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Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 1

Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 73
Bem-vindos à 73a aula de nossa Escola Tomista. Estamos na primeira aula do
Tratado da Arte do Belo. Antes de prosseguir, vocês devem notar que minha voz
está mal, eu venho de uma internação de doze dias, então peço-lhes paciência
para a minha voz, para a minha dificuldade de falar. Não sei quando voltarei – e
se voltarei – a ter a mesma fluência que tinha antes desta internação. Mas o fato
é que tenho de gravar já, imediatamente, três aulas, para que não se atrase a
Escola Tomista. Há alunos da Escola que acompanham cada ida ao ar da aula
semanal. Pois bem, então perdoem-me certa incapacidade oratória, mas tentarei
dar uma boa aula.

Antes de tudo, o estado da questão quanto à Arte do Belo. A Arte do Belo, como
mostrarei, é um gênero de Artes. Assim como, mutatis mutandis, a Retórica é
um gênero que tem várias espécies ou subgêneros (o gênero epidíptico, o
deliberativo, o judiciário), assim também, mutatis mutandis, a Arte do Belo é um
gênero cujas espécies, até hoje, são: a Literatura, o Teatro, o Cinema, a Dança,
a Música, a Escultura, a Pintura e, em parte considerada, a Arquitetura. A
Arquitetura é uma Arte anfíbia: ela, por um lado, é Arte Servil, por outro lado ela
é Arte Liberal do Belo. Mas isso já o veremos.

Naturalmente, tudo quanto eu der neste Tratado aqui, em nossa Escola Tomista,
está desenvolvidíssimo em meu livro Da Arte do Belo, que foi meu livro mais
difícil de escrever, exatamente porque tive de... deparei com um estado de
questão irresoluto, não estava resolvida a questão, como já se verá. E tive de
empenhar-me por estabelecer, por – se se quiser – por fundar uma nova ciência:
a ciência do gênero que é a Arte do Belo. E é esta fundação a que lhes darei
aqui nessas próximas aulas, a partir de hoje. Relembrem-se que, assim que
terminarmos o Tratado da Arte do Belo, já passaremos para o importantíssimo
Tratado da Física Geral.

A importância dessas espécies de artes do Belo, repita-se: Literatura, Teatro,


Cinema, Música, Dança, Pintura, Escultura, em parte, a Arquitetura – é inegável
na história mesma do homem. Vimos, por um lado, que a Lógica é um todo de
partes integrais, por um lado, e um todo de partes potenciais, por outro. De partes
integrais porque são capítulos seus os Predicáveis (o Tratado dos Predicáveis),
o Tratado dos Predicamentos ou Categorias, o Tratado da Enunciação ou da
Interpretação, como quiserem, é o Peri Hermeneias, e os dois Tratados da
Demonstração (os Analíticos Anteriores e os Posteriores). Estas partes, que são
integrais, são como capítulos da Lógica. Mas a Lógica também tem suas partes
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potenciais. Uma, mais próxima dela, já a vimos, que é a Dialética ou Tópica, e


duas mais distantes dela, progressivamente mais distantes: primeiro, a Retórica
e, em último lugar, o que eu chamo Da Arte do Belo.

Por outro lado, é-nos evidente, pela história do homem, a importância dessas
Artes. Vemos a Bíblia referir-se, já no Gênesis, seu primeiro livro, a invenção,
pelos descendentes de Jubal, da Arte da Música, a arte de tocar lira e flauta.
Vemos, por outro lado, que, na Grécia, dois poemas, duas epopeias –a Ilíada e
a Odisséia, de Homero – são, para os gregos, como sua Bíblia. É a partir delas
- a partir destas duas epopeias, que entram no âmbito da Literatura - a partir
destas duas epopeias que o Grego Antigo forja seu sistema ético, moral e até
político, em parte. Aquilo que hoje, meio despectivamente (de modo injusto) se
chama A Moral Aristocrática Grega, se fundava sobre dois poemas, sobre dois
poemas, sobre dois longos poemas. Se dermos um salto, agora, e formos para
o Império Romano, veremos que Virgílio, ao compor, ao escrever sua Eneida,
como que dá um alicerce, como que participa da fundação de Roma, do Império
Romano. Aliás, este poema é feito claramente para isto, para servir de
fundamento ao Império que nascia. Pode dizer-se, então, de certo modo, que
Virgílio é co-fundador de Roma.

Se dermos um salto agora ainda bem maior e formos para a Cristandade,


sobretudo a Cristandade que começa a partir da queda do Império Romano,
veremos que as Igrejas, os templos cristãos, são como museus: neles, não só a
própria arte da Arquitetura é considerada Arte do Belo, senão que esta
Arquitetura, como se fora um museu, abriga muitas outras Artes do Belo. Nos
vitrais está a Arte da Pictórica, está a arte da pintura nos retábulos, também.
Está a arte da Escultura, está a Arte da Música – primeiramente no Canto
Gregoriano ou similares, para depois dar lugar também ao Canto Polifônico, que
surge no século XIII, com Pérotin e Léonin. São eles, ao que parece - pelo menos
em certa parte da Europa - os que primeiro apresentam a polifonia na música
litúrgica. Então, temos as igrejas, os templos cristãos, como museus em ordem
à salvação das almas. Os vitrais, nas grandes igrejas góticas servem para ilustrar
para os iletrados a História Sagrada. Ali, os iletrados, aqueles que não sabiam
ler, podiam ver a História Sagrada, e de forma artística. Então nós vemos uma
conjunção das Artes do Belo a serviço de algo bom, a serviço de um bem. Que
bem é este? O bem supremo, a salvação das almas. Vejam então que as duas
grandes epopeias homéricas também se ordenavam a fazer propender ao bem,
à verdade. Assim também a Eneida. Mas obviamente, é no âmbito do
Cristianismo que as Artes atingem seu ápice, o que se entenderá melhor ao fim
de nosso Tratado aqui.

Estas artes, agora, ordenam-se, fazem propender ao bem e à verdade


supremos, que são Deus mesmo e a salvação das almas. Como veremos ao
estudar a Teologia Sagrada, o fim último do homem é Deus, e pode ver-se de
duplo ângulo: ou Deus, em Si mesmo, ou a fruição de Deus. Então, Deus é o fim
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último do homem em Si mesmo, mas também enquanto permite que o homem


que se salve frua, usufrua, desfrute dele por toda a Eternidade.

Então vejam que estas Artes, na Idade Média, faziam propender a isto. Mas isto
prossegue! Não é só na Idade Média. Depois, como resultante do Concílio de
Trento, por um lado, e da atividade dos jesuítas, por outro, temos o surgimento
do Barroco. A Arquitetura Barroca tem o mesmo fim: contribuir para a salvação
das almas, em ordem à salvação das almas. Então nós temos uma identidade
entre estas Artes do Belo. Repita-se quais são até hoje porque, como todo
gênero, ele está em potência para o surgimento para novas espécies. Veja-se o
caso, por exemplo, da Arte do Belo mesmo: o Cinema, a chamada Sétima Arte.
Ele surge muitos milênios depois de surgir todas as demais Artes do Belo. Mas
então, repita-se, as Artes do Belo, as espécies do gênero da Arte do Belo são: a
Literatura, o Teatro, o Cinema, a Música, a Dança, a Pintura, a Escultura e, em
parte, como já disse, a Arquitetura.

Parece, no entanto, estranho, que nós tenhamos uma ciência da Arte do Belo
que seja supra, que esteja acima das próprias espécies de Arte do Belo. Por
quê? Porque toda e qualquer Arte, como venho dizendo desde quase o início da
Escola Tomista, toda e qualquer Arte já tem sua parte de ciência, é a sua parte
teórica. É nesta parte que ela trata seu sujeito – lembrem-se, o sujeito da arte, a
ciência e a arte têm seu sujeito – em universal. E exatamente porque trata seu
sujeito em universal, ela tem esta parte que é uma parte científica, não
propriamente artística. A parte artística de toda e qualquer arte, que é a principal,
obviamente, ela visa a produzir algo, algo individual, algo concreto. Mas para
fazê-lo, toda e qualquer arte tem de ter uma parte científica onde ela trata seu
sujeito em universal. E já vimos que tratar algo em universal é o que é próprio da
ciência.

Então, se toda e qualquer espécie da Arte do Belo tem sua parte de ciência, qual
a função de uma ciência genérica da Arte do Belo? Não se vê! E parece
contraditório. E este “parecer contraditório” aumenta se notamos que, até agora,
ninguém tinha estabelecido ou fundado uma ciência do gênero da Arte do Belo.
Eis o drama, eis o nó, eis a questão central com que me deparei ao escrever o
livro Da Arte do Belo e que desfiarei – desfiarei este nó – aqui para vocês, na
medida do possível.

Mas, exatamente porque ninguém estabeleceu esta ciência, a ciência da Arte do


Belo, é preciso, então, percorrer a História da Filosofia para ver por que não foi
feito, ou até para ver se nos escapou por engano a fundação dessa ciência por
algum grande filósofo. Asseguro-lhes – faço aqui uma pequena digressão – que,
para mim, foi altamente gratificante escrever o livro Da Arte do Belo.

Sem dúvida alguma, a Retórica já estava fundada por Aristóteles, como vimos;
sem dúvida alguma, a Dialética já estava fundada por Aristóteles, como vimos;
sem dúvida alguma, a Lógica já estava fundada por Aristóteles, como vimos. E,
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no entanto, nem Aristóteles, nem Santo Tomás, nem sequer o nosso


contemporâneo, Padre Álvaro Calderón haviam estabelecido ou fundado a
Ciência da Arte do Belo. Mas exatamente porque parece que ninguém o fez, é
que precisamos ver se ninguém o fez mesmo. Lembrem-se que a primeira
pergunta a respeito de uma ciência é An sit, “se existe”. É a primeira pergunta.
E é o que vamos começar a ver hoje: se existe a Ciência da Arte do Belo apesar
de que tudo indica que não, que até hoje não houvesse tal ciência. Mas é preciso
desconfiar de nossas percepções, é preciso insistir na coisa. Então é preciso
começar a acompanhar a História da Filosofia quanto às Artes do Belo.

Havíamos de começar - nesta parte referente a se existe a ciência das Artes do


Belo, havíamos de começar por Platão e, em seguida, tratar Aristóteles. Como
se verá, toda a História da Filosofia relativa às Artes do Belo gira, de um modo
de outro, mais ou menos, em torno de Platão e de Aristóteles. Aparentemente
há um conflito insuperável entre Platão e Aristóteles: Platão, como aquele que
quer banir da cidade, banir da República, as Artes do Belo, ao passo que
Aristóteles, em seu livro Poética, em sua Poética, ao contrário. Não só na
Poética, mas também no livro oito da sua Política, parece sustentar o contrário
de Platão: que as Artes do Belo têm lugar efetivo, necessário na sociedade como
o primeiro degrau a que se segue a Retórica e depois a Dialética e depois a
Lógica, já vimos isso.

Mas terá Aristóteles perfeita noção de que se trata de um gênero? Não. Vejam
o nome de seu livro, Poética. A Poética é pouco mais ou menos do que hoje
chamamos Literatura. Mas não nos apressemos! Comecemos por Platão. E para
entender a visão de Platão com relação às Artes do Belo, é preciso entender sua
visão metafísica. Na verdade, ele chamava sua Metafísica de Dialética. Não tem
nada a ver com a Dialética Aristotélica. Era a Dialética que nos permitia alçar-
nos ao conhecimento das ideias no Hiperurânio, das ideias perenes. E ele vai
dizer em seu livro A República que as Artes do Belo devem ser banidas da
cidade, da República. Por quê? Por que, para Platão, o que a Poética, a Música
e a Pintura dão é algo afastado duas vezes da verdade. É um simulacro. Não é
a própria verdade, não é o conhecimento das ideias do Hiperurânio, não é. Ao
contrário, é uma contrafação do conhecimento da verdade, é uma contrafação
da verdade. E o artista, como que dominado por forças que lhe são superiores,
compõe suas obras de modo triplamente afastado da verdade. São sombras.
Ora, a República ideal, para Platão, deve fundar-se na verdade. Tanto é assim
que ele vai dizer que o dirigente da cidade ideal, o dirigente da república ideal é
o rei-filósofo. Ora, se a cidade deve estar regida pelo filósofo é porque ela deve
fundar-se na verdade. Mas as Artes do Belo (que eu chamo as Artes do Belo, e
ele não as chamava assim, obviamente), está duplamente - ou triplamente,
depende do ângulo que se tome – afastada da verdade, razão por que induz as
pessoas ao erro, ao engano, à inverdade, à falsidade. Esta é a posição dada por
Platão quanto ao que chamo As Artes do Belo, em seu livro, A República.
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Aparentemente está errado porque, como já cansamos de ver, as Artes do Belo


fazem propender à verdade e ao bem sendo, com isso, um primeiro degrau da
nossa escadinha que vai terminar na Ciência: Artes do Belo – Retórica – Lógica
– Ciência.

Parece duro. Veremos adiante que, no essencial, tinha razão Platão. Mas isso
se verá adiante. Platão, como diz o Padre Calderón em seu livro magnífico, El
Reino de Diós, é como que um profeta pagão da Igreja, um prenunciador pagão
da Igreja. E todas as suas aporias, todos os seus exageros, todas as suas
excrecências (seus exageros), só se davam porque ele não vivia em condições,
no ambiente pagão em que vivia, de solucionar todas essas dificuldades. Daí
sua tendência a certo exagero. Mas se ele visse a Igreja, diria: ‘É com isto que
sonhei”. Mas mesmo vivendo em seu restrito ambiente pagão – e voltarei a este
assunto, ao assunto de Platão como um antevisor, um como profeta pagão da
Igreja – ele mesmo, em seu livro As Leis, já atenua a dureza com que havia
tratado as Artes em seu diálogo A República. Ele atenua. E de que modo ele o
faz? Dizendo que se o que chamamos de As Artes do Belo se põem a serviço
da verdade, terão então seu lugar na cidade, terão então seu lugar na república.
Aliás, a relação entre o livro A República e Leis é esta mesma: As Leis, em geral,
atenuam um pouco certa dureza de princípio com que Platão trata várias coisas
nA República.

Mas vejam: esta posição platônica que é dada nAs Leis, e que é a última palavra
do nosso grande filósofo a respeito do assunto é, na verdade, o ponto de partida
de Aristóteles em sua Poética, e no livro oito da Política, em que trata da Música.
Não há, portanto, contra o que se quis ver, ao longo dos séculos, não há
confronto, senão secundário, entre Platão e Aristóteles com relação a este tema
que estamos tratando. Também Aristóteles, é dele, é aristotélico isto, o dizer que
a boa Música, a boa Poética, que a boa Literatura só são boas se fazem
propender à verdade e ao bem. E é exatamente isto que dizia o Platão dAs Leis.
Não é aqui que se vai encontrar grande confronto entre Platão e seu melhor
discípulo, que é Aristóteles. O problema é que Aristóteles, conquanto nos ilumine
grandemente o assunto, nos lança também no meio de uma selva escura, nos
lança no meio de uma dificuldade filosófica imensa.

Em seu livro Poética, logo no início, ele vai dizer que a Poética – quando ouvimos
Poética, entendemos Poética por Literatura, é isto que entendemos – que a
Literatura tem por traços, tem por característica, a μίμησις, mímesis, em grego,
mimese, de que a Poética imita caracteres, ações e paixões. Este é o próprio da
Poética: imitar mimeticamente, mimetizar ações, paixões e caracteres. E quando
ele fala Poética, e o título do livro é Poética, ele nos remete à Fábula, e a Fábula
nos remete ao que chamamos hoje de Literatura. Sucede, porém, que no próprio
índice do livro, ele diz que também a Música e também a Dança imitam ações,
caracteres e paixões. Ora, se o próprio da Poética é também o próprio da Música
e da Dança, ou seja, imitar, mimetizar caracteres, ações e paixões, então é
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porque essas três Artes constituem espécie de um gênero. E isto - imitar ações,
caracteres e paixões – é o que é próprio genericamente de todas essas Artes.

Fica confuso - lendo a Poética e lendo o livro oito da Política - fica difícil entender
se Aristóteles incluía, entre essas Artes, a Pintura e a Escultura. Parece que não.
Parece que ele as excluía deste grupo. Mas, seja como for, o fato é que se ele
diz que o próprio da Poética é também o próprio da Música e da Dança, ou seja,
imitar caracteres, ações e paixões, então não se pode escapar a que se trate de
um gênero. Qual não é, porém, nossa grande frustração, ao ler toda a Poética e
ele não voltar a falar de Música e de Dança, e só falar de Música no livro oito da
Política? Ou seja, essa disjunção parece indicar que ele não as via como um
gênero, mas, por outro lado, parece que ele as via como um gênero ao dizer que
as três Artes, a Poética - que para Aristóteles incluía o que nós chamamos de
Literatura e Teatro, incluía as duas coisas - mas ao mesmo tempo parece que
ele as considera como um gênero já que as três – a Poética (ou seja, Literatura
e o Drama), assim como a Música e a Dança têm por próprio a mimese, a
imitação de caracteres, ações e paixões.

Está posto um problema. Aristóteles lega-nos um problema; ele não nos resolve
um problema. E quando ele vai falar das partes potenciais da Lógica, ele só fala
da Poética, ou seja, da Literatura e do Teatro. Vejam o tamanho do problema:
se a Poética é a parte potencial ínfima da Lógica e a Poética se cinge ao Teatro
e à Literatura, onde enquadrar a Música e a Dança? Isto se não se considera,
ademais, a Pintura, a Escultura e a Arquitetura (naturalmente, o Cinema ele não
poderia tratar). Mas ele nos lega um problema. Claro que ele também, ao pôr a
Poética como a parte potencial ínfima da Lógica, e ao dizer que a Poética tem
por próprio a mesma coisa que têm por próprio a Música e a Dança, ele já como,
ainda que sem saber, não sei, ele já nos dá a solução do problema. Mas o fato
é que sua Poética é lacunar e não parece que ele pretendesse tratar dessas
outras Artes em sua obra Poética, até porque, repita-se, ele trata da Música no
livro oito da Política, vejam que interessante! Mas vejam, também, a intrínseca
relação entre as Artes do Belo, essas Artes do Belo, e a Política. Ele se vê
obrigado a tratar, no livro sobre a Política, que é a Arte ética arquitetônica, ele
se vê obrigado a tratar ali da Música, da importância da Música para a cidade. É
uma continuação, repita-se, da atenuação, digamos assim, platônica, quanto às
Artes que se encontram nAs Leis.

Este é o estado da questão que legaram os dois grandes filósofos quanto a estas
Artes. Este é o estado da questão. E, mais ou menos, doravante, todos ficarão
um pouco com Platão ou um pouco com Aristóteles. É em torno dos dois que
girarão todas as discussões sobre essas Artes. Mas o surpreendente é que,
como se verá, apesar de vários filósofos e teólogos posteriores a Platão e a
Aristóteles tratarem estas diversas Artes – Música, Pintura, Escultura, Poesia,
Literatura, etc. e tal – e apesar de dar-lhes como próprio algo comum, o fato é
que, impressionantemente, ninguém vai propor fundar, estabelecer uma ciência
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da Arte do Belo, uma ciência genérica que trate todas essas Artes como gênero,
assim como podemos ter a ciência do animal, do gênero animal, que engloba
tanto a espécie dos brutos, como a espécie do homem.

É bem verdade que depois de Aristóteles, e com a decadência da filosofia que


se seguiu, o assunto ficou um pouco embrulhado e, mesmo os grandes doutores,
os grandes teólogos cristãos se enredarão um pouco neste assunto. Por quê?
Porque, antes de tudo, haverá uma grave confusão posterior à morte de
Aristóteles, uma grave confusão entre três Artes: a Gramática, a Poética e a
Retórica. Então é como se estas três Artes fossem como uma só, enquanto a
Música, etc., são outras Artes. Claro que são outras Artes, mas não como se
compusessem o mesmo gênero! E isto se verá mesmo nos maiores. Por
exemplo, Boécio. Boécio e Santo Agostinho. Eles deram grandíssimas
contribuições, mas muito grandes contribuições para a compreensão da Música.
Eles desenvolveram profundamente a Música. O livro De Musica, em latim, de
Santo Agostinho é um primor! É um primor! Eu o desfio ao longo de páginas e
páginas em meu livro, é um primor! Mas, por outro lado, confundem-se, de certa
maneira, Gramática, Retórica e Poética. Gramática entendida no sentido
aristotélico, ou seja, incluindo Literatura e Drama (Teatro). Então, vejam, aquela
ordenação que nos foi legada por Aristóteles, das partes potenciais da Lógica –
Poética, por um lado, primeiro, depois Retórica, depois Dialética – vai confundir-
se grandemente. Em alguns, confunde-se até, tudo isso, com a mesma Dialética.
Tudo isso decorrente do Estoicismo. Os estoicos primavam por esta confusão.
Não sei se os que leram meu livro Suma Gramatical da Língua Portuguesa, hão
de ter visto que todo o meu esforço é para combater este legado estoico no
âmbito da Gramática. Toda esta confusão entre Dialética, Retórica, Poética e
Gramática. Uma grande confusão! Uma indistinção que não ajuda, de modo
algum. Então, repita-se: não é que nossos doutores, patrística, etc., não tenham
dado grandes contribuições, e Boécio, Cassiodoro, etc., grandes contribuições a
esta ou àquela Arte. Mas o fato é que, mesmo os maiores, como Santo
Agostinho, padeciam ainda certa indistinção entre Retórica, Gramática e Poética
e punham, curiosamente, ao passo que, claramente, hoje sabemos, nós vemos
isto, Aristóteles mostrou que a Retórica não é a mesma coisa que a Poética, mas
que a Retórica tem muita similitude com o quê? Com a Música, como o próprio
Aristóteles nos mostra logo no início da sua Poética, ao dizer que todas essas
Artes têm por próprio o imitar caracteres, ações e paixões. Vejam o imbróglio em
que estamos. Eu não devo, aqui, perder tempo, na Escola Tomista, temos
matérias complexíssimas, como a Física Geral, que nos vai tomar bastante
tempo, depois a Metafísica, depois a História da Filosofia e depois a Teologia
Sagrada, eu não posso deter-me a descrever as minudências que estão postas
em meu livro Da Arte do Belo. Mas termino esta aula indicando algo
impressionante: a certa altura da história da escolástica, dois filósofos, teólogos,
voltaram a distinguir essas coisas. Um foi Hugo de São Vitor, que volta a
distinguir Poética, Gramática e Retórica, mas o faz sendo ainda mais duro com
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as Artes do Belo do que fora Platão em sua República. É certo desprezo por
estas Artes. Quem melhor faz, no âmbito da Escolástica, é o espanhol
Gundisalvo. Gundisalvo era muito influído pelos filósofos árabes. E os filósofos
árabes, conquanto deformassem, deturpassem a doutrina aristotélica em vários
pontos, em outros pontos mantinham com correção esta mesma doutrina. Este
influxo sobre Gundisalvo foi benéfico, ao ponto de ele, não só, novamente,
distinguir todas essas disciplinas, mas não desprezar as Artes do Belo, ao
contrário.

Mas ele mesmo, que deu este grande passo, o mesmo Gundisalvo, vai,
curiosamente, tratar a Poética, vai curiosamente tratar a Música com
profundidade, e não vai enquadrá-las num mesmo gênero artístico. Ademais,
Gundisalvo, por avançado que estivesse quanto a isto, não era Santo Tomás de
Aquino. Será com Santo Tomás de Aquino que teremos de novo uma distinção
perfeita entre Gramática, Poética, Retórica, Dialética. É ele quem vai distinguir
perfeitamente todas as disciplinas, aristotélico que era, perfeitamente. Mas
tampouco o nosso grande Santo Tomás de Aquino será capaz de dar-nos, de
estabelecer uma ciência do gênero da Arte do Belo. Naturalmente, Santo Tomás
tinha mais o que fazer; ele tinha que escrever a Suma Teológica, não ia deter-
se sobre isto. Mas, certa confusão, herdada da Poética de Aristóteles, certa não-
percepção de que a Música, a Pintura, a Escultura, a Dança, a Literatura, o
Teatro são parte de um mesmo gênero, que, portanto, constituem, em conjunto,
a parte potencial ínfima da Lógica, isto não nos diz tampouco Santo Tomás de
Aquino. Depois de Santo Tomás de Aquino temos o que se pode considerar a
filosofia moderna, já a partir de Duns Scot. Mas isto é assunto para a próxima
aula. Espero que tenha sido uma boa aula, muito obrigado pela atenção e até a
nossa próxima aula.

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