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Revista Instituto Geografico Bahia - 10
Revista Instituto Geografico Bahia - 10
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Pt'r-êrrl!
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RE VIS TA DO
NSTITUTO GENEALOGICO
DA BAHIA
ANO X N.º 1 O
1 9 5 8
T I P O G R A F I A M A N ú E D I T ô R A L T D A.
SU MÁ RI O
.
A revist a ,:;olicita perm uta e agrad ece a oferta de pu bl icaço·es - On
d eman de l'écha nge - We ask for excha nge - Man
bittet um
Austa usch - Si. richie de lo scamb io - Piede canje .
Toda corre spond ência deve ser ender eçada ao Dr• Mário · Torre s
Rua Barão de Sergi , 37 - Bahia - Brasi l
INSTITUTO GENEALÓGICO DA BAHIA
Funda<lo em 14 de Abril de 1945, em substituiçã o a Secção da Bahia do Ins-
titulo Genealógico Brasileiro, instala do em Salvador a 10 de Julho de 1941.
Reconhecido de utllldade publica pelo De c. n .o 13427, de 26 de Fevereiro de 1946.
Registrado no Conselho Nacional de Serviço
Social sob n .o 3501 em 29 de Agosto de 1952.
Comissão de Redação
Comissão de História
Comissão de Genealogia
Anfrisia Santiago
Francisco Gomes de Oliveira Neto
Octavio Torres
Sindicancias e Finanças
Arnold Wildbcrger
Jayme da Cunha Gama e Abreu
J. J. Nascimento Junqueira
AFONSO COSTA
°
N Instituto Geograf ico e Historic o da Bahia do qual era
destacad o consocio, publicou na sua revista:
pagina
Volume
~omonim ia Geograf ica suas 33
inconven iencias 42
233 .
Discurso de recepção 47 277
Jacobina 200 anos depois 48
2
Poetis as Bahia nas 53 447
1928 Dicion ário de lntele ctuaes
Bahia nos 54 261
Jonath as Abott 55 474
Perfil Viscon de de Pedra Branc a 59 379
Acheg as Genea lógica s 61 69
A restau ração de Portug al e o
Marqu ês de Monta lvão 67 185
Rodrig o de Argolo a luz dos do-
cumen tos 72 273
Desce ndente de Diogo Alvare s 73 175
O prime iro Barbu da na Bahia
Colon ial 74 183
Ferrei ra Franç a at_ravés da Politi-
ca e da Anedo ta 75 55
Sebast ião da Rocha Pita visto
a olho nú 76 3
Nome s que dignif icam (a Histor ia
de Jacobi na 79 159
4
fusão estéril dos anônimos e conquistaram o direito de so-
brevivência com os tesouros ajuntados a serviço da Pátria,
da civilização, da humanidade . .
Nascendo nas distantes paragens sertanejas de Ja_c~b1na,
ao noroeste da Bahia, na modesta aldeia de Palme1r1nhas ,
sucedeu-lhe o que tem sucedido a inúme~os gr~nd_es homens:
serem filhos de pequenas cidades. Naquele p~opno es~ado o
supremo cantor das Américas, o bardo genial de Vozes
d'Africa" veio à luz numa poética fazenda, debruada de
montanhas, naquelas serras azuis que màgicamente retra-
tam seus imortais poemas.
Muito mais que honrar-se com o lugar em que se nasceu
é saber honrá-lo . Afonso Costa, que honra a sua aldeiazi-
nha. não teve ali, a alcatifar-lhe o berço, nem sedas nem ar-
. um so, intensos
minhos·' ou a acender-lhe a aspiração de cultura,
esplen-
raios de ciência e arte . O lar paterno posswa
dor; o da virtude de seus Pais - Manuel Gonçalves da Costa
e Dionisia de Almeida Costa, varão e dama dígnos à velha
moda .
O Capitão Manuel Gonçalves, como o chamavam seus
conterrâneos, conferindo-lh e essa patente simbólica por acha-
rem-na adequada, em similitude com a Guarda Nacional,
·então no auge do prestígio, chegou a assentar-se na Câmara
de seu município, como conselheiro. Guardava, porém, a con-
vicção de que cumpria ao homem observar a longíqua sen-
tença divina no paraiso perdido: "Amassarás o pão com
o suor de teu rosto" . E nesta escola de trabalho educava os
filhos, com lições vivas de exemplo, levando-os, sem privá-
los da outra escola - a da instrução, ao mourejar penoso em
semeaduras e colheitas contra as sarças inclementes.
Afonso, entretanto, fôra liberado dessas rudes tarefas
pelos mimos da avó paterna, em cujo regaço adormecia to-
das as noites, embalado a doces acalentos que a veneranda
matrona revocava de ·tempos idos. Talvez por seus estímulos
e sugestões é que se comprouvesse em auxiliar o devotado
pároco, em mistéres litúrgicos, na branca ermida onde o ritual
sagrado tinha a compensar-lh e a singeleza das alfaias e dos
paramentos o fervor e a sinceridade das preces.
E nos brinquedos com a travessa meninada cabia-lhe sem-
pre um pôsto de realce - o presbítero que batizava ou ca-
sava as bonecas, o galã dos teatrinhos familiares . .•
Mas os jogos infantís eram-lhe apenas derivativos do
cansaço pelos aferrados estudos, que a professora Gertrudes
5
◄
que dos ho~~ ! · il. 1nd1scriça ?, acêrc a dêsses assunt os, por-
sentim entais USt res subsis te o encan tamen to de lances
requin tes d~ ~xl-re ~o pelos povos civiliz ados e sensív eis ern
novado dia pore ~~a eza · Assim aquêl e ramo de violeta s re-
da "Pere La Cha{:e,~a campa de Musse t, no sombr io r~ai:ito
de Abela rdo e H .' aqu;la s dosas fresca s atirad os ao Jazigo
que exsurg e o me_1o1sa, seculo s após a tragéd ia medie val de
mulhe r. aior amor a que já fremi u um coraçã o da
8
O e~lace conjugal de Afonso Costa deu-lhe três filhos,
dos quais, como a veneranda consorte, lhe sobrevivem dois.
Corresponder am-lhe às previsões de bom educador, enchen-
do:lhe o coração de felicidades e o espírito de orgulho. E tão
'-:aidosos de ~~m nome, que o adotaram por inteiro como ape-
lido .de familia: Aurora de Afonso Costa, professora e dire-
tora da Escola de Enfermagem_ de Niterói, por ela reogani-
zada~ com a têmpera de serena energia, eficiência realizadora
e tenaz idealismo, preciosa herança paterna; Dr. Flamma-
rion de Afonso Costa, talentoso médico, de merecimento qÚe
os govêrnos brasileiros teem reconhecido, confiando-lhe pos-
tos de direção como o atual - do Departamento Nacional
da Criança, no Ministério da Saúde. Casado com a distinta
Edith Melo Afonso Costa, era em seu lar que fruia o estre-
mecido Pai as encantadoras alegrias de avô.
Com estas notas, além de cumprir um dever de atenção
para com a digníssima Família do nosso homêiiàgeado , obe-
deço-lhe à advertência: "Quem quer que faça ou escreva
biografia, não olvide jamais essa contribuição" (a influência
do lar) "e mnndam gratidão e justiça que a tais estudos se
levem os nomes dos consortes e dos filhos maiores, com a
soma de influência que exerceram, tanto quanto se procede
com os pais dos biografados".
Ao tempo de seu casamento, residia êle em Morro do
~apéu, de onde, mal contidos os desejos de mais largo am-
biente para seus objetivos, já bem delineados, se transportou
para a Capital bahiana.
O de concorrer continuament e para a elevação cultural
do Brasil pela revivescência do passado e união de fôrças
mentai; no presente, levou-o ao Instituto. Geográfico e. His-
tórico da Bahia, primeiro abrigo dos seus ~tento~ e proJetos,
primeira arena para suas lutas, que constituem deveras re-
~hidas lutas as controvérsias históricas. .
A história do Brasil, tão pobre ainda e~ sua quadr~-
existência ante a riqueza dos arquivos em mui-
centena,ria - · da de erros que
tos pontos quase inexplorados, e tao. eiv~lteração de fatos,
exibem os historiadores numa sucessiva . .. , d
alguns dos quais tão gravadosgr~~~;
escolar que custa a quem os
:~:i:t~~~~
-
~~ pril~~t:,
assou' a ser sua mais constante preocupaçao. ~
P "'b li crônicas documentos,
E debruçou-s~ logo so re. . ros, historiógrafo com "As
:ze
0
iniciando a carrerraR dbe' J?es:Ó~~!ªà 1 da Crítica Hodierna".
Minas de Prata de O erio
9
Depois de lida aquela monografia no Instituto Histórico,
apresentou-se ao 4.° Congresso de Geografia, reunido no
Recife em 1914, aproveitando a multidão de congressistas para
lançar a sua semente, a sua maravilhosa semente de con-
gregação das fôrças intelectuais para engrandecimento pátrio.
Os bons fados pareciam tanger Afonso Costa para o
viso de suas aspirações . Aquela ânsia de tornar conhecidos
os nossos valores culturais quer a.e antepassados quer de
contemporâneos, satisfê-la em parte a Editora Maucci, ao
encarregá-lo de reunir em livro por suas produções mais im-
portantes, cem poetas nacionais.
E surgiu o seu Parnaso Brasileiro.
Haveria a imprensa de forçosamente atraí-lo, voz mais
alta de seus clamores e apélos, mostruário mais amplo de
preciosos achados ao constante manuseio de arquivos.
Escreveu certa feita, com ênfase perdoável à mocidade:
"O Jornal é o facho que se põe nos mastaréus subidos para
que se não perca nos baixios e nos arrecifes a frota onde na-
vegam os destinos humanos" .
E não só neles colaborou até os dias extremos, como em
certa época fundou e dirigiu órgãos de imprensa, tais A
BANDEIRA, na cidade do Salvador o COMÉRCIO, em
Ilhéus; a REVISTA NACIONAL, no Rio de Janeiro, onde
também, logo aq chegar, começou a escrever no Jornal do
Comércio, no que prosseguiu até a morte.
Asseverou que "a atuacão evidente e maior da intelec-
tualidade. bahiana se manifesta principalmente por três ra-
mos; partidos como os demais da árvore feliz a cuja sombra
nós colocamos para orgulho de nós mesmos: o jornalismo,
a poesia, as ciências" .
,
. De f~ito, se pensarmos que tivemos lá vultos insupera-
veis de Jornalistas como Satiro Dias Belarmino Barret?,
C ~r.1os R1·b e1ro,
· '
Aurelino Leal, Severino Vieira, Almaq ' u10
Diniz · · ·; poetas como Castro Alves Pethion de Vilar, castr0
Rebelo Junior, Junqueira Freire Carlos Chiacchio, Arth~r
de Sales · · ·; cientistas
· · ' Freire Gonçalo Moniz '
como Oscar
Moniz Sodré, Theodoro Sampaio Teixeir~ de FreitaS, RuY
Barbosa ... ' concordaremos com êle. .
N- h mi-
" . ªº se avendo alteado quanto os colegas daquela. e de
~:ncia: !eve, no · entanto, uma bela e fecunda operosida _
J _rnah s tica, sob princípios que aconselhava com" em preg8
Çao apostolar· "N- .., ·m· na
· . ao compreendo o jornalista senao ass1 . · a
def~a do oprimido, na contribuição da obra marav1lh0S
10
que é a grandeza da sociedade, no levantamento de quantos
decadentes por aí em fora andam à mingua de quem lhes
atire a corda para a salvação".
É, com efeito, um excelente e útil trabalho seu "O Jor-
nalismo e a Missão SÓcial". Pudesse ser escutado e se-
guido sempre o seu apêlo: "Não vos deixeis embair nem vos
mistureis com os mercadores"! ...
Vinha-lhe da adolescência o gôsto pela literatura e tor-
nara-se-lhe permanente o anseio de soerguimento social pela
confraternização dos homens de letras.
Convencera-se de que a ninguém é dado fazer tudo numa
grande obra, além do mais, porque êsse tudo tem plastici-
dade interminável até para as gerações. Quando elas pen-
sam ir atingí-lo, êle se alarga, mostrando-se inacabado, pela
própria característica essencial da perfeição, a que se vai. ..
por um caminho infinito.
Não pusera ainda e não poria nunca Afonso Costa o
alvo de suas aspirações num mandato político, numa cadeira
parlamentar, de desvanescetites posições ou despreocupan-
tes proventos para atender à sua subsistência e à da família.
Como profissão remunerada pleiteara tão somente um cargo
de funcionário público, a princípio na Secretaria de Agri-
cultura, da Bahia, depois no Ministério da Agricultura, de
onde passou para o da Educação, aposentand·o-se como Che-
fe da Contabilidade.
O mandato e a cadeira que o atraiam eram ambos das
letras.
Já se ia impondo à admiração como historiador e jorna-
lista, através do que se lhe manifestavam os dotes literários.
A Academia de Letras da Bahia, onde oficiavam pontífices
da cultura, empolgou-o. Não estava no lema da portentosa
agremiação, a sua divisa também, a síntese de suas ambições
idealistas, "Servir à Pátria honrando as letras?"
E ali ingressou, sucedendo ao sábio Pacífico ~er~ira, pa-
trocinado pelo insígne irmão deste: . Man'!el_ Vitorino, em
cujas solenes comemorações centenarias foi hdo o seu pre-
cioso estudo bio-bibliográfico, última colabo~ação sua na Re-
0
vista daquela Associação, onde ~!nha.. escre':'e~do ,d~sde o 2.
número. Para ela organizou o Escorço Biohter~r~o de Pa-
tronos e Acadêmicos", entre os quais o de Gr~gorio de Ma-
tos o famoso satírico 1 o temível "Boca do Inferno", que,
qu~se ao agonizar, postos os olhos num crucifixo, entoou o
11
seu can to de cis né na qu ele cél eb
re son eto , com ov ida expres-
são da con ver são de um ím pio :
13
ali ingressou com o direito do_ real v?~mento, julgado ~r
duas comissões - a de admissao de soc10s e a de Geografia.
Aí vai o término do longo parecer desta última, com justifi-
cativas da razão preferencial na escolha entre os vários can-
didatos: " ... Aceitando atualmente a Revista trabalhos que
corroborem para a sua notoriedade, aquêle que apresenta o
Sr. Afonso Costa está no caso de indicá-lo para preencher
uma das vagas existentes de sócio efetivo" (Assinados -
- Basílio de Magalhães, Leopoldo Antonio Feijó Bittencourth,
Herbert Canabarro Reichard).
Aquêle tempo já o dicionário bio-bibliográfico de J. F.
Velho Sobrinho o havia incluído entre os autores de obras
valiosas.
Quase tão importante quanto fazer grandes cousas é di-
vulgá-las . Os artistas, os cientistas, não ficariam imortali-
zados sem o desvêlo dos que lhes conservasse as obras primas
ou lhes revivesse as teorias, mesmo readaptadas ou substi-
tuidas, mas em sua época preciosas, ao menos como passos da
progressiva alteração da ciência humana.
Afonso Costa, enaltecendo a outrem, enaltecia-se a si
mesmo. É bem farto o cabedal que amealhou para o renome
de tantos brasileiros. E com êle conquistou seu próprio
renome.
Além das produções citadas, deixou: "A sombra da Arte
e à Luz da História", "As Orfãs da Rainha" "O Morgado de
Santa Bárbara", "Minha Terra (Jacobina de Antanho e de
agora)", "Almachio Diniz em seu decênio Literário", "Ferrei-
ra França, Através da Política e da Anedota" «Bahianos
de Antanho", "O Catálogo de J aboatão" "Poet~s de Outro
Sexo" ... ,
Inverti propositadamente a ordem cronológica de sua
entrada no Instituto Histórico Brasileiro e na Academia Ca-
rioca de ~~tras, pa,r~ assinalar-lhe a magnitude da atuação
neste egreg10 sodalic10, a que hoje tanto me honro de per-
tencer como sócia correspondente.
Beirava-lhe, por certo, Afonso Costa uma das poltronas
desd~ quE: se tornara frequentador daquelas sessões públicas,
seguidas a trans~ormação por que passara . (Era anterior-
men~e a A<:,aderrua Pedro II) . Abertas as inscrições para a
cadeira entao sob o patrocínio de Gregório de Matos, ins-
creveu-se e elegeram-no. ·
Estava recente a publicação de "Poetas de Outro Sexo''
de tanto êxito. Não se lhe menospreze O cuidado criterioso
14
que lhe redoirava o mer~imento de historiador, genealo-
gista, crítico, por não esquecer, ao exaltar brilhantes figuras
intelectuais masculinas, as da outra metade humana, até
então despretigiada pelos homens sem superioridade jul-
gadora, afeitos a uma esgarçada venda de Themis. :tles não
reconheciam valor feminino senão nas virtudes domésticas
ou nos encantos da beleza, cujo cetro o tempo arrebata,
pressuroso e inexorável, indiferente a galanteios primorosos,
mesuras cavalheirescas, madrigais envaidecedones. . . Com
êles, e sem os homens de talento, caráter e justiça, a mulher
continuaria nos harens e gineceus.
Pertencia Afonso Costa a essa nobre grei. Na sua deli-
ciosa tortura de rebuscar valores mentais, pouco lhe impor-
tava a indumentária; importava-lhe o espírito.
No estudo dos vultos dignificantes do seu torrão natal
não olvidou aquela professora, cujos pais, numa excêntrica
vaidade, não permitiram o acréscimo do nome de família ao
de batismo - Maria da Glória . Dela disse Afonso Costa:
"A glória que tivera no nome de batismo é a mesma que
através do século lhe aureola a fama e lhe consagra a me-
mória como o espírito feminino de mais luz da Jacobina" .
Em "Bahianos de Antanho" estão Catharina Alvares e
Francisca de Sande. No "Parnaso Brasileiro", - Francisca
Julia, Ibrantina Cardona, Gilka Machado ... ; e em "Poetas
do Outro Sexo", poetisas bahianas, desde a primeira mulher
que compôs e publicou versos na província - Ildefonsa
Laura Cesar, e Adelia Fonseca, a "Safo brasileira", na ex-
pressão de Gonçalves Dias, até Hildeth Favila, a mais nova .
ao tempo em que lhes enfeixou os nomes e os poemas em
alentado volume.
Sua entrada na Academia Carioca, fê-la com a mono-
grafia sôbre Gregório de Matos. Mas ao resolverem ali, com
a reorganização, du a tôdas as cadeiras patronos guanaba-
renses escolheu para a sua Quintino Bocayuva, cuja vida
pôs n~ merecido relêvo em um dos seus melhores ensaios.
Não se lhe resumiria a essas páginas a colaboração de-
votada à ·nova atividade intelectual. Eleito tesoureiro em
1934 substituindo o renunciante po cargo:, acadêmico Ja-
ques Raimundo, tais lhe foram os efeitos da inquietud~ rea-
lizadora, da insatisfação com o que ia obten~o, a~pu-ando
gradativamente a mais, a melhor, como todo .º idealista ~ue
corre deveras para a perfeição, sempre arredia, sempre ina-
tingível. .. que logo em 1935 seus eminentes pares o levaram
15
à presidencia. Ouçamos Modesto de Abreu, ~om autoridade
incontestável, além de tudo mais, por haver sido confrade de
Afonso Costa: "Não era dos que gostavam de travar debates
ou realizar palestras ou conferências, . mas estava sempr~
atento ao registro dos grandes acontecimentos_ da vida lit:rá-
rin e apresentava sempre concisas mas preciosas ~of?,un1ca-
ções, projetos ou indicações, oralmente ou por escrito .
Mal se empossou apareceu o primeiro número das "Pu-
bltcações" que organizara na presidência Modesto. de Abreu.
E depois veio a série de "Cadernos", onde se publicavam as
atividades acadêmicas e orações dos recibos em solenidades.
Elevou o quadro social efetivo, dos 30 membros que o cons-
tituiam, para os 40 da generalidade de tais grêmios. E naque-
la insaciável sêde de expansão e confraternização intelectual,
aquêle anseio congênito, invencível, inarredável, de gregaris-
mo universal no mundo das letras, digamo-lo assim. levaram-
no a uma inexcedível operosidade eficiente, estabelecendo in
tercâmbio entre academias estaduais, espalhando sócios cor-
respqndentes por todo o país e pelo estranjeiro, distendendo
enfim, o conhecimento da Academia Carioca no continente
sul-americano.
Ia o século XX em sua segunda década e iá êle aclamava
com a alma incande~id~ de sua aspiração maior, apoiada a
palavra em sua convicçao mais firme: "Esse desconhecimento
de n~s mesmos se acabe; a distância da separação de nossas
relaçoes se encurte e ~e anule com o intercâmbio dos literatos
e int_electuais que hão de ~er a base e a fôrça do nosso pro-
gr~dimento moral e da nossa grandeza na sociedade brasi-
leira".
~nda: "O modêlo da f;deração da inteligência. senão
par~icul~rmente _?as letras,. e a propria federação política do
r~g1me, a qual nao deve..m ~r as cousas que se atiram qo des-
virtuamento de sua essencia, de sua substância".
Passavam os anos; encanecia-lhe a fronte· h -
se-lhe as dificuldades. , superpun am
E era-lhe a mesma voz oracular.
Enfim! ...
Reune-se o "1°. Congresso de Academi·a d L t I •
· ., · f
te1ectu.a1s , CUJO austo e utilidade proclam
s e ' e ras'd e ·n
· d · am, a evi enc1a,
seus an,a~s em ois grossos volumes, com a fôrca invencível
das legitimas provas documentárias. ~
Uma das teses de Afonso Costa A Fed - d A a
demias de Letras do Brasil. - eraçao as e -
16
Claro que aprova da pelo memor ável conclav e . ..
E com um grupo de acadêm icos, num pequen o mas con-
digno apartam ento do Edifici o Rex, à Cinelan dia, instala a
associa ção de sua remota idéia, de seu longo sonho, de seu
nobre ideal.
Não fôra um visioná rio; fôra um vidente . Não tivera fa-
natismo ; tivera fé.
E a fé salvou- o ...
Sem vaidad e, embria gado pela ventur a da realizaç ão, re-
cusa a presidê ncia do grêmio insígne , preferi ndo-lhe a secre-
taria geral, no d2sfgn.:o de atuação mais intensa e desejo de
vitória s mais rápidas .
Vieram elas.
Aqui está a nossa FEDERAÇÃO, garbos a nos seus qua-
tro lustros de labor contínu o, de subseq uentes lutas e digni-
ficante s troféus , porque obtidos pelas únicas armas irrestri -
tament e dígnas - as da inteligê ncia guiada pela consciê ncia.
Agrupa mento cultura l mais interes sante •e mais benefi-
ciente do Brasil, hão de multipl icar-se -lhe êsses vinte anos
de esplend or.
Bendito pouso onde os intelec tuais do país, vindos de
qualqu er banda, das impone ntes ·selvas amazôn icas ou das
suaves cochilh as sul-riog randen ses, do li~oral ou do centro
de s1;1ntuosos ou modest os templo s do saber, encoJ?.tram, numa
soh~1.ta e cordial acolhid a, a satisfaç ão ao pendor gregári o do
esp~1to inexist ente apenas na estulta indepe11-dência dos
ego1stas ou na triste miséria dos insensí veis.
Aqui não se disting uem raças nem classes; não se inda-
ga?1. crenças religios as, partido s político s, ideolog ias sociais
exigind o-se apenas que ningue m com qualqu er dêles pertur-
be a observ ância dos princíp ios de Moral e de Direito que
assegu ram a dignida de dos grupos human os.
Aqui recolhe m-se e distribu em-se tesouro s cultura is; tro-
ca~-se sugestõ es; aperfei çoam-s e planos; cultua- se o passado ;
e sbmula- se o present e; e, além de tudo, permut am-se afetos.
Na modést ia dêste recinto há galas maravi lhantes à bei-
ra do seu f0go sagrado , a razão de honros amente , desva-
necente mente chamar em-me a oficiar neste rito de saudad e
e consagr ação'.
A Bahia, de que guarda m todos os brasilei ros ao menos
~a gota de sangue e uma faúlha de espírito , estando preso,
P~1~, por essa gênese biológi ca e psíquic a, o Brasil à Bahia,
nao chora aquêle morto; dele se orgulha .
17
Daquele grande morto. . . b t d
- , , ter grandes valores, mas, so re u o,
~er gr~n-~e n~s ev!fores dá-os Deus ao homem; os mé-
~an e~ mer1 ohs. do q~e Deus lhe dá.
ritos tira-os o ornem , ·t
'Afonso Cost a t·irou dos valores recebidos
, tantos , li dos
meri
. , melhor se aplicaria a parabola evange ca o
qu: adn1nguet~da· "tão pequenino cresceu e se fêz árvore
grao e mos a • ' mos"
a ponto de as aves do céu aninharem-se em s~us ra .
Sem um atestado de curso secundário, seq~er,.. co_m os
parcos recursos de uma instrução elementar na 1!1-fancia, ~~
nejou sózinho os dons da inteligência para com eles adquirir
cultura, e com a cultura tanto enaltecer seu povo.
Filho de Jacobina, título que não admitia lhe esqueces-
sem,, atingiu a presidência de uma dou~a Acade~a . de Le-
tras - a Academia Carioca - na metropole brasileira, que
acaba de ajustar-lhe o nome a uma de suas ruas. Após ter
vindo de outro esplêndido sodalício - a Academia de Letras
da Bahia - foi seu secretário geral, por obstinar-se em não
ser presidente, também. desta majestosa Federação das Aca-
demias a~ Letras do Brasil, que fundara. Foi ainda membro
efetivo da Sociedade Brasileira de Geografia; da "Societé
Academique d'Histoire Internationale" (Paris); do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, do Instituto Geográfico e
Histórico da Bahia, da Sociedade de Genealogia da Bahia e
membro correspondente do Instituto Histórico de Sergipe.
As últimas horas do ano de 1955 desceu as pálpebras,
para não mais erguê-las, ancião de perene juventude espiri-
tual.
P~ecia desafiar o tempo em seu poder destruidor de
ene~gias. Me~mo ~ºT ~ corpo já ,um ta~to pendido ao rigor
da idade e a res1stenc1a da molestia, teimosamente manteve
o seu velho hábito de ir êle mesmo manhã cedo ainda, até
quando O sol não lograva atravessar' as brumas da invernia,
aconchegado em agazalhos contra O frio e contra a chuva,
comprar _os jornais, cuja leitura não. dispensava. Eram vãs as
ob~ervaçoes em contrário, e recusados os préstimos de quem
qu1zesse de tal modo servir-lhe.
Quanto mais lhe avançava a ancianidade mais corria
para os ~oços, fazendo-lhes preleções e apêlos, ' sendo de mui-
tos ag~a:1ado com o título de professor.
D1sc1pulos ...
Ensin~va-lhes, em verdade, o segredo da perseverança
nos bons intentos e da ventura nos bons triunfos ...
18
-
Seu próxim o trabalh o seria sôbre os suicida s célebre s
cujos nomes e dados andava a colecio nar, já havend o escrito
o comen tário que o preced eria.
A vida, afinal de contas, não vale senão para encher- mo-la
de atos que possam dar direito à .hmortalidade. Curtos ou
longos, os dias do homem na terra teem fim. E o que finda
não tem valime nto senão pela ressonâ ncia que deixa.
Daí a sobrex celênci a da memór ia.
Que import a ronde a morte no seu perman ente ofício de
relemb rar-nos a lúgubr e advertê ncia:"M emento homo quia
pulvis es" se a recorda ção opera milagre s de continu o ressurg i-
mento? ·
Como asserto u Maeter linck: "Os mortos são vivos que
não vemos mais".
A Afonso Costa não veremo s mais, realme nte; mas es-
tará vivo sempre para nós, não apenas no simbolismo da pre-
sença por sua fotografia, como a que aqui se inaugu ra hoje,
senão, e sobretu do, pelas dádivas preciosíssimas de seu espí-
rito e de seu coração aos brasilei ros, entre as quais há de
subsist ir gloriosa, magníf ica, soberan a. a FEDERAÇÃO DAS
ACAD EMIAS DE LETRAS DO BRASIL.
19