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Preservação Do Patrimônio Cultural Liberal de Castro
Preservação Do Patrimônio Cultural Liberal de Castro
Preservação Do Patrimônio Cultural Liberal de Castro
*
Sócio efetivo do Instituto do Ceará.
1
O autor tem desenvolvido o tema principalmente em cursos de pós-graduação em Direito,
setor universitário empenhado em conhecer, de modo objetivo, o significado e o valor de
determinados bens culturais, cuja preservação é defendida por legislação pertinente. Como
se sabe, os estudos de aplicação das leis que regem a matéria, envolvem, por competência
profissional, docentes e discentes daqueles cursos.
100 Revista do Instituto do Ceará - 2008
Patrimônio
2
O pater familias era figura jurídica, social e religiosa básica da Roma antiga, com poder
e posição incomparavelmente superiores ao “pai de família” dos dias atuais. A expressão
procede de: pater, -tris – subst. m. (latim) – pai. De pater - pai, vêm padre, compadre, com-
padrio, paterno, paternal, paternidade, pátria, pátrio, patriarca, patrício, patriota, patriotismo,
patrimônio, patrão, patrono, patrocínio, patrocinador, patronímico.
Preservação do patrimônio cultural 101
1 Patrimônio Cultural
3
A preservação do patrimônio natural brasileiro cabe ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). A preservação do patrimônio cultural é tarefa
atribuída ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
4
Assinala Ernesto Faria: “Cultura, -ae (subst. f.), significa cultura, no sentido físico e moral.
[Vem do verbo] colo, colis, -ui, cultum, colere = habitar, morar e daí, cultivar, sentido físico
e moral, e daí, cuidar de, proteger, querer, e enfim, por extensão, honrar, cultuar” (1943:
60-1). Ainda segundo Faria, também procedem do mesmo verbo: “Cultus, us - Cultura, mais
comum o sentido moral, educação, civilização (...)” e “cultor, oris – subs. masc. habitante,
agricultor, lavrador e, em sentido moral, cultor”. (1943: 60-1).
102 Revista do Instituto do Ceará - 2008
5
Em termos cearenses, o interesse pela matéria é antigo. Basta lembrar que, em 1873, quando,
durante todo o ano, esteve pela última vez em sua terra natal, José de Alencar se interessou
em pesquisar histórias populares do ciclo regional do gado, escrevendo o Rabicho da Ge-
ralda, logo em seguida.
Preservação do patrimônio cultural 103
6
Os velhos “lugares” fortalezenses por assim dizer desapareceram em decorrência do recente
desmonte físico da cidade antiga, cuja área de ocupação, compacta e restrita, corresponderia
aproximadamente ao atual centro comercial. O genius loci, que os velava, emigrou para
sempre. Práticas sociais coletivas, ainda correntes não faz muito em tantos “lugares” da
Cidade, também se esvaeceram, substituídas por um hedonismo comportamental generali-
zado, induzido por apelos comerciais, vassalos do consumo. Não há, pois, como conectar a
memória pessoal (o autor fala por si) nem, muito menos, a memória coletiva, com espaços
urbanos (e também com edificações) hoje totalmente descaracterizados, modificados, envi-
lecidos, destruídos. Nada resta, salvo recorrer à fotografia na busca de reencontrar o passado
em imagens retidas por meios mecânicos de preservação. Lamentavelmente, o drama da
destruição física se repete em todas as cidades brasileiras, em particular, nas metrópoles.
São Paulo – três cidades em um século, avulta como titulo amargo e autoexplicativo de um
livro de Benedito de Toledo (1981, 2004), em que a capital paulista figura como se fosse um
palimpsesto urbano, apagado e seguidamente reescrito. Diante de tantas reflexões acerbas,
vale admitir que as considerações expendidas por Halbwachs em obra conhecida (1968:
131-160 ), no capítulo dedicado às relações entre memória coletiva e espaços urbanos,
parecem ter ou tiveram validade unicamente européia...
7
Sobre a matéria, ver Registro do Patrimônio Imaterial. Brasília: IPHAN, 2002.
104 Revista do Instituto do Ceará - 2008
2 Patrimônio construído
8
Plano basilical subentende aquele semelhante ao das antigas basílicas romanas, edificações
destinadas às atividades judiciais. Quando o cristianismo foi reconhecido oficialmente, as
primeiras igrejas construídas se apropriaram da organização espacial das basílicas, quase
sempre compostas por um amplo salão, dividido por duas filas paralelas de colunas, com
o que se formavam uma nave central, bastante larga, e duas alas laterais, mais estreitas. A
mesa do juiz transformou-se em altar e as tribunas dos advogados tornaram-se os púlpitos.
A título de ilustração, registre-se que a maior parte das igrejas cearenses do século XIX, e
ainda no século XX, recorreu a soluções de plano basilical. Basílica, vale lembrar, vem de
basileys/éos, que em grego significa rei.
9
O plano da igreja de Constantino foi repetido em igrejas romanas construídas pouco depois.
A igreja de São Paulo Fora dos Muros, de fins do século IV, por suas dimensões e por se
ter mantido com relativa integridade espacial, talvez seja aquela com interiores que melhor
reproduzem a igreja antiga, cujos restos dos alicerces e partes inferiores ainda podem, aliás,
ser vistos na cripta da atual igreja de São Pedro.
Preservação do patrimônio cultural 109
10
Apenas em termos de acervo francês, como exemplos semelhantes, de agregações e de-
molições de partes, citem-se obras por demais conhecidas, como o Louvre, o palácio de
Fontainebleau e os castelos de Blois e Chenonceau.
11
A proposta lembraria algo como destruir o conjunto de Versalhes, a fim de restabelecer
o pequeno pavilhão de caça adquirido por Luís XIII. Assim, portanto, remanescentes da
primitiva morada dos governadores da Capitania, casa de aparência chã, dos inícios do sé-
culo XIX, já muito alterada e transformada em ala de despachos do Palácio da Luz, foram
recompostos na ocasião sem coerência arquitetônica. Examinados os fatos na distância dos
anos, o autor relembra o engano lamentável mas já não recrimina, como outrora, a decisão
tomada na época por dois altos administradores estaduais, cultos e respeitados, figuras de sua
admiração e de cuja intimidade intelectual, é pena, somente veio a privar posteriormente.
Preservação do patrimônio cultural 111
3.1 Os antiquários
12
De certo modo, semelhantemente, devem-se incluir problemas que conduziram à desfigu-
ração de bens artísticos por rejeição religiosa. Assim, vale registrar a destruição de obras de
arte greco-romanas e cristãs ocorrida quando da difusão inicial do islamismo, aliás, repetida
séculos depois, por ocasião das arremetidas dos turcos seljúcidas convertidos. Acrescentem-
se a ação dos iconoclastas, na Europa Oriental, e da reforma protestante, em muitas partes
da Europa Ocidental. No século XVIII e no século XIX, a expropriação de bens religiosos
redundou em ampla devastação, particularmente no Império Austríaco e numa Alemanha
ainda não unificada.
112 Revista do Instituto do Ceará - 2008
13
A propósito da palavra monumento, Faria esclarece-lhe a etimologia latina: “Monumentum,
-i - subs. n. (Cic., Del. 40). O que faz lembrar alguma coisa, lembrança, recordação; daí
– túmulo, estátua, inscrição, lápide, templo, monumento especialmente para lembrar um
morto. / Vem de Moneo, monere – fazer pensar, lembrar. Posteriormente, chamar a atenção,
advertir.” (Op. cit., 207). Na acepção popular e também em alguns setores eruditos, são
consideradas monumentos apenas as estátuas das praças públicas, enquanto o adjetivo mo-
numental significa algo enorme. Incontestavelmente, as estátuas são monumentos, porque
erguidas para lembrar as figuras que representam. Inúmeras outras criações humanas, todavia,
também constituem monumentos, visto haverem sido realizadas com o mesmo objetivo de
memorar fatos e pessoas.
Preservação do patrimônio cultural 113
14
Ver, em L’Allégorie du Patrimoine, o capítulo III – La Révolution Française (CHOAY,
1992: 76-95). Millin, textualmente, alude ações “en détruisant les produits du génie et des
monuments historiques qu’il serait intéressant de conserver” (1992: 77).
15
Até então, rara e excepcionalmente, as coleções eram exibidas ao público. Os acervos de
obras de arte pertenciam à realeza, à aristocracia, à Igreja e a seus altos dignatários, a par de
alguns bens de propriedade burguesa. Quando da Revolução Francesa, boa parte dos bens
culturais ficou abandonada por nobres e burgueses ricos, os “emigrados”, que fugiram do
país na ocasião, dirigindo-se preferencialmente para a Inglaterra.
114 Revista do Instituto do Ceará - 2008
16
Os serviços da Comissão dos Monumentos foram dirigidos inicialmente por Ludovic Vitet
(1802-1873), político e teatrólogo, substituído por Prosper Mérimée (1803-1870), também
interessado em teatro, historiador, arqueólogo, tradutor e autor da novela Carmen (1845),
tragédia romântica, cuja ação transcorre em ambiente exótico, na Andaluzia. Em 1875,
Carmen foi transformada no libreto de famosa ópera homônima, composta por Georges
Bizet (1838-1875).
17
Ações e trabalhos mais significativos, pertinentes à preservação de bens culturais no século
XIX, são franceses. À parte o espírito britânico, cauteloso em matéria de intervenção do
Estado, a Itália e Alemanha tiveram participação tardia nos debates, visto que apenas se
unificaram territorialmente na segunda metade do século XIX. Esse fato histórico retardou
o exame amplo dos problemas e o preparo de legislação pertinente, de abrangência nacional.
Na Alemanha, o interesse pela preservação ocorreu bem cedo, todavia, com manifestações
de caráter regional. A proteção dos monumentos em amplitude nacional somente se verificou
em 1919, quando da aprovação da constituição de Weimar, aliás, mudada após a guerra de
1939-1945, quando foi concedida aos Länder larga autonomia cultural. A Carta del Restauro
da Itália data de 1972.
Preservação do patrimônio cultural 115
• Viollet-le-Duc
18
Em vários países europeus, inúmeras catedrais góticas foram “concluídas” na segunda metade do
século XIX, de modo tal que, ao vê-las, dificilmente se consegue distinguir o novo do antigo.
19
O trecho inicial do longo verbete Restauração (20 páginas!), inserido por Viollet-le-Duc em seu
Dictionaire Raisonné de l’Architecture Française e ora traduzido, explica o entendimento dos
conceitos defendidos pelo arquiteto: RESTAURAÇÃO, s. f. A palavra e o assunto são modernos.
Restaurar um edifício não é recuperá-lo, repará-lo ou refazê-lo, mas restabelecê-lo em um estado
completo que pode nunca ter existido em um dado momento. (1858, v. 8: 14-34).
Preservação do patrimônio cultural 117
• John Ruskin
• Camilo Boito
diferentes cidades brasileiras de modo cansativamente idêntico. Nada têm a ver com aquela
aparência pobre, decaída socialmente, mas arquitetonicamente autêntica e humana, que o
autor conheceu há décadas. Pouco importa que então revelassem, na vida social, aspecto
por certo bem diferente dos dias faustosos dos anos centrais do século XIX, quando foram
montadas e ocupadas por grupos conspícuos das classes dirigentes locais. Estas reflexões
remetem principalmente ao Pelourinho, na Bahia, e à Praia Grande, em São Luis do Mara-
nhão. O Sítio do Físico, nesta última cidade, mantido como ruína “ruskiniana” por quase
dois séculos, mas hoje recuperado, também provocou as mesmas reflexões no autor.
Preservação do patrimônio cultural 119
***
21
Camillo Boito procedia de meio familiar culto. Seu irmão, Arrigo Boito (1842-1918), poeta e
libretista, foi consagrado compositor de óperas, das quais Mefistófeles é a mais solicitada.
120 Revista do Instituto do Ceará - 2008
Um parêntese: o neogoticismo
22
Riegl, escrevendo na entrada do século XX (1903), oferece explicações para a escolha:
Desde o surgimento do romantismo, quer dizer, desde que o culto do valor histórico entrou
em sua última, maior e decisiva etapa, os estilos medievais ganharam destacada primazia
na arte religiosa, especialmente o gótico, bem conhecido por seus inumeráveis monumentos.
Cabe apenas duvidar qual a razão do fato: percebendo o distanciamento que se generalizou
recentemente entre arte religiosa e arte profana, a arte religiosa tem buscado apoio nos
estilos daquelas épocas nas quais não existia divisão entre arte profana e arte religiosa
(1999: p. 97).
Preservação do patrimônio cultural 121
23
O emprego de materiais importados, a estrutura metálica belga, imagens, vitrais e ladrilhos
franceses, bem como o pinho de Riga nos retábulos e no púlpito, tudo se congregou na igreja
do Pequeno Grande, consumando, do ponto de vista formal, anseios estéticos atualizados,
pelo menos se apreciados em termos europeus.
24
A igreja do Cristo-Rei, erguida pela construtora baiana Norberto Odebrecht, segundo projeto
de autor desconhecido, recorreria ao concreto armado e à alvenaria de tijolos, com paramentos
rebocados. Sem possibilidade de êxito, tentava imitar, nos interiores, as soluções em pedra
das igrejas góticas (pilares fasciculados, abóbadas de arestas). Como houvesse problemas
quando da elevação da torre ou das torres, a pendência ficou resolvida com a ajuda local de
José Barros Maia, o qual, segundo suas próprias declarações ao autor deste trabalho, desenhou
a torre, construída na ocasião, transcrevendo-a da fotografia de uma igreja belga.
25
O projeto da Catedral, concebido segundo uma versão neogótica fornecida por Joseph
Monier, desenhista francês, à época radicado em Pernambuco, resumia-se a uma planta geral
da igreja e a uma perspectiva. Estas indicações gráficas não foram compreendidas pelos
construtores, o que resultou no abastardamento da proposta, a qual, por si, já se apresentava
esteticamente anacrônica... Monier, eclético, aproveitou a visita à Cidade para elaborar o
projeto do Palácio do Comércio, em versão art déco, empreendimento de instituição não
governamental, erguido numa praça pública.
122 Revista do Instituto do Ceará - 2008
O médiévisme e as cidades
A. O valor de novidade
B. Valor artístico relativo
27
“Aloïs Riegl (...) é o primeiro historiador a interpretar a conservação dos monumentos
antigos por uma teoria de valores.” (CHOAY, 2000: p. 91).
124 Revista do Instituto do Ceará - 2008
28
O conceito de que cada época tem sua arte, como o testemunha a História, responde pelas
mutações formais ocorridas ao longo do tempo, favorecendo a justaposição de arquiteturas
de idades e aparências diversas em muitos ambientes urbanos antigos. Esse fato vem incen-
tivando os debates a favor da chamada contextualização arquitetônica ambiental, quer dizer,
a inclusão de obras novas em áreas antigas, tombadas, desde que mantidas certas medidas
de integração, como as alturas, os volumes, os ritmos, o emprego de elementos de realce
assemelhados, embora contemporâneos. O que se teme, pelo menos no Brasil, é a burla às
normas, para atendimento aos reclamos da especulação imobiliária.
29
O programa dito do Corredor Cultural, adotado no Rio de Janeiro, admite a realidade física
de arquiteturas justapostas, mas não propriamente contextualizadas. Como se reconheces-
se que, uma vez perdidos os anéis, se salvem os dedos, esquece a presença impositiva e
intercalada de obras novas, os arranha-céus, em procura de preservar pequenos conjuntos
arquitetônicos contíguos, formados por construções de fins do século XIX e das primeiras
décadas do século XX.
30
A conservação eterna não é possível em absoluto, pois as forças naturais são, em última
instância, mais poderosas que o engenho humano e, o próprio homem, enfrentando a
natureza como indivíduo, é aniquilado por ela. (RIEGL, 2004: 64). Os partidários mais
radicais do valor de antiguidade hoje [1903] ainda pertencem fundamentalmente às classes
cultivadas (ID., 2004: 59).
31
Em termos fortalezenses, a última intervenção efetuada no Teatro José de Alencar, em
alguns pontos, pautou-se nos critérios de valor artístico relativo. A alteração de cores e
formas originais de esquadrias, e até de espaços, foi executada por decisão dos responsáveis
pelos trabalhos. Os vitrais da fachada interna, todos novos, também ficaram recompostos
126 Revista do Instituto do Ceará - 2008
4 A preservação no século XX
segundo critérios pessoais. Muitas peças primitivas estavam quebradas, outras desaparecidas,
mas, por meio de velhas fotografias, havia condição de manter, pelo menos parcialmente,
o “leque” de vitrais antigos e de repor as peças perdidas nas cores originais. Nos trabalhos,
houve ainda inserções de valor instrumental ou, melhor, de posicionamento pragmático,
no caso do emprego de instalações de ar-condicionado, necessárias, mas que deturparam
a proposta original de um teatro de jardim, caracterizado por varandas, janelas e portas,
simultaneamente abertas para o exterior e para o interior.
32
Tem sido este o caso das pinturas externas de conjuntos urbanos tombados pelo IPHAN,
cujas cores (e até formas arquitetônicas) foram escolhidas pelos restauradores consoante
deliberação pessoal. Esse modo de entendimento do problema procura atender à moderniza-
ção ou à atualização do gosto estético, muitas vezes induzidas pela “novidade”. Não se trata,
porém, de inovação brasileira, pois a solução mostra abrangência internacional, conhecida
em países de língua inglesa como facadism (fachadismo).
33
Não faz muito, uma empresa multinacional, fabricante de tintas, patrocinou, em pontos
diversos do País, uma campanha de “restauração” das “cores da cidade”, na verdade,
operação executada com tintas e pintura oferecidas gratuitamente, porém, de acordo com
os padrões industriais e cromáticos de sua cartela... A capital cearense participou desses
empreendimentos.
Preservação do patrimônio cultural 127
Art. 9o. A restauração é uma operação que deve ter caráter excepcio-
nal. Tem por objetivo conservar e revelar os valores estéticos e histó-
ricos do monumento e fundamenta-se no respeito ao material original
e aos documentos autênticos. Termina onde começa a hipótese; no
plano das reconstituições conjeturais. Todo trabalho complementar
reconhecido como indispensável, por razões estéticas ou técnicas,
destacar-se-á da composição arquitetônica e deverá ostentar a marca
do nosso tempo. A restauração será sempre precedida e acompanhada
de um estudo arqueológico e histórico do monumento.
Art. 10°. Quando as técnicas tradicionais se revelarem inadequadas,
a consolidação do monumento poderá ser assegurada com o emprego
de todas as técnicas modernas de conservação e construção cuja
eficácia tenha sido demonstrada por dados científicos e comprovada
pela experiência.
Art.11°. As contribuições válidas de todas as épocas para a edificação
do monumento devem ser respeitadas, visto que a unidade de estilo
não é a finalidade a alcançar no curso de uma restauração. Quando o
edifício comporta várias etapas de construção superpostas, a exibição
de uma etapa subjacente só se justifica em circunstâncias excepcionais
e quando o que se elimina é de pouco interesse e o material revelado
porta grande valor histórico, arqueológico e estético, e seu estado de
conservação é considerado satisfatório. O julgamento do valor dos
elementos em causa e a decisão quanto ao que pode ser eliminado não
podem depender somente do autor do projeto.
Art. 12°. Os elementos destinados a substituir as partes faltantes
devem integrar-se harmonicamente ao conjunto, distinguindo-se,
todavia, das partes originais, a fim de que a restauração não falsi-
fique o documento de arte ou de história.
Art. 13°. Os acréscimos só podem ser tolerados na medida em que
respeitarem todas as partes interessantes do edifício, seu esquema
tradicional, o equilíbrio de sua composição e suas relações com o
meio ambiente.34
34
Os artigos 9º. a 13º., alusivos a restauração, foram transcritos na íntegra. Nas decisões do
Congresso, percebe-se claramente uma concordância sutil às considerações de Ruskin (no
art. 9°.) bem como uma total aceitação dos conceitos emitidos por Camillo Boito. Vale
porém lembrar que entre o fim do século XIX e a data da elaboração da Carta de Veneza,
os problemas atinentes a preservação e restauração, foram discutidos, em várias ocasiões,
por inúmeros interessados, em particular na Itália.
130 Revista do Instituto do Ceará - 2008
36
Recentemente entrou em moda no Brasil dizer-se restauro, em vez de restauração. Trata-se
de italianismo ou lusismo de procedência italiana, cujo emprego justifica-se em Portugal,
a fim de evitar mal-entendidos, visto que a restauração de edifícios pode ser confundida
com a restauração do trono português, ocorrida em 1640, após 60 anos de domínio espa-
nhol. O episódio da restauração do governo lusitano assume, assim, importância histórica
fundamental em terras portuguesas, referido com freqüência e conhecido de todos, desde a
infância, no ensino de curso primário. No Brasil, o fato desperta pouco interesse, mas não
se pode esquecer de que a Restauração portuguesa e os tratados internacionais conseqüentes
responderam pela imensa ampliação territorial do País.
132 Revista do Instituto do Ceará - 2008
37
Em termos de Brasil, lembre-se o Palácio Monroe, obra de alvenaria e trilhos de ferro, cons-
truído para funcionar como sede do pavilhão do Brasil na Exposição de Saint Louis, em 1903,
nos Estados Unidos. Reconstruído no Rio de Janeiro, veio a abrigar o Senado por mais de meio
século, sendo demolido para atender ao traçado de uma linha de metrô. Exemplo comovente
de reconstrução, mais que de restauração, feita a pedido dos habitantes da cidade, verificou-se
ainda há pouco na matriz de Pirenópolis, em Goiás, praticamente destruída por incêndio, mal se
haviam encerrado os serviços de restauração da igreja primitiva. Infelizmente, não foi possível
repor as pinturas de forro nem os altares originais, destruídos pelo fogo.
38
Para exame mais detido do assunto, recomenda-se a leitura de publicações pertinentes,
editadas pelo IPHAN (procurá-las nas Delegacias Regionais). Algumas constam das refe-
rências bibliográficas apensas ao texto.
Preservação do patrimônio cultural 133
5 Ainda o século XX
39
A solução adotada na reconstrução da Coluna da Hora, na Praça do Ferreira, em Fortaleza,
seguiu as proposições de Brandi, optando-se por obra nova, em aço, com o propósito de
reconstituir simbolicamente referências formais, espaciais e funções antigas, porém delibe-
rada e inconfundivelmente dessemelhantes da demolida coluna primitiva, levantada segundo
padrões art déco, em alvenaria de tijolos e concreto armado.
40
No âmbito fortalezense, deve ser mencionada a antiga casa de morada da família Gentil,
enormemente aumentada e transformada por Martins Filho em sede da Reitoria da Universi-
dade Federal do Ceará. A intervenção, tal como foi realizada, levanta dúvidas, pois faz supor
que a casa original, elegante, mas relativamente pequena, possuía a forma e as dimensões
ora vistas. Decisões semelhantes também se verificaram em outras edificações antigas da
Cidade, como ocorreu no palacete Carvalho Mota (primeira sede do DNOCS, no centro
da Cidade), no sobrado Fernandes Vieira (Arquivo Público do Estado), na sede da antiga
Companhia União Cearense, no Passeio Público (propriedade atual do SESI).
136 Revista do Instituto do Ceará - 2008
Muitos arquitetos conferem alta valia ao uso social dos bens res-
taurados. Sob este aspecto, no campo das referências urbanas, merece
citação a cidade italiana de Bolonha, prestigioso centro cultural, onde
se encontra a mais antiga universidade européia em funcionamento. A
requalificação do seu centro histórico, com forte cunho social, ocorreu
depois da 2a. Guerra Mundial, quando a cidade por longo tempo foi ad-
ministrada pelo PCI. Na realidade, as ações programadas integravam o
Plano Regulador, proposto com objetivos gerais de resgatar a zona cen-
tral da cidade, abandonada e descaracterizada por intervenções físicas
verificadas na época do fascismo. Importância básica foi, porém, confe-
rida à recuperação social, em particular à habitação popular, re-inserida
41
Se alguém tomar um táxi em distante ponto da Cidade e disser apenas “Leve-me à Reitoria”,
indubitavelmente, chegará ao seu destino, sem que ocorra qualquer engano.
Preservação do patrimônio cultural 137
42
Não há “centro histórico” em Fortaleza, como alguns referem, mas uma zona central de
comércio, cuja expansão destruiu a antiga zona residencial circundante, por invasão, zona na
qual, como em outras partes da Cidade, restaram algumas marcas do passado. Fato idêntico
ocorreu praticamente em todas as cidades brasileiras maiores ou até no estrangeiro. O Rio
de Janeiro e São Paulo também não possuem “centro histórico”, mas áreas com referências
arquitetônicas antigas, dispersas e, quando muito, datadas de um século.
138 Revista do Instituto do Ceará - 2008
Assim se manifestava aquela autoridade: “Esta fortaleza, porém fóra de todas as condições
43
d’arte militar, na opinião dos entendidos, nunca será uma obra de fortificação e defeza; e
se merece cuidado e as despezas com ella se tem feito e continua-se a fazer, é mais como
monumento de aformoseamento da cidade do que sob aquella relação”. (1859: p. 18).
Preservação do patrimônio cultural 139
46
O número de tombamentos concedidos pelo IPHAN tem crescido enormemente, nem sempre
pautados pelo texto severo do art. 1º. do Decreto-lei n°. 25, instrumento legal sancionado há
mais de sete décadas e que busca uma relativa imutabilidade física das obras. No entender
do autor deste trabalho, deveria ser proposta uma legislação suplementar, que contemplasse
situações intermediárias, situadas entre o tombamento, entendido rigorosamente conforme
a lei, e os registros de “lugares”.
Preservação do patrimônio cultural 141
8 Considerações finais
Claude Perrault (1613-1688), arquiteto, autor de várias obras, entre as quais a Colunata do
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Louvre (fachada leste). Seu irmão, Charles Perrault (1628-1703) foi literato de expressão,
mais conhecido pelos contos infantis que escreveu.
144 Revista do Instituto do Ceará - 2008
9 Adendo
13
. DVORÁK, Max. Katechismus der Denkmalpfliege. Viena, Julius Bard,
1918.
15
. HERCULANO, Alexandre. Monumentos pátrios. Opúsculos. Lisboa,
Editorial Presença, 1982, v. 1.
(HENRIQUES, Fernando M. A., 2000: 95).48
10 Bibliografia
48
Max Dvorák (1874-1921), historiador da arte, austríaco de origem tcheca, entendia a História
da Arte como a História do Espírito (Kunstgeschischte als Geistgechischte), título de uma
das suas obras mais consideradas. Foi o paladino do resgate do Maneirismo como categoria
histórico-artística autônoma, respeitada e criativa. Alexandre Herculano (1810-1877), nome
de alto prestígio na literatura e na historiografia portuguesas, participou, em primeira linha,
das lutas a favor do constitucionalismo liberal, comandadas pelo rei D. Pedro IV, o nosso
Imperador Pedro I. Após a vitória, Herculano recebeu a incumbência de organizar os bens
culturais dos conventos masculinos, então nacionalizados, em especial, as bibliotecas. As
palavras desalentadas do historiador datam desse período.
146 Revista do Instituto do Ceará - 2008
***
Correção
SUMÁRIO
ABSTRACT