CAVEIRA - Operações Policiais Especiais
CAVEIRA - Operações Policiais Especiais
CAVEIRA - Operações Policiais Especiais
Projeto Gráfico/Editoração
Rogério Junkes
Revisão
Vera Lúcia Andrade Bahiense
Capa
Lucius Paulo de Carvalho
Apoio Cultural
Associação de Oficiais da Polícia Militar e do
Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina - ACORS
e Academia de Letras dos Militares Estaduais de Santa Catarina - ALMESC
E-mail: luciuscarvalho@gmail.com
Instagram:
“A felicidade se encontra entre as coisas de valor
inestimável e completas”.
Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) – Ética a Nicômaco.
SUMÁRIO
PREFÁCIO.............................................................................................. 9
1 INTRODUÇÃO.................................................................................... 11
2 OPERAÇÕES ESPECIAIS: AS ORIGENS...................................... 15
2.1 DA ANTIGUIDADE À SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.............. 16
2.2 SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: A ORIGEM DAS
OPERAÇÕES ESPECIAIS CONTEMPORÂNEAS............................... 24
2.3 OPERAÇÕES ESPECIAIS NO MUNDO......................................... 38
2.4 OPERAÇÕES ESPECIAIS NO BRASIL........................................... 45
2.5 OPERAÇÕES POLICIAIS ESPECIAIS:
OS CAVEIRAS DO BRASIL................................................................... 50
2.6 CAVEIRAS COBRA: OS OPERADORES
ESPECIAIS DE SANTA CATARINA...................................................... 62
REFERÊNCIAS...................................................................................... 212
GLOSSÁRIO I – CONCEITOS............................................................ 218
GLOSSÁRIO II – VOCABULÁRIO MILITAR.................................. 221
ANEXO I – ORAÇÃO DAS FORÇAS ESPECIAIS
E ORAÇÃO DA CAVEIRA.................................................................... 223
ANEXO II – UM DISTINTO DEPOIMENTO.................................... 224
ANEXO III – ENXOVAL DO VIII COESP DE SC – 2019................. 225
PREFÁCIO
9
Curso de Ações Táticas Especiais e o Curso de Operações Especiais?
Pois então, o Tenente-Coronel da PMSC Lucius Paulo de Car-
valho, autor desta grandiosa obra, figura entre os poucos policiais que
detém as três habilitações, além de outras. Tal marca é ainda mais
significativa e chancelada pelo fato de ele estar lotado, há mais de dez
anos no BOPE, atualmente na condição de comandante.
O Tenente-Coronel Lucius, em 2021, ano em que completa
uma década de exclusiva e ininterrupta atuação junto ao Batalhão
de Operações Policiais Especiais, nos presenteia com esta instigante,
reveladora e distinta obra literária. Vale frisar que não são apenas
dez anos servindo no BOPE, são também dez anos instruindo, trei-
nando, operando, edificando e consolidando, dia após dia, a doutrina
das Operações Especiais – OE. No âmbito do BOPE, ministrando
instruções nos Cursos de Formação e Aperfeiçoamento da PMSC,
frequentando cursos no Brasil e no exterior, ou neles palestrando, o
Tenente-Coronel Lucius sempre se mostrou, e continua se mostrando,
um entusiasta de tudo aquilo que permeia o peculiar mundo das OE.
Costumo dizer que o Tenente-Coronel Lucius é a personifica-
ção da Caveira, tamanho é o seu comprometimento com as Opera-
ções Especiais. Assim, aqueles que até hoje não tiveram o prazer de
com ele conviver, terão aqui a oportunidade ímpar de conhecer toda
a sua ilibada trajetória profissional - daquele paisano aluno univer-
sitário, que optou por ingressar na PMSC, ao hoje, único e eterno,
Caveira do Gelo 27.
Não me restam dúvidas de que a publicação deste livro garante
que as ideias, os pensamentos e, principalmente, as ações aqui apre-
sentadas fiquem imortalizadas, pois o impecável recorte histórico, e
o registro da vivência profissional do moralizado Caveira do Gelo 27,
evidenciam-se como um referencial teórico de elevadíssima singula-
ridade no campo das Operações Policiais Especiais.
Caveeeeeeeeeeeira!!!
10
1 INTRODUÇÃO
A inspiração para escrever sobre operações policiais especiais
surgiu em comemoração a uma década de serviços prestados, ininter-
ruptamente, no Batalhão de Operações Policiais Especiais – BOPE
de Santa Catarina, e à recordação do rito de passagem para minha
transformação no “Caveira do Gelo 27”, após concluir o Curso de
Especialização em Operações Especiais (CEOE) da Brigada Militar
do Rio Grande do Sul.
Ao ingressar na Polícia Militar de Santa Catarina, em 2004,
descobri no primeiro momento que havia nascido para servir e pro-
teger, vislumbrando o desenvolvimento da minha carreira essencial-
mente na atividade finalística da preservação da ordem pública, razão
de existir de nossa instituição. É indubitável que os Caveiras são os
expoentes da atividade fim, operacional, e tornar-me um deles era
algo que me inquietava. À época, os Caveiras eram policiais raros,
pois houve apenas três edições de COEsp, em 1995, 2000 e 2001.
Quando vistos, pareciam seres míticos, predominantes, invencíveis.
Hoje, o perfil do Caveira faz parte da cultura brasileira e é si-
nônimo de pessoas extraordinárias, fora do comum, acima da média.
Quando alguém afirma: “esse cara é caveira”, referindo-se não ao
policial militar cursado, mas a um vendedor, um prestador de serviço,
um motorista ou qualquer outra profissão, significa que são excepcio-
nais no que fazem. São pessoas arrojadas, corajosas.
A presente obra constitui um apanhado doutrinário das opera-
ções especiais, com conhecimentos compilados durante o tempo que
despendi na preparação das ocasionais aulas de teoria geral das ope-
rações especiais às turmas de 2014, 2016 e 2019, acrescido das mi-
nhas experiências na qualidade de pretenso aluno, professor e opera-
dor. Meu objetivo é incentivar que mais policiais militares busquem a
11
tão sonhada “Caveira”, símbolo de honra e de filosofia de vida, além
de servir de base literária para futuros trabalhos científicos, haja vista
o pequeno número de publicações que tratam das operações policiais
especiais. É perceptível, em todo o Brasil, a queda de candidatos ins-
critos nos Cursos de Operações Especiais, assim como, proporcional-
mente, é cada vez menor o número de concludentes. Certamente um
fenômeno a ser pesquisado.
Dividido em quatro partes, o livro traz na primeira seção as
origens das operações especiais, com base no processo de formação
dos antigos guerreiros e suas características de combate, tais como
espartanos, romanos, vikings, samurais, entre outros. Sabe-se que
tribos, nações e impérios, por milhares de anos, buscaram a criação
dos soldados de elite e a institucionalização desse processo é marcada
pelas operações especiais nas Forças Armadas, a partir da 2ª Guerra
Mundial com os feitos dos Comandos britânicos. No Brasil, os pri-
meiros Caveiras surgem nos Comandos do Exército Brasileiro que, na
década de 70, capacitaram um efetivo policial militar, o embrião para
a posterior fundação do Batalhão de Operações Policiais Especiais do
Estado do Rio de Janeiro - BOPE. Este, por sua vez, foi o berço das
operações policiais especiais de outras Polícias Militares, como a de
Santa Catarina, que formou, em 1995, sua 1ª geração dos Caveiras
Cobra. Os estudos realizados pelo francês Éric Denécé, o americano
James F. Dunnigan, o britânico Peter Young e os brasileiros Paulo
Storani e Marcelo Garcia (Caveira do Gelo 81) são as principais bases
doutrinárias para a construção desse “estado da arte”, que demonstra
a origem das operações especiais militares e policiais.
A segunda seção mergulha nas características do Curso de
Operações Especiais, em peculiar o de Santa Catarina, abordando o
ambiente de treinamento, a numeração dos alunos, a fiscalização das
rotinas, a formação das cangas, a composição do turno, o ritual de
desistência, o cemitério etc. O recorte do curso é dado a partir da
experiência como coordenador, ou seja, o lado liso da prancheta e,
também, a partir da perspectiva do aluno, o lado rugoso da pranche-
12
ta, expressão das operações especiais que fazem analogia deste para
o corpo discente e daquele para o corpo docente.
A terceira seção formaliza importantes aspectos doutrinários
das operações policiais especiais, os quais são relativamente escassos
na neófita ciência policial brasileira. Tem-se como fundamento ocor-
rências de alto risco como as de refém localizado, suicida armado,
incidentes com bombas e explosivos, roubo a instituições financeiras
no estilo Novo Cangaço/Domínio de Cidades, e o combate às facções
criminosas.
Por fim, a quarta seção apresenta uma seleção pessoal com
ocorrências de operações policiais especiais vividas como operador
do BOPE de SC ao longo de dez anos, com a finalidade de demons-
trar as dificuldades, as estratégias e a perseverança em buscar as res-
postas mais adequadas à sociedade catarinense, mesmo com o risco
da própria vida.
Aproveito para registrar, de forma clara e evidente, que no
BOPE nunca se diz “eu fiz isso, fiz aquilo”, jamais! Tudo o que re-
alizamos é fruto de um trabalho de equipe. O Caveira confia ao seu
grupo e ao guerreiro que está ao seu lado aquilo que é o seu bem mais
valioso: a própria vida. Isso nos torna fraternos e fortes, prontos para
cumprir qualquer missão.
Uma das características das operações especiais é a mítica, o
desconhecido para o mundo convencional. Nesse sentido, enfatizo
que o cerne do que está aqui publicado foi apenas organizado con-
forme a minha percepção, pois as principais informações foram ex-
traídas de fontes públicas, presentes em livros, dissertações, repor-
tagens e revistas de todo o mundo. Além disso, vivemos na era da
informação em que a internet viabiliza o acesso ao conhecimento por
diversas formas, dentre as quais, as redes sociais. Em pesquisa rápi-
da, pouco aprofundada, qualquer interessado pode localizar vídeos
institucionais com highlights do início, meio e fim de cursos opera-
cionais; matérias jornalísticas com informações preciosas produzidas
por grandes redes de televisão; diversos perfis oficiais, pessoais ou
13
comerciais em redes sociais como YouTube, Instagram, Facebook,
Twitter etc., com diversos conteúdos esclarecedores sobre a rotina
das unidades, seleção e treinamento. A propósito, não é diferente o
acesso às mesmas informações para as maiores unidades de opera-
ções especiais do mundo como SAS, SEALs, Green Berets, Delta
Force e congêneres.
O passar dos anos aperfeiçoa os processos. A renovação dos
grupos de operações policiais especiais por meio dos Caveiras nova-
tos, somada às tradições dos Caveiras veteranos, faz com que o rigor
seletivo seja sempre constante e tecnicamente mais refinado a cada
curso. Por isso, fica o recado: vá e vença, Caveira!
14
2 OPERAÇÕES ESPECIAIS: AS ORIGENS
15
tes, inquietando ou promovendo confusão no adversário, moldando
realidades e retornando às suas famílias quase sempre inquebrantá-
veis e, ainda, com o compromisso de ter de pagar as suas contas.
Eis que se revela, portanto, a pergunta chave para o presente estudo:
como é possível homens comuns cumprirem missões inacreditáveis?
Para elucubração de tal resposta, nada mais conveniente que
uma breve viagem pela história.
16
E disse o Senhor a Gideão: Muito é o povo que está conti-
go, para eu dar aos midianitas em sua mão; [...] Agora, pois,
apregoa aos ouvidos do povo, dizendo: quem for medroso e
tímido, volte, e retire-se apressadamente das montanhas de
Gileade. Então voltaram do povo vinte e dois mil, e dez mil
ficaram (BÍBLIA, Juízes, 7, 2-3).
Deus dá nova orientação a Gideão, ordenando que enviasse es-
ses 10 mil homens às águas dizendo:
Qualquer que lamber as águas com a sua língua, como as
lambe o cão, esse porás à parte; como também a todo aquele
que se abaixar de joelhos a beber. E foi o número dos que
lamberam, levando a mão à boca, trezentos homens; e todo
o restante do povo se abaixou de joelhos a beber as águas
(BÍBLIA, Juízes, 7, 5-6).
Esses 300 homens que lamberam as águas são, assim, os pri-
meiros operações especiais da história, celestialmente escolhidos,
correspondendo a cerca de 1% do total dos voluntários. Realizada
a seleção, na mesma noite, Gideão separou os 300 homens em três
companhias. Depois, liderou um súbito ataque noturno que deixou os
midianitas confusos e apavorados. Os israelitas faziam grande baru-
lho tocando suas trombetas, quebrando cântaros (vasos), conduzindo
tochas e gritando “Espada do Senhor e de Gideão”. Com o exército
inimigo desestabilizado e em fuga, Gideão o perseguiu e matou seus
líderes, libertando o povo de seus opressores.
Outro conceito importante das operações especiais são as con-
dutas conhecidas como “ações de comandos”, as quais são definidas
como ações diretas, pontuais e cirúrgicas, executadas por pequenos
grupos de maneira não convencional. Nesse sentido, apresenta-se o
Cavalo de Tróia como a primeira façanha dessa natureza. A Guerra de
Tróia, narrada nos poemas épicos da Ilíada, cerca de 1200 a.C, des-
creve um cenário pelo qual um enorme exército grego não consegue
invadir Tróia em razão da intransponível muralha da cidade. Reza
a lenda que um grande cavalo de madeira foi deixado pelos gregos
17
como demonstração de rendição da guerra. Tomado pelos troianos
como símbolo de sua vitória, este “presente de grego” foi carregado
para dentro das muralhas, sem saber que em seu interior se ocultava o
inimigo, dentre os quais Aquiles, o maior guerreiro da época. À noite,
os soldados saíram do cavalo, dominando as sentinelas e possibilitan-
do a entrada do exército grego, levando a cidade à ruína.
Ainda dos gregos, extraímos o exemplo dos Espartanos, ver-
dadeiros soldados de elite, em virtude de sua habilidade, preparação
e espírito combativo, bem como doutrina e armas especiais para a
época. Tinham um modelo de educação orientado à perspectiva mili-
tar em formar cidadãos-guerreiros defensores do Estado. Os recém-
nascidos eram examinados por um conselho de anciãos que ordenava
eliminar os que fossem portadores de deficiência física ou mental.
Desde jovens, os meninos eram enviados pelos pais ao exército para
iniciação de uma vida militar até que aos 30 anos se tornavam oficiais
e recebiam direitos políticos.
Leão, Ferreira e Fialho (2010) explicam que Esparta é um caso
paradigmático de empenho na preparação do jovem para a guerra.
Verdadeira cidade-quartel, essa pólis era uma máquina de combate,
suas instituições haviam sido pensadas e dispostas para que os cida-
dãos estivessem sempre preparados e prontos a entrarem em com-
bate. O tipo de educação instituída tinha o nome técnico de agogê.
Já no nascimento, o Estado eliminava as crianças deficientes ou que
não apresentavam a robustez requerida e estas, a partir dos sete anos,
passavam à posse do Estado.
De cabelo cortado rente, ligeiramente vestidos, pés descalços,
obrigados a dormir sobre uma esteira de canas, sujeitos a uma
vida parca e austera, os jovens espartanos, proibidos de se
dedicarem a trabalhos manuais, viviam em comum, divididos
em grupos, segundo as idades, dirigidos pelo mais avisado de
cada um desses corpos, e aprendiam a obedecer e a suportar a
fadiga e a dor, a falar de forma concisa e sentenciosa [...] essa
educação compreendia treze anos, agrupados em três ciclos:
dos 7 aos 11 anos; dos 12 aos 15; e dos 16 aos 20 [...] Aos
vinte anos, atingido a idade adulta, os Espartanos tinham uma
18
vida familiar muito limitada, continuando a viver em grupos,
tal como combatiam, obrigados a tomarem uma refeição diá-
ria em comum, além de serem sujeitos à preparação física e a
treino militar constantes, de modo a encontrarem-se sempre
prontos a qualquer combate. (LEÃO; FERREIRA e FIALHO,
2010, p. 21 - 23).
Curioso fato dessa educação era o estímulo ao uso da astúcia,
fraude e dissimulação aos jovens na fase de sobrevivência do treina-
mento. Eles eram mal-alimentados, abandonados em regiões desabi-
tadas e “convidados” a roubar para completar a sua ração, mas sem
serem apanhados ou descobertos, pois, nesse caso, seriam severamen-
te castigados com chibatadas. Daí, deduzo uma das máximas que os
coordenadores dos cursos de operações especiais sempre alertam aos
alunos: “O roubo é válido, desde que não seja plotado!”. De Esparta,
sem dúvida, o mais famoso combatente foi o Rei Leônidas, que com
os 300 homens da sua guarda pessoal defendeu o sul da Grécia contra
a invasão persa de 200 mil homens conduzidos pelo Rei Xerxes, no
evento conhecido por Batalha das Termópilas, no ano 480 a.C.
O invencível Alexandre - o Grande (356 a.C. – 323 a.C.), ja-
mais perdeu uma batalha e quando morreu (de febre), com apenas 33
anos, havia conquistado a maior parte do mundo conhecido, sempre
lutando contra forças inimigas maiores. A superioridade relativa de
seu exército era obtida por ações de coragem e audácia, pessoalmen-
te conduzidas pelo intelectual comandante nas linhas de frente das
batalhas. Alexandre costumava se aproveitar do terreno e explorar a
velocidade, por meio de táticas ousadas e armas especiais, a exemplo
da sarissa, lança de 4,30 metros, duas vezes maior que a grega tradi-
cional (CAWTHORNE, 2010).
Em Roma (27 a.C. – 476 d.C.), o vasto império foi mantido por
centenas de anos graças à organização militar romana que aperfeiçoou
“a combinação de seleção, treinamento, boa liderança e longo tempo
de serviço” (DUNNIGAN, 2008, p. 61) para preparar soldados em
um padrão magistral. Uma das citações mais famosas da Antiguidade
- veni vidi vici – cunhada por Júlio César como marca dos seus triun-
19
fos militares (ÖSTENBERG, 2013) e que pode ser traduzida como
“vim, vi e venci”, é fonte de inspiração e relativamente adaptada para
as operações policiais especiais como “vá e vença”, significando os
votos esperados das missões de forma simples e direta.
Ordem militar da Europa Cristã, os Cavaleiros Templários (séc.
XII – XIV) formaram uma sociedade cuja missão era defender e pro-
pagar a fé religiosa. Durante as Cruzadas, eram uma tropa de elite
empregada diretamente contra o inimigo, por meio do choque direto,
mesmo em número inferior, peculiaridade das tropas de Operações
Especiais:
Entende-se que a doutrina dos templários pode ser vinculada
às tropas de operações especiais dos dias atuais, considerando
principalmente a abnegação para preservar a sua elite militar,
os bons costumes, a fidelidade à religião e seus irmãos de
luta. Sua devoção à sociedade cristã é exemplar, o grau de
mobilização era tão elevado que morrer para defender a fé
em Cristo era uma honra. Na atualidade, existe a mesma ab-
negação referente à troca da vida de um soldado de operações
especiais pela do cidadão, em que seja necessário resgatar re-
féns (GARCIA, 2011, p. 27).
Entre os séculos VIII e XI, os Vikings eram expoentes no domí-
nio marítimo e possuíam extraordinária capacidade de realizar ações
especiais. Por atuarem em menor número, normalmente evitavam
grandes batalhas, preferindo a dissimulação dos seus guerreiros, a rea-
lização de emboscadas e as operações noturnas para a desestabilização
dos adversários. “Planejavam exímios ataques de surpresa e os realiza-
vam para a obtenção máxima desse efeito. Sabiam escolher os domin-
gos, feriados ou a hora da missa para agir” (DENÉCÉ, 2009, p. 13).
Transladando para a cultura oriental, o general e filósofo chinês
Sun Tzu (400 a.C. e 330 a.C), conhecido pela obra “A Arte da Guer-
ra”, clássico livro sobre teoria militar, enfatizava a relação entre a
política e a guerra, a necessidade de táticas e estratégias inteligentes e
flexíveis, além de prevenir sobre a imprevisibilidade das batalhas. In-
sistia na peremptória necessidade de obtenção de informações deta-
20
lhadas sobre as forças inimigas, tanto quanto de suas próprias forças:
“Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa te-
mer o resultado de cem batalhas” (SUN TZU, 2011, p. 57). Ao longo
do tratado, há claras recomendações quanto à surpresa, velocidade,
treinamento, dissimulação, inquietação, ações diretas, ataques pela
retaguarda do inimigo, sigilo da missão e moralidade.
Sinônimos de honra e lealdade, os míticos Samurais integra-
vam a ordem guerreira feudal aristocrática que durante muito tempo
dominou o território japonês (séc. VIII – XIX). Estes bravos homens
eram preparados desde a infância para serem fiéis ao Bushido - o
caminho do guerreiro, famoso código de honra e de comportamento.
Cultivavam intensa disciplina, autocontrole, sustentação espiritual,
aperfeiçoamento individual e “servem como ótimo exemplo histórico
para as tropas que desempenham missões que exigem alto grau de es-
pecialidade” (GARCIA, 2011, p. 21). Ao contrário destes, os Ninjas
(séc. VII – XVII) não seguiam um código de ética. O que os vincula-
va aos preceitos das operações especiais era a perícia para a execução
de táticas não convencionais e ardilosas, “o ninja era um especialista:
combatente perito em um certo número de armas e também bom ba-
tedor, rastreador, acrobata e ilusionista” (DENÉCÉ, 2009, p. 15).
21
Figura 1 – Guerreiros históricos: espartanos, romanos, cavalei-
ros templários, vikings, ninjas e samurais.
22
engajados nos campos de batalhas europeus a partir do século XVIII
quase não deixaram espaço para essas operações” (DENECÉ, 2009,
p. 17). Contudo, com a expansão colonial do século XIX, os exércitos
europeus, principalmente o britânico, necessitaram adaptar táticas de
combate para derrotar seus adversários. Para tanto, desenvolveram
operações de contraguerrilha que seriam imprescindíveis nos con-
frontos vindouros. Ademais, na virada do século XIX para o XX, a
industrialização e os avanços tecnológicos foram determinantes nas
batalhas, principalmente com a evolução da aviação, amplamente uti-
lizada na Primeira Guerra Mundial (GARCIA, 2013).
Não obstante a introdução de táticas e técnicas contemporâneas, o
primeiro conflito mundial foi essencialmente estático e baseado no siste-
ma de trincheiras, não havendo desenvolvimento das operações especiais:
Verifica-se que, na Primeira Guerra Mundial, não está difun-
dida a missão de operações especiais, o motivo é o tipo de
conflito, o qual é essencialmente estático. A defesa de pontos
estratégicos era feita através do sistema de trincheiras, não
havia movimentação a não ser para tomar o ponto do inimi-
go, no qual, muitas vezes, o assalto era rechaçado, e a tropa
atacante retornava às suas trincheiras sem qualquer resultado
positivo (GARCIA, 2011, p. 37).
A efetiva consagração das operações especiais contemporâne-
as, com a respectiva institucionalização dessa atividade, ocorreu com
o advento da Segunda Guerra Mundial:
Assim, da Antiguidade até as vésperas da Segunda Guerra
Mundial, as operações especiais foram numerosas, embora o
seu caráter secreto as tenha frequentemente ocultado dos his-
toriadores. A partir da Segunda Guerra Mundial, elas assumem
caráter institucional dentro das forças armadas. Daí em diante,
a atuação dessas forças especiais intensificou-se, seu papel e
efetivos cresceram rapidamente e elas tornaram-se mais im-
portantes do que jamais foram (DENÉCÉ, 2009, p. 21).
A Segunda Guerra Mundial, portanto, passa a ser o “divisor de
águas” da concepção de operações especiais, trazendo à baila toda a
carga doutrinária que ainda é aplicada hodiernamente.
23
2.2 SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: A ORIGEM DAS
OPERAÇÕES ESPECIAIS CONTEMPORÂNEAS
24
estava em mãos aliadas. No Reino Unido, a notícia da evacuação se
espalhou e todas as embarcações com autonomia suficiente, desde
navios militares a pequenos barcos de lazer, zarparam da costa bri-
tânica. O “Milagre de Dunkirk” resultou no resgate de mais de 338
mil soldados, dos quais 110 mil eram franceses. Apesar da evacuação
heroica, o desastre havia sido grande, pois além de derrotado, o Reino
Unido abandonou considerável quantidade de suprimentos e equipa-
mentos, dentre milhares de viaturas, canhões, toneladas de munições
e provisões. Após a retirada de Dunkirk, os alemães continuaram seu
avanço pela França e, assim, levaram cerca de oito milhões de france-
ses a abandonarem suas casas. Quando os alemães entraram em Paris,
no dia 14 de junho de 1940, a cidade estava quase deserta. A rendição
francesa foi oficializada em 22 de junho de 1940.
25
O próximo passo de Hitler, portanto, era a invasão do Reino
Unido. Ocorre que o recém-empossado Primeiro-Ministro, Winston
Churchill, não considerava nenhuma hipótese de rendição. Os ingle-
ses haviam sobrevivido a Dunkirk, mas haviam perdido a maioria de
suas armas e equipamentos na evacuação. Salvo os discursos desafia-
dores de Churchill, só restava à Inglaterra a adoção de uma postura
defensiva.
26
seu exército tenha sido derrotado no campo de batalha?” (YOUNG,
1975, p. 8).
Segundo Young (1975), o Tenente Coronel Dudley Clarke, as-
sistente militar do Chefe do Estado-Maior Imperial, General Sir John
Dill, refletindo sobre as derrotas na França e na Bélgica, recuou no
tempo e trouxe à memória as guerrilhas que foram travadas na Espa-
nha contra os exércitos de Napoleão e a Revolta Árabe na Palestina,
na qual ele mesmo havia servido em 1936. Eram grupos de homens
convictos, usando somente as armas que podiam carregar, sem arti-
lharia, intendência e suprimentos, travando uma guerra de guerrilha
contra um vasto inimigo. Clarke expôs sua proposta a Dill que, por
sua vez, apresentou a Churchill. Em poucos dias, tais planos foram
aprovados e incursões na outra margem do Canal da Mancha deve-
riam ser organizadas o mais breve possível, desde que nenhuma uni-
dade fosse desviada da essencial tarefa de defesa da Grã-Bretanha e
que os guerrilheiros deveriam se satisfazer com a quantidade mínima
de armas.
Esses oficiais e soldados “deveriam ser armados com o que de
mais moderno existisse em termos de fuzis, metralhadoras, grana-
das etc., e ter todas as facilidades no uso de motocicletas e carros
blindados” (YOUNG, 1975, p. 10). Esta configuração levou à for-
mação de um novo estilo de unidade, os Comandos, nome inspirado
nas unidades móveis boêres da África do Sul, que por alguns anos
desafiaram 250.000 soldados britânicos durante a Guerra dos Boêres
(1899-1902).
27
Figura 4 – Tenente Coronel Dudley Clarke, “o homem que
criou os Comandos”.
28
conhecimento do terreno, a própria mobilidade e habilidades
demoníacas no tiro. Para o Churchill de 1940, a solução, com
certeza, estava lá: unidades pequenas, integradas por homens
super treinados, audaciosos, resolutos, equipados apenas com
as melhores armas que pudessem carregar, capazes, principal-
mente, de tomar a iniciativa. Pouco numerosos, os comandos
podiam surgir onde o inimigo não os esperava, e empreender
ações pontuais, rápidas, à noite (DENÉCÉ, 2009, p. 40-41).
Eis que Churchill escreveu para seus chefes de gabinete exigin-
do a criação de forças de assalto que pudessem atacar as costas da Eu-
ropa ocupada. Em poucos dias, circulou uma chamada de voluntários
para a formação da força. A carta que esboçava as condições desse
serviço especial não era reveladora:
Os oficiais-comandantes tinham de se certificar de que so-
mente os melhores fossem enviados, que fossem jovens, ab-
solutamente aptos, capazes de dirigir veículos motorizados
e que fossem imunes a enjôo quando embarcados. Foi um
salto no escuro, pois nada ficou dito sobre o que eles fariam e,
de qualquer modo, a maioria dos oficiais regulares faz ques-
tão de nunca se apresentar como voluntários de coisa alguma
(YOUNG, 1975. p. 12).
Otimistas e com alta mobilidade, as pequenas unidades não
convencionais deveriam operar em todos os cenários e conduzir um
audacioso combate pela retaguarda do inimigo. Onze unidades dos
Comandos, cada uma com 500 homens, foram montadas. Eles come-
çaram a treinar ataques pelo mar e operações combinadas. Tinham o
objetivo de realizar missões de, no máximo, 48 horas. A primeira in-
cursão aconteceu na noite de 23 para 24 de junho de 1940, em cenário
no qual o Comandos n. 11 desconhecia quais forças alemãs estavam
na região de Le Touquet-Boulogne (França). A operação teve danos
mínimos, mas um enorme impacto psicológico (DENÉCÉ, 2009).
Em um ataque de maior expressão e que elevou a moral dos in-
gleses, em março de 1941, Unidades-Comandos progrediram para as
ilhas Lofoten, norte da Noruega, com o principal objetivo de destruir
fábricas que convertiam óleo de peixe em glicerina para explosivos.
29
Preservando o elemento surpresa, desembarcaram sem que um único
disparo fosse realizado. Além de destruir as fábricas e os tanques de
óleo de peixe, capturaram soldados alemães e resgataram colabora-
dores noruegueses, retornando sem nenhuma baixa. Entretanto, seu
mais importante resultado, que na época não pôde ser divulgado, foi
a captura de um conjunto de rotores de uma Máquina Enigma, impor-
tante sistema de codificação e envio de mensagens criptografadas uti-
lizadas pelos alemães, as quais seriam muito úteis para os estudiosos
aliados que estavam tentando decifrar os códigos alemães.
Em dezembro de 1941, quatro Unidades-Comandos desembar-
caram no porto norueguês de Vaagso. Uma grande batalha se deu até
a rendição dos alemães e, antes de baterem em retirada, explodiram
várias fábricas e afundaram navios. Os Comandos executaram muitos
outros ataques ao longo da 2ª Guerra Mundial, o que provocou gran-
de irritação em Adolf Hitler, a ponto de o fazer assinar, em outubro
de 1942, uma ordem de matar todo e qualquer Comandos encontrado,
proibindo-se a prisão:
Desde há muito tempo, os nossos inimigos servem-se de
métodos de guerra contrários às convenções internacionais,
e particularmente notório é o procedimento brutal e pérfidos
dos chamados <<comandos>>, que, e isso foi formalmente
comprovado, são em parte recrutados entre antigos crimi-
nosos libertados em países inimigos. Segundo os documen-
tos encontrados, deduz-se que recebem ordens não só para
acorrentar os seus prisioneiros, mas, além disso, para chaci-
nar imediatamente os prisioneiros sem defesa, logo que con-
cluem que esses prisioneiros se tornam um embaraço para a
consecução dos seus objetivos, ou podem ser, num ou noutro
caso, uma causa de empecilho. Para terminar, foram encon-
tradas ordens mostrando que, em princípio, a chacina dos pri-
sioneiros foi estabelecida. Por essa razão [...] que de agora em
diante a Alemanha proceda de igual modo para com as tropas
britânicas de sabotagem e os seus cúmplices, isto é, que se-
jam chacinados sem piedade pelos alemães, em combate ou
onde quer que sejam encontrados. Em consequência, ordeno:
a partir desta data, todos os inimigos contactados pelas tropas
alemãs durante as expedições ditas <<de comandos>>, tan-
30
to na Europa como em África, quer usem uniforme regular
de soldados ou sejam agentes sabotadores, armados ou não,
serão exterminados até o último, seja em combate ou perse-
guição. Pouco importa que tenham desembarcado de um na-
vio ou que tenham sido trazidos por aviões, ou lançados em
paraquedas; mesmo que esses patifes, uma vez localizados,
decidissem, por princípio, constituir-se prisioneiros, qualquer
piedade deverá ser-lhes recusada. (FLAMENT, 1974, p. 71).
31
e muitos exercícios. Logo que chegavam, os alunos enfrentavam uma
marcha de 25 km, sob pena de não receberem o jantar caso não a re-
alizassem no tempo estabelecido. Eram submetidos desde o primeiro
dia a uma cadência infernal, sem direito a pausa ou tempo ocioso.
Carregavam sempre consigo uma mochila de 20 quilos e uma arma
individual. Todas as manhãs, à alvorada, passavam por inspeção na
qual cada um deveria se apresentar bem barbeado, arma em estado
impecável, uniforme limpo e equipamentos ajustados. Os instrutores
diminuíam cada vez mais o tempo estimado para a execução de qual-
quer atividade, apoderando-se daqueles que apresentavam dificul-
dades. Quando um padrão era alcançado, subitamente mudavam de
ideia como se o último tempo realizado não tivesse o menor interesse,
passando, imediatamente, para outra atividade.
No dia seguinte tudo recomeçava. Após terem obtido dos ho-
mens a resistência física, o ritmo acelerado do trabalho e a habitu-
ação ao perigo, os instrutores passavam a exigir a tenacidade. Tal
programa era feito exatamente para eliminar os fracos. Os oficiais
em curso eram sujeitos ao mesmo treinamento de seus comandados,
com a única diferença que deveriam ser sempre os primeiros a trans-
por um obstáculo quando este fosse muito perigoso ou quando uma
prova necessitava de um esforço excepcional. Os instrutores sempre
lembravam que os trabalhos exigidos nada tinham de impossível e
que os limites da fadiga eram excedidos a cada dia. Tão rápido eram
os progressos que um obstáculo dificilmente transposto na véspera,
parecia irrisório no dia seguinte. “Aqui a coragem aprende-se, a ca-
maradagem inventa-se, a tenacidade forja-se” (FLAMENT, p. 21). A
fraternidade era necessária, pois nenhum homem estava livre de uma
fraqueza passageira ou de um momento em que se sentisse prestes a
desistir. Eles deveriam contar uns com os outros, criando-se rapida-
mente um espírito de corpo. Entretanto, os “pesadões” que sobrecar-
regavam o grupo ou os maus camaradas que abusavam da boa von-
tade alheia, eram impiedosamente abandonados no caminho. Estes,
deixavam a escola e na mesma noite tomavam o comboio para casa.
32
Qualquer pessoa poderia se tornar um Comandos, desde que
tivesse sobretudo força de vontade para aguentar o treinamento até o
fim. O escopo era levar os homens para além dos seus limites, habi-
tuando-os às piores condições de combate, induzindo-os a não se es-
pantar com o perigo, deixando-os prontos a combater e vencer, mas,
sobretudo, sobreviver. Merece destaque a curiosa tradição do cemi-
tério simbólico dos que falharam durante o treinamento, falecendo
durante o curso, por não observarem regras de segurança ou errarem
na execução dos exercícios:
As sepulturas alinham-se diante da entrada principal do cam-
po: <<Soldado John Birney, morto em serviço. Em 7-1-1942
foi gravemente ferido na cabeça por estilhaços de granada.
Morreu em consequência dos ferimentos. Uma execução
mais rápida das ordens dadas teria evitado a sua morte>>. Há
que se passar várias vezes por dia diante destas sepulturas.
São falsas. Cada cruz tem um letreiro. Podem-se assim ler
as circunstâncias exactas em que os candidatos a comandos
morreram ali, durante o treino. Cada um deles cometeu um
erro. Imperdoável, como o demonstra a observação indicando
de que maneira o acidente, em cada caso, poderia ter sido evi-
tado. Os instrutores sorriem: - Ainda há lugar” (FLAMENT,
1974, p. 18)
Outro símbolo mítico é a faca Fairbain-Sykes ou faca Coman-
dos desenvolvida por dois instrutores de Achnacarry, os militares
William Ewart Fairbairn e Eric Anthony Sykes. A faca de combate se
tornou a marca dos Comandos britânicos em decorrência da regular
utilização desta arma desenvolvida exclusivamente para matar por
meio de métodos de combate corporal, nos quais a capacidade de
liquidar os soldados inimigos em silêncio era fundamental.
33
Figura 5 – Além de exercícios de sobrevivência e lições de sa-
botagem, técnicas para matar com o uso da faca Fairbain-Sykes eram
ensinadas no curso de formação de Comandos.
34
a Luftwaffe, alemã, e a RAF (Royal Air Force), inglesa, resultando
no bombardeio de muitas cidades, inclusive Londres. O desenvolvi-
mento de um sistema de defesa aérea com uso de radares e observa-
dores pelos ingleses foi crucial para detecção a longas distâncias das
aeronaves alemãs e a elaboração das melhores estratégias de prote-
ção. Além disso, os pilotos da RAF estavam lutando em casa e eram
tratados como heróis nacionais, fato que mantinha suas motivações
sempre elevadas. As invasões pelo Canal da Mancha estavam esta-
bilizadas, em princípio, porque a Marinha Real inglesa era extrema-
mente forte.
Ainda que com muitas baixas em ambos os lados, a rendição
inglesa jamais era considerada. Mesmo contra todas as probabilida-
des a RAF se saía vitoriosa e após reiterados ataques aéreos, a Luf-
twaffe cai em descrédito com Hitler. Os barcos na costa francesa e
os soldados são realocados. A Operação Leão-Marinho de ocupação
da Inglaterra é cancelada. Após a derrota da França e a evacuação de
Dunkirk, a onda nazista na Europa havia sido controlada.
Hitler volta sua atenção para o ataque à União Soviética, seu
plano de longa data, descumprindo o pacto de não agressão assinado
entre as duas nações, em 1939. Ele odiava o comunismo e via a abun-
dância de recursos naturais do país como o prêmio que finalmente
permitiria ao povo alemão se tornar a raça superior. Inicia-se, assim,
um ousado plano de invasão que parecia bem-sucedido no início da
ocupação, especialmente com o emprego dos panzers e os conceitos
da blitzkrieg. Ocorre que no cerco de Moscou, o tempo foi o prin-
cipal aliado dos soviéticos. Primeiro, as fortes chuvas criaram um
cenário de lama que impedia a progressão logística dos nazistas. Em
seguida, um rigoroso inverno acometeu o exército alemão que estava
despreparado para as baixas temperaturas, oportunizando um grande
contra-ataque do exército vermelho. Em uma sequência de manobras
táticas no interior da União Soviética, uma longa e sangrenta batalha
na cidade de Stalingrado, resultou em isolamento e destruição dos
nazistas. Os meses seguintes marcaram a virada do exército vermelho
35
e a retomada da União Soviética, além da perda de muitos homens,
tanques e armamentos por parte dos alemães. A derrota na Rússia foi
um duro golpe que celebrou o declínio do Reich nos idos de 1943.
Nesse ínterim, os Estados Unidos da América já havia ingressa-
do na guerra em decorrência do ataque do Japão a Pearl Harbor, base
naval americana no Oceano Pacífico, reforçando o grupo dos Aliados.
A tentativa de construção do império japonês com a conquista de di-
versas colônias britânicas, francesas e holandesas na Ásia, também já
estava em processo de decadência. De igual modo, fracassada estava
a tentativa do ditador italiano Benito Mussolini em construir o novo
Império Romano incorporando o Mediterrâneo e o norte da África.
A questão agora era a retomada da Europa dominada pela Ale-
manha. O alvo óbvio era a Itália, enfraquecida pelas campanhas na
África. Pela Sicília, EUA e Reino Unido realizaram a progressão,
fato que motivou a derrubada de Mussolini por meio de uma revolta
popular. O novo governo iniciou conversas sobre um armistício com
os Aliados. A capital, Roma, foi libertada dos alemães em junho de
1944 e o resto do país em 1945. Benito Mussolini foi capturado pelas
forças partidárias italianas, fuzilado e seu cadáver foi pendurado, pe-
los calcanhares, em Milão. Sua guerra foi uma catástrofe para o país.
O domínio da Itália deixou exposto o flanco sul dos nazistas.
No oeste, as forças aliadas se preparavam para abrir uma nova
frente pelo noroeste da França. O cenário estava pronto para uma das
mais notórias batalhas da 2ª Guerra Mundial, o “Dia D”, 6 de junho
de 1944, quando os Aliados desembarcaram na costa da Normandia,
missão que foi executada por tropas britânicas, americanas, australia-
nas, com a participação dos Comandos. Progressivamente, a França
foi recuperada e, com tropas alemãs se retirando em todas as frentes,
a tomada de Berlim era uma questão de tempo. A fase final da guerra
na Europa estava prestes a se desenrolar. Entretanto, mesmo enfra-
quecidos, os alemães apresentavam extrema resistência
Durante a penetração nos territórios ocupados pelos alemães,
os Aliados efetuaram a descoberta mais chocante da história moder-
36
na, o verdadeiro horror do regime nazista: o holocausto. Os campos
de concentração, montados para trabalho escravo e extermínio em
massa dos judeus, foram primeiramente encontrados pelo exército
vermelho, todos localizados na Polônia. Mais tarde, os Aliados loca-
lizaram outros campos na Alemanha Central. Estima-se que mais de
6 milhões de pessoas foram exterminadas nos campos nazistas.
No início de 1945, o Reich entrava em colapso. Hitler, mui-
to medicado e enfraquecido, emitia ordens cada vez menos realis-
tas para exércitos em grande parte imaginários. A última defesa de
Berlim se deu por jovens, velhos, fanáticos e o que havia sobrado
do exército alemão. A cidade foi invadida pelo Exército Vermelho e,
em 30 de abril, Adolf Hitler comete suicídio (apesar da existência de
teorias que sustentam uma suposta fuga). O final efetivo da guerra
ocorreu com os ataques nucleares às cidades japonesas Hiroshima e
Nagasaki. Nesta, os EUA lançaram uma bomba atômica de plutônio,
a Fat Man, e, naquela, a Little Boy, a base de urânio.
De todos os ensinamentos aprendidos durante a 2ª Guerra
Mundial, portanto, nos interessam os conceitos relativos à doutrina
de “base comandos”, fundada no rigoroso processo seletivo e treina-
mento dos homens mais resolutos e resilientes, dispostos a cumprir
missões de altíssima complexidade, sob quaisquer circunstâncias,
nos locais onde o inimigo está estabilizado.
Na contracapa de sua obra, Young (1975, p. 162) resume o con-
ceito dos soldados-fantasmas:
Nos “Comandos” só os melhores recrutas ingressavam. De-
viam ser jovens, perfeitamente aptos e capazes de dirigir qual-
quer veículo. Tinham que ter estômago forte e saber manejar
com destreza qualquer arma. Acima de tudo, deviam aliar qua-
lidades de iniciativa com alta percepção tática de infantaria, a
grande virtude que pode apresentar o soldado de qualquer arma
ou posto. A propaganda fez desses magníficos militares uma
imagem aterrorizante. No fundo, porém, eram bem humanos!
Flament (1974, p. 334), um pouco mais poético, também des-
creve na contracapa de seu livro:
37
Os COMANDOS não têm rosto, envolvidos na noite, surgem
silenciosamente do mar. Implacáveis. Violando as costas da
França e da Noruega, lançam-se em ataques da mais louca
audácia. Com desumana temeridade, em grupos de cinco ou
seis, constituem um exército. Atacam com nervos de aço e
armas novas, armas desconhecidas. Friamente, com uma
precisão desconcertante e incomparável perícia. Rajadas; ex-
plosões; gritos. Depois, subitamente, o silêncio. Nos seus na-
vios fantasmas, os comandos desaparecem num ápice. Feras
guiadas por um instinto secreto repassado de mistério, não
tardam em voltar, em bandos maiores, mais sequiosos do que
nunca de glória e de ação, impelidos por uma vontade e uma
coragem das mais frias, dispostos aos mais loucos sacrifícios.
Então começa a epopeia...
O serviço prestado pelos Comandos foi da mais alta relevân-
cia para os Aliados durante o conflito, introduzindo os princípios do
que hoje é conhecido como “ação de comandos”, correspondentes
às ações diretas, pontuais, específicas e não convencionais, em uma
guerra convencional. Durante e após a guerra, tais doutrinas se espa-
lharam e permanecem em todo o mundo, institucionalizando as tro-
pas especiais e as ações “não convencionais”.
38
nados, treinados, equipados e levados a um alto padrão. São simples-
mente melhores que os adversários e tendem a obter vitórias rápidas,
mesmo com inferioridade numérica. São completos em sua prepara-
ção e especialmente prontos para o combate em qualquer modalidade,
seja ela terrestre, marítima ou aérea, assim como são aptos a desen-
volver operações em terrenos específicos, tais como selva, montanha
e neve. Fala-se em institucionalização desses conceitos a partir da 2ª
Guerra Mundial porque, antes disso, a produção dos Perfect Soldiers
era “deixada de lado” pelos países em razão do custo financeiro ele-
vado. Tais tropas eram e são caras. O treinamento demora anos para
sua consecução (DUNNIGAN, 2008).
Tão desejados em tempo de guerra, os Perfect Soldiers são
vistos como uma despesa desnecessária em tempo de paz. Entre os
séculos XIX e XX, as nações mais importantes do planeta adotaram
o “sistema de reserva” dos exércitos, onde quase todo jovem era re-
crutado, recebia dois ou três anos de treinamento e, então, ficava na
reserva por 15 anos ou mais. Com o conflito mundial, percebeu-se
que esse sistema apresentava a desvantagem de contar com soldados
mal treinados que morreriam antes de garantir a vitória. Notou-se que
soldados profissionais bem treinados eram muito mais eficientes que
conscritos e reservistas. As democracias mais industrializadas aban-
donaram o recrutamento para confiar em Forças Armadas menores
e no voluntariado, permitindo o surgimento dos modernos Perfect
Soldiers (DUNNIGAN, 2008).
No início dos anos de 1950, apareceram as duas primeiras or-
ganizações de Perfect Soldiers: o SAS (Special Air Service) britânico
e as Forças Especiais norte-americanas.
Derivados dos próprios Comandos britânicos durante a Se-
gunda Guerra Mundial, os SAS são os atuais Comandos de elite das
Forças Armadas britânicas. Serviram de modelo para todas as forças
especiais do mundo. Idealizado em 1941 pelo Tenente Coronel David
Stirling, o SAS diferia dos Comandos originais em poucos aspectos,
sendo que os candidatos a SAS tinham de ser mais qualificados e
39
habilidosos que um Comandos de nível médio, eram mais bem trei-
nados e atuavam em equipes de cinco homens. O modelo foi tão bem-
sucedido que forneceu o padrão de Força de Operações Especiais
pós-guerra. “Quem ousa, vence” (Who dares wins) é o lema gravado
no símbolo do SAS (MCNAB, 2014).
Em outubro de 1945, a Brigada SAS foi oficialmente dissolvi-
da. Dois anos depois, em 1947, o Regimento SAS do Exército Terri-
torial é formado. Os integrantes do SAS no pós-guerra se tornaram
um ícone das operações especiais por serem hábeis combatentes de
selva, deserto, montanha, ambientes urbanos europeus e orientais. A
sua primeira missão foi na Malásia, na década de 50, onde comba-
teram o comunismo e insurgentes malaios. De 64 a 67 conduziram
operações em Aden (Yemen) contra forças antibritânicas. De 69 a 94,
participam dos conflitos na Irlanda do Norte realizando operações an-
titerroristas contra membros do IRA. Na década de 70, por seis anos,
ajudam o governo de Omã a derrotar os revolucionários comunistas.
Em maio de 1980, o SAS conduz sua mais famosa ação, a Operação
Nimrod, libertando reféns da Embaixada do Irã em Londres. Em 82,
envolve-se em operações na Guerra das Malvinas (Falklands War)
contra forças argentinas que haviam invadido a Ilha. No entanto, o
SAS sofre uma de suas piores tragédias quando 18 membros do Es-
quadrão D morrem em um acidente de helicóptero. Em 1989, inte-
grantes do SAS são enviados à Colômbia para treinar as forças poli-
ciais e as unidades militares na guerra contra a produção e o tráfico
de drogas. Entre 90 e 91, esquadrões SAS são enviados à Guerra do
Golfo para ações de reconhecimento e ataque contra as comunica-
ções iraquianas, rotas de suprimento e lançadores de mísseis. Desde
2001, forças SAS são destacadas ao Afeganistão em resposta aos ata-
ques terroristas nos EUA (MCNAB, 2014).
O processo para escolha de um integrante SAS é um dos mais
rigorosos do mundo. O índice de reprovação é de 90%. Duas vezes
por ano, uma no inverno e outra no verão, cerca de 150 candida-
tos chegam à Base Stirling Lines, na cidade de Hereford, Inglaterra,
40
com a intenção de se juntar às fileiras da elite. Menos de 15 soldados
permanecem. O curso contém duas fases chamadas de Selection e
Continuation Training. A Selection possui o período de 4 semanas,
resumindo-se a longas marchas, navegação e exercícios de resistên-
cia. O candidato age isolado e sempre é levado ao seu limite. É o
período com maior registro de desistências. No Continuation Trai-
ning, com duração de 14 semanas, o candidato é avaliado em rela-
ção à capacidade de adquirir as habilidades do soldado do SAS, com
treinamentos em ambientes confinados, procedimentos operacionais,
táticas fundamentais de combate do SAS como a patrulha de quatro
homens, manobras secretas, técnicas de reconhecimento, métodos de
inserção, exercícios de contato, armamento (inclusive estrangeiros)
e tiro, demolições, condução de vários veículos de combate, artes
marciais, primeiros socorros, sobrevivência, além da mística fuga e
evasão (Escape and Evasion – E&E). O recruta pode ser retirado a
qualquer momento e, se vencer as 14 semanas, estará dentro e rece-
berá a boina bege SAS (MCNAB, 2014).
Já os Estados Unidos, no pós-guerra, passam a despontar como
uma das maiores potências mundiais. A Guerra Fria e o combate ao
comunismo fizeram com que o país priorizasse o desenvolvimento
das forças militares. Mais tarde, surge a Guerra ao Terror e ataques
terroristas como o fatídico 11 de setembro de 2001, que demanda-
ram a ampliação de investimentos em escala progressiva. As For-
ças Armadas dos Estados Unidos (United States Armed Forces) são
constituídas pelo Exército (U. S. Army), Marinha (U. S. Navy), Corpo
de Fuzileiros Navais (U. S. Marine Corps), Força Aérea (U. S. Air
Force) e Guarda Costeira (U. S. Coast Guard).
Para o emprego coordenado das tropas especiais americanas, foi
instituído em 1987 o Comando de Operações Especiais dos Estados
Unidos (United States Special Operations Command - USSOCOM).
Trata-se de um grande comando combinado que sincroniza o empre-
go das forças de operações especiais, independentemente do coman-
do da Força Armada que estiver subordinada, quando da necessidade
41
de atuação de interagências. O USSOCOM conduz diversas missões
secretas e clandestinas, tais como a ação direta, reconhecimento es-
pecial, contraterrorismo, assuntos civis, defesa interna estrangeira,
guerra não convencional, guerra psicológica, operação de informa-
ções e operações de combate às drogas.
Das forças de operações especiais americanas, as mais notórias
são os Rangers, Forças Especiais (Special Forces) e Força Delta (Del-
ta Force) pertencentes ao Exército, além dos SEALs da Marinha. Em
1942, o Exército dos Estados Unidos decidiu compor seus próprios
Comandos e os batizou como Rangers, nome inspirado nos Rangers
do século XVIII, que foram liderados pelo Major Robert Rogers. O
1º Batalhão Ranger foi formado por um grupo de voluntários norte
-americanos que se engajaram num treinamento com os Comandos
britânicos. Atualmente, os Rangers ainda são comandos no sentido
clássico da 2ª Guerra Mundial, formados por soldados de infantaria
leve, treinados para efetuar missões específicas. Atuaram nas guerras
da Coreia, do Vietnã, do Afeganistão e do Iraque. Atualmente, o 75º
Regimento Ranger é a maior unidade militar de alta prontidão emer-
gencial e está sediado no Fort Benning – Georgia. Para integrar o
Regimento, o candidato precisa ser aprovado em um rigoroso progra-
ma de avaliação e seleção Ranger (Ranger Assessment and Selection
Program - RASP) com duração de 8 semanas. Após a conclusão do
RASP, o candidato passa por uma segunda fase de seleção na Escola
Ranger (Ranger School), frequentando um curso de 61 dias, rigoro-
síssimo, com uma taxa de reprovação de 60%. Os alunos treinam até
a exaustão, forçando os limites de suas mentes e corpos. O programa
prioriza a desenvoltura, resistência física, habilidade de pensar em
situações de estresse e insônia. Os alunos não usam identificações de
posto ou graduação, ocupam a mesma posição durante o treinamento
e cada um tem a oportunidade de liderar a fração em exercícios rea-
listas de campanha (DUNNIGAN, 2008).
Os Forças Especiais (Special Force), também conhecidos por
Boinas Verdes (Green Berets), foram inspirados no SAS britânico e
42
criados na década de 50. Tornaram-se conhecidos com a Guerra do
Vietnã, mas atuaram em todas as guerras de interesse dos Estados
Unidos. Com ênfase na “guerra de guerrilha”, infiltram-se no territó-
rio inimigo ocupado e organizam potenciais resistências. Executam
uma variedade de missões, incluindo guerra não convencional, re-
conhecimento especial, ação direta, defesa interna estrangeira etc. A
formação de um Special Force é rigorosa e altamente seletiva. Além
do treinamento básico de combate (Basic Combat Training), os sol-
dados devem ter concluído o treinamento individual avançado (Ad-
vanced Individual Training) e a Escola Aérea do Exército dos EUA
(U.S. Army Airborne School) para se candidatarem ao treinamento das
Forças Especiais cuja duração é de, aproximadamente, 61 semanas.
A Força Delta (Delta Force), oficialmente conhecida como 1º
Destacamento Operacional das Forças Especiais do Exército - Delta,
é uma das unidades mais secretas dos EUA. Criada em 1977, a Delta
exige que seus operadores realizem uma variedade de missões, in-
cluindo contraterrorismo (especificamente para matar ou capturar al-
vos de alto valor), ação direta, resgate de reféns, missões furtivas com
a CIA etc. A maioria dos voluntários da Força Delta já são Rangers
ou Boinas Verdes. Cerca de 90% dos candidatos não conseguem ser
aprovados. Aqueles aceitos se submetem a um curso de treinamento
de dois anos. Costumeiramente não usam uniformes, não são apega-
dos a formalismos militares, suas identidades são altamente preserva-
das e são constantemente treinados. (DUNNIGAN, 2008).
Da Marinha americana, uma das tropas mais famosas e especia-
lizadas do mundo, o grupo SEALs, acrônimo de Sea (mar), Air (ar) e
Land (terra), foi fundado em 1962 pelo presidente John F. Kennedy.
São treinados para cumprirem missões de contraterrorismo, captura
de inimigo ou terrorista de alto valor, ataques de curta duração, re-
conhecimento especial, defesa externa estrangeira, inserções e extra-
ções em pontos estratégicos, entre outras. Os Navy SEALs operam
em todos os tipos de ambientes, incluindo áreas urbanas, desérticas,
montanhas, florestas e do ártico. As infiltrações em um objetivo de
43
combate ocorrem por uso de qualquer meio, paraquedas, submari-
no, helicóptero, barco de alta velocidade, patrulha a pé ou a nado. O
processo de formação de um SEAL é brutal. A preparação consiste
em mais de 12 meses de treinamento inicial, incluindo Escola Bási-
ca de Demolição Subaquática (Basic Underwater Demolition/SEAL
BUD/S School), Escola de Salto de Paraquedas (Parachute Jump
School) e Treinamento de Qualificação SEAL (SEAL Qualification
Training - SQT), seguidos por 18 meses adicionais de treinamen-
to pré-implantação e treinamento especializado intensivo. Uma das
mais notórias etapas do processo de formação é a Semana do Inferno
(Hell Week), período ininterrupto de cinco dias e cinco noites de trei-
namento intenso com pequenas pausas para sono e alimentação que,
em seu conjunto, não ultrapassam quatro horas. A Semana do Inferno
é promovida pela escola BUD/S.
Os SEALs são formados por oito equipes, divididas em áre-
as de concentração conforme o continente de atuação: África, Ásia,
América, Europa etc. Há um grupo de elite, o SEAL Team Six, for-
malmente identificado por DEVGRU (United States Naval Special
Warfare Development Group - Grupo Naval Especial de Desenvol-
vimento de Guerra), composto de SEALs selecionados das equipes
existentes, que se assemelha à Força Delta nos quesitos emprego e
nível de treinamento. O DEVGRU tornou-se famoso por realizar a
operação que culminou na morte do terrorista Osama Bin Laden, em
2011, no Paquistão.
Ainda sobre o conjunto americano de forças de operações es-
peciais, vale mencionar a neófita MARSOC (Marine Corps Forces
Special Operations Command), do Corpo de Fuzileiro Navais, fun-
dada em fevereiro de 2006. A MARSOC também integra o sistema
coordenado pelo Comando de Operações Especiais dos Estados Uni-
dos (United States Special Operations Command - USSOCOM) com
missões de ação direta, contraterrorismo, contra insurgência, defesa
interna estrangeira e assistência das forças de segurança.
Atualmente, é possível listar diversos exemplos de forças de
44
operações especiais em todo o mundo, especialmente nas nações com
grandes exércitos que, inclusive, contam com mais de uma unidade
especial, as quais seguem padrão de seleção e treinamento diferencia-
dos, com escopo no militar de alta performance investido de equipa-
mentos de última tecnologia como, por exemplo:
- Alemanha: KSK (Kommando Spezialkräfte);
- Austrália: SASR (Australian Special Air Service);
- Canadá: JTF2 (Joint Task Force 2);
- Coréia do Sul: 707º Batalhão de Missões Especiais.
- Índia: MARCOS (Marine Commandos).
- Israel: Shayetet 13;
- Finlândia: Jaeger Brigade;
- França: Commandos Marine;
- Itália: COMSUBIN (Commando Raggruppamento Subacquei
ed Incurisori);
- Holanda: KCT (Korps Commandotroepen);
- Nova Zelândia: NZSAS (New Zealand Special Air Service);
- Rússia: Spetsnaz Alpha Group.
- Suécia: SSG (Särskilda Skyddsgruppen).
Por fim, ímpar é o registro de Dunnigan (2008, p. 301) ao tra-
tar das “Verdades das Forças de Operações Especiais”, evidenciando
que os homens são mais importantes que o material; a qualidade pre-
pondera sobre a quantidade; as Forças de Operações Especiais não
podem ser produzidas em massa e não podem ser improvisadas após
a ocorrência de emergências.
45
O Exército Brasileiro (EB) realizou, entre 1957 e 1958, o pri-
meiro Curso de Operações Especiais, formando os 16 pioneiros, en-
tre oficiais e sargentos, os quais, peculiarmente naquela oportunida-
de, participavam ora como instrutor de sua especialidade, ora aluno
de seus colegas de curso. Os objetivos básicos da formação eram
a infiltração na retaguarda do inimigo, sabotagem, destruição, con-
quista de postos-chaves, reconhecimento estratégico, instrução de
guerrilheiros, captura de lideranças inimigas e socorro às populações
ameaçadas por catástrofes.
Em 1961, um pequeno grupo de militares formados no Curso
de Operações Especiais é enviado aos EUA para conhecer como Ran-
gers e Special Forces, se organizavam e eram treinados, com intuito
de incorporar tais técnicas ao Exército Brasileiro. Em 1966, o Curso
de Operações Especiais é dividido em dois: os atuais Curso de Ações
de Comandos e Curso de Forças Especiais (PINHEIRO, 2008).
O Curso de Ações de Comandos (CAC) é destinado a oficiais
(até o posto de Capitão) e sargentos de carreira do Exército, com
previsão de vagas para militares da Marinha, Força Aérea e nações
amigas. É um dos cursos de maior exigência física e psicológica das
Forças Armadas. Os alunos são submetidos a variadas simulações de
combate e em diferentes ambientes operacionais. A fome, o frio, o
sono e a fadiga são companheiros inseparáveis. Liderança, iniciativa,
controle emocional, coragem, autoconfiança e perseverança são qua-
lidades indispensáveis a quem deseja concluir o curso com aprovei-
tamento (PINHEIRO, 2008).
Com duração de 14 semanas, o Curso de Ações de Comandos
capacita o profissional a agir com o emprego de técnicas, táticas e
procedimentos específicos das operações especiais, atuando em am-
bientes operacionais variados (montanha, ambiente urbano, caatinga
e selva), conduzido em ritmo de operações contínuas com esforço fí-
sico intenso e prolongado, buscando evidenciar os conteúdos atitudi-
nais de um Comandos, mantendo-se focado e automotivado (EXÉR-
CITO BRASILEIRO, 2020).
46
A média de aprovação varia em torno de 25% a 30% do total de
inscritos. A edição do curso, em 2018, contava com 107 candidatos,
restando, após uma semana de curso, somente 56 militares. De acor-
do com um instrutor do CAC, conclui o curso o militar com melhor
preparo psicológico e não o mais técnico ou o mais bem preparado
fisicamente, “se não fosse assim, todo militar Calção Preto (os mili-
tares que fazem o Curso na Escola de Educação Física do Exército)
seriam um Comandos”. O curso conta com uma equipe de instrutores
e monitores, todos Comandos, muitos com experiência em atuações
reais. Ao final do CAC, os alunos-comandos são capazes de aplicar
técnicas de primeiros socorros; de se orientar por meio de carta topo-
gráfica e GPS; de aplicar as técnicas de combate corpo a corpo à mão
livre, com faca, com armas curtas, com armas longas e com baioneta;
de instalar rádios e operar com sistemas criptografados; de conhecer
o terreno e ser capaz de atuar na selva, na caatinga, na montanha e
no mar; utilizar explosivos militares e comerciais; de identificar as
características dos armamentos e executar o manejo; de empregar a
técnica de tiro; e de realizar operações (EXÉRCITO BRASILEIRO,
2018).
O “Gorro Preto” e a “Faca na Caveira” são os principais sím-
bolos dos Comandos. Pela descrição heráldica, a caveira simboliza
a morte, sempre presente em uma ação de comandos. A faca com a
lâmina vermelha significa o sigilo da missão e o sangue derramado
pelos combatentes. O fundo verde representa as matas do Brasil. O
negro é a noite escura, momento ideal para a execução de uma ação
de comandos (EXÉRCITO BRASILEIRO, 2020).
47
Figura 6 – Faca na Caveira: símbolo dos Comandos do Brasil.
48
Na Marinha do Brasil, as duas unidades que executam as ope-
rações especiais são o Grupamento de Mergulhadores de Combate
(GRUMEC) e o Batalhão de Operações Especiais de Fuzileiros Navais
(também conhecido por Batalhão Tonelero). O que basicamente os di-
ferencia é o campo de atuação, ou seja, este possui prioridade no am-
biente operacional terrestre e aquele no aquático (PINHEIRO, 2008).
A história do GRUMEC tem início nos anos seguintes à Se-
gunda Guerra Mundial por meio de estreita cooperação com a Marinha
norte-americana. A parceria possibilitou a formação básica dos primei-
ros mergulhadores de combate (MECs) junto à US Navy. Em 1964,
militares brasileiros concluíram o recém criado curso dos SEALs. Com
duração de 42 semanas, o Curso de Aperfeiçoamento de Mergulhador
de Combate para oficiais e, de 24 semanas, o Curso Especial de Mer-
gulhadores de Combate para praças. (PINHEIRO, 2008).
Também na Marinha, o Batalhão Tonelero, criado na década
de 70, dispõe do Curso Especial de Comandos Anfíbios (CESCO-
MANF), no Rio de Janeiro, com duração de 20 semanas, para a for-
mação dos Fuzileiros Navais, com registro de concessão de vagas a
forças policiais (PINHEIRO, 2008). Destinado a oficiais e praças, o
curso é dividido basicamente em três etapas: adaptação, com priori-
dade aos testes físicos e psicológicos; aprimoramento, com ênfase à
capacidade técnica e intelectual; e consolidação, destinado ao plane-
jamento e aplicação prática das técnicas especiais.
49
A Força Aérea Brasileira dispõe do Esquadrão Aeroterrestre de
Salvamento (EAS), mais conhecido como PARA-SAR, para a rea-
lização de operações especiais, principalmente as de busca e salva-
mento. A nomenclatura “Para” se refere a paraquedismo e “SAR” à
busca e salvamento “Search And Rescue” (PINHEIRO, 2008).
O militar que atinge o grau máximo na progressão operacional
do EAS, recebe o título de “Pastor”, uma referência ao cão da raça
pastor alemão, caracterizado pelos predicados de amizade, lealdade,
vigilância e agressividade se necessário, e conquista a qualificação
de paraquedista operacional especializado em operações especiais.
Isso significa que ele concluiu sete cursos obrigatórios, quais sejam,
paraquedista básico, salto livre militar, curso SAR, mestre de salto
precursor, mestre de salto livre, paracomandos e mergulho autônomo.
Voltado para ações de operações especiais, o curso de paracomandos
prepara o militar para atuar em situações complexas, principalmen-
te em casos de infiltração atrás das linhas inimigas. Normalmente,
menos de 50% conseguem concluir o curso de três meses (FORÇA
AÉREA BRASILEIRA, 2013).
50
Operações Policiais Especiais – BOPE, da Polícia Militar do Estado
do Rio de Janeiro, criado em 1991 (DUNNIGAN, 2008). A gênese da
unidade decorre do Núcleo da Companhia de Operações Especiais –
NuCOE, formado em 1978 para atender ocorrências que fugissem à
capacidade física, técnica e psicológica das unidades da Polícia Mili-
tar. No mesmo ano, há a edição do 1º Curso de Operações Especiais
– COEsp, processo seletivo pautado em fundamentos rígidos e na
criação de valores próprios. Em 1980, é criado símbolo do BOPE,
emblema com o seguinte significado: o disco preto representa o luto
permanente; a borda em vermelho remete ao sangue derramado em
combate; o crânio humano corresponde à morte; o sabre de combate
trespassado de cima para baixo descreve a vitória sobre a morte em
combate e, as duas garruchas douradas cruzadas retratam o sinal in-
ternacional de polícia militarizada (STORANI, 2008).
51
alcançada com a vitória sobre o que mais se pode temer na batalha:
a morte. Também em 1980, passa-se a adotar o distintivo do Curso
de Operações Especiais carioca, cujo conjunto do emblema reproduz
os mesmos significados da unidade, acrescido de dois ramos de louro
que representam a vitória pelo sacrifício da passagem e conclusão do
programa de treinamento. Somente aqueles que conseguem terminar
o programa de treinamento têm o direito de ostentar tal glorificação
e ser intitulado de Caveira, o suprassumo da atividade operacional
policial (STORANI, 2008).
52
Fato é que, ao longo de sua existência, o Batalhão de Opera-
ções Policiais Especiais da Polícia Militar do Estado do Rio de Ja-
neiro atingiu um nível de excelência operacional reconhecido pelas
melhores equipes de forças especiais do planeta por sua inigualável
capacidade de manobra sob fogo cerrado em ambientes urbanos de
geografia desfavorável.
No Brasil, as unidades policiais militares de operações espe-
ciais se espelharam no modelo desenvolvido no Rio de Janeiro, in-
corporando doutrina, treinamento, seleção e emprego operacional
conforme as demandas criminais e peculiaridades regionais de cada
Estado. Com exceção das Polícias Militares dos Estados do Acre,
Espírito Santo e Paraíba, todos os Estados da Federação têm curso
específico de operações especiais, forjando seus próprios Caveiras.
Destaca-se que somente são Caveiras aqueles formados em Curso
de Operações Especiais conduzidos pelas Polícias Militares e Forças
Armadas do Brasil. Todos os cursos de operações especiais possuem
a mesma essência que é selecionar o indivíduo mais apto a ser um
operador especial por meio de testagem que o conduz ao seu limi-
te psicológico e físico, habilitando-o para o cumprimento das mais
complexas missões operacionais.
Cada Estado possui um símbolo exclusivo para identificar os
concludentes dos seus respectivos Cursos de Operações Especiais,
com elementos heráldicos regionais e particulares. Contudo, todos
são comuns em apresentar ao centro do dístico a “faca na caveira”. À
vista disso, nomina-se, com muita honra, na sequência das figuras 10
a 31, os símbolos dos moralizados Caveiras do Brasil.
53
Figura 10 – Distintivo dos Caveiras da Polícia Militar do Es-
tado de Alagoas.
54
Figura 13 – Distintivo dos Caveiras da Polícia Militar da Bahia.
55
Figura 16 – Distintivo dos Caveiras da Polícia Militar do Es-
tado de Goiás.
56
Figura 19 – Distintivo dos Caveiras da Polícia Militar de Mato
Grosso do Sul.
57
Figura 22 – Distintivo dos Caveiras da Polícia Militar do Pa-
raná.
58
Figura 25 – Distintivo dos Caveiras da Polícia Militar do Esta-
do do Rio Grande do Norte.
59
Figura 28 – Distintivo dos Caveiras da Polícia Militar de Ro-
raima.
60
Figura 31 – Distintivo dos Caveiras da Polícia Militar do Es-
tado do Tocantins.
61
• “Caveira do Mangue” – Maranhão.
• “Caveira da Montanha” – Minas Gerais.
• “Caveira de Ouro” – Pará.
• “Caveira do Pantanal” – Mato Grosso do Sul.
• “Caveira da Peste” – Ceará.
• “Caveira de Sangue” – Rondônia.
• “Caveira da Selva” – Amazonas.
• “Caveira do Sol” – Tocantins.
62
ro, em 1995, 1990 e 1988, respectivamente, realizaram o 1º COEsp e
criaram o Grupo COBRA, com os 14 Praças formados no curso.
Assim, é pelo nome composto “Caveira Cobra” que os militares
estaduais especiais de Santa Catarina são nacionalmente conhecidos.
63
O Curso de Operações Especiais de Santa Catarina é conside-
rado um dos mais tradicionais do Brasil e possui oito edições, reali-
zadas nos anos de 1995, 2000, 2001, 2005, 2009, 2014, 2016 e 2019.
Com doutrina própria e adaptada à realidade catarinense, o
processo formativo descende da metodologia carioca trazida pelos
Caveiras pioneiros, além de influências das operações especiais das
polícias do Rio Grande do Sul, Paraná e Brasília, face a operadores
chancelados nestes Estados.
Classificado como nível avançado de especialização de tropa,
tendo por base a doutrina de Comandos, o Curso de Operações Espe-
ciais recruta policiais militares, submetendo-os a avaliações médicas,
técnicas e psicológicas, inclusive com intenso desgaste físico, priva-
ção de sono e alimento, com intuito de analisar o seu poder cognitivo
em situações de estresse, identificar possíveis temores ante a situa-
ções, objetos, animais ou lugares, tudo com intuito de selecionar os
mais aptos para o atendimento de ocorrências policiais de altíssima
complexidade e grave perturbação da ordem pública (PMSC, 2015).
Com duração aproximada de 14 semanas, o curso explora em
sua grade curricular disciplinas de gerenciamento de crise, negocia-
ção, tecnologias não letais, tiro de precisão, combate em ambientes
confinados, patrulha urbana, armamento e munição, socorros de ur-
gência, defesa pessoal, segurança de dignitários, técnicas em altura,
mergulho e natação utilitária, apoio aerotransportado, direção evasi-
va, operações rurais, paraquedismo, explosivos e operações antibom-
bas, entre outras atividades.
64
3 O CURSO DE OPERAÇÕES ESPECIAIS
Quem passou pela vida em branca nuvem,
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu,
Foi espectro de homem, não foi homem,
Só passou pela vida, não viveu.
Francisco Otaviano de Almeida Rosa (1825-1889)
65
sua toca. A protagonista é projetada para um novo mundo, repleto de
animais e objetos antropomórficos, que falam e se comportam como
seres humanos. No País das Maravilhas, Alice se transforma, vive
aventuras e é confrontada com o absurdo, o impossível, questionando
tudo o que aprendeu até ali.
O âmago filosófico de tudo isso nos remete a outro clássico, a
Alegoria da Caverna, de Platão (427 a.C – 347 a.C), metáfora que
sintetiza o dualismo platônico a partir da relação entre os conceitos
de escuridão e ignorância; luz e conhecimento e, principalmente, a
distinção entre aparência e realidade. Platão cria uma narrativa sobre
alguns homens que, desde a infância, vivem prisioneiros em uma ca-
verna, presos por correntes que os mantém imobilizados, de costas
para a entrada da caverna, enxergando, à sua frente, apenas o fundo
dela. Atrás deles, no fundo, ao alto, o fogo de uma fogueira projeta
luz sobre eles. Entre os prisioneiros e o fogo, há um caminho que
sobe, cortado por um pequeno muro, onde homens carregam todo o
tipo de objetos fabricados, ultrapassando a altura do muro; estátuas
de homens, figuras de animais, de pedra, madeira ou qualquer outro
material. Essas sombras projetadas no fundo da caverna são compre-
endidas pelos prisioneiros como sendo tudo o que existe no mundo.
66
A alegoria provoca a reflexão de que se os prisioneiros fossem
forçados a sair das amarras e explorar o interior da caverna, veriam que
os seres reais eram as estátuas e não as sombras, pois toda a percepção
de vida somente poderia ser vista por meio das projeções que a fogueira
provocava. Perceberiam, portanto, que passaram a vida inteira julgando
apenas sombras e ilusões, desconhecendo a verdade, ou seja, afastados
da realidade. Platão insiste, inclusive, que aqueles que se libertarem e
perceberem a realidade têm o dever de retornar e ensinar os outros.
As metáforas presentes nas três obras expressam o processo
pelo qual raros humanos se libertam das aparências do mundo e per-
cebem a realidade. Tal liberdade provoca expansão de consciência e
mudança essencial de pensamento ou de caráter. Possibilitam que se
enxergue o mundo a partir de diferentes perspectivas, que se tenha
uma nova compreensão da realidade. Assemelha-se à história de uma
pessoa míope, que com o uso de lentes corretivas passa a enxergar a
natureza com nitidez e riqueza de detalhes.
Como diria Haney (2006, p. 4, tradução nossa), um dos mem-
bros fundadores da Força Delta dos EUA, é algo que marca a alma
e faz com que a pessoa, eternamente, veja o mundo por meio de um
conjunto singular de filtros mentais. Quanto mais intensa a experiên-
cia, mais profunda é a marca.
De volta à Matrix, há somente duas formas de sair dela:
1º - renunciando à regra de ouro, que é a voluntariedade em
estar no curso. Assim que o fizer, solicitando “fora de situação” e
batendo o sino, o aluno materializará a sua desistência e terá seu pos-
to ou graduação restituídos, além do direito primário à alimentação,
banho quente e descanso;
2º - sendo desligado do curso por decisão da coordenação. Isso
pode acontecer por insuficiência técnica em qualquer das disciplinas
do curso de operações especiais, quando o aluno: não assimila satis-
fatoriamente os conhecimentos repassados; não atinge a média exi-
gida nos testes e retestes; comete grave quebra de procedimento de
segurança, colocando em risco a vida do próprio aluno ou qualquer
67
integrante do corpo docente ou discente. Também pode receber des-
ligamento sumário aquele que apresentar faltas disciplinares graves
ou reações inadmissíveis ao comportamento exigido, considerando a
constante condição de avaliação psicológica.
A forja dos alunos passa por uma visível evolução durante o curso.
Um dos primeiros ritos da coordenação é a numeração dos candidatos.
Os postos, graduações e nomes de guerra são substituídos por números.
Não há mais que se falar em Tenente Fulano, Sargento Ciclano ou Sol-
dado Beltrano, mas sim em Seu 01, Seu 10 ou Seu 27. A distribuição
das numerárias ocorre, normalmente, segundo a lista de antiguidade dos
iniciantes. A exceção se dá quando o aluno é “ioiô”, ou seja, repetente
de outro COESP, e recebe o mesmo número da outra edição.
O rito da numeração ocorre para facilitar a comunicação en-
tre alunos, instrutores e coordenação, mas, fundamentalmente, para
destituir todas as prerrogativas de cargo, função, posto ou graduação
inerentes à hierarquia e disciplina militares, garantindo que todos re-
cebam tratamento igualitário, fazendo nascer um novo ser humano
que passa a ser tratado somente pelo seu número. É uma estratégia
consolidada na construção de uma nova identidade social, cujo pro-
cesso é fundado nos princípios da igualdade, humildade e desenvolvi-
mento natural de liderança pelos comportamentos individuais ou em
grupo. Nos cursos de formação ou especialização da polícia militar, os
professores, obrigatoriamente, precisam ter posto ou graduação acima
dos alunos. Um soldado, por exemplo, não pode lecionar em um curso
de aperfeiçoamento de cabos, assim como um sargento não pode dar
aula no curso de formação de oficiais. Em curso de operações espe-
ciais, isso não ocorre. A instrução é conduzida pelo policial mais apto
e especializado. Portanto, um soldado tranquilamente será o titular de
qualquer disciplina, independentemente de o aluno 02 ser Capitão.
As instruções são preferencialmente conduzidas pelos Caveiras, por
quê? Simples. “Para ser martelo, antes você precisa ser prego”. Todo
Caveira já foi aluno de um COEsp e sabe das peculiaridades e condi-
ções de aprendizado. Conhece os limites, sabe quando é hora de aper-
68
tar ou de afrouxar. Eventualmente a instrução pode ser conduzida por
um convidado não Caveira, mas que certamente é uma pessoa referên-
cia na área, com notável conhecimento imprescindível à formação de
operações especiais.
A metodologia de fiscalização das rotinas diárias com apresen-
tação pessoal, cuidados com equipamentos, armamentos, faxina de
ambientes etc., só é possível porque os integrantes da monitoria estão
acima de qualquer posto ou graduação dos cursistas.
Outro rito importante é a formação das “cangas”3. Uma canga
corresponde a uma dupla de alunos. É o que os americanos chamam
de “battle buddy”, camarada de batalha, em uma tradução direta. Em
um primeiro momento, as cangas são definidas aleatoriamente pela
coordenação e os parceiros têm o dever de cuidar um do outro. É um
compromisso de fiscalização mútua quanto às condições de saúde fí-
sica e mental, higiene, manutenção de armamento, equipamento etc.
Ao se deslocar, todo aluno deve estar acompanhado de sua canga. Se
for ao banheiro, o canga vai junto.
O curso é um desafio individual que, ironicamente, só pode
ser cumprido quando se trabalha em equipe. A primeira lição que
todos os recrutas devem aprender é que seu sucesso não depende só
de como se saem como indivíduos, mas como um time. A definição
das cangas é uma engenhosa psicologia aplicada no treinamento para
a desconstrução do individualismo e estímulo ao espírito de corpo.
Longe de casa, isolado e em um ambiente hostil, o canga se torna
um aliado. Eles são obrigados a saber tudo sobre o outro, de histórias
familiares ao tamanho do coturno. Durante todo o treinamento eles
são inseparáveis, terão sucesso ou falharão juntos. Nas inspeções, por
exemplo, devem estar idênticos, pois assim é possível saber se estão
ajudando um ao outro. Um aluno que inicialmente só cuidava de si
mesmo, é visto engraxando a bota do outro ou preparando a mochila
do seu companheiro.
3 Canga é o nome dado à peça de madeira que une uma junta de bois para o trabalho.
69
Na atuação operacional, o policial militar depende do parceiro
que está mais próximo e este vínculo de confiança é construído no cur-
so. Uma dupla, a propósito, é a primeira célula de uma equipe de opera-
ções especiais. Quando uma coluna tática realiza a entrada dinâmica em
uma residência, inicia com oito operadores, os quais, na medida da flui-
ção, passarão a atuar em dupla, conforme a distribuição dos cômodos.
Partindo do alinhamento das cangas, o grupo de alunos progres-
sivamente vai se entrosando até sair da condição de “bando”, para se
tornar um “turno”. Um turno é como se todos os alunos, juntos, se
tornassem um só corpo, unidos pelos mesmos objetivos, empenho e
determinação, conectados como engrenagens de uma grande máqui-
na. É um time profissional, no qual cada um conhece sua posição,
valências e fraquezas. Não existe mais o eu, de agora em diante será
sempre o nós. Essa condição é alcançada somente após muitos dias
de curso, sendo visivelmente perceptível quando as missões pagas
são cumpridas no prazo estipulado e de forma satisfatória
70
para controle do tempo, realiza os deslocamentos da tropa, enfim, é o
guerreiro mais cobrado. A função de Xerife é temporária, pois todos
devem sentir a dificuldade de comando e liderança em condições ad-
versas. Se o Xerife é “safo”, fica por pouco tempo. Se é “bisonho”, o
prazo é indeterminado.
O “Manual do Aluno” é o documento apresentado na primeira
oportunidade e formaliza as regras sobre o curso, condutas, formas
de avaliação, atividades complementares, desligamentos, entre outras
prescrições.
É dever do aluno obedecer rigorosamente às normas de segu-
rança e às recomendações de ordem técnica e disciplinar relativas às
instruções e exercícios práticos; utilizar corretamente o armamento,
equipamento e materiais de instrução; zelar pela apresentação pesso-
al; seguir fielmente todas as determinações emanadas dos instrutores
e monitores, ter estrita probidade na execução de quaisquer provas
ou exercícios, considerando os recursos ilícitos como incompatíveis
com a dignidade pessoal e militar do indivíduo; ser pontual em qual-
quer atividade; entoar hinos e canções militares com entusiasmo; não
se dirigir ou falar com pessoa que não faça parte da equipe de ins-
trução ou monitoria; mostrar-se ativo durante a execução de trabalho
em grupo; manter limpos e devidamente organizados os locais de uso
individual ou coletivo etc.
“Faça bem feito, para fazer somente uma vez”. Procure a simpli-
cidade e a boa execução de tudo que é de sua responsabilidade, desde
a faxina de um banheiro ao complexo planejamento de uma operação.
Há quem diga que “aluno que não rouba, não forma”, porém sugi-
ro que se privilegie outro ditado: “o roubo é válido, desde que não
seja plotado”. Isto é, você pode até (tentar) roubar nas contagens de
flexões, polichinelos, abdominais, completas ou até mesmo na aqui-
sição de comida (lembre-se, você sempre estará com fome). Só não
seja plotado, isto é, visto pelos Caveiras, pois a punição será certa.
Assim acontecia no agogê, sistema educacional espartano, no qual os
jovens eram estimulados ao uso de astúcia e dissimulação, contudo,
71
se fossem descobertos, eram severamente castigados. Essa “margem
para o roubo” não deve ser confundida com desonestidade ou indis-
ciplina, trata-se de sobrevivência. Também tem fundamento histórico
nos próprios Comandos, lançados na retaguarda do inimigo durante
a 2ª Guerra Mundial, que precisavam roubar comida, armas, muni-
ções, entre outras coisas, para sobreviver.
Os direitos do aluno, em contrapartida, resumem-se a, qual-
quer tempo, pedir desligamento do curso; solicitar ao instrutor todo e
qualquer esclarecimento que julgar necessário à boa compreensão do
assunto que lhe é ministrado; e, ainda, receber atendimento médico
quando necessário, acompanhado da coordenação.
Em se tratando do rito de desligamento, há que se destacar dois
símbolos importantes: o sino e o cemitério.
O sino, quando batido pelo candidato, é a sinalização da desis-
tência do curso. É a renúncia da regra de ouro, que é a voluntariedade
em estar no processo. O ato de “bater o sino” representa a libertação
do aluno, quando toda a rigidez e as dificuldades do curso cessarão
imediatamente.
72
O cemitério corresponde ao sepultamento simbólico dos que
fracassaram no curso e que jazem em paz fora da Matrix. Também
tem efeito motivador ao aluno sobrevivente, para que nunca tenha
o seu número enterrado e sua “alma” vagando por esse vale. “Aqui
jazem os fracos” é a mensagem culturalmente exposta na entrada de
todo cemitério do Curso de Operações Especiais. A explicação desta
mítica advém de Achnacarry, como visto nas origens das modernas
operações especiais, em que as sepulturas eram falsas e ficavam ali-
nhadas logo na entrada principal do campo, de maneira que, obriga-
toriamente, seriam vistas várias vezes ao dia.
73
atividades previstas para manhã, tarde, noite e madrugada. A alvora-
da ocorre às 5h, com uma sequência de atividades físicas, cerimonial
de verificação da apresentação pessoal, armamento e equipamento,
teoria e prática das disciplinas, além de atividades extraclasse. A de-
dicação do aluno é exclusiva e integral, ele é monitorado 24 horas, do
dia que se apresenta, até a sua formatura.
As liberações, oportunidade em que o aluno é autorizado a ir
para casa, são raras. Liberação é o que o aluno mais quer durante a
Matrix, seguido de descanso e comida. Quando ocorrem, têm horário
de início e fim, com reapresentação pontual obrigatória, sob pena de
desligamento do curso. É proibido ao aluno que mora longe da Uni-
dade dirigir e pegar estrada, pois certamente dormirá ao volante, tipo
de acidente com muitos registros, inclusive. Qual, então, é a solução?
O camarada que mora longe vai para a casa do seu canga ou de al-
guém do turno.
A primeira fase do curso é conhecida como “rusticidade” ou
“semana zero”. A maioria das desistências ocorre logo nos primeiros
dias. A explicação se deve ao fato de os recrutas chegarem inexpe-
rientes, confusos e com medo. Corpo e mente não estão acostumados
ao desconforto e à fadiga. Qualquer coisa que fuja ao controle, vira
motivo de saída voluntária. Paulatinamente, com pouca comida, raro
descanso e intenso desgaste físico, potencializado pelo frio do inver-
no de Santa Catarina ou do calor do Mato Grosso, dependendo da
peculiaridade da região, os alunos são levados ao que acreditam ser
seus limites físicos e psicológicos, mas continuam sendo conduzidos
a muito além.
Uma extenuante marcha é o que abre os trabalhos desse perí-
odo e o prosseguimento no curso pode ser dificultado se um equipa-
mento mal ajustado provocar feridas ou lesões. Após o trajeto, os cur-
sistas recebem instruções de sobrevivência sobre água, abrigo, fogo
e alimento; higiene e saúde; hipotermia; camuflagem; acuidade; nós
e amarrações; transposição de curso d’água; defesa pessoal; orienta-
ção e busca terrestre; planejamento e execução de operações policiais
74
especiais etc. Os vencedores dessa etapa provam à coordenação que
são “brabos”. Todos perdem em torno de 10 quilos do peso corporal
ao final dessa fase.
Os períodos seguintes requisitam elevada capacidade de cogni-
ção e evolução técnica, passível de reprovação do aluno a qualquer
momento. Dá-se início às disciplinas fundamentais das operações po-
liciais especiais que são: tática individual; armamento e tiro; combate
em ambientes confinados; abordagem a pessoas e veículos; técnicas
verticais; uso diferenciado da força, atendimento pré-hospitalar tá-
tico; patrulha urbana; gerenciamento de crise e negociação; terro-
rismo; inteligência; patrulha rural; mergulho autônomo, operações
anfíbias; tiro de precisão policial; balística terminal; montanhismo;
direção defensiva; sobrevivência policial; segurança de autoridades,
bombas e explosivos etc.
Garcia (2011), ao discorrer sobre o curso de operações policiais
especiais da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, coloca que as exi-
gências, ao longo das 16 semanas do curso, são altíssimas, forçando
que os cursistas se superem a cada momento, pois a fadiga, a fome
e o frio são seus companheiros 24 horas do dia. O autor destaca que
o ponto alto do curso é a disciplina de “conduta de prisioneiro de
guerra” ou “fuga e evasão”, matéria ímpar e exclusiva das unidades
de forças especiais no mundo, visto que após a conclusão desta etapa,
o aluno é considerado operador de operações especiais e recebe o
título de Caveira, designativo operacional mais respeitado dentre as
polícias do Brasil.
Todos os Batalhões de Operações Especiais têm sua “Galeria
dos Caveiras”, local onde os nomes dos concludentes de COEsp são
eternizados, dispostos em rol conforme o ano de conclusão de curso
e o posto ou graduação que tinham à época do evento.
75
Figura 37 – Galeria dos Caveiras de Santa Catarina, localizada
no hall de entrada do prédio do Comando do BOPE.
76
que demandam intenso processo mental, com ênfase a processos de
planejamento e execução operacional, sob condições adversas, bem
como o controle dos resultados. As jornadas podem durar de dois a
sete dias ininterruptos, podendo se estender pelas 24 horas do dia.
O início do curso, conhecido por Semana Zero, é um período
de natureza administrativa durante o qual os alunos recebem o ma-
nual do aluno, material, recomendações, realizam compra de equi-
pamentos e, novamente, são submetidos a testes de aptidão física. O
período seguinte, intitulado Semana do Inferno, ocorre em base de
instrução localizada no Município de Piraí, a 95 km da Cidade do
Rio de Janeiro, com localização geográfica que contempla topografia
e condições climáticas adequadas para que se garanta o maior des-
conforto possível aos alunos. Tem-se, nesse período, a cerimônia de
abertura do COEsp, tradicional evento de confraternização de várias
gerações de Caveiras e apresentação formal dos neófitos aos vetera-
nos. Na Semana do Inferno, a rotina dos alunos obedece a um plane-
jamento pormenorizado, com a previsão de cada atividade, instrução,
monitores e o horário de início e término das aulas.
Superada a rusticidade, os alunos ingressam em um processo
de liminaridade, que se configura como ponto de passagem ao pro-
cesso de transformação aos preceitos das operações especiais. De tal
maneira que, à medida que evoluem no curso e nas instruções, este-
jam bastante adaptados às adversidades e que pouca coisa os incomo-
dem. Ao término do processo, a transformação corporal dos alunos é
percebida sem muito esforço. O profissional que há dezessete sema-
nas iniciava o ritual de passagem, em nada se assemelha ao Caveira
chancelado pelo rito de passagem, o Curso de Operações Especiais
(STORANI, 2008).
77
3.1 PREPARANDO-SE PARA O CURSO DE OPERAÇÕES
ESPECIAIS
78
cialmente os referentes à estabilidade financeira e familiar. Qualquer
instabilidade, mínima que seja, pode ser fator preponderante para de-
sistência do curso.
O viés físico também é fator de extrema importância para essa
preparação. Enquanto a questão psicológica envolve um repertório de
experiências e valores individuais, o preparo físico é alcançado com
planejamento e determinação. Para ingressar no curso, o candidato
tem que se submeter a um Teste de Aptidão Física (TAF), configura-
do de maneira específica em cada estado brasileiro, que compreende
avaliações de resistência, agilidade, condicionamento cardiorrespi-
ratório e coordenação motora. Algumas atividades que compõem o
TAF: corrida de 10 quilômetros (com ou sem farda); corrida de ve-
locidade de 100 a 400 metros; flexão em barra fixa; flexão de braços
sobre o solo; subida em corda vertical de 6 a 10 metros; abdominal;
transporte de carga; natação 200 metros; flutuação com ou sem farda;
teste de apneia estática; e, mergulho livre. Atividades que exigem
demonstração de habilidade com força, corrida e natação não podem
ser negligenciadas. Dedique-se, também, a treino de flexão de braços
no solo com o punho fechado, bem como na posição isométrica. For-
taleça o core4 e os membros inferiores.
Em Santa Catarina, o edital de seleção para o COEsp tem como
base o Manual de Educação Física da PMSC (2013). No documento,
a previsão do teste de aptidão física é o chamado TAF-E2 e o candi-
dato, para realizá-lo, precisa do parecer médico “apto para o TAF”,
no exame de saúde e, ainda, ter sido aprovado anteriormente em ou-
tro teste físico, o TAF-PM.
O exame de saúde envolve exames clínicos de sangue, urina,
bem como aqueles relacionados à capacidade cardiovascular. Lem-
bro que quando realizei o teste ergométrico, conhecido como teste
de esforço, comecei caminhando em uma esteira parecida com as de
academia, sendo que a intensidade foi aumentando gradativamente,
4 O core é um conjunto de musculatura que compreende abdômen, lombar, pelve e
quadril.
79
até que cheguei à exaustão. Ao final do exame, o médico informou
que os meus resultados foram superiores aos dos jogadores de fute-
bol profissional do Figueirense e me perguntou curioso para o que eu
estava treinando.
O TAF-PM é o teste padrão para os processos de seleção para
cursos e estágios regulares e regulamentares da PMSC, que demanda
as seguintes provas: flexão de braço na barra fixa (masculino até 35
anos) ou apoio de frente sobre o solo (masculino a partir de 36 anos);
desenvolvimento com halter de 10 quilos para mulheres; abdominal,
1 minuto; corrida de velocidade, 100 metros; e, Teste de Cooper, 12
minutos. O candidato deve alcançar índice de aproveitamento Muito
Bom (MB) ou Excelente (E) para continuar no processo. Recebe con-
ceito “E” quando tem 100% de aproveitamento em todas as provas
e “MB” quando a média dos pontos obtidos nas provas estiver entre
85% e 99% do seu total de minutos (PMSC, 2013).
Sendo considerado apto no TAF-PM, o candidato avança na se-
leção para o TAF-E2, de caráter eliminatório e classificatório. Neste,
são realizadas as seguintes provas: apneia estática; apneia dinâmica,
de 25 metros; natação, 200 metros; flutuação, 15 minutos; flexão de
braço na barra fixa, para masculino, e desenvolvimento com halter
de 10 quilos, para feminino; subida na corda, 6 metros; corrida com
sobrecarga, 50 metros; e, corrida de resistência, 10 quilômetros. Para
gabaritar a prova é necessário executar acima de 13 flexões na bar-
ra fixa, nadar 200 metros, abaixo de 4 minutos e 30 segundos; ficar
embaixo da água em apneia estática, acima de 1 minuto e 56 segun-
dos; correr 50 metros com sobrecarga (coloca-se um colega com peso
equivalente nas costas), abaixo de 13,3 segundos; correr 10 quilôme-
tros, abaixo de 47 minutos; subir 6 metros de corda sem auxílio dos
pés; nadar 25 metros embaixo da água; e, flutuar de sunga durante 15
minutos (PMSC, 2013).
A primeira vez que tentei “tirar o tempo” de uma apneia estática,
banquei na “brabeza” meros 30 segundos. Após o treinamento, no dia
do TAF, eu consegui ficar estático embaixo da água cerca de 3 minutos.
80
Por outro lado, ter um excelente condicionamento físico nem sempre
é garantia de que você se torne um operações especiais. No meu caso,
por exemplo, eu não tinha o melhor TAF entre os selecionados. Logo
no início do curso eu via muitos atletas desistindo. Por que isso acon-
tecia? A resposta é simples: “ser bom, no bom, é fácil”. Traduzindo, o
camarada é um grande desportista, descansa e se alimenta pontualmen-
te como um relógio. No curso, meu amigo, tais questões são “artigos
de luxo” e os atletas “batem o sino” em poucos dias.
É necessário que se alerte, ainda em relação ao treinamento
físico, sobre um dos maiores erros cometidos aos pretendentes a Ca-
veira, que é se preparar para o TAF e não para o Curso. Como assim?
Ocorre que a maioria das pessoas acredita que estando aptos no TAF,
estarão em condições de finalizar o curso. Resposta errada! É desse
gancho que trago a necessidade do desenvolvimento da última valên-
cia: a preparação técnica.
Na preparação técnica, o camarada deve buscar conhecimentos
afins nas diversas áreas do Curso de Operações Especiais. Isso en-
volve artes marciais, socorrismo, obtenção de água, fogo e alimento
em ambiente rural, orientação terrestre, mergulho, escalada, técnicas
verticais, nós e amarrações, combate em ambientes confinados, arma-
mento e tiro etc. E como conseguir isso? Com qualquer treinamento
na área, adquiridos em cursos na própria instituição ou coirmãs, a
exemplo do Corpo de Bombeiros Militar. Também é possível atingir
esse objetivo, participando de treinamentos pagos a empresas priva-
das reconhecidas, mas são os menos recomendáveis, dado que são
extremamente caros. Na pior das hipóteses, por “bizus” colhidos com
amigos que já sejam especializados em algumas dessas áreas ou pes-
quisas na internet.
Para estar pronto, não basta fazer uma infinidade de cursos.
Trata-se de se familiarizar com essas valências e descobrir quais po-
dem ser suas fraquezas no COEsp, pois você será testado o tempo
todo. A sua capacidade cognitiva será colocada à prova, sob pena de
desligamento por insuficiência técnica, caso alguma disciplina não
81
seja realizada satisfatoriamente. O camarada pode ter uma “brabeza
horrível”, mas se for “coco seco”, não vai formar.
Fazendo isso, você trilhará o caminho do que os Caveiras gos-
tam de chamar como “aluno profissional”. É o camarada “bizurado”,
proativo, que está ali para aprender, mas, acima de tudo, pagar sua
“etapa” e se tornar um Caveira.
Completando o conjunto da preparação psicológica, física e
técnica, o próximo passo é aguardar a abertura de algum edital de
Curso de Operações Especiais do Brasil. Antes de se inscrever ou
assim que conseguir uma vaga, é importante que o candidato procu-
re “a benção dos Caveiras”. Isso é simples. Independentemente de
ser Oficial ou Praça, procure conversar com o máximo de Caveiras
possível, começando pelos que você conhece e, também, visitando
o BOPE. “Troque uma ideia”, fale sobre seu sonho, solicite opinião
e seja ouvinte. Não é “peruação”. Humildade é uma virtude e todo
Caveira sabe muito bem o valor disso. Lembra do currículo informal?
Nessa altura, ele já está sendo construído.
Se o seu Curso for feito fora do seu estado, você entrará na
classificação de “estrangeiro”. Se pertencer a outras forças policiais
ou Forças Armadas, será classificado como “alienígena”. Nestes ca-
sos, você precisa ser bem “desenrolado”, “aluno profissional”, para
despertar a simpatia dos nativos e a certeza de que após formado será
um grande representante destes Caveiras. Procure pesquisar sobre a
história, a cultura, os hinos do Estado, da Polícia Militar e da Unidade
destino. Sou de Santa Catarina, mas formado na Brigada Militar do
Rio Grande do Sul. Até hoje entoo com muita vibração o hino daque-
le Estado, em toda solenidade que lá participo.
Os Cursos de Operações Policiais Especiais são abertos aleato-
riamente em todo o Brasil, conforme a necessidade, peculiaridades e
capacidade financeira de cada Estado, considerando que tais recursos
demandam relativos investimentos financeiros. Normalmente, ofer-
tam de 45 a 60 vagas para início do curso, sendo 5 vagas para as
demais polícias e FFAA (os estrangeiros e alienígenas). O índice de
82
conclusão varia entre 10% e 30% dos que efetivamente iniciam, nu-
meram, no COEsp. Se a conta fosse considerada desde a abertura do
edital, com o total de inscritos, tal índice cairia para menos de 10%
de concludentes.
Todos os Cursos de Operações Especiais apresentam uma re-
lação de enxoval ao aluno, ou seja, uma lista com os materiais ne-
cessários para realização do curso. É imprescindível que o candidato
adquira todos, sob pena inclusive de desligamento sumário, como é
tradicional em Santa Catarina5. Alguns materiais devem ser da pró-
pria instituição como pistola, carregadores e algema. Outros, podem
ser emprestados como roupa de neoprene e nadadeiras de borracha.
Entretanto, a maioria dos materiais devem ser adquiridos. Trata-se
de um investimento na sua formação. Para transporte e apresentação
destes materiais no dia do curso, utilize a mochila de campanha e o
saco de viagem do tipo VO6.
Na montagem do enxoval, destaco os seguintes “bizus” aos
candidatos:
- organize os materiais em kits, de maneira que consiga locali-
zar onde cada um está. Uma forma de fazer isso é rotulando os sacos e
potes. Deve-se atentar para a praticidade, portabilidade e impermea-
bilização dos kits, evitando que eles sejam demasiadamente grandes;
- coloque os materiais pequenos em potes com rosca e em plás-
tico resistente. É importante que sejam vedados por dentro com bor-
racha E.V.A7 fina, evitando assim, que façam barulho dentro do pote.
Utilize tiras de câmaras de pneu para melhorar a vedação do kit;
- vede, aduche os demais materiais em sacos grossos transpa-
rentes, de tamanhos variados. O aduchamento ocorre quando se co-
loca o material dentro de um saco resistente (uma farda, por exem-
plo), retirando-se todo o ar, puxando com a boca, apertando o saco e
rematando com uma tira de câmera de pneu. Não caia na besteira de
5 O Anexo III apresenta a proposta de enxoval do 8º COEsp da PMSC.
6 VO significa Verde Oliva, cor tradicional do equipamento, mas pode ser preto ou camuflado, salvo
expressa especificação do enxoval.
7 E.V.A - Espuma Vinílica Acetinada.
83
aparecer com sacos plásticos para lixo na impermeabilização de seu
material, pois não têm a resistência necessária;
84
kits que são mais usados, como o de anotação, primeiros socorros,
sobrevivência e manutenção de armamento;
- certifique-se de que o coturno esteja amaciado, pois, assim,
você evitará a criação de bolhas no pé. Ele deve, também, flutuar na
água. Este é o mais importante dos itens. Não seja tão “pouca práti-
ca” a ponto de levar botas novas. Dos que conheço, os coturnos das
marcas Calfesa ou Atalaia Bi-densidade cumprem essa missão. Os
coturnos deverão estar com cadarços na amarração do tipo soltura
rápida e não poderão ter presilhas;
85
A maioria das desistências do COEsp ocorre nos primeiros dias
do curso. Em razão disso, costumamos classificar os alunos da se-
guinte forma:
- aventureiros;
- atletas;
- com problemas psicológicos;
- coco seco;
- que faltou o “S” da saúde ou o ‘”S” da sorte;
- aluno bom.
Os aventureiros são os primeiros a irem embora. São aqueles
que estão ali, mas que não sabem muito bem o porquê disso. Basta
o “bicho” aparecer na frente deles, que logo batem o sino. Desistem
sem motivo específico. Saem “zerados”, corpo totalmente sadio, sem
qualquer tipo de lesão, alguns nem chegaram perto do próprio limite
físico.
Os atletas são os próximos. Como dito, são “bons no bom”.
Basta restringir sono e alimentação que “quebram”.
Em seguida, começam a aparecer aqueles com problemas psi-
cológicos. São os que “perdem para a cabeça”. Não estão preparados
mentalmente, conforme alertado anteriormente. Questões pessoais,
financeiras ou familiares passam a governar a mente do aluno, cul-
minando em sua desistência. São exemplos: esposa ou companhei-
ra, filhos, pais que estão ou ficaram doentes. Recente separação ou
relacionamento conturbado. Aliás, há aquele que desiste até quando
o relacionamento está a mil maravilhas, indo para casa porque está
com saudade da “nega velha”, de uma cama quente ou de uma boa
comida.
Já o “coco seco”, é o camarada que já provou ter uma “brabe-
za horrível”. Tem uma carcaça feita de pedra. Pode mandar arrancar
uma árvore e levar nas costas que ele o fará, tranquilamente. Entre-
tanto, sua capacidade cognitiva é muito limitada. Não se preparou
tecnicamente, não aprende as coisas com facilidade e o que é pior,
sob pressão, não raciocina. Este, ou se convence que não serve para
86
isso e desiste voluntariamente ou é desligado pela coordenação do
curso por insuficiência técnica.
Sorte, Saúde, Saco e Simpatia. São os “4 S” imperiosos para
que o aluno se forme no COEsp. Sorte, porque muitas situações são
imprevisíveis e não podemos planejar. Saúde, condição imprescindí-
vel para continuarmos no curso. Saco, é a paciência para perseverar.
Simpatia, é a aprovação dos Caveiras e do próprio turno. Alguns alu-
nos têm o azar de perder o “S da Sorte” ou o “S da Saúde” durante o
curso. Por exemplo, próximo de finalizar a etapa, o aluno realiza um
disparo acidental de espingarda calibre 12 (arma com gatilho muito
sensível) durante a movimentação em instrução de tiro, sendo desli-
gado por insuficiência técnica ou quebra de regra de segurança. Há,
ainda, o aluno que fratura uma perna na realização de algum exercício.
Finalmente, nos referimos ao “aluno bom”, como aquele que
finaliza o curso. Como se diz no jargão: “aluno bom é aluno que
forma”. É o que nasceu para ser Caveira. Nunca pensou em desistir.
Está sempre vibrando, independentemente do contexto do curso, seja
instrução técnica, teórica ou prática, seja no conforto ou no “jangal”.
Está sempre com olhar de tigre e nunca com “cara de fratura”.
Merece destaque a questão saúde para sobrevivência no curso.
Já recomendava uma Charlie Mike: “Ô limpe o seu fuzil, amole seu
facão, cuide dos seus pés que é pra não ficar na mão...”. É impres-
cindível o cuidado com a higiene pessoal, sob pena de que uma dis-
creta bolha ou corte se transforme em uma grave infecção, evoluindo
para algo mais grave, impossibilitando a permanência no curso. O
primeiro inimigo do aluno são as bolhas nos pés. Elas ocorrem pela
fricção da pele com o calçado, resultando no deslocamento da epi-
derme e o acúmulo de líquido (seroso, sangue e pus). É um processo
de cicatrização, autodefesa do organismo. O ideal é que a bolha não
seja estourada, pois pode se tornar uma abertura na pele que permite
a entrada de bactérias, resultando em uma infecção. A melhor forma
de tratamento seria aliviar a pressão no local e tentar manter a bolha
intacta, já que ela desaparece sozinha em alguns dias.
87
Entretanto, dependendo do tamanho e da região onde surgem,
as bolhas podem interferir, pelo incômodo, nas atividades diárias, a
exemplo de deslocamentos e corridas. Conforme o caso, a bolha pode
ser perfurada e drenada pela parte lateral, com higiene no local, uso
de agulhas estéreis, aplicação de antissépticos como Povidine, An-
dolba, Rifocina ou Quadriderm, além da realização de curativo com
gaze e esparadrapo no local.
A “sacada”, portanto, é a prevenção de bolhas. Como? Coturno
bem amaciado, meias que não sejam de materiais sintéticos (como as
específicas para trilhas) e a manutenção dos pés com vaselina sólida
para diminuir a fricção. Sempre que possível, retire seu coturno, torça
suas meias (é curso de operações Camarada, o Senhor sempre estará
molhado), reponha a vaselina e deixe os pés para cima “respirando”.
É possível também usar talco secante entre os dedos.
Com o tempo de curso, em razão das atividades físicas e umi-
dade nos pés, outros problemas podem aparecer como frieiras, mi-
coses, pequenos cortes e inchaços. Não deixe os pés abafados por
muito tempo. Cuidado com a higiene das unhas. Conforme o inchaço,
massageie para estimular a circulação. Há casos em que as feridas
nos pés, porta de entrada para infecções, podem evoluir para uma
doença chamada Erisipela. Os pés apresentam grandes edemas e o
tratamento, com acompanhamento médico, ocorre com a combinação
de antibióticos. Queimaduras também podem acontecer, geralmente
quando o aluno está muito próximo da fogueira. No caso de fuligem
nos olhos, utilize soro fisiológico para limpeza.
88
Figura 40 – Pés de um aluno com problemas de bolhas, quei-
maduras e inchaço.
89
Figura 41 – Foto das mãos de um aluno na 2ª semana de curso.
90
as substâncias intracelulares sejam liberadas no sangue, provocando
danos ao organismo, sobretudo aos rins. As causas da rabdomiólise
em curso ocorrem por uma combinação de esforço físico exagerado,
temperatura corporal elevada e não ingestão de água. O uso de subs-
tâncias que causam distúrbios metabólicos potencializa a ação. Os
sintomas envolvem fraqueza muscular, dores de cabeça, dor muscu-
lar e coloração escura da urina. Se o aluno apresentar redução na pro-
dução de urina, a hidratação deve ser intensificada. Portanto, “ordem
ao turno: esvaziar o cantil”.
91
No Rio Grande do Norte, em 2019, um policial militar faleceu
por choque séptico durante a realização do VI Curso de Operações
Especiais (TRIBUNA DO NORTE, 2019). O choque séptico é o re-
sultado de uma infecção que se alastra pelo corpo rapidamente, afeta
vários órgãos e pode levar à morte. O uso recente de medicamentos
esteroides pode ser um fator de risco para desenvolvimento da doença.
O ano de 2018 registrou outras três mortes em cursos de opera-
ções especiais. Na Bahia, um soldado desmaiou e teve parada cardíaca
enquanto realizava atividade aquática no VII COPES, falecendo no
hospital por morte cerebral (G1, 2018). No Rio de Janeiro, um cabo
teve desidratação e hipotermia, decorrente de desgaste físico, durante
exercícios finais do COEsp, morrendo com parada cardíaca no hos-
pital (O GLOBO, 2018). Em São Paulo, um soldado faleceu durante
um dos exercícios de instrução aquática do curso do COE (R7, 2018).
Tocantins também registrou um caso de morte em decorrência
de traumatismo craniano ocasionado a um sargento durante a realiza-
ção do curso de operações no ano de 2003 (ESTADÃO, 2003).
Em 2021, um soldado faleceu, após mal súbito, durante a ins-
trução de travessia aquática do Curso de Operações Especiais do Rio
de Janeiro (G1, 2021).
92
veio somente em 2014, quando o VI Curso de Operações Especiais
de Santa Catarina foi oferecido. Naquela época eu era Comandante
do COBRA, um grupo de somente 7 operadores, contando comigo.
Estávamos muito ansiosos pelo evento, pois a incorporação de novos
Caveiras era urgente, urgentíssima! Participei diretamente do plane-
jamento e execução do curso como instrutor e monitor das atividades.
O mesmo aconteceu com o VII COEsp, em 2016.
Em 2019, tive a honra de ser designado pelo Comandante do
BOPE para coordenar o VIII COEsp de SC. Juntamente com dois
Oficiais secretários, além de todo o efetivo do COBRA, elaboramos
um planejamento com foco no operador final, respeitando as tradi-
ções das operações especiais de Santa Catarina e selecionando tudo o
que havia de melhor e de pior dentre as doutrinas nacionais, especial-
mente do Rio Grande do Sul, além do Paraná e do Distrito Federal,
onde tínhamos representantes no COBRA.
Coordenar um COEsp certamente é uma das mais difíceis missões
que um Oficial pode enfrentar, muito mais complexo do que atender
qualquer ocorrência de altíssimo risco. É uma responsabilidade colossal
sobre os ombros. Para ser selecionado como coordenador de curso de
OE, é preciso ser reconhecido com nível de maturidade operacional,
formativa e de liderança na Unidade para guiar a cadência das etapas,
24 horas por dia e durante todo o curso. Tratava-se de selecionar efeti-
vo, levando em conta critérios extremamente rigorosos e, também, que
os futuros alunos eram, antes de tudo, esposos, filhos ou pais de família.
O dia zero de apresentação para o curso é, com certeza, um
dos momentos mais difíceis. O aluno está com “olhos de Mônica” e
a coordenação, em uma simples análise, consegue realizar a leitura
da linguagem não verbal dos que estão vibrando, assustados, apa-
vorados, já não aguentando mais ou se perguntando “o que eu estou
fazendo aqui?”. É um dos momentos mais preciosos do curso, pois
os Caveiras estão como “pinto no lixo” e os alunos “mais perdidos
que cego em tiroteio”, para não dizer “um bando de charlie em festa
da romeo”.
93
Figura 43 – Dia zero na sede do BOPE.
94
raros momentos em que a coordenação desligará compulsoriamente
o aluno. Nessa ocasião, também há muitas desistências, pois alguns
alunos, ao compararem a precária organização de seus equipamentos
com a razoável organização dos equipamentos do colega ao lado, já
perdem a cabeça.
No VIII COEsp em 2019, como de praxe, houve um desliga-
mento na etapa de conferência do enxoval, e outro, por insuficiência
técnica. Todos os demais “pediram para sair” e caminharam até o
sino. A natureza dos pedidos era muito diversificada, a exemplo de:
• saí porque não estava mais conseguindo raciocinar;
• preciso me preparar melhor fisicamente;
• não conseguia acompanhar o turno, estava ficando para trás;
• minha mochila arrebentou e estava me prejudicando nos
deslocamentos;
• acho que me faltou preparo físico;
• não sei porque saí, quando vi já tinha batido o sino;
• fiquei esgotado, minhas costas travaram;
• já vim machucado, com problemas no joelho;
• meus pés estavam doendo, não conseguia mais continuar;
• não aguentei mais, comecei a sentir câimbras;
• perdi para a cabeça;
• essa “porra” não é para mim;
• preciso me preparar melhor tecnicamente;
• o saco estourou;
• saudade de casa e dos meus lazeres;
• o frio me matou;
• não sei o que aconteceu, simplesmente baixou o moral.
Tais depoimentos foram colhidos logo após o pedido de desli-
gamento voluntário dos alunos, durante conversas informais em um
ambiente que chamamos de “fora de situação” com banho e comida
quente. Incrível como “fora da Matrix”, o “Seu Aluno Fulano de Tal”
parece ser uma pessoa completamente diferente do “Soldado Fulano
95
de Tal”. Ainda adrenalizados e com sintomas de “Síndrome de Es-
tocolmo”9, procuram se desculpar ou justificar a saída, como se isso
fosse necessário. Não são raras as vezes em que os Caveiras choram
junto com os desistentes. Já estivemos lá e sabemos como as coisas
são. É um momento de absoluto respeito.
Com intuito de rastrear sintomas de adoecimento psicológico
e a percepção do militar quanto ao seu desligamento, um relatório
do serviço de psicologia da Diretoria de Saúde e Promoção Social
da PMSC, com base em entrevistas aos alunos que saíram do VIII
COEsp, não apontou sintomas psicológicos preocupantes, apenas
sintomas decorrentes de estresse, contexto natural em razão da natu-
reza do treinamento. Quanto aos desligamentos, foram identificadas
as seguintes impressões com base em evidências empíricas:
1º - alunos que, durante o curso, constataram que não tinham
perfil para a atuação em Operações Especiais;
2º - parte dos alunos identificou que não se encontravam psi-
cologicamente preparados para realizar o curso. Esta parcela de mi-
litares havia se esforçado para a preparação física, contudo não se
preocupou em buscar condicionamento psicológico. Entretanto, al-
guns demonstraram interesse em se preparar psicologicamente para
os próximos cursos;
3º - uma parcela menor dos policiais relatou que trouxe con-
sigo situações pessoais pendentes, como filho recém-nascido, rela-
cionamentos pessoais, entre outras, que impactaram seu equilíbrio
emocional. Essa instabilidade gerou contextos de vulnerabilidade
psicológica e, em consequência, falta de atenção e vontade de sair
do curso.
Cerca de 70% dos desistentes “batem o sino” na fase da rusti-
cidade, em poucos dias de treinamento. Ao longo do curso, as saídas
96
continuam acontecendo, mas em uma curva exponencial inversamen-
te proporcional ao número de dias, em outras palavras, quanto mais
tempo o policial está em curso, maiores são as chances de ele chegar
ao final. Entretanto, até o último dia muita coisa pode acontecer e as
saídas se dão pelas razões a seguir:
• as desistências voluntárias normalmente ocorrem porque o
aluno tem dificuldade de trabalhar em equipe e não cria es-
pírito de corpo com o turno. Coisas como divisão de tarefas,
descanso, comida e proatividade são fundamentais;
• eventualmente algum aluno pode ser desligado por restrição
médica, seja por problema de saúde anterior ou por algum
acidente, durante o percurso, que o impeça de continuar;
• há sempre o “fantasma” do desligamento por insuficiência
técnica que pode ser apontado pela coordenação a qualquer
tempo, por reprovação em alguma disciplina ou inaptidão às
operações policiais especiais em decorrência de comporta-
mento cotidiano.
Não é difícil perceber, a partir de uma análise comparada aos
processos seletivos de forças de operações especiais de todo o mun-
do, que o cerne dos métodos é semelhante. Um interessante estudo
realizado por Picano, Willians e Roland (2009), sobre avaliação e
seleção de indivíduos envolvidos em missões de alta precisão, não
convencionais, sob condições perigosas e difíceis, identificou quatro
atributos essenciais para um desempenho bem-sucedido em posições
de elevada exigência operacional, mesmo com o passar do tempo (da
2ª Guerra Mundial aos dias atuais): estabilidade emocional, adapta-
ção a situações, habilidade de trabalhar em grupo e vigor físico em
geral.
É preciso distinguir o “the right stuff”, como menciona Denécé
(2009. p. 343), para a seleção dos indivíduos realmente aptos a se
tornarem integrantes de forças de operações especiais. As provas do
processo avaliativo multiplicam situações de estresse, para discer-
nir entre os que se revelam verdadeiramente capazes de reagir com
97
calma a situações difíceis, apesar da fadiga e do desconforto. Além
da rusticidade, os recrutadores se interessam pelos pretendentes que
demonstram cinco qualidades psicológicas: autonomia, aptidão para
o trabalho em equipe, capacidade de exercer seu julgamento em am-
biente fortemente estressante, habilidade de se adaptar às circunstân-
cias e autodisciplina.
Uma pesquisa realizada em 2016, com o 2º COEsp da Polícia
Militar do Pará, por um irmão de turno – o Caveira do Gelo 26, anali-
sou 56 candidatos selecionados a iniciar o curso, que durou 14 sema-
nas e teve 14 aprovados (25%). O estudo concluiu que é verdadeira a
importância dada à devida preparação física para o curso, mas que a
falta de preparação psicológica foi apontada como o motivo principal
de desistência, assim como o efetivo condicionamento psicológico foi
decisivo para a conclusão do curso pelos candidatos inscritos. A maio-
ria dos concludentes tinha entre cinco e dez anos de efetivo serviço;
prepararam-se para o curso em tempo superior a dois anos; conside-
raram o programa inteiro muito difícil, independente de alguma fase
específica (rústica, técnica ou de operações). Afirmaram, ainda, que o
fato de terem esposas e filhos influenciou positivamente, aumentando a
motivação para que conseguissem o sucesso. (DUARTE, 2017).
O equilíbrio das emoções, portanto, revela-se peça-chave para
aquele que almeja superar o laboratório do curso de operações espe-
ciais e, posteriormente, atuar em reais ocorrências policiais de alto
risco. Nesse viés, é válido mencionar a estrutura teórica da inteligên-
cia emocional:
[...] capacidade de criar motivações para si próprio e de per-
sistir num objetivo apesar dos percalços; de controlar impul-
sos e saber aguardar pela satisfação de seus desejos; de se
manter em bom estado de espírito e de impedir que a ansie-
dade interfira na capacidade de raciocinar; de ser empático e
autoconfiante (GOLEMAN, 2011, p. 73).
De tudo que foi colacionado, resumiria em breve síntese que o
vencedor do rito de passagem de um COEsp é uma pessoa que “tem
coração” e sabe trabalhar em grupo. O excepcional condicionamento
98
físico já é uma valência demonstrada por todos que foram aprovados
nos testes seletivos de aptidão física.
O coração, no sentido figurado, compreende as questões do es-
pírito, da vontade de vencer, de não “colar as placas” e continuar ra-
ciocinando em situações de adversidades. Trata-se de não perder para
a cabeça quando ela tenta fazer você desistir. Quando você começa a
ficar desconfortável, sua mente quer te induzir a se render, como se al-
guém dentro da sua cabeça dissesse: “Pare!”; “Não aguentas mais! Teu
joelho, tornozelo, pé ou qualquer outra coisa está te incomodando!”;
“Cara, para quê? Esses Caveiras são uns retardados. Desnecessário!”;
“Isso não é para você, essas coisas não têm sentido”; “Desista logo e
vá para casa, lá tem comida e uma cama quente te esperando”. Enfim,
se você desistir naquele momento, seu sofrimento acabará, mas tenha
a certeza que após dormir e comer tudo o que conseguir, mesmo no
conforto do lar, o curso ainda não terá saído de você. Entretanto, se
você é a pessoa que não quer aceitar a derrota, que apesar de todo seu
corpo doer, ainda busca a última gota de vontade, que, literalmente,
“dá o sangue” e entrega tudo de si, esse é o caminho da vitória.
Saber trabalhar em grupo é imprescindível para a sua sobrevi-
vência. Hoje você está ajudando, amanhã será ajudado. O desenvol-
vimento do espírito de corpo faz com que um grupo de pessoas se
tornem uma só: um turno. Será assim no curso e durante toda a sua
vida operacional. A sua vida depende do camarada que está ao seu
lado. Os laços de combate, conforme anotou Grossman (2007), for-
jam uma relação afetiva mais forte do que quase tudo (exceto o amor
que une pais e filhos), pois nasce durante a batalha, onde o bem mais
precioso que você tem, a sua vida, depende do homem ao seu lado;
se for abandonado por ele, você será ferido ou morto. Se você falhar,
o mesmo pode acontecer a ele, de modo que os laços de confiança
precisam ser extremamente fortes.
Toda coordenação de COEsp está sempre com foco no objetivo
final, que é selecionar os mais aptos e capacitá-los. Aprende-se muito
em cursos dessa natureza, não somente no campo filosófico e espiri-
99
tual, mas essencialmente na evolução técnica. É por isso que a con-
trapartida da coordenação, para com os alunos que estão entregando
a “carcaça”, sempre será a escolha dos melhores instrutores para as
disciplinas curriculares. O professor se esforça ao máximo para com-
partilhar o conhecimento específico, já o aluno tem o dever de se doar
totalmente para absorvê-lo.
As disciplinas são dispostas em um encadeamento lógico que
se encarrega de garimpar a pedra bruta, lapidá-la e transformá-la em
uma joia. O garimpo ocorre na fase da rusticidade, com a escolha
das pedras que se encaixam no perfil desejado. É a fase mais difícil.
Depois, as pedras são lapidadas para alcançarem o formato desejado
e, nesse processo, algumas se quebram. Findado o processo, surge
uma valiosa e rara pedra preciosa. Assim, ressalvadas as devidas pro-
porções temporais, um Curso de Operações Especiais é elaborado de
modo a contemplar as seguintes fases:
• rusticidade;
• preparação individual;
• preparação coletiva;
• viagens de estudo; e,
• eventos finais.
A rusticidade, fase de intenso desgaste físico e psicológico,
com restrições de alimentação e descanso é, sempre, incrementada
a partir das características climáticas de cada Estado. Em Santa Ca-
tarina, por exemplo, o “frio é de congelar” e, por isso, instruções de
sobrevivência, orientação, busca terrestre, planejamento e execução
de operações especiais são intermináveis.
A preparação individual aperfeiçoa e avalia o desempenho
particular do aluno. São instruções técnicas fundamentais para as de-
mais disciplinas, explorando a tática individual, APH tático, defesa
pessoal, técnicas verticais, mergulho autônomo, muito tiro e a habili-
tação em todas as armas existentes na PMSC.
A preparação coletiva treina e molda o indivíduo para o trabalho
em equipe. Disciplinas como combates em ambientes confinados (CQB),
100
patrulha urbana, patrulha rural, operações anfíbias, operações coordena-
das e desativação de cargas explosivas são exploradas à exaustão.
As viagens de estudo oportunizam o compartilhamento de ex-
periências, doutrina e o fortalecimento da camaradagem entre as ope-
rações policiais dos Estados.
Em Santa Catarina, desde a primeira edição, em 1995, a Polícia
Militar do Paraná e a Brigada Militar do Rio Grande do Sul são sem-
pre visitadas. Uma delas, entretanto, reveste-se de especial impor-
tância, trata-se do encontro histórico entre os turnos do 13º Curso de
Especialização em Operações Especiais (CEOE) do BOPE – RS com
o VIII COEsp de SC, que oportunizou a confraternização entre os
Caveiras do Gelo e os Caveiras Cobra. Poder retornar ao solo sagrado
no qual fui lapidado e unir a doutrina barriga-verde com a gaúcha foi,
sem dúvida, um momento ímpar.
101
Figura 45 - Salto realizado por aluno do VIII COEsp, em Tor-
res – RS.
102
Figura 46 – Brevetação: momento glorioso de transformação
do Aluno a Caveira.
103
3.3 DO LADO RUGOSO DA PRANCHETA: DE PAISANO A
CAVEIRA, MEMÓRIAS DE UM ALUNO
104
se depositar suas larvas e se multiplicar. No Bingo, eu trabalhava até
tarde da noite, todos os dias, inclusive feriados, sendo que às 6h tinha
de estar no ponto de ônibus para ir à Universidade Federal de Santa
Catarina frequentar o curso diurno de Engenharia de Produção Civil.
Naquele tempo, eu precisava trabalhar para ter o que comer. Já estava
na 7ª fase fatorial10 quando o Bingo faliu e eu sequer pude sacar meu
FGTS ou receber o seguro-desemprego, uma vez que a empresa ha-
via sonegado os pagamentos ao INSS.
Foi nesse contexto que, em 2002, prestei concurso público para
o Curso de Formação de Oficiais (CFO) da Polícia Militar de Santa
Catarina. Naquele tempo, o requisito para ingresso era o ensino mé-
dio. Fiz a prova, mas não obtive a média mínima. Precisaria ter acer-
tado mais duas questões. No ano seguinte, em 2003, assim que foi
lançado o edital, tranquei a faculdade e me dediquei aos estudos cerca
de 18 horas por dia. Fui aprovado em décimo lugar, de um total de
23 vagas masculinas, que felicidade! O CFO, naquele tempo, acon-
tecia em regime de internato e durava quatro anos. Minha atuação
foi primorosa e concluí o curso como primeiro colocado da turma.
Vibrei muito durante todos aqueles anos como Cadete. Afinal, sai da
condição de desempregado e desacreditado para então receber aloja-
mento, alimentação, salário (o maior que já havia recebido até então,
correspondendo ao soldo de um Soldado 3ª Classe), graduação de
Bacharel em Segurança Pública pela Universidade do Vale do Itajaí
e, ao final, ser nomeado para uma função pública, com estabilidade e
aposentadoria garantida. Nada poderia ser melhor.
Desde o CFO, admirava os raros Caveiras que frequentavam
o pátio da Academia. Com ilibada postura, eram como se tivessem
brilho próprio. Senti ali, referenciando-me nestes veteranos, que de-
veria me tornar um homem de operações especiais. Como vivíamos
em regime de internato, costumava ir à reserva de armamento realizar
treinamentos em seco com os revolveres e pistolas, com intuito de se-
10 Termo usado por estudantes de engenharia quando você deve matérias das fases anteriores, isto é, 7!,
faltando, assim, matérias da 6ª, 5ª e 4ª fases..
105
dimentar os fundamentos do tiro, quais sejam, postura corporal, em-
punhadura, visada, respiração e, principalmente, o acionamento do
gatilho. Eu gostava de colocar um estojo em cima do cano ou ferrolho
da arma e acionar a tecla do gatilho até cansar o dedo, sem deixar cair
o estojo. Certo dia um Cabo de serviço na reserva percebendo que eu
reiteradamente visitava o local, fez a seguinte observação:
- Parece que o Senhor tem aptidão para a atividade operacional,
deveria fazer o Curso de Táticas Policiais.
- Táticas!? Respondi, sarcástico. Não! Quero fazer o Curso de
Operações Especiais.
- O Cabo atônito observou: Olha Cadete, se eu fosse o Senhor
tentaria um táticas para medir a febre e se preparar para o COEsp.
- Não! Nem sei para que serve esse Táticas. Para que sofrer de
graça? Quero ser Caveira.
- Sorrindo, o Cabo encerrou a conversa: Ok Senhor, vou “avi-
sar” aos Caveiras que conheço.
Na reta final do Curso de Formação de Oficiais, realizamos di-
versas viagens de estudo pelo Estado, a fim de conhecermos a reali-
dade dos Batalhões quanto às instalações, efetivo e área de atuação,
para que pudéssemos ter alguma noção na escolha dos futuros locais
de trabalho. O BOPE foi uma das últimas unidades a ser visitada.
Felizmente, eu era o Chefe de Turma da semana e era obrigação deste
fazer um agradecimento final, junto com a entrega de um mimo ao
Comandante. Fiz um discurso emocionado, dizendo que era um so-
nho fazer parte daquela unidade futuramente.
Em 2007, estreou no Brasil o filme Tropa de Elite, popularizan-
do o BOPE. Assistimos o filme na aula de sociologia de um professor
civil com o uso de uma cópia de DVD pirata viralizada antes do lan-
çamento oficial nos cinemas. Alguns jargões já existiam na caserna,
mas muitas das falas dos protagonistas passaram a fazer parte do lin-
guajar brasileiro.
No mesmo ano, fui promovido a Aspirante a Oficial (ou melhor,
“Aspira”, como todos nos chamavam por causa do filme) e escolhi
106
trabalhar no 4º Batalhão, sediado em Florianópolis, porque ouvia na
Academia que se você quisesse ser um Oficial experimentado, lá seria
o local ideal. Escolhi de olhos fechados, entre todas as opções dispo-
níveis e ainda contradizendo a “aposta” de um Comandante convicto
de que os primeiros colocados eram normalmente estudiosos e pro-
curariam os locais mais confortáveis para continuarem “papirando”11.
Em 5 de maio de 2008, todos os recém-promovidos a 2º Te-
nente estavam reunidos no auditório do Centro de Ensino para re-
distribuição das vagas. Em razão de uma desavença entre o Coman-
dante-Geral e o Comandante do 4º BPM, os antigos aspirantes não
mais retornariam à unidade. De inopino, tive que escolher entre os
Batalhões sediados em Biguaçu ou Palhoça. Sem conhecer ninguém
em ambos os locais, escolhi Palhoça porque havia muita notícia de
prisões e apreensões por lá, então seria um local em que certamente
eu continuaria trabalhando na atividade operacional.
107
respondente ao Curso de Patrulhamento Tático Móvel (PATAMO),
Força Tática, havendo outras nomenclaturas, conforme o Estado.
Chegando a Criciúma, fomos calorosamente recepcionados
pelo Coordenador do Curso, um 1º Tenente “antigão”, Caveira
do 2º COEsp em 2000, famoso por trocar a cor dos olhos quan-
do estava “incorporado”. E era verdade! Quando chegamos, pude
comprovar que em seus olhos arregalados um tinha cor verde e
outro cor castanho. Tivemos o enxoval conferido, inclusive com
o curioso item “saco preto para cobrir cadáver”. “Quanto mais
rápido, mais rápido!”, bradava o Coordenador. Fomos numerados
e deixei de ser o 2º Tenente Lucius para ser o Aluno 04. Recebe-
mos nosso fuzil mosquefal e em bando (para assim nominar aque-
le grupo de 50 alunos desorientados) seguimos para uma incerta
área de instrução.
Após o cerimonial de abertura do curso, iniciamos uma aula
de atendimento pré-hospitalar com militares do 28º GAC (Grupo
de Artilharia de Campanha) do Exército Brasileiro. Era o tipo de
instrução que por si só “sugava” o aluno, ou seja, oficinas que si-
mulavam um companheiro gravemente ferido e que deveria ser car-
regado, de acordo com as técnicas brevemente ensinadas. Caso a
técnica fosse mal executada, o aluno e seu companheiro retornavam
ao início. Depois de rastejar, arrastar, levantar de todas as formas,
pela primeira vez no curso pensei em desistir. A minha sorte foi que
quem estava comigo era o Aluno 05, indubitavelmente um dos caras
mais “moralizados”, no jargão militar, de Santa Catarina. Oficial
da minha turma, convivemos estreitamente durante os 4 anos da
Academia como vizinhos de armário, beliche e carteira. Foi sim-
plesmente o 1º colocado do nosso Táticas Policiais e mais tarde do
V COEsp, em 2009. Retornando à quase desistência, eu carregava
o 05 no colo morro acima, pela segunda tentativa da “oficina da
noiva”, quando desabafei:
- 05, tá pesado, não consigo mais te carregar. Se me mandarem
voltar, eu desisto!
108
- Nada irmão, você consegue, falta pouco – disse o 05, me
olhando nos olhos, com olhar de tigre.
- Cara, não vou aguentar... E nesse instante, ele “escapou” do
meu colo.
- Volta! Grita o militar do 28º GAC que monitorava a oficina.
- Imediatamente o 05 sussurra: 04, não fala nada. Chegando lá,
eu vou te carregar.
Isso não era possível, pois pelas regras, cada um deveria cum-
prir o percurso conforme a técnica, sob pena de ser desligado do cur-
so por insuficiência técnica e o Aluno 05 já havia executado. Chegan-
do no início da pista, outras duplas começaram a se aproximar para
execução do exercício. Nisso, o 05 me pega no colo e vai subindo
aquele morro com inclinação de 45º. No meio do caminho retomei a
conversa:
- Que porra é essa?
- Relaxa irmão, aquele indecente já nem sabe mais quem é
quem – respondeu confiante o 05.
- Fico te devendo essa, prometi.
- Não me deves nada.
Alcançando o cume, passou-se à outra oficina. Era necessário
improvisar uma maca com troncos e uma manta ali disponíveis, além
de carregar um recruta que deveria ter 1,90 metros e pesar 120 qui-
los, com certeza o militar mais pesado do 28 GAC, diligentemente
escolhido pela equipe de instrução. Próximo da linha de chegada, o
sujeito advertiu:
- Quando chegar lá, me coloca no chão com cuidado.
Foi o que não fizemos. “Cuidadosamente” o arremessamos em
um monte de pedras e corremos em direção a uma fogueira, onde era
possível avistar um pequeno grupo de alunos se aquecendo. Aquela
sensação não teve preço. Já era de manhã e quando a contagem do
grupo foi feita e a metade já tinha ido embora.
Reorganizado o turno, distribuídas as cangas, seguiram as ins-
truções. Agora, porém, eu estava totalmente focado, aquela “quase
109
morte” me deu sobrevida. Lembro inclusive de ter sido escolhido
como o destaque de campo por um militar do Exército, o qual me
deu a honra de hastear a bandeira nacional e de ser o novo Xerife
do turno. Ser Xerife é algo que abala o psicológico de qualquer um.
O turno passa a estar sob seu comando e você “na alça e massa” da
monitoria. Quanto mais bisonho, mais tempo você permanece, é tudo
que a coordenação deseja. Todos serão Xerife, portanto, caso queira
concluir o curso, esteja preparado para isso.
Em uma determinada manhã, assumiu a instrução um Capitão
da PMSC que era, à época, o mais conceituado especialista na área de
choque. Eu como Xerife, apresentei o turno com extrema vibração:
- Permissão Senhor! Aluno 04, do 5º Curso de Táticas Policiais
do 9º Batalhão de Polícia Militar, apresento o turno sem alteração,
Senhor!
- Bom 04 – Aprovou o instrutor – Quantas completas vocês
estão devendo?
- Completa? Nenhuma, Senhor!
- O Senhor sabe o que é uma completa Seu 04?
- Sei, sim Senhor!
- Então, tá! Por gentileza, gostaria que o Senhor coordenasse o
pagamento de uma completa para acordar esse seu turno.
Uma completa, em Santa Catarina, são 10 apoios, 10 abdomi-
nais e 10 polichinelos. Eu sabia disso, mas nunca me avisaram que a
execução dos movimentos era coordenada com todos do turno e que
havia uma voz de comando específica para tal. Convicto, conforme
padrão que realizávamos na academia, fiquei na posição de flexão e
ordenei ao turno:
- Abaixo, acima!
- Eles executaram o movimento de forma descoordenada e res-
ponderam: um!
- Abaixo, acima!
- Dois!
- Abaixo, acima!
110
- Três!
De repente, interfere o instrutor:
- “Pa-pa-pa-raí” 04, que porra é essa? O Senhor não sabe pagar
uma completa, 04?
- Sei, sim Senhor - Respondi, acreditando que o problema esta-
va na descoordenação do turno e a culpa sempre é do Xerife.
- Então tente novamente, 04 - Orientou o instrutor com um sor-
riso maroto.
- Atenção ao turno, ao meu comando: abaixo, acima!
- Um!
- Abaixo...
- Para, porra! Vem cá 04 - Gritou o instrutor.
Quando me aproximei, tomei uma lambada no capacete com
uma madeira que se partiu ao meio. A energia foi tanta que cheguei
a dobrar o joelho. Me segurando pela camisa, perguntou o instrutor:
- Tudo bem com o Senhor 04?
- Sim, senhor.
- O Senhor está machucado?
- Não, Senhor.
- Está vendo como o capacete funciona 04?
- Sim, senhor.
- OK, fique aqui e observe. Vou verificar se alguém do seu tur-
no sabe pagar uma completa. Ô 16, venha aqui e demonstre o paga-
mento de uma completa – ordenou o instrutor.
A 16 era uma policial feminina casada com policial militar do
PPT, o qual certamente havia passado todos os “bizus”. Aliás, meu
turno tinha duas mulheres que bravamente concluíram o curso. Eis
que a fulana, vibrando, ordena:
- Atenção ao turno. Para o pagamento de uma completa. Posi-
ção de flexão, um dois!
- Três, quatro! – Responde o turno em coro.
- O zero é meu! – fala a 16.
- O resto é nosso! – responde o turno.
111
- Ze-ro, um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez.
Para o abdominal, o zero é meu! – comanda a 16.
- O resto é nosso! – responde o turno novamente.
- Ze-ro! Um, dois, três... dez. Para o polichinelo, o zero é meu!
- O resto é nosso!
- Ze-ro! Um, dois, três... dez!
Todos terminam coordenados. A 16 vai na direção do instrutor
e informa: uma completa paga Senhor!
- O Senhor aprendeu? Quem é o Senhor? Me perguntou o ins-
trutor.
- Sou o aluno 04, Senhor.
- Vou reformular minha pergunta. Na outra vida, quem era o
Senhor?
- Tenente Lucius, Senhor.
- Certo. E qual foi sua colocação na Academia?
- 1º colocado Senhor.
- Hahahahaha, seu fanfarrão! Agora o Senhor vai subir nesse
tronco que os Oficiais da sua turma vão ficar segurando e o Senhor
vai assistir minha aula repetindo a frase: eu sou zero um porque pas-
sei colando!
Toda essa narrativa é para contextualizar o quão despreparado
para o curso eu estava. Aprendia muito na maioria das instruções,
normalmente conduzidas por Caveiras. O alto nível de conhecimento
nos diversos assuntos, só aumentava o meu respeito por eles. Quase
tudo era novidade, pela primeira vez estava tendo aulas de patrulha-
mento tático móvel, rapel e noções de explosivos.
Alguns dias se passaram e houve uma ocasião em que viaja-
mos de Criciúma a São José para termos instrução com o BOPE.
Apenas um Caveira nos recebeu. Este, junto com o nosso coorde-
nador (que estava com a cor dos olhos trocadas, ou seja, com a Ca-
veira incorporada), colocaram o turno em um nível de “alopração”
por meio de comandos múltiplos como senta, levanta, vai, volta,
posição de flexão, permanece, corre, de volta para a posição, se não
112
aguenta, vai embora, todos vão pagar pelo ciclano etc. Quando ga-
nhamos “área verde”13, pela segunda vez pensei em ir embora. Dessa
vez não era o físico, mas a cabeça, o “saco estourou”. O BOPE era
bem próximo da minha casa, comecei a pensar na minha filha de ape-
nas 1 ano, no conforto de casa e então procurei o 05:
- Irmão, “encheu o saco”, já provei o que tinha que provar, vou
embora para casa, já aproveito que fica aqui do lado.
- Relaxa 04, isso tudo vai passar, daqui a pouco estamos em
casa – respondeu o 05.
Nesse ínterim, apareceu o 06, outro Oficial da minha turma e
me tranquilizou:
- 04, calma irmão, senta aqui, respira e come esse chocolatinho.
Era um bis branco que o 06 tinha conseguido camuflar entre
seus equipamentos. Que delicioso estava aquele chocolate... dei uma
mordida, devolvi o restante, olhei seriamente para eles. Juntos come-
çamos a gargalhar, que sensação incrível!
Com a duração de 3 semanas, findou-se o curso com 21 conclu-
dentes, dos 50 que começaram. Prometi a mim mesmo que não faria
mais nenhum curso de “ralo”. Achei muito sofrido, mas a etapa esta-
va paga. Eu já fazia, naquele momento, parte da minoria de policiais
militares que completaram o Curso de Táticas Policiais. O índice de
aprovação em Santa Catarina é em torno de 50%. A bem da verdade
me formei na “brabeza”, não estava adequadamente preparado para
o curso. Mas, não me culpo por isso, naquela época pouco se sabia
sobre a “batida” do evento e, assim, só estando lá dentro para se ter
conhecimento.
113
Figura 48 – Solenidade de formatura do Curso de Táticas Po-
liciais do 9º BPM. Criciúma – 2008.
114
ciam, pois ocorrências sinistras aconteciam naquele município. Frei
Damião, por exemplo, é a maior favela do Estado, com estrada de
chão batido, sem saneamento básico, esgoto a céu aberto e casa de
pau. São mais de 30 mil m2 de área, a maior parte invadida, cenário
que não corresponde à realidade catarinense. Tempo de muito apren-
dizado com os Soldados mais antigos.
115
- O que houve, Senhor? Respondi surpreso.
- Saíste ontem da Academia e já está quebrando as regras. O
que é esse listel no seu braço? Isso é contra o regulamento de unifor-
mes da Polícia Militar.
- É o brevê que me deram na formatura do Curso de Táticas
Policiais – Respondi, sério.
- Isso é um mau exemplo para o Centro de Ensino.
Não respondi mais nada. Permaneci em silêncio e olhava fi-
xamente dentro dos olhos daquele Oficial Superior. Aguardei alguns
dias por algum procedimento administrativo, mas não apareceu nada.
Daquele dia em diante, passei a escrever um projeto para a criação do
brevê de peito do Curso de Táticas Policiais. Não aceitava o fato de
não poder utilizar nada que ostentasse a minha condição de “Tatica-
no”. Desenvolvi a heráldica com os símbolos que já havia nos PPTs:
o punhal e o raio em cima de um campo de xadrez. O formato foi
inspirado no brevê do COEsp, substituindo a caveira pelos elementos
citados, mantendo os louros da vitória. Um Capitão desenhista fez
a formatação em um programa adequado. Com o projeto pronto, a
aprovação pelos canais competentes foi uma lenda. O indeferimento
era com base na insuficiência de carga horária para a concessão do
brevê, pois, pelo diploma, faltavam 6 horas-aula. Ora, se contadas
as horas extracurriculares não formalizadas, a carga horária seria o
dobro. Apresentei o projeto a um Oficial do BOPE que se conven-
ceu a entregar o brevê de maneira “simbólica”, como lembrança, aos
formandos de outro Táticas Policiais promovido pela Unidade. Por
“usos e costumes”, todos no Estado passaram a usar. Até hoje mui-
tos pensam que quem idealizou esse brevê foi o referido Oficial do
BOPE. Atualmente, o distintivo possui regulamentação.
116
Figura 50 – Brevê do Curso de Táticas Policiais.
117
acima do cóccix e que me incomodava desde os tempos de Universi-
dade. Eventualmente inflamava e, quando acontecia, era necessário o
uso de medicação específica para diminuir a inflamação. Com o pas-
sar dos anos o cisto piorava, mas eu adiava a busca por uma solução
definitiva. Tinha dificuldades no exercício abdominal, mas executava
com o quadril um pouco de lado. Não podia pilotar moto, pois se o
fizesse, o resultado eram três dias de cama. Retornando à marcha, a
mochila tinha o peso de uma casa e o final dela batia exatamente no
meu cóccix. A dor aumentou muito e passou a abalar meu psicológi-
co. Mal tinha começado o curso.
Em determinada altura do cerimonial foi lançada uma granada
de emissão que caiu ao meu lado. Em meio àquele “barata voa” me
contaminei com CS e cai no chão com ânsia de vômito, sintoma típi-
co da contaminação desse agente químico. Estava no chão vomitan-
do, com muita dor na lombar e me sentindo extremamente fadigado
quando percebi um Caveira se aproximar e quase não consegui falar:
- Eu desisto Senhor!
- O que? Questionou o Caveira.
- Eu desisto Senhor!
Esse Caveira saiu e retornou com outro que gritou:
- Levanta 07!
- Eu desisto Senhor!
- Então vá bater a porra do sino.
Os dois Caveiras me ajudaram a aproximar do sino. Logo que
bati emergiu um grito em coro, idêntico ao de uma torcida organizada
com um gol de seu time em final de campeonato:
- Caveiraaaaa!
Aquilo foi um soco na minha cara. Desligou o meu disjuntor,
“caiu a ficha”. Eu parecia estar em um pesadelo. Uma das piores sen-
sações que já senti. Fui levado para o BOPE, permaneci mudo e ca-
bisbaixo. Liguei para minha mãe ir me buscar no quartel. Obviamente
assustada ela me perguntou se estava tudo bem, pois havia dito que só
voltaria para casa morto, em uma ambulância ou formado. Respondi
118
que sim, mas que havia desistido. Ela chegou em poucos minutos,
morávamos ali perto. Perguntou-me o que aconteceu, eu mal sabia
explicar. Tinha uma bola enorme nas minhas costas em razão da infla-
mação no meu cóccix, mas eu caminhava e isso ia de encontro ao que
havia mentalizado. Fui para meu apartamento, comi e tentei dormir o
máximo que consegui. Lembro como se fosse ontem, sonhava que a
caveira do brevê vinha em minha direção de longe, partindo de uma
penumbra, e começava a aumentar de tamanho até ficar enorme e
passar através do meu corpo.
A manhã seguinte era pior que uma ressaca. Passei o dia an-
sioso aguardando notícias do curso e se mais alguém tinha saído,
naquele tempo não havia WhatsApp. Nos dias seguintes, persistia a
angústia. Felizmente, consegui uma consulta de emergência com o
proctologista que acompanhava meu problema do cisto pilonidal. Ao
me examinar, nem hesitou, afirmou que se eu quisesse ter vida nor-
mal deveria imediatamente fazer a cirurgia. Em poucos dias, estava
no hospital operando. O problema nem foi a cirurgia, mas a recupe-
ração. Foi aberto um buraco, cuja cicatrização deve ocorrer de dentro
para fora. Fiquei 60 dias em casa realizando o tratamento pós-cirúr-
gico, mas a cicatrização completa só após 3 meses. Esse tempo de
atestado médico foi importante para que eu pudesse refletir e colocar
a cabeça no lugar.
Quando desisti, não sabia muito bem o que estava acontecendo,
mas na noite em que sonhei com a caveira, tinha decidido que tentaria
de novo. Mas agora seria diferente, optei por permanecer em silêncio
e não falar dos meus objetivos. Meu treino seria feito com muito foco
no condicionamento físico, aguardando o momento certo. Alguns
bons amigos me visitaram em casa e souberam do meu problema.
Quando voltei a trabalhar, muitos perguntavam o que havia aconteci-
do. Explicava o problema do cisto e a cirurgia, uns acreditavam, ou-
tros ficavam indiferentes. Havia aqueles que até transpareciam certa
alegria, o que alimentava ainda mais o meu espírito.
Houve uma oportunidade que encontrei o então Taticano 05
119
(aquele de Criciúma), agora Caveira 08 do COEsp 2009, e empolga-
do passei a fazer muitas perguntas sobre o curso. Ele só respondia:
Massa! Muito Massa! Claramente era outra pessoa. Não no sentido
de falta de humildade ou algo do tipo, simplesmente não era mais o
mesmo.
120
- OK, 06. Mas é vaga garantida ou vai ter que concorrer no
certame?
- Não sei, acabei de receber.
- Podes me enviar o edital de seleção para eu dar uma olhada?
- Positivo.
Fui analisar o edital e havia 35 vagas para o curso, sendo 30
para os paulistas e 5 para os de outras instituições. Não tinha nada de
indicação, bastava um ofício do Comandante imediato para participar
do processo. Uma luz acendeu e retornei a ligação:
- Stive, o edital prevê cinco vagas para estrangeiros. Só preciso
de uma. Vou te fazer a seguinte proposta: o Senhor me autoriza des-
locar junto para participar da seleção? Tens a minha palavra, caso eu
fique na sua frente e você fique de fora por minha causa, eu abro mão
da vaga, pode ser?
- Claro, vamos juntos nessa!
- Show. Obrigado, irmão.
Em uma primeira análise do edital, verifiquei que as provas fí-
sicas estavam de acordo com aquilo para o que eu já vinha me prepa-
rando. Faltando duas semanas para as provas, descobrimos que a “oi-
tava em barra fixa” era um movimento totalmente diferente do que nós
executávamos em Santa Catarina. Na época, ninguém sabia o que era
aquilo. Tivemos de procurar uma professora da ginástica olímpica para
que ela nos explicasse a técnica. Só conseguimos executar o movimen-
to depois de reiteradas tentativas, isso me custou o ombro direito.
“Na cara e na coragem”, viajamos para São Paulo com intuito
de conseguir a almejada vaga. Havia mais de cem candidatos, um
número expressivo. A primeira prova era a da oitava em barra fixa e
muitos foram reprovados. Senti muito o ombro durante a execução,
mas consegui realizar o movimento. A próxima era a subida na corda
sem auxílio dos membros inferiores, com pontuação definida entre
4 e 7 metros, contando a partir da segunda pegada na corda. Alcan-
cei somente 4,5 metros, a limitação do ombro não me permitiu su-
bir mais. Fiquei extremamente arrasado, devido a essa pontuação cai
121
para a última colocação entre os estrangeiros. Vi o filme da derrota
novamente passar pela minha cabeça, mas dessa vez estava decidido
em jamais desistir. Poderia até não ficar bem colocado ou não con-
seguir cumprir alguma prova, mas jamais desistiria voluntariamente.
Outras provas iam acontecendo e, paulatinamente, alguns can-
didatos eram reprovados. O 06 teve a infelicidade de não conseguir
completar no tempo um teste de agilidade, ficando fora do certame.
Depois vieram as corridas de velocidade e resistência, caminhada so-
bre o pórtico e as provas de água como apneia, flutuação e nado livre.
A última prova era o teste de aptidão de tiro e eu ainda não estava
classificado para as vagas. Tratava-se de realizar 10 disparos de pisto-
la .40, a 10 metros, e acertar 70% em uma folha de papel A4. Acertei
todos. Ao fim do processo, somente 25 candidatos conseguiram com-
pletar a seleção, sendo 7 estrangeiros e 18 paulistas. Eu era o último
colocado dos estrangeiros e estava fora das 5 vagas previstas, mas
naquela altura, já estavam cogitando a possibilidade de completar as
vagas remanescentes com todos os aprovados. Outros três policiais
militares de SC, dos quais só tive conhecimento no dia dos testes, que
também estavam inscritos na seleção, conseguiram ser aprovados.
Uma reunião com os 25 aprovados foi realizada com o Coman-
dante do GATE. Na opinião dele, o curso não deveria ser realizado
porque não alcançou um número razoável de candidatos para o início
do evento. Como a média de aprovação no curso gira em torno de
20%, e considerando que havia somente 18 policiais de São Paulo,
provavelmente se formariam no máximo 4 integrantes para o GATE.
Pelo custo do curso, não valia tanto investimento para formar pou-
cos. Entretanto, ao final, a decisão não caberia a ele, mas ao escalão
superior. Findada a reunião, alguns integrantes me procuraram para
parabenizar por ter conseguido passar na seleção e com o “bizu” que
muito provavelmente chamariam todos para o início do curso.
Como o curso só começaria em uma semana e tudo estava inde-
finido, inclusive minha própria vaga, decidi retornar para a casa. Meu
sentimento era o de missão cumprida, sabia que tudo estava nas mãos
122
de Deus e que se fosse a vontade Dele, eu retornaria para o curso.
Três dias depois, recebi uma ligação de São Paulo, era um Cabo da
seção administrativa do GATE:
- E aí, Chefe tudo bem?
- Positivo amigo, qual é a novidade? Respondi, com medo de
saber a resposta.
- O Senhor está pronto para o curso?
- Sim, Senhor! Vai sair, então?
- Claro Chefe, com todos os aprovados.
- E aquela argumentação do Comandante do GATE dizendo
que por ele não valeria a pena realizar o curso?
- Chefe, aqui é São Paulo. Há muita coisa envolvida e o escalão
superior entende que a PMESP não pode cair em descrédito “furan-
do” com outros Estados.
- Padrão, irmão! E o enxoval?
- Já estou lhe enviando pelo e-mail. Não se preocupe, não é
muita coisa – Respondeu o Cabo.
- Fechado. Muito obrigado pela notícia.
Meu sentimento agora era um misto de euforia e medo. Pre-
parei meu equipamento e embarquei em um avião nas vésperas do
curso. De Florianópolis a São Paulo é apenas uma hora. Chorei da
decolagem até a metade do percurso, prometi a mim mesmo que en-
tregaria minha vida se preciso fosse para voltar vitorioso.
Os 25 policiais militares se apresentaram pontualmente e al-
guns procedimentos administrativos foram realizados. Quando recebi
minha numeração já sabia que estava formado: deixei de ser o 1º Te-
nente Lucius para ser o 04, de novo. Com o passar dos dias o grupo
aumentava o espírito de corpo e cada vez mais íamos conhecendo uns
aos outros. Meu turno tinha quatro Caveiras, dois de São Paulo, um
do Mato Grosso do Sul formado no Paraná e outro do Rio Grande do
Norte. Incrível como esses policiais eram impecáveis. Equipamento
sempre no padrão, as canções militares eram ritmadas com letras que
eu desconhecia e a capacidade de eles “ligarem” e “desligarem” era
123
fantástico. Em instrução, tinham um nível de atenção e aprendizado
absurdo, mas quando estavam “fora de situação” normalmente fica-
vam relaxados, riam como se estivessem em casa. Aquilo me conta-
giava, eu não tinha qualquer melindre em perguntar ou copiar as boas
práticas. Certo dia perguntei ao Oficial do Mato Grosso do Sul:
- 02, o Senhor já é Caveira, o que está fazendo aqui?
- 04, esse é um dos cursos de polícia mais respeitados do mun-
do. O nível técnico desses camaradas é algo que não tem comparação.
Não tinha comparação mesmo, nunca havia visto algo daquele nível.
Além do Curso do GATE, muitos instrutores tinham especializações
internacionais como Comandos Jungla e COPES (Comando de Ope-
raciones Especiales y Antiterrorismo) da Colômbia, além do fato de
que a maioria também tinha o Curso do COE, ou seja, eram Caveiras
de São Paulo. Aliás, o respeito entre o GATE e o COE é enorme,
muitos integrantes destas unidades buscavam a formação em ambos
os cursos. Outro ponto interessante, é que a Polícia Militar do Estado
de São Paulo não tem paridade no Brasil, o seu efetivo é algo pró-
ximo de 90 mil pessoas, Santa Catarina tem 10 mil. O GATE é uma
das unidades mais bem equipadas e a sua experiência operacional no
atendimento de ocorrências com reféns e explosivos é inigualável no
país e no mundo.
124
As instruções eram extremamente técnicas. Tudo que era ensi-
nado, era demonstrado pelo próprio instrutor, mas cobrado com rigor,
sob pena de o aluno ser desligado do curso. Se precisasse saltar de
um helicóptero a 15 metros e executar uma travessia, o instrutor fazia
junto. Caso o aluno tivesse que realizar movimentos em uma corda
suspensa em um prédio com mais de 30 andares para depois descer
no rapel, o instrutor mostrava como devia ser feito.
`
Figura 52 – Salto hello casting, em Mairiporã – São Paulo.
125
Figura 53 – Equipe tática aplicando técnica de intervenção em
ambientes abertos.
126
- Vamos, Caveira, aperta esse passo!
- Como, Senhor? Respondi, surpreso.
- 04, você é Caveira lá de Santa Catarina né?
- Não, não Senhor.
Naquele tempo, as informações ainda não fluíam com a velo-
cidade das redes sociais de hoje. Aquelas palavras sinceras encheram
meu coração. Havia outros Caveiras no meu turno e eu parecia estar
no mesmo padrão.
14 Abre-se nota ao Caveira do Rio Grande do Norte que teve o infortúnio de romper o tímpano durante o
exercício de mergulho, saltando de uma plataforma de 12 metros, sendo desligado pela coordenação por
restrição médica.
127
Invencível. Seria a definição do meu sentimento em uma única
palavra. Estava fisicamente quebrado, em decorrência das exigências
do curso, mas me sentia como um lutador de MMA após uma grande
luta, bastava me recuperar e já estaria pronto para outra guerra. Esta-
va, agora, ainda mais fortalecido de forma técnica e espiritual.
Retornei a Santa Catarina, “lambi” as feridas, tratei de retomar
os treinamentos com intuito de continuar “afiado” e restabelecer meu
condicionamento físico.
Dos quatro médicos que consultei para verificar a situação do
meu ombro, três deram parecer para cirurgia. Apenas um conside-
rou que até poderia ser o caso, mas que se eu tomasse uma deter-
minada medicação por longo período e mantivesse o fortalecimento
muscular, talvez não fosse necessário. Até hoje tenho meu ombro
preservado.
128
curso em uma unidade que sou o único formado? Não se deram nem
ao trabalho de fundamentar.
- Guerreiro, tens um excelente curso. Acho até que a tua capa-
cidade técnica pode ser superior à minha. O que você conseguiu lá é
inédito, mas vou te dizer algo e espero que não fique chateado: tu não
és Caveira - Respondeu o Oficial, com toda a humildade do mundo.
Essa modesta resposta foi um “tapa com luva de pelica”. A esta
altura eu já aguardava o próximo curso de operações especiais. Se-
ria no primeiro Estado que aparecesse, estava pronto para qualquer
desafio. Na minha cabeça, ninguém seria mais capaz do que eu para
buscar a Caveira. A sorte estava lançada.
Poucos meses depois, o processo seletivo para o Curso de Es-
pecialização em Operações Especiais (CEOE) da Brigada Militar do
Rio Grande do Sul foi divulgado. Providenciei o edital e encaminhei
para a Diretoria de Instrução e Ensino. O certame foi publicado em
toda a rede PMSC divulgando a seleção para participação dos volun-
tários, sem o pagamento de diárias e passagens. Por mim perfeito, já
estava acostumado a tirar dinheiro do bolso para me especializar e
sabia que tinha condições de gabaritar o teste de aptidão física.
Ocorreu que nenhuma pré-seleção foi feita em Santa Catarina e
doze voluntários se apresentaram diretamente no Rio Grande do Sul
para a seleção. Os Caveiras gaúchos estavam atônitos, nunca tinham
visto tantos “catarinas” candidatos. Aconteceu algo semelhante ao
fenômeno do processo seletivo de São Paulo, quando as vagas desti-
nadas aos policiais da Brigada Militar começaram a sobrar. O edital
previa 45 vagas para o curso, das quais 5 para estrangeiros. Contando
todos os aprovados, o curso iniciaria com 44 candidatos, sendo 10
estrangeiros dos Estados de Santa Catarina, Pará, Mato Grosso do Sul
e Rio Grande do Norte. Dos 12 catarinenses inscritos, 5 completaram
todas as avaliações psicológica, médica e física, conseguindo aprova-
ção. O Comandante do GATE-RS, hoje BOPE-RS, informou ao final
do processo que todos seriam chamados e deveríamos nos preparar
para o curso que iniciaria em uma semana.
129
Retornei para Santa Catarina trazendo junto o Oficial do Pará,
também aprovado na seleção, pela afinidade que desenvolvemos,
posto que éramos amigos em comum do 06, aquele do táticas poli-
ciais. Começamos a preparar os materiais do enxoval, distribuindo
-os em kits cuidadosamente montados em potes plásticos com rosca
e de tamanhos variados, forrados no interior com EVA, cola quente e
ainda vedados no exterior com um pedaço de câmera de pneu, tudo
com o capricho de acomodar os materiais de modo que fossem fa-
cilmente localizados quando necessários, não produzissem qualquer
tipo de ruído quando chacoalhados e que, principalmente, fossem à
prova d’água. Todos os dias realizávamos atividades físicas, prin-
cipalmente na piscina, atravessando a nado com pesos, fardados ou
com braços amarrados nas costas, flutuando com lastros, montando
e desmontando armamentos em apneia, revezamento de snorkel em-
baixo da água etc.
Em uma dada quinta-feira recebi a ligação da DIE me infor-
mando que eu havia ficado de fora do sorteio que autorizava dois dos
cinco candidatos aprovados no processo seletivo do curso de opera-
ções especiais do Rio Grande do Sul. Não acreditava no que estava
ouvindo, cheguei lá em “zero segundos” e procurei o chefe da seção
para pedir esclarecimentos sobre o assunto. Ele havia informado que
o sorteio foi uma decisão do Comandante-Geral e que não havia nada
a ser feito, salvo convencer o 01 da Corporação. Liguei para todos
que de algum modo pudessem me ajudar, mas cabal nesse auxílio foi
um amigo Tenente Coronel (o promovido Capitão Choqueano que
quase rachou meu capacete na instrução do Táticas Policiais), que
trabalhava como Ajudante de Ordens e orientou que eu aguardasse
no Quartel do Comando-Geral (QCG) para me “encaixar” em uma
audiência. Assim fiz. Aguardei por horas, quando no fim da tarde,
retornando de viagem, eles chegaram ao QCG. Levantei-me e prestei
continência, mas ninguém olhou para mim, exceto esse Tenente Co-
ronel que chegou por último me deu uma piscada e sinalizou para que
eu aguardasse. Algum tempo depois, ele retorna e me chama:
130
- Lucius, seja breve e convincente – Orientou pouco antes de
abrir e fechar a porta do gabinete do Comandante-Geral, permane-
cendo no lado de fora.
Sentado em sua mesa e realizando algumas anotações estava o
maior Comandante da nossa Instituição. No outro lado da sala havia
um Coronel da Ajudância-Geral. Quem é do meio, senhoras e senho-
res, sabe que isso é algo raro e somente casos de extrema importância
permitem que um Tenente moderno acesse o gabinete da máxima au-
toridade policial militar. Em posição de sentido, prestei a regulamen-
tar continência e me apresentei:
- Com licença Comandante, 1º Tenente Lucius do 16º Batalhão,
permissão para falar com o Senhor.
Num delay de alguns segundos, sem parar o que estava fazendo
e sem me olhar nos olhos, o Comandante-Geral começou a falar:
- Meus ouvidos doem de tantas ligações que estou recebendo,
entre elas algumas falando do Senhor, em meio a tantos outros pro-
blemas que tenho. Antes de mais nada – continuou o Comandante,
agora me olhando de forma indiferente – saiba que essa decisão de
sorteio foi minha, estamos com muitos problemas de policiamento
para enviar cinco policiais ao Rio Grande do Sul para frequentar um
curso que só termina no final do ano.
- Comandante, os cinco policiais são de unidades diferentes.
Descemos em 12 para a seleção no Rio Grande do Sul e 7 já ficaram
pelo caminho. É curso de operações especiais, não se tem a certeza
da formatura, amanhã todos os policiais podem estar de volta – Res-
pondi, contra argumentando.
- Ah, certo, Tenente, agora queres me ensinar, então? Você acha
que eu não sei como funcionam as coisas? Também estou consideran-
do a possibilidade de algum de vocês se machucar e ficar ainda mais
tempo afastado – Respondeu, irritado.
- Comandante, já investi mais de três mil reais de equipamen-
tos para o curso e meu deslocamento será sem ônus para o Estado.
Não há pagamento de passagens, diárias ou qualquer coisa do tipo –
131
Respondi mudando a linha de raciocínio e percebendo que o tempo
estava esgotando.
- Haverá outras oportunidades, podes deixar isso guardado –
respondeu ele em tom de ultimato.
- Comandante, por favor, seja razoável e pense de forma empá-
tica – Comecei a argumentar com os olhos cheios de lágrimas, mas
com olhar fulminante – Não seja alguém que vai apagar o sonho de
um Oficial que espera um dia estar sentado na sua cadeira, mas com
todos os objetivos alcançados.
Balançando a cabeça afirmativamente, o Comandante-Geral
me olhou e perguntou: Qual foi a tua colocação no sorteio?
- 3º Senhor.
- Ok. Coronel, autoriza o Tenente e chama mais um Praça para
não ficarem dizendo que eu favoreço Oficial.
Meu Deus, que felicidade! Sai daquela sala pronto para a guerra.
“Pior do que a morte é a espera da morte”. Equipamento pron-
to, cabeça blindada, fomos ao Rio Grande do Sul. Desde a primeira
edição, em 1989, o curso sempre começou em agosto, a época mais
fria do ano, pico do inverno, motivo pelo qual somos conhecidos
como Caveiras do Gelo. “Começa na era glacial e acaba no frio”,
costumamos zombar. A nossa era a 9ª edição, sendo que há 10 anos os
cursos estavam ocorrendo em anos intercalados, com o 8º CEOE, em
2009; o 7º CEOE, em 2007; o 6º CEOE, em 2005; e o 5º CEOE, em
2004, o que significa que havia muitos Caveiras por metro quadrado.
Os “/9”15 eram os mais acelerados, fenômeno normal em qualquer
curso onde os mais novos são sempre os hiperativos.
Reunidos na sala de aula, alguns documentos foram assinados
e finalmente as numerárias começam a ser distribuídas. Sonhei com
este dia em muitas oportunidades, sabia que era algo imutável e para
a vida, como o nome que os pais escolhem aos filhos. Lembro de
um dia, pouco antes de começar o curso, estar em uma rede de su-
15 Diz-se “barra 9”. Além do número da edição do curso, determinada geração de Caveiras também é
referenciada pelo ano de formatura. No caso, havia os /9, /7, /5 etc.
132
permercados com caixas que iam até o número 50, olhava para cada
um deles tentando imaginar qual seria o meu. Eis então que recebo
meu número da sorte, o 04, correto? Errado! O Rio Grande do Sul é
o único Estado que eterniza os números dos Caveiras, isto é, quem se
forma passa a ser conhecido por aquela numerária e jamais um outro
aluno poderá usá-la. O 04 já tinha dono e se tornado Caveira, foda-se,
agora eu era o Aluno 27. Muitos Caveiras passavam por mim, olha-
vam para a cabeça e riam dizendo: 27? Rá, é número que não forma!
E era verdade mesmo, o 27 era um dos poucos que rodava desde o
primeiro curso e sempre matava gente. Perfeito, esse era o número
que aguardou mais de vinte anos para ser imortalizado comigo16.
Na conferência de enxoval, os Caveiras pouco se importam
com a qualidade e acondicionamento dos equipamentos, isso já havia
sido orientado na entrega da listagem como fator básico e determi-
nante para a sobrevivência no curso. Caso algum equipamento faltas-
se, “kits” com cabeças de pedras eram providenciados. Seguiram-se
alguns “dias administrativos” e praticamente metade do turno já ha-
via saído. Eventualmente algum Caveira me perguntava:
- O Senhor tem o Curso do GATE de São Paulo?
- Sim, Senhor!
- Então, o Senhor já é Caveira?
- Não, Senhor, os Caveiras de São Paulo são formados no COE,
Senhor.
- Hum... Aluno profissional – Diziam, rindo sorrateiramente.
Quando era possível a conversa entre os alunos, um ou outro
também me perguntava qual a diferença do Curso do GATE de São
Paulo para o Curso do GATE do Rio Grande do Sul. Lembro que, cer-
to dia, um gaúcho me fez essa pergunta e logo após eu respondê-la,
ele se levantou, disse que precisava se preparar melhor e bateu o sino.
Juro que nem deu tempo de segurar. Em contrapartida, essa chance-
16 Nos demais Estados, a numerária normalmente é distribuída do 01 ao “0 último” conforme a antigui-
dade dos alunos. Após formados, os Caveiras são numericamente nominados conforme a antiguidade
e ano de formatura no documento conhecido como “almanaque”, onde registra a ordem e a quantidade
total de cursados.
133
la e o fato de ser Oficial sempre me colocavam em evidência, não
conseguia me “amoitar” e eu dificilmente passava despercebido. Não
demorou muito para cobrarem a entonação do hino rio-Grandense.
De repente, o gráfico da Matrix dispara e nos vemos rompendo mar-
cha infinita em um campo de treinamento gélido no Pampa gaúcho,
uma extensa planície formada por estepe e capões (porções de mato
isolado que surgem no campo). Lá, se descobre que o inferno não tem
fogo, é frio e tem muita água. Havia dias que pensava comigo: “Hoje
está muito frio, impossível irmos para a água, se fizerem isso vão
matar todos de hipotermia”. Grande engano. Não demorava muito
para não conseguirmos realizar uma tarefa no tempo determinado e
ir para o “chof”17 como punição. Aliás, durante todo o curso a regra é
o aluno estar molhado. Se o chof é em 3º escalão (só de sunga), nada
que algumas completas não resolvam. Entretanto, se o combatente
vai para a água “equipadão”, de mochila e fuzil, só uma fogueira alta
para resolver. E se não tem fogueira? Morre? Não, emprega-se a téc-
nica do “paqueto”, na qual os alunos, deitados em 3º escalão, se co-
brem com um pedaço de lona e passam a se esquentar reciprocamente
pela temperatura corporal. É o espírito de corpo sendo efetivamente
colocado em prática.
134
Dia após dia, o sino continuava tocando. A maioria antes de
desistir, já tinha aprendido a tal da “saída honrosa”, momento em que
o aluno está decidido a ir embora, mas propõe uma negociação com
a coordenação de alguma melhoria para o turno (como descanso ou
comida) em troca de sua desistência. Os Caveiras adoram esse tipo de
conduta e sempre cumprem a palavra, com intuito de que essas ações
sirvam de exemplo e estimule aos que pensam em ir para casa.
135
e recebia a ração. As oficinas aconteciam em níveis fácil, médio e
impossível. O aluno que não cumpria nenhuma tarefa, ficava faminto
observando os outros se alimentarem. Verdade seja dita, metodologia
brutal adotada em boa parte do curso.
Nem precisaria mencionar o tradicional chimarrão ou o famoso
churrasco gaúcho que queimava por 24 horas e exalava por quilô-
metros com um delicioso aroma de carne, tudo isso à disposição do
aluno que entregasse o capacete. Minha mãe, nascida no interior de
Santa Catarina, tem o hábito de tomar chimarrão todos os dias e sem-
pre me oferecia uma cuia quando eu morava com ela. Nem sempre eu
aceitava, principalmente nos dias quentes. Prometi para mim mesmo
que jamais recusaria uma cuia, desde que, numa noite fria, vi um Ca-
veira confortável em um casaco felpudo e apreciando um chimarrão
cuja água evaporava. Também tenho o hábito de, sempre que possí-
vel, colocar uma carne na brasa e degustar a minha comida preferida.
Perdi cerca de 10 quilos nessa primeira fase do treinamento. É
comum as pessoas perguntarem se essa é a parte mais difícil do curso.
Eu diria que é a fase mais crítica, quando seu corpo e mente estão se
ambientando às adversidades e ao abandono do conforto. Durante a
preparação você dorme e se alimenta bem e, agora, não mais; acres-
cente a isso o estresse elevado. É quase uma luta individual, cada um
se comporta de maneira diferente. À medida que o curso transcorre,
as atividades continuam evoluindo com graus de dificuldades tanto
quanto ou maior das vivenciadas. São muitos obstáculos. Ocorre que,
doravante, você não está mais sozinho, você compõe um grupo que
se afina, gradativamente, a uma engrenagem em que todas as peças se
tornam semelhantes. Se um quebrar, todos quebram.
Instrução de qualidade é lei em COEsp e assim um aluno e seu
turno sobrevivem dia a dia. O cotidiano é uma caixa de surpresas,
nunca se sabe qual o próximo evento, nem quais são as missões de
alto risco, que aparecem sem hora marcada. O QTS (Quadro de Tra-
balho Semanal) é guardado a sete chaves, mas com o tempo é possí-
vel realizar uma leitura da coordenação e do que está por vir, seja pela
136
circunstância de que “dia de muito é véspera de pouco” ou pelo sim-
ples fato de que o dia passa a ter “muito Caveira reunido” ao som do
cantor francês Manu Chao com as músicas “Clandestino”, “Desapa-
recido”, “Bongo Bong”, “Je ne t’aime plus”, “Mentira” e “Me Gustas
Tu”, além de um bom charuto. Estes eram verdadeiros “dias longos”.
O aluno não tem vida fácil. São muitos dias de curso e ele está
sujeito a muitas variáveis. Certa vez, fraturei o dedo médio da mão
esquerda, sozinho, quando tentava colocar minha farda molhada no
tempo estipulado:
- Permissão, Senhor – Apresentei meu dedo com a falange dis-
tal “pendurada”.
- Que porra é essa, 27? Respondeu o Monitor sorrindo, mas em
tom de preocupação.
- Deu problema no dedo, trancou na calça.
- Quer ir embora, 27?
- Não, Senhor, só informando.
- Então, ok, vamos levar o Senhor ao PS (Pronto Socorro).
Fiquei poucos dias com a tala na mão e logo arranquei, atrapa-
lhava bastante nos exercícios, substitui por esparadrapo. Isso não me
abalou, pensava que poderia ser pior caso fosse a direita, minha mão
forte para o tiro.
137
Houve um aluno que desenvolveu uma inflamação nos pés em
decorrência das feridas e ficou alguns dias sem conseguir se locomo-
ver. Com os pés enfaixados, seu deslocamento era em uma maca pelo
turno ou carregado individualmente. Fui colocado como seu canga
e tinha o dever de cuidá-lo. Como o deslocamento da maca sempre
atrasava o turno, carregava-o nas costas enquanto outros levavam o
fuzil e a mochila. Com o tempo ele foi se curando e nos tornamos
uma dupla extremamente forte. Tomávamos conta um do outro em
perfeita sintonia. Em contrapartida, no transcorrer de uma aula de
combates em ambientes confinados tive uma “discussão” com o ins-
trutor sobre as técnicas de varreduras. Quando vi, estava dentro da
“geladeira” junto com meu canga e, mais tarde, com todo o turno
pagando flexões infinitas até que alguém, preferencialmente eu, de-
sistisse. Outros dois gaúchos de uma “brabeza” horrível começaram
a gritar que ninguém iria embora. Percebendo a grandeza do nosso
espírito de corpo, o instrutor encerrou a fustigação e retomou as ativi-
dades. Fui colocado “em cheque” pela coordenação, mas nunca tive
a intenção de faltar com o respeito.
138
veiras do Gelo. Em uma primeira impressão, ela denota claustrofobia
e só parece chafurdar o aluno. Entretanto, é uma crioterapia natural
que trata as articulações em razão da baixa temperatura da água. Se
passávamos alguns dias sem “visitar” a geladeira, não demorava para
nos machucarmos com mais facilidade devido ao peso dos equipa-
mentos. Além disso, era um local de reflexão. Certo dia em uma con-
versa particular com o coordenador do curso, eu, no lado de dentro, e
ele, obviamente, pelo lado de fora, me advertiu que “caso eu me for-
masse, o que era difícil, quase impossível”, era meu dever comandar
o COBRA e ser um “caveira entre caveiras”, do contrário teria uma
história de operações especiais incompleta.
Os alunos estão sempre “mochilados” e armados em decorrência
da autonomia que o turno possui. Podíamos embarcar para uma ope-
ração e permanecer por dias a qualquer instante, nosso “bivaque” era
feito em qualquer lugar, nunca sabíamos onde passaríamos a noite.
139
deve estar cuidadosamente “aduchada” para que seja uma boia e não
uma pedra na travessia. Em um dia de atividades, eu e meu canga
estávamos em boa sincronia de modo a completar em primeiro as
provas que deveriam ser realizadas em dupla. Nem parecia aquele
baita “jangal”, estávamos descontraídos. Alguns monitores percebe-
ram nossa diversão e chacotearam:
- Ah! Os “vinte e poucos” estão se divertindo né?
- Sim, são os Oficiais do turno.
- É, já está na hora de separar essa canga.
Resultado: perdi a canga. Como já estávamos em 11, passei a
compor uma “trinca” com dois gaúchos que já estavam bem fechados.
140
- Estou muito bem, padrinho – Respondia com o olhar para
cima e voz altiva.
- 27, qual é o padrão?
- O padrão é o padrão, Senhor!
- Então, geladeira 27.
Por falar em liberação, isso é tudo o que o aluno mais quer du-
rante o curso. Nas raras vezes, eu e o paraense íamos para a casa de um
gaúcho. Antes disso, parávamos religiosamente na conveniência de um
posto para beber um capuccino e comer chocolate. Era basicamente
dormir o máximo, dar notícias à família e ajustar o equipamento.
De volta à Matrix, tudo recomeçava. O “corridão” matutino
era o momento que eu mais relaxava. A corrida esquentava o corpo
e liberava serotonina. Saía do quartel e observava a cidade de Porto
Alegre acordar. Em pensamento, agradecia a Deus por estar vivo em
mais um dia do curso. Lembrava da minha pequena filha, da minha
família e o quanto eles deveriam estar orgulhosos. Imaginava-me
ostentando aquela caveira no peito e a inveja daqueles que torciam
contra. Literalmente, sonhava acordado. Era comum lacrimejar, um
choro disfarçado nos brados das canções militares de “morte e des-
truição” que entoávamos durante todo o percurso.
141
O curso tem um desenvolvimento lógico de dificuldades variá-
veis e progressivas. O processo é tão intenso que todos completam a
trajetória não sendo mais a mesma pessoa. É um renascimento. Não
estão somente melhor tecnicamente, mas mais evoluídos de espírito.
No 9º CEOE, 11 bravos guerreiros alcançaram esse ideal. Oito poli-
ciais militares do Rio Grande do Sul, sendo um Capitão e sete Solda-
dos, além de três Oficiais de outros Estados, sendo um 1º Tenente do
Pará, um 2º Tenente do Rio Grande do Norte e eu, único catarinense
Caveira do Gelo, agora eterno 27.
142
- Lucius, eu sei que já te deixei esperando por bastante tempo,
mas se puderes me esperar mais um pouco, gostaria de conversar
contigo.
- Sim, Senhor! Respondi assustado e em posição de sentido.
Aquilo foi muito interessante. A sala parecia uma constelação
de tantos Oficiais Superiores, eu era um Tenente moderno, muitos
nem se quer me conheciam e ficaram curiosos. É nesse contexto que
se aproxima para conversar o Comandante do BOPE, um Tenente
Coronel que recém havia assumido o comando e que foi um dos pre-
cursores das operações especiais em Santa Catarina, simplesmente o
Caveira mais respeitado de todos:
- Tu que é o Tenente Lucius? Perguntou, olhando fixamente
para meu brevê.
- Caveira! Respondi em posição de sentido e sabendo com
quem estava falando.
- E quando é que vais para o BOPE?
- Por mim, agora. O edital previa a transferência para o BOPE
com a conclusão do curso, mas meu Comandante quer me manter na
Unidade.
- Porra, então já vamos ali conversar com o 02.
O 02, Subcomandante-Geral da PMSC, coincidentemente ha-
via sido o primeiro Comandante do BOPE e era totalmente simpático
com à causa.
- Com licença Senhor, quero lhe apresentar o Tenente Lucius,
Caveira do Rio Grande do Sul – Introduziu o Comandante do BOPE
ao Subcomandante-Geral.
- Bacana, como foi o curso? Perguntou o 02, de maneira aten-
ciosa.
- Excelente, Senhor.
- Estou percebendo – concordou sorrindo. E o que você faz
aqui?
- Comandante-Geral pediu para conversar comigo, Senhor.
- O edital prevê a transferência para o BOPE, mas o Comandan-
143
te dele não está autorizando – interrompeu o Comandante do BOPE.
- Se o edital prevê a transferência, não há o que se discutir. Já
aproveita e leva esse assunto para o Comandante-Geral – Orientou o 02.
Retornamos ao hall de entrada até sermos convidados para en-
trar no gabinete do Comandante-Geral. Tomamos assento e aprovei-
tei para lhe entregar o mimo. Ele abriu a embalagem, retirou uma
moeda de sua carteira e me entregou sorrindo:
- Como um bom lageano, é tradição retribuir uma faca ganha
com uma moeda. Muito bonita, obrigado pelo presente.
- Eu que agradeço ao Senhor pela oportunidade que me foi
dada.
- Quem me conhece sabe que dificilmente mudo minhas deci-
sões. Mas naquele dia vi no seu olhar que era a coisa certa a fazer.
Seguimos conversando sobre o curso e as dificuldades enfrenta-
das. Ele mencionou que esteve no Rio Grande do Sul em uma reunião
de Comandantes-Gerais e haviam dado boas referências de mim. Em
dado momento, o Comandante do BOPE aproveitou a oportunidade:
- Comandante, preciso desse garoto lá no BOPE. Além do Rio
Grande do Sul, tem o curso do GATE de São Paulo. O edital prevê a
transferência, basta o Senhor autorizar.
- Está autorizado – Respondeu o Comandante-Geral sem hesitar.
Assim, me dediquei integralmente às operações especiais,
participando de ocorrências e conduzindo instruções. Assumi o co-
mando COBRA e continuei buscando outras especializações, me
destacando na área de explosivos. Minha trajetória foi marcada por
muitos obstáculos, alguns quase intransponíveis. Cai muitas vezes,
mas sempre me levantei. Tenho claro e evidente que não me formei
Caveira em Santa Catarina no ano de 2009 porque não eram os de-
sígnios de Deus, o tempo Dele não era o meu. Mas algum apedeuta
pode especular: então o COEsp de Santa Catarina é mais difícil que
o do Rio Grande do Sul? Não, absolutamente. Em 2011, doze cata-
rinenses desceram ao RS e somente eu me formei. Destes, dois se
formaram em SC em 2014 e 2016, assim como outro policial militar
144
que tentou o RS em 2013 e se formou, mais tarde, no COEsp cata-
rinense. O 12º CEOE em 2017 formou 2 alunos, já o 13º CEOE, em
2019, com crescimento de 100%, com 4 concludentes. Noutra senda,
há diversos outros exemplos de policiais que tentaram Santa Catari-
na, no entanto, se tornaram Caveiras em São Paulo, Brasília, Minas
Gerais ou Paraná.
145
4 DOUTRINA DE OPERAÇÕES
POLICIAIS ESPECIAIS
146
(Special Weapons And Tactics) americana. Surgida na década de 60,
a SWAT é formada por um grupo de policiais capacitados para atuar
em situações de alta complexidade, que fujam do controle da polí-
cia convencional, a exemplo da captura de marginais embarricados,
cumprimento de mandados de alto risco, prisão de periculosos mem-
bros de gangues e resgate de reféns (LOS ANGELES POLICE DE-
PARTMENT, 2021). Outros modelos de unidades policiais de elite
são as europeias RAID (França) - Recherche, Assistance, Interven-
tion et Dissuasion; GSG-9 (Alemanha) - Grenzschutzgruppe 9; e, o
GOE (Portugal) - Grupo de Operações Especiais.
Essa mistura da natureza “policial” da missão e do status “mi-
litar” organizacional, tornam a identidade da Polícia Militar sui gene-
ris e divergente do resto do mundo. O Brasil, a propósito, é um dos
raros países que tem um sistema policial estadual bipartido, no qual
a Polícia Militar é responsável pela preservação da ordem pública e a
Polícia Civil pela polícia judiciária e a apuração de infrações penais,
dividindo o ciclo de polícia entre duas instituições, alvo de infindá-
veis discussões políticas e legislativas.
Muito embora não esteja em declarado estado de guerra, é no-
tório que o Brasil está entre os países de maior índice de violência no
mundo. O país tem, anualmente, um número de mortes que se iguala
e até mesmo supera o de nações em guerra. Na Guerra da Síria, por
exemplo, de 2011 a 2016, morreram mais de 300 mil pessoas (EBC,
2016). No Brasil, durante o mesmo período houve, aproximadamen-
te, 400 mil mortes. Em 2018, do total de 57.358 mortes violentas in-
tencionais, cerca de 11% foram decorrentes de intervenções policiais.
Noutra senda, no mesmo período, houve 343 registros de morte de
policiais e, destes, 87% eram policiais militares (FORUM BRASI-
LEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2021) .
Essa informal “guerra civil do crime” é o que justifica a exis-
tência das operações policiais especiais, direcionadas aos casos que
fogem da normalidade, de altíssima periculosidade. Em contrapar-
tida, os operadores brasileiros, por lidarem com esses indicadores
147
perversos, desenvolveram expertise de combate ímpar, já que, coti-
dianamente, atuam em complexos incidentes, se colocando sempre
à prova. Detentores de extraordinário cabedal de conhecimentos, os
policiais militares especiais não deixam nada a desejar a qualquer
integrante de grupos como Seal, Ranger, Green Berret ou SAS. É
preciso ressaltar que os grupos brasileiros não contam com o aparato
financeiro dos seus correspondentes estrangeiros, mesmo assim, de-
vido à sua grande capacidade de improvisação e seus altos índices de
performance, são mundialmente reconhecidos. Não há profissional
estrangeiro que não saiba o que é uma “favela”.
A excelência dos operadores é diretamente proporcional ao
processo seletivo a que são submetidos. As polícias militares criaram
sistema próprio de recrutamento de tropas, mantendo a “base coman-
dos” da formação militar, de intenso desgaste físico e psicológico,
adaptando-a à atividade finalística policial, que é a proteção das pes-
soas. A essência doutrinária dos “comandos policiais”, portanto, con-
siste em selecionar voluntários motivados, capacitando-os para atuar
em qualquer tipo de ambiente (terra, água ou ar) e circunstância (dia
ou noite, chuva ou sol, frio ou calor etc.), com o propósito de executar
ações diretas, pontuais, cirúrgicas, a gravíssimas ações criminosas,
no campo da segurança pública estadual.
Desse contexto, deriva-se o conceito de operações policiais es-
peciais, missões executadas por policiais forjados em curso de ope-
rações especiais que, com armas e equipamentos diferenciados, além
de constante treinamento, atendem ocorrências que fogem do padrão
ordinário operacional na esfera da segurança pública, com intuito de
salvar vidas e aplicar a lei em observância às premissas de um Es-
tado Democrático de Direito. O coração doutrinário das operações
especiais é fundado na tríade que distingue o homem selecionado, o
treinamento constante e o armamento/equipamento dedicado.
148
Figura 64 – Tríade das operações especiais.
homem
ARMAMENTO/
EQUIPAMENTO TREINAMENTO
Fonte: ilustração idealizada pelo autor.
149
As unidades de operações policiais especiais são fundamental-
mente forças de ataque, compostas por pequenos grupos de policiais
militares altamente qualificados. Congregam número reduzido de
pessoal, uma vez que estes são cuidadosamente selecionados em um
processo de formação longo e caro, no qual somente 10% dos candi-
datos, aproximadamente, são bem-sucedidos. “De fato, não existem
muitos indivíduos em qualquer sociedade que têm os talentos físico,
intelectual e mental para serem guerreiros excepcionais” (DUNNI-
GAN, 2008, p. 67). Decorre daí a máxima de que os agentes de ope-
rações especiais não podem ser formados em massa.
Quanto às funções, as unidades de operações policiais especiais
executam ações diretas, de curta duração, contra o crime organizado,
facções criminosas e tráfico de drogas, com incursões de reconheci-
mento ou de combate, penetrando nas favelas ou qualquer outro terri-
tório hostil por caminhos não convencionais como as matas, durante o
dia, noite ou sob condições meteorológicas adversas. As ações pontu-
ais também recaem nas ocorrências de resgate de reféns ou contrater-
rorismo, principalmente com a possibilidade de aplicação do atirador
de precisão policial e da coluna tática para invasão. A captura de mar-
ginais de alta periculosidade embarricados em ambientes confinados
ou homiziados em ambientes rurais, além dos incidentes com explo-
sivos, igualmente são atribuições das operações policiais especiais.
Eventualmente, há alguma confusão sobre a conceituação de
operações especiais devido às diferenças doutrinárias entre os pa-
íses que executam tais atividades. Considerando as semelhanças e
diferenças, há que se clarificar os seguintes conceitos das operações
policiais especiais, com base nas origens e atual contexto, conforme
segue.
● Comandos – para as operações policiais especiais, Coman-
dos é a base ideológica que funda o processo de seleção em
intenso desgaste físico e psicológico, com intuito de captar
os policiais mais aptos para atender ocorrências de alto risco,
de modo não convencional, no campo da segurança pública.
150
Nesse sentido, é correto mencionarmos Comandos Policial.
● Ação de Comandos – para a peculiaridade policial, estão
relacionadas às incursões ou à captura de criminosos em lo-
cais de difícil acesso, como ambientes rurais ou favelas, por
meio de vias não convencionais, durante a noite ou em con-
dições climáticas adversas. São ações na retaguarda, de onde
os criminosos dominam o terreno e estão bem instalados.
Conforme a periculosidade do ambiente e a disposição dos
criminosos, o fator surpresa de tais ações frequentemente re-
sulta em confrontos armados.
● Ação Direta – é uma ação de impacto, pontual, específica,
cirúrgica, de curta duração, para restauração da ordem públi-
ca em crimes graves. É o principal trabalho executado pelos
grupos de operações policiais especiais.
● Não convencional – a não convencionalidade das operações
policiais especiais é referida quanto à forma de atuação das
unidades e à natureza das missões. Na forma de atuação, as
equipes se valerão de qualquer modo de aproximação ao ob-
jetivo, seja por terra, água ou ar, atravessando uma área de
mata fechada, explodindo uma parede, descendo de rapel de
um helicóptero, atravessando um riacho a nado, conforme
os critérios de ação. A natureza das missões se refere àquelas
não rotineiras, que escapam do cotidiano policial e requisi-
tam o emprego de táticas e técnicas também não comuns.
Não se trata de conceitos de guerra não convencional, cujo
foco é assistência de forças nativas em ações indiretas, clan-
destinas, secretas e de longa duração.
● Operações policiais especiais – é o conjunto doutrinário que
compreende o processo de seleção de pessoal, treinamento,
emprego e missões que exigem uma resposta especializada a
graves perturbações da ordem pública, com intuito de salvar
vidas e aplicar a lei em observância às premissas de um Es-
tado Democrático de Direito.
151
● Caveira – operador formado em curso de operações espe-
ciais promovido pelas Polícias Militares ou Forças Armadas
do Brasil.
152
Em relação à questão doutrinária das operações especiais, é im-
portante, também, mencionar o conceito de superioridade relativa,
apresentado por McRaven (1995), que consiste na condição em que
uma força de ataque menor obtém uma vantagem decisiva sobre um
inimigo maior ou bem defendido. Essa condição é alcançada com a
aplicação dos princípios da simplicidade, segurança, repetição, sur-
presa, velocidade e propósito aplicados às fases de planejamento,
preparação e execução de uma missão de operações especiais. Os
fatores morais como coragem, inteligência, ousadia e perseverança
são influenciadores de todo o processo. Em síntese, toda missão de
operações especiais requer um plano simples, sigiloso, realisticamen-
te ensaiado e executado com surpresa, velocidade e propósito.
McRaven (1995) menciona, no conjunto dessas variáveis, as
“fricções de guerra” que se apresentam no teatro de operações e de-
vem sempre ser consideradas. A “fricção” é uma erudita definição
apresentada por Clausewitz (2010, p. 84)18 e corresponde à única ma-
neira geral “que distingue a guerra real da que se pode ler nos livros”.
Tal concepção é sintetizada por inúmeros fenômenos particulares e
imprevisíveis de pequena importância, que se combinam e reduzem
o nível geral de desempenho da tropa e devem ser encarados com
seriedade pelo comandante de uma força militar19.
Os conceitos de superioridade relativa e os princípios para al-
cançá-la são uma constante dentro das operações policiais especiais.
A única ressalva é a questão da repetição, no sentido de ensaio em
cenário semelhante ao da missão, em decorrência da supressão de
tempo para as ocorrências de altíssimo risco, que ocorrem randomi-
camente e obrigam brevidade na resposta e emprego da equipe. Em
dez anos trabalhando no BOPE, me recordo de apenas duas oportuni-
dades nas quais ensaiamos o assalto tático em planta baixa montada,
18 Carl Von Clausewitz (1780 – 1831) foi um militar prussiano especialista em estratégias de batalhas e
autor do famoso tratado “Da Guerra” (Vom Kriege, do alemão).
19 Uma das fricções que mais atrapalhavam os resultados das batalhas, segundo Clausewitz (1984), era a
de condições climáticas. Para quem nunca esteve em uma batalha, não seria simples entender o quanto
uma chuva podia mudar o seu resultado, entretanto, quem vivenciou as fricções e despendeu a devida
importância a elas, posicionou-se em evidente vantagem.
153
improvisadamente, conforme informações adquiridas em ocorrências
com tomada de reféns. Tem-se como regra que, partindo da condição
de prontidão, o emprego é direto no teatro de operações, principal-
mente nas crises dinâmicas. Por outro lado, simplicidade é a alma
dos princípios, sempre lembrada em todas as circunstâncias. O con-
ceito das fricções de Clausewitz reflete a diferença entre o papel e a
realidade, a teoria e a prática, evidenciando uma larga distância entre
o operador e o não operador, de quem já viveu o combate em detri-
mento daqueles que contam a história dos outros, para a etapa do pla-
nejamento, da execução ou até mesmo da divulgação das operações
policiais especiais.
154
tros crimes de menor potencial ofensivo20. Este é o cotidiano policial.
Entretanto, há casos que escapam deste “estado de normalidade” e
obrigam uma resposta especializada do Estado a crimes de grande
envergadura e grave perturbação da ordem pública.
Os crimes de altíssimo risco, de caráter não rotineiro e elevada
periculosidade, demandam o emprego de homens e armas especiais,
sob pena de vidas serem colocadas em perigo, sejam das vítimas,
de terceiros, dos próprios policiais ou dos infratores envolvidos na
ocorrência. Os exemplos que se encaixam nesse contexto complexo
são as ocorrências com tomada de reféns, suicidas armados, artefatos
explosivos, roubos a instituições financeiras no modus operandi de
um Novo Cangaço ou Domínio de Cidades, combate ao crime or-
ganizado e ao narcotráfico. Tais situações são a razão de existir das
operações especiais nas polícias. Sejam tais crimes cometidos por
terroristas ou integrantes mais violentos de facções criminosas, os
Caveiras estão prontos para o enfrentamento dessas ameaças, seja
qual for a sua localização: em favelas, edificações, veículos de trans-
porte, áreas rurais etc.
20 Dados referentes aos anos de 2017 a 2020, conforme sistema Business Intelligence (BI) da PMSC
(dados não publicados).
21 Refém localizado é aquele que se encontra em local certo, como uma casa, prédio, loja, praça etc.
Diferente de um sequestro onde o local do cativeiro ou localização da vítima ainda não é sabido, sendo
necessário trabalho de investigação para apuração.
155
somente deve ser implementada quando for indispensável (resume-se
na pergunta: isso é realmente necessário?). Na validade do risco, a
ação tem de levar em conta se os riscos dela advindos são compen-
sados pelos resultados (questiona-se: vale a pena correr esse risco?).
A aceitabilidade descende do fato de que toda ação deve ter respal-
do legal, moral e ético. A imprevisibilidade, compressão do tempo
e ameaça à vida concorrem como características da crise, podendo
ocorrer de maneira inesperada com qualquer pessoa, tempo e lugar,
com a necessidade de providências urgentes serem adotadas.
156
cia, equipes de apoio etc. Fora do isolamento da zona estratégica está
o perímetro externo para a delimitação da imprensa e curiosos.
157
O criminoso é o indivíduo que se dedica ao rotineiro come-
timento de delitos e normalmente provoca uma crise por acidente,
devido a um crime frustrado e ao inesperado confronto com a polícia.
Com intuito de promover a sua integridade física ou a possibilidade
de uma fuga, o criminoso toma como reféns as pessoas que estão ao
seu alcance, neutralizando as ações policiais. Não há eleição de alvos
específicos, as vítimas ocorrem de forma aleatória, pois o objetivo
não eram as pessoas, mas sim o patrimônio. Clássico exemplo é de
um criminoso que durante certo roubo a estabelecimento comercial é
surpreendido com a chegada de policiais militares e coloca os funcio-
nários e/ou clientes como reféns.
Já o indivíduo mentalmente perturbado é aquele que sofre
com transtornos mentais que o tornam parcial ou completamente dis-
sociado da realidade. Existe uma grande quantidade de perturbações
mentais, porém os transtornos psicóticos causados por esquizofrenia
e os transtornos mentais orgânicos, decorrentes de abuso ou abstinên-
cia de drogas são os que mais comumente apresentam agressividade
e geram ocorrências de crise. Nessa categoria se encontra, também,
o mentalmente perturbado passional, assim considerado o indivíduo
sem histórico delitivo que, após um evento estressor originado por
traição conjugal ou ofensa à honra pessoal, entra em surto psicótico e
passa a adotar posturas violentas, inclusive com a tomada de refém.
Todos esses casos são de muita complexidade, pois dependendo da
motivação e do estado mental, os causadores desses eventos críticos
não demonstram preocupação com a própria vida. Com os passio-
nais, agravam-se as ocorrências em que as vítimas subjugadas são o
gatilho do surto, podendo ser alvos de retribuição da dor emocional.
A classificação terrorista recai sobre os indivíduos que pra-
ticam ações violentas para divulgação de uma determinada causa
ideológica. No Brasil, o terrorismo é criminalizado conforme a Lei
13.260/16 e se dá através de ações envolvendo xenofobia, discrimi-
nação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, cometidas com a
finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a peri-
158
go pessoa, patrimônio ou a incolumidade pública. Há pouca incidên-
cia desse crime em virtude da não atuação manifesta de grupos radi-
cais que, por motivação religiosa e objetivos políticos, praticam atos
horrendos para desestabilizar nações e levar o pânico à sociedade por
guerra assimétrica e terrorismo internacional22. Há registros de atos
preparatórios por “lobos solitários” (lone wolves), isto é, que não têm
perfil específico ou causa definida para seus atos terroristas. Outro
aspecto preocupante são os eventuais ataques de “atiradores ativos”,
sujeitos que em posse de arma de fogo tentam matar ou ferir pessoas
aleatoriamente, sem nenhum padrão de seleção definido.
Concorrente à definição do Causador do Evento Crítico, são le-
vantadas outras informações tais como vestes, histórico criminal, es-
tado mental, presença de armas de fogo e artefatos diversos. Sobre os
reféns, são apuradas a quantidade, idade, condição física e localiza-
ção no ponto crítico. Em relação ao local do evento, são verificados o
tipo de edificação, número de cômodos, planta baixa e vias de acesso.
Averiguados os elementos essenciais de inteligência, passa-se
ao planejamento e adoção de estratégias para a solução da crise, sem-
pre com o objetivo de salvar vidas e aplicar a lei. A partir de então,
todo o teatro de operações passa a ser coordenado pelo gerente da cri-
se que será a autoridade competente para as decisões no que se refere
à aplicação das alternativas táticas, sempre iniciada pela negociação,
seguida pelos instrumentos de menor potencial ofensivo e a invasão
tática combinada (ou não) com o emprego do sniper.
22 Na Tríplice Fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina há registros da presença de grupos internacio-
nais como o Estado Islâmico (ISIS), Al Qaeda, Hamas e principalmente o Hezbollah, em decorrência da
lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e venda de armas para cartéis e facções criminosas.
159
Figura 69 – Sequência das alternativas táticas.
160
peragem, incapacitando instantaneamente o alvo por cerca de cinco
segundos a cada carga. As munições de impacto controlado usadas
nas espingardas calibre 12 possuem baixa energia, se comparadas às
munições de chumbo e são de característica não letal, se emprega-
das corretamente levando em conta critérios de distância e área de
impacto; garantem, também, alto poder de intimidação psicológica.
As granadas explosivas, ou de emissão, são compostas por agentes
químicos lacrimogênios, a exemplo do CS (ortoclorobenzilmanolo-
nitrilo) e do OC (oleoresina de capsaicina, extraído da pimenta ma-
lagueta), usados para debilitar as pessoas no interior de um ambiente
confinado quando lançadas.
Uma vez determinada a intervenção, a equipe tática passa a gozar
de autonomia operativa, nos limites da opção tática previamente analisa-
da e autorizada pelo gerente da crise. Nesse contexto, é peça fundamen-
tal para a resolução da crise, considerando a versatilidade e adaptação ao
cenário por parte dos operadores, os quais dominam o ponto crítico em
fluição sincronizada e técnicas de combates em ambientes confinados
(CQB – Close Quarter Battle), libertando reféns, prendendo ou neutrali-
zando o causador da crise, conforme o seu grau de agressividade.
161
No sistema tático, há a previsão de emprego do sniper policial
ou atirador policial de precisão, com a dupla finalidade de observar
o teatro de operações para buscar novos elementos de informação
e executar, caso seja necessário, o tiro de comprometimento em le-
gítima defesa de terceiros. Esse disparo ocorrerá somente em casos
extremos, simultaneamente à invasão ou assalto da equipe tática, de-
vido ao iminente risco de vida das vítimas envolvidas e após autori-
zação (luz verde) do gerente da crise.
23 Dados equivalentes a 1 MOA (Minute of Angle), correspondentes à capacidade de atingir alvos dentro
de uma área com 3 centímetros de diâmetro e localizados a 100 metros de distância.
162
Figura 72 – O “T” fatal, região entre os olhos e a ponta do na-
riz do perpetrador, área alvo para o disparo do sniper.
163
te as pistolas de incapacitação neuromuscular, combinadas com as
técnicas de mãos livres para desarmar o causador da crise. As armas
letais serão empregadas somente em caso de legítima defesa da pró-
pria equipe ou de terceiros. Isso é óbvio, uma vez que não é razoável
que alguém desejando tirar a própria vida seja morto pelos policiais.
A grande exceção pode ocorrer quando a ocorrência migra para
o que a doutrina policial categoriza como “suicide by cop” (em tra-
dução literal, suicida por policial), ocasião em que o indivíduo, por
algum motivo, não se suicida, mas apresenta determinado comporta-
mento com a intenção de provocar o uso de força letal pelo policial
militar, com a finalidade de ser morto por ela. Um exemplo seria o de
alguém que, querendo pôr fim à própria vida, sem ter coragem de ati-
rar ou esfaquear a si mesmo, corre em direção aos policiais colocando
em risco a vida destes.
164
● iniciadores e rompedores - classificados conforme a rela-
ção de sensibilidade e potência. O acessório iniciador é um
engenho muito sensível e sua finalidade é proporcionar a
energia necessária à ativação de outro explosivo. Têm ele-
vado grau de sensibilidade ao choque, fricção, faísca elétrica
ou calor. Os rompedores são mais poderosos, menos sensí-
veis e só podem ser detonados pela explosão de um explosi-
vo iniciador.
165
● O PBX (Polymer Bonded Explosives) são explosivos plásti-
cos, usados em cargas moldáveis.
● O NA (Nitrato de Amônio), combinado com combustíveis,
é o explosivo comercial mais utilizado nas atividades de mi-
neração e desmontes de rocha, sendo a base da formulação
do ANFO (Ammonium Nitrate Fuel Oil).
● A Azida de Chumbo, o Estifinato de Chumbo e o Estifinato
de Bário são exemplos de explosivos iniciadores, de grande
sensibilidade.
● A Nitroglicerina é o explosivo base da dinamite.
O encadeamento lógico dos explosivos é conhecido por trem
de explosão, explosive train ou tren de fuego, que corresponde ao
arranjamento dos engenhos energéticos em uma relação de sensibi-
lidade e potência. Quando organizamos os explosivos na disposição
crescente, quanto à potência, e decrescente, quanto à sensibilidade,
temos a estruturação de uma bomba.
As bombas constituem engenhos construídos com o intuito
de causar danos, lesões ou mortes e que podem ser fabricadas não
somente com explosivos, mas também com materiais inflamáveis,
agentes QBRN (Químico, Biológico, Radiológico e Nuclear) ou de
forma mista. As bombas se classificam, internacionalmente, em 2 ti-
pos: artefatos explosivos industrializados (EOD - Explosive Ordnan-
ce Disposal) e artefatos explosivos improvisados (IED - Improvised
Explosive Device).
EOD´s são as bombas fabricadas industrialmente para uso ci-
vil ou militar, de forma lícita, respondem a normas fixas e são dese-
nhadas para um objetivo concreto. É o caso dos foguetes, mísseis,
bombas de aviação, granadas de mão, granadas de morteiro, minas
antipessoal, minas claymore, minas anticarro, produtos ou artifícios
pirotécnicos, bengala de sinalização etc.
Os artefatos explosivos improvisados, IED´s, são engenhos
elaborados com o objetivo de causar alarme e/ou danos a pessoas
e/ou coisas e têm as seguintes características: a) não respondem a
166
normas fixas; b) apresentam desenhos e aparências variados, confor-
me a finalidade, conhecimento e imaginação de quem o construiu;
c) podem incorporar elementos ou incluir artefatos industrializados
completos ou explosivos de origem militar ou comercial; d) são, em
geral, construídos a partir de motivação delitiva, terrorista, uso em
guerrilha, guerra assimétrica (GUARDIA CIVIL, 2016).
Uma explosão ocorre quando uma grande quantidade de ener-
gia é subitamente liberada. A reação química envolvendo materiais
explosivos resulta em uma rápida liberação energética, gerando os
efeitos da explosão: sobrepressão, calor, ondas de choque e frag-
mentação. As elevadas velocidades de reação produzem pressões na
ordem de 19.000 a 145.000 atm e temperaturas superiores a 3000ºC,
capazes de causar a destruição de objetos em sua vizinhança e iniciar
outros explosivos.
167
derivada do arrombamento com uso de maçarico ou furadeira. Esta
modalidade foi desenvolvida na região norte do Estado de Santa Ca-
tarina, precisamente na cidade de Joinville, a partir da junção de três
elementos: conhecimento técnico de metalurgia, informação da po-
sição do dinheiro e tipo de material com que são fabricados os caixas
eletrônicos. A troca de informações entre os “Caixeiros”, como são
conhecidos no meio policial os criminosos especialistas neste tipo de
furto de caixas eletrônicos, e criminosos do Paraná, conhecedores do
manuseio de explosivos em desmontes de rochas, resultou neste vio-
lento modus operandi. Em 2011, Santa Catarina registrava 92 ocor-
rências de furto a caixas eletrônicos, sendo que 31 já eram com o uso
de explosivos. O boom no Brasil, com incidência em outros Estados,
ocorreu a partir do ano de 2012.
A bomba preferida dos criminosos que atuam nessa modalidade
de crime é a emulsão encartuchada de nitrato de amônio (NA), tendo
como detonador a espoleta comum nº 8 que é composta por uma car-
ga de PETN e um misto de azida e estifinato de chumbo, acionadas
pelo sistema pirotécnico por meio de chama (fósforo ou isqueiro).
168
Havendo qualquer incidente com bombas ou explosivos que
demande acionamento do BOPE, o Grupo Antibombas é empregado
com efetivo técnico explosivista que com procedimentos e equipa-
mentos específicos realizam a desativação do artefato, em observân-
cia a categorias de risco e prioridades de segurança com relação a
vidas humanas, bens materiais e evidências.
169
O “Novo Cangaço” é realizado por organizações criminosas
estruturalmente ordenadas, caracterizadas pela divisão de tarefas.
Empregando armas de grosso calibre e explosivos, atacam cidades,
submetem reféns como escudo humano, disparam a esmo ou contra
as forças de segurança locais com o fim de intimidação, fogem in-
cendiando veículos e lançando miguelitos (pregos retorcidos) para
furar pneus e boicotar perseguições, enfim, levam o caos e o pânico
à população local.
170
No contexto da criminalidade organizada, o Novo Cangaço sur-
giu como uma forma de arrecadação de fundos financeiros para os
grupos criminosos, tendo conexão direta no cometimento de outros
crimes como a lavagem de dinheiro e o tráfico de entorpecentes, fa-
zendo com que estes grupos se organizem como verdadeiras empresas
do crime com diversas frentes de negócios manifestamente ilegais.
Para serem combatidos, tais crimes requerem difícil trabalho de
inteligência e integração interagências, haja vista que os assaltantes
não possuem fronteiras e atuam em diversos Estados. Uma mesma
organização criminosa, por exemplo, age no Norte de Santa Catarina
e no Sul Paraná, ou outra, com ocorrências no Rio Grande do Sul e
no interior catarinense.
Quando deflagrada a empreitada criminosa, a linha de ação
mais adequada compreende a execução de um “plano de contingên-
cia” com as primeiras medidas do policiamento local, objetivando a
realização de um cerco de grande perímetro, englobando estratégias de
barreiras, bloqueios e patrulhas policiais, observação e monitoramen-
to, providências de inteligência, além do acionamento do BOPE e das
outras unidades especializadas, tudo com o objetivo de quebrar o pla-
nejamento da organização criminosa e oportunizar a atuação policial.
Em se tratando de operações especiais, o protagonismo do BOPE
nessas ocorrências se dá quando os criminosos empreendem fuga a pé
para áreas de mata, exigindo emprego apurado da doutrina de patru-
lha rural, com camuflagem, navegação, técnicas de deslocamento e de
ação imediata, disciplina para manter alto o nível de alerta e seguran-
ça da equipe, perseverança no rastreamento humano, na tolerância do
desconforto e da fadiga, missão típica de operações especiais.
171
quando estes conteúdos já estão nas favelas e em posse dos trafican-
tes. Incursionar nessas “áreas vermelhas” requer disciplina e preste-
za, com observância de técnicas precisas de patrulha urbana para que
a segurança dos operadores seja maximizada.
O controle das favelas brasileiras está nas mãos das facções cri-
minosas, assim entendidas como grande grupo de pessoas habilmen-
te articuladas, com líderes e níveis hierárquicos bem definidos, com o
propósito de cometer crimes e subsistir dele. Com atuação em todo o
Brasil, as maiores e mais estruturadas facções criminosas são o Coman-
do Vermelho (CV) do Rio de Janeiro e o Primeiro Comando da Capital
(PCC) de São Paulo, entretanto, há muitas outras facções com ações
mais regionalizadas como a Família do Norte (FDN), do Amazonas;
Família Monstro, de Minas Gerais; Okaida, da Paraíba; e muitas outras.
172
Em Santa Catarina, a maior facção criminosa é o PGC (Primei-
ro Grupo Catarinense), nascida no interior dos presídios catarinenses,
com a mesma ideologia de facções de fora do Estado, usando um es-
tatuto para regulamentar suas atividades de organização. Não há uma
liderança única. Existe um conselho, dividido em primeiro e segundo
ministério, que centraliza as ações. Este conselho é formado pelos
detentos fundadores e por antiguidade na facção, sendo que se o de-
tento sair do sistema prisional, será substituído. Abaixo do Conselho
estão os “Disciplinas”, responsáveis pelo direcionamento e execução
das medidas decididas. Podem ser Disciplinas do Mundão (da rua) ou
das “Faculdades” (das unidades prisionais), que tomam conta de de-
terminada localidade ou unidade prisional, respectivamente. Os “Dis-
ciplinas” são utilizados para organização e para pregar a ideologia do
grupo. Em algumas cidades há 5 (cinco) “disciplinas”: o encarregado
de cuidar e obter armas de fogo; o responsável pelas operações que
envolvam drogas (compra, recebimento, guarda, distribuição para os
locais de venda, fiscalização do comércio e das pessoas que dele par-
ticipam etc.); o incumbido pelo “rigor”, que pode ser entendido como
o cumprimento das decisões do conselho aplicáveis aos membros;
o encarregado dos atos de inclusão no grupo; e, o responsável pelo
cadastramento dos integrantes.
O Primeiro Grupo Catarinense utiliza jargões e siglas especí-
ficas para se identificar, como: “TUDO 2”, “É O TREM” e “16.7.3”,
este último se refere à ordem das letras ‘PGC” no alfabeto. Além de
atuar em Santa Catarina, o Grupo tem vínculos em outros estados
brasileiros - Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul - empreen-
de na fronteira com o Paraguai, Bolívia e Peru, além de ter aliança
com outras facções criminosas como Comando Vermelho e Família
do Norte.
Em contrapartida, seu principal rival é o PCC, o que confirma
o padrão do cenário nacional. Assim, a guerra por territórios pode ser
resumida como “o PCC contra todos”. Quando há confronto entre os
integrantes, homicídios com “requintes de crueldade” são constantes,
173
não sendo incomum que cenas das execuções sejam gravadas e divul-
gadas pelos próprios criminosos em redes sociais.
Quando necessária a progressão do BOPE nas áreas dominadas
pelas facções criminosas, uma equipe de quatro policiais militares
consegue, com muita segurança, se movimentar e dominar qualquer
favela catarinense, por meio do conjunto de técnicas conhecido por
Patrulha Urbana. A fluição pelos becos e ruas estreitas parte do con-
ceito de ponta dupla, onde os dois primeiros homens, chamados de
Ponta 1 e Ponta 2, atuam de forma sincronizada, cobrindo os perigos
imediatos, à frente, e ditando a cadência da patrulha. O 3º homem,
Comandante da equipe, se preocupa com os flancos, enquanto o 4º e
último homem fica responsável pela segurança da retaguarda.
174
5 DA TEORIA À PRÁTICA: MISSÕES REAIS
DE OPERAÇÕES POLICIAIS ESPECIAIS
175
A interação entre polícia e sociedade é assunto de muitos deba-
tes. Julgamentos generalizados que afetam a boa imagem da corpora-
ção e de seus integrantes são problemas comuns às polícias de todos
os países. De fato, posturas abusivas ou que caracterizam desvios
funcionais devem ser apuradas e penalizadas, pois o ofício policial
militar é dotado de fé pública e compreende padrões éticos que vão
além da licitude, perícia e honestidade requisitados na maioria das
profissões. Exige-se que o policial tenha conduta pautada em extrema
retidão de caráter e servidão à comunidade mesmo com o risco da
própria vida. São fatos que demonstram a natureza de sacerdócio que
caracteriza essa profissão, uma vez que sua nobreza não comporta
grandes rendimentos financeiros, mas sim, uma profunda realização
pessoal.
As missões de operações policiais especiais são singulares e
circunstanciais e o ótimo resultado de um incidente com todas as vi-
das preservadas, inclusive a do perpetrador, é algo que requer não
somente planejamento e conhecimento técnico adequado, é preciso
criatividade e, casualmente, um pouco de sorte. “Fortuna Audaces
Sequitur” - a sorte acompanha os audazes - é o lema dos Mergulha-
dores de Combate da Marinha do Brasil, não por acaso.
Em Santa Catarina, as ocorrências com tomada de refém cos-
tumam envolver causadores do tipo “mentalmente perturbado”, sen-
do a vítima conhecida do algoz. Os suicidas armados, em regra estão
em posse de faca e a solução normalmente é alcançada com aplicação
da equipe tática. Os incidentes com artefatos explosivos foram os que
mais atendi ao longo da carreira e que me notabilizaram na PMSC, com
mais de 100 atendimentos. O combate ao narcotráfico e as incursões
em favelas fazem parte do cotidiano do BOPE e os crimes de Novo
Cangaço ou Domínio de Cidades são os mais violentos do momento.
Algumas narrativas a seguir estão no formato de diálogo para
que possam “mostrar em vez de contar” ao leitor as percepções vi-
vidas, sensibilidade inexistente quando se lança mão da narração ex-
positiva.
176
5.1 O FAKE SUICIDE BY COP
177
“plateia para o suicídio”, ocasião em que o indivíduo provavelmente
culparia a ex-esposa antes de tirar a própria vida. De maneira inteli-
gente, o Oficial negociador conduziu os trabalhos com o CEC e os re-
féns foram libertados, um a um, ao longo de quatro horas. O “último”
a ser liberado foi o próprio filho, Destaco que a palavra último está
entre aspas porque o CEC não sabia que a ex-sogra estava escondida
em um dos quartos, em silêncio.
Pouco depois, o Oficial gerente da crise me procurou e infor-
mou que o CEC queria se entregar pacificamente, mas com a possi-
bilidade de ser um suicide by cop, situação em que o sujeito não quer
ou não tem coragem para se suicidar e cria circunstâncias para que o
policial tire a vida dele. Diante do fato, perguntei:
- Não entendi. Ele vai sair pacífico ou suicide?
- Não sei amigo, pode ser as duas coisas. A ocorrência agora
está contigo - respondeu o Oficial gerente da crise.
- Comigo não, está com ele (o CEC). Se ele sair com a mão na
cabeça será preso. Se ele sair atirando, vou responder à agressão.
- OK amigo, está contigo! - respondeu o gerente com um sorri-
so sarcástico e um tapinha nas costas.
A equipe COBRA, que se deslocava por terra, ainda não havia
chegado na ocorrência. Não só pelo tempo de deslocamento, mas por
terem se envolvido em um acidente leve no percurso, atrasando o
tempo-resposta.
Assim, a equipe de invasão tática era uma mescla entre eu,
como ponta 1, portando submetralhadora HK MP5 cal 9mm, e o sni-
per que, por não ter contato visual para atuação, transformou-se em
ponta 2, junto dos demais integrantes do PPT que faziam a função
de escudeiro, ala 1, com Taser, e ala 2, com espingarda e elastômero.
Eu já havia deliberado com a equipe que puxaria a ponta da coluna e
seria o primeiro a realizar disparos letais, caso precisasse, sendo que
o ponta 2 seria meu backup. Os outros dois integrantes, com instru-
mentos de menor potencial ofensivo, também só agiriam sob meu
comando.
178
Estávamos posicionados no lado direito da garagem, pelo
lado de fora da casa e o Oficial negociador, no lado esquerdo, estava
abrigado atrás de um carro. A imprensa toda estava no local e havia
repórteres “pendurados” nos prédios vizinhos para registrar a cena.
Uma hora depois, o CEC começa a aparecer. Ele fica em um cômodo,
antes da garagem. Está de camisa, calça e usava luva tática, dessas
com os dedos cortados. Observa e senta.
- Fulano, vamos sair tranquilo! - chamou o Oficial negociador.
- O que são esses caras aí? Vão me matar? – disse o CEC irri-
tado e em tom ameaçador.
- Não, Fulano, eles estão aqui para te ajudar.
- Ajudar é? Ajudar o caralho! Quero ver se esse filho da puta
de preto tem coragem de me atirar. Vai, atira! Atira! - gritou o CEC
apontando para mim e abrindo o peito como se fosse um alvo.
- Põe a mão na cabeça e deite no chão! – ordenei, vigorosamente.
- Mão na cabeça é o caralho! Não tens coragem de atirar, né!
Então, é o seguinte, se eu pegar a minha arma que está aqui nas mi-
nhas costas e atirar em você, você tem coragem?
- Bota a mão na cabeça e deita no chão!
- Ah é? Seu cagalhão, vamos ver! – gritou o CEC com olhos
arregalados e rangendo os dentes.
Ele fez um movimento brusco, simulando pegar a arma nas
costas e apontando para mim, mas quando ele apontou não tinha nada
nas mãos. Meu dedo foi e voltou do gatilho.
- Hahahahaha! Não tens coragem né! Agora é pra valer!
E ele faz o mesmo movimento, sem sacar uma arma. Nova-
mente senti a pressão do gatilho da minha MP5. De inopino, o Oficial
negociador começa a gritar: “não é arma, não é arma!”
Imediatamente pulamos em cima e o algemamos. O que ele
tinha nas costas era uma escova de cabelo. A arma do crime foi loca-
lizada mais tarde, escondida no sótão, com diversas munições. Essa
condição de fake suicide by cop, quase me custou uma tremenda in-
comodação e o sucesso da operação.
179
Retornamos na manhã seguinte, de helicóptero. Lembro-me
que após sermos deixados em um campo de futebol próximo ao
BOPE, retornamos um trecho a pé com nosso equipamento, olhamos
um ao outro com o êxtase do sentimento da missão cumprida e al-
guém disse: isso é operações especiais!
Aliás, não é incomum que CEC’s do tipo mentalmente pertur-
bados submetam familiares como reféns. Em janeiro de 2015, em
Brusque, um homem de 41 anos também manteve seu próprio filho de
oito anos refém, em sua residência. A ocorrência teve início quando a
Polícia Militar foi acionada por vizinhos que denunciaram uma briga
entre dois homens, na qual um ameaçava o outro com uma faca. Com
a chegada dos policiais, o homem fugiu para dentro de casa levando
seu filho como refém. Ele ameaçava matar a criança com uma faca
e depois cometer suicídio. Após frustradas tentativas de negociação,
decidimos executar a invasão tática resgatando a criança e prendendo
o CEC com uso de taser e técnicas de mãos livres.
Em São Francisco do Sul, maio de 2018, um homem de 29
anos com diversas passagens pela polícia e histórico de uso de dro-
gas, tornou refém a própria mãe, de 66 anos, ameaçando matá-la e
cometer suicídio, além de provocar um vazamento de gás de cozinha
no interior da residência. Neste caso, a equipe de negociação logrou
êxito em uma rendição pacífica quando percebeu que o ponto de an-
coragem do CEC era um tio pelo qual ele nutria profundo respeito e
admiração. Bastou que o parente comparecesse e proferisse algumas
palavras de apoio para que o homem se entregasse.
180
Figura 78 – Ocorrência com tomada de refém em São Francis-
co do Sul, 2018.
181
- Positivo, prepara o deslocamento, vou informar ao Coman-
dante.
- Já está autorizado, Sr. O Comandante do Apoio Especializado
ligou direto para o telefone do Oficial de Dia, autorizando desloca-
mento, inclusive com apoio do Batalhão de Aviação. Outra situação:
preciso que o Sr atue como Negociador. Os negociadores do COBRA
vão demorar um pouco para chegar na missão.
- Sem problema, estou indo para o BOPE. Caveira!
Quando recebi a ligação, estava preparado para ser o gerente da
crise, em decorrência do meu posto e função, mas agora atuaria como
negociador primário e os conhecimentos adquiridos na França, com
o grupo RAID da Polícia Nacional, durante o Négociation Cours, se-
riam colocados em prática.
Eram 10h e já estávamos prontos no BOPE. O grupo precursor
composto por um Oficial gerente de crise, um Oficial comandante de
equipe tática e por mim, deslocaria de helicóptero, enquanto o resto
do efetivo iria por terra. Chegamos na ocorrência em 35 minutos, ex-
celente tempo-resposta, posto que a cidade de Criciúma fica a 200 km.
No local, estimo que havia mais de 300 policiais, somados os
integrantes da polícia militar e da polícia penal. O cenário da primeira
intervenção estava bem montado pelo Batalhão da área, com a crise
contida, isolamentos realizados e o contato, sem concessões, de um
Subtenente com os presos, com o intuito de acalmar os ânimos. De
fato, o clima “estava quente” no início da ocorrência. O evento não
foi uma rebelião planejada, ocorreu de maneira circunstancial, em
que um apenado, aproveitando-se de um breve erro operacional do
agente prisional foi rendido ao abrir e fechar uma porta. Ele e mais
um colega foram usados como reféns. No confronto, dois policiais
penais e um preso ficaram feridos.
As providências para o melhoramento e continuidade do ge-
renciamento de crises foram iniciadas. Fui até o ponto onde os presos
rebelados detinham os reféns e me apresentei:
- Boa tarde! Sou Major Lucius, do BOPE, e estou aqui para
182
ajudar vocês.
- Quem é o Sr? – perguntou um preso.
- Sou Major Lucius, do BOPE. Qual o seu nome?
- Não vou dizer meu nome Sr.
- Ok então, guerreiro, posso te chamar de guerreiro?
- Pode ser.
No trabalho preliminar de levantamento de informações, o
Subtenente, primeiro interventor, havia me informado que o tal preso
“porta-voz” estava atendendo pelo codinome “guerreiro”. Seguiu-se,
então, o trabalho de estabilização da ocorrência e início das técnicas
de negociação, com a aplicação de perguntas abertas, escuta ativa e a
construção do vínculo de confiança (o rapport).
183
Alguns vídeos enviados pelos presos, com o uso de celulares dos
agentes prisionais, circulavam nas mídias e redes sociais. Eles osten-
tavam a espingarda apreendida, granadas, “estoques” (objetos perfu-
rantes artesanais), com palavras de ordem do tipo “é o PGC, porra!”,
“tudo 2”, “é o Trem”, além de convocar os “irmãos do mundão”,
criminosos faccionados que estão na rua, a agirem com atentados e
em apoio à causa.
Os presos exigiam, para libertar os reféns e se entregarem, a
presença da mídia, de um advogado de defesa, indicado por eles, de
representantes dos direitos humanos e do juiz da Vara de Execução
Penal. É evidente que essas não são as bases de um processo de nego-
ciação. Se as demandas forem atendidas sem contrapartida, ou seja,
sem que receba “nada em troca”, cria-se a sensação de empodera-
mento do CEC e este começa a oscilar entre os pedidos e objetivos.
Além disso, é grande a possibilidade de um resultado inesperado.
Após 4 horas de negociação, acordamos que uma minuta com
todas as reivindicações dos presos seria formalizada e assinada por
dois advogados da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), repre-
sentantes Comissão de Assuntos Prisionais e o advogado de defesa,
indicado pelos presos. Assim, os presos entregaram as armas, libe-
raram os reféns e cumpriram o protocolo de rendição que havíamos
informado. Estabilizada e segura, repassamos a Penitenciária aos cui-
dados da polícia penal.
184
Figura 80 – Penitenciária Sul dominada, após gerenciamento
de crise.
185
5.3 CASOS DE SUICIDAS ARMADOS
186
também morava em um daqueles apartamentos e explicou que a mãe,
que já tinha histórico de problemas psiquiátricos, havia tido um sur-
to e que não havia motivo aparente para a discussão. Diligenciamos
com outros vizinhos para confirmar a veracidade da versão e todos
confirmaram que essa senhora era encrenqueira e, eventualmente, en-
louquecia.
De cada cinco contatos que o negociador realizava com a Se-
nhora, em um ela mandava os policiais irem embora, afirmando que
não precisava de nada; nos outros quatro, nem respondia. Passado
algum tempo, ela não interagia mais, silêncio absoluto. Era a hora
de evoluir com as alternativas táticas. Destaquei dois operadores do
COBRA para uma ação vertical, partindo do teto do prédio até o 3º
andar, com intuito de observar o interior do apartamento e, também,
se havia alguma janela aberta, para a entrada. Nem uma coisa, nem
outra, as janelas estavam trancadas e as cortinas fechadas. Ao mesmo
tempo, tentamos “michar” a porta da frente, mas não conseguimos
superar a fechadura tetra e a filha também não tinha as chaves. Antes
de realizar a entrada mecânica com uso de aríete, tentamos novamen-
te retomar as negociações, mas sem sucesso.
187
Figura 81 – Ação vertical executada em ocorrência de suicida
armado, cidade de São José, 2020.
188
- Por que? Por que vocês estragaram o meu apartamentinho que
eu amo tanto?
Era impossível não se sensibilizar com aquilo. Chamamos a
filha e o SAMU para condução pacífica da Senhora, mas ao saber
que iria para o instituto psiquiátrico, ficou transtornada. Precisou ser
imobilizada na maca e medicada. A filha chorava descontroladamen-
te e recebeu apoio do marido para acompanhar a ambulância. Nos
voluntariamos para consertar a porta, mas a síndica se prontificou
para o trabalho.
A invasão tática é muito impactante. Recordo-me de outra
ocorrência em novembro de 2017, também em São José, quando um
jovem, com abstinência de crack, portava duas facas e ameaçava pri-
meiro matar quem entrasse na casa dele e, depois, cometer suicídio.
Como prova disso, ele se cortava para demonstrar que estava falando
sério. Na negociação, a sua exigência era a de que a sua mãe apare-
cesse para pedir desculpas a ele. Evidentemente, não apresentamos a
mãe em razão do risco da “plateia para suicídio”.
Como a negociação real não fluía, passamos para a negociação
tática com o propósito de posicionar o CEC no lugar mais adequado
para a invasão. Além da hostilidade do Causador, havia outra variá-
vel que era um cachorro pitbull que não saía do lado do seu dono e
tinha o histórico de ser agressivo. A estratégia da invasão tática era
o arrombamento mecânico da porta com aríete, verbalização, ataque
com taser e imobilização. Se ineficaz, evoluiríamos para o uso de
espingarda e elastômero. Um integrante da coluna ficou com a atri-
buição exclusiva de cuidar do cachorro, inclusive com a autorização
de abater o cachorro, caso necessário. Resumo da ópera: na invasão,
o pitbull fugiu voando para o banheiro, bastando trancar a porta. O
CEC foi imobilizado e conduzido ao Instituto de Psiquiatria pelo
SAMU.
189
5.4 DESATIVAÇÃO DE ARTEFATOS EXPLOSIVOS
190
BOPE para resolver o seu problema. Tratava-se, na verdade, de um
rastreador deixado pela sua esposa. Até no quartel do 63º Batalhão de
Infantaria do Exército fomos acionados para remover e desativar uma
granada de morteiro que havia sido deixada na entrada principal da
Unidade. Apesar de estar pintada na cor verde-oliva, a granada estava
inerte e deveria ser objeto de instrução.
Das ocorrências “valendo”, nosso principal ofício era com as
emulsões encartuchadas de nitrato de amônio e acessórios de deto-
nação. Em fevereiro de 2013, fomos acionados para manipular 700
quilos de explosivos armazenados em um casario centenário a cinco
quilômetros da cidade de Ibirama. Os explosivos estavam mistura-
dos em um pequeno cômodo. Caixas de emulsões, rolos de cordel
detonante, rolos de estopim, caixas de espoleta, ou seja, uma enorme
bomba aguardando qualquer centelha para ser detonada. Uma even-
tual explosão criaria um raio mortal de até 100 metros, lançando frag-
mentos que poderiam alcançar 700 metros.
Nosso primeiro trabalho foi separar detonadores, reforçadores
e cargas principais para ambientes diferentes. Com o apoio do 13º
BPM, levamos os explosivos a um suposto lugar seguro, uma pe-
dreira desativada, indicada por um Oficial da minha turma que servia
nessa Unidade. A imprensa local acompanhou a equipe para regis-
trar algumas imagens. Feitos os cálculos das distâncias de segurança,
montamos o primeiro trem de fogo, com 25 quilogramas de emulsão.
A ideia era analisar a eficiência daqueles explosivos, com a possibi-
lidade de dobrarmos a carga para 50 quilogramas. Com a explosão,
foi possível ver repórteres e alguns policiais “caindo sentado” com o
susto decorrente da onda de choque. Passamos para a montagem do
segundo trem, quando toca meu telefone:
- Lucius, cancela a explosão! Tem casas tremendo perto daqui
– disse o Oficial do 13º BPM assustado.
- Mas não disseste que aqui era uma pedreira desativada? –
perguntei.
- Sim, mas têm casas em áreas de invasão, propriedade da pedreira.
191
- Porra, só agora que tu me avisas! – respondi, reclamando.
Cancelamos as explosões e solicitei que passássemos no local
onde estavam as casas irregulares. Quando chegamos, era cachorro
latindo e criança chorando. Explicamos a situação e continuamos as
detonações no dia seguinte, em uma pedreira ativada.
No caso de pedreira ativada, em abril de 2018, fomos aciona-
dos para recolher explosivos apreendidos pelo Exército durante uma
fiscalização que ocorreu na região Sul do Estado, cerca de 325 quilos
de emulsão encartuchada e cordéis detonantes. Para a realização do
Parecer Técnico, documento no qual certificamos a capacidade de
causar danos e a eficiência dos explosivos, decidimos montar apenas
um trem de explosão com o material a céu aberto, sem enterrá-los,
para registro dos efeitos. O local da detonação foi uma pedreira em
funcionamento na cidade de Biguaçu. O fenômeno foi surpreendente.
192
5.5 SANTA CECÍLIA – UMA ABENÇOADA OCORRÊNCIA
24 Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) é um órgão do Ministério Pú-
blico de SC responsável por investigações, atividades de combate e ações penais relacionadas ao crime
organizado
193
reuni-me com os Caveiras, repassei as informações e passamos a
discutir hipóteses. Eu estava decidido a impedir o acontecimento do
roubo naquela região, pois poderia gerar efeitos colaterais diversos,
principalmente em pessoas inocentes. Entretanto, um movimento
precipitado das nossas equipes poria meses de investigação por água
abaixo, já que esses criminosos são extremamente “escamados” e
qualquer rotina diferente é motivo para eles cancelarem a ação. Além
disso, Santa Cecília já havia sido refém desse tipo de crime em outras
oportunidades e a comunidade estava aterrorizada. Participamos nas
buscas destes roubos, mas sem sucesso.
Retornando a Florianópolis, fiz algumas ligações informando
aos escalões superiores da provável operação. Dias depois, recebi a
mensagem de que os alvos já estavam se movimentando e que o rou-
bo iria acontecer. Acionei quase todo o efetivo operacional do BOPE
no Batalhão e realizei o briefing da missão, resumido em duas hipó-
teses, como segue.
- hipótese 1: a informação de que o sítio seria ponto de encontro
após o crime me levou a acreditar que também poderia ser o local de
reunião do pré-crime, pois deduzi que eles não viajariam centenas de
quilômetros e chegariam de maneira sincronizada para o roubo. Para
ter essa certeza, lançaríamos uma dupla de snipers para se infiltrarem
na mata, observar e informar a situação.
- hipótese 2: não sendo o sítio o local de encontro pré-crime, a
equipe de intervenção atuaria tão logo percebêssemos a chegada dos
criminosos. Um cerco seria simultaneamente montado por equipes
da COE e PPT’s dos Batalhões, nas principais rotas de fuga. Essa,
porém, era a hipótese que eu não gostaria que acontecesse.
Viajamos à noite e com destinos diferentes, para não levantar
suspeitas. Na primeira hora da manhã, as equipes do BOPE já estavam
posicionadas no local idealizado e os demais apoios como helicóp-
teros, viaturas e outras equipes, somente após o meu comando, pois
outros mandados de busca seriam cumpridos. Agora era a hora de es-
perar a movimentação dos criminosos ou a confirmação dos snipers...
194
A comunicação é um dos maiores problemas que enfrentamos
nesse tipo de missão, principalmente em pequenas cidades onde qua-
se não existe sinal de internet móvel, somente em pontos de wi fi.
Além disso, a comunicação via rádio da Polícia Militar também é
precária nesses lugares e é sempre “copiada” pelos criminosos com
aparelhos trazidos do Paraguai. Nesse caso, safamos nossa pane com
aparelhos que transmitem mensagens sms via satélite, mas que de-
vem ser pré-programadas e com somente três opções. As mensagens
eram: sim, não e SOS. Se sim, era o sinal de que os criminosos se reu-
niram no sítio e deslocaríamos a equipe COBRA de intervenção. Se
não, eles não haviam ido para o sítio. SOS era o pedido “P11” (apoio
urgente) aos nossos snipers.
Eis que “plim”, recebo o sms “sim”. Operação iniciada, equipe
de intervenção autorizada para a invasão tática no sítio, perímetro
de cerco montado, sobrevoo dos helicópteros para o ponto crítico.
Da ação, cinco pessoas foram presas e duas foram neutralizadas em
confronto com a equipe. Um deles, o líder do bando, se evadiu para
um matagal ferido, pois havia marcas de sangue nos rastros, e entrou
em confronto armado com a equipe após dois dias de rastreamento.
Armas longas e curtas de calibres diversos, munições, coletes balísti-
cos, radiocomunicadores, aparelhos celulares, dinheiro e máscaras de
palhaço foram apreendidos.
Em conversa mais tarde com os snipers, fomos informados que
à medida que os criminosos chegavam no sítio, encenavam a ação
do roubo, inclusive apontando as armas longas como se estivessem
colocando reféns em posição de submissão.
195
Figura 83 - Foto realizada ao final do 1º dia de operação em
Santa Cecília, 2020.
196
comigo há alguns anos no 16º BPM (Palhoça) como Soldado e que,
desesperadamente, começa a solicitar:
- Major, Major, chama o BOPE! Estão atacando a cidade de
Criciúma, muitos tiros no quartel, informação de policial baleado...
Ao fundo da ligação era possível ouvir o barulho de muitos e
explosões, como se uma televisão estivesse ligada em um filme de
guerra, desses do Rambo. Pensei que se tratava de uma brincadeira,
comecei a rir e respondi:
- Para, Guerreiro, tá de sacanagem, porra!
- É sério Major, se for mentira pode me prender. Traz o BOPE,
o COBRA, atacaram o quartel e agora estão roubando o Banco do
Brasil. De onde eu moro, é possível ver a movimentação deles. Estão
em muitos!
- Ok, amigo, fica calmo! Vou mobilizar o BOPE. Continue ob-
servando e me mantenha informado.
Não demorou muito para que outras mensagens e diversos ví-
deos começassem a “pipocar” nos grupos de whatsapp. Fiz algumas
ligações ao mesmo tempo que me deslocava para o BOPE. Prepara-
mos duas equipes COBRA e uma equipe COE. Na medida em que
as informações chegavam, tomávamos conhecimento da dimensão
da empreitada criminosa. Vídeos com muitos criminosos atirando a
esmo, inclusive com armas de calibre .50 (que nem nós temos); ex-
plosões que faziam a cidade tremer; tomada de reféns e disposição
das pessoas como escudo humano; comboio com diversos veículos
dos criminosos etc. A estimativa era de cerca de 30 criminosos na
cena, com segurança de perímetro e todos portando fuzil. Como par-
te do plano, atearam fogo em um caminhão na BR 101 próximo à
cidade de Criciúma e distribuíram “miguelitos” ao longo da pista,
com intuito de engarrafar o trânsito, furar os pneus dos carros que ali
transitavam e retardar ainda mais a chegada das nossas equipes que
se deslocavam a partir da Grande Florianópolis.
Levamos aproximadamente 1h50min para chegar a Criciúma.
A informação era de que os criminosos haviam se evadido organiza-
197
damente em comboio, fazia 10 minutos. Os poucos policiais que se
via nas ruas estavam acuados, desembarcados das viaturas e abriga-
dos (para não dizer escondidos) em instalações que ficavam há pou-
cos quilômetros da agência do Banco do Brasil. Mais tarde tomei co-
nhecimento de que este alvo não era uma agência qualquer, mas um
centro regional de distribuição financeira. Nossas equipes foram as
primeiras a chegarem ao local. Desembarcamos antes e progredimos
em conduta de patrulha urbana para verificação do perímetro, quando
tive minha primeira surpresa...
Civis corriam desesperadamente em nossa direção dizendo que
havia bombas armadas. Foi quando nos deparamos com dois artefa-
tos explosivos improvisados deixados em uma praça. Eu nunca tinha
me deparado com esse tipo de carga. Era uma caixa de ferro artesanal
lacrada, contendo na parte frontal um receptor com luzes piscando.
Analisei o cenário e algumas pessoas circulavam pelas ruas, alguns
curiosos, outros eram aproveitadores recolhendo dinheiro do chão ou
saqueando as lojas que tiveram o vidro quebrado. O local estava caó-
tico e uma eventual explosão daqueles explosivos certamente mataria
muitas pessoas. Passei a analisar a carga e percebi que se tratava de
um artefato explosivo improvisado com sistema de iniciação elétrico
e que poderia ser acionado remotamente. Visualmente, era possível
deduzir que a espoleta detonadora passava pela frente da caixa e que
o corte do fio condutor poderia interromper o trem de explosão, de-
sativando a bomba.
Tomei a decisão de iniciar o procedimento de desmontagem da
bomba, classificando-a como “Categoria A”, com base na doutrina
nacional de desativação de artefatos explosivos, pois o caso de uma
eventual explosão poria risco direto à vida das pessoas. Iniciei a in-
tervenção manual cortando um fio laranja que se conectava à espoleta
e desmontando, em seguida, os demais objetos. É sempre uma mano-
bra muito arriscada, pois somente o construtor da bomba improvisada
tem conhecimento do seu sistema de funcionamento e a presença de
alguma “armadilha” poderia resultar na explosão e morte certa de
198
quem estivesse no raio de 8 metros do epicentro. Se explodisse, eu
certamente morreria, ainda assim atuei consciente de que aquela era
a minha missão e caso tombasse seria no cumprimento dela.
Além disso, a forma mais adequada dessa intervenção manual
demandaria o uso de um jammer (embaralhador de sinal) e um apare-
lho raio-x portátil para visualização dos componentes, mas o BOPE
não possuía nenhum desses equipamentos. Logo após desmontar a
segunda bomba, alguns civis sinalizaram a presença de uma terceira
bomba deixada em uma rua paralela, a poucos metros dali. Executei o
mesmo procedimento, pois todos os artefatos tinham a mesma lógica.
199
plosivo utilizado pela indústria civil para o desmonte de rochas.
Na sequência, um integrante da equipe COBRA me informou
que em frente ao banco havia uma carga enorme de metalons e que
o local estava sendo isolado pela Polícia Civil. Fui conferir a quan-
tidade e o posicionamento dos explosivos para iniciarmos um plano
de desativação com a chegada do Grupo Antibombas do BOPE. Nos
preocupamos basicamente em remover os sistemas de iniciação das
cargas explosivas, sendo possível constatar outra grande novidade:
algumas bombas tinham o gatilho em sistema remoto, que poderia
ser acionado por meio de aparelho celular. Uma eventual explosão
daqueles aproximados 200 quilos de explosivos teria um raio mortal
de 31 metros e fragmentação de objetos que poderiam alcançar 600
metros. Todos os explosivos foram removidos e detonados em local
ermo e seguro.
200
Analisando as imagens da agência, verificamos que o grupo
criminoso não levava mais do que 5 minutos para romper cada por-
ta blindada e acessar a casa forte (cofre). Tratava-se de um trabalho
coordenado de emprego de lança térmica para um corte pontual no
obstáculo, colocação e acionamento do metalon, explodindo a porta.
Guardadas as devidas proporções, era um trabalho semelhante ao que
os criminosos já vinham realizando para explosão de caixas eletrôni-
cos, com o uso de pé de cabra e emulsão encartuchada.
Resolvido o problema dos explosivos, pudemos focar a atenção
na perseguição dos criminosos. Reorganizamos as equipes na sede
do 9º BPM e quando lá chegamos o cenário era de guerra. Caminhão
incendiado em frente ao quartel, um metalon com acionamento por
celular deixado no portão de entrada, muitas paredes perfuradas por
disparos de arma de fogo, vidros quebrados, mobílias danificadas,
além do semblante de morte estampado no rosto dos policiais.
201
nhuma pista. A primeira impressão era a de que havia ocorrido um
crime perfeito, audaz, meticulosamente planejado e executado. Não
foi à toa que o fato ganhou repercussão na mídia nacional e interna-
cional, noticiado no The New York Times, CNN, BBC e já era consi-
derado o maior roubo da história catarinense.
Os criminosos haviam fugido organizadamente em comboio do
local do roubo com luxuosos veículos blindados, que foram localizados,
abandonados na manhã seguinte em um milharal na cidade de Nova
Veneza. Algumas hipóteses surgiram, como fuga por um rio próximo
ou a utilização de avião, isso porque não havia rastros, como se eles
tivessem abandonado os veículos e evaporado. As equipes de rastrea-
mento do COBRA localizaram marcas de pneu de um caminhão e em
um comércio distante dali, foi possível captar a imagem de um veículo
suspeito e, assim, passamos a acreditar nessa única pista. Tal método foi
diferente do que comumente era realizado por criminosos em ocorrên-
cias de Novo Cangaço. A praxe era incendiar os veículos abandonados,
trocar por outros de fuga e dispersar em direções diferentes.
Muitas guarnições policiais militares se envolveram nessa bus-
ca por câmeras residenciais ou comerciais com a finalidade de loca-
lizar o itinerário do caminhão suspeito. Era semelhante a buscar uma
agulha no palheiro. Dificilmente encontrávamos câmeras com um
bom posicionamento, quando isso ocorria, a dúvida era se ela estava
em funcionamento e se conseguiríamos acessar as imagens. No início
era uma hipótese, mas que foi tomando corpo à medida em que lo-
calizávamos novas imagens do veículo suspeito, principalmente em
rotas escusas, com claros desvios das estradas principais.
Passamos para o Estado do Rio Grande do Sul, em uma per-
seguição com mais de 150 quilômetros, sem ao menos conseguir o
número da placa desse caminhão. Chegando na cidade de Três Ca-
choeiras, algo improvável aconteceu: ao analisar as imagens junto
com uma dupla de Brigadianos da agência de inteligência do RS,
visualizamos que o “nosso” caminhão havia entrado em um desvio
que estava em obras e que se encontrava sem saída, ao invés de seguir
202
poucos metros em frente e acessar a BR 101. Duas horas depois, o
caminhão volta pela mesma saída, mas com os eixos levantados, apa-
rentando estar descarregado. Quando vi as imagens, tive um choque
de adrenalina. Tinha certeza de que algo havia lá, com a possibilidade
de encontrarmos toda ou parte da organização criminosa. Eufórico,
liguei para o Subcomandante Geral:
- Comandante, estou com um palpite forte no Rio Grande do
Sul. Preciso de autorização e recursos para executar uma operação
policial.
- Autorizado. Quais recursos você precisa? Perguntou ele.
- A ideia é executar um pente fino na primeira luz do dia, a par-
tir das 5h. Agora são 23h, preciso de dois ou três PPT’s para colabo-
rarem no cerco durante a noite, um helicóptero para sobrevoo quando
iniciarmos a operação e contato com o Comando da Brigada Militar
para autorizar a participação do BOPE-RS e de outros Brigadianos
do Batalhão da área.
- Será feito. Boa sorte na missão! Respondeu o Comandante.
Reuni todo o efetivo do COBRA que ainda estava na operação
e mais quatro Cateanos da COE que estavam exemplarmente traba-
lhando comigo, totalizando 20 operadores. Fomos para uma pequena
base policial, distante alguns quilômetros, para aliviar o equipamen-
to, “descansar” um pouco e retomar a operação. Sem cerimônia, nos
deitamos onde podíamos, a maioria ficou pelo chão. Nada demais,
aliás, estávamos secos e sem fome, já havíamos enfrentado coisas
piores em nosso curso.
Mais tarde, chegaram à base 6 Caveiras do Rio Grande do Sul.
Abracei um a um e confesso que engoli o choro ao ver meus irmãos
do gelo. Parecia um episódio do meu Curso de Operações Especiais
de 2011, quando a equipe GATE resgatou o meu turno de um certo
evento. Ombreando comigo estavam os melhores operadores de SC,
tínhamos plenas condições de enfrentar aquela organização crimino-
sa, só que agora seria do nosso jeito. E ao ver os Caveiras do Gelo,
me senti invencível.
203
Alvorada, briefing realizado, nos deslocamos para a missão.
Basicamente verificaríamos casa por casa no perímetro da área alvo.
Os poucos moradores eram muitos solícitos e colaboraram com nosso
trabalho. À medida que progredíamos, as informações canalizavam
para uma residência suspeita, onde as pessoas supostamente realiza-
vam o comércio de banana, atividade muito comum na região. Ba-
tendo palma na frente da casa, apareceu um homem que congelou ao
nos ver. O tirocínio policial indicava que havia algo errado. Durante
a checagem, um dos Caveiras abriu uma sacola que continha poucas
munições, dinheiro rasgado e um “despretensioso” controle remoto
com uma etiqueta cuja caligrafia era idêntica aos manuscritos que
também etiquetavam os receptores das bombas que eu havia desati-
vado. Ao constatar isso, não tive dúvidas e dei voz de prisão.
Vasculhamos a casa e encontramos muitos vestígios. Vários
aparelhos celulares, dinheiro rasgado, roupas utilizadas no crime,
curativos com sangue indicando que alguém estava ferido, um veícu-
lo, comida, garrafas de água e colchões. Em um primeiro momento
fiquei frustrado, pois esperava enfrentar parte do grupo, apreender
armas e o dinheiro roubado. Mas estávamos há dois dias “atrasados”
e teríamos um novo ponto de partida.
204
Quando noticiada a prisão, o local e os vestígios encontrados,
recebi muitas mensagens de agradecimento dos policiais militares
pela perseverança, isto não tem preço. Essa ação derivou em mais
prisões e identificação de outros suspeitos, mas poucos dias depois as
diligências por parte da Polícia Militar foram encerradas por conta da
competência de polícia judiciária da Polícia Civil. Essa é uma crítica
que faço questão registrar: o sistema bipartido das polícias estaduais,
em polícia de ordem pública e polícia judiciária, no qual a Polícia Mi-
litar é impossibilitada de realizar o ciclo completo de polícia, espe-
cialmente nesses crimes de grave perturbação da ordem pública, é um
desserviço para a sociedade. Estávamos no terreno há dias, caçando
esses criminosos, sentimos o “cheiro do ladrão”, tínhamos condições
de continuar na missão e realizar mais prisões, mas nossas mãos fo-
ram atadas e fomos forçados a parar de trabalhar, sob pena de sermos
punidos judicialmente por usurpação de função pública, abuso de au-
toridade ou desobediência.
205
a presença do BOPE no local.
As equipes do BOPE de Santa Catarina trabalham noites e dias
patrulhando, sendo comum encerrar um turno de serviço sem apre-
sentar qualquer alteração. A regra quando o BOPE chega nesses am-
bientes é o que chamamos de “barata-voa”, os olheiros denunciam a
presença da unidade com gritos ou foguetes e os traficantes desapare-
cem em um passe de mágica. É uma verdadeira briga de gato e rato.
Por outro lado, não são tão esporádicos os casos que uma patrulha
despretensiosa resulte em intensas trocas de tiro com os marginais,
que, a cada dia, estão mais dispostos em enfrentar os policiais, prin-
cipalmente adolescentes que buscam elevação e prestígio no mundo
das facções criminosas.
Qualquer veterano da Unidade, em uma conversa informal, tra-
rá diversos casos complexos de incursões planejadas com o objetivo
de apreender armas ou drogas, face à periculosidade dessas ações.
Toda ação policial que resulte em prisão ou morte em confronto ar-
mado é apurada em sede de inquérito policial e enviada ao Ministério
Público, o qual solicita arquivamento ou oferece denúncia para que o
fato seja processado e julgado pelo juízo competente.
206
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
207
te ano, também ocorre a realização do 1º Curso de Operações Especiais
(COEsp) e, em 1980, é criado o mítico símbolo da Unidade: a Caveira.
A criação de valores próprios, o processo seletivo ordenado em funda-
mentos rigorosos e as missões de alto risco na esfera da segurança pú-
blica, compõem o arcabouço doutrinário das operações policiais espe-
ciais. No Brasil, as unidades policiais militares especiais se espelharam
no padrão desenvolvido pelo Rio de Janeiro, incorporando doutrina,
treinamento, seleção e emprego operacional, conforme as demandas
criminais e peculiaridades regionais de cada Estado. Nessa linha, sur-
gem em Santa Catarina as genuínas operações policiais especiais com
a realização do 1º COEsp catarinense, em 1995, coordenado por três
Oficiais formados no BOPE-RJ. Como resultado, o Grupo COBRA
(Comando de Operações Busca Resgate e Assalto) é fundado, tendo
como efetivo os 14 policiais militares que concluíram a seleção.
Do SAS aos Caveiras Cobra, todas as Unidades de operações
especiais fundadas em “base comandos” têm rigoroso processo de
recrutamento, no qual os candidatos treinam até a exaustão e são le-
vados aos limites de suas mentes e corpos. Do total de ingressantes, o
percentual de aprovação varia de 10% a 30%, dependendo da “safra”
dos voluntários. O objetivo é nobre: selecionar os mais aptos para o
cumprimento de missões de alto risco.
Parafraseando o cientista francês Lavoisier (1743 – 1794),
“nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, o sistema de seleção
dos Caveiras não foi inventado da noite para o dia. É um ritual que
tem resultado final nas atividades policiais militares, mas é derivado
da formação dos Comandos da Forças Armadas brasileiras que, por
sua vez, se inspiram no modelo americano. Estes, beberam da fonte
dos Comandos britânicos, multiplicadores doutrinários do dever-ser
das forças especiais no mundo ocidental. Noutro turno, os ingleses
também não inventaram a roda, inspiraram-se na capacidade de resis-
tência dos Komanndos africanos em combater na desproporção de 1
para 10, valendo-se de mobilidade e conhecimento do terreno. Tudo
está interligado.
208
A “Matrix”, batizada como o “tempo e o espaço” em que o
aluno está no COEsp, tem elementos tradicionais desde Achnacarry,
como a obrigatoriedade em carregar uma mochila de 20 quilos e arma
longa individual, infinitas marchas, pouco descanso e alimentação,
rotinas matinais de inspeção do equipamento, exercícios realistas,
além do senso de humor dos instrutores em arrancar a última gota
de suor dos candidatos e eliminar os “fracos”, que passam a jazer em
um figurado cemitério. Por essa razão, o voluntariado é regra de ouro
aos neófitos a operações especiais. Qualquer um, a qualquer tempo
pode desistir da severidade do curso, bastando solicitar desligamento
e badalar um simbólico sino que acompanha o turno diuturnamente.
Habilitar-se para um Curso de Operações Especiais é algo que
compreende o íntimo de cada indivíduo em verdadeiramente que-
rer se tornar um Caveira, ser vocacionado e estar disposto a pagar o
preço por isso. A preparação para o curso e a esperança de chegar ao
sonhado final, envolve aspectos psicológicos, físicos e técnicos. Ra-
ríssimos são os casos em que o aluno completa a etapa com uma des-
sas valências comprometidas. O candidato deve estar focado, livre de
problemas pessoais ou familiares, com excepcional condicionamento
físico e se familiarizar o máximo possível com as disciplinas do pro-
grama de ensino. Uma vez aprovado, passa a ter seu nome imortali-
zado junto à Galeria dos Caveiras e a compor uma fraternidade que é
desejo de muitos, mas privilégio de poucos.
O próximo passo é respirar a ideologia das operações espe-
ciais, com uma vida fundada em honra, espírito de corpo e evolução
pessoal. Corresponde a um ciclo de operar em Unidade OE e facear
ocorrências de alto risco, treinar continuamente para aperfeiçoar o
conhecimento e exercer a docência. O Caveira é como um leão, o
rei da selva. Há diversos outros animais de muito prestígio, como
o elefante, tigre, urso, crocodilo, águia etc., mas o leão é o rei. Na
esfera policial, há muitos operacionais de respeito, mas Caveira é
Caveira, simplesmente o rei da selva. No entanto, um Caveira deve
ser Caveira entre os Caveiras, leão entre leões, isto é, deve dedicar a
209
maior parte de sua carreira como integrante de equipe de operações
especiais, labutando junto aos seus pares pelo engrandecimento da
doutrina e prestígio da Unidade em que serve. É comemorar as vitó-
rias e administrar as derrotas, pois nem tudo são louros. Um Caveira
que não foi operador é um OE incompleto e, em não pertencendo
mais ao Batalhão, deve seguir uma vida de retidão e de colaboração,
ainda que indireta, às operações policiais especiais.
As missões reais de operações policiais especiais compreen-
dem os incidentes de grave perturbação da ordem pública ou casos
cujos resultados constituem situações de alto risco à integridade físi-
ca dos policiais militares ou a outras pessoas envolvidas, a exemplo
de ocorrências com tomada de reféns, suicidas armados, artefatos ex-
plosivos, contraterrorismo, combate ao crime organizado e ao narco-
tráfico.
Merecem destaque os crimes intitulados pela comunidade
policial como Novo Cangaço, que vêm sendo alvo de discussão no
Congresso Federal para intitular a modalidade como Domínio de Ci-
dades. Tal empreitada criminosa é caracterizada pela organização e
extrema afronta ao Estado por parte dos criminosos; eles sitiam cida-
des, subjugam as forças policiais locais, atiram a esmo com armas de
grosso calibre, explodem instalações financeiras, roubam grandes va-
lores, submetem reféns como escudo humano, incendeiam veículos,
trazem pânico e caos à sociedade. A fatídica ocorrência de Criciúma
em 1/12/2020, o maior roubo de Santa Catarina e um dos maiores
do Brasil, é um trágico exemplo desse evento delitivo, fato que fun-
damenta por si só a existência de unidades de operações policiais
especiais.
As experiências pessoais descritas no capítulo final evidenciam
a estratégia, a perseverança e a necessidade de se continuar racioci-
nando mesmo em situações de elevado estresse, valências que são
detectadas durante o curso de operações especiais e aperfeiçoadas
após seu final. Já ouvi colegas dizendo que há policiais que são bons
em ocorrências críticas sem serem formados em COEsp, isso é pos-
210
sível? Sim, mas é muito provável também que tais missões transcor-
reram conforme planejamento. Que bastou o emprego de superiori-
dade numérica, valendo-se de antecipação, efeito surpresa, armas e
equipamentos de poderio superior. Não acredito, sinceramente, que
tais casos necessitaram de extrema coragem ou de resistência para
alta performance em algo que tenha fugido do controle. Se o proces-
so seletivo não fosse necessário, bastando escolher os “bons”, Green
Berets, Rangers, SAS e o mundo inteiro estaria errado.
211
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
212
DUARTE, Albinésio da Silva. Por que os sinos batem? O sucesso e
o fracasso no II Curso de Operações Especiais da PMPA/2016. Artigo
apresentado à Academia de Polícia Militar para obtenção do grau de
Especialista em Defesa Social, Instituto de Ensino de Segurança do
Pará, Marituba, 2017.
EBC, Empresa Brasil de Comunicação. Observatório Sírio dos Di-
reitos Humanos. Guerra já deixou ao menos 300 mil mortos na Síria,
diz ONG de direitos humanos. 2016. Disponível em: https://agen-
ciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2016-09/guerra-ja-deixou
-ao-menos-300-mil-mortos-na-siria-diz-ong-de-direitos. Acesso em:
16 mai. 2021.
ESTADÃO. Morre PM que sofreu traumatismo durante trei-
namentos. 2003. Disponível em: https://brasil.estadao.com.br/no-
ticias/geral,morre-pm-que-sofreu-traumatismo-durante-treinamen-
tos,20030126p4707. Acesso em: 11 mai. 2021.
EXÉRCITO BRASILEIRO. Curso de Ações de Comandos. 2020.
Disponível em: http://www.ciopesp.eb.mil.br/en/curso-de-acoes-de-
comandos.html. Acesso em: 2 mai. 2021.
EXÉRCITO BRASILEIRO. “Faca na caveira”: muitos tentam,
mas poucos conseguem conquistar o “gorro preto” e ser um “co-
mandos”. 2018. Disponível em: https://www.eb.mil.br/web/noticias/
noticiario-do-exercito/-/asset_publisher/MjaG93KcunQI/content/-
faca-na-caveira-muitos-tentam-mas-poucos-conseguem-conquistar
-o-gorro-preto-e-ser-um-comandos-. Acesso em: 2 mai. 2021.
FLAMENT, Marc. Os comandos. Paris: Ulisseia, 1974.
FORÇA AÉREA BRASILEIRA. Quem são os pastores? PARA-
SAR 50 amos. 2013. Disponível em: https://www.fab.mil.br/noticias/
mostra/17249#:~:text=O%20militar%20que%20atinge%20o,o%20
t%C3%ADtulo%20de%20%E2%80%9CPastor%E2%80%9D.
Acesso em: 2 mai. 2021.
213
FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLLICA. Anuário
Brasileiro de Segurança Pública. 2021. Disponível em: https://fo-
rumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/. Acesso
em: 15 jul. 2021.
GARCIA, Marcelo. História das operações militares e policiais.
Porto Alegre: Corag, 2011.
GOLEMAN, Daniel. Inteligência emocional: a teoria revolucionária
que redefine o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.
Edição do Kindle.
GROSSMAN, Dave. Matar! Um estudo sobre o ato de matar. Rio de
Janeiro: Biblioteca do Exército, 2007.
GUARDIA CIVIL, Dirección General de La. Servicio de Desativa-
ción de Explosivos y Defensa N.R.B.Q. Manual De Artefactos Ex-
plosivos Improvisados. Espanha, Valdemoro: 2016.
G1. Quatro PMs passam mal durante teste de aptidão para curso
especial. Policiais tiveram sintomas de náusea quando faziam cor-
rida de 10 km. Eles participavam de avaliação em Lauro de Freitas
e foram para hospitais. 2013. Disponível em: http://g1.globo.com/
bahia/noticia/2013/12/quatro-pms-passam-mal-durante-teste-de-ap-
tidao-para-curso-especial.html. Acesso em: 11 mai. 2021.
G1. Soldado da PM morre durante treinamento do Bope em Pi-
raí. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/sul-do-rio-costa-
verde/noticia/2021/07/10/soldado-da-pm-morre-durante-treinamen-
to-do-bope-em-pirai.ghtml. Acesso em: 21 jul. 2021.
G1. Soldado da PM que passou mal em curso do Bope na BA é en-
terrado com honras militares; família doou órgãos. Sepultamento
foi realizado no cemitério Bosque da Paz, em Salvador, nesta quinta-
feira (2). Militar teve morte cerebral. 2018. Disponível em: https://
g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2018/08/02/soldado-da-pm-que-fi-
cou-6-dias-internado-apos-passar-mal-em-curso-do-bope-na-ba-e
-enterrado-familia-doou-orgaos.ghtml. Acesso em: 11 mai. 2021.
214
HANEY, Eric L. Inside Delta Force: the story of america’s elite cou-
nterterrorist unit. New York: Delacorte Press, 2006.
LEÃO, Delfim Ferreira; FERREIRA, José Ribeiro; FIALHO, Maria
do Céu. Cidadania e Paideia na Grécia Antiga. 2 ed. rev. Coimbra:
Simões & Linhares, Ltda. 2010.
LOS ANGELES POLICE DEPARTMENT. S.W.A.T - Special We-
apons And Tactics. 2021. Disponível em: https://www.lapdonline.
org/inside_the_lapd/content_basic_view/. Acesso em: 15 jul. 2021.
MARSHALL, Maurice; OXLEY, Jimmie C. Aspects of Explosives
Detection. UK: Elsevier, 2009.
MCNAB, Chris. The SAS training manual: how to get fit enough
to pass a special forces selection course (SAS and elite forces guide).
Amber Books Ltd. Edição do Kindle, 2014.
MCRAVEN, William H. Spec Ops: Case Studies in Special Opera-
tions Warfare: Theory and Practice. CA: Presidio Press, 1995.
MIRROR. Boris Johnson compared to Winston Churchill at his
most impetuous and ignorant. 2019. Disponível em:https://www.
mirror.co.uk/news/politics/boris-johnson-compared-winston-chur-
chill-20070836. Acesso em: 21 jul. 2021.
O GLOBO. PM morto em curso de operações especiais teve desi-
dratação e hipotermia. Policial morreu após passar mal durante um
exercício dentro de uma mata. 2018. Disponível em:https://oglobo.
globo.com/rio/pm-morto-em-curso-de-operacoes-especiais-teve-de-
sidratacao-hipotermia-23266878. Acesso em: 11 mai. 2021.
ÖSTENBERG, Ida. Veni vidi vici and caesar’s triumph. The Clas-
sical Quarterly. 2013. Disponível em: https://www.cambridge.org/
core/journals/classical-quarterly/article/veni-vidi-vici-and-caesars-
triumph/2EA3991576722595B28F33D54D8BAB9B. Acesso em: 2
mai. 2021.
PICANO, Janes J.; WILLIANS, Thomas J.; ROLAND, Robert R. As-
215
sessment and Selection of High-Risk Operational Personnel. In: KE-
NNEDY, Carrie H; ZILLMER, Eric A. (Ed.). Military Psychology:
clinical and operational applications, 2009. p. 353-370.
PINHEIRO, Álvaro de Souza. Apresentação. Rio de Janeiro, 2008.
p. 7-53. In: DUNNIGAN, James F. Ações de comandos: operações
especiais, comandos e o futuro da guerra dos EUA. Rio de Janeiro:
Biblioteca do Exército, 2008.
PMSC, Polícia Militar de Santa Catarina. Diretriz de Procedimento
Permanente nº 042/2014/CMDOG, de 2014: emprego do Batalhão
de Operações Policiais Especiais - BOPE. PMSC. Florianópolis, SC,
2014.
PMSC, Polícia Militar de Santa Catarina. Manual de educação físi-
ca da Polícia Militar de Santa Catarina. Departamento de Educa-
ção Física e Desportos. Florianópolis: DIOESC, 2013.
PMSC, Polícia Militar de Santa Catarina. VIII Curso de Operações
Especiais de Santa Catarina: doutrina de operações policiais espe-
ciais. Cursos de operações especiais e um breve histórico das Ca-
veiras do Brasil. Trabalho de campo dos discentes. São José. 2019.
91 slides. Apresentação em Power-point.
R7. Soldado morre afogado durante curso da Polícia Militar em
SP. Policial militar de 26 anos participava de uma aula aquática do
curso de operações especiais. PM diz que as causas do acidente ain-
da são analisadas. 2018. Disponível em: https://noticias.r7.com/sao
-paulo/soldado-morre-afogado-durante-curso-da-policia-militar-em
-sp-02112018. Acesso em: 11 mai. 2021.
STORANI, Paulo. Vitória sobre a morte: a glória prometida. O
“rito de passagem” na construção da identidade dos Operações Espe-
ciais do BOPE. Rio de Janeiro: UFF, 2008. 170 p. Dissertação (mes-
trado) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Universidade
Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2008.
216
SUN TZU. A arte da guerra. São Paulo: Évora, 2011.
TRIBUNA DO NORTE. Policial Militar morre após passar mal
durante treinamento para o BOPE. 2019. Disponível em: http://
www.tribunadonorte.com.br/noticia/policial-militar-morre-apa-s
-passar-mal-durante-treinamento-para-o-bope/457364. Acesso em:
11 mai. 2021.
VICENTE, Rafael. A atividade de inteligência da Polícia Militar
de Santa Catarina no combate ao crime organizado. Florianópo-
lis: UDESC, 2017. 85 p. Trabalho de conclusão (especialização) -
Centro de Administração e Socioeconômicas. Universidade do Esta-
do de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.
WARFARE HISTORY. Leading the Way: William Orlando Dar-
by’s Rangers in World War II: The U.S. Army Rangers tackled
some of the toughest missions of World War II and became com-
bat legends. 2017. Disponível em: https://warfarehistorynetwork.
com/2017/04/12/leading-the-way-william-orlando-darbys-rangers
-world-war-ii/. Acesso em: 21 jul. 2021.
YOUNG, Peter. Comandos os soldados-fantasmas: história ilustra-
da da 2ª Guerra Mundial, tropas 4. Rio de Janeiro: Renes Ltda, 1975.
217
GLOSSÁRIO - CONCEITOS
218
COBRA: Comando de Operações Busca Resgate e Assalto.
Grupo de operações especiais policias do BOPE de SC, é formado
exclusivamente por operadores Caveiras.
Comandos Policial: base ideológica do processo seletivo poli-
cial fundado em intenso desgaste físico e psicológico, com intuito de
recrutar os policiais mais aptos para atender ocorrências de alto risco,
de modo não convencional, no campo da segurança pública.
Crise: situação crucial, que exige resposta especial da polícia,
a fim de conseguir uma solução aceitável, conforme os aspectos le-
gais, éticos e morais vigentes.
Curso de Operações Especiais – COEsp: na segurança pú-
blica, é um curso de natureza policial militar que seleciona e adestra
efetivo para o cumprimento de missões de alto risco. É o formal rito
de passagem ao operador que deseja se tornar um Caveira.
Explosivo: substância capaz de fornecer, através de uma reação
química extremamente veloz, um grande volume de gases, elevadas
temperaturas e ondas de pressão.
Equipe tática: grupo de policiais militares especializados para
o atendimento de ocorrências de alto risco.
Facção Criminosa: grande grupo de pessoas habilmente arti-
culadas, com líderes e níveis hierárquicos bem definidos, com o pro-
pósito de cometer crimes e subsistir dele.
Gerenciamento de Crises: consiste na aplicação dos recursos
necessários para identificar, prevenir ou reprimir a prática de atos
ilegais na resolução de uma crise.
Negociador: policial responsável em coletar informações da
crise e utilizar as técnicas de negociação para liberação dos reféns e
rendição pacífica do Causador do Evento Crítico.
Novo Cangaço ou Domínio de Cidades: modus operandi de
organizações criminosas estruturalmente ordenadas, especializadas
em roubos a instituições financeiras, cujo fim é a prática de crime
219
contra o patrimônio, com uso de violência, emprego de armas de
grosso calibre, explosivos, rendição das forças de segurança públicas
e privadas, tomada de reféns, escudo humano, bloqueio de vias etc.
Operações policiais especiais: é o conjunto doutrinário que
compreende o processo de seleção de pessoal, treinamento, emprego
e missões que exigem uma resposta especializada a graves perturba-
ções da ordem pública, com intuito de salvar vidas e aplicar a lei em
observância às premissas de um Estado Democrático de Direito.
PGC: Primeiro Grupo Catarinense, maior facção criminosa de
Santa Catarina. Identifica-se, também, pelas siglas “Tudo 2”, “É o
trem” e “16.7.3” (ordem das letras PGC no alfabeto).
Rabdomiólise: síndrome grave que se desenvolve quando há
uma lesão muscular seguida da necrose do tecido, que faz com que
as substâncias intracelulares sejam liberadas no sangue, provocan-
do danos ao organismo, sobretudo aos rins. Rabdo = estriada, mio =
musculatura e lise = destruição.
Sniper policial: integrante das forças policiais com a atribui-
ção de executar o tiro de comprometimento dentre as alternativas tá-
ticas. Também realiza as missões de observador avançado, atividade
de inteligência e segurança da equipe tática.
Suicide by cop: suicídio provocado por policial. É a situação
na qual um indivíduo apresenta determinado comportamento com a
intenção de provocar o uso de força letal por parte do policial militar.
Suicídio: ato em que o indivíduo põe fim a sua própria vida de
maneira intencional.
Superioridade relativa: condição em que uma força de ataque
menor obtém vantagem decisiva sobre um inimigo maior ou bem de-
fendido.
Trem de explosão: arranjamento dos explosivos em uma rela-
ção de sensibilidade e potência.
220
GLOSSÁRIO II - VOCABULÁRIO MILITAR
221
Desligamento: ato de saída voluntária ou retirada compulsória
do aluno de COEsp.
Dia longo: dia com muitas atividades, sem previsão de horário
para acabar.
Enxoval: lista de materiais que devem ser providenciadas pelo
aluno para realização do COEsp.
Estrangeiro: candidato que não é integrante da Polícia Militar
anfitriã do Curso de Operações Especiais.
Jangal: condição adversa.
Manual do Aluno: documento que formaliza as regras, con-
dutas, avaliações, atividades complementares, desligamentos, dentre
outras prescrições, do Curso de Operações Especiais.
Matrix: termo que define o espaço de tempo em que o aluno de
COEsp está aos cuidados da Coordenação.
Olhos de Mônica: momento em que o aluno parece assustado,
de olhos arregalados.
Papirão: sujeito estudioso. Papiro é uma espécie de papel anti-
go, inventado pelos egípcios.
Paqueto: técnica em que os alunos, pelo contato, esquentam
uns aos outros pela temperatura corporal.
Peruação: ação que sugere alguém que deseja ficar em evidên-
cia.
QTS: Quadro de Trabalho Semanal. Correspondente ao plane-
jamento e cumprimento das atividades curriculares e extracurricula-
res do COEsp.
Safo: Pessoa inteligente, perspicaz. O mesmo que “desenrola-
do”.
TAF: Teste de Aptidão Física. Prova de caráter eliminatório e
classificatório que avalia a condição física do candidato.
Turno: grupo total de alunos em curso.
Xerife: é o aluno comandante do turno.
222
ANEXO I
ORAÇÃO DAS FORÇAS ESPECIAIS
E ORAÇÃO DA CAVEIRA
223
ANEXO II
UM DISTINTO DEPOIMENTO
224
ANEXO III - ENXOVAL DO VIII COESP DE SC - 2019
225
32 Coturno na cor preta 1
33 Facão 14 polegadas - com bainha na cor preta 1
34 Fita isolante na cor preta 5m 2
35 Fita Silver Tape 5m 2
36 Gandola camuflada modelo urbano PMSC (PPT) 2
37 Isolante térmico 1
38 Joelheira tática na cor preta 1
39 Lanterna tática com pilhas 1
40 Lona plástica na cor preta - 2m x 2m 1
41 Lona plástica na cor preta - 4m x 4m 1
42 Luvas de vaqueta com reforço, cano curto - par 1
43 Luvas táticas na cor preta - par 1
44 Manta aluminizada de emergência (aprox. 2,10m x 1,40m) 5
45 Manta ou cobertor escuro 1
46 Marmita modelo militar em alumínio 1
47 Meias na cor branca - par (sem detalhes) 2
48 Meias na cor preta - par (sem detalhes) 2
49 Mochila de campanha na cor preta 1
50 Pistola calibre .40 com três carregadores 1
51 Porta cantil na cor preta 1
52 Porta carregadores para pistola (duplo compartimento) 1
53 Protetor bucal 1
54 Reidratante oral 10
55 Retinida na cor preta - 4mm x 10m 1
56 Saco de dormir (opcional) 1
57 Saco de viagem (VO ou similar) 1
58 Sinalizador químico - “Cialume” - tamanhos diversos 10
59 Sunga na cor preta (sem detalhes) 2
60 Tênis de corrida 1
61 Tinta spray na cor preto fosco (uso geral) 1
226
ITEM 2. MATERIAIS DE USO AO LONGO DO EVENTO QTD
1 Coldre de perna em polímero na cor preta 1
2 Máscara de mergulho com snorkel - cor preta 1
3 Nadadeiras de borracha na cor preta (par) 1
4 Óculos de natação 1
5 Quimono na cor branca ou azul - com faixa 1
6 Roupa de neoprene longa 1
7 Roupas civis adicionais 1
8 Tesoura ponta romba APH Tático 1
9 Touca de natação em lycra na cor preta 1
227
APOIO CULTURAL