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Acordes em Bloco Na Versão de Antonio Adolfo 2018

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VERONEZE, Guilherme B.; KORMAN, Clifford Hill. (2018).

Acordes em bloco na versão de Antonio Adolfo para a música Gaúcho (Corta-jaca),


de Chiquinha Gonzaga. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.3. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana
Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som, p.259-272.

ISBN: 978-85-60488-25-4

Acordes em bloco na versão de Antonio Adolfo para a música


Gaúcho(Corta-jaca), de Chiquinha Gonzaga

Block chords in Antonio Adolfo's version of the song “Gaúcho” (“Corta‐jaca”),


by Chiquinha Gonzaga

Guilherme Braga Veroneze Gomes


Universidade Federal de Minas Gerais
gveroneze@gmail.com

Clifford Hill Korman


Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
clifford.korman@unirio.br

Resumo: Neste artigo apresentamos uma análise do recurso “acordes em bloco” na versão do pianista Antonio
Adolfo para a música Gaúcho (Corta-jaca) de Chiquinha Gonzaga, lançada no CD Chiquinha com Jazz (1997,
Artezanal, Kuarup). Nosso objetivo é destacar o uso do recurso como opção de arranjo para o intérprete de música
popular. O termo arranjo é brevemente discutido no contexto da música popular a partir de ARAGÃO (2001) e
NASCIMENTO (2011). Para dar suporte à análise, discorremos sobre (1) possibilidades de construção dos blocos
(tipos); (2) harmonização de notas da melodia que não pertencem ao acorde (notas não harmônicas) e (3)
substituições de notas do acorde por notas de tensão harmônicas. Os exemplos são apresentados com foco no uso
do recurso ao piano. A análise e parte da bibliografia utilizada podem motivar o estudo prático dos acordes em
bloco, bem como sua aplicação em diferentes repertórios.

Palavras-chave: acordes em bloco ao piano; arranjo na música popular; piano popular brasileiro; Chiquinha
Gonzaga e Antonio Adolfo.

Abstract: In this article, we present an analysis of the resource block chords in Antonio Adolfo’s version of the
song “Gaúcho” (“Corta-jaca”) by Chiquinha Gonzaga, released on CD Chiquinha com Jazz (1997, Artezanal, Kuarup).
Our objective is to highlight the use of the resource as an arrangement option for the popular music performer.
The term arrangement is discussed briefly in the context of popular music from ARAGÃO (2001) and NASCIMENTO
(2011). To support the analysis, we discuss (1) the possibilities of building the blocks (types); (2) harmonization
of melody notes that do not belong to the chord (non-harmonic tones) and (3) substitutions of chord notes by
harmonic tension notes. The examples are presented with a focus on applying the resource to the piano. The
analysis and part of the bibliography used can motivate the practical study of block chords as well as their
application in different repertoires.

Keywords: block chords on the piano, popular music arrangement, Brazilian popular piano, Chiquinha Gonzaga
and Antonio Adolfo.

1 - Introdução

O recurso de arranjo acordes em bloco é utilizado para a escrita em vozes de naipes


instrumentais ou vocais. Nele, “as vozes entoadas pelos instrumentos ou canto tocam na mesma
divisão rítmica e representam o som do acorde” (GUEST, 1996, p.69). Seu uso ao piano se

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de Chiquinha Gonzaga. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.3. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana
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popularizou em estilos de música popular nos meados do século XX principalmente nos Estados
Unidos.

Na versão de Antonio Adolfo para a música Gaúcho (Corta-jaca) presente no CD Chiquinha com
Jazz (1997, Artezanal, Kuarup) os acordes em bloco conferem densidade harmônica e
sonoridade diferenciada à obra. A formação instrumental é piano, violão, contrabaixo e bateria
e a melodia é realizada integralmente pelo piano. Além dos acordes em bloco, podemos
destacar os seguintes elementos do arranjo: harmonização, células rítmicas do
acompanhamento, variações melódicas e uma seção central de improvisação do piano.

Os objetivos deste artigo são: (1) explicitar como se deu a construção dos acordes em bloco na
versão; (2) apresentar algumas características da construção do recurso apontando-o como
opção de arranjo para intérpretes de música popular; (3) expor as implicações do uso recurso
na música e (4) contextualizar o termo arranjo na esfera da música popular. A metodologia
utilizada foi a de transcrição a partir de áudio e análise musical.

1.1 - A obra e o arranjador

O Gaúcho estreou no Teatro Éden Lavradio (Rio de Janeiro) em agosto de 1895 como número
de dança na cena final da opereta burlesca de costumes nacionais Zizinha Maxixe, de Machado
Careca. Em 1904, atingiu sucesso quando inserido na peça de teatro de revista Cá e Lá e se
tornou a música mais gravada da compositora (MARCÍLIO, 2009, p.50). Chiquinha Gonzaga 1
também escreveu uma versão para canto e piano e outra para pequena orquestra.

A música se popularizou no Rio de Janeiro da época e desde então é parte do repertório do


choro e da música instrumental brasileira, tendo recebido arranjos de nomes importantes como
os pianistas Arthur Moreira Lima, Cliff Korman 2, Leandro Braga e Radamés Gnatalli, além de
ter sido objeto de estudo de vários trabalhos acadêmicos.

1 Vários trabalhos se dedicaram à biografia da compositora. Destacamos DINIZ (1999), MARCÍLIO (2009) e o site
www.chiquinhagonzaga.com.
2 Cliff Korman é o segundo autor deste artigo.

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Antonio Adolfo Maurity Sabóia nasceu no Rio de Janeiro em 1947 e começou sua carreira
profissional em 1963 como pianista do conjunto Samba Cinco, ano que criou também o Trio 3-
D. O músico é reconhecido como compositor, intérprete e educador. Lançou em 1977 o selo
Artezanal dedicado à produção independente de música pelo qual lançou várias gravações com
composições próprias e releituras. Trabalhou com Elis Regina, Edu Lobo, Chico Buarque, entre
outros. Em 1985, fundou o Centro Musical Antonio Adolfo no Rio de Janeiro. É autor de livros
didáticos como O Livro do Músico (1989, Lumiar Editora) e Harmonia e Estilos para Teclado
(1994, Lumiar Editora).

O CD Chiquinha com jazz rendeu o Prêmio Sharp (atualmente Prêmio da Música Brasileira) na
categoria música instrumental/arranjador para Antonio Adolfo em 1998 (11ª edição do
evento) e é o segundo trabalho 3 do pianista dedicado à compositora. Adolfo atuou como
arranjador e pianista em todas as faixas; os outros integrantes das gravações foram Claudio
Spiewak (violão), Gabriel Vivas (contrabaixo) e Ivan Conti (bateria).

1.2 - Considerações sobre arranjo

Como visto, o arranjo da versão escolhida para análise neste artigo é assinado pelo também
intérprete Antonio Adolfo. Uma vez que estamos discutindo o recurso de arranjo acordes em
bloco como opção para o intérprete de música popular, é coerente delimitarmos o termo
arranjo bem como tecermos breves considerações sobre o assunto.

O entendimento de arranjo nesta pesquisa está alinhado com o de ARAGÃO (2001, p.18) que o
compreende como processo inerente à produção da música popular. A palavra “produção” aqui
será entendida como o “processo criativo” da música popular. Neste, é preciso que se considere
a dinâmica de uso e transmissão do material musical de uma obra entre compositor, arranjador
e intérprete na qual o compositor, comumente, determina alguns elementos no ato da
composição e deixa outros a cargo dos demais agentes envolvidos no processo.

3 Em 1985, Adolfo lançou o LP Viva Chiquinha Gonzaga com 11 músicas da compositora incluindo outra versão
do Gaúcho.

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A finalização da música fica então sob responsabilidade do arranjador que, em boa parte das
vezes, também não determina todos os elementos a serem tocados e sugere ou faz indicações
abrangentes, por exemplo em relação ao ritmo ou à harmonia. Neste caso, o intérprete fica
responsável em finalizar a música (em uma espécie de parceria com os outros dois agentes). Há
ainda outro caso, foco de nosso trabalho, no qual o intérprete assume também a função de
arranjador.

O arranjo pode ser entendido, então, como essencial na realização da música popular sendo ele
feito pelo compositor, arranjador e/ou intérprete. Uma prática muito comum, ainda no
contexto da música popular, é a releitura de músicas já lançadas. De acordo com ARAGÃO
(2001, p.17), não há definição exata acerca de quais elementos vão constituir o original de uma
obra, pois “não há compromisso tão formal em relação ao modo de utilização desses
elementos...”. Podemos destacar, então, a flexibilidade existente na música popular com o
próprio material musical de uma obra e o importante papel representado pelo arranjo na
realização de uma versão.

NASCIMENTO (2011, p.6) defende que a situação criativa que possibilita ao arranjador ter uma
maior visibilidade de seu trabalho é justamente a recriação instrumental de clássicos do
repertório. O autor acredita ser “na releitura de algo já comunicado que a marca estilística do
arranjador pode ser verificada mais de perto, mesmo pelo ouvinte comum...”. Assim, o trabalho
de Adolfo com sua versão do Gaúcho é o de intérprete que assume papel de arranjador na
realização de uma versão de um clássico do repertório nacional.

2 - Acordes em bloco

Como mencionado, nos acordes em bloco, a melodia é harmonizada com notas de mesma
divisão rítmica e que representam o som do acorde. Em geral, é utilizado em trechos melódicos
com predominância de graus conjuntos. Neste item, iremos apresentar algumas características
deste recurso encontradas na análise da versão. Optamos por ilustrá-las em um mesmo
exemplo musical retirado do repertório norte-americano adaptado a cada situação.

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de Chiquinha Gonzaga. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.3. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana
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Destacamos que as características abordadas neste item contemplam a construção de blocos


em naipes e também para o uso ao piano, assim sendo, iremos diferenciá-las quando necessário.
Abordaremos os seguintes aspectos: (1) tipos de construção dos blocos; (2) harmonização de
notas que não pertencem ao acorde (notas melódicas) e (3) substituições de notas do acorde
por notas de tensão harmônicas.

O uso dos acordes em bloco ao piano se popularizou nos Estados Unidos, durante as décadas
de 1940 e 1950, onde “muitos pianistas desenvolveram uma maneira de tocar melodias
harmonizadas com as duas mãos que ficou conhecida como locked hands 4 ou block chords”
(acordes em bloco) (VALERIO, 2005, p.26 5 ). MEHEGAN (1964, p.129), escreveu que “... a
sonoridade advinda desta técnica remete a uma das grandes inovações de arquitetura na
história do piano jazz...”.

O tipo de um bloco é determinado pela distância entre suas notas. A posição fechada é o tipo na
qual “as notas do bloco estão próximas umas das outras, separadas por intervalos de terça ou
quarta” (GUEST, 1996, p.69). Neste tipo, as notas estão mais próximas possíveis mantendo a
ideia de acorde e sem cair na identidade de cluster (segundas).

As notas da melodia que não pertencem ao acorde indicado na cifra podem ser harmonizadas
das seguintes maneiras: (a) considerada substituta da nota de acorde imediatamente inferior;
ou (b) com acordes dominantes; ou (c) com acordes de aproximação diatônica ou, ainda, (d)
com acordes de aproximação cromática (GUEST, 1996). Vamos exemplificar os itens (b) e (d)
que são os utilizados por Adolfo na versão.

O item (b) se dá com a construção de um bloco contendo o trítono do acorde dominante ao


indicado na cifra. Ao piano, é comum o uso de um acorde diminuto contendo este trítono. A
seguir, na Figura 1, trecho da música Always (Irving Berlin) com o recurso acordes em bloco em
posição fechada. A nota Sib (última colcheia do c.1) não pertence ao acorde de Ab6 e atua como

4 O termo locked-hands será discutido adiante.


5 Todas as traduções das citações de trabalhos em inglês são dos autores deste trabalho.

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Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som, p.259-272.

nota de passagem. Podemos notá-la, ainda na Figura 1 harmonizada de forma dominante


(circulada em azul).

Figura 1: Trecho de Always (Irving Berlin) com a melodia em bloco em posição fechada e a nota de passagem Sib
harmonizada com acorde dominante ao acorde de Ab6 (em azul) (Adaptado de LEVINE, 2006, p.9).

A aproximação cromática, item (d), pode ser aplicada onde a nota de passagem da melodia
alcança a nota de acorde por semitom. O bloco é formado, então, pelas vozes deslocando um
semitom na mesma direção, como pode-se observar no trecho melódico na Figura 2.

Figura 2: Trecho melódico com nota de passagem da melodia harmonizada com acorde de aproximação
cromática (Adaptado de GUEST, 1996, p.92).

Ainda em relação aos tipos de blocos, uma variação muito comum é o drop 2 6, que é feita a partir
da “queda” uma oitava abaixo da segunda voz mais aguda da estrutura. Ao piano, esta voz é
executada habitualmente pela mão esquerda. Em geral, os tipos são escolhidos de acordo com
a região da melodia, sendo a posição fechada mais indicada para regiões graves e o drop 2 para
regiões agudas. Além disso, o drop 2 amplia o intervalo entre as extremidades do bloco de uma
oitava para uma décima. Na Figura 3, podemos observar o mesmo trecho da figura 1 da música
Always (Irving Berlin) em drop 2.

6 Existem, ainda, as posições drop 3 e drop 2+4, porém neste artigo iremos nos limitar a trabalhar com o drop 2,
que servirá de suporte para análise da versão escolhida.

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Figura 3: Trecho de Always (Irving Berlin) em acordes em bloco com destaque para a segunda voz que “caiu”
uma oitava a partir da posição fechada, configurando o drop 2 (Adaptado de LEVINE, 2006, p.9).

Encontramos na versão também o tipo de bloco “quartal”, no qual os acordes são formados
inteiramente ou majoritariamente por intervalos de quartas, ao invés de terças como na
harmonia tradicional. Na Figura 4, pode-se observar o mesmo trecho da figura 1, porém em
bloco quartal a quatro vozes.

Figura 4: Trecho de Always (Irving Berlin) em acordes em bloco formados por intervalos de quarta e um
intervalo de terça (c.2 e segundo tempo do c.3, em azul), configurando o bloco quartal (Adaptado de LEVINE,
2006, p.9).

George Shearing, pianista de jazz na década de 1950, tornou-se conhecido “pela maneira de
fazer os acordes em posição fechada soarem mais cheios dobrando a melodia uma oitava abaixo
e tocando esta nota extra com a mão esquerda” (LEVINE, 2006, p.6). Milt Buckner, organista de
jazz de meados da década de 1940, também praticava tal formação. Neste trabalho, adotamos
o termo locked hands para este tipo específico de acordes em bloco.

A formação das big-bands se popularizou a partir da década de 1930 nos Estados Unidos,
formadas por naipes de metais (trompetes e trombones), madeiras (saxofones, clarinetes e
flautas) e pela base rítmico-harmônica. Os aspectos dos acordes em bloco até aqui apresentados
dialogam com os utilizados nos naipes das big-bands. Desta forma, MEHEGAN sugere que:

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Ambos, Shearing e Buckner, provavelmente tomaram emprestada a sonoridade da


seção de saxofone de Glenn Miller. A instrumentação normal da maioria das seções de
saxofones anteriores eram dois saxes altos e dois tenores. Miller introduziu uma quinta
voz, com um terceiro sax tenor ou um clarinete (na voz mais aguda) para permitir que
a melodia fosse tocada em duas vozes separadas por uma oitava com outras três vozes
internas.(MEHEGAN, 1964, p.129)

Apesar de não termos identificado o uso da formação locked hands na versão, acreditamos ser
importante mencioná-la uma vez que trata-se de uma construção muito utilizada. Na Figura 5,
trecho da música Always (Irving Berlin) adaptado com acordes em bloco em locked hands:

Figura 5: Trecho da música Always (Irving Berlin) com a melodia dobrada uma oitava abaixo (circulada em
azul), configurando o locked hands (Adaptado de LEVINE, 2006, p.9).

Em relação a substituições de notas do acorde por notas de tensão harmônicas, podemos


considerar a tétrade como unidade fundamental da harmonia em muitos estilos de música
popular do século XX, que inclui a sétima ou a sexta de um acorde. Umas das revoluções
harmônicas provocadas pelo estilo de jazz bebop (entre 1940 e 50) foi o uso de notas do acorde
mais agudas que a sétima. Nonas, décimas primeiras e décimas terceiras eram adicionadas em
estruturas harmônicas ou estavam implícitas nas melodias do estilo. Além disso, as melodias
no bebop se apoiaram com frequência em notas de acordes alteradas. Por conseguinte, essas
extensões superiores dos acordes (tensões) eram frequentemente cromatizadas (VALERIO,
2003, p.8-10).

A troca de algumas notas do acorde por notas de tensão, alteradas ou não, também é comum
nas formações em bloco. Independente do tipo utilizado, notas como a quinta ou a própria
fundamental podem ser substituídas por notas de tensão, sem descaracterizar o som do acorde.

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3 - Análise

A forma da versão de Adolfo para o Gaúcho (Corta-jaca) segue um padrão muito praticado na
música popular instrumental que consiste em Tema – Improviso – Tema. A melodia principal é
apresentada na forma Intro – A – B seguida de uma seção de improvisão do piano e do retorno
à melodia, ambas também na forma Intro – A – B. Pontes de mesma estrutura harmônica da
introdução fazem a conexão das seções. A Figura 6 indica a estrutura formal adotada com a
minutagem dos inícios das seções nas quais ocorrem os acordes em bloco.

Figura 6: Estrutura formal da versão de Antonio Adolfo para a música Gaúcho (Corta-jaca) de Chiquinha
Gonzaga com as minutagens das seções que ocorrem os acordes em bloco
(ADOLFO, CD Chiquinha com Jazz, faixa 5, 1997).

Os acordes em bloco presentes nas seções B foram identificados através de transcrição a partir
do CD Chiquinha com Jazz (ADOLFO, faixa 5, 1997). Iremos apresentar trechos desta transcrição
destacando os mesmos aspectos discutidos no item 2. Adolfo utiliza o recurso de forma
semelhante nas duas ocorrências da seção B diferenciando apenas algumas formações que
também serão discutidas neste item.

Na primeira frase da seção B, Adolfo constrói os blocos alternando entre os tipos posição
fechada e drop 2. Em relação a notas de passagem, ocorre o bloco em aproximação cromática
na nota Si que está entre o Do e o Sib. Podemos obervar também o uso de notas de tensão
harmônicas. A Figura 7 indica: o tipo dos blocos (em azul); o acorde de aproximação cromática
(em verde) e as notas de tensão que entraram no bloco por substituição às notas de acorde
(indicadas no final das setas em laranja).

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Figura 7: Início da seção B, em [0:54-1:00], com acordes em bloco (em azul), acorde de aproximação cromática
(em verde) e notas de tensão (em laranja) na versão do Gaúcho (Corta-jaca) por Antonio ADOLFO (1997,
transcrição de Guilherme Veroneze).

Uma explicação possível para o uso de dois tipos em uma mesma frase é a de que a posição
fechada é mais adequada para regiões melódicas mais graves e o drop 2 para regiões mais
agudas. Podemos notar, ainda na Figura 7, que quando a melodia está nas notas Do 4, Si 3 e Sib
3 o tipo usado é o drop 2 e quando está em Re 3 e Do 3 é utilizada a posição fechada. Destaca-se
também o uso de notas de tensão harmônicas na maioria dos blocos desta frase.

Foram identificados também blocos em quartas, como indicados (em azul) na Figura 8 que
destaca também um bloco sobre nota de passagem construído de forma dominante (em verde).
Adolfo utiliza os blocos em melodias construídas majoritariamente sobre graus conjuntos. Na
Figura 8, percebe-se uma frase com apenas um grau conjunto seguida de saltos em terça
descendentes não harmonizada em bloco (em amarelo).

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Figura 8: Trecho da seção B, em [1:07-1:12], com bloco em quartas (em azul), bloco com acorde dominante (em
verde) e trecho não harmonizado em bloco (em amarelo) na versão do Gaúcho (Corta-jaca) por Antonio ADOLFO
(1997, transcrição de Guilherme Veroneze).

Como visto no item 2, as notas de tensão que substituem notas do acorde podem ser alteradas.
No trecho a seguir, transcrito na Figura 9, podemos verificar a ocorrência da nota Lá enquanto
nona maior substituindo a nota Sol, fundamental do acorde Sol menor (em laranja) e no
compasso seguinte a nota Ré bemol enquanto nona menor (alterada) substituindo a nota Do,
fundamental do acorde Dó com sétima (em roxo).

Figura 9: Trecho da seção B, em [1:19-1:27], com a nota Lá substituindo a nota Sol no acorde de Sol menor (em
laranja) e a nota Ré bemol substituindo a nota Dó no acorde de Dó com sétima (em roxo) na versão do Gaúcho
(Corta-jaca) por Antonio ADOLFO (1997, transcrição de Guilherme Veroneze).

Na segunda ocorrência da seção B [3:33-4:06], Adolfo apresenta a melodia harmonizada em


bloco de forma semelhante à primeira, com algumas variações melódicas e na formação dos
blocos. Na Figura 10, podemos notar o início da primeira seção harmonizado em posição

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fechada em oposição ao nício da segunda, harmonizado em quartas, além de estarem em oitavas


diferentes.

Figura 10: Inícios das duas ocorrências da seção B, em [0:54] e [3:33], a primeira com a melodia harmonizada
em bloco na posição fechada e a segunda em quartas na versão do Gaúcho (Corta-jaca) por Antonio ADOLFO
(1997, transcrição de Guilherme Veroneze).

4 - Considerações finais

Após a transcrição e a análise do recurso acordes em bloco utilizado por Antonio Adolfo em sua
versão da música Gaúcho (Corta-jaca) de Chiquinha Gonzaga, é possível inferir que o pianista
se insere e dialoga com a tradição de estilos do piano popular do século XX. Isso porque ele
utiliza tipos e formações de blocos encontrados em outros exemplos do repertório como a
posição fechada, o drop 2 e estruturas em quartas. Outro aspecto que o insere nesta tradição é
o uso de tensões harmônicas (alteradas ou não) na montagem dos blocos.

No item 1.2, discutimos brevemente o termo arranjo no contexto da música popular. Nosso
pensamento se alinha com outros autores que o entendem como processo inerente à música
popular e essencial para a realização de uma versão. Foi visto também, que o arranjo pode ficar
(todo ou parte dele) a cargo do intérprete. Desta forma, procuramos apresentar os acordes em
bloco como uma opção de arranjo para o intérprete de música popular a partir da ocorrência
dos mesmos em uma versão de um clássico do repertório nacional.

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O fato de Adolfo repetir a maioria das formações dos acordes em bloco nas duas ocorrências da
seção B, sugere que houve um planejamento quanto ao uso do recurso na versão. Em relação às
implicações do uso de acordes em bloco na música, pode-se perceber uma implicação
principalmente harmônica, já que são gerados acordes que não estão previstos para os demais
instrumentos harmônicos, o que confere densidade de harmonia ao trecho.

Por fim, a análise aqui apresentada pode motivar o estudo prático dos acordes em bloco ambos
ao piano ou como estudo de arranjo para diferentes naipes e formações, com aplicação em
repertórios variados. A bibliografia aqui utilizada em especial GUEST (2006), LEVINE (2006) e
VALÉRIO (2003 e 2005) podem ser úteis neste estudo.

Referências

1. ADOLFO, Antonio. (1997). Gaúcho (Corta-jaca). In: CD Chiquinha com Jazz, faixa 5. Rio de
Janeiro: Artezanal, Kuarup, 1997. (CD de áudio).

2.____________. (2017). Gaúcho (Corta-jaca). Transcrição de Guilherme Veroneze a partir da


gravação no CD Chiquinha com Jazz, faixa 5. Rio de Janeiro: Artezanal, Kuarup, 1997. Edição do
transcritor, 2017. (Partitura).

3. ARAGÃO, Paulo. (2001). Pixinguinha e a gênese do arranjo musical brasileiro (1929 a


1935). 126 p. Dissertação (Mestrado) - Centro de Letras e Artes da Universidade do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro.

4. DINIZ, Edinha. (1999). Chiquinha Gonzaga: uma história de vida. 9 ed. Rio de Janeiro:
Editora Rosa dos Tempos.

5. GUEST, Ian. (1996). Arranjo método prático. Vol. 2. Rio de Janeiro: Lumiar Editora.

6. LEVINE, Mark. (2006). The Drop 2 Book. Petaluma: SHER MUSIC CO.

7. MARCÍLIO, Carla Crevelanti. (2009). Chiquinha Gonzaga e o maxixe. 144 p. Dissertação


(Mestrado) - Instituto de Artes da UNESP (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”), São Paulo.

8. MEHEGAN, John. (1964). Swing and early progressive piano styles. New York: Watson-
Guptill Publications, Inc.

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VERONEZE, Guilherme B.; KORMAN, Clifford Hill. (2018). Acordes em bloco na versão de Antonio Adolfo para a música Gaúcho (Corta-jaca),
de Chiquinha Gonzaga. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.3. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana
Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som, p.259-272.

9. NASCIMENTO, Hermilson Garcia do. (2011). Recriaturas de Cyro Pereira: Arranjo e


Interpoética na Música Popular. 239 p. Tese (Doutorado) – Instituto de Artes da Unicamp,
Campinas.

10. VALERIO, John. (2003). Bebop Jazz Piano: The complete guide with CD!. Milwaukee: Hal
Leonard Corp.

11. _____________. (2005). Post-Bop Jazz Piano: The complete guide with CD!. Milwaukee: Hal
Leonard Corp.

Referências da internet

1. Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. (2017) Verbete Antonio Adolfo.
Disponível em <http://dicionariompb.com.br/antonio-adolfo>. Acesso em 28 de novembro,
2017. (Site)

2. Chiquinha Gonzaga. (2017) Disponível em <www.chiquinhagonzaga.com> . Acesso em 29


de novembro, 2017. (Site)

3. Prêmio da música brasileira. (2017) Disponível em http://www.premiodamusica.com.br/.


Acesso em 28 de novembro, 2017. (Site)

Notas sobre os autores

Guilherme Braga Veroneze Gomes é mestrando em música na linha Performance Musical na


Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Possui graduação em piano pela Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF), além de especializações em piano e em arranjo na Bituca –
Universidade de Música Popular, de Barbacena (MG). Durante a graduação, participou do Grupo
de Pesquisa em Composição Musical da UFJF (COMUS) e desenvolveu trabalho sobre a técnica
extendida “piano pizzicato”. A pesquisa foi apresentada no I Encontro Brasileiro de Música
Popular na Universidade (MusPopUni), em 2015, e no XXVI Congresso da Associação Nacional
de Pesquisa e Pós-graduação em Música (ANPPOM), em 2016. Trabalha como pianista na área
popular atuando como instrumentista e arranajdor. Foi finalista do XVII Prêmio BDMG
Instrumental junto ao Caetano Brasil & Grupo em 2017.

Clifford Hill Korman é Doutor em Música ‐ Jazz Arts Advancement (Manhattan School of
Music) ‐ é Mestre em Música‐ Specialization in Jazz Performance (The City College of New York).
Pianista, compositor, e arranjador, ele é Professor Adjunto da UNIRIO, atuando principalmente
na área de Estudos em Música Popular. Suas linhas de pesquisa incluem improviso, jazz, música
brasileira instrumental e linguagens e técnicas de piano popular. Atua no Instituto Paulo Moura
como diretor musical, arranjador e coordenador do projeto de digitalização do Acervo Paulo
Moura. Entre suas gravações próprias, destacam‐se "Mood Ingênuo, o sonho de Pixinguinha e
Duke Ellington" (Jazzheads, 1999) e "Gafieira Dance Brasil" (Independente, 2001) com Paulo
Moura; “Migrations” (Planet Arts, 2003) e "Trains of Thought" (Almonds and Roses Music,
2014).

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