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RCC Ministerio de Formacao Apostila 2 Carismas
RCC Ministerio de Formacao Apostila 2 Carismas
RCC Ministerio de Formacao Apostila 2 Carismas
RENOVAÇÃO CARISMÁTICA
CATÓLICA - BRASIL
SECRETARIA PAULO APÓSTOLO
CARISMAS
MÓDULO BÁSICO
APOSTILA
AUTORES:
Alides Destri Mariotti
Antonio Carlos Lungnani
Ronaldo José de Sousa
2
APRESENTAÇÃO
Ao escrever esta apresentação da apostila sobre carismas, logo nos vem à mente o esforço
realizado por todos os participantes da Comissão de Formação. E, de início, queremos louvar a
Deus por “ter nos feito de modo tão admirável” (cf. Sl 138, 14). No início dos trabalhos,
parecíamos meio estranhos e sem saber o que exatamente fazer. Percebemos que o melhor jeito
de fazer era começar. E começamos. E o trabalho que a princípio seria simples, foi crescendo em
tamanho, importância e significado. E logo percebemos também que estava muito acima de
nossa capacidade e conhecimento.
A seqüência dos trabalhos foi revelando a beleza e a capacidade do ser humano, obra
prima das mãos de Deus. O trabalho foi árduo, mais do que esperávamos. Estuda, escreve, envia
para leitura de outros irmãos; volta todo rabiscado, cheio de comentários, sugestões de novos
livros, novos autores e outros enfoques. Começar de novo, refazer, estudar, reescrever... E
quanto amor pudemos ver nos irmãos. Quanta dedicação e vontade de servir ao Reino!
Queremos dizer a todos os que vão utilizar esta apostila: esperamos em Deus que a leitura
e o estudo possam dar a todos a mesma alegria e descoberta que nós tivemos ao elaborá-la. Não
tanto pela qualidade do material, mas sim pela graça de Deus que acompanha todo o nosso
esforço sincero de crescimento e busca de conhecê-lo mais. E, conhecendo mais, amá-lo mais e
mais.
Temidos como tudo o que é novidade e, depois, muito polemizados, hoje os carismas
ainda causam interrogações e questionamentos. Pretendemos dar explicações simples, baseadas
na Sagrada Escritura, nos ensinamentos da Igreja e na experiência da Renovação Carismática
Católica em grupos de oração, seminários, retiros, congresso, enfim, no cotidiano da vivência
carismática.
Não temos condições e nem pretendemos esgotar o assunto. Fornecemos uma razoável
bibliografia para aprofundamento. Também não temos pretensão de analisar e estudar todos os
dons, mas apenas de desenvolver um pequeno estudo sobre aqueles elencados por São Paulo,
ditos efusos (cf. 1 Cor 12, 4-10).
No primeiro capítulo trataremos do tema geral: carismas. Depois abordaremos os nove
dons efusos, um por um, em capítulos distintos, procurando conceituá-los e emitir uma base
bíblica, doutrinária e vivencial sobre cada um.
É importante salientar em especial, com sincero reconhecimento e gratidão, a colaboração
do colega Dercides Pires da Silva, que forneceu muitas de suas preciosas anotações; além de
Marcos Dione Ugoski Volcan e Maria Lúcia Vianna, que fizeram a revisão de texto. Particular
gratidão ao padre Luiz Fernando R. Santana, pela revisão teológica e ao professor Raul Pimenta
pela revisão gramatical.
Um carinhoso agradecimento à Daniela R. G. Consoli e a Lilian Daniela Benvenutti, que
dedicaram muito de seu tempo para a digitação e organização deste trabalho e a Mirian R.
Heinzen pela revisão bíblica.
A todos os que nos assistiram com suas orações e que de alguma maneira colaboraram, o
nosso “Deus lhes pague generosamente”. Sim, que a todos o Deus de amor e infinita
misericórdia recompense.
Que todos vocês, ao lerem este material, orem intensamente por nós da Comissão de
Formação, para que sejamos dóceis ao Espírito Santo, recebendo dele toda a instrução: “O
Espírito da verdade ensinar-vos-á toda a verdade e anunciar-vos-á as coisas que virão” (Jo
16,13).
Deus abençoe a todos. E tenham caridade conosco naquilo que o trabalho não tenha
ficado tão bom quanto vocês esperavam e merecem ter. Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito
Santo. Agora e sempre. Amém.
3
OS AUTORES
CAPÍTULO PRIMEIRO
CARISMAS
“Estes milagres acompanharão os que crerem: expulsarão os demônios em meu nome, falarão
novas línguas, manusearão serpentes e se beberem algum veneno mortal, não lhes fará mal;
imporão as mãos aos enfermos e eles ficarão curados” (Mc 16, 17-18).
1. Introdução
Os carismas eram comuns no início da Igreja. Basta ler os Atos dos Apóstolos e as cartas
de São Paulo. Depois, por alguns séculos eles se mantiveram restritos aos grandes santos. Assim,
pensava-se que os carismas eram para alguns homens e mulheres reconhecidamente santos,
místicos e penitentes.
Os carismas, portanto, não são novidades trazidas pela Renovação Carismática Católica,
a não ser no aspecto do seu exercício nos tempos atuais. Os grupos de oração tornaram possível a
sua manifestação em maior intensidade, percebendo sua qualidade de “dom” para todos os que
crerem, conseqüência normal do batismo no Espírito. “Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas
coisas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai celestial dará o Espírito Santo aos que lhe pedirem”
(Lc 11,13).
Mas foi o documento conciliar Lumen Gentium que traçou as primeiras diretrizes sobre
carismas para os tempos atuais:
“...O Espírito habita na Igreja e nos corações dos fiéis (...) dirige-a mediante os diversos
dons hierárquicos e carismáticos. (...) Não é apenas através dos sacramentos e dos ministérios que
o Espírito Santo santifica e conduz o Povo de Deus (...), mas, repartindo seus dons a cada um
como lhe apraz (1 Cor 12,11), distribui entre os fiéis de qualquer classe mesmo graças especiais
(...) Estes carismas, quer eminentes, quer mais simples e mais amplamente difundidos, devem ser
recebidos com gratidão e consolação, pois que são perfeitamente acomodados e úteis às
necessidades da Igreja. Uma vida mais plena no Espírito Santo, a unção carismática do Espírito,
contempla a Igreja com toda uma amplitude de dons.” 1
?. N. 4 e 12.
2
. CONFERÊNCIA CATÓLICA DOS EUA, Declaração pastoral sobre a RCC, n..
3
. Kilian MCDONNELL, George MONTAGUE, Avivar a chama, p. 32.
4
Convém abalizar dons efusos, que é matéria deste estudo, dos dons infusos, que também
são carismas do Espírito, mas que se distinguem daqueles4:
b) Dons efusos – línguas, profecia, interpretação, ciência, sabedoria, discernimento dos espíritos,
cura, fé e milagres (cf. 1 Cor 13, 8-10). Num total de nove, esses dons são para o serviço e o bem
comum e são concedidos como manifestações atuais, de acordo com a vontade de Deus.
Aqui serão estudados os carismas efusos, que são realidades manifestas nos grupos de
oração da Renovação Carismática, constituindo-se num dos aspectos de sua identidade5.
2. Conceito
Os carismas são dons, graças, presentes, dados pelo Espírito Santo, “mas um e o mesmo
Espírito distribui todos esses dons, repartindo a cada um como lhe apraz” (1 Cor 12,11):
“A palavra ‘carisma’ (chárisma) é oriunda da língua grega e significa ‘dom gratuito’. Ela
encontra seu significado fundamental na raiz ‘char’- que indica tudo aquilo que produz bem-estar;
assim é que temos cháris, querendo significar ‘graça’, ‘dom’, ‘favor’, ‘bondade’; charízomai, no
sentido de fazer um dom gratuito, mostrar-se generoso. O sufixo ‘-ma’ exprime na língua grega o
resultado da ação indicada pelo verbo, o seu efeito, o que pode denotar também o caráter objetivo
da concessão e da experiência da graça. Portanto, o significado geral e fundamental de ‘chárisma’
poderia ser: dom concedido por pura benevolência, que é, ao mesmo tempo, o objetivo e o
resultado da graça divina, do presente que Deus faz aos homens” 6
“A maciça presença de chárisma nos escritos de Paulo já é suficiente para mostrar quanto
o termo, em seu significado e conteúdo, era caro para a teologia do apóstolo. Desde o início de
seu apostolado, Paulo tem em alta estima a presença e ação dos dons e carismas do Espírito na
vida da Igreja e dos fiéis batizados, até mesmo exortando a comunidade a que tivesse o cuidado
de não extinguir o Espírito, de não desprezar as profecias, mas de verificar tudo com um
discernimento sábio e sóbrio (Cf. 1 Ts 5, 19-22). Disso inferimos que, para Paulo, os carismas e
os ministérios são os instrumentais privilegiados na edificação do Corpo de Cristo e na realização
do desígnio de Deus na história; ambas as realidades possuem igual importância e dignidade, uma
vez que emanam do mesmo Espírito e estão ordenadas, cada uma naquilo que lhe é específico, a
um mesmo fim. Ainda podemos deduzir que existe uma interdependência no que diz respeito à
?. Essa distinção é didática, mas com fundamento bíblico-teológico; apesar disso, não tem a intenção de
segmentar a ação do Espírito nem de encerrar dentro dela todas as espécies de carismas.
5
. Cf. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, Identidade da Renovação Carismática Católica, p. 27-
28.
6
. Luis Fernando R. SANTANA, Recebereis a força do Espírito Santo, p.77.
7
. Cf. A. VAN DEN BORN, Dicionário enciclopédico da Bíblia, p.245.
5
relação ‘carismas-ministérios’, o que faz com que a dimensão carismática da Igreja na teologia
paulina seja um tema de primeira grandeza.” 8
Pelo seu próprio caráter, dom não implica santidade. Na verdade, qualquer pessoa pode
receber os presentes de Deus (cf. At 10, 34). Porém, não se pode esquecer que quem não tem
vida espiritual e reta intenção de agradar a Deus, certamente usará mal os carismas, pois não
cultiva a necessária união com Cristo (cf. Jo 15, 4-5), para querer o que Deus quer.
É difícil precisar em que momentos utilizar os carismas do Espírito. O seu exercício deve
se dá sempre, notadamente quando as situações o exigirem. Sendo a graça do Espírito uma
realidade perene na vida humana, os carismas por sua vez, tornam-se também profusamente
inseridos na vida daqueles que foram batizados.
No entanto, é preciso dizer que os carismas são realidades atuais e não adquiridas por
posse. É o Espírito que opera tudo em todos (cf. 1 Cor 12, 6-7), a seu querer. Assim, “a um, o
Espírito dá uma palavra de sabedoria; a outro, uma palavra de ciência, segundo o mesmo
Espírito; a outro, a fé no mesmo Espírito; a outro, o dom das curas, nesse único Espírito; a outro,
o operar milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, o falar
diversas línguas, a outro ainda o interpretar essas línguas” (1Cor 12,8-10). Não seria justo,
portanto, atribuir a uma pessoa ou grupo de pessoas específico a contenção exclusiva de qualquer
manifestação carismática9; nem mesmo se pode dizer que alguém “tem” este ou aquele dom, pois
cada manifestação é única10, mesmo que se processe com muita freqüência através de
determinadas pessoas. Talvez ao dom de línguas possa se atribuir um caráter mais perene e sob
controle, por se tratar de um dom de oração, mais para edificação pessoal (cf. 1 Cor 14, 4).
Contudo, não se pode cair no equívoco de reduzir os dons do Espírito a algumas ocasiões
especiais. Eles foram dados em profusão nos tempos atuais. Pode ser cultivada uma constante
expectativa em relação à sua manifestação, como para o derramamento do Espírito11.
Peculiarmente, a ação evangelizadora constitui um momento preciso de vivência dos
dons efusos. A missão da Renovação Carismática Católica é evangelizar a partir do batismo no
Espírito Santo, formando o povo de Deus em santidade e serviço. Para evangelizar o povo de
Deus com unção e poder são necessários os carismas. Quando utilizados de forma livre,
consciente, na hora necessária, levam as pessoas a terem uma experiência da presença real de
Deus, que manifesta o seu infinito amor:
“A ‘força do Espírito Santo’ (At 1, 8) derramada nos corações dos cristãos, manifestação
do amor e do poder de Deus, provoca uma significativa diferença entre a ação evangelizadora de
uma pessoa que se deixa conduzir por ela e uma que age sem ela. Aquele que evangeliza com os
dons carismáticos multiplica as possibilidades humanas. A investidura carismática em
comunidades da Igreja, em todo mundo, tem gerado e sustentado grande número de evangelistas
dedicados e eficientes, com novo vigor, com nova capacitação, nova alegria, novo jubilo, nova
exaltação e louvor, levando em si o poder transformador do Espírito (Cf. 1 Cor 2, 1-5) que toca
crianças, jovens, adultos e idosos de todo tipo de raça e cultura.” 12
O uso dos carismas não é só um direito, é um dever de todos os fiéis. “Da aceitação
destes carismas, mesmo dos mais simples, nasce em favor de cada um dos fiéis (...) o dever de
exercê-los para o bem dos homens e a edificação da Igreja dentro da Igreja e do mundo”13.
Pode-se constatar na prática apostólica que, quando a evangelização é acompanhada de
carismas, colhem-se frutos abundantes: os carismas fazem diferença e são eficazes na
evangelização, quando exercidos na caridade.
Jesus deu o mandamento do amor: “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amo” (Jo 15,
12.17). São Paulo apresenta o trabalho apostólico realizado no amor. Não um amor qualquer,
mas o amor “ágape”, amor doação a Cristo e aos irmãos:
“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou como
o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Mesmo que eu tivesse o dom da profecia, e
conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de
transportar montanhas, se não tiver caridade, não sou nada. Ainda que distribuísse todos os meus
bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver
caridade, de nada valeria! A nossa ciência é parcial, a nossa profecia é imperfeita. Quando chegar
o que é perfeito, o imperfeito desaparecerá. Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade - as
três. Porém, a maior delas é a caridade” (1Cor 13,1-3.9s.13).
“Sejam extraordinários, sejam simples e humildes, os carismas são graças do Espírito Santo
que, direta ou indiretamente, têm uma utilidade eclesial, ordenados que são à edificação da Igreja,
ao bem dos homens e às necessidades do mundo. Os carismas devem ser acolhidos com
reconhecimento por aquele que os recebe, mas também por todos os membros da Igreja. São uma
maravilhosa riqueza de graça para a vitalidade apostólica e para a santidade de todo o Corpo de
Cristo, desde que se trate de dons que provenham verdadeiramente do Espírito Santo e que sejam
exercidos de maneira plenamente conforme aos impulsos autênticos deste mesmo Espírito, isto é,
segundo a caridade, verdadeira medida dos carismas” 16.
É exatamente por causa do amor que os dons efusos devem ser almejados. “Empenhai-
vos em procurar a caridade”, encoraja São Paulo (cf. 1 Cor 14, 1a); e acrescenta: “aspirai
13
igualmente os dons espirituais, mas sobretudo ao da profecia” (cf. 1 Cor 14, 1b). A motivação
deve ser o uso em benefício dos outros, para ajudar o povo de Deus a alcançar a santidade.
Por isso, os carismas devem ser pedidos com fé e sem temor. Embora eles sejam
distribuídos conforme apraz ao Espírito, nada impede que o crente aspire e peça os dons, para
que seu testemunho seja permeado de sinais (cf. 1 Cor 2, 4-5). “Só aqueles que reconhecem o
valor dos dons na sua vida cristã e no serviço aos irmãos são impulsionados a pedi-los ao Pai,
como Jesus mesmo nos ensinou: ‘Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei e abrir-se-vos-á.
Pois todo aquele que pede, recebe; aquele que procura, acha; e ao que bater se lhe abrirá’ (Lc
11,9-10)”17.
Para o exercício prático dos carismas, não se deve esquecer três coisas fundamentais:
a) Humildade
É preciso vigiar para não cair na tentação de achar que os dons são méritos alcançados,
recompensas de Deus por esforços desmedidos. A humildade faz perceber que o cristão é um
administrador dos bens do Senhor (cf. Lc 16, 1-3) e que nenhum “carismático” se basta a si
mesmo. Deus constituiu a Igreja como um corpo (cf. 1 Cor 12, 12-29), de tal maneira que um
carisma só se plenifica no conjunto da comunidade. “Exercer os carismas na humildade é exercê-
los sem exibicionismo, sem buscar prestígio, honra, poder. (...) É também exercê-los sem auto-
suficiência (cf. Mt 18,3-4), sem individualismo, sabendo que necessitamos da ajuda dos irmãos
para confirmar ou discernir a vontade de Deus para o seu povo...”18.
b) Harmonia
O exercício dos carismas, sobretudo nas reuniões de oração, deve obedecer a um ritmo
harmônico, jamais exaltado ou demasiadamente estrondoso (cf. 1 Cor 14, 26-27). A força de um
carisma não consiste na tonalidade que lhe é imposta ou no tipo de expressão que o acompanha,
mas na utilidade objetiva que tem para a comunidade.
Assim, embora marcados pela espontaneidade e expressividade, os carismas se inserem
na vida cristã sem causar escândalos. “Porquanto, Deus não é Deus de confusão, mas de paz” (1
Cor 14, 33).
O uso dos carismas será tanto mais saudável e útil quanto as pessoas que a eles se abrirem
forem equilibradas emocionalmente e orantes o suficiente para saber distinguir a ação do Espírito
de eventuais devaneios da pessoa humana19. É necessário ter respeito pelos dons de Deus; “não
podemos exercê-los irresponsável e indiferentemente, com desprezo, de forma inconseqüente,
olhando os nossos próprios interesses, ou dando aos carismas um relevo tão singular e único
como se fossem bens totais e absolutos sobre os quais não há nada mais excelente e primeiro”20.
c) Ordem
A ordem no exercício dos carismas é uma extensão da harmonia, mas supõe autoridade e
obediência. O cristão pode ser instrumento da manifestação autêntica do Espírito Santo, mas não
deve esquecer que até o espírito dos profetas deve estar-lhes submissos (cf. 1 Cor 14, 32).
São Paulo esclarece nos seguintes termos: “Quanto aos profetas, falem dois ou três e os
outros julguem. Se for feita uma revelação a algum dos assistentes, cale-se o primeiro. Todos,
um após outro, podeis profetizar, para todos aprenderem e serem todos exortados” (1 Cor 14, 29-
31 – grifos nossos). O mecanismo que garante a ordem na manifestação dos carismas é, portanto,
17
6. Palavra da Igreja
b) “Os carismas, sejam extraordinários ou simples e humildes, são graças do Espírito Santo que
têm, direta ou indiretamente, uma utilidade eclesial, ordenados como são à edificação da Igreja,
ao bem dos homens e às necessidades do mundo.Também em nossos dias não falta o florescer de
diversos carismas entre os fiéis leigos, homens e mulheres. São dados ao indivíduo, mas também
podem ser partilhados por outros, e de tal modo perseveram no tempo como uma herança
preciosa e viva, que geram uma afinidade espiritual entre as pessoas22.
c) “Para exercerem este apostolado (os leigos), o Espírito Santo, que opera a santificação do
povo de Deus por meio do ministério e dos sacramentos, concede também aos fiéis dons
particulares (cf. 1 Cor 12,7), ‘distribuindo-os por cada um conforme lhe apraz’ (1 Cor 12,7-11), a
fim de que ‘cada um ponha em serviço dos outros a graça que recebeu’, e todos atuem ‘como
bons administradores da multiforme graça de Deus’ (1 Pd 4,10), para a edificação, no amor, do
corpo todo. (cf. Ef 4,16). (...) Nenhum carisma está dispensado da sua referência e dependência
dos pastores da Igreja. O Concílio escreve com palavras claras que o juízo acerca da sua (dos
carismas) autenticidade e reto uso pertence àqueles que presidem a Igreja e aos quais compete de
modo especial não extinguir o Espírito, mas julgar tudo e conservar o que é bom (cf. 1Ts 5,12 e
19-21), de modo que todos os carismas concorram, na sua diversidade e complementaridade,
para o bem comum”23.
“O Espírito Santo é o principio de toda ação vital e verdadeiramente salutar em cada uma
das diversas partes do corpo. Ele opera de múltiplas maneiras a edificação do corpo inteiro na
caridade, pela Palavra de Deus (...) pelas virtudes, que fazem agir segundo o bem, e enfim pelas
múltiplas graças especiais (chamadas de ‘Carismas’), através das quais ‘torna os fiéis aptos e
prontos a tomarem sobre si os vários trabalhos e ofícios que contribuem para a renovação e maior
incremento da Igreja”24.
21
?. N. 798.
9
7. Conclusão
É importante tomar consciência de que todo bem, todo dom, todo serviço prestado ao
Reino de Deus em nome de Jesus, acontece sob a ação do Espírito Santo. Sem ele nada é eficaz
para o Reino de Deus. “Nunca será possível haver evangelização sem a ação do Espírito”25.
Em certo sentido, foi a Renovação Carismática que resgatou, no ambiente católico, a
necessidade do uso dos carismas. Por isso, os grupos de oração não devem ter medo nem resistir
aos dons do Espírito, mas procurar conhecê-los cada vez mais para bem utilizá-los.
CAPÍTULO SEGUNDO
1. Introdução
Neste capítulo serão vistas e estudadas as três modalidades do carisma da variedade das
línguas que são: o orar, o falar e o cantar em línguas. Além disso, serão abordados os principais
aspectos de sua manifestação e o fundamento bíblico e doutrinário.
Algumas pessoas pensam e dizem que o dom das línguas é o menor e o mais
insignificante de todos. Porém, São Paulo escreve: “Aquele que fala em línguas não fala aos
homens, senão a Deus: ninguém o entende, pois fala coisas misteriosas, sob a ação do Espírito”
(1 Cor 14,2). Ora, o Espírito orando no homem será pouca coisa? “Outrossim, o Espírito vem
em auxílio à nossa fraqueza; porque não sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém,
mas o Espírito mesmo intercede por nós com gemidos inefáveis. E aquele que perscruta os
corações sabe o que deseja o Espírito, o qual intercede pelos santos, segundo Deus” (Rm 8, 26-
27).
Talvez o mais difícil, principalmente para alguns, seja abandonar-se para que o Espírito
ore através de sua própria voz com “gemidos inefáveis”. Alguns precisam renunciar a auto-
suficiência e submeter-se à ação do Espírito Santo. Mas vale a pena! O gozo inefável que o
mesmo Espírito traz com sua presença, a paz profunda que só Deus pode dar, a certeza de que
Ele ora da melhor forma, são benefícios certos e imprescindíveis para o crescimento espiritual.
O grande desejo de S. Paulo é manifestado assim: "De minha parte, desejaria que todos
falásseis em línguas..." (1 Cor 14,5). É a esta oração misteriosa, inarticulada, que a pessoa se
une, deixando ao próprio Deus o cuidado de glorificar-se e dar-se graças por um amor que supera
todo o conhecimento. Esta oração contém um caminho de enriquecimento espiritual, um título da
graça. Na medida em que cresce a oração, modifica-se a vida pela ação amorosa e misteriosa de
Deus.
No pentecostes aconteceu a primeira manifestação do dom das línguas de que se tem
conhecimento. São Lucas narrou com muito entusiasmo: “Ficaram todos cheios do Espírito
Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que
falassem” (At 2, 4). Depois do pentecostes, o dom das línguas difundiu-se também entre todos os
cristãos: “Os fiéis da circuncisão, que tinham vindo com Pedro, profundamente se admiraram
vendo que o dom do Espírito Santo era derramado também sobre os pagãos; pois eles os ouviam
falar em outras línguas e glorificar a Deus” (At 10, 46). “E quando Paulo lhes impôs as mãos, o
Espírito Santo desceu sobre eles, e falavam em línguas estranhas” (At 19, 6).
2. Conceito
O dom das línguas é uma oração feita por meio de sons emitidos, movidos por inspiração
e que o Espírito Santo lhes dá o sentido. Não se trata de língua, no sentido que apresenta a
lingüística, porque não há conceitos humanos, mesmo desconhecidos. Consiste em dizer palavras
sem conhecer-lhes o significado. Proferir palavras que não são, propriamente, manifestação de
um pensamento formulado pela mente. Usar a língua, a voz, para expressar ao Senhor os
sentimentos que vêm do Espírito Santo:
Para se ter uma idéia mais clara acerca do dom de orar em línguas, veja-se como ele
aparece em algumas passagens da Sagrada Escritura: At 2,1-13; 10,44-48; 1 Cor 12,10;
14,4.13.18.39. Ressalte-se, ainda, que em Mc 16, 17 ele está relacionado como um dos milagres
que acompanham os que crêem, como uma grande promessa de Jesus. É um “milagre” porque é
extraordinário, fora do comum da linguagem humana.
A Igreja indica que a oração em línguas é, verdadeiramente, ação do Espírito; é um dom
que provém do Senhor, tem por meta o bem da Igreja e acha-se a serviço da caridade:
“... São, além disso, as graças especiais, designadas também ‘carismas’, segundo a
palavra grega empregada por S. Paulo, e que significa favor, dom gratuito, benefício. Seja qual
for o seu caráter, às vezes extraordinário, como o dom dos milagres ou das línguas, os carismas se
ordenam à graça santificante e têm como meta o bem comum da Igreja. Acham-se a serviço da
caridade, que edificam a Igreja”27.
O dom das línguas é uma oração que se faz a Deus, é uma forma de glorificá-lo. Quem
ora em línguas não ora aos homens, mas a Deus (cf. 1 Cor 14,2); aquele que se abre ao dom das
línguas tem o Espírito Santo orando nele, por ele e com ele (cf. Rm 8, 26-27). O Espírito Santo
sabe do que o orante tem necessidade, faz ao Pai o pedido certo e na hora certa, do jeito que
Deus quer. Por isso pode-se dizer com fundamento que orar em línguas é “orar no Espírito”, pois
é emprestar a mente e a voz para que o Espírito Santo ore. “Assim, ainda que nós não
entendamos os gemidos inefáveis (...), Deus sabe o que deseja o Espírito. Apesar da inteligência
não assimilar nada, de não compreendermos o que falamos, cantamos ou oramos, sentimos que
algo nos toca profundamente (...), sentimos que o mais profundo do nosso ser comunga de
maneira especial com Aquele que nos criou e ao qual pertencemos”28
O dom das línguas aprofunda a oração e a união com Deus. Trata-se de uma oração
individual, mesmo se feita em assembléia. “Aquele que fala em línguas edifica-se a si mesmo” (1
Cor 14, 4). Uma ou outra vez, porém, pode assumir a forma de mensagem à comunidade; neste
caso necessita da interpretação, como se verá mais adiante, no capítulo quarto. “Segundo
afirmação de 1Cor 14, 4, o dom de línguas é um carisma que o Espírito Santo dá para edificação
pessoal; no entanto, esta não exclui a finalidade comum que têm todos os carismas, a saber: a
edificação mútua, a construção do Corpo de Cristo (cf. 1 Cor 12,7.27-30)29.
O dom das línguas é um dom para a santificação pessoal. Para orar em línguas, muitas
vezes devem-se romper barreiras de medo, dúvidas, incredulidade, respeito humano, influências
negativas de pessoas contrárias, apego à auto-imagem e à boa fama. Embora não se compreenda
o significado, verifica-se uma nova dimensão da oração. Poucas frases bastam para que aquele
que recebe o dom se sinta envolvido pelo mistério e possuído por um profundo sentimento de
alegria e paz. Desta forma, a presença de Deus se torna aconchegante, indiscutível, quase
palpável. O dom das línguas favorece a manifestação dos demais dons.
Ao orar em línguas, a pessoa não fica estática, nem entra em transe, mas continua no
pleno domínio de suas faculdades, sabendo o que está fazendo, podendo perfeitamente controlar
o tom da voz, para estar em harmonia com as demais. A pessoa é livre, podendo começar e
terminar quando quer.
26
Esta oração não suprime a oração formal, antes a completa e enriquece. Ela exige a atitude
de render-se ao Espírito Santo; é como uma porta baixa pela qual só passa quem se curva um
pouco. É a esta oração misteriosa, inarticulada, que a pessoa se une, deixando ao próprio Deus o
cuidado de glorificar-se e dar-se graças por um amor que supera todo o conhecimento.
a) Glossolalia
“Um fenômeno que se deu sobretudo na comunidade cristã de Corinto (1 Cor 12, 10; 14,
2-19), mas também nas de Cesaréia e Éfeso (At 10, 46; 19, 6); não é a mesma coisa que o ‘falar
outras linguas’ (o milagre de Pentecostes), mas consistia nisso que a pessoa (...) proferia sons
ininteligíveis e palavras sem anexo, que se tornavam compreensíveis apenas para quem possuía o
carisma da interpretação (1 Cor 14, 10) (...). Também o milagre de Pentecostes pode ser
interpretado como uma manifestação de g. como indica, p. ex., a impressão que causou nos
presentes (At 2, 13) e a citação de Jl 3,1-5. O próprio S. Pedro identifica os fenômenos com os de
Cesaréia (At 10, 47; 11, 15; 15, 8). (...) S. Lucas vê no milagre um símbolo da universalidade do
evangelho (cf. At 2, 5) que se adapta à natureza de cada um (cf. At 2, 8). Talvez tenha
considerado como o inverso da confusão das línguas em Babel”30.
b) Xenoglossia
É uma oração em língua desconhecida de quem ora, mas que existe ou já existiu e ainda é
do domínio humano, como o latim, por exemplo. Robert DeGrandis diz que “durante uma
reunião de oração em Nova Orleans, cidade norte-americana, ouviu uma moça orar em latim,
embora não conhecesse esta língua. Ele também registra o fato de uma senhora norte-americana
que ao orar em línguas perto de um padre português, sem conhecer sua língua, nela fez a
seguinte oração: (Ó Maria, que ascendeste ao mais alto dos céus, ajuda-nos a conhecer o teu
Filho)”31.
30
a) Favorece a intimidade com Deus, sem necessidade de pensar, formular preces, mas, num
abandono confiante, mergulhar nas profundezas do Espírito. “Outras vezes, ao
começarmos a orar, também não sabemos como devemos pedir ou dizer a Deus (...). O
Espírito Santo, através do dom de línguas, vem em nosso auxílio corrigindo toda esta
imperfeição, que existe em nós pelo nosso pecado...”32.
b) Abre a pessoa para os demais carismas, porque mantém o espírito em alerta para o que
Deus quer falar ou fazer. Geralmente a palavra de profecia ou a interpretação das línguas
vêm durante ou após a oração ou cântico em línguas. Da mesma forma a palavra de
ciência, o dom das curas e assim por diante.
c) Ajuda a orar por determinadas coisas das quais a pessoa foge de colocar na presença de
Deus, problemas interiores nos quais prefere não tocar;
d) É também um dom de unidade entre os cristãos: “Achavam-se então em Jerusalém judeus
piedosos de todas as nações que há debaixo do céu. Ouvindo aquele ruído, reuniu-se
muita gente e maravilhava-se de que cada um os ouvia falar na sua própria língua” (At 2,
5-6).
O dom de línguas é para todos os que crêem (cf. Mc 16, 17). Pelo modo como se
manifesta, ele pode apresentar-se sem sentido às mentes mais racionais. Mas na medida em que
se cede ao dom e abre-se o coração e a mente, as dificuldades vão desaparecendo e o dom se
torna um modo a mais de como poder rezar.
Também é necessário que o receptor colabore com o Doador. – o Espírito Santo. A este
cabe a moção e a inspiração das palavras enquanto que àquele, o desejo, a aceitação e a decisão
de orar: abrir a boca, mover a língua, movimentar os lábios, produzir sons. Diante deste dom,
como dos outros, a pessoa deve fazer um ato de fé: ceder à ação do Espírito Santo, pois, sob Sua
ação a língua proferirá palavras ininteligíveis:
“No dom das línguas, você solta os sons, e o Espírito Santo dá o conteúdo. Esta é a sua
parte. Por isso, a melhor maneira de orar em línguas é soltar-se no meio dos outros. Se há um
grupo orando em línguas, faça o mesmo. Não é assim que o passarinho aprende a voar? Não é
assim que aprendemos a nadar? Há muito tempo, peço a Deus que conceda às pessoas a efusão do
Espírito Santo. De que forma? Convido a pessoa a orar comigo, da mesma maneira como estou
orando. Começo a orar, e a pessoa me acompanha. Não se pode imitar. Cada um deve se soltar, a
fim de deixar que o Espírito Santo ore em si. É algo muito fácil e simples” 33.
7. Conclusão
Carisma da Profecia
1. Introdução
O carisma da profecia é um dos meios que o Senhor tem para comunicar-se com o seu
povo, encorajando, exortando, instruindo, dando novo rumo ao trabalho apostólico, indicando a
direção certa e levando à conversão, enfim, manifestando sua santa vontade em tudo (cf. 1 Cor
14, 13)
Deus sempre quer falar, mas nem sempre o seu povo está pronto para escutá-lo. Quando o
faz e, em seguida, Lhe obedece, faz a coisa certa, na hora certa, do jeito certo. Quando faz por
sua própria conta, por sua vontade, algumas vezes acerta, mas na maioria delas erra, sofre ou
fracassa. É necessário ouvir o Senhor sempre (cf. Dt 6, 4).
Que maravilha poder ouvir a Deus e por ele ser orientado. Que povo há, com efeito, que
tenha seu Deus tão próximo de si cada vez que o invoca com sinceridade (cf. Dt 4,7)?
2. Conceito
desse o seu Espírito". Ora, o profeta Joel predissera que o Senhor iria derramar o seu Espírito
sobre todo o ser vivo: tal profecia, no Novo Testamento, é lembrada pelo apóstolo Pedro, logo no
dia de Pentecostes, como "cumprimento do que foi dito pelo profeta Joel” (cf. At 2, 16-21).
Assim, a profecia é uma conseqüência do derramamento do Espírito Santo na Igreja, pois quem
tem o Espírito do Senhor e se deixa conduzir por Ele, torna-se um instrumento apto do Senhor
para profetizar na assembléia.
35
Nas reuniões de oração, cria-se assim o que é denominado "ciclo carismático", composto
de louvor, oração e profecia. A assembléia se dirige a Deus pela oração, que é o diálogo com o
Senhor; Ele responde pela profecia, usando as mentes e vontades daqueles que se rendem a Ele
para edificar a comunidade.
No ciclo carismático, encontram-se assim estes elementos: oração, louvor (cânticos ou
preces), orações em línguas, seguido de breve tempo de silêncio, unção (que geralmente precede
a profecia), profecia, após a qual a comunidade louva e exulta de alegria pela palavra que o
Senhor lhe dirigiu. Na medida em que a comunidade se habitua com o ciclo carismático, torna-se
mais aberta ao Senhor e ao cumprimento de sua vontade.
Ocorre, por vezes, que vários membros da comunidade tenham a mesma profecia no
momento; quando a primeira profecia é anunciada, os outros, tendo-a também recebido, podem
confirmá-la, dizendo em bom tom: "eu confirmo". Isto dá certeza da profecia quanto à sua
origem. Deve-se falar o que se recebe, tão logo se recebe. Ao ouvir o anúncio de uma profecia,
toda a assembléia deve louvar o Senhor que ali está se comunicando com ela.
4. Tipos de profecia
Além da profecia verdadeira, pode acontecer de ser proclamada numa reunião de oração
ou fora dela:
36
a) Profecias longas – a pessoa recebe a inspiração e, depois que fala o que sentiu de Deus,
permanece comentando ou acrescentando coisas que, nas mais das vezes, ela mesma tem
vontade de dizer à comunidade ou a algumas pessoas que ali estão presentes. A profecia
se torna longa e um pouco confusa, dificultando o entendimento dos ouvintes quanto ao
que realmente é mensagem de Deus. Apesar disso, o fato de uma profecia ser um pouco
mais alongada, não quer dizer que estejam sendo feito acréscimos pelo profeta;
b) Profecias repetitivas – a pessoa pronuncia as palavras inspiradas e, na ânsia de continuar
ensinando, continua repetindo as mesmas palavras ou com pequenas variações;
c) Profecias influenciadas por devoções pessoais – quando uma pessoa tem ligação muito
estreita com algum tipo de devoção (Coração de Jesus, Nossa Senhora, algum santo, etc),
poderá se sentir impulsionada a mesclar a profecia com esses sentimentos pessoais; às
vezes, a mensagem é transmitida estritamente com elementos de tais devoções, o que se
constitui numa não-profecia.
É necessário recorrer ao dom do discernimento, pelo qual Deus dá uma convicção interior
da autenticidade ou não da profecia. O discernimento, portanto, torna-se também um exercício
espiritual. No entanto, ao ser proclamada uma profecia, seria oportuno:
É bom que se diga que o Demônio não tem poder e autoridade para interferir numa
oração humilde e aberta ao Espírito. Quanto mais louvor, menos espaço para Satanás. Ele
necessita de um tipo de “brecha” para influenciar as pessoas, que pode ser causada por
presunção, desespero, altivez ou algum pecado grave que esteja, de alguma forma, influenciando
fortemente o momento de oração.
Quanto aos destinatários, uma profecia pode ser:
Pode-se pedir uma profecia para alguém particularmente, quanto para uma necessidade
18
da comunidade como um todo. Na profecia podem ser revelados planos a se realizar e que já
estão sendo amadurecidos dentro de cada um individualmente ou na comunidade.
Quanto à forma, uma profecia pode ser:
5. Profecia e obediência
As profecias são dadas como orientações para serem ouvidas. Quando não se presta
atenção e não se vive o que o Senhor fala, Ele pode calar-se. É importante levar bem a sério as
profecias, são palavras de Deus, palavras de vida, que levam a comunidade e as pessoas a terem
vida e vida em abundância (cf. Jo 10,10).
“O grupo deve levar a sério a palavra de profecia, porque, por ela, o Senhor nos fala. Ela
pode mudar o rumo das coisas, o rumo da própria Igreja, e é assim que a Igreja, que somos nós,
se mantém em ação”39.
6. Conclusão
O objetivo da profecia é edificar, exortar, consolar (cf. 1 Cor 14,3). Sua autenticidade
deve ser julgada pelos demais profetas (cf. 1 Cor 14, 29-33). Seu conteúdo deve estar de acordo
com a Bíblia e o ensino da Igreja, levar à glorificação de Deus, ressaltar o crescimento de Cristo
no amor fraterno, na edificação da Igreja e na busca da santidade.
O profeta é o porta-voz de Deus – Deus é o centro – mostrando o Cristo vivo e
ressuscitado agindo, por seu Espírito. São Paulo convida à confiança quando diz: "Todos podeis
37
profetizar" (1 Cor 14, 31). A Igreja precisa de profetas que encorajem, animem, instruam e
exortem (cf. Col 3, 16).
20
CAPÍTULO QUARTO
O carisma da Interpretação das Línguas
1. Introdução
2. Conceito
“Aquele que fala em línguas não fala aos homens, senão a Deus: ninguém o entende, pois
fala coisas misteriosas, sob a ação do Espírito. Ora, desejo que todos faleis em línguas, muito
mais desejo que profetizeis. Maior é quem profetiza do que quem fala em línguas, a não ser que
este as interprete, para que a assembléia receba edificação. Quem fala em línguas, peça na oração
o dom de interpretar" (1 Cor 14, 2.5.13).
O exercício do dom de interpretação das línguas segue os mesmos princípios que para o
dom de profecia. De forma pessoal ou comunitária 43,a interpretação ocorre após a emissão de
uma mensagem em línguas.
A mensagem em línguas pode ter duração diferente, podendo ser longa ou breve;
contudo, a interpretação deve ser concisa, anotando com clareza a mensagem do Senhor. Quem
40
?. A interpretação direta acontece da mesma maneira que a profecia, já estudada no capítulo anterior.
41
. Cf. capítulo anterior o referente à profecia indireta.
42
. Cf. capítulo anterior.
43
. Cf. capítulo anterior.
21
recebe o dom da interpretação percebe que as palavras lhe vêm à mente de forma abundante, e
deve dizer o que o Senhor lhe inspira.
Assim como há uma unção para profetizar, uma mensagem em línguas também é
precedida por uma unção. O intérprete recebe um impulso interior para a interpretação. Aliás, a
unção do Espírito caracteriza o exercício dos dons do Espírito Santo. Quanto mais a pessoa se
habitua com ela, mais facilmente identifica o modo como o Senhor lhe "dita" as palavras.
Por que Deus utiliza o dom das línguas para comunicar sua mensagem quando pode fazê-
lo “diretamente” através da profecia? Dom João Evangelista Martins Terra procura responder:
“Falar em línguas numa assembléia cultual cria uma atmosfera de audição interior e uma
expectação atenta da palavra do Senhor. Esse dom alerta os que profetizam no grupo, a fim de
estarem mais preparados para receber uma inspiração sobre o que o Senhor quer comunicar ao
grupo, e coloca também o grupo inteiro alerta para escutar o que se vai dizer. Essa interpretação
não é uma tradução, mas um carisma diferente que não acontece na oração particular, mas só
quando o Espírito suscita alguém a falar em línguas na assembléia, enquanto todos os outros
guardam silêncio, preparando assim o clima para a intervenção do carisma profético que
interpreta exortando, consolando e corrigindo". 44
Por vezes, acontece que várias pessoas recebem a mesma interpretação da mensagem
ouvida. Neste caso, o senso de que a interpretação ouvida é correta, é ratificado. Como na
profecia, deve-se dizer em voz alta: “eu confirmo!”. Após receber uma mensagem em línguas e
sua interpretação, todos devem proclamar a misericórdia do Senhor, pois, ao receber uma
mensagem do Senhor, através da manifestação dos dons do seu Espírito, deve-se deixar algum
tempo para o louvor. É Ele mesmo que está dirigindo a sua palavra. E quando o Senhor fala, quer
por meio da interpretação das línguas, quer por profecias, sua palavra traz sempre frutos
poderosos sobre todos.
Uma vez interpretada, a manifestação das línguas tem todas as utilidades das
profecias, a saber: edificar, exortar, consolar (cf. 1 Cor 14, 3) 45 .
4. Tipos de interpretação
44
. Os carismas em São Paulo, p.19.
45
. Cf. capítulo anterior.
46
. Cf. capítulo anterior.
22
Numa assembléia pequena ou numa grande assembléia que esteja em profunda oração,
consciente da presença de Deus, dirigida pelo Espírito Santo, haverá outros profetas para
julgarem ou confirmarem a profecia em línguas e sua interpretação (cf. 1 Cor 14, 32-33).
Aqui, é importante fazer a diferença entre a oração em línguas e a profecia em línguas;
somente esta necessita de interpretação. Quando se ora ou louva em línguas, não há necessidade
de interpretação porque a pessoa está se dirigindo a Deus (cf. 1 Cor 14, 2-4).
Quando existe uma unção profética na assembléia e que se expressa em línguas, aí cabe a
interpretação em vernáculo e a confirmação de outros membros da assembléia (cf. 1 Cor 14, 13).
5. Conclusão
“Por isso quem fala em línguas, peça na oração o dom de as interpsetar” (1Cor 14, 13). O
carisma da interpretação leva ao Pai, por Jesus, no poder do Espírito Santo, orientando os filhos
de Deus a fazer a Sua vontade. Quanto ao seu exercício, obedece aos mesmos princípios da
profecia, com a diferença de haver sempre uma mensagem em línguas antecedente.
“Assim, pois, irmãos, aspirai ao dom de profetizar; porém, não impeçais falar em
línguas. Mas faça-se tudo com dignidade e ordem” (1Cor 14, 39-40). Quem deseja, quem quer,
pede: “Tudo o que pedirdes na oração, crede que o tendes recebido, e ser-vos-á dado” (Mc
11,24).
23
CAPÍTULO QUINTO
O dom carismático da Ciência
1. Introdução
2. Conceito
O carisma da palavra de ciência é uma revelação sobrenatural de algo que Deus conhece.
Ele comunica fatos, acontecimentos, problemas, feridas ou qualquer outra matéria que não é do
conhecimento de quem ora, mas que é necessário saber naquele momento de oração pessoal,
comunitária ou quando se reza por alguém, impondo as mãos. Não depende de informação, de
bagagem cultural, não é filosofia ou teologia: é dom gratuito do Espírito Santo.
O dom de ciência é o diagnóstico de Deus. É o carisma pelo qual o Espírito Santo revela
uma situação, um fato ou uma lembrança dolorosa relativa a acontecimentos passados ou
presentes. Este dom faz com que a mente penetre nas verdades divinas sem que empregue o
esforço do raciocínio (cf. 2 Re 6,8ss). Através do dom da ciência o Espírito Santo faz com que a
pessoa entenda as coisas como Deus entende. Faz com que se penetre na raiz do acontecimento,
fato, sentimento, situação, estado de espírito. É um fragmento da onisciência de Deus.
Pode-se, ainda, dizer que a palavra de ciência "é um conhecimento sobrenatural que se
recebe, devido à graça, por meio da qual a inteligência do homem se ilumina com a ação do
Espírito Santo, para conhecer e ver a raiz de um problema ou o que Deus está fazendo ou vai
fazer entre suas criaturas"47.
Neste mesmo sentido, sobre o dom da ciência, escrevem Emiliano Tardif e José H. Prado
Flores: “É um dos dons carismáticos, muito belo, por meio do qual Deus revela e comunica o
que já houve ou o que está acontecendo na história da salvação das pessoas. Por esta revelação,
pode-se chegar à raiz de um problema ou à causa de um cativeiro (dependência de um trauma)
ou ao conhecimento de uma cura”48.
Pelo dom de ciência, Deus revela as curas que está realizando no meio da comunidade;
então, comunica-se a toda a assembléia o que o Senhor está realizando.
A palavra de ciência distingue-se da ciência humana e do dom de ciência infuso. Assim:
b) Dom de ciência infuso: é um dom crismal que ajuda a julgar de maneira correta as coisas
criadas, em suas relações com Deus e mostra o valor e a importância que têm as criaturas aos
olhos de Deus (cf. Is 11, 2; Hab 2, 14).
47
A palavra de ciência não é necessariamente uma palavra piedosa (amor, paz, paciência,
etc), mas diz respeito ao que Deus quer revelar. Pode ser palavras simples e corriqueiras. Por
exemplo: tesoura, anel, carta, carro, cabeça, etc.
A palavra vem à mente, sem que a pessoa se tenha preparado ou pensado. O dom de
ciência pode vir acompanhado da palavra de sabedoria. O primeiro revela a situação; o segundo
revela como agir.
O dom de ciência também pode se manifestar por meio de um entendimento, um
sentimento, uma percepção acerca de determinadas realidades. Nesse caso, não seria uma
“palavra” no sentido estrito, mas outro modo de compreensão espiritual: é também dom de
ciência.
Podem ser referidos, a título de exemplo, dois episódios bíblicos:
a) Na oração pessoal
O “diagnóstico” será referente à própria pessoa ou acontecimento que lhe diz respeito,
fazendo com que ela penetre na raiz do fato, do sentimento, da situação ou estado de espírito
relacionado com o passado ou o presente dela mesma.
Nesse sentido, o dom de ciência ajuda no processo de santificação pessoal. Deus deseja
que o homem compreenda como e porque Ele está agindo de determinada maneira. Deus ensina
ao homem sobre as suas verdades, para que o homem possa ter a liberdade de optar pelo bem.
b) Na imposição de mãos
É comum haver manifestação da palavra de ciência quando se está orando por alguém,
por meio da imposição de mãos. Por exemplo: quando alguém sofre de algum mal cuja causa é
desconhecida, pode-se pedir ao Senhor uma palavra de ciência. Reza-se em línguas por alguns
instantes, e aguarda-se a comunicação do Senhor em silêncio. A pessoa por quem se ora poderá
dar o significado da palavra de ciência, associando-a a algum fato de sua vida.
Após a emissão e compreensão da palavra de ciência, reza-se de acordo com o objeto
revelado.
c) Na reunião de oração
Numa assembléia de oração, uma ou mais pessoas podem receber palavras de ciência,
geralmente relacionadas a uma ação de Deus naquele momento. Em alguns casos, quando se
anunciam curas por meio do dom de ciência, a pessoa pode perceber que a ela se refere a
palavra, por meio de uma sensação física ou sentimento, entre outras coisas. O Espírito Santo
tem diferentes maneiras de se revelar às pessoas.
25
A finalidade primeira deste dom é levar à cura das lembranças dolorosas, que ainda
incomodam as pessoas, fazem sofrer, e tiram a felicidade. O Espírito Santo penetra tudo, mesmo
as profundezas de Deus (cf. 1 Cor 2, 10; Rm 8, 27). Ora, penetra também as profundezas do
homem, revelando-lhe o que deve ser curado, por meio deste dom de ciência.
Este dom, portanto, revela tanto o que o Senhor esta realizando (curando) na comunidade,
quanto o que deve ser curado. O dom da ciência é também, em parte, um dom associado ao dom
de curar doenças (cf. 1 Cor 12,9), e deve ser usado com sabedoria e discernimento. “O carisma
da palavra de ciência está sempre a serviço de outro dom: de cura, palavra de sabedoria, de
profecia”49.
6. A importância do testemunho
É muito comum encontrar pessoas com problemas cujas causas não se conhece: sejam
problemas de ordem física, emocional ou mesmo espiritual. A pessoa pode estar vivendo em
estado doentio (depressão, doença física, pânico, etc) e não sabe explicar o por quê de tal estado;
às vezes não há nenhum motivo aparente. Como fazer nestes casos?
a) Tentar o diálogo com a pessoa, procurando reunir todos os elementos possíveis: início da
enfermidade (há quanto tempo), possíveis causas; levar em conta a interdependência dos
campos físico, emocional e espiritual.
b) Ver em que nível a enfermidade se situa: se no campo somático (se é algo simplesmente de
origem biológica); se no campo emocional (das lembranças dos fatos traumatizantes,
conscientes ou inconscientes); se no campo espiritual (se é caso de confissão sacramental,
possíveis contaminações, etc.). Muitos casos de doenças físicas têm sua origem nos
problemas emocionais; em outros casos, os problemas de ordem espiritual-moral repercutem
no psicobiológico.
49
c) Pedir ao Senhor que venha em auxílio com o dom da ciência. Neste caso, ora-se em línguas
por alguns minutos; após breve silêncio, aguarda-se a palavra de ciência, comunica-se à
pessoa a mesma palavra. A pessoa expressa a ressonância da palavra em sua vida. Por vezes,
a palavra de ciência corresponde a um fato acontecido há muito tempo; outras vezes, refere-
se a casos acontecidos recentemente. Após a palavra de ciência, reza-se pela cura do que foi
revelado. O processo vai se repetindo, enquanto cheguem palavras de ciência. Por fim, faz-se
um louvor ao Senhor e conclui-se com alguma oração espontânea, ou mesmo bíblica.
Caso não se receba palavras de ciência ou se a pessoa que recebe a oração não associá-la
a nenhum fato de sua vida, mesmo assim deve-se rezar e entregar o caso à misericórdia do
Senhor. Ele que tudo conhece haverá de manifestar, no momento oportuno, o seu amor para com
aquela pessoa.
a) Sabedoria - dom do Espírito Santo que revela como agir diante daquilo que o dom de
ciência esclareceu.
b) Discernimento – este carisma ajuda a descobrir o sentido das revelações dadas pelo
Espírito Santo através do dom de ciência.
d) Sigilo – quem ora por outra pessoa deve manter sigilo em relação ao que o Senhor revelou
ou curou (casos particulares ou situações secretas), respeitando a privacidade das pessoas.
9. Conclusão
CAPÍTULO SEXTO
Carisma da Palavra de Sabedoria
1. Introdução
Num mundo tão difícil como este todos precisam urgentemente do carisma da
palavra de sabedoria. A sabedoria que vem do Espírito Santo ilumina o caminho, dá a
direção certa, leva a decisões conforme a vontade de Deus e conduz à santidade. Como
é importante este carisma!
2. Conceito
A palavra de sabedoria é uma "ação de Deus, movendo uma pessoa a ensinar ou explicar
verdades religiosas, a fim de que a presença e o amor de Deus sejam experimentados, e para que
ela seja movida a procurar Deus”50. Exemplos de palavras de sabedoria: Mt 7, 28-29; Lc 2, 47; 4,
22; 12, 22ss; 24, 32.
Pelo dom de sabedoria, a pessoa sente que o Senhor está lhe guiando para fazer alguma
coisa ou dizer algo em determinado momento. Portanto, palavra de sabedoria é uma palavra,
atitude ou ação a fim de que as pessoas percebam a verdade que antes não conheciam. Inspira o
homem como agir, falar ou se comportar em situações concretas da vida, levando-o a decidir
acertadamente, de acordo com a vontade de Deus (cf 1 Cor 12, 8).
É oportuno fazer a seguinte distinção:
a) Sabedoria humana: adquirida pelo esforço do conhecimento humano e pelas ciências. Ela
depende de esforços, capacidades e tendências pessoais, além de outros fatores externos.
b) Sabedoria diabólica: “Mas, se tendes no coração um ciúme amargo e gosto pelas contendas,
não vos glorieis, nem mintais contra a verdade. Esta não é a sabedoria que vem do alto, mas é
uma sabedoria terrena, humana, diabólica” (Tg 3, 14-15).
c) Sabedoria divina: dom crismal, dom do Espírito Santo para o crismando, para santificação de
sua vida pessoal. Este dom faz aprender as realidades espirituais e suas conseqüências na vida
prática; desperta o sabor das coisas de Deus (cf. Tg 1,5).
d) A palavra de sabedoria: dom carismático do Espírito Santo, dom gratuito de Deus, para
orientar situações concretas; não depende de méritos pessoais, nem é fruto de dedução racional
ou científica: é puro dom da graça divina (cf. 1 Cor 12,8).
50
Sempre que Jesus e os apóstolos davam aos seus ouvintes noções práticas de como viver
segundo Deus, segundo o ideal cristão, transmitiam palavras de sabedoria. Alguns textos
importantes: Mt 10, 5-7; 11, 25-30; Mc 10, 1-31; Lc 6, 20-49; 12, 22ss; Jo 10, 13.34; 15, 12-27;
Cl 3,1-3; Ef 4, 1ss; Gl 5, l6ss; 1 Pd 1, 13-16; Fl 2, 1-16.
A palavra de sabedoria foi usada pelos apóstolos em várias ocasiões, nos momentos de
pregação, como também antes de tomarem decisões práticas para a Igreja (cf. At 2, 14ss; 3, 12ss
e 4, 8ss). Para a eleição dos sete diáconos, os apóstolos pedem à Assembléia que escolha homens
de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria (cf. At 6, 1ss). Os que discutiam com
Estevão, "não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito que o inspirava" (At 6, 10). São Paulo
agiu movido por este dom, quando deixou cego a Élimas o mago, que procurava desviar da fé o
procônsul Sérgio Paulo (cf. At 13,4-12).
A abertura para o dom da sabedoria obedece aos mesmos princípios que para os
outros dons. Para receber e manifestar o dom da sabedoria ajuda: v ida de oração, estudo,
reflexão, humildade e simplicidade (coração de criança).
O dom da sabedoria pode estar vinculado a certos momentos decisivos na vida pessoal e
comunitária, quando o cristão é chamado a tomar decisões importantes, e precisa do auxílio
divino, de uma orientação de Deus sobre este determinado momento ou problema. É o dom
divino que leva a agir corretamente diante de uma situação difícil.
Por este dom, a comunidade sente mais profundamente a presença do Espírito Santo. Os
participantes de uma reunião, ao ouvirem palavras de sabedoria, percebem o próprio Deus a lhes
falar. Por este carisma, Deus se serve de alguém para transmitir um conhecimento mais profundo
da sua palavra ou da direção de Deus sobre a vida deles.
A palavra de sabedoria é freqüentemente dada no aconselhamento de outros, em resposta
a seus problemas, dando-lhes clareza e direção pela ação do Espírito Santo. Todos podem e
devem aspirar a este dom; devem, outrossim, rezar, pedindo-o, desejando-o ardentemente, como
exorta São Tiago em sua carta: "Se alguém de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a
todos dá liberalmente, com simplicidade e sem recriminação, e ser-lhe-á dada. Mas peça-a com
fé, sem nenhuma vacilação" (Tg 1, 5-6; cf. Eclo 6,37; 43,37). Salomão pediu-a assim:
“Deus de nossos pais, e Senhor de misericórdia, que todas as coisas criastes pela
vossa palavra, para ser o senhor de todas as vossas criaturas, governar o mundo na
santidade e na justiça, e proferir seu julgamento na retidão de sua alma, daí-me a
sabedoria que partilha do vosso trono, e não me rejeiteis com indigno de ser um de
vossos filhos. Sou, com efeito, vosso servo e filho de vossa serva, um homem fraco,
cuja existência e breve, incapaz de compreender vosso julgamento a vossas leis; porque
qualquer homem, mesmo perfeito, entre os homens, não será nada, se lhe faltar a
29
sabedoria que vem de vós. Mas, ao lado de vós, está a sabedoria que conhece vossas
obras; ela estava sempre quando fizestes o mundo, ela sabe o que vos é agradável, e o
que se conforma às vossas ordens. Fazei-a, pois, descer de vosso santo céu, e enviai-a
do trono de vossa glória, para que, junto de mim, tome parte em meus trabalhos, e para
que eu saiba o que vos agrada” (Sab 9, 1-6.9-10).
6. Conclusão
51
1. Introdução
Jesus usou muito o carisma de discernimento dos espíritos em sua vida diária.
Também os homens e mulheres, pais e mães, servos com grande responsabilidade,
precisam deste carisma para saber distinguir qual espírito está agindo em cada situação:
o Espírito de Deus, o espírito humano ou espírito do mal, o diabo.
O carisma do discernimento dos espíritos é um dos dons mais necessários a quem
coordena um grupo de oração, preside uma reunião de oração, ora por alguém, é pai ou
mãe de família, exerce alguma função na comunidade paroquial, ou na RCC. É bom
estudar com carinho este carisma.
2. Conceito
“O discernimento é o dom que nos abre os olhos para o mundo invisível, onde agem tanto
os espíritos bons como os maus. O discernimento é luz sobrenatural que nos mostra a origem e a
causa última de certos fenômenos misteriosos, humanamente inexplicáveis. Portanto, não se trata,
em hipótese alguma, de um juízo temerário que fazemos sobre as pessoas. As próprias palavras
‘discernimento dos espíritos’ deixam claro que tratamos dos espíritos e não dos homens e da sua
conduta”.53
3. Tipos de discernimento
b) Doutrinal
52
30
É a capacidade que o Espírito Santo dá para distinguir, interiormente, por um
movimento do Espírito no íntimo, que espécie de espírito está movendo uma pessoa ou
uma comunidade.
Jesus usou o dom do discernimento para encontrar orientação correta em certas ocasiões.
Este dom parece estar presente na vida de Jesus de forma muito original; alguns exemplos
podem servir de inspiração:
a) Quando atribuíam a Ele um espírito imundo, Ele discerne: "Se Satanás se levanta contra si
mesmo, está dividido e não poderá continuar, mas desaparecerá" (Mc 3, 22-27; Mt 12, 28).
b) Na questão da cura no dia de sábado, Ele concluiu: "É permitido, pois, fazer o bem no dia
de sábado" (Mt 12, 12; Mc 3, 1-16).
c) Na primeira predição de sua Paixão, repreende a Pedro, dizendo que os sentimentos de
Pedro não são de Deus, mas dos homens (cf. Mc 8,31-33).
d) Na discussão sobre a ressurreição (pelos saduceus, os quais a negavam) Jesus orienta:
"Errais não compreendendo as Escrituras e o poder de Deus" (Mt 22, 29; Mc 12, 24).
e) No caso do cego de nascença, Jesus não atribuiu a cegueira nem aos pais, nem ao próprio
homem cego, como perguntavam os discípulos, mas discerniu como ocasião de
manifestação da Glória de Deus (cf. Jo 9,1ss).
f) Diante da atitude de Tiago e João, pedindo fogo do céu para consumir os samaritanos que
lhes negavam pousada, Jesus os orienta, dizendo: "Não sabeis qual espírito vos anima. O
Filho do Homem não veio para perdê-los, mas para salvá-los” (Lc 9, 51 ss).
Como fazer para ter discernimento? Não existe receita, pois o discernimento dos espíritos
54
31
é um dom. Porém, uma coisa é importante: conhecer Deus e Sua Palavra.
7. Conclusão
Jesus discerniu com poder e ensinou a vigiar (cf. Mt 4, 1-10; 7,15). Todos devem pedir a
Deus e buscar com empenho o dom do discernimento dos espíritos. Ele é necessário, importante,
pode-se dizer, indispensável na comunidade que reza, no grupo de oração, na família. Ele
permite distinguir fenômenos, manifestações de todo tipo.
É necessário perseverar nas orações, no grupo de oração, na vida sacramental, no estudo
da Bíblia, na docilidade ao Espírito Santo, na devoção mariana e na doutrina da Igreja para
crescer no conhecimento de Deus e estar cada vez mais aberto ao carisma do discernimento dos
espíritos.
Quão necessário se torna o dom do discernimento nas várias situações da vida pessoal e
comunitária! Esse dom é muito importante na orientação doutrinária, na percepção da ação de
Deus e sua vontade, ajudando enfim, a "examinar se os espíritos são de Deus" (1 Jo 4, 1 ).
55
32
CAPÍTULO OITAVO
Carisma da Cura
1. Introdução
2. As enfermidades e a cura
Antes de entrar propriamente no dom da cura convém tecer alguns comentários a respeito
da questão das enfermidades e de sua relação com a vida cristã e o plano da salvação.
O entendimento da Igreja a respeito dessas realidades é de que a enfermidade e o
sofrimento sempre estiveram entre os problemas mais graves da vida humana: “Na doença o
homem experimenta a sua impotência, seus limites e sua finitude”56.
O Papa João Paulo II, em sua Carta Apostólica Salvifici Doloris – “O sentido cristão do
sofrimento humano” - procura responder ao sentido da dor e do sofrimento. Segundo ele, “poder-
se-ia dizer que o homem sofre por causa de um bem do qual não participa, do qual é, num certo
sentido excluído, ou do qual ele próprio se privou” 57 . No plano inicial de Deus que previa todo
o bem e toda a satisfação das necessidades do homem (físicas, emocionais e psíquicas), se
interpõe o pecado, criando toda a espécie de dor e insatisfação dessas necessidades.
Deus criou o homem em harmonia perfeita com todas as coisas. O Espírito de Deus
governava o espírito do homem; este governava a alma e a alma governava o corpo. E o homem
gozava de um dom chamado imortalidade corporal, além da imortalidade do espírito.
Havia harmonia – equilíbrio – entre o espírito, a alma e o corpo. Quando o homem saiu,
voluntariamente, do plano original de Deus, pelo pecado das origens, entraram no mundo o
sofrimento, a doença (desequilíbrio, desarmonia) e a morte.
A doença (que é um desequilíbrio) pode ter início em um dos elementos constitutivos do
ser humano e atingir os outros, secundariamente. Por exemplo: uma doença que comece no
espírito (pneuma) pode se exprimir na mente (psique) e no corpo (soma). Então é uma doença
56
33
pneumopsicossomática, uma doença do homem total. Exemplificando: um pecado, que é uma
doença do espírito (ou do pneuma), pode gerar um sentimento de “remorso”58 (na alma ou
psiquê), levando a doenças ósseas (no corpo ou no soma).
O homem em desequilíbrio (doente) precisa ser curado, restaurado, regenerado em todo o
seu ser para voltar à harmonia inicial. A cura é isto: a restauração do equilíbrio, da harmonia do
plano de Deus.
“Ó filha bondosa e querida, a humanidade não foi leal e fiel para comigo. Desobedeceu à
minha ordem (Gn 2, 17) e achou a morte. De minha parte mantive a fidelidade, conservei a
finalidade para a qual a criara, com a intenção de dar ao homem a felicidade. Uni a natureza
divina, tão perfeita, à mísera natureza humana, resgatei a humanidade, restituí-lhe a graça pela
morte de meu Filho. Os homens sabem de tudo isso mas não acreditam que sou poderoso para
58
?. O “remorso” distingue-se da “contrição” pelo seu caráter altivo: a pessoa sente-se atingida no orgulho, ao
se deparar com sua imperfeição. A contrição é uma atitude de humildade, por meio da qual a pessoa se reconhece
pecadora e solicita a misericórdia de Deus.
59
. Christifideles Laici, 53.
60
. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Instrução sobre as orações para alcançar de Deus a
cura, p 5.
61
. Principal obra de Santa Catarina de Sena. Este livro é considerado a obra-prima desta doutora da Igreja.
Foi escrito na forma original de “revelação divina” de Deus Pai à santa por volta do ano de 1.377.
34
socorrê-los, forte para auxiliá-los e defendê-los dos inimigos, sábio para iluminar suas
inteligências (...). A natureza divina uniu-se com poder meu (o Pai), com a sabedoria do Filho e
com a clemência do Espírito Santo. Todo o abismo da Trindade, uniu-se à vossa humanidade.” 62
O ensinamento da Igreja63 aponta que de Deus vem a cura e a salvação. O desejo de Deus,
conforme o testemunho do próprio Jesus Cristo, é a cura, a vida plena e abundante (cf. Jo 10,10).
A Escritura afirma que “Deus não é o autor da morte, e a perdição dos vivos não lhe dá nenhuma
alegria. Ele criou tudo para existência, e as criaturas do mundo devem cooperar para a salvação.
Nelas, nenhum princípio é funesto, e a morte não é a rainha da terra, porque a Justiça é imortal”
(Sl 115,6; Sb 1, 13-15). Ora, Jesus veio ao mundo para dar ao homem vida em plenitude,
manifestando o amor de Deus Pai (cf. Jo 3, 16) e torná-lo participante da natureza (cf. 2 Pd 1, 4)
e do amor divino (cf. 1 Jo 4, 9; 5, 11).
Se Jesus deu a vida pelo homem, se “fomos transladados da morte para a vida” (1 Jo 3,
14), Ele o quer cheio de vida, de saúde, de felicidade, pois Ele é o Deus da vida; Ele “é um Deus
que nos cura” (Ex 15, 26), “que sara as nossas enfermidades” (Dt 32, 39; Sl 102, 3; 146, 3). As
doenças encontram sua causa no próprio homem, no seu pecado, orgulho, ambição; em sua
desarmonia consigo mesmo, com os outros, com a natureza e, por fim, com o próprio Criador.
Mas esta é uma verdade bíblica: Deus quer o homem saudável!
62
?. p. 315
63
. Cf., especialmente, CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 1502-1510.
64
. Cf. Jo 7, 20.
65
. JOÃO PAULO II apud CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Instrução sobre as orações
para alcançar de Deus a cura, p. 5.
66
. Cf. Instrução sobre as orações para alcançar de Deus a cura, p. 6.
67
. Ibid., p. 6.
35
evangelização. A Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé acrescenta: “Eram prodígios que
não estavam ligados exclusivamente à pessoa do Apóstolo, mas que se manifestavam também
através dos fiéis.”68
Ao longo do Antigo Testamento, após a narrativa do pecado e das conseqüências que ele
traz para o homem, começa a surgir, especialmente nos salmos e através dos profetas, uma visão
nova da doença diante de Deus. Das lamentações sobre as enfermidades, elas se tornam caminho
de conversão (cf. Sl 38, 5 e 39, 9.12) e o perdão de Deus inaugura a cura69. Chega-se a momentos
de uma compreensão extraordinária da dor e da redenção a serem manifestadas plenamente no
Cordeiro de Deus, o Justo, o Servo: “Ele tomou sobre si as nossas enfermidades e carregou com
nossos sofrimentos... E ainda: “Por suas chagas, nós fomos curados” (Is 53, 4.5.11).
Foi assim que os profetas viram a chegada do Messias: “Ele mesmo vem salvar-nos; os
olhos dos cegos se abrirão e se desimpedirão os ouvidos dos surdos; então, o coxo saltará como
um cervo, e a língua do mudo dará gritos alegres” (Is 35, 4b-6a). Os tempos messiânicos foram
vistos como tempos de plenitude espiritual, plenitude de vida física, como tempos nos quais o
poder de Deus se manifestaria com esplendor em Jesus Cristo.
O Messias teria em si a plenitude do Espírito Santo; seria consagrado pela unção, e
“enviado a levar a Boa Nova aos pobres, a curar os corações doloridos, a anunciar aos cativos a
redenção, aos prisioneiros a liberdade...” (Is 61, 1-2). Ele fora prenunciado como o “rebento
justo brotado de Davi” (cf. Jr 23, 5; 33 ,15); como “Gérmen”, segundo o profeta Zacarias (cf. Zc
3,8; 6,12); foi predito ser o Messias, a “Pedra Angular” na construção da Igreja (cf. Zc 10, 4; Is
8, 14; 28, 16; Sl 117, 22; At 4, 11); como alguém que viria “pensar a chaga de seu povo e curar
as contusões dos golpes que recebeu” (Is 30,26). Ele seria o “Emanuel, o Deus conosco, o
príncipe da Paz” (cf. Is 7, 14; 9, 5; Mt 1, 23); seria o “Sol da Justiça, que traz a Salvação em seus
raios” (Ml 3, 20).
?. Ibid., p. 7.
69
. Cf. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 1502.
36
No início de seu ministério público, “Jesus percorria toda a Galiléia, ensinando nas
sinagogas, pregando o Evangelho do Reino, e curando todas as doenças e enfermidades entre o
povo... e curava a todos” (Mt 4, 23-25). Não somente Jesus curava! Mas dava aos discípulos o
poder que tinha, em forma de mandamento: “Curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os
leprosos, expulsai os demônios...” (Mt 10, 8).
Uma palavra pode definir o relacionamento de Jesus com os enfermos: compaixão.
Diversas vezes os evangelistas se referem à sua compaixão. O Catecismo da Igreja Católica diz
que “sua compaixão para com todos aqueles que sofrem é tão grande que ele se identifica com
eles: Estive doente e me visitastes”70. Todos buscavam a Jesus, que a todos recebia. Todos o
queriam tocar e Ele se deixava tocar.
As curas realizadas por Jesus suscitavam a fé em sua Pessoa Divina e levavam os
ouvintes a se tornarem seus discípulos e suas testemunhas. Se Jesus curava, era porque não
aceitava a enfermidade como algo querido normalmente por Deus; mas a cura, a saúde plena,
estas sim, eram desejadas por Deus. Jesus curava porque os via doentes, e porque manifestava,
assim, o seu amor e a sua caridade. O amor de Jesus é sempre curativo! E a ninguém que dele se
aproximasse teria dito: volta para casa com tua enfermidade, porque Deus Pai assim o deseja, e
te abençoa com a doença! Ao contrário: curou a todos os que dele se aproximaram e lhe pediram
com confiança e fé (cf. Mc 6, 56). Jesus quer dar a saúde. Ele é o divino médico quer curar o
homem totalmente (cf. Mt 8, 3; Mc 1, 41; Lc 13, 32).
Deus pode, é certo, permitir que uma doença permaneça em uma pessoa, sendo a mesma
um meio de santificação e purificação para si e para os outros. De modo geral, a vontade de Deus
é que o homem seja curado para poder louvá-Lo com todo o ser. Jesus demonstrou isto em sua
vida pública ao curar os doentes. Compadecia-se dos doentes e manifestava seu amor, sua
caridade, curando-os. Ele mesmo disse: “os sãos não precisam de médicos, mas os enfermos”
(Mc 2, 17). E Jesus ali estava como o médico divino do corpo, da mente e da alma dos homens.
Após a ressurreição, Jesus apareceu aos apóstolos e lhes disse: “Como o Pai me enviou,
assim também eu vos envio” (Jo 20, 21). A missão que Jesus recebeu do Pai, de tornar presente
entre os homens o seu amor salvífico, Ele o transferiu à sua Igreja. A missão de Jesus e da Igreja
é a salvação dos homens, e esta é a vontade do Pai (cf. 1 Tim 2, 4).
Ao se despedir dos apóstolos, Jesus ordenou: “Ide por todo o mundo e pregai o
Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será
condenado. Estes milagres acompanharão aos que tiverem crido: expulsarão os demônios em
meu Nome, falarão novas línguas, manusearão serpentes, e se beberem algum veneno mortal não
lhes fará mal; imporão as mãos sobre os enfermos e eles ficarão curados” (Mc 16, 16-18).
A intenção de Jesus é bem clara: “Estes milagres acompanharão aos que tiverem crido”.
Já mesmo durante a vida pública de Jesus, os apóstolos puderam testemunhar o poder curativo
que Ele lhes dava: pregavam e curavam os doentes (cf. Mc 6, 13; Lc 9, 6).
Nos Atos dos Apóstolos, os milagres acontecem pelo poder do nome de Jesus e do seu
Espírito. Era o Senhor confirmando a pregação apostólica (cf. Mc 16, 20). Eis alguns relatos da
era apostólica:
a) Pedro cura um coxo de nascença, com mais de quarenta anos de idade (cf. At 3,1;
4, 22);
b) A sombra de Pedro, passando por sobre os doentes os curava; Deus fazia milagres
extraordinários por intermédio de Paulo (cf. At 5, 12-16; 19, 11-12);
c) Na Samaria, com o Diácono Filipe, acontecem prodígios e curas (cf. At 8, 4-8);
70
?. n. 1503.
37
d) Pedro, em Lida, cura o paralítico Enéias (cf. At 9, 32-35); este fato trouxe muitas
pessoas à conversão para a fé;
e) Em Jope, Pedro ressuscita a Tabita, o que suscita a fé em muitos corações, que se
voltam ao Senhor (cf. At 9, 36ss);
f) Em Icônio, o Senhor operava prodígios por meio de Paulo e Barnabé (cf. At 14,
1ss);
g) Em Listra, Paulo cura um homem aleijado das pernas, coxo de nascença (cf. At
14,8);
h) Em Trôade, Paulo ressuscita um moço (cf. At 20, 7-10);
i) Em Malta, Paulo cura o pai de Públio, impondo as mãos; e cura os doentes da ilha
(cf. At 28, 8-9).
Se Jesus associou a evangelização aos sinais visíveis de seu poder presente na Igreja, não
se pode separar evangelização e sinais, sem deturpar sua intenção. Após a era apostólica, a Igreja
continuou a exercer estes dons de cura e milagres; é conhecida a fama dos santos, dos místicos,
por seus milagres em favor do povo. Associou-se assim, com o passar do tempo, a santidade ao
fato de se realizarem milagres e curas em benefício dos enfermos. Esta idéia da santidade, unida
a fatos prodigiosos, manteve-se firme por vários séculos na Igreja: ser santo era operar prodígios
e curas.
Depois do Concílio do Vaticano II surgiram na Igreja Católica diversos grupos que
retomaram o uso dos dons carismáticos. Conseqüentemente, os dons de cura começaram a
expressar-se com mais freqüência no meio do povo, como um aspecto da unção do Pentecostes
renovado. A Renovação Carismática Católica, especialmente, contribuiu para isso.
O Catecismo da Igreja Católica atesta essa vontade de Deus em curar o seu povo e
reconhece: “O Espírito Santo dá a algumas pessoas um carisma especial de cura para manifestar
a força da graça do ressuscitado”71. Dessa fonte maravilhosa, os grupos de oração da Renovação
Carismática Católica têm bebido e é possível testemunhar as maravilhas que o Senhor tem feito
neles.
Essa questão é intrigante e inquieta a muitos os que se dedicam a orar pelos enfermos.
Existe sempre um mistério em torno da vontade de Deus. Por que uns são curados e outros não?
Embora seja da vontade de Deus curar o seu povo, é bom lembrar que “mesmo as orações
mais intensas não conseguem obter a cura de todas as doenças”72. São Paulo teve que aprender
que “basta-te a minha graça, pois é na fraqueza que minha força manifesta todo o seu poder” (2
Cor 12,9). Ele ensina que alguns sofrimentos devem ser suportados na vida e que eles fazem
parte da caminhada: “Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às
tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja” (Col 1,24).
Assim, pode-se sempre rezar pela cura, mas cabe ao Senhor curar segundo a Sua vontade.
7. A oração de cura
71
?. n. 1508.
72
. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 1508.
38
cura está intimamente unida à fé no poder de Deus, a quem nada é impossível. O dom da cura,
ou a graça de curar as doenças no poder do Espírito Santo é tratado na Sagrada Escritura de uma
forma bastante simples, no conjunto dos demais dons carismáticos: “...a outro, a graça de curar
as doenças no mesmo Espírito” (1 Cor 12, 9b); mas “um mesmo Espírito distribui todos esses
dons a cada um como lhe apraz” (1 Cor 12, 11).
É Deus quem cura sempre, servindo-se de instrumentos humanos. Por isso, todo cristão
pode pedir o dom de cura e, na medida em que rezar pelos doentes, começará a constatar que as
curas ocorrem.
Para rezar pela cura, outros dons podem ser usados. Por exemplo, a palavra de ciência,
que fornece um “diagnóstico”, ou causa da doença. Também a orientação sobre como orar e o
que dizer à pessoa por quem se ora, pode ser adquirida através de uma palavra de sabedoria ou
do dom do discernimento.
O padre Dario Betancourt73 usa o texto do Eclesiástico 38, 9-12 para indicar os passos
para a cura:
a) Orar pedindo a cura: v. 9 - “Meu filho, se estiveres doente não te descuides de ti, mas ora
ao Senhor, que te curará”.
b) Arrepender-se e confessar os pecados (confissão sacramental): v.10 – “Afasta-te do
pecado, reergue as mãos e purifica teu coração de todo o pecado”.
c) Ir à missa e oferecê-la pela cura: v. 11 – “Oferece um incenso suave e uma lembrança de
flor de farinha; faze a oblação de uma vítima gorda”.
d) Procurar o médico e tratar-se: v. 12 – “Em seguida dá lugar ao médico, pois ele foi criado
por Deus; que ele não te deixe, pois sua arte te é necessária”.
a) Considerações
Há, com toda certeza, também em seu Grupo, pessoas portadoras de problemas
psicológicos, de feridas psíquicas. Pessoas que passaram por momentos dolorosos e ficaram
marcadas, feridas, abaladas. São portadoras de traumas.
Os traumas podem ser de múltiplas espécies: traumas de rejeição de vida, de amor ou de
sexo, traumas de medos compulsivos e inquietadores; traumas de sexualidade; de experiências
marcantes em doenças graves, acidentes, cirurgias e mortes de entes queridos; traumas de
separações matrimoniais, sempre tão dolorosas; escravidão e vícios; frustrações diversas;
complexos nos relacionamentos humanos e tantos outros.
Coordenador, você não pode omitir-se no cuidado da cura do psiquismo dos
participantes! Ela é necessária e imprescindível para que as pessoas tenham sua natureza interior
sadia e estejam em boas condições psicoemocionais, a fim de que o Espírito santo de Deus possa
nelas realizar a sua obra. A graça de Deus para a santificação supõe a natureza apta e preparada.
Isto é, se a pessoa está ferida, marcada, escravizada, amortecida interiormente, o Espírito terá
dificuldades de agir nela.
A oração de cura não deve ser programada para abranger todo o tempo do grupo de
oração. Ela acontece no decorrer da oração e, conforme a necessidade dos participantes. É
preciso discernimento para enfocar os pontos sensíveis no espírito para aquele momento. As
reuniões específicas para cura física e cura interior em outros momentos poderão ser mais
73
?. Cf., p. 36.
74
. O conteúdo desse item, bem como o do item 7.2, foi tomado de Alírio José PEDRINI, Grupos de oração:
como fazer a graça acontecer, passim. O padre Alírio faz uma abordagem prática da oração de cura, tal como deve
ser ministrada nas reuniões de oração. Não se trata de um modelo único e fechado, mas de orientações aplicáveis
total ou parcialmente nas reuniões ou na dinâmica do grupo de oração, de acordo com o discernimento e
planejamento do núcleo de serviço. O leitor observará uma mudança de estilo de linguagem.
39
extensas e detalhadas. No grupo, se houver oração de cura, voltar logo ao louvor.
A necessidade de cura interior é evidente. O povo de Deus é ferido. Por isso, a partir da
realidade de seu Grupo, você programa o processo necessário de cura dos seus irmãos. Você
pode utilizar-se de diversas oportunidades como: o transcurso da própria reunião de oração;
uma ou mais reuniões programadas para a oração de cura interior; um retiro de fim de semana
todo dedicado à cura dos participantes; ou ainda um seminário de cinco, sete semanas, todo
dedicado à cura dos participantes.
c) Como orar
Nas oportunidades surgidas durante a reunião de oração pode-se seguir esses passos:
Analise, cada um destes passos e perceba a seqüência lógica e necessária existente entre
eles. Na oração de cura interior não seja imediatista. Não pule degraus. Não passe de imediato a
realizar o passo número cinco, sem preparar os corações feridos. Faça bem feito, com fé viva,
sabedoria e confiança, para que a cura possa acontecer.
Você pode programar uma caminhada de cura interior realizando-a por etapas ou área de
relacionamento. Você reserva vinte a trinta minutos da reunião de oração para fazer a graça
acontecer. Em cada reunião, faz-se oração de cura interior por uma determinada área da vida das
pessoas.
Você pode programar orações de cura interior dos problemas:
1. Da fase da vida intra-uterina, pré-natal,
2. Do nascimento até 3 ou 4 anos,
3. Da meninice, dos 5 aos 10 anos,
4. Da adolescência,
5. Da juventude até o casamento,
6. Da vida matrimonial,
7. Da fase escolar,
8. Do tempo de trabalho.
Nessas etapas, orar sobre todos os possíveis acontecimentos dolorosos ocorridos como:
problemas de relacionamento em família, rejeições, desamores, enfermidade, mortes, traumas de
acidentes, problemas de sexualidade, etc.
40
a) Considerações
- Grande oração de cura física fora da reunião de oração: realize periodicamente, a cada mês ou
dois meses, uma grande oração de cura física fora da reunião de oração. Nesta reunião
programada, os cantos, a Palavra de Deus escolhida, os testemunhos, tudo seja direcionado para
despertar a fé na presença e poder de Jesus vivo e preparar os corações para receberem as
bênçãos da saúde.
- Oração de cura física nas reuniões de oração: outra oportunidade para rezar pedindo saúde é
aproveitar as chances que se apresentam naturalmente, durante as reuniões de oração. Essa
oportunidade pode ser percebida na oração de um participante que reza pedindo saúde, ou
através de uma profecia na qual o Senhor fala que está a curar, através de palavra de ciência, ou
de outro modo. Ao perceber a oportunidade, o coordenador assume a palavra e deve rezar pela
saúde física, nas necessidades apresentadas.
Para a eficácia da oração pedindo cura física, é útil levar em consideração três passos:
criar clima favorável à oração de cura física, orar ao Senhor pedindo a cura e agradecer e
testemunhar a cura recebida.
Sabe-se que Deus quer a cura dos seus filhos; se ela acontece num momento ou noutro,
ou mesmo se não acontece, cabe somente a Deus conhecer os últimos motivos ou razões.
Contudo, observa-se que algumas razões ou motivos podem impedir ou dificultar a cura. Francis
Macnutt75 chega a enumerar 11 dessas causas, admitindo ainda que outras devem existir.
75
41
Algumas parecem mais fundamentais e comuns:
a) A falta de fé
Muitos procuram a cura como tal, sem um interesse maior em melhorar sua vida
espiritual, em participar dos sacramentos, da vida comunitária eclesial. Procuram a cura em si, e
não o Senhor que cura. Procuram a cura como um ato pelo qual se livram de suas enfermidade
ou problemas emocionais. Buscam a cura nos grupos de oração, tanto quanto no espiritismo ou
curandeirismo.
Jesus ensina que a fé em sua pessoa, como Filho de Deus, revelador do amor do Pai,
salvador do homem, é necessária para a vida em todos os momentos e não somente por ocasião
das enfermidades. O Evangelho diz: “Estando Jesus em Nazaré, ali não fez milagre algum, por
causa da desconfiança dos que com ele estavam” (Mc 6, 5-6; Mt 13, 58; Jo 12, 37); por vezes,
“ele se contristava com a dureza de seus corações” (Mc 3, 5). Ao convidar Pedro para que este
caminhasse sobre as águas, exigiu dele um ato de fé, e fé firme! E ao estender-lhe a mão e
segurá-lo lhe disse: ”homem de pouca fé, por que duvidaste?” (Mt 14, 31).
Diante do menino epiléptico, não curado pelos discípulos, Jesus os censura dizendo: “Foi
por causa da vossa falta de fé!” (Mt 17, 20). Na travessia do lago de Tiberíades, após ter
acalmado a tempestade, Jesus disse aos discípulos: “Como sois medrosos. Ainda não tendes fé?
(Mc 4, 40). Ao falar da providência do Pai, repreendeu os discípulos: “homens de fé pequenina!”
(Lc 12, 28).
Se por um lado, Jesus notava a falta de fé nos ouvintes, por outro lado, curava porque via
a fé presente nos pedidos de cura: “Vai, seja feito conforme a tua fé” (Mt 8, 13). Ele curou o
paralítico, “vendo a fé daquela gente” (Mt 9, 2). À hemorroíssa Ele disse: “Filha, a tua fé te
salvou. Vai em paz e sê curada do teu mal” (Mc 5, 34). À mulher pecadora, na casa de Simão,
lhe disse: “Tua fé te salvou; vai em paz” (Lc 7, 50).
O cristão de hoje precisa, como sempre, se aproximar de Jesus com toda a fé do coração;
se ainda não a tem, pode rezar pedindo, como fizeram os apóstolos: “Senhor, aumenta-nos a fé”
(Lc 17, 5); pois Jesus é o “autor e consumador da nossa fé!” (Hb 12, 1).
b) A falta de perdão
Jesus parece colocar um acento especial no perdão como condição para a cura; insiste
para que se reze por aqueles que causaram mal a outrem e até que se ame os inimigos (cf. Mt 5,
43-48). A falta de perdão parece ser uma das causas mais constatáveis do porquê de muitos não
receberem a cura. Constata-se que “o ódio e os maus relacionamentos provocam todas as
espécies de enfermidades, e essa enfermidade habitualmente permanece, até que a causa
originária seja removida”76. Quanto mais se perdoa de coração, mais facilmente acelera-se o
processo curativo. Jesus deu o exemplo, estando pregado na cruz: pediu ao Pai que perdoasse a
seus algozes (cf. Lc 23, 43).
O texto de Lucas 6, 37 “perdoai e sereis perdoados”, pode também ser acomodado assim:
“perdoai e sereis curados”. O perdão é decisão firme da vontade, e não apenas um sentimento
passageiro. Jesus abençoa a decisão do homem e faz fluir o seu amor, capacitando-o para o
perdão. A falta de perdão poderá impedir a cura; o perdão oferecido de coração sincero acelerará
a cura.
Perdoar não é fácil, humanamente falando. É preciso fé, decisão da vontade e confiança
em Deus! “Orai pelos que vos maltratam e perseguem” (Mt 5, 44). Quando se reza por alguém se
deseja todo o bem. E o perdão virá!
c) O pecado
42
O pecado bloqueia a comunhão de vida com o Senhor. Se o pecado é transgressão da lei
de Deus (cf.1 Jo 3, 4), o amor a Deus é justamente cumprir seus mandamentos. Quem cumpre os
mandamentos ama a Deus; e, se assim age, não peca e vive em sua graça (cf. Jo 14, 21; 1 Jo 5, 2-
3).
Muitas enfermidades provêm da falta de observância da lei de Deus, da lei do Evangelho,
que é fundamentalmente amor a Deus e aos irmãos. Jesus, ao curar o paralítico, perdoou
primeiro o seu pecado e a seguir o curou de sua paralisia (cf. Lc 5, 17-26). Para Jesus, neste caso,
a paralisia estaria de alguma forma relacionada com o pecado. Em Marcos 11, 25, Jesus
recomenda o perdão antes da oração para que esta seja ouvida. Ele também recomenda a
reconciliação antes da oferta sacrifical (cf. Mt 5, 23-24).
Jesus veio libertar e salvar o homem do pecado. O perdão pode ser adquirido pelo
sacramento da reconciliação. Jesus se tornou “a expiação de nossos pecados” (cf 1 Jo 3,5). “Ele
é justo e fiel para nos perdoar os pecados e para nos purificar de toda iniquidade” (1 Jo 1,9).
A experiência de orar pelos enfermos tem ensinado que muitas vezes as enfermidades
físicas e emocionais têm causas espirituais, isto é, a transgressão de alguma lei de Deus, a
inobservância de seus mandamentos. Certa ocasião, uma pessoa estava desesperada: não dormia,
não se alimentava direito, vivendo sob calmantes. Ao conversar com o sacerdote constatou-se a
violação de uma lei moral. A pessoa foi confortada e recebeu o sacramento da reconciliação. E
ela se refez física, emocional e espiritualmente. O perdão de Deus traz calma, serenidade,
equilíbrio, saúde e cura! O pecado é algo que destrói o equilíbrio da personalidade humana.
Ao rezar por alguém em favor de sua cura, é sempre aconselhável pedir a Jesus que
perdoe seus pecados. E, sendo possível, levá-lo à confissão sacramental.
9. Conclusão
Algumas vezes o caso exige que se ore várias vezes, até que a cura total seja constatada.
Pode acontecer que o empecilho para a cura esteja no ministro e não no “paciente”; por isso,
antes de rezar por alguém, cada um deve verificar suas condições espirituais.
Ocorre também considerar que nem sempre a cura é imediata. O tempo exato em que a
pessoa deve ser curada depende apenas de Deus. O necessário ao cristão é que faça a sua parte,
mantendo-se “na brecha” para que Deus possa agir.
CAPÍTULO NONO
Carisma da Fé77
77
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1. Introdução
O cristão pode ter ousadia em sua vida sabendo que é uma pessoa de fé. Pode reivindicar
a fé necessária para qualquer situação. Que benção é poder ter certeza que a fé é dom derramado!
“Porque é gratuitamente que fostes salvos mediante a fé. Isto não provém de vossos méritos, mas
é puro dom de Deus” (Ef 2,8).
2. Conceito
A Carta aos Hebreus apresenta em seu capítulo 11 um dos textos mais expressivos a
respeito da fé. Diz o texto sagrado: “A fé é o fundamento da esperança, é uma certeza a respeito
do que não se vê. Foi ela que fez a glória de nossos antepassados. Pela fé reconhecemos que o
mundo foi formado pela palavra de Deus e que as coisas visíveis se originaram do invisível. (...)
Ora, sem fé é impossível agradar a Deus, pois para se achegar a ele, é necessário que se creia
primeiro que ele existe e que recompensa os que o procuram” (Hb 11, 1-3.6).
A fé é, em última análise, um dom que o Espírito Santo colocou à disposição do homem
para que ele possa experimentar concretamente da onipotência de Deus.
A fé, no mundo de hoje, é um grande desafio, pois muitos só crêem em si mesmos, nas
suas próprias capacidades, nos seus próprios talentos, no seu dinheiro, nos seus planos, nas
coisas que são concretas. Já não acreditam nos outros irmãos e a fé em Deus está muito
fragilizada. Algumas vezes trata-se de uma fé tradicional, vaga, confusa, subjetiva, superficial,
fria, indiferente.
A fé é como um raio de luz que parte de Deus para a alma. O Espírito Santo, que é o
autor da fé, vem ao mundo de hoje reavivar, dando assim sentido à vida cristã de muitos
batizados que viviam indiferentes ao seu estado.
Para compreender bem o que é o dom carismático da fé, é necessário fazer a distinção
entre: a fé teologal ou doutrinal, a fé virtude ou fruto do Espírito Santo e o dom carismático da
fé:
Por ela o cristão acredita nas verdades reveladas por Deus sobre si mesmo e sobre o
homem e que são definidas pela Igreja.
A fé teologal faz o homem crer firmemente em Deus como seu Pai, que se importa com
sua vida. Crer em Jesus Cristo como o enviado do Pai, o Filho de Deus, o salvador do mundo.
Crer também no Espírito Santo que edifica a Igreja de Cristo e a santifica. Crer que o Espírito
Santo é o poder de Deus. E porque crê nas três pessoas da Santíssima Trindade, o homem não só
crê intelectualmente, mas adere profundamente às suas verdades, que se tornam luz e amor para
seu caminho. Essa fé teologal é necessária para a salvação (cf. Gl 2, 15s).
A fé teologal vem em conseqüência do batismo, do anúncio de Cristo, do testemunho, da
catequese. É ela que aprofunda a esperança e faz o homem agir na caridade (cf. Gl 5, 6).
Fundamentada na Palavra de Deus, nos sacramentos, na vida de oração e na vida comunitária, a
fé teologal é um grande sustento para o cristão do mundo de hoje, onde os homens “não
suportam a sã doutrina” (cf. 2 Tim 4, 3-4).
?. Este conteúdo foi composto originalmente na Apostila de Grupo de Oração da Escola Paulo Apóstolo
(1999, pp. 28 e 29) e foi adaptado para esta apostila.
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Leva o homem a confiar plenamente na realização das promessas de Deus. Impulsiona-o
a ir além do ato de aderir às promessas de Deus, conduzindo-o a uma entrega total a Deus e à sua
providência (cf. Mt 6, 25).
Pela fé virtude, o homem se abandona à providência divina, pratica a Palavra de Deus,
vive segundo a mentalidade de Jesus Cristo; não só conhece os mandamentos com sua
inteligência, mas interioriza-os no coração, vive os ensinamentos de Deus não como obrigação,
mas por amor, experimenta e crê na bondade e misericórdia de Deus.
Por esta fé o homem prova a si mesmo e ao mundo que a Palavra de Deus não é uma
utopia, mas forte impulso interior, ao qual adere a sua vontade, uma vez que a fé está gravada no
mais profundo do seu coração (cf. Rm 4, 19-21; 1,17).
Esta fé virtude leva o homem a crer e experimentar a bondade, a misericórdia e o amor de
Deus na sua vida (cf. 1 Jo 4, 16), tornando sua oração um ato de fé confiante: “Se Deus é por
nós, quem será contra nós?” (Rm 8, 31-34).
“Porque nele se revela a justiça de Deus, que se obtém pela fé e conduz à fé, como está
escrito: O justo viverá pela fé. Abrão não vacilou na fé, embora reconhecendo o seu próprio
corpo sem vigor – pois tinha quase cem anos – e o seio de Sara igualmente amortecido. Ante a
promessa de Deus, não vacilou, não desconfiou, mas conservou-se forte na fé e deu glória a
Deus” (Rm 1,17; 4, 19-21).
A fé carismática se manifesta quando uma pessoa é movida a ter uma confiança íntima de
que Deus agirá de forma atual. Essa confiança leva a uma oração convicta, a uma decisão, a uma
firmeza de atitude ou a algum ato que libera a bênção de Deus78 (cf. Mc 11, 22-23; Mt 11, 24; Ex
14, 13-14; 1 Rs 18, 20-40).
Essa certeza é tão especial que Deus age, e o resultado manifesta a glória de Deus. O
padre Ovila Melançon79 ensina que este dom é dado em vista de ajudar a orar “com absoluta
confiança e sem duvidar”.
Na Palavra de Deus existem vários episódios que descrevem a ação poderosa de Deus
movida pela fé:
Rom 4,23-24
Ex 14,10 – Moisés diante das murmurações do povo, ao ver os egípcios se aproximarem.
Ex 14, 13-14 – resposta de Deus.
Ex 14, 16-21 – Moisés estende a mão sobre o mar, confiante que Deus irá operar
maravilhas.
1 Rs 18, 20-40 – Elias e os profetas de Baal – usou Elias o dom carismático, pois agia
com muita autoridade e confiança. A fé dava-lhe a certeza antecipada de que o Senhor
agiria a seu favor.
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4. O exercício do dom carismático da fé
5. Conclusão
CAPÍTULO DÉCIMO
Dom de Milagres
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1. Introdução
2. Conceito
O quinto carisma referido em 1 Cor 12 é o “dom de milagres”. Esse dom pode ser
definido como uma ação do poder de Deus intervindo extraordinariamente em determinada
situação. Algumas curas são milagres, mas este dom não se limita à ação de Deus na restauração
da saúde. Em alguns casos, a ação de Deus é súbita e extraordinária. Quando acontece uma cura
instantânea, é milagre porque o fator intervenção de Deus é óbvio a ponto de não ser refutado.
Ou ainda: “O milagre é um acontecimento ou evento sobrenatural, ou a execução de algo que
seja contrário às leis da natureza; é um fenômeno sobrenatural, que desafia a razão e transcende
as leis naturais; este dom é simplesmente a habilidade dada por Deus de cooperar-se com Ele,
enquanto Ele executa os milagres através de um ato cooperativo com os homens”80.
Todo milagre cristão autêntico aponta para a cruz e a ressurreição, começando com o
milagre inicial da salvação e continuando através de todos os grandes e pequenos milagres
subseqüentes que formam a história de milagres pessoais.
Os milagres são intervenções diretas de Deus na natureza do homem ou na ordem da
criação. Os milagres provam o poder de Deus agindo na vida dos homens, levando-os a uma fé
sempre mais crescente.
3. Jesus e os milagres
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Mc 8, 2; Lc 7, 13). Quantos creram por causa dos milagres de Jesus! Quantos creram n’Ele,
vendo seus milagres e ouvindo a sua palavra!
Os milagres eram também um meio do povo glorificar a Deus: ao curar a mulher que
vivia encurvada fazia dezoito anos (cf. Lc 13, 10ss), o povo foi levado ao entusiasmo; ao
presenciar a cura de um cego em Jericó (cf. Lc 18, 35ss), o povo deu glória a Deus; ao curar o
paralítico em Cafarnaum (cf. Mt 9, 1ss), o povo glorificou a Deus por ter dado tal poder aos
homens; ante ao espetáculo dos mudos que falavam, dos aleijados que eram curados, dos coxos
que andavam, dos cegos que viam (cf. Mt 15, 29-31), o povo glorificava o Deus de Israel; ao
suscitar a fé, possibilitava ver a glória de Deus (cf. Jo 11, 40).
Neste sentido, o milagre não apenas revelava a bondade de Deus e sua compaixão pelos
homens ao curá-los, mas “efetuava também a salvação de Deus. É um ato de força, de poder,
para repelir os adversários de Deus: uma irrupção do divino neste mundo, e ao mesmo tempo um
sinal do mundo vindouro”81. Sinalizava-se deste modo a presença salvífica de Deus em meio aos
homens, e a implantação do seu Reino (cf. Mc 6, 7; 7, 26; Lc 7, 22; 9, 1-6; Mt 12, 28; Lc 7,
18ss).
Os milagres de Jesus confirmavam a sua doutrina – é o que os Evangelhos afirmam em
tantos relatos que trazem. A evangelização de Jesus era acompanhada de sinais prodigiosos, de
milagres, confirmando sua eficácia, seu poder. O mesmo aconteceu com os apóstolos na Igreja
Primitiva: “O Senhor cooperava com eles e confirmava a sua palavra com os milagres que a
acompanhavam” (Mc 16, 20).
4. A Igreja e os milagres
Jesus não guardou somente para si este poder que Ele tem como Filho de Deus; nem o
restringiu somente à ação, aos seus gestos e aos anos em que viveu no mundo. Jesus quis que a
Igreja também fosse participante deste seu poder, para continuar a atrair para Ele os homens de
todos os tempos. Assim, após a ressurreição, Ele deu a mesma missão que teve: “Como o Pai me
enviou, assim também eu vos envio” (Jo 20, 21); “Quem vos ouve, a mim ouve” (Lc 10, 10);
“Quem vos recebe, a Mim recebe, e recebe Àquele que Me enviou” (Mt 10, 40).
Ao escolher apóstolos, “confere-lhes o poder de expulsar os espíritos imundos e de curar
todo o mal e toda a enfermidade; de anunciar o Reino de Deus e de curar os doentes; de
ressuscitar, de purificar os leprosos” (Mt 10, 1-8). E os apóstolos “partiram e percorriam as
aldeias, pregando o Evangelho fazendo curas por toda a parte” (Lc 9, 1-6).
O anúncio do Evangelho e os milagres acompanharam os apóstolos, mesmo depois da
ascensão de Jesus ao Pai. Jesus lhes prometera o Espírito Santo, que lhes daria “força” (cf. At 1,
8), que os “revestiria da força do alto” (cf. Lc 24, 49), para cumprimento de suas tarefas, missão
que Jesus lhes dera, de testemunhá-Lo ante os homens de todos os tempos e nações, “até os
confins do mundo”.
A Igreja Primitiva entendeu que a fé em Jesus, tanto dos apóstolos quanto dos seus
ouvintes, provocaria milagres como confirmação da ação de Jesus, pela força do Espírito Santo
(cf. Gl l 3, 5). É o que se ver, por exemplo, na cura do coxo junto à Porta Formosa do Templo
(cf. At 3, 1ss), realizada por Pedro e João.
No Concílio de Jerusalém, Barnabé e Paulo contaram à assembléia quantos milagres e
prodígios Deus fizera por meio deles entre os gentios (cf. At 15, 12). Deus “fazia milagres
extraordinários por intermédio de Paulo, de modo que lenços e outros panos, que tinham tocado
seu corpo, eram levados aos enfermos; e afastavam-se deles as doenças e retiravam-se os
espíritos malignos” (cf. At 19, 11-12).
Assim como Jesus, ao fazer o milagre em Caná, mudando a água em vinho saboroso,
“manifestou sua glória e os discípulos creram n’Ele” (Jo 2, 11), a glória de Deus continuaria
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48
sendo manifestada pelos “sinais miraculosos” edificando e fazendo crescer a fé dos ouvintes.
Na comunidade cujos membros se deixam guiar pelo Espírito Santo (cf. Rm 8,9.14; Gl 5,
16.25), os milagres se tornam presentes, pois são promessas de Jesus a toda sua Igreja: “Quem
crê em mim, fará também as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas, porque eu vou
para o Pai” (Jo 14, 12).
Cabe, pois, a cada cristão, abrir-se sempre mais a este dom que é também necessário nos
dias de hoje. Há, efetivamente, nos tempos atuais, um reflorescimento dos dons carismáticos na
Igreja; o dom de milagres continua sendo necessário para o surgimento e fortalecimento da fé em
Deus.
Assim, “os casos de curas e de milagres são de todos os tempos, e ninguém que tenha fé
em Deus, duvida que Ele tenha operado as curas, os milagres que por meio de pessoas, quer
diretamente, em resposta à oração de seus santos, da Igreja triunfante ou da Igreja militante”82.
6. Conclusão
BIBLIOGRAFIA
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