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Extração Mineral e Conflitos
Extração Mineral e Conflitos
Extração Mineral e Conflitos
RESUMO
A artigo analisa o processo de implantação da extração mineral no estado de Roraima, por meio de estudos
históricos e geográficos, considerando o avanço das práticas do garimpo ilegal e os conflitos em terras
indígenas. O estudo lança mão da revisão bibliográfica e da historiografia produzida sobre o tema, assim
como da observação participante nas imediações das comunidades da Raposa 1 e Napoleão, município de
Normandia, Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no estado de Roraima. Observa-se no trabalho, o avanço
da garimpagem semimecanizada na área Indígena Yanomami a partir da década de 1980 e, mais
recentemente, os novos deslocamentos e interesses pela atividade na Terra Indígena Raposa Serra do Sol
(TIRSS), provocando impactos nas dimensões sociais, ambientais e culturais.
ABSTRACT
The article analyzes the process of implantation of mineral extraction in the state of Roraima, through
historical and geographic studies, considering the advance of illegal mining practices and conflicts in
indigenous lands. The study makes use of the literature review and historiography produced on the subject,
as well as participant observation in the vicinity of the communities of Raposa 1 and Napoleão, municipality
of Normandia, Indigenous Land Raposa Serra do Sol, in the state of Roraima. It is observed in the article,
the advance of semi-mechanized mining in the Yanomami Indigenous Area from the 1980s onwards and,
more recently, the new displacements and interests in the activity in the Raposa Serra do Sol Indigenous
Land (TIRSS), causing impacts on social dimensions, environmental and cultural.
INTRODUÇÃO
O garimpo afeta diversas áreas da vida humana, para além da dimensão econômica. O
estado de Roraima foi criado com a Constituição de 1988, juntamente com os estados do Amapá
e Tocantins. Faz fronteira com dois países: Venezuela e Guiana (FIGURA 01). A extração mineral
é uma das marcas econômicas latente na história regional, interesse do estado nacional e de muitos
países que empreenderam diversas missões na América com este fim desde o século XVI.
4
Disponível em http://ufrr.br/mepa/index.php?option=com_content&view=article&id=63&catid=2. Acesso em
22 de julho de 2020.
O norte do Brasil foi o marcado pelo interesse no garimpo durante o século XX. Rodrigues
(1996), afirma que a atividade garimpeira em Roraima foi progressiva e teve papel central nas
relações econômicas políticas no contexto da formação histórica do estado. Segundo a autora, a
periodização da mineração pode ser dividida em três momentos, com exposto na FIGURA 02:
5 O que ele denominou de Guiana Brasileira é uma região localizada no nordeste do quadrilátero que contempla Bogotá (Colômbia)
ao Monte Roraima (Guiana Inglesa) e de Iquitos (Peru) a Manaus (Amazonas) (RICE, 1978, p.18).
6 Neste período a região pertencia ao estado do Amazona e o rio Branco é o principal rio de Roraima.
7 Estiveram na expedição, o etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg e o fotógrafo português e cinegrafista, Silvino Santos, que
posteriormente, utilizou as imagens para produzir o filme No Rastro do El Dorado (1925), uma das mais importantes obras do cinema
silencioso realizadas na Amazônia. Rice (1978) já havia feito outras expedições em 1919-20.
Os sinais iniciais de garimpagem de ouro e diamante, segundo Dias (2018), datam de 1917,
com ocorrências nos rios Maú e Cotingo, norte de Boa Vista (RR). Esta procura vai se prolongar
até o início dos anos 1990, período em que que os garimpos são fechados e as pistas clandestinas
são explodidas por determinação do Governo Federal. Segundo Dias (2018), a produção expandiu
em 1930 para os rios Suapi, Quinô e a serra do Tepequém8. No entanto, até a criação do Território
Federal de Roraima, na década de 1940, não existem registros de movimentos migratórios de
grandes proporções para a região. É importante destacar que o povoamento do rio Branco,
portanto, não teve a participação dos garimpeiros como destaque.
A crise da borracha, ocorrida em torno de 1920, desestabilizou a economia amazônica e,
consequentemente, a pecuária do alto rio Branco perdeu o estímulo e mercado. A
mineração, então, passa a ser o setor econômico responsável pela relação do rio Branco
com o exterior. Em 1943, a produção de diamante representou 59,6% do valor total da
produção do rio Branco. Contudo, o povoamento do Rio Branco foi constituído por
militares, fazendeiros, padres, índios, e por coletores. Mais tarde, contou com novos elementos:
os garimpeiros, os colonos e os funcionários públicos. (DIAS, 2018, p. 145, grifo dos
autores).
8 Um dos primeiros romances em regiões de garimpo é da autoria de Nenê Macaggi, com o título A Mulher do Garimpo: o romance no
extremo sertão do Amazonas (2012). Segundo BARROS (1995), na década de 1930 foi descoberto minérios na região do Tepequém.
Adolpho Brasil formou a Empresa de Mineração Tepequém Ltda., vendida posteriormente a uma empresa da Bélgica. Filho de
diamantário, Laucides Oliveira cita relatos de garimpos nestas regiões durante a década de 1950. Seu pai teria comprado um garimpo
em Suapi, localizado na região norte do Território, próximo da fronteira com a Venezuela, sendo alcançado somente por avião. -se
que a garimpo no Tepequém foi descoberto no ano de 1935 por um garimpeiro de origem holandesa oriundo da então Guiana
Holandesa. Anos mais tarde, o garimpo no Tepequém fora vendido aos judeus belgas Jacques Slesinger e Paul Hellings, que seria
assassinado por garimpeiros (OLIVEIRA, 2009; SANTOS, 2013).
9 Para Maria de Carvalho, “o emprego do termo “Yanomami” é um etnônimo produzido pelas transcrições e pronunciações
simplificadas da expressão yanomami thëpë (grafia ocidental) empregadas nas 28 publicações dos antropólogos Chagnon e Lizot,
ao longo dos anos de 1960, 1970 e 1980 para designar a população predominante na Terra Indígena Yanomami (ALBERT, 2011)
(...) Yanomami como afirma Ramos (1994) é um termo inventado pelos não índios para dar conta de uma totalidade que escapa aos
próprios Yanomami. Isto pode ser observado no contexto da Casa de Saúde do Índio de Roraima (Casai) sob os princípios da
As atividades de pesquisas nestas regiões também são destacadas por Santos (2013), que
cita a participação de militares.
Em Surucucu, terra dos índios Yanomami, técnicos do governo federal com ajuda de
militares, teriam localizado urânio, mineral estratégico [...]. O deslocamento de vários
ministros até o local e o destaque da notícia, dada pelo ministro de Minas e Energia,
Shigeaki Ueki, atesta a importância que se dava ao fato, numa época em que o Brasil
assinou um acordo nuclear com a Alemanha. Roraima parecia destinada a ceder caminho
para o desenvolvimento, mesmo ao preço do desaparecimento de culturas tradicionais
milenares (SANTOS, 2013, p. 125).
O estudo confirma as consequências para as populações, uma vez que não são apresentadas
preocupações com aspectos das organizações sociais, com os impactos desta prática econômica,
nem com o histórico das populações originárias. Para o modelo nacional-desenvolvimentista do
estado-colonial-moderno que estava sendo implementado durante o Regime Militar, partes dos
povos indígenas não eram considerados como pertencentes aos novos rumos do Estado brasileiro:
Quando ainda se viviam os tempos do “milagre brasileiro”, não parecia haver lugar para
o índio num mundo novo que nascia. Este se transformava rapidamente pela assimilação
de tecnologia e a determinação e vontade do governo. A selva e o índio estavam no
mesmo lugar dentro da ideologia de desenvolvimento a qualquer preço e precisavam ser
removidos. (SANTOS, 2013, p.124).
dialogia social que nos permite superar o dualismo que reduz a relação “índio e não índio”, em favor da valorização da grande
diversidade social de vozes que povoam a realidade social Yanomami (CARVALHO, 2015, p.28)”.
desmatamentos, formação de lagos com água parada e contaminada e, mais recentemente, com ataques
armados de garimpeiros contras às populações indígenas.
A partir das políticas desenvolvimentistas propagadas pelo governo militar para desenvolver a
Amazônia, houve o fomento da ganância por ocupar e explorar a região, proporcionando grandes
tragédias juntos aos povos indígenas, em especial entre os anos 70 e 80, com destaque para a implantação
de rodovias como a BR-174 (que liga o Amazonas a Roraima), fato que proporcionou conflitos entre os
Waimiri-Atroari; a implantação de hidrelétricas, como Balbina e o incentivo a exploração mineral, como
a mineração Pitinga (Amazonas). Em 1993 ocorreu o massacre de 16 Yanomami na aldeia Haximu,
resultado do conflito entre índios (venezuelanos) e garimpeiros (brasileiros). Três anos depois, o caso foi
julgado pela Justiça Federal, e os réus foram julgados com a tese de genocídio.
Este modelo de garimpagem divide opiniões nas comunidades afetadas, uma vez que a
sedução pelo lucro rápido e a dificuldade de acesso a empregos na região atrai alguns indígenas,
sobretudo os mais jovens de sexo masculino para o garimpo. Outra parte da comunidade, a maioria,
é contrária e está à frente das denúncias de cooptação (SANTOS, 2020).
As novas gerações de indígenas demandam outros bens de consumo, fenômeno que é
compreendido pelas próprias comunidades como um processo comum. Entretanto, alguns
imaginam que negociando os lucros com os empresários do garimpo, podem ter liberdade
financeira para consumir produtos nas cidades do entorno. O contato com os atravessadores
apresenta-se, possivelmente, como um risco para a comunidade12 e para a organização espacial e
social da comunidade. O fenômeno da cooptação tem exigido diligências dos órgãos federais para
desmontar as bases e estruturas do garimpo.
Os empresários do garimpo, donos de maquinários, após receberem informações de
ocorrências de minérios, se aproximam dos indígenas da TIRSS, como é o caso das comunidades
indígenas da Raposa 1 e do Napoleão13, os quais fazem o serviço sob a supervisão dos donos dos
12
Ilegal: Raposa Serra do Sol registro primeira invasão garimpeira. Disponível em
https://folhabv.com.br/noticia/CIDADES/Economia/Raposa-Serra-do-Sol-registra-primeira-invasao-garimpeira/63153. Acesso
em 16 de julho de 2020.
atividade de garimpo sem venda externa ou destinada a trocas por alimentos, com a alegação de
legalidade16.
FIGURA 05 – Operação da Polícia Federal na TIRSS17
Tal fato não corresponde com a legalidade, uma vez que os acordos têm outras dimensões
comerciais que estão para além do famigerado desenvolvimento sustentável na região, contando com
uma estrutura organizada para dar manutenção ao garimpo predatório que ameaça a existência da
própria comunidade. Outra ameaça do estado nacional contra os povos indígenas foi a aprovação
em junho de 2021, do Projeto de Lei 490/2007 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
da Câmara.18 O Projeto de Lei (PL) prevê a limitação das demarcações de terras indígenas no Brasil,
sendo instituído o marco temporal, pelo qual se determina que os indígenas que não habitavam os
territórios em cinco de outubro de 1988, quando se promulgou a Constituição Federal, não terão
mais direito de ocupação, mesmo que sejam terras ancestrais. O PL flexibiliza o acesso às terras
indígenas dos povos ditos em isolamento voluntário, dando poderes à União de acessar os
territórios para fins de utilidade pública.
https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2020/03/13/pf-prende-quatro-indigenas-responsaveis-por-garimpo-ilegal-na-reserva-
raposa-serra-do-sol-rr.ghtml. Acesso em 16 de junho de 2020.
18 https://brasil.elpais.com/brasil/2021-06-24/congresso-decide-extinguir-a-amazonia.html
Outro crime previsto nesta Lei é a dispensa de consulta livre, prévia e informada às
comunidades afetadas com a implantação de hidrelétricas, obras de mineração, estradas, ferrovias
e outros megaprojetos, caso exista relevante interesse público da União, uma ofensiva à Convenção 169
da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário e que determina a
consulta às populações afetadas. O PL prevê que qualquer demarcação seja feita por meio de
aprovação de lei na Câmara dos Deputados e no Senado, o que exigirá nova estrutura com equipes
de profissionais que atuem em campo19. Desta maneira, retira-se o poder de demarcação atribuído
à Fundação Nacional do Índio (Funai).
A partir do exposto, destaca-se que a geologia de Roraima encoraja a garimpagem ilegal,
devido ao potencial mineral existente para extração comercial, que tem no incentivo do estado
nacional e no descumprimento das leis, o centro do problema socioambiental. Os benefícios da
garimpagem, mesmo semimecanizada, são minguados e excedem os custos ambientais e sociais,
gerando conflitos diversos, divisões de opiniões em comunidades, uma vez que muitos indígenas
são seduzidos pelo lucro efêmero, podendo exterminar os povos indígenas com os danos
provocados à saúde ou por meio da violência social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
19 https://www.oeco.org.br/analises/o-dia-em-que-a-comissao-de-constituicao-de-justica-da-camara-dos-deputados-
envergonhou-a-nacao-brasileira/
20 Como o projeto de lei do Senado nº121, de 1995, em que dispõe sobre a exploração e o aproveitamento de recursos minerais em
https://folhabv.com.br/noticia/CIDADES/Capital/Dois-mil-garimpeiros-buscam-ouro-em-Raposa-Serra-do-Sol/65838/amp.
Acesso em 15 de julho de 2020.
quanto nos campos. Elenca-se a seguir alguns dos transtornos que são resultado de observação de
campo durante a pesquisa de campo na região da comunidade indígena da Raposa I, Raposa II e
Napoleão, na TIRSS, em Roraima:
1) Informalidade – No garimpo não é possível fazer contrato profissional formal com os
indígenas, nem há possibilidades de associativismo para garantia de algum tipo de direito, uma vez
que a atividade é ilegal;
2) Poluição sonora - O trânsito de veículos, o barulho dos veículos e dos moinhos instalados às
margens de lagos, igarapés e nas serras perturbam o descanso e a rotina dos moradores;
3) Impactos no solo – A atividade tem provocado assoreamento e mudanças na estrutura das
margens de rios e lagos;
4) Poluição das águas – As serras possuem mananciais de águas que formam os lagos e igarapés
das comunidades que com o uso do mercúrio recebem poluição. Esta é uma das principais
preocupações de parte dos moradores;
5) Impacto cultural - As serras possuem locais sagrados para os indígenas, como os cemitérios
ancestrais, que estão ameaçados com o constante trânsito de pessoas;
6) Descontrole da atividade comercial – Verifica-se o surgimento de pequenos comércios ao
longo da estrada de acesso às serras afetadas, fenômeno que se dá para atender as demandas dos
garimpeiros por higiene, alimentação e lazer;
7) Consumo e comércio de drogas – Apesar de proibidos nas comunidades, o consumo de álcool
e outros entorpecentes estão afetando a dinâmica da comunidade. Após a chegada do garimpo é
possível observar grupos de adolescentes indígenas consumindo drogas mais leves em período
noturno na comunidade da Raposa;
8) Prisões e desestruturação familiar – A imprensa tem noticiado as prisões de membros das
comunidades, assim como de proprietários de maquinário. Os envolvidos foram presos em
flagrante por meio de ações da Polícia Federal por crimes de usurpação de matéria-prima pertencente à
União, associação criminosa e pela extração ilegal de recursos minerais. Uma vez levados à cadeia pública de
Boa Vista, os indígenas são expostos e deixam suas famílias desassistidas na comunidade.
Um outro impacto que pode ser adicionado é a mobilidade espacial dos(as)
trabalhadores(as), que ocorre como resultado do fechamento momentâneo destes garimpos ilegais
pela Estado ou mesmo com a descoberta de novas ocorrências22 em outros locais. Ao fechar uma
frente de garimpo, é possível que o grupo que atuava com este modelo de atividade econômica,
migre para outros lugares em busca oportunidades e das promessas dos empresários do garimpo.
Sem ocupação e qualificação, eles engrossam as estatísticas de desemprego, por exemplo, nas zonas
urbanas e, por consequência, causam sequelas sociais.
REFERÊNCIAS
22
Nota dos autores: a Geologia considera que as ocorrências de minérios são diferentes das jazidas. Estas últimas
são de maior escala, confirmadas a partir de estudos e suporte geológico.
FRAGA, Nilson Cesar. Território e Silêncio: contributos reflexivos entre o empírico e o teórico
In: Territórios e Fronteiras: (Re)arranjos e Perspectivas. 2ª ed. Florianópolis, SC: Editora
Insular, 2017, p. 73-90.
GOMES, A.S. Garimpeiros, quando a “cobra tá fumando”: Condições de vida e de trabalho
nos garimpos de Roraima (1975-1991). Dissertação Programa de pós-graduação em História
Social. UFU, 2013.
GONDIM, N. A invenção da Amazônia, 2º edição, Manaus: Editora Valer, 2007.
KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A queda do céu: Palavras de um xamã Yanomami. Tradução
Beatriz Perrone-Moisés; prefácio de Eduardo Viveiros de Castro. São Paulo: Companhia das
Letras, 2015.
STOCO, Sávio Luis. No rastro do rastro: Ensaios sobre o filme No rastro do Eldorado de
Silvino Santos. Dissertação de mestrado em Artes visuais. UNICAMP: SP. 2014.