! Rn uma função
continuamente diferenciável e x0 2 U . Então:
1. O problema de valor inicial
xP D f .x/; x.t0 / D x0 :
tem solução única.
2. Se x.t / permanece num subconjunto compacto (fechado e limitado) de U
quando t aumenta (respectivamente, diminui), então x.t / está definido para
t0 6 t < 1 (respectivamente, 1 < t 6 t0 ).
As nossas equações diferenciais xP D f .x/ terão sempre funções f continua-
mente diferenciáveis, portanto este teorema vai sempre se aplicar.
O conjunto U , no qual a equação diferencial está definida, é chamado de es-
paço de fase.
A solução que o Teorema 1.1 diz existir pode ser uma que ninguém consiga
escrever de forma explícita. Mas ainda assim existe, e pode ser aproximada nume-
ricamente.
Um ponto x0 no qual xP D 0 é um equilíbrio da equação diferencial xP D f .x/,
portanto também f .x0 / D 0.
Corolário 1.2. Se x0 é um equilíbrio de xP D f .x/, então a única solução do
problema de valor inicial
xP D f .x/; x.t0 / D x0 ;
é x.t/ D x0 para 1 < t < 1.
Para provar este corolário, basta verificar que a fórmula de x.t / é uma solução
do problema de valor inicial, e então relembrar que a solução é única.
Corolário 1.3. Seja x.t/ uma solução de xP D f .x/. Suponhamos que, no instante
t0 , x.t0 / não é um equilíbrio, i.e., f .x.t0 // ¤ 0. Então, x.t / não é um equilíbrio
para todos os valores de t, i.e., f .x.t// ¤ 0 para todos os valores de t.
Este corolário é uma consequência imediata do anterior.
O Teorema 1.1 e os seus corolários têm importantes consequências que vere-
mos nas próximas seções.
1.4. Linha de fase para o sistema SIS 7
IP IP
I I
0 1 0
1
1 ˇ
1 ˇ
Figura 1.2: Linha de fase (acima) e retrato de fase (abaixo) para a equação uni-
dimensional SIS (1.11). A parábola (1.12) é usada para desenhar a linha de fase:
setas para a esquerda quando IP < 0 e setas para a direita quando IP > 0; então
restringimos-nos ao intervalo I para obter o retrato de fase.
• Se ˇ
> 1, todas as soluções em I tendem a 0 quando t ! 1.
pessoa infectada:
Definimos
pessoas contadas
ˇD probabilidade de transmissão: (1.14)
pessoa infectada dia
ˇ
sP D si C
i; (1.15)
N
ˇ
iP D si
i: (1.16)
N
1.6. A constante
11
1.6 A constante
Uma distribuição de probabilidade
R num intervalo J é uma função g.t / definida
em J tal que g.t/ > 0 e J g.t/ dt D 1. SeRK é um subintervalo de J , então
aR probabilidade de t estar no subintervalo é K g.t / dt . O valor médio de t é
J tg.t/ dt. Isto é análogo a como a média de uma distribuição de probabilidade
discreta é calculada.
Por simplicidade, vamos supor que a população inteira está infectada no ins-
tante 0 e que não há reinfecções, assim isolamos o fenômeno da recuperação. En-
tão (1.6) simplifica para o problema de valor inicial
IP D I; I.0/ D 1:
A solução é I.t / D e
t .
IP D
e
t é a taxa à qual I varia. Esta taxa é negativa dado que I.t /
decresce com a cura das pessoas. A taxa à qual as pessoas se curam (expressa
como uma fração da população por unidade de tempo) é IP D
e
t , que é
positiva.
Por fim, todos se curam:
Z 1 Z 1
IP dt D
e
t dt D 1: (1.17)
0 0
• Se ˇ
< 1, então R0 D ˇ
> 1. Podemos ver que quando I.t / começa perto
de 0, I.t / cresce para um valor de equilíbrio positivo, que é
1
I D1 D1 :
ˇ R0
1.7. O número de reprodução básico, R0 13
1:0 1:0
0:9 0:9
0:8 0:8
0:7 0:7
0:6 0:6
I.t/ 0:5 I.t/ 0:5
0:4 0:4
0:3 0:3
0:2 0:2
0:1 0:1
0:0 0:0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 0 5 10 15 20 25 30 35 40
t t
(a) ˇ D 0:3,
D 0:4 e R0 D 3=4. Todas (b) ˇ D 0:6,
D 0:4 e R0 D 3=2. Existe
as soluções aproximam-se de zero. um equilíbrio em 1 2=3 D 1=3. Todas
as soluções com I.0/ > 0 tendem a 1=3.
Uma equação diferencial como o modelo SIS pode ser enganadora no início da
pandemia. Por exemplo, para R0 > 1, o modelo SIS prevê que basta um único in-
divíduo contrair, de alguma forma, a doença infecciosa para que esta se espalhe até
o equilíbrio endêmico ser atingido. Na verdade, há um certo grau de aleatoriedade
envolvido na possibilidade de um só indivíduo infectado efetivamente conseguir
infectar alguém, e se sim, quantas pessoas. Modelos estocásticos são usados para
quantificar a probabilidade de uma doença que é inicialmente contraída por um
pequeno número de pessoas efetivamente se espalhar.
Segundo o estatístico George Box, “Todos os modelos estão errados, mas al-
guns são úteis”. As extensões ao modelo SIS que vamos explorar nos capítulos
subsequentes estão seguramente errados, mas são definitivamente úteis: eles têm
sido usados por governos durante a pandemia de Covid-19 para prever o progresso
da epidemia no caso de serem aplicadas políticas governamentais ou ocorrerem al-
terações no comportamento da população.
1.9 Problemas
Problema 1.1 (Linhas de fase). Desenhe as linhas de fase das seguintes equações
diferenciais.
(a) xP D .x 1/.x 2/.x 3/;
(b) xP D x 2 .1 x/.
Problema 1.2 (SIS na forma adimensional). Deduza o sistema (1.5)–(1.6) de
(1.15)–(1.16) fazendo as substituições s D SN e i D I N .
Problema
Z 1 1.3 (Distribuição de probabilidades). Mostre que se
> 0,
t
e dt D 1.
0
Z 1
t 1
Problema 1.4 (Tempo médio). Mostre que se
> 0,
te dt D . (De-
0
verá usar integração por partes ou procurar uma tabela de integrais.)
Problema 1.5 (Equilíbrio endêmico). O equilíbrio endêmico no modelo SIS é
I D 1 ˇ
. Assim, I depende de ˇ e
. Suponha que tem a seu cargo a
saúde pública e acha que o equilíbrio endêmico é muito alto, i.e., muitas pessoas
estão doentes simultaneamente. Como poderia tentar reduzir o valor do equilíbrio
endêmico?
16 1. Modelo SIS
Problema 1.6 (SIS com importação da doença). No modelo SIS, (1.1)–(1.2), su-
ponha que por vezes pessoas ficam infectadas devido a visitantes que vêm de fora
e transmitem a infecção. Modificamos o modelo da seguinte forma:
SP D ˇSI C
I S; (1.19)
IP D ˇSI
I C S: (1.20)
O modelo modificado diz que os suscetíveis podem contrair a infecção a uma
taxa proporcional à sua fração da população, independentemente do número de
infectados na população, devido aos visitantes.
(a) Dado que SP C IP D 0, devemos necessitar apenas de uma equação. Use a
equação de IP com a substituição S D 1 I e fatorize de forma a expressar
a equação como em polinômio em I .
(b) O gráfico de IP em função de I é uma parábola. Dado que o coeficiente de
I 2 é negativo, a parábola voltada para baixo. Mostre que quando I D 0,
IP é positivo e que quando I D 1, IP é negativo.
(c) Use o Item (b) para explicar porque existe um único equilíbrio em I D Œ0; 1,
e todas as soluções em I se aproximam dele.
Problema 1.7 (Soluções do modelo SIS). Consideremos a Equação (1.11) com
ˇ D 2 e
D 1 (logo, R0 > 1) e escrevamos IP como dI
dt :
dI
DI 2I 2 :
dt
(a) No intervalo 0 < I.t/ < 12 , encontre a solução geral usando separação de
variáveis e frações parciais. Escolhemos um intervalo onde os argumentos
dos logaritmos são positivos, então não precisa tomar os valores absolutos
deles.
(b) Mostre que a solução do Item (a) se pode escrever como:
A
I D t
; A > 0:
2A C e
(d) Do Item (b) temos limt ! 1 I.t/ D 0 e limt !1 I.t / D 12 . Para o intervalo
0 < I.0/ < 12 , estes limites são os observados na linha de fase, reveja
a Figura 1.2. Contudo, para I.0/ > 12 vemos que I.t / cresce quando t
diminui. Como pode esta solução tender a zero? Sugestão: pense, por
exemplo, na solução com I.0/ D 1.
(Este problema mostra que a linha de fase pode ser mais simples de entender
do que a solução geral.)
2 Modelo SIR
2.1 O modelo
Neste capítulo, consideramos uma doença infecciosa que não é fatal e que confere
imunidade permanente às pessoas que a contraem. Para modelar tal doença, nós
vamos dividir a população em três compartimentos: suscetíveis, infectados e recu-
perados (portanto, imunes). Sejam S.t /, I.t / e R.t / as frações da população em
cada compartimento no tempo t. Claro que temos S.t / > 0, I.t / > 0, R.t / > 0 e
S.t / C I.t/ C R.t / D 1. Considere a lei da ação de massas, o sistema governante
das equações diferenciais são semelhantes ao sistema SIS:
SP D ˇSI; (2.1)
IP D ˇSI
I; (2.2)
RP D
I: (2.3)
O modelo SIR também pode ser usado quando alguma fração da população
não é suscetível à doença por uma razão genética, comportamental, imunológica,
etc. Esta fração da população é incluída no compartimento dos recuperados desde
o início.
Caso a doença seja fatal para uma pequena fração dos infectados, como ocorre
com a Covid-19, o modelo SIR ainda pode ser usado. As fatalidades são contabi-
lizadas no compartimento R e este é renomeado compartimento dos “removidos”.
A constante ˇ > 0 tem o mesmo significado que no modelo SIS, mas a constante
agora representa a taxa de recuperação ou morte dos infectados. Mostramos como
deduzir o modelo SIR para este caso na Seção 2.6.
Lembre-se do número de reprodução básico R0 , para o modelo SIS é dado por
1 ˇ
R0 D ˇ D :
Para o modelo (2.1)–(2.3), R0 tem a mesma fórmula.
Podemos verificar que SP C IP C RP D 0, portanto, se inicialmente temos S C
I CR D 1, então S CI CR permanece sempre igual a um. Assim, não precisamos
das três equações, depois de calcularmos S.t / e I.t / podemos encontrar R.t / de
R.t/ D 1 S.t / I.t /. Podemos, portanto, usar apenas as Equações (2.1) e (2.2):
SP D ˇSI; (2.4)
IP D ˇSI
I: (2.5)
Para o modelo SIS, pudemos calcular fórmulas para soluções, mas o retrato
de fase foi mais útil. Para o modelo SIR não é possível encontrar fórmulas para
soluções. Portanto, vamos focar-nos no retrato da fase. O sistema é bidimensional,
então precisamos de mais conhecimentos sobre equações diferenciais.
encontra-se em uma única região, uma vez que nenhuma nulóclina a corta.
Nesta região é fácil verificar que SP < 0 e IP < 0, então os vetores estão no
terceiro quadrante (apontam para a esquerda e para baixo).
I I
S
S
ˇ
R0 < 1 R0 > 1
@V @V
VP D x.t/ xP 1 .t/ C C x.t / xP n .t/ D
@x1 @xn
D rV .x.t// x.t/ P D rV .x.t // f .x.t //:
@V @V
onde rV .x/ D @x 1
.x/; : : : ; @xn
.x/ é o gradiente de V no ponto x e representa
o produto interno.
Uma maneira de pensar nesta fórmula é: se uma solução de xP D f .x/ passa
por um ponto x, então a derivada de V ao longo da solução nesse ponto é
Aprendemos em cálculo que se pode dividir a segunda equação pela primeira para
obter uma equação diferencial para as órbitas no espaço SI que são traçadas por
soluções. Dividindo, obtemos
dI
D 1C : (2.9)
dS ˇS
I D SC ln S C C: (2.10)
ˇ
Podemos verificar que todas estas curvas atingem o seu valor máximo em S D ˇ
,
como seria de esperar da Figura 2.1.
A Figura 2.2 mostra uma destas curvas no caso R0 > 1. Consideremos uma
solução .S.t /; I.t // que começa num ponto desta curva que está em TC . A curva
traçada pela solução não é toda a curva I D S C ln S C C , porque pelo Corolá-
rio 1.3, as soluções não podem passar através dos equilíbrios do eixo S . A curva
traçada pela solução é apenas a parte com I > 0 da curva I D S C ln S C C ,
ou seja, que está em TC . A curva I D S C ln S C C intersecta o eixo S em dois
pontos .S ; 0/ e .SC ; 0/, com SC < ˇ
< S e
S
SC S
ˇ
Remark 2.2. Assim, as curvas (2.10) que encontramos ao resolver a equação di-
ferencial (2.9) não são órbitas do sistema SIR, (2.7)–(2.8); são curvas invariantes.
Uma curva é invariante se uma solução que começa na curva permanece na curva.
Em geral as curvas invariantes são uniões de órbitas, ou seja, podem consistir em
mais do que uma órbita. No Teorema 2.1 descrevemos outra forma de encontrar
curvas invariantes. Notamos que a linha I D 0 é invariante pelo sistema SIR e
também consiste de mais do que uma órbita, dado que a origem é um equilíbrio.
I I
S
S
ˇ
No caso R0 > 1, a maioria das órbitas (2.10) do sistema SIR são similares às
mostradas na Figura 2.2: elas conetam um equilíbrio .S; I / D .S ; 0/, com
ˇ
< S < 1, a um equilíbrio .S; I / D .SC ; 0/, com 0 < SC < ˇ
. Podemos
interpretar as órbitas como se segue. Uma epidemia começa num estado popula-
cional próximo de .S; I / D .S ; 0/ com ˇ
< S 6 1. Por outras palavras, a
fração populacional S é susceptível e ninguém está ainda infectado. A fração
populacional restante R D 1 S não é susceptível à doença por uma razão tal
como as mencionadas na Seção 2.1. Quando a doença é introduzida, de modo a
que I se torne ligeiramente positivo, o número de infectados aumenta, e o número
de susceptíveis diminui. Com o tempo, o número de suscetíveis cai abaixo de ˇ
e o número de infetados começa também a cair. A doença começa a extinguir-se.
No final da epidemia, a fração susceptível da população é SC , com 0 < SC < ˇ
.
Assim, S SC é a fração da população que contraiu a doença durante a epidemia.
É portanto de interesse do cálculo SC quando S é dado. Podemos fazer isto
como segue-se. Se a curva (2.10) passa pelo ponto .S ; 0/, então
0D S C ln S C C H) C D S ln S :
ˇ ˇ
26 2. Modelo SIR
1:0
0:9
Infecções Totais
0:8
0:7
0:6
0:5
0:4
0:3
0:2
0:1
0:0
0:0
0:5
1:0
1:5
2:0
2:5
3:0
3:5
4:0
4:5
5:0
R0
Figura 2.4: Fração total da população infectada até ao final da epidemia em função
do R0 para o modelo SIR com S D 1 e 0 < R0 6 5.
1:0
0:9
Valor Máximo de I
0:8
0:7
0:6
0:5
0:4
0:3
0:2
0:1
0:0
R0
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
O sistema fica
ˇ
sP D si; (2.15)
N
ˇ
iP D si . C ı/i; ; (2.16)
N
rP D . C ı/i: (2.17)
s i
Finalmente, se S, I , e R denotarem as frações populacionais, S D N, I D N, e
R D Nr , obtemos:
SP D ˇSI; (2.18)
IP D ˇSI . C ı/I; (2.19)
RP D . C ı/I: (2.20)
Se substituirmos C ı por
, obtemos o sistema (2.1)–(2.3).
O primeiro fator, o número de pessoas contatadas por pessoa infectada por dia,
pode ser reduzido se as pessoas infectadas perceberem que estão infectadas (por-
que têm sintomas) ou que podem estar infectadas (porque entraram em contato
com uma pessoa infectada), e então escolherem, ou forem obrigadas, a se subme-
terem a uma quarentena. Se os infectados podem não apresentar sintomas, como
no caso da Covid-19, então podem não perceber que estão infectados. Neste caso,
a fim de reduzir o número de pessoas contatadas por pessoa infectada por dia, pode
ser necessário que toda a população fique em casa o máximo possível e, quando
não o fizer, mantenha distância social. Lembre-se de que a eficácia de um contato
pode depender do local, por exemplo, um contato que ocorre no interior é distinto
de outro que ocorre no exterior. Assim, pode ser necessário fechar negócios, es-
colas, locais de culto, etc., ou instituir várias restrições, a fim de reduzir o número
de contatos ocorridos em locais fechados com muita gente.
O segundo fator, a probabilidade de transmissão, pode ser reduzido pelo uso
de máscaras tanto por possíveis infectados quanto por suscetíveis.
Enquanto
se mantém constante, uma redução de ˇ reduz R0 .
Dado que para uma dada doença
permanece constante, a redução de R0 só
pode ser obtida pela redução de ˇ.
A Figura 2.4 mostra como o número máximo de indivíduos infectados em uma
epidemia pode ser reduzido reduzindo R0 . A Figura 2.5 mostra como o número
máximo de pessoas infectadas de uma só vez e, portanto, o estresse máximo sobre
o sistema de saúde, pode ser reduzido reduzindo R0 .
Retornaremos à questão do controle da Covid-19 no Capítulo 4 usando um
modelo mais detalhado.
2.8 Problemas
Problema 2.1 (Órbitas do sistema SIR). Para R0 > 1, vimos que a curva
(2.10)
que passa por .S; I / D .S ; 0/ é I D .S S / C ˇ ln S ln S .
(a) Encontre o valor de S para o qual I atinge o seu máximo e obtenha uma
fórmula para o valor desse máximo, Imax .
(b) A fórmula que encontrou para Imax dá a fração máxima da população infec-
tada durante a epidemia em função dos valores de S, ˇ,
e S . Admitindo
S > ˇ
, mostre que:
2.8. Problemas 31
@Imax
(i) > 0. Isto faz sentido em termos epidemiológicos? É consis-
@S
tente com a Figura 2.3?
@Imax
(ii) > 0. Isto faz sentido em termos epidemiológicos?
@ˇ
@Imax
(iii) < 0. Isto faz sentido em termos epidemiológicos?
@
Problema 2.2 (Praticar retratos de fase I). Considere o sistema
xP D x; (2.21)
yP D 2y: (2.22)
(a) Encontre todos os equilíbrios.
(b) Divida (2.22) por (2.21) para obter uma equação diferencial para curvas
invariantes no plano xy. Encontre a solução geral e simplifique.
(c) Explique porque a linha x D 0 também é invariante.
(d) Use as suas respostas aos Itens (a) a (c) para desenhar o retrato de fase.
Consulte novamente a equação diferencial para decidir a direção das setas.
(e) Quantas órbitas contém cada curva invariante?
Problema 2.3 (Praticar retratos de fase II). Considere o sistema
xP D ˛x !y; (2.23)
yP D !x ˛y; (2.24)
com ˛ > 0 e ! > 0.
(a) Encontre todos os equilíbrios.
(b) Seja V .x; y/ D x 2 C y 2 . Mostre que VP D 2˛V . Pelo que V .t / D
V .0/e 2˛t , o que implica que todas as soluções se aproximam da origem.
(c) Seja .x; y/ D arctg yx a habitual coordenada angular. Mostre que P D
!. Dado que ! > 0, todas as soluções circulam no sentido anti-horário
em torno da origem. (Na verdade, arctg yx é apenas definido no semiplano
direito; pode ignorar esta tecnicidade).
(d) Os Itens (a) e (b) implicam que todas as soluções se espiralam no sentido
anti-horário em torno da origem enquanto se aproximam da origem. Use
estas informações para esboçar o retrato de fase.
3
Modelo SIR
com perda de
imunidade
3.1 O modelo
Neste capítulo, consideramos uma doença infecciosa para a qual a imunidade pode
ser perdida com o tempo. O modelo que vamos utilizar é o modelo SIR com dois
termos adicionais:
1 ˇ
R0 D ˇ D : (3.6)
.ˇ
/
.S; I / D .S ; I / D ; ; (3.7)
ˇ ˇ. C
/
1 S
ˇ
ˇ ˇ
Figura 3.1: Nulóclinas do sistema (3.4)–(3.5) no caso ˇ
< 1 (i.e., R0 > 1). As
nulóclinas SP D 0 estão desenhadas a preto e as nulóclinas IP D 0 estão a cinza. No
caso de ˇ
> 1 (i.e., R0 < 1) a nulóclina vertical cinza estaria à direita de S D 1.
I I
T T
S ˇ S
(a) R0 < 1, ˇ D 0:6,
D 1:2, D 0:15. (b) R0 > 1, ˇ D 0:6,
D 0:2, D 0:15.
Então o sistema (3.8)–(3.10) pode ser escrito como uma única equação xP D Ax
(produto matricial).
Um fato que vemos imediatamente é que toda equação diferencial linear tem
um equilíbrio em x D 0.
36 3. Modelo SIR com perda de imunidade
A equação característica é
0 1 1 0 1
det D det D 2 1 D 0:
1 0 0 1 1
As soluções desta equação são todos os múltiplos do vetor . 1; 1/. Elas cons-
tituem uma reta, i.e., um espaço 1-dimensional de R2 . Esta reta é o autoespaço do
autovalor D 1. Se x.0/ D x0 é um ponto desta reta, um múltiplo de . 1; 1/,
então x.t / D e t x0 . Esta fórmula implica que x.t / é sempre um ponto desta reta,
x.t / ! 0 com t ! 1, e, se x0 ¤ 0, kx.t /k ! 1 com t ! 1.
De forma similar, para o autovalor 1, o autoespaço é constituído por todos os
múltiplos do vetor .1; 1/. De novo, temos uma reta. Se x.0/ D x0 é um ponto
desta reta, um múltiplo de .1; 1/, então x.t / D x0 et . Esta fórmula implica que
x.t/ é sempre um ponto desta reta, x.t / ! 0 com t ! 1, e, se x0 ¤ 0,
kx.t /k ! 1 com t ! 1.
Usando esta informação, podemos esboçar o retrato de fase do sistema linear
(3.12)–(3.13); veja a Figura 3.3. A reta x2 D x1 é o autoespaço do autovalor
1; nela, a direção do movimento é em direção à origem. A reta x2 D x1 é
o autoespaço do autovalor 1; nela, a direção do movimento é de afastamento da
origem. Outras condições iniciais podem ser consideradas como uma combinação
linear de . 1; 1/ e . 1; 1/. Quando t aumenta, o componente da . 1; 1/ diminui,
enquanto que a componente .1; 1/ aumenta. (Rodar o desenho 45º pode ajudar a
esboçar o retrato de fase.)
Podemos também tentar esboçar o retrato de fase de (3.12)–(3.13) usando nu-
lóclinas, ou encontrando uma fórmula para as órbitas.
A equação diferencial linear xP D Ax é chamada hiperbólica se todos os au-
tovalores de A tiverem parte real não nula. Há três tipos de equações diferenciais
lineares hiperbólicas:
1. Todos os autovalores têm uma parte real negativa: todas as soluções se apro-
ximam da origem com t ! 1.
38 3. Modelo SIR com perda de imunidade
x2
x1
2. Todos os autovalores têm uma parte real positiva: todas as soluções se apro-
ximam da origem com t ! 1.
x1
Todas as curvas invariantes que você encontrou, exceto o eixo x2 , são tangen-
tes ao eixo x1 . Para entender isto, observe que o eixo x2 é o autoespaço do auto-
valor 2, e o eixo x1 é o autoespaço do autovalor 1. Dado que 2 < 1 < 0,
a coordenada x2 de qualquer solução vai para 0 mais rápido que a coordenada
x1 (porque e 2t decresce muito mais rápido do que e t ), assim as soluções aca-
bam tangentes ao eixo x1 (exceto para soluções ao longo do eixo x2 , que não têm
coordenada x1 ).
Em geral, em duas dimensões, se os autovalores são 2 < 1 < 0, então
quase todas as soluções se aproximam da origem na direção do autoespaço do
autovalor 1 .
com ˛ > 0 e ! > 0. Os autovalores são ˛ ˙ !i. Você desenhou este retrato de
fase no Problema 2.3. Veja a Figura 3.5.
x2
x1
Ws Wu
x0
Podemos verificar que f 0 .0/ D ˇ
e f 0 .1 ˇ
/ D .ˇ
/. Assim, vemos
ˇ
que no caso R0 D
> 1, o equilíbrio em I D 0 é repulsor, e I D 1 ˇ
é um
atrator. No caso R0 D < 1, o equilíbrio em I D 0 é um atrator, e I D 1 ˇ
é
ˇ
um repulsor (mas não está no intervalo 0 6 I 6 1). Compare com a Figura 1.2.
Por outro lado, Teorema 3.1 não se aplica ao modelo SIR (2.4)–(2.5), porque
os equilíbrios não são hiperbólicos. Isso será verificado na seção dos problemas.
Portanto,
Assim tem-se
A expressão a11 C a22 é o traço da matriz (3.19), e a expressão a11 a22 a12 a21
é o seu determinante.
A fórmula (3.21) ajuda-nos a determinar os sinais de 1 e 2 , se pudermos
encontrar os sinais de a11 C a22 e a11 a22 a12 a21 . Por exemplo,
• Se a11 a22 a12 a21 < 0, então um dos 1 , 2 é positivo e o outro é negativo.
• Se a11 a22 a12 a21 > 0 e a11 Ca22 < 0, então 1 , 2 são ambos negativos,
ou 1 , 2 são um par conjugado complexo ˛ ˙ ˇi com ˛ < 0.
44 3. Modelo SIR com perda de imunidade
ˇ
a11 C a22 D e a11 a22 a12 a21 D .ˇ
/:
C
ˇ
Se R0 D
> 1, vemos imediatamente que
xP 1 D f1 .x1 ; : : : ; xn /;
::
:
xP n D fn .x1 ; : : : ; xn /;
Para uma equação diferencial polinomial com n D 2, podemos dar mais deta-
lhes do que no Teorema 3.2.
Pode ocorrer que uma ou mais órbitas se ligarem a equilíbrios para formarem,
conjuntamente com os equilíbrios, uma curva fechada simples. Se a equação dife-
rencial determina uma direção consistente de movimento à volta desta curva, ela
é chamada ciclo separatriz. Um gráfico é uma união conexa de dois ou mais ci-
clos separatriz. Veja a Figura 3.7. Neste curso não nos alongaremos neste tema.
Iremos basicamente usar estas noções no próximo teorema.
46 3. Modelo SIR com perda de imunidade
Figura 3.7: (a) A solução aproxima-se de uma órbita fechada. (b) A solução
aproxima-se de um ciclo separatriz que consiste em duas órbitas e dois equilíbrios.
(c) A solução aproxima-se de um gráfico que consiste em dois ciclos separatriz.
Cada ciclo separatriz é composto de uma órbita e um equilíbrio.
xP 1 D f1 .x1 ; x2 /;
xP 2 D f2 .x1 ; x2 /;
3.6. Teoria planar 47
@f1 @f2
r f .x1 ; x2 / D .x1 ; x2 / C .x1 ; x2 /:
@x1 @x2
Teorema 3.4 (Teorema da Divergência 2D). Suponha que uma curva fechada sim-
ples, C , e seu interior, IntC, estejam contidos em U . Então
“ Z
r f .x/ dA D f .x/ n.x/ ds:
IntC C
A primeira integral é uma integral dupla ordinária de uma função sobre uma
região do plano. A segunda integral é a integral de uma função em torno de uma
curva em relação ao comprimento do arco.
Corolário 3.5 (Critério de Bendixson). Suponha (1) o conjunto aberto U não tem
buracos e (2) r f é sempre positivo em U , ou r f é sempre negativo em U .
Então, xP D f .x/ não tem órbitas fechadas em U .
Remark 3.6. Com um argumento similar, podemos provar que nas mesmas con-
dições não há ciclos separatrizes nem gráficos em U . Veja o Problema 1 na p.
263 de Perko (ibid.).
Corolário 3.7 (Critério de Dulac). Suponha (1) o conjunto aberto U não tem
buracos, e (2) há uma função positiva g.x/ tal que r gf é sempre positivo em
U , ou r gf é sempre negativo em U . Então xP D f .x/ não tem órbitas fechadas
em U .
48 3. Modelo SIR com perda de imunidade
Proof 2. Pelo critério de Bendixson, xP D g.x/f .x/ não tem órbitas fechadas em
U . Mas xP D f .x/ e xP D g.x/f .x/ têm as mesmas órbitas. (Os vetores f .x/ e
g.x/f .x/ apontam na mesma direção, eles apenas têm comprimentos diferentes.)
Logo, xP D f .x/ não tem órbitas fechadas em U .
Remark 3.8. Também aqui, com um argumento similar, podemos provar que nas
mesmas condições não há ciclos separatrizes nem gráficos em U .
A divergência é
@SP @IP
C D ˇ ; (3.23)
@S @I I
que é negativo em I > 0. Então, o critério de Dulac e o Observação 3.8 impli-
cam que (3.4)–(3.5) não tem órbitas fechadas, ciclos separatrizes nem gráficos no
conjunto aberto I > 0.
Os ciclos separatriz e os gráficos não podem ocorrer no sistema (3.4)–(3.5), en-
tão os ignoramos. Assim, pelo Teorema 3.2, todas as soluções em T se aproximam
do equilíbrio. Mais precisamente:
3.8. Discussão do modelo SIR com perda de imunidade 49
1. Para R0 < 1, não há equilíbrios em T exceto .1; 0/, então todas as soluções
em T se aproximam de .1; 0/ com t ! 1.
2. Para R0 > 1, o equilíbrio .S; I / D .1; 0/ é uma sela hiperbólica. A sua
variedade estável é a linha I D 0. Assim, soluções que começam em I > 0 não
podem se aproximar de .1; 0/ quando t ! 1 (veja a explicação do Teorema 3.1).
O único outro equilíbrio em T é .S ; I /. Portanto, todas as soluções em T com
I > 0 se aproximam do equilíbrio .S ; I / com t ! 1.
3.9 Problemas
Problema 3.1 (Equilíbrio do sistema SIR). (a) Calcular a matriz de lineariza-
ção do sistema SIR (2.4)–(2.5).
(b) Avalie a sua matriz em um equilíbrio .S; 0/.
(c) Encontre os autovalores do Item (b). Deve obter D 0; ˇS
.
(d) Algum dos equilíbrios é hiperbólico?
Problema 3.2 (SIR com nascimentos e mortes naturais). Consideramos o modelo
SIR com nascimentos e mortes naturais. (As mortes naturais são aquelas que
não são causadas pela doença a ser modelada.) A taxa de natalidade é de
e todos os recém-nascidos são suscetíveis. Supomos que a taxa de mortalidade
também é , de modo que o tamanho da população permanece constante. A taxa
de mortalidade em cada compartimento é vezes a fração da população desse
compartimento. Assim, obtemos o seguinte sistema para as frações da população:
(c) Mostrar: Se
C ˇ
< 1, então .S ; I / está em T ; se
C
ˇ
> 1, então
.S ; I / não está em T .
(g) Use o critério de Dulac e o Observação 3.8 como na Seção 3.7 para mos-
trar que para quaisquer valores dos parâmetros positivos ˇ,
e , não há
órbitas fechadas, ciclos separatriz nem gráficos em I > 0. Que conclusões
se podem tirar?
Um modelo
4
para Covid-19
e a matriz da
próxima
geração
Neste capítulo, explicamos a matriz da próxima geração, que é usada para calcular
R0 em modelos compartimentais mais complicados do que aqueles que considera-
mos até agora. Duas boas introduções à matriz da próxima geração são Blackwood
e Childs (2018) e van den Driessche (2017). O principal exemplo que considera-
remos é um modelo compartimental que captura as principais características da
Covid-19.
4.1 O modelo
Nosso modelo para Covid-19 é baseado no modelo SEIR , que adiciona o comparti-
mento dos expostos entre o compartimento dos suscetíveis e o compartimento dos
infectados. Os suscetíveis que contraem a doença passam primeiro pelo comparti-
mento dos expostos — onde estão infectados, mas não podem contagiar ninguém
—, só depois entram no compartimento dos infectados — mais propriamente, dos
4.1. o modelo 53
Para fins de modelagem, devemos supor que todos os indivíduos dos comparti-
mentos A e I entram no compartimento R quando deixam de ser contagiosos. De-
vemos supor que os indivíduos no compartimento R têm imunidade permanente
ou faleceram; a duração média real da imunidade para Covid-19 não é conhecida.
Modelos Covid-19 mais detalhados têm compartimentos adicionais para paci-
entes hospitalizados, UTI e falecidos. Ou ainda mais detalhados, dividem cada
compartimento por idade, comportamento, posição social ou outros fatores.
O sistema de equações diferenciais para as frações da população é (veja a Fi-
54 4. Um modelo para Covid-19 e a matriz da próxima geração
I
p
C
I
ˇC ˇI
E
S E C R
ˇA
.1 p/
C
A
A
gura 4.1):
SP D ˇC S C ˇI SI ˇA SA; (4.1)
EP D ˇC S C C ˇI SI C ˇA SA
E E; (4.2)
CP D
E E
C C; (4.3)
IP D p
C C
I I; (4.4)
AP D .1 p/
C C
A A; (4.5)
RP D
I I C
A A: (4.6)
SP C EP C CP C IP C AP C RP D 0:
f.S; E; C; I; A; R/ W
S > 0; E > 0; C > 0; I > 0; A > 0; R > 0; S CE CC CI CACR D 1g:
No entanto, vamos ignorar isso e apenas nos concentrar no sistema de seis dimen-
sões (4.1)–(4.6).
segunda etapa razoável seria expandir pela última coluna. Se você fizer isso, você
descobrirá que os autovalores de (4.7) são 0, 0, e os autovalores da submatriz
2 3
E ˇC S ˇ I S ˇA S
6
E
C 0 0 7
KD6 4 0
7: (4.8)
p
C
I 0 5
0 .1 p/
C 0
A
ponto nesta órbita próximo a .1; 0/ (o ponto tem S D 0:9999). I.t / parece cres-
cer exponencialmente no início. Isso pode ser verificado plotando ln I.t /; veja a
Figura 4.2b. Inicialmente, o gráfico é aproximadamente linear com inclinação as-
cendente. Este é o sinal de crescimento exponencial. (O final do gráfico também
é aproximadamente linear com inclinação descendente. Este é o sinal da queda
exponencial para o estado final.)
0:40 1
0:35 2
0:30 3
0:25 4
ln I.t /
I.t /
0:20 5
0:15 6
0:10 7
0:05 8
0:00 9
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
110
120
130
140
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
110
120
130
140
tempo tempo
(b) Gráfico de ln I.t /.
(a) Gráfico de I.t/.
e, em seguida, R0 D ˇ
D 3:51.
Obviamente, essa estimativa usa o modelo SIR, que não é preciso para Covid-
19, mas tem a vantagem de exigir poucas informações sobre a doença.
Quando S é menor que esse valor, todos os quatro valores próprios têm parte real
negativa, portanto, o determinante é positivo. Quando S é maior que esse valor,
o determinante torna-se negativo. Espera-se que isso aconteça porque três dos
quatro autovalores são negativos e um se torna positivo. Isso é realmente o que
acontece.
Com base na analogia do modelo SIR, pode-se esperar que o denominador de
(4.9) seja o número de reprodução básico R0 para o modelo Covid-19, de modo
que o valor de S em (4.9) seria R10 . Se R0 < 1, então todos os equilíbrios com
S 6 1 são atratores, e uma epidemia morreria. Se R0 > 1, os equilíbrios com
1
R0 < S 6 1 têm um autovalor positivo, e então as epidemias podem inicialmente
crescer.
60 4. Um modelo para Covid-19 e a matriz da próxima geração
Remark 4.2. Em geral, deveríamos obter apenas uma aproximação à taxa total
de transferência, já que estamos utilizando uma linearização para fazer o cál-
culo. Contudo, em nosso modelo Covid-19, como todos os termos nas equações
diferenciais são lineares nas variáveis E, C , I e A, para um valor fixo de S, a
aproximação é exata. Isto também é verdade para outros cálculos nesta seção
que envolvem a multiplicação por um vetor de frações de população dos compar-
timentos infectados.
2 32 3 2 3
E 0 0 0 E
E E
6
E
C 0 07 6 7 6 7
6 7 6 0 7 D 6
E E 7 :
4 0 p
C
I 0 5 4 I 5 4
I I 5
0 .1 p/
C 0
A 0 0
2 1 3
E 0 0 0
6 1 1 7
6
C
C 0 07
V 1
D6
6 p
7: (4.10)
4
I
p
I
1
I 07
5
1 p 1 p 1
A
A 0
A
Veremos na Seção 4.8 que a entrada Vij 1 sempre dá o tempo médio que um in-
fectado passa no compartimento de infectados i , se começar no compartimento j .
Por exemplo, no modelo de Covid-19, a primeira coluna de (4.10) diz que, se o
infectado começa no compartimento E, vai permanecer em média um tempo
1E
no compartimento E,
1C no compartimento C ,
pI no compartimento I e 1
Ap no
compartimento A. Se relembrar a Seção 1.6, você facilmente verá que isto está
correto.
A matriz da próxima geração é definida pelo produto matricial F V 1. Para
4.6. A matriz da próxima geração 63
ˇC S pˇI S .1 p/ˇA S
C C : (4.12)
C
I
A
Quando S D 1 obtemos
ˇC pˇI .1 p/ˇA
R0 D C C ; (4.13)
C
I
A
o que está de acordo com nosso palpite anterior. Este valor de R0 faz sentido
intuitivamente. O primeiro termo da soma representa as infecções causadas por
quem está no compartimento C . Os dois termos seguintes da soma representam
infecções causadas pelos indivíduos dos compartimentos I e A. Esses dois ter-
mos são ponderados pela fração de indivíduos de C que vão para cada um dos
compartimento I e A.
Além disso, um teorema afirma que num equilíbrio de um modelo epidemioló-
gico, se o maior autovalor de F V 1 é menor do que 1, então todos os autovalores
de K têm parte real negativa; e se o maior autovalor de F V 1 é maior do que
1, então todos os autovalores de K têm parte real positiva (van den Driessche e
Watmaugh 2002).
Para o nosso modelo de Covid-19, o maior autovalor de F V 1 pode ser rees-
crito como R0 S , veja a Equação (4.12). Portanto, esse autovalor é:
1
• menor do que 1 se S < R0 ;
1
• igual a 1 se S D R0 ;
1
• maior do que 1 se S > R0 .
xP 1 D ax1 ;
xP 2 D bx2 ;
e a solução é
at
x1 .t/ e 0 x10
D :
x2 .t/ 0 ebt x20
Neste exemplo, dado A, foi fácil encontrar etA . Não discutiremos métodos gerais
para encontrar etA . O fato importante é:
Teorema 4.4. A solução de xP D Ax, x.0/ D x0 é x.t / D etA x0 .
Você deve-se lembrar que quando x é um número real, ex pode ser escrito
como a série infinita
1 2 1
ex D 1 C x C x C x3 C :
2Š 3Š
66 4. Um modelo para Covid-19 e a matriz da próxima geração
1
4.8 Explicação das entradas de V
Seja
2 3
E
6C 7
ID6 7
4I 5 ;
A
IP D V I; I.0/ D I0 :
Este cálculo pode parecer um pouco misterioso à primeira vista. Você pode ve-
rificar se V 1 e tV I.0/ é a antiderivada diferenciando-a usando (4.15). Além
disso, e0V D I , como você pode ver na série infinita (4.14). Finalmente, descobriu-
se que e tV ! 0 quando t ! 1.
68 4. Um modelo para Covid-19 e a matriz da próxima geração
fração da população
0:50
0:016 I2 .t/ I2 .t /
0:45
0:014
0:40
0:012 0:35
0:010 0:30
0:008 0:25
0:20
0:006
0:15
0:004
0:10
0:002 0:05
0:000 0:00
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 0 10 20 30 40 50 60 70 80
tempo tempo
Figura 4.3: Solução de (4.17)–(4.18) com condição inicial (4.21). Somente são
mostrados os valores de I1 .t/ e I2 .t/.
4.11 Problemas
Problema 4.1 (Por que tão diferente?). De acordo com os dados da Covid-19
no Reino Unido apresentados em Stevens et al. (2020), após 30 dias, 12 647 in-
divíduos contraíram Covid-19. Isso é 0:02% da população do Reino Unido de
66 650 000. Por outro lado, na Figura 4.2a, após 30 dias, cerca de 3% da popu-
lação está infectada. Porquê a diferença?
Problema 4.2 (Você poderia fazer melhor?). Na Seção 4.4 estimamos R0 para a
Covid-19 no Reino Unido, no início da pandemia, em 3:51. Quais são algumas
fontes de erro nesta estimativa? Você poderia ter melhorado na época?
Problema 4.3 (Interpretação de F V 1 ). A entrada ij de F V 1 é “a transferên-
cia média dos compartimentos não infectados para o compartimento contagioso
i causada por indivíduos inicialmente no compartimento contagioso j , durante
todo o tempo em que permaneceram nos compartimentos contagiosos.” Observe
a primeira coluna de F V 1 , calculado em (4.11). Explique cada entrada nessa
coluna em termos da frase anterior.
Problema 4.4 (SEIR com nascimentos e mortes naturais). Vamos considerar o
modelo SEIR mencionado no início deste capítulo, com nascimentos e óbitos na-
turais incluídos como fizemos para o modelo SIR no Problema 3.2. O sistema de
equações diferenciais para as frações da população é
SP D ˇSI S; (4.22)
EP D ˇSI
E E E; (4.23)
IP D
E E
I I I; (4.24)
RP D
I I R: (4.25)
72 4. Um modelo para Covid-19 e a matriz da próxima geração
ˇ
E
:
.
E C /.
I C /
5 comportamento
humano em
modelos epide-
miológicos
Nos modelos que consideramos até agora, o comportamento humano não é afetado
pelo curso da epidemia. Por exemplo, em todos os nossos modelos, a constante ˇ,
que representa a taxa de contatos efetivos por indivíduo contagioso, não muda à
medida que a epidemia avança. Você sabe por experiência que isso é falso. Con-
forme o número de contagiosos na população aumenta, muitos suscetíveis reagirão
mudando seu comportamento. Eles ficam em casa, praticam a melhoria da higi-
ene, o distanciamento social e usam máscaras. O resultado é uma diminuição em
ˇ. Mais tarde, se o número de contagiosos na população cair, os suscetíveis podem
relaxar essas práticas.
Mudanças no comportamento humano podem ser afetadas por ordens do go-
verno que fecham negócios ou exigem que as pessoas fiquem em casa e usem
máscaras, caso não o façam. No entanto, a mudança de comportamento ocorrerá
5.1. Um modelo para o comportamento humano em uma epidemia 75
pn D mn I
pc D k mc I:
pn pc D k .mn mc /I D k mI
ˇc ˇn
(a)
<1<
;
k
(b) m < 1.
A primeira suposição diz que com comportamento normal, R0 > 1, então a epide-
mia pode se espalhar; mas com cuidado, R0 < 1, então a epidemia deve extinguir-
se. A segunda suposição diz que nenhum dos comportamentos tem garantia de
sempre dar um retorno maior. Embora o comportamento normal sempre dê um
retorno mais alto para I suficientemente baixo, a segunda suposição garante que,
para I suficientemente grande no intervalo 0 6 I 6 1, o comportamento cuida-
doso dá um retorno mais alto.
Também parece razoável supor que é muito maior que ˇn , ˇc e
, uma vez
que o comportamento é capaz de mudar muito mais rápido do que a maioria das
doenças pode se espalhar.
A Figura 5.1, retirada de Schecter (2021), mostra uma simulação típica do
sistema (5.2)–(5.4). Nesta simulação, os valores dos parâmetros são
1
susceptible
infected
0.9
normal behavior
0.8
0.7
fraction of population
0.6
0.5
0.4
0.3
0.2
0.1
0
0 0.2 0.4 0.6 0.8 1 1.2 1.4 1.6 1.8 2
time 10 4
No restante deste capítulo, tentaremos obter uma visão matemática desses as-
pectos do modelo usando a teoria de sistemas rápido–lento (Kuehn 2015).
capturar esse fato, definimos um tempo rápido D "t . Por exemplo, se t é o tempo
1
em dias e " D 24 , então é o tempo em horas.
Pela regra da cadeia,
d d d 1d
D D :
dt d dt " d
S0 D " ˇn x C ˇc .1 x/ SI; (5.8)
I 0 D " ˇn x C ˇc .1 x/ SI "
I; (5.9)
x 0 D "x.1 x/.ˇc ˇn /I C x.1 x/.k mI /: (5.10)
S 0 D 0; (5.14)
I 0 D 0; (5.15)
x 0 D x.1 x/.k mI /: (5.16)
k
O plano de equilíbrio I D m não tem equilíbrios normalmente hiperbólicos e é
de pouca importância. Vamos ignorar isso.
As soluções do sistema limite rápido com 0 < x < 1 são fáceis de entender;
veja Figura 5.2a:
k
• Se I < m, então xP > 0, e de fato
k
• Se I > m, então xP < 0, e de fato
x x
k/m k/m
I I
S S
(a) No sistema limite rápido, as órbitas (b) O sistema limite lento está definido
para 0 < x < 1 são verticais e os tri- apenas nos triângulos em x D 0 e x D 1.
ângulos em x D 0 e x D 1 consistem Em x D 0 é um sistema SIR com R0 < 1;
integralmente de equilíbrios. em x D 1 é um sistema SIR com R0 > 1.
k
• x D 1 (todos se comportam normalmente) se I < m;
k
• x D 0 (todos se comportam com cuidado) se I > m.
@x 0
.S; I; 0/ D k mI: (5.21)
@x
Seja .S0 ; I0 ; 0/ um ponto de x D 0 onde (5.21) é negativo. Seja .S.t /; I.t // a
solução de (5.17)–(5.18) com .S.0/; I.0// D .S0 ; I0 /. Seja t1 > 0 o tempo para
o qual: Z t1 0
@x
.S.t/; I.t /; 0/ dt D 0: (5.22)
0 @x
Seja .S1 ; I1 / D .S.t1 /; I.t1 //. Como a solução .S.t /; I.t // se aproxima de um
equilíbrio numa parte repulsora de x D 0 (veja o retrato de fase), este tempo
t1 existe sempre. A razão é que a solução leva um tempo infinito para atingir o
equilíbrio, então o integral em (5.22) cresce sem limites quando t1 ! 1.
Teorema 5.1. Para um pequeno " > 0, suponha que uma solução de (5.8)–(5.10)
(ou (5.5)–(5.7)) chegue numa pequena vizinhança do plano x D 0 perto do ponto
.S0 ; I0 ; 0/. Então a solução deixará aquela vizinhança do plano próximo ao ponto
.S1 ; I1 ; 0/.
Observe que a integral em (5.22) começa por ser negativa para t1 > 0 pequeno,
pois estamos na parte atratora do plano onde a função integranda é negativa. Mas a
curva .S.t/; I.t /; 0/ irá por fim entrar na parte repulsora de x D 0, onde a função
integranda é positiva. Em t1 , a repulsão equilibra a atração e a solução deixa a
vizinhança " do plano.
Da mesma forma, para o sistema limite rápido (5.14)–(5.16), a atração ou re-
pulsão em direção a x D 1 em um ponto .S; I; 1/ é governada pelo número
@x 0
.S; I; 1/ D .k mI /: (5.23)
@x
Seja .S0 ; I0 ; 1/ um ponto de x D 1 onde (5.23) é negativo. Seja .S.t /; I.t // a
solução de (5.19)–(5.20) com .S.0/; I.0// D .S0 ; I0 /. Seja t1 o menor número
positivo, se existir, para o qual:
Z t1 0
@x
.S.t/; I.t /; 1/ dt D 0: (5.24)
0 @x
5.7. Soluções singulares 85
S
Figura 5.3: A solução singular.
1. A primeira solução rápida vai de .0:96; 0:04; 0:980/ para .0:960; 0:040; 1/.
2. A primeira solução lenta vai de .0:960; 0:040; 1/ para .0:720; 0:184; 1/, onde
a integral de entrada–saída é 0.
3. A segunda solução rápida vai de .0:720; 0:184; 1/ para .0:720; 0:184; 0/.
5.8. Discussão sobre a mudança do comportamento humano 87
4. A segunda solução lenta vai de .0:720; 0:184; 0/ para .0:626; 0:045; 0/, onde
a integral de entrada–saída é 0.
5. A terceira solução rápida vai de .0:626; 0:045; 0/ para .0:626; 0:045; 1/.
6. A terceira solução lenta vai de .0:626; 0:045; 1/ para .0:276; 0:122; 1/, onde
a integral de entrada–saída é 0.
7. A quarta solução rápida vai de .0:276; 0:122; 1/ para .0:276; 0:122; 0/.
8. A quarta solução lenta vai de .0:276; 0:122; 0/ para .0:268; 0:081; 0/, onde
a integral de entrada–saída é 0.
9. A quinta solução rápida vai de .0:268; 0:081; 0/ para .0:268; 0:081; 1/.
10. A quinta solução lenta vai de .0:268; 0:081; 1/ para .0:146; 0; 1/, onde ter-
mina a epidemia. Não há nenhum ponto onde a integral de entrada–saída
seja 0.
ou seja, a I.s/ por s 6 t. Esse pode ser um dos motivos pelos quais, quando
I.t / diminui, muitas pessoas ainda ficam em casa. Veja Poletti, Ajelli e
Merler (2012) para esta abordagem.
4. No modelo, as pessoas reagem apenas ao estado da epidemia e às suas intera-
ções com outras pessoas. Na verdade, as pessoas também reagem às ordens
do governo e às informações veiculadas na mídia. Uma vez que diferen-
tes mídias podem apresentar informações muito diferentes, talvez o modelo
deva ter compartimentos diferentes para diferentes estilos de consumo de
mídia.
O comportamento humano é complicado. Diferentes aspectos do comporta-
mento humano podem ser salientes em diferentes situações. Assim, modelos sim-
plificados que capturam apenas um ou alguns aspectos do comportamento humano
podem explicar corretamente o comportamento em algumas situações, mas não em
outras.
Os epidemiologistas matemáticos sabem que a mudança espontânea do com-
portamento humano é importante. No entanto, raramente é incluído em modelos
de uso prático. Por exemplo, Ferguson, Cummings et al. (2006) no seu detalhado
modelo de influenza para os EUA e Reino Unido, que foi mencionado no Prefá-
cio, escrevem: “Não supomos qualquer mudança espontânea no comportamento
de indivíduos não infectados como a pandemia progride, mas observe que as mu-
danças comportamentais que aumentaram a distância social junto com alguns fe-
chamentos de escolas e locais de trabalho ocorreram em pandemias anteriores (…)
e podem ocorrer em uma futura pandemia, mesmo que não façam parte da política
oficial. (…) Essas mudanças espontâneas no comportamento da população podem
reduzir mais facilmente o pico de incidência de casos diários.”
Existem pelo menos três razões pelas quais a mudança comportamental não é
levada em consideração na maioria dos modelos.
1. Como mencionamos acima, o comportamento humano é complicado, e pode-
se imaginar levando em consideração muitos aspectos diferentes do compor-
tamento humano.
2. Ainda não existe uma abordagem geral amplamente aceita sobre como levar
em consideração o comportamento humano em modelos de epidemia.
3. Coletar dados relevantes para o comportamento humano é um problema de-
safiador.
Essas questões representam um desafio importante para o futuro.
5.9. Problemas 89
5.9 Problemas
Problema 5.1 (Derivação do modelo SIR com dinâmica de imitação). Neste pro-
blema explicamos o primeiro termo da soma na Equação (5.4). O sistema (5.2)–
(5.4) é na verdade baseado em um modelo de quatro compartimentos. Existem
dois compartimentos suscetíveis, Sn e Sc . Indivíduos em Sn , com comportamento
normal, têm coeficiente de transmissão ˇn , e indivíduos em Sc , com comporta-
mento cuidadoso, têm coeficiente de transmissão ˇc . Os outros compartimentos
são infetados e recuperados. Ignorando a dinâmica de imitação, temos o seguinte
sistema de equações diferenciais para as frações da população.
SPn D ˇn Sn I; (5.25)
SPc D ˇc Sc I; (5.26)
IP D .ˇn Sn C ˇc Sc /I
I; (5.27)
RP D
I: (5.28)
Os pais que optam por não vacinar seu recém-nascido têm uma recompensa
negativa porque seu filho pode contrair a doença. Essa recompensa é proporci-
onal ao número de contagiosos na população. Portanto, é mI onde m é uma
constante positiva.
Por outro lado, os pais que optam por vacinar seu recém-nascido têm um
retorno negativo devido à possibilidade de efeitos colaterais da vacina. Este pa-
gamento é k, onde k é uma constante positiva.
Portanto, a recompensa de vacinar subtraída da recompensa de não vacinar
é igual a k C mI .
Para vacinas em uso, k é muito menor do que m. Assim, quando I não é muito
k
baixo (I > m ), a vacinação tem um retorno maior, mas quando I é muito baixo
k
(I < m /, como será se o programa de vacinação já estiver em vigor há muito
tempo, não vacinar tem uma recompensa maior.
Supondo a dinâmica de imitação, temos
xP D x.1 x/. k C mI /
com uma constante positiva. Quando a vacinação dá um retorno maior, x au-
menta; quando a vacinação dá um retorno menor, x diminui.
O sistema completo é
SP D .1 x/ ˇSI S; (5.32)
IP D ˇSI
I I; (5.33)
RP D
I R C x; (5.34)
xP D x.1 x/. k C mI /: (5.35)
com
C 1 1 ˇk
S D ; I D ; x D 1 1 S :
ˇ
C ˇ m
A cuidadoso, 89
AIDS, vii humano, 27, 74
Arábia Saudita, viii normal, 89
Assintomáticos, 53 pegajoso, 78, 83
Autovalores e autovetores, 36, 55, Contato, 9
56, 59, 68, 73, 81 adequado, 2
Coronavírus, viii
B Covid-19, viii, 27, 29, 30, 52, 70, 71
Box, George, 15 Crescimento e decaimento
Brasil, vii, ix, 27 exponencial, 58, 69
C Curva invariante, 24
Campo de vetores, 19, 20, 33
China, viii D
Ciclo separatriz, 45, 48, 51 Determinante, 43, 55, 59
Coeficiente de transmissão, 10, 28, Dinâmica de imitação, 75, 90
29, 89 Distanciamento social, 30, 74
Cólera, vii Distribuição de probabilidade, 11,
COMORBUSS, ix 15
Compartimento, 2, 14 Doença
Comportamento endêmica, x, 8
95
96 Índice Remissivo
impa
Instituto de
Matemática
Pura e Aplicada
9 786589 124429