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Tese Luis Gonzaga
Tese Luis Gonzaga
Tese Luis Gonzaga
Palavras-chave: Luiz Gonzaga. Arranjo. Canto Coral. Música popular. Música brasileira.
Abstract: This research analyses the presence of the music of Luiz Gonzaga in Brazilian choral
arrangements, showing the receptivity of the popular repertoire as a factor of cultural identity. 66
Arrangements were localized in 96 different scores. The presence of the interpretive style of
Gonzaga was verified, combined with other procedures coming from the musical training of the
arrangers. After Burke and Canclini, choral singing is seen as a practice where cultural hybridism
is observed.
Keywords: Luiz Gonzaga. Arrangement. Choral Singing. Popular music. Brazilian music.
1. Introdução
A produção de arranjos de canções populares urbanas ou folclóricas tem sido
praticada em todo o século XX e XXI, a partir de uma história do repertório coral que
remonta à Idade Média, em que temas populares eram “emprestados” e reutilizados a partir de
uma técnica composicional erudita. Tal prática sofreu diversas transformações nos distintos
períodos históricos, caracterizando o canto coral como uma espécie de “território fronteiriço”,
propício às múltiplas possibilidades de contágio, circularidade cultural e hibridismo (BURKE,
2003). Canclini entende por hibridação “processos socioculturais nos quais estruturas ou
práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas,
objetos e práticas” (CANCLINI, 2003: xix).
Esta pesquisa parte da ideia do repertório coral ligado a práticas culturais em que
pode ser identificado este caráter híbrido entre a música popular e a música erudita, em nosso
caso o cancioneiro de Luiz Gonzaga, observando como os gestos interpretativos de suas
performances influenciam os arranjadores que, por sua vez, combinam esses elementos com
sua formação musical erudita.
XXV Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – Vitória – 2015
2. Problema e discussão
Nas primeiras décadas do século XX, foi grande a criação e adaptação de
repertório para as práticas do canto coletivo, especialmente no repertório escolar que teve
como alguns de seus iniciadores João Gomes Junior e João Baptista Julião (dois dos mentores
do movimento orfeônico no Brasil).
A partir da década de 30, com Villa-Lobos dando dimensão nacional ao canto
orfeônico, a produção de material adaptado continuou, tendo por base canções classificadas
como “folclóricas”, transmitidas oralmente e transcritas para a notação musical, permitindo
diversas adaptações e arranjos. O Guia Prático de Villa-Lobos, a partir de 1932, é o conjunto
mais conhecido. (GILIOLI, 2003; IGAYARA, 2009).
Nos anos 60 do século XX, com o crescimento dos coros amadores, a produção de
arranjos estabeleceu-se como prática frequente, não mais unicamente do cancioneiro
tradicional ou folclórico, mas agora das canções populares gravadas e divulgadas sobretudo
pelo rádio e pela televisão. Entre os arranjadores desse movimento destacam-se Damiano
Cozzella, Marcos Leite e Samuel Kerr, entre outros (OLIVEIRA, 1999).
A produção de arranjos tornou-se uma prática consolidada e extremamente bem
recebida pelos coralistas. A possibilidade de cantar as canções populares levou muitos
regentes à criação de material específico para o seu grupo. Tornou-se comum os líderes de
coros (principalmente dos formados por amadores) exercerem mais esta função: o regente-
arranjador. Este depoimento de Samuel Kerr exemplifica bem a questão:
A minha introdução nesse campo do arranjo foi por uma necessidade do trabalho. Eu
não disse: “Agora vou ser um arranjador”. Não, eu nem me percebi sendo chamado
de arranjador porque eu fazia uma música que era necessária para o grupo. Tanto
que os arranjos que eu fazia pra um coro nem sempre eu conseguia fazer em outro
porque eles tinham a característica do grupo (TEIXEIRA, 2013: 14).
SILVA, 2012: 3). A partir dessa constatação, pode-se refletir sobre o papel desse regente no
grupo, onde suas habilidades devem ir além de seus conhecimentos sobre regência coral. O
“domínio do repertório” e de “questões interpretativas de natureza estilística” são aspectos
elencados por Ramos (2003), entre as muitas habilidades que englobam o “reger um coro”, ao
lado do conhecimento da “técnica vocal, ouvido apurado para questões de afinação, timbre,
precisão rítmica, desenvoltura com questões analíticas e musicológicas” (RAMOS, 2003: 1).
Considerar as características do coro é um aspecto muito relevante para Ramos, que afirma:
(...) penetrar no universo coral não é, apenas, participar de uma atividade musical,
mas adaptar-se, transformar e criar novas comunidades de leitura de um suposto
repertório coral, com seu cânone e com suas aberturas, descobrir e construir sua
identidade como grupo. Nesta discussão, assumem um papel importante os arranjos
ou adaptações corais, que sempre fizeram parte da história do repertório coral e, por
diversas vezes, operaram mediações entre os universos cultos e populares, ou entre
universos culturais distintos. (IGAYARA, 2007: 5).
contracantos; (10) processo de imitação com um tema e/ou fragmento da melodia principal;
(11) realização de modulações, alterações de textura e mudanças de andamento; (12) melodias
de trechos/canções diferentes entoadas simultaneamente; (13) alterações melódicas e/ou
rítmicas; (14) alterações harmônicas; (15) motivos, trechos e até arranjos inteiros sem
texto/letra. A seguir, detalhamos, com exemplos, alguns deles.
Sílabas onomatopaicas: As interpretações de Luiz Gonzaga são acompanhadas
pela sanfona, na maioria das vezes tocada por ele mesmo, assumindo um papel importante nos
trechos instrumentais das canções, como nas introduções ou “pontes” para repetições. Alguns
arranjadores, principalmente em arranjos a capella, transportam o que é executado pelos
instrumentos para as vozes. Um dos recursos é utilizar sílabas onomatopaicas para emular um
grupo instrumental (Ex. 1)8.
Ex. 7 - Pot-pourri “100 anos de Luiz Gonzaga”, arr. Viviane Valladão, c.86-94.
5. Considerações finais
Uma das principais conclusões deste trabalho é a relação entre alguns dos
procedimentos utilizados pelos arranjadores, tais como exemplificado na seção anterior, e o
estilo interpretativo de Luiz Gonzaga. Já outros procedimentos demonstram a formação
musical do arranjador que atua como intermediador de dois conjuntos culturais, a canção
popular e as práticas corais. Analisando processos de hibridismo cultural, Peter Burke afirma:
“Acho convincente o argumento de que toda inovação é uma espécie de adaptação e que
encontros culturais encorajam a criatividade” (BURKE, 2003: 17). A pesquisa demonstrou,
ainda, a enorme presença da canção popular arranjada no repertório dos coros, exemplificada
no cancioneiro de Luiz Gonzaga, como fator de identidade cultural e de ligação entre os
objetivos artísticos e estéticos de coralistas, regentes e arranjadores.
Referências:
1
A primeira autora apresentou este trabalho como monografia de conclusão do curso de licenciatura em música
na Universidade de São Paulo em 2014, sob orientação da segunda autora que é professora de repertório coral na
mesma universidade.
2
Não apresentaremos uma síntese biográfica ou uma análise de sua trajetória musical, uma vez que a
importância de Luiz Gonzaga na história da música popular brasileira tem sido exaustivamente demonstrada. No
entanto, salientamos que a escolha deu-se, além da empatia, pelo importante papel de disseminação de um
repertório nordestino em um panorama nacional, sobretudo com sua participação crescente na indústria
fonográfica, acompanhando o processo migratório que fixou uma grande quantidade de populações nordestinas
em estados do sudeste brasileiro.
3
Também foram consultados diretamente os sites com bancos de partituras: Festival Internacional de Corais;
Memphys; Solano Music; Maestro Antônio Sarazate; Agenda do samba & choro; Super partituras; Ouvindo
vozes.
4
Nessa consulta, obtivemos respostas de Claudio Mesquita; Diogo Santana; Fred Teixeira; Gina Falcão; Marco
Antonio da Silva Ramos; Mariana Hammerer; Roberto Rodrigues e William Coelho.
5
Considerando as 4 canções (Último pau de arara, Moça de feira, Eu só quero um xodó e Hora do adeus), que
não são composições de Gonzaga – com temas presentes em arranjos que contém mais de uma canção –,
totalizamos 30 músicas arranjadas.
6
Alguns locais e datas que estão na tabela elaborada foram obtidos questionando diretamente o arranjador ou
quem disponibilizou a partitura e sabia a origem.
7
Título e ano das músicas de Luiz Gonzaga foram unificados a partir dos livros de Dreyfus (1996), Ferreira
(1986) e Ramalho (2000).
8
Esse procedimento também foi encontrado nos arranjos de Adilson Rodrigues (Olha pro céu), Pedro Santos
(Assum preto), Eduardo D. Carvalho (Riacho do navio), entre outros.
9
A utilização de silabas onomatopaicas, porém sem altura definida e normalmente sem vogais também para
emular instrumentos de percussão pode ser vista nos arranjos de B. Fonsêca (Algodão e Asa branca), Eduardo D.
Carvalho (A vida do viajante) e José e Pedro (Pot-pourri Luiz Gonzaga).
10
Esta dupla função também é empregado no Pot-pourri “100 anos de Luiz Gonzaga”, arranjo de Viviane
Valladão e no Pot-pourri Luiz Gonzaga, arranjo de José e Pedro.
11
Também encontramos “texto falado” em Qui nem jiló, arranjo de Márcio Medeiros.
12
No Pot-pourri arranjado por Édipo Ferreira, por exemplo, também aparece esse procedimento.