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Villegagnon Revista de

ISSN 1981-3589 Revista Acadêmica da Escola Naval Ano XI Número 11 - 2016

Revista de Villegagnon 2016


Caro Leitor,
Com grande satisfação, apresento a décima primeira
edição consecutiva da Revista de Villegagnon, cujo
propósito é incentivar a produção intelectual do corpo
docente e discente da Escola Naval, por meio da
publicação de temas de interesse de nossos Aspirantes,
Sentinelas dos Mares, em breve Oficiais, responsáveis por
conduzir o alto padrão de desempenho da Marinha do
Brasil.

O ano de 2016 vem a ser especial pela realização dos


Jogos Olímpicos na cidade do Rio de Janeiro. E coube
à Escola Naval, com a participação direta de nossos
Aspirantes, receber a chama olímpica, símbolo de
valores tão cultivados em nossa Marinha, como amizade,
respeito, determinação, coragem e excelência.

Os Sentinelas dos Mares abraçaram a carreira das armas no mar, o que exige
aprimoramento constante, uma vez que o rápido desenvolvimento de nosso mundo
globalizado demanda o domínio de diversas áreas do conhecimento, além de sólidos
valores éticos e morais, características fundamentais de líderes inspiradores.

Nossa revista, por meio de conteúdos e reflexões aqui apresentados por motivados
docentes, Oficiais e Aspirantes, contribui, mais uma vez, para o sucesso na atividade de
ensino-aprendizagem desempenhada no campo santo de Villegagnon.

Assim, agradeço aos nossos patrocinadores e a todos os que tornaram possível a


presente edição.

Desejo boa e proveitosa leitura.

NEWTON DE ALMEIDA COSTA NETO


Contra-Almirante
Comandante

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2015 1


REVISTA DE VILLEGAGNON
ANO XI – NÚMERO 11 – 2016
ISSN 1981-3589

Revista de Villegagnon é uma publicação


anual, produzida e editada pela Escola
Naval.

Comandante
Newton de Almeida Costa Neto SUMÁRIO
Superintendente de Ensino

4
C. Alte (RM1) Dilermando Ribeiro Lima
A participação da Escola Naval nas Olimpíadas e nas Paralimpíadas
Editor Rio 2016
CMG (Ref) Ricardo Tavares Verdolin Dayse Deolinda de Souza Pita - Primeiro-Tenente (RM2-T)
Conselho Editorial Daniel Dias Azevedo - Primeiro-Tenente (T)
CMG (Ref) Pedro G. dos Santos Filho Érika Mussi Neil - Primeiro-Tenente (RM2-T)
CMG (RM1-EN) João Batista L. Vieira

10
CMG (RM1-IM) Hércules Guimarães Honorato
Prof. Lourival José Passos Moreira
A logística reversa e o pensamento sustentável na cadeia de
Profª. Drª. Ana Paula Araujo Silva fardamento da Marinha do Brasil
Profº. Mario Cesar da Silva Souza Renan Alves Felix da Silva - Aspirante

Revisão:

16
CMG (Ref) Pedro G. dos Santos Filho
Armamento na MB: 100 anos de histórias (1878 – 1978)
CMG (RM1-IM) Hércules Guimarães Honorato Pedro Gomes dos Santos Filho - Capitão de Mar e Guerra (Ref)
Profª. Drª. Ana Paula Araujo Silva

27
Profº. Mario Cesar da Silva Souza “Alcatrazes por boreste”: lições de uma regata inesquecível
Diagramação e Arte final:
Victor Andrey Bragança de Almeida Xavier - Aspirante
Felipe dos Santos Motta
(motta_18@hotmail.com)

Impressão:
34 O professor-instrutor militar tarefa por tempo certo: perfil, saberes e
formação docente
WalPrint Gráfica e Editora Hercules Guimarães Honorato - Capitão de Mar e Guerra (RM1-IM)

44
Agradecimentos: As disputas territoriais no mar do sul da China e suas implicações
CMG Garriga, CF Costeira, CT Biggi, Diretoria
da SAPN, Equipe de Relações Públicas da
para a segurança internacional
Escola Naval, Praças do Centro de Ensino Christian Toshio Ito - Aspirante
Profissional Naval, Asp (IM) Yago, 2º SG (RM-

49
1-CN) Eugênio, SO Cristiano, FC Francisco, FC Mobilização nacional no Brasil
Baeta, Fotógrafo Eduardo De Vito.
Wilson Soares Ferreira Nogueira - Capitão de Mar e Guerra (RM1)
Contato:
en-revvillegagnon@marinha.mil.br

Os artigos enviados estão sujeitos a cortes e


57 Enriquecendo o aprendizado, exercitando a atenção
Lucas Bassani da Silva - Aspirante
modificações em sua forma, obedecendo a cri-
térios de nosso estilo editorial. Também estão
sujeitos às correções gramaticais, feitas pelos
revisores da revista.
62 O uso do Moodle como apoio para a disciplina Ing-3 na Escola Naval
Doris de Almeida Soares - Profa. Dra.

69
As informações e opiniões emitidas são de Almirante Lorde Cochrane: o herói que se tornou mercenário
exclusiva responsabilidade de seus autores.
Não exprimem, necessariamente, informações, Lucas Figueiredo Gomes - Aspirante
opiniões ou pontos de vista oficiais da Marinha
do Brasil.

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
79 A liderança de Winston Churchill
(FN) Paulo Vitor do Amaral Gomes - Aspirante
Paulo Ricardo Melo Leite - Aspirante
Gustavo Pereira da Silva Andrade - Aspirante

86 Os planos de guerra alemães na Primeira Guerra Total


João Gabriel Christofoli Coelho Tone - Aspirante

95 Soberania territorial e o espaço cibernético


Américo Fortuna da Silva - Aspirante
Christian Toshio Ito - Aspirante

101 A Regata Ecológica da Escola Naval: ferramenta de contribuição ao atendimento


da missão constitucional da Marinha do Brasil
Fernando Antonio Cardoso Garrido - Professor

106 Notícias de Villegagnon

Nossa Capa:
Cerimônia realizada no campo de esportes da Escola
Naval, no dia 10/12/2016, onde os Guardas-Marinha da
Turma Almirante Carvalhal erguem as suas espadas em
agradecimento, tendo ao fundo o Navio-Veleiro Cisne Branco.
A PARTICIPAÇÃO DA ESCOLA NAVAL NAS
OLIMPÍADAS E NAS PARALIMPÍADAS RIO 2016

Primeiro-Tenente (RM2-T) Dayse Deolinda de Souza Pita


Primeiro-Tenente (T) Daniel Dias Azevedo
Primeiro-Tenente (RM2-T) Érika Mussi Neil

O Rio de Janeiro venceu a concorrência com Ma- BREVE HISTÓRICO DOS ESPORTES OLÍMPICOS
dri, Tóquio e Chicago entre os membros do Comitê NO ÂMBITO DAS FORÇAS ARMADAS
Olímpico Internacional (COI) na eleição em Copenha-
gue, na Dinamarca, em 2009, para sediar a Olimpía- O Ministério da Defesa, em parceria com o Minis-
da de 2016. Pela primeira vez, desde sua criação em tério dos Esportes, criou, em 2008, o Programa Atle-
1896, na Grécia, os Jogos Olímpicos seriam sediados ta de Alto Rendimento (PAAR). De lá pra cá, atletas
na América do Sul. A partir daí, uma série de mudan- voluntários alistaram-se nas fileiras da Marinha, do
ças ocorreu na cidade do Rio de Janeiro e o apoio das Exército e da Aeronáutica, passando a receber o apoio
Forças Armadas mostrou-se de extrema importância das Forças Armadas em diferentes aspectos. Em con-
nesse ciclo olímpico. trapartida, os atletas, agora militares, participaram de

4 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


competições, representando as Forças, com o propósi- APOIO DA ESCOLA NAVAL AOS JOGOS RIO 2016
to de disseminar a prática esportiva e manter a higidez
Os atletas brasileiros utilizaram as instalações para
física, atributo que faz parte da formação militar.
os treinamentos nas categorias de nado sincronizado e
A cada quatro anos, acontecem os Jogos Mundiais tiro esportivo. Já a delegação estrangeira dos Estados
Militares que são organizados pelo Conselho Inter- Unidos treinou nas modalidades de atletismo (olímpi-
nacional do Desporto Militar (CISM) desde 1995. co e paralímpico), polo aquático e vôlei.
O Brasil vem apresentando uma excelente atuação,
A Escola Naval prestou diversos tipos de apoio aos
destacando-se a 5ª edição realizada na cidade do Rio
Comitês Olímpicos Brasileiro e Americano para que os
de Janeiro, em 2011, quando atletas militares supe-
treinamentos dos atletas ocorressem da melhor forma
raram 22 recordes. O Brasil ficou em primeiro lugar
possível em suas instalações. Este apoio englobou des-
com 114 medalhas (45 de ouro, 33 de prata e 36 de
de o uso do parque aquático, da pista de atletismo, do
bronze) e ultrapassou a China, que ficou com a se-
campo de esportes, do ginásio, da sala de musculação
gunda colocação.
e do estande de tiro até a utilização de refeitórios e o
Em 2013, foi criado o Programa Olímpico da Ma- emprego de militares em áreas como segurança e asses-
rinha (PROLIM), com o objetivo de preparar equipes soria de imprensa.
militares brasileiras para compor a delegação dos Jo-
gos Mundiais Militares em 2015 na Coreia do Sul e
contribuir para o desenvolvimento do desporto nacio- CHEGADA DA CHAMA OLÍMPICA AO RIO DE
nal no atual ciclo olímpico. JANEIRO POR MEIO DA EN
Em 2015, na 6ª edição dos Jogos Mundiais Mili- Na manhã do dia 3 de agosto de 2016, a Esco-
tares, a equipe brasileira levou 283 atletas e obteve o la Naval (EN) foi palco da cerimônia de chegada da
2º lugar (34 medalhas de ouro, 26 de prata e 24 de Chama Olímpica no Rio de Janeiro, um dos maiores
bronze), ficando atrás apenas da Rússia. Os atletas símbolos das Olimpíadas. A Chama chegou à cidade
da Marinha conquistaram 30 medalhas, sendo 12 de atravessando a Baía de Guanabara, vinda de Niterói,
Ouro, 11 de prata e 7 de bronze. Os próximos jogos na Região Metropolitana.
ocorrerão em 2019 na China. A bordo da embarcação escaler a remo, os Aspiran-
tes conduziram os medalhistas olímpicos e irmãos Tor-
A ESCOLA NAVAL COMO CENTRO OFICIAL DE ben e Lars Grael. O velejador Lars Grael fez a entrega
TREINAMENTO DURANTE A OLIMPÍADA E A da Chama ao prefeito Eduardo Paes, oficializando a
chegada do símbolo na cidade.
PARALIMPÍADA
No período de 11 de julho a 9 de setembro de
2016, a Escola Naval (EN) prestou apoio aos Comi-
tês Olímpicos Brasileiro (COB) e Americano (COA).
Foi preparado, implementado e executado um Plano
de Operações com o propósito de oferecer segurança
aos Comitês e coordenar os diversos setores envolvi-
dos na tarefa.
Escolhida por sua estrutura esportiva, segurança
reforçada e localização privilegiada na cidade do Rio
de Janeiro, a EN abrigou cerca de 250 atletas de dife-
rentes nacionalidades, predominando a participação
de americanos e brasileiros. Além do Atletismo, es-
tiveram na EN atletas de Boxe, Nado Sincronizado,
Polo Aquático, Tiro Esportivo e Vôlei. Para atender
às expectativas das delegações, a Escola Naval reali-
zou reformas e melhorias nas instalações e mobilizou Figura 1: Prefeito Eduardo Paes com a Chama Olímpica,
grupos de trabalho para cumprir os compromissos acompanhado dos irmãos Torben e Lars Grael
desta demanda. Fonte: De Vito Fotos.

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 5


Figura 2: Secretário de Estado e Aspirantes
Fonte: De Vito Fotos.

Estiveram presentes na cerimônia o Comandante A PARTICIPAÇÃO DOS ATLETAS MILITARES NOS


Geral do Corpo de Fuzileiros Navais, Almirante de RESULTADOS DOS JOGOS OLÍMPICOS
Esquadra Fernando Antonio de Siqueira Ribeiro, o
O balanço da atuação do desporto militar brasilei-
Diretor-Geral do Pessoal da Marinha, Almirante de ro nos Jogos Olímpicos Rio 2016 foi o resultado de su-
Esquadra Ilques Barbosa Junior, o Comandante do peração. O Ministério da Defesa classificou 145 atle-
1º Distrito Naval, Vice-Almirante Leonardo Puntel, tas militares e conquistou 13 medalhas, ultrapassando
o Comandante da Escola Naval, Contra-Almirante as metas estabelecidas para o Time Brasil. Os números
Newton de Almeida Costa Neto, além de autoridades superaram os Jogos de Londres, em 2012.
civis e militares. O Brasil atingiu seu melhor desempenho em Olim-
píadas, com o total de 19 medalhas. As Forças Arma-
VISITA DO SECRETÁRIO DE ESTADO AMERICANO das contribuíram com 68% dos pódios para atingir
essa marca. Os medalhistas brasileiros que participam
ÀS INSTALAÇÕES OFICIAIS DE TREINAMENTO do Programa Atletas de Alto Rendimento (PAAR) do
DOS JOGOS OLÍMPICOS NA EN Ministério da Defesa tiveram destaque nas competições.
O Secretário de Estado dos Estados Unidos (EUA), Os sargentos da Marinha Rafaela Silva (ouro no
John Kerry, visitou, no dia 5 de agosto de 2016, as judô), Mayra Aguiar (bronze no judô), Robson Con-
instalações da Escola Naval (EN). O local se tornou ceição (ouro no boxe), Martine Grael e Kahena Kunze
um dos Centros Oficiais de Treinamento da delegação (ouro na vela), Alison e Bruno (ouro no vôlei de praia) e
Ágatha e Bárbara (prata no vôlei de praia); os sargentos
americana durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos.
do Exército Felipe Wu (prata no tiro esportivo), Poliana
Cerca de 230 atletas americanos treinaram diariamen-
Okimoto (bronze na maratona aquática) e Rafael Silva
te entre julho e setembro na Instituição.
(bronze no judô); e os sargentos da Força Aérea Arthur
Durante o evento, Aspirantes puderam interagir Nory (bronze na ginástica artística), Maicon Siqueira
com os atletas olímpicos e com o Secretário de Estado. (bronze no taekwondo), Arthur Zanetti (prata na ginás-

6 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


Figura 3: Sargento Felipe Wu utilizou o Centro de Figura 4: Sargentos Martine Grael e Kahena Kunze conquistaram ouro na Vela
Treinamento de Tiro Esportivo da EN Fonte: Wander Roberto/exemplus COB.
Fonte: Edgard Garrido/ Reuters.

tica artística) e Thiago Braz (ouro no atletismo) foram Todas essas aquisições de equipamentos, reformas e
os medalhistas representantes das três Forças. construção de instalações esportivas ficam como lega-
do à Marinha do Brasil, especialmente à Escola Naval,
uma vez que sua Tripulação poderá utilizar a nova in-
MELHORIAS E LEGADO PARA A ESCOLA NAVAL
fraestrutura esportiva.
A EN recebeu recursos do Ministério do Esporte, do Cabe ressaltar, ainda, que o sucesso dos Jogos
Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e do Comitê Olím- Olímpicos e Paralímpicos ajuda a promover a imagem
pico Americano (COA). Com isso, foram feitas algumas do Brasil e das suas Forças Armadas, que prestaram
aquisições e reformas importantes para a Instituição, diversos tipos de apoio, que vão desde o planejamento
que ficaram como legado dos Jogos, tais como compra de segurança até o apoio logístico à prática das moda-
de empilhadeiras, carros elétricos, aparelhos de muscu- lidades esportivas.
lação, reformas de alojamentos, entre outros. No local, Assim, os servidores civis e militares da Escola Na-
também foi montado um moderno Centro de Treina- val tiveram a oportunidade de realizar um intercâmbio
mento para o Tiro Esportivo (CTTE), com aquisição de de experiências com profissionais de outras institui-
alvos eletrônicos, armas e kits de reposição. ções, praticar outros idiomas, aprimorar a mentalida-
Já o Comitê Olímpico Americano (COA) investiu de de segurança orgânica, além de receberem mais um
na instalação de uma nova pista de atletismo, para que estímulo para a prática esportiva e, consequentemente,
pudesse realizar seus treinos em local semelhante ao buscar um atributo tão importante na carreira militar,
Estádio João Havelange. Os americanos também con- que é a higidez física.
tribuíram na manutenção dos aquecedores das pisci- Ao final dos Jogos Olímpicos, os envolvidos fica-
nas Olímpica e Semiolímpica, na adequação da rede ram com o sentimento de dever cumprido e o orgulho
elétrica dos refeitórios de Cabos e Marinheiros, na de terem feito parte de um momento único na história
iluminação do campo de esportes e do ginásio e na do Brasil e de terem participado, de perto, da organiza-
cobertura do teto do ginásio com manta impermeável. ção do maior evento esportivo do planeta.

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 7


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBOSA, Ariane. Legados das Olimpíadas Rio 2016: mobilidade urbana. Mundo Geo. 22 ago. 2016. Dis-
ponível em: <http://mundogeo.com/blog/2016/08/22/legado-das-olimpiadas-rio-2016-mobilidade-urbana/>.
Acesso em: 01 set. 2016.
BRASIL. Ministério da Defesa. Rio 2016: sargentos da Marinha conquistam ouro na Vela. Brasília, DF, 18
ago. 2016. Disponível em: <http://www.defesa.gov.br/noticias/23613-rio-2016-sargentos-da-marinha-con-
quistam-ouro-na-vela>. Acesso em: 01 set. 2016.
BRASIL. Ministério da Defesa. Rio 2016: Militares conquistam 68% das medalhas brasileiras. Brasília, DF, 22
ago. 2016. Disponível em: <http://www.defesa.gov.br/noticias/23696-rio-2016-militares-conquistam-68-das-
-medalhas-brasileiras>. Acesso em: 27 set. 2016.
FIGUEIRÓ, Francisco. Marinha investe na preparação de atletas para as Olimpíadas. Marinha em Revista,
ano 7, n.11, p.4-7, jul. 2016.
PODIUM Naval, Revista do CEFAN/CDM, ano II, n.2, 2015.

8 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


A LOGÍSTICA REVERSA E O PENSAMENTO
SUSTENTÁVEL NA CADEIA DE FARDAMENTO DA
MARINHA DO BRASIL

Aspirante Renan Alves Felix da Silva

INTRODUÇÃO rir essa problemática na nossa conjuntura social, polí-


tica e econômica.
Face ao desconhecimento, por parte dos Aspirantes
da Escola Naval, a respeito da correta destinação a ser Constatou-se que as questões relacionadas à po-
dada aos materiais do fardamento que não são mais luição do meio ambiente pelo mau gerenciamento de
úteis, este estudo começou a ser desenvolvido a fim de resíduos sólidos têm se tornado latentes nas discussões
sanar tal questionamento. No entanto, inúmeras vari- sociais atuais; o problema vem se agravando na maio-
áveis foram surgindo ao longo da pesquisa, que levou ria dos países devido ao aumento da população e ao
em conta as normatizações e publicações da Marinha acentuado crescimento urbano. Tais fatos, associados
do Brasil, conhecimentos externos e entrevistas com a outros parâmetros como novos costumes, mudanças
militares da Força, ao passo que também buscou inse- de hábitos da sociedade, desenvolvimento industrial e

10 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


tecnológico, entre outros, “têm provocado crescente Artigo 1º, define que as pilhas e baterias deverão ser
ampliação no poder aquisitivo per capita, com conse- entregues, pelos próprios usuários, aos estabelecimen-
quência direta na quantidade total de resíduos sólidos tos que as comercializam ou à rede de assistência téc-
produzidos particularmente nas cidades” (BROLLO; nica autorizada pelas respectivas indústrias, para que
SILVA, 2001, p.2). esses materiais sejam repassados aos fabricantes ou
Concomitantemente a essa problemática, a Mari- importadores e para que estes adotem, por sua vez,
nha do Brasil, em seu papel de Força Armada, efetua a “procedimentos de reutilização, reciclagem, trata-
padronização do uniforme de seus servidores militares. mento ou disposição final ambientalmente adequada”
Levando-se em conta que, com o passar dos anos, cada (BRASIL, 1999). Pensando nessa tendência, algumas
vez mais o pensamento sustentável será discutido e im- empresas já promovem a logística reversa e estrategi-
plementado em nossa sociedade, este artigo visa apre- camente buscam veicular uma imagem institucional de
sentar o conceito de logística reversa, associando-o aos empresa ecologicamente correta.
preceitos da Política Nacional de Resíduos Sólidos, Por outro lado, ao reintroduzir em seus processos
evidenciar as consequências da destinação incorreta produtivos os materiais que seriam rejeitados ao final
dos uniformes pelos militares e demonstrar possíveis do processo pelos consumidores, as empresas podem
vantagens para a Instituição, tanto econômicas quanto evitar a necessidade de fazer uso de matéria-prima
sociais, acerca da implantação do fluxo logístico rever- nova ou de gastar recursos novamente na produção
so na Cadeia de Fardamento. desses materiais. Dessa forma, a logística reversa pode
possibilitar a redução de custos de produção ao pro-
LOGÍSTICA REVERSA vocar economias com o reaproveitamento de materiais
que, até então, seriam descartados.
Segundo a Associação Brasileira de Logística
No Brasil, as ideias acerca de progresso e susten-
(ABRALOG), logística pode ser entendida como:
tabilidade foram amplamente discutidas em conferên-
O processo de planejamento, implementação cias mundiais, tais quais a “Rio 92”, a “Rio +20” e,
e controle do fluxo e armazenagem eficientes mais recentemente, na temática das Olimpíadas. No
e de baixo custo de matérias-primas, estoque entanto, a logística reversa ganhou maior visibilidade
em processo, produto acabado e informa- em nosso país com a criação da Política Nacional de
ções relacionadas, desde o ponto de origem Resíduos Sólidos, em 2010.
até o ponto de consumo, com o objetivo de
atender aos requisitos do cliente (ASSOCIA-
ÇÃO BRASILEIRA DE LOGÍSTICA, 2012). POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS
No entanto, de acordo com Lacerda (2002), existe Pelo conceito de “responsabilidade estendida”, en-
também um fluxo logístico inverso, do ponto de con- tendido como a responsabilidade que as empresas têm
sumo até o ponto de origem, que precisa ser gerencia- pelos seus produtos mesmo após terem sido consumi-
do; é essa a área de estudo da “Logística reversa”. dos, Leite (2012, não paginado) defende que:
Tal expressão diz respeito a todo o planejamento de A ausência da implantação e execução de
recuperação e de reutilização do material descartado uma logística reversa eficiente que garanta
pelo consumidor e a de que forma a instituição pode essa responsabilidade estendida ao produto,
reaproveitá-lo, objetivando tanto diminuir os impac- com os consequentes danos à vida urbana e
tos ambientais e sociais causados pelo uso do produto ao meio ambiente, induz a sociedade à edição
quanto promover a redução de custos/obtenção de re- de legislações que responsabilizam empresas
cursos para a cadeia produtiva. e setores pelo equacionamento do retorno de
Quando relacionada às questões ambientais, a im- seus produtos, garantindo reaproveitamento
portância do fluxo reverso está associada à tendência ou destinação adequada a eles.
de que, cada vez mais, as empresas serão responsabi- Nesse sentido, após 21 anos de discussão no Con-
lizadas por todo o ciclo de vida de seus produtos, seja gresso Nacional, foi sancionada, em agosto de 2010, a
por legislações ambientais ou pela própria sociedade. Lei nº 12.305/2010 (BRASIL, 2010). Buscando estabe-
Exemplo dessa tendência é a Resolução nº 257 do lecer as normas para execução da Política Nacional de
Conselho Nacional do Meio Ambiente, que, em seu Resíduos Sólidos (PNRS) e promover ações relevantes

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 11


e articuladas entre as três esferas de poder – União, neiro (BAMRJ), que tem, como uma de suas
Estados e Municípios –, tal lei objetiva atrair a atenção finalidades, consolidar, em uma mesma área,
e delegar responsabilidades tanto para o setor privado depósitos centrais que funcionam como cen-
quanto para a sociedade em geral – a chamada “res- tros de distribuição (CD) de materiais utili-
ponsabilidade compartilhada” –, promovendo a busca zados nas rotinas administrativas e operacio-
de soluções para os potenciais problemas relacionados nais desta Força. (PASTORE; GUIMARÃES;
aos resíduos sólidos. DIALLO, 2010, p.2)
Com a aprovação da lei, o cidadão comum passou Dentre esses mais variados Órgãos de Distribui-
a ser responsável não só pela correta destinação de seu ção, há o Depósito de Fardamento da Marinha no Rio
lixo individual como também por rever e repensar seus de Janeiro (DepFMRJ). Com o propósito de “prover
hábitos de consumidor; o setor produtivo, no geral, os itens do símbolo de jurisdição ‘U’ (uniformes) aos
passou a agregar o dever de buscar soluções alterna- militares e às organizações militares da MB, contri-
tivas e ambientalmente corretas para a confecção de buindo para a eficácia do abastecimento” (Missão do
seus produtos, sendo responsável também pela gerên- DepFMRJ), o DepFMRJ atua como elemento central
cia adequada dos rejeitos sólidos e pela reintegração da Cadeia de Fardamento da MB, contabilizando os
dos mesmos à sua cadeia produtiva; os governos fe- uniformes, controlando o estoque, armazenando e for-
deral, estaduais e municipais, por sua vez, ficaram en- necendo os itens de fardamento.
carregados de planejar e estimular ações de gestão dos No atual fluxo, a cadeia logística adquire as peças
resíduos sólidos, promovendo a conscientização da do fardamento junto às empresas que as confeccionam.
sociedade e fiscalizando o fiel cumprimento das novas Funcionando como Órgão de Distribuição, o DepFMRJ
regras sancionadas com a lei. abastece os Postos de Distribuição de Uniformes, nos
Dessa forma, tal qual defende Pereira (2013), a Distritos Navais, e os Postos de Encomenda de Unifor-
PNRS impõe novas dinâmicas, medidas e procedimen- mes, nas mais variadas Organizações Militares; nesses
tos de gerenciamento adequado, criando normativas locais, os militares adquirem seus uniformes.
para ações públicas e privadas no que diz respeito à Nesse sistema já estabelecido, os diversos órgãos
questão ambiental. Aos produtos a serem produzidos dessa cadeia vieram, até então, provendo responsiva-
buscam-se, a partir da lei, ações para a redução ou a mente e atendendo às necessidades da Força de acordo
não geração dos resíduos; quanto aos rejeitos, buscam- com a complexidade e as dificuldades inerentes a todo
-se a atribuição de responsabilidades a todos os agentes esse processo. No entanto, com o passar dos anos, é
da cadeia e a destinação adequada de tais rejeitos, de natural que novas questões sejam agregadas a essa
forma a mitigar as agressões ao meio ambiente. Assim, complexidade; o descarte indevido das peças do far-
esta política nacional passou também a estimular, de damento pelos militares, em suas particularidades, re-
forma indireta, programas de reciclagem e de diminui- presenta um potencial problema e corresponde a uma
ção do consumo de recursos naturais para a produção dessas novas questões para a Instituição.
de novos produtos, estimulando a criação de novos sis-
temas logísticos pela valorização dos resíduos sólidos
PROBLEMÁTICAS DO DESCARTE INDEVIDO DAS
e criando, por exemplo, novos centros de reciclagem.
PEÇAS DO FARDAMENTO
Explicados, então, o conceito de “logística reversa”
e a importância dessa ferramenta segundo as novas le- Após pesquisas nas mais variadas publicações da
gislações brasileiras, este estudo dará ênfase, a partir Marinha – como a SGM 303 com as Normas sobre
de agora, à Cadeia de Fardamento da MB, explicitan- Gestão de Material (BRASIL, 2016) e a SGM 201 com
do suas nuances e traçando correspondência entre os as Normas para a Execução do Abastecimento (BRA-
conceitos apresentados. SIL, 2009)– e questionamentos a militares, tanto da
ativa quanto da reserva remunerada, constatou-se que
há uma lacuna de informações a respeito de qual deve
CADEIA DE FARDAMENTO DA MARINHA DO BRASIL ser o procedimento correto para os militares destina-
A Marinha mantém, na cidade do Rio de rem, individualmente, as fardas que não utilizam mais.
Janeiro, um complexo chamado Base de Ao mesmo tempo em que alguns desses militares
Abastecimento da Marinha no Rio de Ja- entrevistados alegaram apenas acumulá-las em suas

12 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


residências, outros simplesmente descartam o unifor- faz-se necessário o uso de ferramentas capazes não só
me no lixo comum, ou então incineram para garantir de reduzir o descarte incorreto das fardas como tam-
que o uso desviado dos uniformes por terceiros não bém de promover o reaproveitamento de tais resíduos.
seja possível. Há também os que praticam a doação Nesse sentido, a Política Nacional de Resíduos Sólidos
do material para abrigos ou para pessoas carentes, apresenta, como explicitado anteriormente, um impor-
mas apenas alguns apresentaram a preocupação em tante instrumento: a logística reversa.
descaracterizá-lo. Na cadeia de fardamento da Marinha do Brasil,
Tais atitudes podem incorrer, por exemplo, no com- a logística reversa poderia ser inserida com o fim de
prometimento da segurança orgânica das organizações complementar o fluxo logístico já existente, atuando
militares no momento em que a farda, característica no sentido contrário ao sistema já estabelecido. Atra-
primária do militar, é usada em tentativas de invasões vés de estímulos por parte da Instituição e da cons-
às organizações por indivíduos se passando por mili- cientização acerca das consequências da destinação
tares. Além disso, tanto a incineração desse material incorreta, o militar detentor da farda doaria, em sua
quanto o descarte em lixo comum relacionam-se com organização de origem, os uniformes que já não utiliza
a poluição do meio ambiente previamente discutida, mais; uma vez concentrados no posto de distribuição/
contribuindo com a acentuação dos problemas causa- encomenda da OM, tais materiais seriam recolhidos
dos pelos rejeitos sólidos à natureza. pelo próprio DepFMRJ quando fossem entregar novos
materiais para a OM.
LOGÍSTICA REVERSA NA CADEIA DE FARDAMENTO De volta ao DepFMRJ, os materiais inservíveis po-
derão ser destinados de forma ecologicamente correta
Quando avaliada a responsabilidade social da Mari- segundo suas possibilidades de transformação, reu-
nha na SGM 107 – Normas Gerais para a Administra- tilização, reciclagem ou, caso não seja constatada a
ção, um dos princípios gerenciais constantes é “a pre- viabilidade dessas opções, por incineração em usinas
servação da biodiversidade e dos ecossistemas naturais, licenciadas para tal.
potencializando a capacidade das gerações futuras de
atender suas próprias necessidades” (BRASIL, 2015, p.
1-12). Além disso, quando tal publicação define as di- CONSIDERAÇÕES FINAIS
retrizes do Programa Netuno (processo administrativo De acordo com os conceitos analisados, as legis-
que visa à aplicação de boas gestões e melhoria contí- lações vigentes e a tendência de crescimento da im-
nua), existem regras que avaliam se a OM já possui prá- portância do pensamento sustentável, a implantação
ticas voltadas para as preocupações ambientais ou se já do fluxo reverso na logística da cadeia de fardamento
ameniza seus impactos no meio ambiente. Dessa forma, da MB pode trazer inúmeras vantagens à instituição.
a MB reconhece que, em seu papel de instituição social, Além de passar a imagem de organização ecologica-
deve demonstrar interesse pelos problemas da sociedade mente correta tanto para seus servidores quanto para
como um todo e incentivar as iniciativas que promovam a sociedade, tal atitude reforçaria a importância da
soluções de problemas do dia a dia; a degradação do MB e elucidaria sua posição vanguardista, preocupada
meio ambiente, por sua vez, é um desses. com questões inovadoras.
Pela interpretação da Lei nº 12.305/2010 (BRASIL, Ressalta-se que, além das questões ambientais e
2010), a partir do momento em que preconiza o uso sociais, um importante fator ligado à logística rever-
de fardas e em que disponibiliza aos seus integrantes sa também estaria presente no fluxo reverso do far-
esses uniformes, a Marinha do Brasil torna-se partíci- damento da Marinha: a redução de custos. Caso seja
pe da cadeia logística de distribuição e, pelo princípio pesquisada e constatada sua viabilidade, a reciclagem
da Responsabilidade Compartilhada, passa a possuir das fardas abrirá a possibilidade para a Instituição de
compromissos para com os resíduos sólidos do final transformar os resíduos têxteis, antes inutilizáveis, em
dessa cadeia. Portanto, de acordo com as legislações novos tecidos ou em novos materiais, gerando econo-
brasileiras, face aos inúmeros problemas trazidos mias na confecção de novos uniformes ou de novos
pela geração de resíduos têxteis, pelas possibilidades produtos. Além disso, pode-se levar em conta também
de destinações inadequadas dadas aos mesmos e pela a reutilização de itens específicos, tais como zíperes,
responsabilidade da Marinha para com a sociedade, botões etc., gerando economia.

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 13


Por conseguinte, neste estudo o autor buscou evi- como alimentos, materiais eletrônicos, etc. – tende a
denciar uma temática ainda pouco discutida, mas ser cada vez mais difundida; é inexorável, portanto,
que provavelmente será amplamente debatida num que a Marinha do Brasil e, de forma mais abrangen-
futuro próximo. A importância de políticas de desti- te, as Forças Armadas, pelos mais variados motivos
nação de material – agora em referência não apenas já citados, promovam o estabelecimento de normas e
ao fardamento, mas de qualquer resíduo sólido, tais regras com esse fim.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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www.abralog.com.br/website/noticia/show.asp?pgpCode=9D458A92-7C39-74D1-102C-AD6AAE11E6B8>.
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org.br/biblioteca/ enegep2010_TN_STO_113_744_16526.pdf>. Acesso em: 01 jul. 2016.

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ARMAMENTO NA MB: 100 ANOS DE HISTÓRIAS
(1878 – 1978)
“Um navio de guerra é uma bateria flutuante.”
Hendrick Willem Van Loon

“Um bom canhão traz a vitória, a couraça apenas retarda a derrota.”


Vice Almirante Serge O. Makarov

Capitão de Mar e Guerra (Ref) Pedro Gomes dos Santos Filho1

Transcorriam os primeiros dias de outubro de 1878 O tema das conferências era a disputa sobre qual era o
quando o Capitão de Mar e Guerra Artur Silveira da melhor canhão: Armstrong ou Whitworth. Silveira da
Mota, mais tarde Barão de Jaceguai, proferiu a pri- Mota, contra a opinião de grande maioria da oficiali-
meira de suas três conferências sobre o tema “O arma- dade, demonstrou a superioridade da artilharia Arms-
mento raiado”. Na plateia, compenetrado como era trong, o que tempos depois foi comprovado em testes
do seu estilo, encontrava-se Sua Majestade, o Impera- com os dois canhões realizados a bordo do encouraça-
dor D. Pedro II. O evento foi notícia em vários jornais. do Riachuelo e na Inglaterra, desta feita na presença
dos chefes das duas firmas construtoras, artilheiros
1 Doutor em Política e Estratégia pela Escola Superior de Guerra.
notáveis e do ilustre Barão de Ladário. Após os testes,
Encarregado Geral do Armamento do Contratorpedeiro “Mariz
e Barros” e da Fragata “Liberal”. Oficial de Armamento da For-
a Marinha do Brasil seguiu as indicações de Jaceguai
ça de Contratorpedeiros, da Força de Fragatas e do Comando em e passou a dar preferência ao sistema Armstrong. Os
Chefe da Esquadra. canhões Whitworth, amplamente utilizados na Revol-

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ta de 1894, praticamente desapareceram nos navios da salva, e isto por methodo original, e quiçá
MB adquiridos após o fim do conflito. humorístico, que não fallhava... e assim que
O ilustre marinheiro já conhecia bem o canhão postas as guarnições de tiro em seus logares,
Whitworth, pois estudou o desempenho dessa arma gritava-lhes Legey:
durante a Guerra do Paraguai e durante o Comando Primeira bateria a boreste! Attentamente
da Corveta “Niterói”, de propulsão mista (vela e va- fixam-no os marujos. E Legey, em surdina,
por, com hélice), primeiro navio brasileiro dotado de cadenciado:
canhões de alma raiada. Seu interesse pela ciência mili- Teco-tereco teco, pepinos não são bonecos.
tar e suas aplicações à profissão naval motivaram-no a E gritava: Fogo!
estudar e provar a superioridade do sistema de artilha- Logo a seguir voltava-se para o outro lado,
ria Armstrong, opondo-se até à opinião de Henrique e repetia: Segunda bateria a bombordo! E no
Antônio Baptista, que, por seu conhecimento técnico mesmo tom cadenciado:
sobre armamento, foi mais tarde designado Patrono
Teco-tereco teco, pepinos não são bonecos.
dos Artilheiros da MB.
E imperioso: Fogo!”3
A frase simbólica “Teco-tereco [que mais tarde
virou teleco] teco, pepinos não são bonecos” foi
usada por muito tempo pelos encarregados dos ca-
nhões de salva e ficou marcada de forma indelével
nas mentes dos Oficiais armamentistas por muitos
e muitos anos.
Para o pessoal ligado ao armamento, o período
entre o final da Guerra do Paraguai e a deflagração
da Revolta da Armada ocorreu sem grandes novida-
des no seu campo profissional. Por outro lado, duran-
te a Revolta as novidades foram muitas... só que não
deram certo.
Figura 1 – Corveta “Niterói” Na esperança de compensar a inferioridade da
Fonte: internet chamada “Esquadra de Papelão” em relação à dos
revoltosos, o Governo de Floriano adquiriu, nos
A Corveta “Niterói”, além de pioneira em canhões Estados Unidos, quatro inventos recentes, sobre os
de alma raiada, foi cenário de curiosa e importante his- quais os criadores falavam maravilhas, e mandou
tória para os armamentistas. O navio, após o término instalar nos navios:
da Guerra do Paraguai, foi empregado em cruzeiros de “um canhão destinado a lançar projetis
instrução de Guardas-Marinha (GM), com o propósi- torpedos-aéreos, com fortes cargas de nitro-
to de instruir a arte de navegar nos Oficiais e GM, que glicerina, e um torpedo dirigível, Howard,
haviam passado muito tempo navegando nos rios du- instalados ambos no “Nictheroy”; um tor-
rante a guerra. Instalados canhões de salva a bordo, os pedo dirigível Edison-Sins, posto a bordo do
Oficiais encarregados nem sempre conseguiam efetuar Andrada e um canhão submarino, Walden-
as salvas em um ritmo adequado, provocando fortes -Lassoe, destinado a lançar por baixo d’água
censuras por parte do Comandante. um projétil torpedo de 10 polegadas, carre-
“Um inferno era a vida do oficial que fosse gado com 300 libras de algodão pólvora, co-
escalado para tal mister. Tal não acontecia locado no Piratini”.4
com o commandante Legey.2 Elle tinha como
preestabelecido uma norma para os tiros de
3 Junior, Garcia. Divisas e bordados: crônicas sobre a Marinha
brasileira. Rio de Janeiro, Papelaria Velho, 1938, p.47.
2 Possivelmente Eusébio de Paiva Legey. Como Capitão Tenente,
foi instrutor de Balística, Astronomia e Mecânica na Escola Na-
val e atuou no levantamento da costa do Pará, a bordo da Ca- 4 SOUZA E SILVA, Augusto Carlos de. O Almirante Saldanha. Rio
nhoneira “Afonso Celso”. Mais tarde, alcançou o Almirantado. de Janeiro, fev 1939.

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 17


As armas eram todas experimentais e nenhuma Não se pode afirmar que a prioridade dada pelas
funcionou. O canhão-dinamite nunca disparou, pelo autoridades navais brasileiras aos torpedos foi res-
menos em combate5; o torpedo do “Nictheroy” tam- ponsável, mas o fato é que, durante a Revolta da Ar-
bém nunca pode funcionar; o encarregado do torpe- mada, um ataque torpédico obteve marcante sucesso.
do do “Andrada” confessou que não sabia manejá- O ataque foi desferido durante o combate de 16 de
-lo, além disso, uma das bobinas internas do torpedo abril de 1894, ocasião em que, na segunda tentativa,
queimou e a arma se tornou inútil; o “Piratini”, navio o Caça-torpedeiro “Gustavo Sampaio”, da Esquadra
experimental construído para operar semissubmerso e legal, lançou um torpedo que atingiu o Encouraçado
disparar o canhão submarino (torpedo com propulsão “Aquidabã”, causando um rombo na proa. Comanda-
de canhão6), já chegou ao Brasil em estado precário e va o encouraçado o Capitão de Fragata Alexandrino
ficou em Salvador, onde foi destruído, o que impediu o de Alencar, que, estudioso daquela arma, havia anos
funcionamento de arma tão criativa. antes publicado um trabalho cujo título era quase uma
A época era propícia à engenhosidade bélica; a profecia: “Segredo do torpedo Whitehead”.8
arma sensação era o torpedo. Para se ter uma ideia, No início do século seguinte, a batalha de Tsushi-
todos os navios adquiridos no exterior, em 1893, para ma, na Guerra Russo-Japonesa, de 1905, trouxe ino-
serem incorporados à Esquadra legal, exceto o “Pira- vações estratégicas e táticas na guerra no mar. Com
tini”, possuíam tubos de torpedo. Um pouco antes do o emprego do torpedo autopropulsado, a distância de
deflagrar da Revolta, a Administração Naval brasilei- engajamento teve que ser aumentada, tornando inefi-
ra, por influência das teorias da concepção estratégica cazes as avarias provocadas pelos canhões de médio
“Jeune école”, criada pelo Almirante francês Théophi- calibre e alçando ao papel de protagonista dos con-
le Aube, já havia estabelecido como prioridade os tor- flitos navais o canhão de grosso calibre. Influenciado
pedos propulsados. Foram adquiridos torpedos, reali- pelos ensinamentos colhidos nessa guerra, o Programa
zados exercícios de lançamento, montadas oficinas no Naval de 1906 foi responsável pela aquisição da “es-
país e enviados Oficiais aos Estados Unidos e Europa quadra branca”, que contava com os Encouraçados
para estudar a construção, aplicação e uso da arma “Minas Gerais” e “São Paulo”, armados com canhões
desenvolvida por Robert Whitehead, em 1866/68. de 305 mm na sua bateria principal.
Whitehead era um engenheiro inglês, gerente de Logo após a chegada dos navios da “esquadra
uma firma que tinha a Marinha da Áustria como clien- branca”, em 1910, ocorre a Revolta dos Marinheiros,
te. Seus contatos com aquela Marinha o fizeram co- na qual se rebelaram os dois novos encouraçados, o
nhecer Giovanni Luppis, engenheiro que havia conce- antigo Encouraçado “Deodoro” e o Scout “Bahia”. As
bido os primeiros torpedos autopropulsados. Os dois cicatrizes deixadas pelo triste episódio não impediram,
formaram uma parceria que transformou o torpedo em no entanto, que a Revista Marítima Brasileira dedicas-
uma arma eficaz. Curiosamente, os contatos de Robert se, dois anos após a revolta, a sua página de honra a
com a Marinha austríaca duraram um longo período um Marinheiro Nacional de 1ª classe do “Bahia”, Pe-
e não se limitaram apenas ao campo profissional. Sua dro Luiz de Moraes, que, “no concurso de tiro ao alvo
neta, Agathe, casou, em 1911, com o Georg Ludwig com canhão, obteve a extraordinária porcentagem de
von Trapp, que, como Comandante de submarino du- 90%”.9 A revista estampava a foto do Marinheiro e
rante a Primeira Guerra Mundial, chegou a usar os enaltecia a atuação dos Oficiais instrutores, formados
torpedos Whitehead. O casal teve sete filhos, que, após na “Escola Profissional de Artilharia”.
a morte da mãe, juntaram-se à nova mulher de Georg O evento importante da década foi o envio à
e formaram a “Família Trapp”, cantores imortalizados Europa da Divisão Naval em Operações de Guerra
no filme “The Sound of Music”.7 (DNOG), em 1918, durante a Primeira Guerra Mun-
dial, sem a participação dos encouraçados. O empre-
5 Ver o artigo “A história do canhão misterioso”; Revista de Ville-
gagnon, 7ª ed., 2012.
8 BRASIL. Ministério da Marinha. História Naval Brasileira, Vo-
6 MARTINS, Hélio Leôncio. A revolta da Armada. Rio de Janei- lume V, Tomo II. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral
ro: Biblioteca do Exército Ed., 1997, p. 469. da Marinha, 1985.

7 Filme de grande sucesso lançado em 1965, que recebeu no Brasil 9 BRASIL. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, v. 132, nº
o título “Noviça Rebelde”. 10/12, out./dez. 2012, p. 227.

18 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


go real do armamento por navios brasileiros ocorreu tarde “estação previsora do tiro” ou, simplesmente,
em 25 de agosto, quando, após detectar a esteira de “previsora”), utilizando calculadores mecânicos e elé-
um torpedo, foi aberto fogo com canhão de 101 mm tricos, comunicações com as torres, acionamento dos
do Contratorpedeiro “Rio Grande do Norte” contra elevadores de munição etc., estimulou a vontade de re-
a silhueta de um submarino que mergulhou em emer- alizar exercícios de tiro avançados quando do regresso
gência. A seguir, os navios lançaram bombas de pro- ao Brasil. Para o gáudio daqueles Oficiais, após a che-
fundidade, mas a escuridão impediu a identificação do gada dos navios, foi realizado o que alguns conside-
resultado do ataque. “Somente após o armistício veio ram o primeiro exercício de tiro sobre alvo móvel da
a confirmação de seu sucesso. O Almirantado britâni- história da MB.
co, de posse de registros históricos do Estado-Maior Sobre o exercício, muita divulgação. Os jornais de
alemão, confirmou a destruição de um submarino, na- janeiro de 1922 noticiaram: o Presidente Epitácio Pes-
quela data e naquela área”.10 soa e comitiva foram recebidos a bordo do “Minas”;
No ano de 1918, devido à guerra, verificou-se um os tiros dos canhões de 305 mm (cinco salvas de seis
enorme esforço em melhorar a artilharia dos navios tiros) foram efetuados pelos encouraçados desenvol-
brasileiros. O treinamento das guarnições dos canhões vendo 12 nós e na distância entre 12 e 13 mil jardas;
foi intensificado, diversas instruções técnicas foram o alvo, casco do paquete “Alagoas”, foi rebocado pelo
emitidas, iniciou-se a fabricação de estopilhas para as Rebocador “Laurindo Pita”; o alvo, embora não ti-
vesse sido atingido, foi enquadrado pelas salvas, re-
munições e passou-se a usar o “ancinho de espotagem”
sultado documentado pelas fotografias tiradas por
na verificação dos pontos de quedas das granadas du-
aviadores navais (espotagem aérea); o desempenho
rante os exercícios de tiro.
do “São Paulo” foi considerado superior ao do navio
A década de 1920, considerada a “fase áurea da irmão, apresentando maior percentagem de acertos e
artilharia”,11 se inicia com a ida dos encouraçados melhor cadência de tiro.13
para os Estados Unidos, a fim de sofrerem moderni-
Para aprimorar o adestramento e a prontidão do
zação no armamento e nas máquinas. Além de recebe-
armamento, em 1927 foi instituído o Prêmio Riachue-
rem equipamentos de direção de tiro atualizados, fo-
lo para o navio que mais se distinguisse nos exercícios
ram instalados canhões de 76 mm dotados de munição
de tiro de combate a curta distância (ETCCD).
com traçador, atitude pioneira no que diz respeito ao
Mas nem mesmo o fogo sagrado dos Arquiduques
armamento antiaéreo empregado por navios da MB.
conseguiu prolongar por muito tempo o sucesso obti-
Após a modernização realizada nos Estados Uni- do na fase áurea da artilharia. A eficiência artilheira
dos e destaques de alguns tenentes em navios daquela ficou deveras prejudicada a partir da Revolução de
Marinha, surgiu, inicialmente no “São Paulo”, expan- 1930, embora a Flotilha dos Contratorpedeiros classe
dindo depois para o “Minas Gerais” e outros navios, “Pará” (navios de 600 toneladas e propulsão a carvão,
um núcleo de Oficiais apaixonados pela sua especiali- recebidos em decorrência do Plano Naval de 1906)
dade e com o desejo de acabar de vez com a estagna- continuasse operando.
ção em que vivia a Marinha. Foram denominados os
“Os classe “Pará” frequentemente exercita-
“Arquiduques”12. A rápida familiarização com os mo- vam sua pequena artilharia de canhões de
dernos equipamentos de direção de tiro (fire control, 101 e 47 mm, mas caprichavam especial-
desenvolvido pelo então Captain, mais tarde Almiran- mente nos lançamentos de torpedos, quando
te e Sir, Percy Scott, da Royal Navy), que incluíam lei- cada um se esforçava para fazer a melhor fi-
tura de telêmetros, cálculos na “casa de plotar” (mais gura na raia situada na Ilha Grande, na altu-
ra da linda Enseada da Estrela.”14
10 CANDIDO, Roberto Gomes. A Divisão Naval em operações de
guerra. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, v. 115, nº
13 Informações retiradas de VEIGA MIRANDA, João Pedro da.
10/12, jul./set. 1995, p. 135.
Quatorze meses na pasta da Marinha. 2. Ed. (revista e atualiza-
11 BRASIL. Ministério da Marinha. História Naval Brasileira, Vo- da). Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral da Marinha,
lume V, Tomo II. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral 1982, p. 77.
da Marinha, 1985.
14 MARTINS, Hélio Leôncio; CASTRO, Antonio Augusto Car-
12 Ver o artigo “Os Arquiduques”; Revista de Villegagnon, 2ª ed., doso de. Estórias navais brasileiras. Rio de Janeiro: Serviço de
2007. Documentação Geral da Marinha, 1985, p. 171.

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 19


Os exercícios eram
importantes, mas o arma-
mento precisava acompa-
nhar o estado da arte. De-
vido aos esforços do Mi-
nistro da Marinha, Almi-
rante Henrique Aristides
Guilhem, a evolução tec-
nológica do armamento
volta a ficar em evidência
no final da década, mais
precisamente em 1937.
Naquele ano, fun-
cionava, no Arsenal de
Marinha da Ilha das
Cobras (AMIC, depois
AMRJ), a Oficina de
Direção de Tiro, que se
encarregava da revisão
dos equipamentos dos
encouraçados e cruza- Figura 2 – Corveta “Carioca”
dores. Na mesma época, Fonte: internet
foi projetada a elevação
dos canhões de 120 mm
e foram colocadas falsas ogivas nos projetis desses ca- Coincidentemente, o Comandante do “Carioca”
nhões e nos de 305 mm para aumentar seus alcances. (C1), navio-mineiro-varredor que deu o nome à classe,
Nos testes dos disparos dos canhões de 305 mm para primeiro navio de mar construído pelo novo Arsenal
determinar as tábuas de tiro, o navio escalado foi o En- de Marinha, era um dos Arquiduques da década de
couraçado “São Paulo”, fundeado a quatro ferros na 1920, o Capitão de Corveta Harold R. Cox. A reper-
Baía da Ilha Grande. Nos testes, foi usado um apare- cussão do resultado do exercício foi excelente. Como
lho alemão que media a velocidade inicial dos projetis, estabelecia a Regra de Tiro em vigor, uma estrela bran-
evidenciando o desenvolvimento da tecnologia alemã ca foi pintada no canhão e no costado do navio, e to-
pouco antes da 2ª GM. dos os marinheiros artilheiros também puderam usar,
No final da década, foi posto em execução um Pro- por um ano, uma estrela na manga de seus uniformes.
grama Naval modesto que incluiu a construção no país Na mesma época, um dos monitores fluviais recém-
de dois monitores fluviais e seis navios mineiros-varre- -construídos também foi protagonista de um exercício
dores (depois transformados em corveta).
de tiro bastante interessante, que merece registro, em-
Um desses navios mostrou que, mesmo ao final de bora nem tanto pela sua eficiência.
um período político bastante conturbado, era possível
O monitor era o “Paraguaçu” e o tiro visava ve-
manter um alto grau de eficiência da artilharia.
rificar se o convés suportaria os esforços do recuo do
“No dia 13 de fevereiro de 1940, correndo na recém-instalado canhão de 120 mm nas diferentes con-
raia da Ilha Grande, o “Carioca”, revezando teiras. O navio demandou o ponto de fundeio em fren-
dois grupos de pontaria, obteve com o canhão
te ao Costão do Morcego, próximo à Fortaleza de San-
de 101,6 mm, o excepcional resultado de
ta Cruz, na entrada da Baía da Guanabara. Na hora do
100% de acertos. Oito tiros, oito acertos!”15
primeiro disparo, ocorreu o inesperado:
“Haviam aberto na Pedra do Morcego um
15 CRUZ, Augusto Lopes da. O Almirante Harold R. Cox um no-
caminho de serviço, preparatório para a
tável oficial da Marinha do Brasil (1892 – 1967) lembrado por
seus amigos, colegas e admiradores. Rio de Janeiro, Gráfica Ed. construção da estrada que lá hoje existe. E
Do Livro, 1973, p. 32. algumas crianças, moradoras perto, acorre-

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ram e nele se alinharam, atraídas pela curio- “O sistema Hedgehog era algo inovador [...].
sidade de ver aquele navio esquisito, criando Esse sistema apresentava diversas vantagens
com isso o impasse, pois ocupavam exata- em relação à carga de profundidade, e os
mente o alvo. A solução – acreditem ou não, comandantes aliados das escoltas ficaram
mas traduzo a expressão da verdade – teve entusiasmados com sua ampla utilização em
laivos de extrema ternura, de preocupação 1943, mesmo que de início houvesse muitos
com a infância. Deu-se a ordem: ‘um tiro de problemas. [...] Diferente das cargas de pro-
47 mm para espantar as crianças!’, ...”16 fundidade, o morteiro explodia ao contato –
E assim foi feito. Quando as crianças correram, os ou o projétil atingia o submarino ou não – e,
testes com o canhão de 120 mm começaram a ser exe- com uma fuzilaria de 24 granadas sobre um
cutados, mas no terceiro disparo o evento foi inter- submarino, a chance de alcance aumentava.
rompido, pois o navio foi informado que “uma peque- Além disso, o morteiro não afetava o funcio-
na edificação da fortaleza estava sendo demolida”.17 namento do sonar.” 19
Teste encerrado. Essa opinião não é compartilhada por R. de Belot,
Outro exercício de tiro digno de nota foi o realiza- que assinala:
do, tempos depois, pelo Encouraçado “Minas Gerais”, “As granadas do Hedgehog, explodindo ape-
no porto de Salvador, fundeado junto ao molhe sul e nas por contato, eram tão desinteressantes
próximo ao Forte São Marcelo, onde era responsável quanto uma salva de bombas de profundida-
pela defesa principal do porto na época da 2ª Guerra de caindo pela popa do alvo; estas últimas, ao
Mundial (2ª GM). menos, bem mais poderosas que as primeiras,
“O tiro real foi executado sobre alvo rebo- causavam danos mesmo que explodissem a
cado. Primeiramente, atirou torre por torre; uma pequena distância do submarino”.20
em seguida, foram disparadas três bordadas, Mesmo com as divergências, o fato é que o Hed-
obtendo-se o enquadramento do alvo. Se se gehog foi instalado em diversos escoltas. Na MB, os
tratasse de alvo real, teria sido fragorosa- contratorpedeiros de escolta de 1.500t, recebidos dos
mente batido.” 18 EUA ao longo de 1944, possuíam um LBG MK 10.
A cidade de Salvador não fez nenhuma reclama-
ção, nem mesmo sobre as vidraças quebradas. O velho
encouraçado demonstrou, com galhardia, que estava
pronto para o combate!
Enquanto o velho “Minas” ainda dava o ar da sua
graça, disparando seus antigos canhões de grosso cali-
bre, a 2ª GM trazia várias novidades para o armamen-
to naval, dentre elas o interessante Hedgehog.
O lançador de bombas granadas (LBG) era uma
arma antissubmarina, com a aparência de um porco
espinho, daí o nome. Morteiro múltiplo de granadas,
foi idealizado para se contrapor às desvantagens das
bombas (ou cargas) de profundidade. Sua importância
e eficácia dividiu a opinião de renomados historiado-
res. Paul Kennedy afirma que: Figura 3 – Lança bombas granadas (Hedgehog)
Fonte: internet
16 MARTINS, Hélio Leôncio; CASTRO, Antonio Augusto Car-
doso de. Estórias navais brasileiras. Rio de Janeiro: Serviço de
Documentação Geral da Marinha, 1985,p. 40.
19 KENNEDY, Paul. Engenheiros da vitória: os responsáveis pela
17 Idem. reviravolta na Segunda Guerra Mundial. 1. ed. São Paulo, Com-
panhia das Letras, 2014, p.86.
18 FRAZÃO, Eugênio Marques Rodrigues. Um Guarda-Marinha
na Segunda Guerra Mundial. Revista Marítima Brasileira, Rio de 20 DE BELLOT, R. A guerra aeronaval no Atlântico: 1939 – 1945.
Janeiro, v. 107, nº 10/12, out./dez. 1987, p. 58. 2. ed. Rio de Janeiro, Editora Record, 1970, p. 195.

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 21


Valeu a experiência adquirida e foi proporcio-
nada aos alunos a operação real dos equipa-
mentos iguais aos existentes na Esquadra”.21
Chega a década de 1950 e com ela uma importante
rendição de serviço. Saem os encouraçados, que passam
para a Reserva, e entram os cruzadores ligeiros (Cl)
“Barroso” e “Tamandaré”, adquiridos da Marinha dos
EUA. Embora com armamento de menor calibre do que
os encouraçados, os dois cruzadores impunham respei-
to, com suas linhas elegantes e imponente bateria princi-
pal, composta de cinco torres tríplices de 152 mm.
Foram mais de 20 anos de bons serviços, durante os
Figura 4 – CTE “Baependi” com a EN ao fundo
quais os dois navios puderam realizar exercícios como
Fonte: internet
o descrito a seguir:

Com relação a esses navios, uma curiosidade. Embora


o “Baependi” fosse o ex USS “Cannon” (DE 99), que
dava o nome à classe na Marinha norte americana, no
Brasil os navios ficaram conhecidos como classe “Ber-
tioga”, pois o ex USS “Pennewill” (DE 175), batizado
como “Bertioga”, foi o primeiro a ser transferido.
Após a 2ª GM, as iniciativas do Almirante Guilhem
em prol do armamento começaram a dar frutos. Em
1947, criadas pela mesma lei, encontravam-se em fun-
cionamento a Fábrica de Artilharia da Marinha (FAM)
e a Fábrica de Torpedos da Marinha. Neste ano, a
FAM produziu seu primeiro canhão de 127 mm, o
“Tira-Teima”, que teve seu teste de disparo no Polígo- Figura 5 – Cruzador “Barroso”
no de Tiro do Exército, na Restinga da Marambaia. Fonte: internet
Além do “Tira-Teima”, mais dez canhões foram fabri-
cados e montados nos contratorpedeiros classe “A”,
em construção no AMRJ. Sete anos depois, a Fábrica
de Torpedos testou no mar, com sucesso, o primeiro,
de uma série de cinco, torpedo MK XV-Mod III.
Ainda em 1947, o ensino do armamento também
estava sendo aprimorado.
“A Marinha Brasileira tinha adquirido da Ma-
rinha Americana para a Escola de Direção de
Tiro: uma Diretora de Tiro MK 33 utilizada
nos contratorpedeiros da época, um quadro
de manobra de Direção de Tiro e um canhão
de 40 mm duplo automático com alça diretora
MK 57. A Fábrica de Artilharia da Marinha
Figura 6 – Cruzador “Tamandaré”
forneceu um canhão de 127 mm automático,
Fonte: acervo do autor
idêntico aos que estavam sendo instalados nos
contratorpedeiros em produção no AMRJ. O 21 VIANNA, Antonio Didier. Competitividade e a indústria brasi-
AMRJ forneceu os cabos elétricos e toda a ins- leira: por que o Brasil não é competitivo? 1. ed. Rio de Janeiro:
talação foi feita pela escassa equipe da Escola. Jaguatirica Digital, 2013,p 27.

22 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


“Em um dos exercícios da Esquadra coube Cumpridas as formalidades iniciais de proce-
ao Cruzador “Barroso”, como capitânia, dimentos fonia e de segurança, o EGA obte-
abrir fogo em primeiro lugar. Devia dispa- ve do Comandante a liberdade de ação para
rar uma bordada completa, uma salva com o armamento e ordenou: “Geral - Direção.
todos os seus canhões. Seguiu para a raia Ação de superfície a boreste. Seguir pontei-
de tiro em Postos de Combate, toda a ar- ros e passar para automático.” As torretas
tilharia guarnecida, direção de tiro acom- 51, 53 e 55 conteiraram, simultaneamente,
panhando o alvo com radares e aparelhos para boreste e praticamente paralelas apon-
óticos, fiscais a postos. E abriu fogo, envol- taram para o diminuto alvo tipo Delta. “Abre
vendo a si na fumaça da pólvora e o alvo fogo”, ordena o EGA. Um único estrondo e
pelos gêiseres da salva. No silêncio que se as três bocas de fogo expelindo fumaça indi-
seguiu, o comandante-em-chefe da Esqua- cavam que não houvera nega. Decorrido o
dra recebeu uma mensagem sui generis do tempo de voo das granadas, o operador do
navio atirador: “Solicito novo alvo”! A res- radar informa: “O radar perdeu o treque”
posta demorou, mas veio elogiosa: “Ótima (acompanhamento automático que o radar
atuação pt alvo afundado”.22 faz do alvo), uma vez que a sensibilidade de
O bom desempenho dos navios em exercícios de um sensor eletrônico é superior aos sentidos
tiro não impediu que um deles virasse alvo. Na cri- humanos, mas não tardou e ouviu-se o EGA
se de novembro de 1955, o “Tamandaré”, elevado ao confirmar visualmente e gritar pelo circuito
papel de personagem marcante da História do Brasil, JC: “O alvo desapareceu!” Passada a perple-
foi alvo de tiros disparados pelo Forte de Copacabana. xidade inicial, aquilo que poderia indicar um
Navio com estrela – não é por acaso o apelido “Lucky mau desempenho, transformou-se em júbilo,
Lou”, adquirido na US Navy – não foi atingido. pois o alvo havia sido destruído por impacto
A década seguinte assistiu às primeiras Operações direto das granadas de exercício.”23
“Unitas” e à entrada da MB na era dos mísseis. Em Era o tempo da luneta de boresighting, do calibre
1966, foi instalado, no Contratorpedeiro (CT) “Ma- estrela, da barra calibre e do quadrante do artilheiro.
riz e Barros” (classe “M”), um lançador de mísseis
Os contratorpedeiros das classes “Allen M. Sum-
superfície-ar Seacat. Com a baixa do navio, o lançador
ner” e “Gearing” também desfrutaram das instalações
foi mais tarde transferido para o CT “Mato Grosso”
em Porto Rico, participando de operações semelhan-
(classe “Allen M. Sumner”), adquirido em decorrência
tes, embora com diferentes nomes como “Caribex” e
do Acordo de Assistência Militar, firmado entre o Bra-
“Readex”.
sil e os EUA na década de 1950. Este Acordo propor-
cionou, a partir de 1968, a participação brasileira nas Mesmo com a eficiente participação nessas opera-
Operações “Springboard” e “Veritas”, realizadas nas ções, os CTs começavam a perder o protagonismo com
proximidades de Porto Rico, utilizando a raia de tiro a chegada das modernas fragatas classe “Niteroi”. Em
da Ilha de Viegues e outras facilidades. decorrência do contrato de construção das fragatas,
As operações na área de Porto Rico adentraram a dé- assinado em 1970, começava o grande salto tecnológi-
cada seguinte e foram excelentes para o aprestamento dos co da MB, que ingressava na era dos navios dotados de
Departamentos de Armamento dos contratorpedeiros sistemas computadorizados de controle tático e pro-
classe “P” (classe “Fletcher”), como ilustra o depoimen- pulsão por turbina a gás. Para o armamento, a evolu-
to de um Oficial armamentista participante da Operação ção foi marcante, com a aquisição de mísseis como o
“Springboard 72”, a bordo do CT “Santa Catarina”: Exocet e o Ikara, além da versão atualizada do Seacat,
a substituição do obsoleto radar de Direção MK 25
“[...] o navio assumiu a posição para iniciar
pelo RTN 10X e do valente canhão de 127 mm pelo
o exercício sobre um alvo rebocado, atiran-
sofisticado Vickers (reparo MK 8) de 4,5 polegadas.
do com as torretas ímpares a 6.000 jardas.
Os artilheiros pagaram o preço dessa sofisticação.

22 MARTINS, Hélio Leôncio; CASTRO, Antonio Augusto Car- 23 OLIVEIRA, Paulo Marques de. Santa Catarina – um atirador
doso de. Estórias navais brasileiras. Rio de Janeiro: Serviço de de elite. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, v. 128, nº
Documentação Geral da Marinha, 1985, p. 190. 07/09, p. 128-135, jul./set. 2008, p. 133.

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 23


O fato de o canhão ter sido recentemente desenvolvido pectativa por parte dos interessados visitan-
pela Marinha inglesa, aliado à complexa automação tes. Mas aconteceu que o elevador enguiçou
exigida pelas suas modernas características, fez com e não houve jeito de fazê-lo funcionar. Os
que, no início da sua vida operativa, a arma apresen- frustrados demonstradores, muito rubori-
tasse um grande número de avarias, que somente mais zados, tiveram que se contentar em nos dar
tarde o esforço e a dedicação do pessoal de bordo e dos detalhadas explicações sobre como a coisa
órgãos especializados brasileiros conseguiram reduzir.
deveria ter acontecido”.24
O que os artilheiros talvez não soubessem é que, antes
da escolha sobre qual canhão seria instalado, houve Apesar das avarias, o 4,5 polegadas, com o tempo,
um evento dando indícios de que a vida dos artilheiros conseguiu demonstrar as vantagens da sua cadência e
não seria fácil. O canhão de 4,5 polegadas apresentou precisão, realizando excelentes tiros contra alvos de
uma avaria na primeira demonstração de seu funcio- superfície e aéreos e de Apoio de Fogo Naval na Raia
namento, realizada para as autoridades brasileiras que de Tiro de Alcatrazes.
foram inspecionar as instalações envolvidas na cons- No final de 1978, foram incorporadas as duas úl-
trução dos navios. timas das quatro fragatas construídas na Inglaterra,
“Estivemos na oficina onde estava montado a “Constituição” e a “Liberal”. Eram navios de em-
um reparo completo com um canhão para prego geral, as primeiras belonaves brasileiras dotadas
assistir a uma demonstração de como a mu- com mísseis superfície-superfície Exocet. A partir daí,
nição engastada era trazida do paiol até a começa outra fase do armamento na MB, que certa-
culatra para o tiro. A rapidez dessa operação
mente vai produzir mais 100 anos de histórias.
era o que, no dizer dos homens da Vickers,
tornava o seu reparo especialmente notável. 24 COELHO DE SOUZA, José Carlos. Uma história das fragatas:
A demonstração começou com grande ex- depoimento pessoal. Rio de Janeiro, Clube Naval, 2001, p 41.

24 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Documentação Geral da Marinha, 1985.
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Naval, 2001.
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lembrado por seus amigos, colegas e admiradores. Rio de Janeiro, Gráfica Ed. Do Livro, 1973.
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SOUZA E SILVA, Augusto Carlos de. O Almirante Saldanha. Rio de Janeiro, fev 1939.
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VIDIGAL, Armando Amorim Ferreira. A evolução do pensamento estratégico naval brasileiro. Rio de Janeiro:
Biblioteca do Exército, 1985.

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 25


Veleiros Contornando a Ilha de Alcatrazes por Boreste

“ALCATRAZES POR BORESTE”:


LIÇÕES DE UMA REGATA INESQUECÍVEL
“Na Moral e no Esporte, o Aspirante é forte.”
Trecho do Hino Viva a Marinha,
de autoria do Aspirante Luiz Felipe M. de Magalhães.

Aspirante Victor Andrey Bragança de Almeida Xavier

INTRODUÇÃO A MISSÃO
O arquipélago de Alcatrazes, localizado no litoral Durante a 42ª Semana de Vela de Ilhabela (Ilhabela
Sul de São Paulo entre as cidades de São Sebastião e Sailing Week), maior circuito de vela da América La-
Santos, é um conjunto de quatro ilhas principais. Co- tina, evento organizado pelo Yacht Club de Ilhabela
nhecido pela sua biodiversidade, é protegido e monito- (YCI), ocorrem, com duração de aproximadamente
rado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da sete dias, intensas e competitivas regatas de diversas
Biodiversidade. classes, contando com a participação de mais de cem
O arquipélago também abriga a Raia de Tiro de barcos e mil velejadores.
Alcatrazes, onde são realizados periodicamente, e com Esse número expressivo afeta o cotidiano desse
os devidos cuidados ambientais, os adestramentos de ponto turístico paulista e gera um impacto positivo na
Apoio de Fogo Naval dos navios da nossa Esquadra. economia do comércio local. A cidade se prepara para

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 27


este evento de tal forma que a prefeitura batizou a ci-
dade como “a Capital da vela”.
O evento, que já está na sua 43ª edição, é muito
prestigiado no meio náutico, recebendo delegações do
Uruguai, da Argentina e do Chile.
A regata que dá início a esse circuito se chama “Al-
catrazes por Boreste –Marinha do Brasil”. A homena-
gem a nossa Marinha é devida ao constante apoio ao
evento por intermédio do pessoal e dos meios operati-
vos da MB, tais como Navios Patrulha, Fragatas e He-
licópteros (realizando fotografias aéreas). Além disso,
a regata conta com participações especiais do Navio
Veleiro “Cisne Branco” e dos Grêmios de Vela da Es-
cola Naval (GVEN), do Colégio Naval (GVCN) e da
Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante
(GVEFOMM).
O percurso dessa regata é simples, porém extrema-
mente desafiador: contornar a Ilha Principal de Alca-
trazes, deixando-a por boreste da embarcação e voltar
para o Iate Clube. O percurso seria bem fácil, exceto
pelo fato de ter aproximadamente 60 milhas náuticas
(111 km) no total, somando-se à forte correnteza con-
trária na saída do canal de São Sebastião. O tempo
médio de regata para a maioria dos veleiros é de 10 a Carta Sinótica da DHN mostrando a frente fria chegando
12 horas. Fonte: DHN.

Arquipélago de Alcatrazes fonte: Carlo Borlenghi / ROLEX

28 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


“HPE 25” com o mastro quebrado
Fonte: Yacht Club de Ilhabela

A AÇÃO mos a tarefa de torná-lo confortável para uma regata


longa, porém sem atrapalhar o nosso peso embarcado,
A Escola Naval participou da 42ª edição com seis
para não reduzir a performance. Para Regatas longas,
veleiros oceânicos, que fizeram a travessia até São Pau-
o “Brekelé” dispõe de um fogão e oito camas improvi-
lo conduzidos pelos Aspirantes, que aproveitaram a
sadas para repouso dos velejadores.
oportunidade para colocar em prática os ensinamentos
de navegação ministrados em sala de aula, através da A previsão da Diretoria de Hidrografia e Navegação
plotagem de pontos na carta náutica e da observação (DHN) era de chegada de frente fria à região, como fi-
dos sinais luminosos de faróis e faroletes ao longo da cou registrado em sua carta sinótica, além de previsões
costa, além de aumentar a sua experiência e o contato que indicavam a entrada de um vento com até 30 nós
com o mar. (60 km/h) de intensidade. Para se ter uma noção dessa
Ao chegar à Ilha, após 20 horas de viagem, tivemos intensidade, com ventos acima de 30 nós alguns clubes
um dia de intensa preparação para enfrentar Alcatra- cancelam as regatas devido à possibilidade de danos ao
zes, checando os materiais de salvatagem, as velas e material. Logo pela manhã a chuva fina e muitas nu-
a organização dentro do veleiro. Na manhã seguinte, vens negras já anunciavam o que estava para acontecer
embarquei com os demais tripulantes e com o nosso e, no momento da largada, a previsão se cumpriu: ven-
professor de Vela Ricardo Lebreiro no “Brekelé”, que tos de 30 com rajadas de até 35 nós. A velocidade da
é o nome de um veleiro modelo “Farr 40”, construí- correnteza no canal era tão grande que o Navio Patru-
do para regatas de velocidade, integrante desde 1984 lha que prestava apoio mal conseguia ficar fundeado.
do GVEN, cujo nome de batismo foi escolhido para O único veleiro que disparou foi o “Camiranga”, um
homenagear o ganso mascote da Escola Naval. Tínha- veleiro “Soto 65” que buscava quebrar o recorde de

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 29


Veleiros no Canal de São Sebastião
Fonte: Kiko Moura \B1 Marketing Digital

Fragata “Greenhalgh” fundeada em um dia de mau tempo em Ilhabela – SP

30 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


de São Sebastião ao fim
de quatro horas de re-
gata, enfrentamos mais
uma intempérie: ondas
que variavam de três a
quatro metros, ocasio-
nando muitos mareios3
a bordo. A situação de
habitabilidade no bar-
co tornava-se crítica,
era impossível ingerir
qualquer alimento sóli-
do, nos restando apenas
a ingestão de líquidos
como água e suco. Nos-
sa única refeição tinha
sido barras de cereal e
algumas nozes no canal
de São Sebastião. Apro-
ximadamente sete ho-
ras haviam se passado,
adentrávamos a noite
fria e não tínhamos com-
pletado a primeira parte
do percurso ainda. Ini-
ciamos um revezamento
dentro do veleiro para
evitar hipotermias, al-
guns Aspirantes tiveram
Veleiro Oceânico “Brekelé” do GVEN
câimbras e de 10 tripu-
lantes somente quatro
tempo da regata. Todos tiveram intensas dificuldades estavam do lado de fora em condições de manobrar os
logo no início. Veleiros menores como os “HPE25” e cabos e as velas. Nosso aparelho GPS começou a apre-
“C30” tiveram problemas como quebra de mastro. Al- sentar problemas, parte do óleo diesel vazou do tanque
guns se quebraram em duas partes devido à força do devido ao balanço e ao caturro4 do veleiro, causando
vento e ao rasgamento de velas. Em poucas horas de um odor nauseante dentro e fora da embarcação. Nos-
regata, muitos veleiros já haviam desistido. Permanece- so compasso e nossa régua paralela sumiram da mesa
mos firmes no objetivo e seguimos na disputa. Em di- de navegação. Estávamos, como disse o professor Le-
versos momentos a visibilidade era restrita. A água da breiro, “navegando que nem o Cabral, só com bússola
chuva era direcionada nos olhos por causa do vento, o e vela”. Muito próximo ao objetivo, obtivemos sinal no
que limitava a velocidade de nossas manobras de cam- nosso GPS e, após todas as adversidades, conseguimos
bada1. A sensação térmica estava abaixo de 10 graus. contornar com segurança e às escuras o tão desejado
Com todos na escora2, buscamos formas de motivação arquipélago. Voltando com o vento e com as ondas ao
para não deixar o moral cair. Nesse momento o Espíri- nosso favor, completamos a regata em aproximada-
to de Equipe e a Liderança de cada um foram essenciais mente 12 horas, chegando ao clube de madrugada.
para evitar uma provável desistência. Ao sair do canal
3 Mareio: enjoo causado pelo balanço do mar.
1 Cambada: manobra no veleiro em que as velas trocam de bordo,
4 Balanço: movimento transversal da embarcação (de um bordo
sendo necessário agilidade, rapidez e destreza da tripulação.
para o outro). Caturro: movimento longitudinal da embarcação
2 Escora: inclinação do barco de um lado para outro. (de proa a popa).

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 31


O RESULTADO Certamente, sem uma coesão de propósitos a experiên-
cia teria sido abreviada e a missão não seria cumprida
Vencer Alcatrazes é mais do que conseguir o primei-
com êxito. O espírito de equipe nos trouxe a importân-
ro lugar. Concluir a prova é um título para os amantes
cia do trabalho coletivo; se um membro cometesse um
da Vela. Dos mais de 60 barcos que iniciaram a regata
erro todos seriam prejudicados, não existia um sucesso
somente 34 completaram, foi o recorde de desistências e um fracasso individual, poderíamos ter a bordo um
desde que essa regata começou a ser disputada, e nós campeão olímpico na modalidade e não obteríamos
fizemos parte dessa parcela que perseverou. nenhum resultado significativo sem um esforço con-
No decorrer do circuito, obtivemos o terceiro lugar junto. Esse desafio nos trouxe ensinamentos que cer-
na classe “RGS-A”, e o critério de desempate foi justa- tamente nos ajudarão no futuro, seja nos batalhões de
mente a regata Alcatrazes. Tivemos a vivência real da fuzileiros, nos meios operativos de nossa Esquadra ou
importância de valores como a liderança, que teve que nos Centros de Intendência.
ser praticada nos momentos de maior dificuldade. A A experiência que passamos nos remete ao sábio
motivação oriunda de líderes fez com que todos enten- Rui Barbosa: “O mar é um curso de força e uma escola
dessem sua importância dentro do barco. Isso se apli- de previdência. Todos os seus espetáculos são lições:
ca ao cotidiano de empresas e ambientes de trabalho. não os contemplemos frivolamente”.

32 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


Figura 1 - Dia do Mestre 2016
Fonte: De Vito Fotos.

O PROFESSOR-INSTRUTOR MILITAR
TAREFA POR TEMPO CERTO:
PERFIL, SABERES E FORMAÇÃO DOCENTE

Capitão de Mar e Guerra (RM1-IM)


Hercules Guimarães Honorato1

INTRODUÇÃO Como exposto na epígrafe acima, o aluno e sua re-


lação com o seu professor fazem parte da construção
“[...] Tudo o que não temos ao nascer, e de
do sujeito, independentemente do nível de formação,
que precisamos adultos, é-nos dado pela edu-
desde a educação infantil à superior. Ato contínuo,
cação [...] Essa educação nos vem da nature-
um dos desafios das Instituições de Ensino Superior
za, ou dos homens ou das coisas.” (Emílio
(IES) militares na formação de seus profissionais con-
ou da Educação, de Jean-Jacques Rousseau).
siste em manter um corpo docente capaz de vencer
1 Mestre em Educação pela Universidade Estácio de Sá (UNESA). as provocações oriundas do amálgama da moderna

34 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


pedagogia, além da pluralidade de conhecimentos ne- ensino, visto que ainda existe intensa discussão, no
cessários na formação de um Oficial para as Forças âmbito da educação superior, da necessidade ou não
Armadas, para os dias atuais e para um futuro cada dos seus professores terem uma formação docente es-
vez mais envolto e subordinado ao crescente aspecto pecífica. Um aspecto motivacional para a elaboração
tecnológico da guerra. deste estudo foi a pouca pesquisa sobre o tema no
Ensinar, hoje em dia, é desenvolver uma ação es- meio acadêmico, com foco no ensino superior militar.
tratégica especializada, fundada no conhecimento pró- Este artigo está delimitado no estudo do docente
prio, ou seja, no professor, que consiste em fazer com que exerce tarefa por tempo certo, ou seja, do militar
que alguém, no caso todos os seus alunos, aprenda da reserva remunerada (RM1) ou inativo que exerce
algum conteúdo que se considera socialmente neces- tal atividade, não entrando, portanto, nas demais mo-
sário2. Partindo-se deste caminhar, o objetivo deste es- dalidades de instrutores existentes, como os militares
tudo é apresentar o corpo docente do ensino superior da ativa e os do magistério militar temporário (inte-
militar da Escola Naval (EN), cenário desta pesquisa, grantes da reserva não remunerada - RM2).
em especial os militares da reserva naval que exercem
Assim exposto, a seguinte questão de pesquisa nor-
Tarefa por Tempo Certo (TTC), abrangendo seus per-
teou este estudo: “Em que medida um instrutor militar
fis formativos, saberes e formação docente.
da reserva, sem formação docente específica durante
A abordagem dessa investigação é de cunho quali- sua formação acadêmica e prática profissional, pode
tativo, com pesquisa documental e bibliográfica como ser considerado um professor?”.
técnicas iniciais exploratórias, em que se buscou esta-
belecer relações sobre a formação profissional do ins-
trutor TTC e a sua preparação para o ensino superior O PROFESSOR NA EDUCAÇÃO SUPERIOR
militar. A escolha da pesquisa qualitativa teve como A pedagogia é a ciência da educação, que tem como
escopo a ênfase na interpretação, “na compreensão objetivo os fenômenos educativos e, portanto, preo-
das motivações, culturas, valores, ideologias, crenças cupa-se com a problemática da formação humana. A
e sentimentos que movem os sujeitos, que dão signi- didática seria a prática do ensino, em especial na sala
ficado à realidade estudada e não aos fatos observá- de aula, sendo esta central na formação do professor.
veis e passíveis de serem medidos estatisticamente” Silva e Conrado (2013, p.11), ao tratarem da ação pe-
(IVENICKI; CANEN, 2016, p.11). Conforme esses dagógica do professor, argumentam com clareza que
autores, a análise documental é um exemplo da meto- “a escolha de uma profissão requer, além de aptidão
dologia qualitativa, na qual o pesquisador mergulha e conhecimento, consciência do que a amplitude dessa
sobre fontes escritas. escolha trará”, e é sobre este aspecto da escolha que
Para verificar em que grau estes sujeitos da pesqui- esta seção trata, do universo do ser professor univer-
sa, os instrutores da reserva, consideram importante sitário.
a sua experiência prática na formação dos futuros
Oficiais da Marinha do Brasil (MB), adotamos, como
A formação do professor do ensino superior
instrumento de coleta de dados, um questionário que,
após a devida autorização da coordenação geral do A primeira questão que se coloca é sobre a forma-
curso, foi enviado aos respectivos e-mails de todos os ção do professor do ensino superior, se há ou não a
docentes da IES militar. necessidade de formação pedagógica, visto que, pela
Espera-se que este estudo seja relevante ao parti- nossa lei maior da educação, a Lei de Diretrizes e Bases
cipar ao meio acadêmico o processo formativo dos da Educação Nacional (LDB), é estipulado, em seu art.
docentes TTC, no que diz respeito tanto aos aspectos 66, que “A preparação para o exercício do magistério
profissionais de formação propedêutica e científica, superior far-se-á em nível de pós-graduação, priori-
quanto aos conhecimentos pedagógicos e prática de tariamente em programas de mestrado e doutorado”
(BRASIL, 1996, não paginado).
2 Palestra proferida pela Profa. Dra. Maria do Céu Roldão no III
Existe uma crítica permanente pelo “fato de os pro-
Simpósio sobre ensino de didática do Laboratório de Estudos
e pesquisas em Didática e Formação de Professores (LEPED)
fessores do ensino superior serem despreparados para
da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de desenvolver a função de pesquisadores e não possuírem
Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, 17 e 18 maio 2016. formação pedagógica” (PIMENTA; ANASTASIOU;

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 35


CAVALLET, 2003 apud
LELIS, 2009, p.153). O
que Cunha (2004) afir-
ma é que não existe a
possibilidade de separar
a dimensão adquirida
da prática pedagógica
na formação de profes-
sores. Soma-se também
o que Mizukami (2004)
assegura: os professores
precisam ter diferentes
tipos de conhecimentos,
incluindo o pedagógico.
Salomão (2004, p.4,
grifo nosso) argumenta
ainda que “não raramen-
te, encontramos profis-
sionais qualificados em
determinadas áreas que Figura 2 - Aula de Introdução à Logística Naval
se transformam em pro- Fonte: O autor.
fessores, educadores em
potencial”. Essa “trans-
formação” tem início durante o período em que estão que conceitua: “Docente” é aquele que ensina; “Ins-
começando a viver a docência, tendo como modelos trutor” é aquele que instrui, que ensina, que adestra;
os seus antigos mestres, que internalizaram em sua “Professor”, bem amplo, seria aquele que professa ou
formação superior, e assim passam a ensinar a partir ensina uma ciência, uma arte, uma técnica, uma disci-
das experiências como aluno (ISAIA; BOLZAN, 2004; plina, um mestre, que seria também um homem perito
CUNHA, 2006; KIRSCH; MIZUKAMI, 2012). ou adestrado; para “Mestre”, o significado seria uma
Podemos resumir, segundo o referencial levantado, pessoa que ensina ou orienta, orientador de pessoas,
que este novo professor do ensino superior precisa ad- aquele que sabe muito, sábio. Se verificarmos o vocá-
quirir, em linhas gerais, uma sólida cultura geral e for- bulo que mais se repete nos quatros conceitos expostos,
mação científica, acadêmica e também pedagógica, o nós temos o verbo ensinar, que, segundo este mesmo
dicionário, pode ser o ato de transmitir conhecimento
que seria a capacidade de aprender a aprender, desen-
sobre alguma coisa a alguém, lecionar, ensinar.
volvendo estratégias especializadas, via domínio das no-
vas tecnologias e dos meios de informação, com habili- O ser instrutor no ensino superior militar também
dades de articular as aulas, as mídias sociais, assumindo se alinha com o ser professor, quando ambos não estão
o ensino como mediação, com o escopo e a preocupa- preparados no seu todo profissional, o que Salomão
ção da aprendizagem ativa do aluno, uma consciência (2004) alinha com as competências do professor ou
da responsabilidade pela formação de futuros profissio- instrutor, diretamente ligadas a uma sólida formação
nais, ou, como asseveram Silva e Conrado (2013, p.34), científica, acadêmica e pedagógica. A relação entre do-
“escolher ser professor inclui dor de cabeça, problema, cente e discente não é suficiente apenas com a transmis-
emoção, alegria, afeto e muita, muita seriedade”. são de conhecimentos técnicos, “o aluno que aprende é
porque encontrou significado nas informações e orien-
tações do professor” (SALOMÃO, 2004, p.7).
O professor ou instrutor no ensino superior militar?
Segundo Kirsch e Mizukami (2012, p.73), “o espa-
Em primeiro lugar, precisamos conceituar os prin- ço da educação militar é muito rico em experiências,
cipais sujeitos envolvidos na educação. Começamos saberes e práticas, porém pouco explorado”, o que este
pelo Novo Dicionário da Língua Portuguesa (1986), autor concorda, principalmente tendo verificado que o

36 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


instrutor militar da ativa é colocado na tarefa de ensinar ça de trabalho da Marinha de militares com larga experi-
por um período que muitas vezes não consegue formar ência profissional e conhecimento técnico-administrativo
um cabedal pedagógico suficiente para se manter atuan- de interesse a instituição” (BRASIL, 2009, p.2-1), o que
te na relação professor-aluno, nem criar uma identidade podemos resumir como a contratação de militares, tanto
docente, pois tem requisitos de carreira que o fazem ser Oficiais como subalternos, voluntários e pertencentes à
movimentado para outras organizações militares. reserva remunerada, cujo escopo é ocuparem tarefas de
O que pode e deve ser procurado como argumento caráter eventual e finito, por um tempo pré-determinado.
central na formação profissional desse docente militar, Reitera-se, nesta mesma norma da MB, que a contrata-
quer denominado instrutor ou professor, seria uma re- ção de pessoal da reserva naval para exercer atividades
sultante da “combinação de seu interesse e engajamen- administrativas, com prioridade para o ensino.
to pessoal com a responsabilidade institucional de as- Importante ressaltar que as obrigações inerentes aos
segurar e valorizar possibilidades formativas por meio cargos a serem exercidos “devem ser compatíveis com o
de ações políticas de gestão” (ALMEIDA, 2012, p.29). grau hierárquico e a qualificação do militar contratado,
Ou seja, o dever de ser um docente que saiba, além do devendo constar da Tabela Mestra da OM” (BRASIL,
conhecimento científico, a mediação e a relação com 2009, p.2.1). O militar voluntário para exercer TTC de-
seus alunos, com seu crescimento pessoal e a constante verá estar apto em inspeção de saúde, não estar respon-
melhoria profissional. dendo ou indiciado em processo criminal e nem estar em
litígio judicial contra a Marinha, e não poderá executar
tarefa diferente daquela para a qual foi contratado.
O PROFESSOR-INSTRUTOR TAREFA POR TEMPO
CERTO A norma da Marinha, DGPM-103 (BRASIL, 2011),
em seu subitem 3.4 da habilitação para a função de
O corpo docente da EN é formado por professores instrutor, deixa claro que o militar inativo que pleiteie
do magistério superior, por instrutores que exercem uma função de docente como TTC tem que estar habi-
TTC, por militares da ativa e militares temporários. litado no Curso Expedito de Técnica de Ensino ou no
A tabela 1 mostra o quantitativo do corpo docente Curso Especial de Metodologia Didática a Distância
atualizado para 2016. Podemos verificar que os Ofi- realizado no âmbito da MB ou de cursos extra-MB,
ciais da reserva remunerada são cerca de 28% do total como os Cursos de Técnica de Ensino da Força Aérea
de professores da instituição. Existe um total de 103 Brasileira ou Exército Brasileiro ou até mesmo o de
disciplinas distribuídas nos quatro anos de formação, licenciatura plena em instituições civis.
o que constitui a Tabela Mestra da instituição no seu
A situação verificada no parágrafo anterior reafir-
campo acadêmico, explicando, assim, a contratação de
ma a discussão relevante sobre a formação do profes-
pessoal militar inativo, mas com experiência técnica
sor para o exercício da docência no ensino superior,
para exercer o ensino do corpo discente.
da necessidade, além do conteúdo a ser
Tabela 1 - Efetivo do Corpo Docente (2016) transmitido aos seus alunos, do conheci-
mento pedagógico, do saber agir na sala
Corpo Docente Efetivo % de aula, como delineado no capítulo
Magistério Superior (civis) 67 49 anterior que tratou do professor univer-
Instrutores da Ativa 20 14 sitário. Nesse ponto, ao militar inativo
Instrutores da Reserva (RM1) (Setor Ensino) 38 28 que desejar exercer a docência, a forma-
Instrutores Temporários 11 08 ção pedagógica e didática é uma condi-
Instrutores convidados 02 01 ção importante e que deve ser cumprida.
Total 138 100
Fonte: RAInt-2015. O autor. O CENÁRIO DO ESTUDO
Como o foco deste estudo é o professor militar da O cenário da nossa pesquisa foi a Escola Naval;
reserva (RM1), vamos navegar por esta derrota. A TTC e o setor pesquisado, o da Superintendência de En-
é uma medida administrativa, temporária, cujo escopo sino. A instituição possui três centros principais: o
principal é “aumentar a flexibilidade do gerenciamento Centro de Ensino Técnico Científico (CTC), o Cen-
do pessoal, assegurando a presença na composição de for- tro de Ensino de Ciências Sociais (CCS) e o Centro

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 37


de Ensino Profissional Naval (CPN). A estes Cen- transtorno à instrutoria do assunto em função de mo-
tros, dentro de cada área acadêmica de sua atuação, vimentações de pessoal por imposição de carreira. [...].
compete, em linhas gerais: avaliar os sumários das Visando atenuar a solução de continuidade decorrente
Disciplinas, propondo as alterações curriculares ne- de eventuais substituições nesta área de ensino”. (ES-
cessárias à constante atualização; planejar, executar COLA NAVAL, 1993, p.1, grifo nosso).
e controlar a manutenção do potencial acadêmico Por um longo período, desde meados de 1990 até
adequado de professores e instrutores para a con- os dias atuais, existe uma dificuldade em suprir, por
dução das aulas; e promover estudos inerentes ao concursos públicos, o corpo docente da instituição por
fluxo de carreira e qualificações, para admissão de professores civis do magistério superior militar. Fato
professores e instrutores. ainda agravado pela aposentadoria dos professores
Ao CPN, um setor que congrega todas as atividades mais antigos na EN. Tornou-se, portanto, um caminho
de formação profissional dos discentes, ainda compe- viável e legal a contratação de militares da reserva re-
te as atividades de apoio, administrativas, operativas, munerada para suprirem as necessidades de docentes,
logísticas e de coordenação acadêmica dos Avisos de a fim de se evitarem prejuízos na formação acadêmica
Instrução (AvIn), que são três navios de pequeno por- dos discentes da EN.
te utilizados com o objetivo de auxiliar e reforçar os
aprendizados ministrados aos Aspirantes em sala de
aula, associando, assim, a teoria à formação prática,
CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS E ANÁLISE DO
ou seja, no mar, onde os conhecimentos serão aplica- QUESTIONÁRIO
dos e testados. Dos 38 Oficiais TTC ligados à docência, 26 instru-
O primeiro Oficial da reserva a exercer TTC na Es- tores, cerca de 68% do total, retornaram o questio-
cola Naval, no ano de 1993, foi como professor da nário respondido voluntariamente. Como esta é uma
área de Eletricidade e Eletrotécnica. No ofício n° 1047, pesquisa qualitativa, cujos resultados não podem ser
de 30 de junho de 1993, do Comandante da EN ao generalizados, infere-se um número considerado ex-
Diretor-Geral do Pessoal da Marinha, para a sua efe- pressivo para o atingimento da questão de estudo. A
tivação, a motivação exposta deixa bem claro o que identidade dos docentes respondentes foi preservada
ocorre com a constante movimentação de instrutores e as respostas, quando mencionadas, serão discrimi-
militares da ativa durante a sua carreira: “[...] causa nadas pelo código alfanumérico de “Docente1” até o
“Docente26”, escolhi-
dos aleatoriamente, con-
forme os questionários
respondidos retornaram
para a caixa postal de
coleta deste autor.
A primeira questão
trata do tempo de efe-
tivo serviço como Ofi-
cial da ativa da MB. Os
sujeitos deste estudo,
como já explicado, são
Oficiais da reserva re-
munerada, que presta-
ram um efetivo serviço à
Marinha e à Nação por
cerca de 26 anos, não
contando o seu tempo
de formação acadêmica.
Figura 3 - Professores-Instrutores TTC A média de idade gira
Fonte: Revista Galera 2002. em torno de 55 anos. A

38 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


tabela a seguir mostra a formação dos Oficiais, por trutor. Mais da metade dos respondentes participaram
sua área de atuação profissional, durante o período em que seria a possibilidade de compartilhar sua experiên-
que estavam na ativa. cia profissional adquirida na vida a bordo dos navios
para auxiliar na formação dos Aspirantes. O Docente7
Tabela 2 - Formação profissional dos respondentes complementa: “[...] e a esperança de poder contribuir
para a formação humanística e para o aprendizado das
Formação profissional Quant. atividades militar-navais dos futuros profissionais da
Corpo da Armada 15 guerra no mar”. Três docentes acreditam que foi a ap-
Corpo de Fuzileiros Navais 4 tidão para o ensino. Interessante relato do Docente19,
Corpo de Intendentes da Marinha 4 que afirma ser “[...] o contato com os Aspirantes que é
Quadro de Engenheiros Navais 3 muito salutar e rejuvenescedor”. Assim exposto, deixa
Total dos respondentes 26 clara a importância, na visão dos instrutores e Oficiais
Fonte: O autor. da reserva, a responsabilidade por serem também for-
madores dos futuros Oficiais da Marinha.
Um esclarecimento faz-se necessário neste ponto. A quarta questão era direta: “Como o Sr. conceitu-
Existem Oficiais que, além da formação oriunda na aria ‘instrutor’?”. Essa pergunta procurou sintetizar a
própria EN, de onde saíram bacharéis em Ciências questão tema deste estudo, em que as relações semânti-
Navais, fizeram formações acadêmicas, tanto na gra- cas entre instrutor e professor se mesclam e se fundem
duação como na pós-graduação, em IES do meio civil. quando se conjuga o verbo ensinar. A maioria respon-
Assim, temos TTC que dão aula de direito ou mesmo deu que o instrutor é o professor com experiência prá-
Oficiais Intendentes que são mestres em Administra- tica e que está capacitado a ministrar um assunto que
ção. O importante é que possuem qualificação e for- seja do seu conhecimento. Ou, como conceitua o Do-
mação técnica profissional para exercerem a tarefa de cente18, “é o militar que reúne as qualificações e expe-
professor em uma das disciplinas do currículo da EN. riência de professor e de líder militar”. Em concordân-
A segunda questão procurou verificar a experiên- cia com esse conceito, o Docente9 diz que o instrutor
cia que o docente TTC tem de sala de aula. O que foi seria um “educador militar, que além de ser professor
verificado nas respostas dos docentes é transcrito na também educa nos preceitos e valores da Marinha”.
tabela 3, onde as respostas foram separadas por tempo Pode-se verificar que dez respondentes já associaram
de docência na instituição, em função dos intervalos instrutor a professor e outros três com educador, o que
de anos mais achados. Tal situação verificada reflete denota que metade dos sujeitos desta pesquisa não se
o que Inbernón (2005) assevera, que a competência sentem diferentes da identidade e do pertencimento em
profissional necessária, em todo e qualquer processo serem professores do ensino superior militar.
educativo, será formada na interação que é estabele- A quinta questão tratou de verificar se os docentes
cida entre os próprios docentes, relacionando-se na TTC possuem alguma formação pedagógica para exer-
prática educativa, que em suma os mais experientes cerem o cargo. O fato em si se coaduna com a questão
transmitem aos mais novos o que já construíram em levantada no corpo teórico deste estudo em que a dis-
sua prática e experiência. cussão da profissionalização do professor universitá-
rio teria que ser complementada e obrigatória a sua
Tabela 3 - Tempo de docência formação didático-pedagógica. Dos 26 respondentes,
seis não possuem nenhum curso de formação em didá-
Tempo de docência Quant. tica ou técnica de ensino. Ressalta-se que os referidos
1 a 5 anos 17 docentes têm menos de cinco anos na instituição, que
6 a 11 anos 03 os cursos que são realizados na Marinha são anuais e
12 a 20 anos 06 que, com certeza, deverão participar de um dos pró-
Total 26 ximos, pois é requisito obrigatório previsto na norma
Fonte: O autor. para a sua contratação.
A questão de número seis trata da relação de per-
A questão três teve como escopo principal dar voz ao tencimento do docente com o seu discente, visto que
docente em relação à motivação que o levou a ser ins- ambos foram e serão formados pela mesma institui-

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 39


ção. A pergunta em si discorre sobre o reconhecimen- apenas uma transcrição do que cada um participou.
to pelos discentes dos seus mestres da reserva como Assim, como forma de atender a todas as vozes par-
exemplos de militares e líderes. Todos os respondentes ticipantes, foi realizada uma costura textual com as
afirmaram que sim, sem dúvida, e o Docente17 deixa contribuições principais e que vão ao encontro do
claro que “[...] não é possível exercer a docência de objetivo deste estudo, que está exposta, como fecha-
forma incompleta. Seja qual for a disciplina, o Mestre mento deste estudo, no capítulo a seguir.
é um formador de pessoas (cidadãos)”. A afirmativa
do Docente11 vem complementada “porque os Aspi- CONSIDERAÇÕES FINAIS
rantes nos observam como pares, ainda que mais ve-
A discussão, ainda atual, sobre a necessidade de o
lhos, e estão buscando um exemplo e uma motivação
professor do ensino superior, independentemente da
a mais nas nossas atitudes e opiniões”. O Docente4
área de sua atuação docente, ter uma formação didá-
lembra que o exemplo a ser deixado aos discentes pode
tico-pedagógica é de real importância na construção
ser tanto para o bem como para o mal, o que é cor- da relação professor-aluno, e em especial no ensino
reto, porque somos, antes de mais nada, formadores superior militar, o que é ratificado por meio da norma
de futuros Oficiais da Marinha e também de cidadãos que rege a contratação desses instrutores, uma vez que
plenos dos seus direitos em uma sociedade complexa e determina a sua formação em cursos expeditos, rea-
de rápidas mudanças em diversos aspectos nas relações lizados dentro da própria Marinha. O docente deste
humanas e sociais. estudo é aquele que ensina o conhecimento técnico e a
A última questão deixou um espaço aberto e aca- pessoa responsável em transmitir os valores e a práti-
dêmico para que os sujeitos desta pesquisa escre- ca profissional apreendidos e estruturados em anos de
vessem o que desejassem em relação ao ensino e à serviço ativo.
aprendizagem e sobre a relação que entendem sobre A relação discutida, e sempre questionada, entre
o professor-aluno na instituição. As contribuições professor-instrutor e aluno em formação é minimiza-
foram importantes, porém não caberia no momento da, pois são todos militares antes de mais nada. Vi-
vemos e respiramos o
mesmo ar marinho da
Baía da Guanabara e a
pluralidade dos saberes
que compreendem a ati-
vidade profissional do
marinheiro permite que
diversas fontes contribu-
am para esta formação.
Mas a referência maior,
aquela que garantirá
que os questionamentos
da nova geração, frente
a tamanha responsa-
bilidade, encontrem a
ressonância necessária,
será aquela das gerações
que lhe antecederam em
igual valor. É uma ação
reflexa, como se olhar
no espelho. As gerações
passadas preocupam-se
com o futuro da institui-
Figura 4 - Aula prática no Planetário ção e as novas gerações
Fonte: Arquivo do CF (RM1) Rocha Lima. veem no passado aquilo

40 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


Figura 5 - Projeto Interdisciplinar - embarcação movida a energia solar
Foto: Arquivo do CMG (FN-RM2) Arquimedes.

que, de forma renovada, também o serão, pois ambas construindo o aprender a aprender, sem descuidar
sabem que, na essência, representam a continuidade da da formação militar, tanto em valores éticos e morais
própria instituição. quanto em aspectos práticos do dia a dia vividos nos
As respostas obtidas e analisadas dos sujeitos da navios e nas organizações militares, sem descuidar da
pesquisa mostram que eles associam a sua experiência construção dos cidadãos brasileiros, sujeitos de direito
profissional com a prática que está sendo adquirida e militares de profissão.
em sala de aula e com a experiência advinda da re- “A EN não é uma Universidade exclusivamente,
lação com os demais docentes, sejam estes seus pares ou seja, não é simplesmente uma formação acadêmica,
ou professores do magistério superior, constatado pelo existe uma formação militar naval tão importante a
número maior de TTC com início da carreira docente ser desenvolvida com os Aspirantes. O instrutor deve
menor que cinco anos, e desses poucos ainda não tive- buscar passar o conhecimento, de acordo com as nor-
ram uma formação didático-pedagógica determinada mas e técnicas de ensino, mas também deve educar os
ao exercício de sua profissão como instrutor. alunos nos valores da Marinha, que atue como um ‘fa-
O ser instrutor ou o ser professor, que no caso em cilitador’ para o corpo discente, não se esquecendo de
estudo se torna apenas uma questão de semântica dos cobrar, sempre que é necessário, hierarquia e disciplina
vocábulos, retrata o que realmente deve acontecer, que – bases do militarismo. Nas aulas aproveito para dar
o ensino seja levado e apresentado como prioridade exemplos de fatos que ocorreram durante o período
em consonância com a aprendizagem dos discentes. O que estive na ativa, pois comandei quatro vezes. A re-
docente militar da reserva adquire, durante a sua nova lação deve ser, ao mesmo tempo, de respeito e camara-
prática profissional, a necessária formação para o bom dagem, que a sinergia que deva existir entre instrutor
desenvolvimento da sua instrução em sala de aula, e o aluno é de fundamental importância para que essa

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 41


empatia contribua para o aprendizado, considerando prazer, sendo uma tarefa das mais compensadoras,
importante também um maior envolvimento, compro- pois temos o sangue renovado e o brilho nos olhos do
metimento e responsabilização do aluno no processo discente recompensa todo e qualquer sacrifício. A mi-
de ensino-aprendizagem e em relação aos estudos. Mi- nha função, além de liderar os Aspirantes, é motivá-los
nistrar aula na Escola Naval é para mim um grande para seguirem firmes nesta brilhante carreira naval.”

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42 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


AS DISPUTAS TERRITORIAIS NO MAR DO
SUL DA CHINA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A
SEGURANÇA INTERNACIONAL

Aspirante Christian Toshio Ito

Com uma área aproximada de 3,5 milhões de qui- Contudo, as tensões ressurgiram em 2009, quando
lômetros quadrados, reservas estimadas de 28 bilhões a China abandonou a sua tática de retardar a resolu-
de barris de petróleo e de 750 trilhões de metros cúbi- ção das disputas e adotou uma postura assertiva para
cos de gás natural abaixo do seu leito marinho, e rota assegurar a sua soberania sobre as águas contestadas
de cerca de um terço do comércio marítimo mundial, o (ZHAO, 2011). Essa alteração em sua tática diplomá-
Mar do Sul da China é uma área marítima circundada tica tinha como objetivo impedir que outros Estados
pela China e por nove Estados do Sudeste Asiático, requerentes, como as Filipinas e o Vietnã, conseguis-
relativamente menores e militarmente menos capazes, sem sedimentar seus pleitos e possibilitar que a Chi-
como Brunei, Filipinas, Malásia e Vietnã. Por cerca de na negociasse com as nações “menores” a partir de
três décadas, essas nações litorâneas têm se envolvido uma posição de superioridade. Com uma postura as-
numa competição crônica, na medida em que inten- sertiva, a China consolidou seus pleitos jurisdicionais
cionam expandir a sua soberania e seus pleitos jurisdi- no Mar do Sul da China através da expansão do seu
cionais sobre mais de uma centena de pequenas ilhas, poder militar, perseguindo uma política externa coer-
recifes, rochas e suas águas circundantes. As disputas civa contra outros Estados requerentes. Exemplos de
permaneceram em estado “dormente” durante a déca- medidas agressivas adotadas pela China: aumento das
da de 90 e o começo do século XXI, com a assinatura, patrulhas navais utilizando submarinos, navios de pes-
em 2002, da Declaração sobre a Conduta das Partes quisa e navios-escolta na Zona Econômica Exclusiva
no Mar do Sul da China entre a Associação das Nações e nas águas territoriais japonesas, e intimidação de
do Sudeste Asiático e a República Popular da China. empresas petrolíferas estrangeiras que tentam operar

44 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


no Mar do Sul da Chi-
na. Lideranças chinesas
estão confiantes que
tanto sua influência po-
lítica e econômica quan-
to o fortalecimento de
suas capacidades mili-
tares podem influenciar
sobremaneira o avanço
dos seus interesses fun-
damentais no domínio
marítimo (ANDREWS,
2015). Essa confiança é
refletida na insistência
chinesa na manutenção
da Zona de Defesa Aé-
rea e Identificação no
Mar do Leste da China,
na condução de exercí-
cios de tiro real pela Ma-
rinha e pela Força Aérea
do Exército de Liberta-
ção Popular na margem
oeste do Oceano Pacífi-
co, e nas duras respostas
de sua Marinha e outras
agências marítimas du-
rante diversas confron-
tações com navios civis
filipinos e vietnamitas
no Mar do Sul da China. Figura 1: A sobreposição de Zonas Econômicas Exclusivas no Mar do Sul da China
Fonte: Reuters (2012).
AS DISPUTAS
TERRITORIAIS E OS
ATORES ENVOLVIDOS Entre essas disputas, as que têm como cenário o Mar
do Sul da China são as mais sérias por diversas razões.
Apesar do status quo ser aceito pelas nações do
Estas são as únicas que envolvem mais de duas nações
Sudeste Asiático, existem disputas específicas que se
do Sudeste Asiático e outras do Leste Asiático como
configuram como pequenas fontes de atritos e que
partes conflitantes. As características singulares desta
possuem o potencial de assumir maiores dimensões
região, como a potencial presença de grandes reservas
se o clima de segurança regional sofrer alguma mu-
dança sensível. Tais disputas são: entre as Filipinas de gás natural e suas movimentadas linhas de comuni-
e Malásia pela soberania do território de Sabah; en- cação marítimas, tornam a dinâmica de segurança no-
tre China, Vietnã, Taiwan, Malásia, Brunei e as Fi- toriamente complexa. Pequenos incidentes envolvendo
lipinas, pelas Ilhas Spratly; pela posse da Ilha Pedra quaisquer atores estatais podem escalar para um confli-
Blanca, entre Singapura e Malásia; atritos na fron- to de grandes dimensões envolvendo potências externas,
teira entre Tailândia e Myanmar; e o caso das Zonas como Estados Unidos e Japão. Dentre as atuais disputas
Econômicas Exclusivas sobrepostas de Taiwan, Fili- territoriais no Mar do Sul da China, podemos elencar as
pinas, Malásia e Vietnã. questões das Ilhas Spratly, das Ilhas Paracel e do Recife

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 45


Figura 2: Navios de guerra chineses em águas contestadas no Mar do Sul da China
Fonte: Victor Robert Lee &DigitalGlobe (2015).

de Scarborough como as mais emblemáticas e sensíveis. IMPLICAÇÕES PARA A SEGURANÇA


Estas disputas envolvem a China, as Filipinas, a Malá- INTERNACIONAL
sia, o Vietnã e Brunei (KAPLAN, 2013).
Com a crescente assertividade da política externa
As disputas territoriais marítimas no Mar do Sul da chinesa na última década aliada ao elevado fortaleci-
China remontam a diversos conflitos históricos entre mento das capacidades militares, ofensivas e defensi-
as nações da região e à sobreposição das linhas que vas, do Exército de Libertação Popular chinês, uma
demarcam as suas Zonas Econômicas Exclusivas e ma- solução pacífica das disputas, alcançada pela via diplo-
res territoriais, e têm levado, periodicamente, a inci- mática, se torna de difícil concretização. As políticas
de defesa e a política externa da República Popular da
dentes e períodos de aumento nas tensões. As disputas
China contribuem para a afirmação e a consolidação
voltaram a se intensificar nos últimos anos, gerando
do poder hegemônico chinês no Leste e no Sudeste Asi-
inúmeros incidentes e confrontações envolvendo na-
ático, afetando, assim, a balança de poder na região
vios pesqueiros, navios de exploração de petróleo e (ANDREWS, 2015).
gás, navios de guardas costeiras, belonaves e aeronaves
O desequilíbrio na balança de poder regional, cau-
militares. Esta recente intensificação das disputas au- sado pela expansão naval chinesa e pelo fortalecimen-
mentou substancialmente as tensões entre a China e os to da presença da Marinha dos EUA, fomentou um au-
outros Estados da região, particularmente as Filipinas mento nos orçamentos militares nos países do Sudeste
e o Vietnã (SONAWANE, 2016). Asiático, com o propósito de conter o avanço chinês

46 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


Figura 3: A construção de ilhas artificiais pela República Popular da China
Fonte:Center for Strategic and International Studies.

pelas áreas contestadas. Tais ações tomadas pelos ato- CONSIDERAÇÕES FINAIS
res envolvidos deram início a uma corrida armamen-
As suas características geográficas distinguem
tista na região, dificultando ainda mais o estabeleci-
o Mar do Sul da China como uma região com alto
mento de um processo de normalização e estabilização
valor estratégico e geopolítico. Cenário de disputas
das relações interestatais entre as nações com disputas
territoriais no Mar do Sul da China. territoriais motivadas por divergências acerca de de-
limitações de Zonas Econômicas Exclusivas, controle
Sendo o Mar do Sul da China uma área de grande
de áreas pesqueiras e pelo antagonismo entre Pequim
relevância estratégica em âmbito mundial, quaisquer
e Washington, as águas contestadas desta porção do
alterações no status quo despertam as atenções de
Oceano Pacífico se configuram como um desafio para
nações extrarregionais que possuem interesses nesta
as políticas externa e de defesa dos governos da região
área, como os Estados Unidos da América e o Japão.
e de potências externas, como os EUA e Japão.
Vale ressaltar que estes dois Estados, principalmente o
Japão, se apresentam como antagonistas à expansão A incapacidade dos atores estatais conflitantes
chinesa no Oceano Pacífico, tornando a interferên- de resolverem, de forma pacífica, as disputas territo-
cia externa desses dois países um fator agravante no riais, aliada à expansão naval chinesa e ao aumento
contexto atual do Mar do Sul da China. Enquanto a da presença das forças navais da USNavy nas águas
República Popular da China busca ampliar a sua es- contestadas, torna o Mar do Sul da China uma das
fera de influência na região, os EUA e o Japão fazem regiões mais propensas a se tornarem palco de conflito
o mesmo, forçando os Estados do Sudeste Asiático a internacional no século XXI. Por ser uma região de
escolher um dos lados para se alinhar. Tal escolha, que alto valor estratégico permeada de disputas territoriais
se assemelha, guardando as devidas proporções, ao ce- interestatais, qualquer incidente envolvendo as partes
nário internacional bipolar da Guerra Fria, acentua as conflitantes pode gerar uma crise generalizada no Mar
disparidades entre os atores envolvidos nas disputas do Sul da China, o que representaria uma grave amea-
territoriais no Mar do Sul da China. ça à paz e à segurança internacional.

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 47


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48 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


Foto 1: Construção de submarino brasileiro - Tânia Rêgo / Agência Brasil

MOBILIZAÇÃO NACIONAL NO BRASIL


Capitão de Mar e Guerra (RM1)
Wilson Soares Ferreira Nogueira1

INTRODUÇÃO ver, de forma sucinta, como o tema Mobilização Na-


cional tem sido tratado no país. Para isso serão apre-
O recurso à guerra ainda não foi abolido nas re-
ciados suas origens, sua base legal, seus propósitos e
lações entre os países. Uma vez surgido um conflito
sua organização.
é esperado que os Estados envolvidos encontrem-se,
previamente, munidos de meios materiais e humanos
necessários para o combate. Citam-se os efetivos mi- ORIGENS DO TERMO
litares, o armamento militar, a tecnologia bélica, entre Ensina a Escola Superior de Guerra (ESG) que a pa-
outros. No desenrolar do conflito, ou mesmo antes do lavra mobilização remonta ao francês mobilisation, de
início das hostilidades, são necessárias medidas para
emprego restrito ao ambiente militar, e que significava:
que esses recursos não se tornem insuficientes. Para su-
“pôr em movimento ou passar as tropas para o pé de
prir as faltas, o Estado beligerante terá que se utilizar
guerra” (BRASIL, 2014, p.111). Tal interpretação ga-
da Mobilização Nacional.
nha nitidez, ao recordarmos que os conflitos inaugura-
A Mobilização é tema conhecido no Brasil há bas- dos por Napoleão empregavam extraordinários con-
tante tempo, mas apenas recentemente ações efetivas tingentes de combatentes, e a arregimentação de tropa
têm sido produzidas e, ainda assim, pouco percebidas
era um dos aspectos mais importantes da preparação
pela sociedade. O presente trabalho pretende descre-
para a guerra. Nesse contexto, cabem mencionar os
1 Mestre em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança pela estudos promovidos por Charles Tilly (1996), que exa-
Universidade Federal Fluminense (UFF). minaram as mudanças políticas e sociais ocorridas na

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 49


Europa, desde a idade média até os dias atuais, e que tório e assim gerar um contingente preparado para a
se fundaram na organização da coerção para extra- defesa nacional. Sob o aspecto material, pelo Decreto
ção dos recursos da população e na preparação para a nº 13.021, de 7 de Maio de 1918, o Ministro da Guer-
guerra, como fatores de desenvolvimento e seleção dos ra, o da Marinha e o então denominado “Prefeito do
Estados nacionais naquele continente. Distrito Federal” eram autorizados a requisitar bens
Ainda, segundo a ESG, o tema ganhou destaque de indivíduos e de empresas para suprir o esforço de
a partir dos estudos que o General Von Scharnhorst guerra (Brasil, 1918).
realizou das derrotas prussianas nas campanhas napo- Passada a Grande Guerra, somente em novembro
leônicas. A Divisão de Mobilização no Estado-Maior de 1927 foi criado o Conselho de Defesa Nacional,
do Exército da Prússia, por ele criada, em muito teria constituído para ser um conselho consultivo do Presi-
contribuído para o sucesso alemão na Guerra Franco- dente da República para “o estudo e coordenação de
-Prussiana de 1870 (BRASIL, 2014, p.111). informações sobre todas as questões de ordem finan-
ceira, econômica, bélica e moral, relativas à defesa da
Com o aumento da complexidade dos conflitos ar-
Pátria2”. Não só os Ministros militares compunham
mados, que se aprofundou a partir da Primeira Grande
aquele órgão, mas também a esfera política, represen-
Guerra – PGM –, outras necessidades foram ganhando
tada pelos titulares das pastas da Fazenda, Agricultura,
relevo, tornando as atividades de planejamento da mo-
Interior, Exterior e Viação. Além daquelas autorida-
bilização mais acuradas.
des, o Presidente da República poderia convidar presi-
O Ministério da Defesa define mobilização nacio- dentes ou agentes executivos de sociedades, sindicatos,
nal como: diretores de empresas ou firmas, alcançando, assim,
[...] instrumento legal decretado pelo Pre- a elite econômica. Todavia, apenas sete anos depois,
sidente da República, em caso de agressão em 1934, no Governo Vargas, houve a organização do
estrangeira, para obter, reunir e distribuir Conselho3. Muito embora a mobilização nacional ain-
os recursos e meios disponíveis no Poder e da não tivesse adquirido o caráter atual de atividade
Potencial Nacionais, ou no exterior, comple- permanente, por fim, compreendia-se que a política
mentando a Logística Nacional, visando a de improvisar a capacidade militar, que atendeu aos
preservação ou restabelecimento da Defesa conflitos vividos até o século XIX, a partir do século
e da Segurança da Nação. (BRASIL, 2015, XX, em razão do grande desenvolvimento industrial e
p.13) científico, precisava dar lugar a uma ação coordenada
entre as elites política, militar e econômica. Provavel-
mente, o espírito revolucionário dos anos 1930 tenha
A MOBILIZAÇÃO NO BRASIL contribuído para essa guinada no pensamento sobre
A Guerra do Paraguai (1865-1870) exigiu grande defesa nacional.
esforço bélico do Brasil, representando o primeiro mo- Já em 1937, a Constituição do Estado Novo não
mento de mobilização nacional. contemplou maiores orientações a viabilizar a execu-
Em textos constitucionais, o termo mobilização ção da mobilização. Contudo, foi durante sua vigência
só veio aparecer na Constituição de 1891, nas com- que ocorreu a segunda mobilização da história brasi-
petências privativas do Congresso Nacional, previstas leira, quando do envolvimento do Brasil na Segunda
no Art. 34 (BRASIL, 1891). Contudo, verifica-se que Guerra Mundial (SGM).
seu emprego era impreciso, para aquele sentido que Durante aquele conflito as exigências de meios
ganhava força na Europa, vindo a deixar o texto com para a defesa do Brasil ampliaram-se sobremodo. Para
a redação da Emenda Constitucional de 3 de setembro suprir tais necessidades, foi criado o Decreto-Lei nº
de 1926. 4.812, de 8 de outubro de 1942, que dispunha sobre
Durante a PGM, em setembro de 1916, ocorreu a “requisição de bens imóveis e moveis, necessários às
uma iniciativa não governamental positiva para a
mobilização. Foi lançada a Liga de Defesa Nacional, 2 Art. 2º do Decreto N° 17.999 – de 29 de novembro de
um movimento nacionalista liderado por intelectuais 1927.
como Olavo Bilac e Miguel Calmon e presidido por 3 Decreto N° 23.873 – de 15 de Fevereiro de 1934 e Art.
Rui Barbosa, que buscava estimular o serviço obriga- 159 da Constituição de 16 de julho de 1934.

50 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


Não seria a Consti-
tuição democrática de
1988 mais generosa em
relação à mobilização
nacional. O texto tam-
bém não determina de
forma expressa a mobi-
lização como atividade
permanente, somente
estabelecendo a agres-
são estrangeira, como a
necessária circunstância
para o disparo das ações.
Todavia, o período atual
coincide com a percep-
ção do crescimento da
importância do país na
Foto 2: escultura de Alfredo Ceschiatti em homenagem aos pracinhas / imagem da internet.
arena internacional, e é
sob a égide da Carta de
Forças Armadas (FA) e à defesa passiva da população” 1988 que a formulação da base legal da mobilização
pelo qual fica nítido o caráter emergencial e abrangen- nacional tem sido mais desenvolvida, incluindo a legis-
te da mobilização decretada. lação complementar, que introduz a mobilização como
Já em 1946, em que pese a experiência da guerra, atividade permanente.
a Constituição não apresentou maiores dispositivos
legais a aperfeiçoar a mobilização nacional como ati- BASE LEGAL
vidade permanente. Sua maior contribuição limitou-se
ao estudo para o preparo para a mobilização, confor-
me seu artigo 179: “Os problemas relativos à defesa
a. Constituição Federal de 1988.
do País serão estudados pelo Conselho de Segurança A mobilização nacional é matéria de legislação pri-
Nacional e pelos órgãos especiais das forças armadas, vativa da União (Art 22º), competindo, privativamen-
incumbidos de prepará-las para a mobilização e as te, ao Presidente da República, no caso de agressão
operações militares.” estrangeira, decretar, total ou parcialmente, a mobili-
A Constituição de 1967, lançada pelo Regime Mi- zação nacional (Art. 84º)
litar, não representou avanço à de 1946. A Emenda
Constitucional nº 1, de 1969, ao contrário, pode-se b. Política Nacional de Defesa (PND) de 2012.
entender como um retrocesso, pois, além de não trazer
O desenvolvimento da capacidade de mobilização
nenhum aperfeiçoamento, deixou de fazer constar o
nacional figura como um dos Objetivos Nacionais de
preparo para a mobilização.
Defesa previstos na PND.
Conforme aponta o manual da ESG, a ideia preva-
lecente à SGM era de que as barreiras que se interpu-
nham ao avanço militar ofereceriam tempo para que c. Estratégia Nacional de Defesa de 2012.
os países pudessem se organizar para a mobilização. A END destaca o papel da mobilização quando tra-
Todavia, a prática atual demonstra que os conflitos ta do conceito Elasticidade, capacidade de aumentar
podem surgir após curto período de crise, tornando di- rapidamente o dimensionamento das forças militares
fícil a execução da mobilização. Assim, a Mobilização quando as circunstâncias o exigirem. O desdobra-
Nacional ganhou um sentido de atividade permanente, mento das atividades previstas no Sistema Nacional
metódica e progressiva, essencial à Segurança Nacio- de Mobilização é uma das Ações Estratégicas para
nal (BRASIL, 2014, p.113). implementação da END. A Estratégia também vincu-

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 51


Foto 3: Indústria de defesa / Arquivo do Ministério da Defesa

la a defesa nacional com o desenvolvimento nacional, f. Decreto Nº 7.294, de 6 de setembro de 2010.


instituindo como eixo estruturante a recuperação da
Dispõe sobre a Política de Mobilização Nacional,
indústria nacional de defesa.
contendo um conjunto de orientações do Governo
Federal para o preparo e a execução da mobilização
d. Lei Nº 11.631, de 27 de dezembro de 2007. nacional e da consequente desmobilização nacional.
Objetiva, entre outros propósitos: minimizar os trans-
Dispõe sobre a Mobilização Nacional e cria o Sis-
tornos para a população brasileira, quando da deter-
tema Nacional de Mobilização – SINAMOB, que tem
minação da mobilização, e dotar o País de uma base
por objetivo realizar, integrar e coordenar as ações de
industrial de defesa, por meio do incentivo à pesquisa
planejamento, preparo e execução das atividades de
e ao desenvolvimento em ciência e tecnologia, particu-
Mobilização Nacional e Desmobilização Nacional.
larmente voltados a produtos de Defesa, e do fomento
O instrumento legal também define, em seu Art. 2º, ao mercado interno de produtos de Defesa.
MOBILIZAÇÃO Nacional como sendo: “o conjunto
Em complemento a esses dispositivos legais, exis-
de atividades planejadas, orientadas e empreendidas
tem ainda portarias normativas e manuais do Ministé-
pelo Estado, complementando a Logística Nacional, rio da Defesa (MD41-M-02) e da Escola Superior de
destinadas a capacitar o País a realizar ações estraté- Guerra tratando do assunto.
gicas, no campo da Defesa Nacional, diante de agres-
são estrangeira”; e DESMOBILIZAÇÃO Nacional “o
conjunto de atividades planejadas, orientadas e empre-
ORGANIZAÇÃO DA MOBILIZAÇÃO NACIONAL
endidas pelo Estado, com vistas no retorno gradativo A Lei 11.631/2007 estabelece dois instantes da
do País à situação de normalidade, quando cessados mobilização: a preparação e a execução. O entendi-
ou reduzidos os motivos determinantes da execução da mento de que as atividades preparatórias, voltadas
Mobilização Nacional.” à mobilização, devem anteceder a agressão externa
busca regular uma lacuna antiga. Também define
que, quando for decretada a Mobilização, o Poder
e. Decreto Nº 6.592, de 2 de outubro de 2008.
Executivo especificará o espaço geográfico do territó-
Regulamenta o disposto na Lei no 11.631, de 27 de rio nacional em que será realizada e as medidas neces-
dezembro de 2007. sárias à sua execução.

52 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


Fase da Preparação pesquisa realizada, apenas o Ministério da Defesa tra-
Funda-se na realização de ações estratégicas que ta do assunto em sua página na internet. As páginas
viabilizem a execução da Mobilização, sendo desen- dos demais Ministérios são omissas. De modo geral,
volvida desde a situação de normalidade, de modo a sociedade desconhece o assunto, atribuindo-o como
contínuo, metódico e permanente. domínio exclusivo de militares. Consulta feita ao pes-
soal do MD revelou que a troca constante de funcio-
As ações governamentais, durante o preparo, devem
nários designados para representarem seus ministérios
estimular o desenvolvimento da infraestrutura nacional e
contribui para o menor desenvolvimento do tema.
incentivar a pesquisa e a inovação em setores que, tam-
Quando um funcionário torna-se sensibilizado ao as-
bém, atendam aos interesses da Defesa Nacional. Tam-
sunto, é movimentado para outro setor, retornando-se
bém é prevista a execução de ações dirigidas à sociedade,
à fase inicial.
destinadas ao esclarecimento a respeito da Mobilização
Nacional e à necessidade de estabelecer cooperações e Há ainda um Comitê do SINAMOB para dispor so-
obter acordo quanto ao esforço conjunto. Nesse sentido, bre as matérias de competência do Sistema, tais como:
são realizados cursos na Escola Superior de Guerra (ESG) formular a Política de Mobilização Nacional; elaborar
que tratam do assunto, particularmente o Curso de Lo- o Plano Nacional de Mobilização; prestar assessora-
gística e Mobilização Nacional. Antes da Lei 11.631, mento direto e imediato ao Presidente da República
entre 2003 e 2007, foi promovido pelo Ministério da De- na definição das medidas necessárias à Mobilização
fesa o Estágio Intensivo de Mobilização Nacional, com Nacional e Desmobilização. O Comitê conta com uma
a preparação de 625 alunos, além de simpósios sobre o Secretaria-executiva de responsabilidade do Órgão
tema com participação de cerca de 400 pessoas. O MD Central (Ministério da Defesa), para promover o fun-
também tem se valido de palestras em escolas militares e cionamento do SINAMOB, e nela haverá, no mínimo,
demais instituições públicas e privadas, além de contato um representante de cada Órgão de Direção Setorial
com as federações das indústrias de vários estados. que compõe o SINAMOB. Será exercida pelo Diretor
do Departamento de Mobilização da Secretaria de En-
Fase da Execução
sino, Logística, Mobilização, Ciência e Tecnologia do
Consiste no conjunto de atividades que, depois de Ministério da Defesa.
decretada a mobilização, são empreendidas pelo Esta-
De modo esquemático é assim organizado:
do, de modo acelerado e compulsório, a
fim de transferir meios existentes no Poder
Nacional e promover a produção e a ob-
tenção oportuna de meios adicionais.
A Execução terá início em ato do Pre-
sidente da República, e consiste na imple-
mentação de forma acelerada e compul-
sória do Plano Nacional de Mobilização,
com o objetivo de empregar os recursos
existentes nas estruturas pública e privada,
necessários ao esforço de Defesa Nacional.
O SINAMOB constitui-se num conjunto
de órgãos que atuam de modo ordenado e
integrado, a fim de planejar e realizar todas
as fases da Mobilização e da Desmobilização
Nacionais. Quando criado, envolvia 23 Mi-
nistérios existentes, a Casa Civil da Presidên-
cia e o Gabinete de Segurança Institucional
da Presidência. Suas atividades estão dividi-
das em nove subsistemas4. Destaca-se que, na

4 Ou dez, considerando-se a divisão do subsis-


tema de política em interna e externa.

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 53


Os subsistemas destinam-se a coordenar as ações como órgão central do Subsistema Setorial de Mobili-
necessárias para a preparação dos planos, bem como a zação Militar, estabelecer a coordenação entre as Forças
sua execução. São as seguintes as tarefas: Singulares para a Mobilização Militar, valendo-se da
1- Subsistema Setorial de Mobilização Militar: as- Subchefia de Mobilização, que integra a Chefia de Lo-
segurar o emprego contínuo, adequado e oportuno dos gística do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas.
meios e das condições necessárias para o enfrentamen- Cada Força Singular promove a Mobilização Mi-
to militar da agressão estrangeira; litar5, cuja coordenação interna está a cargo dos Esta-
2- Subsistema Setorial de Mobilização de Política dos-Maiores de cada Força.
Interna: coordenar a adaptação do ordenamento ju-
rídico, criando instrumentos legais que garantam ao Recursos financeiros para o preparo da
Estado o atendimento das necessidades de Mobiliza- Mobilização Nacional
ção Nacional;
De acordo com o Artigo 9o da Lei nº 11.631, os
3- Subsistema Setorial de Mobilização de Política
recursos financeiros necessários ao preparo da Mobili-
Externa: desenvolver a cooperação internacional pos-
zação Nacional serão consignados nos orçamentos dos
sibilitando obter apoio, recursos e meios fora dos limi-
órgãos integrantes do SINAMOB, respeitada a carac-
tes territoriais do País;
terística orçamentária de cada órgão.
4- Subsistema Setorial de Mobilização Social: pro-
porcionar à população as necessidades sociais mínimas
para fazer frente à situação emergencial de Mobiliza- CONCLUSÃO
ção Nacional; Como se tratou, o termo mobilização surgiu em de-
5- Subsistema Setorial de Mobilização Científico- corrência da guerra. No Brasil, a despeito da experiência
-Tecnológico: compatibilizar o desenvolvimento da vivida nas guerras em que participou, a mobilização na-
pesquisa e da infraestrutura científica e tecnológica cional é tema que só recentemente ganhou mais ênfase
para atender às necessidades de Mobilização Nacional; legislativa no país. O longo tempo de paz pelo qual temos
6- Subsistema Setorial de Mobilização Econômico: passado é, sem dúvida, um fator importante para que esta
adequar a estrutura econômica do País às necessidades questão tenha demorado a progredir. A legislação que dá
de Mobilização Nacional; corpo ao Sistema Nacional de Mobilização é de 2007.
7- Subsistema Setorial de Mobilização Psicológi- Embora tenha sido criado em um contexto de maior
co: motivar, informar e preparar a sociedade para o protagonismo do governo com o tema defesa, que pou-
enfrentamento de agressão estrangeira, e agir para a co depois lançou a Estratégia Nacional de Defesa, o SI-
obtenção da opinião pública, nacional e internacional, NAMOB envolve a maioria dos Ministérios, abarcando
favorável aos interesses nacionais; todo o espectro de atividades desenvolvidas no país,
mas apenas o Ministério da Defesa desenvolve informa-
8- Subsistema Setorial de Mobilização de Defesa Ci-
ções e atividades a respeito, o que revela uma aparente
vil: desenvolver ações para o enfrentamento de situações
falta de aderência das demais áreas governamentais.
emergenciais identificadas pela Mobilização Nacional;
Na velocidade acelerada em que tudo acontece
9- Subsistema Setorial de Mobilização de Seguran-
atualmente, tornaram-se muito menores os tempos de
ça: coordenar as atividades de Segurança Pública vol-
reação, além disso, os conflitos ganharam novos cam-
tadas para a Mobilização Nacional; e
pos de atuação, como o cibernético, demandando uma
10- Subsistema Setorial de Mobilização de Inteli- mobilização de talentos e capacidades que vai além
gência: coordenar as atividades de Inteligência volta- dos antigos exércitos de massa, algo que este artigo
das para a Mobilização Nacional.
5 Segundo o Glossário das Forças Armadas, Mobilização
Militar é o conjunto de atividades planejadas, empreendi-
Mobilização no Ministério da Defesa das e orientadas pelo Estado, desde a situação de norma-
Ao Ministério da Defesa cumpre duplo papel na mo- lidade, com o propósito de preparar a expressão militar
para a passagem da estrutura de paz para a estrutura de
bilização nacional. Como órgão central do SINAMOB
guerra, para fazer frente a uma situação de emergência
deve estabelecer a articulação entre os demais Ministé- decorrente da iminência de concretização ou efetivação de
rios do Sistema, valendo-se da Secretaria-executiva e, uma hipótese de emprego (BRASIL, 2007).

54 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


não abarcou, mas que sem dúvida deve ser examinado verno. A tarefa é árdua, mas a consciência do cres-
nos estudos do MD e de quem se aventure nessa seara. cimento da importância do papel do Brasil na arena
Um dos propósitos do SINAMOB é dotar o país de mundial tem motivado nosso Poder Político a voltar
uma base industrial de defesa. Esta é uma componente os olhos para a Defesa e, com isso, desenvolver nosso
da construção da capacidade militar que se desenrola Sistema Nacional de Mobilização e melhor preparar o
em longo prazo, exigindo firme determinação do go- país para o infortúnio da guerra.

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www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 11 out. 2016.
_____. _____. _____. Constituição Política do Império do Brasil de 1824. Disponível em: < http://www.planal-
to.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm>. Acesso em: 11 out. 2016.
_____. _____. _____. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm>. Acesso em: 11 out. 2016.
_____. _____. _____. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>. Acesso em: 11out. 2016.
TILLY, Charles. Coerção, Capital e os Estados Europeus. São Paulo, EDUSP, 1996.

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 55


ENRIQUECENDO O APRENDIZADO,
EXERCITANDO A ATENÇÃO

Aspirante Lucas Bassani da Silva

O ser humano, único animal racional no plane- e morais que a vida nos impõe dentro das 24 horas que
ta Terra, é dotado de uma aptidão que o diferencia nosso dia tem? A resposta é simples e nada tem a ver
de todos os outros: o ato de aprender. Desde o seu com fugir desse tsunami de informações ou com ter
nascimento, seu cérebro trabalha de modo a decifrar mais horas ao longo do dia, o ser humano deve refor-
todas as novidades que o mundo lhe apresenta através mular sua forma de aprendizado e se adaptar ao meio
dos seus cinco sentidos. Ganhando mais idade, passa sabendo utilizar melhor sua atenção.
a não somente reagir aos estímulos externos, mas tam-
bém a compreender e reproduzir o que tem aprendido,
DÉFICIT DE ATENÇÃO E TECNOLOGIA
quando deixa de explorar o mundo pelo tato, passa
a se utilizar da fala e entra na fase de intensos ques- O mundo moderno nos trouxe muitos benefícios,
tionamentos e, a partir desse ponto, seu horizonte de tais como: a conexão e a transmissão de informações
conhecimento deixa de ter limites e ele começa a absor- via Internet; os telefones celulares se tornaram verda-
ver informações através de todos os canais, tais como: deiros minicomputadores na palma da mão; muitos
convívio social, livros, escola, televisão, internet, revis- trocaram as carteiras da sala de aula pela comodida-
tas, jornais, trabalho etc. de de estudar em casa, em aulas online, abrangendo
Mas será que estamos preparados para essa inten- de cursos de Línguas até de Nível Superior. Tudo isso
sa gama de informações que o século XXI nos traz? parece muito cômodo, na teoria observamos apenas
Estamos aptos a absorver com louvor e por completo os benefícios do avanço da tecnologia e dos meios de
todas as ideologias, matérias, notícias, conceitos éticos comunicação, contudo, o fator humano foi esquecido.

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 57


Figura 1 - Reféns da tecnologia
Fonte: Disponível em: <http://wol.jw.org/en/wol/d/r1/lp-
e/102013447>. Acesso em: 22 ago. 2016.

O Homem tem se mostrado a cada dia não mais Figura 2 - Corpo na aula, mente no lazer
usuário da tecnologia, mas sim refém dela, e é fácil Fonte: Disponível em: < blogdaescutaanalitica.com.
observar essa constatação ao olhar, por exemplo, para br/2014/10/desatencao-na-escola-qual-e-sua-causa.html>.
Acesso em: 22 ago. 2016.
ruas, escritórios, restaurantes e salas de aula, todos es-
tão, em corpo, presentes nesses ambientes, mas com
ponto que devemos tomar o controle da situação para
a mente em dois ou três lugares diferentes, o homem
não fugirmos das responsabilidades, sermos mais efi-
perdeu a capacidade de focar em uma tarefa, apesar de
cientes e cumprir com nossos deveres.
também não ser multitarefa.

BUSCA PELO PRAZER ATENÇÃO DIVIDIDA


Pare para pensar e lembre-se daquele trabalho Conseguimos falar, gesticular e andar ao mesmo
acadêmico que poderia ser feito em 3 horas só que, tempo, mas você consegue dirigir e falar ao celular
com o toque de novas mensagens a cada 5 minutos, com a mesma destreza? A resposta é não. É simples
ou menos, você não resistiu e foi checar “rapidinho” de entender, nosso cérebro “guarda” certas capacida-
e acabou terminando em 4 horas; e daquela vez em des no modo automático, estas não precisam da nossa
que você interrompeu a fala de outra pessoa somen- atenção cognitiva ou voluntária, contudo, há outras
te porque seu discurso não lhe agradava; daquela ações que precisam desse tipo de atenção, pois, geral-
nota baixa que tirou na prova por não ter resistido mente, têm conexão com o mundo exterior, relacio-
a uma festa nas vésperas dela. Aliás, quantas vezes nam percepções e reações (GOLEMAN, 2014, p.31).
você já interrompeu sua leitura agora deste artigo Por exemplo, quando aprendemos a dirigir, inicial-
para fazer outra coisa mais prazerosa ou conferir al- mente nossa atenção é voltada ao uso dos pedais, à res-
gumas mensagens? posta ao girar de volante, à troca de marchas etc.; do-
De acordo com matéria da Psicóloga Juliana Spi- minadas essas ações, nosso cérebro as coloca no modo
nelli, Colaboradora do portal Brasil Escola, a mente automático e agora podemos prestar mais atenção no
humana tem mecanismos de defesa seletivos (estuda- trânsito e a tudo que ocorre ao redor. Neste exemplo,
dos e observados por Sigmund Freud, criador da Psi- o ato de dirigir passa ao segundo plano quando sufi-
canálise) que nos levam a uma busca incansável pelo cientemente dominado, enquanto o trânsito se torna
prazer. Ao se deparar com uma situação desagradá- o primeiro plano, o foco da atenção cognitiva. E, se
vel e outra agradável nossa mente optará sempre pela uma conversa importante com seu Chefe ao celular for
melhor opção, contudo, involuntariamente, o homem acrescentada a essa situação, isso pode levar a lapsos
tem se deixado levar por esse mecanismo, e é nesse de atenção que podem gerar um acidente devido ao seu

58 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


foco primário, que deixou de ser o trânsito e passou a Como mencionado por Boyatzis, “Precisamos do
ser a conversa ao celular, duas situações simultâneas foco negativo para sobreviver, mas de um foco positivo
que exigem o máximo de sua atenção cognitiva. para prosperar.”. (GOLEMAN, 2014, p.167).
Em suma, a nossa atenção cada vez mais fracio- Após nos livrarmos das distrações emocionais, que
nada tem levado não só a acidentes de trânsito mas são as mais difíceis de se controlar, de acordo com Go-
também a dificuldade de aprendizagem, ineficiência no leman (2014, p.13), devemos voltar nossa atenção para
trabalho, falta de memória e etc. Como o ph.D. Daniel fora, para as distrações sensoriais, desenvolver nosso
Goleman (2014), psicólogo formado na Universidade foco externo. Precisamos separar aquilo que é impor-
de Harvard, declarou que quando tentamos ser pesso- tante do que é distração em cada ocasião. Além disso, os
as multitarefa, nós não dividimos a atenção mas sim seres humanos são livres para fazerem o que bem enten-
transferimos de tarefa para tarefa. dem, mas muitas vezes se deixam levar por seus desejos
e impulsos, que necessitam ser controlados.
AUMENTANDO O RENDIMENTO NA A internet facilitou o acesso a informações, livros,
APRENDIZAGEM vídeoaulas e cursos, contudo, também nos trouxe as
redes sociais e os sites de entretenimento; as crianças
Não seria interessante se o ser humano, apenas dentro de casa têm acesso a videogames de última ge-
sabendo da teoria de determinada tarefa, automati- ração e a centenas de canais na televisão que substitu-
camente já pudesse executá-la com êxito total, como íram as brincadeiras de rua; ao escrever um texto, de
assistir a uma aula e lembrar-se dela do início ao fim? repente seu nome é pronunciado ao fundo e então sua
Sabemos que tais situações são quase impossíveis linha de raciocínio é perdida e a curiosidade prevale-
para a maioria das pessoas, afinal tudo necessita de ce; muitos adolescentes colocam seu divertimento em
muita prática, mesmo sabendo com perfeição a teoria. primeiro plano, uma vida de festas e irresponsabilida-
Além disso, de acordo com Goleman (2014, p.22) es- de, e esquecem que um dia serão adultos e pagarão
tamos cercados por distrações sensoriais e distrações suas contas. Conforme Goleman (2012), a eficácia em
emocionais que provocariam uma divagação da mente vencer essa batalha desleal frente as distrações exter-
e afetariam seu rendimento. Dessa forma, “podemos, nas do mundo moderno devemos desenvolver; uma
através da utilização adequada de nossa atenção, me- autodisciplina de modo a dividir melhor o tempo em
lhorar nossa experiência de aprendizagem”. (GOLE- momentos de trabalho, descanso e lazer; uma autor-
MAN, 2014, p.24) regulamentação para saber identificar nossos vícios e
Términos de relacionamento, briga com os pais, deficiências; e autocontrole para sabermos controlar
perda de um ente querido, contas a pagar ou ser mal- nossos impulsos.
tratado por um amigo sem motivo pela manhã são Um teste, chamado “Teste do Marshmallow”, feito
exemplos de distrações emocionais a que todos estão pelo psicólogo Walter Mischel, da Universidade Co-
sujeitos no dia a dia. Nossa mente geralmente deri- lumbia, em Nova York, revelou que o nível de auto-
va ou divaga para as nossas preocupações pessoais e controle de uma criança é um indicador de seu sucesso
questões não resolvidas, por conseguinte, devemos au- financeiro e de saúde na idade adulta. Este resultado
mentar nosso foco interno (GOLEMAN, 2014, p.11). se deu justamente pelo fato de crianças com essa ca-
A partir do momento em que começar a entender racterística saberem adiar com mais facilidade as gra-
melhor suas emoções e aflições, o que lhe incomoda tificações, buscando estratégias para manter sua mente
psicologicamente, encontrará mais rápido soluções focada em atingirem um ideal maior.
para seus problemas particulares, e uma pessoa com a Desse modo, podemos observar que é possível re-
mente livre de perturbações emocionais está um passo duzir consideravelmente os níveis de distração quando
a frente das demais. Seguindo a mesma linha de racio- estamos comprometidos a desempenhar uma tarefa
cínio, através dos estudos feitos por Richard Boyatzis com excelência. O mercado, sabendo dessa dificuldade
(2014, p.164) , da Universidade de Case Western Re- que o homem tem passado em se manter focado, tem
serve, seja positivo, emoções positivas ampliam o raio oferecido soluções milagrosas como pílulas que suge-
de atenção e nos motivam, enquanto as negativas res- rem um aumento no seu rendimento, contudo, não de-
tringem nossos pensamentos a uma faixa estreita para vemos cair nas graças do marketing, mas sim assumir
aquilo que nos incomoda. que o problema está em nós e buscar soluções, com-

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 59


senvolvimento pessoal
e profissional, os erros
cometidos geralmente
só causarão consequên-
cias individuais, sendo
mais fáceis de lidar e
consertar.
Quando formado e
concluída a Viagem de
Instrução, o agora Se-
gundo-Tenente passa a
ser subordinado e líder
ao mesmo tempo, será
procurado por seus supe-
riores para prestar contas
das fainas em andamento
Figura 3 - Atividades simultâneas no passadiço e pelos Praças para saber
Fonte: Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=3zZSjhuYl8w>. Acesso em: 7 qual será sua decisão e a
dez. 2016.
próxima ordem. Nessa
fase de sua carreira, seus
preendendo melhor a nós mesmos. Lembre-se de que, erros podem gerar consequências para todo um grupo
ao desenvolver sua atenção para melhorar sua apren- e agora tudo que fora aprendido e testado na Escola
dizagem, você estará investindo em algo muito valioso Naval pode ter valor e ser necessário.
e que ninguém poderá roubar, que é o conhecimento.
CONCLUSÃO
DE ASPIRANTE A OFICIAL Este artigo teve como objetivo advertir a todos os
Ao pensarmos nos rumos que a Marinha irá tomar leitores que, apesar de estarmos constantemente sendo
nos próximos anos, logo lembramos da Escola Naval, influenciados e sofrendo interferência em nossas tare-
berço dos Oficias que um dia estarão no Comando dos fas por fatores externos, como a tecnologia, as distra-
mais variados navios e Organizações Militares (OMs), ções emocionais e sensoriais, o excesso de obrigações
exercendo, dentro e fora do país, não só aquilo que lhes (multitarefa) etc., podemos encontrar uma forma de
fora ensinado nas carteiras escolares como também melhorar o nosso rendimento através de um uso mais
pondo em prática as lições que a vida faz questão de apropriado da atenção.
ensinar. A Escola Naval é uma instituição que além de Saber direcionar nossos focos interno e externo, en-
prezar demasiadamente pelo lado acadêmico por par- contrar suas limitações e deficiências e características
te dos Aspirantes também tem como objetivo fomentar de sua natureza, identificar aqueles estímulos exter-
qualidades essenciais para a liderança, que estão repre- nos que o fazem perder a atenção e trabalhar em cima
sentadas na Rosa das Virtudes, ao Oficial de Marinha. destas observações para que seja possível aumentar a
A rotina imposta no período de formação, conten- produtividade no aprendizado e na execução de suas
do diversas atividades, tais como aulas pela manhã, obrigações é essencial para todo Oficial de Marinha,
atividades extras, treinamentos físicos, encargos em que desde o início da carreira já assume diversas res-
Pelotões, Companhias e Batalhões, embarques etc., ponsabilidades que podem pôr em risco a sua vida e a
faz com que os níveis de atenção sejam exigidos ao de outras pessoas.
máximo para que a aprendizagem, tanto das maté- Aos Oficiais da Armada a bordo dos nossos navios,
rias quanto dos valores, seja feita com bom aprovei- estando com olhos atentos na navegação; aos Oficiais
tamento. Durante esse período, deve-se aproveitar ao Fuzileiros em seus Batalhões, acompanhando sempre
máximo as oportunidades, pois é a única fase em que o treinamento e o adestramento da tropa para estarem
o foco pode estar todo em si, unicamente para seu de- mais bem preparados para um possível conflito; e aos

60 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


Intendentes, que devem sempre zelar pela Logística, formação, pois de alguma forma isto tornará a vida
pelo conforto e pelo municiamento de qualquer OM: a bordo uma experiência gratificante e mais tranquila
que todos fiquem sempre atentos e focados na sua mesmo com as adversidades da carreira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COMO SABER se você é um viciado em tecnologia. BBC Brasil 2015. Disponível em: <http://www.bbc.com/
portuguese/noticias/2015/09/150902_tecnovicio_ebc>. Acesso em: 18 ago. 2016.
FERRARI, Juliana Spinelli. Mecanismos de Defesa. Revista Brasil Escola 2014. Disponível em: <http://brasi-
lescola.uol.com.br/psicologia/mecanismos-defesa.htm>. Acesso em: 20 ago. 2016.
GOLEMAN, Daniel. Foco: A atenção e seu papel fundamental para o sucesso. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014.
GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional: A teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. Rio
de Janeiro: Objetiva, 2012.
MISCHEL, Walter. O Teste do Marshmallow: Por que a força de vontade é a chave para o sucesso. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2016.

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 61


O USO DO MOODLE COMO APOIO PARA A
DISCIPLINA ING-3 NA ESCOLA NAVAL

Profa. Dra. Doris de Almeida Soares1

INTRODUÇÃO to de tornarem-se parte integral e indispensável da


vida de muita gente. No Brasil, em termos quanti-
Em 2005, como parte da celebração dos seus tativos, Villela (2016) apresenta dados do Instituto
25 anos de existência, o Massachusetts Institute of Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os quais
Technology (M.I.T.) publicou uma lista com as 25 indicam que, em 2014, quase 50% dos domicílios
inovações tecnológicas não relacionadas ao campo possuíam computadores, que 54,9% passaram a ter
da medicina que, à época da publicação, estavam acesso à internet e que 74,3% dos estudantes brasi-
sendo amplamente utilizadas desde os anos 1980. O leiros possuíam celulares.
ranking listava inovações com impacto direto e per-
A popularização dos computadores e celulares,
ceptível no nosso cotidiano ou que poderiam afetar
em especial dos dispositivos móveis e dos smartpho-
drasticamente nossas vidas no futuro. Encabeçando
nes, associada a uma maior oferta de banda larga,
a lista estava a internet, seguida pelo telefone celular
tem potencial para tornar a web “um dos principais
e pelo microcomputador (CNN, 2005).
locus da democratização do acesso à informação”,
Pouco mais de uma década se passou e, de fato, já que “a internet é um grande (...) democrático
essas tecnologias causaram uma revolução tal a pon- repositório de informações (...) sobre as principais
áreas de conhecimento e um amplo espaço virtual
1 Professora Associada de Língua inglesa da Escola Naval. Mestre
em Linguística Aplicada pela UFRJ e Doutora em Letras pela de trocas de comunicação e cooperação” (CAMPOS
PUC-Rio. Pesquisadora Externa do Projeto LingNet. et al, 2003, p.10). Por tudo isso, as novas tecnolo-

62 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


gias de informação e comunicação (NTICs) têm sido Partindo desse pressuposto, muitos professores in-
cada vez mais exploradas nos contextos pedagógicos dicam para seus alunos conteúdos on-line que venham
presenciais e a distância para realizar a “mediação a atender as suas necessidades individuais, em vez de
entre o conhecimento e o aprendente” (Belloni, 1999, indicar materiais impressos ou em CDs, que podem ser
p. 55). Assim, “com as tecnologias cada vez mais rápi- caros e difíceis de encontrar. Em linha com esse pen-
das e integradas, o conceito de presença e a distância se samento, tenho por hábito fornecer aos meus alunos,
altera profundamente e as formas de ensinar e apren- no início do ano letivo, uma lista em meio impresso
der também” (MORAN, 2005, p.1). com sites da internet que julgo relevantes, tanto como
Com o ensino de línguas não poderia ser diferente, apoio para a disciplina, como para o desenvolvimento
uma vez que diversos métodos e abordagens, cada qual de habilidades como a leitura e a escrita.
ao seu tempo, incluíam o uso de inovações tecnológi- Em 2015, observei uma maior demanda por fon-
cas “de ponta” tais como: a vitrola e o toca-fitas, para tes extras para estudo dos diversos aspectos da língua
prover áudios e modelos de repetição; equipamentos inglesa tais como a conversação, o vocabulário ma-
de TV/vídeo para veicular cursos completos a distância rinheiro e a compreensão auditiva. Assim, para cada
ou disponibilizar conteúdos audiovisuais; e o micro- Aspirante que me procurava, eu selecionava conte-
computador, que inovava ao agregar vídeo, som, ima- údos on-line e disponibilizava os referidos links por
gem e texto em atividades multimídia interativas em WhatsApp ou por e-mail. Havia, também, os Aspi-
CD-ROMs, com a possibilidade de feedback imediato. rantes que me procuravam para externar o desejo por
Na atualidade, há uma infinidade de sites especia- atividades de apoio e consolidação ao ensino recebi-
lizados no ensino de língua inglesa que disponibilizam do em sala de aula, para os quais eu disponibilizava
de modo gratuito vídeo-aulas, podcasts, atividades gramáticas em PDF.
interativas, jogos, dicionários, gramáticas, apostilas, Pensando nessa demanda e na rotina dos terceira-
exercícios, dicas de aprendizagem do idioma, entre nistas, especialmente daqueles com baixo desempenho
outros serviços. Há, também, vários aplicativos feitos na disciplina, surgiu a ideia de catalogar, organizar
para IOS ou Android com a finalidade de ensinar lín- e concentrar essas indicações de recursos digitais em
guas, além de cursos on-line. A web também permite o um único espaço, o qual pudesse ser acessado pelos
contato com materiais autênticos na língua inglesa, ou Aspirantes nas horas vagas, dentro ou fora da Escola
seja, não elaborados para fins pedagógicos, tais como Naval. Após trocar ideias com um colega do Centro
jornais e revistas, transmissões de rádio, vídeos, filmes, de Ciências Sociais que já utilizava o Moodle em sua
livros etc., sendo possível, também, o acesso a conteú- disciplina, optei por solicitar à Diretoria de Ensino da
dos não hegemônicos, o que amplia consideravelmen- Marinha (DEnsM) a abertura de um “curso” para a
te a cultura do aprendiz ao colocá-lo em contato com disciplina ING-3 na referida plataforma.
outros sotaques e modos de expressar-se no idioma,
basta procurar.
EXECUÇÃO DO PROJETO
Para exemplificar as contribuições que a tecnologia
pode trazer como apoio para o ensino presencial, este O Moodle é um ambiente virtual de aprendizagem
artigo descreve um projeto iniciado pela Coordenação maleável no qual é possível criar módulos de instru-
da disciplina ING-3, em abril de 2015, para prover ção organizados por blocos ou semanas. Neles, os
apoio aos Aspirantes do 3º ano da Escola Naval, nos es- conteúdos podem ser apresentados em forma de pá-
tudos da língua inglesa, através da plataforma Moodle. ginas simples de texto ou em HTML, com links para
sites da web ou para arquivos de texto, áudio, vídeo,
animações em Flash, apresentações em PPT etc. Para
MOTIVAÇÃO PARA O PROJETO avaliar a aprendizagem, há ferramentas para a cria-
Devido à grande oferta de material de qualidade ção de questionários, tarefas e exercícios, bem como
sem custo na web, há vários benefícios em usar tecno- para a gestão do ensino e aprendizagem, uma vez que
logias on-line tanto como extensões valiosas do que as atividades de cada usuário ficam registradas em re-
pode ser feito em sala de aula como para melhorar a latórios no sistema, podendo, assim, ser monitoradas
qualidade da educação a distância tradicional (FELIX, pelo tutor ou administrador. Por fim, o ambiente pode
2003, p.120). ser usado para a aprendizagem colaborativa, uma vez

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 63


Figura 1: Tela de abertura do curso ING-3

que disponibiliza ferramentas de interação entre o tu- se baseou no fato de a disciplina ser presencial e de o
tor e os participantes tais como os fóruns de discussão, tempo livre dos Aspirantes ser geralmente limitado e
wikis, chat de texto, além do correio eletrônico, faci- compartilhado com as demais fainas e estudos de ou-
litando, assim, a comunicação entre os membros da tras disciplinas.
comunidade de aprendizagem.
Assim, desenhei o curso tendo em vista dois con-
Refletindo sobre o fato de que a apropriação de juntos de materiais: o primeiro referente ao conteúdo
tecnologias para fins pedagógicos “requer um amplo (gramatical e lexical), determinado pelo Sumário da
conhecimento de suas especificidades tecnológicas
disciplina, e o segundo referente ao aprimoramento
e comunicacionais que devem ser aliadas ao conhe-
das habilidades no idioma. Procurei, também, privile-
cimento profundo das metodologias de ensino e dos
giar atividades curtas e rápidas, algumas on-line e ou-
processos de aprendizagem” (KENSKI, 2003, p.5) e
tras off-line, e com graus variados de dificuldade (do
considerando o contexto no qual a disciplina ING-3
mais simples ao mais complexo).
e seus participantes se inserem, resolvi utilizar a plata-
forma Moodle, prioritariamente, como um repositório Pensando nas necessidades dos Aspirantes com
de materiais, deixando em segundo plano o seu po- baixo rendimento, incluí no Moodle objetos de
tencial para a aprendizagem colaborativa. Essa decisão aprendizagem que revisassem os conceitos básicos

64 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


referentes aos conteúdos da disciplina. Escolhi, por- Para mapear o acesso ao curso e saber quais re-
tanto, atividades de leitura, gramática, vocabulário, cursos foram mais utilizados, recorri a dois tipos de
escrita, compreensão oral e de conversação, além de relatórios de atividades gerados pelo próprio Moodle.
planos de estudo e revisões para as avaliações. Para O primeiro forneceu dados sobre quantas vezes cada
aqueles que me procuravam solicitando sugestões objeto (recursos, páginas, fóruns, tarefas etc.) foi visu-
para desenvolverem habilidades específicas (ler/escre- alizado, possibilitando saber quais deles despertaram
ver, falar/ouvir), incluí no curso seções diferenciadas mais interesse nos Aspirantes. O segundo forneceu in-
com links para materiais que explorassem cada uma formações sobre a participação de cada usuário (ativi-
das quatro habilidades, que trabalhassem inglês mili- dades visualizadas, data e hora dos acessos), o que me
tar e de marinharia, livros de referência, sugestões de levou a dividir os usuários em quatro grupos: Grupo
aplicativos para celular, além de dicas para o estudo e AO: Aspirantes com inscrição obrigatória que acessa-
a aprendizagem de línguas. ram o curso, Grupo AV: Aspirantes com inscrição vo-
Para organizar as seções, usei um sistema de cores luntária que acessaram o curso; Grupo B: Aspirantes
nas abas dos blocos do curso, como explicado na tela com inscrição obrigatória que não acessaram o curso;
de abertura do curso (Figura 1). e Grupo C: Aspirantes com inscrição voluntária que
O projeto foi compartilhado com os docentes de não acessaram o curso.
ING-3, com a Coordenação de Área e a Chefia do Para saber os objetivos dos usuários, suas preferên-
CCS, sendo apresentado aos Aspirantes durante as cias e suas opiniões sobre a utilidade do curso, elaborei
aulas, em abril de 2015, após a primeira avaliação três questionários, um para cada grupo de usuários.
bimestral. A inscrição foi obrigatória para todos 60 Os questionários tinham perguntas abertas e fechadas
Aspirantes com nota menor que 6.0, na expectativa e também solicitavam que os usuários apontassem as
de que a inscrição motivasse esse grupo a buscar a sua dificuldades enfrentadas para aproveitarem a oportu-
recuperação, e facultativa para os demais Aspirantes. nidade de aprendizagem que estava sendo oferecida
No total, 101 Aspirantes foram cadastrados dentre os com o projeto.
202 cursando o 3º ano em 2015.
Contudo, todos foram informados de que o acesso ANÁLISE DOS DADOS
ao curso seria voluntário por se tratar de uma ativi-
Dentre os resultados, destaco que, em números
dade extracurricular. A proposta era disponibilizar os
totais, 55% dos Aspirantes cadastrados utilizaram o
materiais e deixar que cada Aspirante tivesse liberdade
curso, sendo 24% de modo direto (com seu próprio
de gerenciar a sua aprendizagem, escolhendo quando e
login) e 31% de modo indireto (copiando os materiais
o que estudar. Por isso, não havia número mínimo de
de outros colegas que acessaram o curso). No grupo
atividades/atividades obrigatórias e nem prazo para a
com inscrição obrigatória, houve a utilização dos ma-
conclusão das mesmas, não sendo cobrada “presença”
teriais por 45% dos Aspirantes, em sua maioria por
no curso.
meio de acesso direto ao curso. Já no grupo com ins-
Para orientar a utilização do espaço, havia instru- crição voluntária, 54% dos Aspirantes utilizaram os
ções no fórum para que cada Aspirante definisse suas materiais, sendo a maioria por meio de acesso indireto
necessidades, tentasse estabelecer uma rotina para o aos conteúdos.
estudo e escolhesse os materiais que melhor atendes-
Os Aspirantes com inscrição obrigatória, em sua
sem às suas necessidades. Para aqueles com dificul-
maioria, tiveram como motivação para acessar o cur-
dades na disciplina, havia a dica de localizar no livro
so o fato de reconhecerem que tinham uma dificul-
didático qual assunto estava sendo trabalhando em
dade real com o idioma, a percepção de que preci-
aula, acessar os materiais correspondentes e tirar as
savam de ajuda e a necessidade por mais materiais,
dúvidas com o professor, com colegas, ou pelo fórum
sendo o curso, nas palavras dos respondentes, “uma
de discussão.
ótima iniciativa” (AO6) para ajudar a aprimorar os
estudos, uma vez que os conteúdos eram “de extrema
AVALIAÇÃO DO PROJETO qualidade” (AO3).
Após seis meses, realizei uma avaliação da acolhida No caso dos Aspirantes que se inscreveram por li-
do projeto pelos Aspirantes. vre escolha, as motivações foram variadas: desejo de

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 65


Figura 2: Fatores na escolha dos materiais

melhorar/aprender mais/complementar as aulas; facili- mesmo para quem tem mais facilidade com a disci-
dade de encontrar materiais extras; disponibilidade de plina. No caso do grupo com inscrição obrigatória, a
apoio/contato com os docentes; proposta interessante/ necessidade de reforço e as dúvidas são os maiores mo-
com conteúdos atraentes; não obrigatoriedade de ta- tivadores, o que é consistente com o objetivo principal
refas; direcionamento para prova/base para as provas. do projeto: prover apoio aos que necessitam de reforço
Sobre a preferência pelos tipos de recursos disponí- com a aprendizagem do idioma.
veis, a maioria dos Aspirantes (48%) relatou ter tido Sobre a possibilidade de explorar os fóruns de dis-
maior interesse pelos documentos de texto (Docs e cussão para enviar perguntas, compartilhar experiên-
PDFs), talvez porque estes exijam menos velocidade de cias ou enviar textos para a correção pelo professor, a
internet para serem baixados e pelo fato de poderem maioria dos Aspirantes respondeu que não sentiu ne-
ser usados off-line. As atividades interativas, realiza- cessidade dessas ferramentas, pois tirou as dúvidas em
das em sites especializados em ensino de inglês para sala de aula ou com colegas. Contudo, um Aspirante,
estrangeiros, ficaram em segundo lugar, com 28% de de fato, postou perguntas, as quais foram esclarecidas
interesse, seguidas pelos conteúdos em vídeo, com por mim, o que significa que, para aquele usuário, o
24% de interesse. Apesar de oferecerem uma experiên- fato de o fórum estar disponível fez uma diferença.
cia mais completa de aprendizagem, pois representam Além disso, alguns Aspirantes relataram ter vergonha
uma combinação de texto, imagem e áudio, as ativi- de usar os fóruns ou não saberem bem como utilizá-
dades interativas e em vídeo exigem que o Aspiran- -los. Esses fatores podem afetar a participação daque-
te tenha uma melhor conexão de internet para poder les inscritos em cursos que explorem as ferramentas
aproveitá-las, o que pode ter reduzido a sua procura. colaborativas do Moodle. Portanto, é necessário que o
Sobre a escolha de quais conteúdos acessar (Figura tutor esteja atento às situações como essas para garan-
2), destaco que o grupo com inscrição voluntária teve tir que todos os aprendizes se sintam confortáveis com
como maior motivação o fato de que os assuntos es- as ferramentas de interação.
colhidos seriam cobrados nas avaliações, o que ilustra Para finalizar, afirmo que todos os Aspirantes que
que a preocupação com o fator nota é predominante, acessaram o curso ficaram satisfeitos e avaliaram de

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modo positivo a experiência, como ilustram algumas vez menos pertinente quanto mais se popularizarem as
das opiniões registradas nos questionários e ora trans- tecnologias digitais”. Como resultado, “O aluno terá
critas: “o curso ajuda no aprendizado” (AO1), “posso a aula na escola, na universidade, e terá também o site
praticar outros dias da semana” (AO2), “aprendi coi- da disciplina com exercícios e novas proposições con-
sas básicas” (AO10), “aprendi muito” (AO13), “pude figurando a sala de aula virtual” (SILVA, 2001, p.45).
organizar meus estudos e tive material necessário para Em linha com esse pensamento, a Coordenação de
tirar minhas dúvidas” (AO11), “o curso apresenta no- ING-3 iniciou, no ano de 2015, um projeto visando à
vos modos para entender a matéria” (AO14), “oferece oferta de conteúdos digitais para estudo suplementar
uma plataforma alternativa para estudar” (AV8), “é na plataforma Moodle, considerando as vantagens
bem dinâmico, com boas atividades” (AV7), “pude fa- que essa oferece tais como “a riqueza de informações
zer mais exercícios e tirar dúvidas” (AV6).
e recursos que podem ser encontrados em um local,
Sobre os Aspirantes que não acessaram o curso, incluindo feedback imediato, acessível do computa-
apenas 6% daqueles com inscrição obrigatória expres- dor de casa, além de acesso em tempo real ao pro-
saram falta de interesse no projeto e disseram que não fessor” (FELIX, 2003, p.122). No caso do ING-3, o
tinham nenhuma intenção de experimentar o curso. desenho do curso privilegiou uma visão de educação
Os demais, tanto no grupo com inscrição obrigatória na qual o aprendiz é responsável por gerenciar a sua
quanto no grupo com inscrição voluntária, aponta- aprendizagem, ficando livre para escolher o que e
ram, na grande maioria, os mesmos três fatores para quando estudar.
não terem utilizado o curso: a falta de tempo, os pro-
Apesar de 45% dos Aspirantes inscritos não terem
blemas técnicos (acesso à internet ou computador) e,
efetivamente se engajado no projeto, principalmente
por fim, o excesso de fainas. Fatores menos frequen-
por falta de tempo, creio que, se levarmos em conta a
tes foram: problemas com o computador, a perda de
rotina do Aspirante na Escola Naval e o fato de que a
senha/dificuldades com o primeiro acesso ao Moodle,
problemas de ordem pessoal e o uso de outros mate- participação não valeu nota, temos um saldo positivo
riais para estudo. da experiência com o uso do Moodle como ativida-
de extracurricular na disciplina ING-3. Essa asserção
está embasada nas opiniões, todas positivas, daqueles
CONSIDERAÇÕES FINAIS que efetivamente encontraram condições para entrar
A tecnologia digital tem sido utilizada nos contextos no curso e explorar os recursos lá existentes. Portanto,
educacionais na tentativa de oferecer experiências de creio que o projeto descrito neste artigo comprova que
ensino e aprendizagem mais ricas, nas quais as barrei- iniciativas dessa natureza, incorporadas de modo vo-
ras geográficas e espaciais entre alunos e professores se luntário à rotina dos Aspirantes que assim desejarem,
dissolvem e o conhecimento esteja disponível 24 horas vêm ao encontro da necessidade de apoio ou de expan-
por dia, sete dias por semana. Indubitavelmente, nosso são de conhecimento que alguns almejam, somando,
sistema educacional caminha para uma realidade na assim, ao trabalho realizado pelos docentes em sala de
qual “a distinção ‘presencial’ e ‘à distância’ será cada aula e no laboratório de línguas.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Figura 1: A captura da Gamo por Speedy. Óleo sobre tela por Charles Dixon.
Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:The_Speedy_capturing_the_Gamo_1801_-_Charles_Dixon.jpg>.
Acesso em: 15 out. 2016.

ALMIRANTE LORDE COCHRANE:


O HERÓI QUE SE TORNOU MERCENÁRIO

Aspirante Lucas Figueiredo Gomes

INTRODUÇÃO comandar a jovem Esquadra brasileira. Passando por


momentos heroicos e em outros tratado como merce-
Em 1822, o Brasil passava pelo processo de inde- nário, essa figura singular na história da Marinha do
pendência; para isso, era necessária a supremacia no Brasil (MB) merece especial atenção por suas influên-
mar. Carente de líderes capacitados, o Governo Impe- cias e controvérsias na sua passagem pelo Brasil. En-
rial convidou o então herói da independência chilena, tender as polêmicas envolvendo a trajetória da carreira
Almirante Lorde Alexander Thomas Cochrane, para deste personagem histórico é importante para termos

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um quadro geral das circunstâncias da época e poder- tempo no Exército, mas não se identificou com as ati-
mos reconhecer as influências do Almirante Lorde Co- vidades e, aos 18 anos, tardiamente para os padrões
chrane nas origens da nossa Marinha. da época, embarcou na Fragata “Hinds”, comandada
Este trabalho tem como objetivo estudar a trajetó- pelo seu tio Alexander Cochrane, como Midshipman
ria de vida, a carreira, a questão dos pagamentos de (Aspirante). Durante esse período, conheceu a vida de
salários e troféus de guerra que permeiam o legado de bordo e aprendeu a executar as atividades marinhei-
um dos personagens mais importantes da Independên- ras, destacando-se por suas habilidades de manobra e
cia do Brasil e da formação da Marinha brasileira. Esta de convés, como registrou Martins (1997).
pesquisa é de abrangência qualitativa, com pesquisa Em 1800, tornou-se comandante da Escuna “Spe-
bibliográfica abrangendo os diversos aspectos da bio- edy”. Nessa fase, iria realizar alguns de seus feitos
grafia do Almirante. A relevância do estudo se mostra que permeiam a ficção. A embarcação era pequena e
ao reconhecer as influências do Almirante Lorde Co- possuía 14 canhões de pequeno calibre. Sua primeira
chrane na Marinha do Brasil. missão foi escoltar alguns navios mercantes pequenos.
As seguintes questões foram respondidas: como foi Quando foi atacada por comboio francês, a “Speedy”
a participação do Almirante nas guerras de indepen- reagiu e capturou um dos navios inimigos, o “Intrepi-
dência do Brasil e do Chile? Como foi sua incorpora- de”. O que se seguiu foram diversas capturas que con-
ção à Marinha do Brasil? De que forma ocorreu o afas- sagraram esse navio como o terror do Mediterrâneo
tamento da atuação dele no processo de independência (COCHRANE, 1980).
do Brasil? Cochrane é um herói ou um mercenário? Quando não conseguia combater, utilizava métodos
Essas questões foram respondidas através de pesquisa astuciosos para fugir, como conta sua autobiografia no
bibliográfica em livros como Almirante Lorde Cochra- trecho em que fala sobre o dia 5 de maio de 1801. Nes-
ne: uma figura polêmica (MARTINS, 1997) e Auto- se dia, fugindo de algumas canhoneiras, acabou encon-
biography of a Seaman (COCHRANE, 1980). trando uma Fragata espanhola, a “Gamo”. Cochrane
não viu saída a não ser atacá-la e, como estava em
O estudo será divido em duas partes principais. A
completa desvantagem, precisaria utilizar estratégias
primeira narra os principais momentos de sua carreira
não convencionais. Foi então que hasteou a bandeira
como marinheiro e outros aspectos de sua vida. Na
dos Estados Unidos e se aproximou da Fragata espa-
segunda parte, são respondidas as perguntas propostas
nhola. Quando a farsa foi notada, a escuna já esta-
nesta introdução, e é analisada a posição de Cochrane
va fora do alcance dos canhões espanhóis. Cochrane
como herói naval.
liderou a abordagem, junto com seu imediato. Subiu
toda a tripulação, menos o médico do navio, que ficou
VIDA MARINHEIRA DO ALMIRANTE LORDE de timoneiro. Por causa da reação espanhola, resolveu
COCHRANE gritar para o médico que mandasse avançar os fuzi-
leiros. A confusão que a ordem gerou nos espanhóis
O jovem marinheiro Cochrane demonstrou desde
abriu espaço para que se arriasse a bandeira espanhola
cedo sua aptidão para o mar, o que o transformou
e que acontecesse a eventual rendição.
em um grande Oficial de Marinha e o fez protago-
nizar acontecimentos dignos de ficção, inspirando os O ato rendeu elogios do Almirante Keith e repercu-
grandes contadores de história do século XIX. Esses tiu na opinião pública inglesa, porém o Almirantado
eventos, quando aliados às intrigas que ele gerou, nos não respondeu da mesma maneira. Cochrane, que de-
mostram um quadro geral tanto do homem quanto veria ser promovido a Captain e designado para co-
das Marinhas da Inglaterra, do Chile, do Brasil e da mandar a fragata capturada, não recebeu essa recom-
Grécia na época. Todos os fatos narrados neste estudo pensa, o que o levou a seu primeiro grande desenten-
são encontrados na autobiografia de Lorde Cochrane, dimento com o Almirantado. Trocou correspondências
através de diários e narrações do próprio almirante. mostrando suas indignações, e muitas vezes ofenden-
do, a John Jervis, Lorde St Vicent.
Apesar de ter criado inimigos no Almirantado, con-
Marinha Real
tinuou na “Speedy”, onde, no fim de seu comando,
Lorde Alexander Thomas Cochrane nasceu em quando foi obrigado a se render depois de longa ba-
14 de dezembro de 1775, na Escócia. Passou algum talha contra três naus francesas, havia capturado ou

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destruído 50 navios que totalizavam 122 canhões e que, após essas eleições, pagou aos eleitores que vota-
534 homens. Eventualmente retornou ao Reino Unido ram nele, o que o encaminhou para a vitória nas elei-
e foi absolvido pelo Conselho de Guerra por causa da ções seguintes.
rendição, mas Lorde St Vincent não o perdoou pelas Sua missão na “Pallas” era escoltar comboios na
correspondências e o manteve a meio soldo e sem co- travessia do Atlântico e, como sentia dificuldades de
mando, mesmo que tenha sido finalmente promovido. manter contato durante a noite, inventou um tipo de
Este episódio, apesar de mostrar o lado marinheiro lanterna que facilitava a manutenção da formatura
excepcional de Cochra- durante as viagens. Em
ne, também mostrou sua 1806, no estuário do
grande predisposição Rio Gironda, no sudo-
em fazer inimigos, como este da França, teve que
analisado por Martins enfrentar seis corvetas
(1997). Um dos biógra- francesas, obtendo êxi-
fos do Almirante, War- to com três destruídas e
ren Tate, diz que ele se uma capturada; as ou-
encontrou com Nelson tras fugiram. Essa ba-
apenas uma vez, dizen- talha chegou ao conhe-
do-lhe “Não se preo- cimento de Napoleão
cupe com manobras. Bonaparte, que teria
Avance sobre o inimigo dito que Cochrane era
diretamente” (MAR- um verdadeiro “lobo
TINS, 1997, p.33). Tal- do mar” (MARTINS,
vez ele tenha expandido 1997, p.50).
esse conselho para além Candidatou-se nova-
dos mares, ou talvez ele mente a um cargo públi-
realmente fosse indis- co, agora sendo eleito.
ciplinado. Os seus atos Como primeira provi-
mostraram extrema im- dência, pediu o reco-
paciência com atos que nhecimento dos Oficiais
considerava errados ou da Escuna “Speedy” e
injustos, tanto consigo da Fragata “Pallas”, os
quanto para com seus quais o Almirantado ha-
subordinados, e isto lhe Figura 2: Retrato de Thomas Cochrane, 10º Conde de Dundo- via esquecido. Para que
traria complicações no nald, Almirante Britânico. não pressionasse ainda
futuro. Disponível em: <http://www.gac.culture.gov.uk/work.
mais o Almirantado, foi-
aspx?obj=12178>. Acesso em: 15 out. 2016.
Durante o período -lhe dado novo coman-
em que se encontrava do, o da Fragata “Im-
sem comando, aproveitou para aperfeiçoar seus pre- perieuse”. Neste período, participou de diversas ações
cários estudos, matriculando-se na Universidade de que nutriram a criação de diversas ficções, inclusive
Edimburgo. Como suas ações como Comandante o a última na Marinha Real, em que foi consagrado e
precediam, foi lhe dado o comando do HMS “Arab”, também condenado. Esta operação aconteceu na Baía
um antigo navio de transporte de carvão que não exer- de Aix, no oeste da França.
ceu nenhuma função de destaque. Quando Lorde St. Uma Esquadra francesa, formada por oito naus e
Vincent deixou de ser o Primeiro-Lorde do Almiranta- diversas fragatas, furou um bloqueio inglês e foi perse-
do, ele pôde sair desse comando e foi para uma Fraga- guida pela esquadra do Almirante inglês Lorde James
ta nova, a “Pallas”, em 1805. Gambier, que cercou os franceses num fundeadouro
Também na época do comando da nova Fragata, dentro da Baía de Basque, chamado Baía de Aix, no
candidatou-se a deputado pelo Distrito de Honitron, oeste da França. Para realizar o ataque, eram necessá-
mas perdeu as eleições. Em sua autobiografia, ele diz rios tanto a audácia quanto o conhecimento da região,

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e Cochrane possuía os dois, pois já havia feito reco- Cochrane foi acusado de ser cúmplice de um esque-
nhecimento da região quando ainda era Comandan- ma que buscava aumentar o valor das ações da bolsa
te da “Pallas”. O Almirantado então o designou para de valores de Londres, o que fazia com que auferisse
esta missão junto com a “Imperieuse”. grandes lucros. Foi julgado e condenado a dois anos de
Lorde Gambier era extremante religioso e muito prisão e à expulsão da Ordem de Bath, do Parlamento
hesitante ao tomar suas decisões, o que gerava des- e da Marinha Real.
contentamento não só em Cochrane, mas também nos Naquela época, as notícias demoravam a se disse-
outros Oficiais que participavam da missão. Um deles, minar, o que poderia levar a desinformações. O esque-
o Almirante Eliah Harvey, veterano de Trafalgar, foi à ma julgado se tratava da disseminação por um falso
corte marcial por externar gritando na praça d’armas a Oficial do Exército francês da notícia da morte de
incompetência de Lorde Gambier. Não foi expulso da Napoleão Bonaparte. Essa notícia, que significava o
marinha por causa de seus feitos, mas não teria nenhu- fim das guerras Napoleônicas, fez com que os valores
ma outra comissão. das ações na bolsa de Londres disparassem, enrique-
Cochrane idealizou um plano de ataque, que en- cendo os investidores interessados. A participação de
volvia o uso de brulotes, velhos barcos em chamas Cochrane se deu ao falso Oficial ser visto entrando na
que seriam levados pelo vento até o inimigo, incen- casa dele para trocar de roupa, o uniforme francês, e
diando-os. Lorde Gambier hesitou, pois sua religiosi- essa mesma roupa ser encontrada nas proximidades do
dade o fez ficar excessivamente preocupado com a tri- local. As provas, aliadas aos inimigos que Cochrane
pulação que iria conduzir a operação, mas finalmente nutriu, fizeram sua condenação inevitável.
autorizou o ataque que iria comprometer a força da Após esse processo, cumpriu prisão e iniciou um
Esquadra francesa. Cochrane esperava autorização período de sua vida mais fraco, quadro que só iria mu-
para realizar o ataque que finalizaria com o restan- dar quando recebeu o convite chileno de comandar a
te dos navios inimigos. Apesar das mensagens que o Esquadra na Independência daquele país.
Comandante da “Imperieuse” enviava ao capitânia,
a mensagem não veio. Cochrane ficou impaciente e
realizou o ataque somente com seu navio, engajando
Marinha do Chile
uma nau francesa e atirando em outros navios que se Em 1818, a guerra terrestre pela independência do
encontravam encalhados. Após isso veio a ordem de Chile se encontrava em estado bem avançado. Sob
recuo para os ingleses. a liderança de O’Higgins e San Martín, o Exército
O Almirantado mostrou-se satisfeito com as ações dominava grande parte dos territórios chilenos. Os
da esquadra de Lorde Gambier, mas Cochrane ficou espanhóis, porém, dominavam o mar, com postos de
insatisfeito, pois vislumbrava resultados melhores do abastecimento logístico, que ajudavam a levar supri-
que os alcançados e não guardou essa insatisfação para mentos para os exércitos espanhóis, em Callao, no
si. Como deputado, liderou o grupo que votaria contra Peru que na época era colônia, e na baía formada
o reconhecimento e agradecimento do parlamento ao pelo Rio Valdivia, ao sul de Santiago. A tomada des-
referido Lorde. Por este ato, foi levado à corte marcial ses pontos diminuiria muito o poder das tropas es-
e afastado do comando. panholas. Esses ataques deveriam ser feitos por uma
Manteve-se no parlamento, onde criticou diversos Marinha, a qual uma região brigando por sua inde-
pontos com os quais não concordava na Marinha Real, pendência ainda não possuía.
criando ainda mais inimigos. O Almirantado, queren- Segundo sua autobiografia, um representante do
do afastá-lo da Inglaterra, ofereceu-lhe novamente o Chile em Londres procurou Lorde Cochrane na espe-
comando da “Imperieuse”, mas Cochrane recusou e rança de que o então ex-Oficial da Marinha inglesa
preferiu continuar no Parlamento. Em 1814, seu tio, liderasse a Marinha chilena para a tomada dos pon-
Sir Alexander Cochrane, foi nomeado para o comando tos acima citados. As motivações de Cochrane para ter
de uma esquadra e ofereceu ao sobrinho o comando aceitado o convite podem variar dependendo da sim-
do navio capitânia. No entanto, antes que ele pudes- patia que o autor tem com o personagem histórico, fa-
se assumir o comando, estourou o escândalo da bolsa zendo com que alguns julguem apenas sua necessidade
de valores, que acabaria acarretando sua expulsão da de buscar fortuna ao explorar as colônias na América
Marinha Real. e outros considerem sua afinidade com o mar e a falta

72 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


que isso fazia naquele período de sua vida (MARTINS, dos com 330 canhões, reforçada por 32 canhoneiras
1997). Apesar de não ser possível ter uma conclusão e mais 200 canhões espalhados pelos fortes que de-
definitiva desses fatos, o mais próximo da realidade fendiam o porto. A Esquadra de Cochrane enfrentou
seria levar em consideração os dois fatores. diversos problemas antes mesmo de suspender. Um de
Em meados de 1818, saiu da Europa acompanhado seus navios se negava a sair sem receber os soldos devi-
de sua família em direção ao Chile. Cochrane tinha dos. Durante a viagem, as tripulações de alguns navios
planos de libertar Na- se rebelaram por se ne-
poleão da ilha de Santa garem a lutar ao lado de
Helena, onde então se estrangeiros, prendendo
encontrava preso; po- Oficiais.
rém, devido ao constan- A situação foi re-
te avanço espanhol no vertida com a prisão
Chile, a viagem teve que dos amotinados e, ape-
ser apressada (THO- sar desses tropeços, o
MAS, 1978). plano de Cochrane era
Assumiu o coman- atacar o porto de sur-
do da Esquadra chilena presa. Para isso, esco-
em dezembro de 1818, lheu uma data festiva
com maior posto da da região, julgando que
época, Vice-Almirante. grande parte dos espa-
A esquadra comanda- nhóis estaria em terra.
da por Cochrane con- O ataque foi atrapalha-
tava, segundo Martins do por um nevoeiro que
(1997), com a Nau “San durou cerca de quatro
Martin”, 56 canhões; dias, mas mesmo assim
Fragata “O’Higgins” a expedição ainda reali-
(capitânia), 50 canhões; zou a captura da Escuna
Fragata “Lautaro”, 48 “Montezuma”, além de
canhões; Corveta “Cha- alguns navios mercan-
cabuco”, 20 canhões; os tes. Ainda tentou a mes-
Brigues “Araucano” e ma estratégia de utilizar
“Pueyrredon”, com 16 brulotes, mas os ventos
canhões cada; e o Brigue no dia não colaboraram
“Galvarino”, com 18 Figura 3: Caricatura de Lord Cochrane feita logo após sua e a operação falhou.
condenação por fraude em 1814. O lado esquerdo da imagem
canhões. Cochrane viu mostra Cochrane como um herói naval, usando seu uniforme Depois de alguns me-
essa situação como pre- da Royal Navy e no chão uma lista com suas batalhas mais ses de expedição, voltou
cária, ao que o governo notáveis. O lado direito mostra-o como um civil em desgraça para o sul para poder
chileno respondeu mos- dentro dos muros da King’s Bench Prison. Sua espada, insígnias realizar a manutenção
e crachá da Ordem de Bath estavam quebrados e espalhados
trando a situação finan- da Esquadra e, apesar
no chão.
ceira precária do novo de não ter vencido a ba-
Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/File:Cochrane_
país, o que impediria Stock_Exchange.jpg>. Acesso em: 15 out. 2016. talha, conseguiu reunir
uma expansão da Ma- informações sobre a Es-
rinha e traria limitações quadra espanhola, cap-
ao pagamento dos soldos, o que, tendo em vista o his- turar alguns navios e instruir os marinheiros, que antes
tórico de intrigas de Cochrane envolvendo pagamento, eram iniciantes e agora já se tornavam veteranos. Essas
geraria problemas futuramente. conquistas fizeram-no ser recebido como vitorioso.
A primeira missão da nova esquadra seria a tenta- Organizou, em setembro de 1819, uma segunda ex-
tiva de tomada de Callao, expedição que enfrentaria pedição, mas a primeira tentativa levou ao reforço das
uma esquadra espanhola formada por 14 navios arma- defesas espanholas na região. Apesar da aquisição de

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novas embarcações pela Marinha chilena e das tenta- disso, um dos Oficiais que se opunha a Cochrane foi
tivas de emboscada planejadas por Cochrane, a ope- nomeado Comandante do capitânia, cargo que o Al-
ração fracassou. Diante de duas derrotas, Cochrane mirante destinava a alguém de sua confiança. Esses ca-
resolveu rumar ao sul para tomar as fortificações na sos, aliados a outras discordâncias com o comando da
foz do Rio Valdívia. Marinha, o levaram ao segundo pedido de demissão,
Cochrane não comunicou ao governo qualquer o qual foi acompanhado por cerca de 30 Oficiais, que
pretensão de realizar essa operação e não pediu auto- declararam que o acompanhariam caso a renúncia do
rização para tal. Apenas o Comandante dos Fuzileiros Almirante fosse efetivada. Os salários foram colocados
Navais, Miller, sabia sobre a operação (MARTINS, em dia e mais uma vez a demissão foi evitada.
1997). O Almirante, usando sua audácia característi- A operação de libertação do Peru já estava sendo
ca, fundeou em janeiro de 1820 na barra de Valdívia planejada mesmo quando Cochrane tomou Valdívia,
e solicitou o auxílio de um prático do porto, no que e, apesar de algumas discordâncias com relação ao
foi atendido por “O’Higgins”, tendo sido confundido emprego das tropas do exército, a expedição suspen-
com o navio “Puebra”. O Almirante recolheu informa- deu, em 20 de agosto de 1820, levando cerca de 4600
ções sobre as defesas e a navegação na região com aju- homens em 17 navios de transporte, escoltados pela
da do prático. O plano seria desembarcar os fuzileiros esquadra de Cochrane. O comando da operação era
ao sul de Valdívia e partir para realizar o ataque por de San Martín, e ele tinha uma visão diferente com
mar ao mesmo tempo. relação à estratégia a ser adotada. Cochrane propunha
Após diversas manobras de combate, além de ter uma abordagem mais agressiva: tomar Callao e, em
encalhado, momento em que até o Almirante Cochra- seguida, partir para Lima, onde consolidaria a vitó-
ne guarneceu as bombas para retirar a água de bordo, ria rapidamente. San Martín, contudo, desejava uma
a tomada obteve êxito. Segundo sua autobiografia, estratégia mais diplomática, visando a um acordo de
após a tomada de Valdívia, juntou os últimos navios libertação com os espanhóis.
que não haviam sido gravemente avariados e tentou a Após o desembarque das tropas, San Martín es-
tomada da Ilha de Chiloé, último ponto de domínio es- tacionou nas proximidades de Callao, esperando
panhol no Chile. Não obteve êxito nessa tentativa, ru- por uma oportunidade de ataque, enquanto Cochra-
mando para Valparaíso em seguida, onde foi recebido ne esperava impacientemente sem autorização de
com uma medalha especialmente cunhada para a oca- bombardear o porto. Cansou de esperar e, em 5 de
sião e com a doação de uma fazenda para o Almirante. novembro, vislumbrou a oportunidade de repetir o
A euforia causada pela conquista de Valdívia logo feito da tomada da Fragata “Gamo”. Partiu por con-
foi substituída por críticas à decisão do Almirante, ta própria com 14 escaleres transportando cerca de
que pôs em prática planos arriscados, que poderiam 260 fuzileiros e marinheiros de sua esquadra rumo
acarretar em grandes perdas, sem autorização oficial. à Fragata “Esmeralda”. As embarcações atracaram a
Como narra Martins: contrabordo da fragata, que se encontrava fundeada,
As resistências que havia despertado com e escalaram o costado do navio com o Almirante à
seu áspero temperamento, mesclado com frente, liderando o ataque.
inveja, intrigas e xenofobia, faziam esquecer Cochrane logo se feriu, mas continuou lutando. A
os benefícios hauridos de sua iniciativa. [...]. tomada da fragata se consolidou e ela foi incorpora-
Acrescentando-se a essas razões, a certeza de da à Marinha chilena. San Martín aos poucos conse-
recursos para a manutenção e abastecimento guiu se estabelecer no Peru e se nomeou “Protetor”
da esquadra causou o primeiro pedido de de- do Peru, o que caracterizava uma ditadura. Cochrane
missão de Cochrane, em carta de 19 de abril tinha posição política liberal e não concordou com a
de 1820, pedido este que, à vista do valor forma de governo. Além disso, a falta de suprimentos
que se reconhecia na ação do Almirante, as e a falta de pagamento dos salários geravam diver-
autoridades navais conseguiram contornar. sos casos de insubordinação. San Martín se recusou
(MARTINS, 1997, p.72) a pagar as despesas da Marinha chilena com dinheiro
Os problemas financeiros continuaram, o que le- peruano, a não ser que Cochrane incorporasse sua
vou alguns comandantes a se recusarem a suspender Esquadra à nova marinha peruana, mas Cochrane re-
por não possuírem o mínimo de suprimentos. Além cusou e se manteve fiel ao Chile.

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Ao regressar para Valparaíso, afastou-se um pouco Segundo Martins (1997), os problemas financeiros
do comando da Esquadra e intervinha politicamen- começaram já no recrutamento desses militares, pois
te algumas vezes para resolver a questão de salários os marinheiros desejavam receber o mesmo soldo que
atrasados (COCHRANE, 1859). Com a drástica dimi- a Marinha inglesa lhes pagava, e o Brasil podia pa-
nuição da presença marítima da Espanha na região, o gar apenas em torno de metade disso. Cochrane pediu
governo chileno passou o mesmo salário que o
gradativamente a inves- Chile lhe pagava, além
tir menos em sua Mari- de quantia adicional por
nha. A organização polí- serviços prestados. A
tica do Chile tendia a se oferta inicial brasileira
transformar. O general era de 80 libras men-
Ramon Freire, líder dos sais, enquanto o soldo
exércitos do Sul, tomou de um Almirante inglês
o governo. Tentou levar era 233 libras. Segundo
Cochrane para o seu esse autor, Cochrane te-
lado, mas ele não quis ria declarado que aceita-
se envolver em questões ria trabalhar por aquele
internas e pediu demis- salário se o Brasil fosse
são da Marinha chilena realmente tão pobre que
após receber o convite só pudesse ofertar aque-
do Imperador do Brasil la quantia. Para que ti-
para comandar a Mari- vesse precedência sobre
nha Imperial brasileira. os outros Oficiais, lhe
Atualmente é conside- foi criado o posto de
rado um herói e um dos Primeiro-Almirante.
comandantes notáveis Após acertar os ter-
da Marinha chilena. mos de pagamento, Co-
Anualmente é promo- chrane, acompanhado
vida pela Armada do do Imperador, Dom Pe-
Chile uma cerimônia no dro I, e do Ministro da
túmulo de Cochrane na Marinha, Cunha Morei-
abadia de Westminster. ra, realizou inspeção na
Força Naval brasileira.
Marinha do Brasil Segundo Cesar (2013), a
Esquadra brasileira era
Em 1822 o Brasil formada pelo capitânia,
lutava por sua indepen- a Nau “Pedro I” (74 ca-
Figura 4: Lord Cochrane, por volta de 1850
dência e para tal neces- nhões), pelas Fragatas
Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/
sitava de tropas, mari- File:Foto_Lord_Cochrane.jpg>. Acesso em: 15 out. 2016. “Piranga” (68), “Para-
nheiros e chefes milita- guaçu” (48), “Niterói”
res. Grande parte dos (40), “Tetis” (40), as
militares que formavam as forças armadas da época Corvetas “Maria da Glória” (24), “Liberal” (28) e os
eram portugueses. O recente império não confiaria Brigues “Cacique” (18), “Real Pedro” (14), “Rio da
o comando dessas forças a portugueses; por isso, foi Prata” (14), “Guarani” (16), “Caboclo” (18) e o “Ata-
adotada a prática de contratação de estrangeiros para lante” (10).
lutar pelo Brasil. Entre eles, podemos citar os nomes
Gomes (2010) argumenta que, no período em que
do general francês Labatut, o comandante norte-ame-
Cochrane aderiu à Guerra da Independência, em mar-
ricano David Jewett e o próprio Cochrane, além dos
ço de 1823, ainda havia a forte presença portuguesa
diversos marinheiros ingleses recrutados em Londres
nos portos de Belém, São Luís e Salvador, onde os
(GOMES, 2010).

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 75


lusitanos realizavam o reabastecimento das tropas e o laram, causando um caos na cidade. Grenfell liderou o
seu apoio logístico. controle das revoltas, causando o massacre de diversos
A primeira missão da Esquadra comandada por rebeldes com características de crueldade. Esse Oficial
Cochrane seria a tomada do porto de Salvador. No ca- foi julgado em corte marcial e absolvido, permanecendo
minho, alguns problemas relacionados à instrução da na Marinha até o Almirantado (MARTINS, 1997).
tripulação foram aparecendo, com os Oficiais ingleses Cochrane retornou ao Rio de Janeiro em 9 de no-
utilizando o trajeto para tentar corrigir esses casos. Em vembro de 1823, e em apenas seis meses a presença da
maio de 1823, a Esquadra portuguesa avista a brasilei- Marinha de Portugal tinha sido expulsa do Atlântico.
ra e parte para ofensiva confiante de sua superiorida- O Imperador o condecorou com a Grã-Cruz da Ordem
de. O Primeiro-Almirante da Marinha Imperial recor- do Cruzeiro do Sul, agraciou-o com o título de Mar-
reu a uma tática semelhante à utilizada por Nelson em quês do Maranhão, e nomeou-o Conselheiro Privado
Trafalgar. Entretanto, a falta de experiência da tripula- do Império. Os outros Oficiais, a maioria estrangeiros,
ção e especialmente a grande presença de portugueses também receberam diversas honras.
nos navios, que se recusavam a atacar os compatrio- No final de 1823, com a dissolução da Assembleia
tas, acabou por fazer Cochrane bater em retirada para Constituinte por Pedro I, estourou um movimento se-
Morro de São Paulo, ao sul de Salvador. paratista nas províncias do nordeste conhecido como
Depois de fundeado, o Almirante demitiu os por- Confederação do Equador1. Cochrane liderou as for-
tugueses, contratou mais ingleses e brasileiros, ree- ças navais de supressão dos movimentos rebeldes e,
quipou a esquadra com os novos navios adquiridos aliado às forças terrestres, conseguiu retomar as capi-
pelo Império e realizou a qualificação dos marinheiros tais nordestinas em pouco tempo, sendo São Luís a que
brasileiros embarcados para substituir os portugueses. se encontrava em maior estado de anarquia, para ser
Depois partiu para a tomada de Salvador, desta vez retomada por último (GOMES, 2010).
obtendo êxito e fazendo a esquadra inimiga bater em Quando estava no Maranhão, estabeleceu novo go-
retirada. Após o ataque, Cochrane mandou a Fragata verno formado por leais ao Império e cobrou valores
“Niterói”, comandada por John Taylor, perseguir os relativos à primeira intervenção naquela província, po-
portugueses. A fragata seguiu os europeus, realizando rém recebeu o dinheiro apenas ao ameaçar a população
a captura de alguns mercantes, até a foz do Rio Tejo, com os canhões de seus navios. O governo brasileiro
em Lisboa. Este episódio mostrou aos portugueses a não ficou satisfeito com a situação, e suas intervenções
seriedade da nova Armada brasileira, além de ter fei- na liderança local tornaram a situação insustentável.
to tremular a bandeira imperial no litoral da capital Isso levou Cochrane a embarcar na Fragata “Piranga”
de Portugal. Vale salientar a presença na tripulação da e partir em fuga para a Inglaterra. Sua demissão foi
Fragata de José Maria Lisboa, futuro Marquês de Ta- formalizada em 10 de abril de 1827. Este desfecho na
mandaré (CESAR, 2013). sua participação na Marinha do Brasil fez com que sua
Após esse sucesso, partiu para a tomada de São imagem fosse sempre relacionada à de um corsário e
Luís. Lá disfarçou a Nau “Pedro I” de navio portu- louco por dinheiro (GOMES, 2010).
guês, sendo logo depois abordada por um brigue por-
tuguês, que foi imediatamente capturado e mandado
Marinha da Grécia
de volta com um ultimato ordenando a rendição dos
maranhenses sob ameaça da invasão da Esquadra bra- Quando chegou ao Reino Unido fugindo do Brasil,
sileira. Os portugueses daquela província se renderam, Cochrane recebeu o convite para liderar a Marinha da
e Cochrane permitiu sua retirada, com o confisco dos Grécia na guerra de Independência contra a Turquia.
seus bens. Atendeu ao convite em 1826 e assumiu uma Marinha
A tomada de Belém foi delegada para John Pascoe que, segundo Martins (1997), era formada basicamen-
Grenfell, com o Brigue “Maranhão”, recém-capturado. te por piratas, homens com coragem questionável e
Foi utilizada a mesma tática, com Grenfell blefando so- que só aceitavam realizar operações nas quais viam
bre a presença da esquadra brasileira além do alcance retorno financeiro com o mínimo de risco.
visual. A capital paraense se rendeu com condições se-
1 Movimento liderado pela província de Pernambuco que visava à
melhantes a São Luís, com uma junta brasileira assu-
proclamação de uma república independente na região (GOMES,
mindo o governo. Algumas unidades da região se rebe- 2010).

76 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


Recebeu o mesmo título que no Brasil, Primeiro- Aos 71 anos, recebeu o comando de sua primei-
-Almirante. Alcançou diversas vitórias que culmina- ra frota, na América do Norte e em tempos de paz.
ram na Independência da Grécia, mas sem tanta glória Tentou se voluntariar para comandar esquadras em
quanto foi na América do Sul. Suas tripulações eram guerra, mas não foi aceito por causa de sua avançada
cruéis e protagonizaram alguns massacres que choca- idade. Morreu em 1860, aos 85 anos. Seu túmulo se
ram a opinião pública da época. Além disso, enfrentou encontra na Abadia de Westminster, e no seu mausoléu
problemas semelhantes aos das nações anteriores, o pa- encontram-se as armas do Chile, do Brasil, do Peru e
gamento dos soldos, mas, diferentemente de antes, os da Grécia.3
marinheiros se recusavam a trabalhar sem pagamento
adiantado e exigiam renovação mensal dos contratos.
HERÓI OU MERCENÁRIO?
Desta vez Cochrane não pôde contar com o recruta-
mento de ingleses por causa do Foreign Service Act2. A palavra mercenário carrega um teor pejorativo
Em 1828, esbarrando em diversos problemas po- muito forte e, como define o dicionário Michaelis On-
líticos e de ordem financeira, tomou a mesma atitude line4, mercenário é aquele que trabalha somente por
que o tornou infame no Brasil, embarcou em um navio interesse financeiro. No entanto, além desse significa-
grego e fugiu para Paris, onde viveu até 1829, quando do, temos o de soldado que, por dinheiro, serve a um
voltou para Londres. governo estrangeiro, e é exatamente isso que Cochrane
era, um experiente marinheiro que, quando teve suas
opções na Royal Navy esgotadas, aceitou os convites
Retorno ao Reino Unido para trabalhar em marinhas estrangeiras.
Quando voltou à sua terra natal, Cochrane tentou, Cochrane sempre demonstrou grande apreço por
por diversas vezes, rever os seus processos no caso da acumulação de bens, e isso fica evidente nas intrigas
bolsa de valores, sua posição na Royal Navy e seu títu- que gerou durante a vida por conta de presas efetu-
lo na Ordem de Bath. Não obteve sucesso, até que em adas em combate, já que na época era comum que as
1830 mudanças políticas favoráveis o encaminharam riquezas apreendidas em navios aprisionados fossem
para sua volta à Marinha. divididas pela tripulação do navio capturador. Além
Em 1831, após a morte de seu pai, Cochrane se tor- de sua ganância, devemos destacar também seu senso
nou o 10º Conde de Dundonald e, em 1832, foi aceito de justiça, pois não se esquecia de seus subordinados
de volta à Royal Navy após 16 anos, sendo apresentado e lutava pelas causas destes que julgava serem justas.
ao Rei Guilherme IV como Contra-Almirante. Persistiu Quanto ao caso da bolsa de valores, no fim de sua
na retomada de seus títulos anteriores, até que em 1835 vida foi considerado inocente das acusações. Existe a
permitiram-lhe usar as medalhas da Ordem de Salvador, chance de ele realmente ter sido culpado, mas, como
da Grécia, e a Ordem do Cruzeiro do Sul, do Brasil. aponta Martins (1997), muitos biógrafos argumentam
Não lhe foi permitido utilizar o título de Marquês do que o julgamento pode ter sido fortemente influenciado
Maranhão, pois Oficiais da ativa não podiam ostentar por suas inimizades no Almirantado e no Parlamento,
títulos nobiliárquicos estrangeiros (MARTINS, 1997). onde ele discutia as causas que achava justas sem, no en-
Em 1841 foi promovido a Vice-Almirante e em tanto, medir as consequências políticas de tais ‘brigas’.
1847 foi readmitido na Ordem de Bath. A Rainha No Chile, cobrou altos preços por seus serviços,
Vitória tinha grande apreço pelos feitos de Cochrane roubou uma escuna carregada de ouro para si e ainda
e, segundo Martins (1997, p.112), o descreveu como: recebeu indenizações quando voltou ao Reino Unido;
“[...] o herói marinheiro, o libertador das nações opri- porém, como seu afastamento ocorreu em bons ter-
midas, o campeão da liberdade em seu próprio país e, mos, é considerado até hoje herói nacional. Atual-
mais que tudo, o valente guerreiro falsamente acusado mente, levam seu nome a Fragata FF 05 “Almirante
e condenado, que deveria ser, por fim, justificado.”
http://www.westminster-abbey.org/our-
3 Disponível em:
-history/people/thomas-cochrane. Acesso em: 24 ago.
2 Lei que impedia que militares britânicos tomassem partido em
2016.
guerras em que o Reino Unido não tinha interesse ou participa-
ção. Para contornar essa lei, o Brasil contratou marinheiros como http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0
4 Disponível em:
trabalhadores rurais, o que não foi possível na Grécia (MAR- &f=0&t=0&palavra=mercen%C3%A1rio. Acesso
TINS, 1997). em 27 ago. 2016.

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 77


Cochrane”5 e o batalhão de fuzileiros, “Destacamento CONSIDERAÇÕES FINAIS
de Infantería de Marina nº4 Cochrane”6.
Considerando os cenários abordados, pode-se no-
No Brasil, sua atuação deixou feridas abertas e mui- tar que Cochrane é um personagem único na História
to ressentimento causado pelos saques a São Luís e por Naval e deve ser visto como tal. Não é, e nunca bus-
ironicamente ter recebido o título de Marquês de Ma-
cou ser, o herói perfeito. Lutou por aquilo que julgava
ranhão. Esse ressentimento pode ser expresso em um
justo, defendeu aqueles que achava que precisavam de
momento do Senador e ex-Presidente da República ma-
ajuda, mas também nunca deixou de lado seus interes-
ranhense José Sarney, no qual, em visita oficial à Aba-
ses pessoais de forma bem agressiva.
dia de Westminster, teria pisado na tumba do Almirante
enquanto o chamava de corsário. (MAXWELL, 2016). A forma como moldou as Marinhas da América
do Sul, através de instruções e organizações adminis-
Isso se deveu principalmente à forma como ele sa-
trativas, deixou traços que perduram até os dias de
queou a cidade de São Luís, tratando os espólios da-
hoje, simbolizados, por exemplo, nos uniformes, for-
quela batalha como se fossem de uma vitória sobre um
temente influenciados pelos da Marinha Inglesa. Essa
país inimigo e não a retomada de um território rebel-
importância histórica não deve ser menosprezada,
de. Essa atitude levou até mesmo seus apoiadores a
apesar da forma como as relações de Cochrane com o
nutrirem um sentimento de insatisfação. Além disso, a
Brasil terminaram.
forma como fugiu com uma fragata brasileira e como
ainda requisitou, até perto de sua morte, receber va- Tendo em vista as questões abordadas no presente
lores que considerava parte da dívida brasileira para trabalho, pode-se concluir que o Almirante Lorde Co-
com ele fez com que seu legado fosse manchado e a chrane foi um herói, mas não um herói perfeito para
memória do seu personagem não ficasse à altura de a memória nacional, e sim com algumas marcas que
seus feitos, o que acabou relegando o Almirante a um aparecem em seu legado, mas que não se sobrepõem
plano secundário na história da Marinha do Brasil. a ele. Não é possível dizer que Cochrane era um dos
extremos, bom ou ruim, e sim algo como uma mistura
5 Disponível em: http://www.armada.cl/armada/tra- tanto de herói como de vilão em alguns momentos.
dicion-e-historia/heraldica/almirante-cochrane-
Definitivamente, o seu lado heroico fala muito mais
-ff-05/2016-05-10/151210.html. Acesso em: 25 ago.
2016. alto, e sua memória não deve ser esquecida, pois, ape-
sar de não estar no mesmo patamar de Tamandaré ou
6 Disponível em: http://www.armada.cl/armada/unida-
des-navales/infanteria-de-marina/destacamentos/ Barroso, ainda sim merece seu espaço como um dos
destacamento-de-infanteria-de-marina-nu4-cochra- Almirantes que contribuíram para a formação da iden-
ne/2015-06-09/095920.html. Acesso em: 25 ago. 2016. tidade da Marinha do Brasil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CESAR, W. C. Uma História das Guerras Navais: o desenvolvimento tecnológico das belonaves e o emprego
do poder naval ao longo dos tempos. Rio de Janeiro: FEMAR, 2013.
COCHRANE, A. T., The Autobiography of a Seaman. London: Maclaren, 1980.
______. Narrative of Services in The Liberation of Chili, Peru, and Brazil, from Spanish and Portuguese Do-
mination. London: Ridgway, 1859.
GOMES, L., 1822: Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D.
Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.
MARTINS, H. L., Almirante Lorde Cochrane: uma figura polêmica. Rio de Janeiro: Arpepp, 1997.

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A LIDERANÇA DE WINSTON CHURCHILL

Aspirante (FN) Paulo Vitor do Amaral Gomes


Aspirante Paulo Ricardo Melo Leite
Aspirante Gustavo Pereira da Silva Andrade

INTRODUÇÃO racterísticas do líder resumem-se a interações pessoais


e adaptação situacional.
“Já dizia um velho ditado asiático, que se
supõe vulgarizado por Confúcio, que ‘se a Durante a história da humanidade, a postura dos líde-
palavra convence, só o exemplo arrasta’.” res alterou significativamente o curso dos acontecimentos
(PASSARINHO, 1987, p.13) em vários momentos, principalmente em tempos de cri-
se. Neste contexto, a figura de uma pessoa que transmita
Entende-se por liderança uma técnica de persuadir
soluções e convicções em relação à adversidade implica
pessoas visando a um objetivo comum do grupo, dei-
uma unidade de pensamento objetivando a resolução do
xando de lado, muitas vezes, desejos pessoais. Dentre
as principais habilidades de um líder, pode-se destacar, problema. Em uma conjuntura mais ampla, a presença de
principalmente, o exemplo; a coerência nas ideias, or- um guia, respaldado pela grande maioria da sociedade,
dens e atitudes; o otimismo e o entusiasmo para su- direciona uma nação a um objetivo pré-estabelecido.
perar obstáculos, além de uma exímia capacidade de Dentro deste tema, a figura de Sir Winston Churchill
oratória e convencimento. Num âmbito geral, as ca- foi primordial para a trajetória do Reino Unido desde o

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 79


momento em que foi nomeado Primeiro Lorde do Almi- natureza operativa e a sua ousadia. Sem estes fatores
rantado, no ano de 1911. Em sua trajetória política, assu- de sua personalidade, ele não conseguiria alcançar os
miu diversas funções, com maior destaque para o cargo objetivos que lhe foram estabelecidos.
de Primeiro Ministro no ano de 1940, em plena Segunda Um dos grandes atributos indispensáveis ao líder
Guerra Mundial. Com características singulares, distin- é a capacidade de decisão que requer objetividade e
guiu-se dos demais políticos de sua época e participou frieza em momentos de tensão. Winston, tendo suas
das importantes decisões de sua nação durante um perío- virtudes forjadas no âmbito militar, possuía tais fato-
do marcado por crises e conflitos mundiais. res como elementos fortes de sua personalidade. Este
fato pode ser observado no episódio da Batalha da
TRAJETÓRIA DE VIDA E CARACTERÍSTICAS Grã-Bretanha, em que se manteve calmo e firme em
sua decisão de que a nação resistisse ao bombardeio
nazista, apesar do cenário desfavorável.
Trajetória de vida Hitler sabe que ou nos dobra nesta ilha ou
Nascido em 30 de novembro de 1874, na cidade perde a guerra. Se pudermos resistir, a Eu-
de Woodstock, mais precisamente no Palácio de Ble- ropa poderá ser livre e o destino do mundo
nheim, descendente da nobre família do Duque Marl- voltar-se para um futuro mais promissor ilu-
borough, o jovem Winston Leonard Spencer Churchill minado ao sol. Mas, se falharmos, o mundo
foi uma criança comum, se comparado com as outras inteiro, inclusive os Estados Unidos, inclusi-
crianças de linhagem aristocrática de sua época. ve tudo que conhecemos e apreciamos, mer-
Seus pais, Lord Randolph Churchill e Jennie Jero- gulhará no abismo de uma nova Idade das
me, foram exilados devido a problemas diplomáticos Trevas […]. Portanto, preparemo-nos para
com o Príncipe de Gales. Após a mudança para a cida- nosso dever e vamos nos conduzir de tal
de de Dublin, na Irlanda, a família Churchill tornou-se forma que, se o Império Britânico e a Com-
bastante ausente na vida da criança e, durante esses momwealth durarem mil anos, ainda dirão
anos, ele teve que conviver com desapegos e reprova- que esta “foi sua hora mais bela”. Winston
ções. Além disso, o rapaz sempre foi considerado mau Churchill (BALL, 2006, p. 164-165)
aluno, conforme mostrado no trecho abaixo: Outro aspecto marcante de Churchill era a preocu-
Não foi um menino que se saísse natural- pação com os seus subordinados, desde o início de sua
mente bem na escola, e seus boletins eram carreira no Exército Britânico até os anos em que foi
medíocres. O pai logo o qualificou como Primeiro Ministro. Além da preocupação com os su-
fracasso acadêmico. Depois de fraco desem- bordinados, tinha uma compaixão pelo povo comum
penho em colégio particular, Lord Randolph da Inglaterra. Em setembro de 1940, logo após o pri-
resolveu não mandá-lo para Eton: não era meiro ataque aéreo alemão de grande impacto, visi-
inteligente o bastante. Em vez disso, decidiu tou um abrigo antiaéreo junto com Lord Ismay. Nesta
por seu ingresso em Harrow. (JOHNSON, visita, deparou-se com uma multidão, aparentemente
2009, p.7) pobre, que o emocionou ao gritar: “Sabíamos que você
Em 1888, ingressou na escola de Harrow, sendo viria nos ver. Nós podemos aguentar. Devolva os gol-
considerado novamente um dos piores alunos da tur- pes que estamos recebendo”.
ma. Tal fato fez com que ele cursasse apenas o inglês Embora fosse um líder exemplar, Winston possuía
e não outras línguas, como era o costume da época. duas inaptidões notórias: o temperamento instável e o
Após três tentativas, foi admitido na Escola de Cadetes autoritarismo. Este está relacionado com o costume de
de Sandhurst, onde se graduou em Cavalaria. Seu pai interferir demais e precisar impor sua vontade, mes-
considerou uma desonra para a família, pois Winston mo que, em alguns casos, seu autoritarismo fosse de
não optou pela Infantaria. grande valia. Tal fato pode ser exemplificado no episó-
dio Gallipoli, onde a Marinha julgou sua interferência
como desastrosa. Já aquele se refere às suas fases inter-
Atributos de Sir Winston Churchill
mitentes de depressão, oscilando de uma situação de
Churchill apresentava inúmeras qualidades ineren- angústia, melancolia e incerteza para de alegria, mui-
tes a um bom líder, em tempos de guerra, devido a sua tas vezes, eufórica.

80 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


Churchill era um exímio defensor da teoria de que gundo a tradição Marlborough, respondeu
nada supera o trabalho duro. Ele trabalhava muito e com entusiasmo, “Sim.” E assim ficou deci-
a toda hora, mesmo em momentos de viagens e de co- dido. (JOHNSON, 2009, p.7).
memorações, o que se constata na seguinte passagem: Em 1895, após deixar a Escola de Cadetes de San-
Mas só na véspera de Natal é que finalmente dhurst, onde se formou em oitavo lugar, apresentou-se
decidiu ir, depois de passar a tarde lendo no- como Segundo Tenente no 4° Regimento de Cavala-
tícias cada vez mais graves nos telegramas de ria. No mesmo ano, trabalhou na Guerra de Indepen-
Atenas. Mandou que preparassem seu avião dência de Cuba como correspondente do jornal Daily
para voar naquela noite, deixou a festa de Graphic. Já no ano de 1896, participou de diversas ba-
Natal da família em Chequers para começar talhas do Exército Britânico durante a Guerra Anglo-
sua viagem [...]. (MASON, 1972, p.144). -Afegã, em que se notabilizou por várias publicações
Como se vê, o Primeiro Ministro acreditava que, em jornais e revistas da Inglaterra. Após retornar do
dando o exemplo a sua nação e demonstrando compe- Egito, onde compôs o 21° Regimento de Lanceiros do
tência, todos fariam seus trabalhos motivados. Sudão, em 1898, Churchill vislumbrou um assento na
Sir Winston Churchill também fazia o que aprende- Câmara dos Comuns. Entretanto, não foi eleito, alte-
ra durante o período que estudou na academia militar rando, assim, o seu ramo de atividade e passando a se
e em suas experiências anteriores de guerra: buscava dedicar ao jornalismo, à escrita e à política.
sempre estar presente à tropa, mostrando, assim, que No ano 1899, na Guerra dos Boêres, que consistiu
confiava em seu pessoal, e tirava suas próprias conclu- em um enfrentamento entre as repúblicas independen-
sões do que via. tes da África do Sul e a Coroa Britânica motivado pela
Ele continuou viajando incansavelmente du- exploração de jazidas de ouro e ferro, Winston atuou
rante toda a guerra e, assim fazendo, não como correspondente para o jornal Morning Post.
só se manteve em constante contato com os Vale ressaltar que terminou sua carreira no Exército
assuntos que lhe cabia controlar, como tam- Real como Tenente Coronel, muito embora sua atua-
bém teve um efeito marcante sobre o moral ção como combatente tenha diminuído com o tempo.
dos homens que travavam a guerra. (MA-
SON, 1972, p.39)
Um pouco mais sobre Churchill
Carreira Militar Após sair de Harrow, devido a sua grande carga
na disciplina de inglês, Churchill aguçou sua escrita
O fato de Churchill ser considerado, academica-
e, durante a academia, esta característica foi realçada.
mente, abaixo da média fez com que seu pai fizesse a
Posteriormente, ao sair da academia militar, passou
primeira escolha de carreira por ele. Como é típico da
a atuar como escritor, jornalista e político. Em suas
aristocracia europeia, Lord Randolph o influenciou a
primeiras missões depois de formado, Churchill atuou
ingressar nas fileiras do Exército Britânico, em virtude
também como correspondente de alguns jornais ingle-
da observação de certa aptidão para tal.
ses. Seu amor pela escrita foi recompensado no ano de
Certo dia, entrou no quarto de brinquedos
1953, quando recebeu o prêmio Nobel da literatura,
de Winston, onde estava armada a coleção
em virtude dos seus livros escritos que relatam suas
de soldadinhos de chumbo. Eram mais de
experiências nos conflitos.
mil, organizados em uma divisão de infan-
taria, com uma brigada de cavalaria. (Jack Durante a sua vida, dedicou-se muito aos ideais da
tinha um exército “inimigo”, mas seus sol- coroa britânica, fato comprovado nos principais mo-
dados eram todos negros e não podia possuir mentos da história do Reino Unido, como no caso dos
artilharia). Lord Randolph inspecionou os conflitos mundiais. Como honraria pelo seu enorme
soldados de Winston e lhe perguntou se que- empenho, Churchill foi condecorado com o título de
ria seguir a carreira militar, pensando “ele só “Sir”, que remete aos grandes cavaleiros comandantes
é talhado para isso.” Winston, supondo que do Império Britânico. Além disso, após seu falecimen-
a pergunta do pai significava que ele previa to, foi considerado como o maior inglês de todos os
para o filho um futuro de glória e vitória se- tempos devido a todas as suas realizações.

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 81


Relação com a Royal Navy Churchill como Primeiro Ministro
“Além disto, durante as duas passagens pelo Churchill assumiu o cargo político mais importante
Almirantado, Churchill identificou-se inti- da Grã-Bretanha em 1940, em plena Segunda Guerra
mamente com a Marinha e excedeu-se nos Mundial. Sua escolha foi respaldada por sua experiên-
esforços para atender os oficiais da Mari- cia tanto em guerras anteriores quanto na sua extensa
nha.” (LEWIN, 1973, p.26) carreira política. Dentre as principais funções políticas
Sua relação com a Marinha Real começou quando que assumiu, destacam-se: Ministro do Interior (1910),
assumiu pela primeira vez o posto de Primeiro Lorde Primeiro Lorde do Almirantado (1911), Ministro da
do Almirantado, em que ficou de outubro de 1911 Guerra e Aviação (1919), Ministro da Fazenda (1924),
até maio de 1915. Durante este período, dedicou-se à Primeiro Lorde do Almirantado (1939).
modernização e à estruturação da Marinha e condu- Em 1938, o então Primeiro Ministro Britânico Ne-
ziu as operações navais britânicas durante a Primeira ville Chamberlain selou a paz na Europa em uma con-
Guerra Mundial. ferência com Hitler. Após a invasão nazista na Polônia,
No desenrolar da Campanha de Gallipoli, Chur- em 1939, o prestígio de Chamberlain caiu abrupta-
chill idealizou o plano que visava conquistar o Es- mente devido à negociação frustrada. A partir desse
treito de Dardanelos, plano este que foi desastroso, momento, a figura de Churchill ganhava força dentro
resultou na sua demissão e gerou grande rejeição do Reino Unido. Em 10 de maio de 1940, horas antes
pública. Tal acontecimento fez com que Churchill, da invasão alemã a França, Winston Churchill assumia
futuramente, conduzisse seus homens de forma mais a função política mais importante de sua carreira, Pri-
prudente. Consequentemente, aperfeiçoou sua capa- meiro Ministro.
cidade de liderar, visto que uma das três característi- No período em que foi Primeiro Ministro, Chur-
cas da disciplina militar que um bom líder deve ter é chill exerceu de forma brilhante o papel de líder, reer-
a Assimilação, ou seja, a habilidade de aprender com guendo o moral do povo inglês e motivando-o para o
seus erros do passado. conflito. Através de seus discursos inflamados, ganhou
Segundo a teoria situacional de Hersey-Blanchard1, muita popularidade e, com isso, a população passou a
a presença do líder junto da tropa eleva o moral e a ter mais esperança e confiança na vitória. Como Chur-
motivação da mesma. Durante a Segunda Guerra chill disse, em 13 de maio de 1940, na Câmara dos
Mundial, após sua segunda passagem como Primeiro Comuns do Parlamento Britânico:
Lorde do Almirantado, Churchill estreitou sua relação Perguntam-me qual é o nosso objetivo? Pos-
com a Marinha, sendo um líder presente, o que pode so responder com uma só palavra: Vitória –
ser observado por meio da seguinte ocorrência: vitória a todo o custo, vitória a despeito de
A 14 de setembro ele partiu a uma visita na todo o terror, vitória por mais longo e difícil
Scapa Flow, onde a Esquadra metropolitana que possa ser o caminho que a ela nos con-
duz; porque sem a vitória não sobrevivere-
estava ancorada. Churchill considerava seu
mos. (CHURCHILL, 1940a, não paginado)
dever conhecer o Almirante em comando,
seus oficiais e marinheiros, e não perdia a
oportunidade de fugir à atmosfera confina- POLÍTICA EXTERNA
da de Londres para ver pessoalmente o que
estava acontecendo. (MASON, 1972, p.39)
Negociações e Alianças
1 A Teoria (ou Modelo) Situacional de Hersery e As principais alianças construídas por Winston
Blanchard, desenvolvida por Paul Hersey e Kenneth
Blanchard e publicada na obra de ambos “Manage- Churchill foram observadas durante o período da
ment of Organization”, é um teoria situacional de Segunda Guerra Mundial. Como Primeiro Ministro,
liderança que se baseia na ideia de que o estilo de buscou estreitar as relações políticas com os principais
liderança mais eficaz varia consoante a maturida- aliados, França e Estados Unidos, com o objetivo de
de dos subordinados e consoante as características defender os interesses do Reino Unido.
da situação. Disponível em: <http://knoow.net/cien-
ceconempr/gestao/teoria-situacional-hersery-blan- Vale lembrar que, nos anos de 1939 a 1942, já ha-
chard/>. Acesso em: 10 dez. 2016. viam sucumbido à “Blitzkrieg” (guerra-relâmpago)

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aplicada pelas tropas nazistas nações como Polônia, ticas com Franklin Delano Roosevelt, obtendo, desta
Tchecoslováquia, Áustria, Iugoslávia, Noruega e seu maneira, a sobrevivência da Inglaterra na guerra. A
principal aliado até então, a França. partir da entrada dos Estados Unidos na guerra e logo
Nos seus primeiros dias como Primeiro Minis- após o ataque japonês à Base Naval de Pearl Harbor,
tro, uma das prioridades de Churchill era manter a no Havaí, em 1941, Churchill buscou demonstrar o
França na guerra, tendo em vista que, além de ser esforço e o comprometimento de sua nação com o
um aliado, o Exército francês poderia proporcionar conflito que agora passava a ser realmente mundial. A
a massa de bloqueio contra o golpe alemão. Como importância dada a esta aliança pode ser observada na
medida para apoiar esta nação amiga, enviou a For- viagem feita pelo Primeiro Ministro para encontrar-se
ça Expedicionária Britânica (FEB), sob o comando com Roosevelt, quando levou consigo seus principais
do Lord Gort. A superioridade de técnicas de com- líderes políticos e militares, com destaque para o Chefe
bate alemã, aliada ao despreparo francês para um de Estado-Maior Imperial, Sir John Dill, o Ministro
futuro confronto com o seu vizinho nazista, fez com das Relações Exteriores, Sir Alexander Cadogan e o
que a FEB e as tropas francesas recuassem até o lito- Primeiro Lorde do Mar, Sir Duddey Pound.
ral, culminando com o que ficou conhecido na his- O local de seu encontro era um ancoradou-
tória como “Retirada de Dunquerque”. ro na tranquila e isolada Baía de Placentia,
Outro fato interessante que pode ser observado na costa da Terra Nova. Quando o Price of
quanto ao grande senso de liderança de Churchill Wales ali chegou, na manhã de 9 de agos-
ocorreu após o episódio de Dunquerque, quando aler- to, o navio do Presidente, o cruzador Au-
tou todos os membros do Parlamento sobre a onda gusta, já estava ancorado no meio de uma
de notícias desagradáveis. Posteriormente, contando o pequena frota de outras belonaves norte
que tinha ocorrido, Churchill, com o intuito de mo- americanas. Quando o navio do Primeiro
tivar e manter toda sua equipe firme diante de uma Ministro passou pelas linhas norte-ameri-
série de confrontos que ainda iriam vir pela frente, dis- canas, uma banda em cada belonave tocou
se: “Está claro que independente do que aconteça em os hinos nacionais dos respectivos países;
Dunquerque, continuaremos lutando.”. Este discurso os dois chefes estavam na ponte de seus
fez com que todos reagissem com aplausos, deixando navios. Pouco depois, Winston Churchill
evidente que estavam dispostos a lutar ao lado do Pri- subia a bordo do Augusta para entregar ao
meiro Ministro até as últimas consequências. Presidente Roosevelt uma carta do Rei Jor-
Devemos ir até o fim, lutaremos na França, ge VI. A seguir, passaram imediatamente às
lutaremos nos mares e oceanos, lutaremos tarefas igualmente importantes de consoli-
com crescente confiança e crescente força dar sua amizade pessoal, que se desenvol-
no ar. Defenderemos a nossa ilha, custe o vera em sua correspondência e discutir as
que custar! Lutaremos nas praias, lutare- questões que seriam o ponto principal da
mos nos campos de pouso, lutaremos nos reunião. (MASON, 1972, p.39)
campos e nas ruas, lutaremos nas colinas.
Nunca nos renderemos! (CHURCHILL,
1940b, não paginado)
Preâmbulo da União Europeia
Quando assumiu o posto de Primeiro Ministro, ou- Um atributo que está ligado diretamente com a ma-
tra prioridade de Winston era atrair os Estados Unidos neira correta de liderar é a preocupação do líder com
para um engajamento mais profundo no conflito. Em os interesses e anseios de seu país, tropa ou subordi-
um primeiro momento, a participação dos america- nados. Desta forma, pode-se perceber que Churchill
nos resumia-se apenas em um apoio logístico à Ilha da buscou, de diversas formas, negociar acordos em En-
Grã-Bretanha, uma vez que, após a queda da França contros ou Conferências buscando o favorecimento do
em 1940, a Inglaterra viu-se sozinha na guerra. Reino Unido e da Europa. Este fato ficou evidenciado
O relacionamento entre o Reino Unido e os Estados na ação de Churchill em integrar os países europeus e
Unidos sempre foi delicado devido a alguns resquícios nas divergências entre ele e Josef Stalin.
coloniais. Entretanto, Churchill contribuiu de maneira Na Conferência de Teerã, em 1943, as discordân-
imprescindível na condução das negociações diplomá- cias entre Churchill e Stalin começaram a se revelar,

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 83


quando o Primeiro Ministro chegou a chamar o líder xo com a administração do próprio Reino Unido. Após
russo de “Conquistador da Europa do Leste”. Já na a vitória na guerra europeia e Londres não ser mais alvo
Conferência de Ialta, em 1945, onde os três principais das investidas da Wehrmacht, Churchill queria continu-
representantes das nações vencedoras se reuniram para ar com o combate ao comunismo e o combate ao Japão,
discutir a reestruturação e repartição dos países inva- fato que era de total desagrado do povo inglês.
didos por Hitler, a divergência entre os dois tornou-se A população já estava saturada de guerras, queria
crítica devido ao fato de Stalin não querer abrir mão seus conterrâneos que ainda estavam em campanha de
dos territórios conquistados pelo Exército Vermelho. volta ao país e exigia a reestruturação do país no que
Após o término da Segunda Guerra Mundial, Wins- tange a reconstrução das cidades, retomada da econo-
ton, preocupado com o futuro da Inglaterra, e conse- mia, investimentos em outras áreas que não a indústria
quentemente, da Europa, buscou uma integração entre bélica e medidas de caráter social.
os países europeus tendo como objetivo selar de vez a Os dois lados se dedicaram a uma campa-
paz no continente europeu. O Primeiro Ministro, com nha de difamação e ofensas pessoais, e, nessa
a sua forma de pensar vislumbrando as consequências campanha, Churchill permitiu-se empreen-
futuras, lutou para que os efeitos trazidos pela guerra dê-la da maneira mais indecorosa. A despei-
nunca mais voltassem a atormentar a Inglaterra. No to de toda a experiência política e do prazer
Congresso Europeu de 1948, cerca de 800 chefes de pela competição político-partidária, ele lu-
Estado se reuniram em Haia, sob a liderança de Chur- tou naquelas eleições com espantosa inépcia.
chill, para realçar a necessidade de uma Europa unida. (MASON, 1952, p.153).
Por isso, o Sir teve um papel fundamental no conceito Em junho de 1945, com as novas eleições para o
de integração europeia, já que era a figura forte na luta cargo de Primeiro Ministro, Winston Churchill, que
contra o fascismo e o nazismo e, além disso, foi consi- era do partido conservador, desejava continuar nessa
derado o seu idealizador. posição, pois achava que tinha o conhecimento e a ex-
periência necessários para a resolução dos problemas
O contraste do líder que enfrentariam. O partido de oposição, o trabalhista,
destacava a necessidade de reformas sociais no Reino
Apesar de Churchill ter sido um líder implacável Unido, enquanto o partido conservador focava numa
durante o período de conflitos e tensões, ele não con- forma de evitar uma terceira guerra mundial, que, na
seguiu se manter como Primeiro Ministro por muito previsão de Churchill, seria contra os soviéticos.
mais tempo. Churchill nunca abandonou a ideia de
Em 25 de julho, foi divulgado o resultado da apu-
que a União Soviética era uma ameaça para toda a Eu-
ração dos votos, e o partido trabalhista saiu vencedor.
ropa e, na Conferência de Ialta, esperava o apoio ame-
De acordo com a forma de eleições da época, Churchill
ricano para resolver o problema da divisão territorial
entregou sua carta de renúncia do cargo ao Rei e indi-
e a crise na Polônia e na Grécia, locais onde estavam
cou ao cargo o Sr. Attlee.
ocorrendo princípios de guerras civis devido à influên-
cia de duas ideologias diferentes. Todavia, os Estados Winnie, como Churchill era conhecido pelos mais
Unidos estavam querendo o apoio dos soviéticos para próximos, voltaria a ser Primeiro Ministro em 1951.
o combate no Pacífico contra as tropas japonesas e, No segundo mandato, reforçou seu modelo de admi-
por este motivo, deixaram de ajudar. nistração focada nas relações exteriores e na defesa
sobre questões internas do país. Logo após a assunção
Churchill sabia que o Reino Unido tinha esgota-
do cargo, anunciou que a Grã-Bretanha estava nas fa-
do suas reservas de divisas, pois estava há mais tempo
ses finais de desenvolvimento de sua bomba atômica.
na guerra; portanto, não fez nada que pudesse impli-
Acabou sofrendo um derrame que o afastou definitiva-
car alguma crise na aliança anglo-americana. O inglês
mente do cargo em 1953.
chegou a encomendar uma estratégia para combater
os soviéticos, mas teve total desaprovação pelos seus
líderes militares. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Churchill sofreu inúmeros ataques da imprensa Sem dúvidas, Sir Winston Churchill foi fundamen-
quanto à crise na Grécia. Muitos veículos de notícias o tal para a vitória aliada na Segunda Guerra Mundial
acusavam de ingerência em um país estrangeiro e deslei- e, mais que isso, foi fundamental para o modelo de so-

84 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


ciedade existente nos dias atuais. Churchill, através da pre será um exemplo de liderança, que soube geren-
sua incrível capacidade de convencimento e de invocar ciar seus homens através de sua experiência nas Forças
sentimentos patrióticos e otimistas dentro de cada um, Armadas e na carreira política no período de guerras.
geriu uma nação que tinha menos recursos e, em al- Um bravo defensor da democracia. Um líder que sabia
guns aspectos militares, era mais fraca em relação à fazer seus subordinados o seguirem.
Alemanha nazista de Adolf Hitler, resistindo sozinha
Não obstante, Winnie não era um bom líder no que
durante dois anos na frente de batalha europeia.
tange a períodos de paz, uma vez que estava sempre
Churchill conseguiu formar alianças importantes obcecado pelas suas visões de possíveis conflitos no fu-
para o resultado final da campanha na Europa, admi- turo e por reforçar cada vez mais as defesas de seu país
nistrou de forma exemplar as finanças, os investimen-
contra ameaças. Assim, não deu atenção para o que
tos e a captação de recursos durante o período caótico
a população realmente necessitava naquele momento,
e, principalmente, manteve seus subordinados lutando
isto é, a completa reorganização da sociedade londrina
bravamente por um ideal e um objetivo com destina-
e do próprio Reino Unido.
ção única e possível: derrotar os estados totalitários e
implementar a democracia. Churchill era conservador e um bom representante
para questões militares e de relações exteriores, mas
Sir Winston Churchill demonstrou fibra para tra-
balhar diariamente muitas horas por dia; resiliência, era débil e ineficaz para questões sociais e assuntos in-
para suportar críticas advindas tanto dos veículos mi- ternos que não são diretamente relacionados à defesa
diáticos locais quanto de supostos líderes de outras na- nacional.
ções, para suportar reveses em algumas batalhas, para É inquestionável a liderança desenvolvida por
suportar doenças; e pensamento visionário, que pro- Churchill, e, por isso, será sempre lembrado como
porcionou aos aliados uma perspectiva melhor sobre a exemplo; todavia, a sua liderança não era situacional,
dimensão do conflito. e esta depende da ambientação que se passa no mo-
Winston Churchill foi reconhecido, em premiação mento e da maturidade dos envolvidos. Em suma, cabe
em seu país, como “o maior inglês vivo”; foi e sem- ao líder saber se adequar a cada circunstância.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2006.
CHURCHILL, Winston. Memórias da II Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.
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rida na Câmara dos Comuns, 13 mai. 1940a.
______. Conferência proferida na Câmara dos Comuns, 04 jun. 1940b.
JOHNSON, Paul. Churchill. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: 2009.
KELLETT, Anthony. Motivação para o combate. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1987.
LEWIN, Ronald. Churchill: O Lorde da Guerra. Tradução Coronel Álvaro Galvão. Rio de Janeiro: Biblioteca
do Exército, 1979.
MASON, David. História Ilustrada da II Guerra Mundial - Líderes: Churchill. Tradução Edmond Jorge. Rio
de Janeiro: Editora Renes, 1972.
PASSARINHO, Jarbas Gonçalves. Liderança Militar. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1987.
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eu/european-union/sites/europaeu/files/docs/body/winston_churchill_pt.pdf>. Acesso em: 04 set. 2016.

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OS PLANOS DE GUERRA ALEMÃES
NA PRIMEIRA GUERRA TOTAL

“Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o


resultado de cem batalhas. Se você se conhece, mas não conhece o inimigo,
para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Se você não conhece
nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas.” (Sun Tzu)

Aspirante João Gabriel Christofoli Coelho Tone

INTRODUÇÃO trassem em guerra. Inglaterra, França e Rússia (URSS)


de um lado, e Alemanha e Áustria-Hungria de outro.
Em 1914, o mundo encontrava-se dividido por três
potências hegemônicas: Alemanha, França e Inglater- Segundo Hart (2005, p.205), Alfred Von Schlieffen,
ra. Juntas controlavam 7/10 da capacidade produtiva Chefe do Estado-Maior alemão no período de 1892 a
e da força de trabalho qualificado, além de 62% das 1906, elaborou um plano que ficou conhecido como
exportações mundiais e 80% dos investimentos de ca- “Plano Schlieffen”, que foi posto em prática com al-
pitais no mundo exterior. terações de seu sucessor, Helmuth Von Moltke. Esse
A corrida imperialista, os limites da divisão econô- plano previa uma guerra em duas frentes, ou seja, uma
mica do mundo e o fato de a Alemanha ter se industria- guerra contra a França e Reino Unido na frente oci-
lizado mais tardiamente que as outras potências, segun- dental e, simultaneamente, uma guerra contra a Rús-
do Soundhaus (2013) fizeram com que esses países en- sia, na frente oriental.

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O autor deste artigo Quadro 1 – Cronologia dos fatos anteriores à 1ª Grande Guerra (GG) (de 1878
entende que o estudo até as vésperas da Guerra)
sobre as Guerras e seus ANO FATO HISTÓRICO
planos é de extrema im-
1878 O Império Otomano enfraquece; ocorre o congresso de Berlim.
portância aos futuros
1882 É formada a Tríplice Aliança entre Alemanha, Áustria-Hungria e Itália.
Oficiais da Marinha,
1889-1914 A Segunda Internacional Socialista se configura contra o militarismo.
visto que serão os futu-
São concluídos uma convenção militar e um tratado de aliança entre
ros chefes que coman- 1892-94
França e Rússia.
darão a Marinha e que,
conhecendo o passado, 1898 O Plano Tirpitz de expansão naval é aprovado pelo Reichstag alemão.
poderão não cometer os A emergência dos Estados Unidos como potência imperial é sinalizada
1898
mesmos erros no futuro. na Guerra Hispano-americana.
Por isso, decidiu-se por 1899-1902 A Guerra Anglo-bôer expõe o isolamento britânico.
fazer um estudo sobre a A dinastia Karageorgevic é instalada no poder pelo Golpe na Sérvia,
1903
Primeira Guerra Mun- dinastia a favor da Rússia.
dial, por ser a primeira 1904 A Entente Cordiale une Grã-Bretanha e França.
vez que em uma guerra 1904-05 A Guerra Russo-japonesa prefigura a guerra de trincheiras.
foram envolvidas tantas Intensifica-se a corrida naval Anglo-germânica; O HMS Dreadnought
potências mundiais. As- 1906
é lançado ao mar.
sim exposto, espera-se 1907 A Tríplice Entente é completada pela Entente Anglo-russa.
que este breve estudo 1908 A Bósnia é anexada pela Áustria-Hungria (ocupada desde 1878).
seja de grande impor- 1911-12 A Guerra Ítalo-turca marca o primeiro uso de aviões em combate.
tância na construção do As Guerras dos Bálcãs enfraquecem ainda mais o Império Otomano e
conhecimento relacio- 1912-13
desestabilizam a região.
nado à Primeira Guerra
Fonte: Adaptado pelo autor de Sondhaus (2013)
Mundial e seus planos
de guerra para o estudo
de história na Escola Naval (EN).
Mundial: história completa (2013), e Hart, autor do
Estipulou-se, por conseguinte, o problema de estu- livro As grandes guerras da história (2005).
do como: Qual a consequência da mudança do Pla-
O artigo foi dividido em quatro seções: introdução,
no Schlieffen pelo Plano Moltke na Primeira Guerra
Mundial? antecedentes à Primeira Guerra Mundial, análises dos
planos militares e considerações finais.
O objetivo geral desta pesquisa será estudar os Pla-
nos de Guerra alemães visando identificar a relação
deles com o resultado da Primeira Guerra Mundial. ANTECEDENTES À PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
A seguinte hipótese foi levantada: Se o Plano de É notório que para o cumprimento do objetivo ge-
Guerra Schlieffen, da Alemanha, não fosse alterado ral desta pesquisa é necessário, antes, saber a geopolí-
pelo Plano Moltke, a Alemanha teria ganhado a Pri- tica dos países diretamente envolvidos naquela época,
meira Grande Guerra? Para responder à questão, esta e, assim, saber os motivos que levaram ao início da
pesquisa será de cunho qualitativo e bibliográfico ex- Primeira Guerra Mundial.
ploratório.
O levantamento inicial foi feito em livros e nos sí-
tios do Google acadêmico, utilizando-se como crité-
A unificação política da Alemanha
rio de busca inicialmente as seguintes palavras-chave: Segundo Sondhaus (2013, p.21), a unificação
“planos de guerra alemão”, “Primeira Guerra Mun- política alcançada pela Alemanha ocorreu graças à
dial”, “Plano Schlieffen”, “Plano Moltke”. liderança de Otto Von Bismarck, que era o primei-
De posse do referencial teórico que foi estudado, ro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros,
optou-se por apoiar nossas reflexões nos seguintes desde 1862. A Alemanha foi vitoriosa nas guerras
autores: Sondhaus, autor do livro A Primeira Guerra contra: Dinamarca, em 1864, anexando Schleswig-

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-Holstein; Áustria, em 1866; e França, em 1870-71, pequenos territórios da África e da Ásia nessa partilha,
anexando Alsácia-Lorena. Todas essas vitórias leva- territórios esses de baixo valor, em comparação com a
ram à criação do Segundo Reich, tendo como impe- Grã-Bretanha e a França, que ficaram com a maior par-
rador o rei Guilherme I. Se por um lado anexou ter- te da África e da Ásia, cujo potencial de recursos natu-
ritórios de alguns países, Bismarck fez da Áustria o rais era muito maior, segundo Sondhaus (2013, p.40).
aliado mais próximo da Alemanha e com quem faria A Grã-Bretanha e a França ficaram com terri-
alianças com o objetivo de manter a França isola- tórios ricos em matérias-primas e com um grande
da. Metade das transações econômicas da Áustria- mercado consumidor, enquanto Alemanha e Itália
-Hungria eram realizadas com a Alemanha, o que a ficaram com territórios pobres de matéria-prima
tornava uma aliada dependente. e, por serem poucos, com um mercado consumidor
Bismarck criou o cargo de chanceler e nele ficou de pequeno. Isso gerou grande descontentamento por
1871 até 1890, quando ficou conhecido como o chan- parte dos alemães e italianos, o que foi um grande
celer de ferro. O chanceler apresentava projetos de lei motivador para a guerra.
por meio da Bundesrat, câmara superior composta por
representantes nomeados pelos governos dos estados A corrida armamentista
germânicos, mas não podia legislar, e esses projetos
eram avaliados pelo Reichtag. Assim, de acordo com Outro fato ocorrido nas vésperas da guerra foi a
Sondhaus (2013, p.22), a constituição da Alemanha de corrida armamentista, fato esse que especialistas em
1871 fez dela a segunda potência europeia depois da Relações Internacionais julgam ser o melhor exemplo
França a realizar eleições com base no sufrágio univer- histórico do “dilema da segurança”, de acordo com
sal masculino. Sondhaus (2013, p.49), o fenômeno em que as atitu-
des de um país para aumentar sua própria segurança
De 1890 a 1913, as áreas urbanas alemãs dupli-
causam insegurança em outros países, o que por sua
caram de tamanho e a população germânica aumen-
vez provoca uma atitude em outros países de crescente
tou de 49 milhões de habitantes para 67 milhões.
desconfiança, que acaba fomentando um ciclo de gas-
O Produto Interno Bruto (PIB) per capita da Ale-
tos bélicos cada vez maiores e cujo resultado é aumen-
manha ficava atrás apenas do PIB da Grã-Bretanha, tar as chances de ter uma guerra.
dos domínios britânicos e dos Estados Unidos, e a
A corrida armamentista foi identificada observan-
produção industrial ultrapassava a da Grã-Breta-
do gastos militares e navais nas vésperas da guerra,
nha. A Alemanha já possuía o exército mais pode-
que aumentaram muito. As seis grandes potências
roso da Europa e a segunda maior frota naval, esta
europeias, em 1913, investiam cinquenta por cento a
que prejudicou muito os interesses estratégicos da
mais em armamento que em 1908.
Alemanha, por consumir mais de um terço do or-
çamento destinado à defesa nacional e por fazer a Havia uma corrida naval entre Alemanha e Grã-
Grã-Bretanha se aproximar da França e da Rússia, -Bretanha, fato esse que foi a principal competição ar-
seus tradicionais rivais, conforme Soundhaus (2013, mamentista pré-guerra, e uma corrida de força ativa
p.22). Em 1913, o Reichstag aprovou um aumen- em tempos de paz do exército entre França e Alema-
to de dezoito por cento do contingente em períodos nha. Quando o almirante Alfred Von Tirpitz foi no-
de paz do exército alemão, que agora passava a ter meado secretário de Estado no Gabinete da Marinha
oitocentos e noventa mil homens. Todos esses fatos Imperial alemã, em 1897, e transformou em objetivo
fizeram a Grã-Bretanha e demais países da Europa inicial da esquadra da Alemanha uma inferioridade de
começarem a se preocupar com essa nova potência. três para dois em relação à Grã-Bretanha, o que daria,
segundo Tirpitz, uma chance de vencer os britânicos
no mar do Norte, conseguiu a aprovação do Reichstag
O imperialismo em 1898, ao fazer um discurso dizendo que a expan-
Uma questão muito importante para entendermos são da Esquadra alemã era uma “questão de sobrevi-
um dos motivos para a guerra foi o imperialismo, a di- vência”, de acordo com Sondhaus (2013, p.49).
visão do mundo entre as potências da época, no século Assim, foi constituído como objetivo inicial possuir
XIX. O fato de a Alemanha e a Itália terem se indus- vinte e sete couraçados e doze cruzadores grandes, mas
trializado tardiamente acabou levando-as a ficarem com depois de dois anos uma segunda lei naval ampliou os

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planos para trinta e oito couraçados e quatorze cruza- Em relação ao desenvolvimento do Exército, a Ale-
dores grandes. E, finalmente, depois de leis suplementa- manha, com medo de ter se preocupado muito com a
res, o número foi aumentado ainda mais, passando para Esquadra e de tê-lo esquecido, aprovou uma nova Lei
quarenta e um couraçados e vinte cruzadores. Esse pla- do Exército, formando uma força ativa em tempos de
no, de Tirpitz, fez com que a Alemanha fosse de quinta paz de 890 mil homens. Isso causou grande preocupa-
maior potência naval europeia para a segunda maior, ção por parte dos franceses e fez com que eles aumen-
em apenas alguns anos, segundo Sondhaus (2013, p.49). tassem o seu tempo de serviço militar de dois para três
Em resposta ao plano alemão, a Grã-Bretanha anos, acrescentando imediatamente uma nova classe
criou dois projetos revolucionários: o cruzador de ba- de recrutas, aumentando desse modo para setecentos
talha e o navio de guerra HMS Dreadnought, que aca- mil homens na força ativa de tempos de paz, que mes-
baram tornando obsoletos todos os navios de guerra mo assim ficou inferior ao Exército alemão, segundo
de maior porte existentes, assim, acabando com sua Sondhaus (2013, p.52).
vantagem em termo de número de navios de guerra
pré-couraçados e cruzadores blindados, proporcionan-
do aos alemães a oportunidade de alcançar os rivais O ano de 1914
em força naval. Finalmente, em 28 de junho de 1914, o arquidu-
Ato contínuo ao fato citado, Tirpitz começou a que Francisco Ferdinando foi assassinado por um inte-
construção dos novos navios de guerra alemães, os grante da Mão Negra, uma organização terrorista na-
cruzadores grandes como cruzadores de batalha e os cionalista da Sérvia, fato esse que desencadeou o que
couraçados, que recebiam juntos o nome de “navios ficou conhecido como Crise de Julho de 1914, quando
capitais”. Assim, em alguns poucos anos a Alema- aconteceram diversos fatos que culminaram na Primei-
nha já tinha dez navios capitais concluídos, enquan- ra Guerra Mundial.
to a Grã-Bretanha possuía doze, conforme Sondhaus
(2013, p.51).
ANÁLISES DOS PLANOS MILITARES
Porém, isso assustou os Britânicos, fazendo com
que, em 1909 e 1910, fossem financiados oito na- Neste capítulo serão analisados os planos militares
vios capitais, suplementados por outro par custe- Alemães e Franco-ingleses, na parte ocidental, e o pla-
ado por Nova Zelândia e Austrália. E os alemães no alemão com relação ao seu território a nordeste.
em resposta custearam
apenas mais três, fi- Quadro 2 – Cronologia dos fatos no ano do início da 1ª GG (1914)
cando para trás na cor-
ANO FATO HISTÓRICO
rida, com treze, e os
3 de julho Sérvia pede ajuda à Rússia pela primeira vez.
britânicos com vinte e
dois. Com o passar do A aliança entre Áustria-Hungria e Alemanha é assegurada com a
5 de julho
tempo, a Grã-Bretanha “missão Hoyos”.
foi superando cada vez ANO FATO HISTÓRICO
mais os alemães, estan- 16 a 29 de julho A Rússia é visitada pelo presidente francês.
do em 1914 com vinte 23 de julho É encaminhado um ultimato pela Áustria-Hungria à Sérvia.
e nove navios capitais 25 de julho O ultimato é rejeitado em suas partes fundamentais pela Sérvia.
em serviço e treze em 28 de julho É declarada guerra pelo Império Austro-húngaro.
construção, contra os Começam as primeiras mobilizações da Rússia contra a Alema-
31 de julho
alemães, que ficaram nha.
com dezoito em serviço 1º de agosto É declarada guerra pela Alemanha à Rússia.
e oito em construção. 2 de agosto A Itália se declara como neutra.
Tal situação deixava 3 de agosto É declarada guerra pela Alemanha à França.
claro que a Alemanha 4 de agosto A Bélgica é invadida pelos alemães.
não estava conseguin- 4 de agosto É declarada guerra pela Grã-Bretanha à Alemanha.
do desenvolver sua fro- 6 de agosto É declarada guerra pela Áustria-Hungria à Rússia.
ta como Tirpitz queria. Fonte: Adaptado pelo autor de Sondhaus (2013)

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 89


Análises dos planos militares na frente ocidental No primeiro conselho de guerra de que a Grã-
-Bretanha tomou parte, o Comandante da Força Ex-
Conforme afirma Hart (2005, p.203) “O ponto de
pedicionária Britânica sugeriu que sua força fosse para
partida para quem deseje fazer um estudo das opera-
Antuérpia, local esse que ajudaria na resistência atra-
ções da frente ocidental, na Primeira Guerra Mundial,
vés da Bélgica, visto que declarou estar em dúvidas
deve ser o exame dos planos militares estabelecidos an-
quanto ao bom êxito do Plano XVII, de acordo com
tes da guerra”. Assim, faremos uma breve análise dos
Hart (2005, p.204). Com essa alternativa, os ingleses
planos militares em estudo antes da Guerra.
poderiam ameaçar a retaguarda do exército inimigo
tão logo eles avançassem pelo território belga, com o
Plano conjunto inglês e francês possível objetivo de adentrar na França.
Depois dos anos 1870, em meio a um período de re- O plano finalmente foi aprovado pela França e tinha
construção nacional, o plano militar de defesa da Fran- tudo necessário para tornar a estratégia original alemã,
ça era todo apoiado nas fortalezas ao longo da fronteira criada em 1905 pelo Conde Von Schlieffen, uma ação
entre ela e a Alemanha, seguida de uma contraofensiva. verdadeiramente indireta. Devido às fortificações em
Foram construídas fortalezas ao longo da fronteira da toda a fronteira, o mais lógico para a Alemanha seria a
Alsácia-Lorena e foram deixadas algumas brechas para invasão pelo território belga, e foi exatamente isso que
servirem como canalizadoras dos exércitos alemães, vis- Schlieffen planejou, buscando um desbordamento.
to que já era esperada a invasão. Esse plano não consi-
derava que a invasão alemã fosse feita por uma frontei-
ra neutra, como a Bélgica, por exemplo. O Plano Schlieffen
Anterior a 1914, o Coronel Grandmaison exami- O plano alemão feito por Schlieffen previa a maior
nou o plano e considerou-o contrário à ideia de ofensi- concentração de esforço na ala direita, que deveria inva-
va, e, junto aos defenso-
res de sua opinião e ao
Chefe do Estado-Maior,
Joffre, em 1912, for-
mularam o Plano XVII
e descartaram a antiga
estratégia. Esse novo
plano baseava-se num
golpe direto, com todas
as forças reunidas, con-
tra o centro do disposi-
tivo alemão. Porém, os
franceses necessitavam
de um Exército pelo me-
nos igual, em número,
ao do alemão, e assim,
se beneficiando das for-
talezas que haviam sido
construídas na fronteira,
poderiam fazer o ata-
que. O plano não previu
uma invasão pelo nor-
te, através da Bélgica, e Figura 1 – Plano Schlieffen
um desdobramento pelo Fonte: Adaptado do autor de “Animated Map: The Western Front, 1914 – 1918”.
1

norte e pelo sul da Fran-


ça, segundo Hart (2005, 1 Disponível em:<http://www.bbc.co.uk/history/interactive/animations/western_front/index_embed.
p.204). shtml>. Acessado em: 29 ago. 2016.

90 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


dir a França pelo norte, através do território belga, para, Exército francês recuasse para trás de suas barreiras
após isso, através de um amplo arco, avançar para leste fortificadas, e assim conseguisse uma resistência maior,
ou para a esquerda. Com sua extremidade direita passan- e logo após se deslocasse para oeste. Esse fato fez com
do pelo sul da capital francesa, fazendo pressão sobre o que quando Moltke resolvesse atacar pela ala direita,
exército francês, para que fosse na direção do rio Mosel- embora estivesse em menor número, devido não so-
le, onde não teria escapatória e seria martelado quando mente ao desvio das divisões que deveriam fortificar
a retaguarda fosse de encontro com a bigorna formada a ala direita, mas pelo fato de o Exército francês ter
pela fronteira suíça e pelas fortalezas de Lorena. recuado, segundo Hart (2005, p.207).
O interessante do plano em questão estava na dis- Além disso, ficou muito difícil transferir forças da
tribuição das forças e na missão por elas recebida. Das ala esquerda para a ala direita, depois que a Bélgica
setenta e duas divisões, cinquenta e três seriam postas destruiu suas pontes em Meuse, fazendo com que os
em ação na ala direita, dez destinadas à fixação de Ver- trens alemães que faziam esse deslocamento paras-
dun, e nove para a ala esquerda, desdobrada ao longo sem, e a Alemanha tivesse que seguir outros caminhos
da fronteira da França. Segundo Hart (2005), o fato de para não somente transferir forças, mas também para
a ala esquerda ter um número tão pequeno de divisões abastecer as divisões com suprimentos. Outro fato que
serviria para facilitar o efeito da massa giratória. Ou prejudicou o abastecimento foi o fato de o exército
seja, se o exército francês atacasse Lorena, forçaria a francês e o britânico demolirem todo o local em que
ala esquerda a recuar até o Reno, e seria, portanto, mui- estavam antes de fazerem suas retiradas. Todos esses
to difícil deter o ataque do exército alemão vindo do acontecimentos faziam, segundo Hart (2005, p.208),
território belga. Quanto mais o Exército francês fosse com que, quando as tropas alemãs chegavam ao com-
vitorioso e fizesse os alemães recuarem, mais difícil seria bate, estivessem com aparência de tropas já vencidas,
detê-los através da Bélgica, isso permitiria aos alemães de moral baixo, devido a realizarem grandes marchas
realizar o ataque pela retaguarda. De acordo com Hart de estômago vazio.
(2005, p.207), “Como no caso de uma porta giratória, Moltke decidiu definitivamente abandonar o pla-
se os franceses fizessem muita pressão, de um lado, o no original, em setembro de 1914, quando decidiu
outro giraria e os atingiria pelas costas e, quanto maior fazer um desbordamento mais limitado, com os seus
a pressão, tanto mais severo seria o golpe recebido”. exércitos vindos do norte da França, não fazendo um
envolvimento tão amplo quanto o planejado origi-
O Plano Moltke nalmente. Quando os franceses e os britânicos perce-
beram isso, resolveram atacar seu flanco direito, que
O plano feito pela França, se executado, teria tor- estava mais fraco.
nado o plano alemão perfeito, visto que não conside-
Devido às derrotas nas batalhas dentro da França,
rava a invasão pela Bélgica. Porém, o plano alemão
às notícias de desembarques dos britânicos no litoral
foi abandonado durante sua execução pelo sucessor de
norte da Bélgica e à disseminação de um boato, que
Schlieffen, Moltke, depois de tê-lo modificado nos pre-
depois se descobriu ser mentiroso, de que forças expe-
parativos feitos antes da guerra. Isso ocorreu quando
dicionárias russas estavam se aproximando, fez com
começou a aumentar o poderio da ala esquerda, assim
que a Alemanha recuasse.
que foi dispondo de mais tropas, tornando a referida
ala mais segura e consequentemente se afastando do As batalhas realizadas na frente ocidental, entre
objetivo do plano original, feito por Schlieffen. 1915 e 1917, foram batalhas estáticas, foram bata-
lhas intermináveis em trincheiras, em que exércitos
No início do conflito, a França começou a atacar por
ficavam em condições muito difíceis, durante muito
Lorena, Moltke decidiu aceitar o desafio e adiou a invasão
tempo, não tendo, assim, grandes acontecimentos im-
pela ala direita, além de transferir seis divisões, que eram
portantes no período.
inicialmente destinadas para fortificar a ala direita, para
Lorena. Com isso, o efetivo alemão no local era superior
e fez com que a tropa francesa recuasse, o que, segundo Análises dos Planos Militares no Nordeste Alemão
o plano inicial, era o contrário do que deveria acontecer. As localidades da Alemanha que se encontravam per-
Mesmo estando os alemães em maior número, não to da fronteira entre Alemanha e os territórios inimigos a
conseguiram um ataque decisivo, fazendo com que o nordeste dispunham de uma rede estratégica de ferrovias

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 91


muito boa, enquanto que na Polônia e mesmo na Rússia A frente oriental russa estava dividida em duas li-
existia um sistema escasso de comunicações. Esse fato nhas de pensamento, a de Ludendorff, que desejava
fez com que o plano inicial alemão fosse atrair as forças obter decisão com uma estratégia que era indireta, e
inimigas para o território alemão, e assim realizar uma a de Falkenhayn, que acreditava que conseguiria ao
contraofensiva. Porém, isso poderia resultar no fato de mesmo tempo poupar suas forças e destruir o pode-
que essa estratégia desse tempo ao exército inimigo para rio inimigo, com uma ação direta. Devido ao fato de
concentrar e movimentar sua grande máquina de guerra. Falkenhayn ser hierarquicamente superior, conseguiu
Assim, segundo Hart (2005, p.218), frente a impor sua vontade.
isso, os alemães e os austríacos concordavam que o Entre os anos de 1916 e 1917, as ações alemãs e
problema inicial era manter os russos imobilizados austríacas foram muito mais defensivas, enquanto que
durante seis semanas, enquanto os alemães derrota- a russa foi muito mais direta, e suas batalhas estáticas,
vam a França e ficavam em condição de transportar batalhas de trincheira.
forças para o nordeste alemão, para se juntarem aos Em 1917, devido à Revolução Russa, a Rússia
austríacos e efetuarem um ataque decisivo contra a sai da Grande Guerra, porém, os Estados Unidos en-
Rússia. Porém, não concordavam em como executar tram nesse mesmo ano, e como aliados dos france-
isso. Os austríacos desejavam realizar uma ofensiva ses e ingleses, piorando muito a situação da Alema-
rapidamente, alegando que desse modo manteriam os nha. Assim, em 1918, a Alemanha perde a Primeira
russos ocupados, enquanto os alemães estavam resol- Guerra Mundial.
vendo os problemas no lado ocidental com a França.
Enquanto que os alemães desejavam colocar o míni-
mo de tropas possível a leste, com o único objetivo CONSIDERAÇÕES FINAIS
de não entregar território ao inimigo. Assim, Moltke O objetivo geral dessa pesquisa foi estudar os pla-
concordou com a concepção austríaca. nos de guerra alemães na Primeira Guerra Mundial,
O plano inicial russo era primeiramente derrotar o para dessa maneira solucionar a hipótese levantada
exército da Áustria e só depois atacar o exército ale- de que a Alemanha teria ganhado a Grande Guerra
mão. A França, porém, com o objetivo de diminuir se Moltke não tivesse alterado o plano inicial feito
a pressão que a Alemanha estava realizando em seu por Schlieffen.
território, insistiu para que os russos realizassem uma Quando Moltke alterou o referido plano, ele for-
ofensiva rápida aos alemães. O pedido foi atendido, e tificou a ala esquerda e enfraqueceu a ala direita de
foram enviados dois pares de exércitos sobre as forças sua frente de batalha, fazendo com que, ao invés de os
alemãs da Prússia. franceses irem avançando cada vez mais para o territó-
No começo, os exércitos russos foram vitoriosos, rio alemão, eles recuassem. Isso acabou influenciando
e fizeram com que forças alemãs recuassem, porém, todo o plano criado por Schlieffen, pois, quando a ala
depois que Moltke trocou o Comandante, o novo direita atacou a França, pelo norte, através da Bélgica,
Comandante realizou uma manobra em que atacou com o objetivo de adentrar o território francês até Pa-
as frentes esquerda e direita russas, e, graças à falta ris, e assim encurralar o Exército francês, isso não foi
de comunicação entre os exércitos russos, obteve su- possível, porque o Exército francês estava bem fortifi-
cesso. Foram enviadas também, para o leste, forças cado em seu território, e longe de Paris, em território
alemãs que estavam na parte ocidental, para ajudar alemão. Frente a isso, os alemães não conseguiram es-
na batalha contra a Rússia, fato esse que ajudou a tabelecer um ataque tão largo como planejado inicial-
França quanto à pressão que a Alemanha estava rea- mente, tendo que enfrentar exércitos franceses muito
lizando contra seu Exército. mais concentrados do que o esperado.
Com as enormes perdas do Exército austríaco, a Ao mesmo tempo, no nordeste de seu território, os
Alemanha se viu obrigada a mandar mais exércitos alemães enfrentavam os russos, que tinham por ob-
para o leste, o que não ajudou muito, pois a Rús- jetivo apenas atacar os alemães quando derrotassem
sia já se encontrava no ápice de sua concentração, totalmente os austro-húngaros, mas, a pedido da Fran-
conseguindo dar início à invasão da Silésia. Logo ça, iniciaram o ataque contra os alemães. O pedido da
após isso, a Alemanha novamente contra-atacou e França tinha como objetivo desestabilizar a Alemanha,
recuperou as terras. e, assim, fazê-la deslocar tropas que estavam na par-

92 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


te ocidental para a parte nordeste do território. Com apenas teria demorado um pouco mais, pois a Alemanha
isso, a parte ocidental estaria ainda mais fraca, e os não conseguiria enfrentar em tantas frentes, e ainda mais
franceses conseguiriam uma derrota mais rápida. uma, com a chegada dos Estados Unidos na guerra, e sair
Com a Revolução Russa, a Rússia sai da guerra, po- vitoriosa. Assim, a hipótese inicial foi refutada.
rém, no mesmo ano, os Estados Unidos entram na Gran- Esse estudo foi realizado por ser de grande impor-
de Guerra, enviando tropas para atacarem a Alemanha. tância aos futuros chefes da Marinha, possibilitan-
A partir de todos esses fatos, pode-se concluir que mes- do um maior conhecimento sobre a Primeira Guerra
mo se Moltke não tivesse alterado o plano original, a Ale- Mundial, para, conhecendo os erros do passado, não
manha teria perdido a Primeira Grande Guerra, a guerra cometerem os mesmos erros.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HART, B. H. L. As grandes guerras da história. 6. ed. São Paulo: IBRASA, 2005.
SONDHAUS, L. A Primeira Guerra Mundial: história completa. São Paulo: Contexto, 2013.

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SOBERANIA TERRITORIAL E O
ESPAÇO CIBERNÉTICO

Aspirante Américo Fortuna da Silva


Aspirante Christian Toshio Ito

INTRODUÇÃO quando essas ações cibernéticas podem causar danos a


Ataques à infraestrutura estratégica de um país, es- outras pessoas ou Estados?
pionagem industrial e internacional, fraudes bancárias A resposta a estas perguntas orbita em grande par-
e uso militar do espaço cibernético – esses eventos, e te em torno da doutrina de soberania no direito in-
muitos outros que têm ocorrido e continuarão a ocor- ternacional. Na medida em que as nações exercem a
rer diariamente, levantam questões importantes sobre sua soberania sobre o espaço cibernético e sua infra-
o papel e a responsabilidade dos Estados em relação estrutura, isto fornecerá respostas-chave para o nível
a incidentes cibernéticos. Os Estados devem exercer o
de controle que os Estados devem exercer e quanta
controle soberano sobre a infraestrutura cibernética
responsabilidade estes devem aceitar quando não con-
que se localiza em seu território? Se assim for, os Esta-
seguirem fazê-lo adequadamente, ao falhar em deter
dos têm a responsabilidade de controlar as atividades
atividades cibernéticas ilegais.
cibernéticas que emanam ou as que apenas trafegam
através de seus ativos cibernéticos? Em outras pala- Assumiremos que os Estados têm poder soberano
vras, até que ponto um Estado tem que controlar as sobre a sua infraestrutura cibernética e que com esse
atividades de atores não estatais, tais como ativistas poder vem a responsabilidade de controlá-la e impedir
cibernéticos, organizações criminosas e terroristas, que ela seja conscientemente utilizada para perpetrar

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 95


Figura 1 - A utilização do espaço cibernético por organizações terroristas
Fonte: SITE Intel Group.

atividades prejudiciais a outros Estados e indivíduos. ou participação neste caso. Esta hesitação, por parte
Esta responsabilidade, de evitar atividades cibernéti- dos Estados, em aceitar a responsabilidade por inci-
cas ilegais, estende-se não apenas aos agentes estatais, dentes que ocorrem através da Internet é o produto
mas também para os intervenientes não estatais. Este de duas grandes questões inerentes à estrutura desta: a
poder soberano e a responsabilidade que dele advém, dificuldade de atribuir de maneira oportuna a respon-
enquanto quase exclusiva, necessariamente possuem sabilidade de um ataque (levando em consideração os
algumas limitações. mecanismos de ocultação na rede) e o método randô-
Na área emergente de operações cibernéticas, a mico em que os dados trafegam pela infraestrutura ci-
aplicação da doutrina de soberania para atividades bernética, normalmente levando o caminho de menor
neste espaço criou um controverso debate entre Es- resistência, sem respeito à geografia.
tados, acadêmicos e especialistas. O Manual Tallinn
Esta dificuldade inerente à atribuição faz com que
reflete algumas das controvérsias sobre o princípio da
os Estados permaneçam cautelosos em aceitar respon-
soberania aplicado ao espaço cibernético, sugerindo
sabilidade por ataques originados de seu território,
que os Estados estão hesitantes, atualmente, em acei-
não só porque eles não podem identificar o atacan-
tar a responsabilidade pelas atividades cibernéticas
te em tempo hábil, mas porque, mesmo se pudessem
que se originam em seu território. No caso dos ata-
ques cibernéticos que atingiram a Estônia em 2007, a identificar o computador a partir do qual se origina o
Rússia não só negou qualquer responsabilidade como ciberataque, é improvável que eles saibam quem está
também recusou as solicitações por parte da Estônia por trás do computador. Da mesma forma o anoni-
para que investigasse e extraditasse os potenciais cri- mato permite ao Estado adotar medidas moralmente
minosos que agiram de dentro do território russo. No questionáveis, sabendo que a atribuição de responsabi-
caso do malware “Stuxnet”, apesar de inúmeras ale- lidade é praticamente impossível. Isto é especialmente
gações e evidências de que os Estados Unidos e Isra- verdadeiro para as medidas tomadas por diversos paí-
el estavam diretamente envolvidos, nenhum dos dois ses através de proxies, como atores não estatais, a fim
países admitiu oficialmente qualquer responsabilidade de atingir objetivos políticos, militares ou econômicos.

96 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


O CONCEITO DE SOBERANIA TERRITORIAL tras áreas onde os atores estatais concordaram em so-
berania não exclusiva, como a Antártica, o fundo do
Independentemente das várias teorias sobre a fun-
mar e a lua. Estas são áreas onde nenhum Estado exer-
ção legal do território, é de ampla aceitação que, se-
ce o poder, mas onde todos os compartilham o poder,
gundo o princípio da soberania territorial, um Estado
com base em acordo.
exerce completa e exclusiva autoridade sobre o seu
território. Max Huber, na arbitragem “Ilhas Palmas”,
afirmou esse princípio geral da seguinte forma: “So- SOBERANIA TERRITORIAL E ESPAÇO
berania nas relações entre os Estados significa inde- CIBERNÉTICO
pendência. Independência em relação a uma porção
Espaço cibernético tem sido definido como um do-
do globo é o direito de exercer nela, à exclusividade
mínio global dentro do ambiente da informação que
de quaisquer outros Estados, as funções de um Es-
consiste na rede interdependente de infraestruturas de
tado.” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS,
tecnologia da informação, incluindo a Internet, redes de
1928). De acordo com o Tribunal Internacional de
telecomunicações, sistemas de computadores incorpo-
Justiça: “Entre Estados independentes o respeito à
soberania territorial é um fundamento essencial das rados, processadores e controladores. É um termo ta-
relações internacionais.” (1952, apud DAHLHOFF, quigráfico que se refere ao ambiente criado pela conflu-
2012, p.35). Além disso, o Estado tem o direito de ência de redes cooperativas de computadores, sistemas
controlar o acesso e a saída do seu território; este de informação e infraestruturas de telecomunicações,
pressuposto parece aplicar-se também a todas as for- comumente referido como a World Wide Web. É ver-
mas de comunicação. A soberania territorial protege dade que o ciberespaço é caracterizado pelo anonimato
um Estado contra qualquer forma de interferência e pela onipresença, por isso parece lógico assimilá-lo ao
por parte de outros Estados. Enquanto tal interferên- alto-mar, espaço aéreo internacional e espaço sideral, ou
cia pode implicar a utilização da força, esse aspecto seja, a considerá-lo um global common ou legalmente
não é tratado no presente artigo. um omnium res communis. No entanto, essas caracte-
rizações apenas justificam a conclusão óbvia de que o
Deve-se ter em mente que a soberania territorial
espaço cibernético, em sua totalidade, não está sujeito
não se limita somente à garantia de proteção aos Esta-
à soberania de um Estado ou de um grupo de Estados.
dos, mas também impõe obrigações aos mesmos, espe-
cialmente a obrigação de proteger no seu território os Dadas as suas características, é imune a apropriação.
direitos de outros Estados, nomeadamente o seu direi- Apesar da classificação correta de “espaço ciber-
to à integridade e à inviolabilidade em paz e em guerra, nético como tal” como uma prática res communis, o
juntamente com os direitos que cada Estado pode rei- ciberespaço, ou melhor, os seus componentes físicos,
vindicar sobre seus nacionais em território estrangeiro. não são imunes à soberania e ao exercício da jurisdi-
A Corte Internacional de Justiça, na sua decisão ção. Por um lado, os Estados têm exercido, e continu-
“Canal de Corfu”, confirmou este entendimento de arão a exercer, a sua jurisdição penal vis-à-vis a crimes
soberania: “por soberania, entendemos todo o conjun- cibernéticos e continuarão a regular as atividades no
to de direitos e atributos que um Estado possui em seu ciberespaço. Por outro lado, é importante ter em men-
território, com a exclusão de todos os outros Estados, te que o ciberespaço exige uma arquitetura física para
e também nas suas relações com outros Estados” (CIJ, existir. O equipamento respectivo geralmente está lo-
1949). Apesar de o poder soberano de um Estado ser calizado no território de um Estado. É de propriedade
quase absoluto, ele é limitado por certos princípios do do governo, de empresas ou de pessoas físicas. Ele é
direito internacional, incluindo as ações do Conselho conectado à rede elétrica nacional. A integração dos
de Segurança das Nações Unidas, o Direito Interna- componentes físicos, ou seja, a infraestrutura ciber-
cional dos Conflitos Armados e os direitos humanos nética localizada no território de um Estado, para o
fundamentais. Há também áreas onde, com base no “domínio global” do ciberespaço, não pode ser inter-
acordo consensual e costume, nenhum Estado pode pretada como uma renúncia ao exercício da soberania
afirmar a soberania, como o alto-mar. Essa área tem territorial, não impedindo um Estado de exercer a sua
sido tratada como res communis, o que significa que soberania, especialmente a sua jurisdição penal, à in-
ela pertence a toda comunidade internacional e não fraestrutura cibernética localizada em áreas cobertas
pode ser apropriada por nenhum Estado. Existem ou- pela sua soberania territorial.

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 97


Figura 2 - Na cúpula da OTAN em Varsóvia, os países signatários do Tratado do Atlântico assinaram o Comprometimento
em Defesa Cibernética
Fonte: OTAN.

Os Estados têm continuamente enfatizado o seu di- interpretação tradicional. Tendo em vista o caráter novo
reito de exercer controle sobre a infraestrutura ciber- do ciberespaço e tendo em conta a vulnerabilidade da
nética localizada nos seus respectivos territórios, a fim infraestrutura cibernética, há uma incerteza perceptível
de exercer a sua jurisdição sobre as atividades ciber- entre os governos e juristas se as normas e princípios do
néticas no seu território e proteger sua infraestrutura direito internacional consuetudinário tradicionais são
cibernética contra qualquer interferência transfrontei- suficientemente aptos a fornecer as respostas desejadas
riça perpetrada por outros Estados ou indivíduos. a algumas questões preocupantes. É, portanto, de extre-
É preciso enfatizar que a aplicabilidade do princípio ma importância que os Estados não só concordem com
a aplicação do direito internacional consuetudinário ao
da soberania para os referidos componentes e ativida-
ciberespaço, mas também sobre uma interpretação co-
des no ciberespaço não é barrada pelo caráter inova-
mum que leve em devida consideração as características
dor e original da tecnologia subjacente. Isso vale para a
únicas da tecnologia de rede. Por isso, é necessário que
maioria das normas e princípios do direito internacional
os governos continuem a trabalhar de maneira coope-
consuetudinário que se aplicam ao ciberespaço e às ati-
rativa para criar um consenso a respeito de normas de
vidades cibernéticas. O presidente dos Estados Unidos
comportamento aplicáveis ao ciberespaço.
da América (THE WHITE HOUSE, 2011, p.9), no âm-
bito da Estratégia Internacional para o Ciberespaço de
2011, afirmou claramente que o “desenvolvimento de APLICABILIDADE DA SOBERANIA TERRITORIAL
normas para a conduta do Estado no ciberespaço não NO ESPAÇO CIBERNÉTICO
exige uma reinvenção do direito internacional costumei- A aplicabilidade do princípio da soberania territorial
ro, nem impossibilita normas internacionais existentes. ao ciberespaço implica que a infraestrutura cibernética
As normas internacionais de longa data que orientam o localizada no território terrestre, nas águas interiores, no
comportamento do Estado – em tempos de paz e confli- mar territorial, e, quando aplicável, nas águas arquipelá-
to – também se aplicam no ciberespaço”. gicas ou no espaço aéreo nacional está coberta pela sobe-
Isso não significa necessariamente que as referidas rania territorial do respectivo Estado. Assim, a princípio,
regras e princípios são aplicáveis ao ciberespaço em sua o Estado tem o direito de exercer o controle sobre essas

98 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


infraestruturas e atividades cibernéticas nessas áreas. Não (caso se qualifiquem como alvos legítimos) ou estar
pode ser deixado fora de consideração, no entanto, que sujeitos à apreensão pelas forças armadas inimigas.
o exercício da soberania pode ser restringido por normas Além disso, a imunidade soberana não é ilimitada. Por
consuetudinárias ou convencionais do direito internacio- exemplo, a aeronave remotamente pilotada Lockheed
nal, tais como a imunidade de correspondência diplomá- Martin RQ-170, de propriedade dos EUA foi intercep-
tica ou os direitos de passagem inofensiva, passagem em tada e forçada a pousar pelo Irã (alegadamente por
trânsito e rotas marítimas arquipelágicas. meio cibernéticos) em 2011, estava sobrevoando o
A primeira consequência do que foi inferido acima é espaço aéreo nacional iraniano e, assim, violou a so-
que a infraestrutura cibernética localizada em áreas sob berania territorial deste. Assim, o Irã tinha o direito
a soberania territorial está protegida contra a interferên- de utilizar todos os meios necessários, incluindo meios
cia externa. Esta proteção não está limitada às atividades cibernéticos, para deter essa violação de sua soberania.
que caracterizam uma utilização injustificada de força, um
ataque armado ou uma intervenção ilegal. É importante CONSIDERAÇÕES FINAIS
notar que nem todos os Estados concordam plenamente
À luz do exposto acima, podemos afirmar que a sobe-
que os impactos sobre a infraestrutura cibernética de outro
rania territorial possui um relevante peso legal e de gran-
Estado constitui, necessariamente, uma violação do princí-
de eficácia no direito internacional; tal princípio pode
pio da soberania territorial. Ressalta-se que, se o resultado
ser aplicado ao ciberespaço sem modificações de largo
de atos de interferência infligem danos materiais à infra-
escopo se este é entendido como compreendendo compo-
estrutura cibernética localizada em outro Estado, parece
nentes físicos – ou infraestrutura cibernética – que estão
haver um consenso suficiente de que tal ato constitui uma
localizados no território de um Estado ou de outro modo
violação da soberania territorial do Estado agredido. Nes-
protegido pelo princípio da soberania territorial. Con-
te contexto, é preciso reconhecer que, segundo alguns, o
tudo, esta conclusão não implica que todos os aspectos
dano infligido deve ser grave. Se, no entanto, não há danos
de proteção da soberania territorial foram esclarecidos.
materiais relevantes à infraestrutura cibernética, não é en-
Por exemplo, ainda não há um consenso entre os Estados
tendido consensualmente se essa atividade pode ser consi-
a respeito de quais operações cibernéticas se qualificam
derada uma violação da soberania territorial. O exemplo
como uma utilização imprópria da força, de acordo com
usual dado é espionagem, incluindo espionagem cibernéti-
o artigo 2 da Carta da ONU, ou como uma agressão
ca, porque o direito internacional carece de uma proibição
armada ao abrigo do artigo 51. As referências bastante
das atividades de espionagem. abstratas para infraestruturas críticas não são muito úteis
De acordo com a Estratégia Internacional para o se não há consenso a respeito de que objetos e instituições
Ciberespaço dos EUA, as seguintes atividades podem estão sendo considerados críticos.
qualificar-se como violações da soberania territorial: Igualmente eficaz é o conceito de jurisdição territorial.
ataques às redes e sua utilização para atos hostis que Por conseguinte, os Estados têm o direito de regular as
ameaçam a paz e a estabilidade, as liberdades civis e a atividades cibernéticas que ocorrem nos seus territórios e
privacidade. Enquanto os respectivos atos não são espe- fazer valer o seu direito interno. Embora os Estados gozem
cificados, infere-se que o governo dos EUA está se res- de um direito quase ilimitado de exercer a sua jurisdição
guardando para uma aplicação mais ampla e incisiva do territorial, em relação às atividades e infraestruturas ciber-
princípio da soberania territorial, porque afirma o di- néticas nos seus territórios, há uma necessidade indiscu-
reito de responder a tais atos com todos os meios neces- tível de uma compreensão acordada internacionalmente
sários, incluindo, se necessário, o uso convencional da de que a funcionalidade e os benefícios da internet serão
força. No que diz respeito a infraestrutura cibernética, seriamente ameaçados se os Estados não exercerem a sua
protegida assim pelo princípio da soberania territorial, é jurisdição territorial com respeito pelas redes de outras na-
irrelevante se ela pertence ou é operada por instituições ções e pelo espaço cibernético como um todo. Finalmen-
governamentais, entidades privadas ou pessoas físicas. te, os governos também devem cooperar entre si a fim de
Deve-se ter em mente, no entanto, que no caso de melhorar as suas capacidades na área da ciência forense
um conflito armado o princípio da imunidade sobera- cibernética. Tais esforços de cooperação são necessários
na não desempenha nenhum papel nas relações entre não só para identificar os atacantes, mas também para a
os Estados beligerantes. Em seguida, os objetos que dissuasão mais eficaz dos Estados e atores não estatais com
gozam de imunidade soberana podem ser destruídos intenções de uso maléfico do espaço cibernético.

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 99


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DAHLHOFF, Guenther. International Court of Justice: Digest of Judgments and Advisory Opinions, Canon
and Case Law 1946-2012. Londres: Brill, 2012.
HEINEGG, Wolff. Legal Implications of Territorial Sovereignty in Cyberspace, NATO Cooperative Cyber
Defence Centre of Excellence (2012). Disponível em: <https://ccdcoe.org/publications/2012proceedings/1_1_
von_Heinegg_LegalImplicationsOfTerritorialSovereigntyInCyberspace.pdf>. Acesso em: 19 de jul. 2016.
JENSEN, Eric. Cyber Sovereignty: The Way Ahead, Texas International Law Journal (2015). Disponível em:
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100 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


A REGATA ECOLÓGICA DA ESCOLA NAVAL:
FERRAMENTA DE CONTRIBUIÇÃO AO
ATENDIMENTO DA MISSÃO CONSTITUCIONAL
DA MARINHA DO BRASIL

Professor Fernando Antonio Cardoso Garrido1

É diante de complexo contexto de ocorrência de 1998. Nessa direção, o Corpo de Aspirantes passava a
grandes e diversificados eventos, que alcançaram di- chamar a atenção da sociedade brasileira, em especial
mensões globais nas duas últimas décadas do século da carioca, para os problemas de degradação da Baía de
XX, impactado pela necessidade de discussões em ní- Guanabara, que já perduravam, naquela altura, mais
vel mundial de temas como a degradação ambiental, de cinco décadas, com a criação da “Regata Ecológi-
que surgia a “Regata Ecológica da Escola Naval”, em ca”, organizada pela Sociedade Acadêmica Phoenix
Naval (SAPN), em parceria com o Grêmio de Vela da
1 Mestre em Educação Física pela Universidade Gama Filho (UGF). Escola Naval (GVEN).

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 101


A criação da “Regata Ecológica da Escola Naval” O espaço marítimo brasileiro, conhecido como
vinha em favor da compreensão da importância do Amazônia Azul, e a Amazônia Verde, com seus rios
mar, da melhoria da higidez física do militar, mas em navegáveis, devem ser protegidos por serem abrigo
especial do fortalecimento da inter-relação entre es- de incalculáveis recursos naturais. A Amazônia Azul
porte e meio ambiente, que garante ao militar maior é um local de importância estratégica, por conter pla-
compreensão do conceito de sustentabilidade. Este taformas de petróleo e de gás, linhas de comunicação
conceito, por sinal, retrata que somente a exploração marítimas e grande biodiversidade. Seus potenciais se
consciente dos recursos naturais possibilitará a sua uti- expressam pelo grande fluxo de comércio, principal-
lização pelas gerações futuras. mente internacional em rotas pré-estabelecidas, o que
A “Regata” reproduz as questões ambientais, a permite trocas de mercadorias de toda ordem, gera-
mobilização e a educação do ser humano em favor da ção de empregos, turismo etc., produzindo riquezas
consciência ecológica, seus temas centrais. Nesse sen- para o Brasil.
tido, o evento desenvolve ações orientadoras de pre- É daí que advém o dever da Marinha de estar de
servação e educação ambiental, além de fortalecer a prontidão, para tomar as medidas necessárias ao cum-
mentalidade marítima. primento das tarefas básicas do Poder Naval, quais
Nessa linha de atuação, a “Regata” oferece ensi- sejam: a negação do uso do mar; o controle de áreas
namentos com um maior conhecimento e estímulo à marítimas; a projeção de poder sobre a terra; e a con-
compreensão sobre a importância e o uso do mar, des- tribuição para a dissuasão.
pertando a busca por soluções com relação à proteção, Em razão desse entendimento, o militar, elo es-
à preservação e à exploração na vasta área marítima sencial para o cumprimento da missão constitucio-
do Brasil. Da mesma forma, a “Regata” também cha- nal da MB, tem como aliados, ao longo da carreira,
ma atenção da sociedade carioca ao expor um olhar o esporte e suas competições entre as mais variadas
crítico sobre as mazelas relacionadas ao ecossistema atividades físicas ao seu dispor, na busca da melhoria
da Baía da Guanabara. da higidez física, o que lhe garante em contrapartida

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o aprimoramento dos aspectos físicos, mental, moral, “Oceânico”, “Cabinado” e “Escaler”. As equipes são
técnico e intelectual. mistas e compostas por Aspirantes, universitários de
Nesse sentido, em 2014, o então Comandante da instituições de ensino superior públicas e privadas, ins-
Escola Naval, Contra-Almirante Marcelo Francisco tituições de pesquisa e jovens de projetos sociais que
Campos, expressou de forma significativa o que repre- integram os núcleos de atividades náuticas, voltadas às
senta a “Regata” ao comentar sobre o evento. Disse o comunidades carentes e de baixa renda, localizados na
Almirante: orla marítima.
A equipe vencedora é aquela que recolher a maior
A mensagem da regata é promover o con-
quantidade de lixo da Baía da Guanabara. As equipes
tato de estudantes com o mar, com a noção
disputam, também, um prêmio especial concedido ao
de desenvolver a mentalidade marítima, o
barco que encontrar o lixo mais exótico. A “Regata”
conhecimento do mar, de respeitar o mar
é uma competição que faz parte das comemorações
e, sobretudo, preservá-lo. É a 15ª edição
do Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado em 5
da regata, que já virou tradição na Escola
de junho. Atualmente, esta competição conta com a
Naval2
presença de cerca de 250 participantes.
A “Regata” tem o objetivo simbólico da limpeza
Uma maior abrangência na relação entre o esporte
da Baía da Guanabara, com o recolhimento de lixo
e meio ambiente foi obtida pela “Regata” em 2013,
flutuante despejado sem qualquer tratamento, rea-
com a parceria realizada com a Recicloteca, que é um
lizado por dezenas de tipos de embarcações a vela e
Centro de Informações sobre Reciclagem e Meio Am-
a remo. A competição ocorre sob a forma de ginca- biente criado pela ONG Ecomarapendi. Nesse sentido,
na, de acordo com as categorias de barcos das classes a “Regata” passou a oferecer palestras e a instalação
2 Regata Ecológica recolhe 363 quilos de lixo - Portal Vermelho.
de estandes para a exposição de projetos voltados à
Disponível em: <www.vermelho.org.br/noticia/241178-101>. manutenção do ecossistema marinho da Baía de Gua-
Acesso em: 30 nov. 2016. nabara, ecologia, preservação ambiental e reciclagem.

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 103


Com a reciclagem, pretende-se mostrar etapas do pro- participação de atletas olímpicos, como Ricardo Wini-
cesso da transformação de um novo material, com a cki, o “Bimba”, em 2016.
redução, reutilização e reciclagem dos resíduos. São
Em suma, a “Regata” fortalece a relação entre es-
apresentados, ainda, projetos de meio ambiente susten-
porte e meio ambiente e atua na formação do militar ao
tável, estimulando a reflexão e o consumo responsável,
promover o desenvolvimento de consciência ecológica
de forma a evitar a degradação do meio ambiente.
de profissionais que irão desempenhar tarefas e atribui-
O Corpo de Aspirantes todos os anos se mobili-
ções em estreito contato com a natureza, em especial
za, objetivando a realização da “Regata”, que foi, em
seu início, restrita às seis companhias dos quatro anos com o mar. Ela contribui para maior compreensão do
escolares. Progressivamente, com o passar dos anos, militar sobre a importância dos cuidados com o meio
verificou-se a necessidade de promover o chamamen- ambiente, fortalecendo a sua visão quanto à necessidade
to da sociedade civil carioca. Ademais, a mobilização de preservar, proteger e defender a Amazônia Azul e as
dos Aspirantes acarretou em maior divulgação e, con- águas interiores do Brasil, locais que abrigam grande
sequentemente, maior visibilidade da “Regata”, prin- diversidade de riquezas naturais e que possuem impor-
cipalmente pela realização de palestras junto às Insti- tância político-estratégica, econômica e militar.
tuições de Ensino Superior sobre a Escola Naval e os
Finalmente, cabe assinalar que a “Regata Ecológi-
eventos nela realizados. Nessa perspectiva, a compe-
ca” da Escola Naval, ao promover a inter-relação entre
tição começou a angariar parcerias às causas ecológi-
cas, dentre elas: os alunos das universidades públicas e o esporte, o meio ambiente, a MB e a sociedade civil,
privadas, de áreas afins, as organizações não governa- contribui de forma significativa para a formação dos fu-
mentais, como o Projeto Grael e as empresas ligadas à turos Oficiais da MB, conhecidos como “Sentinelas dos
reciclagem e de natureza pública e privada, como foi o Mares”, tornando-os cidadãos ainda mais conscientes de
caso de FURNAS, com o patrocínio da “Regata”, e a suas responsabilidades sociais perante a nação brasileira.

104 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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vil_03/_ato2007-2010/2008/Decreto/D6703.htm>. Acesso em: 3 ago. 2016.
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http://www.marinha.mil.br/node/1351>. Acesso em: 2 ago. 2016.
XII REGATA Ecológica da Escola Naval - Revista Cultura e Cidadania. Disponível em: < blogspot.com.
br/2011/08/xii-regata-ecologica-da-escola-naval.html>. Acesso em: 2 ago. 2016.

REVISTA DE VILLEGAGNON . 2016 105


Notícias de Villegagnon
Passagem de Comando da Escola Naval

No dia 6 de abril, o Vice-Almirante Marcelo geiros, entre os quais há representantes de Ango-


Francisco Campos passou o cargo de Comandan- la, Cabo Verde, Líbano, Moçambique, Namíbia,
te da Escola Naval (EN) para o Contra-Almirante Nigéria, Paraguai, Peru, Senegal e Venezuela.
Newton de Almeida Costa Neto. Finalmente, estiveram presentes no evento
Durante a cerimônia militar, os Aspirantes e ex-Ministros da Marinha, ex-Comandantes da
a Guarnição desfilaram em continência ao novo Marinha, Almirantes de Esquadra, além do Vice-
Comandante da EN. Atualmente, o Corpo de -Almirante Renato Rodrigues de Aguiar Freire,
Aspirantes é composto por 925 “Sentinelas dos Diretor de Ensino da Marinha, que presidiu a
Mares”, sendo 35 do sexo feminino e 27 estran- cerimônia.

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22ª Simulação de Relações Internacionais
da Escola Naval

No período de 18 a 20 de maio, foi realiza- Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN),
da a 22ª Simulação de Relações Internacionais Cadetes da Academia da Força Aérea (AFA), alu-
da Escola Naval (SIRIEN). O evento ocorreu na nos do Colégio Naval e universitários dos cursos
biblioteca da EN, em duas sessões que trataram de Relações Internacionais, Direito e outras gra-
dos seguintes temas: Conselho do Atlântico Nor- duações de instituições de ensino de Brasília, Rio
te, “Operações na Síria - Questão da Turquia” e de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Conselho de Segurança Histórico, “Questão da Os participantes, além de presenciarem de-
Guerra das Malvinas.” bates de altíssimo nível, puderam conhecer um
O evento foi organizado pelo Grêmio de Rela- pouco das atividades realizadas pelos “Sentinelas
ções Internacionais da EN e contou com a presen- dos Mares”, conhecendo, também, as modernas
ça de 100 participantes, dentre eles: Cadetes da instalações da Escola Naval.

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Notícias de Villegagnon
Escola Naval realiza Cerimônia de Juramento à
Bandeira e entrega de Espadim

No dia 4 de junho de 2016, os integrantes pirantes da Escola Naval, desde a sua criação em
da Turma “Almirante Protógenes” realizaram 1782. O Espadim é, também, mais um elemento
o juramento à Bandeira Nacional, solenemente de consolidação do “Espírito desta nova Tur-
incorporando-se à Marinha do Brasil. ma”, a Turma “Almirante Protógenes”.
Neste dia, 233 Aspirantes brasileiros, sendo Também receberam o espadim quatro Aspi-
12 do sexo feminino, prestaram juramento pe- rantes estrangeiros, sendo um Aspirante oriundo
rante a invicta Bandeira Nacional, simbolizando do Paraguai, dois do Senegal e um da Venezuela.
o instante em que passaram a se dedicar inteira- Esta cerimônia marcou uma nova fase na
mente ao serviço da Pátria, com a promessa de vida destes jovens, formando um espírito único
defender a Nação Brasileira com o sacrifício da e coletivo, que sempre os acompanhará, ao qual
própria vida. se denomina Turma. Este poderoso vínculo foi
O espadim que receberam materializa aquele vivificado pela presença de integrantes da Turma
compromisso solene, sendo usado, com poucas “Grenfell” que receberam seus espadins há exa-
modificações em tamanho e desenho, pelos As- tos 50 anos.

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Escola Naval sedia XIII Congresso Acadêmico
sobre Defesa Nacional

A Escola Naval sediou, entre os dias 11 e 14 cioculturais, como o passeio pela Baía de Guana-
de julho, o XIII Congresso Acadêmico sobre De- bara no Navio Rebocador Laurindo Pitta, a visita
fesa Nacional (CADN), uma atividade de cunho ao planetário da Escola Naval, um dos únicos na
educacional e cultural promovida pelo Ministério cidade do Rio de Janeiro, e ao Simulador de Aviso
da Defesa, por intermédio da Secretaria de Pesso- de Instrução, onde os Aspirantes simulam nave-
al, Ensino, Saúde e Desporto (SEPESD). gação e manobra, além de apreciarem a apresen-
O evento tem o objetivo de estimular a inte- tação da Banda Sinfônica do Corpo de Fuzileiros
ração entre as escolas militares e as instituições Navais.
civis de ensino superior, seus alunos e professores, Foram proferidas palestras por autoridades
além de promover o debate acerca de problemas militares e civis, como o Chefe do Estado-Maior
relevantes para o Brasil, contribuindo para a con- Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), Almi-
solidação de uma cultura de defesa nacional. rante de Esquadra Ademir Sobrinho, e o Primeiro
Além das palestras, debates e atividades aca- Secretário Roger Joseph Abboud, da Assessoria
dêmicas, os congressistas tiveram a oportunidade de Assuntos de Defesa do Ministério das Relações
também de participar de diversas atividades so- Exteriores (MRE).

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Notícias de Villegagnon
Escola Naval participa do VII EPESM

A Escola Naval
(EN) enviou 16 par-
ticipantes ao VII En-
contro Pedagógico do
Ensino Superior Mi-
litar (EPESM), reali-
zado entre 12 e 14 de
julho, na Academia
Militar de Agulhas
Negras (AMAN), em
Resende-RJ.
Dez trabalhos
científicos da EN
foram apresentados
no VII EPESM, que
promoveu um pro-
fícuo debate sobre
o ensino superior
militar e os desafios
da atualidade: cená-
rios, avanços e oportunidades de melhoria. madas e o ambiente acadêmico, buscando a contri-
O objetivo do encontro é promover o intercâm- buição de pesquisadores nas diversas áreas de inte-
bio entre as instituições de ensino superior militar, resse da defesa para o aprimoramento das práticas
além de estimular a integração entre as Forças Ar- desenvolvidas nas escolas militares.

Chama Olímpica chega ao Rio de Janeiro


por meio da Escola Naval

Na manhã do dia 3 de agosto, a Escola Na- oficializando a chegada do símbolo na cidade.


val foi palco da cerimônia de chegada da Chama O evento contou com as presenças do Coman-
Olímpica no Rio de Janeiro, um dos maiores sím- dante Geral do Corpo de Fuzileiros Navais, Almi-
bolos das Olimpíadas. A Chama chegou à cidade rante de Esquadra Fernando Antonio de Siqueira
atravessando a Baía de Guanabara, vinda de Ni- Ribeiro, do Diretor Geral do Pessoal da Marinha,
terói, na Região Metropolitana. Almirante de Esquadra Ilques Barbosa Junior, do
A bordo da embarcação escaler a remo, os As- Comandante do 1º Distrito Naval, Vice-Almiran-
pirantes conduziram os medalhistas olímpicos e ir- te Leonardo Puntel, do Comandante da Escola
mãos Torben e Lars Grael. O velejador Lars Grael Naval, Contra-Almirante Newton de Almeida
fez a entrega da Chama ao prefeito, Eduardo Paes, Costa Neto e demais autoridades civis e militares.

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Secretário de Estado norte americano visita as
instalações oficiais de treinamento dos
Jogos Olímpicos na Escola Naval

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de Villegagnon
O Secretário de Estado dos Estados Unidos, O Comitê Olímpico Americano (COA) inves-
Notícias
John Kerry, visitou, no dia 5 de agosto, as ins- tiu na instalação de uma nova pista de atletismo,
talações da Escola Naval. O local se tornou com o propósito de realizar seus treinos em local
um dos Centros Oficiais de Treinamento da semelhante ao Estádio João Havelange. O COA
delegação americana durante os Jogos Olímpi- também contribuiu na manutenção dos aquece-
cos e Paralímpicos. Cerca de 230 atletas ame- dores das piscinas olímpica e semi olímpica, na
ricanos treinam diariamente na Instituição, adequação da rede elétrica dos ranchos de Cabos
nas modalidades de atletismo, vôlei masculino e Marinheiros, na iluminação do campo de espor-
e feminino, polo aquático, além do atletismo te e ginásio e na cobertura do teto do ginásio com
paralímpico. manta impermeável.

Escola Naval participa da III Olimpíada de


História Militar e Aeronáutica

A Escola Naval (EN) participou da III Olim- Ao final da Olimpíada, os representantes da EN


píada de História Militar e Aeronáutica nos dias obtiveram os seguintes resultados: Equipe Almiran-
17 e 18 de agosto, realizada na Academia da te Saldanha da Gama alcançou o 3º lugar e Almi-
Força Aérea (AFA), em Pirassununga – SP. Pela rante Thomas Cochrane, o 4º lugar. Cabe ressaltar
primeira vez o evento contou com a participação também que a EN logrou o recorde de acertos com
de equipes externas às da AFA, como as da Esco- 49 acertos de 60 questões, na fase individual, sendo
la Naval (EN), da Academia Militar das Agulhas reconhecida e parabenizada pela conquista.
Negras (AMAN) e da Escola Preparatória de O evento foi de suma importância, não só pelo
Cadetes do Exército (ESPCEx), perfazendo um sucesso obtido pela EN, mas também por incen-
total de 14 equipes. Cada equipe foi constituída tivar a pesquisa, o estudo e a integração entre as
por quatro membros e nomeada em homenagem Academias Militares, através do lúdico e do inte-
a alguma autoridade com importância na histó- resse por assunto tão relevante à carreira militar,
ria militar. que é a História Militar.

112 REVISTA DE VILLEGAGNON . 2014

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