Brazil">
Urdume 8
Urdume 8
Urdume 8
edição 8 • ano 3
Artes manuais
têxteis na
L atina américa
O perfil autodeclarado de
artesãos, artistas, profissionais
e pesquisadores que trabalham
com as manualidades têxteis
xxxx
INSTITUTO URDUME nosso agradecimento a quem apoiou
Diretoria Executiva: Estefania Lima,
Gustavo Seraphim e Nathália Abdalla
a realização da Revista Urdume #8
Conselho Fiscal: Valderi de Almeida,
Bianca Ramalho e Paula Melech
Aline Izabel Costa Carolina Grippa Fernanda Morais Jany Trancoso Cardoso
Angelica Macedo Cris Augusta Fernanda Pacca Juliana Assunção
Conselheiros consultivos: Alexandre Hebert,
Hanayrá Negreiros e Mariana Guimarães Ana Luiza Villas boas Caroline Cassiana Filipe Moreira
Ana Beatriz Medeiros Christina Cupertino Fabiana Valeck Kamille Godinho
Ana Elisa Patrocino Conto Botânico Fabio Sasseron Kauany Valin
Agnes Amaral Clemair Krukowsk Fernanda Alves Cohim Kais Mabelli Correia
Rua Rio Grande do sul, 531
Adriana Bicalho Carol Umbelino Fernanda Ebert Kika Malta Campos
Água Verde - Curitiba/PR - CEP 80620-080
Antonietta Studio Cleo Do Vale Kazia F Palanowski
Amanda Andriotta Christina Cupertino Giuliana Wolf Kris Lucena
Ana Flávia Machado Gabriela Ferreira
Expediente Adriana Fernandes Denize Cavalcanti Giulia Ciavatta Lycia Maria Amaral
REVISTA URDUME Anita Rocha Daniela Vasconcellos Giulia A R Fraga Leslye Revely
Atelier Textil Teresópolis Djane Jobim Giovanna Custódio Luciana De Maya
Denise Duarte Bruno Gabriela Massuda Lorena Morales Gomide
Idealizadora e editora-chefe: Estefania Lima
Beatriz Marcos Telles Denise Franco Gisele dos Reis Luciana C. Monteiro
Jornalista responsável: Paula Melech - DRT 6431 Bianca Matsusaki Diandra Dal Sent Genina Martins Leda Abdalla
Beatriz Dignart Dhara Corte Gianinna Schaeffer Liliane Coelho
Redação: Cristine Bartchewsky, Estefania Lima e Paula Melech Bet Braga Daviana Tenorio Giuliana Kobayashi Letícia De Castro
Bianca Chizzolini Grazielle Araújo Luciana Borre
Editoção de arte: Nathália Abdalla
Camila Kumagai Elizabeth Teixeira Giovana Vizotto Livia Teixeira Duarte
Diagramação: Nathália Abdalla e Grabriela Ferreira Beatriz Megale Elenice Tamashiro Gustavo Pompeo Luiza Félix
Barbara Soares Eliamar Almeida Gisela Nigro Langattomasti
Ilustrações utilizadas para montagem da capa: Bianca Ávila Eloíne Erthal Larissa Henrici
Rejane de Oliveira Souza
Bia Alves Elisa Mariana Helena Kussik Luiza Martins
Gestão de projetos: Gustavo Seraphim Bruna Rychelle Elke Otte Hulse Lucinéa Dobrychlop
Bianca Seraphim Elizabeth Lara Cantoni Isadora Maria Bezerra Luiz Carlos Rena
Bruna Aguiar Fois Ellen Akemi Kita Ingra Lopes Maia Laura Segall
Elisa Miranda Euzébio Lucyana Xavier
Sugestão de pautas
Carolina Falcão Eliana Tortorelli José Daniel da Costa Laura Alfacinha
contato@urdume.com.br
Cléo Rocha Ramos Elena Mambrini João Victor Brito Lorena Germano
Para patrocinar a URDUME Carolina Fernandes Julia Alves Lucilene Hidaka
gustavo@urdume.com.br Camila França Flávio Oscar Nunes Juliana Ursaia Liana Teixeira Duque
Cristiane Mohallem Fabiana Bibini Joedy Bamonte
Publicação independente Claudia Rossetti Fernanda Lehmkuhl Joyce de Albuquerque Milena Andreola
novembro de 2021 Carolina Zarzur Flavia Maria Rigato Joelma Paes Maria Cecilia Fabricio
Cristiane Müller Fatima De Carvalho Jacqueline Ventapane Maria Virginia de Aguiar
EDITORIAL
Ateliê
Maria do Rosário Cáris Nathalie Krepski Rosalía Manicardi Tabta Rosa de Oliveira
Mariana Vilela Nina Lima Robson Ciola Tatiana Amendola
Maria Judith Magalhães Rosana Pierri Tatiane Moura
Vivo
Maria Das dores Valin Priscila Pacheco Rafaela Salgueiro Thereza Helena Prates
Maria Cristovão Paula Alecrim Rodrigo Mogiz Thais Albieri
Mariana Pompermayer Patricia Brito Thais Marques
Marcos Rossetton Patrícia Gondo Sandra Tello Tatiane do Nascimento
Mônica Rizzo Soares Paula Maria Sonia Aparecida Glodis
Espaço artístico transdisciplinar de
Maria Alice Pâmela Narjara Samantha Capatti Vanessa Vitoriano
estudo independente de moda, em São
Mylene Rizzo Paula Pexider Winge Sandra Maria Silva Virginia Garbin
Paulo, atua através de Biblioteca de
Marisa Martins Soraya Teresinha Braga Valderi Martins Modelagem, de Escola e Laboratório
Mariana Weigand Rejane Virginia Millet Sabrina Martins Vani Caruso de práticas artísticas têxteis
Maristela Nunes Rejane Maria Sousa Salma Soria Vanessa Santos
Marcelina F de Arká Rejane de Oliveira Souza Susan Mariot Virginia Hiromi
Mariana Gonçalves Renata Matteoni Stela Horta Vanuza Cunha
Coordenado pelas artistas e educadoras Andrea tamparia, bordado, crochê, tricô, renda, tecelagem
Ruth Vásquez Soraya Teresinha Vera Felippi
Guerra Arradi, Carolina Cherubini, Flávia Lobo de e desenho, no qual cada segmento tem uma pro-
Felício e Gabriela Cherubini, o Ateliê Vivo desen- gramação em formato modular e independente. É
volve processos criativos têxteis a partir de ações no Laboratório Têxtil que a equipe do Ateliê produz
educativas, figurinos e trabalhos artísticos manu- e experimenta processos criativos para figurinos de
ais desde 2015 na cidade de São Paulo e pelo Bra- shows, teatros e danças, roupas a partir de roupas,
organizações apoiadoras sil. A iniciativa busca intervir na lógica da indústria
da moda, potencializar a autonomia de processos
trabalhos e intervenções artísticas manuais.
criativos e incentivar a pesquisa e a partilha de ex- O espaço físico conta com uma estrutura de bi-
periências para criar novos modos de existência. blioteca de modelagem, livros, maquinários e
ferramentas que são compartilhados entre os
Na Biblioteca de Modelagem, a única do mundo, o frequentadores do espaço dentro da programa-
público tem acesso gratuito a um ambiente de es- ção estabelecida.
tudo, prática e alfabetização têxtil. Nela, cada parti-
cipante pode escolher um molde e fazer sua peça As coordenadoras no Ateliê Vivo acreditam que
de roupa a partir do acervo de 400 modelagens todo trabalho manual carrega em si a dimensão
doadas por diversos estilistas e marcas brasileiras. da potência humana, do que é possível produzir a
Natalia Coutinho Thays Denti Flores partir do seu próprio corpo e o que se aprende de
As propostas educacionais da Escola Ateliê Vivo in- geração em geração, consolidando saberes e crian-
centivam investigações nas áreas têxteis, de moda, do espaços de encontros e trocas coletivas, por isso
estética e identidade através dos cursos de mode- convidam vocês para conhecer a programação e
lagem, corte e costura, moulage, tingimento, es- participar das atividades.
exposição p.90
Rodrigo Mogiz
Nesta edição
editorial 6 lançamento
Fibras: nossos ingredientes 78
OPINIÃO
Pré-Artesanato, será? 8 crítica
34ª Bienal de São Paulo 80
capa
Mapeamento Urdume 12 Entrevista
Tramas suburbanas 82
tecnologia
Arte têxtil na era digital exposição
64
Diálogos Ameríndios 90
Fernanda Pacca
editorial de moda 70 livros 96
mapeamento urdume
Ómana
editorial
DIREITO AO
SENSÍVEL
N
a disputa pelo direito ao sensível, seguimos nos perguntando qual a dife-
rença entre arte e artesanato, sobre porque alguns trabalhos valem mais
e outros menos, e porque só alguns deles podem ocupar determinados
espaços. As técnicas manuais têxteis são heranças de corpos não autoriza-
dos na esfera pública - mulheres, indígenas e escravizados - e, portanto, vivem na corda
bamba sobre que parte lhes cabe neste terreno comum que chamamos de cultura.
Neste número, a Revista Urdume se arrisca a ser uma equilibrista e explorar essas
contradições. Na matéria de capa, o Mapeamento das Artes Manuais Têxteis no Bra-
sil e América Latina se propõe a apresentar um retrato de tendências das produções
têxteis no Brasil. Cientes de que esta é uma fotografia do ecossistema que nos ro-
deia, ousamos - ao nomear os agrupamentos das produção têxteis de forma distinta
- fugir da já carregada nomenclatura padrão.
Agradecemos infinitamente a todos aqueles que fizeram desta edição uma reali-
dade, através do financiamento coletivo que realizamos nos meses de setembro e
outubro de 2021, e esperamos seguir juntos na construção e reivindicação política
da visibilidade das artes manuais têxteis no Brasil e América Latina.
Obra do artista
Lucas Assumpção,
Uma boa leitura. entrevistado para
a matéria Tramas
Suburbanas
Estefania Lima
Foto: Everson Verdião
URDUME #08 9
tória da arte, noções de arquitetura e teoria da Esta forma elitista de apresentação e apropria-
Pré-
forma e, posteriormente, oficinas de “especiali- ção da arte popular brasileira é uma das várias
zação”, sobre madeira, metal, cerâmica, vidro, questões que fazem da arquiteta uma pessoa
tapeçaria e tecelagem, além daquelas voltadas controversa. A mesma Lina que doou uma escul-
a embalagens e propagandas com as artes grá- tura de madeira de Antônio Conselheiro para o
artesanato,
ficas, fotografia, layout, cartaz e gravura. Museu de Arte Moderna da Bahia, o Mamb, fa-
zendo daquele espaço um ponto de devoção de
Como os modernistas europeus, Pietro, mas es- pessoas pobres e, assim, irritando militares e boa
pecialmente Lina, buscavam quebrar as hierar- parte da classe média e alta branca soteropolita-
quias impostas pelas academias de arte do ve- na, também era aquela que afirmava que “o ar-
será?
lho continente e formar o público brasileiro para tesão no Brasil nunca teve como parte de sua na-
as linhas retas e funcionais do modernismo. O tureza o acabamento refinado de um escultor”.
modelo progressista de pensamento, no entan-
to, sofreu resistência. Por falta de investimento, O pré-artesanato
a primeira escola de design do país fechou em Já na virada dos anos de 1950 para 1960, Lina pas-
Como as ideias do projeto de Brasil da arquiteta Lina Bo Bardi 1953, apenas três anos após a sua abertura. sou, por cinco anos, dividindo sua vida entre a ca-
ecoam nos fazeres manuais brasileiros até os dias de hoje pital paulista e Salvador. Na capital baiana, a artista
No entanto, o IAC foi apenas um dos projetos de ministrava aulas na Universidade Federal e coor-
Por Estefania Lima Lina Bo Bardi para a transformação do entendi- denava o Mamb, instalado no Solar do Unhão. Na-
mento da arte e design no Brasil. Antes mesmo quele período, em visitas ao interior da Bahia, Per-
de projetar o MASP, Sesc Pompéia ou a Casa de nambuco e Ceará, Lina observou e coletou uma
Vidro, seus trabalhos de maior destaque na ar- extensa amostragem de artefatos, como colchas
quitetura, Lina foi idealizadora e editora da Habi- de retalho, canecas feitas de latinhas de lubrifican-
É
tat — revista das artes no Brasil, publicação que tes, entre outros, classificando-os como pré-arte-
sabido que a história do design e da foi o principal veículo de propagação e debate sanato, um tipo de produção resumida à resolu-
arquitetura brasileira não teria sido a das ideias modernistas no país, pós-Segunda ção de necessidades, sem nenhuma intenção de
mesma sem a chegada dos italianos Guerra Mundial, e mesclava design europeu, produção do belo e que precederia o artesanato.
Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi no arte popular e indígena. De acordo com Lina: Uma biografia (2021), livro
país. Responsáveis pela projeção e criação do Mu- de Francesco Perrotta-Bosch, cada um daqueles
seu de Arte de São Paulo (MASP), o casal foi o gran- Voltada para as elites urbanas de São Paulo, objetos marcavam o limite do ‘nada’, a miséria, e
de responsável por trazer para o Brasil as ideias da Salvador e Rio de Janeiro, a publicação criava eram criados sem atenção à poética ou à fantasia.
escola alemã de design Bauhaus, que questiona- relações descontextualizadas entre artistas mo-
vam a divisão entre arte erudita e popular, criando dernistas estrangeiros e artesanato indígena. Segundo Perrotta-Bosch, foi a partir desta per-
o IAC, Instituto de Arte Contemporânea. Segundo o arquiteto Paulo Tavares, na publica- cepção sobre a produção artesanal brasileira, que
ção Des-Habitat (2019), apesar de Lina ter desen- Lina criou um “projeto de Brasil”. Para a arquite-
A iniciativa, que fazia parte do MASP, tinha por volvido uma sensibilidade singular em relação à ta, aquele trabalho manual, “extremamente rudi-
objetivo fomentar o estudo e as pesquisas das cultura popular brasileira, a revista, além de ter mentar”, fruto de uma experiência real da pobre-
artes aplicadas com um currículo similar ao da um tom professoral, buscando formar o “bom za, se diferenciava do artesanato europeu por não
escola vanguardista. Como na Bauhaus, a pro- gosto” de seus leitores, também apresentava os envolver pensamento, elaboração e organizações
posta curricular era composta de um curso pre- artesanatos indígenas para serem contempla- sociais como as corporações de ofício, devendo ser
liminar, obrigatório a todos os alunos, sobre his- dos como obras de arte autônomas, excluindo o ponto de partida para uma industrialização que
os processos sociais pelos quais eram produzi- não se rendesse a um modelo estrangeiro, mas
dos e suas implicações político sociais. envolvesse características próprias do Brasil.
que o movimento não seria o mesmo por uma No momento em que, graças à abertura a outras
Reconhecendo tudo isso, com a capacidade sutil, mas fundamental, diferença, ela vinha de formas de pensamentos decoloniais, ganhamos
de compreensão do mundo que temos hoje, uma imposição externa. A partir desta narrativa, ciência da possibilidade de um design, como
fica difícil não notarmos e apontarmos o olhar a ideia do artesanato brasileiro se constituiu em o dos indígenas, que dialogam com estruturas
de Lina para a produção artesanal nordestina cima de uma mítica do fazer artesanal regional botânicas e interpretam a floresta como artefato
como colonialista. A arquiteta, apesar de ter puro, inocente e parado no tempo, que não só cultural, quanto tempo demoraremos para en-
sido uma promotora do artesanato brasileiro e não criou caminhos para uma industrialização tender que a arte, o artesanato, o trabalho ma-
pesquisadora das culturas populares, afro-bra- genuinamente brasileira, como ficou a mercê nual, ou como queiram chamar, não deve mais
sileiras e indígenas, com o intuito de formular dos desejos de um mercado extrativista. se basear no ato/decreto de um indivíduo ou
uma estética deste território, fez isto de forma grupo soberano, mas sim em processos em rede
reducionista. A começar pela síntese do arte- Apesar de, segundo o IBGE, no Brasil o mercado e coletivos sobre os quais os povos e população
sanato de todo um país ao trabalho de uma de artesanato movimentar mais de 50 bilhões do sul global têm muito a ensinar?
região, e a essencialização destes fazeres pela de reais todos os anos, a discrepância dos valores
falta, retirando dos artesãos brasileiros qual- percebidos sobre estes artefatos, a depender de Por aqui, no Instituto Urdume, nós já começa-
quer tipo de habilidade técnica, racionalidade sua localização geográfica, social e de quem o mos. Desculpe, Lina. Obrigada, Lina.
ou apreço pela beleza. produz ou vende, é imensa. De modo geral, sen-
do bem recebido quando embalado pelo design
Um olhar estrangeiro e, portanto, colonial e exo- contemporâneo e com a ficção que interessa às
tizante daquilo que é considerado pelo pensa- grandes cidades: aquela da arte tradicional, de
mento eurocêntrico como rústico e selvagem. conexão com a natureza e salvaguarda patrimo-
É curioso, mas não surpreendente, como mes- nial, que passem a sensação de que no “Brasil
mo ao tentar valorizar a arte popular brasileira, profundo” tudo segue pacato e em paz.
a artista tenha optado por classificá-la dentro
Capa do livro “A mão do povo brasileiro” (MASP) de uma escala ainda mais baixa (pré-artesana- O fazer manual na contemporaneidade
que catáloga a exposição de mesmo nome to) do que aquela que já não era reconhecida Acontece que se formos pensar na definição de
da qual Lina foi uma das organizadoras em 1969. ou validada socialmente (o artesanato). Neste artesanato como a arte de criar objetos por meio
sentido, Lina colaborou com preconceitos e da transformação da matéria-prima, usando as
formas de encarar o artesanato que persistem mãos como o principal instrumento de traba-
Desculpe, Lina. Obrigada, Lina. até os dias atuais. Entre eles estão a ideia de lho, perceberemos que ele, como tudo, sofre
Nada mais difícil no século XXI do que ter que uma produção sem pensamento ou subjetivi- constantes transformações e ainda assim segue
criticar outra mulher, já que faz pouquíssimo dade, a ideia de objetos marcados pela neces- totalmente inserido na cultura da qual se origi-
tempo que nós aprendemos a nos apoiar mu- sidade e reprodução, a importância da valida- na. Neste sentido, abandonar a narrativa que foi
tuamente. No entanto, se irei comentar a forma ção dos centros urbanos e o aprimoramento construída com a ajuda de Lina, torna-se neces-
equivocada como acredito que Lina tenha lida- e mediação dos artesãos com o consumidor sário para que possamos nos co-responsabilizar
do com o artesanato, nos próximos parágrafos, através de um designer. por aquilo que desejamos ser e expressar cultu-
não farei sem antes exaltar seus acertos. Em
ralmente como país. No caso do têxtil, isso diz
plena metade do século XX, em uma sociedade Embora Lina tenha imaginado que o “pré-ar- respeito a dar forma a roupas, utensílios domés-
machista e patriarcal, Lina foi responsável pelo tesanato” pudesse seguir o mesmo caminho ticos, objetos decorativos, arte urbana, contem-
Fotos: Divulgação
projeto de pelo menos dois dos patrimônios ar- de aprimoramento das corporações de ofício porânea e de museu, desafiando não só classi-
quitetônicos de São Paulo e também pela his- européias rumo à indústria e, por isso, acre- ficações de dominação, mas afirmando suas
tórica e, à época, criticada exposição “A mão do ditasse tanto na promoção de oficinas para o próprias auto-descrições, declarações e raízes.
povo brasileiro” no MASP, em 1969. ensino das técnicas, ela não se deu conta de
mapeamento Peru
urdume
Por Estefania Lima e Nathália Abdalla
4%
Argentina Uruguai
O
Mapeamento das Artes Manuais Têxteis no Brasil e América La-
Chile
tina é uma iniciativa do Instituto Urdume, iniciada em agosto de
2021, para acompanhamento e registro dos processos e dinâmi-
cas das manifestações no campo das artes manuais têxteis. Uma
proposta ousada e contínua, que vem sendo sistematizada e divulgada na pá-
gina da iniciativa no Instagram, @urdume_mapeamento, e que, após três me-
ses, se arrisca a apresentar uma primeira fotografia.
19 % Gráficos: Do lado
4%
esquerdo, as áreas nas Pesquisadores
34 %
quais os respondentes
identificam seus tra-
balhos. Do lado direito,
33 % 7%
como os respondentes
se identificam.
10 % Artistas Coletivos
e projetos
Artistas já carregadas de significados e
hierarquizações, tais como: tra-
balho manual, artesanato, arte
naif, arte contemporânea, etc., e
optamos por palavras com car-
5% 15% 22%
ga neutra ou positiva. São elas:
técnicas têxteis, técnicas têxteis
contemporâneas, bordado (livre,
Marcas e
Pesquisadores político e em diferentes supor-
pequenos
3% Artesã(o)s
2%
No intuito de compreendermos
a realidade do território, mas não
delimitarmos cada manifesta-
ção, suas complexidades e impli-
cações, optamos por interpretar
1%
Produção de conteúdo
Saúde/ bem-estar
identificadas
educação
Pesquisa
dos buscam dar algum sentido para os forma sintética, começar a deli-
Negócio
outros
TÉCNICAS
TÊXTEIS
Presentes nos grandes e pe-
quenos centros urbanos, as
técnicas têxteis geralmente
prezam pela qualidade e apri-
moramento da técnica. Her-
deiras de saberes têxteis tra-
dicionais, desde o começo do
século passado passaram a
receber também forte influên-
cia de culturas compartilhadas
através da indústria e meios de A mineira Isabela
Machado é a artesã
comunicação, como as revis- criadora da Murundu,
tas de receita, filmes, progra- um micro empreendi-
mento criativo que
mas de televisão e, por último,
busca exaltar a cultura
as redes sociais. do feito à mão.
@murundu.atelie
Esta tendência está ligada
também às práticas de cuida-
do e ao espaço da casa. Técni-
cas passadas de geração em
geração e que trazem uma
forte carga afetiva.
Mari Athayde é
técnicas já não tão praticadas a artesã responsável
nas cidades, mas feitas nela, pelas “Linhas de
Silvana Machado Coelho é a artesã por trás da Balaios
Brincar”, que produz
como a tecelagem ou a fiação, Bordados. Na cidade mineira de Lavras Novas, os ba-
brinquedos artesanais
conservam uma intima rela- laios de taquara são parte importante das manifesta-
para desenvolver
ções culturais. Tradicionalmente feitos pelos homens,
ção com a ancestralidade. a criatividade
atualmente os balaios ganham novos ares através das
e a imaginação.
mãos das “doninhas”, mulheres anciãs da cidade que
@linhasdebrincar
unem o tradicional artesanato ao bordado, crochê e ou-
tras intervenções têxteis. @silvana.balaiosbordados
O projeto EcoLua, da
artesã Lua, desenvolve
peças autorais e
modernas em crochê.
@ecoluacroche
Bonecos do Coração
é a marca de bonecos e ob-
jetos têxteis confeccionados
por Luiza Félix. Em suas pe-
ças, a artesã usa conceitos
de upcycling e slowmaking.
@bonecosdocoracao
e difusão de sa-
@madame_frufru_
beres e da experi-
mentação técnica,
a valorização dos
têxteis artesanais
brasileiros, suas
histórias, territó-
rios e mestras.
@omana_textil
Focada em experimentações
têxteis, Raíssa Brito, a artesã
e professora responsável
pela Caasulo, produz peças
a partir do punch needle,
conhecido também como
ponto russo. @caasulo
A artista Mariana
Weigand associa
a pintura em aquarela
sobre tecido com
o bordado livre
@mareamao
Bordado Consagrado por trabalhos como do grupo Matizes Dumont, o A chilena Cynthia
URDUME #08 29
Marcos Rossetton atua Thais Coelho é a autora
xxx da “Vai sendo como
com múltiplas lingua-
gens artísticas como pode” marca indepen-
colagem, escultura dente, livre e antissexista.
e bordado. Entre seus @vaisendocomopode
temas de investigação
e expressão estão o
ativismo LGBTQIA+ e o
respeito às diversidades.
@marcosrossetton
O artista Rodrigo
Mogiz trabalha entre
a pintura e o dese-
nho com a lingua-
gem do bordado,
usando narrativas
que exploram cone-
xões pessoais sobre
memória, afetividade
e sexualidade.
@ateliê_mogiz
Bordado
Político
Expressão que conjuga questões so-
ciais e subjetivas, o bordado político
aborda temas como direito à terra,
Madame Pagu é
uma multiartista
que combina
fotografia, arte têxtil
e digital para criar
obras que remetem
ao universo feminino,
à conexão entre
pessoas e à passa-
Fotos: Arquivo cedido pelas participantes
gem do tempo.
@madamepagu
33
Jucélia da Silva é graduada em Artes Visuais
pela UNESP
xxxe pela Universidade de Coimbra xxxx
(UC), Portugal. Transita por linguagens artísti-
cas como o desenho, performance e diferentes
técnicas têxteis. No cerne de sua pesquisa estão
as rendas - de bilro e renascença, construíndo,
a partir daí, as tecituras subjetivas e simbólicas
que compõem sua poética artística.
@jucelia.da.silva
Bruna Amaro é
artista visual, perfor-
mer e pesquisadora.
Através do borda-
do com miçangas
e outros materiais,
apresenta em seus
trabalhos temas rela-
cionados ao carnaval,
às religiosidades e à
violência de gênero
@amarobru
As esculturas têxteis
de Talitha Rossi são
materializações em
contato com divinda-
des femininas sobre
o corpo físico e espi-
ritual. Ao trançar fios
exóticos e adorná-los
com bordados de alta
costura, a artista faz
torções entre luz e
sombra, vida e morte,
além de reflexões so-
bre o cercamento dos
corpos femininos.
Rurais 2021, tinta acrílica, @talitharossi
paetê, contas e linha de
algodão bordados à mão
sobre tela, de Bruna Amaro
@amarobru
Tingimento
natural
Talvez a tendência mais próxima de uma fazer
ancestral, o campo dos tingimentos naturais re-
cuperam um elo perdido de diálogo entre seres
Fotos: Arquivo cedido pelas participantes
Gabriela Ferreira é
designer, artesã, mes- Vera Felippi é doutora em design e
tranda em Culturas e atua como pesquisadora e consul-
Identidades Brasileiras tora em projetos de salvaguarda de
(IEB-USP) e especia- patrimônio e cultura material têxtil,
criação e produção de tecidos em
A Paira é uma
marca que desenvolve
experimentos artís-
ticos, entre eles os
panôs, um lenço que
pode ser amarrado
de muitas maneiras
em forma de vestido,
House of Gaia é uma marca
canga, blusa, quimono,
de vestuário artesanal criada
saia e até painel de
por Catharinna Oliveira que utiliza
parede ou manta
somente fios naturais em peças
de sofá. @_paira
exclusivas em crochê e tricô.
@houseof.gaia
48 URDUME #08
Fotos: Arquivo cedido pelas participantes
Com produção local, o Atelier Camila Loren
aposta em uma moda feminina sustentável, A UpcyQueen é uma marca
trabalhando o resgate ancestral e artesanal. que trabalha com o conceito
@ateliercamilaloren de upcycling para transfor-
mar roupas e resíduos têxteis
em peças únicas e exclusivas.
@UpcyQueen
zDerit dio
quisti beati
aut quo tecti
as ipsaectem.
e Terapia Dra. Nina Veiga que sis- políticas. Doutoranda pela UFMG,
tematiza o conhecimen- desenvolve uma pesquisa sobre a
to sobre as artes-manu- linguagem têxtil e as narrativas
ais têxteis dentro e fora de memória. @natrznd
Das oficinas às academias, nun- da escola e da clínica.
ca na história recente, o têxtil foi @artesmanuais.art.br
Luciana Borre é
doutora em arte
e cultura visual,
Há 23 anos o grupo artista têxtil, pro-
Tapetes Contadores fessora de Artes
de Histórias cria Visuais e autora
tapetes e outros de diversos livros,
cenários de pano o mais recente,
para narrar contos “Bordando afetos
tradicionais e autorais na formação do-
Fotos: Arquivo cedido pelas participantes
Rute Casoy é
bordadeira e desenvol-
ve projetos para gera-
ção de renda aliados a
uma metodologia ba-
seada em psicomotrici-
dade e arteterapia.
@veudepoesia
Inicativa argentina,
a Tacurú é um
espaço de ensino
e divulgação das
práticas têxteis
tradicionais e con-
temporâneas.
@tacurutextil
URDUME #08 57
xxx mapeamento
O Langattomasti
é um coletivo que
busca resgatar toda
forma de arte com os O projeto Mulheres que
fios através de inter- Tecem Pernambuco é
venções urbanas, in- uma pesquisa cultural
centivando a troca de que consiste no ma-
experiências coletivas. peamento afetivo de
@langattomasti mulheres que trabalham
com os têxteis com obje-
tivo de dar visibilidade e
protagonismo a elas.
@mulheresquetecempe
Coletivos,
projetos
e iniciativas
Preservando a veia colaborativa do
fazer manual têxtil, uma série de
coletivos, projetos sociais e inciati-
vas, reúnem-se para produção de
do mapeamento
@atelie.foz @vaisendocomopode @emporioartesal_rq
@lafolledechapeaux @akahand.made @tolentino_ferraz
@clautchita @silviadecarvalho @caasulo
@an.ca.me @leoon_nardo @bordandopelocuidado
@vickpitta @Ritabacana @galvao.alexandra @chicchanlab @coletivolinhas @virginia_almeida_aguiar
@mango.atelie @uirapuru.atelie @danigazeau @peplos_ @lechicsstore @oluyia
@nataliabcoutinho @luizamartins_crocheteira @Live___beauty @cleidealemdaarte @bordadologia @lisiamarialisia @ferulinhas
@renatodib @mellow.eco @vitorialoyolacrocheteria @regina_gira_sol @pontosefios_ @tatamizra
@bordadeda @mylenerizzofotografia @tecerla.fios.artesanais @talitharossi @eglairquicolli @bd.atelie
@marianaportoart @amarobru @bgs.bugigangas @marcrame_ @transbordo.me @leveza_atelie
@belatrama @brunadamazo @upcyqueen_ @bia_bordo @alecrim.bordado @daniele Morais
@use.marimor @Amandaboas_ @arteemlinhass @ateliemariana_procopio @ahuterina @akhacio / @akha.art
@casadealiciaa @maria_silvia_dl @mulambodasMaria @clanclube @carisrosario.tearmanual @soniamaria_bianco
@festimbrasil @bote.croche @tiagonicoloso @celina_inart @sharibela @danielaamaralb
@coletivoacafrao @daniktenas @truecolorsartesanal @boxcriativo.colab @tecido.junto @baia.etc
@nodeduas @ribeiroparisina @mariana_szulman @panoconaxe @susan_amariot_ @lilianecoelho.art
@fermoraiss @bijuhandmadeatelie @fernanda_art23 @alemdalu @afiandeiratrabalhosmanuais @aslinhasdocorpo @floreando_arte
@slbordado @ateliejacquelinebastos @abordados @artesdapessoa @ma.tricota @madame_frufru_
@lidialupetti.art.croche @linhaminha @pontos_reversos @_tricotomia @borda_1 @colardelina
@cris_louvison @naima.almeida @candytome2 @chitafrô @desafio_atelie @ivy.ota.calejon
@besouroaline @tutitati @abracodexale @ninfeiaatelie @linhasdebrincar @encantos.feitoamao
@bordalena @anateresaslr @pottbyjulandi @cristinalisot @atelie.abano @bellaarteria
@imaginalinha @alves_marcos_pitaguary @adanazu @bordadoempoderado @elisamodigliana @flor.e.ser.art
@a.linha.vo @fraternitasprojetodecostura @nane_hortilio @amarantomanual @zoeateliebotanico @maria.maria_borda
@yalafezer_artistatextil @artevestivel @slingarte @atelier.robertacaruso @projetoroca @ilharga.art
@atelieeta @ateliealternativo @macrame.solidario @sendaorganica @atelievivo @brasileiraearte
@art_studio_family_br @veramalaco @sandrajavera @civiancoelho7 @tfsbrito @lud.oliveira.trico
@caxo.cria @artesanatos_gaia @murundu.atelie @_erasooquemefaltava @coisasevicios @quadradinhosdeamor.es
@usinazen.lojinha @N.u____ @paulaalecrim.handwovens @umpasso_umponto @_domitila @elkehulse
@criativamao @anamariareisoficial @spmqg @lumen.tecituraorganica @_a_tutu @andreadallolio
@aa_modelist @azaliafeitoamao @kuntu.art @tinturarialidiaecatarina @giulisommantico.cultural @maria.das.nuvens
@artemarias @adrifiosnobre @rodrigo.tecelao @galgruman @mareamao @patricianiesborda
@segueofio @mfernandavc @encontrodemanualidades @wendyelborin @lucianamachadocoelho @88inspiracoes
@diana_yaka @ecoluacroche @lu.cmonteiro @evlinmey @mayrlesemille @umpasso_umponto
@Flores.etal @muitasmarianas @macramada @artesafeitaamao @brandaoarte @crisfoxart
@bolseira @ateliercamilaloren @tapetescontadores @jerson rodarte @institutofred @claudia_araujo_tecelagem
@agulhasete @Examelexebenikadiweu @yarnberlin @ceciliatear @marianagoncalves14 @emporioartesanalrq
@biocroche @tricolina @omana_textil @rabiscando @inkori.tshirt @seguindoalinha
@maninha_rosa @sofices_designer @useadelina @rafaeldambros @lu.borre @fernandapacca
@crochetecoisinhas @borogodart @inraizada @lu.borre @_biuxa
@bonecasdetrapo @gabiiferreira @tricosefuxicosdamimi @atelielinhaseagulhas @mdsartesanatos @linhasdesampa
@pinkhousecroche @vanessasantosximenes @karinazancanaro @landona_canhota @ateliergaragem1130 @Linh_asdomar
@bordanat @utopia_brasil @carol_milani_ @claudiadiasart @rosane_vargas @diving_into_textiles
@lojalongavida @soumaipeesu @casaatelie86
@pedretisatelie @folias_textil @pattisartfactory @marinabtesh @pen_duick @ateliejumoreira @tricosefuxicosdamimi
@umpasso_umponto @hilos.flojos @espacioclaudelina @atelier.coryntho @bordadosanamoura @lagodecores
@houseof.gaia @gabrielpessoto @espacioclaudelina @lucianamayaricardo @femmeborda @giardino_di_ana
@bordarnarrativas @ritabacana @cristina.siete/ @annie.atelier @anneateliê2017 @entrenoscomafeto
@universoemtramas @yalafezer_artistatextil @deiva.janini @camina.atelie @liagomesbraga @re.caseando
@tuffffo @fabtrinca @bnario @tania.faberfernandes @saizica.costuraria @quintaessentia.st
@bemmimosa @Izabel Moura @bonecosdocoracao @amulherqueplantacor @dritrivelato @nserpa.arte
@lamedusagitana @essencial.is @marcela.basso.94 @arca_dezoeh @athaisrosa_ @Arte no cipó
@/muda.__ @mulheresquetecempe @circe_arte_textil @soseforcroche @mmaria.bordado @cloto_atelier
@ana.magnani.9 @atelieralgodao @carolinaweisz @tania.faberfernandes @atelieralessandravilela @guriadechita
@luizatherezo @linhasdefuga @paulagaetan_art @msilviaaraujo @upcyclingeresistencia @coletivotecelas
@oivioleta @re.fazeria_upcycling @arquitecendogaropaba @_fiomutante @comfiarbordados @wacoletivo
@natrznd @gloriacorreiaoficial @mariainesnouzeilles @christiane_carvalho @terra.mosaico @cleodovale
@moradamarca @hidaka_upcycling @semeiamacrame/ @amiguliz @odoia.artes @_danielagranja
@beliziamoraes @retalhosetrapilhos @claudia_broetto @mãos caiçaras @thaisbeckert @thaiscaracois_
@lu.az @mari_on_rupp @andreacavagnaro_artetextil @atelieentrefiosesonhos_ @maria caru @Omma_ jeijei_crochet
@espacotecendo @freitag_textileart @linbelaundemorla @beliziamoraes @juliancampos @nocriado
@conteville @macra_lelira @usemiralab @oberta serednicki @colecao_ninasargaco @kaliandra ateliê
@manuebertbordado @ybyatã @tetodotunel @silnovaki @arachne.hw @linho.handmade
@meuqueridocroche_ @jaquegomesdecor @isadora.bz @bypaulamena @atelietez @arte no cipó
@ritadacosta1 @pretuskinha_arteira @issaclara23 @theresadamaso @bordandotay @julianaallain
@janagarciaarte @marisabordadeira @aquelamagrela @re.fazeria_upcycling @raiany_ac @oratulio
@croaciapontoaponto @clastn @fio_meada @flaeduprat @perfeitasimetria.arte @thaiscaracois_
@lioka_arts @pauladarrocha @alinebrant @ratintimsonhos @eujuliagonzales @abhadiamarya
@robertakremer @Aparecida Benito Pereira @patricianiesborda @margarete nogalis viviane_perera @weavingxcoding
@atelieisabelabernardo @isa_do.ra @claudiadiasart @poeticas.manuais @cleidesouto @sinistrices
@ideiasefios @ateliepontosecores1 @julianaferreira.art @elianabrasil @carolina_velasquez @bordai_
@anileirasdailha @Chi Ludbell @myrianmelo.art @danivignoli @artetextil @natural_do_mar
@hellen_audrey @caxo.cria @julianaferreira.art @demaeprafilhacrochetaria @patricianiesborda @atelierlull
@casaamalgama @ateliealinefaz @olelê_macramé @arquitecendo_garopaba @anavoichinevski @quintaldatianaflor
@lilianecoelho.art @noveloscrochet @MariaTorrallardona @simonebarretoilustra @encantohandmade @novelaria_stamarta
@senhorabordadeira @mikaelepeixoto @alivaldivia_art @ifrjbelfordroxo @flaviosabra @doidadaespanha @rafa.elafontinele
@veudepoesia @____tacurutextil/ @dinastrauss @jucelia.da.silva @rafaelasalgueiro @rossettonjobs
@escoladetapecariamanual @maradoratiotto @langattomasti @mimosbrindesepresentes @silmcoelho_sil @marcosrossetton
@fiom.atelie @romero.piezastextiles @eulaliamanual @mimosbrindesepresentes @clubecapitu @mazzonijulia
@lenih_weber_regalin @pattisartfactory @beta_carazolli @fcrisvc @bordadurasgiole @paula_schlindwein
@mlpasini @pattisaporiti @ecoagulhas.pontorusso @elianetavelli @agulhaebordado @vilamaroatelie
@_ligia_rocha @tinkutextilargentina @eige248 @1imagemvalemaisque1000palavras @fofysfactory @barrosclaudiafranca
@renatameirelles @silvina.apfelbaum @iambenedito @fazendoartevitoria @umfiosemfim @facebook tecelãs pro arte
@marianavilela.art @puntadas_con_arte @aflorart @guananira.es @GGADEZA @tecelagem_atelier
@madamepagu @_paira @briselier @lu_dobrychlop @_______zompa @solangearruda
@ocre_rivera @ceciliamartinezarte @maosemflor @artesdapessoa @fernandapacca @macrawork @litta_x
@loja1985dd @a_puntada_viva @casadilo @katialinden @heloisamarques__
@babips.crochet @ecopolo.tear @vivi_debicki @artesmanuais.art.br @nua_rara
@mariancvik @sphynxmoda
xxx
Macramê:
o no pêrfêito
A técnica de tecer fios
com as mãos, sempre foi
uma grande paixão no
Brasil e no mundo. Isso
porque a arte do Macramê
possibilita uma diversidade
muito grande. Com forte
presença na decoração, o
feito à mão precisava de
mais opções nesse estilo de
sse lançamento está artesanato. Pensando nisso,
isponível nas versões
criamos o nosso primeiro
Natural e Maxcolor,
ue conta com uma fio especialmente para a
artela de 10 lindas cores.
técnica Macramê!
100% algodão
TEX 3543
24 fios
w w w. c i r c u l o . c o m . b r
Foto: Shir David
Tecnologia dos fios:
xxx Protótipo da memória de cordas utilizada
no computador guia do Apollo. Imagem
utilizada pela artista Pamela Liou em con-
versa com o público da exposição.
arte têxtil na era digital
P
que conectam o passado com
ode parecer novidade falar A relação entre tear e programação é a área de atuação da o futuro por meio do uso de fer-
em arte têxtil feita à mão designer Renata de Carvalho Gaui, brasileira que atualmente ramentas, técnicas e narrativas.
e sua fusão com fibras de mora em Nova Iorque. Um dos trabalhos de destaque da de- Nesta fase, é possível escolher um
alta tecnologia. Porém, o signer, realizado em parceria com a artista mexicana Frances- prompt e ser redirecionado para programação e a tecelagem, criaram um workshop aliando esses
fazer manual envolvendo os têxteis ca Rodriguez Sewaya é a exposição virtual Warping the Futu- uma obra de arte ou projeto que dois conhecimentos. Com a ideia de “tecer para programar e pro-
impulsiona abordagens de vanguar- re: How Craft Led To the Digital World As We Know. Na mostra, se relaciona com sua solicitação. gramar para tecer”, o curso apresentava uma breve história da tece-
da já há algum tempo. Exemplo dis- os visitantes fazem um tour virtual que explora a conexão en- lagem, desmistificando a técnica. “Fazíamos um tearzinho e depois
so é que o precursor do computador tre tecelagem e computação, destacando as ferramentas e as Formada em design, Renata começamos a trabalhar com códigos. Ensinamos passo a passo fa-
como conhecemos hoje foi o tear de mulheres que continuamente tecem essa história. foi para Nova Iorque cursar um zendo referência com a tecelagem”, conta a artista. Os participantes
potência programável criado por Jo- mestrado em Telecomunicações aprendiam a linguagem de programação P5, usada especialmente
seph Marie Charles, filho de um mes- “Nossa intenção é contar a história da programação e da te- Interativas. No primeiro semestre por artistas pelo aspecto visual que oferece. Ao longo do processo,
tre tecelão francês conhecido como celagem através dos objetos. Nossa pesquisa foca em quais de curso fez um projeto inspira- vai acontecendo a relação entre a programação e o tecer.
Monsieur Jacquard. Patenteado em são as comunidades que os desenvolvem, onde percebemos do na Penélope, figura da mito-
1805, seu inovador modelo de cartão claramente o protagonismo da mulher”, conta Renata. logia grega que tece para cuidar “Ao delimitar a área de trabalho, se está delimitando o que será
perfurado utilizava um sistema biná- de si nos momentos de solidão. tecido, ou seja, a área do tear. Quando você está programando, o
rio, criando padrões pixelados. Na própria descrição do site, há um destaque para o papel O tear inspirado em Penélope é jeito que o computador lê é linear, muito parecido com o ato de
da mulher: “Por causa da extrema perecibilidade ou do apa- uma instalação que tece duran- tecer. O código, quando está sendo programado, dá a possibili-
A unificação entre os têxteis e a abor- gamento intencional que está presente em grande parte do te o dia e destece quando o sol dade de desfazer, começar do zero, assim como o tear. O foco do
dagem inovadora da tecnologia co- trabalho feminino, a narrativa desta exposição se concentra se põe. Renata ainda fez outros workshop não é necessariamente aprender a programar, mas aju-
meçou ainda na primeira revolução em reconhecer seu papel decisivo nesta história”. projetos com tecnologia vestí- dar a trazer reflexões por meio da experiência. Assim como tecer,
industrial. Agora, em direção à quarta vel. “A minha pegada sempre foi programar também é uma forma de comunicar”, observa Renata.
revolução industrial, os tecidos inteli- Dividida por “seções”, a exposição inicia mostrando as dife- trabalhar a identidade feminina,
gentes são verdadeiros computado- rentes formas de tear ao longo da história, destacando as formas de empoderamento e o Conforme a tecnologia se espalha, surge uma nova forma de de-
res vestíveis e a arte têxtil incorpora técnicas e comunidades que foram pioneiras na prática. A lugar de experimentação”. sign digital. Para a coordenadora do projeto de extensão AdaLab, do
materiais como fios condutores e ou- segunda seção mostra como o uso de cartões intercambiá- curso de Direção de Arte na Universidade Federal do Goiás, Rafaela
tros componentes, criando uma siner- veis perfurados permitiu aos tecelões dedicar mais tempo Foi no mestrado que Renata e Blanch Pires, os dois principais grandes campos de desenvolvimento
gia entre o mundo digital e o físico. ao design de padrões complexos e menos tempo ao pro- Francesca se conheceram. Per- quanto aos tecidos tecnológicos são os da biotecnologia (que inclui
cesso de tecelagem manual. Esta invenção se tornou a pon- cebendo várias afinidades e a a engenharia genética e nanotecnologia) e os do digital (contando
te entre a manufatura têxtil e a computação. vontade comum de pesquisar a com a ciência de dados, por exemplo).
66
Confira a seguir a entrevista com Rafae-
la, que reflete sobre o desenvolvimento
dos têxteis tecnológicos, a intersecção
entre o feito à mão e a tecnologia, expe-
rimentações e futuro:
E ainda, por um outro ponto de vista, existe uma atenção dada à uma experimentação verda-
deiramente artesanal, até mesmo manual e cuidadosa, com tais técnicas recentes afim de refletir
sobre o que elas podem oferecer em termos de funcionalidade ou expressão estética que não são
pecializei tanto para um ponto de vista fazeres” e dos que fazem) encontrados através dos modos de produção já bem conhecidos. Algo extremamente útil e neces-
sobre seus desempenhos no espaço
mercadológico, embora o diálogo entre
ainda mais viva. sário, mas quando se associa ao discurso mercadológico de lucro por características “inovadoras”,
implicitamente podemos criar uma fratura e colocamos as técnicas tradicionais como ultrapassa-
seus usos utilitário e artísticos seja, de das e as novas como melhores, em um jogo de sobreposições. O importante, ao meu ver, é abraçar
certa forma, interdependente. as ambivalências. As técnicas e procedimentos mais recentes exigem também um tipo de conhe-
cimento especializado e as transformações dessa ordem acontecem mais rápido que a aquisição
Urdume. Que tipo de tecidos inteli- Urdume. Que aspectos você poderia destacar
do conhecimento. E quando se trata ainda das camadas sociais que têm mais ou menos acesso o
gentes podemos imaginar no futuro? quanto à arte têxtil feita à mão e sua fusão com
assunto exige ainda mais atenção e abertura.
Rafaela. Tanto pelo ponto de vista mer- procedimentos de alta tecnologia?
cadológico quanto artístico acredito que Rafaela. São muitos fatores que poderiam ser abor-
os desenvolvimentos têxteis tecnológi- dados sobre um campo que é muito vasto e diver-
cos caminham em direção à uma “per- sificado por se tratar tanto de um fazer tradicional
nal. De um lado encontramos pesquisas combinações poderiam ser quase infinitas, mas vou
The Amplifier Machine
sobre tecidos que desempenham uma dizer o que me vem à mente no momento. Por um
A instalação The Amplifier Machine,
função utilitária, como os tecidos respon- lado, percebi em minhas pesquisas uma maior valori-
de Marcela Antipan, combina o co-
sivos que fazem a intermediação entre a zação, por parte de alguns grupos, da arte e do artesa-
nhecimento ocidental (transistor) e
temperatura do corpo e do ambiente, es- nato têxtil tradicionalmente feito à mão à medida que
o ponto de vista indígena do povo Computer 1.0
tampas dinâmicas que se atualizam de a quantidade de novas tecnologias e sistemas auto-
Mapuche (Chile). Para isso, utiliza Outra referência importante na experimentação entre
acordo com as necessidades do usuário, matizados tomam mais espaço. Isso talvez traga a re-
sensores ultrassônicos que detec- têxtil e tecnologia é o projeto Soft Monitor, fundado em
tecidos que auxiliam na recomposição flexão de que certos saberes e fazeres, assim como as
tam sinais do ambiente e os tradu- 2017 por Victoria Manganiello e Julian Goldman. Os ar-
da pele (tecido orgânico humano), den- pessoas que o fazem, são patrimônios de nossa cultu-
zem em dados computacionais. A tistas criam um tecido feito à mão em grande escala
tre muitos outros desenvolvidos para a ra e estão ameaçados a se extinguir, perder a visibili-
instalação tenta refletir as tensões usando tubos ocos de polímero e fios de fibra natural.
área médica, do esporte e militar. dade ou importância em prol do “novo”.
que existem na colisão das forças O trabalho, chamado de Computer 1.0, é formado por
Mesmo no contexto das discus- E é muito importante que essa revalorização
colonizadoras e a resistência indíge- uma série padronizada de pixels coloridos. Isso é pos-
sões sobre a sustentabilidade, tecidos seja reforçada e perdure não apenas nos momentos
na que é representada por meio da sível por meio de líquido, óleo e ar bombeados para os
que “interagem” com certas condições de “virada” nas revoluções industriais. A exemplo do
materialidade e do uso de técnicas tubos em uma sequência ditada por dados e/ou sen-
ambientais e se degradam com maior que ocorreu no movimento “artes e ofícios” no sécu-
analógicas e digitais. A peça é pen- sores do ambiente e uma série de válvulas controladas
rapidez. Por outro lado, nos trabalhos ar- lo XIX que tem sua influência até hoje. Mas também
sada a partir de uma lógica binária, por computador, compressores de ar e bombas. Este
tísticos, encontramos tecidos ou objetos os movimentos operários com exigências trabalhistas
tanto em termos de sua represen- tecido funciona como um monitor de computador fei-
têxteis que “atuam”, promovem agencia- mínimas e que podemos incluir a desvalorização do
tação simbólica como da própria to com materiais e técnicas antigas e naturais justapos-
mentos e significações para a composi- trabalho e dos saberes do artesão. Além disso, os pro-
construção, feita de madeira/plásti- tas às tecnologias digitais contemporâneas.
ção artística tanto quanto o próprio per- cedimentos e a cultura do digital propõem uma outra
co, lã/motores, tecido/programação.
former, participante ou artista. dinâmica para lidarmos com a memória.
URDUME #08 69
moda xxxx
Quando
fiamos,
conectamos
nossos
corações
em uma
linha só.
A ascendência
mora no processo
e resiste em nosso solo
Inspirado no trabalho de grupos artesanais brasileiros,
editorial realizado por estudantes de Produção de Moda
do Senac Lapa Faustolo, em São Paulo, exalta as expressões
do saber manual e da ancestralidade.
O algodão
cru é o
reflexo
da pureza
com que
devemos
levar a
vida.
URDUME #08 73
Fotos: Thiago Castro
xxx xxxx
A natureza
nos dá
vida e as
cores
colorem
a alma.
74 URDUME #08
xxx xxxx
Que
cada fio
represente
toda
linhagem
e saberes
herdados.
Ficha Técnica
Styling e Produção de Moda: Barbara Xavier ; Brenda Giovanna;
Caroline Landim; Dener Guimarães; Grazielle Araujo; Kauany Valin.
Figurino: Barbara Xavier; Caroline Landim; Grazielle Araujo; Kauany Valin.
Iluminação e Direção Criativa: Caroline Landim; Dener Guimarães; Kauany Valin.
Fotografia: Thiago Castro.
Edição: Grazielle Araujo.
Beleza: Isabela Yumi; Juliana Holzmann; Milena dos Santos.
Fotos: Thiago Castro
O
dia começou agitado
naquela quinta-feira de
outubro. Era a primeira
vez que saíamos para
trabalhar fora de casa
desde o início da pandemia. A alegria de Entrando na cozinha
reencontrar as pessoas pessoalmente se Pesquisar como e do quê a nossa comida, ou me-
misturava com o frio na barriga de co- lhor, as nossas roupas e fios são feitos. Desde que
meçarmos um projeto novo, desta vez, começamos a pesquisa, nos tornamos incapazes
em formato audiovisual. Fazia frio em de comprar roupas ou insumos para as nossas pro-
São Paulo, mas o sol entrava pela porta duções sem refletir e ponderar muito. Ter acesso à
do Ateliê Vivo, espaço transdisciplinar informação nos tira do papel de espectador e nos
de estudo de moda, onde aconteceriam faz partir para a ação, isto porque, mesmo envol-
as gravações. vidos com o tema, como diz a mestre em têxtil e
moda Cristiane Bertolucci, uma das nossas entre-
Em uma parceria com a Made By You, vistadas para a série, apesar da maioria das pessoas
marca que, assim como o Instituto Urdu- que tecem procurarem fios de fibras diferentes,
me, já nasceu com o ideal de democrati- o que se tinha de oferta no mercado até poucos
zar a prática manual e incentivar o consu- anos, limitava qualquer tipo de escolha.
mo consciente, partimos para a produção
de uma série especial sobre fibras têxteis. Por isso, te convidamos a percorrer conosco este
Um desejo antigo que passaria a se reali- caminho de educação para o consumo de têxteis
zar não só em uma série de textos, repor- e moda. A colocar a mão na massa, na fibra, co-
tagens e artigos, mas também em vídeos nhecer a composição, característica e forma de
F I B RAS,
especialmente produzidos para os nossos produção de cada fio e tecido, além de entender
canais no Instagram e Youtube. os impactos ambientais, as questões culturais e
sociais e ter mais consciência sobre as escolhas
Escolher falar sobre fios e fibras não é que fazemos para nos vestirmos atualmente.
OS NOSSOS
uma tarefa fácil. Adentrar esse terreno
pouco conhecido significa sustentar Nos primeiros quatro episódios falaremos sobre o
toda complexidade que envolve este cânhamo, a viscose de cana-de-açúcar, o linho e
tema. Porque uma coisa é fato, não existe o algodão orgânico da Paraíba. Cada um deles, de
INGREDIENTES
a fibra perfeita. Ainda assim, acreditamos divulgação bimestral, será acompanhado por ar-
que podemos conhecer melhor as suas tigos e entrevistas que serão publicadas no nosso
características, seus impactos sociais e site e divulgadas ao longo de 2022.
ambientais e desenvolver com elas um
tipo de diálogo a fim de encontrarmos, O lançamento será em dezembro de 2021 e faz par-
Em parceria com a Made By You, para cada caso, o melhor caminho. te das comemorações do primeiro ano do Instituto.
o Instituto Urdume lança seu
primeiro projeto em audiovisual,
uma série especial sobre fibras. Agradecimentos especiais a Made By You, Ateliê
Vivo, Criatura Studio, Cris Bertolucci, Poli Rodri-
Por Estefania Lima
gues e Wanderley Kawabe.
78 URDUME #08
crítica
A memória
nelas mesmas, retratam modos de existên-
cia: técnicas, vozes e corpos que compõem
histórias sociais. Trabalhos que em sua pró-
precisa de
pria materialidade carregam formas de
pensamento e organização coletiva, sem
âncoras
deixar de apresentar inovações estéticas,
poéticas e políticas, como observamos ao
olharmos com atenção para os bordados
de João Cândido. Os trabalhos do apelida-
do Almirante Negro, ao contrário do que
podem fazer pensar, não contrastam com
a imagem projetada sobre um revolucio-
Por Estefania Lima nário negro do começo do século XX. Além
Um olhar histórico para as obras que Instalação de Sueli do desejo de liberdade e amor, escritos nas
Maxakali, Kumxop toalhas, os bordados inventariam não só a
usam técnicas manuais têxteis na 34ª Bienal koxuk yõg [Os espíritos vida de um marinheiro, cujas atividades de
de São Paulo - Faz escuro mas eu canto das minhas filhas].
cuidado eram feitas por ele mesmo e não
por mulheres, mas tambéma de um filho
de escravizados, cujas “regras de virilidade”
“
e feitura de trabalhos à mão, distinguem-
se das de homens brancos.
A memória precisa de âncoras”, diz a frase do antropólogo Carlos Iván Degregari Neste sentido, se as toalhas de João Cândido
escrita na parede da instalação do Grupo Cultural peruano Yuyachkani, exposta podem nos surpreender à primeira vista, já
34ª Bienal de São Paulo, intitulada: Faz escuro mas eu canto. A mostra, de curado- que o bordado é uma técnica historicamen-
ria de Jacopo Crivelli Visconti, Paulo Miyada, Carla Zaccagnini, Francesco Stocchi e te reconhecida como feminina, por outro,
Ruth Estévez teve como intuito principal reivindicar a necessidade da arte como ela nos revela uma série de complexidades e
um campo de encontro, resistência, ruptura e transformação e, diante de tal pro- histórias não contadas, como a de marinhei-
posta, apresentou trabalhos de tempos, formas e discursos distintos. ros e escravizados. Vozes invisíveis, que na
arte, volta e meia ganham volume - quando
Dentre elas destacam-se uma série de obras têxteis, mas, em especial, quatro ar- reconhecidas - através dos fios. Não à toa, os
tistas (se podemos chamar João Cândido assim) cujos trabalhos ganham forma bordados de João Cândido nos lembram os
através do uso de técnicas manuais têxteis: Sueli Maxakali, Gustavo Caboco, João de Arthur Bispo do Rosário. Ambos homens,
Cândido e Noa Eshkol. A instalação de Sueli Maxakali, Kumxop koxuk yõg [Os es- de corpos indesejados, em cárcere, gritando
píritos das minhas filhas] traz um conjunto de objetos trançados e tecidos, que a fio como forma de liberdade em um en-
Fotos: Estefania Lima
remetem às Yãmĩyhex, mulheres-espírito de seu povo. Já a obra de Caboco apre- contro não combinado com o feminino.
senta, entre desenhos, animações e escritos, bordados idealizados por ele e exe-
cutados por sua mãe Lucilene, desterrada de sua comunidade, Wapichana, ainda
criança. De João Cândido, o Almirante Negro, marinheiro e herói revolucionário da Bordado “O Adeus do
revolta da Chibata (1910), são apresentados dois bordados feitos durante seu perío- Marujo de João Cândi-
do na cadeia e, por último, de Noa Eshkol, seus tapetes de parede. do, o Almirante Negro,
exposto na 34ª Bienal
de São Paulo.
TRAMAS
SUBURBANAS
Lucas Assumpção, um dos nomes que dá vida à exposição
“Crônicas Cariocas”, apresenta trabalhos que revelam, assim como
a mostra, um Rio de Janeiro além dos cartões postais
Por Estefania Lima
A
o entrar na exposição “Crônicas Ca- Ao todo, são quase 600 obras de arte, nos mais
riocas”, em cartaz no Museu de Arte diversos suportes, que ocupam três galerias
do Rio (MAR), somos surpreendidos do museu, cuja arrumação confere ares labi-
por um burburinho vindo do túnel rínticos ao local. Cada pedaço de parede reve-
que dá acesso às galerias. Trata-se do áudio de la momentos do Rio. Entre os cerca de 110 ar-
uma conversa entre Luiz Antônio Simas, Concei- tistas que participam da montagem, Marcelo
Exposição "Crônicas
ção Evaristo e a cantora Teresa Cristina. Ao fim da Campos comenta aqueles que destacam-se
Cariocas", MAR,
passagem, na chegada ao primeiro espaço expo- por usarem o têxtil como suporte. A começar Rio de Janeiro.
sitivo, uma televisão exibe o vídeo do bate-papo. pelas bandeiras de Guilherme kid, que traz a
A ideia é brincar e fazer referência às conversas de frase da música Espelho, de João Nogueira,
janela entre vizinhos, que em razão da pandemia “Nascido no subúrbio nos melhores dias” —
de covid-19 passaram a acontecer virtualmente. traduzindo o orgulho suburbano que se apre-
senta fortemente na criação dos jovens artis-
A exposição, a maior e mais importante da ins- tas vindos da periferia da cidade — e da artista
tituição desde o começo da pandemia, foi pen- Guilhermina Augusti, onde se lê: “Atravecar o
sada para escutar e discutir o Rio de Janeiro que eixo, escurecer ao centro”, convidando a refle-
não está nos livros nem nos cartões postais, mas xão sobre a presença de pessoas LGBTQIA+ e
que figura no imaginário coletivo daqueles que negras nos museus.
vivem e respiram a cidade em toda sua comple-
xidade. A montagem dá vida às histórias cotidia- Além dos dois artistas, Campos destaca tam-
nas; festas; encontros dos ônibus lotados e calça- bém a presença das obras de duas grandes
das. Segundo o curador-chefe do MAR, Marcelo artistas: Sônia Gomes e Rosana Paulino. “Sônia
Campos,“nesta exposição o museu se posiciona, é uma artista fundamental na relação das ar-
ou melhor, mantém a sua vocação em ser um tes com os tecidos, ela vai costurando, bordan-
museu que trata das relações sociais e vulnera- do em cima daquelas formas, numa condição
bilidades da população, ao tratar de um Rio mais muito próxima a uma manufatura, e dando a
suburbano, periférico. Uma cidade que é vivida eles outros sentidos, como a ideia do amuleto.
na sua oralidade, nas histórias contadas de avós Uma espécie de africanização daquele material
para netos, pelas crianças, nas feiras livres”. como uma prática ancestral”, afirma o curador.
De Rosana Paulino, a exposição apresenta o Por último, o curador destaca o trabalho de Lucas
vídeo de uma performance, na qual uma per- Assumpção, que cria tramas a partir de uma esté-
sonagem vai costurando, em seu próprio ves- tica típica dos subúrbios cariocas. “O Lucas pega
tido, imagens de mulheres negras. Mulheres os boletos do jogo do bicho que, apesar de proi-
que poderiam ser consideradas suas ancestrais. bidos, são comuns pela cidade e os constrói uma
“Rosana Paulino é uma das mais importantes colcha de emendas com crochê.” Um trabalho
artistas contemporâneas do Brasil. Ela lida com simples, mas que chama a atenção por conversar
as discussões sobre racialidade e etnicidade e diretamente com o público e suas memórias.
pensa esse tecido social afirmando sua carga
de memória, ao mesmo tempo que uma carga Para sabermos mais sobre como se deu o pro-
de denúncia, exatamente nas fissuras daquilo cesso de criação desta e outras obras, conver-
que não foi contado e com as quais o MAR se samos com o artista, que prefere ser chamado
propõe a trabalhar”, reforça Campos. de artista-artesão:
Urdume. Porquê?
Lucas Assumpção: Porque este sempre foi um
espécie de fuga. Porque eu queria brincar na rua grande questionamento pra mim. Para além das
que ouvi de uma professora com as crianças, mas sempre foi uma coisa muito discussões entre proximidade e dicotomia entre
da faculdade, ela dizia: separada, sexista. As meninas jogavam queimado arte e artesanato, eu venho de um processo de
“o livro infantil é um livro e brincavam de boneca e os meninos jogavam cultura que poderia ser chamado de kitsch, com
tão bom, que até um bola. Eu nunca gostei de jogar bola e, por ser gay, motivos florais e todas essas coisas. Eu gosto de
adulto consegue ler”. era muito zoado. Por isso, eu comecei a ficar mui- me apresentar de uma maneira que eu consiga
to dentro de casa, evitava ir para rua, minha mãe discutir as tensões dos espaços que eu ocupo.
também tinha muito medo do que poderia acon- Cresci vendo meu tio tramando a tarrafa para
tecer comigo. A casa se tornou, ao mesmo tempo, pesca e minhas tias fazendo crochê. Uma reali-
meu lugar de segurança e um tipo de prisão. dade não só minha, mas de uma grande popula-
Minha mãe trabalhava fora, em casa de fa- ção de áreas de favela, subúrbios e zonas rurais.
mília, e minhas tias que cuidavam de mim, faziam Nestes locais, as técnicas dão formas à vida e isso
muito crochê e ponto cruz e eu pedia para apren- faz parte da minha pesquisa. A nossa formação
der. Na época eu aprendi a fazer colcha de retalho, artística/artesã está muito relacionada às per-
fuxico, e tinha isso como um hobby. Durante um cepções dos lugares em que a gente vive, por
tempo fiz até umas peças de crochê para vender, onde a gente anda, e esses lugares são os meus.
mas com o tempo quis criar alguma coisa minha,
fugir das produções já existentes, mas sem perder Urdume. As suas obras são reflexos dessas vi-
a referência estética da minha infância. vências?
Lucas Assumpção: Quando eu ando na rua, o
Urdume. Foi esta estética que te moldou que eu vejo na minha área são jogos do bicho
como artista visual? pendurados nos postes, garotos com camisa de
Lucas Assumpção: Sim, o trabalho doméstico time, o tiozinho com o cordão de São Jorge e a
URDUME #08 89
xxx exposição
↑ Legenda aqui do que eu era gay, então eu real- com a casa pelo sonho, porque pessoas. Quando levo minha mãe ou parentes meus nos mu-
mente era. Eu era uma criança, sonhamos com o bicho no qual seus, na maior parte das vezes eles não entendem nada. Eu
devia ter uns sete, oito anos. Por vamos jogar, temos sonho da quero fazer arte para os meus. Quero que meu irmão, minha
isso, quando eu digo que meu casa própria, o sono dos justos, mãe entenda, você e sua mãe entendam. Levo comigo uma fra-
trabalho é pensar nesses espa- etc. Este trabalho tem também se que ouvi de uma professora da faculdade, ela dizia: “o livro
ços, é tanto porque eu quero va- essa estética meio “rococó con- infantil é um livro tão bom, que até um adulto consegue ler”.
lorizar essas culturas e epistemes, temporânea”, com diz uma ami- Então eu tento pensar dessa maneira. Quero poder comunicar
mas também para indagá-las, re- ga, as cores pastéis, mas não sa- tudo que tenho vontade, mas sem ser dificultoso. Desejo que a
pensá-las e colocá-las em xeque. bia exatamente como utilizá-los. arte contemporânea seja mais acessível e que essa arte possa
Repensar o conservadorismo Até que um dia estava deitado estar dentro da casa das pessoas. Eu quero que a minha arte
que existe na tradição. O jogo do na cama da minha tia e tirei esteja sempre em flerte com o que há de mais popular.
“
bicho marcou de muitas formas uma selfie. Mais tarde, olhando
a minha vida. Na escola, quando a foto, reparei que estava deita-
meu número da chamada era 24, do em cima de uma colcha de
era uma grande zoeira, porque retalhos. Pensei: “pronto, é isso,
este é o número do veado. Por essa é a referência.” Quando eu digo que meu
causa disso, hoje eu penso: como
trabalho é pensar nesses
posso transformar isso? Então eu Urdume. Como a sua família
coloco o jogo do bicho com “deu recebe o seu trabalho?
espaços, é tanto porque
veado na cabeça”, porque este é Lucas Assumpção: Super bem. eu quero valorizar essas
o maior prêmio que se pode al- A minha tia que me ensinou a fa- culturas e epistemes, mas
cançar. Faço o crochê em volta zer o crochê adora. A gente pega também para indagá-las,
usando rosa porque é associado uma cervejinha, faz o nosso cro- repensá-las e colocá-las
Fotos: Everson Verdião
Detalhe da obra
“Yube Nawa Ainbu”,
2018 (“A mulher do
povo gibóia” - Canto
de chamar a força)
Coletivo Mahku, al-
deia Chico Curumim
/ Acre / Brasil
D
e panos costurados em cama-
das de tecidos, murais bordados,
pinturas, desenhos, arte digital e
até entalhes em madeira, a ex-
posição Encontros Ameríndios, no Sesc Vila
Mariana, em São Paulo, articula a pluralidade
Angelmira
das cosmovisões e cosmotécnicas de cinco
Owens Perez,
povos originários das três Américas. Ilha Nalunegas,
Reino Unido), museólogo e antropólogo que atua San Blas / Pana-
São 45 trabalhos assinados por cerca de 30 na área de etnologia dos povos indígenas das Ter- má. Gwalu Mola,
artistas de povos diferentes: Huni Kuin (Ter- ras Altas e Baixas da América do Sul. 2019 (Lâmpada)
ra Indígena do Alto Rio Jordão, Acre, Brasil),
Shipibo-Konibo (Comunidade de Catagallo, Apesar de ocuparem territórios distintos e apresen-
Lima, Peru e Alto Ucayali, Amazônia Peruana), tarem arte e cultura singulares, os povos reunidos na
Guna (Comarca Kuna Yala, Panamá), Haida exposição dialogam a partir de um ponto comum
(Arquipélado de Haida Gwaii, Colúmbia Bri- em suas histórias – a resistência enquanto comuni-
tânica, Canadá) e Tahltan (Telegraph Creek e dade e etnia frente à dominação e opressão colonial.
Vancouver, Colúmbia Britânica, Canadá).
Conforme explica a antropóloga Sylvia Caiuby
"A ideia de encontro de alteridades é fun- Novaes (CEstA – Centro de Estudos Ameríndios
dante dos mundos sociocosmológicos da Universidade de São Paulo), coordenadora da
ameríndios. Encontros interculturais e in- mostra, as obras revelam a resiliência desses po-
tercomunitários são amplamente valoriza- vos, que têm sua arte também como “resultado
dos pelos povos indígenas tanto da Ama- desta tenacidade para superar as inúmeras opres-
zônia quanto da Colúmbia Britânica que, sões do processo histórico de esbulho e tentativas
com suas famosas Potlatch [cerimônias], se de dominação que sofreram ao longo da história e
reúnem para celebrar sua ancestralidade e ainda sofrem, sua capacidade de superar adversi- Dilma Gardel,
Foto: Everton Ballardin
riqueza cultural e material. Os artistas reu- dades, sua autodeterminação. É uma arte que evi- Cidade do
nidos nesta exposição são os protagonistas dencia liberdade para com processos de tradição e Panamá.
de novas possibilidades dialógicas entre as renovação, em que cantos, sonhos, mitos, imagens Nagguleqed
Mola, 2019
estéticas, técnicas artísticas e criatividades e visões têm um papel fundamental, uma arte em
(A cruz)
ameríndias", afirma o curador Dr. Aristóte- que o domínio de técnicas visuais e materiais é, em
les Barcelos Neto (University of East Anglia, certo sentido, o domínio do tempo e da história”.
94 URDUME #08
xxx xxxx
Olinda Silvano
Inuma, Lima/ Peru.
Jakon Nete, 2019 (O
mundo maravilhoso)
Manifestações
No contexto da América Latina, três povos se destacam. A expressão dos Huni Kuin é
traduzida em pinturas sobre tecido pelo coletivo MAHKU - Movimento dos Artistas Huni
Kuin, nas quais os cantos do nixi pae – bebida conhecida como yagé ou ayahuasca, uti-
lizada em rituais xamânicos – se fazem figurativos. Estão presentes também elementos
do aspecto social e cotidiano na natureza retratando personagens.
Os Guna representam elementos de sua cultura, como objetos, animais, plantas e gra-
fismos com a técnica conhecida como mola, que consiste em um aplique reverso com
costuras e eventualmente discretos bordados. Tecidos de cores contrastantes são sobre-
Gwaai Edenshaw e
postos e ao fazer recortes das formas na parte da frente revela-se a cor do tecido de trás. Jaalen Edenshaw,
As peças são feitas pelas mulheres e adornam suas vestimentas. St. Masset / Haida
Gwaii / Canadá.
Um dos principais meios de subsistência dos Shipibo-Konibo, o artesanato, abrange te- “Child of the Great
Fotos: Mike Peckett
box”, 2014
cidos, murais, cerâmicas e principalmente bordados com aplicação do kené: complexas
padronagens geométricas típicas (enigmáticas para quem contempla) que são criadas
e executadas por mulheres. O feitio do kené é transmitido pelas mulheres da mesma fa-
Acesse o catálogo da exposição em:
mília ao longo das gerações e a iniciação pode incluir o uso de um colírio preparado com
issuu.com/sescsp/docs/encontros_amerindios
a erva piripiri para abrir um canal de visão de maneira a auxiliar na criação dos desenhos.
Dicas de leitura xxxx
URDUME #08 99
xxx
www.urdume.com.br
@urdumeinstituto
100 URDUME #08