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Legislação Penal Aplicada Un1 4
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PENAL
APLICADA
Introdução
A sociedade contemporânea é considerada punitiva. A consolidação
desse pensamento ocorreu nos séculos XVI e XVII na Europa, momento
em que a pobreza se alastrava pelo continente, e a delinquência cres-
cia. Os excluídos da sociedade sobreviviam por meio de esmolas e
pequenos roubos.
A necessidade de desenvolver meios de contenção levou ao surgi-
mento do direito penal. Nesse sentido, você não deve perder de vista
que as normas possuem diversas fontes e uma delas são os costumes.
Assim, as mudanças ocorridas no direito penal decorreram em grande
parte da modificação do comportamento das pessoas no âmbito social.
Em resumo, o objetivo do direito penal é defender a coletividade e
promover uma sociedade mais pacífica. A evolução histórica dessa área
não se resume aos períodos de modificação das penas, por isso você
também vai estudar aqui as correntes doutrinárias existentes e o impacto
delas na legislação.
2 O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira
O direito penal não possui uma continuidade histórica linear, mas cami-
nha ao lado da formação da concepção do homem como pessoa (enquanto
dotado de autonomia moral), conforme ensinamentos de Zaffaroni e Pierangeli
(2006). Esse entendimento é confirmado pelo fato que boa parte dos princípios
constitucionais penais aplicáveis atualmente no direito brasileiro deriva da
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.
na Babilônia, bem como no Egito (Cinco Livros), na China (Livro das Cinco
Penas), na Pérsia (Avesta) e com o povo de Israel.
A Igreja contribuiu para uma tentativa de humanização do direito penal,
embora fosse com o intuito de defender os interesses religiosos. As penas
passaram a ter como fim não só a expiação, mas também a regeneração do
criminoso pelo arrependimento e pela purgação da culpa. Porém, punições
rudes e severas eram toleradas, isso porque tinham como fim superior a
salvação da alma do condenado.
Com a influência de filósofos e pensadores, obteve-se uma nova concepção
de crime e pena, operando-se a vingança pública. A pena deixa de ter viés
sacro para o Estado tornar-se o titular da ordem jurídica, impondo-se sobre
a vontade individual. (final da espinha dorsal), viés principal
O direito de punir se manifesta pela união de parcelas de poderes que
foram atribuídos a um só homem, o governante. Assim, ele é resultado de
um contrato: o legitimado a usar esse poder deve fazê-lo em nome de todos
(GARLAND, 2002), aplicando penas que representem a comunidade em geral.
Você não pode perder de vista que nessas sociedades a atuação do soberano
também ocorria em nome de Deus, levando-o a cometer muitas arbitrariedades.
As penas de morte, mutilação e confisco de bens não ficavam restritas ao
apenado e eram difundidas. Por isso, os historiadores consideram que ocorreu
um grande avanço ao se restringir a aplicabilidade das penas ao Estado.
Diante de algumas penas consideradas extremamente cruéis é que surgiram
as correntes iluministas e humanitárias, as quais tiveram como representantes,
entre outros, Beccaria, Voltaire, Montesquieu e Rousseau. Teve início aí um
movimento de reforma do sistema punitivo, atingindo seu apogeu na Revolução
Francesa: era a chamada Escola Clássica.
Beccaria e Romagnosi expuseram suas teorias afirmando que o direito
penal é natural, imutável e anterior ao estabelecimento de convenções huma-
nas. Além disso, apontaram que ele é exercido mediante a punição dos delitos
para impedir novos crimes (COSTA JÚNIOR, 2000). Por sua vez, Jeremias
Bentham dizia que a pena se justificava por sua utilidade — impedir o réu de
cometer novos delitos, emendá-lo, intimidá-lo, protegendo a sociedade (LISZT,
2005). Francesco Carrara (2002) define o crime como “[...] a infração da lei
do Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante
de um ato externo do homem positivo ou negativo, moralmente imputável e
politicamente danoso”.
O período humanitário — como foi chamado o século XVIII — ocorre
no intervalo entre 1750 e 1850, concomitantemente ao movimento humanista
(daí a origem do nome), marcado pela atuação de filósofos e pensadores que
O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira 5
John Locke era um filósofo inglês que foi considerado o pai do Iluminismo. Ele
escreveu a obra Ensaio sobre o Entendimento Humano. Já Montesquieu era um jurista
francês, autor de O Espírito das Leis, no qual defendia a separação dos três poderes
do Estado. Voltaire ficou reconhecido por suas ferozes críticas ao clero católico, à
intolerância religiosa e à prepotência dos poderosos. Rousseau, assim como Mon-
tesquieu e Voltaire, era francês, foi defensor da pequena burguesia, inspirando os
ideais da Revolução Francesa por meio dos livros O Contrato Social e Discurso sobre
a Origem da Desigualdade entre os Homens.
Em 1764, Cesar Bonesana — Marquês de Beccaria — publicou a obra Dos delitos
e das penas, tornando-se o símbolo da reação liberal ao desumano panorama penal
vigente. Os princípios pregados pelo jovem aristocrata de Milão são o alicerce do direito
penal atual, sendo adotados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
Cidadão, publicada durante a Revolução Francesa. A lei passa a ser obra exclusiva do
legislador ordinário, que representa toda a sociedade ligada por um contrato social.
Mas a história do direito penal não pode se resumir aos períodos em que
foi modificada a sua aplicabilidade. Você também deve conhecer as correntes
doutrinárias existentes, assim como a Escola Clássica.
A Escola Naturalista ou Escola do Direito Natural, de Hugo Grócio, Ho-
bbes, Spinoza, Puffendorf, Wolf, Rousseau e Kant, apontava para a natureza
humana como fundamento do direito e da sociedade. Apesar de ter durado
curto período, deixou como legado a corrente jusnaturalista, referência até
hoje. O jusnaturalismo e seus princípios influenciaram de forma conside-
rável o período humanitário, no qual tornavam-se individuais a valorização
dos direitos intocáveis dos delinquentes e a consequente dulcificação das
sanções criminais.
6 O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira
Para compreender o contexto evolutivo do direito penal brasileiro, você pode acessar o
Código Criminal do Império do Brasil, disponível no site do Palácio do Planalto. Confira:
https://goo.gl/I4X0bH
Art. 1º – Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
“Somente a lei, em seu sentido mais estrito, pode definir crimes e cominar penalidades”
(CAPEZ; PRADO, 2012, p. 11).
Subprincípio da anterioridade
A lei deve estar vigente no momento do ato lesivo para que possa ser utilizada.
Conforme o Código Penal (BRASIL, 1940):
Art. 2º – Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar
crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença
condenatória. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único – A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente,
aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória
transitada em julgado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Art. 3º – A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua
duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato
praticado durante sua vigência. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)
Você ainda deve saber que a medida de segurança também está sujeita a
esse subprincípio, não são só as penas.
10 O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira
Princípio da proporcionalidade
Não consta expressamente na Constituição Federal (BRASIL, 1988), mas
deriva da limitação das penas consideradas desumanas (art. 5º, XLVIII, da
CF). A pena aplicada deverá ser proporcional ao bem lesado, à sua repro-
vabilidade perante a sociedade, bem como às condições do agente, de modo
que seja suficiente e necessária em face da culpabilidade (vide ADI–MC nº
2.290/DF, STF).
Princípio da confiança
É requisito para existência do fato típico, estando associado à teoria da
imputação objetiva. Os indivíduos esperam que os demais ajam de acordo
com as normas da sociedade. “Por esta razão não realiza conduta típica
O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira 11
Princípio da insignificância
Também introduzido por Claus Roxin (1972), fixa que o direito penal deve se
preocupar com condutas que não lesem o bem jurídico ou que tenham baixo
grau de reprovabilidade social (comumente aplicado na Lei de Drogas, em
crimes de roubo ou furto, peculato, contrabando, etc.).
Princípio da ofensividade
Considera inconstitucionais os crimes de “perigo abstrato” (CAPEZ;
PRADO, 2012, p. 23), porque o tipo penal exige a lesão a um bem juridi-
camente tutelado.
Princípio da culpabilidade
Não está dentro do rol de princípios expressos na Constituição Federal (BRA-
SIL, 1988), mas pode ser extraído a partir do texto normativo constitucional,
quando se fala do princípio da dignidade da pessoa humana. aplicação da pena
O julgador, para exasperação da pena, deve deter-se nos atos que qua-
lificam a culpabilidade para efetivamente aplicar a pena que condiz com
os atos praticados. A pena nunca poderá ultrapassar os valores previstos
de culpabilidade daquela conduta; é um princípio que funciona como
limitador da pena.
12 O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira
Fonte imediata
Conforme os princípios do direito penal, a lei é a sua fonte imediata. Afinal,
não há crime nem pena sem prévia cominação legal (art. 1º do CP) (BRASIL,
1940). A lei, enquanto fonte do direito penal, pode ser promulgada nas seguin-
tes formas: Constituição Federal; lei ordinária; lei complementar; tratados e
convenções internacionais incorporados ao direito brasileiro.
Você pode achar estranho pensar que a Constituição Federal tem normas
penais, mas isso fica evidente na leitura de alguns dispositivos, como o art.
5º, incisos XLV e XLVII (BRASIL, 1988). Assim, é possível dizer que toda
O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira 13
(Continua)
18 O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira
(Continuação)
https://goo.gl/URddeM
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Leituras recomendadas
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