NETTO, José Paulo. Introdução Ao Método de Marx.
NETTO, José Paulo. Introdução Ao Método de Marx.
NETTO, José Paulo. Introdução Ao Método de Marx.
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T ODUÇÃO
ESTUDO
É TODO
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JOSÉ PAULO NETTO
INTRODUÇÃO
AO ESTUDO DO
MÉTODO DE MARX
1 • EDiçAo
EDITORA
EXPRESSÃO POPULAR
coo 335.411
335.5
BibliOtecária: Elane M. S. Jovanovtch CRB 9/1250
Introdução ............................................................. 9
Interpretações equivocadas ................................. 11
O método de Marx: uma longa
elaboração teórica ................................... .............. 16
Teoria, método e pesquisa .................................... 19
As formulações teórico-metodológicas .............. 28
O método de Marx ............... .. .............................. 51
l
'
Todo começo é difícil em qualquer ciência.
Karl Marx
Introdução
I
interessados na compreensão rigorosa da sociedade
em que vivemos (donde, inclusive, o caráter da bi-
bliografia, citada apenas em idiomas conhecidos).
Mas é preciso levar tal referência sempre em conta,
porque uma parcela considerável das polêmicas
em torno do pensamento de Marx parte tanto de
motivações científicas quanto de recusas ideológi-
cas - afinal, Marx nunca foi um obediente servidor
da ordem burguesa: foi um pensador que colocou,
na sua vida e na sua obra, a pesquisa da verdade a
serviço dos trabalhadores e da revolução socialista.
Interpretações equivocadas
O estudo da concepção teórico-metodológica
de Marx apresenta inúmeras dificuldades - desde
as derivadas da sua própria complexidade até as
que se devem aos tratamentos equivocados a que
obra marxiana foi submetida. Antes de tangenciar
as dificuldades específicas do tema, cabe mencionar
rapidamente alguns equívocos que decorrem das
interpretações que deformaram, adulteraram e/ou
falsificaram a concepção teórico-metodológica de
Marx.
Paradoxalmente, quando se analisam os equí-
vocos e as adulterações existentes acerca desta
José Pou lo Ne t to 11
eles tanto os próprios seguidores de Marx quanto
seus adversários e detratores. Uns e outros, por
razões diferentes, contribuíram decisivamente para
desfigurar o pensamento marxiano.
No campo marxista, as deformações tiveram
por base as influências positivistas, dominantes nas
elaborações dos principais pensadores (Plekhanov,
Kautsky) da Segunda Internacional, organização
socialista fundada em 1889 e de grande importância
até 1914. Essas influências não foram superadas -
antes se virat!l agravadas, inclusive com incidências
neopositivistas - no desenvolvimento ideológico
ulterior da Terceira Internacional (organização co-
munista que existiu entre 1919 e 1943), culminando
na ideologia stalinista. Delas resultou uma repre-
sentação simplista da obra marxiana: uma espécie
de saber total, articulado sobre urna teoria geral
do ser (o materialisnw dialético) e sua especificação
em face da sociedade (o materialismo histórico).
Sobre esta base surgiu farta literatura manualesca,
apresentando o método de Marx como resurnível
nos "princípios fundamentais" do materialismo
dialético e do materialismo histórico, sendo a lógica
dialética "aplicável" indiferentemente à natureza e
à sociedade, bastando o conhecimento das suas leis
(as célebres "leis da dialética'') para assegurar o bom
l
andamento das pesquisas. Assim, o conhecimento
da realidade não demandaria os sempre árduos
esforços investigativos, substituídos pela simples
"aplicação" do método de Marx, que haveria de
"solucionar" todos os problemas: uma análise "eco-
nômica" da sociedade forneceria a "explicação" do
sistema político, das formas culturais etc. Se, num
texto célebre dos anos 1960, Sartre (1979) ironizava
os resultados obtidos desta maneira, já muito antes,
numa carta de 5 de agosto de 1890, Engels protes-
tava contra procedimentos deste gênero, insistindo
em que a
Mas a nossa [de Marx e dele) concepção da história é, so-
bretudo, um guia para o estudo [...] É necessário voltar a estudar
toda a história, devem examinar-se em todos os detalhes as
condições de existê11cia das diversas formações sociais antes
de procurar deduzir delas as ideias políticas, jurídicas,
estéticas, filosóficas, religiosas etc. que lhes correspondem.
(Marx-Engels, 2010, p. 107; itálicos não originais).
- -~--"
mente, contudo, ela foi retomada por um teórico
pós-moderno de grande influência no Brasil (Santos,
1995, p. 36-38, 243), a que dediquei uma nota crítica
(Netto, 2004, p. 223 e ss.).
Praticamente todas essas interpretações equi-
vocadas podem ser superadas - supondo-se um
leitor sem preconceitos - com o recurso a fontes
que operam uma análise rigorosa e qualificada da
obra marxiana como, por exemplo, os diferenciados
estudos de Rosdolsky (2001), Dal Pra (1971), Lukács
(1979), Dussel (1985), Bensa1d (1999, terceira parte)
e Mészáros (2009, cap. 8).
Entretanto, é a recorrência aos próprios textos
de Marx (e, eventualmente, de Marx e Engels) que
propicia o material indispensável e adequado para
o conhecimento do método que ele descobriu para
o estudo da sociedade burguesa.
J os~ Pa ut o Netto 17
realizado a partir do Renascimento e da ilustração.
Com efeito, a estruturação da teoria marxiana
socorreu-se especialmente de três linhas-de-força
do pensamento moderno: a filosofia alemã, a eco-
nomia política inglesa e o socialismo francês (Lenin,
1977, p. 4-27 e 35-39). Numa palavra: Marx não fez
tábula rasa do conhecimento existente, mas partiu
criticamente dele.
Cabe insistir na perspectiva crítica de Marx em
face da herança cultural de que era legatário. Não
se trata, como pode parecer a uma visão vulgar de
"crítica", de se posicionar frente ao conhecimento
existente para recusá-lo ou, na melhor das hipóte -
ses, distinguir nele o "bom" do "mal". Em Marx,
a crítica do conhecimento acumulado consiste em
trazer ao exame racional, tornando-os conscientes,
os seus fundamentos, os seus condicionamentos e os
seus limites - ao mesmo tempo em que se faz a ve-
rifi.cação dos conteúdos desse conhecimento a partir
dos processos históricos reais. É assim que ele trata a
filosofia de H egel, os economistas políticos ingleses
(especialmente Smith e Ricardo) e os socialistas que
o precederam (Owen, Fourier et alii).
Avançando criticamente a partir do conhecimento
acumulado, Marx empreendeu a análise da sociedade
burguesa, com o objetivo de descobrir a sua estrutura
J os é Paulo Netto 21
para existir. O objetivo do pesquisador, indo além
da aparência fenomênica, imediata e empírica- por
onde necessariamente se inicia o conhecimento,
sendo essa aparência um nível da realidade e, por-
tanto, algo importante e não descartável-, é apreen-
der a essência (ou seja: a estrutura e a dinâmica)
do objeto. Numa palavra: o método de pesquisa que
propicia o conhecimento teórico, partindo da aparência,
visa alcançar a essência do objeto2 • Alcançando a es-
sência do objeto, isto é: capturando a sua estrutura
e dinâmica, por meio de procedimentos analíticos
e operando a sua síntese, o pesquisador a reproduz
no plano do pensamento; mediante a pesquisa,
viabilizada pelo método, o pesquisador reproduz,
no plano ideal, a essência do objeto que investigou.
O objeto da pesquisa tem, insista-se, uma exis-
tência objetiva, que independe da consciência do
pesquisador. Mas o objeto de Marx é a sociedade
2
Para Marx, como para todos os pensadores dialéticos, a distin ção entre
aparência e essência é primordial; com efeito,"toda ciência seria supér-
flua se a form a de manifestação [a aparên cia] e a essência das coisas
coincid issem imediatamente" (Marx, 1974b, p. 939); mais ainda: "As
verdades científicas serão sempre paradoxais se julgadas pela experiên-
cia de todos os dias, a qual somente capta a aparência enganadora das
coisas" (Marx, 1982, p. 158). Fbr isso mesmo, para Marx, não cabe ao
cien tista "olhar", "mirar" o seu objeto - o "olhar" é muito próprio dos
pós-modernos, cuja epistemologia"suspeita da distinção entre aparên-
cia e realidade" (Santos, 1995, p. 331).
burguesa- um sistema de relações construído pelos
homen s, "o produto da ação recíproca dos homens"
(Marx, 2009, p. 244). Isto significa que a relação
sujeito/objeto no processo do conhecimento teórico
não é uma relação de externalidade, tal como se dá,
por exemplo, na citologia ou na física; antes, é uma
relação em que o sujeito está implicado no objeto.
Por isso mesmo, a pesquisa - e a teoria que dela
resulta - da sociedade exclui qualquer pretensão
de "n eutralidade", geralmente identificada com
"objetividade" (acerca do debate que, sobre a "ob-
jetividade", se acumulou n as ciências sociais e na
tradição marxista, cf. Lówy, 1975, p. 11-36).
Entretanto, essa característica não exclui a obje-
tivídade do conhecimento teórico: a teoria tem uma
instância de verificação de sua verdade, instância que
é a prática social e histórica. Tomemos um exemplo:
da sua análise do m ovimento do capital, Marx
(1968a, p. 712-827) extraiu a lei geral da acumulação
capitalista, segundo a qual, no modo de produção
capitalista, a produção da riqueza social implica,
necessariamente, a reprodução contínua da pobre-
za (relativa e/ou absoluta); nos últimos 150 anos, o
desenvolvimento das formações sociais capitalistas
somente tem comprovado a correção de sua aná-
lise, com a "questão social" pondo-se e repondo-
Jo s é Paulo Nett o 23
se, ainda que sob expressões diferenciadas, sem
solução de continuidade. E ainda outro exemplo:
analisando o mesmo movimento do capital, Marx
(1974, 1974a e 1974b) descobriu a impossibilidade de
o capitalismo existir sem crises econômicas; também,
no último século e meio, a prática social e histórica
demonstrou o rigoroso acerto dessa descoberta.
Essas e outras projeções plenamente confirmadas
sobre o desenvolvimento do capitalismo não se
devem a qualquer capacidade "profética'' de Marx:
devem-se a que sua análise da dinâmica do capital
permitiu-lhe extrair de seu objeto "a lei econômíca
do movimento da sociedade moderna" (Marx, 1968,
p. 6) - não uma "lei" no sentido das leis físicas ou
das leis sociais durkheimianas "fixas e imutáveis",
mas uma tendência histórica determinada, que pode
ser travada ou contrarrestada por outras tendências3 •
J osé Pa ut o Netto 25
observação, recolha de dados, quantificação etc.4 Es-
ses instrumentos e técnicas são meios de que se vale o
pesquisador para "apoderar-se da matéria", mas não
devem ser identificados com o método: instrumentos
e técnicas similares podem servir (e de fato servem),
em escala variada, a concepções metodológicas di-
ferentes. Cabe observar que, no mais de um século
decorrido após a morte de Marx, as ciências sociais
desenvolveram um enorme acervo de instrumentos/
técnicas de pesquisa, com alcances diferenciados - e
todo pesquisador deve esforçar-se por conhecer este
acervo, apropriar-se dele e dominar a sua utilização.
, É só quando está concluída a sua investigação (e
e sempre relevante lembrar que, no domínio cien-
~ífico, toda conclusão é sempre provisória, sujeita
a com?rovação, retificação, abandono etc.) que o
pesqmsador apresenta, expositivamente, os resul-
tados a que chegou. E Marx, na sequência imediata
da última citação que fizemos, agrega:
Só depois de concluído este trabalho [de investigação] é
que se pode descrever, adequadamente, o movimento real.
As formulações teórico-metodológicas
Sublinhei, há pouco, que o método de Marx
não resulta de operações repentinas, de intuições
geniais ou de inspirações iluminadas. Antes, é o
produto de uma longa elaboração teórico-científica,
amadurecida no curso de sucessivas aproximações
ao seu objeto. Vejamos, muito esquematicamente,
os principais passos dessa elaboração.
É no segundo terço dos anos 1840 que se encon-
tram as formulações teórico-metodológicas iniciais
de Marx. Densas reflexões materialistas - devidas à
influência de Feuerbach -já surgem, nítidas, numa
crítica à filosofia do direito de Hegel, redigida em
dezembro de 1843/janeiro de 1844 e logo publicada5 •
É especialmente no curso de 1844, quando começa
6
~bsetVe-se n:-:ta formulação a antecipação de uma passagem célebre
d O 18 bmmano de Lufs Bonaparte, na qual os homens são tomados
como, Simult_an~amen;:e, autores e atores da história:"Os homens fa-
zem a sua p:_opna historia, mas não a faz em como querem; não a fazem
sob CircunstanCias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defron _
tam d1retamente, legadas e transmitidas pelo passadoH (Marx, 1969
17). A mesma linha de argumentação romJ)iU"I!Ori na crítica de Ma~~
Proudhon, como o leitor veri6cará numa~ que se fará a ·
• segtnr.
39
lnt:radac:So ~o est..cc . . • ':a.a a.r ~-.
pode ser jamais ou tra coisa do que o ser con sciente e o
ser dos homens é o seu processo de vida real. [. ..] Não é a
consciência que determina a vida, mas a vida que determina
a consciência (id., ibid.; itálicos não origin ais).
Extraída da análise da realidade histórica e ex-
pressamente materialista, é esta determinação das
relações entre o ser e a consciência dos homens em
sociedade que permitirá a Marx avançar, na segunda
metade dos anos 1840, na sua análise da socieda-
de burguesa. Mas ela se insere na concepção que
Marx e Engels já alcançaram nes te período acerca
da história, da sociedade e da cultura e que será
desenvolvida e aprofundada nos anos seguintes.
Para ambos, o ser social- e a sociabilidade resul-
ta elementarmente do trabalho, que constituirá o
modelo da práxis - é um processo, movimento que se
dinamiza por contradições, cuja sup eração o conduz
a patamares de crescente complexidade, nos quais
novas contradições impulsion am a outras superações.
Por estes anos, como Engels o recordará bem mais
tarde, já estavam - ele e Marx - de posse de "uma
grande ideia fundamental", que extraíram de Hegel:
a ideia "de que não se pode conceber o mundo como
um conjunto de coisas acabadas, mas como um con-
junto de processos" (Marx-Engels, 1963, v. 3, p. 195).
32 In t r oduç~o a o es tu do do m~todo de Ha r x
produtos históricos e não compreende nem a sua
origem nem o seu desenvolvimento" (Marx, 2009,
p. 250). Na mesma carta, Marx esclarece como já
concebe a estrutura do que con stituirá o objeto de
pesquisa de toda a sua vida (precisamente do qual
1 investigará a "origem" e o "desenvolvimento"):
O que é a sociedade, qualquer que seja a sua forma? O
.1
produto da ação recíproca dos homens. Os homens podem
escolher, livremente, esta ou aquela forma social? Nada
disso. A um determinado estágio de desenvolvimento das
faculdades produtivas dos homens corresponde determinada
forma de comércio e de consumo. A determinadas fases de
desenvolvimento da produção, do comércio e do consumo
correspondem determinadas formas de constituição social,
determinada organização da farru1ia, das ordens ou das clas-
ses; numa palavra, uma determinada sociedade civil. A uma
determinada sociedade civil corresponde um determinado
estado político, que não é mais que a expressão oficial da so-
ciedade civil [...]É supérfluo acrescentar que os homens não
são livres para escolher as suas forças produtivas- base de toda
I
a sua história-, pois toda força produtiva é uma força adqui-
rida, produto de uma atividade anterior. Portanto, as forças
produtivas são o resultado da energia prática dos homens,
mas essa mesma energia é circunscrita pelas condições em
que os homens se acham colocados, pelas forças produtivas
I
capitalista industrial (id., p. 125).
34
Os mesmos homens que estabeleceram as relações sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem,
também, os princípios, as ideias, as categorias de acordo
com as suas relações sociais. Assim, essas ideias, essas
categorias são tão pouco eternas quanto as relações que ex-
primem. Elas são produtos hist6ricos e transit6rios (id.., p. 126).
Não se esqueça que Marx, de 1848 até o fim da vida, foi um pennanente
"analista de conjunturas" {históricas, político-econômicas e sociais). As
incontáveis análises que ele produziu - geralmente publicadas em jor-
nais e revistas - contribuíram em boa medida para o seu acúmulo lrorico.
Para eoemp1os dessas análises, d . Marx (1%9, 1986 e 1987).
' Anos depois, n"O capital, ele determinará o processo de trabalho huma-
no ("processo em que o ser humano, com sua própria ação impulsio-
na, regula e controla seu intercárnbio material com a natureza•) como
Sl!tnFe c~nstituído. por três elementos: • a atividade adequada a um
fi~ ISto e, o própno trabalho; a matéria a que se aplica o trabalho, 0
ob)eto de trabalho; os meios de trabalho, o instrumental de trabalho"
(Marx, 1968, p. 202).
l
além da sua organização econômica- das suas insti-
tuições sociais e políticas e da cultura). Para elaborar
a reprodução ideal (a teoria) do seu objeto real (que
é a sociedade burguesa), Marx descobriu que o pro-
cedimento Jundante é a análise do modo pelo qual nele se
produz a riqueza material.
A questão da riqueza material - ou, mais exata-
mente, das condições materiais da vida social - , porém,
não envolve apenas a produção, mas articula ainda
a distribuição, a troca (e a circulação, que é "a troca
con siderada em sua totalidade") e o consumo. Por
que, então, começar pela produção? A argumenta-
ção de Marx, baseada no aprofundamento de seu s
estudos anteriores e consolidada no exílio londri-
no, depois de demonstra r que a produção é, em
parte, consumo e este, parcialmente, é produção,
e também depois de relacioná-los à distribuição e
à circulação, leva ao seguinte resultado: estes mo-
mentos (produção, distribuição, troca, consumo)
não são idênticos, mas todos "são elementos de
uma totalidade, diferenças dentro de uma mesma
unidade". Mas, sem prejuízo da interação entre esses
elementos, é dominante o momento da produção:
A produção se expande tanto a si mesma [...) como se
a lastra aos demais momentos. O processo começa de
I10Y'O sempre a partir dela. Que a troca e o consumo não
Jost! Pa u to Notto 39
__.
__
possam ser o elemento predominante, compreende-se por
si mesmo. O mesmo acontece com a distribuição[...]. Uma
[forma] determinada da produção determina, pois, [formas]
determinadas do consumo, da distribuição, da troca, assim
como relações determinadas desses diferentes fatores entre si.
Uma teoria social da sociedade burguesa, por-
tanto, tem que possuir como fundamento a ~~álise
teórica da produção das condições matena1s da
vida social. Este ponto de partida não expre~sa um
juízo ou uma preferência pessoais do p_es~Uisa~or:
ele é uma exigência que decorre ~o~pr~pno_ obJe!o
de pesquisa - sua estrutura e dmam1~a so serao
reproduzidas com veracidade no plano,1dea~ ~ par
tir desse fundamento; o pesquisador so sera fiel ao
objeto se atender a tal imperativo (é evidente que o
pesquisador é livre para enco~trar e ~xplorar outras
vias de acesso ao objeto que e a soctedade e pode,
inclusive, chegar a resultados interessantes; ~ntre
tanto tais resultados nunca permitirão articular
uma ;eoria social que dê conta dos niveis decisivos e
10
da dinâmica fundamental da sociedade burguesa) ·
J o s é Pa ulo Ne t to 41
os preços etc. O capital, por exemplo, sem o trabalho as-
salariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem o preço etc.
não é nada. Assim, se começássemos pela população,
teríamos uma representação caótica do todo e, através de
uma determinação mais precisa, através de uma análise,
chegaríamos a conceitos cada vez mais simples; do concreto
idealizado passaríamos a abstrações cada vez mais tênues
até atingirmos determinações as mais simples.
11
"[ ...]Na análise das formas econômicas, não se pode utilizar nem mi-
croscópio nem reagentes químicos. A capacidade de abstração substitui
esses meios" (Marx, 1968, p. 4).
12
A análise cuidadosa dessas categorias encontra-se em Lu.kács (1970,
cap.III e 1979, p. 77-171).
" Eis por que Lucien Goldmann qualifica o método de Marx como • ge-
nético-esbutural" e Gyõrg Lukács designa-o como "histórico·sistemá-
tico".
O método de Marx
O leitor que nos acompanhou até aqui estará
talvez preocupado e, com certeza, não lhe reduz a
preocupação a epígrafe que, com bastante cuidado,
escolhemos para encimar este texto - "todo começo
é difícil em qualquer ciência" - , extraída exatamente
d 'O capital (Marx, 1968, p. 4). É que não lhe oferece-
l
fornecendo fundamentais determinações acerca de
outras das totalidades constitutivas da sociedade
burguesa, o fato é que sua teoria social permanece
em construção - e, em todos os esforços exitosos
operados nesta construção, o que se constata é a
fidelidade à perspectiva metodológica que acabamos
de esboçar. É nesta fidelidade, aliás, que reside o que,
num estudo célebre, Lukács (1974, p. 15) designou
como ortodoxia em matéria de marxismo.