Love">
Como Escrever Histórias Ebook - Marcel Batista Pires
Como Escrever Histórias Ebook - Marcel Batista Pires
Como Escrever Histórias Ebook - Marcel Batista Pires
índice
parte I: várias coisas
1 • conceito............................. 12
2 • trama................................. 34
3 • logline............................... 49
4 • tema................................... 61
5 • herói.................................. 78
6 • vilão................................... 108
parte II: estrutura
7 • a lei................................... 127
8 • monomito........................ 140
9 • segredo dos ninjas......... 151
parte III: epílogo
10 • pronto........................... 163
3
intro
4
Porque sim!
5
Histórias são legais: elas contam sobre o drama da nossa existência, sobre
a procura interminável pelo amor, sobre a tragédia da mortalidade e sobre
robôs lutando kung fu no espaço!
6
Você provavelmente já tentou escrever uma história: você teve uma grande
ideia, imaginou o que acontecia na sua história, criou um herói e um vilão,
pegou papel e caneta, e se sentou pra escrever tudo aquilo. Você estava a
alguns minutos de dividir a sua grande visão com o mundo!
7
Se você tivesse desistido, você provavelmente teria sido bem mais feliz...
Mas você sabia que conseguia vencer aquele desafio, então ficou tentando
escrever aquilo pra sempre até ficar maluco.
9
Nós ouvimos histórias desde que a gente nasceu. Histórias são tipo um
burgui: você pode não saber como se faz um, mas você já comeu vários e
sabe quando comeu um burgui ruim e quando comeu um burgui do bão.
10
Isso é porque você sabe ouvir histórias, mas pra escrever histórias, você
precisa conhecer os segredos dos ninjas: segredos milenares e mitológicos
que destrancam as portas da sabedoria e te permitem escrever como um
verdadeiro campeão.
11
PARTE I:
VÁRIAS COISAS
1
conceito
13
O primeiro passo da sua história é uma ideia.
Mas não importa por onde você comece, o que você precisa pra se lançar
nessa incrível jornada de escrevimento (???) é uma...
~~~visão ~~~
15
Histórias caem do céu: elas aparecem do nada na sua cabeça porque o seu
cérebro viu um punhado de coisas e juntou tudo e, por um segundo, ele
criou essa imagem incrível de um universo fantástico em que heróis vivem
grandes aventuras onde coisas que você nunca tinha imaginado antes
acontecem.
16
Agora, eu sei o que você deve estar pensando: “Histórias caem do céu?!
Como assim? Eu achei que você ia me contar como eu faço pra escrever!
Cadê os segredos dos ninjas?!”
Mas esse é o primeiro segredo dos ninjas: histórias vem de uma imagem
estranha na sua cabeça. Guarde essa imagem. Tudo o que você precisa está
nela.
17
Se você estivesse escrevendo Metal Gear, seria “um homem tímido tenta
deter um robô gigante.”
Então pense na sua ideia: o que você enxerga quando imagina a sua
história? E como você escreveria isso em pouquíssimas palavras?
Não, não, não! Não conte quem está fazendo o quê! Aqui a gente quer só o
conceito: a ideia geral da sua história, o universo em que ela se passa, o
que ela tem de diferente de todas as outras histórias, uma coisa bem curta
e grossa que conte sobre o seu projeto, tipo...
21
Star Wars pode ser sobre qualquer coisa: dá pra contar qualquer história
com o conceito “tretas no espaço”, mas isso já diz muito sobre o que essa
história não é – e é mais ou menos isso que você quer quando definir o
conceito da sua história.
O mesmo vale pra Dragon Ball: tem 7 coisas espalhadas pelo mundo que,
quando reunidas, invocam um dragão que realiza qualquer desejo. A
história podia ser sobre qualquer um – nada no conceito fala sobre o Goku
ou a Bulma ou sobre Deus ser um E.T. morando numa torre...
22
Conceitos são uma imagem que conta como é a história sem dizer qual é a
história.
Por exemplo, o pôster de Era Uma Vez no Oeste:
São 3 caras armados virados pra um outro cara armado e todo mundo usa
chapéu e bota: é um western e tem treta! Eu não sei sobre quem é ou o que
acontece, mas o conceito da história tá todo ali.
23
Você também pode definir o conceito da sua história como uma mistura de
duas histórias. Isso é bem útil porque fica muito mais fácil de entenderem
o que você está imaginando e também porque provavelmente foi assim
que você teve a ideia (o pessoal da Pixar tem ideias assim o tempo todo!
Eles olham pros brinquedos e pros carros e pros ratos e pros peixes e
pensam “o que essas coisas devem estar pensando agora?” e aí eles
escrevem um filme).
Ideias são um remix de outras coisas que você já viu, então não fique com
vergonha, vai lá e fala logo de onde você tirou essa ideia!
24
Você quer que ele seja interessante porque você quer explodir a cabeça das
pessoas com o quão incrível é a sua história!
26
E você quer que seja fácil de explicar, porque se não, ninguém vai
entender nada...
27
Se você souber qual o conceito da sua história, pense em qual gênero ela
se encaixa melhor.
Mas se for sobre esses jovens em busca do amor num universo paralelo, aí
pode ser uma ficção científica.
29
Quando encontrar o gênero da sua história, vá atrás de todas as obras desse
gênero que você gosta (filmes, livros, jogos) e encontre os pontos em
comum neles. Você quer que a sua história seja diferente, mas que tenha
características em comum com aquele gênero – pra que o seu público
reconheça a sua história como uma ficção científica, uma fantasia ou seja
lá qual for o gênero que você esteja escrevendo.
30
Por exemplo: Se você está escrevendo uma história de terror, você precisa
de muitas vítimas e um “monstro”.
Claro que esse é um ótimo momento pra ser criativo: você precisa
encontrar os clichês do seu gênero, mas a sua história pode romper as
barreiras dele.
Faça o que quiser com a sua história, mas certifique-se de que tudo
funciona em conjunto.
E na dúvida, lembre-se:
34
PARTE I:
VÁRIAS COISAS
2
trama
35
Mas pra esse conceito virar uma história, você precisa de uma trama –
você precisa de conflito.
Então não precisa pensar no que o seu personagem quer, pense na história
que você quer contar: quando você imaginou o seu conceito, você
enxergou pessoas lutando, carros correndo, cachorros fugindo, jovens
matando aula...
Use essa imagem pra criar a intenção do seu personagem, porque é isso
que vai levar a sua história até onde você imaginou.
38
Sua história conta sobre alguém lutando pra conseguir alguma coisa, ou
você não contou uma história. A gente quer emoção, bombas, chutes na
cara, decepções, corações partidos! Ninguém assiste um jogo de futebol
com um time só – a gente quer conflito!
Lembra de como o seu conceito explodiu a cabeça daquele cara? A sua
história tem que provar que aquele conceito era realmente um explodidor
de cabeças – a sua trama tem que extrair dele tudo o que a frase “pudim
assassino” (ou o que quer que seja o seu conceito) prometeu.
O seu conceito é um trailer. A sua trama é o filme: não decepcione os seus
fãs.
39
Se o seu conflito for “salvar o mundo”, o seu protagonista pode ser tanto o
super-homem...
...quanto o Frodo.
45
O que muda de acordo com a escolha do seu protagonista são as táticas.
As táticas são as opções que o seu herói tem à disposição para vencer o
obstáculo.
O Super-Homem é super forte, super resistente, ele voa, tem visão de raio-
x, visão de calor, sopro gelado e pode ficar sem camisa no espaço.
O Frodo tem um anel que deixa ele invisível, mas que ele não pode usar
porque deixa ele gripado e atrai os piores inimigos.
46
Se o Super-Homem tivesse que levar o anel pra Mordor, essa seria uma
história com nenhum conflito, porque nada na Terra Média consegue bater
nele.
Porque o Super-Homem não tem que “derrotar o Apocalypse” ele tem que
“salvar o mundo” – a mesma missão que o Frodo tem. Se o Frodo tivesse
que salvar o mundo do Apocalypse, ele faria isso de um jeito que não
incluiria bater nele até a morte, porque as táticas do Frodo são outras.
48
PARTE I:
VÁRIAS COISAS
3
logline
50
A internet está cheia de vídeos de gatinhos. Cheia. Tipo, entupida deles. Se
você dedicasse a sua vida toda a assistir vídeos de gatinhos, eu duvido que
você conseguisse ver todos antes de morrer.
Vamos dizer que alguém pense em ouvir a sua história. Você tem uns 3
segundos pra convencer aquela pessoa de que a sua história vale a pena.
Ninguém liga se você escreveu sobre você mesmo, porque ninguém liga
pra você! A gente não vai achar que uma história sobre a sua vida é uma
boa história se a gente não sabe nada sobre a sua vida.
Se a sua história é baseada em outra coisa mais famosa, eu vou querer ler
essa outra coisa!
53
Ninguém liga pro making of de uma história que não importa – o processo
não quer dizer nada! Se eu gostar muito da história, só aí eu vou querer
saber como foi feito.
Se eu ainda não ligo pra sua história, eu ligo menos ainda pras ideias de
onde ela surgiu.
54
A logline é uma frase que diz qual é a história que você quer contar: pra
você ela é um mapa do seu projeto – ela conta o eixo da sua história; para
o resto do mundo, ela é a resposta para a pergunta “será que eu vou gostar
disso?”
“Ao ter a sua honra questionada, o robô RX-02 desafia o príncipe dos
robôs, SS-14 para um duelo, mas sua fama de alcoólatra coloca todos
contra ele na estação espacial”.
56
Bom, vamos ver o que rolou aqui...
“Ao ter a sua honra questionada” é o evento que leva ao conflito, mas ele
também conta qual é a intenção do protagonista: reaver a sua honra.
Tudo o que resta saber é o fim – e é pra isso que as pessoas vão querer ler
a sua história.
60
Então pense em tudo o que você sabe sobre a sua história (intenção,
obstáculo, conflito) e escreva essa história em uma frase que conte tudo –
guarde só o final.
61
PARTE I:
VÁRIAS COISAS
4
tema
62
Se você já está cansado de regras que não envolvem “sentar e escrever a
sua história” e não aguenta mais essa coisa de “conflito”, “trama” e outras
palavras idiotas, se prepare, porque esse capítulo vai ser especialmente
horrível pra você.
Se tem uma coisa que a história do RX-02 pode provar, é que mesmo
quando você parte de um conceito imbecil tipo “robôs lutando no espaço”,
você pode escrever uma história dramática, séria e profunda. Não na
superfície – a superfície ainda tem robôs lutando no espaço – mas no
subtexto.
63
Isso é falsidade ideológica? Não – desde que o RX-02 acabe lutando com
algum robô no espaço sempre que alguma coisa importante acontece.
64
Imagina que ao invés de robôs são carros e que ao invés de lutarem, eles
batem um no outro.
65
E, que fique bem claro: a sua história pode ser só uma sucessão de carros
batendo – a sua história pode ser sobre o que você quiser!
Mas se a sua história for só um monte de carros batendo, ela vai ser um
lixo e você vai ser um péssimo escritor.
66
Histórias não são vídeos de gatinhos fofos. Esses são ótimos vídeos, mas
eles não duram 2 horas por um motivo: ninguém se impressiona com o
quanto um gatinho é fofo por tanto tempo.
Se você quiser prender a atenção de alguém por todo esse tempo, você
precisa fazer as pessoas acreditarem nos personagens, torcer por eles e crer
que a vida daquelas pessoas fictícias importa.
67
Histórias são feitas de texto e subtexto: eu vejo uma luta entre duas
pessoas – mas o que aquilo significa?
SIM! Ninguém viu Dragon Ball pra ver se eles iam pedir a paz mundial
quando reunissem as esferas do dragão, ou pra ver se o Goku era um bom
pai, ou pra torcer pro Gohan realizar o sonho de virar um cientista. Mas
essas coisas eram importantíssimas quando eles estavam lutando!
68
Sua história tem um número de cenas e todas elas precisam de um
significado, para que o seu público invista as próprias emoções nos seus
personagens.
Mas não importa como você esteja, a sua história é sempre o seu ponto de
vista. Então aceite essa condição e use isso pra deixar a sua história ainda
mais forte – se você acreditar no que os seus personagens dizem, eles
serão intensos e inquestionáveis!
70
A visão de mundo que você coloca na sua história (através do significado
por trás das suas cenas e personagens) é o seu tema.
Se você não tinha nada pra dizer (primeiro que a sua história deve estar
uma chatice, porque todo mundo tava falando coisas, mas ninguém falava
sobre o mesmo tema, então todas as conversas eram só conversas, sem
nenhum propósito; depois que) a sua história é, na melhor das hipóteses,
um longo vídeo de gatinhos fofos...
71
...(quem são esses gatinhos? por que eles estão aí? quais são as
consequências deles serem tão fofinhos?)
...ou um longo vídeo de carros batendo (quem estava nos carros? quem
sobreviveu? o que levou os carros a bater?)
Eles chamaram todo astrofísico no planeta pra contar sobre como a ciência
no filme é perfeita, mas Interstellar é sobre o que há depois da morte – é o
filme mais espírita desde Amor Além da Vida. Tem até aquela sequência
em que eles continuam jovens, mas os vivos (a galera que ficou na Terra)
envelhece.
Só assim você tem uma história – uma que as pessoas vão gostar de ouvir.
78
PARTE I:
VÁRIAS COISAS
5
herói
79
O protagonista de uma história, é aquele que leva a história a diante; o
herói; aquele que realiza grandes feitos e transforma o mundo ao seu
redor. Ele é assim:
O protagonista da história
somos nós.
A história serve para nos contar alguma coisa, mas nós só vamos ouvir se,
num nível subconsciente, aquilo estiver acontecendo com nós mesmos.
O que quer dizer que o seu protagonista tem que ser... um total perdedor.
81
Nós temos um sentimento chamado empatia que serve pra simular viver
uma situação no lugar de outra pessoa (ou animal, ou... coisa, qualquer
coisa).
...aí nós ficamos tristes por ele – e nós só ficamos tristes por alguém
quando nos colocamos no lugar daquela pessoa. E tudo o que você quer é
que o seu público se coloque no lugar do seu protagonista – todo o
envolvimento, todo o investimento emocional vem dessa relação.
83
Ok, seu protagonista não precisa ser um completo inútil – na verdade ele
pode até ser incrível. Mas você precisa nos aproximar dele:
Mas ele salva vidas, está sempre sentindo dor e anda com uma bengala...
85
Se nós gostarmos do seu herói – se nós nos colocarmos no lugar dele, se
nós formos o seu protagonista – ele pode fazer virtualmente qualquer coisa
antes que a gente seja obrigado a se distanciar dele e torcer pra ele se dar
mal.
86
Agora que nós gostamos do seu protagonista, vamos ao que interessa:
...ainda não.
Muito bem! O seu herói já é nossa pessoa favorita e você já garantiu que
ele está investido em tudo na sua história: o que ele faz agora?
Bom... eu tenho uma lista de coisas que ele tem que fazer...
90
Pra ser um herói, o seu protagonista precisa:
Quanto mais decisões o protagonista for forçado a tomar, mais nós vamos
saber quem ele realmente é.
Por exemplo, se a intenção do herói é salvar uma princesa, decidir salvá-la
é fácil.
92
Mas depois que ele começa a jornada é que as decisões vão ficando
complicadas – o preço a se pagar pra cumprir a intenção do protagonista
vai ficando mais e mais alto.
Vamos dizer que o seu herói seja um cara tentando impressionar uma
garota que ama cãezinhos, mas ele odeia animais: jogue mil cachorros em
cima dele fazendo as piores coisas possíveis – quanto mais cocôs e
mordidas ele enfrentar sem chutar nenhum cachorro, mais ele prova que
realmente faria tudo por ela: o herói só é um herói, quando a intenção é
mais importante que ele mesmo.
93
2 - O seu herói precisa lutar para vencer os obstáculos:
O herói já é uma boa pessoa só por escolher a aventura – a intenção é o
que conta, porque essa escolha nos diz o quanto ele é altruísta ou corajoso.
Mas os obstáculos vão fazê-lo questionar essa decisão e ele precisa
continuar em frente para alcançar o objetivo e tornar-se um herói.
O preço que ele paga ao percorrer a jornada só pode ser pago por ele: se
outra pessoa luta no seu lugar ou se a solução para vencer um obstáculo
cai do céu, ele não é um herói.
94
Se o seu herói alcançar a vitória, ele precisa ser inteiramente responsável
por isso: tudo o que faz com que ele vença tem que ser conquistado por ele
e vindo de decisões tomadas por ele.
Pense que a intenção é fincar uma bandeira no Everest; o obstáculo é subir
o Everest: o herói precisa escalar a montanha. Ninguém pode fazer isso
por ele; ele não pode pousar de avião no topo, não pode rolar
teletransporte e ele não pode ser carregado por outras pessoas até lá.
Ele pode receber ajuda: alguém pode trazer um tanque de oxigênio, ajudá-
lo a levantar quando cair, mas é o protagonista que tem que chegar até lá e
fincar aquela bandeira.
95
3 - Ele precisa ser capaz de mudar:
O seu herói era um fracassado. Ele decidiu embarcar numa aventura,
enfrentar seus medos e venceu os obstáculos que o levaram ao seu destino.
Mas e se mesmo depois disso tudo, o velho decide dar o cachorro e manda
a criança nunca mais aparecer perto da casa dele?
97
Se o seu protagonista era um homem triste que encontrou a felicidade, mas
escolhe voltar para as trevas rancorosas em que ele vivia quando tudo isso
começou, o que isso diz sobre o seu personagem? Qual é o seu tema, se
esse é o fim da sua história?
Se você quer que a sua história tenha um final trágico e horrível, você
pode fazer o que quiser: escreva o que o seu coração mandar.
Tudo o que importa é se a história funciona.
De repente, surge uma onda – ela pode levar o surfista para um lugar
melhor, ou pior, mas ele sabe que essa onda é a única esperança que ele
tem de mudar de vida. Ninguém sabe quando outra onda virá (ou se virá):
é agora ou nunca!
Mas ele ainda precisa remar para conseguir pegar a onda – não é só se
deixar levar, ele precisa se esforçar para aproveitar aquela oportunidade.
99
Quando finalmente consegue surfar aquela onda, ele descobre que tem um
preço a pagar pra que ela o leve embora do marasmo:
Quando ele finalmente pegar a onda, ele vai descobrir que ela pode levá-lo
para outro lugar, como ele queria, mas que ele vai ter que se esforçar para
não ser derrubado ou deixado por ela. Mas ele sabe que é capaz, porque
ele tem táticas perfeitas para lidar com aquela situação: ele só precisava da
oportunidade ideal e da coragem para tentar.
Onde quer que a onda o leve, quando chegar lá o surfista vai ter aprendido
sobre si mesmo e sobre o mar que o cerca – coisas que ele nunca
aprenderia se não tivesse pego a onda.
Mas, paralelo a esse desejo, o seu herói tem uma falha: existe alguma
coisa faltando nele, alguma coisa que ele precisa aprender, aceitar,
descobrir ou conquistar e que vai permitir conquistar o seu sonho.
Então vamos dizer que o seu herói é uma mulher que sonha em encontrar
um marido que a ame tanto quanto ela ama os seus 11 gatos. As táticas
que ela tem são “ser bonita, simpática e elegante” – ela tem que
impressionar alguém que queira ficar com ela.
102
Aí ela conhece um cara, ele é demais, os dois estão felizes juntos e ele a
pede em casamento!
Mas quando eles estão comemorando que vão passar a vida juntos, ele diz
que ela finalmente vai poder deixar de ser uma louca dos gatos e ter uma
vida feliz.
E é nesse momento que ela percebe que, por mais que ela queira um amor
na vida dela... ela também ama os gatos.
103
Na verdade, ela já tinha um amor! Ela tinha 11 gatos! Todo mundo disse
que ela precisava se casar e que ninguém ia querer uma mulher com 11
gatos, aí ela achou que o desafio era encontrar alguém que a aceitasse pelo
número de gatos que ela tinha...
Mas essa não era ela e o sonho que ela achava que tinha, não era o que ela
queria.
104
O que ela queria era ser amada, mas depois de pagar o preço para
encontrar a felicidade e provar tudo o que ela sempre achou que quis, ela
descobriu que ela só precisava amar a si mesma!
O seu protagonista tem um desejo (a intenção):
No fim da história ela vai estar no mesmo lugar do começo (em casa com
gatos), mas ela mudou: o mundo ao redor dela parece o mesmo, mas como
ela o encara é outro. Ela toma decisões sozinha, luta para vencer os
obstáculos e decide mudar para encontrar o que realmente quer.
106
A falha pode ser algo que o herói desconhecia ou algo que ele negava. O
importante é que o conflito o leve não só a descobrir ou encarar essa
falha, mas também ser capaz de mudar quando isso acontecer – ver o
mundo de outra maneira e tomar novas decisões.
(Fazendo esses desenhos eu reparei que essa é a trama d’O Diabo Veste
Prada – a Anne Hathaway sonhava em ser uma grande jornalista, aí ela
vira uma diva fashion e larga tudo pra ser uma jornalista de novo. Só que,
desta vez, com toda a experiência que ela conseguiu sofrendo no segundo
ato).
107
• Escreva um herói que tem um grande desejo sem o qual a vida dele
não faz sentido.
• Quando chegar a hora de voltar para o mundo real, veja o que o seu
herói vai decidir fazer com todo o conhecimento que ele adquiriu.
PARTE I:
VÁRIAS COISAS
6
vilão
109
A cara da sua história é o seu herói – ele vai viver experiências no lugar do
público e enfrentar questões complexas a fim de revelar o tema da sua
história (e a sua visão do mundo).
...e aí o vilão pode dizer “uau, parece que você não era tão boazinha assim,
hein...”
111
A sua história é um debate: cada elemento nela é um argumento. Cada
personagem representa um lado desse argumento – todos eles. Se um dos
seus personagens não representa um argumento no seu debate, tire ele da
história, ou faça ele entrar nessa disputa.
AUTOR
Ei, será que a gente
devia roubar bancos?
PÚBLICO
Uau, eu não sei.
Isso certamente é
relevante para a minha
vida. Resolveria muitos
dos meus problemas.
Será que a gente
devia?
AUTOR
Leia essa história
e vamos descobrir!
113
Se a sua história é uma pergunta, um dos seus personagens representa o
“sim” e outro representa o “não”.
O herói é o “talvez”.
114
Se o adversário é o “não”, por que diabos o herói não seria o “sim”?
Porque nós estamos falando da relação entre os personagens e o tema, não
entre um personagem e o outro.
Lembre-se: o herói é o público. O herói somos nós – e nós estamos vendo
essa história para descobrir a resposta para a pergunta que você escreveu.
É por isso que o herói é o talvez – ele acha que “sim” (se ele achasse que
“não”, ele não embarcaria na aventura), mas ele (assim como nós) ainda
não sabe. Ele é o “talvez”.
Se ele tiver um mentor – alguém que manja dos paranauê e guia ele pela
aventura, esse personagem é o “sim”.
115
Então se a sua história pergunta se a gente devia roubar bancos, nós (o
público) vamos assistir o herói (nós) roubando bancos pra ver se essa é a
resposta pra sua (nossa) vida.
Quem é o adversário?
No fundo eles são todos elementos da questão que o tema da sua história
trata – mas se eles tivessem a forma do seu significado, todas as histórias
seriam sobre um clube de debate.
116
Mas quem tem uma opinião imutável sobre crime não é o xerife – é o
cargo de xerife. É dever daquele cargo combater o crime. Se o homem que
precisa combater o crime tiver dúvidas sobre isso, ele se torna o “talvez” e
isso só faz as coisas mais interessantes: o que fez o xerife questionar a
legitimidade de atos criminosos? E se o sistema for corrupto? Quanto mais
complexas forem as respostas para a sua pergunta (o seu tema), melhor.
117
O seu herói embarcou numa aventura para responder uma pergunta para a
qual ele acha que a resposta é “sim”. E o seu herói representa o “talvez”
nesse debate, mas ele acha que “sim”.
Ele tem essa opinião e se você perguntar pra ele em qualquer dia da
semana ele vai te dizer que sim. Mas ele, assim como nós, tem uma
opinião sobre o assunto que vai ser testada de novo e de novo. Quem vai
testar a nossa opinião sobre o assunto é alguém que tem uma opinião tão
forte quanto a nossa.
Se o herói acha que “sim”, o vilão acha que “não”. A diferença entre eles é
que só um deles é capaz de mudar – Não importa o que aconteça, o vilão
ainda vai achar que “não”.
118
O que eu quero dizer com isso é que nós temos opiniões fortes... mas nós
sabemos que existem outras prioridades na vida.
Quando as duas mulheres pediram pro Rei Salomão decidir quem era a
verdadeira mãe de um bebê, nós somos uma das mulheres, mas ainda não
sabemos qual. Nós nos identificamos com a relação de uma mãe com o
seu bebê, então nós somos as duas mães.
119
O tema dessa história é “honestidade”: qual das mães está mentindo? E a
resposta não só conclui um mistério, como define quem é o herói e o vilão
da história – e o de todas as histórias:
O Rei Salomão decide que a mãe verdadeira nunca ia querer que o seu
filho morresse: o herói é aquele capaz de mudança. Depois de ter os
limites da sua convicção testados por todas as possibilidades da situação, o
herói é capaz de enxergar a falha nele mesmo e tomar novas decisões.
Ela queria o seu bebê porque ela é a mãe dele e quer protegê-lo de todo o
mal. Mas ela prefere abrir mão do bebê e saber que ele está vivo, do que
ter meio bebê morto.
120
O papel do vilão é exatamente esse: pressionar o herói, ao ponto que ele é
forçado a decisões tão extremas, que ele precisa rever os seus conceitos e
aceitar que o que ele achava que queria pode não ser o que ele realmente
quer: a mãe do bebê queria o seu filho, mas depois que todas as outras
opções se esgotaram, ela descobre que, na verdade, ela quer o bem do seu
filho.
O verdadeiro herói é aquele que nunca desiste – não importa o quanto eles
sejam pressionados, eles ainda resistem. Heróis são uma rocha: mas nós
precisamos ver como é difícil ser assim – é isso o que o vilão mostra.
121
Vamos dar uma olhada nesses caras aqui:
É isso que faz deles inimigos tão marcantes: eles são respostas diferentes
para uma mesma pergunta.
PARTE II:
ESTRUTURA
7
a lei
128
Um bêbado entra numa igreja no México durante a
missa.
“Señor, el sombrero!”
“Señor! El sombrero!!”
Mas você precisa saber que as regras não existem para vender filmes da
Marvel ou comédias românticas – elas existem porque é assim que nós
contamos histórias desde sempre. Histórias entretêm e informam; divertem
e argumentam. Se você quer informar você precisa saber como divertir,
como manter seu público atento.
É pra isso que você precisa saber como funciona a estrutura de uma
história.
131
Quando alguém te diz...
A segunda é que a história que estão te contando é uma piada. Isso porque
a estrutura também inclui o gênero: “alguém entra em algum lugar” é o
começo de uma piada; “era uma vez” é o começo de um conto de fadas.
Se você conta sobre um dragão que sequestra uma princesa dos braços de
um cavaleiro, nós imediatamente imaginamos o momento em que o
cavaleiro vai matar o dragão e salvar a princesa. Ele não pode ignorar o
que aconteceu e ir virar um pescador: algo deformou a ordem no seu
mundo – ele precisa consertá-lo.
Toda piada de bêbado precisa que ele entre numa situação extremamente
séria e aja como se todo mundo estivesse de muito bom humor – mas a
história só funciona se o público não puder prever o final.
Para que uma história funcione (para que prenda a atenção do público e
ele se sinta recompensado no final), todos os elementos precisam estar no
lugar. Se você estiver escrevendo um romance de 800 páginas, muitas
coisas podem estar sobrando e talvez até fugindo do tema da sua história,
mas ninguém vai reparar tanto, porque o ritmo e o comprimento da sua
história permite que você acrescente elementos sobressalentes.
Mas quanto mais curta a sua história, mais concentrados os seus elementos
e significados precisam ser: o número de personagens, temas, cenários e
atos nos 42 volumes de Dragon Ball e numa tirinha de jornal vai ser
drasticamente diferente. Mas ambas só funcionam se todos os elementos
estiverem presentes.
139
Então nós finalmente vimos como todas aquelas coisas que nós
aprendemos antes funcionam em conjunto formando uma história (e
vamos ver isso tudo de novo daqui a pouco), mas antes, vamos só parar
pra lembrar de umas coisas importantes que servem para todos os
momentos:
• Comece suas cenas o mais tarde possível: tão tarde que, se a cena
começasse um segundo depois, nós já não seríamos capazes de entender
nada.
...anotou tudo?
140
PARTE II:
ESTRUTURA
8
monomito
141
Quando o homem morava nas cavernas, sentava em volta da fogueira e
não existiam músicas do Legião Urbana pra tocar, ele aprendeu a contar
histórias.
No monomito, o herói (1) está numa situação confortável, mas (2) recebe
um chamado. Ele (3) recusa esse chamado, mas (4) acaba partindo para a
aventura, entrando num mundo que ele desconhece, onde, pra ele, tudo é
extraordinário. Lá ele (5) enfrenta todo tipo de teste até (6) aprender a
lidar com aquele mundo, evoluindo depois das provas pelas quais ele
passou. Aí ele (7) começa a voltar pra casa, mas precisa (8) enfrentar uma
nova rodada de testes e tretas para (9) conseguir voltar para o mundo real,
(10) transformado por tudo pelo que passou.
143
Histórias tem três atos, mas o segundo ato tem duas partes, então você na
verdade vai ter quatro atos – mas as regras ainda são as mesmas: começo
(I), meio (II) e fim (III). Vá em frente e divida os seus atos também.
Agora pense no seu conceito: imagine qual o final dessa história, o duelo,
a corrida, o “eu te amo, não vá para a Rússia”, o “foi o mordomo”...
Coloque essa cena aqui:
145
Não faça um X – nós vamos marcar outras coisas. Diga o que acontece
aqui. Vamos imaginar que essa é a história do cavaleiro: aqui é mais ou
menos onde ele luta com o dragão.
Muito bem: curto e grosso – essas anotações são pra você, então escreva
só o que achar necessário pra se lembrar o que quer dizer.
Depois de salvar a princesa, é natural que os dois voltem pra casa... nesse
mesmo espírito, logo antes de lutar com o dragão, o cavaleiro precisa
invadir o castelo e subir a torre...
Tudo o que você coloca nessa linha do tempo pode ser mudado a qualquer
momento durante o processo, mas esse é o seu mapa: se você tiver
bloqueios criativos, você pode voltar e consultar esse mapa.
149
É verdade: o mapa é muito útil, mas ele é só um guia geral, assim como a
sua logline. Então pegue um monte de cartões indexáveis (ou só... post-its,
papéis pequenos... qualquer papel menor que uma folha inteira serve. Mas
pegue muitos!).
Quando tiver escrito tudo o que você acha que sabe sobre a sua história,
coloque os papéis em ordem – do início ao fim da sua história. Dê uma
olhada neles e veja se tem alguma coisa faltando, se você descobriu que
precisa de mais uma cena, se você precisa de uma cena a menos...
Use esses papéis para visualizar a sua história mais de perto e trocar as
cenas de lugar até encontrar a melhor sequência de eventos para ilustrar o
seu tema.
150
Se você quiser ser um escritor overpower total professional, quando você
souber mais sobre a sua cena, você pode incluir no seu cartão onde a cena
se passa e qual o conflito daquela cena:
PARTE II:
ESTRUTURA
9
o segredo
dos ninjas
152
Olhando a sua linha do tempo, você pode ter um panorama geral do que
acontece com o herói em cada um dos três (quatro) atos da sua história.
Mas se você não preencher essa linha, aí é só uma linha... Então vamos
transformar isso num gráfico que conta qual a performance do seu herói
durante essa história:
153
Quando ele apanhar o suficiente para que o público entenda quais são os
desafios que o herói vai ter que enfrentar, dê um descanso pra ele: dê um
amigo, dê um refúgio momentâneo, um momento em que nós aprendemos
mais sobre ele, porque ele foi forçado a fazer escolhas e expor suas
fraquezas...
Mas dessa vez, o seu herói está pronto para lidar com o novo mundo: ele
tem aliados, ele sabe quais são os desafios. Se o seu herói é um lutador,
aqui é a montagem de treinamento; se é uma comédia romântica, é aqui
que eles descobrem que foram feitos um para o outro; tire esse momento
para dar ao seu público a promessa do seu conceito, as cenas do seu trailer.
Tudo aqui é difícil, mas ele descobriu que é bom nisso – ele está se
divertindo!
155
Nós chegamos ao meio da sua história. Seu herói agora consegue lidar
com esse mundo e tirou um momento para respirar. Mostre para nós que
ele mudou – o surfista ainda não sabe aonde a onda vai levá-lo, mas ele já
pode surfar de olhos fechados.
Agora respire fundo e se prepare...
O herói deve ser tão castigado e perseguido que ele deve chegar a
contemplar a própria morte (ou a morte metafórica dos seus sonhos): aqui
o obstáculo se torna tão implacável que ele realmente acredita que é
melhor desistir.
Finalmente, o herói pode retornar à sua vida, mas agora, munido de tudo o
que adquiriu no mundo sinistro. Mostre-nos quem ele é agora em contraste
com o fracassado que ele era no início da história.
158
Essa é a jornada do nosso herói:
159
ATO I:
1 • Intro: comece a sua história. Mostre-nos um personagem (o herói), um
lugar (o seu mundo) e nos dê um tom (o seu gênero) – se é uma comédia,
faça uma piada; se é um mistério, mate alguém...
4 • Debate: o herói sabe que não pode ignorar o chamado, mas ele vai
tentar. O protagonista não é um idiota, ele sabe o que está em jogo: faça-o
encarar suas opções.
160
ATO II A:
5 • Entrada: a quebra do 2º ato é o momento em que o herói decide encarar
os seus medos e enfrentar os obstáculos – mostre-nos essa decisão.
Conduza-o para o outro mundo.
ATO II B:
9 • Renascimento: foi difícil, mas nosso herói é um novo personagem,
alinhado com esse novo mundo. Ele está tão satisfeito que esquece dos
obstáculos por um momento.
ATO III:
13 • Epifania: no último instante, o herói percebe o que faltava dentro
dele. Ele pode enxergar através dos dois mundos e usa tudo o que
aprendeu para cruzar o limite entre eles, escapando do adversário e
voltando para o mundo normal.
PARTE III:
EPÍLOGO
10
pronto
164
Finalmente: você tem uma história.
Com essa estrutura você agora pode criar histórias para qualquer formato e
propósito – afinal, não importa se você está jogando games ou lendo
romances soviéticos, histórias sempre tem começo, meio & fim, intenção
& obstáculo, texto & subtexto e um tema que permeia todas as cenas.
165
Quando sentar para escrever a sua história, despeje as palavras na página,
use tudo o que você sabe sobre a sua história. Afinal, é para isso que nós
passamos todo esse tempo planejando: para que você soubesse exatamente
a história que quer contar antes de começar a escrever.
Quando começar, vá até o final sem ler nada do que você escreveu.
Quando terminar, tire um ou dois dias de folga antes de voltar pra ler. E
quando ler, não se preocupe: a primeira versão da sua história é sempre
horrível. Relaxe. Sente-se e comece a procurar o que está errado. Arrume e
faça isso tudo de novo até gostar do resultado.
O que eu quero dizer é o seguinte: histórias são grátis – elas surgem na sua
cabeça e tudo o que você precisa fazer é colocá-las no papel.
Thank you.
bendaora.com