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Novas Reflexoes Sobre o Ensino de Lingua Portuguesa
Novas Reflexoes Sobre o Ensino de Lingua Portuguesa
Novas Reflexoes Sobre o Ensino de Lingua Portuguesa
DE LÍNGUA PORTUGUESA
DIÁLOGOS ENTRE ESCOLA E UNIVERSIDADE
Organizadoras
Eliane Aparecida Galvão Ribeiro Ferreira
Karin Adriane Henschel Pobbe Ramos
Kelly Cristiane Henschel Pobbe de Carvalho
Eliane Aparecida Galvão Ribeiro Ferreira
Karin Adriane Henschel Pobbe Ramos
Kelly Cristiane Henschel Pobbe de Carvalho
(Organizadoras)
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-86546-16-3
CDD 372
2
Conselho Editorial
3
Sumário
Apresentação...........................................................................................................................11
4
Considerações históricas e pedagógicas sobre o ensino de literatura no Brasil................92
Telma Aparecida Luciano Alves
Sérgio Fabiano Annibal
Os autores..............................................................................................................................186
5
Prefácio
De professor(a) a professor(a)-pesquisador(a):
o exercício de pesquisa no ensino de língua e literatura do PROFLETRAS
Foi com muita alegria e satisfação que recebi o convite para escrever o prefácio deste
livro, Novas reflexões sobre o ensino de língua portuguesa: diálogos entre escola e
universidade, organizado por Eliane Aparecida Galvão Ribeiro Ferreira, Karin Adriane
Henschel Pobbe Ramos e Kelly Cristiane Henschel Pobbe de Carvalho, da UNESP/Campus
de Assis. Logo em seguida, veio o impacto da dimensão da grande responsabilidade de
apresentar o livro não somente para seus autores/as, mas, sobretudo para o público leitor.
Após a leitura do livro, no processo de elaboração deste texto, algumas ideias e diversos
questionamentos fervilharam sobre a forma mais consistente de dialogar com o(a) leitor(a) em
potencial desta publicação. Por exemplo, o contexto de produção desta publicação, pois nem
sempre o(a) leitor(a) está atento(a) ou não tem acesso a informações dessa etapa, sendo que a
importância de um livro não se limita ao produto final.
As reflexões presentes neste livro são oriundas das pesquisas realizadas no Mestrado
Profissional em Letras em Rede Nacional - PROFLETRAS, coordenado pela Universidade
Aberta do Brasil (UAB), vinculada à CAPES, em parceria com 42 universidades brasileiras
em 49 unidades, entre as quais se insere a UNESP/Campus de Assis, tendo sido criado com o
propósito de ampliar a formação continuada de docentes de língua portuguesa e de literatura
do ensino fundamental das redes públicas de ensino do Brasil. Não se trata apenas de mais
uma proposta de qualificação profissional, mas de desenvolver nesse(a) docente a capacidade
técnica para o exercício da pesquisa, possibilitando-o/a assumir a postura de professor(a)-
pesquisador(a), que sempre foi discutida como necessária para atuação em sala de aula, uma
vez que os cursos em nível de graduação ou de especialização não conseguem atingir.
O PROFLETRAS está organizado de modo que possibilita a prática da pesquisa e uma
formação curricular que abrange tanto o ensino de língua portuguesa quanto o ensino da
literatura. Esse modelo de pós-graduação stricto sensu na modalidade profissional atende à
natureza do ensino da linguagem no ensino fundamental, etapa em que essas duas áreas do
conhecimento não estão ainda separadas como disciplinas autônomas, o que vai ocorrer
precisamente no ensino médio. Tem-se, assim, uma preparação para um olhar mais crítico
para a leitura e a escrita, pautado nos estudos linguísticos e literários.
6
Uma particularidade do PROFLETRAS é o público-alvo formado somente por
professores(as) em serviço, que não se afastam das suas atividades docentes com o objetivo de
transformarem a sua sala de aula em campo de pesquisa, o que representa para esse(a)
professor(a) sair da sua zona de conforto, pois na condição de pesquisador(a) deve
desenvolver um distanciamento para que a sua prática seja analisada por um olhar crítico,
preparado pela matriz curricular do programa, a fim de constituir como objetos de pesquisa as
problemáticas decorrentes do ensino de língua e de literatura nesse espaço escolar.
Nesse processo de definição/formulação/caracterização de um objeto de pesquisa, esse
professor(a)-pesquisador(a) não possui somente o desafio da formulação de um problema
relevante, da apropriação de uma fundamentação teórico-metodológica, por conseguinte, de
uma reflexão do problema a partir de pressupostos teóricos, mas da transposição didática
dessa reflexão para a realidade escolar por meio da elaboração de uma resposta concreta à
problemática suscitada através da criação e testagem de uma metodologia de ensino ou de um
material didático, que contribua para melhorar a relação ensino-aprendizagem de um
determinado conhecimento de língua portuguesa e literatura. Tal resposta ou produto deve ser
estruturado de modo que outros docentes de realidades semelhantes possam tê-la como
instrumental para desenvolver em sala de aula e obter igualmente resultados positivos. Logo,
a responsabilidade desse(a) professor(a)-pesquisador(a) vai além do seu espaço inicial de
pesquisa, tendo em vista que sua proposta metodológica pode ser igualmente replicada em
outros ambientes escolares.
Para socializar e circular o conjunto de conhecimentos e de propostas sistematizadas
em diversos suportes, o(a) leitor(a) tem ao seu alcance uma diversidade de publicações de
coletâneasi e de dossiês temáticosii em periódicos eletrônicos, produzidas por várias unidades
dessa rede pesquisa. O PROFLETRAS/UNESP igualmente tem tomado essa iniciativa de
fazer chegar a um maior número de interessados os resultados alcançados, como o livro
Reflexões sobre o ensino de língua portuguesa: diálogos entre escola e universidade
(CARVALHO, FERREIRA, 2018), composto por 12 capítulos, com autoria de 27
pesquisadores, abordando temáticas em torno da literatura, a partir da adaptação literária,
relação entre literatura e ensino, perspectiva dialógica da leitura literária, bem como temáticas
em torno da língua destacando a oralidade e escrita, a produção de textos, a presença do grego
e do latim, os modos de trabalhar a gramática uma perspectiva linguística. O(a) leitor(a) tem
em mãos, agora, este livro Novas reflexões sobre o ensino de língua portuguesa: diálogos
entre escola e universidade, que dá continuidade ao propósito de prestar contas à sociedade
7
brasileira, a grande financiadora dessa rede de pesquisa, bem como cumprir o seu papel de
intervenção acerca das problemática da realidade do ensino de língua e literatura na rede
pública e ensino, por meio dos diálogos entre escola e universidade, como assinala o subtítulo
do livro.
Vale ressaltar que esse subtítulo dá a dimensão de uma concepção de relação entre as
duas instituições pautada na realização de pesquisas a partir da escuta da escola e não o
inverso que, muitas vezes, ocorre numa postura autoritária por parte da universidade. Desse
modo, as problemáticas do ensino de língua e literatura assumem uma significação importante
e representativa para esse(a) professor(a)-pesquisador(a), uma vez que não se trata de uma
demanda definida previamente pela universidade e, sim, de inquietações genuínas desse(a)
docente que enfrenta o chão da escola, que convive com os problemas reais e imediatos das
suas turmas heterogêneas. Ao se inserir no PROFLETRAS, tal docente traz para si a
responsabilidade de transformar as inquietações em problemas de pesquisa, por conseguinte,
tornando-se sujeito com autonomia no agir em sala de aula e não apenas um reprodutor do
livro didático.
Neste segundo volume, assim como no primeiro, o livro está estruturado em duas
partes que levam a denominação das linhas de pesquisas do PROFLETRAS. Assim, na
primeira parte, o(a) leitor(a) tem ao seu alcance, em seis capítulos, discussões em torno do
letramento literário e dos multiletramentos, concepções teóricas contemporâneas que têm
assumido um papel importante na consolidação da visão acerca das vivências da leitura como
práticas sociais e, não apenas, como uma atividade automatizada do uso da linguagem. Em
especial, a prática da leitura literária numa perspectiva do letramento, que gera não somente
um exercício de entretenimento, mas também um momento em que o leitor é afetado na sua
subjetividade, tirando-o da sua zona de conforto para lidar com o outro, por conseguinte, com
a alteridade. Para tanto, os(as) autores(as) lançam mão da contação de histórias como
estratégia para formação de leitores críticos, da sacola de leitura no ambiente familiar, do
papel da cultura de massa e da cultura clássica na ampliação do repertório de leitura, da
multimodalidade e das novas tecnologias, como linguagens que desafiam a constituição de um
leitor no âmbito da cibercultura, e da curricularização da literatura.
Na segunda parte, o(a) leitor(a), por meio de cinco capítulos, encontra a discussão dos
resultados obtidos nas pesquisas centradas no ensino da língua portuguesa, pelo viés dos
estudos linguísticos. Os estudos percorrem da alfabetização até o último ano do ensino
fundamental, proporcionando ao leitor um panorama do processo de letramento do sujeito
8
escolar que, neste livro, envolve a alfabetização numa perspectiva dialógica, a apropriação
dos memes como gêneros discursivos, o uso das tecnologias da comunicação e da informação
(TICs), como instrumentos de aprendizagem da língua, a relação entre a historiografia da
gramática e o ensino de línguas, e o tratamento da variação linguística no livro didático. Ao
percorrer esse caminho para a aquisição e processamento da linguagem mediado pela cultura,
os cinco estudos expõem a complexidade do uso da linguagem e a difícil tarefa do(a)
professor(a) para criar condições de práticas de leitura e de escrita que possibilitem o(a)
discente tornar-se proficiente no uso da língua portuguesa na diversidade de contextos sociais.
O desafio dos(as) autores(as) deste livro pode ser visto a partir de duas grandes
etapas, na primeira ocorre o processo de transição da condição de professor para a de
professor(a)-pesquisador(a). Para tanto, tem-se a passagem pela apropriação de teorias, a
criação de problemas de pesquisa, o desenvolvimento de metodologia para a coleta de dados,
por meio de pesquisas bibliográficas e de campo, a análise dos dados para, finalmente,
realizar uma transposição didática ao contexto escolar, gerando um produto que contribua
para o sucesso do ensino de língua e de literatura; na segunda etapa, na condição de
professor(a)-pesquisador(a) é preciso socializar sua produção científica através da escrita
acadêmica do gênero textual “capítulo de livro”, que disponibiliza um espaço menor do que o
gênero textual “dissertação de mestrado”, porém, permanece o compromisso com a clareza
teórica, exposição consistente da metodologia, análise dos resultados mais expressivos e a
apresentação da proposta a ser replicada em outros ambientes escolares.
Este livro, portanto, comprova que os desafios foram plenamente vencidos pelos(as)
professores(as) pesquisadores(as) da rede pública das cidades de Assis e de Araraquara; que
o(a) leitor(a) tem em mãos uma importante colaboração para a qualificação do ensino de
língua e literatura no ensino fundamental; que a leitura dos diversos capítulos é motivadora e
inspiradora para levar para as salas de aulas do Brasil novas possibilidades de formação de
sujeitos escolares mais competentes na leitura e na escrita, enfim, no uso da linguagem em
favor de uma sociedade leitora e democrática.
Boa leitura!
Prof. Dr. Diógenes Buenos Aires de Carvalho
Universidade Estadual do Piauí (UESPI)
Grupo de Pesquisa LLER – Literatura, leitura e ensino (UESPI/CNPq)
GT Leitura e Literatura Infantil e Juvenil (ANPOLL)
RELER (Cátedra UNESCO de Leitura/iiLer- PUC Rio)
Grupo de Pesquisa A narrativa ficcional para crianças e jovens: teorias e práticas (UERJ)
i
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9
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PROFLETRAS: contribuições para o ensino de Língua Portuguesa. Letras & Letras (UFU), v. 33 n. 1 2017.
10
Apresentação
Esta obra resulta de pesquisas desenvolvidas tanto individualmente pelo corpo docente
do Programa de Mestrado Profissional em Letras – PROFLETRAS, da Universidade Estadual
Paulista – UNESP, quanto em parceria com seus orientandos. Esse Programa é oferecido em
rede nacional, com a participação de instituições de ensino superior públicas no âmbito do
Sistema Universidade Aberta do Brasil – UAB, cuja coordenação geral está sob a
responsabilidade da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Com área de
concentração em Linguagens e Letramentos, o Programa possui duas linhas de pesquisa:
Leitura e Produção Textual: diversidade social e práticas docentes; e Teorias da Linguagem
e Ensino.
Em funcionamento desde agosto de 2013, o Programa tem como público-alvo os
docentes egressos de cursos de graduação em Letras que lecionam a disciplina de Língua
Portuguesa na educação básica, mais especificamente, no Ensino Fundamental. Sua criação
visou à formação continuada desses docentes, fornecendo-lhes subsídios para atender suas
demandas em relação a ensino e desenvolvimento de pesquisas, bem como à socialização de
resultados obtidos, pela aplicação de conhecimentos teóricos em campo. Justifica-se, então, a
existência desta obra, bem como seu título.
Em sua estruturação, este livro divide-se em duas partes – “Leitura e Produção
Textual: diversidade social e práticas docentes”, e “Teorias da linguagem e Ensino” –, que se
relacionam com as duas linhas de pesquisa do Programa. Seis capítulos compõem a primeira
parte e cinco, a segunda.
Na primeira parte, concentram-se capítulos que discutem a questão da leitura e da
formação do leitor. O primeiro capítulo, de autoria de Adriana Gonzaga Lima Corral e Eliane
Aparecida Galvão Ribeiro Ferreira, apresenta a importância da contação de histórias na
formação do leitor estético. Para tanto, a recepção de obras visou à interpretação e fruição de
textos literários; ao reconhecimento da intertextualidade que, em geral, se estabelece nesses
textos; à contação de histórias; à leitura dramatizada, por meio da qual explorou-se ritmo,
entonação, respiração, qualidade da voz, elocução e pausa; à roda de leitura e de debates sobre
os textos; à elaboração e escrita de impressões sobre textos; bem como à apresentação de um
sarau para toda comunidade escolar e de seu entorno.
Léia Cristina Damasceno e Karin Adriane Henschel Pobbe Ramos trazem, no segundo
capítulo, uma discussão a respeito do papel da literatura de massa na formação do jovem
11
leitor, a partir de uma pesquisa desenvolvida com gestores, professores e alunos do Ensino
Fundamental de uma escola da rede pública estadual de uma cidade do interior do Estado de
São Paulo. O estudo traz à tona as leituras de best-sellers que vêm sendo apropriadas pelos
alunos participantes bem como faz uma reflexão sobre as contribuições dessas leituras na
formação de leitores autônomos e proficientes.
No terceiro capítulo, Ana Paula Auletta, Daniela Nogueira de Moraes Garcia e Kátia
Rodrigues Mello Miranda abordam a temática dos livros literários no contexto da escola
pública como forma de promover o multiletramento e possibilitar experiências mais
significativas e próximas dos estudantes, considerando-se o novo cenário que se instaura a
partir das novas tecnologias e a demanda desse novo modelo de leitor. Sob esse prisma, o
trabalho buscar articular os conceitos de multiletramento, multimodalidade, novas tecnologias
e o poder humanizador da literatura, para, a partir de uma metodologia qualitativa,
compartilhar uma prática desenvolvida com a leitura do livro de contos Histórias para
brincar (2007), do escritor italiano Gianni Rodari (1920-1980).
Vanessa Gimenez da Silva desenvolve, no quarto capítulo, uma reflexão acerca do
letramento familiar e sua relação com a escola. Sem ter a pretensão de apresentar uma “nova
receita” de ensino de leitura, esse texto faz um relato analítico sobre a jornada das
experiências de leitura no ambiente familiar, promovida por meio da Sacola de Leitura
Viajante, fundamentada, essencialmente nas concepções do letramento ideológico de Street
(2014) e dos gêneros discursivos do círculo de Bakhtin (2011). A reflexão estende-se sobre o
papel do incentivo e da mediação em leitura no ambiente familiar por parte da escola,
especialmente, por parte do professor de Língua Portuguesa.
O quinto capítulo, de Giovanna Longo, defende a importância da cultura clássica no
ensino da leitura na sala de aula. Para tanto, faz uma discussão teórica a respeito do
letramento literário e propõe um encaminhamento sobre a leitura de textos clássicos em salas
de aula do Ensino Fundamental, como forma de proporcionar a ampliação do acesso a
questões sobre a antiguidade clássica, em especial a Literatura Latina, um dos principais
pilares da Cultura Ocidental.
Telma Aparecida Luciano Alves e Sérgio Fabiano Annibal, no sexto capítulo,
apresentam um breve retrospecto histórico sobre o ensino de literatura na educação nacional,
bem como algumas considerações sobre a abordagem pedagógica do texto literário em sala de
aula, o que corresponde à parte inicial da pesquisa Leitura literária no currículo do ensino
fundamental do estado de São Paulo: princípios teóricos e materialização didática. O
12
propósito do estudo é suscitar a reflexão sobre como o texto literário vem sendo abordado
pedagogicamente na educação brasileira, desde o seu princípio até a atualidade.
A segunda parte desta obra centraliza suas discussões sobre aspectos mais teóricos e
gramaticais em sua aplicação ao ensino. No primeiro capítulo, Andreia Aparecida Suli da
Costa e Kelly Cristiane Henschel Pobbe de Carvalho tratam da alfabetização, em uma
perspectiva discursiva. Este trabalho apresenta os resultados parciais da pesquisa intitulada
Aprendizagem inicial da língua escrita na perspectiva dos projetos de letramento. O estudo
baseia-se na proposta teórico-metodológica dos projetos de letramento (KLEIMAN, 2000),
que tem por premissa a relação dialógica no processo de ensino e de aprendizagem, levando
em consideração os interesses e necessidades dos envolvidos, como protagonistas do
aprendizado. O professor, nessa perspectiva, atua como agente de letramento e pode balizar o
trabalho integrado das facetas (SOARES, 2016) no processo de alfabetização, ressignificando
tempos e espaços escolares.
Maria Alice de Castro Alves e Karin Adriane Henschel Pobbe Ramos, no segundo
capítulo, apresentam uma proposta de trabalho com memes em aulas de Língua Portuguesa.
Para tanto, trazem uma discussão a respeito do meme como gênero discursivo e analisam a
aplicação de um protótipo, baseado em memes, para alunos do nono ano do Ensino
Fundamental II, enfatizando a temática do racismo.
O terceiro capítulo, de Gerson Luiz de Moraes e Daniela Nogueira de Moraes Garcia,
trata do uso das tecnologias da informação e da comunicação (TICs) e suas mídias digitais em
escolas de Programa de Ensino Integral. O estudo busca analisar o envolvimento dos
professores em relação às ferramentas disponíveis bem como sua utilização na prática
docente. Para tal, o trabalho aborda perspectivas teóricas das tecnologias da informação e
comunicação e suas mídias digitais usadas no espaço escolar e identifica os aspectos
facilitadores e limitadores nas aulas do Programa de Ensino Integral.
Alessandro Jocelito Beccari, no quarto capítulo, por meio da historiografia dos
fundamentos da gramática tradicional, discute algumas contribuições do período medieval
para a reflexão sobre a linguagem. Para tanto, são considerados dois materiais didáticos
medievais portugueses: as Reglas pera enformamos os menỹos em latin (c. 1375), de autor
anônimo, e a Grammatica Pastrane (Gramática de Pastrana) (c. 1427), também conhecida
como Thesaurus pauperum siue speculum puerorum, que foi escrita pelo dominicano Juan de
Pastrana, na terceira década do séc. XV, e teve sua primeira edição (impressa) em Portugal,
em 1497. Os Notabilia (Hic incipiunt notabilia que fecit cunctis), do monge cisterciense
13
espanhol Juan Rodríguez de Carcacena (1427), embora não analisado, é registrado como
material didático utilizado na mesma época em que foram os dois outros tratados. Com esta
breve incursão em textos gramaticais do Medievo, o autor conclui que muito se pode aprender
a respeito dos pressupostos teóricos das reflexões atuais sobre a linguagem e o ensino de
línguas se se tem seriamente em conta as pesquisas que as antecederam no contínuo do tempo.
O quinto e último capítulo dessa segunda parte, de Maria Fernanda Migliorini Fogolin
e Rozana Aparecida Lopes Messias, traz algumas reflexões sobre a variação linguística no
ensino de língua portuguesa, principalmente nos anos finais do Ensino Fundamental, a partir
de observações realizadas sobre o tratamento dado à questão em uma coleção de livro
didático.
Como podemos observar, esta obra apresenta trajetórias percorridas por docentes e
discentes do PROFLETRAS, visando à reflexão sobre a práxis e ao avanço do debate sobre
pesquisa e ensino no âmbito da pós-graduação e do ensino da Língua Portuguesa e aos seus
desdobramentos.
Desejamos a todos uma boa leitura!
As organizadoras
14
PRIMEIRA PARTE
15
A contação de histórias como ferramenta na formação do leitor crítico
Introdução
1
Embora tenhamos os termos de autorização de uso da imagem e de dados da pesquisa, assinados pelos pais
e/ou responsáveis, bem como os de consentimento dos jovens em participar das atividades, preferimos manter
anonimato dos nomes.
17
Nessa comparação, observamos que quando questionados se gostavam de ler, 75% dos
alunos afirmavam que sim e justificavam com respostas apreendidas do discurso escolar, tais
como: “ler aumenta a imaginação”, “fornece conhecimentos”, “melhora o vocabulário”, entre
outras. Sobre as preferências de leitura, notamos que os alunos do 7º ano B, em primeiro
lugar, elegiam contos; em segundo, romances aventurescos, poesias, lendas e Bíblia; em
terceiro, histórias em quadrinhos. Já os do 7º ano C preferiam, em primeiro lugar, romances
aventurescos; em segundo, romances de terror e histórias em quadrinhos; em terceiro, lendas.
Justifica-se a separação dos dados da pesquisa, pois as salas possuem preferências diversas,
embora muitos textos mencionados coincidam. Percebemos que o nível de escolaridade dos
pais ou responsáveis das salas também era diferente. No 7º ano C, oito pais possuíam Ensino
Superior completo, mas no 7º B, somente dois. Quanto ao Ensino Médio completo, 11 pais
com filhos no 7º C o realizaram, mas no 7º B, somente, seis. No 7º C, seis pais possuíam
Ensino Fundamental completo; no 7º B, quatro.
Como material para leitura em casa, a maioria dispunha dos livros didáticos,
fornecidos por meio de políticas públicas de leitura. Os alunos do 7º ano B afirmaram ter, por
ordem de importância, em sua maioria: Bíblia, contos, histórias em quadrinhos e poesia. Já os
alunos do 7º ano C, por ordem de importância, informaram possuir: Bíblia, contos, romances
de aventura e histórias em quadrinhos. Os jornais e revistas não foram mencionados pelas
turmas. Se possuem esses gêneros textuais em casa, desconsideram-nos, pois não os
mencionam2. A seguir, apresentamos o trabalho desenvolvido, visando à formação do leitor
crítico ou estético, por meio da montagem, planejamento e realização do sarau.
Pelos levantamentos feitos, por meio dos dados coletados e pelos depoimentos dos
alunos em sala, percebemos que rejeitavam a ideia de expressar, tanto oralmente quanto por
escrito, suas opiniões sobre os textos lidos e/ou contados em sala de aula. Isto devia-se à
ausência dessa prática em anos escolares anteriores. Nesse cenário, iniciamos nosso trabalho
de formação do leitor estético com duas turmas (7ºs anos B e C), e percebemos que os alunos,
ao serem motivados a apresentar oralmente, com carteiras em círculo, suas impressões acerca
2
Vale destacar que entendemos por gênero textual, conforme Marcuschi (2008, p.161), qualquer produção
textual que determina “[...] nossa forma de inserção, ação e controle social no dia a dia”.
18
dos textos, conseguiram superar seus conceitos prévios sobre leitura, como atividade
“aborrecida” e destinada somente à “avaliação”.
Durante o desenvolvimento desse trabalho, os alunos notaram que cada sujeito pode
ter uma visão diversa sobre um texto e mesmo assim, justamente por esse texto ser
polissêmico, essas impressões podem ser válidas. Deduziram que as experiências individuais
interferem na leitura de cada um e, por outro lado, cada texto apresenta um contexto e uma
situação ficcional diversa que pode ser vivenciada pela leitura, sem que seu leitor saia da
segurança de trás de um livro.
Pela contação de histórias, visamos ampliar o imaginário dos alunos, fomentar o
debate sobre as leituras realizadas em sala de aula, analisando os processos criativos e
interativos promovidos por esta atividade. Assim, dividimos nosso trabalho em três fases. Na
primeira, almejamos assegurar o contato com gêneros textuais diversos: conto, poema e
música. Na segunda, com o romance. E, na terceira, promover a autoestima desses alunos,
pela apresentação de um sarau à comunidade escolar e de seu entorno.
Em todas essas fases de recepção e leitura de textos, utilizamos o Método
Recepcional, preconizado por Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar (1993), a
partir dos pressupostos teóricos da Estética da Recepção (JAUSS, 1994) e do Efeito (ISER,
1996, 1999). Este Método faculta ao mediador prever as etapas na recepção de uma obra ou
texto. O método escolhido, por sua vez, possui cinco etapas de produção: determinação,
atendimento, ruptura, questionamento e ampliação do horizonte de expectativas.
Para a primeira etapa de determinação do horizonte de expectativas, acionamos o
diálogo sobre as preferências de temas dos alunos. Após esse levantamento, já na segunda
etapa de atendimento do horizonte de expectativas, elegemos contos da obra Tchau (2012),
de Lygia Bojunga: “O bife e a pipoca” (p.45-85), e o conto homônimo ao título (p.21-41);
além de “A troca e a tarefa” (p.89-112). Além desses, também trabalhamos com o conto “O
primeiro beijo” (20193), de Clarice Lispector. Justifica-se nossa escolha, pois esses contos,
situados em uma linha mais verista, apresentam temas, como “relações familiares
complexas”, “ciúmes”, “desigualdade social”, “amizade”, “descobertas identitárias”,
“primeiro amor”, entre outros, próximos à realidade de nosso público.
Assim, atendendo ao horizonte de expectativa dos alunos quanto aos temas, fizemos a
recepção dos contos de Bojunga (2006), bem como de Lispector (2019). Esses textos, por
tratarem de forma estética de vivências de uma personagem adolescente, em especial, de
3
Disponível em: <https://contobrasileiro.com.br/o-primeiro-beijo-conto-de-clarice-lispector/>.
19
descobertas próprias dessa fase da vida, obtiveram boa aceitação entre os alunos, bem como
promoveram a ruptura de seus conceitos prévios, seguida de ampliação de seus horizontes de
expectativa. Por sua vez, o conto metaficcional “A troca e a tarefa” (2012, p.89-112) permitiu
o avanço das discussões sobre representação literária, e facultou ativar a terceira etapa de
ruptura com os conceitos prévios dos alunos sobre o conceito de criação. Pelo texto,
atinaram que esse conceito é muito diverso da concepção de simples “inspiração”. Conforme
depoimentos, os textos de Bojunga e Lispector são surpreendentes quanto ao desenvolvimento
e desfecho, por isso intrigaram-nos e os levaram à reflexão sobre seus temas.
Pela análise e recepção desses contos, verificamos a validade da hipótese de que
possuem potencialidades para romper com conceitos prévios dos jovens leitores associados ao
uso de modo automático da língua, bem como ampliar seus horizontes de expectativa sobre as
relações humanas e familiares em sociedade, a ausência de equidade na distribuição de renda,
e o complexo processo de individuação. Também enfatizamos a dialogia presente nesses
textos e/ou que com eles se pode estabelecer para que, pela explicitação desses diálogos, a
leitura cativasse os alunos e conquistasse até os mais resistentes aos textos dotados de valor
estético. A persistência deveu-se à crença de que a escola precisa democratizar a leitura para
que, gradativamente, surjam leitores críticos que reflitam sobre os diferentes discursos que
lhes são apresentados.
Ainda atendendo as expectativas dos alunos e enfatizando diálogos entre textos,
fizemos a recepção da letra da música “Era uma vez” (2017), de Keel Smith; e de poemas de
Elias José, retirados de seu livro Cantigas de Adolescer (1992). Justifica-se o trabalho com
essa letra e com os poemas porque tratam do tema da individuação, como no conto “O
primeiro beijo”, de Clarice Lispector (2019), também pelo viés das descobertas e revelações,
da epifania. Em síntese, nessa primeira fase, asseguramos às turmas o contato com gêneros
textuais diversos, mas que se aproximam pela poeticidade e eleição de temas. No que
concerne aos contos, ativamos a quarta etapa de questionamentos, problematizando que,
embora em prosa, como a música, também se utilizam da linguagem em desvio e, pela
organização formal de suas narrativas e tratamento crítico de seus temas, suscitam reflexões
que visam a emancipar seus leitores.
Nessa primeira fase da pesquisa, nosso foco recaiu nas contações de histórias, por
meio do ludismo e da dramatização, com emprego de fantoches, objetos cênicos significativos
em cada história, uso de fantasias, entre outros recursos, que facultassem a interação com o
público. Percebemos que o aspecto lúdico da contação permitia que os alunos se sentissem
20
mais à vontade para discorrer sobre os textos apresentados nos debates em sala de aula. Como
entendiam se tratar de uma brincadeira, não receavam expor suas opiniões, sobretudo, se
gostaram ou não de determinada história.
Pelos debates sobre esses textos, os alunos ativaram a quinta etapa de ampliação de
seus horizontes de expectativa sobre o uso da língua, as relações humanas em sociedade e,
pela projeção nos heróis dos contos e/ou no “eu lírico” dos poemas e da música, puderam
vivenciar de forma empática e crítica cada história, refletindo acerca de sua própria realidade
e entorno social. Como esses textos propostos para leitura e debate são emancipatórios,
também, promoveram reflexões e desejos da existência de uma ordem social mais igualitária.
A partir dessas constatações dos alunos, atingimos em nosso trabalho a função social
da leitura que, conforme Jauss, “[...] somente se manifesta na plenitude de suas possibilidades
quando a experiência literária do leitor adentra o horizonte de expectativa de sua vida prática,
pré-formando seu entendimento do mundo e, assim, retroagindo sobre seu comportamento
social” (1994, p.50). De acordo com Iser (1979, p.111), pela leitura, o leitor deve adquirir o
“[...] senso de discernimento” e isso requer a capacidade de abstrair-se de suas próprias
atitudes, para que ganhe distância necessária ao julgamento de seu próprio modo de
orientação.
Na segunda fase, apresentamos a obra Seis vezes Lucas (2007), de Lygia Bojunga, pois
seus temas – “relações familiares e sociais”, “identidade”, “ciúmes”, “traição”, “descobertas
de potencialidades pelo herói”, entre outros, associados à epifania, possuem apelo para cativar
os alunos. Assim, atendemos ao horizonte de expectativas dos alunos quanto às temáticas,
contudo, pela distância estética, rompemos com ele e o ampliamos, por meio da recepção de
um romance crítico, dotado de discurso libertário e de linguagem em desvio. Para Jauss
(1994), conforme interpretação de Ferreira (2009, p.80),
[...] a distância estética produz no leitor mudança de horizonte, pois ela medeia entre
o horizonte de expectativa pré-existente, o já conhecido da experiência estética
anterior, e a obra nova que exige para ser acolhida negação de experiências
conhecidas ou conscientização de outras jamais expressas.
Nessa fase, cada aluno dispunha de um exemplar da obra, desse modo, a leitura
ocorreu de forma sequencial e coletiva em sala de aula. A cada capítulo concluído,
promovíamos um debate com a finalidade de testar hipóteses previamente assumidas pelos
alunos, bem como antecipar outras a respeito dos rumos da narrativa e destino de seus
21
personagens. Também, solucionávamos dúvidas acerca de vocábulos desconhecidos, bem
como expressões que julgavam “confusas”, pois em geral marcadas pela linguagem figurada.
A leitura desse romance permitiu que nossos alunos percebessem o momento no qual
Lucas aceita seu medo e, sem alternativa, o enfrenta. E também que, pela empatia, tomassem
como sua a dor da personagem. Esses alunos demonstraram indignação a respeito do
relacionamento entre pai e filho, da submissão da Mãe e de sua omissão para defender o filho
do autoritarismo, e da frieza do Pai. Em síntese, houve um clima de inconformismo geral nas
salas, o qual se revelou positivo nos debates, pois fomentou desejos nos jovens alunos de uma
existência familiar mais humana e justa, levando-os a refletir sobre a própria.
Em uma terceira fase do trabalho, demos início à preparação e adaptação de textos
para contação e/ou dramatização de histórias. Para isso, realizamos em sala de aula diferentes
contações de histórias, provenientes de textos de Diléa Frate (1996), Ricardo Azevedo (2013),
Ruth Rocha (1999), Ana Maria Machado (2001) e Lygia Bojunga (2006). Na recepção desses
textos, por meio do debate coletivo, exploramos dados biográficos dos autores e
contextualizamos sua produção literária.
A partir dessas contações e dos debates, motivamos os alunos a aproveitarem as
histórias em adaptações para um teatro de sombras e vários recontos, com mudança de
focalização, a fim de que se preparassem para um sarau cultural. Também, solicitamos aos
alunos que escrevessem indicações literárias – breves textos sobre seus autores favoritos –, e
participassem da atividade avaliativa, em que formularam perguntas com o objetivo de
entrevistarem as personagens do romance Seis vezes Lucas (2007). Na realização dessa
atividade, os alunos assumiram as identidades dos personagens, tais como: a do Lucas (o
filho), a do Pai, da Mãe e da professora Lenora. Os textos resultantes foram lidos em sala de
forma coletiva, bem como revisados quando isto foi necessário.
Para as contações de história dos textos selecionados, a partir dos levantamentos de
obras preferidas, usamos dinâmicas baseadas em jogos. Para tanto, utilizamos o aporte teórico
do livro Contar Histórias: uma arte sem idade, de Betty Coelho (1999), visando despertar o
lado cênico dos alunos, preparando-os para também contarem histórias. Com a abordagem do
texto, por meio da contação de histórias, nossos alunos disseram ser mais fácil recordar a
sequência do enredo, bem como de detalhes sobre os rumos narrativos e as personagens, além
de conseguirem aprender palavras novas.
22
Encerramos o ano letivo com um sarau, em que os alunos apresentaram contações de
histórias, leituras dramatizadas de contos e de poesias, canto, teatro de sombras e teatro com
fantoches. A seguir, apresentamos algumas dessas atividades, por meio de fotos:
Figura 2: Contação da história “Tchau”, de Lygia Bojunga (2012, p.21-41), retirada de obra homônima
Figura 3: Teatro de sombras, adaptação do conto “O bife e a pipoca”, de Lygia Bojunga (2012, p.45-85),
retirado da obra Tchau
23
Figura 4: Teatro de fantoches – contações de contos clássicos de fadas
Considerações finais
24
horizontes de expectativas dos alunos.
Verificamos que, pelo trabalho com a recepção e leitura de textos dotados de valor
estético, a competência leitora é a base de todas as outras, não desenvolvê-la implica sérios
problemas na formação integral do aluno. Diante de tal afirmação, compreendemos que essa
formação perpassa pelo protagonismo dos alunos e pela conscientização de sua importância
na construção de uma sociedade mais democrática e igualitária, em que exista acesso à cultura
e liberdade para o desenvolvimento da reflexão crítica.
Dessa perspectiva, torna-se importante ressaltar que
O ano passado a profª Adriana Corral teve a ideia de fazer um projeto “um
não vários” e esses projetos foram bem legais. No começo desse ano, a professora
fez e criou mais um projeto “Turma do Abraço”. Nesse projeto, toda quarta-feira,
nós saíamos da sala e íamos para salas dos 6º anos.
Depois das férias (um mês depois) nós combinamos de fazer um sarau. Nós
nos esforçamos para realizá-lo e conseguimos. Teve teatro de bonecos, teatro de
sombras e no final nós cantamos. Agora espero que você goste do meu mini-resumo.
Com amor.
Observa-se, neste breve relato, a voz do aluno e sua relação próxima e sincera com a
contadora/professora, quando afirma “[...] espero que você goste do meu mini-resumo”, e ao
finalizar sua despedida “Com amor”. As contações de histórias, a mediação dos textos lidos e
a crença no potencial de cada aluno, respeitando suas dificuldades e valorizando suas
habilidades, promoveram um ambiente harmonioso onde todos puderam ser e fazer, o que
resultou em ações autônomas e de protagonismo juvenil. Os silêncios também foram
importantes, nem tudo foi verbalizado, muito foi observado e impossível de ser descrito. O
25
silêncio de cada um, inclusive da professora, transformou-se no empoderamento das palavras
e na ampliação de seus horizontes, porque desenharam a narrativa no silêncio de seus
corações.
Por sua vez, esse empoderamento resultou em um sarau cultural apresentado à escola e
comunidade de seu entorno. Graças à gravação em vídeo e exposição no youtube4, também,
pôde ser visto no projetor em sala de aula pelos alunos e em seus celulares – nesse caso, o
vídeo foi também compartilhado com familiares e amigos diversos –, elevando-lhes a
autoestima e senso crítico sobre o que poderiam aperfeiçoar em um próximo.
Referências
4
Link de acesso ao vídeo: A contação de histórias como ferramenta para a formação do leitor no Ensino
Fundamental II. Disponível em: <https://youtu.be/a3yrPkuoHQ8>.
26
CORRAL, Adriana Gonzaga Lima. A contação de histórias como ferramenta para a
formação do leitor no Ensino Fundamental II. Assis, 2019. 164f. Dissertação de Mestrado
(PROFLetras) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – FCL –
Faculdade de Ciência e Letras de Assis.
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(Doutorado em Letras) – Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Assis, Universidade
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VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. Trad. J. Cipolla Neto, L. S. M. Barreto, S. C. Afeche, 6.ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1998.
27
A circulação da literatura de massa na escola: textos medíocres?
Introdução
No cotidiano das escolas brasileiras têm sido recorrentes reflexões e afirmações de que os
alunos não leem, leem pouco ou se aventuram em narrativas insignificantes. Em uma sociedade
grafocêntrica, tal qual a que estamos inseridos, dominar habilidades e competências leitoras e
escritoras é condição sine qua non à sobrevivência, configurando como “[...] parte integrante da vida
das pessoas e está intimamente associada ao exercício da cidadania” (SÃO PAULO, 2012, p.17).
Ao discorrer sobre a importância da leitura e de práticas letradas, o olhar se volta para os
limites da escola, sobretudo para as aulas de Língua Portuguesa, bibliotecas e salas de leitura,
universos que se sustentam na, com e para a leitura. Discussões similares sobre o desinteresse dos
jovens pela leitura e literatura também tem sido notado em congressos, seminários, colóquios, cursos,
grupos de estudos, que exploram temas relacionados à formação do leitor com o propósito de
encontrar caminhos que estimulem o jovem contemporâneo, imerso em um universo efêmero,
tecnológico e virtual, a desenvolver o hábito e gosto pela leitura, sobretudo, a literária.
Estudos têm apontado que a leitura realizada na escola, principalmente a obrigatória, é para
os alunos um fardo penoso, descontextualizado e insignificante, realizando-a apenas para cumprir o
protocolo de uma tarefa ou avaliação/verificação literária, relegando ao esquecimento a formação de
um leitor múltiplo, convicto, criterioso e crítico. É perceptível, porém, que uma grande gama de alunos
lê textos de uma literatura considerada marginalizada pela crítica literária – a chamada literatura de
massa, representada pelos best-sellers, que, por vez, seduzem os jovens leitores pela linguagem
simples, personagens heróis, tema e enredo previsíveis e envolventes. Contudo, é essa literatura,
subjugada e considerada, por alguns, como medíocre e desprezada no meio acadêmico e nas escolas de
Educação Básica, que vem circulando entre jovens e envolvendo-os em leituras deleitosas, o que
poderia contribuir na formação do leitor autônomo e proficiente, se articulada a contextos reais e
significativos de leitura.
Nesse sentido, o objetivo deste capítulo é discutir o papel da literatura de massa na formação
do jovem leitor, a partir de uma pesquisa desenvolvida no âmbito de um Programa de Mestrado
Profissional em Letras (ProfLetras/CAPESqMEC), com gestores, professores e alunos do Ensino
Fundamental II de uma escola da rede pública estadual de uma cidade do interior do Estado de São
Paulo. Não foi intenção do estudo enfocar questões teóricas e conceituais sobre os textos eruditos ou
construir julgamento de valor sobre os livros considerados “medíocres”, mas sim, trazer à tona leituras
28
que vêm sendo apropriadas pelos alunos participantes, não no sentido de desprezar o cânone literário,
mas de constatar outra literatura, a dos best-sellers, em evidência no universo escolar, visando
aproximar a literatura canônica da literatura de massa em prol da formação do leitor autônomo e
proficiente.
29
formação leitora mais densa e intensa, com vistas a levar o aluno a fazer descobertas e que estas
propiciem o interesse pela multiplicidade de letramentos dispostos socialmente. A partir do exposto,
surgiram inquietações que motivaram a presente pesquisa: é relevante ler apenas as obras valorizadas
pela crítica? O que vêm encantando e envolvendo os leitores infantojuvenis e juvenis na
contemporaneidade? É possível um percurso de formação de leitores que também incluísse textos não
canônicos? De que maneira os chamados best-sellers têm sido tratados no ambiente escolar?
Mais que respostas a estas perguntas, o presente capítulo pretende discorrer sobre a circulação
de textos da literatura de massa no contexto escolar da pesquisa, discutindo a relação dos participantes
com essa literatura de best-sellers, considerada pela crítica desprovida de valor estético e cultural, mas
que vem atingindo um número devastador de vendas, porque, de uma forma ou de outra, estão sendo
lidos.
Segundo a revista Veja, no encarte “Os mais vendidos”, há livros que vem se perpetuam
entre “os dez mais vendidos”, a considerar o gênero ficção, autoajuda e infantojuvenil. O livro Harry
Potter e a pedra filosofal, de J. K. Rowling, manteve-se 161 semanas5 entre os mais vendidos no
Brasil; não diferente aconteceu com Harry Potter e a câmara secreta, perdurando por 1236 semanas.
Outro foi A Cabana, de William Young, destacando-se por 1847 semanas. Dentre os livros de
autoajuda8, destaca-se O Poder do Hábito, de Charles Duhigg – 101 semanas; O Poder da Ação, de
Paulo Vieira – 107 semanas; Ansiedade, de Augusto Cury – 193 semanas; e, Os segredos da mente
milionária, de T. Harv Eker – 204 semanas. Destaca-se ainda como não-ficção O diário de Anne
Frank, de Anne Frank despontando por 1709 semanas; e, o único clássico, mas também controverso, a
estar entre os dez mais vendidos é O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry – 19910 semanas.
A revista Veja divulgou, no início de 2019, outro dado relevante sobre os vinte livros mais
vendidos em 2018, nas categorias autoajuda, ficção, infantojuvenil e não ficção, com destaque para A
sutil arte de ligar o f*da-se (autoajuda), de Mark Manson (52 semanas não consecutivas na lista);
Caixa de Pássaros, de Josh Malerman; Como eu era ates de você, Depois de você, Ainda sou eu, de
Jojo Moyes (ficção);11 ainda a coleção Harry Potter de J. K. Rowling, com destaque para Harry Potter
e a pedra filosofal (203 semanas não consecutivas na lista), Harry Potter e a câmara secreta (141
semanas não consecutivas na lista), Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban (113 semanas) e Harry
Potter e o cálice de fogo (93 semanas na lista), ainda mencionados Harry Potter e o enigma do
príncipe e Harry Potter e as relíquias da morte. Também na categoria infantojuvenil vale citar Para
todos os garotos que já amei e P. S. ainda amo você, de Jenny Hann, respectivamente despontando
5
Revista Veja – Edição 2.566 – Ano 51 – nº 4 – 24/01/2018, p. 105.
6
Revista Veja – Edição 2.545 – Ano 50 – nº 35 – 30/08/2017, p. 105.
7
Ibidem.
8
Revista Veja – Edição 2.566 – Ano 51 – nº 04 – 24/01/2018, p. 105.
9
Ibidem.
10
Ibidem.
30
com 19 e 17 semanas na lista dos 20 mais vendidos em 2018. Já na categoria não ficção o destaque é
O Diário de Anne Frank, de Anne Frank, com 199 semanas na lista12.
Complementando os dados apresentados, Ceccantini (2016, p.91) discorre sobre dados
referentes à leitura no Brasil, com recorte para o “[..] último livro lido” em que se destaca O diário de
um banana, de Jeff Kinney; A culpa é das estrelas, de John Green; A maldição do titã – série Percy
Jackson, de Rick Riordan; livros da saga Crepúsculo, de Stephenie Meyer; série Harry Potter, de J. K.
Rowling e outros. Essas novas tendências literárias confluem em um ponto de resistência ou
controvérsias, já que há um parâmetro para qualificar positiva ou negativamente a ideia de “boa”
literatura. A parametrização conflui em uma divisão, na qual alguns críticos apresentam a literatura
culta, a de “alto nível” e a literatura de massa, a “marginal”, pois está fora do círculo restrito da
academia e da crítica literária. Essa literatura mercantil e não legitimada, consumida dentro e fora da
escola, seduzem os leitores através de temas simples, linguagem acessível, personagens previsíveis e
enredo envolvente.
Mesmo que haja critérios linguísticos e estéticos para considerar um livro como canônico, há
certa incoerência, por parte da crítica literária, para qualificá-lo como tal. Em que se baseia a crítica
literária? No que tange ao gosto e apreciação, especialistas e amadores, à guisa de argumentações, não
teriam fundamentos para julgar, subjetiva e arbitrariamente, este ou aquele livro? Seria inevitável,
portanto, critérios para julgar uma obra literária?
A leitura e a literatura
12
Dados disponíveis em: <https://veja.abril.com.br/livros-mais-vendidos/nao-ficcao/>. Acesso em: 15 jan. 2019.
31
Nessa concepção, a leitura é uma atividade de produção de sentidos, uma vez que valida as
experiências e os conhecimentos construídos pelo leitor; a língua, por sua vez, tem função interacional
e dialógica, enquanto que os sujeitos são vistos como “atores/construtores sociais” que se “[...]
constroem e são construídos no texto, na qual o sentido é construído na interação ‘texto-sujeitos’”
(KOCH e ELIAS, 2007, p.10-1).
Tomando por base Solé (1998), a leitura, também, é um “[...] processo de interação entre o
leitor e o texto e nesse processo tenta satisfazer os objetivos que guiam a leitura [...] sempre lemos
para algo, para alcançar alguma finalidade” (SOLE, 1998, p.22), com objetivos e intenções
previamente estabelecidos, considerando que é na interação com o texto, com sua finalidade e intenção
que o sentido se constrói. Logo, o significado se dá a partir do diálogo do leitor com o texto.
Outro precursor das reflexões sobre leitura e dos estudos que possibilitam compreender a
dimensão do processo de práticas leitoras é Geraldi (1984), o qual considera que a leitura (assim como
a escrita) é uma prática social. Ler constitui um processo de interação e de interlocução, já que é a
partir da leitura que os sentidos são construídos. Em continuidade, o autor aponta que:
32
para outro fim, que não a formação leitora, optando por ler texto desmontado, fragmentado e,
por vezes, submetido a uma situação de análise, na qual reduz a leitura a uma interpretação
superficial, artificial e indiretamente orientada, fazendo desaparecer a relação dialógica entre
autor, texto e leitor, além de distanciar o aluno dos clássicos.
Neste ínterim, definir os limites para considerar uma obra “um clássico literário” é
outra questão polêmica, pois ao definir que a literatura é o belo, a estética da linguagem, o
comovente e o emocionante, sendo estes relativos de sujeito para sujeito, não existem critérios
formais e normativos que possam definir este ou aquele texto/livro como sendo literatura. A
literatura recria e transforma, por meio da linguagem, a realidade humana, uma vez que o
autor tomado de imaginação e experiências retrata, sob sua ótica, o meio em que vive. Sobre a
conceituação de literatura Candido (1972) ressalta que “[...] a arte, e, portanto, a literatura é
uma transposição do real para o ilusório por meio de uma estilização formal da linguagem,
que propõe um tipo arbitrário de ordem para as coisas, os seres, os sentimentos” (1972, p.53).
Nos postulados de Candido (2013), a literatura é uma “necessidade universal” e um
“[...] direito das pessoas de qualquer sociedade”; ela, portanto, humaniza, enriquece o homem
e o grupo do qual faz parte, uma vez que “[...] desenvolve em nós a quota de humanidade na
medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o
semelhante” (p.182). Ao se fazer presente no cotidiano humano é capaz de transformar o
sujeito e, estando presente em seu cotidiano, amplia sua capacidade e conhecimento que
contribuirão para a formação integral do homem. Ainda sobre literatura, Candido considera
que:
33
aprendemos acerca do que falam as obras, mas sim do que falam os críticos" (TODOROV,
2009, p.26-7).
Também sobre a literatura no ambiente escolar Cosson destaca que a “[...] literatura
nos diz o que somos e nos incentiva a desejar e a expressar o mundo por nós mesmos. E isso
se dá porque a literatura é uma experiência a ser realizada [e não ensinada]. É mais que um
conhecimento a ser reelaborado, é a incorporação do outro em mim sem renúncia da minha
própria identidade. [...] (COSSON, 2011, p.17). Nesse sentido, a literatura no contexto escolar
deve ampliar o conhecimento de mundo do aluno e desenvolver-se como uma atividade
construtora de sentido e não se configurar como uma atividade obrigatória, desmotivando
alunos a tomar gosto por essa prática.
Compreender o conceito e a amplitude da literatura possibilita reconhecê-la como
direito de todos à fruição e ferramenta indispensável à formação humanizadora, exercendo
sobre o homem influência para manter, atuar e modificar o meio social. A literatura tem como
fim ampliar o próprio conceito que se tem do que vem a ser propriamente humano (sua
diversidade e complexidade) e, por consequência, a consciência da própria humanidade,
permitindo, assim, ao sujeito sonhar, confabular a realidade diferentemente da que
conhecemos.
Desse modo, reportando a Candido, pode-se afirmar que a “[...] literatura é o sonho
acordado das civilizações” (2013, p.177), o que traz no bojo concepção libertária, pois, além
de entreter, encantar e evocar o belo, conduz o sujeito à tomada de consciência sobre questões
diversificadas que lhe são privadas ou ocultadas socialmente. Assim, é papel da educação,
especialmente da escola e dos professores, não mais fazer desse sonho um pesadelo.
Diante do exposto, Cosson (2006) afirma que “[...] para que a literatura cumpra seu
papel humanizador, precisamos mudar os rumos da sua escolarização”, ou seja, tornar a
escola mecanismo de formação contínua da leitura literária, a fim de que o letramento literário
se efetive de fato. Nesse sentido, a leitura deve ter objetivos, ser objeto de ensino e construir
condições de “[...] tornar o mundo compreensível, transformando sua materialidade em
palavras de cores, odores, sabores e formas intensamente humanas” que permitem atribuir
significado ao texto lido e ao mundo ao seu redor (COSSON, 2006, p.17).
A escola deve, portanto, vangloriar o cânone literário, como também evidenciar a
existência de outros eventos literários e culturais contemporâneos. É preciso compreender e
validar a possível aproximação entre o cânone e a literatura de massa, a fim de formar o leitor
34
proficiente e promover a compreensão desse leitor frente à língua, a literatura e a cultura da
humanidade.
35
Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se
impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória,
mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual. Por isso, deveria existir
um tempo na vida adulta dedicada a revisitar as leituras mais importantes da
juventude. Se os livros permaneceram os mesmos (mas também eles mudam, à luz
de uma perspectiva histórica diferente), nós com certeza mudamos, e o encontro é
um acontecimento totalmente novo (1993, p.10-11).
Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer,
quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos. Naturalmente
isso ocorre quando um clássico “funciona” como tal, isto é, estabelece uma relação
pessoal com quem o lê. Se a centelha não se dá, nada feito: os clássicos não são
lidos por dever ou por respeito, mas só por amor. (1993, p.12-3).
Para Bloom (2011), as razões para ler não dependem apenas da vontade do leitor, o
que se coloca em jogo é o porquê da leitura, uma vez que esta “[...] deve ser a satisfação de
interesses pessoais” (p.17). A leitura, sobretudo a leitura de clássicos, deve ter dentre as suas
funções, segundo o que roga Bloom (2011), a de preparar o leitor para uma transformação e
vai além, afirmando que a “[...] transformação final tem caráter universal”. Assim, de acordo
com o autor, a leitura (sobretudo a de clássicos literários) deve ser encarada como “hábito
pessoal, e não como prática educativa” (p.17-18).
A escola tem cristalizado práticas leitoras e optado por escolhas de livros e textos que
legitimam e validam o que considera importante para formar leitores. Escolhas estas muitas
das quais arbitrárias e descontextualizadas, pouco envolvente e que pifiamente contribuem
para a formação de leitores, já que estes sentem aversão a muitos livros exigidos pela escola.
Segundo Chartier (1996), é papel fundamental da escola contribuir na formação do
leitor. Para tanto, deve valer-se de leituras “canonizadas”, como também respeitar as
experiências e preferências leitoras de cada aluno, uma vez que “[...] cada leitor, a partir de
suas próprias referências, individuais ou sociais, históricas ou existenciais, dá um sentido
mais ou menos singular, mais ou menos partilhado, aos textos de que se apropria”
(CHARTIER, 1996, p.20).
Conforme Ceccantini (2016), os alunos estão optando por livros que englobam
adaptações e recriações associadas a outros recursos linguísticos e textuais associando-se a
adaptações cinematográficas, vídeos, curtas, músicas, jogos eletrônicos, HQ, dentre outros
recursos voltados ao consumo e à indústria do entretenimento, com destaque para a coleção
36
Harry Potter, a saga Crepúsculo, Senhor dos Anéis, a coleção Fala Sério, de Thalita
Rebouças, coleção Diário de um banana, de Jeff Kinney, além de outros autores como John
Green, Nicholas Sparks, Jojo Moyés; ainda, os religiosos e de autoajuda, como Augusto Cury,
Paulo Coelho, Zíbia Gasparretto, Pe. Marcelo Rossi, entre outros.
As obras citadas são consideradas literatura de massa, os best-sellers, valorizados e
lidos por adolescentes e jovens, mas considerados leitura de mau gosto, “baixa literatura”,
muitas das vezes excluída dos currículos escolares, por ser considerada literatura de qualidade
inferior em relação à literatura clássica. Por literatura de massa compreende a baixa literatura,
a marginalizada e popular, criada para fins mercantis, que visa a atingir grande parte da
população por apresentar tema envolvente, linguagem acessível e enredo menos denso, o que,
por sua vez, encanta milhares e milhares de leitores, sobretudo, os adolescentes e jovens.
Contudo, não se pode exaltar o caráter mercadológico dos best-sellers e
descaracterizar a capacidade de estímulo à leitura que esta literatura pode proporcionar ao
leitor iniciante ou em formação. Para Paz,
37
tradicional – valente e sedutor – domina o texto literário de grande consumo” (SODRÉ, 1988,
p.24).
Nota-se que o leitor é encantado, por meio da figura do herói (humano ou não), do
conteúdo, da temática e da linguagem, voltados ao universo policial, romântico, sobrenatural,
sentimental, ao do terror, da aventura, da ficção, do suspense e da espionagem, que
entrelaçam leitores adolescentes e jovens, ainda reconhecidos como não-leitores,
simplesmente porque buscam leituras contemporâneas, muitas das quais ainda inexistentes em
bibliotecas escolares e universitárias e não reconhecidos como “boa” literatura.
A temática, a figura do herói, o estilo de escrever e a forma como são apresentados ao
público podem atribuir à literatura de massa maior qualidade. A literatura para que seja
considerada “boa” tem que ser aceita pela sociedade, além de ser lida e circular entre os
leitores, o que vem ocorrendo em massa, sendo esta ampla aceitação e circulação dos best-
sellers um dos fatores de expansão da literatura popular. O professor, enquanto mediador do
processo de leitura, poderá partir de leituras já conhecidas para que, posteriormente, sejam
apresentados aos leitores em formação, novas leituras, incluindo, os cânones.
Sobre a questão, Cosson afirma que “[...] é necessário que o ensino da Literatura
efetive um movimento contínuo de leitura, partindo do conhecido para o desconhecido, do
simples para o complexo, do semelhante para o diferente, com o objetivo de ampliar e
consolidar o repertório cultural do aluno” (2011, p.47-48). Daí a importância da literatura de
massa dado ao encantamento leitor e que vem despertando o gosto pela leitura entre várias
pessoas, com idades diferentes, lotadas nos mais distintos espaços e estratificações sociais, o
que poderia resolver o problema com a leitura clássica, constituindo-se como “portas de
acesso” a outras leituras, reconhecidas como eruditas e eficazes na formação do leitor
consciente e crítico.
Os best-sellers, ainda que marginalizados ou “sujos”, estão presentes na vida dos
alunos e, por extensão, estão também incorporados ao ambiente escolar e precisam ser
valorizados e integrados às propostas curriculares e práticas leitoras realizadas nas salas de
aula. Ao mensurar um valor para o erudito e o popular, o gosto e o sentido desta ou daquela
leitura/literatura se esvaem. O fato é que uma possível aliança entre tendências
contemporâneas e os cânones é uma relação conflituosa. As transformações sociais e
tecnológicas que redefiniram o mundo globalizado passaram a exigir da leitura dos clássicos
maior significado, caso estes não queiram virar abstrações e cair no esquecimento. Assim, os
38
cânones têm que “ser útil” e não se valer de uma tentativa (diga-se de passagem, frustrada) de
perpetuá-la por meio das leituras (obrigatórias) realizadas na escola.
(1) Os alunos não leem e não gostam mais de ler. Não sei se é falta de incentivo,
excesso de informação, falta de cobrança, falta de modelização... Professores têm
liberdade, desde que cumpram o currículo à risca.
Essa afirmação denota gestão centralizada e pouco democrática, sendo reforçado pelo
excerto (2), em que se evidencia uma relação mercadológica no ambiente escolar:
Outro ponto negativo é utilizar espaços de leitura como lugar de castigo. Segundo a
gestora, a imposição de leitura como correção de uma falta é explicitada no excerto (3).
(3) Não vejo como castigo, mas como correção... ensinamento para vida.
39
como subliteratura. Fica evidente, pelo excerto acima, que a escola não quer sair da sua zona
de conforto e credita o adjetivo “medíocre” à literatura de massa na tentativa de minimizar sua
circulação nos redutos da escola.
Nessa mesma linha, discorreram os 45 alunos participantes da pesquisa. Por meio de
questionários, fechados e abertos, apresentaram pontos de vista sobre critérios e autonomia
em escolher livros para leitura, quantidade de livros lidos por ano, a importância da leitura, o
que representa a leitura etc. Em consonância a essas perguntas foi indagado sobre “por que
leem”, tendo como opções aprender, estudar, treinar ou verificar, pontuaram a diversão e o
prazer como a razão pela qual exercem essa prática com maior frequência, refutando
novamente o discurso da escola.
A fim de quebrar “uma verdade cristalizada”, solicitou-se que apontassem “os três
últimos livros lidos”. Novamente as mais de 3.000 páginas da narrativa “limitada e previsível”
do herói Harry Potter foram citadas; bem como as 1.500 páginas da narrativa do garoto-
problema, Percy Jakson, que inicia a narrativa com 12 anos e termina com 16. Não ficou para
trás as mais de 200 páginas dos livros Diário de um banana, num misto de comédia, história e
quadrinhos e romance, apresenta Greg, garoto em idade escolar, apaixonado por games e
preocupado com sua imagem e popularidade na escola. Outras “bíblias 13” foram citadas:
Diário de Anne Frank (410 páginas), Pollyanna (181 páginas), Crepúsculo (416 páginas),
Amanhecer (567 páginas), A menina que roubava livros (584 páginas), O menino do pijama
listrado (216 páginas), A culpa é das estrelas (286 páginas), A Cabana (240 páginas) e, ainda
os Nicholas Sparks com número variado de páginas (de 180 a mais de 400 páginas).
Assim, ao contrário do que prega o senso comum, crianças, adolescentes e jovens
estão ultrapassando os limites da obrigatoriedade escolar e tornando-se, portanto, leitores, que
buscam leituras com as quais se identificam. Navegando de encontro aos ideais de leitura
exigidos pela escola, os alunos observados e participantes da pesquisa têm como preferência
de leitura os best-sellers, as sagas, os livros que encantam a massa, livros marginalizados pela
escola e pela crítica.
Na contramão dos argumentos docentes, os alunos não apenas leem, mas estão
descobrindo novos mundos, novas formas de ver e sentir a vida. A leitura permite ampliar
horizontes e a visão que se tem do mundo. E para descobrir, o que pensam os alunos
questionados sobre a leitura, foi proposta a questão: “Para você, o que é leitura?”. As
respostas variaram do senso comum ao caráter libertário e humanizador que a leitura deve
13
Expressão popular utilizada para caracterizar livros com muitas páginas.
40
proporcionar ao leitor. E, respondendo à questão, uma aluna do 9º ano discorreu sobre a real
importância dessa prática na mudança de vida das pessoas, ratificando o que previa Antonio
Candido ao mencionar que a ficção pode humanizar e transformar o homem, ainda que haja
negligência e (des)compromisso de alguns professores em relação à leitura e literatura de
massa. O excerto (4) traz o relato da aluna, na íntegra:
(4) Leitura... Descobri a leitura depois que meu pai foi preso e passei a me cortar.
A dor me dava prazer!!! Na terapia fui aconselhada a ocupar a mente – fui pra
leitura, por isso se tornou libertação!!! Dos livros de auto-ajuda aos romances
internacionais/filmes foi o remédio que me curou, libertou e salvou!!! Assim tornei
leitora de Harry, Sparks, Green, Moisés. R. Jordan, revista, gibi e apaguei o “faice”.
Meu professor me diz que preciso evoluir como leitora mal sabe ele que minha
evolução é mental... uma luta de vida ou pela vida. Ele diz essas leituras é fim de
carreira. Mas para mim é início de vida ou Recomeço... Dizem que escrevo bem, eu
acho que eu leio bem e a leitura me “ensinou a escrever”. Meu professor é estudado,
mas precisa saber que a leitura salva pessoas, tira a dor, facilita a escrita, cura a
maldade social. Sou filha de detento e não me envergonho disso, e nem tenho
vergonha de ter 16 anos e estar no 9º ano. Sinto orgulho de ser do mundo mágico da
ficção. Um dia vou ler os bons livros. Hoje continuo lendo os que são “ruins”
porque são esses que me deram vida – a minha vida!
Reafirma-se aqui que a leitura é uma prática construída e como tal limitá-la a escola e
à coerção por meio de um discurso pedagógico, cristalizado e edificante, impossibilitaria que
depoimentos, como o exposto acima, ganhassem “corpo”. O depoimento acima reafirma que a
literatura possibilita equilíbrio e que permite ao sujeito livrar-se do caos. Ceccantini (2016),
sobre as razões que levam o sujeito a ler afirmou que “[...] há, sim, um contingente de jovens
que reconhece ler por razões pragmáticas; mas há também uma parcela substantiva de jovens
que, quando indagada sobre a motivação que a leva a ler, aponta razões fora da esfera
utilitária para ir até os livros” (CECCANTINI, 2016, p.86).
Ainda que considerada medíocre por alguns, a literatura de massa circula dentro e fora
do âmbito escolar. Quanto ao ato de ler, este se aprende, sim, nos bancos da escola, mas
quando esta inibe leituras ou a faz de forma coerciva, os alunos vão em busca de outras
leituras e oportunidades, outros mares, inclusive os “mares nunca dantes navegados” e os
encontram por aí, na chamada “escola da vida”.
Considerações finais
O discurso que reverbera das instituições escolares, na qual persiste em afirmar que os
alunos não leem, não se comprovou entre os alunos participantes da pesquisa. O fato de
alguns se mostrarem avessos à leitura, sobretudo às práticas e exigências enraizadas no reduto
41
escolar, não sinaliza que não leem, mas que vão de encontro à obrigatoriedade de leituras
canonizadas e enraizadas, o que expõe a necessidade, urgente, de “desescolarizar” a leitura e a
literatura.
Logo, as práticas de leitura na escola precisam ser repensadas, a fim de que se cumpra
a tarefa de formar leitores críticos, capazes de se apropriar dos mais variados gêneros
literários que circulam socialmente, entre os quais os best-sellers que, não compondo o
currículo escolar, são desvalorizados e pifiamente reconhecidos como literatura, à proporção
que apreciar obras clássicas é sinônimo de se ler bem e corretamente. É fato que os cânones e
os best-sellers dividem simultaneamente o mesmo espaço e, como tal, poderiam confluir na
formação do leitor autônomo, proficiente e crítico, vislumbrando novas possibilidades leitoras
entre ambas.
A escola, enquanto instituição de poder social opta pela literatura clássica e
prestigiada, marginalizando e, até mesmo, excluindo os best-sellers, ainda que estes sejam as
preferências de leituras dos alunos. Se articuladas, sem a necessidade prévia de uma excluir a
outra, poderiam contribuir na formação leitora, como forma de levar os alunos a “ir em busca
de outros mares”. Ao se permitir adentrar e circular na escola as leituras contemporâneas e
midiáticas, medíocres para muitos, oportunizariam aos alunos não apenas “navegar ao léu”,
mas a encontrar lugares inusitados, inóspitos, longínquos e impenetráveis.
Se como afirma José Saramago, em O Conto da Ilha Desconhecida, que é “[...]
necessário sair da ilha para ver a ilha” (SARAMAGO, 1998, p.41), compreende-se que a
escola precisa refletir a respeito das práticas tradicionais de leitura e assumir novas
perspectivas, assim como o professor precisa conhecer e valorizar outras literaturas que não
somente os clássicos. Ao reconhecer, veemente, a presença, de duas esferas literárias, a
escolar/clássica e a não escolar/massa, é primordial entendê-las e delimitá-las como duas
práticas sociais distintas de letramento, não só como obras que circulam socialmente em
ambientes distintos, mas também com objetivos diferentes e valor agregado, seja literário,
cultural ou social, também distinto.
Entretanto, essa bipolarização é ainda maximizada quando se toma como ponto de
reflexão as categorias narrativas, ainda que estas não foram o foco deste trabalho. A temática
é tida como superficial e com desfechos fantásticos e milagrosamente positivos nos best-
sellers, o que para muitos subestima o leitor, mesmo que não o poupe do sofrimento ao longo
da trama. Quanto aos personagens encontrados nos best-sellers e nos livros para a massa,
estes vão ao encontro do leitor com o qual se identifica. O leitor-aluno contemporâneo é
42
pluricultural e faz uso da leitura para diversão e entretenimento, o que não consegue encontrar
nos clássicos por apresentar personagens redondos, portanto, complexos e distantes da
realidade em que vive. Quanto ao narrador, o leitor se identifica com aquele que o convida
para dentro da narrativa, o que é muito evidente na literatura de massa, que permite maior
aproximação entre o leitor e a obra.
Porém, o que aproxima o leitor contemporâneo das leituras da indústria de massa é,
certamente, a questão da linguagem, anteriormente apontada neste trabalho. Por trazer
construções sintáticas simples, seleção lexical atual e com abordagem cotidiana, associadas a
temas “interessantes”, a narrativa torna-se mais dinâmica, significativa e próxima ao contexto
discente. Mesmo marginalizadas servem de intento para professores eternizarem discurso de
que os alunos não leem e não gostam de ler.
No que se refere à importância cultural e histórica, a literatura clássica até dispensaria
comentários, uma vez que reflete a cultura da Humanidade e que, portanto, faz parte da
constituição do sujeito. A atemporalidade que define os clássicos permite reconhecer aspectos
da vida humana que são eternos apelos como o amor, a vida e a morte, tornando-os sempre
contemporâneos, portanto desafiadores, seja pela linguagem, pelo estilo e intenção do autor;
seja pelo vocabulário, que por vezes difícil e inusitado, torna os clássicos fascinante,
necessário e urgente.
A discussão se findaria aqui se existissem apenas os clássicos, cuja opção seria lê-los
ou não. Contudo, não há! O que se percebe é que os “[...] velhos títulos foram dizimados”
enquanto que “[...] novos se multiplicaram, proliferando em todas as literaturas e culturas
modernas” (CALVINO, 1993, p.16). O que fazer com essa “bipolarização” literária? Segundo
Calvino (1993), o ideal é cada leitor elabore o seu rol de clássicos, constituindo, assim, a sua
biblioteca pessoal.
Associada ao gosto e ao prazer, cada experiência de leitura pode emocionar ou
decepcionar, determinando, pois, sua qualidade, isto é, se o livro, é “bom” ou “ruim”. O que
está em jogo, além da questão estética, é o poder de humanização, defendido por Antonio
Candido, que a literatura pode ou não propiciar ao ser humano. Existem livros ruins? Sem
conteúdos? Previsíveis? Sim... Não...! O que é fundamental considerar, sobre a formação do
leitor livre em fazer escolhas, é a própria existência do leitor com a obra, cujo mérito de
julgamento (ou pré-julgamento) é modificado de leitor para leitor.
A liberdade e a espontaneidade, ambas associadas à curiosidade e ao acesso à
informação de que dispõe o aluno contemporâneo, proporcionarão a formação do utópico e
43
adjetivado aluno-leitor autônomo, crítico, consciente, proativo, libertário, satisfeito,
protagonista, humanizado e humanizador, adjetivos com os quais permitem ao sujeito
emancipar-se e a realizar (novas) descobertas sempre, cujo limite é o desconhecido.
A necessidade de concluir e, literalmente, colocar um ponto final no texto causa certa
angústia, haja vista que as respostas para uma infinidade de questionamentos dispostos no
decorrer deste capítulo não só não foram encontradas, como também outras tantas emergiram,
já que o livro, a literatura, a leitura e a escola sempre serão merecedores de reflexões,
incursões e questionamentos.
Quanto aos “mares nunca dantes navegados” que levam o leitor em busca da “ilha
desconhecida”, a pretensão é vasculhar o mar, com os olhos, o imaginário e a mente, já que a
satisfação vem com as conquistas e com as descobertas, na qual se torna necessário, sempre,
ultrapassar limites, percorrer caminhos e conquistar o imaginário, afinal, “navegar é preciso”,
ainda que perigoso.
Referências
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44
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TODOROV, T. Leitura e leitores. São Paulo: Folha de São Paulo, 18 fev. 2007. Entrevista
concedida a Jorge Coli.
45
Experiências literárias e multiletramentos:
novas perspectivas para os livros literários na escola
Introdução
Em uma de suas principais funções, a leitura dos livros literários pode trazer para sala
de aula a literatura, pedra fundamental para o desenvolvimento do ser crítico, capaz de
construir seus conceitos e não apenas aceitar passivamente o que lhe seja imposto pela
sociedade. Nessa esteira, Candido (2017, p.177) sistematiza:
47
Em sociedade, convivemos com uma diversidade de linguagens e culturas, e a escola
não pode ignorá-las; ao contrário, deve incorporá-las em suas ações. Assim, é importante
pensar nas multilinguagens, nas multiculturas e nos multiletramentos para a interpretação da
multiplicidade que se observa, principalmente, nos textos. Concordamos que o letramento
designa as práticas sociais de leitura e escrita; os eventos relacionados com o uso da escrita;
os efeitos da escrita sobre uma sociedade ou sobre grupos sociais; o estado ou condição em
que vivem indivíduos ou grupos sociais capazes de exercer as práticas de leitura e de escrita
(SOARES, 2002). De acordo com Kleiman (2014, p.9), “Na contemporaneidade, o letramento
torna-se um vetor para a constituição de um sujeito livre, capaz de contribuir para as
mudanças sociais”.
Definir letramento, todavia, é uma tarefa complexa e a formulação de uma definição
que possa ser aceita sem restrições parece impossível. A esse respeito, Geraldi (2014, p.26)
assevera que:
Na escola, a leitura literária tem a função de nos ajudar a ler melhor, não
apenas porque possibilita a criação do hábito de leitura ou porque seja prazerosa,
mas sim, e sobretudo, porque nos fornece, como nenhum outro tipo de leitura faz, os
instrumentos necessários para conhecer e articular com proficiência o mundo feito
linguagem.
A literatura pode formar; mas formar não segundo a pedagogia oficial, que
costuma vê-la pedagogicamente como um veículo da tríade famosa – o Verdadeiro,
o Bom, o Belo, definidos, conforme os interesses dos grupos dominantes, para
reforço da sua concepção de vida. Longe de ser um apêndice de instrução moral e
cívica, ela age com o impacto indiscriminado da própria vida e educa como ela, –
com altos e baixos, luzes e sombras. Ela não corrompe nem edifica, portanto, mas,
trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o mal, humaniza no sentido
profundo, porque faz viver (CANDIDO, 1999, p.84).
Se a literatura humaniza porque faz viver, entendemos que proporcionar aos alunos
vivências literárias gera oportunidades para a construção de múltiplos letramentos. A internet
permitiu novas materialidades de textos, com múltiplas linguagens e modalidades.
Consequentemente, esses textos em circulação exigem múltiplos letramentos para uma
compreensão significativa. O leitor digital precisa de autonomia crítica e investigativa para
compreender as muitas informações a que tem acesso. As atuais demandas de leituras e
escritas têm exigido dos leitores capacidades cada vez mais avançadas, como, por exemplo,
atribuir sentidos a textos multimodais, sendo que a escrita é tão somente uma das modalidades
de representação.
Nessa direção, Cani e Coscarelli (2016, p.15) assinalam: “Não podemos esquecer que
o ciberespaço expõe as mais diferentes materialidades de textos multimodais recheados de
show, diversão, informação e variedades”. É notável que a tecnologia mudou muitas coisas
nas últimas décadas; surgiram novas formas de se comunicar, de se ler, de se informar e de
49
escrever. Os tempos são digitais e exigem que o leitor saiba ler e escrever textos que explorem
muitos recursos. As múltiplas linguagens presentes nos textos e o aumento do acesso à
informação desafiam o sistema educacional, que necessita ser repensado para responder às
novas demandas de trabalho com textos. Sob essa ótica, buscamos potencializar o uso dos
livros literários na escola, promovendo a leitura a partir da perspectiva dos multiletramentos e
multimodalidades e da inserção das tecnologias.
Em muitos casos, observamos impasses em sala de aula, visto que nossos alunos são
nascidos na era digital e seus professores não. Assim, entendemos a importância de inovar a
prática da leitura dos livros literários na escola e as tecnologias apresentam potencial para
tornar o ato educativo mais atraente.
Contextualizando a proposta
50
A coleta de dados iniciou-se com a seleção dos descritores para uma avaliação
diagnóstica – atividade e observações que verificaram os aspectos que precisavam ser
reforçados, elogiados e trabalhados com a classe. Como não há matriz de referência para os
anos iniciais do Ensino Fundamental (6° ano), com base no perfil dos alunos, foi selecionada
uma atividade pautada nos descritores. Tal atividade respeitou os componentes curriculares da
idade/série e abordou interpretação de diferentes textos e produções de escrita, reescrita e
oralidade. A partir da execução da atividade diagnóstica, pautada nos descritores
determinados pelo INEP, ocorreu a análise sistemática dos resultados, que determinou as
intervenções pedagógicas e o conteúdo a ser construído em sala de aula.
A escolha de um livro literário para turmas escolares nunca foi e não está perto de ser
uma tarefa fácil. Muitos fatores estão envolvidos, como: faixa etária, ano escolar, relação com
o conteúdo curricular, questões financeiras da própria escola e dos alunos, disponibilidade no
mercado editorial e conhecimento das obras literárias pelos envolvidos no processo de escolha
– normalmente, professores e coordenadores.
O livro selecionado para a intervenção foi Histórias para brincar, do escritor,
professor e jornalista italiano Gianni Rodari (2007), que é um dos mais férteis escritores de
literatura infantil do seu país, sendo suas obras consideradas clássicas. Conhecido por sua
pedagogia transformadora, recebeu o prêmio Hans Christian Andersen, o mais importante
concurso internacional para a literatura infantil, em 1970. Trata-se de uma coletânea de vinte
contos, sendo que cada história possui três finais diferentes, todos surpreendentes. Rodari
monta e desmonta narrativas, criando espaços para o subentendido, escritas, reescritas e
retextualizações. Para a leitura desse livro, Rodari (2007, p.7) apresenta a seguinte “Instrução
de uso”:
51
Em face do exposto, constatamos que o livro abre espaço para amplo diálogo e
valoriza a reflexão. Passamos, agora, à experiência que buscou promover leituras
significativas e aos dados coletados.
A leitura integral do livro escolhido realizou-se ao longo de um ano letivo. A partir de
cada conto foi possível ler e pensar a respeito dos mais diversos temas propostos, e, ao final,
os alunos apresentaram suas inferências a respeito do conto que mais gostaram. Diálogos e
imaginação não faltaram. Durante as apresentações finais, a criatividade dos alunos foi
surpreendente e as produções traziam em si as relações estabelecidas com vídeos, filmes,
outras narrativas, imagens e sons. Quando dois ou mais alunos apresentavam o mesmo conto,
as interpretações eram bem diferentes. Nos últimos dias do trabalho com o livro de Rodari, foi
possível perceber o quanto cada assunto discutido despertou o senso crítico e promoveu a
reflexão em sala de aula, o que, entre outros aspectos, corrobora o poder humanizador da
literatura (CANDIDO, 2017).
A intervenção foi aplicada, inicialmente, em 2015, como um projeto de leitura
desenvolvido com turmas de 6º ano; em 2016, houve uma segunda aplicação, com formato
semelhante, e em 2017, desenvolvemos a intervenção com base no suporte teórico e
bibliográfico que fundamentou a pesquisa. Ao longo da intervenção realizada, nessa coleta de
dados aqui apresentada, uma vez por trimestre, era requisitada a leitura de um ou dois contos,
como lição de casa e, em sala de aula, era aplicada uma atividade referente à leitura proposta.
Os contos selecionados para tais ações foram: “O cachorro que não sabia latir” (RODARI,
2007, p.39), “Uma volta pela cidade” (2007, p.69), “A aventura de Rinaldo” (2007, p.125),
“O anel do pastor” (2007, p.135); e “Aventura com a televisão” (2007, p.165).
Nessas atividades, a intenção era trabalhar a autonomia leitora dos alunos. Algumas
foram em duplas; assim, eles discutiam suas percepções com o colega. Em atividades
individuais, esperava-se que os alunos demonstrassem seu desenvolvimento em atividades de
interpretação, roteiros do que observar durante a leitura e fichas bibliográficas para preencher
em sala com os livros em mãos. Essas verificações abordavam o enredo, dados editoriais e
outros textos que podiam ser relacionados com os mesmos.
Porém, como recorte, retomaremos aqui considerações de apenas alguns contos como
forma de ilustrar o estudo conduzido. Acreditamos que os diálogos entre diferentes tipos de
textos, em diferentes linguagens e as construções multimodais levam o aluno a pensar no
subentendido, fazer conexões, escrever, reescrever e retextualizar. O multiletramento acontece
assim, agregando ao indivíduo múltiplas possibilidades de leitura sobre o mundo que o rodeia.
52
A seguir, delineamos as ações realizadas no trabalho com alguns dos contos, a fim de
que seja possível compreender a proposta de intervenção e as práticas de leitura em sala de
aula.
Esse conto (RODARI, 2007, p.155) discorre sobre Tino, um menino que quando
ficava sozinho sua altura diminuía, mas, quando estava na companhia dos pais, amigos e
demais pessoas, seu tamanho era normal. Preocupados, seus pais o levaram ao médico, que
constatou a “doença” e receitou ao menino, como tratamento, sempre permanecer
acompanhado.
Como se tratou do primeiro contato com o livro, foram apresentadas informações
sobre o autor e a proposta da obra. A professora leu o conto, em voz alta, sem intervenções e,
logo após, houve algumas manifestações dos alunos, ainda que tímidas. Em seguida, foi
exibido um vídeo que relata a história de Tino através de imagens, o que fomentou as
manifestações. Repetimos, então, a leitura do conto, ao longo da qual já foram surgindo
diversas interpretações, de forma que não conseguimos chegar ao final, em função das
criações que se iniciaram; optamos por ouvir os alunos. Nessa direção, Rodari (1982, p.150)
antecipa:
53
Nessa circunstância, o aluno em questão apresentou um desempenho surpreendente,
realizando uma interpretação muito clara e profunda do conto. Talvez, a abordagem e a voz
dos colegas tenham-no despertado, de forma que vislumbrou a liberdade de poder se
expressar por meio de outras linguagens.
54
primeiro. Para atender os questionamentos, mudamos o roteiro da aula, utilizamos a internet e
localizamos as datas, indicando que o conto o “O flautista e os automóveis”, de Gianni Rodari
foi publicado pela primeira vez em 1969/1970; O Desenho da Disney, em 1933; e o Conto
folclórico dos Irmãos Grimm, originalmente, no século XIX.
As etapas foram semelhantes às do conto anterior e os temas do currículo trabalhados
foram o gênero fábula, e a linguagem verbal e não verbal. Os alunos apresentaram o final do
conto que mais gostaram, por meio de produções visuais com justificativas orais. Esta leitura
se estendeu até a aula seguinte, quando os alunos trouxeram diversas fábulas com inúmeras
comparações e percepções diferentes das questões nelas abordadas.
Nessa experiência, os alunos trouxeram diálogos não imaginados, como, por exemplo,
a semelhança do conto estudado com o filme Shrek para Sempre, da DreamWorks (cf.
https://www.youtube.com/watch?v=mJv_rLxlp_I), em que o flautista mágico aparece.
A leitura deste conto (RODARI, 2007, p.79) abriu espaço para a fantasia e, escrever a
partir dele, foi fácil. Nesse momento, os alunos já estavam familiarizados com o livro e com a
proposta de leitura. As etapas seguidas para o trabalho com esse conto foram:
1. estudo do gênero carta através do contato com diferentes modelos em diferentes
suportes;
2. conhecimento prévio dos alunos sobre onde fica Milão e as possibilidades de chover
chapéus;
3. leitura do conto;
4. discussão referente aos diferentes finais apresentados no conto;
5. reescrita de um 4º final;
6. retextualização do conto: produção de uma carta contando o ocorrido em Milão, de
acordo com o conto, e o 4º final produzido.
Cada produção escrita teve uma contextualização e os alunos expunham suas escritas
para os demais colegas. Foi observado um grande progresso e envolvimento dos alunos em
relação à competência leitora e, também, à capacidade de extrapolarem o livro em suas
retextualizações.
55
Contos: “O Doutor Terribilis” e Táxi para as estrelas”
Inicialmente, o conto “O Doutor Terribilis” (RODARI, 2007, p.97) foi lido apenas
para fruição. Durante o processo, surgiu o diálogo com o filme Meu malvado favorito (cf.
https://www.youtube.com/watch?v=xMhaFoHqQeo), já que ambos os vilões, tanto o do conto
de Rodari, como o do filme da Universal Pictures, tentam sequestrar a lua. Esse diálogo fez
sentido para os alunos, considerando a relação entre o enredo dos dois textos que, mesmo em
linguagens diferentes, propiciaram diversos questionamentos. Essa aula foi totalmente
produtiva; dada a grande participação dos alunos, optamos por utilizar o computador, acessar
a internet e pesquisar sobre o filme. Dessa forma, foi possível assistir a trechos do filme para
comparar os vilões e seus objetivos. Foi possível verificar o profícuo processo desencadeado
pela leitura do conto e pela reação dos alunos, que passaram a considerar a leitura literária
como acesso a outros caminhos e possibilidades.
O trabalho com o conto “Táxi para as estrelas” (RODARI, 2007, p.45) deu-se de modo
semelhante. Porém, nesse conto, o improviso foi deixado para a aula seguinte à leitura. O
conto relata a história do taxista Compagnoni Peppino que, em sua última corrida do dia, pega
como passageiro um extraterrestre e juntos embarcam em uma aventura espacial. O desfecho
desse conto é comentado por Rodari (2005, p.207), no final do livro: “Minha preferência é
pelo terceiro final porque gosto de ovos. O final está apenas esboçado: se tiverem vontade,
escrevam vocês mesmos”. A partir desse conto, propusemos um diálogo com a primeira
versão do filme O pequeno príncipe, de 1974 (cf.
https://www.youtube.com/watch?v=85pGBN_T2vo), baseado na obra de Antoine Saint-
Exupéry e dirigido por Stanley Donen. Os alunos foram ouvidos e, como consequência, o
planejamento foi alterado e assistimos a outra versão do filme, dirigida por Mark Osborne e
lançada em 2015 (cf. https://www.youtube.com/watch?v=jQqPoa3Uc68).
Depois das discussões, retornamos ao conto e às atividades de interpretação. Os
resultados foram surpreendentes. Os alunos saíram dessa aula, iniciada com a história do
taxista Peppino, sobre galinha gigante, chocolate azul e táxi espacial, refletindo sobre o
segredo da raposa descrito no livro de Saint-Exupéry (2015, kindle edition): “E agora, como
prometido, aqui vai o meu segredo. De fato, é um segredo bem simples: é somente com o
coração que podemos ver corretamente; o essencial é invisível aos olhos”. Dois anos após a
recepção dos contos de Gianni Rodari, tivemos a oportunidade de trabalhar novamente com
vários dos alunos participantes, então, no 8º ano escolar. Questionados a respeito da
56
experiência vivenciada em 2017, houve várias manifestações e relatos sobre aquela
experiência literária, considerada singular pelos discentes, assim como pela docente.
Figura 1: Auxiliar de sala à esquerda e um aluno com necessidades especiais, apresentando o conto “Aqueles
pobres fantasmas”. Pode-se observar nessa mesma figura, no lado direito e superior, um aluno apresentando seu
vídeo referente ao conto “A doença de Tino” e, do outro lado, fantoches contando a história do “Doutor
Terribilis” (arquivo pessoal).
57
Incluir fotos
Figura 2: Aluna representando a história “Táxi para as estrelas” e, ao lado, imagens produzidas por outras alunas
descrevendo a mesma história (arquivo pessoal).
Incluir fotos
Considerações finais
Na escola, a leitura literária tem a função de nos ajudar a ler melhor, não
apenas porque possibilita a criação do hábito da leitura ou porque seja prazerosa,
mas sim, e, sobretudo, porque nos fornece, como nenhum outro tipo de leitura faz,
os instrumentos necessários para conhecer e articular com proficiência o mundo
feito linguagem.
[...] A experiência literária não só nos permite saber da vida por meio da
experiência do outro, como também vivenciar essa experiência. Ou seja, a ficção
feita palavra na narrativa e a palavra feita matéria na poesia são processos
formativos tanto da linguagem quanto do leitor e do escritor.
Referências
BELINKY, Tatiana. Flauta Poderosa – o Flautista de Hamelin, Dos Irmãos Grimm, Contada
Pelo Papai de Lenita. São Paulo: Paulinas, 2010.
59
CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. Ciência e cultura. São Paulo.
USP, 1999. Disponível
em: <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/remate/article/view/8635992/3701>.
Acesso em: 10 jan. 2019.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: ______. Vários escritos. 6.ed. Rio de Janeiro:
Outro sobre azul, 2017, p.171-195.
CANI, Josiane Brunetti; COSCARELLI, Carla Viana. Textos multimodais como objetos de
ensino: reflexões em propostas didáticas. In: KERSCH, Dorotea Frank; COSCARELLI, Carla
Viana; CANI Josiane Brunetti (Org.). Multiletramentos e multimodalidade: ações
pedagógicas aplicadas à linguagem. Campinas: Pontes, 2016, p.15-48.
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2014.
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Desenho animado, 1’29”, dublado, português. Disponível em:
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GERALDI, João Wanderley. A produção dos diferentes letramentos. Bakhtiniana. Revista de
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INEP. O que é o Ideb. s.d. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/ideb>. Acesso em: 17
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KLEIMAN, A. B. Letramento na contemporaneidade. Bakhtiniana. Revista de estudos do
discurso, São Paulo, 9 (2), p.72-91, Ago./Dez. 2014. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/bakhtiniana/article/view/19443>. Acesso em: 10 jan. 2019.
MEU MALVADO favorito. Universal, 2010. Desenho animado, 1h34’, dublado, português.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=xMhaFoHqQeo>. Acesso em: 10 jun.
2019.
O FLAUTISTA encantado. Produção Walt Disney. United Artists Picture, s.d. Versão
brasileira: Sigma. Desenho animado, 7’25”, dublado, português. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=c5P-CELw_GI>. Acesso em: 13 jun. 2019.
O PEQUENO príncipe. Direção Mark Osborne. Paris Filmes, 2015. Filme, 1h46’, dublado,
português. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=jQqPoa3Uc68>. Acesso
em: 13 jun. 2019.
RODARI, Gianni. Gramática da Fantasia. Trad. Antonio Negrini. São Paulo: Summus, 1982.
60
RODARI, Gianni. Histórias para brincar. Trad. Cide Piquet. São Paulo: Editora 34, 2007.
ROJO, Roxane. Pedagogia dos multiletramentos: diversidade cultural e de linguagens na
escola. In: ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo. (Org.).Multiletramentos na escola. São Paulo:
Parábola, 2012, p.11-31.
SAINT-EXUPÉRY, Antoine. O pequeno príncipe. Com desenhos do próprio autor. Trad. e
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SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Educação &
Sociedade: Revista de Ciências da Educação. v.23, n.81. Campinas: CEDES, 2002.
SOLÉ, Isabel. Para Isabel Solé, a leitura exige motivação, objetivos claros e estratégias.
[Entrevista concecida a] Rodrigo Ratier. Nova escola, Revista digital, março, 2018.
Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/304/para-isabel-sole-a-leitura-exige-
motivacao-objetivos-claros-e-estrategias>. Acesso em: 10 jan. 2019.
THE LITTLE prince. Direção: Stanley Donen, 1974. Filme, 4’59” (recorte), dublado,
português. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=85pGBN_T2vo>. Acesso
em: 11 jun. 2019.
61
Quando a leitura é uma herança:
o letramento familiar e sua relação com a escola
Introdução
Dificilmente conseguiria definir a razão exata da curiosa atração pelas letras no papel,
durante a minha infância. Simplesmente, eram fascinantes. Estavam, de alguma forma,
sempre presentes, ainda que parcamente. Livros e revistas religiosos, em essência, raramente
alguma literatura diferente. Até que batesse à porta o vendedor de enciclopédias, figura tão
comum na infância dos anos de 1970 e 1980, que, como “brinde” pela aquisição, ofertava
quatro livros grandes, com capas coloridas, nos quais estavam as histórias da saga infantil
Sítio do Pica Pau Amarelo, de Monteiro Lobato. Igualmente empolgante eram as vezes em
que meu pai encontrava algum gibi esquecido nos bancos do ônibus onde trabalhava. Creio
que foi assim que meu letramento em leitura se iniciou.
As letras, meus pais me ensinaram, assim como a meus irmãos. Estimulavam-nos,
inconscientemente, instintivamente, a encontrarmos as letras dos nossos nomes, o A, E, I, O,
U e assim por diante. As sílabas e as palavras ensinou-me minha primeira professora, minha
irmã, pouco mais velha que eu, mas, para mim, aquela que tinha a experiência da escola. As
inúmeras descobertas e vivências que a leitura me proporcionaria aconteceram, inicialmente,
por meio da minha família. A leitura em minha vida é uma herança familiar e se tornou
também o meu legado como mãe leitora e como professora de leitura.
As recordações acerca de minhas experiências de infância com a leitura sustentam as
reflexões e análises deste trabalho, o qual considera os letramentos que acontecem nos lares
dos alunos, valorizando-os como um conhecimento que precisa estar relacionado aos saberes
e letramentos escolares. Creio que essa associação deve ser encarada como parte essencial do
trabalho do professor de linguagens, pois além de possibilitar a ampliação dos conhecimentos
sobre a língua em uso, pode ainda promover o letramento familiar, tantas vezes esquecido e
desconsiderado pela escola, de modo a reconhecer o aluno como um sujeito de linguagens,
com uma bagagem leitora que precisa ser aprimorada, mas também, valorizada.
Este texto é resultado de uma pesquisa mais ampla, desenvolvida no contexto
Programa de Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), acerca da leitura que se faz
62
em família, cujo objetivo principal foi o de estimular e mediar essa leitura por meio de uma
intervenção, a Sacola de Leitura Viajante, a fim de promover a valorização dos letramentos
que acontecem fora dos muros escolares14.
Tal experiência possibilitou-me um aprofundamento teórico e metodológico sobre o
conceito de letramento, em especial, o de letramento ideológico ou social, concebido por
Street (2014), reconhecendo-o como uma possibilidade de reverter os desafios do letramento
em relação às práticas de ensino de linguagem. A perspectiva dos letramentos sociais é capaz
de dar identidade ao trabalho de um professor interessado em considerar os letramentos em
leitura como uma habilidade que também se desenvolve além dos muros da escola, no seio da
família, justamente a que se propôs a intervenção de leitura aqui proposta.
Creio que a construção de uma prática pedagógica alicerçada nos modelos do
letramento ideológico, proposto por Street (2014), pode auxiliar o trabalho do professor, se
for amplamente estudada, analisada, questionada e colocada em prática. Afinal, diante de
tantos percalços e desafios em busca do desenvolvimento dos nossos alunos, tanto no
desempenho escolar quanto na sua vida em sociedade, a escola já esteve por demais afastada
do envolvimento, mais que necessário, com os eventos de letramentos sociais, em especial,
com o letramento familiar, ao que se propõe o trabalho de leitura em família da intervenção
aqui relatada.
Semelhantemente, houve uma revisão teórica e metodológica acerca da concepção
enunciativo-discursiva da linguagem (BAKHTIN, 2011), aduzindo-a como um princípio
imprescindível na prática de um professor de Língua Portuguesa, a fim de promover aos
alunos o desenvolvimento dos letramentos necessários para o êxito escolar bem como para
outros contextos da vida. Vejo, inclusive, como altamente necessário, hoje, um novo
deslocamento que traga para o centro da cena a organização discursiva com toda a sua
intrincada complexidade, tanto conceitual quanto social, que dão identidade ao nosso aluno
por meio do letramento familiar. Acredito que, apenas desse modo, será possível formar,
gradualmente, ao longo da escolaridade, leitores capazes de ler além de palavras, hábeis para
reconhecer no texto indícios que lhes permitam compreendê-lo em toda a sua significação.
Dessa forma, a intervenção com a Sacola de Leitura Viajante se propôs,
primeiramente, a investigar as leituras feitas no ambiente familiar dos alunos de uma turma de
7º ano de uma escola pública do oeste paulista, durante o segundo e o terceiro bimestres do
ano letivo de 2018. Posteriormente, após análise dos dados obtidos, a pesquisa buscou
14
A pesquisa foi devidamente submetida e aprovada pelo Comitê de Ética local.
63
incentivar o letramento familiar e o compartilhamento de leitura em família por meio da
Sacola, a fim de investigar e refletir se a parceria entre a família e a escola auxilia na
ampliação das práticas de leitura desses estudantes, bem como nos usos sociais da língua, que
ocorrem dentro e fora da escola.
A justificativa maior pela escolha de uma intervenção de leitura que pudesse
ultrapassar os muros escolares é porque creio que cabe à escola procurar por entradas
diferentes que permitam que cada família encontre um lugar na escola ou nos conhecimentos
ali difundidos, com os quais se sinta à vontade, envolvida, incluída e, portanto, reconhecida e
valorizada. Pois, como considera Oliveira (2016, p. 279), escolas que engajam famílias na
aprendizagem de seus alunos contam com uma rica fonte de informação e experiência, e é
preciso compreender que as famílias possuem uma experiência rica de letramento.
Também é certo que não é uma tarefa simples, devido à herança de suspeição mútua
que, ainda, é um grande peso. Mas por meio de uma atitude de colaboração, respeito e
valorização do letramento e da leitura familiar, que, creio, deve partir primeiramente da
escola, será possível começar a reverter esse impasse, que tem acarretado perdas, insatisfações
e frustrações para todos os envolvidos e, o que é pior, um distanciamento cada vez maior
dessa função essencial para a vida humana que é a leitura.
Sem ter a pretensão de apresentar uma “nova receita” de ensino de leitura, esse texto
faz um relato analítico sobre a jornada das experiências de leitura no ambiente familiar,
promovida por meio da Sacola de Leitura Viajante, fundamentada, essencialmente nas
concepções do letramento ideológico de Street (2014) e dos gêneros discursivos do círculo de
Bakhtin (2011). A reflexão estende-se sobre o papel do incentivo e da mediação em leitura no
ambiente familiar por parte da escola, especialmente, por parte do professor de Língua
Portuguesa. A busca é por um ensino que considere, de fato, os sujeitos praticantes da
linguagem, suas crenças, expectativas e experiências com a leitura, com a língua escrita, como
estes agem no mundo e a ele respondem por meio dos seus letramentos.
64
para intervir nas práticas de ensino de letramento, e, por esta razão, este relato se vale também
de um tom didático.
O percurso da intervenção realizada por meio da Sacola de Leitura Viajante possui
vários portos de passagem (GERALDI, 2006). Considero, assim como Geraldi, que não há
realmente uma ponte entre a teoria e a prática, pois os sujeitos se alteram na práxis,
consequentemente, a teoria também, dessa forma, o movimento entre os dois constrói cada
partida e cada chegada, continuamente, pois não há um único porto, há vários portos de
passagem que caracterizam esse movimento contínuo (GERALDI, 2006).
Os relatos aqui são como portos de partida, de chegada, de nova partida, pois neles há
diferentes considerações a serem feitas e percebidas. Deixam também dúvidas e
questionamentos, alguns dos quais são respondidos em outros portos, que foram parte dessa
passagem ou que ainda farão parte dessa constante trajetória no ensino de leitura. O caminho
percorrido e a percorrer é, sem dúvida, o aspecto mais importante. O relato se dá por meio do
resumo da narrativa dos passos que foram seguidos para o cumprimento da intervenção com a
Sacola de Leitura Viajante. À narração foram acrescidas algumas de minhas análises e
reflexões sobre os fatos sucedidos.
Oferecer e mediar a leitura para a turma de 7º ano, com a qual realizei esta pesquisa, já
era uma prática corriqueira e bem recebida por boa parte dos alunos. Quase todos
demostravam-se interessados, envolvidos e mesmo empolgados com os momentos de leitura
da aula, fosse ela uma leitura compartilhada, para estudo dos conteúdos propostos nos
materiais didáticos ou para empréstimo na Sala de Leitura da escola. Da mesma forma, a
possibilidade de receberem uma Sacola com leituras diversas para lerem em casa, foi muito
bem recebida. No entanto, o embarque nessa jornada não foi tão tranquilo. Houve, sim, certa
rejeição inicial, quando esclareci à turma, primeiramente em uma conversa informal, que eles
estariam fazendo parte de uma pesquisa acadêmica, para o meu estudo, e por descobrirem que
a leitura na Sacola deveria estender-se aos seus familiares.
65
O porto da rejeição e do desconhecido: a entrevista, a reunião com os pais e os
questionários
66
enquanto a família, mais distante desse discurso, possivelmente, reconheça que o filho tem
contato considerável com a leitura, ainda que longe de uma frequência ideal.
Elaboradas por mim, as perguntas dos questionários buscavam informações acerca dos
seus hábitos de leitura em casa, o que há de leitura disponível em seus lares, sobre a compra e
empréstimo de livros e a frequência com que utilizam tais leituras. Por meio desses
questionários, pude concluir que a leitura mais frequente nas famílias aqui consideradas é a de
literatura religiosa e de culinária. A leitura para pesquisa é equivalente à leitura de livros
infantis, exatamente a mesma porcentagem, pouco mais da metade. Considerando que
apostilas e livros didáticos são fornecidos gratuitamente pela rede pública de ensino, os livros
infantis são, sem dúvida, uma presença significativa nesses lares e podem representar um
envolvimento maior com a leitura quando ainda são crianças, ou até mesmo uma preocupação
da família em prover para os filhos, quando crianças, o acesso à leitura conforme a sua faixa
etária.
Jornais impressos têm também uma presença, ainda que pequena (dos dez lares,
apenas quatro), o que possivelmente acompanha a realidade do jornal impresso nos dias
atuais, substituído pela leitura de notícias por meio de suporte digital. Esse mesmo número se
verifica para os livros de autoajuda e para os gibis e livros em quadrinho. No caso desses dois
últimos, é, de fato, um número pequeno, visto que a procura e pedido por empréstimo de
livros em quadrinhos na Sala de Leitura da escola é grande. Entretanto, pode-se dizer que,
para a maioria, esse tipo de leitura não está incluído no seu ambiente familiar. A quantidade
de leitura sobre saúde e de revistas supera a de gibis.
Havendo textos para leitura disponíveis em casa, o mais importante, sem dúvida, era
saber se, de fato, os textos eram lidos. O que pude constatar é que os textos disponíveis em
casa são pouco lidos. Ao questioná-los, em conversas durante as aulas, sobre essa baixa
frequência de leitura do que há disponível em casa, a maioria comenta que é pela falta de
variedade, por serem poucas as opções e distantes dos seus interesses. O tempo gasto com o
uso de aparelhos eletrônicos foi também apontado por boa parte dos alunos, que não
consideram que a leitura que fazem nos sites da internet seja relevante. Sendo assim, era de se
esperar que as opções e os interesses pudessem se ampliar por meio do empréstimo de livros,
entretanto, não foi o que os dados obtidos pelos questionários me revelaram.
A maioria dos alunos respondeu que “dificilmente” faz empréstimo de livros. No
entanto, o número de empréstimos feitos nas escolas é bastante significativo, e o que mais se
aproxima são os empréstimos feitos com o próprio professor. Em realidade, não são poucas as
67
vezes que fiz empréstimos pessoais de livros a alunos e, da mesma forma, observo outros
colegas de trabalho fazendo o mesmo em nossa comunidade escolar. Ao que parece, na
escola, a figura do professor está associada ao acesso do aluno à leitura também fora dos
muros escolares.
Retomando as análises feitas por meio das respostas dadas aos questionários pelos pais
e responsáveis, ainda que em proporções diferentes, a quase totalidade dos pais respondeu já
ter feito alguma leitura compartilhada com os filhos, contrariando o que, em geral, a própria
escola supõe: que a família não participe do letramento de seu filho, que este seja apenas em
função da escola.
Creio ser fundamental a reflexão, talvez até mesmo a constatação, de que, no cotidiano
das famílias de nossos alunos, haja muitos processos de letramento acontecendo, os quais são
ignorados ou subestimados pela escola, pois esta ainda acredita que a falta de leitura da
família são um impedimento para o letramento dos alunos. A isso acrescento a afirmação de
Street (2014, p.35), ao contatar que “[...] a falta de habilidades letradas pode ser uma
deficiência bem menor na vida cotidiana do que normalmente se imagina”. E, ainda,
acrescento o que assevera Petit (2010, p.58), quando aponta que “[...] antes do encontro com o
livro, existe a voz materna, ou em alguns casos, paterna, ou ainda em certos contextos
culturais da avó ou de uma outra pessoa que cuida da criança, que lê ou conta histórias”.
O que quero considerar aqui é o princípio dos estudos de Street (2014) sobre os
letramentos sociais, de que a escola acaba por negar e depreciar os letramentos familiares,
sem considerar que esse ajuste nas concepções do papel familiar para o letramento de uma
criança levaria à melhora em seu desempenho escolar (STREET, 2014, p.203).
Analiso e reconheço que o discurso da escola de que é essencial a participação dos
pais na educação dos filhos, permanece sendo apenas um “discurso”, em grande parte das
vezes, nas práticas de ensino de leitura de nossas escolas, como tantas vezes são as minhas
próprias práticas, pois não permitem, de fato, que essa participação se efetive, ao
desconsiderarem que o “letramento básico” do aluno provém do seu lar, variando é claro com
cada contexto cultural. E é justamente aí que as classificações do que é básico ou adequado
em relação à leitura podem ser questionadas, uma vez que não se considera a “bagagem ou
trajetória de letramento” do aluno, herdada do seu contexto familiar, avaliando-o apenas por
aquilo que é relevante para os letramentos escolares.
A resposta da família a essa história de rejeição aos seus letramentos não poderia ser
outra, a não ser o de afastamento e desconfiança. Os questionários demonstraram o
68
reconhecimento e mesmo o desejo da família na promoção do desenvolvimento da leitura dos
seus filhos, mas esse reconhecimento carece ainda de espaço para se desenvolver junto à
escola, o que não é uma tarefa fácil, depois de tantas décadas de rejeição ao letramento
familiar e da certeza, hoje questionável, do papel de superioridade e poder da escola com
relação ao letramento “adequado” dos alunos. A proposta da Sacola era a de estreitar essa
relação, e os desafios para a sua concretização estavam começando, pois eram portos
desconhecidos, tão próximos e tão distantes, ao mesmo tempo, tão necessários para ambos os
lados, mas tão difíceis de serem interligados.
Encomendei a confecção de duas Sacolas acreditando que seria o mais viável para que
todos tivessem a oportunidade de ficar, pelo menos, uma semana com ela em casa, até o mês
de outubro. E preparei-as com uma variedade de leituras que, a meu ver, pudesse interessar a
qualquer um dos primeiros alunos que a levassem, bem como a seus familiares. Nas sacolas,
havia livros de narrativas literárias infanto-juvenis e para adultos, revistas de notícias e
reportagens, revistas de curiosidades para jovens e adolescentes, livro de poesia, livros de
advinhas, anedotas e trava-língua, manuais de curiosidades para crianças e adolescentes,
revistas de entretenimento, revistas e livros de culinária, gibis15 e jornal16.
Figura 1: Imagem das primeiras Sacolas de Leitura Viajante e das leituras que as acompanharam
15
Todos os gibis que acompanharam as Sacolas fazem parte de uma coleção particular e são de Maurício de
Souza.
16
O jornal que acompanhou a Sacola foi O Estado de São Paulo, inicialmente, adquirido com meus próprios
recursos. A partir do mês de agosto, passei a utilizar exemplares da própria escola, que fez sua assinatura por
quatro meses.
69
Houve uma euforia inicial para levar a Sacola para casa, a qual se deveu à
apresentação das leituras que estavam na Sacola, por meio de uma mediação que tornou a
possível frieza e distância típicas de uma pesquisa, um momento de proximidade, de interação
e mesmo de reconhecimento de que a pesquisa era mais um complemento das aulas de leitura
compartilhada que já fazíamos. Escolhi a Sala de Leitura da escola como um ambiente mais
propício para o evento inicial; mostrei e comentei as diferentes leituras, deixei que eles
pudessem manusear as Sacolas livremente. E, por fim, sorteamos os primeiros alunos a
levarem-nas para casa.
A reação ao sorteio foi típica de alunos da faixa etária: muita conversa, protestos e
risadas, e a reação dos dois sorteados foi receptiva, mas de diferentes maneiras. Fui
acompanhando de perto a recepção e comentários dos dois sobre a Sacola que receberam.
Uma das sorteadas reagiu com bastante empolgação e curiosidade, comentava com as colegas
próximas sobre cada uma das leituras que estava levando, em especial, sobre por qual delas
estava mais interessada e sobre quais poderia ler com o irmão mais novo, o qual, ela me
relatou, havia acabado de aprender a ler. Começava a reconhecer o caminho de
compartilhamento de leituras entre irmãos que, outrora, fizera também parte da minha vida.
As amigas mais próximas da aluna sorteada também folheavam as leituras e
questionavam a possibilidade de emprestarem algumas, antes que chegasse o momento delas;
pareceram bastante ansiosas pela sua vez e davam palpites sobre o que queriam de leituras nas
Sacolas, suas preferências. Foi um momento importante para mim, pois, por meio daqueles
comentários e do que eu observava em suas reações, conclui que precisaria de mais Sacolas
Viajantes circulando. Além disso, percebi também que o melhor seria sortear os alunos das
próximas Sacolas um dia antes da entrega, para que eu pudesse organizá-las de acordo com as
sugestões deles também.
As viagens das Sacolas, alguns dos portos de passagem nos relatos dos alunos, e a Roda
de Conversa: a passagem pelo porto de chegada e de nova partida
70
espontâneos que os alunos me faziam da experiência e, posteriormente, uma “roda de
conversa” em um momento de confraternização e despedida da Sacola de Leitura Viajante.
Tanto eu, quanto os alunos, chegamos eufóricos pela “despedida” ao porto final das
viagens da Sacola, mas também, na expectativa de uma nova partida. É assim que posso
resumir o momento da Roda de Conversa, há muito planejada com os alunos, pois, diante da
recusa pelas entrevistas, todos se comprometeram com esse momento. E, embora
estivéssemos cumprindo o que havíamos combinado já há algum tempo, pareceu-me,
inclusive, que, após as viagens e experiências com a Sacola, os alunos estavam mais à
vontade com a ideia de serem gravados conversando sobre a pesquisa. Por duas razões
prováveis: a pesquisa mostrou-se, na prática, uma extensão das suas vivências leitoras
estimuladas pelas aulas; e porque estariam todos juntos respondendo às minhas perguntas.
Preparei um momento de festa para o encerramento da Sacola, com bolo, salgados e
bebidas, para auxiliar na desenvoltura necessária à Roda de Conversa; também era uma
maneira de comemorarmos o final de um ciclo importante das nossas aulas de leitura e a
chegada a um porto de destino, depois de uma boa viagem, ao final de uma aventura. E assim,
em clima de festa, descontraidamente, podermos fazer um balanço dessa viagem.
Iniciei a conversa questionando-os sobre quando aprenderam a ler, se lembravam-se
desse momento, sobre a consciência de que tinham desvendado o mistério das letras e
palavras. Não foram poucos os alunos que comentaram ter aprendido a ler com a ajuda dos
familiares, que auxiliavam naquele processo concebido à escola, inclusive, antes mesmo do
tempo ou idade prevista, justamente, pelo estímulo que alguém da família lhes dava,
incentivando-os a lerem pequenas palavras do seu cotidiano em casa ou na rua. As respostas
desses alunos são indicadores de que os letramentos familiares também alcançam os
processos de alfabetização, do qual muitas famílias não se omitem, pelo contrário, dele
participam dando o sentido e o valor necessário à compreensão e ao uso dos discursos que os
cercam.
Na sequência, a pergunta era se, quando eram mais novos, algum adulto de casa lia
para eles. Todos responderam que sim, e passamos então a verificar quem era esse adulto.
Mais da metade afirmou que a mãe era essa figura leitora na vida deles, quando menores.
Alguns disseram ser o pai e a mãe, uma aluna respondeu que a avó que lhe fazia as leituras
quando menor; e outro contou que a irmã mais velha é quem lia para ele.
Tais relatos resgatam e reafirmam, na vida de meus alunos, as constatações já citadas
de Petit: “Antes do encontro com o livro, existe a voz materna, ou em alguns casos, paterna,
71
ou ainda em certos contextos culturais da avó ou de outra pessoa que cuida da criança, que lê
ou conta histórias” (2010, p. 58).
Outra pergunta importante para as reflexões foi sobre o compartilhamento de leitura,
se eles o faziam e como faziam. Um grupo de meninas afirmou fazê-lo pelas redes sociais.
Disseram que ficavam comentando e recomendando a leitura enquanto batem papo pelo
celular. Outros alunos relembraram que o fazem com os colegas da classe, trazendo o livro
para a escola, mostrando para o amigo e incentivando-o a ler também.
Ao serem questionados se compartilhavam as leituras com os familiares ou se eram
incentivados a ler algo, os que tinham irmãos mais novos disseram que esses vinham mostrar
e comentar o que estavam lendo ou haviam emprestado. E com aqueles que tinham irmãos
mais velhos acontecia o contrário, os irmãos recomendavam o livro que estavam lendo.
Quanto aos adultos da casa, estavam sempre recomendando e lendo para eles trechos da
Bíblia. É bem possível, portanto, que, de uma forma ou de outra, a mediação e o
compartilhamento de leituras aconteça com a maioria deles e a herança de leitura se realize
também.
Nessa perspectiva, vale, novamente, relembrar o que diz Petit:
A leitura é uma arte que se transmite, mais do que se ensina, é o que demonstram
vários estudos. Estes revelam que a transmissão no seio da família permanece a mais
frequente. Na maioria das vezes, tornamo-nos leitores porque vimos nossa mãe ou
nosso pai mergulhado nos livros quando éramos pequenos, porque os ouvimos ler
histórias ou porque as obras que tínhamos em casa eram tema de conversa. (2010,
p.22)
Outro dado importante aparece na resposta à pergunta sobre quantos se sentiram mais
estimulados a ler por meio da Sacola, pois quase a totalidade dos alunos afirmou que sim. Da
mesma forma, quando questionados se eles tinham notado que a família, mesmo que apenas
um familiar tinha se sentido mais estimulado a ler por causa do que havia disponível na
Sacola, praticamente o mesmo número de alunos respondeu afirmativamente. Entre os relatos,
não foram poucos os que comentaram como eles haviam conseguido influenciar algum
familiar a ler, compartilhando e comentando com eles o que estavam lendo. E a herança de
leitura de forma inversa, dos filhos para os pais, também aconteceu.
Tão valioso quanto as informações obtidas pelas questões feitas a eles sobre o
desenvolvimento dessa intervenção, foi o momento em que lhes questionei sobre quem
gostaria que a Sacola Viajante continuasse, e todos se manifestaram de forma genuína
dizendo que queriam. Um aluno em particular fez um comentário bastante interessante:
72
“Melhor do que fazer empréstimo”. Foi um comentário pequeno, mas que teve a confirmação
de muitos deles, e me fez refletir como é mais impactante sugerir, compartilhar, mediar a
leitura do que simplesmente oportunizar o empréstimo sem nenhuma intervenção.
Dei-lhes, então, a oportunidade de fazer sugestões, sobre o que queriam que mudasse
ou como gostariam que as viagens da Sacola acontecessem. A diversidade de sugestões e
apontamentos deu-me a sensação de que o compartilhamento de leitura deve ser também feito
de maneira democrática e de que eu tinha tentado fazê-lo. Ao aceitarem e se disporem às
minhas sugestões, era preciso dar espaço às sugestões deles também, para que seus discursos
e letramentos fossem considerados e eles se sentissem sujeitos da sua linguagem, das suas
leituras e acredito ter proporcionado isso. Entretanto, essa conclusão deixou-me também a
dúvida de como conseguir alcançar as sugestões dos seus familiares, afinal, nesse porto eu
não havia conseguido desembarcar com o sucesso pretendido.
“Você vai pegar a nossa turma no ano que vem?”, foi a pergunta final de um deles. E
diante da minha resposta afirmativa, ele respondeu: “Aêêêêê!”, acompanhado da
manifestação de contentamento do restante da turma. “E vamos continuar, então, com a
Sacola!”, finalizei satisfeita e reconhecendo neles a mesma honesta satisfação, de que
tínhamos acabado de chegar a um porto, mas já estávamos prontos para embarcar no próximo,
nesse contínuo movimento das práticas de ensino e incentivo à leitura que me são familiares
há tempos, só que agora, experimentando o porto dos discursos e letramentos desses alunos
com sua família.
Considerações finais
Há, por certo, na minha narrativa de vida como leitora, uma necessidade de
apropriação do meu direito aos livros, à leitura, mas também, uma mesma necessidade de
compartilhá-la. Ainda que involuntariamente, recebi a leitura como uma herança familiar e
compreendi que este legado trouxe consigo uma mesma premência, a de transmiti-la,
possibilitando o seu acesso a outros, fossem esses os colegas de infância e adolescência, os
meus filhos, e como parte da minha identidade de professora apaixonada pela leitura, os meus
alunos também.
A busca pelos meios de compartilhar, mediar e possibilitar o acesso aos livros aos
meus alunos foi e continua sendo parte do meu percurso como professora em mais de vinte
anos. Mesmo diante dos percalços da profissão, o que inclui os baixos índices de rendimento
73
dos alunos com relação à leitura, oportunizar o acesso aos livros sempre me pareceu o
primeiro passo desse caminho. E, para que essa oportunidade pudesse fazer sentido na vida
desses alunos, a busca era por encontrar caminhos para compartilhar a leitura oportunizada e
mediá-la. Foram, certamente, muitas as práticas por mim desenvolvidas com esse intuito.
No entanto, são recentes as análises e estudos em relação ao compartilhamento e à
mediação de leitura como uma forma de valorização e integração das práticas comunicativas,
dos letramentos dos meus alunos, reconhecendo-os como uma atividade social, familiar, mais
que meramente escolar. Ainda que já houvesse, de minha parte, uma consciência, um olhar
reflexivo sobre o fato de que os letramentos sociais de meus alunos muito pouco fossem
considerados nas práticas de ensino da escola e que, possivelmente, essa desvalorização
acarretasse também no distanciamento das famílias e nos déficits de leitura, faltava-me a
fundamentação teórica e analítica sobre essa realidade. Faltava-me o porto de passagem da
pesquisa, com o olhar de um professor reflexivo e pesquisador, colocando a própria prática
em análise e submissão.
No considerável tempo em que me dediquei à intervenção aqui relatada, debruçada
nos estudos para compreendê-la e envolvida na sua execução, as passagens se estenderam e a
certeza da continuidade do trabalho também. A sensação maior, durante todo esse percurso,
foi a de dar continuidade a uma construção, em que os letramentos familiares de meus alunos
eram o alicerce. Possivelmente, foi esse o ideal perseguido. Resgatei a minha própria herança
de leitura como um referencial para compreender com maior profundidade a perspectiva
dialógica da linguagem (BAKHTIN, 2011), da qual muito se fala e se faz referência, mas que
ainda tão distante está das práticas de ensino de linguagem. Descobri a abordagem do
letramento ideológico de Street (2014), vislumbrando-o como um porto por onde já havia
feito algumas passagens; todavia, sem conhecimento de seu conceito e sem ter me apropriado
substancialmente das suas concepções.
A Sacola de Leitura Viajante, ou Maleta de Leitura Viajante em outras versões, como
uma prática de incentivo à leitura, embora já conhecida no ambiente escolar, não me parecia
buscar os ideais dessas concepções de Bakhtin e Street, ainda que entre seus objetivos
estivesse o de compartilhamento com as famílias. O desejo maior de conhecer e absorver na
minha prática de ensino de leitura uma possível herança familiar levou-me a associar essa
intervenção como um caminho possível e a enxergá-lo como um porto que precisava ser
melhor explorado. É possível fazê-lo nas práticas pedagógicas cotidianas sem ambições
acadêmicas. No entanto, todas as ações necessárias para realização dessa intervenção como
74
uma pesquisa, certamente, deram-me uma visão muito mais ampla, mais reflexiva, mais
crítica sobre os seus resultados.
Da mesma forma que precisei reavaliar os meus objetivos iniciais e a minha própria
narrativa como herdeira de leitura, proponho agora o mesmo ao leitor. As idas e vindas à
minha própria história possibilitou-me uma reflexão mais ampla e honesta sobre as narrativas,
sobre os relatos dos meus alunos com respeito à experiência deles e de seus familiares com as
leituras das Sacolas. Não foram poucos os alunos que relataram o compartilhamento das
leituras com os irmãos, mais novos ou mais velhos. Nesses relatos, pude reconhecer como a
herança familiar de leitura se dá em um número bastante considerável entre os irmãos, assim
como aconteceu comigo. Os irmãos mais velhos leem para os mais novos, comentam com
eles o que estão lendo, compartilham e medeiam as leituras, ampliam os próprios letramentos
e, consequentemente, o de seus irmãos mais novos, que passam a fazer o mesmo; chegam em
casa e apresentam ao irmão mais velho o que estão lendo, querem compartilhar suas novas
experiências de leitura com os irmãos mais experientes. Essa herança leitora que se constrói
fraternalmente é, sem dúvida, uma realidade que precisa ser valorizada e estimulada pela
escola, pois em muito contribuem na formação de leitura de nossos alunos, como pude
constatar.
Mas, sem dúvida, os relatos e experiências dos alunos revelou-me o que, de certa
forma, tantas vezes temos consciência, mas também, inconscientemente, desconsideramos: as
heranças de leitura podem se dar ao inverso, podem partir dos filhos para os pais. Em um país,
onde a democratização do ensino é recente e ainda tão problemática, é altamente provável que
os pais recebam de seus filhos os letramentos que estes adquirem na escola e deem a eles a
leitura, como um legado invertido. Certamente, a leitura pode ser uma herança de inúmeras
formas.
É certo que, em cada porto de passagem da intervenção, em cada relato, em cada
frustração e em cada conquista no processo de desenvolvimento da pesquisa aqui brevemente
sintetizada, a minha trajetória como professora de leitura foi se escrevendo, ou melhor, se
completando, pois há muito já vem sendo escrita. De forma alguma, quero dizer com isso que
não se trata, portanto, de uma narrativa concluída. Não creio estar escrevendo uma conclusão,
fechando uma porta. Pelo contrário, creio ter encontrado mais uma porta neste caminho
reticente, inconcluso de leituras, heranças, famílias e escola. E almejo que outras portas sejam
abertas por meio dos caminhos e dos portos de passagem das Sacolas de Leitura Viajante, que
oportunizei a meus alunos e a seus familiares, ou por meio das Sacolas, que ainda serão
75
oportunizadas, sejam elas como as desenvolvidas nesta pesquisa ou uma metáfora de outros
trabalhos de mediação e compartilhamento de leitura que envolvam os alunos e suas famílias.
Referências
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 6.ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2011.
GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
OLIVEIRA, M. S. Letramentos e políticas públicas: a família na escola. In: KLEIMAN, A.
B.; ASSIS, J. A. (Orgs). Significados e Ressignificações do Letramento. Campinas: Mercado
de Letras, 2016, p.253-282.
PETIT, M. A arte de ler: ou como resistir à adversidade. São Paulo: 34, 2010.
STREET, B. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na
etnografia e na educação. Trad. Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial, 2014.
76
Cultura Clássica na sala de aula: contribuições para o ensino da Leitura
Giovanna Longo
Introdução
Muitos têm sido os desafios do professor na sua árdua tarefa de levar os alunos a
formarem-se leitores autônomos e competentes, capazes de, nas diversas situações de
interação a que estão submetidos, reagir aos sentidos dos discursos materializados nos mais
variados gêneros textuais que circulam à sua volta. Apesar do número expressivo de trabalhos
publicados na área nos últimos anos, frutos de importantes pesquisas acadêmicas e de
experiências bem-sucedidas de docentes, os níveis de aprendizagem de leitura na escolar
brasileira ainda estão muito longe de atingir uma qualidade satisfatória. Os esforços em
encontrar meios para mudar essa realidade devem ser constantes e dependem em grande
medida mais da atitude do professor em sala de aula do que dos materiais e métodos
colocados à sua disposição. A boa formação do profissional e as condições que lhe são dadas
para desenvolver seu trabalho com autonomia, valorização e reconhecimento são pressupostos
para que a aplicação de métodos e técnicas resultem em avanços significativos na formação
dos cidadãos.
As discussões apresentadas no presente capítulo se inserem no contexto do
Letramento Literário, entendido como
77
Considerando-se que a garantia de acesso aos “saberes inúteis”, como a literatura e as
artes em geral, é a melhor maneira de refrear o processo de desumanização das sociedades
contemporâneas (ORDINE, 2016), propõe-se um encaminhamento sobre a leitura de textos da
literatura clássica em salas de aula do ensino fundamental, como forma de proporcionar a
ampliação do acesso a questões sobre a antiguidade clássica, em especial a literatura latina,
um dos principais pilares da cultura ocidental.
78
nossas experiências e percepções em porções de sentido cujo reconhecimento e distinção a
comunidade a que pertencemos considera relevantes” (AZEREDO, 2008, p.49) –, cada um de
nós toma parte em um evento ou situação de acordo com essas competências:
O jardineiro, o funcionário que zela pelo jardim, uma criança de sete anos
de idade, um biólogo, um pintor de paisagens ou o turista padrão não prestam
atenção nas mesmas coisas, e tampouco ‘percebem’ exatamente as mesmas coisas
quando observam um jardim (AZEREDO, 2008, p.48).
Mas o discurso nunca é uma construção individual. Os sentidos por eles veiculados
são sempre o “[...] resultado de compartilhamentos de visões do mundo entre homens no
tempo e no espaço” (COSSON, 2016, p.27). Por mediarem as relações dos homens entre si e
com o mundo, os discursos são dialógicos, isto é, são construídos a partir de outros discursos,
conforme esclarece Fiorin (2016, p.22) com base nos estudos bakhtinianos:
[...] não se tem acesso direto à realidade, uma vez que ele é sempre mediado pela
linguagem. O real se apresenta para nós semioticamente, ou seja, linguisticamente.
Um objeto qualquer do mundo interior ou exterior mostra-se sempre perpassado por
ideias gerais, por pontos de vista, por apreciações dos outros; dá-se a conhecer para
nós desacreditado, contestado, avaliado, exaltado, categorizado, iluminado pelo
discurso alheio. Não há nenhum objeto que não apareça cercado, envolto, embebido
em discursos. Por isso, todo discurso que fale de qualquer objeto não está voltado
para a realidade em si, mas para os discursos que a circundam.
[...] onde o mundo não está pronto mas precisa ser criado [...] Esta é a dimensão em
que se movimentam todos aqueles que têm desafios pela frente, que precisam ir
além da realidade já construída e aparente, buscando, sob a superfície
confortavelmente constante da fala de todos os dias, as pistas, as brechas, os atalhos
que nos dão acesso a territórios e objetos que aguçam nossa percepção, renovam
nossas emoções e estendem nossos horizontes de compreensão e de comunicação.
(AZEREDO, 2008, p.58)
80
sistemática de tópicos gramaticais. É preciso conduzir o caminho para a construção de uma
competência leitora que extrapole as exigências ordinárias da vida contemporânea e que tome
a leitura como
[...] atividade que se relaciona com a formação do ser humano, com a constituição
dessa condição de ser humano, que envolve sua interação com os outros seres
humanos, sua inserção em um grupo social, sua inserção participativa na história,
sua consciência de si, do mundo e dos outros. É nesse sentido que ler a palavra
escrita é, para o ser humano, necessidade essencial. (MORTATTI, 2018, p.78)
É preciso conduzir o caminho para que se possa construir uma sensibilidade para
questões de linguagem, sensibilidade esta imprescindível para a leitura eficaz de textos, que
proporciona a compreensão dos múltiplos sentidos construídos em uma cultura. É esse
caminho, a ser guiado pelo professor na sala de aula, que permite “fazer crescer o letramento
dos alunos e ampliar as competências mais significativas para as atividades sociais, interativas
e de encantamento relativas aos usos literários ou não das línguas (atividades de fala, escuta,
leitura, escrita e análise)” (ANTUNES, 2009, p.15).
Entende-se que a leitura não é um simples ato de decifração com vistas à extração de
sentidos acabados, a “compreensão crítica do ato de ler não se esgota na mera decodificação
da escrita, mas se antecipa e se alonga na inteligência do mundo” (FREIRE, 1987, p.11). De
acordo com Antunes (2010, p.31), “compreender um texto é uma operação que vai além de
seu aparato linguístico, por se tratar de um evento comunicativo em que operam,
simultaneamente, ações linguísticas, sociais e cognitivas”. A leitura implica a decodificação
dos sinais gráficos, mas também e sobretudo a compreensão do signo como fenômeno social
(MORTATTI, 2018, p.22). Por isso, é entendida aqui como um processo interacional que se
estabelece entre leitor e texto, considerando-se aspectos da ordem do linguístico e do
extralinguístico, do textual e do intertextual. Ler é, assim,
81
a leitura do texto literário que merecerá nossa atenção, pelo seu caráter universal, atemporal e
por isso humanizador.
Em seu célebre ensaio “O Direito à Literatura”, Antônio Candido (2004) coloca a arte
da palavra no rol dos bens que devem ser tomados como um direito inalienável 17. Ao fazê-lo,
discorre sobre a conquista dos Direitos Humanos e expressa um certo otimismo em relação ao
ponto a que essa conquista nos permitiu evoluir, a despeito do paradoxo da convivência entre
um grau máximo de civilização, que conhece os caminhos para a solução de seus problemas, e
níveis extremos de barbárie:
É verdade que a barbárie continua até crescendo, mas não se vê mais o seu
elogio, como se todos soubessem que ela é algo a ser ocultado e não proclamado.
Sob este aspecto, os tribunais de Nuremberg foram um sinal dos tempos novos,
mostrando que já não é admissível a um general vitorioso mandar fazer inscrições
dizendo que construiu uma pirâmide com as cabeças dos inimigos mortos, ou que
mandou cobrir as muralhas de Nínive com as suas peles escorchadas. Fazem-se
coisas parecidas e até piores, mas elas não constituem motivo de celebração. Para
emitir uma nota positiva no fundo do horror, acho que isso é um sinal favorável,
pois se o mal é praticado, mas não proclamado, quer dizer que o homem não o acha
mais tão natural. (CANDIDO, 2004, p.170-1)
O cenário em que vivemos hoje no país, às portas da segunda década do século XXI,
deixa claro que os princípios democráticos firmados a duras penas, após lutas e conquistas
sociais, não estão consolidados da forma como gostaríamos. Três décadas após a publicação
deste ensaio, já não podemos dizer-nos otimistas: a barbárie só aumenta e mais do que nunca
tem bradado contra o pouco que avançamos socialmente. Isso mostra a necessidade e a
urgência em mantermos na ordem do dia as ideias do mestre.
As manifestações literárias, criadas de acordo com os anseios, as crenças, os
sentimentos, as normas de uma determinada época, sintetizam os valores que a sociedade
preconiza ou os que considera prejudiciais (CANDIDO, 2004, p.175). Por isso ela pode ser
considerada uma forma de manutenção do equilíbrio social: a literatura é fator indispensável
17
Incompressíveis. Definição dada por Louis-Joseph Lebret e que diz respeito àqueles bens que não se podem
comprimir, ou reduzir: “são bens incompressíveis não apenas os que asseguram a sobrevivência física em níveis
decentes, mas os que garantem integridade espiritual. São incompressíveis certamente a alimentação, a moradia,
o vestuário, a instrução, a saúde, a liberdade individual, o amparo da justiça, a resistência à opressão etc.; e
também o direito à crença, à opinião, ao lazer e, por que não, à arte e à literatura”. (CANDIDO, 2004, p.174).
82
de humanização, porque permite ao homem confirmar sua humanidade, isto é, aqueles traços
essenciais que o definem como tal:
[...] como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o
próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da
vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o
cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida
em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o
semelhante. (CANDIDO, 2004, p.180)
18
A despeito do retrocesso que a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018) representa, sobretudo no
que diz respeito ao lugar da literatura na escola básica, não será o objetivo das reflexões aqui empreendidas uma
discussão crítica sobre as diretrizes que os documentos oficiais estabelecem para o ensino de leitura.
83
trás desse projeto político-educacional do ensino existe uma “lógica de privação da leitura”,
uma vez que
Produzido, determinado e regulado pelo mercado editorial, que, por sua vez,
também se respalda nas experiências imediatas dos alunos e nas contribuições
científicas, esse modelo de “gosto” é assumido e difundido pela escola, através das
práticas de leitura, como critério de verdade e sob a alegação de respeito ao leitor.
Fechando o círculo, a indicação por parte do professor e a aceitação, pelos alunos,
desse modelo passam a (re)orientar a (re)produção e seleção de novo material com
as mesmas fórmulas, de modo que, por um processo de incansável repetição, vai
sendo sedimentado e perpetuado, porque institucionalizado pela escola, um modelo
de "gosto", que, tendendo à uniformização e regulação de significados e sentidos a
partir de interesses privados, torna-se padrão e apresenta-se como coerente em
relação à perspectiva utilitarista e instrumental do projeto de escolarização da
leitura. (MORTATTI, 2018b, p.52)
84
No entanto, em tempos em que o utilitarismo se impõe à vida cotidiana, o acesso a
esse conhecimento fica cada vez mais restrito a poucos contextos acadêmicos que, em seus
cursos de humanidades, ainda proporcionam esse contato.
Como lembra Ordine em seu ensaio sobre A utilidade do inútil (2016, p.12),
Garantir o acesso a esses saberes “inúteis” é a melhor forma de refrear esse processo
que desumaniza as sociedades contemporâneas. Assim, o conhecimento dos clássicos, pelas
mesmas razões com que se defende o direito à literatura, permite uma formação cultural mais
ampla, formação esta “[...] capaz de encorajar os alunos a cultivarem autonomamente seu
espírito e a possibilitar que expressem livremente sua curiositas” (ORDINE, 2016, p.109).
O estudo das Letras Clássicas, por meio dos textos legados pela cultura greco-latina,
pode contribuir significativamente para a humanização dos indivíduos, por permitir trabalhar
ao mesmo tempo com as noções de identidade e de alteridade. Conforme explica Fiorin
(1991, 516-7),
85
clássica na escola. Por meio de interessantes encaminhamentos de temas clássicos nas salas de
aula do ensino fundamental e médio, como forma de proporcionar a compreensão dos valores
sobre os quais se funda a cultura ocidental, esses trabalhos mostram a importância desses
conteúdos para a formação crítica dos jovens. Conforme observam Fortes e Miotti (2014,
p.153),
Parte dos especialistas formados pelos cursos que ainda oferecem habilitação
específica na área19 atuam como professores de língua materna nas salas de aula do ensino
fundamental e médio. São esses os principais agentes responsáveis por desempenhar essa
função de divulgar a antiguidade, colocando-a a serviço do grande público. Isso, segundo
Fiorin (1991, p.516), é necessário por dois motivos: “[...] primeiro, porque ele ‘tem o direito
de encontrar a antiguidade’; segundo, porque tem o direito de optar pelo aprendizado de
Letras Clássicas e a opção só pode ser feita se houver informações que a tornem possível”.
Roma antiga na sala de aula: uma proposta de trabalho com o texto clássico
19
Conforme Longo (2015, p.6), a formação em latim é oferecida majoritariamente em grades curriculares de
Letras, em 12 universidades brasileiras, todas púbicas.
20
Para detalhamento de cada etapa e de seus pressupostos, cf. Cosson (2016, p.51-73).
21
Adota-se aqui a tradução apresentada em Ovídio (2003).
86
sozinha na Ilha de Naxos, abandonada por Teseu, que lhe havia prometido seu amor como
gratidão pela ajuda por ela concedida para que escapasse do labirinto, após matar o
Minotauro, em Creta. Por pertencer a uma cultura antiga, o sentido do texto se constrói a
partir de inúmeras referências culturais para cujo entendimento é necessário um conhecimento
prévio.
Propõe-se, assim, para o trabalho com esse texto, um processo que passe pelas
seguintes etapas assim descritas e exemplificadas:
1. Motivação. Segundo Cosson (2016, p.51-7) nessa etapa inicial são fornecidos
elementos que permitem preparar o aluno para entrar em contato com o texto. Tratando-se de
um texto da literatura clássica, e buscando promover a inserção do aluno em um novo
universo de referências, toma-se aqui um elemento da cultura material que pode ser um dado
bastante interessante para os propósitos dessa etapa inicial.
A figura 1 traz a reprodução de um grafite encontrado em Pompeia, cidade próxima a
Nápoles, soterrada pelo vulcão Vesúvio em 79 a.C., na qual restou preservada grande parte do
que sabemos sobre a vida cotidiana na época do Império Romano. O grafite, manifestação
popular e espontânea, era muito frequente no mundo romano. Só em Pompeia foram
encontradas mais de dez mil inscrições parietais. Embora anônimas, sabe-se que essas
inscrições provinham dos mais variados grupos sociais: camponeses, escravos, artesãos,
gladiadores, comerciantes. Os assuntos também são diversos: disputas políticas, poemas,
assinaturas, insultos, declarações de amor, caricaturas, trocadilhos, entre outros (FUNARI,
2003, p.80-1). O grafite a seguir traz a inscrição em latim “Labyrintus. Hic habitat
Minotaurus22” (HARTNETT, 2008, p.2), acompanhada do desenho de um labirinto:
22
Labirinto. Aqui mora o Minotauro.
87
Com esse exemplo genuíno da cultura latina, pode-se preparar o aluno para o
entendimento de como o mito, enquanto conjunto de representações e narrativas simbólicas,
transmitidas sobretudo pela tradição oral, estava presente no imaginário coletivo dessa
população. É graças a essa característica que o mito pôde ganhar expressividade artística,
como ocorre na obra de Ovídio, por exemplo. Aqui, a inscrição em latim, por força tanto da
autorreferência da ilustração quanto da semelhança com o étimo português23, ganha um
caráter lúdico de enigma facilmente decifrável. Com esse exemplo de motivação, firma-se a
indissociável relação entre linguagem e cultura, uma vez que permite ancorar o texto clássico
ao seu contexto cultural de produção.
2. Introdução. Cosson (2016, p.57) estabelece esta etapa como aquela destinada
principalmente à apresentação do autor e da obra, de modo a garantir a compreensão do
contexto em que foi produzido o texto que será objeto de leitura. Por se tratar de um texto de
uma cultura de dois mil anos, essas informações são de suma importância, mas não é
necessário fornecer grandes detalhamentos históricos ou biográficos. Sem perder de vista que,
como ressalta o autor, esta etapa não deve ser extensa, propõe-se aqui um outro objetivo a ser
cumprido nesse momento precedente à leitura do texto clássico, que será denominado
ambientação.
Considerando que o trabalho com textos da literatura latina clássica requer o resgate
de um universo de sentidos que muitas vezes não é familiar ao leitor contemporâneo, uma vez
que os valores da cultura greco-latina, muito embora estejam presentes na gênese da cultura
ocidental, distanciam-se dos dias atuais, impõe-se a necessidade de se prever uma etapa em
que esse universo de referências possa ser de alguma forma construído. Assim, a ambientação
será momento em que serão trabalhados os conteúdos do texto a partir de outras fontes, que
embora tenham clara referência clássicas não são propriamente originais, isto é, produzidas na
antiguidade. Para este exemplo de encaminhamento, sugere-se o pequeno livro Ariadne
contra o Minotauro, de Marie-Odile Hartmamm (2006). Como a presente proposta de
trabalho se volta para alunos dos anos finais do ensino fundamental, entende-se que o uso de
uma obra com referência clássica, em edição moderna e com linguagem acessível, seja a
maneira mais adequada de introduzir o aluno nesse novo universo de sentido.
A obra de Hartmamm dá à narrativa tradicional do mito de Ariadne e Teseu forma de
romance de suspense, enfatizando ainda os aspectos simbólicos relativos ao caráter e ao
comportamento das personagens. Dessa forma, permite pôr em discussão valores e referências
23
Não observada apenas no advérbio “hic” (aqui).
88
culturais que, embora presentes em outro contexto sócio histórico, formam a base da cultura
ocidental. Assim, ao mesmo tempo que permite introduzir o aluno num novo universo de
sentido, preparando-o para a leitura do texto de literatura clássica, também permite uma
aproximação entre o mundo antigo e o contemporâneo, mostrando que os problemas da vida
em sociedade, das relações familiares e das escolhas pessoais estão presentes nas diferentes
épocas e culturas. Além disso, o livro traz um conjunto de informações bastante relevantes
para a compreensão do mito na cultura clássica e que poderá ser usado para eventuais
consultas nos intervalos previstos na etapa de leitura.
3. Leitura e Interpretação. Essas são as etapas centrais do processo. O texto de
literatura clássica escolhido para essa proposta pertence ao gênero carta de amor. Por tratar-se
de um texto relativamente curto24, é possível prever uma primeira leitura conjunta e em voz
alta na sala de aula. É nessa etapa inicial de leitura que se procede à compreensão do texto,
das referências culturais, do vocabulário, das personagens citadas. Nos intervalos previstos
nessa etapa pode-se recorrer às fontes trabalhadas no momento da introdução para
compreensão das referências mitológicas. Já para se chegar aos sentidos construídos no texto
na etapa da interpretação será preciso trabalhar com aqueles elementos que caracterizam o
gênero carta (marcas enunciativas, estrutura). Pode-se nessa etapa explorar os recursos
responsáveis pela construção da persuasão (usados por Ariadne), as formas de manifestação
do sofrimento, da revolta, do medo causados pelo abandono, entre outros.
Após essas etapas, pode-se explorar a noção de linguagem como meio de criação de
novas realidades e, assim como Ovídio foi capaz de criar uma história a partir de uma
narrativa mítica tradicional, pode-se estimular os alunos que façam o mesmo ou que
reconheçam outros autores que usaram desse mesmo recurso de criação literária.
Considerações finais
Referências
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ANTUNES, I. Aula de português: encontro & interação. 8.ed. São Paulo: Parábola Editorial,
2009.
AZEREDO, J. C. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Publifolha, 2008.
AZEREDO, J. C. Ensino de Português: fundamentos, percursos e objetos. Rio de Janeiro,
Zahar, 2007.
BENVENISTE, É. Problemas de Linguística geral. Trad. Maria da Glória Novak e Luiza
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Cidades; Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2004, p. 169-191.
COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2016.
25
Produto Interno Bruto.
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91
Considerações históricas e pedagógicas sobre o ensino de literatura no Brasil
Introdução
Falar sobre a história do ensino de literatura exige falar da história do ensino de língua
portuguesa, pois o primeiro sempre esteve atrelado ao segundo. Sem a pretensão de esgotar a
discussão sobre o tema, procuraremos apresentar um breve retrospecto de como e em que
circunstâncias se deu o ensino de literatura em território nacional. Nosso propósito é suscitar a
reflexão sobre como o texto literário vem sendo abordado pedagogicamente na educação
brasileira, desde o seu princípio até a atualidade.
De acordo com Cassavia26, em 1549 chega à Bahia um pequeno grupo de jesuítas,
liderado pelo Padre Manuel da Nóbrega. Na pessoa desses missionários, desembarca no Brasil
a Companhia de Jesus com um modelo escolar medievo, trazendo na bagagem “os autores
latinos expurgados, a velha Escolástica, o Trivium e o Quadrivium” (1981, p. 9). A princípio,
a Companhia de Jesus dedicava-se ao ensino dos filhos dos índios e dos órfãos portugueses;
posteriormente, dos filhos dos proprietários de terra e dos filhos dos escravos. Tratava-se de
uma educação catequética destinada exclusivamente aos meninos. Ferreira Jr. e Bittar, em
artigo denominado A Gênese das Instituições Escolares no Brasil: Os jesuítas e as casas de
bê-á-bá no século XVI, afirmam que para a consecução dos objetivos evangelizadores,
26
Gilberta Machado Luz Cassavia, em O ensino da literatura no Brasil: um histórico, dissertação de mestrado
defendida na UNICAMP, em 1981, apresenta uma pesquisa de cunho bibliográfico com a finalidade de discorrer
sobre “o lugar ocupado por uma disciplina que poderia ser chamada de Literatura” (1981, p.5), no período que
vai da chegada dos jesuítas ao território brasileiro até a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 4024,
de 1961.
93
[...] os jesuítas utilizaram uma pedagogia fundamentada nos seguintes elementos:
bilinguismo (preferencialmente português e tupi); método de ensino mnemônico;
catecismo com os principais dogmas cristãos; desmoralização dos mitos indígenas; e
atividades lúdicas (música e teatro). (FERREIRA Jr., BITTAR, 2005, p.41-42)
José de Anchieta, renomado jesuíta, propunha uma didática baseada no uso do teatro
como uma forma lúdica de aprendizagem. Segundo Peralta e Kassab (2008, p.3), nos autos
que escreveu, “Anchieta [...] adaptou os mistérios e as moralidades de forma criativa.
Inspirando-se nos usos e costumes indígenas, utilizou-se das músicas, das danças e dos cantos
usados nas festas cerimoniais”, assim como da poesia.
Em 1599, a Companhia de Jesus decide regimentar sua prática educacional,
promulgando a Ratio Studiorum que apresentava mais de 400 regras. O sistema jesuítico
remetia-se à Antiguidade Clássica e baseava-se na doutrina das sete artes liberais, o
Septenium, que se dividia em Trivium (composto pela Gramática, Dialética e Retórica) e
Quadrivium (formado por Música, Aritmética, Geometria e Astronomia).
A gramática medieval, conforme Cassavia (1981, p.11), abarcava “[...] o que
chamamos hoje de estudo da língua e, em parte, o campo da ciência da literatura. No primeiro
aspecto, dedicava-se ao conhecimento do uso correto da língua e, no segundo, à leitura e à
imitação. O material linguístico com que trabalhava provinha de textos selecionados com fins
didáticos”. Nesse contexto educacional (1981, p.11), “[...] os autores greco-latinos,
recuperados como ‘sábios’ e ‘profetas’, tornavam-se ‘exemplares’. Versos, sentenças,
extraídos do contexto original, eram condensados para expressar experiências psicológicas ou
regras de vida”. A leitura de autores, como Cícero, Aristóteles, Virgílio, Quintiliano, tinha por
propósito servir de modelo a ser imitado pelos alunos, tanto na oratória quanto na escrita.
Em relação à leitura, observamos que a Ratio Studiorum registra:
94
Em 1750, Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marquês de
Pombal, foi nomeado ministro da Fazenda do rei D. José I e efetuou várias mudanças na
sociedade lusitana, entre elas uma reforma educacional. Ao decretar o fim do sistema jesuítico
na educação, Pombal procurava remover os impedimentos que este oferecia à introdução, em
território português, da filosofia iluminista que se propagava pelo continente europeu. Com
isso, substituiu-se o método da Companhia de Jesus por um sistema educacional público e
laico, ainda que tais mudanças não tenham se efetivado de imediato na prática.
As propostas de Pombal incluíam a nomeação de Comissários de Estudos, a indicação
de livros que poderiam ser utilizados no ensino, a realização de concursos nacionais, a prática
de exames para Mestres Régios e Mestres Particulares. No Brasil, após a expulsão dos
jesuítas, o que se verificou foi um hiato na organização educacional, pois não se podia mais
contar com a estrutura jesuítica e tampouco com a efetivação das propostas pombalinas.
Nesse contexto, de acordo com Tiuman (2017, p.60), “[...] o ensino precário que aqui existia
continua sendo ministrado por padres ou por professores formados pelos jesuítas,
permanecendo a mesma metodologia e os mesmos ideais do sistema anterior”.
A reforma de Marquês de Pombal determinava que o ensino fosse promovido
obrigatoriamente em Língua Portuguesa e o ensino em língua geral tornou-se proibido. O
ensino de literatura baseava-se no compêndio Arte da Grammatica da Língua Portuguesa, de
autoria de Reis Lobato, que abrangia textos literários, considerados como o ideal do bem falar
e do bem escrever. As proposituras pombalinas vigoraram até 1777, ano da morte de D. José I
e com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, ocorrem outras mudanças.
A partir do momento em que o Brasil se tornou sede do reino português (1808-1821),
percebeu-se a necessidade de realização de diversas alterações no cenário da colônia. Em
termos educacionais, os três séculos de dominação lusitana não haviam sido suficientes para
consolidar um sistema educacional. As medidas adotadas, porém, pouco impactaram a
educação primária e secundária, priorizando a formação da elite em carreiras da medicina e da
engenharia.
Após a Proclamação da Independência, no período imperial (1822-1889), a educação
começou a ser concebida como um direito do cidadão e um dever do Estado. Nessa
perspectiva, urgia a realização de reformas educacionais que efetivamente assegurassem o
novo status político do Brasil, o que, entre outras coisas, exigia a preparação das pessoas para
exercer o voto e os mandatos eleitorais. Embora tenham sido travadas diversas discussões e
propostas para uma educação nacional – em todos os níveis –, esta não se concretizou e de
95
acordo com Peres (2010, p. 3), “o ensino superior e a educação popular foram tratados como
estruturas paralelas, refletindo preocupações e interesses distintos: de um lado, a formação de
elite; de outro, a educação popular”.
A proposta constitucional de 1823 registrava que “[...] para os brancos ou
supostamente brancos haveria educação escolar formal, conforme o disposto no Art. 250. Para
os índios, haveria catequese e civilização e, para os negros, emancipados lentamente, haveria
educação religiosa e industrial (PERES, 2010, p.4).
A Constituição de 1824, por sua vez, garantia em seu artigo 179, que a instrução
primária fosse gratuita a todos os cidadãos e que colégios e universidades deveriam ensinar
Ciências, Belas Letras e Artes. Entretanto, as determinações contidas na Carta Magna não
foram suficientes para transformá-las em ações práticas, motivo pelo qual pouco ou nada
mudou no cenário da educação brasileira. Incapaz de corresponder às necessidades
educacionais da nação, o governo central propôs a descentralização do poder e a divisão da
responsabilidade com as províncias que, na prática assumiram – ainda que sem condições
financeiras e estruturais – um sistema paralelo de ensino primário e secundário, ao passo que
o governo central respondia pelo ensino superior. Nesse contexto, conforme Peres (2010,
p.9), em torno de “[...] 1834, o ensino público secundário encontrava-se fragmentado em aulas
avulsas de latim, retórica, filosofia, geometria, francês e comércio, espalhadas por todo o
Império”.
Em 1837, o seminário de São Joaquim foi transformado em uma instituição de ensino
secundário que recebeu o nome de Colégio Pedro II, com o propósito de ofertar um ensino
diferenciado, que servisse de padrão a outros estabelecimentos de ensino. Discorrendo sobre o
fato, Peres (2010, p.9) informa que o “[...] currículo do novo colégio compunha-se de: línguas
latina, francesa, grega e inglesa, a gramática nacional e a retórica, a geografia e a história, as
ciências naturais, as matemáticas, a música vocal e o desenho”. Nessa época, o ensino
secundário era prioritariamente propedêutico. No que se refere ao ensino de literatura,
Em 1855, o Colégio Pedro II passa por uma reorganização curricular, promovida por
Couto Ferraz, a qual
96
[...] incluiu a “Corografia brasileira e história nacional” no 4º ano, ampliou os
currículos de Língua Portuguesa e de Retórica com a implantação das disciplinas
“Leitura e Recitação do Português” e “Exercícios Ortográficos”, no 1º ano e
“Quadros da literatura nacional”, no 7º ano. Desta maneira, há um aumento da oferta
de textos nacionais aos alunos, porém o ensino de latim e as literaturas europeias
figuram como modelares. (TIUMAN, 2017, p.73-74)
97
Como tradicionalmente havia a preocupação de se estudar primeiro a gramática
normativa e depois a gramática histórica, era natural que os textos mais modernos
fossem apresentados em primeiro lugar, enquanto que os textos dos autores mais
antigos eram reservados para ilustrar as alterações gramaticais ocorridas nos vários
"períodos" da língua portuguesa.
98
Nessa organização proposta, a disciplina de Literatura não vigorava no ciclo
fundamental, integrando apenas o currículo do ciclo complementar. Este passou a ser
referência para os exames vestibulares (instituídos em 1911, pela reforma Rivadávia, mas
aplicados sistematicamente a partir de 1931). Embora não constasse como disciplina
específica no ciclo fundamental, o programa de Português, “expedido pelo Ministério da
Educação e Saúde com os demais programas do curso fundamental, em 30 de junho de 1931
(cf. p.344-46)”, conforme Razzini (2000, p.98), privilegiava
[...] a leitura "dos bons escritores" como "ponto de partida de todo o ensino". A
leitura dos textos literários, sem definir a nacionalidade dos autores, seguia a ordem
cronológica inversa, começando pelos "prosadores e poetas contemporâneos" nas
duas primeiras séries, passando pelos "modernos" e os do século XIX, na 3 ª e na 4ª
série, indo até os do "período" clássico, na 5ª série.
Em conformidade com estudos realizados por Tiuman (2017), o Decreto-lei n.º 4.244,
de 9 de abril 1942, reorganizou o ensino secundário em dois ciclos: o ginasial, com duração
de quatro anos, e o colegial, com duração de três anos oferecidos em duas modalidades: o
clássico e o científico. O curso clássico tinha caráter humanístico, com destaque para o ensino
de literatura que se integrava à disciplina de Português. Discorrendo sobre a portaria 170, de
11 de julho de 1942, Razzini (2000, p.104) relata:
Essa legislação vigorou até 1961, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação nº 4024/61. A lei propunha a seguinte estrutura para o ensino de ensino: Educação
Pré-primária; Ensino Primário; Ensino Médio, ministrado em dois ciclos, o ginasial e o
colegial, abrangendo os cursos secundários, técnicos e de formação de professores para o
ensino primário e pré-primário; Ensino Superior. O Latim tornava-se disciplina praticamente
optativa e a língua vernácula figurava entre as disciplinas obrigatórias. Nesse contexto, o
ensino de Língua Portuguesa enfatizava o trabalho com a expressão oral e escrita. De acordo
com Razzini (2000, p.109-110):
Nas duas primeiras séries do ginasial deveriam ser escolhidos "textos simples, em
prosa e verso, descritivos, com real valor literário, de autores brasileiros dos dois
últimos séculos"; enquanto na 3ª e na 4ª série, os textos deveriam ser descritivos,
narrativos e dissertativos, "de prosadores e poetas modernos, brasileiros e
portugueses". [...]
No curso colegial, com ensino caracteristicamente literário, os textos
acompanhariam as "diversas fases" da literatura brasileira e da literatura portuguesa.
[...]
Seguindo o estudo progressivo, o ensino de português no colegial aprofundaria os
conhecimentos gramaticais adquiridos no ginasial acrescentando a gramática
histórica. O estudo das "diversas fases" da literatura brasileira e portuguesa e a
análise literária seriam feitos do ponto de vista da "formação e desenvolvimento da
civilização brasileira", ou seja, a abordagem histórica da literatura passou a
considerar também o ponto de vista sociológico.
100
[...] passou a admitir, cada vez mais, um número maior e mais variado de textos para
leitura, desde os tradicionais excertos literários, consideravelmente ampliados com a
literatura contemporânea, até todo tipo de manifestação "gráfica", incluindo textos
das outras disciplinas do currículo (sociais, científicos), textos de jornais, revistas,
quadrinhos, propaganda, etc.
A literatura brasileira, ainda que num viés eurocêntrico, passa a ocupar papel de maior
destaque, ratificado, sobretudo, por sua exigência nos exames vestibulares.
Em 1996, foi promulgada a Lei 9.394/96 que, em seu artigo 21, propôs a seguinte
estrutura para a educação nacional: educação básica – formada pela educação infantil, ensino
fundamental e ensino médio – e educação superior. Nesse contexto, são publicados os PCN,
que se apresentam com a finalidade de oferecer referências nacionais comuns ao processo
educacional, de modo que os alunos pudessem ter acesso ao conjunto de conhecimento
historicamente construído, por meio do qual poderia exercer a sua cidadania.
Em sua versão para a 1ª a 4ª série27, o documento explicita que o trabalho com o texto
literário deve integrar o cotidiano da sala de aula, principalmente por se tratar de uma forma
específica de conhecimento, razão pela qual o ensino da literatura ou da leitura literária exige
o “exercício de reconhecimento das singularidades e das propriedades compositivas que
matizam um tipo particular de escrita”. (BRASIL, 1997, p.30). Desse modo, seria possível
[...] afastar uma série de equívocos que costumam estar presentes na escola em
relação aos textos literários, ou seja, tratá-los como expedientes para servir ao ensino
das boas maneiras, dos hábitos de higiene, dos deveres do cidadão, dos tópicos
gramaticais, das receitas desgastadas do “prazer do texto”, etc. Postos de forma
descontextualizada, tais procedimentos pouco ou nada contribuem para a formação
de leitores capazes de reconhecer as sutilezas, as particularidades, os sentidos, a
extensão e a profundidade das construções literárias. (BRASIL, 1997, p.30)
27
O período escolar de 1ª a 4ª série, atualmente, é composto pela etapa do 1º ao 5º ano do ensino fundamental,
também denominado anos iniciais.
28
O período escolar do terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental, atualmente, corresponde à etapa do 6º ao
9º anos, também denominada anos finais do ensino fundamental.
101
[...] pretexto para o tratamento de questões outras (valores morais, tópicos
gramaticais) que não aquelas que contribuem para a formação de leitores capazes de
reconhecer as sutilezas, as particularidades, os sentidos, a extensão e a profundidade
das construções literárias. (BRASIL, 1998, p.27)
Para que a função utilitária da literatura – e da arte em geral – possa dar lugar à sua
dimensão humanizadora, transformadora e mobilizadora, é preciso supor – e,
portanto, garantir a formação de – um leitor-fruidor, ou seja, de um sujeito que seja
capaz de se implicar na leitura dos textos, de “desvendar” suas múltiplas camadas de
sentido, de responder às suas demandas e de firmar pactos de leitura.
102
O texto (literário) não é pretexto?
Denominamos esta seção com uma referência ao título de um artigo que Marisa Lajolo
publicou em 1982, o qual foi revisitado por ela vinte e seis anos depois, dando origem a um
novo texto, em 2008, O texto não é pretexto. Será que não é mesmo? Como a própria autora
afirma, o artigo original obteve grande destaque entre educadores e pesquisadores. Entre
outras afirmações, hoje repensadas por Lajolo, está a de que o “[...] texto não é pretexto para
nada” (1988, p.52-53). Para a autora , a presença do texto em ambiente escolar “cumpre
funções várias e nem sempre confessáveis, frequentemente discutíveis, só às vezes
interessantes”. Nessa perspectiva, “[...] em situações escolares, o texto costuma virar pretexto,
ser intermediário de aprendizagens outras que não ele mesmo” (LAJOLO, 1988, p.52-53).
Nesse sentido, Lajolo defendia que o texto não deveria ser usado como pretexto para o
ensino de conteúdos escolares. Ao repensar sobre tais afirmações, a autora continua
considerando que “um grande número de textos pode não contemplar em sua origem e
percursos anteriores o tipo de leitura que a escola propõe para ele” (2009, p.104). No entanto,
reconhece que uma atividade bem planejada pode partir desses textos para abordar
determinados temas, conforme exemplifica:
Uma tira de quadrinhos, por exemplo, quando publicada em um jornal, é para ser
lida e se dar risada com a leitura dela. E nessa publicação original não se pretende
demonstrar, ilustrar e (muito menos) provar o caráter dialógico da linguagem,
chamando atenção para os balões que, saindo da boca das personagens, indicam suas
falas, mostrando que falam umas com as outras.
Mas uma atividade com tal recorte é uma forma legítima de introduzir a questão da
interlocução, já que balões – como os travessões na modalidade verbal escrita –
indicam fala. É bom que a atividade não fique só nisso, mas não vejo nada de errado
nela. (LAJOLO, 2009, p.104-105 – grifo do autor)
103
quem usasse palavras estrangeiras em textos públicos” (LAJOLO, 2009, p.105). Percebemos,
desse modo, que tais ações promovem a ampliação da abordagem do texto literário.
Seguindo essa linha de pensamento, entendemos que, em muitas situações, manuais
didáticos se valem de textos literários para tratar determinados conteúdos. Esse procedimento
até poderia se tornar aceitável, desde que (e somente se) o texto literário seja compreendido
dentro de seu contexto de produção e recepção, considerando sua dimensão estética.
Considerações finais
29
Lei nº 13.696, de 12 de julho de 2018, que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita e estabelece, em
seu artigo 2º, as diretrizes da Política Nacional de Leitura e Escrita, entre as quais se incluem:
I - a universalização do direito ao acesso ao livro, à leitura, à escrita, à literatura e às bibliotecas;
II - o reconhecimento da leitura e da escrita como um direito, a fim de possibilitar a todos, inclusive por meio
de políticas de estímulo à leitura, as condições para exercer plenamente a cidadania, para viver uma vida
digna e para contribuir com a construção de uma sociedade mais justa; [...]
104
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106
SEGUNDA PARTE
107
Era outra vez: a alfabetização como prática discursiva
Introdução
30
Para o seu desenvolvimento, a pesquisa foi devidamente submetida e aprovada pelo Comitê de Ética local.
108
Nesse sentido, também concordamos com Soares (2004), que seja necessária uma
prática alfabetizadora que integre e articule as várias facetas31 do processo de aprendizagem
inicial da língua escrita. Os holofotes não podem estar voltados a uma ou outra tendência,
método, ou abordagem, já que, segundo a mesma autora,
Autores como Cagliari (2009), Morais (2012), Dehaene (2012) e Soares (2004, 2005,
2016), reconhecem a necessidade e especificidade do ensino das correspondências letra-som
para aprendizagem inicial da língua, bem como da importância dessas atividades acontecerem
em contextos reais e significativos de usos da língua escrita. Em outras palavras, defendem
que é preciso alfabetizar e letrar, simultaneamente, uma vez que tais processos são
indissociáveis e interdependentes (SOARES, 2004).
Concordamos com Morais (2012, p.79) quando afirma que
31
Recorremos à palavra faceta, com base em Magda Soares (2004, 2016), utilizada pela autora para designar os
componentes da aprendizagem inicial da língua escrita.
109
como agente de letramento e pode balizar o trabalho integrado das facetas, ressignificando
tempos e espaços escolares.
A seguir, discorremos brevemente sobre as habilidades metafonológicas, como parte
essencial do trabalho com a faceta linguística no aprendizado inicial da língua escrita.
Posteriormente, apresentamos os pressupostos dos projetos de letramento que, por sua
dimensão discursiva e dialógica, contempla as facetas social e interativa do processo de
alfabetização. Então, apresentamos a proposta de intervenção desenvolvida com os alunos
durante a pesquisa, que procura, então, articular tais facetas.
110
identificar que carrinho, bola e sol são palavras, porém não as identificam como segmento
sonoro da língua, e sim com a relação em que estabelecem com seu significado: o realismo
nominal. Ou seja, “[...] a incapacidade de deixar de pensar nas características físicas ou
funcionais dos objetos, de modo a poder focar nas partes sonoras das palavras que os
nomeiam” (MORAIS, 2012, p.86).
Segundo Vygotsky (1934 apud SOARES, 2016, p.174), a criança precisa compreender
a diferença entre a semântica e a fonética: “[...] para a criança, a palavra é parte integrante do
objeto que a denota”. Assim, é comum vermos crianças que relacionam a palavra ao seu
significado quando afirmam, por exemplo, que joaninha se escreve bem pequeno porque é
pequena, ou que elefante se escreve com letras grandes, porque ele é grande (FERREIRO;
TEBEROSKY, 1999).
Dessa maneira, para Morais (2012), o realismo nominal é mais comum em crianças
pré-silábicas, de acordo com as hipóteses de escrita delineadas por Ferreiro e Teberosky
(1999). Para esse autor, é urgente que o trabalho pedagógico, desde a educação infantil, leve
as crianças a refletir sobre a cadeia sonora das palavras, comparando-as quanto ao seu
tamanho.
A superação do realismo nominal, de acordo com Soares (2016), é condição e
consequência para o desenvolvimento da criança para a compreensão das outras partes das
palavras, tais como as sílabas, rimas e aliterações. Para avançar em direção à aprendizagem da
língua escrita, a criança precisa superar este realismo nominal e conquistar a arbitrariedade
linguística, sendo capaz de dissociar a cadeia sonora de seu significado e, ao mesmo tempo,
perceber a palavra como uma sequência de sons que podem ser representados por meio da
escrita.
Outro ponto importante em relação à consciência lexical para a alfabetização se refere
à segmentação das palavras na frase. A ausência dessa consciência ocasiona escritas
aglutinadas ou separadas em excesso, denominadas, respectivamente, de hipossegmentação e
hipersegmentação. Desse modo, tomar consciência de que as frases são decompostas em
segmentos menores – as palavras – as quais, na fluidez da fala, muitas vezes, não são
percebidas em separado, pode contribuir para a compreensão e análise da língua pela criança e
sua apropriação da escrita.
Quanto à consciência de rimas e aliterações, como o próprio nome sugere, está na
capacidade de reconhecer a igualdade dos sons finais ou iniciais das palavras. De acordo com
Morais (2012), a consciência de rimas e aliterações foi considerada, durante muito tempo,
111
como a mais complexa de ser adquirida pelas crianças brasileiras. Contudo, Aquino e
Albuquerque (2007 apud Morais, 2012) ressaltam que esta habilidade se desenvolve
facilmente quando a criança é estimulada desde a educação infantil, por meio da convivência
com cantigas de roda, parlendas e jogos fonológicos.
Em sala de aula, as atividades que promovem o desenvolvimento dessas habilidades
podem acontecer de maneira prazerosa, pelo uso de jogos e brincadeiras de tradição oral.
Desde pequenas, é comum que as crianças vivenciem, em casa ou na creche, momentos de
escuta de cantigas, parlendas e trava-línguas. Essas vivências são essenciais para a
consciência dos sons das palavras no que tange às rimas e aliterações. A escuta atenta aos
sons da língua, levada à (meta)análise propicia a reflexão das partes da palavra. Ao procurar
uma rima ou uma palavra que comece igual à outra, a criança estará acionando o seu léxico
mental e realizando inúmeros processos cognitivos com a língua materna. Compreendemos,
assim, que o trabalho com rimas e aliterações conduz o aprendiz da escrita a reflexões sobre
os segmentos sonoros das palavras e à superação do realismo nominal. Contribuem, portanto,
à apropriação do sistema de escrita alfabética.
Acompanhando a evolução das hipóteses de escrita das crianças, tais como as
propostas por Ferreiro e Teberosky (1999), vemos que o aprendiz da escrita avança em
direção à compreensão de que as palavras, no sistema de escrita alfabético, se organizam em
partes menores. Essas partes, chamadas de sílabas, unem-se, alternam-se, misturam-se e
subtraem-se para formar o léxico da língua. Esse momento, que Ferreiro (2004) chama de
período de fonetização da escrita, é crucial para a apropriação do sistema de escrita. Ao
atingir esta compreensão, pela consciência silábica, a criança consegue refletir sobre os
segmentos sonoros e relacioná-los às letras e grafemas. Passa a pensar em que sinal gráfico irá
representar determinado som.
A criança, silabando, consegue identificar, por exemplo, por quantos “pedacinhos”
determinada palavra é formada e, a partir daí, refletir nos sons e sua representação gráfica
para escrita. Inicialmente, contudo, há crianças que, embora identifiquem a quantidade de
sílabas, não conseguem relacionar os sons às letras/ grafemas. Nesses casos, é comum que
coloquem qualquer letra para representar o segmento, mas sempre uma letra para cada
“pedaço”. Posteriormente, à medida em que o período de fonetização da escrita for se
desenvolvendo, serão capazes de, para cada sílaba, representar graficamente com uma letra,
vogal ou consoante que remeta ao segmento sonoro da palavra. Este conhecimento por parte
da criança permite que avance na compreensão do sistema de escrita. Da consciência das
112
sílabas, e consequentemente da hipótese silábica de escrita, a criança passará a refletir sobre
os menores segmentos que compõem estas sílabas: os fonemas, alcançando a consciência
fonêmica.
Os fonemas podem ser definidos como a menor unidade fonológica, não divisível e
não pronunciável, distinguíveis na língua por meio de trocas por pares mínimos. Assim,
identificamos o segmento /v/ na palavra VACA como fonema se o compararmos com o /f/ em
FACA. Nesse caso, tanto /v/ quanto /f/ são fonemas distintos, evidenciados por seu par
mínimo, que diferencia também o sentido da palavra. Assim, de acordo com Oliveira (2005,
p.30), “[...] os fonemas, enquanto unidades da língua, são, assim como a língua, de caráter
abstrato”, ou ainda “uma imagem psíquica dos sons da fala".
Dessa maneira, o desenvolvimento da consciência das menores unidades sonoras da
língua está acompanhado do aprendizado das formas gráficas da língua escrita: as letras e os
fonemas. Nessa perspectiva, pensar em consciência fonêmica, restringindo à habilidade de
manipular os fonemas, não parece abranger toda a complexidade da relação fonema x
grafema. Nesse sentido, Ehri e Soffer (1999 apud SOARES, 2016, p.216) defendem a
expressão consciência grafofonêmica, como “[...] a habilidade de relacionar letras ou
grafemas da palavra escrita com os sons ou fonemas detectados na palavra falada”.
Percebemos que o caminho trilhado pelo aprendiz da escrita não é, de maneira alguma,
um “suave caminho”. Há que (des)construir saberes para galgar os degraus da compreensão
deste tão misterioso sistema que nota a língua escrita. Grande abstração se faz necessária para
assimilar que as palavras, materializadas na fala, compõem-se de segmentos sonoros,
combinados de maneira organizada e ordenada entre si, que, por sua vez, podem ser
representados graficamente por símbolos. E que esses, por sua vez, não guardam relação
lógica ou visual alguma com os sons da fala. Trata-se de um construto mental difícil e, ao
mesmo tempo, fascinante que consente ao ser humano perpetuar seus saberes por meio da
escrita e da leitura. Um aprendizado que depende de ensino, da mediação e da interação com
o outro para a manipulação consciente dos sons da língua para formação de palavras,
expressas por meio da escrita.
113
e a aprendizagem. A chamada pedagogia de projetos constitui-se como um ramo teórico-
metodológico que reúne conceitos e postulados pensados e difundidos, ao longo dos últimos
séculos, em especial no movimento conhecido como Escola Nova. Dentro dessa perspectiva,
podemos destacar a grande influência de dois educadores: Dewey e Freinet. Muitas das
propostas que se veem nos documentos oficiais e nas práticas de sala de aula quando o
assunto são projetos têm origem nos pressupostos desses educadores.
Para Dewey (1859-1952), educador norte-americano, a educação não poderia ser
desvinculada da vida e, para tanto, as práticas escolares necessitavam estar relacionadas ao
cotidiano. A experiência, para ele, define o modo pelo qual a aprendizagem acontece de
maneira significativa. Nesse sentido, os projetos surgem como facilitadores do processo de
experenciar a própria vida. Nas palavras de Teixeira (2010, p.37), “[...] a experiência alarga,
deste modo, os conhecimentos, enriquece o nosso espírito e dá, dia a dia, significação mais
profunda à vida”. Ou seja, os conhecimentos adquiridos pela experiência, que é, por sua vez,
fruto de uma interação e está irremediavelmente ligada à vida, é capaz de ter sentido e
significado.
Em Freinet (1896-1966), educador francês, por sua vez, vimos surgir práticas até hoje
usadas e difundidas nas escolas, tais como as aulas-passeio, correspondência escolar, livros da
vida e diários reflexivos do professor. Tais estratégias representavam uma crítica às
concepções de Dewey, uma vez que, pensando na escola pública, carente de materiais e
instalações adequadas como este último propunha, Freinet desenvolveu técnicas simples,
porém de grande significância para o ensino-aprendizagem. Assim, para esse educador, a
escola precisa estar centrada no aprendiz, em suas necessidades e interesses, sendo que “[...]
os professores devem pensar ‘situadamente’ materiais didáticos, estratégias (com ênfase nas
estratégias lúdicas), locais e condições de aprender e ensinar, sempre de forma coletiva”
(OLIVEIRA et al., 2014, p.73-74).
À luz dessas e de outras ideias, na segunda metade do século XX e neste início de
século XXI, ganha relevância, inclusive em documentos oficiais, o trabalho com projetos, nas
mais variadas adjetivações (OLIVEIRA et al., 2014): projetos temáticos, projetos de trabalho,
projetos de ensino, projetos de letramento, entre outros. Em nossa pesquisa, optamos pelos
projetos de letramento, por se constituírem em vivências autênticas, partirem de interesses
reais da vida dos alunos. Nessa configuração, o professor atua como agente de letramento,
uma vez que não se posiciona como detentor do saber, mas sim, como facilitador,
colaborando com a turma na organização do projeto. O diálogo, a autonomia e o
114
empoderamento, nessa prática, são palavras de ordem e visam à construção coletiva do
conhecimento para o bem comum.
Outro ponto que merece destaque, nessa abordagem, diz respeito aos conteúdos
curriculares, uma vez que, partindo da vida e interesse dos alunos, tais projetos tendem a
romper com as barreiras e amarras exigidas pela organização curricular. Os tempos e espaços
escolares, por sua vez, são ressignificados de maneira a atender às demandas dos projetos. Isto
não significa a abolição ou rejeição dos conteúdos programáticos, das prescrições e
orientações curriculares. Pelo contrário, reflete a flexibilização dos conteúdos, o
direcionamento para o interesse dos aprendizes e para a aprendizagem significativa. Os
conteúdos não se tornam fins em si mesmos, mas parte do processo de ensinar e aprender.
Cabe ainda destacar que, nesses projetos, os gêneros discursivos não são escolhidos a
priori, elencados ou sistematizados, com enfoque em sua organização textual. Eles emergem
do processo, na busca pelo saber, da real necessidade comunicativa. Para Kleiman (2000,
p.208),
Se existir algum projeto concreto de interesse dos alunos é possível planejar uma
série de atividades que envolvam escrever um texto com uma finalidade específica,
que funcionará numa prática também específica, em vez de começar o trabalho
focalizando uma forma textual e acabar focalizando a mesma forma, um final
inevitável [...].
115
porque tem sua origem numa instituição de prestígio nos grupos de cultura letrada.
(KLEIMAN, 1995, p.55)
O letramento, por esse prisma, não serve apenas às funções sociais específicas,
cumpridas pelo sujeito. Mas é servido por ele, já que traz em si a relação dialógica entre a
prática do aluno e o conhecimento letrado, valorizando as culturas locais. Assim, “[...] os
correlatos cognitivos da aquisição da escrita na escola devem ser entendidos em relação às
estruturas culturais e de poder que o contexto de aquisição da escrita na escola representa”
(KLEIMAN, 1995, p.39).
Essa perspectiva ideológica se assemelha aos pressupostos da pedagogia crítica paulo-
freireana, pelas noções de empoderamento, diálogo e autonomia. Nas palavras de Marques
(2016, p.119),
116
intervenção aqui apresentada foi desenvolvida no primeiro semestre letivo de 2019, com uma
turma de segundo ano do Ensino Fundamental I, de uma escola da rede municipal de
Cerqueira César, interior de São Paulo. Localizada na zona urbana da cidade, esta escola
atende, no período vespertino, também a crianças oriundas da zona rural, que fazem uso de
transporte escolar municipal diariamente.
A turma conta com quatorze alunos, sendo oito moradores da zona rural. A sondagem
diagnóstica inicial revelou que apresentavam hipóteses de escrita variadas, havendo no grupo
crianças com escrita alfabética, silábico-alfabética, silábica e pré-silábicas (FERREIRO;
TEBEROSKY, 1999). Esse resultado indicava a necessidade de um trabalho que promovesse
a reflexão sobre o sistema de escrita alfabético para promover e consolidar a alfabetização
efetivamente.
A partir de uma atividade de reescrita coletiva do conto Cinderela, as crianças
sugeriram que escrevêssemos também uma nova versão, denominada Era outra vez...,
formando um livro do tipo dois em um, no qual de um lado lemos uma história e, virando o
livro, lemos a outra. Das discussões geradas, as crianças decidiram que, ao final do projeto,
iriam presentear uma turma de primeiro ano da escola com os livros por elas produzidos.
Assim, partindo de uma planificação coletiva do texto, em duplas, escreveram uma nova
versão do conto:
Nesse reconto surge uma Cinderela contemporânea que mora em um sítio, assim como
parte dos alunos, e recebe uma mensagem em seu celular sobre uma festa de rodeio em um
recinto de festas tradicional da nossa cidade. Em vez de vestido, nossa Cinderela ganha
roupas típicas do universo country. Vai ao rodeio em uma moto e não dança com o príncipe,
mas sobe no touro com um belo rapaz. Não perde sapatinho de cristal, perde a bota. Só não
perde o encantamento e a magia que os contos de fadas proporcionam às crianças nessa idade.
117
Figura 2: Capas dos livros produzidos pelos alunos (acervo pessoal)
A identidade do grupo pela valorização da cultura local está presente em cada trecho
da história, como no seguinte excerto que retrata os serviços rurais que Cinderela era obrigada
a fazer: “[...] alimentar os cavalos, dar comida aos porcos [...]”, ou ainda no resgate da
memória das festividades locais, como no trecho: “[...] recebeu uma mensagem da FAICC,
um lugar onde acontecem rodeios em Cerqueira César”. .As ilustrações, frutos de colaboração
da professora de artes, de igual modo, refletem as vivências dos alunos... As vozes das
crianças se fizeram ouvir trazendo suas vivências, interesses e protagonismo:
Figura 3: Trechos do livro com nova versão da Cinderela produzido pelas crianças (acervo pessoal)
118
Criança não trabalha, do grupo Palavra Cantada32, o que muito enriqueceu a proposta.
Também, reportagens, textos informativos, outras versões que propõem intertexto com a obra
original, tais como filmes, músicas, videoclipes, entre outros gêneros discursivos multimodais
foram emergindo das discussões e rodas de conversa. Podemos citar, como exemplos, o filme
Cinderela, produzido pela Disney em 2015, a partir do qual os alunos foram convidados a
compor uma lista de personagens, espaços, objetos e outros itens de que se lembravam; o
videoclipe Pé com pé, do grupo Palavra Cantada33; a música Sapato 36, de Raul Seixas34; e a
matéria online Qual é o número do sapatinho de cristal da Cinderela?, da revista Super
Interessante35, que fomentou discussões sobre o tamanho do pé da Cinderela, a reflexão sobre
os tamanhos dos seus próprios pés e, ainda, a pesquisa sobre ditados populares com a palavra
“pé”.
O uso de tais recursos foi impulsionado pela proposta e sempre esteve integrado ao
tema central do trabalho, que não foi imposto, mas construído junto das crianças, balizado por
suas descobertas, seus interesses e necessidades de aprendizagem. Além disso, no decorrer do
projeto, outros gêneros discursivos emergiram como necessários para as atividades, tais como:
a produção de bilhetes aos pais solicitando pesquisas e auxílio; requerimento à direção da
escola para ir à Biblioteca Municipal; e produção escrita de texto oral para ensaio da
apresentação final. Coletivamente, em duplas, ou ainda individualmente, a produção desses
textos pelos alunos foi, de fato, uma prática social:
Esse jogo, muito apreciado pelas crianças, contribuiu para a reflexão de que as
palavras são formadas por segmentos sonoros – as sílabas. Tal percepção levou a criança a
questionar as hipóteses iniciais sobre a representação escrita, permitindo que avançasse para a
hipótese silábica.
Outro jogo adaptado do mesmo material foi o Muda Palavra. O original, Troca Letras,
consiste em escrever a palavra indicada pela imagem por meio de alfabeto móvel e, em
seguida, trocar letras para formar outras palavras. Em nossa adaptação, elaboramos um
120
tabuleiro, no qual havia o desafio de formar uma palavra e, a partir dela, trocar uma letra para
formar outra palavra e, assim, poder avançar na trilha:
Além de propiciar a consciência silábica, este jogo contribuiu para estabelecer relação
entre a pauta sonora e a representação gráfica das palavras. Nesse sentido, concordamos com
Morais (2012, p.134) que “[...] a conjugação da reflexão sonora com a análise da forma
escrita deve ocorrer sempre que possível”. Ao contrastar a forma escrita com seu
121
correspondente sonoro, a criança, gradualmente, apropria-se da relação entre fala e escrita. O
mesmo autor complementa que a
[...] possibilidade de parear, na mente, as formas oral e escrita das palavras é, como
já indicamos, o que nos faz privilegiar também as cantigas, quadrinhas, trava-línguas
e parlendas nas atividades de reflexão fonológica. (MORAIS, 2012, p.134)
A ideia inicial do projeto, como já dissemos, era de que a turma entregasse os livros
produzidos ao primeiro ano. Com a construção dos jogos, o grupo decidiu entregar um kit
com os livros e os jogos, de modo a contribuir com a alfabetização dos alunos do primeiro
ano também. Assim, pensando no evento de lançamento do livro e entrega do kit à turma do
primeiro ano, surgiu ainda a necessidade de trabalhar o texto instrucional dos jogos. As
crianças fizeram, então, leituras de manuais de jogos já conhecidos e também inusitados para
que, lendo, pudessem compreender as regras e jogar: dessa forma, o gênero foi trabalhado em
seu contexto autêntico e com sentido. Depois, produzimos os manuais que acompanham cada
um dos jogos desenvolvidos.
122
Por fim, além da reflexão sobre a língua escrita proporcionada durante todo o trabalho
de desenvolvimento do livro de reconto da Cinderela, desde a reescrita coletiva da versão
original, até a planificação e escrita da nova versão, os jogos trouxeram um momento
prazeroso de análise metafonológica. Partindo do interesse da turma – a construção de uma
nova versão da história – pudemos propiciar momentos de contato com diversos gêneros
discursivos, com finalidades autênticas dentro da proposta de trabalho, e simultaneamente
abordar questões específicas da faceta linguística na aprendizagem inicial da língua escrita.
Considerações finais
Referências
123
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Tradução: Leonor Scliar-Cabral. Porto Alegre: Penso, 2012.
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Porto Alegre: Artmed, 2004.
KLEIMAN, A. B. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: ______.
(Org.) Os significados do letramento. Campinas: Mercado das Letras, 1995.
KLEIMAN, A. B. O processo de aculturação pela escrita: ensino de forma ou aprendizagem
da função? In: KLEIMAN, A. B.; SIGNORINI, I. O ensino e a formação do professor:
alfabetização de jovens e adultos. Porto Alegre: Artmed, 2000.
MARQUES, I. B. A. S. A formação do professor de língua portuguesa: projetos de
letramento, agência e empoderamento. In: KLEIMAN, A.; ASSIS, J. A. (Orgs.): Significados
e ressignificações do letramento: desdobramentos de uma perspectiva sociocultural sobre a
escrita. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2016.
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OLIVEIRA, M. S; TINOCO, G. A.; SANTOS, I. B. A. Projetos de Letramento e formação de
professores de língua materna. Natal: EDUFRN, 2014.
SOARES, M. Alfabetização e letramento: caminhos e descaminhos. Revista Pedagógica:
Artmed Editora: Fev, 2004.
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SOARES, M. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo: Contexto, 2016.
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abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação.
Tradução: Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial, 2014.
TEIXEIRA, A. A pedagogia de Dewey. In: Westbrook, R.B.; TEIXEIRA, A. John Dewey.
Recife: Massangana, 2010.
124
Proposta de análise de memes em aulas de língua portuguesa
Introdução
O presente capítulo tem como tema o trabalho com os gêneros discursivos, mais
precisamente com os memes em aulas de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental.
Trata-se da discussão de um protótipo construído com alunos de um 9º ano de uma escola da
Rede Estadual de Ensino de São Paulo, localizada na região periférica do município de Mogi
das Cruzes. O estudo foi desenvolvido no âmbito de um Programa de Mestrado Profissional
em Letras (ProfLetras/CAPESqMEC).
O intuito do protótipo foi construir, nas aulas de Língua Portuguesa, práticas de
linguagem, por meio de gêneros discursivos que estivessem mais próximos dos alunos, pois
compreendemos que esse é um fator determinante para o engajamento dos estudantes nas
atividades propostas. Por essa razão, foi escolhido o gênero discursivo meme. O trabalho foi
realizado durante oito aulas do segundo semestre letivo de 2018. Ao final, houve uma
exposição de curadoria.
O trabalho procurou articular novas tendências teórico-metodológicas, ao fazer da sala
de aula uma questão desafiadora para os professores. Para tanto, buscamos definir o que é
meme, a partir das pesquisas sobre memes de Dawkins (1993), Blackmore (1999) e Sperber
(1996), e propusemos uma análise sob uma perspectiva dialógica, apoiados nos estudos
teóricos de Bakhtin (2010, 2014), Miller (2009), Bazerman (2005) e Kristeva (2005). Para a
discussão do protótipo, tomamos como base Rojo (2008, 2017), Rojo e Barbosa (2015) e
Kleiman (2007).
O que é um meme?
O conceito de meme surge quando o biólogo Richard Dawkins, em seu livro O Gene
Egoísta, coloca-o como unidade de transmissão cultural. Nas palavras do autor:
A afirmação mostra como Dawkins cria um termo que representa uma unidade cultural
indivisível, semelhante a um gene, capaz de se propagar de pessoa para pessoa com a ajuda da
imitação. Esta unidade possui um poder próprio que permite a sua reprodução e propagação.
O cientista cognitivo Dan Sperber entende o meme como sinônimo de replicadores
culturais (baseado na definição fornecida por Dawkins), definido pelo autor em termos de
representações. Explica que os replicadores têm uma base representacional, são símbolos e
associações na mente humana. Além disso, há dois tipos principais de representações
destacadas pelo autor: as representações mentais, que são internas ao sujeito, como as crenças;
e as representações públicas, que são externas ao assunto, como pinturas (SPERBER, 1996
apud WOLFF, 2012). No entanto, há um terceiro tipo de representação derivado dos dois
anteriores, as representações culturais, entendidas como um subconjunto combinado do
público e as representações mentais dentro de um grupo social (SPERBER, 1996 apud
WOLFF, 2012).
Por outro lado, a psicóloga Susan Blackmore toma a definição original de meme
proposta por Dawkins em 1976 com outras ênfases. Em primeiro lugar, ela enfatiza o papel da
imitação como central para a replicação de memes, afirmando que é isso que diferencia os
humanos dos animais. Assim, move o conceito do campo da biologia para o campo da
aprendizagem social (BLACKMORE, 1999). Em segundo lugar, Blackmore define
replicadores em um sentido mais amplo do que o de seu criador, como “[...] qualquer coisa de
que cópias são feitas” (BLACKMORE, 1999, p.5). Finalmente, Blackmore, com base em Hull
(1988 apud BLACKMORE, 1999), adiciona um ator à cadeia de replicação de memes, o
interator, definido como a entidade que interage com o ambiente, que carrega o replicador
para dentro e o protege. Nesse sentido, ao contrário da primeira caracterização do meme de
Dawkins, as unidades de transmissão não são autônomas; eles exigem um assunto para serem
replicados.
Essencialmente, os memes possuem duas características que podem mudar ou
permanecer, moldando-os: a estrutura e o conteúdo. Dan Sperber defende a abordagem
126
estrutural, entendendo a transformação do meme como uma semelhança na estrutura e uma
mudança semântica. O autor usa a história do chapeuzinho vermelho para exemplificar essa
abordagem. Ele explica que o conto/meme possui uma estrutura que o molda, colocando em
perspectiva o conteúdo do conto. Se uma pessoa escutar uma história com personagens
diferentes, mas com a mesma estrutura, identificará como uma cópia do conto do
Chapeuzinho Vermelho (isto é, claro, se a pessoa já conhece a história). Além disso, a
estrutura é tão importante para o meme que uma versão incompleta do conto é menos
provável de ser replicada do que uma versão completa do mesmo.
A outra perspectiva é a abordagem de conteúdo. Daniel Dennet (1998) defende essa
abordagem, entendendo o meme em termos de conteúdo semântico. Para o teórico, o que é
comum, não é uma propriedade sintática ou sistema de propriedades, mas uma propriedade
semântica ou sistema de propriedades: a história, não o texto; os personagens e suas
personalidades, não seus nomes e discursos (DENNETT, 1998). Em outras palavras, quando
se fala sobre quais mudanças e o que é mantido em um meme, Dennett (1998) reforça a ideia
de que o que identifica os memes quando são passados é seu conteúdo, sua semântica e
significados.
Propomos uma combinação entre as duas posturas, argumentando que ambas são
características que podem ser passadas nos memes. Essa perspectiva também sublinha que,
dependendo do meme, um dos dois pode ser mais saliente do que o outro. A estrutura e o
significado de um meme são independentes, mas estão ligados em algum grau que cada um
diz algo sobre o outro.
Dessa maneira, um meme da internet é uma unidade de informação (ideia, conceito ou
crença), que se replica, transmitindo via Internet (e-mail, chat, fórum, redes sociais etc.), sob a
forma de um hiperlink, vídeo, imagem ou frase. Pode ser passado como uma cópia exata ou
pode mudar e evoluir. A mutação na replicação pode ser por significado, mantendo a estrutura
do meme ou vice-versa. A mutação ocorre por acaso, adição ou paródia, e sua forma não é
relevante. Um meme de internet depende tanto de um transportador quanto de um contexto
social em que o transportador age como um filtro e decide o que pode ser passado adiante. Ele
se espalha horizontalmente como um vírus a uma velocidade rápida e acelerada. Pode ser
interativo (como um jogo) e algumas pessoas as relacionam com criatividade. Sua
mobilidade, armazenamento e alcance são baseados na web. Eles podem ser fabricados (como
no caso do marketing viral) ou emergir (como um evento online). Seu objetivo é ser bem
conhecido o suficiente para replicar dentro de um grupo.
127
O meme como gênero do discurso
O aumento na circulação do gênero meme nas diversas mídias, em uma era cada vez
mais definida pela comunicação pela Internet, não é coincidência. Embora os memes fossem
conceituados muito antes da era digital, os recursos exclusivos da Internet transformaram sua
difusão em uma rotina onipresente e altamente visível.
Miller (2009) argumenta que quando um tipo de discurso ou ação comunicativa
adquire um nome comum dentro de um determinado contexto ou comunidade, isso é um bom
sinal de que ele está funcionando como um gênero. Os gêneros geralmente são identificáveis,
por meio de sua combinação de forma e função acordada, mesmo que o conhecimento dessa
forma e dessa função seja amplamente tácito e difícil de articular com clareza, pois, como
salienta Bakhtin (2010, p.263), “[...] não se deve, de modo algum, minimizar a extrema
heterogeneidade dos gêneros discursivos e a dificuldade daí advinda de definir a natureza
geral do enunciado”.
Fernandes et al. (2016), tendo como foco o espetáculo midiático, analisaram, a partir
de três memes, a abertura do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff em
2015 e a repercussão desse evento nas redes sociais. Os autores verificaram que os memes
utilizam-se do humor como elemento de crítica em cenários de turbulência política e social. Já
Volcan (2014) aponta o meme como uma nova comunicação mediada pelo humor. Partindo
da comunicação mediada pelos computadores, a autora realiza a análise do discurso de um
único meme publicado em uma página da rede social Facebook, considerando-o como uma
legitimação do discurso humorístico enquanto prática discursiva própria do meio. A autora
considera aspectos como estrutura, sentido, interação, comportamento social e
multimodalidade e conclui que o meme e sua forma de humor são legitimados nas redes
sociais (VOLCAN, 2014).
Um senso de humor compartilhado pode aproximar uma sociedade ou cultura. Como
Sodré e Paiva (2002, p.150) observam, a tomada do humor como algo representativo de
determinado grupo leva ao que os autores chamam de “[...] corpo grupal” ou representação de
conteúdos e pensamentos de um determinado grupo, facilitando, assim, seu processo de
comunicação e sua assimilação.
A intertextualidade também é um elemento-chave da cultura de memes e remixes,
especialmente porque a justaposição de textos incongruentes faz parte do humor dos memes
(FONTANELLA, 2009). Assim como as conexões entre uma rede de usuários podem ajudar a
128
definir um grupo social, os links intertextuais podem ajudar a erigir limites simbólicos em
torno de uma cultura através de um sistema de referencialidade mútua. Como Fontanella
(2009) observa, os memes não são unidades discretas isoladas, mas blocos de construção de
culturas complexas, entrelaçadas e interagindo umas com as outras. Para o autor, “[...] memes
estabelecem entre si uma série de relações intertextuais que desestabilizam a concepção de um
autor, e talvez por isso a forte associação da memesfera com canais que privilegiam o
anonimato [...]” (FONTANELLA, 2009, p.14). Por ser fator de análise de nossas aulas,
dedicaremos neste capítulo uma seção que fundamente a intertextualidade.
Esse uso e apreciação do humor referencial de múltiplas camadas têm várias funções.
Primeiro, ter e continuamente invocar referências compartilhadas reforça os fundamentos da
unidade do grupo. Em segundo lugar, referências repetidas assumem significados grupais
específicos como formas codificadas. Por sua vez, esses significados fornecem uma base
adicional para a reinterpretação e remixagem, com o resultado final sendo um denso
emaranhado de referências que são enigmáticas para aqueles que não compartilham esse
conhecimento. Tudo isso serve para reforçar as barreiras simbólicas dos muros comunais:
quanto mais conhecimento referencial é necessário para obter a piada, maiores são as
barreiras à entrada e mais exclusivo é o grupo.
A proposta de Bakhtin (2010) de que os gêneros do discurso estão alicerçados em três
elementos constitutivos, a saber, o conteúdo temático, a estrutura composicional e o estilo de
enunciados, dentro de uma esfera específica de comunicação, também é reconhecida por
Horta (2015), Guerreiro e Souza (2015) e Lisboa (2015). Os pesquisadores argumentam que
se pode observar como o conteúdo e a forma linguística e discursiva se fundem para criar uma
expressão contextual específica. Amoêdo e Soares (2018), ao realizarem uma análise
multissemiótica do meme, o identificam como gênero:
[...] pois atende aos elementos básicos segundo Bakhtin (2003), no que concerne aos
elementos de composição do gênero: forma, conteúdo e estilo; acrescento o
propósito comunicativo intrincado a esse esquema básico. A forma é estruturada
com vários recursos semióticos alicerçados ao modo verbal, com isso é multimodal;
objetiva a interação entre os sujeitos, ou seja, transmitir uma dada informação; O
conteúdo são histórias, situações atuais; E a função social é mostrar ideologias
implícitas pelo uso do estilo satírico, uma crítica humorística (AMOÊDO e
SOARES, 2018, p.133).
129
Para Bakthin (1926), o enunciado abrange além dos fatores verbais, a situação. No
caso, a compreensão do gênero meme depende, além dos elementos verbais, elementos não-
verbais, pois sua natureza é verbal-imagética. Segundo Bakhtin,
[...] cada enunciado nas atividades da vida é um entimema social objetivo. Ele é
como uma “senha” conhecida apenas por aqueles que pertencem ao mesmo campo
social. A característica distintiva dos enunciados concretos consiste precisamente no
fato de que eles estabelecem uma miríade de conexões com o contexto extraverbal
da vida, e, uma vez separados deste contexto, perdem quase toda a sua significação –
uma pessoa ignorante do contexto pragmático imediato não compreenderá estes
enunciados (BAKHTIN, 1926, p.8-9).
Com relação às aulas, distribuímos o tema em oito com cinquenta minutos cada, para
melhor desenvolver as atividades, sem, contudo, exaurir todas as possibilidades de análise.
Nas aulas, contemplamos as habilidades requeridas para o 9º ano do Ensino Fundamental
propostas no Currículo Oficial de São Paulo (SÃO PAULO, 2016), como também as
habilidades recomendas na BNCC (BRASIL, 2018).
Buscamos atender ao proposto no material fornecido pela Secretaria de Educação do
Estado de São Paulo, o Caderno do Aluno, que contempla o estudo dos tipos textuais
argumentativos. No volume 1 destinado ao 9º do Ensino Fundamental, o Caderno do
Professor traz os seguintes conteúdos, além de outros: estudo de textos argumentativos;
características estruturais dos textos argumentativos, de acordo com o contexto
comunicacional. Desta maneira, objetivamos trabalhar os memes para contemplar o estudo de
textos argumentativos e, a partir deles, proporcionar aos alunos o contato com outros textos da
mesma tipologia.
Kleiman (2002, p.13) afirma que “[...] a compreensão de um texto é um processo que
se caracteriza pela utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já
sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida”. Entendemos que esse conhecimento
prévio contempla o saber linguístico, o saber textual e a leitura de mundo (KLEIMAN, 2002).
Desta maneira, o saber textual se refere à tipologia do texto e/ou ao gênero textual. Nesse
sentido, ao detectarmos os saberes prévios dos alunos, propomos um engajamento pela
leitura, em vez de uma mera recepção passiva. Propusemos, assim, na primeira aula, uma
discussão para identificar quais conhecimentos os alunos têm sobre o gênero meme.
131
Na segunda e terceira aula, realizamos o cotejo dos textos. Marcuschi (2008), ao
abordar a questão da intergenericidade de gêneros, ressalta que:
[...] as designações que usamos para os gêneros não são uma invenção pessoal, mas
uma denominação histórica e socialmente constituída. E cada um de nós já deve ter
notado como costumamos com alta frequência designar o gênero que produzimos.
Possuímos, para tanto, uma metalinguagem riquíssima, intuitivamente utilizada e, no
geral, confiável. Contudo, é difícil determinar o nome de cada gênero de texto
(p.163).
Dessa maneira, entendemos que mais do que identificar esse ou aquele gênero como
meme, o objetivo da aula foi subsidiar o trabalho do professor, no sentido de discutir com os
alunos, a forma estrutural dos memes, seu propósito comunicativo e seu conteúdo. Para tanto,
fez-se necessário o cotejo com outros gêneros discursivos para que os alunos pudessem se
apropriar dos contextos e suportes em que compartilhariam os memes. Nessas duas aulas,
então, apresentamos alguns memes à turma, estabelecendo uma comparação com o gênero
charge, para que pudessem analisar a forma, o conteúdo e estilo dos enunciados, e também
discutissem a respeito da função do gênero meme. Realizamos a discussão e análise dos
memes, a partir da interdiscursividade presente neles, sua finalidade, o humor e a presença de
argumentos.
A partir da análise dos memes, os alunos identificaram o humor presente nos textos e
que este se realiza pela intertextualidade. Partimos deste momento para o cotejo com a charge.
Conforme passo anterior, realizamos a contextualização dos dois textos. Nesta etapa, os
alunos discutiram e analisaram os enunciados, considerando questões como o contexto
político, o conteúdo temático e sua valoração, a forma composicional e o estilo de língua
utilizado, semelhanças e diferenças de um com relação ao outro, mas, principalmente,
verificando o suporte em que os gêneros circulam socialmente. Constataram que meme,
diferente da charge, tem a característica de viralização e popularidade. Para a discussão foram
utilizados os conceitos de forma estrutural, propósito comunicativo, conteúdo, meio de
transmissão, papéis dos interlocutores e contexto situacional, elencados por Marcuschi (2008).
Realizar a atividade descrita possibilitou que os alunos refletissem sobre o meme e
sobre suas várias possibilidades de interpretação, a partir da intertextualidade e
interdiscursividade presentes nos enunciados. A quarta aula objetivou favorecer a prática de
análise de memes sob uma perspectiva dialógica. Para Bakhtin (2002),
De maneira geral, o dito seria o que está na superfície do texto, o visível. O não dito é
o discurso implícito, as “entrelinhas”. O já dito, é o interdiscurso, o que já foi dito em outro
tempo/lugar; é a memória discursiva. Nesse sentido, considerando o meme um enunciado e
que todo enunciado é uma réplica, esse gênero discursivo também abre possibilidades para
novos enunciados. No caso dos memes, não se pode negar sua natureza dialógica, a qual está
na base de sua produção e circulação, pois se não houvesse um já dito que possibilitasse sua
compreensão, não haveria razão na sua intensa e exaustiva circulação.
Escolhemos para a atividade central do protótipo memes de cunho racista, fazendo
análise do meme de Taís Araújo, para que a partir de uma leitura crítica, os alunos pudessem
verificar os argumentos presentes neste texto. A aula iniciou com o meme, posteriormente,
com a frase dita por Taís Araújo que causou a viralização do meme. Foi proposta uma
discussão sobre o meme e a frase:
Figura 5: Meme “Chubby Bubble Girl” com Taís Araújo. Fonte: Catraca Livre
https://bit.ly/thaismeme
Porque, no Brasil, a cor do meu filho é a cor que faz com que as pessoas mudem de
calçada, escondam suas bolsas e blindem seus carros.
Taís Araújo
133
Marcuschi (2008) menciona que:
36
Disponível em: <https://www.huffpostbrasil.com/joao-paulo-porto/porque-eu-sou-negro_a_21680136/>.
134
Quadro 1 - Tema, tese, argumentos
135
Inicialmente, idealizamos criar o painel virtual através de alguma ferramenta digital
online. Os alunos seriam agrupados e cada grupo se responsabilizaria por ‘investigar’ uma
perspectiva do meme em questão. A partir da pesquisa e postagem, novas investigações
poderiam ir surgindo e, posteriormente, outros grupos poderiam contribuir, pois a intenção é
que a ferramenta fosse pública (porém, mediada pela professora). Devido a algumas questões
estruturais, o planejamento das aulas precisou ser revisto e remanejado.
Como as aulas possuem um caráter dialógico, permitimos que os alunos propusessem
como gostariam que fosse o desfecho dessas aulas. Um grupo de alunos relatou que, enquanto
pesquisavam para o possível painel virtual, tiveram contato com a hashtag “Meu Racista
Secreto” (#meuracistasecreto). Durante o mês de outubro de 2018, um membro da rede social
Twitter compartilhou a hashtag, comentando sobre atitudes que, a princípio parecem
inofensivas, mas que reforçam a institucionalização do preconceito racial. Em questão de
poucos minutos, a hashtag viralizou e vários outros membros compartilharam suas impressões
sobre o racismo no Brasil.
Os alunos propuseram expor algumas dessas hashtags (já que era um dos conteúdos
que eles pesquisaram) e outro grupo propôs expor alguns memes racistas com que tiveram
contato, enquanto pesquisavam para o painel virtual. Desta maneira, as duas últimas aulas
foram dedicadas à montagem e exposição do painel final. O título para a exposição dos
memes foi “O racismo nosso de cada dia – quando nosso discurso de ódio se disfarça de
meme”. E o título para as hashtags foi “Racismo, racismo meu, existe alguém mais racista do
que eu?” A exposição ocorreu durante a Mostra Cultural Anual da escola, a qual coincide com
a Semana da Consciência Negra. Enfim, não pudemos realizar o protótipo como o esperado
devido aos recursos, porém, finalizamos o trabalho com memes com uma perspectiva de que
muito ainda há a se propor e pesquisar sobre o assunto.
136
Figura 1: Exposição Painel Físico
Considerações finais
137
Neste capítulo, argumentamos que os memes são um lugar apropriado para começar a
ensinar habilidades de letramento midiático. Apesar de quão simples ou breve um argumento
de um meme possa parecer à primeira vista, esses textos enganosamente pequenos, muitas
vezes, contêm uma confusão emaranhada de discursos para os alunos investigarem
criticamente. Os estudantes devem ter oportunidades para explorar como os memes
contribuem para os discursos públicos e políticas oficiais que afetam a vida real de indivíduos
e grupos.
Referências
138
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140
O uso das tecnologias da informação e da comunicação (TICs) e suas mídias digitais em
escolas de programa de ensino integral
Introdução
141
compartilhamos, aqui, leituras acerca da formação de professores e uso das TICs, bem como
sobre o Ensino Integral Em seguida, apresentamos a metodologia utilizada e compartilhamos
dados coletados. Debruçamo-nos sobre os dados e, finalmente, tecemos nossas considerações
finais.
A sociedade atual demanda uma agilidade que tem sido possibilitada pela utilização,
cada vez maior, das novas tecnologias nas esferas governamentais, empresariais, individuais e
sociais. As grandes mudanças introduzidas pelas TICs possibilitaram o advento da chamada
“sociedade da informação”, que avançou para o termo “sociedade do conhecimento”
evidenciando a importância da interação humana conectada às redes de comunicação,
chegando ao termo “sociedade da aprendizagem”, pela lógica de que não pode haver
conhecimento sem aprendizagem. Assim sendo, “[...] a comunicação é imprescindível para
qualquer organização social, permitindo sua realimentação e sua sobrevivência, pois sem tal
interação, a organização social entra num processo de entropia e morre” (KUNSCH, 1986,
p.29).
Neste contexto, Prensky (2001) afirma que os professores nascidos antes de 1990 são
denominados imigrantes digitais; os alunos, por sua vez, nascidos a partir da década de 90 e
que cresceram cercados pela tecnologia são os chamados nativos digitais. Dessa forma, o
autor enfatiza que, para os educadores, imigrantes digitais, atingirem os nativos digitais, isto
é, todos os seus alunos, terão que mudar e se adaptar à essa nova realidade.
A Resolução do Conselho Nacional de Educação (2019) que criou as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica aponta que a
organização curricular de cada instituição estudará o plano para “[...] o uso de tecnologias da
informação e da comunicação e de metodologias, estratégias e materiais de apoio
inovadores”, previstos no Art. 2º, inciso VI, dessa resolução (Resolução CNE/CP 1, 2002,
p.1).
Os Parâmetros Curriculares (PCNs) para as séries finais, terceiro e quarto ciclos do
ensino fundamental (BRASIL, 1998) retratam a relevância da tecnologia, afirmando que não
há como negar que as novas tecnologias da informação cumprem cada vez mais o papel de
mediar o que acontece no mundo, editando a realidade. O documento contempla, também, a
necessidade de melhorias nas condições físicas das escolas, disponibilizando recursos
142
didáticos, expandindo as viabilidades de uso das tecnologias da comunicação e da
informação.
Paiva (2013), citando o estudo realizado pela associação TESOL (Teachers of English
as Second or other Language), afirma que os computadores não vão substituir os professores,
mas os professores que usam computadores vão substituir os que não o fazem. Neste
contexto, o computador é entendido como representante de todas as ferramentas digitais que
se modificam a cada dia, indicando a necessidade deste profissional se aperfeiçoar
constantemente em relação aos recursos tecnológicos para se manter no mercado de trabalho.
O analfabetismo digital entre educadores é uma realidade, muitos imigrantes digitais
encontram dificuldades, primárias, em novas tecnologias, prejudicando o desenvolvimento do
trabalho pedagógico e dificultando a inserção ao meio digital. É preciso uma mudança de
comportamento e uma aceitação do novo, entender que diante das novas situações
tecnológicas, a educação necessita de professores e alunos que se “entendam”, que aprendam
juntos, proativamente, partilhando saberes. Na era digital é imprescindível sair do
comodismo, reaprender o novo e estar atualizado às exigências do ensino contemporâneo.
Freitas e Segatto (2014 apud DAGNINO et al., 2004) apresentam, detalhadamente,
algumas visões possíveis sobre a tecnologia. Segundo eles, uma seria a visão determinista que
não pode ser controlada pelo homem, sendo força que determina os rumos da humanidade e
cabe aos seres humanos adaptarem-se. Já na visão instrumentalista, a tecnologia é vista como
objeto e um instrumento sempre benéfico e útil para o progresso. Outra seria a substantivista
que, segundo Feenberg (2002), a tecnologia se constitui um novo sistema cultural que altera a
estrutura e controla o mundo social, exercendo poder sobre o homem. A visão crítica afirma
que, embora a tecnologia seja carregada de valores, pode ser controlada. E é esta visão que se
mostra mais adequada para este trabalho, pois entendemos que os professores devem encarar
seu uso como ferramenta disponível para ampliar a capacidade crítica de seus alunos e esta
crítica pode ser feita, inclusive, em relação aos próprios processos sociais decorrentes dos
avanços tecnológicos que influenciam e podem ser influenciados pelos indivíduos.
A formação de professores
Para Moran (2000), com as tecnologias cada vez mais rápidas e integradas, os
conceitos de presença e distância se alteram profundamente e as formas de ensinar e aprender
precisam integrar novas experiências, nas quais se faz necessário reorganizar aquilo que se
conhece em novos moldes, formatos, propostas, desafios. O autor destaca também o papel da
cultura escolar que tem resistido bravamente às mudanças, uma vez que os modelos de ensino
focados no professor continuam predominantes, não sendo fácil mudar esta cultura escolar
tradicional.
Os alunos estão, na forma técnica, prontos para o uso das ferramentas das novas
tecnologias; os professores, por sua vez, nem sempre estão, existindo um descompasso em
relação ao domínio das tecnologias. Em geral, as dificuldades dos professores faz com que
tentem postergar a introdução de tais ferramentas ao processo de ensino e aprendizagem;
aceitam pequenas concessões, sem mudar o essencial.
Moran et al. (2000) apontam que as tecnologias trazem dados, imagens, resumos de
forma rápida e atraente e, nesse contexto, o papel do professor, o papel principal, é o de ajudar
o aluno a interpretar, relacionar, a contextualizar esses dados. O mesmo autor destaca algumas
dificuldades para o uso das novas tecnologias, tais como: gerenciamento emocional; ética
contraditória entre a teoria e a prática; autoritarismo; imaturidade intelectual e emocional;
ausência de pessoas curiosas e entusiasmadas, abertas, que saibam motivar e dialogar;
144
ausência de educador autêntico, humilde e confiante; educadores/pais com um
amadurecimento intelectual, emocional, comunicacional e ético.
Além da figura do professor, administradores, diretores e coordenadores precisam
igualmente ser mais receptivos, dispostos a acatar todas as dimensões que podem vir a
favorecer o processo pedagógico. É essencial que apoiem os professores inovadores, que
equilibrem o gerenciamento empresarial, tecnológico e o humano, contribuindo para que haja
um ambiente de maior inovação, intercâmbio e comunicação. Também há a necessidade de
que os alunos sejam curiosos e motivados.
146
Metodologia
Análise de dados
147
diferenciação relevante entre os aspectos considerados. A pergunta número um visava
identificar se havia o uso de recursos das TICs com os alunos e quais eram as ferramentas
mais usadas. Os números indicados no gráfico referem-se aos números de vezes que os
aplicativos foram mencionados. O gráfico 1 retrata que todos os inquiridos afirmaram que
faziam uso de recursos de comunicação e colaboração on-line, mencionando: Whatsapp, E-
mail, Blogs, Google Drive, Facebook, sites educativos, Currículo +, Google sala de aula,
Drop Box, Internet, Plataforma Foco Aprendizagem37:
Os resultados apontaram a utilização das TICs nas aulas, com certa prevalência de
aplicativos do tipo Whatsapp e E-mail, seguido de Blogs. Tais preferências e pré-disposições
se revelam pelos seus usos e possibilidade de suas aplicações para planejar, divulgar,
compartilhar e avaliar os conteúdos ministrados nas aulas além de servirem de suporte para
(a) armazenar os trabalhos produzidos pelos alunos; (b) postar as aulas do dia a dia, resumos e
vídeos; (c) complementar os estudos; e (d) indicar materiais extraclasse.
A segunda pergunta buscou verificar os recursos mais utilizados para planejamento,
realização e avaliação das aulas. Entre os apontados pelos professores, o mais relevante foi o
E-mail, seguido de Blogs, Whatsapp, Google Drive, Google Sala de Aula; Facebook; Drop
Box; sites educativos; Currículo +; Plataforma Foco Aprendizagem e, por fim, foram citados,
também, You Tube, One Drive, Sites específicos e Sites de pesquisa.
37
Ferramenta fundamentada e definida no Artigo 1º, Resolução SE 40, de 03-06-2016.
148
Essas ferramentas desempenham um papel importante como suporte para armazenar
os trabalhos produzidos pelos alunos que postam as aulas do dia a dia, resumos e vídeos e
complementam os estudos utilizando materiais extraclasse.
Observa-se outra ferramenta denominada Currículo +, assim descrita:
149
respondentes pelo insuficiente número de equipamentos disponibilizados em relação ao
número de alunos de uma turma.
Foi investigada, a partir da quinta pergunta, a existência de formação docente para o
uso dos recursos tecnológicos disponibilizados pelas escolas. Os dados evidenciaram que a
formação para a utilização do aparato tecnológico disponível se resume à troca de
conhecimentos entre os professores e treinamento para uso da lousa digital.
A opinião dos entrevistados sobre a exploração das ferramentas tecnológicas
disponíveis na escola foi questionada. Os respondentes sinalizaram que as ferramentas
tecnológicas disponíveis na escola são exploradas, porém, também, apontaram a falta de
acesso à internet nas salas de aula com utilização somente no laboratório de informática. No
entanto, reconhecem que o uso das ferramentas tecnológicas não ocorre com toda a sua
potencialidade devendo ser mais ampliado para fugir do trivial.
Quando questionados sobre os tipos de atividades desenvolvidas com o auxílio das
ferramentas disponibilizadas, percebeu-se o uso centralizado nas atividades de leitura,
interpretação e produção textual, seguido por atividades de ensino de ortografia. A seguir,
pode-se visualizar as atividades desenvolvidas, por meio do emprego de ferramentas
tecnológicas:
150
softwares educacionais, produção de texto e apresentação de slides, seguidas pela utilização
de plataforma de aprendizagem e projetos relacionados à aprendizagem.
Além dessas atividades, a Escola de Ensino Médio identificou, também, o uso de
netbooks, elaboração de projetos e produção de blogs, utilização da ferramenta PREZI para
trabalhos e seminários, jogos virtuais específicos e animações, como observamos no gráfico a
seguir:
152
que a adequação aos meios eficazes para um ensino de qualidade é primordial na
contemporaneidade. Viseu, Lima e Fernandes (2013) afirmam que muito há a fazer na
formação sobre a mediação dos professores entre as TICs, as atividades educativas que se
desenvolvem e a aprendizagem dos alunos.
Os dados revelaram que a utilização dos recursos tecnológicos poderia ser mais
consistente se houvesse melhor formação para os professores no campo da informática,
domínio das ferramentas e recursos e espaço adequado na escola com computadores e lousa
digital disponíveis na sala de aula.
Buzato (2019) compreende que, em paralelo às grandes perguntas sobre educação e
tecnologia, precisa-se entender o que se espera do professor e da escola como personagens no
processo de transformação. Não se pode ter êxito em um ensino que não corresponde,
minimamente, aos parâmetros e diretrizes necessárias em um contexto educacional
contemporâneo, pois como afirma Santini (2016), as TICs não são simplesmente ferramentas
a serem aplicadas, mas processos sociais a serem desenvolvidos.
Assim sendo, é premente a existência de espaço físico, equipamentos e sistema de rede
adequado, assim como formação adequada aos professores para o uso eficiente das novas
tecnologias da informação e comunicação nas escolas de Programa de Ensino Integral de
Ensino Médio. Observamos, nos dados, que a escola que possui o sistema de ensino integral
implantado, há menos tempo, apresenta maiores deficiências, o que pode sugerir que as
adequações ocorrem a partir da implantação deste novo sistema de ensino e não para sua
implantação. No entanto, ao ser implantado o sistema de tempo integral, todos os recursos
necessários deveriam já estar disponíveis para uso, assim como os docentes capacitados de
forma constante.
Outro fato que pode ser destacado e que pode ter influenciado nos resultados aqui
apresentados é a faixa etária dos educandos, visto que os alunos da segunda escola possuem
maior maturidade e autonomia para a utilização das ferramentas tecnológicas que os da
primeira, os quais mesmo sendo nativos digitais, podem necessitar de maior assessoria na
utilização adequada de tais ferramentas para o ensino.
Como depreendemos por meio desse breve estudo, há ainda um longo caminho a ser
percorrido. Todavia, acredita-se que esta pesquisa sinaliza e confirma a necessidade de uso
eficiente das novas tecnologias da informação e suas mídias digitais, como ferramentas no
ensino visando uma profunda transformação no conceito de ensino e aprendizagem, bem
como de busca por uma conscientização, sensibilização e engajamento prático dos professores
153
em relação a uma educação de qualidade em um ambiente escolar favorável às práticas
educacionais mais próximas ao mundo contemporâneo.
Considerações finais
Referências
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156
Historiografia dos fundamentos da gramática tradicional:
uma primeira abordagem de três textos medievais portugueses
Introdução
157
fundamental. O quadro teórico que orienta as discussões deste capítulo é o da Historiografia
Linguística de Koerner (1989), Swiggers (2004) e Fernandes (2017)38.
38
O autor deste capítulo gostaria de expressar seus agradecimentos ao Professor Doutor Gonçalo Fernandes
(Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Portugal) pela gentileza ao enviar as cópias
digitalizadas dos dois manuscritos e da edição que foram utilizados na elaboração deste capítulo, assim como de
seus artigos a respeito dos mesmos. Também agradece pelo apoio e parceria da Professora Doutora Olga Ferreira
Coelho Sansone (USP, Departamento de Linguística), que atualmente é sua supervisora em um estágio de pós-
doutoramento junto ao CEDOCH-USP, cujo objeto de pesquisa é o impacto da tradição dos estudos sobre
sintaxe no ensino e aprendizagem da Língua Latina na Idade Média ibérica e portuguesa, tradição esta que
remonta, no ocidente latino, ao tratado intitulado Sobre a construção (De constructione) de Prisciano Cesariense
(fl. 500-525 EC).
39
“EC” é a abreviatura para “Era Comum”, um termo alternativo para “d.C.” (depois de Cristo). Com “EC”,
mede-se o tempo a partir do primeiro ano do calendário gregoriano. Portanto, 1000 EC lê-se como “o ano mil da
Era Comum” ou “o milésimo ano da Era Comum”. Nesse sentido, “AEC” equivale a “Antes da Era Comum”,
sendo um termo alternativo para “a.C.” (antes de Cristo). Neste capítulo, utilizam-se “EC” e “AEC” no lugar de
“a.C.” e “d.C.” porque, como se sabe, os períodos que a historiografia ocidental denomina Antiguidade e Idade
Média não foram exclusivamente cristãos em partes dos espaços que hoje são denominados Europa, Norte da
África e Oriente próximo, entre outros, mas, de fato, comportaram culturas e religiões tão diversas entre si
quanto a dos gregos e romanos, o paganismo eslavo e escandinavo e as tradições judaica e muçulmana. Assim,
reconhecida essa diversidade, optou-se neste capítulo pelas mencionadas abreviaturas alternativas.
40
A Escola Catedral de Chartres, que teve Fulberto (c. 952-1020) como primeiro mestre, é um dos centros de
pesquisa mais importantes desse período. Outra escola importante era aquela situada na montanha de Mon
martre (Mons martirii), em Paris, em que Pedro Abelardo (c. 1079-1142) foi professor.
158
clássico e tudo aquilo que ganhara em séculos de cultura monástica eram canalizados para as
cidades.
A produção intelectual dos mosteiros fora feita majoritariamente por clérigos, em
especial aqueles vinculados à ordem de São Bento. Segundo Le Goff (2003, p.44), nas novas
escolas catedrais dos nascentes centros urbanos, esse quadro se modificava: a educação não
era mais voltada unicamente para a formação de monges ou religiosos, mas também para o
preenchimento dos novos quadros administrativos: especialistas em direito civil e canônico,
redatores de documentos oficiais, administradores de cortes e dioceses, gestores de comunas
ou empresas, que, de agora em diante, não teriam necessariamente os mesmos vínculos de
outrora às ordens religiosas. Por conseguinte, não tardou para que esses novos quadros de
clérigos citadinos ou comerciantes letrados iniciassem uma revolucionária mudança de foco
também nos estudos da linguagem. Até ali o estudo das letras restringira-se fundamentalmente
à exegese bíblica e a uma teologia de orientação majoritariamente neoplatônica. Mas isso
mudaria com o acesso a novos livros e conhecimentos por estes veiculados. De fato, no centro
dessa revolução estava a mudança de status do corpus aristotélico, especialmente no que
tange os tratados de Aristóteles (384-322 AEC) sobre lógica e linguagem, que o ocidente
conhecia apenas a partir das traduções de Anício Boécio (séc. VI) para o latim.
Até o séc. XI, as reflexões acerca da Língua Latina permaneciam concentradas em
questões morfológicas e estilísticas, ou seja, os estudos gramaticais eram descritivos e
prescritivos, e os estudos literários eram considerados o ápice da educação linguística. Os
primeiros mestres da escola da catedral de Chartres, por exemplo, preocupavam-se, em seus
tratados gramaticais, com a manutenção de um padrão clássico para o latim. Apesar disso, as
referências aos autores clássicos começavam a ser suplementadas por explanações filosóficas
escritas em uma linguagem mais técnica, que já diferia consideravelmente do latim dos
autores da Antiguidade Romana. Na verdade, essa preocupação pela manutenção de um
padrão clássico para o latim diminuiria na segunda metade do séc. XII. Ademais, junto a essa
diminuição, nota-se que o ocidente deixa Platão e começa a optar pelas explicações de
Aristóteles para questões lógicas, linguísticas e metafísicas. Pouco depois (início do séc.
XIII), as questões estilísticas perdem definitivamente seu status superior nas novas faculdades
de artes das universidades e dão lugar a questionamentos mais abstratos sobre a natureza
profunda dos fenômenos da linguagem. De fato, com o avançar do séc. XIII, os autores
clássicos romanos vão se tornando cada vez menos estudados nas universidades. As
faculdades de artes da Universidade de Paris voltavam-se então de corpo e alma para a lógica
159
e a dialética. A Universidade de Oxford, antes de 1250, vê o aparecimento de pensadores
como Robert Kilwardby e Roger Bacon, estudiosos de tratados árabes, que legariam ao
ocidente, entre tantos outros avanços, a primeira definição de uma gramática de princípios
universais.
Mesmo no séc. XII, mestres como Pedro Helias (c. 1100-1166), discípulo do
neoplatônico Thierry de Chartres (c. 1100-1150) e mestre em Paris, começavam a relacionar a
lógica aristotélica e a gramática de Prisciano (séc. VI EC). A gramática, segundo Pedro
Helias, é uma disciplina autônoma, especulativa e que pode prescindir dos estudos literários
do cânone dos autores clássicos. Pedro Helias, em sua Summa super Priscianum, propõe o
axioma revolucionário de que todos os fenômenos da Língua Latina exigem explicações
funcionais. Pedro Helias também inovou ao fazer uma distinção entre construções item-a-item
e sentenças. Essa distinção é o início de uma gramática de dependências sintáticas, a qual
será desenvolvida pelos gramáticos de meados do século seguinte (c. 1260). Como se sabe,
gramáticas de tipo Phrase-structure, como as do modelo gerativo padrão, postulam
associações entre sintagmas. Segundo Covington (1990), o axioma de Pedro Helias segundo
o qual toda combinação sintática se dá fundamentalmente entre dois itens lexicais e não entre
sentenças é mais verossímil no que diz respeito a consideração da sintaxe de línguas
possuidoras de sistemas de caso nominal, como o latim, o grego antigo, o russo e o koreano,
pois estas línguas têm grande variação na posição dos componentes elementares de suas
estruturas sintáticas.
Como se viu acima, a partir dos primeiros séculos do segundo milênio, a gramática
começou a ser estudada como uma ciência aristotélica41. Além de Pedro Helias, outro mestre
de Chartres, Guilherme de Conches (c. 1080-1154), escreveu um importante comentário sobre
as ideias de Prisciano. Todavia, diferentemente de Pedro Helias, Guilherme de Conches fez
críticas contudentes à inadequação da abordagem de Prisciano em sua descrição da Língua
41
Gilson (1998, p. 686), menciona um livro anônimo anterior a 1250, em que se explica como a Idade Média
fazia distinção entre philosophia de scientia: ‘Philosophia designa a busca e a descoberta das causas... scientia
designa um habitus da alma, isto é, a posse estável de um certo saber’. Habitus é, portanto, uma habilidade
adquirida e estável; por exemplo, saber tocar cítara é habitus de um citaredo. A gramática é uma scientia e não
uma philosophia já que sua análise da linguagem parte de um conjunto de postulados (ou causas, na linguagem
aristotélica) que foram previamente descobertas pela philosophia. Assim, a gramática é uma scientia como a
música e a retórica. A philosophia era subdividida em três ramos: filosofia natural (matemática, física,
metafísica), filosofia moral (direito) e filosofia racional (lógica e dialética). Os princípios da gramática são
descobertos pelas filosofias natural (física e metafísica) e racional (lógica).
160
Latina. Para Conches, haveira falta de consistência teórica (BURSILL-HALL, 1971, p.21) no
uso indiscriminado que Prisciano fizera de critérios semânticos e morfológicos em sua
morfologia. Por conseguinte, Conches acusa Prisciano de ter elegido um critério geral de
análise semântica ao declarar [...] non aliter possunt discerni a se partes orationis, nisi
uniuscuisque proprietates significationum attendamus “não há outra forma de distinguir as
partes do discurso entre si a menos que atentemos para a significação das propriedades de
cada uma” (Institutiones 2, 55, 4-5), mas simplesmente emprestar uma classificação das
palavras que já fora feita pelos gregos alexandrinos séculos antes, sem dar quaisquer
explicações semânticas convincentes. Essas críticas a Prisciano tornar-se-iam cada vez mais
comuns nos trabalhos de gramáticos posteriores a Guilherme de Conches. No final do séc.
XIII, Boécio da Dácia (c. 1240-1280), em um tratado entitulado Modi significandi sive
quaestiones super Priscianum maiorem (Modos de significar ou questões sobre o Prisciano
maior), tecerá criticas a Prisciano no mesmo sentido que Guilherme de Conches o fizera no
final do século anterior: “[...] como Prisciano não explica a gramática por meio do
conhecimento de seu funcionamento interno, sua teoria é muito limitada. Daí que tire muitas
conclusões gratuitas, que justifica recorrendo à autoridade dos gramáticos antigos42 [...]”
(Quaestiones, A, 9)43.
No mesmo tratado, Boécio da Dácia desenvolve uma proposta que havia sido feita por
Roger Bacon cerca de quarenta anos antes (c. 1250)44. Utilizando uma experiência mental,
propõe que seja imaginado um grupo de bebês o qual tivesse sido isolado do contato de
quaisquer outras pessoas e, além disso, fosse criado sem nenhum conhecimento das línguas
faladas. Segundo Boécio da Dácia, os bebês cresceriam e acabariam por inventar
naturalmente a sua própria língua, que seria baseada nos princípios universais da linguagem,
os quais estariam a sua disposição como estão, de fato, a quaisquer outros seres humanos
(LAMBERTINI, 1989, p. 107).
42
[...] cum Priscianus non docuit grammaticam per omnem modum sciendi possibilem in ea, sua doctrina est
valde diminuta, unde constructiones multas dicit, quarum...causas non assignat, sed solum eas declarat per
auctoritates antiquorum grammaticorum [...].
43
As 134 Quaestiones de Boécio da Dácia foram editadas e traduzidas, com introdução e notas, por McDermott
(1980), que as organizou em seis conjuntos de temas específicos, indicados por títulos e letras de A a F. A
questão “A, 9” está incluída no grupo das questões sobre a natureza da gramática em geral.
44
A primeira definição registrada da gramática universal (GU) no ocidente aparece na Grammatica Graeca do
franciscano inglês Roger Bacon (c. 1220-1292): grammatica una et eadem est secundum substantia in omnibus
linguis, licet accidentaliter varietur (“a gramática é a mesma em todas as línguas, embora varie
acidentalmente”). Cerca de vinte anos mais tarde (c. 1270), um grupo de gramáticos da Universidade de Paris,
que passaram a ser conhecidos como modistas (Modistae), em sua maioria de origem dinamarquesa, partiria
desse conceito e das ideias linguísticas do século anterior, principalmente as de Pedro Helias e Guilherme de
Conches, para criar a primeira gramática de dependências sintáticas do ocidente.
161
Se um grupo de pessoas fosse criado em um ambiente completamente afastado da
civilização, de modo que essas pessoas nunca falassem com outros seres humanos
ou os ouvissem, nem jamais recebessem qualquer instrução sobre como deveriam
usar a fala para se comunicar, encontrariam naturalmente o próprio modo de se
comunicar entre si. Porque a fala é uma das operações naturais. [...] Ora, embora os
latinos não tenham conhecimento da gramática dos gregos e vice versa, isso é
devido a aspectos particulares dessas gramáticas, que são adquiridas por meio de
comportamentos que se ensinam e aprendem por hábito, não por razões naturais
(Quaestiones, A, 16)45.
45
Si homines aliqui in deserto nutrirentur ita quod numquam aliorum hominum loquelam audirent nec aliquam
instructinem de modo loquendi acciperent, ipsi suos affectus naturaliter sibi mutuo exprimerent et eodem modo.
Locutio est enim uma de operibus naturalibus [...] Vide tamen, quod licet latinus non intelligit grammaticam
graeci nec e converso, hoc est, quod isti sunt modi accidentales grammaticae per doctinam habiti, et non per
naturam.
46
Fernandes (2017, p.228) afirma que há manuscritos dos grammatici antiqui (“gramáticos antigos”), como
Donato e Prisciano, e dos grammatici juniores (“jovens gramáticos”), como Isidoro de Sevilha (c. 560-636 EC),
Papias Vocabulista da Lombardia (fl. c. 1050), Alexandre Villa Dei, Everardo de Béthune (falecido depois de
1212) e Hugutio de Pisa (1130/1140-1210) nas bibliotecas dos principais mosteiros portugueses: Santa Cruz de
Coimbra e Alcobaça.
162
Questões gramaticais relacionadas à sintaxe começam a aparecer em Portugal a partir
de 1300, em tratados como as Reglas pera enformamos os menỹos en latin (doravante
Reglas), que sofreram grande impacto dos tratados medievais dos gramáticos modistas
(Modistae) do séc. XIII, como o Doctrinale de Alexandre Villa Dei. Alguns dos comentaristas
medievais de Prisciano, como Pedro Helias e Robert Kilwardby (1215-1279), bem como as
grammaticae prouerbiandi (gramáticas bilíngues com explicações em romance) do séc. XV
tiveram forte impacto em textos gramaticais portugueses mais avançados, como o Hic incipit
natabilia que fecit cunctis (Doravante Notabilia).
A Gramática de Pastrana (Grammatica Pastranae), cujo exemplar aqui analisado é
uma edição 149747, foi escrita por Juan de Pastrana, um frade dominicano nascido nas Ilhas
Baleares entre 1400 e 1450. Pouco se sabe a respeito da vida do autor e do período em que
escreveu sua gramática. O fato é que a Gramática de Pastrana veio a ser muito popular no
final do Medievo português; na última década do séc. XV, era adotada como gramática
elementar pela Universidade de Lisboa. As Reglas eram usadas para o ensino de Língua
Latina para estudantes de nível intermediário. Os Notabilia, do cisterciense espanhol Juan
Rodríguez de Carcacena (séc. XV), monge do Mosteiro de Alcobaça, eram voltados para os
estudos avançados da língua de Sêneca e Tomás de Aquino.
Embora nenhum desses textos gramaticais portugueses apresentem definições
explícitas de uma gramática universal como as que se encontram na gramáticas de Roger
Bacon (c. 1250) e no tratado de Boécio da Dácia supracitados, as Reglas (final do séc. XIV)
apresentam uma esquema de substituição de expoentes das relações sintáticas que é
tipicamente modista, tendo sua origem mais remota em Prisciano (séc. VI), e trazendo
conceitos aristotélicos que são essencialmente universalistas: os modos de ser das coisas no
mundo correspondem aos modos como a mente entende e dá significado para essas coisas. De
fato, como a seguir, a maneira como o autor das Reglas apresenta os elementos fundamentais
da sintaxe dos casos nominais da gramática da Língua Latina é essencialmente aristotélica e
universalista.
Nas Reglas, os casos nominais são apresentados da seguinte forma:
Quem faz e quẽ diz é nominatiuo. Cuia a cousa é genitiuo. A quem dam e a quem
dizẽ é datiuo. Aquela cousa que homẽ faz e que homẽ diz é acusatiuo. Per quem
homẽ chama é vocatiuo. Vnde se homẽ tolhe e onde se departe é ablatiuo, cum
47
Trata-se da primeira gramática impressa em Portugal.
163
proposiçõ ou sem proposiçõ (Reglas f. 76 r apud FERNANDES, 2017, p. 231)48.
Abaixo segue uma cópia do incipit (primeiras linhas da página inicial) do manuscrito
original das Reglas:
Fonte: Bodleian Library, University of Oxford, 2009 (MS. Digby 26, fol.76r).
Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal. Disponível em: <http://purl.pt/22005>. Acesso em: 05 ago. 2019
(Edição de 1497 da Gramática de Pastrana).
165
Casos nominais49 Substituições
49
Na Grammatica Speculativa de Tomás de Erfurt (fl. 1300-1320), o caso vocativo “é o modo de significar de
acordo com a propriedade do término da ação que depende de uma ação estimulante ou impelidora, sem o
acréscimo de nenhuma das propriedades adicionais mencionadas acima (a respeito dos outros casos). Isso
significa que, por exemplo, ao se dizer “Ó Henrique!” (o Henrice), esse vocativo só tem a propriedade de
terminar a ação enquanto é dependente dessa ação estimulante ou impelidora” (XIX, 32). O modista Tomás de
Erfurt distinguia actus exercitus (“ação impelidora/estimulante”)e actus significatus (“ação significada”). O ato
de chamar é performativo: o uso da interjeição em associação com o vocativo realiza esse ato – o Henrice. A
ação significada faz parte do constativo correspondente: voco Henricum “Chamo Henrique”. Para Tomás de
Erfurt, o vocativo é o término de uma ação estritamente estimulante porque o vocativo não tem nenhum
significado (função) adicional além da realização do estímulo mental que o acionou (“enquanto é dependente
dessa ação estimulante ou impelidora”). Como o vocativo não tem o mesmo estatudo ontológico dos outros
casos para Tomás de Erfurt, optou-se por deixá-lo fora do quadro acima.
50
As sentenças desta coluna são concluídas na coluna seguinte.
51
Nos exemplos a seguir são empregadas abreviações como: NOM, AC etc. para os casos “nominativo”,
“acusativo” etc.; MASC, FEM, N para “masculino”, “feminino”, “neutro”; P, 1PS, PL, S para “pessoa”,
“primeira pessoa do singular”, “plural”, “singular”; PRON.INTERROG para pronome interrogativo; PRES.IND
para “presente do indicativo”.
166
entendidos como uma pergunta e uma resposta em um breve diálogo (o mesmo para (3) e
(4))52:
As substituições em (2) e (4) confirmam a eficácia dos pronomes como expoentes das
funções oracionais e da regência dos verbos, já que essas partes da frase podem, de fato,
indicar os tipos de relações gramaticais estabelecidas pelo nominal que substituem. Assim,
Socratem.AC e Consiliō.ABL podem ser substituídos pelos expoentes quem.AC e quō.ABL,
que explicitam as regências das formas verbais audio.PRES.IND.AT.1P e vinces.
FUT.IND.AT.2PS, especificando também as funções de objeto direto (ut quem) e adjunto
adverbial (ut quō).
Devido ao uso comum desse esquema na Idade Média, os gramáticos medievais
costumavam denominar a função do nominativo como ut quod (como o “o que”), do genitivo
ut cuius (como o “de que”), do dativo ut cui (como o “para/a que”) e assim por diante. Note-
se que é um procedimento semelhante (guardadas as diferenças do uso do pronome
acompanhado de preposições e explicações semânticas), que se observa seja nas Reglas (c.
1375), seja na Grammatica Pastranae (1497), em que as explicações aparecem já em
português. Mais surpreendente ainda para a historiografia dos estudos da linguagem é a
verificação de que, embora provavelmente de maneira em grande parte inconsciente, é esse o
mesmo esquema de substituições que professoras e professores de português têm usado ao
longo dos séculos na explicitação do conteúdo gramatical das partes da oração no contexto
tradicional de ensino de sintaxe de Língua Portuguesa em nossas escolas. Ou seja, essa prática
de modo nenhum se restringe à Idade Média.
52
As ocorrências (1), (2), (3) e (4) correspondem aos exemplos (18), (16’), (19) e (14’) de Beccari (2012, p.
584).
167
De fato, o uso da substituição pronominal na explicação de funções sintáticas é
observado em gramáticas escolares brasileiras do final do séc. XX, como se pode constatar no
exemplo a seguir, em que se encontra um “artifício para analisar o pronome relativo” da
Gramática em 44 lições de Savioli (1985, p.31):
Os amigos falharam.
sujeito predicado
Na lição 15 do mesmo livro (SAVIOLI, 1985, p.152), cujo assunto é a regência verbal,
o autor apresenta uma tabela de regências verbais em que utiliza o pronome relativo
antecedido de preposições para explicitar a regência de alguns verbos sobre o pronome “que”,
de uma forma que lembra muito o emprego do pronome relativo/interrogativo latino pelos
gramáticos modistas como expoente de funções sintáticas53:
53
O autor utiliza uma seta ligando a coluna dos verbos à das preposições e sobrepõe chaves ao primeiro
elemento de ambas colunas, o que não é reproduzido na citação.
54
Por exemplo, o uso atual de termos calcados na metalinguagem greco-romana para a designação das classes de
palavras (DEZOTTI, 2013).
168
platônicas e estoicas que fundamentam essas explicações. Em suma, não é possível entender a
razão de ser dos conceitos operacionais da Gramática Tradicional sem um conhecimento
prévio de seus fundamentos epistemológicos, os quais não raramente remontam à Antiguidade
e Idade Média.
Considerações finais
169
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do Paraná, Curitiba.
171
Variação linguística no ensino fundamental II: algumas reflexões e proposta de
encaminhamento
Introdução
172
questões reflexivas acerca do preconceito linguístico e a preocupação com a formação
linguística dos alunos.
O contexto educacional brasileiro, talvez não com a rapidez almejada, vem mudando
ao longo das décadas, acompanhando, em certa medida, as transformações da sociedade. Em
meio a tantas idas e vindas das políticas públicas voltadas à educação, considerando-se nesse
bojo também os materiais produzidos e direcionados para as salas de aula, vivemos, ainda,
uma realidade em que o professor é culpabilizado quando o desempenho dos estudantes, no
que toca às práticas de leitura e escrita, é considerado abaixo do esperado. Em meio a essa
política de ensino enviesada, acreditamos que se deve pensar a prática da sala de aula a partir
do empoderamento do docente, não visto como um executor de propostas, mas sim alguém
capaz de dialogar, avaliar e reorganizar os materiais que lhes são direcionados pelas
secretarias e ministérios de educação. Nesse sentido, tomando a questão da variação
linguística, especificamente, e a forma superficial como ela é materializada nos livros
didáticos, retomamos o que expõe Faraco (2008, p.176) ao afirmar que “[...] parece que não
sabemos, de fato, o que fazer com a variação linguística na escola. E o que temos feito é
seguramente bastante inadequado”. Diante disso, diversos questionamentos são feitos frente a
tal situação, com o intuito de suscitar discussões acerca do papel do professor a respeito desse
conteúdo, no caso do ensino de Língua Portuguesa.
Evidentemente, partilhamos da ideia de que a língua, sendo uma atividade social
praticada por todos os seus falantes, é heterogênea, múltipla, variável. Em outras palavras:
173
Amplo continuum (o conjunto de variedades prestigiadas, faladas pelos
cidadãos de maior poder aquisitivo, de maior nível de escolarização e de maior
prestígio sociocultural);
e Conjunto de variedades estigmatizadas (faladas pela imensa maioria da
nossa população, seja nas zonas rurais, seja nas periferias e zonas degradadas das
nossas cidades.
Ou seja, ainda se enfatiza o modo “certo” e “errado” de se dizer as coisas. Nesse caso,
a língua é considerada um produto homogêneo e artificial, em que se ressalta o “falar bem” e
o “escrever bem”. Somando-se a isso, o que observamos muitas vezes é um ensino pouco, ou
melhor dizendo, nada reflexivo em relação ao verdadeiro funcionamento da língua e seus
diversos usos nas mais diferentes situações de comunicação com as quais os falantes se
deparam em seu cotidiano.
Faraco (2008) é bem enfático, ao afirmar que cabe ao professor de Português nos dias
de hoje:
[...] reunir esforços para construir uma pedagogia da variação linguística que não
escamoteie a realidade linguística do país (reconheça-o como multilíngue e dê
destaque crítico à variação social do português); não dê um tratamento anedótico ou
estereotipado aos fenômenos da variação; localize adequadamente os fatos da norma
culta/comum/standard no quadro amplo da variação e no contexto das práticas
sociais que a pressupõem; abandone criticamente o cultivo da norma-padrão;
estimule a percepção do potencial estilístico e retórico dos fenômenos da variação.
(p.180)
Ou seja, em vez de de formarmos alunos com “[...] acesso amplo das práticas
socioculturais em toda a sua diversidade, universo este em que as linguagens (e a linguagem
verbal em especial) têm papel constitutivo” (FARACO; ZILLES, 2015, p.9), formamos
alunos que se sentem inaptos ao usar a língua. Essa sensação de impotência perpassa toda a
escolaridade do aluno, ao ponto de ouvirem-se comentários como “Eu odeio português!” ou
“Aprender português é aprender gramática”.
Nessa mesma direção, Faraco (2008, p.158) sustenta que o ensino de gramática só tem
sentido se “[...] os conteúdos estão claramente subordinados ao domínio das atividades de fala
e escrita, isto é, se eles têm efetiva relevância funcional”. Acrescenta, ainda, que o aluno deve
compreender a língua em sua realidade sociocultural e histórica, ou seja, “[...] a língua como
um conjunto múltiplo e entrecruzado de variedades geográficas, sociais, estilísticas, de
registros e de gêneros textuais e discursivos” (FARACO, 2008, p.160).
Além disso, ao estudarmos a variação linguística dentro do contexto escolar, pensamos
a língua como representação da identidade de cada aluno. Ou seja, reconhecer a variedade
linguística que cada aluno traz é o reconhecimento de sua condição como sujeito dentro da
sociedade, como afirma Bortoni-Ricardo (2005):
[...] a linguística recomenda que a norma culta seja ensinada nas escolas, mas que
paralelamente, se preservem os saberes sociolinguísticos e os valores culturais que o
aluno já tenha aprendido antes, no seu ambiente social. Resguarda-se, assim, o
direito que o educando possui à preservação de sua identidade cultural específica,
seja ela rural ou urbana, popular ou elitista. A aprendizagem da norma culta deve
significar uma ampliação da competência linguística e comunicativa do aluno, que
deverá aprender a empregar uma variedade ou outra, de acordo com as
circunstâncias da situação de fala. (p.25-26)
O problema está nas formas como lidamos com essa diversidade. O problema
está na forma como representamos para nós essa diversidade. O problema está nas
imagens saturadas de valores negativos que temos dessa diversidade e nas imagens
saturadas de valores negativos que temos de nós como falantes. Aí reside a fonte das
imensas dificuldades que temos para reconhecer nossa cara linguística. Por
consequência, continuamos a ser uma sociedade atolada em pesados equívocos e
estigmas linguísticos. E continuamos a ser uma sociedade que tem grandes
175
dificuldades para oferecer uma educação linguística de qualidade para seus cidadãos.
(p.181-182)
Sendo assim, o professor deveria ter insumos para compreender que seu trabalho pode
esclarecer as consequências sociais do preconceito linguístico. A escolha de uma variedade
linguística por outra é individual, subjetiva e não constitui erro. Dessa forma, seria possível
compreender que a língua não deve ser usada como instrumento de exclusão social nem de
discriminações. De uma maneira mais ampla, compreendemos que um ensino de Língua
Portuguesa que leve em consideração a diversidade da língua deve partir de sua
multiplicidade de manifestações, por meio da infinidade de gêneros textuais. Em outras
palavras, a compreensão do fenômeno da heterogeneidade passa por meio da diversidade
semiótica dos textos.
176
abordam todos os tipos de variação, apesar de as atividades e conteúdo manterem-se na
superficialidade do tema.
Figura 1: Exemplo de atividade sobre variação linguística (apud FIGUEIREDO et al., 2012, p.199).
Quando analisamos os exercícios propostos para este texto (cf. figura 2), percebemos
que há diversas inadequações ao abordar a temática da variação linguística. No primeiro
exercício, o aluno deve explicar o que aconteceu nas duas cenas da tirinha. No segundo
exercício, o aluno é questionado sobre o modo de falar da tia de Mutum. Já a terceira
atividade gira em torno das palavras fartura e fartando, que são as geradoras do mal-
177
entendido na tirinha. Acreditamos que a relação materializada entre essas duas palavras não
foi coerente, uma vez que não pertencem à mesma família etimológica. Ademais, a confusão
entre as palavras denota certo desconhecimento vocabular da tia, no caso uma personagem
representativa da fala rural. Isso reforça o estereótipo do caipira ignorante.
Outra questão que chama a atenção é o exercício seis, o qual espera que o aluno
compare as palavras faladas pela tia de Mutum (mar, recramá, fartando) com as mesmas
palavras escritas de outra maneira (mal, reclamar, faltando). Percebemos que há a intenção de
que o aluno dê uma avaliação sobre as palavras, ou seja, induz o aluno a dizer o que as
palavras têm de diferente, como uma forma subentendida de dizer qual das duas formas é a
melhor. O último exercício referente à tirinha de Mutum faz o aluno pensar se as personagens
compartilham da mesma maneira de falar.
Cremos que as atividades como um todo poderiam ter sido elaboradas de forma
diferente. Para que houvesse uma melhor compreensão do exercício, as autoras poderiam
lançar mão dos três contínuos propostos por Bortoni-Ricardo (2004). Esses contínuos foram
estabelecidos, com o objetivo de compreender mais facilmente a variação do português
brasileiro. Em seu livro Educação em Língua Materna: a sociolinguística na sala de aula,
Bortoni-Ricardo (2004) compara os contínuos a linhas imaginárias.
O contínuo de urbanização nos mostra que há, em seus extremos, as variedades rurais
e as variedades urbanas. Estas, ao longo do processo sócio-histórico, tiveram influência de
codificação linguística. Aquelas ficavam muito isoladas pela geografia e não sofriam
influência de agências padronizadoras, como a escola. No espaço entre essas variedades, há
uma zona rurbana, a qual é formada por “[...] migrantes de origem rural que preservam seus
antecedentes culturais, principalmente no seu repertório linguístico [...] que estão submetidas
à influência urbana” (BORTONI-RICARDO, 2004, p.52).
No contínuo de oralidade-letramento, dispomos os eventos de interação em eventos de
letramentos (aqueles que são mediados pela língua escrita) e em eventos de oralidade (aqueles
em que não há influência direta da língua escrita). Cabe ressaltar que “[...] as fronteiras são
fluidas e há muitas sobreposições” (BORTONI-RICARDO, 2004, p.62). Em outras palavras,
“[...] uma conversa à mesa de bar é um evento de oralidade, mas, se um dos participantes
começa a declamar um poema que ele recolheu em suas leituras, o evento passa a ter
influências de letramento” (BORTONI-RICARDO, 2004, p.62).
No contínuo de monitoração estilística, os eventos de comunicação são classificados
como interações extremamente espontâneas até aquelas previamente planejadas e que
178
demandam atenção do falante. Ou seja, a monitoração da interação é influenciada por diversos
fatores, como o ambiente, o interlocutor e o tópico de conversa. Isso interferirá diretamente na
maneira como iremos interagir.
Dessa forma, a atividade estaria mais completa do ponto de vista sociolinguístico, se o
material disponibilizasse aos alunos o esquema dos contínuos, a fim de examinar as falas das
personagens e localizá-las dentro dos contínuos. Além disso, para complementar o exercício,
o professor poderia trazer vários exemplos de interações verbais, principalmente as gravadas,
para que os alunos localizassem os eventos de fala. A seguir, pode-se visualizar as atividades
referentes à tira de Mutum (FIGUEIREDO et al., 2012, p.200):
179
A escola não pode ignorar as diferenças sociolinguísticas. Os professores e,
por meio deles, os alunos têm que estar bem conscientes de que existem duas ou
mais maneiras de dizer a mesma coisa. E mais, que essas formas alternativas servem
a propósitos comunicativos distintos e são recebidas de maneira diferenciada pela
sociedade. Algumas conferem prestígio ao falante, aumentando-lhe a credibilidade e
o poder de persuasão; outras contribuem para formar-lhe uma imagem negativa,
diminuindo-lhe as oportunidades. Há que se ter conta ainda que essas reações
dependem das circunstâncias que cercam a interação. [...] O caminho para uma
democracia é a distribuição justa de bens culturais, entre os quais a língua é o mais
importante. (2005, p.15)
Em outras palavras, esperamos que haja políticas de formação inicial e continuada que
auxiliem o docente manter-se atualizado em relação às pesquisas da área linguística, a fim de
que o ensino da variação linguística seja abordado de forma integradora. A variação
linguística não deve ser abordada isoladamente, mas sim, levar em conta todas as áreas da
Língua Portuguesa para trabalhar com a temática. Dessa forma, o aluno poderá ter condições
de compreender a diversidade linguística e seus desdobramentos na sociedade.
180
Proposta de encaminhamento
181
Avaliação: Avaliação diagnóstica da produção inicial. Avaliação formativa durante o
processo, observando como cada aluno se sai durante as atividades propostas. A avaliação
somativa será feita exclusivamente sobre a produção final.
Módulo 1 (3 aulas)
Neste módulo, os alunos serão convidados a assistir ao vídeo da música “Zaluzejo”, do
grupo O Teatro Mágico56. É interessante que os alunos tenham em mãos a letra da música,
pois o professor pedirá que analisem diversas partes do texto. Depois da audição da música, o
professor proporá questões de reflexão sobre o conteúdo da letra, centralizando a questão da
variação linguística e suas consequências na sociedade. Além disso, o professor explicará os
três contínuos de Bortoni-Ricardo (2004).
Questões norteadoras
a) Qual é o assunto da letra da música?
b) Qual é a intenção do autor da música ao colocar, num primeiro momento, a fala de
uma mulher?
c) Do seu ponto de vista, você acredita que a mulher, ao falar dessa maneira, sofrerá
algum tipo de preconceito? Por quê?
d) Levando em conta os três contínuos propostos por Bortoni-Ricardo (2004), como
podemos situar a fala da mulher?
e) Em sua opinião, por que as palavras estão escritas erradas? Justifique.
f) Escreva corretamente as palavras grafadas inadequadamente. A música causaria o
mesmo efeito? Explique.
g) Como podemos relacionar a letra da música com a variação linguística?
55
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=KEk00PsiQcE>.
56
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UdsxywBK2D4>.
182
h) No verso: “Acredito que errado é aquele que fala correto e não vive o que diz”, o
que o autor da música quis dizer com isso? Você concorda com ele? Justifique.
Considerações finais
183
Um aluno consciente dos mais diversos usos da língua, como também ciente das
consequências que esses usos lhe possam trazer.
Terminamos este capítulo com a esperança de que nossa proposta seja útil para os
inúmeros professores de língua materna, os quais lutam diariamente por um ensino melhor.
Sabemos das dificuldades que enfrentamos em sala de aula, mas acreditamos que não
devemos nos acomodar diante da situação. Nas palavras de Antunes (2003, p.37), é preciso
“[...] que aceitemos, ativamente e com determinação o desafio de rever e de reorientar a nossa
prática de ensino de língua”. Se não fizermos isso, a variação linguística ou qualquer outro
conteúdo de língua portuguesa será trabalhado inutilmente e nós, professores, teremos a
certeza de que não fizemos o nosso papel de educador.
Referências
184
VERÍSSIMO, L. F. Pechada. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=KEk00PsiQce>. Acesso em: 08 ag. 2019.
ZILLES, A. M. S.; FARACO, C. A. (Orgs.). Pedagogia da variação linguística: língua,
diversidade e ensino. São Paulo: Parábola, 2015.
185
Os autores
Adriana Gonzaga Lima Corral é graduada em Letras, pela Universidade de Marília. Possui
Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), pela Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho” – UNESP, Câmpus de Assis, Estado de São Paulo. Tem experiência na
área de Leitura, Literatura e Formação do Leitor, atuando principalmente nos seguintes temas:
contação de histórias, literatura infantil e juvenil. Membro do Grupo de Pesquisa: Leitura e
Literatura na Escola (UNESP-Assis/SP). Contato: adriana_corral@hotmail.com.
Alessandro Jocelito Beccari é mestre e doutor em Letras pela UFPR (2013). No mestrado e
doutorado, optou pela linha de pesquisa de História e Filosofia da Linguística. Estudou a
produção gramatical do final da Idade Média e traduziu a Gramática especulativa, de Tomás
de Erfurt (c. 1310). É professor das disciplinas de Língua Latina do Curso de Graduação em
Letras e docente do Mestrado Profissional ProfLetras, ambos na FCL-Unesp/Assis. Nos
últimos anos, suas pesquisas têm se concentrado na tradução e análise do livro XVII, Sobre a
construção, das Instituições gramaticais de Prisciano de Cesareia (séc. VI). Está atualmente
em um estágio de pós-doutorado, em que estuda o impacto das ideias de Prisciano e dos
gramáticos especulativos em textos gramaticais portugueses dos séculos XIV e XV; seu
estágio ocorre junto ao CEDOCH-DL/USP, com supervisão da Dra. Olga Ferreira Coelho
Sansone e cossupervisão do Dr. Gonçalo Fernandes (UTAD, Portugal). Contato:
jbeccari1@yahoo.com.br.
186
Possui especialização em Neuroaprendizagem pela Faculdade São Braz Educacional (2016).
Atua desde 2015 como professora da Educação Básica I, na rede municipal de Cerqueira
César. Atualmente, desenvolve pesquisa como aluna regular no Mestrado Profissional em
Letras, UNESP-Assis, com financiamento CAPES; Área de Concentração: Linguagens e
Letramentos; Linha de Pesquisa, LEITURA E PRODUÇÃO TEXTUAL: diversidade social e
práticas docentes. Contato: andreiasuli@hotmail.com.
Eliane Aparecida Galvão Ribeiro Ferreira é doutora em Letras pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, Câmpus de Assis, Estado de São Paulo, na área
de Literaturas de Língua Portuguesa. Possui experiência em Literatura, Leitura e Ensino, com
ênfase em Formação do Leitor. Temas de pesquisa mais recorrentes: leitura, literatura infantil
e juvenil, e formação de leitores. Professora assistente doutora na graduação e pós-graduação
da Faculdade de Ciências e Letras – FCL da UNESP, Câmpus de Assis-SP. Membro dos
Grupos de Pesquisa: Leitura e Literatura na Escola (UNESP-Assis/SP); Literatura Infantil e
Juvenil: análise literária e formação do leitor (UTFPR-Curitiba/PR); RELER – Grupo
Interinstitucional de Pesquisa em Leitura (PUC-Rio/RJ). E Membro do Grupo de Trabalho
“Leitura e Literatura Infantil e Juvenil”, junto a ANPOLL. Contato: eliane.galvao@unesp.br.
Gerson Luiz de Moraes é graduado em Letras pela Faculdade de Ciências e Letras Carlos
Queiroz de Santa Cruz do Rio Pardo/SP e em Pedagogia pela UNAR – Centro Universitário
de Araras “Dr. Edmundo Ulson”, Mestre em Letras pelo Programa de Mestrado Profissional –
ProfLetras na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” na área de
187
Linguagens e Letramentos. Atua como professor efetivo na Rede Estadual da Educação do
Estado de São Paulo desde 2008. Contato: gerson459@gmail.com.
Karin Adriane Henschel Pobbe Ramos possui doutorado em Letras, pela Universidade
Estadual Paulista (UNESP), concluído em 2004, e mestrado em Letras, pela mesma
instituição, concluído em 1999. Atualmente, é Professora Assistente Doutora da Universidade
Estadual Paulista (FCL/UNESP/Assis), junto ao Departamento de Educação, no conjunto das
disciplinas de Metodologias de Ensino de Língua e Literaturas Vernáculas. Na FCL Assis,
exerce as funções de coordenadora do Núcleo de Letras Português do Programa Residência
Pedagógica. Atua no Programa de Pós-graduação em Letras e no Programa de Mestrado
Profissional em Letras (PROFLETRAS/CAPES) da UNESP. Desenvolve pesquisa na área de
ensino e aprendizagem de português como língua materna e como língua estrangeira,
formação de professores, e difusão de cultura, língua e literatura em contextos de
telecolaboração. Contato: karin.ramos1@gmail.com.
Kátia Rodrigues Mello Miranda possui Doutorado e Mestrado em Letras, pela Universidade
Estadual Paulista – UNESP. Atualmente, é Professora Assistente da Faculdade de Ciências e
Letras de Assis – UNESP, junto ao Departamento de Letras Modernas, no conjunto das
disciplinas de Língua Espanhola, e atua no Programa de Mestrado Profissional em Letras –
PROFLETRAS da mesma instituição. Realiza atividades de supervisão da área de Língua
Espanhola no Centro de Línguas e Desenvolvimento de Professores (CLDP) da UNESP/Assis
e coordenação das oficinas de Espanhol da UNATI, entre outras. Desenvolve pesquisa na área
de formação inicial e continuada de professores de línguas, ensino e aprendizagem de
188
português/LM e espanhol/LE, literatura e ensino de línguas, literatura de autoria feminina e
narrativa de extração histórica. Contato: katiarmellomiranda@gmail.com.
Maria Alice de Castro Alves possui mestrado em Letras, pelo Programa de Mestrado
Profissional PROFLETRAS da Universidade Estadual Paulista, concluído em 2019, e possui
graduação em Letras pela Universidade de Brasília, concluída em 2012. Atualmente é
professora da Educação Básica na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Tem
experiência na área de Letras, com ênfase em língua portuguesa e gêneros do discurso.
Contato: liacruzes@hotmail.com.
189
Maria Fernanda Migliorini Fogolin é graduada em Letras pelas Faculdades Integradas de
Jaú. Possui Especialização em Teorias Linguísticas e Ensino pela UNESP, Câmpus de
Araraquara/SP. Possui Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS) pela Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, Câmpus de Assis, estado de São
Paulo. Atualmente, é docente efetiva da rede estadual de ensino, atuando nos anos finais do
Ensino Fundamental e Ensino Médio. Contato: fermigliorini@hotmail.com
Sérgio Fabiano Annibal é Doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista "Julio
de Mesquita Filho" – UNESP/Marília (2009), bem como Licenciado e Bacharel em Letras
pela UNESP/Araraquara (2001). Realizou Pós-doutorado na Université de Cergy-
Pontoise/França (2018), Estágio de doutoramento na Faculdade de Psicologia e Ciências da
Educação da Universidade de Lisboa/Portugal (2008-2009) e Mestrado em Estudos Literários
na UNESP/Araraquara (2004). Atualmente, é Professor do Departamento de Educação da
UNESP/Assis na disciplina de Didática nos cursos de Ciências Biológicas e Letras.
Professor/Orientador do Programa de Pós-Graduação em Letras da UNESP/Assis e
Professor/Orientador do Mestrado Profissional em Letras da UNESP/Assis. Tem experiência
de pesquisa em Formação de Professores, Ensino de Literatura e Currículo. É líder do Grupo
de Estudos e Pesquisas sobre Linguagem, Ensino e Narrativa de Professores (Geplenp) da
UNESP/Assis. Contato: sergioannibal@gmail.com.
190
Telma Aparecida Luciano Alves é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Estadual Paulista – UNESP/Assis, na área de Literatura e Vida Social. Mestre
em Letras, pelo ProfLetras – mestrado profissional em Letras, pela Universidade Estadual
Paulista – UNESP/Assis (2018). Mestre em Educação, pela Universidade do Oeste Paulista –
UNOESTE /Presidente Prudente, na Área de Formação e Prática Pedagógica do Profissional
Docente (2011). Especialista em Gestão para Diretores pela Universidade de São Paulo –
USP/São Paulo (2011). Especialista em Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade
Estadual Paulista – UNESP/Assis (2005). Licenciada em Pedagogia pelo Instituto
Educacional de Assis – IEDA/Assis (2005). Licenciada em Letras, pela Universidade
Estadual Paulista – UNESP/Assis (1998). Atualmente, é professora efetiva de Língua
Portuguesa na Secretaria Estadual de Educação, exercendo a função de Professora
Coordenadora do Núcleo Pedagógico da Diretora de Ensino de Assis. Contato:
telmalual@gmail.com.
191
Eliane Aparecida Galvão Ribeiro Ferreira
Karin Adriane Henschel Pobbe Ramos
Kelly Cristiane Henschel Pobbe de Carvalho
(Organizadoras)