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Urdume 8

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Urdume

edição 8 • ano 3

Artes manuais
têxteis na

L atina américa
O perfil autodeclarado de
artesãos, artistas, profissionais
e pesquisadores que trabalham
com as manualidades têxteis
xxxx
INSTITUTO URDUME nosso agradecimento a quem apoiou
Diretoria Executiva: Estefania Lima,
Gustavo Seraphim e Nathália Abdalla
a realização da Revista Urdume #8
Conselho Fiscal: Valderi de Almeida,
Bianca Ramalho e Paula Melech
Aline Izabel Costa Carolina Grippa Fernanda Morais Jany Trancoso Cardoso
Angelica Macedo Cris Augusta Fernanda Pacca Juliana Assunção
Conselheiros consultivos: Alexandre Hebert,
Hanayrá Negreiros e Mariana Guimarães Ana Luiza Villas boas Caroline Cassiana Filipe Moreira
Ana Beatriz Medeiros Christina Cupertino Fabiana Valeck Kamille Godinho
Ana Elisa Patrocino Conto Botânico Fabio Sasseron Kauany Valin
Agnes Amaral Clemair Krukowsk Fernanda Alves Cohim Kais Mabelli Correia
Rua Rio Grande do sul, 531
Adriana Bicalho Carol Umbelino Fernanda Ebert Kika Malta Campos
Água Verde - Curitiba/PR - CEP 80620-080
Antonietta Studio Cleo Do Vale Kazia F Palanowski
Amanda Andriotta Christina Cupertino Giuliana Wolf Kris Lucena
Ana Flávia Machado Gabriela Ferreira
Expediente Adriana Fernandes Denize Cavalcanti Giulia Ciavatta Lycia Maria Amaral

REVISTA URDUME Anita Rocha Daniela Vasconcellos Giulia A R Fraga Leslye Revely
Atelier Textil Teresópolis Djane Jobim Giovanna Custódio Luciana De Maya
Denise Duarte Bruno Gabriela Massuda Lorena Morales Gomide
Idealizadora e editora-chefe: Estefania Lima
Beatriz Marcos Telles Denise Franco Gisele dos Reis Luciana C. Monteiro
Jornalista responsável: Paula Melech - DRT 6431 Bianca Matsusaki Diandra Dal Sent Genina Martins Leda Abdalla
Beatriz Dignart Dhara Corte Gianinna Schaeffer Liliane Coelho
Redação: Cristine Bartchewsky, Estefania Lima e Paula Melech Bet Braga Daviana Tenorio Giuliana Kobayashi Letícia De Castro
Bianca Chizzolini Grazielle Araújo Luciana Borre
Editoção de arte: Nathália Abdalla
Camila Kumagai Elizabeth Teixeira Giovana Vizotto Livia Teixeira Duarte
Diagramação: Nathália Abdalla e Grabriela Ferreira Beatriz Megale Elenice Tamashiro Gustavo Pompeo Luiza Félix
Barbara Soares Eliamar Almeida Gisela Nigro Langattomasti
Ilustrações utilizadas para montagem da capa: Bianca Ávila Eloíne Erthal Larissa Henrici
Rejane de Oliveira Souza
Bia Alves Elisa Mariana Helena Kussik Luiza Martins

Gestão de projetos: Gustavo Seraphim Bruna Rychelle Elke Otte Hulse Lucinéa Dobrychlop
Bianca Seraphim Elizabeth Lara Cantoni Isadora Maria Bezerra Luiz Carlos Rena
Bruna Aguiar Fois Ellen Akemi Kita Ingra Lopes Maia Laura Segall
Elisa Miranda Euzébio Lucyana Xavier
Sugestão de pautas
Carolina Falcão Eliana Tortorelli José Daniel da Costa Laura Alfacinha
contato@urdume.com.br
Cléo Rocha Ramos Elena Mambrini João Victor Brito Lorena Germano
Para patrocinar a URDUME Carolina Fernandes Julia Alves Lucilene Hidaka
gustavo@urdume.com.br Camila França Flávio Oscar Nunes Juliana Ursaia Liana Teixeira Duque
Cristiane Mohallem Fabiana Bibini Joedy Bamonte
Publicação independente Claudia Rossetti Fernanda Lehmkuhl Joyce de Albuquerque Milena Andreola

novembro de 2021 Carolina Zarzur Flavia Maria Rigato Joelma Paes Maria Cecilia Fabricio
Cristiane Müller Fatima De Carvalho Jacqueline Ventapane Maria Virginia de Aguiar
EDITORIAL

Maria Guimarães Nádia Maria Dias Ruth Glatt Samyra Oliveira


Maristela Sanches Nina Veiga René Gomes Scholz Solange Maria Soares
Marcia e Miotti Nicholas Abdalla Rita Maria Araújo Scheyla Morgana
Maria Eugênia Saez Natalia Brisolla Renata Nunes
Melissa Furlan Venturini Norma Faggion Renata Gaui Thays Denti Flores

Ateliê
Maria do Rosário Cáris Nathalie Krepski Rosalía Manicardi Tabta Rosa de Oliveira
Mariana Vilela Nina Lima Robson Ciola Tatiana Amendola
Maria Judith Magalhães Rosana Pierri Tatiane Moura

Vivo
Maria Das dores Valin Priscila Pacheco Rafaela Salgueiro Thereza Helena Prates
Maria Cristovão Paula Alecrim Rodrigo Mogiz Thais Albieri
Mariana Pompermayer Patricia Brito Thais Marques
Marcos Rossetton Patrícia Gondo Sandra Tello Tatiane do Nascimento
Mônica Rizzo Soares Paula Maria Sonia Aparecida Glodis
Espaço artístico transdisciplinar de
Maria Alice Pâmela Narjara Samantha Capatti Vanessa Vitoriano
estudo independente de moda, em São
Mylene Rizzo Paula Pexider Winge Sandra Maria Silva Virginia Garbin
Paulo, atua através de Biblioteca de
Marisa Martins Soraya Teresinha Braga Valderi Martins Modelagem, de Escola e Laboratório
Mariana Weigand Rejane Virginia Millet Sabrina Martins Vani Caruso de práticas artísticas têxteis
Maristela Nunes Rejane Maria Sousa Salma Soria Vanessa Santos
Marcelina F de Arká Rejane de Oliveira Souza Susan Mariot Virginia Hiromi
Mariana Gonçalves Renata Matteoni Stela Horta Vanuza Cunha
Coordenado pelas artistas e educadoras Andrea tamparia, bordado, crochê, tricô, renda, tecelagem
Ruth Vásquez Soraya Teresinha Vera Felippi
Guerra Arradi, Carolina Cherubini, Flávia Lobo de e desenho, no qual cada segmento tem uma pro-
Felício e Gabriela Cherubini, o Ateliê Vivo desen- gramação em formato modular e independente. É
volve processos criativos têxteis a partir de ações no Laboratório Têxtil que a equipe do Ateliê produz
educativas, figurinos e trabalhos artísticos manu- e experimenta processos criativos para figurinos de
ais desde 2015 na cidade de São Paulo e pelo Bra- shows, teatros e danças, roupas a partir de roupas,
organizações apoiadoras sil. A iniciativa busca intervir na lógica da indústria
da moda, potencializar a autonomia de processos
trabalhos e intervenções artísticas manuais.

criativos e incentivar a pesquisa e a partilha de ex- O espaço físico conta com uma estrutura de bi-
periências para criar novos modos de existência. blioteca de modelagem, livros, maquinários e
ferramentas que são compartilhados entre os
Na Biblioteca de Modelagem, a única do mundo, o frequentadores do espaço dentro da programa-
público tem acesso gratuito a um ambiente de es- ção estabelecida.
tudo, prática e alfabetização têxtil. Nela, cada parti-
cipante pode escolher um molde e fazer sua peça As coordenadoras no Ateliê Vivo acreditam que
de roupa a partir do acervo de 400 modelagens todo trabalho manual carrega em si a dimensão
doadas por diversos estilistas e marcas brasileiras. da potência humana, do que é possível produzir a
Natalia Coutinho Thays Denti Flores partir do seu próprio corpo e o que se aprende de
As propostas educacionais da Escola Ateliê Vivo in- geração em geração, consolidando saberes e crian-
centivam investigações nas áreas têxteis, de moda, do espaços de encontros e trocas coletivas, por isso
estética e identidade através dos cursos de mode- convidam vocês para conhecer a programação e
lagem, corte e costura, moulage, tingimento, es- participar das atividades.

Para saber mais acesse: www.atelievivo.com.br / @atelievivo


Atêlie Foz

exposição p.90
Rodrigo Mogiz

Nesta edição
editorial 6 lançamento
Fibras: nossos ingredientes 78
OPINIÃO
Pré-Artesanato, será? 8 crítica
34ª Bienal de São Paulo 80
capa
Mapeamento Urdume 12 Entrevista
Tramas suburbanas 82
tecnologia
Arte têxtil na era digital exposição
64
Diálogos Ameríndios 90
Fernanda Pacca
editorial de moda 70 livros 96

mapeamento urdume
Ómana
editorial

DIREITO AO
SENSÍVEL

N
a disputa pelo direito ao sensível, seguimos nos perguntando qual a dife-
rença entre arte e artesanato, sobre porque alguns trabalhos valem mais
e outros menos, e porque só alguns deles podem ocupar determinados
espaços. As técnicas manuais têxteis são heranças de corpos não autoriza-
dos na esfera pública - mulheres, indígenas e escravizados - e, portanto, vivem na corda
bamba sobre que parte lhes cabe neste terreno comum que chamamos de cultura.

Neste número, a Revista Urdume se arrisca a ser uma equilibrista e explorar essas
contradições. Na matéria de capa, o Mapeamento das Artes Manuais Têxteis no Bra-
sil e América Latina se propõe a apresentar um retrato de tendências das produções
têxteis no Brasil. Cientes de que esta é uma fotografia do ecossistema que nos ro-
deia, ousamos - ao nomear os agrupamentos das produção têxteis de forma distinta
- fugir da já carregada nomenclatura padrão.

Em visitas a três mostras artísticas, apresentamos exposições que representam as ar-


tes manuais têxteis por diferentes perspectivas. Na 34ª Bienal de São Paulo, a repre-
sentatividade do têxtil se perde na escuridão, já no MAR, “Crônicas cariocas” dá voz ao
subúrbio do Rio de Janeiro, e no Sesc Vila Mariana, de maneira inédita, a exposição
“Encontros Ameríndios” reconhece a autoria de trabalhos coletivos.

Revisitando o passado, avaliamos o legado deixado pela arquiteta Lina Bo Bardi


para o campo do artesanato e, mirando o futuro, inauguramos um caminho de in-
vestigação pela arte têxtil digital ao conversarmos com mulheres que estão à frente
de projetos de tecnologia, criando sinergia entre o feito à mão e o digital.

Por último, celebramos o primeiro projeto em audiovisual do Instituto Urdume, a


série “Fibras”, realizada em parceria com a Made By You e celebramos o primeiro
ano do Instituto Urdume, marcado por projetos com o Sesc Paraty, Sesc Pinheiros,
lançamento dos Cadernos de leitura, cursos e grupos de estudos.

Agradecemos infinitamente a todos aqueles que fizeram desta edição uma reali-
dade, através do financiamento coletivo que realizamos nos meses de setembro e
outubro de 2021, e esperamos seguir juntos na construção e reivindicação política
da visibilidade das artes manuais têxteis no Brasil e América Latina.
Obra do artista
Lucas Assumpção,
Uma boa leitura. entrevistado para
a matéria Tramas
Suburbanas
Estefania Lima
Foto: Everson Verdião
URDUME #08 9
tória da arte, noções de arquitetura e teoria da Esta forma elitista de apresentação e apropria-

Pré-
forma e, posteriormente, oficinas de “especiali- ção da arte popular brasileira é uma das várias
zação”, sobre madeira, metal, cerâmica, vidro, questões que fazem da arquiteta uma pessoa
tapeçaria e tecelagem, além daquelas voltadas controversa. A mesma Lina que doou uma escul-
a embalagens e propagandas com as artes grá- tura de madeira de Antônio Conselheiro para o

artesanato,
ficas, fotografia, layout, cartaz e gravura. Museu de Arte Moderna da Bahia, o Mamb, fa-
zendo daquele espaço um ponto de devoção de
Como os modernistas europeus, Pietro, mas es- pessoas pobres e, assim, irritando militares e boa
pecialmente Lina, buscavam quebrar as hierar- parte da classe média e alta branca soteropolita-
quias impostas pelas academias de arte do ve- na, também era aquela que afirmava que “o ar-

será?
lho continente e formar o público brasileiro para tesão no Brasil nunca teve como parte de sua na-
as linhas retas e funcionais do modernismo. O tureza o acabamento refinado de um escultor”.
modelo progressista de pensamento, no entan-
to, sofreu resistência. Por falta de investimento, O pré-artesanato
a primeira escola de design do país fechou em Já na virada dos anos de 1950 para 1960, Lina pas-
Como as ideias do projeto de Brasil da arquiteta Lina Bo Bardi 1953, apenas três anos após a sua abertura. sou, por cinco anos, dividindo sua vida entre a ca-

ecoam nos fazeres manuais brasileiros até os dias de hoje pital paulista e Salvador. Na capital baiana, a artista
No entanto, o IAC foi apenas um dos projetos de ministrava aulas na Universidade Federal e coor-
Por Estefania Lima Lina Bo Bardi para a transformação do entendi- denava o Mamb, instalado no Solar do Unhão. Na-
mento da arte e design no Brasil. Antes mesmo quele período, em visitas ao interior da Bahia, Per-
de projetar o MASP, Sesc Pompéia ou a Casa de nambuco e Ceará, Lina observou e coletou uma
Vidro, seus trabalhos de maior destaque na ar- extensa amostragem de artefatos, como colchas
quitetura, Lina foi idealizadora e editora da Habi- de retalho, canecas feitas de latinhas de lubrifican-

É
tat — revista das artes no Brasil, publicação que tes, entre outros, classificando-os como pré-arte-
sabido que a história do design e da foi o principal veículo de propagação e debate sanato, um tipo de produção resumida à resolu-
arquitetura brasileira não teria sido a das ideias modernistas no país, pós-Segunda ção de necessidades, sem nenhuma intenção de
mesma sem a chegada dos italianos Guerra Mundial, e mesclava design europeu, produção do belo e que precederia o artesanato.
Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi no arte popular e indígena. De acordo com Lina: Uma biografia (2021), livro
país. Responsáveis pela projeção e criação do Mu- de Francesco Perrotta-Bosch, cada um daqueles
seu de Arte de São Paulo (MASP), o casal foi o gran- Voltada para as elites urbanas de São Paulo, objetos marcavam o limite do ‘nada’, a miséria, e
de responsável por trazer para o Brasil as ideias da Salvador e Rio de Janeiro, a publicação criava eram criados sem atenção à poética ou à fantasia.
escola alemã de design Bauhaus, que questiona- relações descontextualizadas entre artistas mo-
vam a divisão entre arte erudita e popular, criando dernistas estrangeiros e artesanato indígena. Segundo Perrotta-Bosch, foi a partir desta per-
o IAC, Instituto de Arte Contemporânea. Segundo o arquiteto Paulo Tavares, na publica- cepção sobre a produção artesanal brasileira, que
ção Des-Habitat (2019), apesar de Lina ter desen- Lina criou um “projeto de Brasil”. Para a arquite-
A iniciativa, que fazia parte do MASP, tinha por volvido uma sensibilidade singular em relação à ta, aquele trabalho manual, “extremamente rudi-
objetivo fomentar o estudo e as pesquisas das cultura popular brasileira, a revista, além de ter mentar”, fruto de uma experiência real da pobre-
artes aplicadas com um currículo similar ao da um tom professoral, buscando formar o “bom za, se diferenciava do artesanato europeu por não
escola vanguardista. Como na Bauhaus, a pro- gosto” de seus leitores, também apresentava os envolver pensamento, elaboração e organizações
posta curricular era composta de um curso pre- artesanatos indígenas para serem contempla- sociais como as corporações de ofício, devendo ser
liminar, obrigatório a todos os alunos, sobre his- dos como obras de arte autônomas, excluindo o ponto de partida para uma industrialização que
os processos sociais pelos quais eram produzi- não se rendesse a um modelo estrangeiro, mas
dos e suas implicações político sociais. envolvesse características próprias do Brasil.

Bule feito com uma lata de manteiga salga-


da. Feira de Santana, Bahia. Fonte: Tempos
de Grossura: o Design no Impasse, p. 37. URDUME #08 11
opinião

que o movimento não seria o mesmo por uma No momento em que, graças à abertura a outras
Reconhecendo tudo isso, com a capacidade sutil, mas fundamental, diferença, ela vinha de formas de pensamentos decoloniais, ganhamos
de compreensão do mundo que temos hoje, uma imposição externa. A partir desta narrativa, ciência da possibilidade de um design, como
fica difícil não notarmos e apontarmos o olhar a ideia do artesanato brasileiro se constituiu em o dos indígenas, que dialogam com estruturas
de Lina para a produção artesanal nordestina cima de uma mítica do fazer artesanal regional botânicas e interpretam a floresta como artefato
como colonialista. A arquiteta, apesar de ter puro, inocente e parado no tempo, que não só cultural, quanto tempo demoraremos para en-
sido uma promotora do artesanato brasileiro e não criou caminhos para uma industrialização tender que a arte, o artesanato, o trabalho ma-
pesquisadora das culturas populares, afro-bra- genuinamente brasileira, como ficou a mercê nual, ou como queiram chamar, não deve mais
sileiras e indígenas, com o intuito de formular dos desejos de um mercado extrativista. se basear no ato/decreto de um indivíduo ou
uma estética deste território, fez isto de forma grupo soberano, mas sim em processos em rede
reducionista. A começar pela síntese do arte- Apesar de, segundo o IBGE, no Brasil o mercado e coletivos sobre os quais os povos e população
sanato de todo um país ao trabalho de uma de artesanato movimentar mais de 50 bilhões do sul global têm muito a ensinar?
região, e a essencialização destes fazeres pela de reais todos os anos, a discrepância dos valores
falta, retirando dos artesãos brasileiros qual- percebidos sobre estes artefatos, a depender de Por aqui, no Instituto Urdume, nós já começa-
quer tipo de habilidade técnica, racionalidade sua localização geográfica, social e de quem o mos. Desculpe, Lina. Obrigada, Lina.
ou apreço pela beleza. produz ou vende, é imensa. De modo geral, sen-
do bem recebido quando embalado pelo design
Um olhar estrangeiro e, portanto, colonial e exo- contemporâneo e com a ficção que interessa às
tizante daquilo que é considerado pelo pensa- grandes cidades: aquela da arte tradicional, de
mento eurocêntrico como rústico e selvagem. conexão com a natureza e salvaguarda patrimo-
É curioso, mas não surpreendente, como mes- nial, que passem a sensação de que no “Brasil
mo ao tentar valorizar a arte popular brasileira, profundo” tudo segue pacato e em paz.
a artista tenha optado por classificá-la dentro
Capa do livro “A mão do povo brasileiro” (MASP) de uma escala ainda mais baixa (pré-artesana- O fazer manual na contemporaneidade
que catáloga a exposição de mesmo nome to) do que aquela que já não era reconhecida Acontece que se formos pensar na definição de
da qual Lina foi uma das organizadoras em 1969. ou validada socialmente (o artesanato). Neste artesanato como a arte de criar objetos por meio
sentido, Lina colaborou com preconceitos e da transformação da matéria-prima, usando as
formas de encarar o artesanato que persistem mãos como o principal instrumento de traba-
Desculpe, Lina. Obrigada, Lina. até os dias atuais. Entre eles estão a ideia de lho, perceberemos que ele, como tudo, sofre
Nada mais difícil no século XXI do que ter que uma produção sem pensamento ou subjetivi- constantes transformações e ainda assim segue
criticar outra mulher, já que faz pouquíssimo dade, a ideia de objetos marcados pela neces- totalmente inserido na cultura da qual se origi-
tempo que nós aprendemos a nos apoiar mu- sidade e reprodução, a importância da valida- na. Neste sentido, abandonar a narrativa que foi
tuamente. No entanto, se irei comentar a forma ção dos centros urbanos e o aprimoramento construída com a ajuda de Lina, torna-se neces-
equivocada como acredito que Lina tenha lida- e mediação dos artesãos com o consumidor sário para que possamos nos co-responsabilizar
do com o artesanato, nos próximos parágrafos, através de um designer. por aquilo que desejamos ser e expressar cultu-
não farei sem antes exaltar seus acertos. Em
ralmente como país. No caso do têxtil, isso diz
plena metade do século XX, em uma sociedade Embora Lina tenha imaginado que o “pré-ar- respeito a dar forma a roupas, utensílios domés-
machista e patriarcal, Lina foi responsável pelo tesanato” pudesse seguir o mesmo caminho ticos, objetos decorativos, arte urbana, contem-
Fotos: Divulgação

projeto de pelo menos dois dos patrimônios ar- de aprimoramento das corporações de ofício porânea e de museu, desafiando não só classi-
quitetônicos de São Paulo e também pela his- européias rumo à indústria e, por isso, acre- ficações de dominação, mas afirmando suas
tórica e, à época, criticada exposição “A mão do ditasse tanto na promoção de oficinas para o próprias auto-descrições, declarações e raízes.
povo brasileiro” no MASP, em 1969. ensino das técnicas, ela não se deu conta de

Lina Bo Bardi por Steve Magal.


12 URDUME #08
Colômbia
2%
México

Costa Rica 93%


Brasil

mapeamento Peru

urdume
Por Estefania Lima e Nathália Abdalla
4%
Argentina Uruguai

O
Mapeamento das Artes Manuais Têxteis no Brasil e América La-
Chile
tina é uma iniciativa do Instituto Urdume, iniciada em agosto de
2021, para acompanhamento e registro dos processos e dinâmi-
cas das manifestações no campo das artes manuais têxteis. Uma
proposta ousada e contínua, que vem sendo sistematizada e divulgada na pá-
gina da iniciativa no Instagram, @urdume_mapeamento, e que, após três me-
ses, se arrisca a apresentar uma primeira fotografia.

Proposto a partir de um sistema de autodeclaração e inscrição, o projeto rece-


beu, até o dia 27 de outubro, 515 respostas, de oito países, tendo registrado inicia- 1% chile
uruguai
tivas de 23 dos 27 estados brasileiros. De todos os inscritos, 34% deles classificam- costa rica
se como artistas, enquanto outros 30% se definiram como artesãos. Respostas recebidas
peru até o dia 27/10/2021
colômbia
25% 3% 3%
Outras
opções Profissionais
da moda
4%
21% Educadoras
e terapeutas

19 % Gráficos: Do lado
4%
esquerdo, as áreas nas Pesquisadores

34 %
quais os respondentes
identificam seus tra-
balhos. Do lado direito,

33 % 7%
como os respondentes
se identificam.

10 % Artistas Coletivos
e projetos
Artistas já carregadas de significados e
hierarquizações, tais como: tra-
balho manual, artesanato, arte
naif, arte contemporânea, etc., e
optamos por palavras com car-

5% 15% 22%
ga neutra ou positiva. São elas:
técnicas têxteis, técnicas têxteis
contemporâneas, bordado (livre,
Marcas e
Pesquisadores político e em diferentes supor-
pequenos

4% negócios tes), tingimentos naturais, moda,

30 % arte visual, salvaguarda e memó-


ria, coletivos, projetos e iniciati-
vas e educação e terapia.

3% Artesã(o)s

2%
No intuito de compreendermos
a realidade do território, mas não
delimitarmos cada manifesta-
ção, suas complexidades e impli-
cações, optamos por interpretar

1%
Produção de conteúdo

Nas páginas seguintes, vocês verão estes dados, trabalhos e iniciati-


arte contemporânea

que, para exemplificar essas tendên- vas, a partir de suas afinidades


cias, selecionamos alguns trabalhos e semelhanças, agrupando-os
Trabalho Manual

Saúde/ bem-estar

inscritos no mapeamento, mas que, em 11 categorias. Cada uma de-


na maioria das vezes, poderiam estar las representa uma tendência de
Tendências
Arte popular
Salvaguarda

simultaneamente presentes em duas produção contemporânea com,


Artesanato

ou mais categorias. Os nomes adota- e sobre, o têxtil e nos permite, de

identificadas
educação

Pesquisa

dos buscam dar algum sentido para os forma sintética, começar a deli-
Negócio

outros

agrupamentos, mas sem a intenção de near o cenário das artes manuais


moda

rotulá-los. Buscamos fugir de palavras têxteis, ao menos no Brasil.


xxxx

TÉCNICAS
TÊXTEIS
Presentes nos grandes e pe-
quenos centros urbanos, as
técnicas têxteis geralmente
prezam pela qualidade e apri-
moramento da técnica. Her-
deiras de saberes têxteis tra-
dicionais, desde o começo do
século passado passaram a
receber também forte influên-
cia de culturas compartilhadas
através da indústria e meios de A mineira Isabela
Machado é a artesã
comunicação, como as revis- criadora da Murundu,
tas de receita, filmes, progra- um micro empreendi-
mento criativo que
mas de televisão e, por último,
busca exaltar a cultura
as redes sociais. do feito à mão.
@murundu.atelie
Esta tendência está ligada
também às práticas de cuida-
do e ao espaço da casa. Técni-
cas passadas de geração em
geração e que trazem uma
forte carga afetiva.

Encaixam-se aqui também


as produções que recuperam
Fotos: Arquivo cedido pelas participantes

Mari Athayde é
técnicas já não tão praticadas a artesã responsável
nas cidades, mas feitas nela, pelas “Linhas de
Silvana Machado Coelho é a artesã por trás da Balaios
Brincar”, que produz
como a tecelagem ou a fiação, Bordados. Na cidade mineira de Lavras Novas, os ba-
brinquedos artesanais
conservam uma intima rela- laios de taquara são parte importante das manifesta-
para desenvolver
ções culturais. Tradicionalmente feitos pelos homens,
ção com a ancestralidade. a criatividade
atualmente os balaios ganham novos ares através das
e a imaginação.
mãos das “doninhas”, mulheres anciãs da cidade que
@linhasdebrincar
unem o tradicional artesanato ao bordado, crochê e ou-
tras intervenções têxteis. @silvana.balaiosbordados

18 URDUME #08 URDUME #08 19


MAPEAMENTO xxxx

O projeto EcoLua, da
artesã Lua, desenvolve
peças autorais e
modernas em crochê.
@ecoluacroche
Bonecos do Coração
é a marca de bonecos e ob-
jetos têxteis confeccionados
por Luiza Félix. Em suas pe-
ças, a artesã usa conceitos
de upcycling e slowmaking.
@bonecosdocoracao

A Péplos é uma marca de man- Rizia Alves é artesã e


tos e lenços feitos com tecela- criadora da Bio Crochê,
gem manual e tingimento natu- que produz almofadas

Fotos: Arquivo cedido pelas participantes


ral pela artista têxtil Ingra Maia. e itens de decoração
Cada peça é como um amuleto, sustentáveis a partir
um objeto pensado e feito para de pontos e desenhos
durar e significar no tempo. diversos da técnica.
@peplos_ @biocroche

20 URDUME #08 URDUME #08 21


xxx

Técnicas têxteis Tendência relativamente recente, as


técnicas têxteis contemporâneas re-

contemporâneas cuperam práticas antigas aplicando


-as de novas formas.

Neste sentido, técnicas que antes


eram utilizadas para o vestuário, pas-
sam a ser usadas para decoração.
Pontos e laçadas tradicionais servem
a novos formatos e os materiais fo-
gem do tradicional, como no uso de
agulhas e fios grossos. Abusam tam-
bém das cores e formas geométricas,
transformando os tradicionais pa-
drões em figuras abstratas.

A Nó de duas, comandada pelas artesãs,


Liana e Nicole, apresenta peças de decoração
em crochê de fio conduzido, com design
funcional, simples e autêntico. @nodeduas

A marca Madame Frufru, da


artesã Míria Fernandes Tomé,
produz tapetes a partir de
uma técnica antiga, mas pou-
co conhecida, o frufru. Feitas
ÓMANA é um es-
com tiras de retalho, as peças
paço de pesquisa
ganham ar contemporâneo
e design que visa,
através de combinações de
através do registro
cores e padrões geométricos
Fotos: Arquivo cedido pelas participantes

e difusão de sa-
@madame_frufru_
beres e da experi-
mentação técnica,
a valorização dos
têxteis artesanais
brasileiros, suas
histórias, territó-
rios e mestras.
@omana_textil

22 URDUME #08 URDUME #08 23


Naíma Almeida é artista visual e vê o design como uma xxxx
trama onde as áreas criativas se entrelaçam. Seu trabalho
costuma ser uma explosão gráfica e colorida, misturando
fauna e flora por meio de formas e camadas com feltro
e outros materiais. @naima.almeida
Fotos: Arquivo cedido pelas participantes

O Studio Layla Vilela


busca a valorização
do manual e abraça
o conceito de slow
design, produzindo
peças únicas
e cheias de história.
@studiolaylavilela

O São Paulo Modern


Quilt Guild (SPMQG)
promove o estímulo
e a preservação do
patrimônio do Modern
Quilt (quilt moderno)
no Brasil e na América
do Sul. @spmqg

24 URDUME #08 URDUME #08 25


mapeamento xxxx

Focada em experimentações
têxteis, Raíssa Brito, a artesã
e professora responsável
pela Caasulo, produz peças
a partir do punch needle,
conhecido também como
ponto russo. @caasulo

O trabalho de Nathalia Serpa é inspi-


rado nas nuances do cotidiano e da
natureza. Suas criações afetivas pos-
suem narrativas e significados pró-
prios, traçados pela combinação de
Fotos: Arquivo cedido pelas participantes

métodos como o ponto russo, a tape-


çaria e o bordado. @ nserpa.arte

A artesã Textil Natalia Coutinho


produz peças em Tapeçaria
Contemporânea Idealizada pela artista Scheila Eggert, a FIÕM é um ateliê de arte
@nataliabcoutinho têxtil contemporânea que utiliza técnicas mistas de tapeçaria.
FIÕM é a junção das palavras "fio" e o som "om", simbolizando o
trabalho feito em harmonia e equilíbrio com corpo e mente na
produção artesanal de peças.​@fiom.atelie
BORDADOS xxxx

A artista Mariana
Weigand associa
a pintura em aquarela
sobre tecido com
o bordado livre
@mareamao

“A Mal Falada”, 2019


bordado pela artista e pes-
quisadora têxtil Clara No-
Nas fotos, detalhe da obra em gueira @linhasdefuga
bordado “Entre as artérias
distorcidas da memória, uma
semente brota à espera de um
novo amanhã”, da artista têxtil
e visual Paula Schlindwein.
@paula_schlindwein

Apesar de usar os pontos tradicionais da técnica, o bordado livre,


como o próprio nome diz, é utilizado de forma mais solta, para

Fotos: Arquivo cedido pelas participantes


produzir desde os desenhos mais simples aos mais complexos.

Bordado Consagrado por trabalhos como do grupo Matizes Dumont, o A chilena Cynthia

Livre bordado livre caiu no gosto da geração craftcore e, junto com o


crochê e o tricô, é a técnica preferida da geração tik tok. Poden-
Imaña se dedica à
ilustração têxtil através
do bordado livre e da
do ser feito para a exposição ou decoração, tem sido muito usa- confecção de arpilleras.
do também na moda, e aplicado em camisetas, jeans e ecobags. @circe_arte_textil

URDUME #08 29
Marcos Rossetton atua Thais Coelho é a autora
xxx da “Vai sendo como
com múltiplas lingua-
gens artísticas como pode” marca indepen-
colagem, escultura dente, livre e antissexista.
e bordado. Entre seus @vaisendocomopode
temas de investigação
e expressão estão o
ativismo LGBTQIA+ e o
respeito às diversidades.
@marcosrossetton

O artista Rodrigo
Mogiz trabalha entre
a pintura e o dese-
nho com a lingua-
gem do bordado,
usando narrativas
que exploram cone-
xões pessoais sobre
memória, afetividade
e sexualidade.
@ateliê_mogiz

Bordado
Político
Expressão que conjuga questões so-
ciais e subjetivas, o bordado político
aborda temas como direito à terra,

Fotos: Arquivo cedido pelas participantes


feminismo, LGBTQIA+, entre outros.

O grupo Bordando pelo


Partindo do mesmo princípio do Cuidado do Bacharelado
bordado livre, diferencia-se pela Julia Gonzales em Agroecologia da UFRPE
é artista visual e realiza atividades educativas
tensão que apresenta ao colocar
professora. Suas sobre bordado livre com
em diálogo uma técnica associada pesquisas, estudos a temática “Agroecologia,
ao feminino, à domesticação e à e obras transitam Cuidados e Território”
entre bordado, es- @bordandopelocuidado
casa, para tratar de temas políticos
cultura e desenho
ou vistos como tabu pela sociedade. @eujuliagonzales
xxxx

Cacau Merz é artista


visual têxtil e usa o
bordado para criar
suas folhas-palavras.
@transbordo.me

Aline Brant utiliza


a potência do bor-
dado em fotografia
para apresentar novas
perspectivas de iden-
tidade e coletividade.
@alinebrant

Madame Pagu é
uma multiartista
que combina
fotografia, arte têxtil
e digital para criar
obras que remetem
ao universo feminino,
à conexão entre
pessoas e à passa-
Fotos: Arquivo cedido pelas participantes

gem do tempo.
@madamepagu

Bordados em outros suportes


Fugindo da tradicional combinação fio tecido e agulha, o bordado em outros su-
portes é uma tendência que se caracteriza pela liberdade do fio. Muito presente
em fotografias, a técnica é aplicada também em folhas, telas e madeiras.

33
Jucélia da Silva é graduada em Artes Visuais
pela UNESP
xxxe pela Universidade de Coimbra xxxx
(UC), Portugal. Transita por linguagens artísti-
cas como o desenho, performance e diferentes
técnicas têxteis. No cerne de sua pesquisa estão
as rendas - de bilro e renascença, construíndo,
a partir daí, as tecituras subjetivas e simbólicas
que compõem sua poética artística.
@jucelia.da.silva

Mariana Vilela é artista visual com foco em


performance. Seu interesse transita pelas
relações entre corpo e paisagem, corpo e
objeto, corpo e vestimenta, corpo e outros
corpos. Em seus trabalhos a urdidura se
faz performance em rasura e rastro.
@marianavilela.art

Arte visual têxtil

Fotos: Arquivo cedido pelas participantes


Há algum tempo vistos como materiais menores, fios e tecidos
ganham cada vez mais espaço no campo das artes visuais
contemporâneas. Mais ligados ao campo do subjetivo,
os trabalhos que compõem esta tendência ganham diferentes
camadas ao se utilizarem de referências afetivas e ancestrais.

34 URDUME #08 URDUME #08 35


xxx mapeamento

A artista têxtil Vanessa Freitag

Fotos: Arquivo cedido pelas participantes


pesquisa a arte popular latino-
americana e os diálogos entre as
práticas artesanais tradicionais e
a arte têxtil contemporânea. Atu-
almente, desenvolve uma pesqui-
sa plástica com a linguagem da
escultura têxtil, empregando dife-
rentes técnicas como o crochê, a
costura e o bordado.
@freitag_textileart

Aurelia Cerulei é artista visual france-


sa, radicada no Brasil. Possui ampla
experiência em design têxtil jacquard,
técnicas de bordado e restauração de
tapeçarias antigas. Suas obras se dão
através da apropriação e/ou acumula-
ção de objetos descartados, o uso da
linha, da tecelagem e da restauração
têxtil como linguagem artística.
@aureliacerulei

36 URDUME #08 URDUME #08 37


Fotos: Arquivo cedido pelas participantes

Mayrles Emille une artesanato, design


e arte contemporânea, utilizando des-
cartes têxteis na produção de esculturas,
adornos corporais e objetos de decoração,
construindo um repertório afetivo que
narra a subjetividade e o universo femini-
no, entrelaçados às raízes nordestinas
e ao caleidoscópio de cores e elementos
da cultura brasileira. @mayrlesemille

Bruna Amaro é
artista visual, perfor-
mer e pesquisadora.
Através do borda-
do com miçangas
e outros materiais,
apresenta em seus
trabalhos temas rela-
cionados ao carnaval,
às religiosidades e à
violência de gênero
@amarobru

As esculturas têxteis
de Talitha Rossi são
materializações em
contato com divinda-
des femininas sobre
o corpo físico e espi-
ritual. Ao trançar fios
exóticos e adorná-los
com bordados de alta
costura, a artista faz
torções entre luz e
sombra, vida e morte,
além de reflexões so-
bre o cercamento dos
corpos femininos.
Rurais 2021, tinta acrílica, @talitharossi
paetê, contas e linha de
algodão bordados à mão
sobre tela, de Bruna Amaro
@amarobru

38 URDUME #08 URDUME #08 39


mapeamento

Renato Dib é artista visual


há mais de 25 anos. Traba-
lha em diversas vertentes
da experimentação têxtil,
além de ser professor de
arte têxtil contemporânea.
@renatodib

A artista Fernanda Pacca é autora


da técnica de sobreposição (cola-
gem) de linhas de costura com pinça.

Fotos: Arquivo cedido pelas participantes


O desenvolvimento da técnica foi
bastante influenciado pela formação
em odontologia e em perícia médica
de Pacca, que utiliza pinças odonto-
lógicas na produção de suas obras.
@fernandapacca

40 URDUME #08 URDUME #08 41


xxx mapeamento

Marion Therese Rupp estuda o tingimento natural,


botânico e mineral. A partir de pesquisas e experi-
mentações desenvolveu técnicas para a fixação de
tingimentos feitos com barro. @mari_on_rupp

Tingimento
natural
Talvez a tendência mais próxima de uma fazer
ancestral, o campo dos tingimentos naturais re-
cuperam um elo perdido de diálogo entre seres
Fotos: Arquivo cedido pelas participantes

humanos, plantas e animais.

Preservando características próprias de cada


material, os experimentos da área proporcionam
novos olhares para antigos saberes e abrem ca-
minho para renovação da própria indústria.

Roberta Kremer pesquisa as cores naturais


e suas aplicações como tintas, tingimentos
42 URDUME #08 e biomateriais em tecido. @robertakremer
xxx Thanina Caetana é A Mulher que xxxx
Planta Cor. Estilista e tingideira natu-
ral, Thanina trabalha com a transmu-
tação de resíduos florais e alimentares
na produção de cor como processo de
Chicchan Lab é uma ini- cura e arte. @amulherqueplantacor
ciativa de estudos têxteis
latino-americanos com
foco em processos educa-
tivos e sociais, guiada pela
mexicana Mariana Gimé-
nez. @chicchanlab

Hilos flojos é um projeto autodirigido


de exploração e aprendizagem sobre
o têxtil e o tingimento natural voltado
para processos artesanais e susten-
táveis, ​​idealizado pela mexicana Caro
Garza. @hilos.flojos

Fotos: Arquivo cedido pelas participantes

Na Caxo Cria, a artesã


Marina Farias Cavalcan-
te trabalha as cores
da natureza com
o tingimento natural e
estamparia botânica.
@caxo.cria
44 URDUME #08 URDUME #08 45
mapeamento
Nina Sargaço é historiadora, pesquisa-
dora e colecionadora de registros dos
trabalhos manuais têxteis. É criadora e
mantenedora da Coleção Nina Sargaço,
um acervo particular na cidade de São

Salvaguarda Paulo que reune mais de 20 mil itens


entre livros, revistas, mostruários de
pontos, riscos de bordado, ferramentas,

e memória anotações, aviamentos e todo tipo de


objeto referente a estes ofícios.
@Colecao_ninasargaco

Papel importantíssimo, visto o descaso do atual go-


verno brasileiro com a preservação da documenta-
ção e cultura do país, a tendência de salvaguarda e
memória é ação levada a cabo, com pouco recurso e
muita vontade, por aqueles que acreditam que ainda
há muita história para se contar a partir do patrimô-
nio material e imaterial do têxtil no Brasil.

Gabriela Ferreira é
designer, artesã, mes- Vera Felippi é doutora em design e
tranda em Culturas e atua como pesquisadora e consul-
Identidades Brasileiras tora em projetos de salvaguarda de
(IEB-USP) e especia- patrimônio e cultura material têxtil,
criação e produção de tecidos em

Fotos: Arquivo cedido pelas participantes


lizada em Crítica e
Teoria da História da tear manual e rendas (artesanais).
Arte. Pesquisa a histó- É autora do livro Decifrando Rendas
ria social do Bordado @diving_into_textiles
Madeira na cidade de
São Paulo através dos
relatos de bordadeiras
imigrantes e de suas
filhas já brasileiras.
@gabiiferreira

46 URDUME #08 URDUME #08 47


mapeamento
Fotos: Arquivo cedido pelas participantes

Na contracorrente das fast fashions, o número


de pequenas marcas que usam técnicas an-

Moda cestrais em suas produções não para de cres-


cer. Da costura às técnicas de adorno manuais

Artesanal (entre elas o upcycling), estas iniciativas recu-


peram as individualidades e expressões de di-
versas partes do país, e contribuem para des-
monopolização do mercado de moda.

A Paira é uma
marca que desenvolve
experimentos artís-
ticos, entre eles os
panôs, um lenço que
pode ser amarrado
de muitas maneiras
em forma de vestido,
House of Gaia é uma marca
canga, blusa, quimono,
de vestuário artesanal criada
saia e até painel de
por Catharinna Oliveira que utiliza
parede ou manta
somente fios naturais em peças
de sofá. @_paira
exclusivas em crochê e tricô.
@houseof.gaia

48 URDUME #08
Fotos: Arquivo cedido pelas participantes
Com produção local, o Atelier Camila Loren
aposta em uma moda feminina sustentável, A UpcyQueen é uma marca
trabalhando o resgate ancestral e artesanal. que trabalha com o conceito
@ateliercamilaloren de upcycling para transfor-
mar roupas e resíduos têxteis
em peças únicas e exclusivas.
@UpcyQueen
zDerit dio
quisti beati
aut quo tecti
as ipsaectem.

A designer Oluyiá França


apresenta um trabalho
autoral com peças únicas e
atemporais bordadas com
influência da sua cultura
Afro-latina-americana
@Oluyia

50 URDUME #08 URDUME #08 51


mapeamento

Fotos: Arquivo cedido pelas participantes


O Atêlie Foz é uma marca
de moda que utiliza traba-
lhos artesanais tradicionais
em suas coleções. O prin-
cipal trabalho da marca
acontece no povoado de A 1985 d.D trabalha com produção de
Entremontes, em Alagoas, moda sustentável, fomentando o tra-
onde as mulheres artesãs balho artesanal brasileiro e utilizando
ribeirinhas possuem matérias-primas naturais de diferentes
a tradição do bordado regiões do Brasil. @loja1985dd
boa-noite e o redendê.
@foz____________

A Maipeesu produz roupas e acessó-


rios têxteis utilizando técnicas como
Sashiko (bordado japonês) e Boro (es-
pécie de patchwork japonês), além do
patchwork, tingimento natural e outras
intervenções. sempre alinhado aos con-
ceitos de moda slow. @soumaipeesu

52 URDUME #08 URDUME #08 53


O Atelier Nina Veiga de
Educação oferece cur- Natália Rezende é artista visual,
sos de pós-graduação escritora e educadora. Em seu mes-

Educação em Artes-Manuais, re-


conhecidas pelo MEC e
coordenadas pela Profa.
trado estudou as possibilidades téc-
nicas e metafóricas dos têxteis em
suas interseções de gênero e geo-

e Terapia Dra. Nina Veiga que sis- políticas. Doutoranda pela UFMG,
tematiza o conhecimen- desenvolve uma pesquisa sobre a
to sobre as artes-manu- linguagem têxtil e as narrativas
ais têxteis dentro e fora de memória. @natrznd
Das oficinas às academias, nun- da escola e da clínica.
ca na história recente, o têxtil foi @artesmanuais.art.br

tão pesquisado, investigado e


utilizado como ferramenta para
educação e promoção da saúde.

Nas escolas, nos museus, centro


culturais, ateliês e clínicas o ensi-
no/uso das artes manuais têxteis
deixa cada vez mais de se res-
tringir ao ambiente doméstico e
conquista, de forma sistematiza-
da, o espaço público.

Luciana Borre é
doutora em arte
e cultura visual,
Há 23 anos o grupo artista têxtil, pro-
Tapetes Contadores fessora de Artes
de Histórias cria Visuais e autora
tapetes e outros de diversos livros,
cenários de pano o mais recente,
para narrar contos “Bordando afetos
tradicionais e autorais na formação do-
Fotos: Arquivo cedido pelas participantes

de origens diversas. cente”. Proponen-


@tapetescontadores te do projeto cul-
tural “Tramações:
a memória e o
têxtil”, desde 2016.
@lu.borre

54 URDUME #08 URDUME #08 55


mapeamento
Susan Mariot é psicóloga, artete-
rapeuta e utiliza o bordado como
ferramenta de autoconhecimento.
Fotos: Arquivo cedido pelas participantes

Organiza exposições, oficinas de


bordado e desenvolve em parceria
com uma pediatra o projeto "Estu-
Ilustração da antropóloga e
dando e Bordando a Maternidade".
artista têxtil Bianca Chizzolini
@susan_amariot_
para seu artigo mais recente
“Trama Profunda: Técnicas de
superfície” publicado na revista
SESC. Doutoranda em Antropologia
Social, pesquisa o fazer manual
têxtil em Oaxaca (México). @_hiato_

Rute Casoy é
bordadeira e desenvol-
ve projetos para gera-
ção de renda aliados a
uma metodologia ba-
seada em psicomotrici-
dade e arteterapia.
@veudepoesia

Inicativa argentina,
a Tacurú é um
espaço de ensino
e divulgação das
práticas têxteis
tradicionais e con-
temporâneas.
@tacurutextil

URDUME #08 57
xxx mapeamento

O Langattomasti
é um coletivo que
busca resgatar toda
forma de arte com os O projeto Mulheres que
fios através de inter- Tecem Pernambuco é
venções urbanas, in- uma pesquisa cultural
centivando a troca de que consiste no ma-
experiências coletivas. peamento afetivo de
@langattomasti mulheres que trabalham
com os têxteis com obje-
tivo de dar visibilidade e
protagonismo a elas.
@mulheresquetecempe

Coletivos,
projetos
e iniciativas
Preservando a veia colaborativa do
fazer manual têxtil, uma série de
coletivos, projetos sociais e inciati-
vas, reúnem-se para produção de

Fotos: Arquivo cedido pelas participantes


peças, intervenções públicas e pes-
quisa. Beneficiando-se da tecno-
A pesquisadora e professora de bordado,
logia, muitos deles hoje são com- Manu Ebert em parceria com ONG Passatela
postos por pessoas de diferentes Alterantiva capacita mulheres egressas do
sistema penitenciário por meio de oficinas de
estados, quando não países.
bordado para a geração de renda.
Intervenção do Wa Coletivo no Cariri @manuebertbordado @passarelalternativa
cearense. Formado por mulheres diversas,
o grupo leva as técnicas artesanais do es-
paço doméstico para as ruas, ampliando as
58 URDUME #08 URDUME #08 59
possibilidades da arte urbana. @wacoletivo
participaram @laracrochetariaa @ateliertekosemente @mf.eco @maurafaveroferrer

do mapeamento
@atelie.foz @vaisendocomopode @emporioartesal_rq
@lafolledechapeaux @akahand.made @tolentino_ferraz
@clautchita @silviadecarvalho @caasulo
@an.ca.me @leoon_nardo @bordandopelocuidado
@vickpitta @Ritabacana @galvao.alexandra @chicchanlab @coletivolinhas @virginia_almeida_aguiar
@mango.atelie @uirapuru.atelie @danigazeau @peplos_ @lechicsstore @oluyia
@nataliabcoutinho @luizamartins_crocheteira @Live___beauty @cleidealemdaarte @bordadologia @lisiamarialisia @ferulinhas
@renatodib @mellow.eco @vitorialoyolacrocheteria @regina_gira_sol @pontosefios_ @tatamizra
@bordadeda @mylenerizzofotografia @tecerla.fios.artesanais @talitharossi @eglairquicolli @bd.atelie
@marianaportoart @amarobru @bgs.bugigangas @marcrame_ @transbordo.me @leveza_atelie
@belatrama @brunadamazo @upcyqueen_ @bia_bordo @alecrim.bordado @daniele Morais
@use.marimor @Amandaboas_ @arteemlinhass @ateliemariana_procopio @ahuterina @akhacio / @akha.art
@casadealiciaa @maria_silvia_dl @mulambodasMaria @clanclube @carisrosario.tearmanual @soniamaria_bianco
@festimbrasil @bote.croche @tiagonicoloso @celina_inart @sharibela @danielaamaralb
@coletivoacafrao @daniktenas @truecolorsartesanal @boxcriativo.colab @tecido.junto @baia.etc
@nodeduas @ribeiroparisina @mariana_szulman @panoconaxe @susan_amariot_ @lilianecoelho.art
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@lidialupetti.art.croche @linhaminha @pontos_reversos @_tricotomia @borda_1 @colardelina
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@mariancvik @sphynxmoda
xxx

Macramê:
o no pêrfêito
A técnica de tecer fios
com as mãos, sempre foi
uma grande paixão no
Brasil e no mundo. Isso
porque a arte do Macramê
possibilita uma diversidade
muito grande. Com forte
presença na decoração, o
feito à mão precisava de
mais opções nesse estilo de
sse lançamento está artesanato. Pensando nisso,
isponível nas versões
criamos o nosso primeiro
Natural e Maxcolor,
ue conta com uma fio especialmente para a
artela de 10 lindas cores.
técnica Macramê!

100% algodão
TEX 3543
24 fios

w w w. c i r c u l o . c o m . b r
Foto: Shir David
Tecnologia dos fios:
xxx Protótipo da memória de cordas utilizada
no computador guia do Apollo. Imagem
utilizada pela artista Pamela Liou em con-
versa com o público da exposição.
arte têxtil na era digital

Foto: Mark Richards, para o Museu da História do Computador.


Tecidos inteligentes, computadores
vestíveis e a arte têxtil incorporam
materiais tecnológicos, criando
uma sinergia entre o feito Workshop “Weaving to
Code, Coding to Weave”
à mão e o digital (Tecendo para programar,
programando para tecer).
Por Paula Melech
A participante tece uma es-
tampa em um tear enquan-
to programa a mesma.
Na terceira seção, há uma cole-
ção com curadoria de projetos

P
que conectam o passado com
ode parecer novidade falar A relação entre tear e programação é a área de atuação da o futuro por meio do uso de fer-
em arte têxtil feita à mão designer Renata de Carvalho Gaui, brasileira que atualmente ramentas, técnicas e narrativas.
e sua fusão com fibras de mora em Nova Iorque. Um dos trabalhos de destaque da de- Nesta fase, é possível escolher um
alta tecnologia. Porém, o signer, realizado em parceria com a artista mexicana Frances- prompt e ser redirecionado para programação e a tecelagem, criaram um workshop aliando esses
fazer manual envolvendo os têxteis ca Rodriguez Sewaya é a exposição virtual Warping the Futu- uma obra de arte ou projeto que dois conhecimentos. Com a ideia de “tecer para programar e pro-
impulsiona abordagens de vanguar- re: How Craft Led To the Digital World As We Know. Na mostra, se relaciona com sua solicitação. gramar para tecer”, o curso apresentava uma breve história da tece-
da já há algum tempo. Exemplo dis- os visitantes fazem um tour virtual que explora a conexão en- lagem, desmistificando a técnica. “Fazíamos um tearzinho e depois
so é que o precursor do computador tre tecelagem e computação, destacando as ferramentas e as Formada em design, Renata começamos a trabalhar com códigos. Ensinamos passo a passo fa-
como conhecemos hoje foi o tear de mulheres que continuamente tecem essa história. foi para Nova Iorque cursar um zendo referência com a tecelagem”, conta a artista. Os participantes
potência programável criado por Jo- mestrado em Telecomunicações aprendiam a linguagem de programação P5, usada especialmente
seph Marie Charles, filho de um mes- “Nossa intenção é contar a história da programação e da te- Interativas. No primeiro semestre por artistas pelo aspecto visual que oferece. Ao longo do processo,
tre tecelão francês conhecido como celagem através dos objetos. Nossa pesquisa foca em quais de curso fez um projeto inspira- vai acontecendo a relação entre a programação e o tecer.
Monsieur Jacquard. Patenteado em são as comunidades que os desenvolvem, onde percebemos do na Penélope, figura da mito-
1805, seu inovador modelo de cartão claramente o protagonismo da mulher”, conta Renata. logia grega que tece para cuidar “Ao delimitar a área de trabalho, se está delimitando o que será
perfurado utilizava um sistema biná- de si nos momentos de solidão. tecido, ou seja, a área do tear. Quando você está programando, o
rio, criando padrões pixelados. Na própria descrição do site, há um destaque para o papel O tear inspirado em Penélope é jeito que o computador lê é linear, muito parecido com o ato de
da mulher: “Por causa da extrema perecibilidade ou do apa- uma instalação que tece duran- tecer. O código, quando está sendo programado, dá a possibili-
A unificação entre os têxteis e a abor- gamento intencional que está presente em grande parte do te o dia e destece quando o sol dade de desfazer, começar do zero, assim como o tear. O foco do
dagem inovadora da tecnologia co- trabalho feminino, a narrativa desta exposição se concentra se põe. Renata ainda fez outros workshop não é necessariamente aprender a programar, mas aju-
meçou ainda na primeira revolução em reconhecer seu papel decisivo nesta história”. projetos com tecnologia vestí- dar a trazer reflexões por meio da experiência. Assim como tecer,
industrial. Agora, em direção à quarta vel. “A minha pegada sempre foi programar também é uma forma de comunicar”, observa Renata.
revolução industrial, os tecidos inteli- Dividida por “seções”, a exposição inicia mostrando as dife- trabalhar a identidade feminina,
gentes são verdadeiros computado- rentes formas de tear ao longo da história, destacando as formas de empoderamento e o Conforme a tecnologia se espalha, surge uma nova forma de de-
res vestíveis e a arte têxtil incorpora técnicas e comunidades que foram pioneiras na prática. A lugar de experimentação”. sign digital. Para a coordenadora do projeto de extensão AdaLab, do
materiais como fios condutores e ou- segunda seção mostra como o uso de cartões intercambiá- curso de Direção de Arte na Universidade Federal do Goiás, Rafaela
tros componentes, criando uma siner- veis ​​perfurados permitiu aos tecelões dedicar mais tempo Foi no mestrado que Renata e Blanch Pires, os dois principais grandes campos de desenvolvimento
gia entre o mundo digital e o físico. ao design de padrões complexos e menos tempo ao pro- Francesca se conheceram. Per- quanto aos tecidos tecnológicos são os da biotecnologia (que inclui
cesso de tecelagem manual. Esta invenção se tornou a pon- cebendo várias afinidades e a a engenharia genética e nanotecnologia) e os do digital (contando
te entre a manufatura têxtil e a computação. vontade comum de pesquisar a com a ciência de dados, por exemplo).

66
Confira a seguir a entrevista com Rafae-
la, que reflete sobre o desenvolvimento
dos têxteis tecnológicos, a intersecção
entre o feito à mão e a tecnologia, expe-
rimentações e futuro:

Urdume. O que te interessa no univer-


so dos têxteis?
Rafaela Blanch Pires. Me interessam
as relações entre os têxteis e as tecno-
logias, especialmente, quando voltados
para aplicações artísticas. Não me es-

Ao invés de deixarmos
que esses valores culturais
encontrados na arte têxtil
se percam, é preciso focar
em fazer um bom uso
do digital para manter essa
memória (dos “saberes e
Ao invés de deixarmos que esses valores culturais encontrados na arte têxtil se percam, é preci-
so focar em fazer um bom uso do digital para manter essa memória (dos “saberes e fazeres” e
dos que fazem) ainda mais viva. Em um meio termo, encontrei também em minhas pesquisas
uma tendência a combinar técnicas e procedimentos tradicionais, manuais, com os mais recentes
como, por exemplo, o uso da impressão 3D com nylon combinada à técnicas manuais de tingi-
mento, técnicas de entrelaçamento com fios condutivos que permitem eletrônicos funcionarem
com a coleta de dados e mais as tintas termo cromáticas, dentre outros exemplos.

E ainda, por um outro ponto de vista, existe uma atenção dada à uma experimentação verda-
deiramente artesanal, até mesmo manual e cuidadosa, com tais técnicas recentes afim de refletir
sobre o que elas podem oferecer em termos de funcionalidade ou expressão estética que não são
pecializei tanto para um ponto de vista fazeres” e dos que fazem) encontrados através dos modos de produção já bem conhecidos. Algo extremamente útil e neces-
sobre seus desempenhos no espaço
mercadológico, embora o diálogo entre
ainda mais viva. sário, mas quando se associa ao discurso mercadológico de lucro por características “inovadoras”,
implicitamente podemos criar uma fratura e colocamos as técnicas tradicionais como ultrapassa-
seus usos utilitário e artísticos seja, de das e as novas como melhores, em um jogo de sobreposições. O importante, ao meu ver, é abraçar
certa forma, interdependente. as ambivalências. As técnicas e procedimentos mais recentes exigem também um tipo de conhe-
cimento especializado e as transformações dessa ordem acontecem mais rápido que a aquisição
Urdume. Que tipo de tecidos inteli- Urdume. Que aspectos você poderia destacar
do conhecimento. E quando se trata ainda das camadas sociais que têm mais ou menos acesso o
gentes podemos imaginar no futuro? quanto à arte têxtil feita à mão e sua fusão com
assunto exige ainda mais atenção e abertura.
Rafaela. Tanto pelo ponto de vista mer- procedimentos de alta tecnologia?

cadológico quanto artístico acredito que Rafaela. São muitos fatores que poderiam ser abor-

os desenvolvimentos têxteis tecnológi- dados sobre um campo que é muito vasto e diver-

cos caminham em direção à uma “per- sificado por se tratar tanto de um fazer tradicional

formatividade” autônoma multi-relacio- quanto com os procedimentos mais recentes. As

nal. De um lado encontramos pesquisas combinações poderiam ser quase infinitas, mas vou
The Amplifier Machine
sobre tecidos que desempenham uma dizer o que me vem à mente no momento. Por um
A instalação The Amplifier Machine,
função utilitária, como os tecidos respon- lado, percebi em minhas pesquisas uma maior valori-
de Marcela Antipan, combina o co-
sivos que fazem a intermediação entre a zação, por parte de alguns grupos, da arte e do artesa-
nhecimento ocidental (transistor) e
temperatura do corpo e do ambiente, es- nato têxtil tradicionalmente feito à mão à medida que
o ponto de vista indígena do povo Computer 1.0
tampas dinâmicas que se atualizam de a quantidade de novas tecnologias e sistemas auto-
Mapuche (Chile). Para isso, utiliza Outra referência importante na experimentação entre
acordo com as necessidades do usuário, matizados tomam mais espaço. Isso talvez traga a re-
sensores ultrassônicos que detec- têxtil e tecnologia é o projeto Soft Monitor, fundado em
tecidos que auxiliam na recomposição flexão de que certos saberes e fazeres, assim como as
tam sinais do ambiente e os tradu- 2017 por Victoria Manganiello e Julian Goldman. Os ar-
da pele (tecido orgânico humano), den- pessoas que o fazem, são patrimônios de nossa cultu-
zem em dados computacionais. A tistas criam um tecido feito à mão em grande escala
tre muitos outros desenvolvidos para a ra e estão ameaçados a se extinguir, perder a visibili-
instalação tenta refletir as tensões usando tubos ocos de polímero e fios de fibra natural.
área médica, do esporte e militar. dade ou importância em prol do “novo”.
que existem na colisão das forças O trabalho, chamado de Computer 1.0, é formado por
Mesmo no contexto das discus- E é muito importante que essa revalorização
colonizadoras e a resistência indíge- uma série padronizada de pixels coloridos. Isso é pos-
sões sobre a sustentabilidade, tecidos seja reforçada e perdure não apenas nos momentos
na que é representada por meio da sível por meio de líquido, óleo e ar bombeados para os
que “interagem” com certas condições de “virada” nas revoluções industriais. A exemplo do
materialidade e do uso de técnicas tubos em uma sequência ditada por dados e/ou sen-
ambientais e se degradam com maior que ocorreu no movimento “artes e ofícios” no sécu-
analógicas e digitais. A peça é pen- sores do ambiente e uma série de válvulas controladas
rapidez. Por outro lado, nos trabalhos ar- lo XIX que tem sua influência até hoje. Mas também
sada a partir de uma lógica binária, por computador, compressores de ar e bombas. Este
tísticos, encontramos tecidos ou objetos os movimentos operários com exigências trabalhistas
tanto em termos de sua represen- tecido funciona como um monitor de computador fei-
têxteis que “atuam”, promovem agencia- mínimas e que podemos incluir a desvalorização do
tação simbólica como da própria to com materiais e técnicas antigas e naturais justapos-
mentos e significações para a composi- trabalho e dos saberes do artesão. Além disso, os pro-
construção, feita de madeira/plásti- tas às tecnologias digitais contemporâneas.
ção artística tanto quanto o próprio per- cedimentos e a cultura do digital propõem uma outra
co, lã/motores, tecido/programação.
former, participante ou artista. dinâmica para lidarmos com a memória.

URDUME #08 69
moda xxxx

Quando
fiamos,
conectamos
nossos
corações
em uma
linha só.

A ascendência
mora no processo
e resiste em nosso solo
Inspirado no trabalho de grupos artesanais brasileiros,
editorial realizado por estudantes de Produção de Moda
do Senac Lapa Faustolo, em São Paulo, exalta as expressões
do saber manual e da ancestralidade.

Fotos: Thiago Castro


70 URDUME #08 URDUME #08 71
Fotos: Thiago Castro
xxx xxxx

O algodão
cru é o
reflexo
da pureza
com que
devemos
levar a
vida.

URDUME #08 73
Fotos: Thiago Castro
xxx xxxx

A natureza
nos dá
vida e as
cores
colorem
a alma.

74 URDUME #08
xxx xxxx

Que
cada fio
represente
toda
linhagem
e saberes
herdados.

Ficha Técnica
Styling e Produção de Moda: Barbara Xavier ; Brenda Giovanna;
Caroline Landim; Dener Guimarães; Grazielle Araujo; Kauany Valin.
Figurino: Barbara Xavier; Caroline Landim; Grazielle Araujo; Kauany Valin.
Iluminação e Direção Criativa: Caroline Landim; Dener Guimarães; Kauany Valin.
Fotografia: Thiago Castro.
Edição: Grazielle Araujo.
Beleza: Isabela Yumi; Juliana Holzmann; Milena dos Santos.
Fotos: Thiago Castro

Modelos: Cristina Santos; Jéssica Campos; Gabriela Campos .


Roupas: Mile Lab; Jazz Niggaz e Vihe

76 URDUME #08 URDUME #08 77


xxx
lançamento

O
dia começou agitado
naquela quinta-feira de
outubro. Era a primeira
vez que saíamos para
trabalhar fora de casa
desde o início da pandemia. A alegria de Entrando na cozinha
reencontrar as pessoas pessoalmente se Pesquisar como e do quê a nossa comida, ou me-
misturava com o frio na barriga de co- lhor, as nossas roupas e fios são feitos. Desde que
meçarmos um projeto novo, desta vez, começamos a pesquisa, nos tornamos incapazes
em formato audiovisual. Fazia frio em de comprar roupas ou insumos para as nossas pro-
São Paulo, mas o sol entrava pela porta duções sem refletir e ponderar muito. Ter acesso à
do Ateliê Vivo, espaço transdisciplinar informação nos tira do papel de espectador e nos
de estudo de moda, onde aconteceriam faz partir para a ação, isto porque, mesmo envol-
as gravações. vidos com o tema, como diz a mestre em têxtil e
moda Cristiane Bertolucci, uma das nossas entre-
Em uma parceria com a Made By You, vistadas para a série, apesar da maioria das pessoas
marca que, assim como o Instituto Urdu- que tecem procurarem fios de fibras diferentes,
me, já nasceu com o ideal de democrati- o que se tinha de oferta no mercado até poucos
zar a prática manual e incentivar o consu- anos, limitava qualquer tipo de escolha.
mo consciente, partimos para a produção
de uma série especial sobre fibras têxteis. Por isso, te convidamos a percorrer conosco este
Um desejo antigo que passaria a se reali- caminho de educação para o consumo de têxteis
zar não só em uma série de textos, repor- e moda. A colocar a mão na massa, na fibra, co-
tagens e artigos, mas também em vídeos nhecer a composição, característica e forma de

F I B RAS,
especialmente produzidos para os nossos produção de cada fio e tecido, além de entender
canais no Instagram e Youtube. os impactos ambientais, as questões culturais e
sociais e ter mais consciência sobre as escolhas
Escolher falar sobre fios e fibras não é que fazemos para nos vestirmos atualmente.

OS NOSSOS
uma tarefa fácil. Adentrar esse terreno
pouco conhecido significa sustentar Nos primeiros quatro episódios falaremos sobre o
toda complexidade que envolve este cânhamo, a viscose de cana-de-açúcar, o linho e
tema. Porque uma coisa é fato, não existe o algodão orgânico da Paraíba. Cada um deles, de

INGREDIENTES
a fibra perfeita. Ainda assim, acreditamos divulgação bimestral, será acompanhado por ar-
que podemos conhecer melhor as suas tigos e entrevistas que serão publicadas no nosso
características, seus impactos sociais e site e divulgadas ao longo de 2022.
ambientais e desenvolver com elas um
tipo de diálogo a fim de encontrarmos, O lançamento será em dezembro de 2021 e faz par-
Em parceria com a Made By You, para cada caso, o melhor caminho. te das comemorações do primeiro ano do Instituto.
o Instituto Urdume lança seu
primeiro projeto em audiovisual,
uma série especial sobre fibras. Agradecimentos especiais a Made By You, Ateliê
Vivo, Criatura Studio, Cris Bertolucci, Poli Rodri-
Por Estefania Lima
gues e Wanderley Kawabe.

78 URDUME #08
crítica

As três primeiras obras, sem encerrarem-se

A memória
nelas mesmas, retratam modos de existên-
cia: técnicas, vozes e corpos que compõem
histórias sociais. Trabalhos que em sua pró-

precisa de
pria materialidade carregam formas de
pensamento e organização coletiva, sem

âncoras
deixar de apresentar inovações estéticas,
poéticas e políticas, como observamos ao
olharmos com atenção para os bordados
de João Cândido. Os trabalhos do apelida-
do Almirante Negro, ao contrário do que
podem fazer pensar, não contrastam com
a imagem projetada sobre um revolucio-
Por Estefania Lima nário negro do começo do século XX. Além

Um olhar histórico para as obras que Instalação de Sueli do desejo de liberdade e amor, escritos nas
Maxakali, Kumxop toalhas, os bordados inventariam não só a
usam técnicas manuais têxteis na 34ª Bienal koxuk yõg [Os espíritos vida de um marinheiro, cujas atividades de
de São Paulo - Faz escuro mas eu canto das minhas filhas].
cuidado eram feitas por ele mesmo e não
por mulheres, mas tambéma de um filho
de escravizados, cujas “regras de virilidade”


e feitura de trabalhos à mão, distinguem-
se das de homens brancos.

A memória precisa de âncoras”, diz a frase do antropólogo Carlos Iván Degregari Neste sentido, se as toalhas de João Cândido
escrita na parede da instalação do Grupo Cultural peruano Yuyachkani, exposta podem nos surpreender à primeira vista, já
34ª Bienal de São Paulo, intitulada: Faz escuro mas eu canto. A mostra, de curado- que o bordado é uma técnica historicamen-
ria de Jacopo Crivelli Visconti, Paulo Miyada, Carla Zaccagnini, Francesco Stocchi e te reconhecida como feminina, por outro,
Ruth Estévez teve como intuito principal reivindicar a necessidade da arte como ela nos revela uma série de complexidades e
um campo de encontro, resistência, ruptura e transformação e, diante de tal pro- histórias não contadas, como a de marinhei-
posta, apresentou trabalhos de tempos, formas e discursos distintos. ros e escravizados. Vozes invisíveis, que na
arte, volta e meia ganham volume - quando
Dentre elas destacam-se uma série de obras têxteis, mas, em especial, quatro ar- reconhecidas - através dos fios. Não à toa, os
tistas (se podemos chamar João Cândido assim) cujos trabalhos ganham forma bordados de João Cândido nos lembram os
através do uso de técnicas manuais têxteis: Sueli Maxakali, Gustavo Caboco, João de Arthur Bispo do Rosário. Ambos homens,
Cândido e Noa Eshkol. A instalação de Sueli Maxakali, Kumxop koxuk yõg [Os es- de corpos indesejados, em cárcere, gritando
píritos das minhas filhas] traz um conjunto de objetos trançados e tecidos, que a fio como forma de liberdade em um en-
Fotos: Estefania Lima

remetem às Yãmĩyhex, mulheres-espírito de seu povo. Já a obra de Caboco apre- contro não combinado com o feminino.
senta, entre desenhos, animações e escritos, bordados idealizados por ele e exe-
cutados por sua mãe Lucilene, desterrada de sua comunidade, Wapichana, ainda
criança. De João Cândido, o Almirante Negro, marinheiro e herói revolucionário da Bordado “O Adeus do
revolta da Chibata (1910), são apresentados dois bordados feitos durante seu perío- Marujo de João Cândi-
do na cadeia e, por último, de Noa Eshkol, seus tapetes de parede. do, o Almirante Negro,
exposto na 34ª Bienal
de São Paulo.

80 URDUME #08 URDUME #08 81


crítica

sentam como sem razão, regra ou


teoria, tem nome, autoria e sempre
foi feito de retalhos. O quilt, patch-
work (trabalho de remendos) ou
colcha de emendas é uma técnica
coletiva, de origem afro-americana,
e foi criada para atender as neces-
sidades de aquecimento frente à
escassez e carestia de tecidos nas
colônias norte-americanas. Uma
combinação de tradições têxteis da
África Central e Ocidental, feitas de
padrões que simbolizavam cosmo-
logias ancestrais, e que também fo-
ram utilizados para transmissão de
códigos que ajudaram na liberdade
de escravizados das plantações.

Sendo assim, causa espanto que


uma Bienal, que tem como objetivo
apresentar a arte como um campo
de encontro, resistência, ruptura e
transformação, não faça no míni-
mo uma observação de retratação
histórica à obra de uma artista cujo
trabalho baseou-se na busca pela
sistematização dos movimentos do
corpo na dança - retirando dele qual-
Os tapetes “sem história” de Noa Eshkol tapetes não tinham nenhuma explicação, ideo- quer tipo de irracionalidade - mas
No entanto, se nos trabalhos acima o uso de téc- logia ou valor acadêmico e que, portanto, deles, descreve seu trabalho com o quilt
nicas têxteis ancoram memórias invisibilizadas e nada poderia ser ensinado. sem citar suas origens e afirmando
dão voz a corpos reprimidos, o mesmo não acon- que este trabalho não envolve ne-
tece nos tapetes de parede Wall Carpets, de Noa O mesmo texto serviu de referência para apre- nhum tipo de decisão intelectual.
Eshkol. A artista, nascida na Palestina e radicada sentação da obra na Bienal, que ainda destacou
em Israel, cuja vida foi dedicada à dança, os deu que os materiais utilizados para produção dos ta- A memória precisa de âncoras e
forma em 1973, quando um de seus principais petes eram sempre tecidos reutilizados, e nunca os espaços institucionalizados de
dançarinos foi convocado para o serviço militar, comprados, como trapos e roupas descartadas. partilha da arte há muito deveriam
e foram frutos do desejo da artista, segundo ela saber disso. Enquanto felizmente
mesma, de fazer algo que não envolvesse nenhu- Acontece que não só não há nenhum ineditis- Nas fotos, os Wall Carpets
algumas barreiras já estão sendo
“Sem regras, sem teoria - ape-
ma decisão intelectual. No único texto de Eshkol mo no uso de sobras de tecidos, como a sua não quebradas (vide esta Bienal ser co-
nas paixão”, de Noa Eshkol.
sobre a produção, intitulado: “Sem regras, sem sinalização revela o apagamento de uma técni- nhecida como a dos índios), mui-
teoria - apenas paixão", a artista explica que os ca e sua história. O que Eshkol e a Bienal apre- tas outras ainda seguem à deriva.
Atentar-se a história social das téc-
nicas pode ser um caminho.

82 URDUME #08 URDUME #08 83


xxxx

TRAMAS
SUBURBANAS
Lucas Assumpção, um dos nomes que dá vida à exposição
“Crônicas Cariocas”, apresenta trabalhos que revelam, assim como
a mostra, um Rio de Janeiro além dos cartões postais
Por Estefania Lima

A
o entrar na exposição “Crônicas Ca- Ao todo, são quase 600 obras de arte, nos mais
riocas”, em cartaz no Museu de Arte diversos suportes, que ocupam três galerias
do Rio (MAR), somos surpreendidos do museu, cuja arrumação confere ares labi-
por um burburinho vindo do túnel rínticos ao local. Cada pedaço de parede reve-
que dá acesso às galerias. Trata-se do áudio de la momentos do Rio. Entre os cerca de 110 ar-
uma conversa entre Luiz Antônio Simas, Concei- tistas que participam da montagem, Marcelo
Exposição "Crônicas
ção Evaristo e a cantora Teresa Cristina. Ao fim da Campos comenta aqueles que destacam-se
Cariocas", MAR,
passagem, na chegada ao primeiro espaço expo- por usarem o têxtil como suporte. A começar Rio de Janeiro.
sitivo, uma televisão exibe o vídeo do bate-papo. pelas bandeiras de Guilherme kid, que traz a
A ideia é brincar e fazer referência às conversas de frase da música Espelho, de João Nogueira,
janela entre vizinhos, que em razão da pandemia “Nascido no subúrbio nos melhores dias” —
de covid-19 passaram a acontecer virtualmente. traduzindo o orgulho suburbano que se apre-
senta fortemente na criação dos jovens artis-
A exposição, a maior e mais importante da ins- tas vindos da periferia da cidade — e da artista
tituição desde o começo da pandemia, foi pen- Guilhermina Augusti, onde se lê: “Atravecar o
sada para escutar e discutir o Rio de Janeiro que eixo, escurecer ao centro”, convidando a refle-
não está nos livros nem nos cartões postais, mas xão sobre a presença de pessoas LGBTQIA+ e
que figura no imaginário coletivo daqueles que negras nos museus.
vivem e respiram a cidade em toda sua comple-
xidade. A montagem dá vida às histórias cotidia- Além dos dois artistas, Campos destaca tam-
nas; festas; encontros dos ônibus lotados e calça- bém a presença das obras de duas grandes
das. Segundo o curador-chefe do MAR, Marcelo artistas: Sônia Gomes e Rosana Paulino. “Sônia
Campos,“nesta exposição o museu se posiciona, é uma artista fundamental na relação das ar-
ou melhor, mantém a sua vocação em ser um tes com os tecidos, ela vai costurando, bordan-
museu que trata das relações sociais e vulnera- do em cima daquelas formas, numa condição
bilidades da população, ao tratar de um Rio mais muito próxima a uma manufatura, e dando a
suburbano, periférico. Uma cidade que é vivida eles outros sentidos, como a ideia do amuleto.
na sua oralidade, nas histórias contadas de avós Uma espécie de africanização daquele material
para netos, pelas crianças, nas feiras livres”. como uma prática ancestral”, afirma o curador.

84 URDUME #08 URDUME #08 85

Fotos: Beatriz Gimenes


xxx xxxx

Detalhes da mostra "Crônicas Cariocas", maior


e mais importante exposição do Museu de Arte
do Rio desde o começo da pandemia.

Uma cidade que é vivida na sua oralidade,
nas histórias contadas de avós para netos,
pelas crianças, nas feiras livres”
Marcelo Campos

De Rosana Paulino, a exposição apresenta o Por último, o curador destaca o trabalho de Lucas
vídeo de uma performance, na qual uma per- Assumpção, que cria tramas a partir de uma esté-
sonagem vai costurando, em seu próprio ves- tica típica dos subúrbios cariocas. “O Lucas pega
tido, imagens de mulheres negras. Mulheres os boletos do jogo do bicho que, apesar de proi-
que poderiam ser consideradas suas ancestrais. bidos, são comuns pela cidade e os constrói uma
“Rosana Paulino é uma das mais importantes colcha de emendas com crochê.” Um trabalho
artistas contemporâneas do Brasil. Ela lida com simples, mas que chama a atenção por conversar
as discussões sobre racialidade e etnicidade e diretamente com o público e suas memórias.
pensa esse tecido social afirmando sua carga
de memória, ao mesmo tempo que uma carga Para sabermos mais sobre como se deu o pro-
de denúncia, exatamente nas fissuras daquilo cesso de criação desta e outras obras, conver-
que não foi contado e com as quais o MAR se samos com o artista, que prefere ser chamado
propõe a trabalhar”, reforça Campos. de artista-artesão:

86 URDUME #08 URDUME #08 87


“Jogo da bicha”
ou “Deu veado
na cabeça", 2021 “
Eu quero fazer arte
para os meus. Quero que
meu irmão, minha mãe,
você e sua mãe entendam.
Levo comigo uma frase
Urdume. Lucas, quando você decidiu ser artis-
ta e porquê?
Lucas Assumpção: O meu processo artístico
começou ainda na infância com as práticas que
eu uso até hoje: crochê, bordado e ponto cruz. Eu
morava em uma área de subúrbio, meio favela,
meio área rural, e utilizei esses afazeres como uma
sigo mostrar a potência dessas esferas que se co-
municam a todo tempo. E, por esta relação que
estabeleço com o território, prefiro me apresentar
como artista-artesão, ao invés de artista visual.

Urdume. Porquê?
Lucas Assumpção: Porque este sempre foi um
espécie de fuga. Porque eu queria brincar na rua grande questionamento pra mim. Para além das
que ouvi de uma professora com as crianças, mas sempre foi uma coisa muito discussões entre proximidade e dicotomia entre
da faculdade, ela dizia: separada, sexista. As meninas jogavam queimado arte e artesanato, eu venho de um processo de
“o livro infantil é um livro e brincavam de boneca e os meninos jogavam cultura que poderia ser chamado de kitsch, com
tão bom, que até um bola. Eu nunca gostei de jogar bola e, por ser gay, motivos florais e todas essas coisas. Eu gosto de
adulto consegue ler”. era muito zoado. Por isso, eu comecei a ficar mui- me apresentar de uma maneira que eu consiga
to dentro de casa, evitava ir para rua, minha mãe discutir as tensões dos espaços que eu ocupo.
também tinha muito medo do que poderia acon- Cresci vendo meu tio tramando a tarrafa para
tecer comigo. A casa se tornou, ao mesmo tempo, pesca e minhas tias fazendo crochê. Uma reali-
meu lugar de segurança e um tipo de prisão. dade não só minha, mas de uma grande popula-
Minha mãe trabalhava fora, em casa de fa- ção de áreas de favela, subúrbios e zonas rurais.
mília, e minhas tias que cuidavam de mim, faziam Nestes locais, as técnicas dão formas à vida e isso
muito crochê e ponto cruz e eu pedia para apren- faz parte da minha pesquisa. A nossa formação
der. Na época eu aprendi a fazer colcha de retalho, artística/artesã está muito relacionada às per-
fuxico, e tinha isso como um hobby. Durante um cepções dos lugares em que a gente vive, por
tempo fiz até umas peças de crochê para vender, onde a gente anda, e esses lugares são os meus.
mas com o tempo quis criar alguma coisa minha,
fugir das produções já existentes, mas sem perder Urdume. As suas obras são reflexos dessas vi-
a referência estética da minha infância. vências?
Lucas Assumpção: Quando eu ando na rua, o
Urdume. Foi esta estética que te moldou que eu vejo na minha área são jogos do bicho
como artista visual? pendurados nos postes, garotos com camisa de
Lucas Assumpção: Sim, o trabalho doméstico time, o tiozinho com o cordão de São Jorge e a

Foto: Ana Carolina Assumpção


sempre foi o meu grande referencial. A construção tiazinha católica que joga no bicho. A minha tia,
do que é feito dentro de casa sempre me interes- por exemplo, que é da Umbanda, acende vela
sou muito, porque isto estava presente na minha para Exu ouvindo Cassiane [cantora gospel].
família. É a estética do meu dia a dia, o pano de Existe uma mescla, uma mistura de coisas acon-
prato com barradinho de crochê, a colcha de fuxi- tecendo dentro de uma uma estética brasileira,
co, trago tudo isso sempre comigo, assim como a meu trabalho é reflexo dessa estética suburbana.
vivência da rua que me foi negada. Por isso, gosto
de juntar a estética da casa com a da rua, a ma- Urdume. E como ser gay atravessa estas vi-
terialidade do pano de prato, com o crochê feito vências?
com o barbante da peixaria. Isso me torna muito Lucas Assumpção: Eu sou um homem, não te-
Na foto acima, Lucas Assumpção forte, entendo que esses espaços não estão tão nho lugar de fala, mas tenho essa experiência
fazendo as emendas da sua obra separados assim. Ao valorizar esses espaços, e compartilhada com as mulheres da casa como
"Colcha de retalhos", 2021 e ao seus encontros, que eu chamo de anfíbios, con- um tipo de prisão e do desejo de vivenciar a rua.
lado a obra em exposição na
mostra “Crônicas Cariocas”

URDUME #08 89
xxx exposição

↑ Legenda aqui do que eu era gay, então eu real- com a casa pelo sonho, porque pessoas. Quando levo minha mãe ou parentes meus nos mu-
mente era. Eu era uma criança, sonhamos com o bicho no qual seus, na maior parte das vezes eles não entendem nada. Eu
devia ter uns sete, oito anos. Por vamos jogar, temos sonho da quero fazer arte para os meus. Quero que meu irmão, minha
isso, quando eu digo que meu casa própria, o sono dos justos, mãe entenda, você e sua mãe entendam. Levo comigo uma fra-
trabalho é pensar nesses espa- etc. Este trabalho tem também se que ouvi de uma professora da faculdade, ela dizia: “o livro
ços, é tanto porque eu quero va- essa estética meio “rococó con- infantil é um livro tão bom, que até um adulto consegue ler”.
lorizar essas culturas e epistemes, temporânea”, com diz uma ami- Então eu tento pensar dessa maneira. Quero poder comunicar
mas também para indagá-las, re- ga, as cores pastéis, mas não sa- tudo que tenho vontade, mas sem ser dificultoso. Desejo que a
pensá-las e colocá-las em xeque. bia exatamente como utilizá-los. arte contemporânea seja mais acessível e que essa arte possa
Repensar o conservadorismo Até que um dia estava deitado estar dentro da casa das pessoas. Eu quero que a minha arte
que existe na tradição. O jogo do na cama da minha tia e tirei esteja sempre em flerte com o que há de mais popular.


bicho marcou de muitas formas uma selfie. Mais tarde, olhando
a minha vida. Na escola, quando a foto, reparei que estava deita-
meu número da chamada era 24, do em cima de uma colcha de
era uma grande zoeira, porque retalhos. Pensei: “pronto, é isso,
este é o número do veado. Por essa é a referência.” Quando eu digo que meu
causa disso, hoje eu penso: como
trabalho é pensar nesses
posso transformar isso? Então eu Urdume. Como a sua família
coloco o jogo do bicho com “deu recebe o seu trabalho?
espaços, é tanto porque
veado na cabeça”, porque este é Lucas Assumpção: Super bem. eu quero valorizar essas
o maior prêmio que se pode al- A minha tia que me ensinou a fa- culturas e epistemes, mas
cançar. Faço o crochê em volta zer o crochê adora. A gente pega também para indagá-las,
usando rosa porque é associado uma cervejinha, faz o nosso cro- repensá-las e colocá-las
Fotos: Everson Verdião

ao gay e ao feminino, mas tam- chezinho juntos, ouvindo Beth


em xeque. Repensar
bém como uma moldura afetiva. Carvalho e é ótimo. Fazemos
até crochê dentro da piscininha.
o conservadorismo que
Urdume. Estes trabalhos com Tenho uma relação de amizade existe na tradição.
"Ensaio para o jogo do bicho te levaram ao com ela, quando preciso de as-
Ibeji", 2021
MAR, Museu de Artes do Rio. sistente é ela que eu chamo e,
Como foi? assim, vamos fazendo nossas
Lucas Assumpção. Quando fui construções na base do afeto.
Todos os meus trabalhos perpassam minhas vivências da casa, convidado para a exposição Urdume. Seu trabalho apesar
mas alguns deles, mais especificamente, passam pelos afetos “Crônicas Cariocas” no Museu de cheio de significado, pode
que me atravessam por eu ser gay. Um exemplo disso é a obra de Artes do Rio, convidado pelo ser lido muito facilmente, será
“Jogo da Bicha” ou “Deu veado na cabeça”, que foi inspirado na Marcelo Campos, fiquei muito que é isso que faz com que a
experiência com a familia do meu pai. Ele sempre jogava o jogo feliz, porque eu estava fazen- sua família o receba tão bem?
do bicho e me pedia para jogar pra ele, escolher um número. Só do o trabalho da colcha de re- Lucas Assumpção: Sim, porque
que um dia ele me pediu para escolher um animal e eu, que gos- talhos naquele momento, ela eu tenho muita dificuldade com
tava muito do filme Bambi, da Disney escolhi o veado. Meu pai tinha tudo a ver com o recorte as artes conceituais que para
ficou muito chateado. Disse que eu não podia escolher aquele proposto para a mostra. Esta é você entendê-las é necessário
animal, e aquilo me marcou muito. Ali eu consegui me perceber, uma boa peça para exemplificar ler cinco livros ou minimamente
mais ainda, enquanto gay. Porque se ele também estava achan- as minhas referências. Na minha conversar com o artista. Por isso,
pesquisa eu comecei a enten- eu só quero fazer trabalhos que
der a relação do jogo do bicho consigam se comunicar com as

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Foto: Everton Ballardin

Detalhe da obra
“Yube Nawa Ainbu”,
2018 (“A mulher do
povo gibóia” - Canto
de chamar a força)
Coletivo Mahku, al-
deia Chico Curumim
/ Acre / Brasil

DIÁLOGOS Registros em técnicas variadas capturam e revelam

AMERÍNDIOS Por Cristine Bartchewsky


aspectos dos povos em sua diversidade e semelhança
na exposição “Encontros Ameríndios”, em São Paulo
Lea Amelta Tejada, exposição
Ilha Nurdub, Kuna
Yala, Panamá.
Naasis Mola,
2018 (Maracas)

D
e panos costurados em cama-
das de tecidos, murais bordados,
pinturas, desenhos, arte digital e
até entalhes em madeira, a ex-
posição Encontros Ameríndios, no Sesc Vila
Mariana, em São Paulo, articula a pluralidade
Angelmira
das cosmovisões e cosmotécnicas de cinco
Owens Perez,
povos originários das três Américas. Ilha Nalunegas,
Reino Unido), museólogo e antropólogo que atua San Blas / Pana-
São 45 trabalhos assinados por cerca de 30 na área de etnologia dos povos indígenas das Ter- má. Gwalu Mola,
artistas de povos diferentes: Huni Kuin (Ter- ras Altas e Baixas da América do Sul. 2019 (Lâmpada)
ra Indígena do Alto Rio Jordão, Acre, Brasil),
Shipibo-Konibo (Comunidade de Catagallo, Apesar de ocuparem territórios distintos e apresen-
Lima, Peru e Alto Ucayali, Amazônia Peruana), tarem arte e cultura singulares, os povos reunidos na
Guna (Comarca Kuna Yala, Panamá), Haida exposição dialogam a partir de um ponto comum
(Arquipélado de Haida Gwaii, Colúmbia Bri- em suas histórias – a resistência enquanto comuni-
tânica, Canadá) e Tahltan (Telegraph Creek e dade e etnia frente à dominação e opressão colonial.
Vancouver, Colúmbia Britânica, Canadá).
Conforme explica a antropóloga Sylvia Caiuby
"A ideia de encontro de alteridades é fun- Novaes (CEstA – Centro de Estudos Ameríndios
dante dos mundos sociocosmológicos da Universidade de São Paulo), coordenadora da
ameríndios. Encontros interculturais e in- mostra, as obras revelam a resiliência desses po-
tercomunitários são amplamente valoriza- vos, que têm sua arte também como “resultado
dos pelos povos indígenas tanto da Ama- desta tenacidade para superar as inúmeras opres-
zônia quanto da Colúmbia Britânica que, sões do processo histórico de esbulho e tentativas
com suas famosas Potlatch [cerimônias], se de dominação que sofreram ao longo da história e
reúnem para celebrar sua ancestralidade e ainda sofrem, sua capacidade de superar adversi- Dilma Gardel,
Foto: Everton Ballardin

riqueza cultural e material. Os artistas reu- dades, sua autodeterminação. É uma arte que evi- Cidade do
nidos nesta exposição são os protagonistas dencia liberdade para com processos de tradição e Panamá.
de novas possibilidades dialógicas entre as renovação, em que cantos, sonhos, mitos, imagens Nagguleqed
Mola, 2019
estéticas, técnicas artísticas e criatividades e visões têm um papel fundamental, uma arte em
(A cruz)
ameríndias", afirma o curador Dr. Aristóte- que o domínio de técnicas visuais e materiais é, em
les Barcelos Neto (University of East Anglia, certo sentido, o domínio do tempo e da história”.

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Olinda Silvano
Inuma, Lima/ Peru.
Jakon Nete, 2019 (O
mundo maravilhoso)

Manifestações
No contexto da América Latina, três povos se destacam. A expressão dos Huni Kuin é
traduzida em pinturas sobre tecido pelo coletivo MAHKU - Movimento dos Artistas Huni
Kuin, nas quais os cantos do nixi pae – bebida conhecida como yagé ou ayahuasca, uti-
lizada em rituais xamânicos – se fazem figurativos. Estão presentes também elementos
do aspecto social e cotidiano na natureza retratando personagens.

Os Guna representam elementos de sua cultura, como objetos, animais, plantas e gra-
fismos com a técnica conhecida como mola, que consiste em um aplique reverso com
costuras e eventualmente discretos bordados. Tecidos de cores contrastantes são sobre-
Gwaai Edenshaw e
postos e ao fazer recortes das formas na parte da frente revela-se a cor do tecido de trás. Jaalen Edenshaw,
As peças são feitas pelas mulheres e adornam suas vestimentas. St. Masset / Haida
Gwaii / Canadá.
Um dos principais meios de subsistência dos Shipibo-Konibo, o artesanato, abrange te- “Child of the Great
Fotos: Mike Peckett

box”, 2014
cidos, murais, cerâmicas e principalmente bordados com aplicação do kené: complexas
padronagens geométricas típicas (enigmáticas para quem contempla) que são criadas
e executadas por mulheres. O feitio do kené é transmitido pelas mulheres da mesma fa-
Acesse o catálogo da exposição em:
mília ao longo das gerações e a iniciação pode incluir o uso de um colírio preparado com
issuu.com/sescsp/docs/encontros_amerindios
a erva piripiri para abrir um canal de visão de maneira a auxiliar na criação dos desenhos.
Dicas de leitura xxxx

Muitas roupas aqui, Salma Soria I Editora Penalux

O novo livro de Salma Soria aborda os múltiplos sentidos da roupa no uni-


verso da ficção. Ao longo de 51 contos, a autora, que também é estilista,
encontra na roupa uma porta para histórias serem narradas. “Olhar para
a peça de roupa como personagem me desafia na escrita de ficção. Não
bastasse o drama próprio de uma história, na textualidade, o autor ainda
tem que lidar com o que é frontalmente afetado por estar na moda ou
não. Um pêndulo selvagem”, descreve Salma.

“Depois de anos vendendo e fazendo roupas, quis criar uma coleção


de moda que vive na escrita, uma espécie de lookbook que fica só
nas páginas literárias”, explica. Para isso, a autora passeia pelos contos,
microcontos e contos curtos onde as roupas, claro, são as persona-
gens. Um dos assuntos que atravessa a obra é a presença do feminino:
“Até um passado recente, poucas mulheres ocupavam a posição de
comando criativo. Historicamente o bom gosto era pensado por men-
tes masculinas para que outras mulheres pudessem se adequar nessa
ponta de agulha. Nesse sentido, a obra toca em contos sobre uma mu-
lher que tenta ser costureira, outra que é super atarefada nas costuras,
outra que é uma estilista bem sucedida, entre outras. De modo geral,
o fio condutor dessas histórias é a instabilidade nas posições sociais
que essas mulheres ocupam”, finaliza a autora.

Revolução da Moda: Jornadas para Sustentabilidade,


Fashion Revolution I Editora Reviver

O Fashion Revolution Brasil lançou em abril de 2021 seu primeiro


livro, Revolução da Moda: Jornadas para Sustentabilidade. A obra
é um reflexo do recorte de gênero que compõe a maior parte da
cadeia produtiva na indústria da moda. Os ensaios reunidos no
livro estão divididos em seis temas: consciência, história, identi-
dades, comunidades, natureza e futuro, além de uma linha do
tempo com a jornada do movimento Fashion Revolution no Bra-
sil e cartas das organizadoras, Fernanda Simon e Eloisa Artuso.

Cada uma das 16 autoras propõe caminhos inovadores ou muitas


vezes já conhecidos, mas deixados para trás, em busca de cons-
truir uma moda mais justa e limpa. Por isso, o livro conta com
perspectivas diversas de jornalistas de moda, ambientalistas,
pesquisadoras acadêmicas, ativistas de direitos humanos da po-
pulação negra, historiadoras, futuristas, designers e muitas ou-
tras multifacetas que cada uma dessas mulheres oferecem.

URDUME #08 99
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www.urdume.com.br
@urdumeinstituto
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