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Técnicas Montagem Amnésia

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Sociedade Brasileira de Estudos

Interdisciplinares da Comunicação

Construção de sentidos no cinema:


Como as Técnicas de Montagem Alteram o Sentido do Filme Amnésia92

The build of meaning in cinema:


How the montage techniques alter the perception of the film “memento”

Bruna Dimei Maschio Costa93

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo estudar o processo de montagem e sua importância na
construção de sentidos na obra audiovisual Amnésia. Para isso, desenvolveu-se um rápido
panorama da história da montagem e da linguagem cinematográfica. Abordou-se os processos
e estilos de montagem para examinar as técnicas de montagem utilizadas no filme Amnésia,
de Christopher Nolan. A metodologia utilizada é qualitativa de caráter teórico-empírico, e
dispõe de revisão bibliográfica como meio de investigação, além da análise da montagem do
filme. Analisando a montagem do filme, concluiu-se que as técnicas de montagem utilizadas
trouxeram ritmo e suspense à obra, além de proporcionar uma experiência imprevisível e
excitante ao espectador propiciada pela montagem não linear. Também se observou que a
montagem pode alterar o sentido de uma obra audiovisual através do modo pelo qual a
narrativa foi construída.

PALAVRAS-CHAVE: Montagem; Construção de sentidos; Amnésia; Técnicas de


montagem; Audiovisual.

ABSTRACT

The purpose of this research is to study the video montage process and its importance in the
construction of meanings in film Memento. For this, a panorama of the history of video
montage and the cinematographic language was developed. Methods and different types of
video montage were discussed to study the montage techniques used in Christopher Nolan's
film, Memento. This is a theoretical-empirical qualitative research, with a bibliographical
revision used for investigation, and also a deep analysis of the montage of the film. Analyzing
the montage of the film, it was concluded that the montage techniques used in it, brought
rhythm and suspense to the film, and also an unpredictable and exciting experience to the
viewer, which was provided by the non linear montage. It was also observed that the montage
can change the meaning of an audiovisual work through the way in which the narrative was
built.

92
Trabalho desenvolvido como Projeto Integrado do 4º semestre do curso de Rádio e TV do Centro
Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), sob orientação do Prof. Me. Rogério Furlan de Souza.
93
Estudante do curso de Rádio e TV do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), e-mail:
brunadmc@outlook.com

Revista Iniciacom – Vol. 9, N. 1 (2020)


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KEYWORDS: Montage; Sense construction; Memento; Montage techniques; Audiovisual.

INTRODUÇÃO

Dentre os vários métodos artísticos criados pelo homem como forma de registrar seu
cotidiano, as artes plásticas, a fotografia e o cinema merecem lugar de destaque. O cinema
surgiu em 1895 através da invenção do cinematógrafo pelos irmãos Lumière. O objeto,
derivado da fotografia, era, ao mesmo tempo, câmera e projetor, por meio do qual fotogramas
eram reproduzidos de forma rápida e davam a sensação de movimento. As cenas captavam
acontecimentos cotidianos em apenas um plano (DANCYGER, 2003, p. 03). O ilusionista
francês George Mèliès, também considerado um dos precursores da linguagem
cinematográfica, assistiu à primeira gravação feita pelos irmãos Lumière e encantou-se com a
novidade. Pouco tempo depois, fundou a Star-Films e criou estúdios de gravação com
equipamentos, iluminação (artificial e natural), cenários, zonas técnicas e efeitos especiais.
Dentre os pioneiros do cinema destaca-se Edwin Porter, que inovou ao fazer uso da
possibilidade de emendar as tomadas para se criar uma história. Reisz e Millar afirmam que a
descoberta de Porter é regra essencial da montagem e que os filmes se fazem com planos, que
são a unidade do filme. (REISZ & MILLAR, 1978, p. 07 e 08).
D. W. Griffith foi o primeiro cineasta a entender a importância da montagem para a
compreensão do filme, e é conhecido como o pai da montagem cinematográfica moderna,
utilizando-se das ferramentas que Porter desenvolveu uma década antes e modernizando-as.
Foi o primeiro a utilizar a técnica do close-up de maneira relevante, além de flashbacks e ação
paralela, elementos que estabeleceram os fundamentos da montagem clássica, a qual é
baseada no corte invisível (DANCYGER, 2003, p. 05 e 06). Influenciado por Griffith,
Vsevolod Pudovkin desenvolveu uma teoria da montagem que vai ainda mais além da
clássica. Esta “baseava-se na percepção griffithiana de que a fragmentação da cena em planos
criaria uma força que ultrapassa a característica da cena filmada” (DANCYGER, 2003, p.15).
A partir desta ideia, Pudovkin, junto a Lev Kulechov, fez várias experiências para
demonstrar o entendimento do público com planos justapostos. A mais conhecida foi a
utilização de um ator em um único plano justaposto com três diferentes planos: um prato de

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sopa, uma mulher morta no caixão e uma criança com seu brinquedo. O público viu as cenas e
elogiou o ator por demonstrar fome na cena com o prato de sopa, compaixão pela mulher
morta e ternura para com a garotinha. Este experimento mostra claramente o papel da
montagem para se obter o significado desejado na narrativa.
Esses pioneiros foram imprescindíveis para que a montagem evoluísse até o momento
atual. Outros teóricos e cineastas contribuíram para tal processo histórico, entretanto, a partir
deste ponto, é necessário discorrer sobre a linguagem cinematográfica. De acordo com
Aumont (2012, p. 157), para que o cinema pudesse ser considerado uma arte, era preciso
atribuir-lhe uma linguagem específica, diferente da linguagem literária e teatral, de modo que
fosse definido como um meio de expressão inovador.
Como o passar das décadas, essa nova linguagem foi definida por vários teóricos.
Hunt, Marland e Rawle conceituaram da seguinte maneira:

A linguagem cinematográfica é, na verdade, formada por diferentes


linguagens, todas subordinadas a um meio. O filme pode agregar em
si todas as outras artes: fotografia, pintura, teatro, música, arquitetura,
dança e, claro, a palavra falada. Tudo pode chegar ao cinema – grande
ou pequeno, natural ou fantástico, bonito ou grotesco (EDGAR-
HUNT; MARLAND; RAWLE, 2013, p. 10).

Sendo assim, é possível afirmar que a linguagem cinematográfica é a adaptação da


soma de diferentes tipos de arte e diferentes linguagens. Para auxiliar na compreensão de
como a montagem pode interferir na narrativa de uma obra audiovisual, o filme Amnésia
(2000), do diretor Christopher Nolan, será analisado pelo viés das principais teorias,
processos e estilos de montagem.
O filme Amnésia foi indicado em 2002 ao Oscar de melhor montagem e roteiro
original, entrando para a lista da revista Editors Guild Magazine como o 14º filme mais bem
montado de todos os tempos. Entender as principais técnicas utilizadas na montagem desta
obra traz a percepção de que a narrativa escolhida para contar uma história faz uma diferença
significativa no produto e em sua recepção. A partir da análise fílmica, será identificado se a
montagem produziu tal efeito ou não nesta obra.

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A metodologia utilizada será qualitativa de caráter teórico-empírico e dispõe de


revisão bibliográfica como meio de investigação, além de um estudo de caso onde será
analisada a montagem do filme Amnésia.

LINGUAGEM CINAMTOGRÁFICA

De acordo com Aumont (2012, p. 177), a comunicação da linguagem possibilita trocas


entre locutor e interlocutor. No cinema, esta troca não é possível diretamente, exceto com a
criação de outra unidade de discurso dentro do próprio filme, pois este possui comunicação
imediata e direta, diferenciando-o da comunicação verbal. Dessa maneira, o cinema cria sua
própria linguagem, afirmando-se, assim, como arte.
Pode-se, então, definir como linguagem cinematográfica o conjunto de elementos,
planos, símbolos, ideias e técnicas de montagem que formam o filme, levando em
consideração que cada cena tem seu significado e toma parte no entendimento da obra
completa. A linguagem cinematográfica é construída para a percepção do espectador, tal que
as imagens são justapostas de modo a criar sentido, podendo ser reprodução da realidade ou a
criação de ficção. No entanto, é preciso considerar também que cada espectador tem sua
própria interpretação dessa linguagem (AUMONT, 2012, p. 184).
Na visão de Edgar-Hunt, Marland e Rawle (2013, p. 10 e 11), a linguagem
cinematográfica é composta por: semiótica, narrativa, intertextualidade, ideologia, quadros e
imagens, construção de sentidos e som e espaço. Semiótica é o estudo dos signos que
constroem o significado da obra, pois as imagens nunca deverão ser aleatórias, tudo na
composição visual deve convir para o entendimento. A narrativa estuda como as
particularidades da comunicação conectam-se à estrutura do filme. Intertextualidade, como o
nome sugere, é a inter-relação entre textos – ou seja, um filme dificilmente surgirá de uma
premissa inédita, mas sim de elementos pré-existentes. Ideologia é a interpretação que o
público atribui ao filme e, geralmente, o filme possui mais de uma mensagem.
Ainda de acordo com os elementos que fazem parte da linguagem cinematográfica,
Edgar-Hunt, Marland e Rawle (2013, p. 119) afirmam que os quadros e imagens são os takes
juntos em sequências que podem alterar ou acrescentar significado na obra audiovisual. Os

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planos possuem sua linguagem própria, de maneira que as imagens são comparadas com
palavras que compõem a narrativa. A construção de sentido se define pela montagem do
filme, onde as imagens são manipuladas criando ritmo, espaço e tempo. Na montagem, a
narrativa se desenrola de modo coerente para o espectador; nela também se define a
linguagem e o estilo. E, por fim, som e espaço são os fatores que convencem o público da
sensação de realidade. Sua prioridade depende da narrativa, não sendo considerados apenas os
diálogos, mas também as trilhas sonoras, efeitos especiais e demais elementos presentes na
edição fílmica (EDGAR-HUNT; MARLAND; RAWLE, 2013, p. 166).
Esses são os principais recursos que devem ser utilizados harmoniosamente para uma
linguagem cinematográfica coesa, objetivando a comunicação das mensagens e uma melhor
experiência do público. Sob a perspectiva da linguagem cinematográfica, serão detalhados os
principais tipos de montagem para a compreensão do estudo de caso.

TÉCNICAS DE MONTAGEM

A montagem consiste em selecionar, ordenar, e ajustar os planos, criando sequências


narrativas coerentes para a formação de um filme. Pode ser definido também como a “a arte
de colocar um produto audiovisual em sua forma definitiva, selecionando e rearranjando as
imagens e os sons originalmente captados” (O EDITOR, 2013). Em primeiro lugar, é feita a
decupagem (seleção inicial dos planos), e, posteriormente, um refinamento dessa seleção para
construção da narrativa.
O trabalho de cada montador é distinto, resultando, na maioria dos casos, em várias
versões provisórias até que se chegue a versão final do filme, que é a versão de exibição ou do
diretor.
De acordo com o documentário The Cutting Edge (2004), um filme de Hollywood
capta cerca de 200 horas de material. Cada cena é composta por milhares de frames (quadros)
tornando o trabalho do montador extremamente minucioso. Para o diretor Quentin Tarantino
(THE CUTTING EDGE, 2004), um quadro para o montador é como a palavra para um
escritor, ou como uma nota para um músico. Alguns quadros a mais ou a menos em um filme

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podem romper a linha entre uma produção com a qual o público se identifique e outra de má
qualidade.
Na visão de Martin (2005, p. 167), a montagem pode ser dividida em narrativa e
expressiva. A montagem narrativa pode ser definida como montagem cronológica e mais
lógica, com a intenção de contar uma história sob o ponto de vista psicológico do espectador.
Já a montagem expressiva tem a finalidade de produzir um efeito direto por meio do choque
de duas imagens obtido pela justaposição dos planos. O tipo de montagem expressiva mais
conhecida é a montagem das atrações, que é o direcionamento do olhar do espectador por
intermédio da manipulação das imagens.
Retomando a caracterização da montagem narrativa é subdividida em quatro tipos,
sendo elas: linear, invertida, alterada e paralela. Na montagem narrativa linear, como o
próprio nome sugere, temos a apresentação cronológica das sequências. A montagem
narrativa invertida altera a ordem cronológica, podendo dar saltos ao passado ou futuro a fim
de aumentar a dramaticidade da narrativa. Já a montagem narrativa alterada caracteriza-se
pela mudança de perspectivas num mesmo acontecimento. Por último, a montagem narrativa
paralela trabalha com ações que não acontecem necessariamente ao mesmo tempo, entretanto
buscam travar significados entre si (MARTIN, 2005, p. 185).
O cineasta russo Sergei Eisenstein, um dos pioneiros no desenvolvimento da
linguagem cinematográfica, criou um método, classificando a montagem em cinco categorias.
A primeira delas é a montagem métrica, que consiste na extensão dos planos mantendo um
padrão proporcional. A tensão pode aumentar de acordo com o tamanho dos planos. Em
seguida, temos a montagem rítmica, na qual o movimento dentro do quadro é responsável por
impulsionar a montagem, tendo tanta relevância quanto o seu comprimento, estando
diretamente ligado ao ritmo do filme também ordenando espaço e tempo. Assim, situações
rápidas acontecem numa sequência mais rápida e dinâmica, enquanto situações de cunho
psicológico acontecem em sequências mais longas. A continuidade visual também é uma de
suas características.
A montagem tonal, então, baseia-se no tom geral do fragmento, ou seja, a montagem
deve determinar uma particularidade emocional da cena, de maneira que, conforme as cenas
mudam, o tom de cada uma deve também mudar. Enquanto isso, a montagem atonal combina

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as três montagens anteriores utilizando o comprimento do plano, o fragmento dentro do


quadro e as emoções das cenas para se obter maior impacto no espectador. E, finalmente,
temos a montagem intelectual, que consiste na junção das técnicas anteriores, com o
acréscimo de um sentido ideológico responsável por gerar alta carga emocional
(EISENSTEIN, 2002, p. 79).
Utilizando-se dessas técnicas, é possível montar um filme linear ou não linear. Em
uma montagem narrativa linear, os desfechos geralmente são previsíveis, o que não significa
que as histórias não sejam satisfatórias. Entretanto, o público sabe o que esperar deste tipo de
narrativa. “Na essência, espera-se e experimenta-se um resultado predeterminado que
associamos à narrativa linear” (DANCYNGER, 2002, p. 412). Contudo, ainda de acordo com
o autor, a narrativa não linear é imprevisível, podendo não haver um desfecho, não haver um
personagem com que o público se identifique, ou ainda existir personagens sem objetivos.

E aqui reside seu grande potencial estético, por causa dessa


imprevisibilidade, ela pode fornecer ao público uma experiência nova
e inesperada. Esse é o potencial estético da não linearidade –
experiências novas e imprevisíveis (DANCYNGER, 2002, p. 412).

O objetivo da montagem não linear é o de assegurar uma narrativa coerente. Os


instrumentos narrativos devem ser explorados, todavia, a estrutura é o mais fundamental,
sendo o fio condutor a escolha mais adequada para um filme não linear. Tendo o panorama
acima descrito como base, será feito o estudo de caso da montagem do filme Amnésia,
observando como as técnicas citadas auxiliaram na construção de sentido na obra.

ESTUDO DE CASO

O filme Amnésia (MEMENTO. Christopher Nolan. EUA: Newmarket Films, 2000) é


uma obra que desperta a curiosidade e que leva o espectador a querer desvendar os enigmas
junto ao protagonista. São diversas as técnicas de montagem que foram utilizadas nesta obra
como a montagem expressiva, narrativa expressiva, narrativa paralela, rítmica, e a intelectual.
A montadora do filme, Dody Dorn, afirma que “com sua cronologia reversa não linear,

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Memento trouxe o poder da edição para a consciência do público que vai ao cinema”
(KAUFMAN, 2004, online). O filme apresenta duas linhas narrativas: uma em preto e branco,
do passado, na ordem cronológica, e outra em cores, com a montagem inversa em relação ao
tempo.
O longa conta a história de Leonard Shelby, que sofre de uma condição mental que
não lhe permite lembrar fatos recentes. Sua última lembrança é do assalto que causou a morte
da sua esposa e causou sua presente condição de saúde, já que ele foi atingido na cabeça.
Leonard faz tudo para vingar sua esposa, mas, devido ao seu problema, cria métodos para
entender o que está acontecendo, utilizando-se de bilhetes, fotografias, anotações, arquivo
policial do assalto e tatuagens pelo corpo com pistas e informações que ele acredita serem
verdade. Devido ao seu problema de memória, Leonard é manipulado pelo detetive Teddy e
por Natalie, suposta amiga de Leonard. O espectador fica com sensação de amnésia enquanto
assiste, pois não se sabe como chegou a tal situação, sendo levado a confiar nas anotações,
fotografias e tatuagens do protagonista. Leonard conta a história de Sammy Jankis ao telefone
em uma narrativa paralela e em branco e preto, em que Sammy tem a mesma condição de
memória que a sua, entretanto a história de Sammy não acaba bem, ele mata sua esposa sem
querer aplicando o triplo de insulina nela por não se lembrar que já havia aplicado.
Assim, Leonard cria sua própria verdade para fugir da realidade e ter um propósito
para continuar vivendo, de modo que acaba manipulando os fatos que o levam ao assassinato
de Teddy.
O final (ou começo) mostra que a história de Sammy é na verdade a de Leonard (ele
matou sua esposa por excesso de insulina e foge desse peso buscando vingança por quem a
matou), e, ao descobrir a verdade – que a esposa sobreviveu ao assalto e que a matou sem
querer –, Leonard usa de sua condição para se vingar de Teddy. Sua vida é um constante
presente movido pela vingança.

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A história de Sammy Jankis é na verdade a de Leonard.

Amnésia inicia-se com a cena final, uma cena de assassinato montada na ordem
inversa, de trás para frente, dando indícios ao espectador de como a história será contada.
Entende-se também, na primeira imagem da fotografia se apagando, o estado de Leonard em
relação à sua capacidade de armazenar acontecimentos recentes.
A repetição das cenas intercaladas pelas conversas ao telefone foi de extrema
importância para se atingir a desorientação necessária ao público, sendo que, na segunda vez
em que a cena se repete, vê-se o que aconteceu para chegar ao acontecimento já mostrado.
Inicialmente, pode-se identificar no filme a montagem expressiva classificada por
Martin (2005) por meio do impacto e suspense causado em ambas as narrativas, apesar de
uma ser em ordem cronológica, devido ao modo como as imagens foram justapostas,
principalmente entre as sequências em preto e branco e as coloridas, esclarecendo
questionamentos da cena anterior na próxima sequência intercalada. Outra técnica
reconhecida é a montagem narrativa invertida na sequência em cores, onde a ordem
cronológica é alterada e a montagem é inversa. Logo, toda cena em cores de Amnésia começa
com o final da próxima cena. Encontra-se também a montagem narrativa paralela, em que a

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sequência em preto e branco montada em ordem cronológica mostra Leonard ao telefone


contando a história de Sammy Jankis, que tem uma condição semelhante à sua.

Leonard ao telefone em narrativa paralela.

Além disso, seu passado como investigador de seguro de saúde é explorado. Em


paralelo, tem-se a sequência em cores das ações de Leonard, contando o que o levou ao
assassinato de Teddy, o investigador.
Em certo momento do filme (1’19”), a cena da foto sendo revelada fica colorida,
indicando o encontro das narrativas, revelando as ações passadas de Leonard até o momento
em que ele manipula os acontecimentos para vingar-se de Teddy, usando-se de sua própria
condição para isto.

Encontro das narrativas.

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A história segue dali até o final toda em cores. A montagem rítmica de Eisenstein
também está presente no longa, destacando-se em várias cenas. Em uma cena (20”), por
exemplo, Natalie pede para que Leonard feche seus olhos e lembre-se de sua esposa. Os
cortes que se seguem são impulsionados pelas lembranças de Leonard, dando um ritmo
melancólico à sequência.

Natalie e Leonard na cafeteria.

Outra sequência com montagem rítmica se dá aos 49’24’’, em que Leonard está
correndo e não sabe se está perseguindo alguém ou sendo perseguido. Os cortes acontecem de
acordo com a perseguição e a visão de Leonard em determinado momento. Esta técnica foi
essencial para transmitir o dinamismo e o andamento adequados para a sequência.

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Leonard correndo sem saber o porquê.

Todavia, a montagem intelectual é predominante, pois tem-se uma alta carga


emocional com sentido ideológico que aumenta na medida em que a trama se desenvolve.
Assim como o público, Leonard não sabe o que o trouxe até ali, trazendo suspense e
instigando o espectador a cada cena. Desse modo, pode-se afirmar que foi essencial o papel da
montagem na resolução da narrativa, pois através das técnicas e métodos utilizados criou-se
esta história surpreendente, que não seria possível utilizando-se apenas da montagem clássica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para entender a montagem como uma etapa fundamental da criação de sentidos, foi
preciso estudar sua história e encontrar em seus pioneiros as bases dessa linguagem e
conciliar teoria e prática. Isso não significa que o montador não siga o roteiro, mas que ele
possui liberdade para alterar o ritmo, a duração das cenas e onde cortar.
Se o filme Amnésia fosse apresentado de maneira linear, ainda seria um filme policial,
porém, o suspense e a sensação de não saber onde o personagem está e o que está
acontecendo não seriam possíveis ao espectador e a conclusão da trama não seria tão
fascinante (ESTADÃO, 2001, online). Após a análise fílmica de Amnésia, compreendemos

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que as técnicas de montagem utilizadas trouxeram ritmo e suspense à obra, além de


proporcionar uma experiência imprevisível e excitante ao espectador por meio da montagem
não linear. Um claro exemplo desta observação é que até determinado ponto o espectador é
levado a acreditar em Leonard e em sua história, e, somente no final do filme (que,
linearmente, seria o começo) é que se mostra a verdade sobre o personagem e entende-se que
sua corrida atrás de John G. (Teddy) foi proposital.
Conclui-se, então, que a montagem pode alterar o sentido de uma obra audiovisual por
meio do modo como a narrativa foi construída (ou desconstruída, neste caso). Dessa forma,
este trabalho abre portas para maiores contribuições de pesquisa, a fim de que os estudos
nesta área sejam aprofundados, examinados e validados.

REFERÊNCIAS

AMNÉSIA. Christopher Nolan. EUA: Newmarket Films, 2000.

AUMONT, J. A estética do filme. Campinas, SP: Papirus, 2012.

DANCYNGER, K. Técnicas de Edição para Cinema e Vídeo: História, teoria e prática. São
Paulo: Elsevier, 2003.

EDGARD-HUNT, R.; MARLAND, J.; RAWLE, S. A linguagem do cinema. Porto Alegre:


Bookman, 2013.

EISENSTEIN, S. A forma do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.

ESTADÃO. Amnésia ganha versão linear em DVD. Disponível em:


https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,amnesia-ganha-versao-linear-em-
dvd,20011206p8081. Acesso em: 04 fev. 2020.

IMBD. 75 Best Edited Films of All Time: Motion Picture Editors Guild. Disponível em:
https://www.imdb.com/list/ls031302669/. Acesso em: 17 nov. 2018.

KAUFMAN, D. A Memento From Dody Dorn. Studio Daily, 01 jul. 2004. Disponível em:
http://bit.do/eBn2b. Acesso em: 17 nov. 2018.

MARTIN, M. A Linguagem Cinematográfica. Lisboa: Dinalivro, 2005.

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Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação

OEDITOR. Processos cinematográficos: Montagem. Disponível em:


https://oeditor.com/2013/03/18/serie-processos-cinematograficos-3o-montagem/. Acesso em:
04 nov. 2018.

REISZ, K.; MILLAR, G. A Técnica da Montagem Cinematográfica. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 1978

THE CUTTING EDGE: The Magic of Movie Editing. Wendy Apple. EUA: British
Broadcasting Corporation, NHK Enterprises e TCEP Incorporated, 2004.

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