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ARQUItividades SUBJEteturas - Ebook - V3
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Ressensibilizar por sua vez, mote que adotamos em recente evente pro-
duzido para explorar as relações de pesquisa nacionais e internacionais
realizadas pelo LASC01, é uma busca, nos coloca em estado de retorno.
Se pudemos alguma vez ser sensíveis a algo e, de certo modo, a contem-
The sensitive approach to built space was also not very common in our
area in the last decades of the twentieth century. In a school of modernist
tradition, which was at the same time assisting the creation of its first
Postgraduate Program with the support of COPPE, which, as is well
known, has a more objective and technical view of architectural research,
reinforced this distancing from qualitative approaches.
Not every Arch and Urb researcher understood, for example, that ethno-
graphic bias would be a “sufficiently scientific” medium because, we were
told, it was not based on “reliable data”. But it was impossible to give up.
Because it has become unthinkable for us to plunge into field surveys
19
p re s e n t a t i o n
(in the city) and not marvel at its uses and movements, its sensory preg-
nancies, the dynamics of people and the impact that the unmeasurable
dimension could have on the vitality of spaces. How not to be fascinat-
ed by the capacity of places to house and produce new identities, or the
sounds and smells to make memories, or the symbolic and religious values
attached to the built space?
Decisive steps were taken with the first contact with architect and anthro-
pologist Carlos Nelson Ferreira dos Santos and, at FAU/UFRJ, Vicente
del Rio - our colleague and friend, who inaugurated in Brazil the research
that linked architecture with environmental psychology. The very name
‘LASC’ was made official as a research group at the time we organized,
together with Vicente del Rio and Paulo Afonso Rheingantz, a Congress
dedicated to the interlocution between psychology and architecture and
urbanism in 1999.
From the beginning of the 21st century onwards, our partnerships in-
creased along with our inspiring subjects such as Jean François Augoyard
and Jean-Paul Thibaud, current research colleagues, as well as Nicolas
Tixier and Rachel Thomas, reinforced by the established technical-sci-
entific agreement with Cresson-ENSAG in 2014. Professors François
Laplantine and Jorge Santiago, from ‘Université de Lyon 2’, are also
technical partners and always present in Thesis defenses, joint books and
events. In Canada we have the partnership of Mario Côté from ‘Universi-
té du Québec to Montréal’ and, more recently, Niels Albertsen from Aar-
hus Arkitektskolen in Denmark and Barbara Piga from the Polytechnic
Institute of Milan. Marco Antonio Mello, Felipe Berocan, Neiva Vieira,
20 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Soraya Simões and Leticia Luna are also our most friendly contacts from
LeMetro/UFRJ.
LASC is, therefore, formed today by a relatively small group, with about
20 researchers (including Master’s students, Doctoral students and under-
graduate scholarships), but what a group! We wondered how it is possible
to bring together so many interested, excited and enthusiastic people at
the same time. Happiness is an infinite fuel!
Therefore, we are proud to present this book, born of a lot of joint work
through the guidance by us, the coordinators. The texts that make up
this book, which ‘rule’ with the wordplay present in the methodological
imbrications of our scientific work (architecture as a principle, subjectivities
as medium), reveal paths taken by research, but also the essential action of
all. The researchers involved in teaching and extension, since they are a re-
flection of people in constant action of teaching-learning and professional
dedication to their own subjects, are often transdisciplinary.
With this immense journey in mind, the chapters in this book signal - as
we have mentioned - the dynamic web that LASC has been producing
in recent years and put, as a huge space for debate and reference, a simple
framework of so many other paths that have already been traced by many
researchers in many parts of the globe, at other times.
01 The event was coordinated by LASC with the support of the International
Ambiances Network, CAPES-PrInt and Faperj, and ran from October 2nd to 5th
2019. It was called RESENSITIZING CITIES. URBAN AMBIANCES AND
SENSES (<https://workshoplasc2019.wixsite.com/ressensitizingcities>).
22 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Thus, texts offer much more than avenues for sensitive research in archi-
tecture and urbanism; They are, in fact, ways of meeting the activities, the
crops, and the subject, first of all - the sentient beings that make up the
cities and places we inhabit.
118
para identificação de
aspectos culturais dos
usuários em ambientes
de escritórios
2. Etnografias
172
lado B
186
3. Corporeidades
260
Senhora da Penha
298
lado B
1.
Representações
Sociais
29
Proposta metodológica
para identificação de
aspectos culturais dos
usuários em ambientes
de escritórios
Alice Brasileiro
A pesquisa sobre
dimensões culturais
Para atingir seu objetivo, a pesquisa contou inicialmente com estudos
teóricos em área interdisciplinar, tanto sobre fundamentos da arquitetura,
como também sobre psicologia ambiental, antropologia e administração.
Foi necessária a imersão em outras áreas do conhecimento para que fosse
possível abordar tanto as nuances antropológicas do uso e ocupação de um
ambiente de trabalho (escritórios), quanto também considerar os aspectos
inerentes à administração organizacional.
Por meio do estudo de autores diversos, como Hofstede (1997, 2001),
Hall (1977, 1994), Trompenaars (1994), Fischer (1994) e Sommer (1973),
entre outros, foram estabelecidas as dimensões que pudessem ser adequa-
das à análise de ambientes de trabalho – escritórios – que, resumidamente,
podem ser assim descritas:
A construção da proposta
primeiras definições
os escritórios estudados
a pesquisa em campo
I. A observação
Nossa pesquisa de campo iniciou-se na empresa Alfa. Para observar, é
necessário transpor algumas dificuldades, e a primeira delas é a estranheza
que a presença do observador causa no ambiente (entenda-se nas pessoas).
A esse respeito, Edgerton e Langness (1974, p.32) nos afirmam que
33
re p re s e n t a ç õ e s s o c i a i s
os seres humanos têm uma habilidade impressionante de
supor o que os cientistas sociais querem deles e alteram seu
comportamento para agradar, confundir ou enganar aqueles
que têm a audácia de ‘estudá-los’ (...). Mas nenhuma técnica
tem se mostrado tão eficaz a esse respeito quanto a observa-
ção participante02 prolongada03.
IV. Questionários05
Nossa pesquisa mostrou que há questões que são mais bem respondidas
pelos usuários quando estes têm tempo e/ou privacidade para responder,
como enumerar os pontos negativos do ambiente. Assim, mesmo com as
entrevistas informais, permanecem questões a serem respondidas, normal-
mente aquelas em que os funcionários se sentem constrangidos ao dar a
resposta porque pode envolver uma crítica aos colegas ou ao ambiente de
trabalho e, por extensão, ao seu empregador. Verificamos que, se for aberta
a possibilidade de as pessoas responderem às perguntas garantindo o seu
anonimato, a chance de obter respostas verdadeiras é significativamen-
te maior. Por isso, esse fator foi determinante para que os questionários
fossem utilizados.
Com o uso de questionários, pudemos obter, de forma direta, respostas às
perguntas sobre os sentimentos das pessoas em relação ao seu local de tra-
balho. O objetivo era confrontar essas respostas diretas com o que vinha
A partir de respostas como essa, podíamos ter sinais para focar a atenção
em pontos como o relacionamento com as chefias, por exemplo, o que,
por sua vez, contribuía para a descoberta da dimensão Hierarquia. Com
a aplicação do Poema dos Desejos, por menos que algumas respostas
06 Apesar de sabermos das limitações que poderiam existir, optamos por
aplicar o Poema dos Desejos como uma pergunta do questionário, para reduzir o
número de abordagens feitas aos usuários.
07 Vide os resultados obtidos por Simões, 2005; Faria, 2005; Alvarenga, 2005;
Rodrigues, 2005; Abrantes, 2004; Brasileiro, Dezan, Rheingantz e Duarte, 2004.
38 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Essa era a pergunta-chave, que poderia ser seguida por outras, dependen-
do da resposta a ser fornecida. Por estar em interação direta com o usu-
ário, era possível conduzir o diálogo na direção necessária para obtermos
a resposta sobre o local realmente considerado como território. A busca
demorou mais tempo a ser feita porque dependia das oportunidades de
diálogo com as pessoas, contudo, pudemos obter respostas mais espon-
tâneas e que confirmavam as informações provenientes da observação,
considerando os fluxos e as interações existentes.
39
re p re s e n t a ç õ e s s o c i a i s
VII. Análise das redes sociais08
Com o decorrer da observação e da aplicação dos métodos complemen-
tares utilizados até então, as dimensões culturais que buscávamos no
ambiente vinham se revelando de forma satisfatória em nossa pesquisa,
com exceção de uma, que ainda tínhamos dificuldade em visualizar: o
coletivismo. Considerando essa situação, percebemos que poderia ser a
hora de utilizar um outro mecanismo de estudo: a análise das redes sociais.
Este procedimento sinalizou alguns pontos da observação que deviam ser
reforçados, e que posteriormente confirmaram o que a análise das redes
sugeria.
As redes sociais são conjuntos formados por “nós” e suas respectivas liga-
ções (BORGATTI; FOSTER 2003). Os “nós” também são chamados de
atores e, nas ciências sociais, podem ser representados por “sujeitos sociais”
(MARTELETO; SILVA, 2004), como indivíduos, grupos ou organizações.
A análise das redes parte do princípio de que são elas que estruturam as
diversas dimensões do social (MARQUES, 1998), e para sua montagem
são utilizados sociogramas, que, basicamente, são desenhos dos conjuntos
formados pelos “nós” (atores sociais) e linhas entrelaçadas (ligações entre
eles) 09. Contudo, é na montagem do sociograma que reside a principal
adaptação que fizemos, para o seu uso em avaliações ambientais. Sua
análise foi feita não em um sociograma morfologicamente abstrato,
mas embasado no próprio suporte espacial, isto é, no próprio ambiente
em estudo. As ligações entre os atores são analisadas na medida em que
elas são refletidas espacialmente, gerando fluxos, servindo como vetores
de apinhamento e conflitos espaciais, além de auxiliar na descoberta de
grupos sociais superpostos aos grupos administrativos.
Para a montagem das redes (que, em nosso caso, eram fechadas, definidas
pela totalidade dos funcionários), utilizamos, além dos dados da observação,
08 Não se trata, aqui, de redes sociais digitais, mas de análises sociológicas
muito anteriores à popularização da internet para interações sociais instantâneas.
Ver Marques (1998); Guimarães e Melo (2005); Borgatti ; Foster (2003); Matheus e
Silva (2006).
09 Há softwares específicos para montar o sociograma, são recomendados
especialmente para redes com mais de 10 “nós” (GUIMARÃES; MELO, 2005), já
que a dificuldade em sua montagem aumenta na mesma proporção da quantidade
de “nós”.
40 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
2. Mapa das relações sociais partindo do Setor 2. As linhas partem das cadeiras
com as cores correspondentes, mostrando a rede de relações sociais que aquele
funcionário mantém com os demais. As cadeiras em cor cinza no centro da sala
são dos clientes, e a única cadeira de funcionário que também está na cor cinza
pertence a uma pessoa que não possui contato social com nenhum colega de
trabalho. Fonte: autora.
Considerações finais
As avaliações do ambiente construído têm representado uma maneira efi-
caz de investigação e pesquisa, como forma de analisar e produzir conhe-
cimento para fomentar novos projetos de arquitetura. Porém, argumenta-
mos que além de parâmetros técnicos, o Homem também está sujeito a
parâmetros subjetivos e culturais, não sendo passíveis de serem medidos
com instrumentos que funcionem objetivamente, e esta é uma área do
conhecimento em que não encontramos muitas pesquisas disponíveis. Por
esse motivo, no âmbito de pesquisas desenvolvidas nos grupos LASC/
PROARQ/UFRJ e ProLugar/PROARQ/UFRJ, tentamos, com este
estudo, iniciar uma proposta metodológica que consiga se aproximar da
análise das aspirações e dos aspectos culturais dos usuários de escritórios.
42 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
10 Cabe também lembrar que toda esta proposta metodológica foi
desenvolvida para uma determinada faixa econômica, e um determinado grupo
cultural; portanto, a sua utilização em locais cujos hábitos ou a cultura sejam
outros, é possível não ser a listagem de indicadores das dimensões culturais
aplicável da forma na qual foi elaborada, podendo, no entanto, o pesquisador
elaborar seus próprios indicadores, a partir de sua observação.
43
re p re s e n t a ç õ e s s o c i a i s
Referências
-9403F6F40836%7D/%7BE5F077FE-704C-44EA-9B70-30BC4665277F%7D/
RJ11_Projeto01.pdf. Acesso: 22 maio 2006.
OLIVEIRA FILHO, Eduardo R., DUARTE, Cristiane R.; SANTOS, Ana Lúcia
V. Os cenários sociais na happy hour: uma análise de práticas sociais urbanas no
Centro do Rio de Janeiro. In: del rio, v.; duarte, c.r.; rheingantz, p. (Orgs). Projeto
do Lugar – colaboração entre psicologia, arquitetura e urbanismo. Rio de Janeiro:
Contra Capa, 2002, p. 373-378.
1. Localização da Curva do S no
Parque Nacional da Tijuca no Rio
de Janeiro. Fonte: Google Maps
(editado), 2014.
O projeto, então, ficou suspenso até 2011, quando ganhou novo fôlego.
Nesse ano, para o desenvolvimento das ações públicas e ações afirmati-
vas, e com o objetivo de intermediar o diálogo entre os grupos distintos,
a SEAM/SEA, em parceria com a Universidade Estadual do Rio de
Janeiro (UERJ), instituiu o Programa Ambiente em Ação e o Núcleo Elos
da Diversidade, para regulamentar o espaço destinado a atender tanto à
preservação da natureza quanto às práticas culturais associadas aos rituais
das religiões afro-brasileiras. O projeto do Espaço Sagrado da Curva do S
passou a ocupar uma pauta no governo do Estado do Rio de Janeiro, que
pretendia que esse fosse um projeto piloto detonador de um programa
maior a ser implantado em todo o país.
Foi nesse contexto que a SEAM/SEA entrou em contato com nossa equi-
pe do Laboratório de Arquitetura, Subjetividade e Cultura (LASC), com
A produção do
Espaço Sagrado da Curva do S
O trabalho da equipe do LASC, envolvida na elaboração do Espaço
Sagrado da Curva do S, sustentava que o projeto de intervenção urbana e
paisagística poderia transformar-se em um meio de diálogo que reduzisse
os conflitos no espaço público. Muitos desses conflitos têm origem na
intolerância e, em grande parte, possuem forte motivação religiosa, envol-
vem crenças e doutrinas que se misturam a fatores políticos, econômicos,
culturais, raciais e étnicos.
Para a elaboração do nosso projeto de intervenção, seria necessário pri-
meiramente, compreender as lógicas culturais rebatidas no espaço, por
meio de uma imersão nas vivências desse grupo religioso.
O Espaço Sagrado
Durante o período de pesquisa de campo, observamos os locais da Curva
do S muito utilizados pelos religiosos para a realização dos rituais. Esses
lugares foram estudados a partir do conceito das cosmolocalidades ela-
borado por Silva (2013), para compreender os significados desses espaços
específicos. De acordo com a autora, as cosmolocalidades são espaços
demarcados por elementos simbólicos, imateriais e espirituais, que perpas-
sam os campos territoriais e identitários. Verificamos, na Curva do S, que
a entrada, o caminho, o rio, as cachoeiras, a pedreira, uma árvore são locais
reconhecidos pelos religiosos da tradição afro-brasileira como um local de
influência de uma deidade/divindade e/ou energia mística, designando um
ponto de força, território ou o domínio espacial específico do sagrado.
55
re p re s e n t a ç õ e s s o c i a i s
Algumas cosmolocalidades nos foram apontadas por um babalawô02,
que acompanhava nossas visitas em campo, outras, no entanto, foram
facilmente identificadas pela apropriação material efetuada por meio de
objetos com valor simbólico e oferendas, como a cosmolocalidade do orixá
Exu, orixá de origem yoruba, que aparece nos mitos como divindade da
comunicação, dos caminhos, percursos e encruzilhadas. Bastide (1971)
explica que Exu é mensageiro entre as divindades e entre o ser humano
e as divindades, sendo, portanto, o responsável por fazer a ponte entre
este mundo e mundo dos orixás, especialmente durante as consultas aos
oráculos (PRANDI, 2001), e sempre o primeiro a receber as oferendas
para acalmá-lo e dele obter a promessa de não perturbar a boa ordem da
cerimônia que se aproxima (VERGER,1981). A cosmolocalidade de Exu
foi a primeira que desvendamos. Uma árvore logo no acesso de entrada
para o interior da Curva do S é o local onde os religiosos deixam oferen-
das e acendem velas.
redor das árvores, que poderiam ser utilizados como bancos e para a colo-
cação das oferendas e velas, respectivamente, evitando, assim, um prejuízo
ambiental.
O projeto foi apresentado em diversas instâncias, em terreiros e eventos
realizados em locais públicos e privados, além de ser largamente veiculado
na mídia impressa e digital, tendo sido aprovado por religiosos, sociedade
civil, ambientalistas e o poder público.
59
re p re s e n t a ç õ e s s o c i a i s
5. Golas ao redor das árvores.
Fonte: LASC, 2019.
60 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Conflitos
Apesar do Brasil ser um país laico, a partir do Decreto nº 119-A, de
07/01/1890, e essa condição estar mantida por dispositivos na Constitui-
ção Federal promulgada em 1988, e dos diálogos travados por anos entre
Estado, religiosos e sociedade civil, ocorreu uma reviravolta que compro-
meteu toda a concretização do projeto: houve uma mudança no pano-
rama político no ano de 2014. Com a saída do então secretário de Meio
Ambiente do Estado do Rio de Janeiro, Carlos Minc, assumiu o cargo o
deputado Índio da Costa, político com diferentes interesses e comprome-
tido com a bancada política vinculada a grupos evangélicos. Seguindo,
portanto, a orientação de seus apoiadores e atendendo à solicitação de sua
bancada partidária, o novo secretário vetou a continuação do projeto do
Espaço Sagrado da Curva do S.
À guisa de conclusão
Toda a dúvida e a incerteza do momento final do projeto e dos novos
rumos que a política tomou fortaleceram a certeza dos religiosos de que,
para seguir em frente com a “luta”, é preciso união para articular e restabe-
lecer alianças e traçar novas estratégias de atuação e possibilidade de diá-
logos e convívios no espaço público, visibilidade e legitimação da tradição,
respeito e direitos dos religiosos no meio urbano.
A intolerância pública/individual lançada sobre diversos grupos religio-
sos, geralmente materializada em recortes espaciais, selou o fim de todas
as atividades relacionadas à educação ambiental e a efetiva construção e
62 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
BASTIDE, Roger. As religiões Africanas no Brasil. São Paulo: Editora USP, 1971.
SANTOS, Juana Elbein dos. Os nagô e a morte. Pàde, Àsèsè e o Culto Égun na
Bahia. Traduzido pela Universidade Federal da Bahia. 11ª. ed. Petrópolis: Vozes,
2001.
01 Grupo de pessoas que optam por viver junto para realizar seu estilo de
vida compartilhado ou propósito comum (CHRISTIAN, 2003). Desenvolvidas
intencionalmente, diferem-se das comunidades naturais e espontâneas.
68 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Construção metodológica
Desde o princípio, a intenção foi estudar o tema a partir da etnotopogra-
fia, em alinhamento com os estudos desenvolvidos pelo LASC/UFRJ.
Segundo Duarte (2011), aliado à metodologia tradicional de pesquisa em
arquitetura, um estudo de cunho etnográfico é necessário para a compre-
ensão da experiência urbana. No entanto, por ser o objeto de estudo uma
residência, o desenvolvimento da metodologia foi um ponto de especial
atenção para a pesquisadora. Como realizar uma observação profunda,
produzir uma “descrição densa” (GEERTZ, 1973), sendo o lugar em
questão uma moradia? Projetando a situação planejada inicialmente, de
visitas constantes às casas, questões como invasão de privacidade, cons-
trangimento e perda da naturalidade se apresentavam como obstáculos.
02 Ao conjunto de métodos que tomam as bases das ciências sociais para
interpretar os espaços construídos temos denominado “etnotopografia”. A
Análise Etnotopográfica se relaciona a uma aplicação de estudos de um grupo
sociocultural em um determinado lugar, com base e suporte no espaço em si
(DUARTE, 2011).
03 Referente ao processo como objeto de interesse, considerando Moldagem
como metáfora do processo que leva o espaço a ser um Lugar (DUARTE, 1993).
70 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Por isso, a ida a campo, ainda que informalmente, fez-se necessária já du-
rante o desenvolvimento teórico, para vislumbrar possíveis soluções para a
prática metodológica.
primeiras abordagens
sultasse em uma visita à casa. Por isso, a primeira ida a campo foi na Casa
Anitcha05 que, por questões de proximidade, já havia sido visitada pela
pesquisadora antes mesmo da intenção de desenvolver a pesquisa acadê-
mica. Isso porque, antes de se tornar uma moradia comunitária em 2016,
já era desde 2008 uma casa colaborativa, promovendo atividades ligadas,
principalmente, à sustentabilidade.
2. Roda de conversa na
Casa Anitcha, Grajaú, Rio
de Janeiro.
Fonte: Acesso em 2019,
disponível em: https://
www.viradasustentavel.
org.br
73
re p re s e n t a ç õ e s s o c i a i s
Situar-nos, um negócio enervante que só é bem-sucedido
parcialmente, eis no que consiste a pesquisa etnográfica
como experiência pessoal. Tentar formular a base na qual se
imagina, sempre excessivamente, estar-se situando, eis no
que consiste o texto antropológico como empreendimento
científico (GEERTZ, 1973, p. 10)
imersão experiencial
a primeira imersão
79
entrevistas realizadas nas imersões na Casa Ânima e ACasa, Rio de Janeiro. Fonte:
Autora, 2018.
re p re s e n t a ç õ e s s o c i a i s
Durante a experiência, percebemos que seria necessária a aplicação de dois
tipos de entrevista: a informal, de maneira contínua à imersão, e a semies-
truturada, ao final da pesquisa na casa. Com a realização das atividades
cotidianas em conjunto com os moradores, assuntos rotineiros motivavam
opiniões sobre pontos importantes, imbuídas de informações oportunas
para a pesquisa. Método fundamental para a apreensão de fatos ligados
à história pregressa do grupo, os questionamentos informais foram feitos
após o surgimento de dúvidas na observação (BRASILEIRO, 2007).
Desta maneira, evitamos indagações gratuitas e incoerentes, que poderiam
desgastar a relação com os moradores. Ao final da imersão, após consoli-
dada a presença constante da pesquisadora no ambiente e contribuindo
para a construção de um sentimento de confiança (BRASILEIRO, 2007)
junto aos moradores, foram realizadas as entrevistas individuais semies-
truturadas. Sua realização na parte final da pesquisa possibilitou que as
perguntas desenvolvidas estivessem de acordo com as observações obtidas
durante a imersão e, por isso, tratando de questões específicas pertinentes
para determinado grupo e/ou indivíduo.
Após o término da imersão, o caderno de campo e as entrevistas transcri-
tas foram analisados de acordo com os principais temas que emergiram,
cada um destacado com uma cor de grifo, resultando na elaboração de ca-
tegorias de análise. Para agregar à escrita a dimensão experiencial propos-
ta, optamos por ressaltar nas análises os trechos produzidos nas entrevistas
e relatos do caderno de campo. Nesse recorte, não abordaremos as desco-
bertas imersivas, mas cabe frisar que as análises da observação etnotopo-
gráfica revelaram inúmeros fenômenos espaciais ocorridos cotidianamente
em ambas as casas comunitárias visitadas.
80 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Considerações finais
Referências
MEAD, G. H. Mind, self and society. Chicago: The University of Chicago Press,
1934.
83
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MERLEAU-PONTY, M. [1945] A Fenomenologia da Percepção. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
Conclusões
A metodologia e coleta de dados desenvolvida possibilitou comprovar di-
ferentes padrões de percepção e processos afetivos de acordo com o grupo
de usuários distinguidos por meio das observações (turistas versus locais03).
Também foi possível identificar quais pontos eram comuns e o grau de
clareza em relação aos caráteres percebidos. Um bom exemplo é o de que
a ambiência de um lugar-praia predominou na associação à Praça Mauá,
nos dois grupos, mas no de turistas a ideia era mais ampla, enquanto no
grupo dos locais essa ambiência praia se delineava com maior precisão
e similaridade morfológica e funcional ao lugar de estudo. A questão da
entrevista sobre lugares associados se mostrou também bastante relevante
para esta análise, possibilitando enxergar também que o imaginário dos
praticantes menos assíduos se encontrava permeado por projeções de
cenários pré-concebidos. O mesmo recorte obteve associações de cará-
ter tão distintas quanto praia e shopping, vazio e dinâmico, no mesmo
momento de entrevista, mas de acordo com grupos de usuários distintos.
Outro ponto demonstrado foi o que se refere à criação de significados
e afetos positivos na nova configuração do lugar: ao contrário do que se
supunha, dada a problemática da gentrificação, os frequentadores locais,
mais assíduos, demonstraram maior formação de vínculos no lugar e asso-
ciação com afetos positivos, enquanto os turistas associaram a ideias vagas
e sensações de frustração. Apresentamos, ainda, a seguir, três conclusões
principais do estudo:
Como ser
um estranho
em sua própria pesquisa
Alice Brasileiro
representaç õ e s s o c i a i s L A D O B
especialmente intenso, pois me dediquei exclusivamente à pesquisa
de campo do doutorado. Minha semana era dividida pelos escritó-
rios que eu estudava e a cada dia eu “batia cartão” em um deles, às
vezes chegando antes do expediente começar, outras saindo após o
expediente terminar.
O Eu observava. Observava e anotava. Observava e desenhava.
Eu conduzia uma observação de cunho etnográfico; nunca tive a
pretensão de fazer uma etnografia propriamente dita, mas foi bem
difícil, às vezes, até constrangedor para mim. Quando iniciamos
um doutorado, nem sempre sabemos exatamente os caminhos
pelos quais a pesquisa irá percorrer. Hoje, olhando para trás, não sei
se eu teria coragem de fazer essa investigação, caso soubesse ante-
riormente como seria.
Imagine você, no seu local de trabalho e, um dia, seu superior chega
e anuncia: “Gente, essa aqui é a Alice. Ela é arquiteta, está fazendo
uma pesquisa de doutorado sobre escritórios, vai ficar aqui conosco
durante um tempo, vai ficar observando o modo de vocês usarem o
escritório, vai fazer anotações, algumas perguntas. Não se preocu-
pem com a presença dela”.
É claro que os funcionários estranharam minha presença! Acho
que pensaram que eu era uma espiã da chefia, mas felizmente posso
dizer que nunca sofri nenhuma pressão nesse sentido. Porém,
houve um estranhamento, lógico. Nas primeiras semanas, eu podia
sentir nitidamente o quão estranha eu era para eles. Eu passava os
dias com um caderno de anotações ou notebook, escrevendo, às
vezes desenhando; ia anotando sobre diversas situações de uso do
espaço – quem se sentava em qual lugar, quem falava com quem,
quem trabalhava com quem, como aconteciam as interações entre
as chefias superiores/intermediárias e os subordinados, como era a
lógica, enfim, do uso do escritório. Eu entendo que eles não sabiam
exatamente o que eu tanto escrevia, e muito mais escrevia do que
falava. Então, eu era um ser muito estranho naquele meio. Era a
época do software de mensagens instantâneas “MSN” e, em alguns
104 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
O espaço físico
sacralizado por crenças
religiosas afro-brasileiras
Claudia Castellano de Menezes
representaç õ e s s o c i a i s L A D O B
sódios foram decisivos para a certeza do prosseguimento, quando,
em debates sobre o modo de morar, determinadas situações nos
revelou a postura pretensiosa e equivocada até então adotada.
Primeiro: escutar e observar mais; falar menos. Segundo: não se
distinguir; incluir-se.
A decisão de morar nas casas comunitárias para fazer a pesquisa
veio depois, através de uma reflexão na escrita do trabalho final da
disciplina Método Etnográfico, quando emergiu um entendimento
profundo sobre o objeto de estudo e a própria pesquisadora.
A partir dessa decisão, a pesquisa deu uma guinada, inclusive aos
olhos dos que estavam ao redor, acompanhando e auxiliando. Ela a
conferiu credibilidade. De fato, após a primeira imersão, a pesquisa
mudou profundamente, assim como a relação entre pesquisadora e
objeto de estudo. Muito impactada pela intensidade da imersão em
campo, o desafio passou a ser outro: a necessidade de manter certa
distância, não comprometendo a imprescindível cientificidade. E
que desafio! Uma pesquisa de imersão em espaço de morar envolve
todas as questões da convivência doméstica que conhecemos: di-
vidir responsabilidades, incomodar-se, ceder, acessar a intimidade
do Outro e revelar a sua própria. Imagine viver isso tudo enquanto
mantém o foco em perceber as questões espaciais referentes ao
estudo acadêmico. Era entrevista enquanto lavava a louça junto e
observação etnotopográfica 24h por dia. Se a pesquisa de campo é
sempre desgastante, o que dizer de morar no próprio campo? Os
primeiros dias, ainda em adaptação, e o últimos, já pelo cansaço, fo-
ram os mais difíceis. Por vezes, surgia a vontade de voltar para casa,
por excesso de movimentação ou por solidão. Mas, sem dúvidas, é
nítido que foi a escolha metodológica acertada, pois não podería-
mos falar desse morar sem experienciar tão de perto.
Academicamente, a percepção subjetiva da pesquisadora se deu de
maneira distinta nas duas casas onde foi moradora temporária. A
relação mantida entre grupo/espaço/pesquisadora serviu de ilus-
tração do que a observação etnotopográfica alcançou e se refletiu
na escrita de análise. Após as imersões, fomos tomados por uma
112 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Do cotidiano
em trânsito ao
transitar na pluralidade
cotidiana
Marília Chaves
representaç õ e s s o c i a i s L A D O B
ainda questionava se o bem-estar e o desejo pelo isolamento e pela
vida veloz não seriam fruto mesmo de uma dessensibilização, mas
comecei, a partir deste impasse inicial, a nutrir um entendimen-
to mais profundo de que a questão urbana é, para a sensibilidade
humana, uma disputa entre desejos, modos de desejar, modos de
querer existir. Meu olhar recém-chegado e ultrassensível à reali-
dade carioca não tardou a adicionar elementos à trama inicial das
minhas questões de pesquisa, sobretudo enxergando na cidade o
contraste entre as muitas cenas de caos acelerado escorrendo com
a paisagem, plano de fundo que suplicava parada e atenção. Essas
reflexões surgiam de forma claramente relacionada, para mim – e
apenas para mim –, à minha inquietação inicial: a oposição entre
velocidade, virtualidade, e vagar, presença, atenção, problemática
sobre de que modos direcionávamos nossa atenção, cercada pelo
fluxo virtual de imagens e informações, e como isso influenciava os
ambientes urbanos.
Desde 1994, venho coletando materiais sobre diversas feiras livres tradi-
cionais, do Rio de Janeiro e do Nordeste (fotos, entrevistas, observação
participante, etc.). Nos materiais coletados, e nas análises posteriormen-
te desenvolvidas, pude observar que, nesses locais de troca, as relações
intersubjetivas suplantam as materialidades das construções, fossem elas
precárias ou não. Por isso, mesmo em espaços requalificados, em que a
arquitetura era usada como ferramenta de transformação, na tentativa de
fixação estrutural, esta arquitetura acabava sendo subvertida e reapropriada
pelos agentes sociais. As feiras são lugares dominados pela mobilidade01.
01 Marc Augé nos oferece alguns caminhos para pensar mobilidade: “[...]
Pensar a mobilidade é pensá-la em diversas escalas para tentar compreender
as contradições que minam nossa história [...] Pensar a mobilidade é também
aprender a repensar o tempo. [...] Pensar a mobilidade no espaço, mas ser incapaz
de concebê-la no tempo, essa é finalmente a característica do pensamento
contemporâneo preso na armadilha de uma aceleração que o entorpece e o paralisa
[...]” (AUGÉ, 2010, pp. 99-102)
123
a ser o imperativo para escolhas e os recortes desenvolvidos nesta pesqui-
e t n o g ra f i a s
sa. Falo, aqui, do centro frenético de uma cidade. As feiras podem servir
como metáforas e metonímias, como reproduções diminutas das cidades
que as abrigam e como interpretações da vida, do trabalho, do lazer, das
relações interpessoais, das hierarquias, dos sentidos de pertencimento.
Na dinâmica desta espécie de “micro-urbanismo” das feiras, vemos repro-
duções adaptadas das dinâmicas existentes na cidade. Lá estão as ruas,
separadas em principais e secundárias, estão os centros e periferias que ca-
racterizam dicotomias urbanas. Perpassando tais “cidades”, estão também
as demarcações entre público e privado. Tudo isso, na maioria das vezes,
só é possível perceber depois de nos despirmos da impressão inicial de se
estar diante de um grande caos. Pois, como nos afirmara Claude Lévi-S-
trauss, “toda paisagem apresenta-se de início como uma imensa desor-
dem, que nos deixa livres para escolhermos o sentido que preferirmos lhe
atribuir” (LÉVI-STRAUSS, 1989 p. 54). Ao mesmo tempo, entender tais
divisões separadamente, coloca-nos diante de uma armadilha, ao analisar-
mos as cidades e as feiras.
A construção da tese teve como hipótese a ideia de que a arquitetura
nesses espaços tradicionais de troca, as feiras livres, caracteriza-se por sua
dimensão temporal, a partir da qual as dinâmicas da vida e das trocas em
comunhão com a materialidade de objetos, muitas vezes banais, transfi-
guram-se em arquitetura. Configura-se, desta forma, uma arquitetura que
reside numa espécie de entre-lugar, que se dá a partir de superfícies de
contato vivenciadas numa relação intersubjetiva entre atores sociais, sendo
estimulada pela troca e pela efemeridade do evento.
Tal hipótese, a priori, possui um caráter abrangente, se pensarmos que
toda arquitetura, seja um supermercado, um ponto de ônibus ou até mes-
mo uma barraca de camping, guarda a temporalidade como característica
na interação entre a construção e seus usuários. Não fosse assim, não seria
arquitetura. Mas, aqui, reside um grande desafio para projetos de requali-
ficação e para permanência e manutenção da memória ou por seu com-
pleto aniquilamento objetivando um futuro. Contudo, uma diferença deve
ser considerada: a ideia de arquitetura como “produto fechado”. As feiras
são exemplos emblemáticos de como a arquitetura pode ser colocada à
prova no seu objetivo de permanência.
124 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
e t n o g ra f i a s
colocou-me diante das questões abordadas sobre uma suposta arquitetura
característica nesses locais. Porém, para o escopo da tese, foram privile-
giadas duas feiras tradicionais, a saber, a Feira de São Joaquim e a Feira
do Ver-o-Peso, ainda que em alguns momentos outras feiras pesquisadas
tenham servido como referencia, exemplificando categorias de análise.
Destaca-se como característica fundamental para escolha das duas feiras
como objetos de estudo da pesquisa, a passagem pelo processo de requa-
lificação. No Mercado Ver-o-Peso, pude pesquisar as complexidades de
uma espaço que passou pela reforma. Na Feira de São Joaquim, o que es-
tava em destaque era a liminaridade de um momento de transição. Desde
2006, são discutidas propostas de reformas entre Sindicatos de Feirantes,
Governo e escritório de arquitetura.
O trabalho de campo que fundamenta esta pesquisa foi desenvolvido de
forma intermitente ao longo de quase dez anos. Destaca-se a Feira de São
Joaquim como a feira mais visitada durante todos esses anos03.
O registro iconográfico dessas feiras e suas arquiteturas é iniciado em
meus primeiros contatos com a Feira de São Joaquim, no ano de 1994,
ainda na faculdade de arquitetura. Influenciado por meu encontro, na
Bahia, com o artista plástico Carybé e por seu relato apaixonado sobre
esta feira baiana, nunca mais parei de observá-la e registrá-la.
A partir da afirmação de Carybé, de que “o primeiro lugar a ser visitado
numa viagem é a feira, pois entendemos ali a identidade mais forte dos
habitantes” (CARYBÉ apud CAMPOS, 1998, p. 52), tornei-me uma espé-
cie de turista aprendiz, parafraseando Mario de Andrade, que buscava nas
cidades visitadas encontrar nas feiras a “identidade dos seus habitantes”.
As várias pesquisas de campo nas diversas feiras visitadas se deram de for-
ma variada. No Mercado Ver-o-Peso, por exemplo, os trabalhos de campo
e o registro iconográfico para pesquisa foram realizados em cinco dias de
intenso convívio na feira no mês de dezembro de 2011.
Num ensaio sobre narrativa, Victor Turner argumenta que “as perfor-
mances sociais encenam histórias poderosas – míticas e também de senso
e t n o g ra f i a s
espaço público, “a praça parece se alargar em dias de feiras e seus limites
vão muito além dos limites físicos das ruas que os cercam”.
Então, esses “limites físicos” também são expandidos nas delimitações das
próprias ruelas e barracas das feiras. A arquitetura não poderia ser estuda-
da, em si, como uma análise da forma, mas a que nos interessa é ressigni-
ficada em seu uso, nas trocas, inserida no espaço da rua “cujos significados
construídos pelas ações cotidianas o diferenciam e o tornam uma catego-
ria sociológica inteligível”. (LEITE, 2004, p. 19).
O princípio organizador desta pesquisa, então, baseou-se na constatação
de que as transformações arquitetônicas por que vêm passando tradicio-
nais feiras populares brasileiras, desde o inicio do século XXI, no Brasil,
como no caso estudado no mestrado do CLGTN, mostram-nos que os
projetos arquitetônicos de intervenção nesses espaços ainda apontam di-
ficuldades ao se relacionar com o cotidiano da vida, com a imaterialidade
característica destes locais de trocas.
Observa-se como problema nos espaços transformados uma tentativa
de uso da arquitetura, ora por parte dos poderes públicos ora por parte
dos próprios arquitetos, como ferramenta de domesticação e regulação
das praticas informais que caracterizam as feiras livres tradicionais. E ao
intervir usando a arquitetura como ferramenta de apropriação, impon-
do a forma como molde para as praticas populares que caracterizam-se
pelas práticas transitórias, esses agentes responsáveis pelas transformação
acabam criando contradições. Contudo, o diálogo entre essa arquitetura
imposta e a imaterialidade do evento faz emergir um “entre” mutável, vivo
e dinâmico, que se distingue tanto das intenções dos interventores quanto
das características anteriores dos comércios populares.
Sabemos que tais processos de intervenção urbana modificam e acabam
gerando novas memórias para esses locais, principalmente quando se trata
de lugares como as feiras livres, ricos em histórias, e que vêm passando, ao
longo dos tempos, por várias modificações. Como muitos desses comér-
cios populares ainda não foram modificados, buscou-se fazer uma análise
observando tanto os mercados já transformados como estes ainda não
modificados. Verificamos, com isso, como os espaços de trocas são influen-
ciados pelos processos de enobrecimentos e como estas novas arquiteturas
são influenciadas pela transitoriedade das relações intersubjetivas.
128 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
e t n o g ra f i a s
conceitos que as nomeiam, construiu-se, em toda pesquisa, discussões
teóricas, conceituais que dialogaram com as mesmas. Passamos, então, a
apresentar essas categorias.
Intersubjetividade
Ao falarmos de intersubjetividades, estamos, nos termos de Buber (2001),
falando das relações sociais, da inter-relação que “envolve o diálogo, o
encontro e a responsabilidade entre dois sujeitos e/ou a relação que existe
entre o sujeito e o objeto”. Intersubjetividade, então, nos serve como base
para o entendimento das relações que se constroem nesses espaços de
troca, nas feiras livres. Algo que transcende as relações corporificadas no
objeto arquitetônico. Espaços que se caracterizam pela “vida em diálogo”.
Esclarecimento este que encontramos no capítulo de introdução, escrito
por Newton Zuben, para o livro Eu e tu, e que nos afirmaria a pertinência
em utilizar o filósofo Martin Buber como base para o conceito de inter-
subjetividade utilizado.
As pistas para chegarmos à ideia de intersubjetividade estão presentes na
“experiência etnográfica” de James Clifford (2002). Esse autor, que cita
várias vezes o termo em sua obra, destaca um certo status exemplar da
prática etnográfica a partir do “envolvimento intersubjetivo”, no qual tanto
os sujeitos que circulam nas feiras quanto os feirantes estão imbricados.
A ideia de intersubjetividade apresenta-se, dessa forma, como chave para
o entendimento e reconhecimento dos tradicionais espaços de troca.
Espaços, segundo Braudel, de uma atividade de “mão na mão, olhos nos
olhos” (BRAUDEL, 1996, p.15).
Constroem-se, a partir dessas relações sociais, espaços que se ampliam
para além do simples ato de comprar e vender as chamadas mercadorias.
Mumford também nos mostra que, desde sua formação, os espaços de
troca sempre foram esses locais de inter-relações, em que “provavelmente
não existe sequer um mercado urbano onde a troca de notícias e opiniões,
pelo menos no passado, não desempenhou um papel quase tão importante
quanto a troca de mercadorias”. (MUMFORD, 2008, p. 179). Lugares de
130 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
e t n o g ra f i a s
A ideia de superfície de contato, destacada no texto de Braudel, chamou-
-nos a atenção para a possibilidade de entender uma materialidade que se
dá antes e depois do evento, uma materialidade que poderíamos conside-
rar como uma pré e uma pós-arquitetura das feiras. Essa materialidade faz
parte de um processo que poderíamos chamar de arquitetura como superfí-
cie de contato, usada como base para que, no encontro entre objetos e pes-
soas, a arquitetura dos espaços de troca aconteça em sua plenitude: “Entre
‘vida material’ (no sentido econômico muito elementar) e vida econômica,
a superfície de contato, que não é continua, materializa-se em milhares
de pontos modestos” (BRAUDEL, 1996, p. 7, grifo meu).
Em uma feira livre, podemos destacar muitos objetos que se transformam
em superfícies de contato para que as trocas se deem. Dentre os vários
exemplos, podemos citar alguns bem característicos, como: caixotes, lonas,
carrinhos de mão, tabuleiros etc.
Nas várias incursões feitas a esses locais de troca, pude registrar, através
de fotografias, sequências de imagens, uma amostragem dos processos de
transformação do objeto, em que, por exemplo, um carrinho de mão pode
ser utilizado para o transporte da mercadoria, para a sua comercialização e
até mesmo como espaço para descanso. Através das análises e dos registros
que ilustram essa situação, pude construir o entendimento que buscava
sobre a materialidade descrita por Braudel como “pontos modestos” que
operam como “superfícies de contato” nas feiras livres.
Essas pesquisas empíricas e observações sobre as superfícies de contato
tornam-se fundamentais, pois, em tais superfícies, encontramos a dimen-
são material que nos servirá como ferramenta de análise para auxiliar na
comprovação da hipótese central da tese.
Aqui, lembramos que a hipótese desta tese busca uma arquitetura das
feiras livres que acreditamos caracterizar-se por sua relação entre super-
fícies de contato e intersubjetividades, criando uma dimensão transitória,
efêmera ou da mobilidade, que só pode ser percebida na relação “espaço-
-temporal” do evento, nos termos de Santos (2009).
132 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Evento
Na crença de que a arquitetura das feiras livres e mercados populares
acontece na interrelação entre a materialidade dos objetos e a imateria-
lidade da vida, chegamos a uma dimensão transitória. Encontramos, na
ideia de evento descrita por Milton Santos, a dimensão espaço-tempo-
ral que nos serviu como base conceitual desse entendimento. O evento
“permite unir o mundo ao lugar; a História que se faz e a História já feita;
o futuro é o passado que aparece como presente. O evento aparece como
essa grande chave para unir também a noção de espaço e tempo [...] como
um todo único” (SANTOS, 1999, p.1).
Temos, então, na noção de evento, descrita por Santos, a construção do
entendimento que buscamos sobre arquitetura das feiras livres. Corrobo-
ra-se, assim, com a ideia de uma arquitetura transitória que se caracteriza
pela temporalidade e acontece numa espécie de “entre”, de limiar, consti-
tuído pela junção da imaterialidade das relações sociais com a materiali-
dade dos objetos e fortalece a ideia participacionista, que, nos termos dos
Situacionistas, cria “situações” e, nos de Tschumi, “eventos”. O arquiteto
Bernard Tschumi chega até mesmo a vincular a noção de evento como
uma das naturezas da arquitetura: “O papel de incidentes isolados – tantas
vezes descartados no passado – evidencia que a natureza da arquitetu-
ra nem sempre se encontra na construção. Eventos, desenhos, textos,
expandem as fronteiras de construções socialmente justificáveis.” (NES-
BITT, 2006, p.181, grifo meu).
Considerações finais
As feiras livres nos apresentam suas arquiteturas-lugares quando procura-
mos, despidos de nossas “crises de niilismo”, compreender as construções
daqueles espaços. Nesse sentido, esta pesquisa identifica como ponto
fundamental a ampliação de uma postura profissional. Dessa forma, nós,
arquitetos, podemos enveredar, nas feiras livres, a partir de uma mirada
etnográfica. A partir do entendimento de que as arquiteturas nas feiras ca-
racterizam-se por sua dimensão imaterial, vinculando inter-relações, usos,
contrausos, eventos, podemos afirmar que, na análise de uma feira livre,
133
estamos refazendo a ideia de arquitetura. Suas características transitórias
e t n o g ra f i a s
nos fazem considerar que o entendimento sobre tais estruturas deve rever
as características de permanência e tipologias.
Assim, é possível verificar nas feiras que os objetos só se tornam arquite-
turas mediante as práticas sociais que lhes exprimem sentido. A arquite-
tura das feiras caracteriza-se por essa imbricação forma-conteúdo, criando
um terceiro lugar, um limiar que acaba por defini-la como uma arquitetura
“viva”.
Nas feiras livres pesquisadas, eu estava lá, algumas vezes arquiteto, ou-
tras etnógrafo, outras vezes um comprador de ervas, outras como turista
aprendiz, outras ainda rememorando minhas feiras do subúrbio, onde me
criei. Independentemente dos papéis que eu estava desempenhando, em
todas elas fui um construtor de arquiteturas nas relações intersubjetivas
que desempenhei. Se tal arquitetura é construída no evento, fui co-autor
em cada visita, arquiteto de intersubjetividades. Ao comprar farinhas,
cerâmicas, dendês, no momento da troca, pude exercer minha profissão,
perfazendo ou desmanchando cenas, situações, arquiteturas, por fim.
134 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Referências
e t n o g ra f i a s
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Naify, 2003.
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UFMA; PROIN (CS), 2000.
NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica
(1965 -1995). São Paulo: Cosac Naify, 2006.
e t n o g ra f i a s
Copa do Mundo que ocorreu no Brasil em 2014. Na tese O grande palco
futebolístico. Ambiência e memória no estádio do maracanã pós-reforma
para a copa de 2014, partimos do fato de que as reformas/reconstruções
dos estádios geraram discussões sobre as imposições a respeito dos novos
hábitos de torcer, o aumento de preços dos ingressos e a transformação ar-
quitetônica dos espaços. Diante desses argumentos, nós verificamos que a
ambiência tem papel preponderante na reinterpretação dos novos espaços
físicos, surgidos pelas reformas dos estádios para os megaeventos, além de
funcionar como o elo entre o passado e a situação atual. A atmosfera do
lugar, portanto, foi capaz de possibilitar a [re]significação dos espaços por
meio das práticas e das crenças compartilhadas nesta nova situação.
Como a ambiência, é fácil sentir, porém, difícil explicar, segundo Au-
goyard (2007); fez-se necessário, para ambas as pesquisas, um arsenal
metodológico muito bem desenhado e ancorado em uma investigação
empírica. Cercamo-nos, assim, de um leque metodológico interdiscipli-
nar que abarcasse uma diversidade de experiências a fim de trazer maior
completude a um conceito complexo e em constate construção. Assim
sendo, o objetivo deste ensaio é, em breves linhas, descrever um pouco da
metodologia utilizada nesses dois trabalhos desenvolvidos junto ao LASC
e elucidar a importância da ambiência em cada um deles.
Tecendo relações
- etnotopografia
e t n o g ra f i a s
tos mais banais. Sendo a etnotopografia um desdobramento da etnografia,
mas com base e suporte no espaço em si, vinculamos a completude desse
método para uma abordagem da ambiência. Como a ambiência nos con-
duz a pensar a partir das experiências das pessoas com o meio físico e das
relações sensíveis que estabelecem com o ambiente e com outras pessoas,
o uso dessa ferramenta auxilia na compreensão de condutas, de vivências
e de trocas estabelecidas pelos diferentes grupos com uma determinada
ambiência de um espaço construído.
Percursos comentados
& roteiros sensoriais
- pelos percursos da acessibilidade
e t n o g ra f i a s
ou desenhos.
São utilizadas técnicas de percepção nos roteiros e que buscam provocar e
instigar a vivência plena de ambiências, visando à promoção da mera con-
templação e recepção pacífica de informações históricas para a experiência
partícipe dos elementos da cultura local. As transformações desejadas são
os sujeitos mais sensíveis quanto ao uso do espaço, potencializando a frui-
ção dos lugares, no exercício integral e integrado da troca e da experiência
cotidianas. Por meio de um olhar [re]significado, busca-se um
[re]conhecimento do espaço e, dessa forma, mais respeito e amorosidade
com o patrimônio cultural, despertar um sentimento de pertencimento
social e empoderamento do legado cultural.
Além dos roteiros previamente definidos e que sistematizam a caminhada
em ambos os métodos, os Sentido Urbanos prezam pela fenomenologia
da percepção como forma de educar para o patrimônio cultural, ao mesmo
tempo em que captura observações e colocações importantes para o tema
da acessibilidade. Ambos se complementam, no sentido de elucidar os
fenômenos sensoriais que reverberam na urbe e servem como condição de
deslocamento e acesso atrelados aos atributos físicos e formais, que, juntos,
são parte da mesma atmosfera, que condiciona os lugares.
Mapeamento sensível
das ambiências urbanas
Como resultado dos Percursos da Acessibilidade, nós criamos o Mapeamen-
to Sensível das Ambiências Urbanas. Após as observações e os percursos
realizados com as pessoas com deficiência, conseguimos extrair elementos
sobre a ambiência das ruas pesquisadas que puderam ser cartografados.
A observação de cada ambiência e cada particularidade desses espaços
possibilitou a compressão das apropriações e afetações que as pessoas de-
senvolvem pelo Lugar. Assim, ao examinarmos a cidade histórica de Ouro
Preto, observamos aspectos únicos ligados a essas ambiências do físico, do
emocional, do cultural, do histórico e principalmente do humano e seus
movimentos situados nessa teia de elementos sensoriais.
144 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
A nossa pesquisa teve por recorte espacial as ruas São José e Getúlio
Vargas e, nelas, coletamos os dados sensoriais e emocionais dos usuários.
Usamos como base o método de diagnóstico de barreiras de acessibilidade
em áreas urbanas desenvolvido por Duarte, Cohen e Brasileiro e Silva
(2013) para o levantamento físico dos percursos.
O Mapeamento Sensível das Ambiências Urbanas foi inédito e usado a
primeira vez no trabalho de mestrado “Pelos percursos da acessibilidade”.
Entretanto, ele foi parte de uma variação da metodologia de mapeamento
denominada “mapeamento das manifestações”, desenvolvida pelo LASC,
que consiste em espacializar em planta baixa gráficos ou desenhos as
manifestações de afeto, as relações interpessoais ou qualquer outro evento
social que ocorra em campo, tornando mais claras as situações de inter-
dependência de fatores emocionais, culturais e espaciais e permitindo a
emergência de situações subjetivas a serem mais facilmente exploradas.
Os ícones utilizados no mapeamento foram símbolos de acessibilidade
demarcados previamente de acordo com a metodologia do diagnóstico
(DUARTE, COHEN, BRASILEIRO e SILVA, 2013), como inclinação
acentuada, degrau, buraco, barreira aérea, objeto muito alto e passagem
estreita. Em seguida, criamos ícones para sensações, emoções e afetos, e
acentuamos no mapa a reverberação de como eles apareciam na fala dos
pesquisados.
Optamos pelo mapeamento sistêmico da ambiência, observando prin-
cipalmente a acessibilidade diante do patrimônio cultural. Assim, con-
seguimos categorizar a ambiência das ruas pesquisadas neste mapa e
conseguimos perceber a importância dessa atmosfera para a circulação do
espaço, a apropriação e afetação, algumas vezes repúdio pelo local, mas
principalmente notar como os sujeitos a sentem e atribuem seus valores de
acordo com ela.
Por fim, conseguimos perceber, diante do mapeamento das ambiências,
que as pessoas foram capazes de criar estratégias de deslocamento pelo lo-
cal. Percebemos que as pessoas puderam se orientar com base nos aspectos
sensoriais e pela identificação com o físico. Esse aspecto somente é possí-
vel uma vez experienciando a ambiência que torna o ambiente legível. A
partir deste trabalho, percebemos que as pessoas puderam refletir sobre o
lugar de forma mais consciente e perceberam que podem sugerir e interfe-
rir melhorias dignas para todos.
145
e t n o g ra f i a s
1. Mapeamento Sensível das Ambiências Urbanas.
Fonte: Melo, 2013
Quadro de relatos
Da mesma forma que no Arquivo Mnemônico do lugar, tratamos em
nossa pesquisa do doutorado da condição inexata dos lugares acreditando
que todo lugar é “inventado”, construído pela força significadora da sub-
jetividade. Ademais, entendemos que a ambiência, nosso conceito-chave,
pode ser apreendida em um lugar outrora apropriado, mas modificado por
reformas. Buscamos, assim, observar os relatos sem autoria dos informan-
tes, transformando as entrevistas em uma massa polifônica e buscando
averiguar a presença de traços.
Usamos a técnica do agrupamento de relatos em um quadro único e,
assim como no Arquivo Mnemônico do Lugar, buscamos identificar
as ideias e metáforas mais significantes que emergiram do texto. Essas
148 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
e t n o g ra f i a s
talha, Colosso, Lugar Mágico, Engomadinho e Teatro de Sonhos e Emoções.
Ao final do Quadro de Relatos, afirmamos que essa ferramenta nos levou
a pensar as relações do torcedor a partir das oscilações dos sentimentos de
cada um que frequenta o estádio. Podemos, com base nos dados esta-
tísticos levantados, ter um resultado mais exato que mensura e avalia o
processo de retomada ou repulsa do Maracanã. Porém, o quadro de relatos
nos mostrou que os significados sempre buscam um contraponto, uma
oscilação, como se todo novo significado precisasse ter um respaldo da
grandeza e da importância do local tem para seus usuários.
As figuras abaixo dão um panorama do impacto que o novo Maracanã
tem ocasionado na vida do público e como a relação com o espaço re-
formulado perpassa pelas oscilações entre as referências passadas e o que
existe de novo, além das imposições/rupturas com as formas de transgre-
dir/readequar ao estádio.
Considerações
A ambiência, enquanto tema-chave das pesquisas, destaca-se por ser a
amálgama entre fatores físicos e sensíveis do lugares construídos, ser mul-
tidisciplinar, trazendo elementos da sociologia, antropologia, filosofia para
o espaço, e, sobretudo, por estar amparada e amparar conceitos como a
experiência, a memória, a identidade, a alteridade e tantos outros que nos
levam a compreender do ambiente.
Em ambos os métodos exemplificados neste ensaio, a ambiência mos-
trou-se principal ente transformador dos espaços. Ao pesquisarmos a
acessibilidade, percebemos que os espaços não são neutros, uma vez que
a atmosfera que paira sobre eles ajuda a criar alguma forma orientação e/
ou perceber que cada um pode interferir ou fazer interferir nos locais, seja
por meio do conhecimento subjetivo e social que se faz dele, ou reverbe-
rando com outros sujeitos a importância de pensar um local mais plural.
No estádios reformados, a ambiência cria condições para que as narrativas
sejam capazes de acionar lembranças e de [re]significar o lugar através
de hábitos e práticas reestruturadas pelos novos usos. A forma resistente
das torcidas, a capacidade de se reinventar em meio a atmosfera do lugar,
fazem o espaço novamente apropriado e, consequentemente, esses lugares
podem vislumbrar um porvir.
O LASC, enquanto um dos grandes laboratórios construtores e difusores
do tema da ambiência e de tantos outros sobre a construção subjetiva,
cultural e social do ambiente construído, leva-nos a pensar no nosso papel
de afetados e de quem afeta o lugar e o outro. Assim sendo, aprendemos
em meio às explosões de ideias muito mais que conceitos e definições, mas
e, sobretudo, um modo de [con]viver e [trans]formar o meio e as trocas
estabelecidas nele.
151
Referências
e t n o g ra f i a s
AUGOYARD, Jean-François. A comme Ambiance(s). In: Les Cahiers de la Re-
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O Lugar do Projeto no ensino e na pesquisa em arquitetura e urbanismo. Rio de
Janeiro: Contra Capa/PROARQ, 2007.
FREUD, Sigmund. [1895]. Projeto para uma psicologia científica. In: FREUD,
S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.
Rio de Janeiro: Imago,1990.
e t n o g ra f i a s
voltando-se para uma compreensão mais global do assunto, é, na reali-
dade, exterminar a própria temática e toda sua essência, que se pauta na
multiplicidade. Por isso, defende-se que o principal método passe a ser o
processo em si, fluido e experimental, moldável e reconstruído a partir de
cada tática e suas descobertas em campo. Os números obtidos por meio de
questionários ou entrevistas podem ser colaboradores durante a investiga-
ção de categorias de análise, mas está nas entrelinhas capturadas através
da imersão em campo a chave para se desvendar – ou proteger – a subjeti-
vidade atrelada ao espaço.
A percepção do In-visível
Perceber a partir de determinada ambiência é entrelaçar aquilo que é
visto com o não visto, é incluir o in-visível02 no processo de desvendar
o entorno, deixando-se tomar pelos múltiplos estímulos, sobretudo, da
própria imaginação. Principalmente em se tratando de ambiências notur-
nas, quando a escuridão, mesmo diluída em luzes, gera áreas de sombra,
apagando contornos e limites.
Experienciar uma ambiência noturna diz respeito, portanto, a um novo
olhar, livre da nitidez da visão diurna e que liberta singularidades identitá-
rias. Tem-se aí, como sugere Dias (2008), um universo que se transformou
em outro, mantendo-se no mesmo suporte espacial.
Haveria, então, diante da imensidão da noite, não uma perda da visão,
mas o seu contrário – uma imersão profunda naquilo que é captado pelos
órgãos, o que significa abrir caminho aos demais sentidos e descobrir que
uma paisagem só se revela em sua totalidade e essência através de nuan-
ças interiores e ao mesmo tempo desvinculadas do ato objetivo de ver.
Por isso, não se considera aqui a ilusão como um engano, mas sim uma
02 In-visível é um termo também utilizado por Dias (2008) e proposto neste
trabalho para enfatizar o percebido a partir das ambiências noturnas. O prefixo
“in” se refere tanto ao negativo do visível, ou seja, o que não pode ser captado pelos
olhos, como tudo aquilo compreendido dentro do campo visual. Pode significar
uma ausência da visão, uma percepção que inclui estímulos além dos visuais ou
tratar de uma visão introspectiva.
158 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Etnotopografia
A Etnotopografia é um conjunto de táticas metodológicas de análise de
espaços, elaborado, sistematizado e trabalhado desde os anos 2000 pelo
Laboratório de pesquisa Arquitetura Subjetividade e Cultura-LASC. Tra-
ta-se da aplicação de estudos realizados a partir de um grupo sociocultural
em um dado lugar, tendo como base e suporte o próprio espaço, erguido
objetiva e subjetivamente.
159
Dentro do campo da Pesquisa Qualitativa, a Etnotopografia se estabelece
e t n o g ra f i a s
a partir do processo de raciocínio indutivo, em que as questões vão sendo
reformuladas durante o desenrolar da pesquisa, visando proporcionar uma
compreensão mais ampla do problema. Além disso, com uma abordagem
mais naturalista e interpretativa, ou seja, buscando a interpretação dos
fenômenos a partir dos significados que os sujeitos dão a eles em seus
próprios ambientes naturais, acredita-se ser possível a construção de uma
análise mais holística e sensível a partir das ambiências, em que não só os
indivíduos e suas ações são levados em conta, mas especialmente as intera-
ções e afetações desses (dos indivíduos) com o espaço.
Em meio às ambiências, os sujeitos e suas atitudes perante a sociedade
são observados, mas o que mais se destaca numa análise etnotopográfica
são as relações estabelecidas no espaço que, sob características lumínicas,
sonoras, dimensionais, olfativas, táteis e imaginárias, reafirmam-se como
tais a partir da edificação de Lugares.
Para Duarte (1994), o espaço construído é capaz de passar mais informa-
ções sobre seus usuários do que pode ser descoberto através de questioná-
rios e entrevistas, mas para isso se faz indispensável a escolha de um bom
percebedor e “intérprete” de arquiteturas.
A respeito da pesquisa etnotopográfica, principalmente esta, dedicada às
ambiências noturnas, cabe destacar que, além da visão, os demais sentidos
precisam ser analisados e fortemente considerados. A pele, por exemplo,
passa a ser um dos grandes captadores de estímulos do meio, até porque,
como sugere Serres (2001), a noite confunde os olhos, os ouvidos, o nariz,
mas não a pele. Ela (a pele) extrapola o limite do objeto. Algumas áre-
as em ambiências noturnas confundem a habilidade do indivíduo mais
atento, mas permitem revelar o in-visível e o imaginário pelo arrepio, por
exemplo.
e t n o g ra f i a s
que não conta com nenhum anteparo para pendurar um
simples calendário, se fosse o caso.
(BRASILEIRO, 2007, p.224).
Estratégia e táticas
etnotopográficas
A pluralidade e heterogeneidade espaço-temporal das ambiências no-
turnas, somada às relações entre indivíduo e meio, necessitam de uma
estratégia metodológica híbrida que possa ser moldada e reconstruída a
partir das descobertas em campo, capaz de coletar não só as informações
objetivas do espaço, como as mais diversas percepções subjetivas. Assim,
dentro do campo da Estratégia Qualitativa, a partir de abordagens inte-
grativas, a Etnotopografia foi proposta como meio condutor da pesquisa
de mestrado da autora.
A etnotopografia não diz respeito a apenas uma técnica, mas uma série de
táticas que vêm complementar a descrição das ambiências e nutrir as aná-
lises realizadas após a pesquisa de campo. As descrições de cenas, momen-
tos, interações, espacialidades, não devem necessariamente ser realizadas
somente sob forma de texto num caderno de campo, principalmente em
se tratando de uma visão oriunda de um pesquisador que também se de-
dica à compreensão do espaço. Croquis, fotografias, filmagens, entrevistas,
mapeamentos são meios importantes para se alcançar uma descrição mais
completa do visível e do in-visível, por isso, algumas ferramentas utiliza-
das na pesquisa de dissertação serão apresentadas a seguir.
162 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Etnografia
Constitui um conjunto de significantes, em que eventos, fatos e contextos
são captados, interpretados e registrados. Segundo Geertz (2008), a etno-
grafia deve ser definida pelo seu tipo de esforço intelectual, e não somente
pelas relações estabelecidas, pela transcrição de textos ou realização de
mapeamentos. Ou seja, trata de uma relação prolongada, de imersão e
posicionamento do pesquisador sobre o Outro, seja este indivíduo ou o
espaço. A etnografia foi considerada uma importante ferramenta para
essa pesquisa de mestrado, principalmente por assumir, como sustentam
Ivenicki e Canen (2016), o papel do autor como sujeito com identidade,
detentor de cultura e visão de mundo, que acaba conduzindo ou afetando
de alguma forma aquilo que é percebido e vivenciado enquanto ambiência.
Assim, buscou-se manter o rigor caro à ciência, mesmo sem haver neu-
tralidade do pesquisador, ou seja, assumiu-se o autor como sujeito partici-
pante, que também compõe, imprime, sua marca e ressignifica a ambiência
analisada.
e t n o g ra f i a s
Baseado nos trabalhos de Cosnier e Oliveira Filho (apud DUARTE,
2010), corresponde à produção gráfica da observação etnográfica por meio
de rabiscos, desenhos arquitetônicos, esquemas e croquis. Sua contribuição
está relacionada com a descrição espacial das situações e sua visualização
no meio físico e não com a forma de apresentação (DUARTE, 2010).
Capaz de representar intensidades e impressões absolutamente subjetivas
captadas do meio, essa ferramenta agrega uma espécie de força/energia
às descrições etnográficas. É direta e essencial. Assim como o etnógrafo
escreve o que percebe em seu diário de campo, a expressão do arquiteto se
dá por meio de desenho. No caso dessa pesquisa sobre ambiências notur-
nas, foi uma ferramenta bastante útil, visto que outras possibilidades de
registro de imagem, como a fotografia ou a filmagem, além de fornecerem
resultados nem sempre coerentes com a situação real, geravam certo des-
conforto em alguns sujeitos.
Mapeamento de Manifestações
Segundo Duarte (2010), essa ferramenta consiste em demonstrar, em um
desenho já pronto e dimensionado do espaço (normalmente em planta),
relações, movimentos, manifestações, emoções e outros dados captados
em campo. Existem duas abordagens básicas: os mapas centrados no lugar,
que são aqueles produzidos a partir da observação do espaço e de tudo
que ocorre neste; e mapas centrados no indivíduo, quando a intenção do
164 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Entrevistas
Como na etnografia a visão do
pesquisador, mesmo partindo de
dentro e de perto, não é capaz de
reproduzir em totalidade o que o
Outro percebe do espaço, conside-
ra-se a entrevista um bom modo de
se aproximar ainda mais do objeto
de estudo e de como ele é apro-
priado pelos indivíduos. Defini-
das por Bingham e Moore (apud
RHEINGANTZ et al., 2009)
como um relato verbal voltado para
o esclarecimento de um objeti-
vo pré-estipulado, as entrevistas
garantem a captação de informa-
ções a respeito das pessoas, de suas
emoções, crenças e valores, mas
6. e 7. Mapeamento de
Manifestações: Componentes
Subjetivos (Rocinha jul. e
out/2012). Fonte: autora, 2013.
165
também precisa ser estimulada e percebida pelo pesquisador, que deve se
e t n o g ra f i a s
manter atento aos sinais mais sutis do respondente. Defende-se que num
trabalho como este, em que o foco está na subjetividade, mesmo diante
de respostas simples e ágeis, o entrevistado deixa transparecer reações
importantes de serem observadas e analisadas posteriormente. No caso
desta pesquisa, as entrevistas possibilitaram desde o esclarecimento de
dúvidas em relação aos cenários analisados, a questionamentos inerentes
às ambiências noturnas, o que contribuiu para uma leitura mais comple-
ta e menos individual do objeto de estudo. O uso de entrevistas, tanto
estruturadas (semelhantes ao formato de questionário com perguntas e
respostas curtas realizadas na presença do pesquisador), quanto semies-
truturadas (ferramenta baseada num roteiro básico capaz de orientar o
pesquisador), veio da própria necessidade surgida em meio ao processo de
imersão em campo, em que existiram dois momentos: um, voltado para a
coleta de opiniões rápidas e norteadoras do trabalho, e um segundo mo-
mento, pautado na compreensão mais densa dos ambientes eleitos como
cenários. Acredita-se que a informalidade buscada durante esse processo
tenha sido de suma importância no alcance de uma maior aproximação
entre o entrevistador e o entrevistado, conseguindo-se obter verdades mais
íntimas do usuário do espaço. Brasileiro (2007) atenta, inclusive, para a
utilização desse instrumento – entrevista informal – após a observação do
pesquisador já iniciada e estruturada, para que existam diferentes percep-
ções do etnógrafo (sem e com a interferência dos indivíduos pertencentes
ao espaço analisado).
Re-des-cobertos:
o processo em campo
O contato inicial com a noite do Rio de Janeiro, por meio de uma imer-
são desassociada de conceituações e limites, possibilitou a percepção mais
emocional do espaço, em que os estímulos eram captados em sua essência,
sem interferência de outrem. A partir de um determinado momento, jun-
tamente com idas a campo, iniciou-se a pesquisa teórica sobre a temática,
166 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
e t n o g ra f i a s
los disponíveis no ambiente.
Com o decorrer da pesquisa de campo, as ferramentas foram sofrendo
ajustes. As entrevistas informais são um exemplo. Realizadas num pri-
meiro momento sem qualquer tipo de roteiro, eram aplicadas como forma
de esclarecimento de algumas dúvidas levantadas durante as etnografias
e croquis. O registro no próprio caderno de campo e ausência de critérios
previamente estabelecidos dificultavam muito o processo de transcrição
e análise. Então, a partir das questões mais pertinentes, construiu-se um
modelo semiestruturado de entrevista que possibilitou acréscimos de acor-
do com o que era captado. Assim, a ferramenta passou a assumir grande
importância para a pesquisa, principalmente porque permitia um melhor
agrupamento das respostas e uma análise comparativa.
Durante o processo de pesquisa em campo, realizado entre os meses de
julho e novembro de 2012 (além do primeiro mês – junho – de imersão
inicial), pode-se dizer que as primeiras semanas refletiram certo descon-
forto tanto da pesquisadora em relação aos sujeitos e espaços observados,
quanto desses mesmos indivíduos em relação à pesquisa. Esse desconforto
inicial proporcionou uma série de julgamentos do espaço noturno, que
com o tempo foram sendo transformados em outros componentes subjeti-
vos ou foram sendo diluídos pela sensação de familiaridade adquirida nos
cenários.
A própria relação com os entrevistados foi também sendo modificada. Em
todos os três cenários, as respostas iniciais às entrevistas eram pouco com-
prometidas e bastante superficiais. A intimidade conquistada aos poucos
foi agregando à ferramenta o caráter da informalidade (sem que se per-
desse o rigor científico). Estabelecidas como uma conversa despretensiosa
e sem vínculos, as entrevistas passaram a envolver o respondente, tornan-
do-o um colaborador que não seria julgado por seus pensamentos, nem
reconhecido futuramente por suas palavras. Com isso, as frases curtas e às
vezes vagas aos poucos ganhavam opiniões mais densas, inclusive acompa-
nhadas de apontamentos específicos em relação aos lugares noturnos.
Enfim, pode-se dizer que essas idas e vindas durante a aplicação do
método foram complexas, mas não deixaram de contribuir de alguma
maneira com as análises finais, uma vez que o próprio desconhecimen-
168 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Considerações finais
Compreender a cidade enquanto meio complexo e múltiplo, em que as
ambiências dão o tom mais profundo do espaço, é se propor a enxergar o
in-visível, desvendar temporalidades e mergulhar em subjetividades. Dessa
maneira, não cabe mais uma análise puramente objetiva e direta, como
ainda se vê sendo praticado por alguns planejadores, políticos e projetis-
tas. É preciso estabelecer um contato mais profundo com os sujeitos, sua
cultura e seu espaço, a fim de traçar planos e soluções que ressignifiquem
e/ou alimentem o sentimento protetor do Lugar.
A Etnotopografia, com sua permeabilidade e fluidez, possibilita que ela
mesma enquanto estratégia metodológica, seja reinventada e adaptada às
necessidades de cada processo, sem que seu rigor científico seja colocado à
prova. Assim, ela se expande tanto quanto as ambiências e se torna capaz
de abraçar as mais variadas situações espaço-temporais.
A aplicação das táticas metodológicos apresentadas nesse artigo não cons-
titui um caminho nítido de se vislumbrar o meio urbano, e sim trata-se
de um comprometimento com a subjetividade inerente à arquitetura, que
reclama por olhares sensíveis, capazes de enxergar além do que pode ser
visto.
Apesar de existirem inúmeras formas de se descobrir relações estabele-
cidas nos espaços, propôs-se o uso das táticas supracitadas como meio
adaptável de se desvendar e fabricar ambiências noturnas em conjunto
com os Outros.
169
É importante frisar que não se pretende aqui fazer do arquiteto um
e t n o g ra f i a s
etnógrafo, nem tampouco levantar bandeiras em prol de métodos como
sendo os melhores. A proposta aqui é convidar o leitor a uma experimen-
tação subjetiva do espaço, onde ferramentas mais fluidas possibilitem o
registro de intensidades e impressões de entrelaçamentos arquitetônicos,
temporais, sensoriais e emocionais, em que nem tanto a percepção visual,
mas a percepção multissensorial se torna o principal meio comunicante
do espaço “in-visível” e imaginário, garantindo uma melhor apreensão do
Lugar enquanto construção cultural.
170 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Referências
MAGNANI, José Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etno-
grafia urbana. Rev. bras. Ci. Soc., São Paulo, v. 17, n. 49, Jun/2002.
SERRES, Michel. Os cinco sentidos: Filosofia dos corpos misturados. Trad. Eloá
Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
171
e t n o g ra f i a s
Arquitetura,
(Des)subjetividade e
cultura: por construções
de alteridades da
mesmidade
André Carvalho
e t n o g ra f i a s L A D O B
ciou o declínio da assinatura de projetos arquitetônicos e que se viu
desafiado por modelos de especulação imobiliária.
O domínio das novas ferramentas computacionais, sobretudo o
AutoCAD, garantia, para jovens recém-formados da época, um lu-
gar no mercado de trabalho, mas não uma reflexão ampliada sobre
as relações entre arquitetura, cultura e sociedade. Assim, diante de
mundos que pareciam não dialogar, algumas questões despertavam,
em mim, uma visão crítica sobre o papel social do arquiteto. En-
contrei esse lugar de reflexão em uma pós-graduação em Sociologia
Urbana da UERJ, na qual autores da sociologia, antropologia e
geografia humana, ampliaram minha visão sobre o campo da ar-
quitetura e do urbanismo. Seria, então, um caminho sem volta em
minha busca por uma formação mais humana como pesquisador
no campo da Arquitetura e Urbanismo.
Os estudos iniciais em locais populares de troca se desenvolveram
ainda na Pós-graduação em Sociologia Urbana da UERJ, quando
a tradicional Feira dos Nordestinos, que acontecia no Campo de
São Cristóvão, no Rio de Janeiro, passou, no inicio dos anos 2000,
por um processo de transformação que a levaria para dentro do
desativado Pavilhão de São Cristóvão, projeto do arquiteto Sergio
Bernardes. Com isso, tive que enfrentar o campo, a etnografia, as
metodologias de pesquisa, raras no estudo da arquitetura, e pre-
cisava fazer entrevistas, observar e participar dos ritos cotidianos
daquele espaço de trocas. Durante três anos acompanhei todos
os processos de transformação da feira no Centro de Tradições e
encontrei na etnografia a possibilidade de compreender as inter-
subjetividades que marcam as relações entre arquitetura e cultura,
entre forma e sociedade.
Escolhi continuar minha construção como pesquisador no campo
da arquitetura, em um Programa de Pós-Graduação de Arquitetura
– PROARQ/FAU/UFRJ. Encontrei algumas visões que demar-
cavam o campo e definiam: “no programa de arquitetura, deve se
tratar de teóricos da arquitetura”. Mas tive a sorte de encontrar
dois grupos de pesquisa que estavam abertos ao dialogo de um
176 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
e t n o g ra f i a s L A D O B
de problemas envolve muitas questões, distantes da forma, mas
incluídas na sociedade, nas relações ambientais, na consciência de
populações marginalizadas, expatriadas, marcadas pela desigualda-
de social.
178 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Tecendo
um pesquisador
Natália Rodrigues de Melo
e t n o g ra f i a s L A D O B
ambiência, pois tratava-se de um conceito em construção – e ainda
é – ao mesmo tempo que cercado de sutilezas e detalhes percebidos
mais in loco que na teoria. Porém, a pesquisa empírica é instigante
e, então, passei a incorporar a ambiência à minha investigação com
o objetivo de entender como as pessoas com deficiência se relacio-
nam com uma cidade tão restritiva acessivelmente quanto Ouro
Preto.
Pela demanda preferencialmente empírica que a ambiência requer
para ser apreendida, e pela minha motivação enquanto pesquisa-
dora de “ir à campo”, decidimos realizar uma etnografia/etnotopo-
grafia com as pessoas com deficiência e, em seguida, usar o método
dos roteiros sensoriais aliado aos Percursos Comentados, que foi
desenvolvido pelo Jean-Paul Thibaud e o pessoal do Cresson, da
Escola de Arquitetura de Grenoble, na França. A base desse mé-
todo está em percursos que as pessoas progridem e relatam o que
sentem no local por onde estão passando, tendo como referência
fatores sensoriais, perceptivos e físicos que compõem a ambiência.
Este método serve principalmente para entender como o ordena-
mento material influencia nos fenômenos perceptíveis e na maneira
de agir e interagir. A partir da utilização deste método, atrelado aos
Sentidos Urbanos, eu fui progredindo na ambiência, sentindo-a
com mais atenção e melhor entendendo os espaços e a construção
que as pessoas fazem deles, além de ir compreendendo essa atmos-
fera enquanto conceito.
Em 2014, dei início ao doutorado. Embora mais familiarizada com
a ambiência e com as pesquisas de campo, o tema de investigação
foi mudado e direcionamos nosso foco para a análise da atmosfera
dos estádios de futebol reformados para a Copa do Mundo de 2014
no Brasil e de como os torcedores estavam entendendo/sentin-
do essas mudanças. Essa escolha era uma premissa pessoal, pois
sou torcedora e me senti afetada com as reformas desses estádios.
Como eram muitos os estádios renovados para a ocasião do Me-
gaevento, optamos por analisar somente o Maracanã, reformulado
e também muito criticado por essas mudanças sofridas. Novamen-
180 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Entre escuros e
vazios: o processo de
re-des-coberta na
pesquisa subjetiva
Nathália Moreira Carvalho
e t n o g ra f i a s L A D O B
risadas, desentendimentos e histórias. O tempo passava e coloria,
de nomes, endereços, verdades e fantasias, as narrativas que até en-
tão eram ocultadas pelos entrevistados anteriores – jovens, adultos
e idosos, que inicialmente foram pensados como mais prontos aos
esclarecimentos, mas que carregavam o peso do crivo.
A tal frase, dita com ar de obviedade, também foi recebida da mes-
ma forma. Foi anotada, mas não esquecida. Ecoou... ecoou e ga-
nhou novo sentido quando foi emparelhada com o silêncio de John
Cage, que guarda um vazio repleto de presenças.
c o rp o re i d a d e s
as obras de arte como objeto de estudo. Esse interesse pela arte favoreceu
com que a arquitetura fizesse parte dos estudos da Einfühlung a partir da
exploração da relação entre aparência estética e sentimento.
Segundo os teóricos da Einfühlung, as obras de arte eram passíveis de
serem examinadas sob a ótica da Empatia, devido a uma fusão entre o que
vemos e sentimos (VISCHER, 1994). Esta seria a comprovação de que
temos a propensão de projetar nossas emoções em elementos que toma-
mos como simbólicos (PALLASMAA, 2014). Como artefato humano,
a cidade, e principalmente seus espaços públicos coletivos, também têm
essa predisposição (ou necessidade) de nos afetar e promover a frutificação
das mais variadas sinestesias compartilhadas. Assim, entendemos que a
Empatia poderia estar relacionada tanto à fabricação de tais espaços como
à experiência coletiva que somos levados a vivenciar.
Como os objetos estéticos tratados pela Einfühlung, de cada espaço da ci-
dade emanam ambiências. Relacionada às diversas sensações derivadas do
Lugar, as ambiências, como descreve Augoyard (1979), derivam da junção
entre os aspectos físicos e os sentidos que os percebem. É exatamente por
admitir que os espaços despertam em nós a necessidade de um elo, que
não só o internalizamos, mas também nos projetamos nele; um ato que
entendemos ser equiparado à construção de uma empatia, e que torna
pertinente a delimitação do termo Empatia Espacial.
A existência de uma Empatia Espacial como um possível elemento asso-
ciado à tradução das ambiências já havia sido explorada em outras pesqui-
sas realizadas pelo LASC (DUARTE e PINHEIRO, 2016). Entretanto,
como a aplicação no contexto da fundação da experiência coletiva é uma
abordagem pouco recorrente, o interesse e a curiosidade levaram ao com-
promisso de desenvolver o tema na tese de doutorado. Entre os objetivos
do trabalho, estava o delineamento da Empatia Espacial enquanto ferra-
menta conceitual e metodológica voltada ao estudo da adesão ao meio e
sua influência na fundação de experiências coletivas em espaços públicos.
Nesse sentido, o presente artigo traz um recorte da tese, a fim de apresen-
tar os caminhos metodológicos utilizados na pesquisa, meios pelos quais
foi possível analisar e aferir a Empatia Espacial, solidificando-a enquanto
tema de estudo.
192 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
c o rp o re i d a d e s
caderno de campo, enfatizando em detalhes tudo o que foi visto: a dinâ-
mica do uso do espaço, comportamento das pessoas, impressões e emoções
do pesquisador, a descrição de como é o lugar, assim como outros fatos
vistos e considerados importantes para a compreensão da “atmosfera”. A
observação foi realizada para além dos moldes que seguem os preceitos
básicos descritos pela etnografia, fazendo-se o uso de croquis de campo
e notações gráficas – que configuram o instrumental de todo arquiteto
e urbanista – e remetendo, assim, à ferramenta cunhada pelo LASC: a
etnotopografia. Nesta ferramenta os croquis de campo são tomados como
suporte investigativo, um produto gráfico da observação, podendo ser a
eles acrescentados desenhos arquitetônicos, croquis e esquemas sempre
que necessário. A elaboração dos croquis é realizada em campo, o que o
c o rp o re i d a d e s
o meio ou um sujeito, o corpo aparece como um liame ou a indicação da
incidência da Empatia, ou seja, respondemos a tudo o que sentimos desde
nossa corporeidade. Logo, entendemos que era necessário considerar o
corpo no entendimento da construção de relação entre Empatia e espaço,
sobretudo como indicativo para o mapeamento de possíveis Empatias às
ambiências. E, para que isso fosse possível, era preciso construir um méto-
do que explorasse a experiência empática de uma maneira mais ativa, com
a imersão do corpo que não só observa, mas que também que se deixa
afetar pela coletividade.
c o rp o re i d a d e s
bro/2017), foi documentada toda a rotina que pautava a vida, os hábitos,
os encontros e os desencontros e os lugares descobertos por onde a pes-
quisadora era convidada/proibida a estar/permanecer/passar. O que guia-
va sua descoberta era a rotina da pesquisadora no cotidiano da cidade, os
lugares e as pessoas que surgiam. O diário se tornou uma documentação
do cotidiano do lugar e a liberdade na documentação dos fatos permitiu
que as informações fossem reunidas das mais diversas formas: pela escrita,
fotografia, gravação de vídeo/áudio, desenhos. Ao fim, o diário forneceu
subsídios para o desenvolvimento de um método, construído a partir do
que foi registrado a partir desse processo.
O método:
errâncias sensíveis
c o rp o re i d a d e s
narração do convidado, documentava as reações e as ações que se manifes-
tavam corporalmente. Entre os fatos documentados, estava a variação no
ritmo do caminhar, as paradas, assim como as sensações e os sentimentos
despertados na própria pesquisadora. Esse momento foi chamado de Fala
do Nós, já que o trajeto é tomado do ponto de vista de duas pessoas: da
pesquisadora e de seu convidado, com uma narrativa que se completa.
É importante enfatizar que a documentação deveria ser feita de maneira
a não interromper o ritmo da caminhada do Outro. Assim, a escolha de
parar ou de continuar, ou até mesmo de caminhar rápido, era do Outro e
nunca porque se precisava documentar. Ao fim, com a análise do diário, fi-
cou evidente a existência de três momentos, que interessantemente podem
ser relacionados com as fases do processo empático – desenvolvidos no
conjunto teórico sobre Empatia Espacial e que por motivo de continuida-
de deste artigo, não caberá detalhar aqui: ressonância, compartilhamento e
engajamento.
c o rp o re i d a d e s
os lugares está relacionado diretamente aos elementos que são apreen-
didos. Sendo o corpo o meio pela qual se vivencia a Empatia Espacial,
entendemos que o ritmo está relacionado não só com a afetação, mas tam-
bém com compartilhamento sensível da ambiência e seu encadeamento
com as dinâmicas do que acontece no espaço. Nesse sentido, entendemos
que a Empatia Espacial é estruturadora dessa experiência do meio, tor-
nando-a muitas vezes mais intensa, consistindo em uma forma de conexão
onde as interações são os elos.
Conclusão
Quando revelados a partir de seu uso cotidiano, os espaços urbanos de
qualquer cidade se apresentam a nós bem além de suas características
físicas, como primeiramente somos levados a crer. Muitos fatores, visíveis
e invisíveis, sensíveis e intermediados, influenciam não só O QUE vemos
nos lugares, mas COMO interagimos com ele e, consequentemente, o
modificamos diante de nossas ações. É neste espaço da experiência sen-
sível, de forma individual e coletiva, que naturalmente um ‘enraizamento’
pode acontecer para que determinados sentidos aflorem de forma positi-
va/negativa e possibilitem a construção do sentido de associação do Eu ao
Outro e ao Lugar de maneira intensa.
Os caminhos metodológicos aqui relatados permitiram não só estudar a
Empatia Espacial, mas experenciá-la intuitivamente por meio de dife-
rentes espaços da cidade. Os primeiros direcionamentos que auxiliaram a
construção do método foram obtidos a partir da observação etnográfica, a
qual reforçou a importância da imersão corporal na compreensão e análise
dos aspectos sensíveis do lugar. Mas foi apenas vivenciando a Empatia
Espacial na experiência de Grenoble que entendemos que, assim como a
ambiência urbana, ela é um conceito fundante – sendo através desta que a
experiência espacial é estruturada.
O método construído para o estudo da Empatia espacial deixa evidente
que é por intermédio da experiência e da realidade sensível, compreen-
dida corporalmente, que o aprendizado se dá originalmente (PINHEI-
RO, 2010). Mas, é quando sentimos algo, seja por um objeto ou pessoa,
202 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
que estamos propensos a nos abrir à sensibilidade que emana deste algo
e, consequentemente, nos abrir à compreensão (STEIN, 1964). Assim,
se partimos do princípio de que é através da Empatia Espacial que nos
envolvemos com o Outro-objeto, ou seja, estabelecemos esse laço emo-
cional com o espaço físico, subentendemos que o compartilhamento da
experiência pode nos fornecer informações sobre a intensidade de nosso
engajamento em uma coletividade.
203
Referências
c o rp o re i d a d e s
AUGOYARD, J. F. Essai sur le cheminement quotidien en milieu urbain. Paris :
Du Seuil, 1979.
ETLIN, R. A. Aesthetics and the spacial sense of self. The Journal os Aesthetics
and Art Critcism, v. 56, n. 1, p. 1-19, Winter 1998.
c o rp o re i d a d e s
Para o arquiteto, “nem é a cabeça o único lugar do pensamento cogniti-
vo, uma vez que nossos sentidos e nossa existência corpórea estruturam,
produzem e armazenam diretamente conhecimentos existenciais silencio-
sos” (PALLASMAA, 2013b, p. 14). Fazer arquitetura, nessa visão, seria
lidar com conjuntos de subjetividades que se corporificam nos hábitos dos
usuários de um local.
McDowell (1996), apesar de não trabalhar com a nossa corporeidade,
pode nos auxiliar a entender a relação entre corpo, pensamento e relações
espaciais. Nos seus estudos sobre nosso acesso ao mundo, McDowell se-
para aquilo que é pensável do pensamento em si. Para ele, nosso acesso ao
mundo primeiro se dá por uma percepção já conceituada no formato do
que é pensável, gerando um conteúdo em potencial para ser pensamento;
já no exercício do pensamento, o pensável, que já é conceitual, passa a for-
mular proposições e se torna parte do falável (MCDOWELL, Op. cit.).
Trazendo as ideias de McDowell para o âmbito da corporeidade de
Merleau-Ponty, o corpo é o interpretante daquilo que está posto-a-frente,
se envolvendo por completo, de modo múltiplo e a partir de suas possi-
bilidades com o que é percebido. O corpo se “desenha” para isso que está
posto-a-frente, absorvendo o que McDowell chamou de pensável, conteú-
do para o pensamento, algo com potencial para estar no pensamento, mas
que ainda não o é, entendendo-o e conceituando-o.
Nesse caminho, o conceito de corpografia nos auxilia a pensar a relação
entre o nosso corpo e este conteúdo pensável. Britto e Jacques (2008) nos
dizem que a experiência urbana fica marcada no corpo como uma forma
de “grafia”, que elas chamam de corpografia. A corpografia urbana seria
“uma espécie de cartografia corporal, em que não se distinguem o obje-
to cartografado e sua representação, tendo em vista o caráter contínuo e
recíproco da dinâmica que os constitui” (BRITTO & JACQUES, 2012,
p. 149-150). Nessa corpografia não haveria uma separação entre o corpo e
aquilo que é cartografado.
A corpografia urbana seria, então, uma grafia sobre a cidade realizada pelo
corpo e gravada no próprio corpo, “a memória urbana inscrita no corpo”
(BRITTO & JACQUES, 2008, p. 79). O nosso corpo grafaria as nos-
sas relações com o espaço urbano nele mesmo, demarcando a fluidez do
210 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
c o rp o re i d a d e s
ações que participam do nosso processo de pensar, ações que nos auxiliam
a adquirir informações do nosso entorno apenas para nos ajudar a con-
seguir conhecimento. Devido a esse tipo de ação, ambos acreditam que
tanto a ação como aquilo que é alvo da ação fazem parte de um conjunto
de processos cognitivos, entendendo cognição como faculdade de adquirir
conhecimento. Para Clark e Chalmers (1994), assim como para Rowlands
(2009), isso significa que os nossos processos mentais ou cognitivos não
teriam uma posição espacial específica. Wittgenstein (2007), em seu O
Livro Azul, também corrobora com essas mesmas ideias, ao afirmar que,
enquanto realizamos o ato de escrever, nosso pensamento se localizaria no
papel e na caneta; ao falarmos, nosso pensamento passaria a estar na nossa
boca.
Para os autores acima, nossos processos mentais têm a capacidade de se
estenderem para fora do nosso corpo, utilizando-se do meio externo para
conseguir e para guardar informações. É por meio desse mecanismo que
os dispositivos digitais, como o smartphone, adquirem o potencial de mo-
dificar a nossa relação corpórea com o espaço. Os celulares dão a possibi-
lidade de o usuário expandir os processos cognitivos de sua própria mente
amalgamada para dentro do digital em busca de informações, imagens e
relatos sobre um determinado local. Os dados adquiridos nas buscas são
julgados pela sua percepção corporificada e passam a fazer parte, ou não,
do seu repertório corpóreo-conceitual, detendo potencial para modificar a
corpografia do usuário de um local.
O método
O método utilizado para alcançarmos dados sobre os padrões corpográfi-
cos da percepção do lugar mediada por smartphones foi baseado em um
processo tríplice de aproximação, que aqui focaremos na segunda etapa do
processo01. Nesta segunda etapa de pesquisa, fizemos uma visita ao local
c o rp o re i d a d e s
(quantidade de pessoas que circulam por um caminho, velocidade destas
pessoas) como qualitativos (tipo de movimentos que elas realizam, pos-
turas, padrões corpóreos). Devido à nossa pesquisa estar ligada aos “de-
senhos” que nosso corpo faz para interpretar nossa relação com um local,
os dados coletados nesta etapa de pesquisa foram analisados de forma
qualitativa, tentado desvelar as qualidades (ou predicados) corpográficas
que são características dos usuários do lugar que estão utilizando os seus
smartphones.
3. Mirante 2. Fonte:
Acervo do autor, 2018.
215
Resultados e discussões
c o rp o re i d a d e s
Nossa primeira aproximação aos frames
foi uma análise separada dos frames que
destacam melhor os padrões motores
ligados ao uso de dispositivos digitais
móveis. Identificamos cada imagem ten-
do como base o tempo da primeira foto-
grafia tirada em cada ângulo como sendo
a de tempo T = 0 segundos. Depois, ana-
lisamos a diferenciação entre os frames
com distância temporal entre 6 segundos,
30 segundos e 60 segundos, também
focando somente na diferenciação de
frames que demonstra melhor os padrões
motores ligados ao uso de dispositivos
digitais. Nas imagens realizadas com essa
técnica, identificamos tanto o tempo da
primeira fotografia utilizada, como da se-
gunda. Na figura abaixo, segue um mapa
identificando os três ângulos escolhidos
para aplicação da técnica.
5. Entradas da edificação do
Convento.
Fonte: Acervo do autor, 2018.
6. Capela-mor.
Fonte: Acervo do autor, 2018.
216 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
c o rp o re i d a d e s
dispositivos digitais móveis,
realizando somente pequenos
movimentos corpóreos en-
quanto concentravam os seus
olhares na tela dos aparelhos.
Esse grupo permaneceu para-
do por cerca de 8:30 minutos
no mesmo local.
Os padrões motores desse
grupo incluem um apoio ou
local para sentar e ficar “quie-
to”, uma posição arqueada,
como que buscando “entrar”
no dispositivo que dá acesso
ao espaço digital, e uma falta
de movimentações no espaço
físico, indicando um maior
número de deslocamentos
ocorrendo no digital.
Já entre nas Figura 12 e Figura 13, vemos uma mulher andando enquanto
acessa o celular. Essas imagens demonstram que, apesar da mesma estar
utilizando o celular, ela mantém um deslocamento no espaço. Esse des-
locamento nos aponta para uma maneira de se utilizar de um celular que
mantém um deslocamento no espaço físico, mas mantendo a cabeça numa
postura que a permite manter o olhar no dispositivo.
c o rp o re i d a d e s
está tirando a foto uma série de padrões motores que são característicos
deste ato, como o de levantar a câmera em busca de um ângulo mais alto
do que a cabeça da pessoa e o de esticar os braços em busca de afastar o
dispositivo e aumentar o campo da fotografia.
A partir do ato da “selfie”, temos uma interação com o Lugar a partir
do dispositivo digital móvel que passa a espelhar o espaço físico em um
espaço digital. Nessa relação, recortamos uma parcela do espaço físico para
participar da fotografia conosco, anali-
sando esteticamente partes do Lugar a 18. Ângulo 3. T = 0 segundos.
Fonte: Acervo do autor, 2018.
partir das lentes do dispositivo, crian-
19. Ângulo 3. T = 3:18 minutos.
do uma hibridez entre o espaço físico Fonte: Acervo do autor, 2018.
que serve de base para a fotografia e o
20. Ângulo 3. Diferenciação de
espaço digital que espelha o físico, mas frames entre T = 3:18 minutos e T =
também o modifica tanto pela ação das 3:24 minutos. Fonte: Elaborado pelo
autor, 2018.
próprias lentes fotográficas e do olhar
do próprio fotógrafo, como também
pelas mudanças de padrões corpóre-
os que esta causa naqueles que estão
sendo fotografados. Não só aquele que
fotografa uma “selfie” tem que mu-
dar sua postura e esticar seus braços,
como outras pessoas que possam estar
participando da fotografia tem de
direcionar o seu olhar para a câmera,
e também o conjunto do direciona-
mento da câmera com o espelhamento
da imagem pelo dispositivo faz com
as pessoas observem o que está atrás e
abaixo do olhar delas como se estivesse
a frente e acima.
Um terceiro ângulo também foi
escolhido em busca de imagens que
revelassem outras formas de interação
220 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
c o rp o re i d a d e s
O corpo é o centro de toda a nossa experiência, seja ela física, digital ou
imaginária – a por meio da incorporação da palavra e da escrita. Ele con-
segue acionar o digital e o transferir para a experiência do mundo físico da
mesma forma que o ato de dançar traz a música para o corpo e a transfor-
ma em movimentos ritmados. São padrões corpográficos que transferem
intenções, intencionalidades, ideias e afetividades da consciência para o
mundo e do mundo para a consciência.
Ao nos utilizarmos de um método específico, com características similares
as metodologias e técnicas de pesquisas utilizadas em Big Data, para cap-
tura de imagens em série e análise comparativa entre elas, colhemos dados
que nos permitiram uma apreciação de traços específicos da corpografia
dos diferentes usuários. O conjunto de técnicas que utilizamos não só nos
possibilitou capturar um grande acervo de imagens, como conseguimos
compará-las por cálculos realizados meio de software, direcionando-nos
diretamente para o que precisamos focar e para detalhes que poderiam
não ser percebidos sem o auxílio de um computador.
As mesmas técnicas contribuíram com a pesquisa a partir da criação de
um acervo de imagens que representam os eventos que ocorreram em
recortes espaço-temporais escolhidos do local de estudo. Esse acervo
se apresenta como um conjunto de dados de pesquisa que nos permite
estabelecer uma linha temporal dos diversos acontecimentos, a partir de
um tempo inicial, e admite uma interpretação não-linear e a posteriori pelo
pesquisador. A partir dessa abordagem, foi possível identificar a ocorrência
de um ato, como o de digitar, voltar a imagens anteriores para analisar os
precedentes deste ato e comparar o conjunto de imagens relativas a este
ato com outros atos ligados ao uso de celulares, demonstrando similarida-
des e repetições, caracterizando estas repetições como padrões.
O experimento realizado na apreciação do Convento de Nossa Senhora
da Penha mostrou que, mesmo dentro das estruturas regulatórias do Es-
tado e das estruturas sociais, as novas corpografias geradas pelas relações
individuais com o digital também pedem novos desenhos urbanos/arqui-
tetônicos e trazem a público novos valores. Isso aumenta a importância
social de se estar sempre conectado, alimentando um perfil pessoal, tro-
cando mensagens ou consumindo imagens e informações de conhecidos
ou de influencers digitais.
222 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
c o rp o re i d a d e s
BRITTO, Fabiana Dutra. A Ideia de Corpografia Urbana Como Pista de Análise.
In: Redobra, Salvador, n. 12, 2012, p. 36-38.
CLARK, Andy; CHALMERS; David. The Extended Mind. In: Analysis, Vol. 58,
N.1, jan. 1998, p. 7-19.
DEBORD, Guy. The Society of the Spetacle. Edição Kindle. USA: Soul Bay
Press, 2011.
MCDOWELL, John. Mind and World. USA: Harvard University Press, 1996.
ROWLANDS, Mark. The Extended Mind and Religious Thought. In: Zygon, vol.
44, n.3, set. 2009, p. 628-641.
____. The New Science of Mind: From Extended Mind to Embodied Phenome-
nology. Kindle edition. Cambridge, USA: MIT Press, 2010.
224 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
WITTGENSTEIN, Ludwig. The Blue and Brown Books: Preliminary Studies for
the ‘Philosophical Investigations’. USA; UK: Blackwell Publishing, 2007.
225
c o rp o re i d a d e s
Contextualizando a abordagem
Este texto trata da mobilidade, buscando o entendimento dos percursos
cotidianos nas ambiências, considerando as diversas formas de caminhar,
de sentir, de viver, de conhecer e se empatizar pelas ambiências per-
corridas. Para transformar percursos em lugares de ação e de sensações,
tratarei da motricidade, que une o corpo ao ambiente, da mobilidade e da
percepção situada. Apresentarei, brevemente, a relação de empatia com as
ambiências e conceitos de affordances, mobilidade, ambiência, acessibilida-
de emocional e empatia.
229
o método utilizado como fundamento
c o rp o re i d a d e s
Utilizei o “Método dos Percursos Comentados”, desenvolvido por Jean-
-Paul Thibaud01, que privilegia a ação e o envolvimento da pessoa. Foram
realizados itinerários acompanhando pessoas cegas ou com deficiência
física, em locais estratégicos diversificados.
Foram realizadas rotas a partir de um ponto fixo e encontro em local
predeterminado para relato do percurso efetuado. O objetivo foi entender
ambiências que estabelecem empatia, unindo caminhos físicos e senti-
mentos, percurso e discurso, espaço e lugar, corpo deficiente e movimento.
Foram atos como: caminhar, ver, desviar-se, perceber e descrever. Como
Thibaud, valorizaram-se três níveis de ação das pessoas caminhando pelas
ruas e o relato descritivo de seu caminho e da sua experiência urbana:
percursos empáticos de
pessoas com deficiência pelas ambiências
c o rp o re i d a d e s
pessoas no espaço. Significa dizer que o sentimento será síntese de dados
sensoriais, de ordem visual, tátil, auditiva, cinestésica, olfativa e térmica.
Assim, reflete-se acerca dos sentimentos do Outro: quais seus afetos, me-
dos e frustrações para acessar os espaços? Para o LASC, testar o conceito
de empatia espacial e defini-la segundo atributos do espaço, significa de-
monstrar que ela “só se associa mediante vínculos sensoriais na apreensão
do espaço”, estabelecendo relação com o conceito de ambiência:
c o rp o re i d a d e s
a Cognição de Rapoport
1. Cidade Caminhável.
Fonte: Instituto para o Transporte e Políticas de Desenvolvimento (ITDP)
c o rp o re i d a d e s
ções Unidas para Estabelecimentos Humanos (UN-Habitat) e o Instituto
para Transporte e Políticas de Desenvolvimento (ITDP) são referência
em ruas seguras, utilizáveis e acessíveis.
Caminhar ou deslocar-se na cidade é, essencialmente, apropriar-se co-
tidianamente das ambiências, com empatia, percebendo a cidade e seus
detalhes. A escolha pelo modo mais democrático de se locomover muitas
vezes está atrelada a fatores externos como as condições físicas dos indiví-
duos e as infraestruturas que facilitem e estimulem essa opção.
A caminhabilidade leva em conta, principalmente, a acessibilidade no
meio urbano e a facilidade de se deslocar na cidade. Analisam-se as con-
dições do caminho ou do percurso empático. Nesse aspecto, a percepção
ao caminhar, a opção por uma forma de deslocamento – também está in-
timamente ligada à qualidade dos ambientes. Passeios com princípios para
a construção de uma calçada estimulam deslocamentos.
O meio urbano, com todas as suas vicissitudes, é o lócus da diversidade, do
contato com o Outro. Sendo assim, todo espaço urbano deve espelhar esse
conceito, no qual o acesso universal precisa ser garantido na forma menos
restrita possível, por meio de percursos empáticos pelas ambiências.
Pesquisadores buscam as “fórmulas” possíveis para uma cidade “caminhá-
vel” (walkable cities) com o prazer de caminhar livremente por ruas e
calçadas. Assim, repensamos o verdadeiro significado de “acessibilidade”,
pensando no espaço que favorece empatia com os lugares. Para isso, estes
devem permitir percursos, serem agradáveis, convidativos e compreensí-
veis, facilitando o encontro e a troca com o Outro. A acessibilidade é mais
que a eliminação de barreiras.
Tratar da mobilidade urbana é associar ações para os deslocamentos, para
caminhar. A mobilidade urbana demanda calçadas confortáveis, nivela-
das, sem buracos e obstáculos, reforçando que praças, ruas e calçadas são
locais de encontro e de convivência. Para tanto, a cidade deve permitir
uma fruição de seus espaços e a circulação entre eles.
Diante das muitas insatisfações com as cidades atuais, o governo brasileiro
traçou estratégias. Em 2003, foi criado o Ministério das Cidades no Bra-
sil. Questões de acessibilidade e mobilidade foram debatidas nas Confe-
rências das Cidades e no Estatuto da Cidade (Lei 10257/2001), buscando
garantir o direito a cidades sustentáveis (Informa 5. Setembro 2005. www.
planosdiretores.com.br). Ainda, ciente de seu papel na eliminação das bar-
reiras, e como promotor dos princípios do desenho universal, o governo
criou programas de acessibilidade, como parte das atividades da Secretaria
Nacional de Transporte e de Mobilidade Urbana (SeMob), com a consci-
ência de que cidades precisam mudar. Mobilidade envolve afetividades no
ato de se movimentar e perceber uma ambiência.
c o rp o re i d a d e s
analisar a experiência que as pessoas com deficiência têm dos espaços,
Cohen e Duarte (2004) apontam para importantes fatores norteadores
do processo cognitivo, que foram alguns dos pontos na análise da cidade
percebida em cada percurso, descrito e contextualizado. Será feita menção
apenas a alguns percursos comentados:
“A gente tem que olhar sempre para o chão pra ver onde vai
apoiar a muleta. As pessoas caminham olhando o todo e eu
caminhei, olhando o chão, a calçada. Encontrei muita coisa
na rua, porque eu tive que olhar onde eu estava colocando a
muleta” (Depoimento de pessoa com deficiência dado em
Entrevista durante Pesquisa de Campo)
“Este barulho identifica que aqui tem a pista dos carros e es-
tou na beira do meio-fio. Dá pra perceber os carros passando
pela rua. A gente vai usando a bengala e pelo barulho iden-
tifico por onde andar.” (Depoimento fornecido por pessoa
com deficiência durante Entrevista na Pesquisa de Campo)
c o rp o re i d a d e s
a cidade vivida:
c o rp o re i d a d e s
aspectos sensoriais visuais, auditivos, olfativos e térmicos e cinestésicos
que são os de movimento e das sensações que estão presentes nos desloca-
mentos.
Para uma avaliação na perspectiva de acompanhamento de itinerários
urbanos, a relação entre corpo e ambiente ganhou evidência maior com
conceitos de diversas disciplinas. Tratou-se de valorizar ambientes sensí-
veis, a ação dos habitantes, a percepção situada em determinado contexto
e a vida dentro de uma abordagem interacionista mais complexa. A troca
de olhares, os encontros e os contatos humanos, a empatia, exercem influ-
ência importante na maneira como as pessoas são percebidas e na maneira
como percebem o ambiente social e urbano.
Busquei compreender a realidade a partir de uma percepção em movi-
mento, para compreender características do lugar, a percepção da pes-
soa caminhando, sentimentos e afetividades, considerando o “inevitável
colocar em movimento da percepção”. Utilizei outros enfoques. Na área
da Psicologia Ambiental, James J. Gibson (1986) com sua Abordagem
Ecológica da Percepção trata da percepção de um corpo em movimento.
O autor fala da noção de estímulos que um corpo é capaz de receber do
meio ambiente. O que interessa mais especificamente é a consciência
de movimentos corpóreos e a mobilidade do corpo sendo caracterizadas
como fatores importantes da empatia das Pessoas com Deficiência nas
ambiências da cidade.
Gibson (1986) estabelece uma relação e pode-se pensar nas affordances ou
características ambientais como condições necessárias para a percepção. O
processo requer aspectos cognitivos e afetivos que estas pessoas desenvol-
vem para se locomover. A mobilidade adquire dimensão prático-sensível,
proporcionando sentimentos e sensações que animarão os lugares, o que é
negado por Gibson. Entretanto, Thibaud (2001) considera que a dimensão
física não deve ser superestimada, abandonando um modelo “baseado nos
estímulos” por um modelo “baseado na experiência”.
Em outras palavras, as ambiências se materializam segundo característi-
cas físicas (AFFORDANCES), mas também segundo sensações que são
capazes de evocar no ato de se deslocar pela cidade. Quando a mobilidade
se concretiza de forma positiva, os ambientes são penetrados, utilizados
242 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
c o rp o re i d a d e s
AMPHOUX, Pascal; THIBAUD, Jean-Paul; CHELKOFF, Grégoire. Ambiances
en Débats. Bernin: Editions A la Croisée, 2004.
AUGOYARD J.F. Vers une esthétique des Ambiances. In: AMPHOUX, Pascal;
THIBAUD, Jean-Paul & CHELKOFF, Grégoire. Ambiances em Débat. Bernin:
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CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. Trad. Diogo Mainardi. São Paulo: Com-
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______. Afeto e lugar: a construção de uma experiência afetiva por Pessoas com
Dificuldade de Locomoção. In: Anais...Seminário de Acessibilidade no Cotidiano.
Rio de Janeiro: Núcleo Pró-Acesso/UFRJ, 2004.
Uma questão
de Empatia
Bárbara Thomaz L. Nascimento
c o rp o re i d a d e s L A D O B
queimava por dentro.
Era quase final do ano quando, em uma reunião, ao relatar uma
experiência urbana, Cristiane fez uso da expressão “falta de empa-
tia” para explicar a sua falta de conexão com um certo lugar. Ouvir
aquilo foi um estalo, pois nomeava o que sentia em alguns lugares.
Na época, não se tinha certeza da pertinência acadêmica em fazer
uso da palavra naquele contexto, mas Empatia era a melhor descri-
ção. Aos poucos, a associação do termo com as questões espaciais e
urbanas foi permeando as reuniões do LASC e parecia ser a respos-
ta mais plausível para muitas inquietações e discussões colocadas
em pauta. E foi então que comecei a me perguntar se a não per-
manência em lugares voltados para a experiência coletiva era uma
questão de Empatia.
As primeiras leituras mostraram que havia certo sentido em re-
lacionar a Empatia ao sentimento vinculado ao espaço. Então,
dispostos a compreender e delinear o que seria a chamada Empatia
Espacial o laboratório foi fazer a observação empírica na Pedra do
Sal. Neste momento, foi construída a primeira suposição que per-
meou as discussões por algum tempo: a existência de um elemento
de reconhecimento espacial que incentivava o engajamento.
Com o estudo realizado na Pedra do Sal, um artigo foi escrito para
ser apresentado em um evento na Bahia. Ao final do evento, fomos
todos levados para conhecer um espaço público no Pelourinho,
na época era recém-reformado com a intenção de reunir pessoas.
Embora fosse esteticamente belo e bem cuidado, eu não sentia
vontade de permanecer daquele lugar. O incômodo me fez ir em
busca de lugar mais “acolhedor” e, quando o encontrei, nele perma-
neci até Ethel, que também estava no evento, passou por ali, me viu
e foi até mim. Ficamos ali conversando até que ela perguntou por
que eu havia “fugido” do grupo. A explicação era que no outro lugar
não tinha “rolado” Empatia (usávamos sempre a palavra entre nós).
E foi quando ela falou que talvez eu devesse pensar em trabalhar
o tema Empatia no doutorado, pois aquele primeiro lugar em que
estávamos, embora bonito, não era tão convidativo. Que ali onde
250 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
O estudo das
relações entre
corpo-lugar-celular
Felipe Bosi
c o rp o re i d a d e s L A D O B
experiência de lugares, parti para uma tentativa de tentar entender
como ocorre o somatório do digital dentro daquilo que é físico e
que experienciamos na nossa relação com o mundo e com o que
está posto a nossa frente. A este somatório, demos o nome de Ex-
periência Híbrida do Lugar. Esse nome foi surgir depois de diver-
sas discussões em busca de alguma nomenclatura que conseguisse
explicitar em parte a relação que conseguimos perceber, que ocorre
quando um celular é utilizado durante uma visita a algum local,
uma espécie de adição de um novo layer de dados sobre o conjunto
da experiência do físico.
Entendendo que a busca era por provar uma hibridez entre o físico
e o digital, ocorrendo quando nos utilizamos de celulares, decidi
buscar por algo que provasse um impacto físico causado pelo digi-
tal. Dentro deste escopo, fui indicado a buscar o conceito de cor-
pografia. A partir da corpografia, consegui uma forma de analisar o
impacto que o digital tem sobre a experiência corpórea de um lugar.
Para decidir se estava no caminho certo da pesquisa e para con-
firmar os dados que colhi a partir das leituras filosóficas, fiz um
questionário que enviamos pela web através de Facebook, Insta-
gram e Reddit com perguntas relativas ao uso de celular e outros
dispositivos digitais enquanto as pessoas visitavam algum local não
determinado. Esse questionário também foi utilizado para auxi-
liar a definir um estudo de caso. O estudo de caso definido foi o
Convento de Nossa Senhora da Penha, principal local de turismo
do Espírito Santo e um dos locais mais visitados do país, apesar de
estar fora de rotas de turismo tradicionais.
Meus discursos
e meus percursos
pela cidade
Regina Cohen
c o rp o re i d a d e s L A D O B
elas se apoiam, variam muito. Minha experiência faz parte das
minhas imagens contidas em todas as possibilidades, com a hipóte-
se de todos os lugares particulares e tantos modos de conceber uma
cidade quantos são as urbes existentes. Minha cidade torna-se real
quando consigo me locomover com minha cadeira de rodas e onde
me é possível habitar todas as ambiências e usá-las. Minha cidade
é feita de sonhos e imaginários, mas também de sentimentos de
afeto.
Assim, vislumbro muitas possibilidades. O importante é entender
como se criam distâncias e fronteiras que muito influenciam na
vida física e psíquica das pessoas com alguma deficiência. A urbe
exclui tudo que considera desvio ou marginal e me mostra a frag-
mentação da cidade nos locais que me são proibidos pela falta de
acessibilidade. Como diz a célebre frase de que para o caminhante
não há caminho, mas ele faz seu caminho ao andar, cabe restituir a
possibilidade de caminhar.
Cada ambiente faz algo com meus percursos e discursos possíveis
e com todos os sonhos que eu tiver deles. Caminho, tentando me
relacionar com a cidade, criando uma poética que torne a realidade
mais amena porque fala para mim de outros caminhos. Sou aquele
caminhante que percorre como João do Rio e Walter Benjamin,
encontrando na alma encantadora das ruas da minha cidade estes
espaços que apareceram fechados. Abri todos eles e os tornei aces-
síveis. Perdi-me na multidão dos calçadões de pedestres, saboreei
a arquitetura e a boemia, senti-me perturbada com o tumulto e
burburinho das feiras, mas encontrei muita emoção nos caminhos
percorridos. Como em Heidegger e Bachelard, busquei uma mo-
rada nesses lugares. Agora, escrevo sobre este espaço secreto vivido
no meu sonho. Isso envolve minha sublimação das asperezas da
calçada que despertam outros sonhos, outros desejos, outros afetos.
Defino percursos e caminhadas fundamentais pelas quais a cida-
de se revela para mim. Às vezes, vejo a praça pela qual costumava
passar todos os dias, com ar bucólico e me sinto privilegiada por
258 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
A pesquisa
Para que se faça entender a necessidade e a aplicabilidade da ferramenta
metodológica por nós desenvolvida, falaremos um pouco sobre a pesquisa,
seus objetivos e o caminho tomado por ela. Nossa pesquisa se propôs a
01 Nos referimos aqui ao conceito utilizado por Anderson (2008), que
apresenta a comunidade imaginada como aquela em que seus membros não
possuem um relacionamento face a face. Embora o termo seja utilizado para
caracterizar nações referenciadas em um território físico, entendemos que a
“comunidade judaica”, mesmo espalhada por diversos territórios físicos, constitui-
se em referência a um território simbólico.
02 Para nós, Lugar Judaico se constrói, de forma similar ao que defende
Santana, no “desejo por uma representação e vivência simbólicas” (PINHEIRO,
2010, p.128).
265
comprovar a existência de um “Lugar Judaico” (SANCOVSCHI, 2017).
narrativas v i s u a i s e i ma g é t i c a s
Um Lugar que se define pelas marcas de uma cultura imprecisa e frag-
mentada03. Um Lugar extraterritorial, que não está preso ao espaço físico,
contaminado pela cultura judaica. Um Lugar que conecta indivíduos, que
se constitui em uma “comunidade imaginada”. Um Lugar que se estabele-
ce num continuum, que se relaciona com o passado histórico e se conecta a
um futuro esperado. Um Lugar que se constrói a partir de uma “memória
ficcional” (UGLIONE,2008)04. Um Lugar que simboliza, dessa forma,
uma coesão social e que, finalmente, pode ocupar vários espaços de forma
simultânea.
Pontuo aqui três circunstâncias que, de certa forma, condicionaram
nosso caminho. Primeiro, a pesquisa tratou de um Lugar que se forma de
maneira inconsciente, tal qual sugere Yi-Fu Tuan (1983). “A maioria dos
lugares não são criações deliberadas, pois são construídas para satisfazer
necessidades práticas” (TUAN, 1983, p.184). Isso nos impossibilitou de
descobri-lo por meio de entrevistas, ou localizá-lo pelo conhecimento
da história dos judeus. Segundo, o Lugar que buscamos não é um Lugar
que se encontra em um espaço físico determinado; ele supostamente seria
encontrado na reincidência de características de significação dispersas nos
lugares e tempos da vida judaica. E, por fim, foi necessário nos afastarmos
tanto dos entendimentos do espaço, quanto dos entendimentos da vida
judaica, visto que, de alguma forma, tínhamos isso naturalizado em nós05.
Como conceito centralizador de nossa pesquisa, tratamos das Ambiências
Sensíveis. A partir delas, vemos os espaços não somente como suporte,
mas como agente. As Ambiências extrapolam as dimensões físicas dos
espaços, incorporando por meio de dimensões sensíveis e dinâmicas uma
série de subjetividades inscritas nas relações dos indivíduos com e no es-
paço. Dessa forma, para estudar as relações entre uma identidade cultural
e seus espaços e alcançar as subjetividades ali inscritas, entendemos como
necessidade a vivência das suas ambiências. Aqui, encontramos o principal
entrave que nos levou a desenvolver uma nova ferramenta metodológica
que nos encaminhasse a uma experiência sensível e concreta dos espaços
sem que estivéssemos presentes fisicamente neles.
Nos baseando em uma premissa estabelecida por Yi-Fu-Tuan (1983, p.
204), que afirma ser suficiente uma “estória, um trecho descritivo ou uma
gravura de um livro” para estabelecermos uma relação com um lugar ou
um ambiente, decidimos incursar nos espaços por meio de narrativas
literárias, colocando, assim, em prática um entrecruzamento entre espaço e
narrativa, tal qual sugere Ricoeur (1998), buscando, no entanto, a dialé-
tica da memória e do projeto arquitetônico06 nas narrativas. As narrativas
nos permitiram um olhar desnaturalizado07, assim como uma experiência
única de lugares e tempos diversos de forma simultânea e/ou paralela. As-
sim, através da literatura, tivemos um panorama de três lugares08 afastados
entre si e de nós, em momentos diversos no tempo.
Com os objetos de um estudo comparado definidos na literatura, foi
necessário desenvolver uma metodologia de análise dos espaços que se
aplicasse ao nosso campo de pesquisa09 e nos permitisse estabelecer com
os espaços inscritos nas narrativas literárias uma relação concreta, uma
vivência sensível. Baseados, então, em um método de análise de espaços
já consolidado em nosso campo, o método dos “Percursos comentados”
(THIBAUD, 2002), desenvolvemos uma ferramenta metodológica
paralela, que se aplica a espaços narrados. A essa ferramenta chamamos
de “Percursos Imaginados” (SANCOVSCHI, 2017), uma vez que ela nos
narrativas v i s u a i s e i ma g é t i c a s
das obras literárias que escolhemos. A seguir, apresentaremos a ferramenta
“percursos imaginados”, suas etapas, e exemplos de sua aplicação.
O “Percurso Imaginado”:
uma etnotopografia por meio da literatura
narrativas v i s u a i s e i ma g é t i c a s
imaginados se estabelecem da seguinte forma:
Vivenciando os espaços:
a aplicação do “Percurso Imaginado”
12 Shtetl é o termo em Iídiche para cidade. Comumente usado para designar
lugares habitados por uma maioria Judaica. Em nosso trabalho, dedicamos alguns
parágrafos para explicar o que é o Shtetl (Ver: SANCOVSCHI, 2017, pp. 62-63)
13 Referimo-nos aqui a espaços influenciados e constituídos nas relações com
uma determinada cultura.
271
dossel, ficou revirando como alguém que está com febre. [...]
narrativas v i s u a i s e i ma g é t i c a s
durante longo tempo, Natã ficou parado ao lado da janela,
olhando para fora. O céu de Elul estava cheio de estrelas. A
coruja no teto da sinagoga guinchava com voz humana. A
gritaria dos gatos lembrava mulheres em trabalho de parto.
Grilos cricrilavam e serras invisíveis pareciam estar zunindo
dentro do tronco das arvores. O nitrir dos cavalos que ti-
nham pastado toda a noite atravessava os campos junto com
os gritos dos pastores. Natã, que estava no andar de cima,
abarcava toda a cidadezinha com um só olhar, a sinagoga,
a igreja, o matadouro, a casa de banhos pública, o mercado,
e as ruas laterais onde viviam os gentios. Reconheceu cada
abrigo, cada barracão, cada tábua de seu próprio quintal. Um
bode arrancava um pouco de casca de uma árvore. Um rato
do campo saia do celeiro para voltar a seu ninho. Natã ficou
observando por um longo tempo. Tudo em volta era familiar
e ao mesmo tempo estranho, real e fantasmagórico, como se
não estivesse mais entre os vivos e só seu espírito flutuasse
ali. Lembrava de uma frase hebraica que se aplicava a ele,
mas não conseguia recordar as palavras exatas. Finalmente,
depois de tentar longo tempo, lembrou: alguém que vê sem
ser visto. (SINGER, 2004, p. 95)
14 Chanukah, também conhecido como Festa das Luzes, é marcado por
oito dias de comemoração em memória dos Macabeus e a recuperação do
Templo, destacado pelo milagre das luzes, que fez com que a chama, da menorah,
candelabro, de um único dia multiplicar por oito dias.
15 Essa ambiência se desenhará de forma diferenciada em cada lugar habitado
pelos judeus; na Europa ou em Israel, por exemplo, a ambiência de Chanukah se
associa a temperaturas baixas do inverno.
273
notar, ainda, que as festividades judaicas, em geral, aqui representadas pela
narrativas v i s u a i s e i ma g é t i c a s
festa de Chanukah e Pessach16, são comemoradas em lembrança de outros
momentos e lugares da vida judaica, o que acaba por trazer para ambiên-
cia a experiência de um lugar passado em um momento presente, tornan-
do, também nesse sentido, difusa a temporalidade vivenciada nesse Lugar
Judaico.
Passadas as festas judaicas, o espaço é tomado por festas cristãs, que tam-
bém alteram as ambiências vivenciadas pelos judeus. Porém, as vivências
judaicas, nesses momentos, segundo a narrativa, em nada se parecem com
as vivências cristãs. Ou seja, quanto à sensibilidade, cada indivíduo, seja
ele judeu ou cristão, percebe e sente essa ambiência de uma maneira. A
narrativa, que nos é contada por um judeu, apresenta uma ambiência tem-
porária de perseguição e ódio, no Sábado de Aleluia, que remonta à morte
de Jesus, mas essa ambiência é rapidamente dissolvida em um simples
jogo de futebol, que concilia indivíduos dos dois lados em um espaço de
confraternização17. Assim, em relação ao aspecto da sensibilidade, perce-
bemos que a sensação de ser “estrangeiro” (SIMMEL,[1908]1983) e de
perseguição envolvem essa ambiência.
Nossa última parada, na obra de Amos Oz, leva-nos novamente ao aspec-
to da temporalidade. Porém, agora, o que percebemos, é que a tempora-
lidade judaica interfere diretamente na constituição dos espaços; somado
a isso, uma sensorialidade e uma sensibilidade especificas são capazes de
fazer nascer uma fronteira invisível entre espaços.
18 Shabat (do Hebraico) nome dado ao sétimo dia da semana, dia sagrado,
de descanso, no judaísmo, em referência ao descanso de Deus após os seis dias de
criação.
275
se espalham pela narrativa, trazendo à tona novamente a sensação de ser
narrativas v i s u a i s e i ma g é t i c a s
“estrangeiro”. (SIMMEL, 1983[1908])
Agradecimentos
Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-
soal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio na concessão
de bolsa de mestrado e doutorado, e ao LASC/PROARQ/
UFRJ, pelo apoio institucional.
277
Referências
narrativas v i s u a i s e i ma g é t i c a s
ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. Companhia das Letras. São
Paulo, 2008.
OZ, Amos. De amor e trevas. Trad. Milton Lando. São Paulo: Companhia das
Letras, 2015.
SIMMEL, Georg. O estrangeiro. In: FILHO, Evaristo Moraes de. (org.). Sociolo-
gia. São Paulo: Ed. Ática, 1983[1908].
SINGER, Isaac Bashevis. 47 contos / Isaac Bashevis Singer. Trad. José Rubens
Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
278 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Introdução
O Pinterest surgiu como uma rede social que prometia uma experiência
agradável e diferenciada – um catálogo de imagens que incentiva os usuá-
rios a descobrirem e salvarem ideias (figura 1). Enquanto em redes sociais
como Facebook e Instagram os usuários têm como objetivo ter um feedback
– comentários e likes – de suas postagens, o Pinterest é uma atividade mais
solitária, na qual o usuário não precisa interagir com a sua rede de segui-
dores; a interação se dá, a princípio, somente pelo compartilhamento das
imagens postadas.
Para os estudantes de Arquitetura e Urbanismo, as imagens de ambientes
de interiores postadas no site servem como referências para projetos. No
mundo profissional, além de inspiração, essas imagens contribuem para
consolidar uma boa comunicação com clientes. Entretanto, verificou-se
que pessoas que não tinham vínculo profissional com Arquitetura ou
narrativas v i s u a i s e i ma g é t i c a s
Pinterest como inspiração para suas próprias casas.
No contexto habitacional, a questão da construção identitária é muito tra-
tada, a relação pessoa/ambiente construído – muito abordada pelo grupo
de pesquisa LASC02 (no qual esta pesquisa está inserida) – nos indica de
que forma um indivíduo cria vínculos identitários com o ambiente que ele
habita.
Identidade imagética e o
consumo de imagens nas redes sociais
narrativas v i s u a i s e i ma g é t i c a s
zes indesejada, por meio do consumo de fantasias. Ao selecionar e admirar
centenas de imagens no Pinterest, o usuário pode se encontrar entrando
em um estado de devaneio, a partir do qual a mente se permite divagar
pelas imagens. Esse estado é definido pelo conceito de daydreaming que,
como diz Carvalho (2015), significa uma experiência de sonhar acordado
sendo orientada pelas imagens postadas.
Construção de narrativas
nas imagens de morar
Bachelard (2000) diz que a casa do futuro, muitas vezes, é mais evidente
do que todas as casas que tivemos no passado, pois ao contrário da casa
em que nascemos, trabalhamos diariamente na casa sonhada. Para ele, a
casa do passado, a do presente e a do futuro são casas diferentes, porém,
apesar de ser dinâmica, ela é continua; é ela que sempre buscamos.
A grandeza, com a qual tratamos a casa, acontece por ela ser a nossa
orientação no mundo. É ela que determina de onde viemos, de onde
somos e para onde vamos, é nosso ponto central de identificação, e reflete
nossas histórias, a família, nossas angústias e, principalmente, nossas felici-
dades. A casa nos permite sonhar e lembrar: lembrar não só da disposição
dos móveis, mas também de como nos sentidos naquele lugar em deter-
minado momento de nossa vida. Atribuímos significados as imagens e (re)
construímos histórias por meio delas.
Para Squire (2011), narrativas, independente do seu meio midiático, são
visões particulares, histórias trazidas como fenômenos, construídas para
resumir uma verdade de quem a está contando, um momento para trans-
mitir uma imagem mental. Narrativas são “uma cadeia de signos com
sentidos sociais, culturais e/ou históricos particulares” (Squire, 2011).
286 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Construção metodológica
Para muitos pesquisadores que se debruçam sobre a metodologia etno-
gráfica, a etnografia é a escrita do visível. As pesquisas do LASC têm a
etnografia como referência base para suas ferramentas metodológicas,
principalmente, quando o trabalho visa a analisar a relação entre pessoas
e o espaço construído. Desde o início desta pesquisa, percebemos que a
etnografia, e até mesmo a etnotopografia03, não seria totalmente pertinente
em uma pesquisa na qual a internet é o campo de estudo. Assim, procu-
ramos em vertentes da etnografia uma maneira de abordar esse mundo
virtual e entender como poderíamos proceder com a pesquisa.
O método da etnografia virtual é considerado a versão online da etno-
grafia. Enquanto em uma etnografia o(a) etnógrafo(a) se insere em um
meio físico offline, o(a) etnógrafo(a) virtual se insere no mundo online.
O trabalho de pesquisa, então, consiste em análises de dados e conversas,
ou testemunhos feitos por meio das comunidades online, em que o(a)
próprio(a) pesquisador(a) está inserido e até mesmo poderá interagir com
seus colegas online. Visto que o Pinterest não é uma rede social na qual
grupos de pessoas se formam, a etnografia virtual, apesar de nos trazer no-
ções de métodos de análise, não seria uma metodologia adequada. Porém,
foi pela etnografia virtual que nos deparamos com a antropologia digital.
Ainda caracterizada como uma subdisciplina da antropologia, a antropo-
logia digital visa ter uma perspectiva da compreensão da vida humana e
03 Ao conjunto de métodos que tomam as bases das ciências sociais para
interpretar os espaços construídos temos denominado “etnotopografia”. A Análise
Etnotopográfica estaria, assim, relacionada a uma aplicação de estudos de um
grupo sociocultural em um determinado lugar; com base e suporte no espaço em
si. (DUARTE, 2010).
287
sua cultura (HORST & MILLER, 2012). O meio digital permite não só
narrativas v i s u a i s e i ma g é t i c a s
que grupos tenham vozes a serem escutadas e estudadas, mas que os indi-
víduos também. Quando uma pessoa cria um perfil no Pinterest, ela está
criando uma voz virtual para ela. Dessa forma, entendemos que podemos
acessar o perfil de um usuário e vasculhar suas centenas imagens salvas,
entretanto, ali temos acesso somente a uma vitrine, ou seja, aquilo que o
usuário nos permite visualizar.
Como mencionado anteriormente, nesta pesquisa, não seria suficiente
somente explorar perfis no Pinterest escolhidos por meio de recortes de
gênero ou sociais. Precisaríamos também entender, pela fala dos usuários,
como ocorre o processo de salvar as imagens em pastas pessoais e o que
essas imagens salvas significavam para cada pessoa.
Com o alto uso da internet nos dias de hoje, questionários online são for-
mas rápidas e eficazes de obter informações. Apesar de existirem algumas
desvantagens em relação ao método, as vantagens sobrepõem às desvanta-
gens, quando temos um questionário de baixíssimo custo, produzido pelo
próprio grupo de pesquisa, de rápido envio e retorno dos participantes,
com uma logística simplificada, podendo atingir um grande número de
respondentes territorialmente dispersos, com análise dos dados automati-
zada e, principalmente, sem a presença inibidora de um entrevistador:
O questionário
– desenvolvimento e aplicação
narrativas v i s u a i s e i ma g é t i c a s
Online Pesquisa04, durante dois meses e, ao longo desse tempo, foi divul-
gado amplamente pelas próprias redes sociais, como o WhatsApp, o Ins-
tagram e o Facebook. A chamada para a pesquisa foi postada em páginas
pessoais e em grupos voltados para a pesquisa acadêmica.
A estrutura do questionário
O questionário foi estruturado em cinco blocos: (1) dados demográficos
dos respondentes; (2) a experiência no Pinterest; (3) o processo de criação
de pastas; (4) a apropriação das imagens; e (5) a relação dos respondentes
com suas imagens.
Bloco 1
Dados Demográficos:
• Seu gênero
• Sua idade
• Sua área de atuação
Bloco 2
04 https://www.onlinepesquisa.com/s/consumodeimagens
290 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Bloco 3
narrativas v i s u a i s e i ma g é t i c a s
mesma.
A segunda pergunta do bloco – Por que resolveu criar essa(s) pasta(s)
com fotos de moradias? – objetivou conhecer o verdadeiro propósito da
existência das pastas.
Com a terceira – Alguma vez já tentou reproduzir, de alguma forma,
essas imagens do Pinterest em sua moradia? Se sim, o quê? – esperáva-
mos que, com uma pergunta aberta, os usuários exporiam se/e como as
imagens coletadas se transformaram em realidade em suas casas, seja por
meio de pequenos detalhes, como objetos de decoração, móveis e cores de
paredes ou em projetos de ambientes inteiros.
Bloco 4
Quando passamos a usar o site com mais frequência e analisá-lo com fins
acadêmicos, passamos a perceber que a maioria das imagens de ambientes
de morar não possui pessoas usufruindo do ambiente fotografado. Muitas
imagens postadas demonstram ambientes quase cenográficos, são ambien-
tes organizados, limpos de qualquer indício de que pessoas ali habitam,
quase “estéreis”.
Portanto, perguntamos: Agora, uma curiosidade: ao olhar o seu perfil do
Pinterest... as imagens salvas por você, que mostram ambientes inter-
nos de morar, a maior parte delas possui pessoas dentro dos ambientes
ou eles estão vazios?
O objetivo foi perceber se os participantes tinham consciência desse fato
nas imagens que salvavam. No questionário, a resposta foi apresentada na
forma de múltipla escolha: com pessoas e sem pessoas.
A segunda pergunta do bloco – Por que acha que a maioria das suas
imagens salvas são assim? – objetivava, mais uma vez, a confirmação se a
escolha por imagens sem pessoas era consciente e a razão que levava a isto.
Bloco 5
Análises e descobertas
A partir das respostas obtidas no questionário, conseguimos extrair alguns
dados reveladores.
Das 28 respostas regulares (as que foram respondidas de forma comple-
ta), 23 foram de mulheres e 5 foram de homens. Sendo assim, 82% das
respostas femininas e 18% masculinas. Assim como o próprio Pinterest
(que tem 81% de usuários do gênero feminino05), o maior número de par-
ticipantes na pesquisa foi do gênero feminino. A maior parte dos partici-
pantes disse que só entra no site para buscar algo específico, entretanto, 21
pessoas responderam que, apesar de entrarem no site rapidinho, acabam se
perdendo nas imagens. Constatamos, conforme a fundamentação teórica,
que muitos dos participantes se deixam levar pelo devaneio ao utilizar o
narrativas v i s u a i s e i ma g é t i c a s
ções era se a profissão exercida pelo usuário influenciava na forma que este
utilizava o site e, apesar de termos correlacionado as repostas, compreen-
demos que não é possível afirmar que exista de fato uma relação entre a
área de atuação do usuário do Pinterest e sua possibilidade de se entregar
ao devaneio.
Após constatar que a maioria dos usuários do Pinterest possui grande
possibilidade de se entregar com prazer ao devaneio, um resultado que
surpreende é o expressivo número de respondentes que disse já ter “re-
produzido, de alguma forma, essas
imagens do Pinterest em sua moradia”,
2. e 3. Exemplo de imagens
mais especificamente, 20 dos 28 parti- enviadas pelos participantes.
cipantes (70%). Fonte: Imagem enviada por
uma respondente entre 19
Em relação às pastas dos participantes, e 30 anos que atua na área
foi possível identificar três tipos de administrativa e figura enviada
por uma respondente entre 19 e
nomenclatura. As que recebem no- 30 anos que atua na área jurídica,
respectivamente.
mes amplos e genéricos – home, ideias
design, decor, ideias para a casa, etc.
(39%) –, as que recebem nomes mais
específicos de acordo com o ambien-
te – quarto casal, banheiro, jardins,
quarto de bebê, etc. (43%) – e, por fim,
pessoas que nomeiam suas pastas com
conotações mais pessoais – home is
where your bed is, minha casa, organi-
zador pessoal, etc. (14%). Ao fazermos
uma análise que avalia conjuntamente
o tipo de pasta com a conversão da
imagem em ação, percebemos que não
é o processo organização de imagens
em pastas e suas respectivas nomeações
que altera o resultado da conversão das
imagens virtuais em imagens reais nos
espaços de morar dos respondentes,
nem tampouco está relacionado com a
atuação profissional do usuário.
294 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Considerações finais
Em um estudo que tem por base a antropologia digital não é possível
fazer afirmativas com base em análises quantitativas do questionário, mas
há certos indicativos que podem ser aferidos quando contrapostos aos as-
pectos qualitativos das respostas. Portanto, o que buscamos neste trabalho
foi extrair tendências, verificar possibilidades e, sobretudo, ouvir as vozes
295
que se colocam por trás das imagens selecionadas por nossos respondentes
narrativas v i s u a i s e i ma g é t i c a s
como forma de expressão cultural e reconstrução do “si-mesmo”06.
Acreditamos que alguns aspectos do questionário, caso alterados, pode-
riam trazer melhores resultados. Algumas perguntas poderiam ser ajus-
tadas, pois restaram algumas dúvidas. Apesar das inúmeras vantagens de
utilizar o questionário online como ferramenta de pesquisa, acreditamos
que os participantes podem ter uma certa dificuldade em se expressar de
uma forma mais extensa. Podemos dizer que sentimos falta de uma des-
crição um pouco mais detalhada em determinadas perguntas.
O questionário permitiu o reconhecimento da construção de algumas
narrativas, isto é, por meio da articulação das respostas textuais com as
imagens, foi possível reconhecer indivíduos por detrás de imagens, fazen-
do com que elas ganhassem personalidade. Após as análises, o conjunto de
imagens enviadas por alguns dos participantes ganhou um sentido pró-
prio; elas deixaram de ser imagens do Pinterest e passaram a representar
os espaços desejados/planejados por eles numa inegável lógica conjunta.
As narrativas auxiliaram na percepção das emoções dos participantes rela-
cionadas aos seus espaços de morar refletidos nas imagens que eles salvam
no Pinterest. Desejo, inveja, ansiedade, calma, felicidade foram algumas
das emoções captadas a partir da escrita dos participantes. Por tratarmos
de imagens de morar, compreendemos a influência que o “lar” possui em
nossas identidades e, dessa forma, entendemos que as imagens que repre-
sentam o “morar” conseguem evocar diversas emoções e sentimentos nos
participantes.
Realizar uma pesquisa em um campo virtual é um processo de infinitas
possibilidades, dependendo da abordagem que se deseje, e acreditamos
que, com a constante evolução do virtual, muito ainda pode ser feito.
Esperamos que esta pesquisa possa ter contribuído para esse imensurável
caminho.
Referências
narrativas v i s u a i s e i ma g é t i c a s
Simulacra. Jonathan Sun. 2014. Disponível em: <http://www.jonathan-sun.com/
the-image-of-architecture/>. Acesso em: maio de 2018.
SQUIRE, C. O que é narrativa?. In: Revista Civitas. Porto Alegre, v.14, n.2, p.
272-284, maio-ago, 2014.
O início
do percurso
Ilana Sancovschi
narrativas visuais e i ma g é t i c a s L A D O B
“padrão” se é que existe algum padrão (e não existe). Minha própria
identidade se pronunciou nesse momento, e resolvi que deveria
estudar as relações entre a cultura judaica e seus espaços, compli-
cando-me ainda mais. O que é cultura judaica? Quais os limites
dela? Enfim, poderia escrever páginas e páginas sobre o problema
que criei para mim mesma.
Da minha ideia embrionária, derivou a ideia de pesquisar casas
de judeus. Tinha a impressão de que encontraria nelas uma noção
de casa especifica. Cheguei a fazer duas pesquisas de campo (que
seguem guardadas) que me apontavam algumas coisas interessan-
tes, mas que ainda não respondiam minhas perguntas. Todas as
pessoas com quem eu conversava sobre minha pesquisa colocavam
em cheque minha hipótese. Ou, então, levavam a questão para o
lado da religião, falavam de questões ou normas práticas da vida de
um judeu religioso. Eu tinha certeza que esse não era o caminho
que eu queria seguir. Estava em busca de um Lugar (me refiro aqui
ao espaço tomado de significado, tal qual fala Tuan (1983), em que
cultura e espaço se embrenhassem e se entranhassem. Como nesse
momento era uma pesquisadora de mestrado, o meu tempo estava
se esgotando e eu precisava encontrar esse Lugar Simbólico que
estava procurando para comprovar minha ideia.
Então, um insight me levou a literatura. Logicamente um insight
não aparece do nada, tinha guardado comigo uma bagagem de lei-
turas (inclusive de autores judeus), que me levavam a crer ser possí-
vel investigar lugares a partir de suas narrativas. Na minha primeira
memória, percorri pelas histórias de Amos Oz, escritor israelense
que constrói uma narrativa bastante sensível dos cenários da vida
judaica em Israel. Depois, fui aos poucos recorrendo a outras lei-
turas e personagens. A literatura me trouxe a boa notícia de que eu
poderia, não sem antes desenvolver um método de pesquisa, expe-
rienciar espaços e lugares dispersos no tempo e também no mun-
do. Isso me possibilitou encontrar o Lugar Simbólico que parecia
sempre existir. Entender que o plano imaginário constrói também
a imagem dos nosso Lugares reais. Essa pesquisa, no entanto, não
302 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Um mergulho no
Pinterest e suas imagens
de morar
Juliana Queiroz
Ethel Pinheiro
Professora Associada concursada da FAU/UFRJ. Formada em Arqui-
tetura e Urbanismo pela FAU/UFRJ (2001) com Magna cum Laude,
Mestrado (2004) e Doutorado (2010) pelo Programa de Pós-graduação
em Arquitetura – Proarq, professora do quadro permanente do Proarq/
UFRJ. Coordenadora de Editoria do Proarq (2015-2019), Coordenado-
ra do TFG FAU/UFRJ (2018-2019), Editora-chefe da revista científica
CADERNOS PROARQ e Coordenadora eleita do Proarq/UFRJ para o
biênio 2020-2021. Coordenadora do Laboratório de pesquisa ‘Arquitetu-
ra, Subjetividade e Cultura’ – LASC/Proarq.
so b re a s o rg a n i z a d o ra s 311
312 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Conselho
editorial
Alina Santiago
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela UnB - Universidade de
Brasília; especialização em Planejamento Habitacional pela UnB; Mestra-
do pela Université de Paris XII - IUP (Creteil-França); Doutorado pela
Universite de Paris I (Pantheon-Sorbonne - França); Pós-doutorado no
IREST - Université de Paris 1 (Pantheon-Sorbonne - França). Atuação
docente: Universidade Federal de Santa Catarina (1983-2012); Faculdade
IMED - Passo Fundo (desde 2015). PósARQ/UFSC (atual). Atuação em
pesquisa: Grupo de Pesquisa Desenho urbano e paisagem (CNPq) desde
1997 e Grupo de Pesquisa de Informática na Arquitetura - INFOARQ/
UFSC, com ênfase em paisagismo, turismo, planejamento urbano e turís-
tico, sistema de informação geográfica, arquitetura da paisagem.
Marcelo Tramontano
Graduação em Arquitetura pela Ecole Nationale Supérieure d’Architec-
ture de Grenoble e em Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia Univer-
sidade Católica de Campinas; Mestrado pela Ecole D’Architecture de
Grenoble; Doutorado pela Universidade de São Paulo e Pós-Doutorado
na Ecole Nationale Supérieure D’Architecture de Paris-Malaquais.
Atuação docente: Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de São Paulo (desde 1990). Atuação em pesquisa: coordenador do No-
mads.usp (Núcleo de Estudos de Habitares Interativos) e editor-chefe do
periódico V!RUS (issn 2175-974x). Áreas de ensino e pesquisa: Habitares
contemporâneos urbanos e sua história; arquitetura, parametrização e
cultura digital; BIM e processos de projeto; informatização do quotidiano,
políticas culturais; design de mobiliário; plataformas online em processos
decisórios participativos para intervenções urbanas.
317
c o n s e l h o e d i t o ri a l
Nicolas Remy, Polytechnic School of Thessaly - Dep. Arch
Graduação em Física; Pós-doutorado pela Polytechnic School of Nantes
com aplicação em arquitetura. Atuação docente: Ecole Nationale Supé-
rieure - Grenoble (2003-2006) e Marseilles (2006-2008); l’Université de
Thessalie (atual). Atuação em pesquisa: Research Centre on Sonic Space
and the Urban Environment e Laboratório Ambiences, Architectures
Urbanités (AAU). Áreas de ensino e pesquisa: Ambiência; relação entre
física, teorias da percepção e arquitetura.
Vera Tangari
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pelo Instituto Metodista Ben-
nett; Mestrado em Urban Planning, com concentração em Urban Design,
pela University of Michigan e Doutorado em Arquitetura e Urbanismo
pela Universidade de São Paulo. Atuação docente: Universidade Federal
do Rio de Janeiro (atual). Bolsista de Produtividade em Pesquisa CNPq -
nível 2. Atuação em pesquisa: Grupo de Pesquisa Arquitetura da Paisa-
gem e Sistema de Espaços Livres no Rio de Janeiro. Áreas de ensino e
pesquisa: Paisagem; morfologia urbana; desenho urbano.
c o n s e l h o e d i t o ri a l 319
320 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
Índice
remissivo
Acessibilidade: 138, 141, 143, 144, 150, Antropologia: 10, 30, 53, 70, 102, 107,
178, 227, 229, 231, 232, 235, 237, 242, 256, 124, 150 175, 192, 240, 284, 286, 294, 305,
257 306
Acessibilidade Emocional: 228, 232 Apropriação: 12, 38, 47, 52, 53, 54, 55,
56, 62, 85, 86, 90, 126, 127, 138, 144, 146,
Afetação: 144, 190, 195, 197, 198, 201
289
Afeto: 142, 144, 232, 257, 291
Arquitetura: 9, 10, 11, 12, 13, 14, 30, 41,
Alteridade: 150, 174, 192 42, 51, 53, 68, 70, 106, 107, 121, 122, 123,
Ambiências: 10, 13, 14, 53, 54, 56, 62, 123, 125, 127, 128, 130, 131, 132, 134, 140,
85, 86, 106, 115, 138, 143, 144, 145, 146, 146, 156, 160, 168, 174, 175, 176, 179, 191,
147, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 163, 164, 192, 208, 209, 229, 230, 248, 252, 254, 256,
165, 166, 168, 182, 189, 191, 195, 197, 227, 268, 282, 283, 288, 300, 304, 305
228, 229, 230, 232, 235, 240, 241, 242, 252, Caderno de campo: 34, 75, 76, 77, 79,
257, 263, 264, 265, 267, 268, 269, 270, 271, 150, 161, 162, 166, 167, 193
273, 275
Caminhabilidade: 232, 233, 234, 235,
Ambiências noturnas: 156, 157, 159, 242
161, 163, 165, 166, 168, 182
Casa: 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 111, 270,
Ambiências Sensíveis: 264, 265, 269, 271, 285, 288, 293, 294, 301
275
Casas comunitárias: 67, 68, 69, 71, 73,
Ambiências urbanas: 13, 143, 144, 79, 81, 110, 111
145, 156, 190
Cidade: 11, 13, 32, 48, 51, 57, 69, 73, 81,
Ambientes de morar: 281, 292 82, 85, 87, 88, 89, 96, 98, 114, 115, 122,
Ambientes de trabalho: 30, 42 123, 126, 138, 140, 142, 143, 145, 146, 147,
321
156, 166, 179, 183, 191, 195, 196, 197, 201, Desenho Universal: 236, 243
í n d i c e re mi s s i v o
209, 210, 213, 227, 228, 231, 232, 233, 234,
Dispositivos digitais: 208, 211, 215,
235, 236, 237, 238, 239, 240, 241, 248, 250,
217, 218, 219, 220, 253
256, 257, 258, 268, 270, 276, 274
Diversidade: 32, 45, 51, 61, 63, 94, 139,
Coletivismo: 31, 39, 41
230, 235
Complexidade: 13, 33, 122, 125, 230
Einfühlung: 190, 191
Comunidade: 67, 68, 75, 80, 81, 142,
Emoções: 138, 144, 149, 163, 164, 191,
176, 264, 265, 284, 286
193, 230, 231, 233, 295
Conflitos: 35, 39, 48, 49, 52, 54, 57, 60,
Empatia Espacial: 12, 97, 99, 189, 190,
107, 108, 142
191, 192, 194, 195, 198, 201, 202, 203, 205,
Contemporaneidade: 81, 115, 176 230, 231, 233, 243, 249, 250
Corpografia: 208, 209, 210, 211, 212, Espaços públicos: 12, 47, 62, 98, 99,
221, 222, 253 108, 190, 191, 192, 194, 196, 203, 248, 315,
320
Croquis de campo: 30, 35, 48, 53, 163,
166, 193 Etnografia: 14, 48, 53, 70, 75, 76, 77,
83, 89, 91, 99, 102, 103, 118, 122, 124, 134,
Cultura: 9, 10, 29, 42, 43, 44, 45, 52, 52,
139, 140, 141, 158, 162, 164, 166, 167, 170,
63, 64, 65, 82, 83, 95, 99, 102, 104, 107,
172, 175, 179, 180, 192, 193, 205, 264, 268,
121, 134, 137, 140, 144, 153, 158, 162, 168,
286
170, 171, 174, 175, 196, 205, 230, 248, 264,
265, 266, 268, 269, 270, 271 272, 275, 279, Etnotopografia: 53, 67, 69, 70, 75, 82,
283, 287, 296, 297, 300, 301, 302, 310, 316, 87, 89, 139, 140, 141, 155, 158, 159, 161,
318 168, 179, 180, 193, 267, 286
Derivas: 88, 90 Evento: 11, 13, 33, 35, 48, 53, 58, 71, 72,
78, 77, 78, 88, 121, 122, 123, 127, 128, 129,
322 ARQUIt i vi d a d e s . subj e TETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar
130, 131, 132, 133, 144, 162, 196, 198, 200, Lugar Judaico: 264, 265, 270, 272, 273,
213, 221, 249 274, 275, 276, 277
Experiência: 12, 13, 43, 44, 45, 56, 64, Lugar Simbólico: 264, 301
65, 69, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 79, 80, 81,
Mapeamento: 30, 34, 38, 40, 48, 54,
82, 88, 99, 106, 129, 134, 138, 139, 141,
77, 78, 87, 89, 143, 144, 145, 171, 162, 163,
143, 144, 150, 156, 190, 191, 192, 194, 195,
164, 166, 183, 195
196, 197, 198, 199, 200, 201, 202, 208, 209,
210, 220, 221, 228, 229, 230, 231, 232, 233, Mapeamento territorial: 30, 38
234, 236, 237, 238, 241, 243, 249, 253, 256, Maracanã: 139, 140, 148, 149, 150, 151,
257, 258, 263, 264, 266, 267, 268, 269, 272, 179, 180
273, 275, 278, 282, 285, 289, 296, 297, 316
Meio Ambiente: 49, 60, 64, 229, 233,
Feiras livres: 122, 123, 127, 128, 129, 241, 314
130, 131, 132,133, 177
Memória: 11, 87, 90, 92, 123, 127, 139,
Fenomenologia: 12, 82, 142, 143, 178, 142, 145, 146, 148, 150, 151, 152, 153, 160,
203, 208, 223, 229, 232, 240, 244 178, 180, 183, 200, 203, 209, 240, 244, 265,
Filosofia da mente: 225, 252 266, 272, 273, 277, 278, 279, 301, 315, 316
Hierarquia: 30, 37, 41, 123, 160, 256 Metáforas: 123, 147, 148, 180, 282
Identidade: 11, 52, 62, 87, 107, 108, Metrópole: 64, 68, 69, 110
116, 125, 134, 142, 150, 162, 178, 243, 265, Micropolítica: 86, 96, 97, 99
266, 278, 282, 283, 284, 285, 288, 231, 292,
Mobilidade: 122, 131, 134, 140, 227,
294, 295, 300, 301, 307
228, 231, 232, 233, 234, 236, 241, 242
Imersão: 30, 33, 34, 52, 67, 73, 74, 75, 76,
Modos de sociabilidade: 85, 88
77, 78, 79, 80, 111, 126, 157, 161, 162, 165,
166, 167, 168, 195, 196, 199, 201 Moldagem do Lugar: 69, 83
Incertezas: 30, 41, 142, 160 Morar urbano: 69, 81, 83
Intersubjetividade: 121, 128, 129, Motricidade: 210, 228
130, 131, 133, 175
Narrativas: 87, 88, 89, 95, 96, 146, 147,
Intervenção urbana e paisagística: 148, 160, 180, 183, 260, 264, 266, 268, 269,
52, 57 278, 276, 277, 283, 285, 286, 292, 295, 298,
301, 306
Intolerância Religiosa: 61, 64
323
Observação participante: 33, 122, Smartphones: 207, 208, 211, 216, 254
í n d i c e re mi s s i v o
124, 140, 192, 194
Sociedade: 48, 58, 60, 107, 139, 159,
Oferendas: 49, 50, 55, 57, 58, 107 174, 175, 177, 281, 283
Percepção: 40, 52, 56, 65, 82, 86, 87, 88, Subjetividade: 12, 31, 51, 65, 87, 96,
91, 92, 94, 95, 111, 114, 138, 141, 142, 143, 137, 140, 146, 147, 155, 156, 157, 158, 165,
157, 158, 161, 164, 165, 168, 169, 171, 203, 168, 171, 174, 182, 209, 230, 248, 252, 265,
207, 208, 209, 211, 223, 225, 228, 229, 231, 266, 268
232, 233, 234, 235, 236, 240, 241, 242, 244,
Território: 11, 31, 38, 41, 48, 49, 52, 54,
252, 256, 268, 269, 275, 294, 295, 315, 317,
86, 87, 88, 90, 91, 92, 106, 135, 161, 229,
319, 320
264
Percursos Imaginados: 263, 266, 267, Vivência: 12, 52, 56, 73, 74, 76, 78, 80,
268, 269, 270, 275, 276 81, 96, 106, 138, 140, 141, 143, 148, 196,
201, 206, 228, 264, 266, 267, 269, 270, 271,
Pertencimento: 47, 53, 54, 56, 123,
273, 275, 276, 277
138, 142, 143, 230, 274
FACULDADE DE
ARQUITETURA E
URBANISMO
PROGRAMA DE
PÓS-GRADUAÇÃO
EM ARQUITETURA
CONSELHO
EDITORIAL
APOIO FINANCIAMENTO
DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
1a edição, 2019
PROJETO EDITORIAL
LASC/PROARQ - Programa de Pós-graduação em Arquitetura
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Cristiane Rose Duarte
Ethel Pinheiro
Denise Corrêa
PRODUTORA EDITORIAL E GRÁFICA
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REVISÃO DE TEXTOS
Maristela Carneiro
Ethel Pinheiro
Ilana Sancovischi
Leonardo Muniz
Algo Mais Soluções
CAPA E PROJETO GRÁFICO
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DIAGRAMAÇÃO
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IMPRESSÃO E ACABAMENTO Av. Pedro Calmon, 550 - Térreo
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CEP 21941-901
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torial da Faculdade de Arquitetura e urbanismo da Universi- contato@riobooks.com.br
dade Federal do Rio de Janeiro, do Programa de Pós-Gra- www.riobooks.com.br
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tos autorais para corrigir qualquer erro ou omissão. Telefone: +55 (21) 3938-0288
C ristiane Rose Duarte
Docente concursada da UFRJ desde 1983,
Professora Titular aposentadada da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Graduada em Arquitetura pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (1981) e
Architecte DPLG pela École dArchitecture de Pa-
ris-La Villette (1983), Mestrado pela Université de
Paris XII (Paris-Val-de-Marne) (1985) e Doutorado
pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne)
(1993). Pós-doutorado na University of California,
Berkeley (2014). Pesquisadora 1A do CNPq. Coor-
denadora do Laboratório de pesquisa ‘Arquitetura,
Subjetividade e Cultura’ – LASC/Proarq.
C thel Pinheiro
Professora Associada concursada da FAU/UFRJ.
Formada em Arquitetura e Urbanismo pela FAU/
UFRJ (2001) com Magna cum Laude, Mestrado
(2004) e Doutorado (2010) pelo Programa de
Pós-graduação em Arquitetura – Proarq, profes-
sora do quadro permanente do Proarq/UFRJ.
Coordenadora de Editoria do Proarq (2015-2019),
Coordenadora do TFG FAU/UFRJ (2018-2019),
Editora-chefe da revista científica CADERNOS
PROARQ e Coordenadora eleita do Proarq/UFRJ
para o biênio 2020-2021. Coordenadora do Labo-
ratório de pesquisa ‘Arquitetura, Subjetividade e
Cultura’ – LASC/Proarq.