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A Reforma Protestante e o Pensamento Democrático Americano
A Reforma Protestante e o Pensamento Democrático Americano
A Reforma Protestante e o Pensamento Democrático Americano
A Reforma Protestante e o
Pensamento
Democrático Americano
A Individualização da Fé e a Emancipação do Indivíduo na
Viabilização da Democracia
Universidade Aberta
Lisboa, 2008
A Reforma Protestante e o Pensamento
Democrático Americano
i
Abstract
ii
Inhaltsangabe
iii
Agradecimentos
iv
Índice
Página
Introdução ………………………..………………………………………………………………….… 1
PARTE I
Capítulo 1. Democracia: Abordagem Histórica e Conceptual ……………………. 9
1.1 A Democracia Clássica Greco-Romana …………………………………… 9
1.2. A Era Cristã: O Reforço da Autoridade Instituída ……………..………. 24
1.3. A Idade Média: O Eclipse do Homo Politicus …………….………….…. 27
1.4. A Idade Moderna: O Renascer do Homo Politicus ………..…………. 28
1.4.1. A Tradição Republicana …………………………………………………………. 29
1.4.2. A Tradição Liberal ……………………………………….………….…………….. 33
Capítulo 2. O Protestantismo …………………………………………….………………….... 41
2.1. O Sacerdócio Universal dos Crentes ………………………………………. 44
2.1.1. A Autoridade da Sagrada Escritura: Sola Scriptura …………………. 52
2.1.2. A Justificação pela Fé: Sola Fides ………………………………..…………. 56
PARTE II
Capítulo 1. A Reforma Protestante e as Sementes Democráticas em Solo
Norte-Americano …………………………………………………….…………….. 63
1.1. A Colonização ………………………….……………………………………………. 64
1.1.2. A Vida em Comunidade …………………………………..…………………….. 82
1.2. Génese da Nação: A Constituição ….…….………………………………… 93
Capítulo 2. O Sistema Político Norte-Americano ………..……….……………….…… 107
2.1. A Comunidade Local ………………………………………………..……………. 108
2.2. Condado, Estado e Governo Federal …………………….………………… 115
2.3. Checks and Balances ……………………………………………………………. 127
2.4. O Factor ‘Representação’ ………………..…………………………….………. 130
2.5. O Factor ‘Liberalismo’ ……………………….…………..………………………. 134
Capítulo 3. A Herança Protestante e o Conceito de Consciência Individual e
Autonomia de Pensamento em Emerson …...…………………..……... 137
v
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Universidade Aberta
INTRODUÇÃO
1 Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 28.
2 David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 5.
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dedicam, conforme será exposto neste estudo. Pretendemos, pois, dar o nosso
contributo na desmontagem de preconceitos e de cinismo reinantes, que invadem a
sociedade da era da globalização, e que dão forma a uma espécie de antiamericanismo.
Mais ainda, e fazendo nossas as palavras de Jean-François Revel, 1 o gérmen deste
sentimento “[…] não está na desinformação, pois é fácil obter informações sobre os
EUA, mas sim na vontade de ser mal informado.” 2 Estamos, pois, convictos de que está
na altura de “[…] demonstrar a falsidade de certos argumentos, particularmente
grosseiros, da vulgata antiamericana.” 3 Não se trata, no entanto, de pretender ignorar
os aspectos algo desconcertantes que certas realidades da sociedade e política
americanas têm revelado aos nossos olhos. Trata-se antes de reflectir com isenção e
humildade, a fim de que possamos aprender as devidas lições, no sentido de evitarmos
os seus erros; parece-nos também justo que nos esforcemos para reconhecer o mérito
dos benefícios que esta nação tem trazido à Humanidade. Afinal, não será, certamente,
sem fundamento que George Soros 4 assinala que os EUA “[…] têm um maior poder
discricionário do que qualquer outro país […]” 5 facto que “[…] impõe uma
responsabilidade única aos Estados Unidos […]”, 6 pressuposto que cristaliza a
convicção de cariz profético, enunciada por Winthrop, um dos ‘pais peregrinos’ dos
primórdios da colonização, que concebia esta nação como “um farol para o resto do
mundo.”
Por outro lado, mais do que enaltecer uma ideologia religiosa, é nosso intuito
cimeiro mostrar os valores que o Movimento Protestante trouxeram à sociedade e o
modo como os princípios do Cristianismo, que a Reforma de Lutero fez renascer, se
afiguram profícuos na criação de mentalidades e atitudes nos indivíduos, enquanto
actores sociais, que proporcionem um reforço na viabilização da democracia.
Acima de tudo, com a abordagem heurística em que se constitui este estudo,
desejamos fazer justiça e dar mérito aos vários esforços que se têm levantado em prol
1 Escritor europeu que, depois de um longo percurso nas esferas, política e académica, francesas, em 1957 inicia a sua
carreira literária, paralelamente à carreira de jornalista. É autor de muitos ensaios, dos quais a obra aqui citada se
constitui numa abordagem que pretende pôr em causa o sentimento crescente de antiamericanismo que invade o
mundo.
2 Jean-François Revel. A Obsessão Antiamericana. Trad. Víctor Antunes. 4ª Ed. (Lisboa: Bertrand Editora, 2003) 17.
3 Ibidem: 16.
4 Escritor europeu que, em 1956, foi viver para os EUA; é autor de vários best-sellers de temáticas sociológicas e políticas
Parte I
1
Democracia: Abordagem Histórica e
Conceptual
“All humans are born free and equal in dignity and rights. They are endowed
with reason and conscience and should act towards one another in a spirit
of brotherhood.” 1
1 Dmitri Georges Lavroff. História das Ideias Políticas. Trad. Pedro Elói Duarte (Lisboa: Edições 70, 2006) 17.
2 Ibidem: 13.
3 Ibidem: 14.
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Held, “[…] Athens emerged as the most innovative and sophisticated ‘city-state’ or polis
among many rival Greek communities.” 1
A democracia ateniense viria a atingir o seu apogeu em meados do século V
a.C., durante o governo de Péricles. A Assembleia do Povo (Eclésia) detém o poder
legislativo e a responsabilidade da política externa, nas decisões relativas à guerra, e
exerce a justiça nos casos de maior gravidade. O Conselho ou Bule é composto por
quinhentas pessoas seleccionadas de modo aleatório, à sorte, que têm à sua
responsabilidade a preparação das deliberações da Assembleia do Povo e a execução
das suas decisões. O Conselho possui um órgão mais restrito, a Pritania, que serve de
intermediário entre o Conselho e a Eclésia. Os tribunais ocupam um lugar de
proeminência e a justiça é popular.
No seio deste enquadramento político que caracterizava a democracia
ateniense, um grupo crescente de cidadãos independentes prosperava, graças à
implementação de uma economia com base na mão-de-obra escrava, que se ocupava
da indústria mineira, da agricultura e de algumas actividades artesanais. Com efeito, a
introdução da escravatura, de acordo com a argumentação de Held, e a libertação dos
laços familiares, 2 conforme enfatiza Lavroff, proporcionavam aos cidadãos
disponibilidade para se dedicarem às questões relativas à vida da comunidade, dando
forma e substância a uma cultura política em crescimento, que viria a tornar-se digna de
análise e registo, por parte de pensadores e filósofos, nomeadamente Tucídides
(460-399 a.C.), Platão (427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.).
Em consonância com uma perspectiva democrática, todos os cidadãos
atenienses - homens livres e nascidos em Atenas - eram politicamente iguais e, como
tal, todos participavam activamente da vida política, tomando decisões por meio de
votação, num sistema directo de maioria simples.
Os moldes democráticos, que imperavam naquela que viria a ser conhecida
como a cidade da democracia, encontram-se expostos num famoso discurso fúnebre
atribuído a Péricles, um ilustre cidadão ateniense, por ocasião do enterro dos mortos na
guerra contra os Medos, discurso que, cerca de trinta anos mais tarde, viria a ser
registado por Tucídides:
1David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 11.
2Lavroff apresenta a decadência dos valores ligados ao casamento e a preferência pelo concubinato como factores
determinantes para a dedicação dos cidadãos à política.
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1 Apud, David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 13-4.
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1 Apud, David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 13.
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themselves […]. 1 Será pertinente referir que o valor atribuído ao corpo de leis que rege
um governo democrático, no qual a soberania é atribuída unicamente ao poder
legislativo na protecção da liberdade individual, é amplamente enfatizado e advogado
no período pós-renascimento, conforme nos informa Quentin Skinner neste extracto:
[…] ‘each single one of our citizens, in all the manifold aspects of life, is
able to show himself the rightful lord and owner of his own person, and do
this, moreover, with exceptional grace and exceptional versatility’ […]. 3
1 Apud, David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 13.
2 Apud, J. F Sebastián. “Intellectual History, Liberty and Republicanism: An Interview with Quentin Skinner.” Contributions
to the History of Concepts 3. Leiden: Koninklijke Brill NV, 2007. 05/02/2008.
http://docserver.ingentaconnect.com/deliver/connect/brill: 116.
3 Apud, David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 15.
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é a condição sine qua non para que se garanta uma sociedade justa, conforme nos é
exposto no excerto que se segue:
1 David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 15.
2 Apud, David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 15-6.
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1 Há a ressalvar que o conceito de cidadão abrangia apenas homens livres e nascidos na comunidade. Esta igualdade
numérica diz respeito ao conjunto dos cidadãos, os indivíduos que reuniam aquelas condições.
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[…] (a) Elections to Office by all from among all. (b) Rule of all over each and
of each by turns over all. (c) Offices filled by lot, either all or at any rate
those not calling for experience or skill. (d) No tenure of office dependent
on the possession of a property qualification, or only on the lowest possible.
(e) The same man not to hold the same office twice, or only rarely, or only a
few apart from those connected with warfare. (f) Short terms for all offices
or for as many as possible. (g) All to sit on juries, chosen from all and
adjudicating on all or most matters, i.e. the most important and supreme,
such as those affecting the constitution, scrutinies, and contracts between
individuals. (h) The assembly as the sovereign authority in everything, or at
least the most important matters, officials having no sovereign power over
any, or over as few as possible . . . Next, (i) payments for services, in the
assembly, in the law-courts, and in the offices, is regular for all (or at any
rate the offices, the law-courts, council, and the sovereign meetings of the
assembly, or in the offices where it is obligatory to have meals together).
Again (j), as birth, wealth, and education are the defining marks of
oligarchy, so their opposites, low birth, low incomes, and mechanical
occupations, are regarded as typical of democracy. (k) No official has
perpetual tenure, and if any such office remains in being after an early
change, it is shorn of its power and its holders selected by lot from among
picked candidates. 1
1 Apud, David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 16.
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1 Dmitri Georges Lavroff. História das Ideias Políticas. Trad. Pedro Elói Duarte (Lisboa: Edições 70, 2006) 31-2.
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1 David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 28.
2 Dmitri Georges Lavroff. História das Ideias Políticas. Trad. Pedro Elói Duarte (Lisboa: Edições 70, 2006) 21-2.
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1 Dmitri Georges Lavroff. História das Ideias Políticas. Trad. Pedro Elói Duarte (Lisboa: Edições 70, 2006) 20.
2 Ibidem: 20.
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na qual assenta a sua política nacional. Conforme mais adiante se irá expor com maior
profundidade, nos capítulos sobre a génese da nação e o sistema político vigente nos
Estados Unidos, os mentores da sua Constituição encontravam-se, certamente, bem
informados dos fracassos de algumas experiências políticas patentes na história da
democracia e, portanto, estavam cientes da necessidade de um modelo de governo que
concebesse a medida de autoridade e de poder certas, para que a sua federação
funcionasse segundo os moldes democráticos, não pondo em causa a autonomia dos
Estados, por um lado e, por outro lado, não caindo no imperialismo.
Neste mesmo período histórico clássico, em Roma, em 500 a.C., viria a surgir
a república - res, coisa ou negócio e publicus, público ou povo - sob a forma de uma
aristocracia que, mais tarde, viria a adquirir moldes democráticos, quando o direito de
participação no governo da cidade se estendeu à plebe. Roma republicana apresentava
grandes semelhanças com a cidade-estado ateniense. Ambas tinham em comum a
participação popular nos assuntos da governação, um sentido profundo de dever
público, de virtude cívica e responsabilidade relativa à vida em comunidade, ou à
‘república,’ e os assuntos do Estado ocupavam a primazia face aos assuntos da vida
privada.
No entanto, alguns analistas contemporâneos, no âmbito das ideias politicas,
tendem a considerar Roma uma oligarquia. Com efeito, apesar de muitas características
da democracia grega terem sido adoptadas pelo sistema de Roma, o cenário político
desta cidade era dominado essencialmente por elites, principalmente o Senado e os
magistrados. A participação popular estabelecia-se como mero complemento à
actuação destes sectores políticos que controlavam e restringiam a participação da
plebe. A sua Constituição revelava um sistema misto, conforme regista Políbio (210-120
a.C.), um historiador grego de nascimento mas que cedo se tornou um cidadão de
Roma, cujas ideias, no entanto, sofreram profunda influência dos pensadores gregos,
nomeadamente de Aristóteles:
Havia três partes efectivas na Constituição, todas estas tinham sido tão
bem e propriamente reunidas de diversos modos e administrados pelos
romanos, que nenhum dos que viveram sob ela poderia dizer com
segurança se o sistema como um todo era aristocrático, democrático ou
monárquico. E era esta uma impressão muito natural de se ter: pois
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quando fixamos nossa atenção nos poderes dos cônsules, ele parece ter
sido inteiramente monárquico e real; quando o fazemos nos do senado,
aristocrático; e quando consideramos os poderes da multidão, certamente
democrático. 1
Apesar deste hibridismo de que Políbio nos dá conta neste excerto dos seus
registos e que, à semelhança de Aristóteles, defende com convicção, é de salientar a
alusão aos “poderes da multidão,” o que aponta para a importância da participação do
povo, sob a forma de assembleias populares. A república romana estabeleceu um
modelo que ligava o princípio da liberdade não apenas à virtude, mas também à glória
cívica e ao poder militar. Assim, participação política, honra e conquista encontravam-se
intrinsecamente ligados. Políbio viria também a advogar as finalidades da política
aristotélica, a saber, “[…] a virtude e a sabedoria na vida privada e a justiça e a
civilidade na actividade pública.” 2
Com efeito, os romanos aplicaram muito da filosofia dos pensadores gregos
ao seu sistema político e só muito perto do Era Cristã (século II a.C.) é que emergem
pensadores romanos a esboçar alguns contributos para a construção da teoria política.
Nas palavras de Lavroff, os romanos revelavam uma notória preferência por uma
actuação prática e concreta, logo, seriam menos dados à abstracção e a uma atitude
contemplativa, como é visível nos gregos. Portanto, “[p]ode dizer-se que, se Roma
conquistou a Grécia, foram os filósofos gregos que influenciaram Roma” 3 e,
poderíamos ainda acrescentar, com forte convicção, que a influência helénica viajou no
tempo e viria a imprimir marcas indeléveis no pensamento político contemporâneo, não
descurando, deve salientar-se, o contributo da república romana para a concepção de
modelos como o da democracia americana.
Assim, no cenário das ideias democráticas e republicanas do pensamento da
Roma clássica, para além de Políbio, há a destacar Cícero (103-43 a.C.), seguidor do
pensamento político daquele e considerado um defensor da república aristocrática.
Segundo a perspectiva de Cícero, fazer política é um dever moral e a virtude está na sua
aplicação prática na vida da república. Logo, a participação na política é uma forma de
1 Apud, Clarissa Franzoi Dri. “Governança Democrática: Impasses e Alternativas.” Site do Curso de Direito da UFSM. s.d.
12/10/2005.http://www.ufsm.br/direito/artigos/constitucional/governanca.htm: 4.
2 Dmitri Georges Lavroff. História das Ideias Políticas. Trad. Pedro Elói Duarte (Lisboa: Edições 70, 2006) 66.
3 Ibidem: 65.
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virtude e o governo é uma função muito elevada. Tal como Aristóteles e Políbio, Cícero
considera mais adequado aos objectivos da política, um regime misto, pois cada uma
das formas possui as suas vantagens e a combinação delas produz um sistema mais
favorável às suas finalidades.
Tal como a polis grega, também a república romana viria a entrar em
decadência. O seu enfraquecimento decorre de um aumento da população e dos limites
geográficos da cidade, factos que viriam a inviabilizar a participação dos cidadãos nas
assembleias populares. Esta democracia acabaria por sucumbir, na sequência da
queda da república em 44 a.C. e do nascimento de um império - o Império Romano -
que marcaria o início de uma nova fase da história de Roma, marcada por formas de
organização política de cariz imperial.
Com efeito, torna-se consensual a defesa de que a democracia e os
pensadores clássicos, que se debruçaram sobre as ideias democráticas, foram uma
fonte de inspiração para o pensamento político moderno, que viria a esboçar-se no
período renascentista e dos quais o caso da nação americana é exemplo. Os ideais
democráticos, preconizados na Antiguidade Clássica, enaltecidos por uns e
questionados por outros, a saber, igualdade entre todos os cidadãos, liberdade, respeito
pela lei e justiça, vieram a tornar-se nos valores a defender pelas democracias
ocidentais.
1 Dmitri Georges Lavroff. História das Ideias Políticas. Trad. Pedro Elói Duarte (Lisboa: Edições 70, 2006) 79.
2 Mateus 22:17-21.
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existentes, mas é sua obrigação cristã praticar obras justas para que as injustiças
possam ser corrigidas.
Nesta linha de pensamento, surge posteriormente o fundamento cristão da
autoridade civil, numa das epístolas paulinas, que é parte das Escrituras Sagradas
basilar no pensamento de Lutero, o reformador do Cristianismo, cujo pensamento
estaremos a analisar no capítulo subsequente. Assim, Paulo na Carta aos Romanos
expõe o seguinte:
1 Ou ‘autoridades.’
2 Romanos 13:1-5.
3 Actos 5:29b.
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período do obscurantismo - a Idade Média - posto que esta generalização seja hoje
frequentemente questionada. Assim, a este movimento intelectual revivalista sucedeu o
Iluminismo do século XVIII, momento em que se mergulha numa pesquisa intensa das
questões relativas ao pensamento político. A noção de ‘indivíduo’ surge e ganha forma e
o conceito de ‘Estado’ cristaliza como construção do espírito humano, que se torna o
agente do poder temporal, detentor de uma crescente autonomia, face às
considerações de natureza religiosa.
1 David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 35.
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1 Igualdade numérica introduzida por Aristóteles e a igualdade que tem por base a liberdade na perspectiva liberal.
2 Dmitri Georges Lavroff. História das Ideias Políticas. Trad. Pedro Elói Duarte (Lisboa: Edições 70, 2006) 131.
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by necessity […]”, 1 retrato psicológico do ser humano apresentado na sua obra, The
Discourses.
Sendo que por virtude republicana se entende o desejo de se cumprir tudo
aquilo que conduza à glória cívica, o modelo maquiavélico propõe que se promova a
religião e o reforço da lei. Só assim podem os cidadãos ser impelidos a colocar os
interesses da comunidade acima dos seus interesses particulares. Simultaneamente,
apenas um sistema de governo que combine elementos das várias formas de
organização política - monarquia, aristocracia e democracia - pode promover uma
cultura cívica que conduza à virtú, a saber, os princípios da competência, empenho e
perseverança, 2 à semelhança de Roma com o seu sistema híbrido, promotor da glória
cívica.
Neste enquadramento conceptual surge a questão da liberdade. Para
Maquiavel, esta assenta não apenas no sistema de autogoverno e na participação
efectiva na vida pública, mas também na existência inevitável de discordâncias e
conflitos, no seio dos quais os cidadãos possam promover e defender os seus
interesses. Assim, a participação política visa, acima de tudo, defender a liberdade
individual. As cidades clássicas - Atenas e Roma - eram exemplos concretos, segundo
este pensador, da crença de que os conflitos - entre facções, no caso de Atenas, e entre
o Senado e os Comuns, no caso de Roma - conduzem à prosperidade e à liberdade.
Assim, o uso da força torna-se necessário para que as razões de Estado triunfem sobre
os direitos individuais e a moral privada. A ordem social torna-se no primado
maquiavélico e a liberdade, não obstante ser considerada um valor, inúmeras vezes é
destronada de um lugar cimeiro a favor da tirania, a fim de que, em última instância,
essa liberdade possa ser assegurada.
1 Apud, David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 41.
2 Mário A. L. Guerreiro. Igualdade ou Liberdade? (Porto Alegre: Edipucrs, 2002) 159.
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1 Dmitri Georges Lavroff. História das Ideias Políticas. Trad. Pedro Elói Duarte (Lisboa: Edições 70, 2006) 168.
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fazer face e sobreviver a uma existência tão hostil, o Homem lança-se na observância
das leis naturais - leis consonantes com os ditames do Criador para o ser humano e
que, de um modo natural, presidem à existência da Humanidade. A crença aqui
subjacente é a de que se todos respeitarem e cumprirem essas leis, poderão prolongar
os seus dias e trazer alguma paz à sua caminhada terrena.
Os indivíduos deverão, de boa mente, submeter os seus direitos de
autogoverno à vontade de uma única autoridade. O exercício do poder político pelo
soberano e o dever de obediência dos súbditos seriam formalizados num acordo ou
contrato social, em função do qual aquele viria a tornar-se o representante destes,
conforme expõe Hobbes: “[…] A Multitude of men, are made One person, when they are
by one man, or one Person, Represented […].” 1 Assim, da pluralidade de vozes e de
interesses individuais, através do soberano, resulta a unanimidade - uma só vontade -
alcançando-se, deste modo, a unidade política. Trata-se de uma perspectiva que, tal
como com Maquiavel, combina elementos liberais e não liberais e o pendor para uma
tendência despótica viriam a associá-lo, conforme defende Lavroff, 2 à fundação do
Estado totalitário.
Consentâneo com Hobbes, também Locke considerava a concepção de uma
estrutura política, partindo do princípio de que os indivíduos usufruem de direitos
naturais. Quando escreveu os seus Two Treatises of Government, a sua principal obra
de filosofia política e a expressão das suas ideias liberais, dois objectivos conduziam o
seu pensamento: refutar a doutrina do direito divino dos reis e do absolutismo régio e
conceber uma teoria que conciliasse a liberdade dos cidadãos com a manutenção da
ordem política. Estes escritos têm sido considerados a defesa do individualismo e do
direito natural dos indivíduos à propriedade privada. Trata-se de um pensamento
político concebido em moldes religiosos e clássicos, atendendo aos princípios
ontológicos da sua política, fruto da sua adopção de princípios do Cristianismo e da
filosofia aristotélica. Desta junção resultou uma mescla de pensamento clássico e
moderno, sendo, no entanto, considerado o mentor da filosofia política moderna.
No segundo dos seus Two Treatises of Government (publicado pela primeira
vez em 1690), ele apresenta as doutrinas que viriam a tornar-se a base de sustentação
do pensamento político e social contemporâneo. Para Locke, os princípios do governo,
1 Apud, David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 61.
2 Dmitri Georges Lavroff. História das Ideias Políticas. Trad. Pedro Elói Duarte (Lisboa: Edições 70, 2006) 170.
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que viriam a encontrar eco nos ideais republicanos dos Estados Unidos, são os mesmos
que a lei natural protege - o direito à vida, liberdade e propriedade - direitos
fundamentais e inalienáveis, considerados como tal pois, segundo ele, fazem parte
integrante da natureza humana providencialmente criada, não sendo, portanto, fruto do
voluntarismo humano.
Partindo do pressuposto de que o direito de cada indivíduo à propriedade, em
primeira instância, se aplica ao seu próprio corpo, Locke considera que este se estende
também às coisas necessárias à conservação da vida, desde que delas se tenha
apropriado com justiça, isto é, desde que tenha respeitado o bem-estar do seu
semelhante, sendo que o trabalho é a origem e a justificação da propriedade.
Locke assenta todo o seu pensamento na crença de que os indivíduos, na
sua condição natural, viviam num estado de igualdade e de perfeita liberdade para
agirem conforme achassem por bem, dentro dos limites que a lei natural estabelece:
princípios morais básicos, que podem ser apreendidos pela razão humana, mas que
decorrem directamente das leis divinas. A razão é, pois, a faculdade inata que os
capacita e impele para actuarem em consonância com as leis da natureza. De acordo
com o pensamento de Locke, veiculado por Leroy, “[o] estado de natureza não é o
regime do arbitrário e da violência.” 1 No entanto, nem todos os indivíduos respeitam, na
íntegra, os direitos dos seus semelhantes, além de que também surgem dissonâncias
na interpretação das próprias leis naturais, o que conduz a conflitos. O primado da
razão e a noção de que cabe a esta faculdade humana controlar tudo o que ponha em
causa as leis divinas, inculcadas na natureza, são asserções que viriam a ecoar na
teologia da Reforma e que são abordadas por Leroy, num excerto de uma obra de sua
autoria sobre a filosofia de Locke:
1 André-Louis Leroy. Locke. Trad. António Manuel Gonçalves e Joaquim Coelho da Rosa. (Lisboa: Edições 70, 1985) 23.
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It may be too great a temptation to human frailty apt to grasp at Power, for
the same Persons who have the Power of making Laws, to have also in their
1 André-Louis Leroy. Locke. Trad. António Manuel Gonçalves e Joaquim Coelho da Rosa. (Lisboa: Edições 70, 1985) 22.
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hands the power to execute them, whereby they may exempt themselves
from Obedience to the Laws they make, and suit the Law, both in its making
and execution, to their own private advantage, and thereby come to have a
distinct interest from the rest of the community, contrary to the end of
Society and Government. 1
1 Apud, David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 64.
2 Dmitri Georges Lavroff. História das Ideias Políticas. Trad. Pedro Elói Duarte (Lisboa: Edições 70, 2006) 182.
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1 Apud, David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 66.
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[…] [E]very man invested with power is apt to abuse it, and to carry his
authority as far as it will go ... To prevent this abuse, it is necessary from the
very nature of things that power should be a check to power. 1
1 Apud, David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 67.
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representantes, entre outros. Apenas pela via destes mecanismos, poder-se-á equilibrar
‘poder e direito,’ ‘autoridade e liberdade.’
As diferentes tradições que, ao longo dos tempos, desde a Antiguidade
Clássica, se foram cristalizando no pensamento político dos homens, fazem emergir
uma questão fundamental, na qual assenta toda uma teia de argumentação filosófica -
a natureza humana que, independentemente do modo como é concebida, carece de
formas organizadas de vivência em sociedade que estabeleçam balizas e mecanismos
de contenção, na garantia e promoção dos direitos considerados fundamentais ao ser
humano, enquanto indivíduo.
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2
O Protestantismo
“[…] the teachings of Luther and Calvin contained at their very heart an
unsettling conception of the person as ‘an individual’.”
David Held 1
1 David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 58.
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da elite religiosa do Império Romano, foi ganhando raízes ao longo dos tempos e viria a
vincar, de modo indelével, a Idade Média. Como resultado, a fé cristã formalizou-se,
num processo que cristalizava a autoridade da Igreja de Roma, distanciando-se do
indivíduo e da sua interioridade.
É, pois, no seio do espírito da Renascença que surgiram pensadores que
pretendiam cultivar uma reflexão autónoma, voltando às origens do Cristianismo e,
assim, intentavam libertá-lo dos condicionalismos históricos a que se tinha tornado
sujeito. Com efeito, é neste cenário precursor do Humanismo, fruto de um espírito
inquieto e inconformista perante os dogmas religiosos, que dominavam a Igreja
medieval, de luta tenaz pela emergência de um mundo dessacralizado e de um
Cristianismo autêntico e puro, que surge o movimento da Reforma, tendo como
principal mentor Martinho Lutero (1483-1546).
Lutero surge, pois, dando voz à necessidade imperiosa de reforma na
cristandade, ao mergulhar no Cristianismo primitivo para fazer emergir as verdades
evangélicas em toda a sua pureza original.
Assim, com a Reforma opera-se este renascimento do Cristianismo original. A
verdade astro-biológica do mundo clássico é refutada e substituída por uma verdade
antropológica, fazendo emergir um apelo à individualidade. A sede da verdade do
mundo envolvente é deslocada para o interior do Homem, para a sua própria
consciência, esvaziando, assim, o mundo físico da sua carga sagrada. O Homem
eleva-se e assume a proeminência.
A reforma do Cristianismo e a vivência espiritual que esta preconizava
conferiu ao Homem a percepção da dignidade e a dimensão da sua própria
individualidade. O homem da Reforma é um indivíduo dotado de uma consciência
individual, um ser autónomo e livre. Esta nova visão do ser humano, detentor de grande
dignidade, será colocada em perspectiva na análise filosófica, de ênfase humanista, do
pensamento de Ralph Waldo Emerson, como paradigma da cultura americana neste
contexto.
Martinho Lutero, o grande mentor da Reforma Protestante, ‘eternizou-se’ na
história, após afixar as suas 95 Teses, na noite de 31 de Outubro de 1517, na porta da
igreja do castelo de Wittenberg, condenando os abusos, a confusão e as incertezas que
a autoridade da Igreja oficial praticava e fomentava. Com efeito, foi este acto de
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[…] o protestantismo nasceu […] com o advento dos tempos modernos. Foi
parte integrante desta vasta manifestação do espírito humano que
provocou todo o desenvolvimento da civilização ocidental, a sua
propagação através do Mundo, o seu desenvolvimento científico, o
estabelecimento de instituições políticas democráticas e de organizações
independentes votadas a tarefas diversas, as suas descobertas, os seus
programas de educação, as suas artes e letras e tudo o que se lhe seguiu.
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‘Sacerdote’, no sentido bíblico, diz respeito ao ministro que tinha a seu cargo
a oferta de animais em holocausto a Deus, para remissão dos pecados do povo,
tipificando o sacrifício de Cristo na cruz em prol da Humanidade pecadora. ‘Sacerdócio’
seria, pois, a designação desse ofício divino desempenhado pelo sacerdote,
inicialmente no tabernáculo, uma tenda concebida para esse efeito e que acompanhou
os israelitas, o povo escolhido por Deus, na sua odisseia através do deserto, a caminho
da Terra Prometida. Mais tarde, com a construção do templo pelo rei Salomão, este
ofício passou a exercer-se no próprio templo.
‘O sacerdócio universal dos crentes’ tem por base essa prática comum na
Velha Aliança judaica, período anterior ao nascimento de Cristo, o evento histórico que
viria a dar origem ao Cristianismo. Trata-se de um pilar doutrinário no qual assenta a
teologia dos reformadores do século XVI e baseia-se na seguinte premissa: através do
sacrifício de Cristo, o ser humano, pecador por natureza e, consequentemente,
separado de Deus, é justificado, tendo então acesso directo a Ele. Jesus Cristo é,
portanto, o único mediador entre as esferas, humana e divina, conforme está patente
na Bíblia Sagrada:
1 J. Leslie Dunstan. Protestantismo. Trad. Almeida Gonçalves. Vol. 4 (Lisboa: Editorial Verbo, 1980) 278-9.
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[…] [O] seu sacerdócio [de Cristo] não consiste em actos exteriores ou em
vestimentas atraentes, como sucede entre os homens, mas em um
sacerdócio em espírito, invisível. Deste modo está Cristo diante de Deus,
1 1 Timóteo 2:5.
2 Isaías 61:6a.
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Pelo que convinha que, em tudo, fosse semelhante aos irmãos, para ser
misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os
pecados do povo. 2
Pelo que, irmãos santos, participantes da vocação celestial, considerai a
Jesus Cristo, apóstolo e sumo sacerdote da nossa confissão […].3
Chamado por Deus sumo sacerdote […]. 4
A qual temos como âncora da alma, segura e firme, e que penetra até ao
interior do véu,
Onde Jesus, nosso precursor, entrou por nós, feito eternamente sumo
sacerdote […]. 5
Mas este, porque permanece eternamente, tem um sacerdócio perpétuo.
Portanto, pode também salvar, perfeitamente, os que por ele se chegam a
Deus, vivendo sempre para interceder por eles.
Porque nos convinha tal sumo sacerdote, santo, inocente, imaculado,
separado dos pecadores, e feito mais sublime do que os céus,
Que não necessitasse, como os sumo sacerdotes, de oferecer cada dia
sacrifícios, primeiramente pelos seus próprios pecados e, depois, pelos dos
povo; porque isto fez ele, uma vez, oferecendo-se a si mesmo.6
Porque Cristo não entrou num santuário feito por mãos, figura do
verdadeiro, porém no mesmo céu, para agora comparecer por nós perante
a face de Deus […]. 7
1 Martim Lutero. Da Liberdade Cristã. Trad. Leônidas Boutin e Heinz Soboll. (São Leopoldo: Editora Sinodal, 1979) 23.
2 Hebreus 2:17.
3 Hebreus 3:1.
4 Hebreus 5:10.
5 Hebreus 6:19-20.
6 Hebreus 7:24-27.
7 Hebreus 9:24.
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Por outro lado, todos os crentes partilham desse sacerdócio, que se expressa
na adoração, no serviço e no testemunho, conforme é referido nos seguintes trechos do
Novo Testamento:
[…] Àquele que nos ama, e no seu sangue nos lavou dos nossos pecados,
E nos fez reis e sacerdotes para Deus e seu Pai […]. 3
[…] e com o teu sangue [de Jesus Cristo] compraste para Deus homens de
toda a tribo, e língua, e povo, e nação;
E para o nosso Deus os fizeste reis e sacerdotes […]. 4
1 1 Pedro 2:5.
2 1 Pedro 2:9.
3 Apocalipse 1:5b-6a.
4 Apocalipse 5:9b-10a.
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Com efeito, esta concepção teológica vem colocar em causa a figura do papa,
entidade religiosa que ocupa o lugar cimeiro na hierarquia religiosa, conforme Lutero faz
transparecer no documento que escreveu em 1537, Os Artigos de Esmalcalde, ao
declarar:
1 Martim Lutero. Da Liberdade Cristã. Trad. Leônidas Boutin e Heinz Soboll. (São Leopoldo: Editora Sinodal, 1979) 26-7.
2 Apud, Artur Villares. Lutero: As Portas do Paraíso. (Lisboa: Vega, Lda., s.d.) 73.
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“O papa não pode perdoar dívida senão declarar e confirmar aquilo que já
foi perdoado por Deus […].” 1
1 Apud, Artur Villares. Lutero: As Portas do Paraíso. (Lisboa: Vega, Lda., s.d.) 56.
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Este autor continua as suas declarações, dizendo: “A Igreja não deve ser
reformada apenas uma vez, mas continuamente, comparando-se constantemente com
a Palavra de Deus […].” 2 Logo, cada crente, possuindo o Livro Sagrado, ao analisar os
textos bíblicos, mediante a inspiração do Espírito de Deus, tem o dever e está à altura
de julgar quanto à conformidade do que lhe é ensinado.
Seguindo esta lógica conceptual, toda a autoridade imanente à tradição e às
hierarquias humanas, que não se harmonize com os ensinamentos da fonte evangélica,
a Sagrada Escritura, é completamente refutada. O Direito Canónico, documento da
escolástica medieval, que constituía a base das doutrinas e práticas religiosas, é posto
1 J. Leslie Dunstan. Protestantismo. Trad. Almeida Gonçalves. Vol. 4 (Lisboa: Editorial Verbo, 1980) 262-3.
2 Ibidem: 263.
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Tem-se como aceite que, embora se possa discutir o modo como se aplica
a tradição, a razão e as leis naturais na interpretação da escritura, toda a
doutrina que esteja em flagrante contradição com as posições bíblicas não
pode ser aceite como cristã. 1
1 J. Leslie Dunstan. Protestantismo. Trad. Almeida Gonçalves. Vol. 4 (Lisboa: Editorial Verbo, 1980) 261.
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pelos estudos históricos, culturais e linguísticos. A base que justifica este imperativo é
clarificada à luz deste excerto:
1 J. Leslie Dunstan. Protestantismo. Trad. Almeida Gonçalves. Vol. 4 (Lisboa: Editorial Verbo, 1980) 266-7.
2 Ibidem: 259.
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o próprio liberalismo filosófico. Com efeito, estamos perante o prenúncio de uma ética
liberal, que coloca o indivíduo no centro dos destinos da sua própria existência.
[…] [O]s homens não podem ser justificados diante de Deus por forças,
méritos ou obras próprias, senão que são justificados gratuitamente, por
causa de Cristo, mediante a fé, quando crêem que são recebidos na graça
e que seus pecados são remitidos 1 por causa de Cristo, o qual através de
sua morte fez satisfação pelos nossos pecados. Essa fé atribui-a Deus
como justiça aos seus olhos. 2
Ao pecador, para ter comunhão com Deus, basta crer, isto é, ter fé nos
méritos de Jesus Cristo ao morrer pelos pecadores. Através do sacrifício de Seu Filho,
Deus declara-nos justos, podendo assim usufruir da comunhão com Ele. Esta doutrina
apresenta-nos Deus como um ser misericordioso, que salva o pecador, apenas por um
acto de bondade impar e infinita e não por nossos méritos:
Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é
dom de Deus […]. 3
1 Sérgio Ronchi. O Protestantismo. Colecção Grandes Religiões do Mundo. (s.l., s.d.) 27.
2 Ibidem: 27.
3 Efésios 2:9.
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diz na 21ª tese que “[…] [e]rram os pregadores de indulgências ao afirmarem ser o
homem perdoado de todas as penas e salvo mediante a indulgência do papa.” 1
Por conseguinte, sola fides, isto é, a salvação apenas pela fé em Cristo,
cristaliza o princípio de humildade, consubstanciado na pessoa de Cristo, o exemplo
mais perfeito deste atributo:
Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus,
Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se
semelhante aos homens;
E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente
até à morte, e morte de cruz. 2
1 Apud, Artur Villares. Lutero: As Portas do Paraíso. (Lisboa: Vega, Lda., s.d.) 57.
2 Filipenses 2:6-8.
3 Filipenses 2:3.
4 Sérgio Ronchi. O Protestantismo. Colecção Grandes Religiões do Mundo. (s.l., s.d.) 36.
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contrária a esse ideal. Pretende-se antes uma existência terrena de obediência diária
aos mandamentos bíblicos - amar a Deus e ao próximo - como expressão de gratidão e
reconhecimento do crente pela salvação de que usufrui, conforme é convicção de
Benjamim Franklin, um dos fundadores da nação americana, exposta na seguinte
citação de Walter Isaacson:
For him [Franklin], there was a connection between civic virtue and
religious virtue, between serving his fellow man and honoring God. He was
ashamed by the simplicity of this creed, as he explained in a sweet letter to
his wife. “God is very good to us,” he wrote. “Let us . . . show our sense of
His goodness to us by continuing to do good to our fellow creatures.”1
Com efeito, a acção moral é uma prática constante que reflecte o amor a
Deus e, por seu turno, se reflecte no amor ao semelhante, numa base de gratidão a
Deus. Sobre este ponto doutrinário se pronuncia o próprio reformador em Da Liberdade
Cristã, no excerto que se segue:
1 Walter Isaacson. Benjamim Franklin: An American Life. (New York: Simon & Schuster Paperbacks, 2004) 94.
2 Martim Lutero. Da Liberdade Cristã. Trad. Leônidas Boutin e Heinz Soboll. (São Leopoldo: Editora Sinodal, 1979) 35-6.
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1 J. Leslie Dunstan. Protestantismo. Trad. Almeida Gonçalves. Vol. 4 (Lisboa: Editorial Verbo, 1980) 256.
2 Philipps S. Melanchton. A Confissão de Augsburgo. s.d. 07/02/2006. http://www.luteranos.com.br: Artigo 12.
3 Cornelius J. Dyck, ed. Uma Introdução à História Menonita. Trad. Rosely Dyck (Campinas: Editora Cristã Unida, 1992)
130.
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[…] [A] vontade humana tem certa liberdade para operar justiça civil e
escolher entre as coisas sujeitas à razão. 1
Certamente, Lutero está convicto de que sola fides é uma base teológica
poderosa, conforme nos diz Steven Ozment, que recorre a expressões biblicas:
1 Steven E. Ozment. “Homo Spiritualis.” Studies in Medieval and Reformation Thought. Ed. Heiko A. Oberman. Vol. VI.
Parte II
1
A Reforma Protestante e as Sementes
Democráticas em Solo Norte-Americano
“But of all the developments that helped trigger new ways of thinking about
the proper form of the state, it was perhaps the Protestant Reformation that
was the most significant.”
David Held 1
However, it was not the strife created by the Reformation that had a lasting
impact on political thought. For the teachings of Luther and Calvin
contained at their very heart an unsettling conception of the person as ‘an
individual’. In the new doctrines, the individual was conceived as alone
before God, the sovereign judge of all conduct, and directly responsible for
the interpretation and enactment of God’s will. This was a notion with
profound and dynamic consequences. In the first instance, it loosened the
individual from the direct ‘institutional support’ of the church and, in so
doing, helped stimulate the notion of the individual agent as ‘master of his
1 David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 57.
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1.1. A Colonização
1 David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 58.
2 Pilgrims, designação de inspiração religiosa.
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1 Esta designação deve-se ao facto de terem desenvolvido um zelo religioso bastante intenso e à austeridade dos seus
princípios, ao pretenderem ‘purificar’ a Igreja em Inglaterra.
2 Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
pelo deserto, em direcção a Canaan, a tão almejada ‘Terra Prometida,’ a terra da promessa que transbordava das
bênçãos da graça de Deus.
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que tornariam esta nação na primeira democracia moderna. Com efeito, é aqui que
encontramos o homem da Reforma, emancipado, partilhando com os seus
companheiros de aventura da centelha divina e da autoconfiança que invade os
corações daqueles que ganham legitimidade para se aproximar de Deus. É a coragem e
ousadia, que brota do coração de um ser à imagem divina e que vive um Cristianismo
que o eleva, que conduz estes homens a almejar construir algo único nesta parte do
mundo.
Esta postura determinada e autoconfiante, o perfil do futuro Man Thinking
emersoniano, está patente na decisão dos ‘separatistas,’ de rescindir com a Igreja
Anglicana. É a tomada de consciência da legitimidade em assumir as suas posições,
mesmo que entrem em conflito com o poder instituído. É a capacidade e necessidade
de auto-responsabilização perante as consequências das suas decisões, que conferem
um profundo sentido democrático de emancipação a estes protestantes. Acresce a esta
consideração o facto de, na sua rebeldia face à Igreja instituída e à hierarquia religiosa,
revelarem uma forte convicção na defesa de uma estrutura social mais fluida,
estimulada pelo próprio postulado religioso do sacerdócio universal.
O imperativo de moldar a existência em função de parâmetros menos
hierárquicos, logo, mais capazes de dar expressão à liberdade, é perspectivado nos
contornos que definiram este período da história dos EUA. Com efeito, os puritanos, ao
chegarem ao continente americano, traziam consigo o objectivo religioso de estabelecer
a “city upon a hill,” 1 conforme refere John Winthrop, o líder da expedição a bordo do
Arbella em 1630; estavam também cientes da importância de se estabelecer uma
liderança forte, mas que tivesse por base o comum acordo. Assim, as tendências
malévolas da natureza humana, conforme a fé bíblica que professavam expunha,
seriam reprimidas e, simultaneamente, o princípio da igualdade, enquanto factor
promotor da liberdade, seria assegurado.
No intuito de dar resposta a estas intenções, John Winthrop estabelece um
acordo - o Arbella Covenant - enquanto que William Bradford, o líder dos peregrinos que
fundaram a Plymouth Colony, dez anos antes havia redigido o Mayflower Compact. Este
texto de Bradford, o pacto que viria a tornar-se o primeiro documento da democracia
1 John Winthrop. “A Model of Christian Charity.” Collections of the Massachusetts Historical Society. 3rd series. Boston,
[…] combine ourselves together into a Civil Body Politic, for our better
ordering and preservation […] and by virtue hereof to enact constitute and
frame such just and equal Laws, Ordinances, Acts, Constitutions, and
Offices, from time to time, as shall be thought most meet and convenient
for the general good of the Colony, unto which we promise all due
submission and obedience […]. 2
1 Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 70.
2 Apud, Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
colonização, seja visível, nestas colónias, uma certa autonomia de actuação a nível
político, não obstante o seu respeito pela supremacia da pátria-mãe.
É de salientar também a importância que assume um outro documento,
elaborado durante a viagem a bordo do Arbella. Trata-se de um discurso proferido por
John Winthrop, um pilgrim father e líder desta expedição, ele também um protestante
de profundas convicções. A Model of Christian Charity é um discurso sobre a caridade
cristã, isto é, a ética de amor ao próximo, herdada das doutrinas da Reforma
Protestante, e que materializa a necessidade sentida por estes homens de se
organizarem e estruturarem, formando uma comunidade coesa, mesmo antes de
pisarem solo americano. Representa uma das primeiras tentativas de dar voz àquilo
que viria a ser denominado de ‘sonho americano’ (american dream). Neste discurso,
faz-se um forte apelo à unidade e conformidade na vivência em comunidade, que se
desejava fosse uma realidade no novo território. Winthrop, neste seu discurso, faz
aflorar importantes princípios liberais, que constituem a essência da política
contemporânea, dos quais há a realçar o princípio da tolerância, que viria a ecoar no
célebre discurso de Martin Luther King, Jr., I Have a Dream.
Desta perspectiva, o discurso acerca da caridade cristã revela-se deveras
radical e pretendia estabelecer a plataforma de enquadramento para uma experiência,
ao nível da organização social comunitária, a desenvolver no ‘laboratório’ do Novo
Mundo. Trata-se, pois, de um texto que carece ser analisado no contexto da Reforma,
enquanto movimento europeu que veio pôr em causa o mundo pré-estabelecido de
então, fazendo emergir novos horizontes, novas possibilidades, quer promovendo a
individualização da fé, quer abrindo as portas a modos de organização da sociedade de
pendor democrático.
Com efeito, este documento aglutina as sementes dos conceitos americanos
de igualdade e liberdade, conceitos que revelam alguma singularidade em contexto
americano e que encontram as suas raízes na doutrina do sacerdócio universal da
Reforma Protestante.
Conforme abordado no âmbito do capítulo sobre o Protestantismo, esta
doutrina basilar da Reforma pretendia advogar que o centro da autoridade se encontra
no interior do indivíduo, na sua relação com Deus, ao invés de radicar numa esfera
exterior àquele, numa instância eclesiástica. Sola fides, o slogan da Reforma que
proclama a fé como único meio de o Homem se aproximar de Deus, não se confinou à
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esfera da abstracção teológica. ‘Só a fé’ é uma ideia radical e deveras poderosa, que
afecta as estruturas da Igreja, a estrutura conceptual do indivíduo e contagia o mundo
secular à sua volta - as estruturas, política e social. Sola fides coloca todos os indivíduos
em pé de igualdade diante de Deus e atribui a cada indivíduo, per se, o centro de
gravidade da autoridade e do poder, conferindo assim uma ampla dimensão de
liberdade ao Homem.
Ora, aquela nova forma de perspectivar a relação igualdade - liberdade, que a
fé faz emergir, veio abalar não só as estruturas europeias medievais, profundamente
hierárquicas. No Novo Mundo, serviu de inspiração aos colonos puritanos, para
conceberem um modelo de organização social e política, em consonância com os
princípios da fé que haviam abraçado e que colocava a ênfase na consciência
individual, em detrimento da esfera do poder temporal. Só na medida em que o modelo
de organização política aceitasse e respeitasse as diferenças dos governados, poderia
ele exercer o poder segundo um modelo verdadeiramente democrático, isto é, que
desse voz a todas consciências individuais, sem fazer qualquer discriminação. É aqui
que reside a liberdade do cidadão: ser considerado em função da sua individualidade e
ver respeitada a autoridade que detém, no uso dessa liberdade que lhe é intrínseca.
Certamente, terá sido “[t]his emphasis on individual authority extended
beyond the realm of conversion”, 1 assumida pelos colonos protestantes na América,
que Tocqueville tinha em mente quando fez a seguinte declaração:
1 Randall Balmer and Lauren F. Winner. Protestantism in America. (New York: Columbia University Press, 2002) 39.
2 Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 344.
3 Ibidem: 27.
4 Apud, Mário A. L. Guerreiro. Igualdade ou Liberdade? (Porto Alegre: Edipucrs, 2002) 205.
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“[p]or serem dotados de razão, todos os homens são idênticos e, portanto, iguais”, 1
mostram-se, com efeito, consentâneos com os princípios cristãos da Reforma, no
reforço da centralidade daquele binómio simbiótico para a construção de paradigmas
democráticos. Esta perspectiva do Cristianismo que estende os princípios de liberdade,
que a fé promove, a outros domínios da existência humana, é abordada por Dunstan no
seguinte trecho da sua obra sobre o Protestantismo:
1 Dmitri Georges Lavroff. História das Ideias Políticas. Trad. Pedro Elói Duarte (Lisboa: Edições 70, 2006) 60.
2 J. Leslie Dunstan. Protestantismo. Trad. Almeida Gonçalves. Vol. 4 (Lisboa: Editorial Verbo, 1980) 278.
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There is a two-fold liberty, natural (I mean as our nature is now corrupt) and
civil or federal. The first is common to man with beasts and other creatures.
By this, man, as he stands in relation to man simply, hath liberty to do what
he lists; it is a liberty to evil as well as to good. This liberty is incompatible
and inconsistent with authority and cannot endure the least restraint of the
most just authority. The exercise and maintaining of this liberty makes men
grow more evil and in time to be worse than brute beasts: omnes sumus
licentia deteriores. This is that great enemy of truth and peace, that wild
beast, which all of the ordinances of God are bent against, to restrain and
subdue it. The other kind of liberty I call civil or federal; it may also be
termed moral, in reference to the covenant between God and man, in the
moral law, and the politic covenants and constitutions between men
themselves. This liberty is the proper end and object of authority and cannot
subsist without it; and it is a liberty to that only which is good, just and
honest. This liberty you are to stand for, with the hazard (not only of your
goods, but) of your lives if need be. 1
1Apud, Daniel J.Elazar. “To Secure the Blessings of Liberty: Liberty and Federal Democracy.” n.d. Jerusalem Center for
Public Affairs. 12/10/2005. http://www.jepa.org/dje/articles2/blesslib.htm: 7-8.
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«Mas existe uma liberdade civil e moral que vai buscar a sua força à
união, e que cabe ao próprio poder proteger: é a liberdade de praticar
sem medo tudo o que é justo e bom. Essa santa liberdade, devemos
1 Apud, Sónia M. L. Gusmão “A Natureza Humana Segundo Freud e Rogers.” UNIPÊ Cadernos, série psi, nº 1, 1998. s.d.
05/12/2005. http://www.rogeriana.com/sonia/natureza.htm: 5.
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[…] [T]o hold conformity with the rest of his world, being delighted to show
forth the glory of his wisdom in the variety and difference of the creatures. 2
1 Apud, Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 80.
2 John Winthrop. “A Model of Christian Charity.” Collections of the Massachusetts Historical Society. 3rd series. Boston,
1Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 587.
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nestes termos: se todos fossem iguais, qual seria a razão de ser da democracia? De
facto, se não existissem assimetrias entre os indivíduos, este modelo de organização
social e política deixaria, certamente, de ser útil ao Homem, pois perderia toda a sua
aplicabilidade, já que a vontade de um só homem seria coincidente com a vontade de
todos. Portanto, a diversidade é pressuposto para o regime democrático, tal como hoje
é concebido.
Em sintonia com este paradigma, outras vozes viriam a surgir, das quais
David Hume (1969) é vivo exemplo, na defesa da tese, comum a muitos pensadores
actuais, que justifica a preponderância do princípio da tolerância, tendo por base a
inevitabilidade das diferenças, sendo que estas são a expressão da diversidade e não
propriamente da inferioridade. Mário Guerreiro cristaliza esta necessidade de aceitação
das diferenças, no seguinte excerto:
[H]e might haue the more occasion to manifest the work of his Spirit: first
upon the wicked in moderating and restraining them, soe that the riche and
mighty should not eate upp the poore nor the poore and despised rise upp
against and shake off theire yoake. [sic] 1
1John Winthrop. “A Model of Christian Charity.” Collections of the Massachusetts Historical Society. 3rd series. Boston,
1838. Hanover Historical Texts Project. Aug. 1996. 20/02/2005. http://history.hanover.edu/texts/winthmod.html: 1.
2 Ibidem: 8.
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salvação se torna em algo místico e individual, operante e visível apenas pelos ‘frutos,’
isto é, a prática de acções virtuosas que agradem a Deus e sirvam o semelhante.
Assim, inspirado nestas verdades basilares do Cristianismo ‘renascido,’
Winthrop desejava que na sociedade existisse respeito mútuo pelas diferenças. Seria
desejável que estas assimetrias servissem para unir e não para criar conflitos e que
produzissem laços consistentes de inter-ajuda e cooperação, num princípio evangélico
de amor ao próximo. Como resultado da prática de actos de solidariedade, o próprio
indivíduo colhe a devida recompensa - satisfação interior por ter cumprido um dever e
ter agradado a Deus. Logo, ao praticar o bem aos outros estará, por seu turno, fazendo
bem a si próprio e à sua alma.
Esta relação de pessoas que, à priori, possuem aspirações e interesses
divergentes, mas cujo objectivo é produzir actos de compaixão e amor ao próximo,
aponta para os princípios republicanos, preconizados pela democracia clássica e,
posteriormente, pela tradição republicana liberal, consubstanciados no princípio de
virtude cívica na defesa do bem comum e da tolerância, única via para que o
semelhante possa também viver de acordo com a sua própria individualidade. A crença
de que uma vida cívica que contribua para o bem comum agrada a Deus seria
materializada no aforismo que Benjamim Franklin, um dos founding fathers, usou na
Biblioteca que ele fundou: “To pour forth benefits for the common good is divine”. 1 Em
consonância com a perspectiva de Franklin, segue-se a posição de Dunstan:
1 Apud, Walter Isaacson. Benjamim Franklin: An American Life. (New York: Simon & Schuster Paperbacks, 2004) 4.
2 J. Leslie Dunstan. Protestantismo. Trad. Almeida Gonçalves. Vol. 4 (Lisboa: Editorial Verbo, 1980) 201-2.
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Universidade Aberta
E esta «liberdade do cristão» de que [Lutero] fala adquire-se pela Fé, que
torna o cristão senhor de todas as coisas e senhor do seu destino em
relação aos outros homens, enquanto o amor faz dele o servidor de Deus e
do próximo. A Fé e o amor criam assim um conjunto indivisível de liberdade
e obediência. Em Da Liberdade do Cristão encontramos estas palavras,
que são a verdadeira essência da doutrina luterana da justificação: «Os
actos pios não tornam o homem piedoso, mas o homem piedoso realiza
actos pios.» 1
1 Carl Grimberg. “A Reforma e os Reformadores.” História Universal. Vol 10. Trad. Jorge de Macedo. (Estocolmo:
política é um dever moral […] o governo é a mais elevada das funções […] a
participação na vida política é a mais elevada forma da virtude.” 1
Outro aspecto que se afigura digno de referência, relativo à conduta social de
amor ao próximo, que Winthrop pretende veicular no seu sermão e que confere mérito à
doutrina da Reforma, é a convicção de que esta ética não é alcançável apenas
racionalmente, mas implica, acima de tudo, uma atitude interior, conforme se
depreende do excerto que se segue:
[…] [F]or though this course may enforce a rationall minde to some present
act of mercy, as is frequent in experience, yet it cannot worke such a habit
in a soul, as shall make it prompt upon all occasions to produce the same
effect […]. [sic] 2
The next consideration is how this loue comes to be wrought […] till Christ
comes and takes possession of the soule and infuseth another principle,
loue to God and our brother […] this loue is the fruite of the new birthe […].
[sic] 3
1 Dmitri Georges Lavroff. História das Ideias Políticas. Trad. Pedro Elói Duarte (Lisboa: Edições 70, 2006) 70.
2 John Winthrop. “A Model of Christian Charity.” Collections of the Massachusetts Historical Society. 3rd series. Boston,
1838. Hanover Historical Texts Project. Aug. 1996. 20/02/2005. http://history.hanover.edu/texts/winthmod.html: 4.
3 Ibidem: 5.
Mestrado em Estudos Americanos 81/159
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humano nasce sem o verdadeiro amor no seu coração. Só mediante a salvação da alma
e o consequente ‘novo nascimento’ (new birth), que permite reatar a comunhão que
possuía com Deus antes da ‘queda adâmica,’ poderá o Homem receber do amor de
Deus e amar genuinamente o seu semelhante, passando esta a ser uma realidade
verdadeiramente intrínseca a si próprio, fruto desse ‘novo nascimento.’
Assim, o princípio católico, que faz assentar nas boas obras a salvação da
alma, é destronado por Winthrop e aquelas só têm valor quando são fruto de uma
atitude coerente com um sentimento interior, isto é, que exteriorize um sentimento
sincero de amor pelo semelhante. Uma vez mais, a tónica é colocada no indivíduo, per
se, já que o pólo onde se concentram todos estes princípios encontra-se no interior de
cada ser humano, não numa qualquer instância exterior que lhe possa proporcionar a
possibilidade de praticar o bem, mas como um hábito da alma (“habit of a soul”), um
modo de estar no mundo, como imanente a si próprio.
‘Amar genuinamente o semelhante’, eis a chave para o sucesso do ideal
republicano e democrático - a construção de uma sociedade, em que as acções dos
cidadãos mostrem que os interesses comuns se encontram acima dos interesses
particulares. Nesta sociedade, o bem comum é o objectivo mais elevado a atingir e
valores como a inter-ajuda e cooperação mútua entre os indivíduos são o primado por
excelência. Olhando desta perspectiva, muitos pensadores ousaram juntar as suas
vozes àqueles que proclamam que “democracy cannot exist without Christianity”, 1
aforismo que para alguns poderá parecer deveras redutor e refutável. Contudo, para os
americanos, que herdaram a perspectiva democrática da teologia e ética protestantes,
de que Winthrop é fiel exemplo, é certamente um pressuposto incontestável, pois é sua
convicção de que só deste enquadramento teológico poderá brotar um genuíno espírito
comunal.
Neste cenário de vivência comunitária de pendor republicano e democrático,
o mundo teológico e o mundo antropológico não se identificam mutuamente, já que a
fonte da autoridade em ambos está numa mesma plataforma, no interior de cada
indivíduo, não permitindo que um se subordine ao outro. No entanto, a teologia e a
comunidade coexistem numa harmonia singular. Verbalizando esta simbiose que
1 David Williams. “John Winthrop and the Origins of American Multiculturalism: A Plea against Balkanization.” n.d. George
1Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 343.
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Universidade Aberta
[…] [A] modern society […]. It is not composed, as in Europe, of great Lords
who possess everything, and of a herd of people who have nothing. Here
are no aristocratical families, no courts, no kings, no bishops, no
ecclesiastical domination, no invisible power giving to a few a very visible
one; no great manufacturers employing thousands, no great refinements of
luxury. The rich and the poor are not so far removed from each other as
they are in Europe. 2
1 Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 78.
2 Hector St. John de Crèvecoeur. Letters from an American Farmer. Reprinted by W. P. Trent and an Introduction by
Ludwig Lewisohn. New York: Fox, Duffield, 1904. American Studies. 11 Apr. 2003. AS@UVA. 15/02/2005.
http://xroads.virginia.edu/~HYPER/CREV/header.html: 1.
3 Martinho Lutero. O Magnificat. Trad. Attilio Cancian. (Rio de Janeiro: Editora VOZES Lda, 1968) 14.
Mestrado em Estudos Americanos 84/159
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Com efeito, nas comunidades das colónias o princípio que rege as relações
interpessoais e as vivências individuais é um princípio de simplicidade, naturalidade e
singeleza de espírito, como convém a verdadeiros seguidores de Cristo, modelo de
humildade por excelência.
Tendo os paradigmas bíblicos como base da sua existência social e, imbuídos
por este espírito de simplicidade e pragmatismo, as suas ideias tendem igualmente a
ser concebidas de um modo intuitivo e natural, pois pretende-se que sejam aplicações
práticas dos modelos bíblicos, como acontece com as leis penais do Estado do
Connecticut. Estabelecidas em 1650, segundo um modelo idêntico ao das restantes
colónias da Nova Inglaterra, este conjunto de leis era alegadamente fruto da sua
intenção em ter as Sagradas Escrituras como modelo supremo. De acordo com esta
visão, consideravam que os livros de Deuteronómio, Êxodo e Levítico deveriam ser a
sua fonte de inspiração na elaboração das suas leis. Assim, a blasfémia, a feitiçaria, o
adultério e a violação eram punidos com a morte; a mentira, sempre que esta se
revelasse prejudicial, era punida com multa e vergastada. Estes são apenas dois
exemplos da sua profunda preocupação pela ordem moral e preservação dos bons
costumes; revelam, simultaneamente, a sua diligência na aplicação dos paradigmas
que constam das Escrituras Sagradas na sua vivência comunitária.
É de salientar o facto de que todo o corpo de leis e normas, que aos olhos
dos europeus actuais se afiguram algo bizarras e até tirânicas, resultavam, no entanto,
de uma reflexão conjunta em assembleia e eram votadas pelos cidadãos interessados;
portanto, resultavam numa aceitação inquestionável por parte dos cidadãos, a quem
eram aplicadas.
Neste quadro de moldes democráticos, é de referir também que, no
Connecticut, ainda nos primórdios da colonização, todos os cidadãos, sem excepção
1 Carl Grimberg. “A Reforma e os Reformadores.” História Universal. Vol 10. Trad. Jorge de Macedo (Estocolmo:
1 Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 78.
2 Ibidem: 78.
3 Ibidem: 78.
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1 Apud, Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 79.
2 Ibidem: 79.
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[…] [N]a América, é a religião que conduz às luzes, é a observância das leis
divinas que conduz o homem à liberdade. 1
1 Apud, Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 79.
2 Apud, David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 14.
Mestrado em Estudos Americanos 88/159
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cargo a educação dos filhos, ela não hesitava em desempenhar o seu papel de
transmissora da cultura protestante de iluminismo intelectual. Assim, de acordo com o
princípio da centralidade das Sagradas Escrituras e que imperava no universo teológico
da Reforma, ela ensinava os seus filhos a ler pela Bíblia.
Ora, neste cenário, torna-se, pois, compreensível que alguns pensadores
defendam que o espírito religioso se encontra profundamente imbuído no modus
vivendi deste povo e reconheçam a proeminência da educação no universo protestante
das colónias da Nova Inglaterra. As penalizações que eram atribuídas a quem
desrespeitasse as leis relativas à obrigatoriedade da instrução académica reflectem o
princípio democrático da actuação da justiça civil a favor da liberdade de consciência.
Esta noção de liberdade inerente a cada ser humano é a liberdade que reside dentro de
nós próprios e que proporciona a apreensão das verdades eternas. Para a alcançarmos,
basta mergulhar na nossa interioridade, acompanhados pela luz da instrução. Esta é,
pois, a porta aberta de acesso a um patamar de emancipação, que se expressa em
autonomia de pensamento e juízo crítico independente, a aplicar na esfera espiritual e
na esfera temporal.
Com efeito, uma tal combinação de espírito religioso com o espírito de
liberdade, que os protestantes em solo americano conseguem tornar tão harmoniosa, é
vista como o cerne do seu forte sentido de autonomia. Trata-se de um tipo de liberdade
que emana da esfera religiosa e que se pretende indissociável da própria noção de
democracia. Desde a elaboração, por William Bradford, daquele que viria a ser
considerado o primeiro documento da democracia americana - o contrato social
assinado a bordo do Mayflower - que nos deparamos constantemente com actos de
autonomia, que decorrem da própria postura religiosa dos colonos do Novo Mundo e
que se vão sucedendo, à medida que as necessidades o exigem. São eles que nomeiam
os seus magistrados, decretam a paz e a guerra e que instauram as leis. Tudo o que se
relaciona com o governo das colónias se processa num espírito de grande autonomia e
com grande naturalidade, não obstante o seu respeito à soberania britânica.
Em jeito de súmula, afigura-se pertinente reflectir sobre as experiências de
alguém que testemunhou e partilhou da forma como a colonização se processou em
terras do Novo Mundo e da criação do ‘homem americano’ – Crèvecoeur, autor atrás
referido. Em “What is an American?”, uma das cartas que compõem a obra Letters from
Mestrado em Estudos Americanos 89/159
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1Um conjunto de cartas que o celebrizaram, escritas a um amigo na Europa, com o intuito de satisfazer a curiosidade
deste relativamente ao Novo Mundo.
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Uma […] razão pela qual a religião será condição para a salvaguarda da
liberdade prende-se com a necessidade de auto-sustentação da liberdade.
Edmundo Burke observou que qualquer sociedade precisa de um poder de
autocontrolo: quanto menos ele vier de dentro, isto é, dos indivíduos
voluntariamente, mais acabará por vir de fora, de um poder despótico.
Tocqueville observou o mesmo fenómeno e descobriu como a religião
constituía, entre os americanos, uma fonte de equilíbrio que os libertava
da ameaça de uma tutela despótica […]. 1
1Apud, Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 26-7.
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1 Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002): 81.
2 Ibidem: 344.
3 Apud, Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
We hold these truths to be self-evident: That all men are created equal;
that they are endowed by their Creator with certain unalienable rights; that
among these are life, liberty, and the pursuit of happiness; that to secure
these rights, governments are instituted among men, deriving their just
powers from the consent of the governed; that whenever any form of
government becomes destructive of these ends, it is the right of the people
to alter or to abolish it, and to institute new government, laying its
foundation on such principles, and organizing its powers in such form, as to
them shall seem most likely to affect their safety and happiness.
[…]
We, therefore, the representatives of the United States of America, in
General Congress assembled, appealing to the Supreme Judge of the world
for the rectitude of our intentions, do, in the name and by the authority of
the good people of these colonies, solemnly publish and declare, that these
United Colonies are, and of right ought to be, FREE AND INDEPENDENT
STATES […]. And for the support of this declaration, with a firm reliance on
the protection of Devine Providence, we mutually pledge to each other our
lives, our fortunes, and our sacred honor.1
1 Apud, James Q. Wilson. American Government. Brief Version. 4th ed. (Boston: Houghton Mifflin Company, 1997) 379.
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1 O sublinhado é nosso.
2 Mário A. L. Guerreiro. Igualdade ou Liberdade? (Porto Alegre: Edipucrs, 2002) 142-3.
3 Ibidem: 143.
Mestrado em Estudos Americanos 95/159
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All men recognize the right of revolution; that is, the right to refuse
allegiance to, and to resist, the government, when its tyranny or its
inefficiency are great and unendurable. 3
1 Martim Lutero. Da Autoridade Secular. Trad. Martin N. Dreher. (São Leopoldo: Editora Sinodal, 1979) 43.
2 Martim Lutero. Da Autoridade Secular. Trad. Martin N. Dreher. (São Leopoldo: Editora Sinodal, 1979) 43.
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But what is government itself but the greatest of all reflections on human
nature? If men were angels, no government would be necessary. If angels
were to govern men, neither external nor internal controls on government
would be necessary. 1
1 Apud, James Q. Wilson. American Government. Brief Version. 4th ed. (Boston: Houghton Mifflin Company, 1997) 10.
Mestrado em Estudos Americanos 98/159
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os assuntos que os Estados, por si só, não tinham competência para tratar. Possuía
também direito de veto face às leis e o povo tinha a seu cargo a eleição directa de uma
das câmaras da legislatura que constituíam o Congresso - a Câmara dos
Representantes. O poder executivo seria encarnado por um presidente, eleito por quatro
anos, por eleitores designados em cada Estado, segundo critérios estabelecidos pelas
respectivas legislaturas. Estabelecia-se ainda um Tribunal Supremo para o exercício do
poder judicial, com juízes nomeados pelo presidente e confirmados pelo Senado,
permanecendo em funções por tempo indeterminado, desde que tivessem uma boa
conduta.
Perante receios de que os Estados mais pequenos pudessem ficar
desfavorecidos nas duas câmaras do Congresso, em termos de representação assente
no índice populacional, e que, portanto, vissem reduzida a sua parte no poder político,
um plano concebido por um comité, chefiado por Benjamim Franklin, ganhou forma sob
a designação de Great (ou Connecticut) Compromise. De acordo com este compromisso
estabelecia-se que as câmaras que compunham o Congresso deveriam ser formadas de
acordo com os seguintes critérios: o Senado seria constituído por dois elementos de
cada Estado, independentemente das dimensões destes e escolhidos pelas respectivas
legislaturas; a Câmara dos Representantes seria constituída por um número de
elementos igual ou superior a sessenta e cinco, sendo o número destes, por cada
Estado, proporcional às suas dimensões, de um representante (Rhode Island) a oito
(Pennsylvania), e eleitos pelo povo.
O Great Compromise conciliava os interesses dos pequenos e dos grandes
Estados, tornando aqueles predominantes no Senado e estes na Câmara dos
Representantes, provando ser uma medida democrática, pelo princípio de equidade que
aplicava, ao permitir que todos se sentissem participantes e não descriminados.
A experiência americana de governo desde 1776, data que marca a
independência desta nação, e a própria história política do governo britânico, bem
patente nas suas memórias, conduziu a que os ‘arquitectos’ da Constituição
repensassem a questão do consentimento popular, enquanto única garantia da
liberdade. Assim, concluiu-se que um governo popular pode revelar-se demasiado fraco
para evitar que um grupo abuse de outro, como aconteceu em Massachussetts, assim
como uma maioria popular pode revelar-se tirânica, como na Pennsylvania. Tendo estes
exemplos no horizonte, tornava-se notório para os fundadores da nação que a maioria
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pode conduzir à tirania, mais do que o governo de uma minoria. Tão pouco, segundo
Madison, a existência de uma Constituição, que limite o poder do governo, pode, per se,
garantir a liberdade. O perigo constatado pelos mentores da Constituição e que o
princípio do ‘governo de muitos’ pode representar levou Thoreau posteriormente a expor
a seguinte posição:
[…] [T]he practical reason why, when the power is once in the hands of the
people, a majority are permitted, and for a long period continue, to rule, is
not because they are most likely to be in the right, nor because this seems
fairest to the minority, but because they are physically the strongest […] a
government in which the majority rule in all cases cannot be based on
justice […]. 1
We the People of the United States, in Order to form a more perfect Union,
establish Justice, ensure domestic Tranquillity, provide for the common
defence, promote the general Welfare, and secure the Blessings of Liberty
Mestrado em Estudos Americanos 102/159
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to ourselves and our Posterity, ordain and establish this constitution for the
United States of America. 1
O governo deverá promover “union, justice, domestic tranquility, defence,
general welfare and liberty,” sendo que “liberty” representa a chave para se alcançar
“the blessings of liberty to ourselves and our posterity” da Declaração de
Independência. Estes ideais, no seu conjunto, definem a finalidade do governo
republicano. Contudo, os founding fathers, como foram também apelidados os
‘arquitectos’ da Constituição e fundadores da nação americana, inspirados no
pensamento de Maquiavel, que defendia o federalismo e um governo forte, estavam
cientes de que o sistema que melhor garantia a satisfação dessas finalidades não seria
simplesmente o republicanismo, mas este coadjuvado pelo sistema federal.
Portanto, os conceitos de ‘democracia’ e ‘república’ tendem a
complementar-se e a perseguir um mesmo objectivo - proporcionar justiça social. Esta,
por sua vez, conduz a nação à paz social, proporcionando, assim, as condições
necessárias à segurança e defesa comuns. Como resultado, o povo usufrui de
bem-estar colectivo. No contexto da democracia americana, o valor da liberdade está
associado àqueles atributos que o preâmbulo da Constituição refere de “blessings of
liberty” e que correspondem a “life, liberty and the pursuit of happiness,” constantes da
Declaração de Independência. Em face disto, os americanos procuram o uso eficiente
do poder governativo para promover estes valores e a definição americana para
eficiência governamental assenta na descentralização do poder que, em contexto
americano, assume um papel de grande preponderância e que se reflecte na divisão
entre os poderes, legislativo, executivo e judicial e no próprio sistema federal.
Estes ideais democráticos e republicanos consubstanciam-se no ‘ideal
agrário’ americano que estava na base da subsistência e filosofia de vida dos primeiros
colonos e cuja utilidade, para a consecução daqueles ideais, Crèvecoeur foi peremptório
em reconhecer. Segundo este modelo, na comunidade, composta de proprietários rurais
que se autogovernavam, imperava o princípio da igualdade entre todos e em que cada
um assumia uma função específica. Com efeito, o ‘ideal agrário’ de vida em
comunidade proporcionava a protecção da liberdade individual e a garantia da
igualdade e da felicidade, valores e aspirações que dão forma à cultura americana e
que funcionam como os alicerces onde assenta a Constituição.
1 Apud, James Q. Wilson. American Government. Brief Version. 4th ed. (Boston: Houghton Mifflin Company, 1997) 383.
Mestrado em Estudos Americanos 103/159
Universidade Aberta
«Os americanos são um povo democrático que sempre dirigiu por si próprio
o assuntos públicos e nós [Europeus] somos um povo democrático que
durante muito tempo só conseguiu pensar na melhor maneira de o fazer. O
nosso estado social já nos levava a conceber ideias muito gerais em
matéria de governação, mas a nossa Constituição política continuava a
impedir-nos de rectificar essas ideias por meio da experiência,
descobrindo, pouco a pouco, a sua insuficiência; no caso dos americanos,
pelo contrário, ambas as coisas se equilibraram constantemente e se
corrigem naturalmente.» 1
1Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 25.
Mestrado em Estudos Americanos 104/159
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1 Jean-François Revel. A Obsessão Antiamericana. Trad. Víctor Antunes. 4ª Ed. (Lisboa: Bertrand Editora, 2003) 22.
2 Ibidem: 24.
Mestrado em Estudos Americanos 105/159
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Que outra forma mais justa poderíamos usar para confrontar o crescente e
exacerbado antiamericanismo e destronar aqueles que não cessam de tentar mostrar
ao mundo uma imagem deveras desfavorável da nação dos pilgrims, que não aquela
que Revel consegue transmitir naquele excerto? À luz das constatações deste autor,
corroborando tantas outras anteriormente expostas, que tal como ele testemunharam
do quadro político-social americano, nomeadamente Crèvecoeur e Tocqueville, os
inúmeros e evidentes defeitos e imperfeições daquela nação não serão suficientemente
fortes para deixarmos de contemplar os igualmente evidentes frutos do ‘new birth’ que
aqui se operou. É este o cenário que os europeus construíram, quando ousaram deixar
a ordem pré-estabelecida e com ela o “sono dogmático e o conforto ideológico,” que os
havia entorpecido durante séculos, e se aventuraram na construção de um espaço em
que pudessem questionar livremente a sua existência, no uso pleno das suas
faculdades racionais, como cidadãos emancipados. Trata-se do indivíduo segundo os
ideais de Emerson, contribuindo para uma sociedade em que as ‘blessings of liberty’
lhes proporcionassem uma existência com algum significado. Com efeito, os seus
objectivos foram alcançados com sucesso: “um sistema democrático clássico, que
funcionava bem melhor que os demais”. Afinal, estamos perante um ‘new-birth’ de uma
cultura, operado por valores cristãos que preconizavam também um ‘new-birth’
espiritual. Trata-se da construção de algo novo por gente cuja mudança parte do âmago
da sua alma.
O que ressalta destas considerações é a questão de fundo que liga o
Protestantismo à cultura americana, na construção de mentalidades e de um modus
vivendi distinto e que está patente no contraponto da América (paradigma da prática de
um Cristianismo empírico) com a Europa (paradigma do modelo teológico da escolástica
medieval), estabelecido por Tocqueville neste excerto:
1 Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 623.
2 Apud, James Q. Wilson. American Government. Brief Version. 4th ed. (Boston: Houghton Mifflin Company, 1997) 379.
Mestrado em Estudos Americanos 107/159
Universidade Aberta
2
O Sistema Político Norte-Americano
1 Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 11.
2 Bill Bryson. Made in America. Trad. Daniela Carvalhal Garcia (Lisboa: Quetzal Editores, 2001) 95.
Mestrado em Estudos Americanos 108/159
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[…] [É] nela que reside a força dos povos livres. As instituições comunais
estão para a liberdade como as escolas primárias para o saber; colocam-na
1Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 100.
Mestrado em Estudos Americanos 109/159
Universidade Aberta
1 Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 101.
2 Ibidem: 108.
3 David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) 35.
Mestrado em Estudos Americanos 110/159
Universidade Aberta
já que, no seio da comunidade local, o povo é a fonte do poder e ele exerce-o de uma
forma directa. Aqui, não vigora o princípio da representatividade, pois este só é aplicado
quando se trata de assuntos gerais, relativos ao Estado. Tão pouco existe conselho
municipal, pois o povo nomeia os magistrados e dirige-os na totalidade das questões, à
excepção das concernentes à execução das leis do Estado. Mesmo as comunidades
que, por razões do elevado índice populacional, se vêm obrigadas a estabelecer regras
diferentes das que regem o princípio da democracia directa, essas são consideradas
situações particulares extraordinárias e, como tal, carecem de autorização oficial que
legitime a sua especificidade. Portanto, o primado por excelência nas questões da
administração do espaço comunitário é, com efeito, o primado da democracia directa.
Na comunidade local, os diversos cargos públicos são desempenhadas por
um pequeno grupo de cidadãos - os select-men. Estes cumprem as obrigações do
serviço à comunidade, impostas pelas leis gerais do Estado sem que, para tal, tenham
de recorrer à autorização do povo e incorrem em delito se não as cumprirem na íntegra.
Quanto às questões relativas à direcção comunal, os select-men obedecem à vontade
popular e não a um conselho municipal. 1 Para qualquer empreendimento a realizar, os
select-men convocam uma assembleia popular, que decide quanto aos vários aspectos
relativos a esse empreendimento.
As deliberações daquela assembleia são, então, postas em execução pelos
select-men. Estes estão obrigados a assinar todas as solicitações feitas por quaisquer
elementos da comunidade, para convocar aquela assembleia popular, sempre que se
deseje pôr à aprovação qualquer projecto comunitário. Nestas situações, a sua única
função é a de presidir à assembleia. A maior parte das funções administrativas são
remuneradas e, deste modo, os mais desfavorecidos economicamente podem também
dedicar-se a elas sem prejuízo para a sua subsistência, à semelhança da polis grega.
Normalmente, cada serviço tem um preço e os funcionários ganham de acordo com os
serviços prestados, segundo parâmetros de mérito, garantindo, assim, maior eficiência
no exercício das suas funções.
No sistema político dos americanos de ascendência inglesa, posto que esta
designação seja questionável, o dogma da soberania do povo perpassa todas as
esferas da sociedade e, como tem sido realçado, este princípio tem a sua base de
[…] é livre de fazer o que bem entende e de só prestar contas dos seus
actos a Deus. Daí a conhecida máxima segundo a qual o indivíduo é o
melhor e único juiz do que só a ele diz respeito e de que a sociedade só
tem o direito de dirigir as suas acções quando se sente lesada por elas ou
quando precisa da sua intervenção. 1
1Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 105.
Mestrado em Estudos Americanos 112/159
Universidade Aberta
1 Apud, Daniel J. Elazar. “To Secure the Blessings of Liberty: Liberty and Federal Democracy.” n.d. Jerusalem Center for
Public Affairs. 12/10/2005. http://www.jepa.org/dje/articles2/blesslib.htm: 9.
2 Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
1 Riccardo Petrella. O Bem Comum: Elogio da Solidariedade. Trad. Pedro Sousa Pires (Porto: Campo das Letras-Editores,
2002) 27.
2 Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Por outro lado, há também a salientar que nos EUA, sobretudo na Nova
Inglaterra, o poder legislativo não apenas prescreve os princípios, como também os
meios para a sua aplicação e, assim, a justiça ganha uma dimensão mais ‘universal’ e
menos arbitrária.
Uma outra instituição de relevo na sociedade norte-americana, de carácter
judicial, diz respeito aos juízes de paz. Inspirados nos seus homólogos da metrópole,
mais concretamente nos da nação inglesa, estabeleceram-nos em solo americano,
eliminando, todavia, o seu carácter aristocrático. Em cada condado, o governador do
Estado nomeia um grupo de juízes de paz, que desempenharão funções durante sete
anos. Nomeia, ainda, outros três para formarem o Tribunal de Sessões, instância
jurídica na qual se exercem as funções administrativas consideradas de maior
importância.
Os juízes de paz, em conjunto com os funcionários públicos, para além de
terem a seu cargo algumas tarefas administrativas, constituem-se como tribunal, face a
determinados delitos dos cidadãos, ou face a denúncias destes relativamente aos
delitos dos magistrados. No Massachusetts, conforme nos informa Tocqueville, “[…] é
ele [este tribunal de juízes de paz] que está encarregue de velar pela obediência da
maioria dos funcionários públicos.” 2
1 Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 111.
2 Ibidem: 116.
Mestrado em Estudos Americanos 117/159
Universidade Aberta
1Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 144.
Mestrado em Estudos Americanos 118/159
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pela via dos meios judiciais, quando solicitados em situações de litígio, a partir de casos
particulares, podem aqueles se pronunciar acerca da inconstitucionalidade das leis.
Portanto, a sua influência na esfera política restringe-se à sua actuação no âmbito de
uma aplicação específica e particular e não das leis de um modo teórico e geral. Não se
trata de um confronto directo e intencional, por parte do poder judicial, em virtude de
um juiz se identificar com uma determinada tendência política pois, neste caso, seriam
as motivações partidárias a ditar as acções, ficando as decisões políticas desprovidas
de isenção, o que poria em risco a própria democracia.
Relativamente ao governo nacional ou federal, pode dizer-se que ele assenta
numa estrutura de moldes idênticos aos dos governos dos Estados. É formado por um
Congresso, que funciona como uma assembleia composta por duas câmaras: o Senado
e a Câmara dos Representantes. Esta câmara é constituída por 435 membros, sendo
que cada Estado tem um número de representantes consoante a sua dimensão
populacional, e estes exercem funções por períodos de dois anos e são eleitos
directamente pelo povo do Estado que representam. O Senado é composto por dois
membros de cada Estado, que são nomeados pelas respectivas legislaturas e exercem
funções por períodos de seis anos.
Contudo, esta instância de poder supremo e elevado à dimensão nacional
exerce grande parte desse poder através das legislaturas regionais de autogoverno e
“[…] spends much of its money and enforces most of its rules not on citizens directly,
but on other local units of government”. 1 O Congresso do governo nacional é constituído
por cidadãos eleitos pelo povo e seleccionados pelas legislaturas locais, aos quais têm
de prestar contas, reiterando, assim, a herança protestante. Este facto prende-se com o
princípio americano de compromisso com o autogoverno local, o que torna estes pólos
de poder de grande centralidade na administração da nação, conforme referimos
anteriormente.
Os congressistas são cidadãos independentes que, na qualidade de
representantes dos seus distritos e Estados, acima do apoio a um partido político,
pretendem assumir as crenças e interesses daqueles que representam. Este princípio
de lealdade e de prestação de contas aos seus concidadãos das localidades que os
elegeram e não a um partido e programa partidário específico, concede mais liberdade
1 James Q. Wilson. American Government. Brief Version. 4th ed. (Boston: Houghton Mifflin Company, 1997) 34.
Mestrado em Estudos Americanos 120/159
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aos congressistas para decidirem, mediante o uso da sua consciência individual, não
sob a influência de um conjunto de princípios ideológicos que condicionem as suas
decisões, convergindo, deste modo, com os princípios da Reforma Protestante,
promotores da autonomia de pensamento. Por outro lado, as suas decisões tendem a
reflectir os interesses locais, ficando mais sensíveis a dar voz aos pequenos grupos e às
consciências particulares que representam.
Ainda neste quadro de procedimentos tendentes a promover isenção e uma
consciência autónoma, é de salientar a doutrina do privileged speech, consagrada pela
Constituição que estabelece que os congressistas:
[…] have certain privileges, the most important of which […] is that “for any
speech or debate in either house they shall not be questioned in any other
place.” 1
1 James Q. Wilson. American Government. Brief Version. 4th ed. (Boston: Houghton Mifflin Company, 1997) 193.
Mestrado em Estudos Americanos 121/159
Universidade Aberta
1 Daniel J. Elazar. “To Secure the Blessings of Liberty: Liberty and Federal Democracy.” Jerusalem Center for Public
Affairs. n.d. 12/10/2005. http://www.jepa.org/dje/articles2/blesslib.htm: 14-7.
2 Walter Isaacson. Benjamim Franklin: An American Life. (New York: Simon & Schuster Paperbacks, 2004) 35.
Mestrado em Estudos Americanos 122/159
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To perfect the art of becoming such a reliable person, Franklin wrote out a
“Plan for Future Conduct” during his eleven-week voyage back to
Philadelphia. It would be the first of many personal credos that laid out
pragmatic rules for success and made him the patron saint of
self-improvement guides […]. There were four rules:
Numa outra ocasião, Franklin viria a elaborar uma lista mais exaustiva de
virtudes morais, tendo em mente uma “moral perfection”, 3 ideal que se havia tornado
numa espécie de obsessão a marcar a herança puritana. Com efeito, há quem ponha
em causa a coerência e sinceridade destes procedimentos, como é o caso de Max
Weber ao declarar que “[t]odas as asserções morais de Franklin têm um cunho utilitário
1 Walter Isaacson. Benjamim Franklin: An American Life. (New York: Simon & Schuster Paperbacks, 2004) 49.
2 Ibidem: 48-9.
3 Ibidem: 89.
Mestrado em Estudos Americanos 125/159
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1 Max Weber. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Trad. Ana F. Bastos e Luís Leitão. 4ª Ed. (Lisboa: Editorial
1 Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 119.
2 “Middlekauff Lectures on Early American Democracy.” 1999. The Regents of the University of California. Office of Public
logo à nascença, respira este modo de ser tão democrático e, ao longo do seu
crescimento, continuamente interioriza os modos, democrático e republicano, de ser e
estar em sociedade. Efectivamente, a democracia parece correr nas suas veias e ser
tão vital como o ar que respiram.
No entanto, torna-se premente referir ainda que estamos conscientes das
incongruências que, ao longo da história desta nação, têm emergido, pois nem sempre
este perfil democrático se mostrou assim tão evidente. Certamente que muitas
ocorrências se registaram, no seio deste povo, que viriam a provar a profunda
relatividade de conceitos como aqueles que estamos a abordar. Com efeito, perante
certos acontecimentos político-sociais, o cenário com que nos deparamos revela muita
da fragilidade do sistema democrático e a hipocrisia que frequentemente é utilizada
para camuflar a corrupção do próprio sistema. Serão, certamente, inúmeras as
situações em que as liberdades democráticas têm sido postas em causa. Pretendemos,
no entanto, reiterar que os pressupostos apresentados e as hipóteses levantadas
partem de uma análise ao nível dos princípios presentes na cultura americana, tendo
por base textos, documentos e testemunhos concretos. Portanto, qualquer esforço para
criar generalizações e dogmas revelará, certamente, uma abordagem naive. Estamos
convictos de que os princípios que regem a cultura americana, de tradição protestante,
são pressupostos potencialmente geradores de um regime democrático, em que impere
a justiça e em que as ‘blessings of liberty’ sejam uma realidade, não obstante as
contradições constatadas na prática diária dos cidadãos e dos governos. É esta a tese
que pretendemos defender.
CONGRESS
1. Can check the president in these ways:
a. By refusing to pass a bill the president wants
b. By passing a law over the president’s veto
c. By using the impeachment powers to remove the president
from office
d. By refusing to approve a presidential appointment (Senate
only)
e. By refusing to ratify a treaty the president has signed (Senate
only)
2. Can check the federal courts in these ways:
a. By changing the number and the jurisdiction of the lower
courts
b. By using the impeachment powers to remove a judge from
office
c. By refusing to approve a person nominated to be a judge
(Senate only)
d. By proposing constitutional amendments (must be ratified by
the states)
PRESIDENT
1. Can check Congress by vetoing a bill it has passed
2. Can check the federal courts by nominating judges
Mestrado em Estudos Americanos 129/159
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COURTS
1. Can check Congress by declaring a law unconstitutional
2. Can check the president by declaring actions by him or his
subordinates to be unconstitutional or not authorized by law
1 James Q. Wilson. American Government. Brief Version. 4th ed. (Boston: Houghton Mifflin Company, 1997) 20.
2 O autor James Q. Wilson utiliza este vocábulo para se referir aos ‘arquitectos’ da Constituição.
3 Ibidem: 21.
Mestrado em Estudos Americanos 130/159
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Com efeito, na República Democrática dos EUA, ao nível federal, duas das
características da democracia grega, a saber, atribuição de cargos públicos por sorteio
e decisões políticas em assembleias populares, não estão contempladas. Assim, a
atribuição dos cargos públicos faz-se por eleição e as assembleias populares foram
substituídas pela representação, mediante a eleição.
O sistema de representação foi, portanto, o sistema adoptado para a
especificidade da política desta nação, que serviu de berço a este conceito que aqui
viria nascer. Contudo, ele só é aplicado no âmbito da política federal, pois a nível da
comunidade local, conforme foi anteriormente aludido, os moldes segundo os quais as
práticas democráticas se processam são os da democracia ‘pura’ ou ‘directa,’ segundo
o modelo helénico, existindo, para esse efeito, as clássicas assembleias populares.
De acordo com o princípio que orienta o sistema de representação, os
cidadãos possuem liberdade individual e direitos civis que lhes conferem poder político.
Contudo, confiam a total administração do Estado aos seus representantes, que eles
escolheram em eleições livres. Portanto, a democracia representativa assenta no
princípio de que a maioria dos cidadãos corresponde ao todo da sociedade. O governo é
do povo e para o povo, mas este delega nos seus representantes a total administração
do(s) Estado(s). A eleição destes representantes pressupõe que eles sejam indivíduos
com o perfil adequado para assumir a representação do povo; logo, a qualificação para
a excelência torna-se num imperativo na esfera política. Assim, em teoria, o governo fica
nas mãos dos mais inteligentes, instruídos e capazes para zelar pelo bem dos seus
concidadãos, pois são esses que conseguem conquistar a confiança do eleitorado.
Há ainda a referir as duas formas que a democracia representativa pode
assumir: sistema parlamentar e sistema presidencial. O primeiro, que caracteriza quase
todas as democracias europeias, atribui o poder político ao grupo parlamentar eleito e a
este compete eleger o seu chefe executivo - o primeiro-ministro. Usufruindo do apoio da
grande maioria do parlamento, o primeiro-ministro, enquanto agente centralizador do
poder político, pode levar a cabo as políticas que entender, desde que não ponham em
causa a Constituição. No segundo sistema, de que os EUA são exemplo, o poder político
é partilhado por duas entidades do governo, ambas eleitas - o presidente e o Congresso.
Há ainda a salientar algumas condições que se têm de verificar, a fim de que
o modelo contemporâneo de democracia representativa, de que a República Americana
é exemplo singular, se torne efectivo. A saber, liberdade de expressão, para que os
Mestrado em Estudos Americanos 132/159
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eleitores possam ser informados quanto à acção política dos seus representantes e
para que estes possam ter o respectivo feedback; liberdade de organização e usufruto,
numa base de justiça, de recursos financeiros para fazer campanha política, nas
candidaturas a cargos políticos; respeito pelos direitos e opiniões dos outros, a fim de
que os vencedores das eleições possam assumir, de um modo pacífico, as suas novas
funções e, por outro lado, os derrotados não sejam punidos ou humilhados e,
finalmente, confiança na legitimidade do sistema político, para que o povo possa
obedecer sem recurso à coacção.
Segundo a política da representatividade, no cenário da política americana, a
acção directa dos cidadãos fica confinada às eleições para os seus representantes, à
votação das leis constitucionais e ao autogoverno da comunidade local. Cabe-lhes,
ainda, o dever cívico de se manterem elegíveis, para os cargos da função pública, e o
exercício dos direitos e deveres cívicos, enquanto expressão da sua liberdade individual.
A soberania popular, consubstanciada nos seus representantes, opera em
todas as esferas do poder: na assembleia representativa, que é o corpo de
representação do povo; no governo, nos assuntos da responsabilidade dos funcionários
eleitos pelo povo e, ainda, na administração da justiça, nas questões do foro dos juízes
eleitos. Um aspecto que deverá ser reiterado é o facto de os cargos, em alguns
departamentos da função pública, nomeadamente nos corpos legislativos e nos
principais departamentos governamentais, estarem nas mãos de cidadãos por um
período de tempo reduzido, para que mudanças na titularidade dos cargos ocorram
com a devida frequência, conduzindo ao tão enfatizado princípio da cultura americana
de prestação de contas.
Nesta forma de governo democrático, salienta-se também a separação entre
o direito ao poder político e o exercício desse poder. O direito pertence ao todo, isto é, à
maioria do eleitorado e o exercício está nas mãos de uma minoria, os eleitos. Assim, a
governação, em teoria, depende da confiança dos governados e estes, na prática, são
forçados a obedecer à governação. Esta separação impede a tirania do poder face aos
governados. Por outro lado, neste binómio do poder, o governo sai enfraquecido e tende
a assemelhar-se mais a uma simples associação. Contudo, no caso americano, esta
tendência é contrariada graças ao elevado respeito que os cidadãos têm pela lei e ao
sentido patriótico que parece ser maior que o seu próprio egoísmo, por terem sido
Mestrado em Estudos Americanos 133/159
Universidade Aberta
1 Max Weber. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Trad. Ana F. Bastos e Luís Leitão. 4ª Ed. (Lisboa: Editorial
3
A Herança Protestante e o Conceito de
Consciência Individual e Autonomia de
Pensamento em Emerson
“A nation of men will for the first time exist, because each believes himself
inspired by the Divine Soul which also inspires all men.”
Ralph Waldo Emerson 1
1Ralph Waldo Emerson. The American Scholar. Ed. Jone Johnson Lewis, 1996-2001. 02/05/2005.
http://www.emersoncentral.com/amscholar.htm: 14.
Mestrado em Estudos Americanos 138/159
Universidade Aberta
1J. Leslie Dunstan. Protestantismo. Trad. Almeida Gonçalves. Vol. 4 (Lisboa: Editorial Verbo, 1980) 279.
2Ralph Waldo Emerson. The American Scholar. Ed. Jone Johnson Lewis, 1996-2001. 02/05/2005.
http://www.emersoncentral.com/amscholar.htm: 13.
Mestrado em Estudos Americanos 139/159
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reason; it is for you to know all, it is for you to dare all”, 1 Emerson apela aos seus
concidadãos para fazerem uso da razão, a faculdade humana mais elevada, a
capacidade inata do indivíduo para captar, dentro de si, as leis da natureza e as
verdades eternas e universais, em sintonia com a filosofia platónica e os paradigmas do
pensamento de Locke.
Esta perspectiva, que nos remete para o primado luterano do sacerdócio
universal, doutrina na qual assenta a concepção americana de igualdade, encontra-se
preconizada nos ensaios deste autor, ao defender que a verdadeira democracia brota
de cada indivíduo, quando este olha para o seu interior e aí encontra as verdades
comuns a todos os homens. É, pois, neste estádio de tomada de consciência plena
daquilo que os une, que os indivíduos atingem um entendimento mais democrático do
bem comum e o patamar ideal de unanimidade democrática nas tomadas de decisões.
Em Self-Reliance, Emerson diz que “[k]ingdom and Lordship, power and
estate, are a gaudier vocabulary than private John and Edward in a small house and
common day’s work; but the things of life are the same to both; the sum total of both is
the same”, 2 asserção que nos remete para o princípio bíblico de igualdade entre os
homens. Parte-se, então, do pressuposto de que todos os indivíduos estão ao mesmo
nível, já que todos possuem a mesma essência divina e, portanto, todos podem e
devem procurar em si, e por si mesmos, as verdades eternas e comuns a todos os seres
humanos. Agindo assim, estes podem atingir uma plataforma de entendimento,
segundo um princípio de unanimidade, com vista ao bem de todos os indivíduos na
sociedade.
Esta perspectiva justifica o mote da democracia americana - e pluribus unum
(em muitos, um). Apenas partindo da noção da igualdade, em termos da condição e
natureza humanas, perspectivada na individualização da fé da teologia da Reforma, é
que se poderá conceber que cada indivíduo encontre, dentro de si, as respostas de que
necessita, a fim de que possa contribuir, ele próprio, para uma sociedade harmoniosa,
que defenda os interesses de todos. É esta noção de unidade a partir da diversidade,
uma diversidade de consciências individuais, de seres pensantes e actuantes, que está
na base do pensamento de Emerson e que constitui a essência do próprio conceito de
1 Ralph Waldo Emerson. The American Scholar. Ed. Jone Johnson Lewis, 1996-2001. 02/05/2005.
http://www.emersoncentral.com/amscholar.htm: 13.
2 Ralph Waldo Emerson. Self-Reliance. Ed. Jone Johnson Lewis, 1996-2001. 02/05/2005.
http://www.emersoncentral.com/selfreliance.htm: 8.
Mestrado em Estudos Americanos 140/159
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To believe your own thought, to believe that what it is true for you in your
private heart is true for all men, - that is genius. Speak your latent
conviction, and it shall be the universal sense; for the inmost in due time
becomes the outmost […]. A man should learn to detect and watch that
gleam of light which flashes across his mind from within, more than the
lustre of the firmament of bards and sages. 1
1 Ralph Waldo Emerson. Self-Reliance. Ed. Jone Johnson Lewis, 1996-2001. 02/05/2005.
http://www.emersoncentral.com/ selfreliance.htm: 1.
Mestrado em Estudos Americanos 141/159
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The relations of the soul to the divine spirit are so pure, that it is profane to
seek to interpose helps. 1
Whose would be a man must be a nonconformist […] Nothing is at last
sacred but the integrity of your own mind […] But these impulses may be
from below, not from above […] No law can be sacred to me but that of my
nature. 2
They [os fiéis] say with those foolish Israelites, ‘Let not God speak to us, lest
we die. Speak thou, speak any man with us, and we will obey.’ Everywhere I
am hindered of meeting God in my brother, because he has shut his own
temple doors, and recites fables merely of his brother’s, or his brother’s
brother’s God. 3
1 Ralph Waldo Emerson. Self-Reliance. Ed. Jone Johnson Lewis, 1996-2001. 02/05/2005.
http://www.emersoncentral.com/ selfreliance.htm: 9.
2 Ibidem: 3.
3 Ibidem: 14.
Mestrado em Estudos Americanos 142/159
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Trust thyself: every heart vibrates to that iron string. […] And we are now
men, and must accept in the highest mind the same transcendent destiny;
and not minors and invalids in a protected corner, not cowards fleeing
before a revolution, but guides, redeemers, and benefactors, obeying the
Almighty effort, and advancing on Chaos and the Dark. 2
Let a man then know his worth, and keep things under his feet. Let him not
peep or steal, or skulk up and down with the air of a charity boy, a bastard,
or an interloper, in the world which exists for him […] but now and then
wakes up, exercises his reason, and finds himself a true prince. 3
1 Ralph Waldo Emerson. Self-Reliance. Ed. Jone Johnson Lewis, 1996-2001. 02/05/2005.
uma liberdade individual para decidir, mediante o uso da razão e do juízo crítico
autónomo que lhe é inerente, com a inspiração que Deus coloca no seu coração e a
orientação contida nas Sagradas Escrituras, não mais carregando o jugo das imposições
provenientes das autoridades eclesiásticas. Emerson, no seu ensaio sobre
autoconfiança mostra a decadência a que chegou o Homem, ao demitir-se desta
liberdade, que ele intrinsecamente possui, e que lhe permite fazer as suas próprias
escolhas:
[…] with the exercise of self-trust, new powers shall appear; that a man is
the word made flesh, born to shed healing to the nations […] that the
moment he acts from himself, tossing the laws, the books, idolatries, and
customs out of the window, we pity him no more, but thank and revere him,
- and that teacher shall restore the life of man to splendour, and make his
name dear to all history. 2
1 Ralph Waldo Emerson. Self-Reliance. Ed. Jone Johnson Lewis, 1996-2001. 02/05/2005.
1 Ralph Waldo Emerson. Self-Reliance. Ed. Jone Johnson Lewis, 1996-2001. 02/05/2005.
http://www.emersoncentral.com/ selfreliance.htm: 3.
2 Ibidem: 16.
3 Ibidem: 5.
Mestrado em Estudos Americanos 145/159
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There is then creative reading as well as creative writing. When the mind is
braced by labor and invention, the page of whatever book we read becomes
luminous with manifold allusion. Every sentence is doubly significant, and
the sense of our author is as broad as the world.1
1 Ralph Waldo Emerson. The American Scholar. Ed. Jone Johnson Lewis, 1996-2001. 02/05/2005.
http://www.emersoncentral.com/amscholar.htm: 5.
2 Edgar Lee Masters. O Pensamento Vivo de Emerson. São Paulo:Livraria Martins Editora, 1940. Capa Interior; nota do
Este é, pois, o criador do Man Thinking, sendo ele próprio um Man Thinking,
esse indivíduo dotado de discernimento espiritual, capaz de ver com tanta clareza a
América e o seu povo e cuja sensibilidade e agudeza de espírito fazem dele um
porta-voz da Humanidade, ao ser capaz de dar profunda expressão às ideias. Ele é,
pois, uma consciência individual com juízo crítico independente que, no palco do
Movimento Protestante em solo americano, reflecte o espírito da Reforma, por um lado,
e que, simultaneamente, vem dar o seu contributo para a postura emancipada do ser
humano, face a uma sociedade cada vez mais dessacralizada e na qual o indivíduo,
pleno de dignidade, assume um lugar de proeminência. Este é, pois, o perfil de
indivíduo que certamente melhor conseguirá cumprir os ideais democráticos, isto é,
melhor desempenhará o seu papel numa sociedade democrática, conferindo maior
viabilidade às democracias contemporâneas.
Este Man Thinking emersoniano parece ter ecoado no seio da sociedade que
o viu nascer; ele é a representação efectiva do cidadão americano. Certamente, esta é a
convicção que Revel transmite, quando revela um pouco das suas experiências neste
país e dos contactos que teve com este povo, ao mesmo tempo que estabelece o
clássico contraponto com a Europa:
1 Jean-François Revel. A Obsessão Antiamericana. Trad. Víctor Antunes. 4ª Ed. (Lisboa: Bertrand Editora, 2003) 15.
Mestrado em Estudos Americanos 147/159
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CONCLUSÃO
“The great global struggles today are not over democracy versus other
forms of government but over the meanings and practices of democracy
themselves.”
James Tully, University of Victoria 1
“Rule by the people”, eis o princípio gerador do pensamento político que tem
atravessado os séculos da existência humana, na demanda de sistemas de
administração e gestão das sociedades que almejam reconhecer dignidade à espécie
humana. A essa forma de atribuição do poder e autoridade ao povo, a Antiguidade
Clássica designou-a de democracia e acrescentou-lhe o conceito complementar de
república. Com o decurso dos tempos e a evolução do pensamento filosófico, surgem
novos conceitos que se agregam a estes, numa mescla conceptual, caracterizando o
cenário das políticas que regem as sociedades democráticas contemporâneas. São
eles: federal, liberal, de representação…
Com efeito, é esta panóplia de conceitos que se juntaram para desenhar os
contornos e definir a essência do sistema político que dá cor ao território dos Estados
Unidos da América. Assim, trata-se de uma república, que pressupõe a vertente
democrática, em função de um sistema federal, que agrega administrativamente os
cinquenta Estados que a compõem. Na linha da tradição liberal, atribui a primazia ao
indivíduo, isto é, às consciências individuais, nas questões relativas aos destinos da
sociedade por tais consciências constituída. Trata-se de uma nação ciente de todas as
suas especificidades, que são o reflexo de uma herança peculiar que remonta ao século
XVI, quando os seus antepassados aqui desembarcaram, em terras áridas e inóspitas,
acalentando o sonho americano.
Com efeito, a singularidade dos Estados Unidos da América na construção da
sua República Democrática tem, pois, raízes no período colonial, essencialmente na
filosofia prevalecente no espírito dos primeiros colonos protestantes. Trata-se do
contributo do Protestantismo na emancipação do indivíduo, tornando-o ciente da sua
capacidade de autonomia de pensamento, atributo que lhe confere um papel activo,
1 Apud, David Held. Models of Democracy. 3rd. ed. (California: Stanford University Press, 2006) Back Cover.
Mestrado em Estudos Americanos 149/159
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Neste entendimento de que “[…] a liberdade não seria possível sem o apoio
da igualdade”, 1 cada cidadão, numa mesma plataforma face aos seus semelhantes,
pode decidir livremente no sentido de contribuir, ele próprio, para a construção de uma
sociedade harmoniosa, que defenda os interesses de todos. Trata-se de um ‘eu’
pensante e actuante, ao qual Emerson viria a chamar de Man Thinking, Este, partindo
da sua individualidade, ciente da sua própria dignidade e responsabilidade, detentor da
capacidade racional de autocontrolo do seu egoísmo, diligencia no sentido de uma
sociedade mais perfeita, com vista ao bem-estar colectivo.
Ora, esse Man Thinking emersoniano, procurando por si próprio, no âmbito da
sua interioridade, as verdades existenciais, coloca-se, portanto, numa posição de total
igualdade face aos seus semelhantes; este indivíduo autoconfiante e autónomo
remete-nos para um sentido de dignificação e valorização do ser humano, que está na
essência do conceito de liberalismo e que espelha as doutrinas da Reforma Protestante.
Trata-se da elevação da liberdade individual a primado ético, consubstanciado na
essência do conceito de democracia.
Com este estudo, pretendeu-se, pois, mostrar que os ideais democráticos são
concebíveis e alcançáveis, se tiverem, como plataforma de enquadramento, os
pressupostos ancorados no Cristianismo original, resgatados pela teologia da Reforma
Protestante. A viabilização do sistema democrático pressupõe certos direitos
inalienáveis ao ser humano, nomeadamente a liberdade de consciência, que se
expressa na emancipação decisória e no pensamento crítico independente, princípios
promovidos por aquele movimento religioso. Os direitos inerentes e inalienáveis ao
Homem, ao serem colocados ao serviço do bem comum em sociedade, de modo
consciente e responsável, produzem efeitos desejáveis, conducentes a uma sociedade
em que a democracia seja uma prática efectiva.
A incidência no sistema político americano teve como objectivo mostrar que
os ideais democráticos não são meras abstracções, mas afiguram-se exequíveis, desde
que determinadas condições se verifiquem. O modelo americano, não obstante as
incoerências e muita hipocrisia, sobretudo ao nível de actuações particulares no âmbito
da política, consegue pôr em prática mecanismos diversos que conferem um modo de
estar democrático, garantindo a cada cidadão a possibilidade efectiva e prática de fazer
1Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. Trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira (Cascais: Principia,
Publicações Universitárias e Científicas, 2002) 590.
Mestrado em Estudos Americanos 152/159
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Bibliografia
Fontes Impressas
Balmer, Randall and Lauren F. Winner. Protestantism in America. New York: Columbia
University Press, 2002.
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