Ugo Volli - A Linguagem Da Astrologia
Ugo Volli - A Linguagem Da Astrologia
Ugo Volli - A Linguagem Da Astrologia
DA ASTROLOGIA
UGO VOLLI
A LINGUAGEM
DA ASTROLOGIA
FICHA TÉCNICA
Reservados os direitos
para Portugal à
EDITORIAL PRESENÇA
Rua Augusto Gil, 35-A 1000 Lisboa
ÍNDICE
Capa - Contracapa
INTRODUÇÃO À SEGUNDA EDIÇÃO ITALIANA ........................................................7
INTRODUÇÃO À PRIMEIRA EDIÇÃO ITALIANA .......................................................15
1. ADIVINHAÇÃO, PENSAMENTO MÁGICO, ASTROLOGIA ...................................25
Profecia, adivinhação, ciência .................................................................................25
O êxito da astrologia ................................................................................................27
Astrologia e pensamento mágico .............................................................................30
O estudo da astrologia .............................................................................................33
2. OS ASTROS DA ASTROLOGIA ......................................................................................34
Astronomia e astrologia ............................................................................................34
O relógio cósmico ....................................................................................................38
Realidade das constelações ......................................................................................41
Os nomes dos signos ................................................................................................43
As casas ...................................................................................................................44
Complicações ..........................................................................................................44
A construção do horóscopo .....................................................................................45
3. A SINTAXE .........................................................................................................................48
Os enunciados .........................................................................................................48
Como nasce o horóscopo ........................................................................................50
Expressão e conteúdo ..............................................................................................51
A estrutura dos repertórios ......................................................................................52
Os planetas ..............................................................................................................54
As relações entre os planetas ...................................................................................58
Os signos .................................................................................................................59
A análise dos signos ...............................................................................................63
As casas ....................................................................................................................64
Os aspectos ..............................................................................................................65
Planetas e signos .....................................................................................................67
As relações planetas signos ....................................................................................71
Os domicílios .............................................................................................................73
4. SEMÂNTICA .......................................................................................................................76
Confusão semântica .................................................................................................76
A analogia ................................................................................................................82
Identidade dos opostos .............................................................................................86
Contágio do sentido .................................................................................................87
As partes do discurso ...............................................................................................88
Substância do conteúdo ...........................................................................................91
Planetas ....................................................................................................................92
Signos .......................................................................................................................96
Qualificações ...........................................................................................................97
Casas ........................................................................................................................101
5. A ASTROLOGIA É RETÓRICA ......................................................................................103
Astrologia, prática e repertório ................................................................................103
A persuasão ..............................................................................................................108
Retórica e probabilidade ..........................................................................................112
Retórica e primado do significante ..........................................................................114
Uma retórica cognitiva? ...........................................................................................115
DICIONÁRIO DOS SÍMBOLOS ASTROLÓGICOS ..........................................................119
BIBLIOGRAFIA .....................................................................................................................121
INTRODUÇÃO À SEGUNDA
EDIÇÃO ITALIANA
Janeiro de 1988
Ugo Volli
INTRODUÇÃO À PRIMEIRA
EDIÇÃO ITALIANA
1
Morin 1971: 19-51. Por uma questão de brevidade, as chamadas para a bibliografia final
são feitas do seguinte modo: autor, ano de publicação, página.
variam muito para a Itália. Nos princípios do século (1906-1909) fundam-se as
primeiras sociedades «científicas» de astrologia. Em 1932 o horóscopo penetra
pela primeira vez sistematicamente nas revistas (Journal de la Femme) e nos
jornais (Paris Soir); em 1960 chega à rádio e em 1969 surge o primeiro
calculador programado para produzir adivinhações astrológicas personalizadas
(Astroflesh). Alguns anos depois, podemos acrescentar, a astrologia penetra no
ambiente muito fértil do «movimento juvenil» em vias de irracionalização,
juntamente com as túnicas ocre e com a Drug Culture.
Hoje a astrologia está ao mesmo tempo presente em jornais «femininos» e
em órgãos feministas, em quotidianos da tarde e em publicações que se
presumem de «respeitabilidade»2, tem lugar na ideologia do «movimento» e
entre os consultores de muitos políticos tradicionais; existem em Itália três
mensários especializados e inúmeras coleções, publicações, livros; um guia, que
na realidade juntava aos astrólogos também outros adivinhos, recolheu milhares
de endereços, para um volume de negócios que se pode presumir de muitas
centenas de bilhões de liras. Em suma, a necessidade da astrologia, a procura da
adivinhação está maciçamente difundida por todo o corpo social, com poucas
distinções entre os mundos contraditórios dos abonados e dos não abonados, do
Norte e do Sul, dos jovens e dos anciãos. E este é obviamente outro problema
que temos de nos pôr, manifesto sintoma de insegurança, tanto mais evidente
quanto mais estranho às raízes do paradigma científico e tecnológico, por um
lado, e político-social, por outro, sobre que se baseia a nossa cultura e que
regula os grandes conflitos que a fazem mover-se.
O terceiro paradoxo consiste na escassíssima atenção que é dedicada a estes
fenômenos, todavia tão maciços e influentes. A parte da antropologia que se
dedica à nossa sociedade, não às culturas «selvagens», e estuda as crenças nela
difusas, prefere ocupar-se de «resíduos primitivos»3 que se encontram
sobretudo em ambiente campestre, e não de um fato tão industrializado como a
astrologia atual; e mesmo do ponto de vista sociológico não existem estudos de
conjunto que analisem este fenômeno. As análises teóricas e filosóficas do
sistema astrológico incluídas em obras de importantes historiadores do
pensamento (Garin,
2
Há horóscopos praticamente em todos os periódicos femininos italianos e em muitos
jornais da tarde. Mas matérias astrológicas encontraram lugar em quotidianos como La
Repubblica (suplemento de fim-de-semana), semanários como L'Europeo, órgãos feministas
cano Quottidiano Donna, TV Montecarlo e TG2.
3
Veja-se toda a obra de De Manto (por exemplo: De Maitino 1944, 1959 e 1976), mas
também Di Nola 1979 e Lucarelli 1974. Uma exceção no entanto a nível exclusivamente
jornalístico é Angela 1978.
Dal Pra, etc.)4 preferem referir-se ao período «nobre» e «culto» da astrologia do
Renascimento, quando ela ainda estava viva no cerne dos debates filosóficos e
científicos mais interessantes, e descuram os seus herdeiros atuais,
considerando-os (não sem razão) continuadores práticos, já a séculos de
distância dos lugares teóricos em que se elaboraram as mais vivas e originais
concepções do mundo. Por outro lado, o que é publicado por parte da astrologia
é de uma pobreza cultural impressionante, oscila entre a apologia mais ou
menos psicanalítica, «científica», misteriosófica, e a propaganda pura e
simples, ecoando sem sentido crítico os discursos científicos e filosóficos que
pretende discutir, baseando-se, em substância, num inconfessado princípio de
autoridade. Os astrólogos não publicaram as estatísticas dignas de atenção em
que pretendem basear a «cientificidade» do seu trabalho, nem alguma vez se
ocuparam de compreender verdadeiramente o funcionamento da máquina
divinatória que utilizam; e ainda menos produziram investigação com alguma
seriedade sobre a inserção social do seu trabalho. Na prática, os livros de
astrologia em circulação5 contêm algumas alusões históricas (na maior parte
dos casos as que lhes interessam), a exposição do mecanismo «astronômico» da
astrologia (também esta quase sempre ad usum delphini), algumas indicações
técnicas mais ou menos precisas para a compilação de um texto a partir da data
de nascimento, e um conjunto de adivinhações-tipo, análises caracterológicas
por signos do zodíaco, interpretações de configurações astrológicas singulares,
que na realidade não se preocupam em justificar. Portanto, em geral os livros de
astrologia da parte dos astrólogos são exemplos de prática astrológica, com
alguma superestrutura ideológica, não estudos do assunto.
Por outro lado existem trabalhos de história da astrologia, do ponto de
vista filosófico e psicanalítico6, que podem sugerir algumas vias interessantes
para o tratamento das questões fundamentais que nascem em redor da presença
da astrologia; mas também estes tendem a não passar do Renascimento, quando
se conclui a vigência criativa da astrologia, sem sujarem as mãos com as suas
vulgarizações atuais.
É claro que um livro como este não pode colmatar toda uma tradição de
ausência de análises científicas do pensamento astrológico. Em particular o
aspecto antropológico e sociológico do problema, a pesquisa no
4
Cf. Garin 1954, 1958, 1961, 1976, Dal Pra 1977a e 1977b. Vasoli 1976 contém uma
antologia de textos e bibliografia.
5
Sementovski-Kurilo 1977, Bastide 1975, Martin 1978, Innes 1976, Foglia 1976 e 1977,
Morpurgo 1975, Alberti 1970 e 1971, Gibson e Gibson 1970, Oakley 1975.
6
Para além dos estudos citados na nota 5, cf. Aurigemma 1976 e Boll, Bezold e. Gundel
1977.
terreno, está fora dos seus métodos e finalidades. O objeto deste trabalho é antes
a máquina da astrologia, a sua gramática, tal como é concretamente usada hoje
na nossa cultura. Ou seja, procura explicar-se segundo que leis, com que
fundamentos, segundo que estruturas lingüísticas os astrólogos produzem as
suas adivinhações. Por este motivo, os materiais astrológicos tomados em
consideração são exatamente aqueles manuais que há pouco descrevemos como
teoricamente inaceitáveis, materiais práticos, instrumentos propagandísticos. O
risco é obviamente o de tomar como objetos materiais «superficiais» e
culturalmente pouco significativos. Talvez fosse mais estimulante uma análise
do Tetrabiblios de Ptolomeu ou dos grandes discursos astrológicos do
Renascimento. Não é porém esta a astrologia que circula na nossa sociedade,
aquela em que acreditam e que consomem hoje amplas massas. Por outro lado, o
sistema que todas as doutrinas esotéricas usam para se subtraírem ao exame dos
não iniciados é precisamente o das sombras chinesas dos textos e
conhecimentos. Os astrólogos podem sempre sustentar, perante o exame crítico
de um corpo de textos astrológicos, que não se trata dos textos certos, que a
«verdadeira» astrologia é outra, que as divulgações não contam. Pelo contrário,
são exatamente as divulgações que contam, pelo menos de um ponto de vista
«laico» como o nosso. Isto é, importa o sistema de crenças, de técnicas, de
ideologias incorporadas que circulam concretamente na nossa cultura. Tal
como a ideologia marxista hoje em circulação não se extrai prevalentemente dos
«textos sagrados» de Marx mas sim dos discursos políticos e do comportamento
dos partidos de esquerda; tal como se indagaria o nosso sistema culinário a
partir dos usos concretos ou, no máximo, a partir do saber difuso que é
constituído pelos milhares de receitas recolhidas e postas a circular pelos mass
media e pelos manuaizinhos populares.
Não podendo indagar no terreno qual a incidência social da astrologia, nem
estudar as suas tradições mais «profundas», este estudo propõe-se analisar a
adivinhação astrológica como aparato distribuído pela cultura e assim como
sistema suficientemente coerente de adivinhações. Se quisermos sintetizar ao
máximo, como máquina para produzir texto de adivinhação. Não se trata, em
primeira instância, de discutir a verdade das previsões ou a validade do sistema,
a sua cientificidade. Parte-se sim do fato de a astrologia funcionar; o que
efetivamente não significa para nós afirmar a exatidão das suas previsões, mas
sim a longevidade e a persuasividade do seu sistema. Existe uma rica literatura
polêmica sobre a validade da astrologia, quase toda apologética7. Contudo, não
é contra ou a favor destas apologias que aqui se vai discutir. Por uma
7
Trata-se dos livros citados na nota 6. A única exceção é Couderc 1974.
questão de clareza não deixa de ser oportuno declarar logo no início que os
pressupostos deste trabalho — mais do que agnósticos — são cépticos no que
respeita aos créditos da astrologia; em conclusão, aqui demonstrar-se-á
claramente a completa estranheza da prática astrológica em relação ao método
científico, sem que surja algum indício de validade cognitiva. No entanto, não é
este o problema que o nosso livro se põe. A astrologia pode ser «verdadeira»
como são «verdadeiros» para um crente a transubstanciação e os milagres;
todavia, um estudo antropológico ou semiótica sobre estas crenças religiosas não
se ocupa da sua verdade, mas sim do modo como uma cultura toma posição
sobre elas nos seus confrontos, das categorias que estão em jogo, da organização
interna destes objetos culturais.
Queremos pois considerar a astrologia como nos poderíamos ocupar do culto
dos espíritos numa cultura «primitiva», ou dos dogmas das religiões
«evoluídas», ou dos sistemas de troca, de parentesco, de produção de objetos
materiais. Em resumo, não discutiríamos a sua validade, e muito menos os
tomaríamos como dados adquiridos, antes estudaríamos a sua constituição e o
seu funcionamento como sistemas. Se depois os conteúdos destes sistemas se
puderem revelar, em qualquer sentido razoável do termo, «válidos», tanto
melhor, sobretudo se a validade surgir da análise.
Naturalmente que este método também se poderia aplicar à prática
científica: poder-se-ia estudar a ciência como costume antropológico, «religião»
da nossa cultura. Mas há uma diferença essencial: fora dos manuais escolares, a
ciência não pretende de fato ser um repertório de proposições verdadeiras, de
leis estabelecidas uma vez por todas, e de fato não o é. Trata-se antes de um
conjunto de métodos, de técnicas intelectuais e materiais que se propõem
construir conhecimentos em redor do real. A diferença entre uma dogmática
religiosa ou uma mitologia e a prática científica reside essencialmente neste
carácter cognitivo e construtivo da ciência, oposto ao interpretativo e
apriorísticos dos outros sistemas. Pois bem, não há dúvida que a astrologia, sob
este ponto de vista, não está do lado da ciência. As categorias fundamentais da
astrologia já estão todas dadas, a sua bagagem de sentido já está constituída há
dezenas de séculos. Trata-se apenas de o interpretar e aplicar aos casos
concretos. Enquanto a ciência é uma máquina para produzir enunciados gerais
a partir de certos casos concretos, segundo técnicas complexas, a astrologia
parte de conhecimentos gerais certos (presumidos) para os aplicar aos
indivíduos concretos. Mesmo que os princípios astrológicos fossem todos
verdadeiros e o seu método de elaboração fosse perfeitamente válido (para o que
falta qualquer demonstração), a prática astrológica permaneceria bastante mais
próxima da teologia do que da ciência. Por este motivo, uma análise da prática
científica deve tomar em consideração os seus princípios de descoberta
e de validação, e por isso deve ter em conta os seus critérios de validade,
enquanto um discurso sobre a astrologia se pode eximir de avaliar as
pretensões dela neste campo.
Então como estudar a astrologia? Afirmamos considerá-la uma máquina
para produzir textos de adivinhação. Trata-se portanto, do nosso ponto de
vista, de um dispositivo lingüístico, obviamente bastante complexo. Será pois
necessário procurar adaptar-lhe categorias da análise lingüística e de texto.
Dado que se trata do primeiro reconhecimento de um terreno tão complexo e
intrincado, a atenção prevalecente não poderá ser dedicada ao rigor
metodológico nem à unificação das categorias interpretativas. Propondo
categorias lingüísticas ou semiológicas como «significante», «texto»,
«enunciado», «semântica», não pretendemos de fato reconduzir a astrologia
exclusivamente para o interior de um horizonte lingüístico (impedir-nos-ia
disso pelo menos a importância da componente icônica no sistema), nem
deixar inalteradas estas categorias. A intenção é de fazer frutificar o corpo
instrumental semiótico no que se aplica a um objeto complexo e ao mesmo
tempo bastante sólido, como o é a astrologia.
Como modelo geral utilizaremos algumas categorias teóricas deduzidas
das propostas por Hjelmslev para a língua. Distinguiremos portanto um plano
da expressão (ou sintático) e um plano dos conteúdos (semântico). O primeiro
cobrirá todo o processo com que o astrólogo faz corresponder a um indivíduo
(na prática, ao lugar e tempo do seu nascimento) um texto de natividade ou
horóscopo. Aí encontraremos então tanto um certo sistema de divisões do céu
em sectores correspondentes aos «signos» e às «casas» e em objetos ditos
«planetas», como o método para determinar as relações geométricas entre esses
elementos num dado ponto espaço-temporal. Para nós será esta em particular a
substância da expressão astrológica. Mas também encontraremos nela uma
forma desta expressão, ou seja, uma organização dos elementos astrológicos em
repertórios estruturais precisos, por oposição e equivalência, e algumas regras
para selecionar entre as várias combinações os «enunciados significantes» da
astrologia. Se planetas, signos e casas são as «palavras» do discurso
astrológico, algumas das suas aproximações constituem as proposições, os
«enunciados mínimos» com que é depois constituído um «texto» complexo
como é um horóscopo completo. O plano da expressão da astrologia, ver-se-á, é
caracterizado por uma arbitrariedade notável, por um importante afastamento
em relação aos nossos conhecimentos astronômicos mais fundamentais e
comprovados, mas ao mesmo tempo por uma espécie de exatidão geométrica
que o toma parte essencial da solidez do aparato astrológico. Dado um lugar e
um instante preciso, e aceites as convenções da astrologia, o quadro astral que
daí se extrai, isto é, o significante (ou a expressão) do texto astrológico (que,
muito significativamente, é uma imagem, uma
combinação espacial de hieróglifos convencionais e não um enunciado
lingüístico), segue-se com a mesma precisão e com a mesma arbitrariedade com
que certos cabalistas atribuíram um número a todas as coisas, somando os
valores numéricos tradicionalmente equivalentes às letras do respectivo nome. É
inútil dizer que noutras línguas ou com outras numerações os resultados seriam
bem diferentes; o mesmo se pode sustentar em relação à astrologia. Faz porém
parte das características do pensamento mágico (a que a astrologia está
ligadíssima, como veremos) recusar a arbitrariedade da ligação que une nome e
coisa: «Nomina sunt omina». Precisamente por isto, o que mais nos deixa
perplexos no plano da expressão da astrologia, a arbitrariedade da sua
organização, constitui para o astrólogo o dom mais precioso, o conhecimento
«incluído» na sua máquina.
Passemos ao segundo plano, o do conteúdo. Dado que a astrologia é um
aparato divinatório muito ambicioso, que pretende cobrir toda a realidade social
e individual com as suas adivinhações, a matéria do seu conteúdo é igualmente
extensa e constitui uma espécie de enciclopédia variável consoante as épocas e
os ambientes sociais. Ela é todavia posta em forma segundo centros de
organização correspondentes aos do plano da expressão. Contudo, quanto mais
a forma da expressão for rigorosa e geométrica, tanto mais os conteúdos
resultam, pelo contrário, magmáticos, ligados por complexos princípios de
analogia, que permitem inumeráveis deslizes e verdadeiros contágios de sentido.
Cada «palavra» astrológica tem significados originais dispersos pelo plano
mítico, pelo das imagens, pelo objeto que denomina na vida quotidiana. A tarefa
dos astrólogos seria desesperada e a arbitrariedade das suas interpretações
tomar-se-ia claríssima se estes conteúdos não estivessem recolhidos
tradicionalmente em verdadeiros dicionários formais, que a cada palavra ou
enunciado significante fazem corresponder interpretações e adivinhações
elementares explícitas. O grosso dos livros de astrologia é constituído
precisamente por tais dicionários, os quais podem afirmar que, por exemplo,
Câncer tem certas características físicas e psicológicas, que Mercúrio influencia
certos aspectos da personalidade e da sorte do homem, e por fim que «Mercúrio
em Câncer» comporta um destino ou atitudes de um certo tipo.
Cada texto astrológico completo, ou seja, cada tema de natividade, comporta
em média umas sete dezenas destes «enunciados elementares» ou itens, que de
um ponto de vista externo à astrologia se podem considerar perfeitamente
casuais, mas são traduzidos pelos dicionários astrológicos nas mais díspares
indicações respeitantes a todos os aspectos da existência humana. Se nos
limitarmos a escrever de seguida estas adivinhações elementares, depara-se-nos
obviamente uma confusão indecifrável. Aqui intervém a fase retórica da
astrologia. O astrólogo seleciona então, a partir da massa das suas adivinhações,
um discurso
suficientemente coerente e sobretudo convincente, aplicando eventualmente os
conhecimentos que possui acerca do sujeito a partir da sua análise e daquela
dose de psicologia «de trazer por casa» que está sempre ligada à adivinhação.
Na realidade a fase crucial do trabalho astrológico é precisamente esta, a menos
formalizada e também a de mais difícil análise.
Para que serve esta análise? Decerto que não para aprender a astrologia,
para adquirir técnicas divinatórias. Como dissemos, de manuais deste gênero,
mais ou menos avançados, estão cheias as bibliotecas, especializadas ou não, e
até os quiosques das estações ferroviárias. Além disso, não é honesto ensinar
uma coisa em que não se acredite. No entanto, claro que resulta algum
conhecimento sobre a astrologia e uma certa compreensão de como ela
funciona, tem êxito, persuade e se difunde. Confiamos em que esta
compreensão possa ser útil a quem decidiu utilizar esta linguagem divinatória,
e sobretudo a quem a vê impor-lhe quotidianamente, sem possuir instrumentos
cognoscitivos suficientes para lhe avaliar a natureza
Como seguidamente melhor se verá, a análise da astrologia como aparato
textual permite também fazer alguma luz sobre a longevidade e sobre a
vitalidade atual desta doutrina, isto é, sobre os paradoxos de que partimos. A
máquina astrológica está bastante bem calibrada, vive num equilíbrio único
entre precisão geométrica e analogia universal, tem uma «carroçaria» sintática
rigidíssima e um «motor» semântico extremamente elástico; pode sofrer, sem
se perder, simplificações grosseiras e subtilezas causídicas, como sempre
aconteceu no decurso da sua história.
É claro que não chega uma tal explicação estrutural. A própria
arbitrariedade dos símbolos astrológicos, ligada à sua longevidade, obriga a
supor um seu profundo enraizamento na nossa cultura ou, se se preferir uma
linguagem menos cautelosa, no nosso inconsciente coletivo8. Os símbolos
astrológicos constituem um repertório de tipologias — classificações de tipos
humanos, de faculdades psicológicas, de relações interpessoais —
evidentemente bastante ligadas às categorias de base sobre as quais erguemos o
nosso conhecimento fundamental ou construção psicológica do mundo que nos
rodeia, ou seja, a alguns princípios caracterizantes da civilização em que
estamos imersos e dentro da qual organizamos os nossos conhecimentos. Uma
análise dessas ligações sai do âmbito do presente volume, até porque não há
nenhuma conexão necessária entre tais tipologias e a máquina divinatória da
astrologia. Como é evidente, supor que certas noções muito vastas exprimam
algumas
8
Cf. Aurigemma 1976: 191.
intuições ou construções fundamentais de uma cultura não significa estar-se
autorizado a ligá-las com um aparato geométrico arbitrário a certos períodos de
tempo, e muito menos a usá-las como totem para os homens nascidos nesse
período. De resto, o próprio fato de os símbolos serem vagos impede uma
determinação precisa da sua aplicabilidade individual. E esta debilidade
previsiva da astrologia é a base da sua força persuasiva.
Há um outro possível motivo de interesse desta análise. Distinguimos
primeiro muito claramente as práticas da astrologia e as da ciência empírica no
que se refere à sua atitude cognitiva. Não obstante, de um outro ponto de vista
os dois campos podem ligar-se. Se se abstrair do modo como os princípios
gerais foram obtidos, tanto a astrologia como a ciência aplicam leis universais a
casos particulares e daí extraem confirmação. Se quisermos, tanto a astrologia
como a ciência implicam previsões, têm um aspecto divinatório. Bem
entendido, varia muito o modo como estas previsões se inserem na fisiologia
dos dois campos. A astrologia não é enriquecida, e sobretudo não se deixa pôr
em causa, pelas suas previsões, que por outro lado são demasiado complexas
para serem verificadas com eficácia e aliás «inclinam, não obrigam». Quer
dizer, na astrologia não há momento experimental. Na ciência empírica, pelo
contrário, a experiência talvez já não seja tão central como se pensava há
cinqüenta anos, mas permanece a principal fonte do conhecimento, momento
que não pode ser eliminado do ciclo produtivo da ciência. De fato, porém, às
tentativas de elaborar uma epistemologia simples da verificação científica
depararam-se dificuldades e complicações crescentes: o comportamento do
cientista é muito mais complexo do que supunham os positivistas e (com maior
requinte) os neopositivistas. A desagregação desta concepção epistemológica
pôs em crise muitas certezas e tomou provisórios muitos limites, até ao ponto
de alguns dos mais radicais revisionistas da filosofia da ciência9 terem posto em
dúvida por exemplo a possibilidade de distinguir claramente, em termos de
princípio, entre prática científica e pensamento mágico.
Ora a análise interna da mais ambiciosa (rigorosa e precisa) das linguagens
mágicas, como sem dúvida é a astrologia, pode ser útil para reencontrar, por
outro lado, essas distinções. A «epistemologia» da astrologia pode, em suma,
dizer-nos qualquer coisa, por diferença, sobre os modos de ser da ciência, pode
esclarecer-nos suficientemente bem sobre o que não é, como não funciona a
ciência. De fato um programa deste gênero não é mais do que indiciado neste
trabalho, [nas já não é difícil dele extrair algumas indicações interessantes. Se
nos limitarmos
9
Cf. Feyerabend 1973.
a uma interpretação lingüística tanto da astrologia como da ciência, se as
confrontarmos enfim como dois dispositivos que produzem sentido a partir de
certos fatos considerados significantes, a forma dos dois aparatos não deixará de
surgir como muito diversa. O peso do repertório das teorias gerais (e menos
gerais) dadas antes de a «máquina» astrológica começar a trabalhar será
imensamente maior, os circuitos de retroação dos textos produzidos a partir
desta bagagem de sentido serão praticamente suspensos, os fatos significantes
terão valor só para uma seleção no interior dos repertórios de sentido
completamente estruturados. Por muito que se possa sublinhar a importância
dos paradigmas que o cientista assume como guias para o seu trabalho e das
pressões sociais a que está sujeito, estas diferenças parecem decisivas. As
teorias científicas mudam se colidirem com os fatos de que se ocupam, a
astrologia não. E este não é um fato secundário. Todavia, não há dúvida que
falta construir toda uma epistemologia das atividades pseudocientíficas, uma
teoria geral dos modos da previsão.
Vê-se que uma análise da astrologia se situa hoje num significativo ponto de
convergência de problemas antropológicos, epistemológicos, político-sociais. O
interesse das questões em causa justifica — cremos — um certo pedantismo da
análise, o tomar à letra de discursos que talvez não falem de nada. Interrogá-lo
sobre si próprio pode servir para obter respostas mais gerais e interessantes de
um horóscopo 10.
10
Agradeço a Umberto Eco por ter discutido comigo o original datilografada, dando-me
sugestões preciosas, a Claudia Doná por o ter corrigido em parte e aos alunos do meu curso de
77-78 na Universidade de Bolonha, com quem pude esclarecer as modalidades de uma análise
semiótica da astrologia. Obviamente que qualquer erro ou falha será da exclusiva
responsabilidade do autor.
1
ADIVINHAÇÃO, PENSAMENTO
MÁGICO, ASTROLOGIA
O êxito da astrologia
1
Cf. Gibson e Gibson 1970 e Blofeld 1965, Blakley 1976, Anônimo 1970, De Givry
1968, Caminho 1970, Cousté 1971. É significativo que se instituam facilmente ligações entre
as várias técnicas divinatórias. Assim, existe «a astrologia do I Ching», o tarô: da astrologia,
etc.
2
Para uma análise histórica mais aprofundada, cf. Boll, Bezold e Gundel 1977, Dal Pra
19776 e Garin 1954, 1977.
Só muito depois é que a astrologia se impõe no mundo greco-romano,
devido à oposição em que se encontrava perante uma cultura racionalista e
formas divinatórias tradicionais; a sua vitória remonta aos três séculos que vão
de Alexandre a Augusto. É porém com o Tetrabiblios de Ptolomeu (século II d.
C.) que a astrologia recebe a sua forma canônica, que se manterá sem alterações
e dominante até Newton, e sobrevive ainda hoje com alguns ajustamentos que
têm em conta os novos resultados astronômicos mais evidentes (por exemplo, a
introdução no esquema zodiacal dos planetas externos).
Em resumo, a astrologia passa indene pelas crises do mundo clássico, o
advento do cristianismo, o ambiente cultural árabe, a Idade Média cristã, o
Humanismo e o Renascimento, as origens da ciência moderna. Em todos estes
contextos culturais, muitas vezes fortemente contraditórios com os seus
fundamentos teóricos, a astrologia encontra formas de compromisso que lhe
permitem sobreviver sem perder a sua especificidade: concilia-se com a
onipotência divina e a liberdade do homem, com o determinismo científico e
com o imanentismo helenístico. Como testemunha um estudo de Luigi
Aurigemma sobre o signo zodiacal do Escorpião (Segno zodiacale dello
scorpione) 3, num arco de vinte séculos os símbolos da astrologia sofreram uma
certa evolução semântica, mas conservam um núcleo consistente de
estabilidade.
Ainda mais surpreendente é a sobrevivência de crenças astrológicas no
mundo moderno e contemporâneo. Com a afirmação definitiva do paradigma
científico, quantitativo e empírico, cortavam-se pela primeira vez todas as
ligações entre a astrologia e a cultura douta; era retirada qualquer legitimidade
ao pensamento mágico em geral. O racionalismo seiscentista, o Iluminismo, o
positivismo atacam a astrologia com crescente desprezo e violência, e chegam
mesmo de quando em vez a dá-la por destruída. Todavia, mesmo que não na
cultura douta, nas crenças populares as «superstições» astrológicas sobrevivem
e até conhecem hoje um momento de florescimento nos mass media, no mundo
juvenil, nos ambientes que se apercebem mais intensamente de uma crise
teórica e prática dos modelos do pensamento «racional». Este enraizamento
irracionalista autoriza saídas do ghetto tradicional da «superstição», ataques à
«cegueira» da ciência oficial, e alimenta obviamente um mercado muito
consistente. O que nos interessa aqui não é contudo uma sociologia da cultura
que explique as necessidades e as tensões profundas que se descarregam nas
crenças astrológicas; trata-se pelo contrário da simples verificação de que ainda
hoje o sistema divinatório da astrologia consegue naturalmente ser delas
portador e intérprete.
A astrologia é pois um sistema divinatório de extrema longevidade,
3
1976.
resistência e persuasão. A sua capacidade de se manter fiel a si próprio emerge
não só relativamente a sistemas «superestruturais» como as mitologias
religiosas, as crenças morais ou os sistemas de conhecimento do mundo físico
mas também em confronto com sistemas «fortes» como a linguagem, e em
particular as estruturas fonológicas, ou com sistemas cognitivos elementares
como os que regulam a percepção das cores. Derivações sistemáticas e fraturas
bruscas caracterizam a história destas estruturas de maneira incomparavelmente
mais movimentada do que acontece com a astrologia.
O problema constituído por estas características de longevidade, resistência
e adaptação pode ser enfrentado de diversas formas. Podem considerar-se estas
qualidades como «provas» do saber astrológico (que sempre indicou entre os
seus méritos a «antiguidade», chegando a falar na época helenística em 490 000
ou 720 000 anos de experiência, em que teriam sido «observadas» ou
«induzidas» as suas complexas leis, tipologias, previsões). Podem por outro
lado considerar-se como indício do carácter de «arquétipos» dos símbolos
astrológicos, do seu enraizamento no inconsciente coletivo; esta é uma posição
que não deixa de ir para além das análises de Jung, embora se reclame das suas
categorias conceptuais 4. No entanto, pode mais simplesmente procurar-se
descobrir as características estruturalmente relevantes que fazem do sistema
astrológico um aparato cultural tão resistente. É esta a posição natural numa
análise que quer ser comparativa relativamente à organização do conhecimento
científico e sublinhar o aspecto lingüístico da máquina astrológica
Há uma outra característica da astrologia que foi preliminarmente recordada
e exige explicação em conjunto com a da sua organização estrutural: a sua
capacidade persuasiva. O «não acredito, mas que há, há» que Croce dedicava à
magia popular meridional do mau olhado e dos amuletos é, perante a astrologia,
uma posição geral. É difícil encontrar uma pessoa, seja em que ambiente
italiano atual for, que não conheça «o seu próprio signo» e não admita ter dele
algumas características, ou pelo menos não creia ter ouvido ou lido
adivinhações mais ou menos surpreendentemente coincidentes com a imagem
que tem de si própria
A eficácia persuasiva da astrologia pode ser relacionada com o problema do
funcionamento dos poderes mágicos, sobre o qual se debruçaram Marcel Mauss
e Ernesto de Martino 5; mas decerto que apenas uma análise do funcionamento
retórico do sistema astrológico terá condições para elucidar por que razão a
astrologia é um sistema persuasivo.
4
lbidem. O apelo a Jung é entre os apologistas da astrologia tão freqüente quanto
superficial.
5
Cf. De Martino 1944, 1959, Mauss 1965, Durkheim, Hubert e Mauss 1977.
Astrologia e pensamento mágico
Estável e adaptável, divinatório e persuasivo, o aparato astrológico vive de
fato ainda outra contradição, a de aspirar oficialmente ao estatuto científico e
estar profundamente ligado a modos de pensamento e formas de organização
característicos do pensamento mágico, tanto no sentido em que este pode ser
caracterizado do ponto de vista etnológico como no da história da cultura
européia. As categorias «físicas» fundamentais da astrologia são as da tradição
grega (água, ar, fogo, terra), mas desempenham um papel organizador do
mundo em tudo análogo ao que se encontra na tradição mágica, hermética e
alquímica. De resto a astrologia tem em comum com tais filões culturais a
maior parte dos seus símbolos, mesmo do ponto de vista gráfico, a
caracterização de alguns agentes fundamentais (os planetas) e das suas funções,
uma rede de relações analógicas que vão de um planeta a um signo, a uma cor,
a uma profissão, a um metal, até invadir e organizar todo o mundo conhecido.
Ponto de intersecção particularmente significativo entre a astrologia e a magia
é a medicina, onde a cada parte do corpo, a cada «fluido» que o percorre, a
cada sistema funcional, correspondem elementos astrológicos que, se se
combinarem, terão a possibilidade de favorecer ou constituir obstáculo ao seu
funcionamento; daqui o uso de objetos mágicos e de vários materiais capazes,
segundo a rede analógica que analisaremos seguidamente, de funcionar como
instrumentos terapêuticos.
Assim, se examinarmos uma tabela dos influxos dos planetas (tab. I) e a
das correspondências entre planetas e partes do corpo (tab. II), que
reproduzimos em versão simplificada, podemos «deduzir» algo bastante
semelhante à tab. III, que prevê doenças numa base astrológica, embora de
maneira não satisfatória para os padrões de «rigor» dos astrólogos, porque não
tem em conta os outros elementos do horóscopo, não distingue entre
configurações celestes no momento do nascimento e a sua
temperamento excitável
Marte em Áries predisposição para a febre
cerebral
evolução fixa, e assim por diante. Porém, tais complicações não modificam
a substância do discurso.
Daqui uma tradição astrológico-mágica de amuletos e remédios vários,
que tem um grande peso histórico, mas ainda sobrevive na astrologia dos
mass media, por exemplo nestes conselhos divertidos (mas escritos
seriamente) de Lucia Alberti 7.
SAFIRA
Pedra preciosa dedicada a Júpiter, símbolo da fé, tem a virtude de curar as
doenças dos olhos, de dar alegria, força vital. Age favoravelmente sobre o
fígado, os pulmões, as artérias, e é mais eficaz quando encastoada em bronze,
porque o bronze é o metal que pertence a Júpiter. Isto é válido para a safira
escura, que protege os nascidos em Touro e naturalmente também os Sagitários
6
Esta tabela e as duas seguintes foram extraídas de Couderc 1974.
7
Alberti 1971: 174, 155.
dominados por Júpiter. A safira clara, pelo contrário, é útil aos nativos de Aquário
nas questões de coração, e deve ser usada com encaste de prata.
ENXOFRE
ESMERALDA
Só pode usá-la quem tenha um bom aspecto da Lua no seu próprio horóscopo,
porque a pedra, segundo alguns, pertence a Câncer. Bastante popular entre os
antigos romanos, a esmeralda era considerada a pedra que mantinha à distância
todas as adversidades e perdia a luzente cor verde, tornando-se pálida, quando quem
a tinha se encontrava em presença de um inimigo secreto. Quando a esmeralda não
conseguia de outro modo avisar o seu possuidor das desgraças iminentes, destacava-
se do invólucro e caía por terra. Plínio diz que os olhos cansados tomam a ver
fitando uma esmeralda. Nem (que era míope) contemplava Roma a arder através de
um monóculo de esmeralda. Na Índia afirma-se que a esmeralda aumenta a força da
memória e permite que o seu dono veja o futuro. Usada como anel dá eloqüência,
mas o lugar certo para a esmeralda é à altura do estômago, precisamente a parte do
corpo dominada por Câncer.
O estudo da astrologia
OS ASTROS DA ASTROLOGIA
Astronomia e astrologia
ESTRELAS FIXAS
1
Extraído de Foglia 1976.
Fig. 3 — Esquema das órbitas planetárias 2
órbita quase circular num ano exato; a Lua roda em torno da Terra em cerca de
um mês; todos os planetas percorrem órbitas bastante complexas, com
movimentos retrógrados, acelerações e travagens, que na realidade derivam da
junção das suas órbitas com o movimento da Terra em redor do Sol; o resultado
não deixa de ser cíclico, e os planetas percorrem as suas órbitas complexas em
períodos que vão dos poucos meses de Mercúrio aos 240 anos de Plutão.
O Sol, a Lua e os planetas (5 para a astrologia clássica, Mercúrio, Vênus,
Marte, Júpiter, Saturno, mais os planetas lentos, descobertos depois da
conclusão da história «douta» da astrologia: Urano em 1781, Netuno em 1845,
Plutão em 1930) são pois tratados pela astrologia como ponteiros de um
gigantesco relógio cósmico, que indica não tanto o passar do tempo como os
destinos coletivos e individuais dos homens.
2
Ibid.
O relógio cósmico
Fig. 4 — O zodíaco
Todos os planetas se sobrepõem pois a uma faixa de estrelas que passa
como uma fita em redor da intersecção da eclíptica com a esfera celeste. Esta
zona compreende para a tradição astrológica doze constelações
que se sucedem e é chamada faixa zodiacal ou zodíaco. A fig. 4 ilustra esta
situação.
É oportuno considerar a profunda diferença existente entre «ponteiros» e
«quadrante» do relógio astrológico. Os primeiros são inteiramente «naturais»,
apesar de — como se disse — a astrologia nunca ter tido em conta a revolução
copernicana e continuar portanto a considerar a perspectiva aparente em vez da
posição real dos planetas. O «quadrante» zodiacal é por outro lado na quase
totalidade uma construção cultural. É bem verdade que os planetas no seu
movimento se sobrepõem às estrelas da faixa do zodíaco; mas daqui até à
divisão em signos zodiacais vai uma longa distância. Em ordem lógica (e não
seguramente histórica), as operações são as seguintes:
— Organizar as estrelas em grupos conexos (as constelações), excluindo as
que não entram no esquema e ignorando completamente as relações reais entre
as estrelas (distância, etc.), para olhar apenas à sua perspectiva de vizinhança
aparente, à vista do observador terrestre. Que não se trata de algo elementar ou
«natural» verifica-se observando simplesmente o céu noturno, que numa noite
límpida aparece riquíssimo e um pouco desordenado, nada organizado por
grupos distintos; isto é tão verdade que se torna necessário aprender a
reconhecer as constelações, isto é, aprender uma relação, que muitas vezes une
estrelas sem qualquer ligação real entre elas, de fato afastadíssimas, mesmo que
numa mesma linha.
— Atribuir um nome e uma imagem às constelações assim constituídas.
Que esta operação também não é elementar vê-se com facilidade nos exemplos
apresentados na fig. 5. Igualmente aqui nos encontramos perante a instituição
arbitrária de uma relação, que faz de cinco estrelas, dispostas segundo uma
simetria axial aproximativa, uma Balança, e assim por diante. Impõe-se porém
uma reflexão. A própria arbitrariedade das duas operações de relacionamento
que constituem uma constelação deveria tornar extremamente débil este tipo de
figurações; tanto mais débil quanto são de fato dificilmente reconhecíveis na
abóbada celeste. Contudo, algumas constelações da nossa astrologia já estão
presentes nas tábuas babilônicas do século VII a. C. Especificamente, até
tinham os seus nomes atuais Touro, Gêmeos, Balança, Escorpião, Peixes;
entretanto Virgem era «Espiga», Capricórnio era «Peixe Javali», Áries era
«Mercúrio» e Balança constituía uma parte (as tenazes) de Escorpião.
No entanto, como documenta Aurigemma para Escorpião já na época de
Alexandre Magno os signos estavam fixados no seu ordenamento atual e desde
então mantiveram-se sem mudança, pelo menos no que se refere à forma e ao
nome.
3
1976.
Áries
Escorpião
Peixes
Fig. 5
O contraste entre a debilidade que deveria derivar do fato de a figuração ser
artificial e a estabilidade efetiva destas construções culturais é impressionante,
sendo difícil subtrairmo-nos à impressão de uma importante operação de
projeção do inconsciente coletivo, como supõe Aurigemma, ou pelo menos de
uma institucionalização de materiais simbólicos bastante centrais relativamente
à organização da nossa cultura. Estas impressões ficarão mais tarde reforçadas
quando falarmos dos «significados» dos signos e sobretudo da sua eficácia
tipológica.
4
Foglia 1976.
se pode acreditar ou não, mas que, do nosso ponto de vista, confirma sobretudo
o carácter artificial, cultural, da construção astrológica. A astrologia pretendeu
explicar a precessão dos equinócios englobando-a no seu sistema simbólico,
sustentando então que também a posição das constelações em relação ao
esquema dos signos é significativa (ou seja, para usar a nossa habitual metáfora
clarificadora, até o quadrante do relógio desliza muito lentamente em relação a
um outro quadrante abstrato), indicando os tempos longos da «Idade dos
Peixes», do Aquário, e assim por diante. Porém, mesmo aceitando esta
explicação tardia, ela nada retira ao nosso discurso. Deste como de mil outros
fatos resulta que o discurso astrológico é altamente convencionalizado,
arbitrário, deveras artificioso e nada correspondente, na realidade, a qualquer
descrição de relações efetiva entre Terra e corpos celestes, antes apenas a um
certo esquema combinatório que daí extrai inspiração parcial. Trata-se, aos
nossos olhos, de mais uma razão para nos interrogarmos sobre os motivos do
seu êxito «externo» (longevidade, estabilidade, persuasividade).
Complicações
A construção do horóscopo
O que foi dito até agora funde-se na operação técnica fundamental do
discurso astrológico, a construção do horóscopo (sobre a qual não
desenvolveremos um discurso técnico, possível de encontrar nos manuais de
astrologia, mas apenas uma análise abstrata).
5
Innes 1976.
O horóscopo é um mapa do céu, abreviado, simplificado, modificado,
tornado pertinente de acordo com os critérios astrológicos discutidos até agora.
Para cada lugar em cada momento o horóscopo correspondente determina a
posição relativa dos planetas no que se refere aos signos do zodíaco e as
posições dos signos e planetas relativamente ao quadrante das casas.
A fig. 6 mostra o esquema vazio do horóscopo, enquanto a fig. 7 apresenta
dois horóscopos completos, o de uma pessoa nascida a 21-3-63, às 6 e 45, em
Milão, e o mais pequeno de um homem nascido às 6 e 22 da tarde de 20-4-1889
(Adolf Hitler).
Quanto à fig. 6, o esquema vazio do horóscopo, o seu preenchimento é fruto
de diversas operações fixas:
— a domificação: trata-se de dividir idealmente a faixa zodiacal,
representada pela circular externa, nas doze rasas que fixam as relações entre
casas e signos. Concretamente, permanece imóvel o eixo fundamental de
referência ASC-DESC e MC-IC, que na devida oportunidade se orientará em
torno da faixa zodiacal; depois são divididas as casas, segundo o sistema
específico adotado;
— sobre este duplo quadrante, externo de signos e interno de casa, fixa-se
a oposição dos planetas;
— tomam-se em consideração os «aspectos» dos planetas entre si, isto é,
os ângulos que formam. São pertinentes, com aproximações de cerca de +/- 5°,
os ângulos de 0° (conjugação), 180° (oposição), 60° (sextil), 120° (trígono), 90°
(quadratura) e outros menos importantes. Na fig. 7 grande parte destas relações
estão ilustradas com linhas a tracejado.
3
A SINTAXE
Os enunciados
É importante sublinhar que o horóscopo é fruto de operações
matematicamente exatas e mecanizáveis na totalidade, embora tenhamos visto
que os seus pressupostos (do número de signos e de casas ao método pré-
selecionado para a sua construção) são claramente arbitrários e convencionais.
Resta o fato de a cada lugar e momento na Terra ser possível associar um certo
horóscopo bem definido, apesar de a inversa não ser verdadeira: cada lugar e
tempo não constituem um horóscopo individual diferente de todos os outros.
Embora de fato a notabilíssima complicação do sistema garanta na prática
que não se dêem repetições em tempos históricos (mas o sistema é cíclico), a
sua armação não é suficiente para isolar pontos espaço-temporais precisos, e o
resultado será idêntico com aproximações da ordem dos poucos minutos e das
dezenas de quilômetros, e muito parecido para uma combinação oportuna de
intervalos espaço-temporais mesmo consideravelmente mais amplos.
O horóscopo constrói-se com três grupos de elementos: dois ordenados
circularmente e fixos (os quadrantes: signos e casas) e um linearmente (os
ponteiros: os planetas). A adivinhação astrológica baseia-se nas relações
geométricas entre estes três grupos de elementos, os únicos tomados em
consideração, sem mais ligar aos objetos celestes cuja transcrição deveriam
representar.
O horóscopo é um texto, quer dizer, um conjunto de enunciados
significantes. Por enunciado significante devemos entender aqui uma das
características do horóscopo que a astrologia interpreta como pertinentes para a
adivinhação; em particular:
— uma sobreposição planeta-signo
— uma sobreposição planeta-casa
— uma sobreposição signo-casa
— uma relação geométrica entre dois planetas, a qual se insere nos casos
que nos limitamos a descrever como «aspectos».
4 desenho completo
do horóscopo
5 leitura do sentido
dos enunciados significantes SIGNIFICADO
um a um
6 confronto e homogeneização
RETÓRICA
dos enunciados significantes
Expressão e conteúdo
Forma
....................................CONTEÚDO
Substância
Forma
................................... EXPRESSÃO
Substância
TAB. VI — PLANETAS
1
Analogamente ao que acontece em lingüística, distinguimos para cada elemento da
astrologia um eixo sintagmático, que compreende as possíveis combinações com elementos de
outros repertórios, e um eixo paradigmático, que se refere às relações de substituição, exclusão,
etc., com elementos do mesmo repertório.
de o precisar): guerra e saúde, amor e interesse, morte e viagens, personalidade e
evoluções políticas... O conjunto da substância da expressão é o material
astronômico de que já muitas vezes referimos o uso instrumental e o tratamento
artificioso que lhe dá a astrologia. Em substância — segundo uma característica
muito importante e geral dos sistemas divinatórios, em oposição aos cognitivos
—, deve tratar-se de materiais acausais, de fatos causais em sentido próprio (vôo
de pássaros, moedas atiradas ao ar, etc.), ou de acontecimentos suficientemente
complexos, embora determinados, para simularem o acaso; e sobretudo de
acontecimentos não ligados por uma relação de causa-efeito ao objeto da
adivinhação. As colunas de números das efemérides, ainda mais do que o
movimento indiferente das estrelas, são o material soberanamente neutro de que
a astrologia extrai auspícios.
A verdadeira relação informativa, a verdadeira bagagem de experiências e
de conhecimentos culturais, de sociologia, psicologia e antropologia que a
astrologia atinge para produzir os seus vaticínios é pois a relação entre forma da
expressão e forma do conteúdo; entre uma rede elaborada e complexa de
entidades abstratas (signos, planetas, casas), apoiadas, ou melhor, constituídas,
por uma rede cerrada de oposições paradigmáticas e equivalências
sintagmáticas, e uma tipologia complexa de princípios físico-psicológicos,
faculdades de espírito, qualidades afetivas, situações culturais, objetos — o
quadro complexo da cultura ocidental, organizado por núcleos ideais não
exclusivos entre si, antes se diluindo num confuso campo de influências,
analogias, atrações diversas.
Nos parágrafos que se seguem examinaremos separadamente a organização
paradigmática característica das formas de expressão dos vários repertórios,
depois as suas relações sintagmáticas e a seguir os respectivos elementos de
conteúdo; reconhecimento bastante aborrecido, apesar de superficial, mas
indispensável tanto para circunscrever o núcleo central, psicológico, cultural,
antropológico, que rege a astrologia de forma tão resistente, como para
descrever analiticamente as suas modalidades discursivas, e por fim para
compreender uma máquina semiótica, uma estrutura formal quase inexplorada
do ponto de vista da comunicação, não obstante capaz de tratar com extrema
finura, incomparável mesmo aos modelos semióticos mais complexos,
intrincadas redes de oposições e congruências: a estrutura dodecaédrica do
zodíaco.
Os planetas
Sol Júpiter
Lua Saturno
Mercúrio Urano
Vênus Netuno
Marte Plutão
2
Foglia 1976: 62.
3
Morpurgo 1975. É evidente a raiz pitagórica ou, se quisermos, teológica desta forma de
raciocínio. Os adversários de Galileu recusavam-se a olhar pela sua luneta, porque sabiam
muito bem o que devia encontrar-se no céu...
que entretanto era preciso tê-los em conta. E pronto, eis que também X e Y
têm os seus signos, os seus gêneros, os seus elementos, as suas analogias, as
suas influências. Porém, não podem ser tidos em consideração para o
horóscopo, porque deveriam ter igualmente uma posição e um movimento
preciso, e então poder-se-ia verificar se lá estão.
Portanto podemos ter em conta só os sete planetas «tradicionais». As
características usadas para a classificação dos planetas — os seus «traços
pertinentes» — são três: ser planeta em sentido próprio, o
Masculino/Feminino, o Benéfico/Maléfico. Todos estes três critérios são
formulados explicitamente nos textos de astrologia e, apesar de serem redun-
dantes (dado que também é possível a neutralidade relativamente a um
critério, os objetos distintos classificáveis por estes critérios são 27), trata-se
de um motivo suficiente para os adotar.
Embora os «planetas» da astrologia sejam sete (ou dez), na realidade
dois deles não são planetas em sentido próprio: o Sol é uma estrela e a Lua
um satélite da Terra. Além disso, o Sol e a Lua são muitíssimo mais visíveis
do que os outros «planetas», têm órbitas regulares que determinam a nossa
medida do tempo (ano e mês), exercem ações físicas indubitáveis sobre a
superfície terrestre (marés, etc.). A astrologia exprime a diferença falando de
luminares (o Sol e a Lua) ou não (os outros planetas).
Muito menos evidente e fundada é a base do critério sexual: na maior
parte dos casos parecem respeitados os gêneros das divindades que dão o
nome aos planetas, mas nem sempre assim é (Saturno é feminino). Seja
como for, a classificação seguinte é válida
masculinos femininos
Sol Lua
Marte Vênus
Júpiter Saturno
(Urano) (Netuno)
grau zero
Mercúrio
(Plutão)
benéficos maléficos
Vênus Marte
Júpiter Saturno
(Netuno) (Urano)
grau zero
Mercúrio
(Plutão)
TAB. XII
TAB. XIII
Os signos
masculinos femininos
Áries Touro
Gêmeos Câncer
Leão Virgem
Balança Escorpião
Sagitário Capricórnio
Aquário Peixes
signos cardeais
signos fixos
signos mutáveis
Fig. 9 — Os quadrados das naturezas 5
4
Trata-se de classificações tradicionais dos conceitos segundo as suas relações de
oposição, contradição, subalternidade.
5
Extraído de Foglia 1977.
TAB. XVII — OS ELEMENTOS DOS SIGNOS
signos de ar
signos de terra
signos de água
signos de fogo
Fig. 10 — Os triângulos dos elementos 6
6
Foglia 1976: 62.
Em termos gráficos, os quatro elementos induzem outros tantos triângulos
eqüiláteros sobre o círculo zodiacal.
É fácil ver não só que a cada signo corresponde uma única análise, e vice-
versa, mas também como as várias classificações se sucedem regularmente
segundo a ordem cíclica tradicional.
Se considerarmos as diversas classificações como relações entre signos, e
considerarmos por exemplo os signos que têm respectivamente a mesma
«natureza», o mesmo gênero e o mesmo elemento que, por exemplo, Áries,
ressalta um ordenamento significativo das relações que este signo mantém com
os outros onze. Na fig. 11 estas relações são expressas graficamente.
São quatro os signos com os quais Áries não tem características comuns, os
dois que lhe estão contíguos e os contíguos ao seu oposto (Touro, Peixes,
Virgem e Escorpião); com outros dois partilha tão-só o gênero (Gêmeos e
Aquário); três têm a mesma natureza (Câncer, Balança e Capricórnio); dois o
mesmo elemento (Leão e Sagitário).
Sendo puramente sintático, este esquema ainda nada diz da relação efetiva
entre os vários signos (e de fato, concretamente, o gênero não
natureza
gênero
elemento
tem quase relevância semântica, enquanto signos com a mesma natureza tendem
a opôr-se, e com o mesmo elemento a assemelhar-se). O que vale a pena
sublinhar é a capacidade de organizar entre si tais relações complexas e
diversas, o que é característico do esquema duodecimal do zodíaco.
As casas
Signo Casa
Áries I
Touro 2
Gêmeos 3
Câncer IV
Leão 5
Virgem 6
Balança VII
Escorpião 8
Sagitário 9
Capricórnio X
Aquário 11
Peixes 12
Os aspectos
O último repertório sintático relevante da astrologia não é constituído por
«substantivos» como os planetas nem por «predicados» como os signos ou as
casas, mas sim por relações que se podem desenhar entre os planetas: os
aspectos. Trata-se das relações geométricas que formam um certo ângulo com a
Terra: 60° (sextil), 90° (quadratura), 120° (trígono), 180° (oposição), 0°
(conjunção). Relativamente aos ângulos canônicos são admitidas tolerâncias
ainda bastante elásticas, em redor dos ± 6°. Trata-se porém, bem entendido,
sempre de ângulos aparentes, que dependem da nossa visão em perspectiva,
ligada à posição da Terra. Na fig. 13 são mostrados o esquema zodiacal de uma
oposição e de uma conjunção, e a situação astronômica correspondente.
Fig. 12 — Os quadrantes das casas 7
7
Extraído de Sementovski 1977.
Também para os aspectos existe uma classificação sintática que tem estreita
correspondência com a sua função semântica
Planetas e signos
Domicílio: o planem encontra-se no ambiente que lhe compete, com todo o seu
poder;
8
Extraído de Maitan 1968: 197.
E agora a tabela destas relações tradicionais, organizada segundo os
planetas:
9
Extraído de Foglia 1977.
As relações planetas-signos
É fácil ler nesta análise dos signos, referente às suas relações canônicas com
os planetas, toda a rede complexa de oposições e simpatias que constrange o
zodíaco: de novo as oposições diametrais invertem invariavelmente o lugar do
planeta domiciliado com o do exilado; as oposições por contigüidade variam da
intensidade das diametrais até à indiferença Segue-se uma complexa tipologia e
aplicações da lei da dupla negação, que vão desde a semelhança, como para
Áries e Escorpião (um contíguo ao oposto diametral do outro), até à indiferença
que vigora em geral entre signos distantes 60° (contíguo do contíguo). E não é
difícil detectar no esquema vestígios das classificações por «natureza» e
«elemento».
Para além de todas as análises minuciosas permanece porém o fato de que
cada signo tem uma relação mais ou menos intensa mas precisa com cada outro
signo que «contenha» qualquer dos seus planetas, de modo a delinear um
campo de forças ou, se quisermos, uma estrutura simultaneamente precisa e
dúctil, capaz de organizar as relações de doze polaridades semânticas
complexas, como resultarão os signos entendidos como tipologia. É
precisamente nesta rede sintática elaborada e rigorosa, mas também assimétrica
e labiríntica, justifica-se a interconexão de unidades de conteúdo essencialmente
vagas e definidas de
maneira confusa e relativa, como se passa com os signos da tradição astrológica.
Trata-se pois de o sistema se basear essencialmente sobre esta sintaxe ao mesmo
tempo precisa e confusa como uma alucinação, e de fato o fascínio psicológico e
a grande capacidade de projeção dos símbolos da astrologia não excluem, antes
exigem, um verdadeiro primado do significante.
Os domicílios
I (Áries) Marte
2 (Touro) Vênus
3 (Peixes) Mercúrio
IV (Câncer) Lua
5 (Leão) Sol
6 (Virgem) Mercúrio
VII (Balança) Vênus
8 (Escorpião) Marte
9 (Sagitário) Júpiter
X (Capricórnio) Saturno
11 (Aquário) Saturno
12 (Peixes) Júpiter
SEMÂNTICA
Confusão semântica
Uma situação como a delineada no capítulo precedente, como é óbvio, não
deixa de ter conseqüências sobre a estrutura semântica da astrologia. A primeira
vista, os repertórios semânticos são bastante enganadores. Tanto quanto a
sintaxe da astrologia é geométrica, essencial, estruturada, tanto a sua semântica
surge como um bizarro aglomerado de particulares, uma série desordenada de
conceitos confusos. Como exemplo vale a pena citar um trecho de Materno
Firmico 1 em que surge um elenco dos destinos (isto é, dos significados) dos
vários graus do signo de Escorpião, considerados um a um, segundo a tradição
da «moirogênese»:
1
Viveu em meados do século IV d. C. A citação dos seus Matheseos libri VIII, o mais
completo texto astrológico da Antiguidade, é de Aurigema, 1976: 52.
Escorpião serão sacerdotes ricos e terão muitos filhos. Mas muitos morrerão devido
à indignação dos reis. Quem tem o horóscopo na VII parte de Escorpião morrerá por
causa de animais. Os que têm o horóscopo na VIII parte de Escorpião serão artesãos,
mas morrerão mordidos por uma áspide ou víbora. Quem tem o horóscopo na IX
parte de Escorpião será jardineiro, sempre ocupado no tratamento de jardins. Quem
tem o horóscopo na X parte de Escorpião morrerá na infância Quem tem o
horóscopo na XI parte de Escorpião será sacerdote adivinho e dará respostas a quem
o interrogar. Quem tem o horóscopo na XII parte de Escorpião será guarda dos
templos ou então votado ao culto das coisas sagradas. Aqueles que têm o horóscopo
na XIII parte de Escorpião, e se a Lua se encontrar em posição angular, serão juízes
que se farão acompanhar das insígnias ilustres da sua dignidade, julgarão as
sentenças dos outros juízes e terão supremo poder de vida e de morte. Mas este
poder é estabelecido para eles a partir do XXX e do XXXV ano de vida. Terão
mulher e filhos. Os seus momentos altos e perigosos situar-se-ão nos XXVII, XLII e
LVII anos de vida; se os perigos se produzirem no LXVI ano, morrerão. Terão
algum defeito; morrerão à espada ou por ferro, ou então na água ou por morte súbita.
Aqueles que têm o horóscopo na XIV parte de Escorpião [...] Aqueles que têm o
horóscopo na XVI parte de Escorpião serão moleiros, se a Lua se encontrar num
signo em que haja uma estrela resplandecente, e serão juízes de enorme poder.
Porém, se Marte se encontrar numa posição débil, serão espiões e virão a ser
decapitados. Quem tem o horóscopo na XVII parte de Escorpião será ourives,
dourador, laminador. Quem tem o horóscopo na XVIII parte de Escorpião, se a Lua
estiver em boa posição, disporá de uma grande fortuna e terá o poder supremo de
vida e de morte. E, se Júpiter se encontrar em qualquer aspecto com o horóscopo, o
seu poder será tão grande que se poderá comparar ao poder soberano. Mas será
demasiado negligente nos assuntos de estado e morrerá por ter feito uma ofensa ao
príncipe. Quem tem o horóscopo na XX parte de Escorpião será general poderoso,
guerreiro e guiará com felicidade o exército. Alcançará inúmeras vitórias e a sua
glória e o seu valor serão comparados aos dos reis.
30. Lua: A tradição astrológica atribui à Lua o domínio sobre a vida ativa e
imaginativa, e a experiência recente, à sua volta, confirma plenamente o fato de a
condição horoscópica da Lua encontrar a sua própria expressão em várias
correspondências que se referem a este sector da existência humana. A Lua
2
1977: 190.
simboliza tudo o que tem uma pronunciada natureza de feminilidade, e daquela
inconstância e passividade, e sobretudo daquela mobilidade que são precisamente
atribuídas ao «sexo fraco» (pense-se a propósito na célebre romanza verdiana «la
donna è mobile»). A esta categoria de correspondências da Lua pertencem tanto a
sensibilidade quanto a impressionabilidade, de igual modo o abandono como a
receptividade, tanto o entreter-se em sonhos quanto o iludir-se e anelar por coisas
irrealizáveis (castelos no ar); pode acrescentar-se toda a experiência, situação ou
circunstância do gênero que tenha carácter de fluidez, mutabilidade, alteração, ou
que seja susceptível de provocar no sujeito estados de ânimo ou atitudes como as
que acabamos de referir; a este respeito é de pensar particularmente em viagens,
deslocações, encontros fugazes e conhecimentos efêmeros. Num tema de natividade
que se refira a um sujeito masculino, a Lua pode ainda revelar os lados essenciais do
ser feminino ao qual o próprio sujeito esteja mais intimamente ligado (mãe,
consorte, filha). Para a avaliação da personalidade moral do sujeito assumem
importância decisiva os aspectos que por sua vez a Lua recebe de outros planetas. A
propósito, é de observar que, dado o seu rápido movimento, tais aspectos quase
nunca faltam num tema de nascimento, fato astrológico em que indiretamente se
manifesta a profunda afinidade que existe entre os seres humanos no que se refere a
tudo o que constitui a sua vida afetiva.
3
Oakley 1974: 142.
Não tem tendência para as perversões, a não ser talvez para a homossexualidade.
Todavia prefere sempre as relações heterossexuais e dedica-lhes com tal violência
que se toma quase um monstro.
No matrimônio é brutal e não tem o mínimo respeito pela mulher. Sabe pouco de
psicologia feminina, de fato isso nem sequer lhe interessa, e não se dá ao menor
trabalho para satisfazer a sua companheira A sua reação normal depois do ato sexual
é a de se pôr a ressonar profundamente.
Grande parte das violências e dos estupros de que se ouve falar ou se lê nos
jornais são cometidos por sujeitos de Câncer. Não os considera perversões, apenas
um suplemento de escape para os seus instintos inflamados.
A sua luxúria leva-o muitas vezes até ao cárcere.
A excessiva ênfase sexual é devida em grande parte à sua constituição
sanguínea, à mole do seu corpo, à massa de vitaminas, proteínas e sais minerais que
engole nos seus repastos copiosos. Não possui imaginação suficiente para canalizar
estes excessos.
Em seu louvor deve ser dito que nunca é um fumador inveterado.
Os seus movimentos são lentos e ponderados, move-se verdadeiramente como
um caranguejo e até a sua mente trabalha com igual lentidão. Só quando se encontra
frente a frente com uma situação prometedora do ponto de vista sexual é que tem
uma presença de espírito imediata e uma velocidade de movimentos que de contrário
nunca possui.
4
1977: 392.
875. Campo X: URANO
Dado tratar-se de pessoas espiritualmente elevadas, dever-se-á quase sempre
pensar em atividades ou obras excepcionais, por vezes mesmo sensacionais. Há
correspondências particularmente favoráveis desta combinação horoscópica quando
o sujeito trabalha no campo técnico. Neste caso não são de excluir invenções do
maior alcance. Permanece contudo um certo perigo de o ambicioso vôo das idéias
impelir o sujeito para o reino do irrealizável, do irreal e provocar consequentemente
um desequilíbrio mental.
5
1968: 217.
Há pois um contraste bastante claro entre a «precisão científica» do quadro
de referências (pseudo) astronômico da astrologia, a exatidão matemática dos
seus cálculos, sobretudo o rigor estrutural da sua organização sintática, e a
imprecisão muitas vezes contraditória das suas interpretações, mesmo as mais
elementares. Esta fluidez é obviamente funcional para uma possibilidade de
interpretação personalizada, e até talvez para a plausibilidade das previsões
singulares. Se um horóscopo completo deve contar e harmonizar umas sete
dezenas de itens, análogos aos que acabamos de citar, é necessário que nenhum
deles seja tão definido que exclua os outros com os quais possa entrar
casualmente em contacto. E sobretudo, se uma simples «frase significante» da
astrologia pode aparecer no horóscopo de qualquer pessoa, ela não deve ser, por
si, demasiado precisa, para evitar a possibilidade de conflitos excessivamente
clamorosos entre interpretação e objeto. Ou seja, nenhum item poderá conter
uma previsão taxativa, falsificável com facilidade: tratar-se-á sempre de atitudes,
possibilidades, predisposições, de preferência a fatos concretos e simples.
Porém, tal característica faz parte daquilo que denominamos «retórica» da
astrologia e constitui a sua base essencial. Por sua vez aquela tem os seus
fundamentos nas estruturas mais relevantes da semântica do sistema astrológico,
em cujo interior é de procurar as razões da imprecisão e da ambigüidade dos
itens explícitos singulares.
Em suma, para explicar o modo como são constituídos os dicionários
astrológicos e as suas entradas, não basta a rígida estrutura combinatória que
descrevemos até agora. Aproximações sintáticas privilegiadas como a que faz
dizer que «Marte é o planeta regente de Áries, que portanto se manifestará no
estado puro», enquanto Virgem, que está no pólo oposto do zodíaco e por isso
representa a sua negação (o Exílio, como se viu ao discutir a estrutura sintática
das oposições astrológicas), está numa situação «infeliz», podendo pois falar-se
de «repressão autodestrutiva», não são suficientes para explicar a produção de
sentido que a astrologia opera nos seus enunciados significantes. Sobretudo não
apresentam a razão da modalidade fluida deste nível semântico. Tanto quanto a
sintaxe da astrologia é precisa, «geométrica», rica de relações estruturais, tanto
as suas formulações significantes são intrincadas, alusivas, tendências,
aproximativas — não só ao nível do discurso realizado no horóscopo mas
também ao nível elementar da tradução de cada emparelhamento em «palavras».
Logo a partir destas adivinhações elementares e — repitamo-lo —
exaustivamente incluídas nos «dicionários» astrológicos, a linguagem técnica da
astrologia, a sua precisão constituída por graus, ângulos, órbitas, etc., dá lugar a
uma outra linguagem, que fala de amores, família, carreira, formas físicas,
virtudes psicológicas, eventualmente de remédios e influências mágicas... É a
linguagem do correio do coração ou do confessionário, da cavaqueira ou dos
conselhos; a linguagem das coisas que interessam a quem quer respostas sobre si
próprio e o seu ambiente:
a linguagem da adivinhação, que é comum para cada cultura e ambiente social a
todas as técnicas divinatórias e consoladoras utilizadas nesse .ambiente. Hoje à
cartomancia, à quiromancia, ao «saber viver», à psicanálise de trazer por casa, a
um certo discurso do bom senso, até triunfar na astrologia.
A analogia
Entre o rigor sintático e a aplicação «mórbida» ao mundo da vida quotidiana,
a astrologia usa como mediação principal o princípio analógico, «a divina
analogia» que é tão característica do pensamento mágico em geral, e sobretudo
da magia simpática. Entre nome e coisa, entre parte e todo, entre gênero e
espécie, entre abstrato e concreto, entre símbolo e simbolizado, entre fatos
cultural, física ou tradicionalmente contíguos ou similares, o astrólogo pode
mover-se com toda a tranqüilidade. O que se aplica a um é válido para o outro:
as propriedades astrológicas são altamente contagiosas.
Tudo está em tudo, até as oposições se diluem em longas cadeias de
semelhanças. Como diz Sementovski, «o astrólogo não se coíbe de declarar que,
segundo o seu modo de ver, pirâmide e corrida, avareza e gula são em última
instância a mesma coisa... Como um círculo ou uma elipse, cada analogia se liga
a outra, se lhe junta para formarem com tantas outras uma única e grande
imagem, que corresponde ao conceito de analogia entis».
Trata-se de um modo de pensar que tem nobres tradições culturais e se
desenvolveu em toda a tradição panteísta, chegando ao ponto máximo do seu
desenvolvimento na filosofia do Renascimento, precisamente ao mesmo tempo
que se deu o máximo florescimento cultural da astrologia. Porém, não é difícil
encontrá-la também em formas muito mais «primitivas».
Para a astrologia, contudo, este discurso não é de fato apenas um fundamento
metafísico e cosmológico; pelo contrário, constitui o motor de uma prática
lingüística precisa.
Encontram-se assim formuladas, por exemplo, tabelas de aproximação entre
planetas, metais e cores, que logo constituem a base de práticas «mágicas»
precisas:
TAB. XXVI
Sol Ouro Cor de laranja
Lua Prata Violeta
Mercúrio Mercúrio Amarelo
Vênus Cobre Azul
Marte Ferro Vermelho
Júpiter Estanho Púrpura
Saturno Chumbo Cinzento
TAB. XXVII
Capricórnio Aquário Peixes Ou então formulam-se
análises das doenças em
Ossos. Joelhos. Pâncreas. Barrigas das pernas. Pele. Pêlo. Cabelos. termos de órgãos
Constância. Resistência. Vasos sanguíneos; sistema Pés. Calvície. (influenciados pelos
Concentração. linfático. Glândulas. Fecundidade. Obesidade. signos) e condições físicas
Secreções internas. (organizadas a partir dos
Defesa. Impenetrabilidade. Religiosidade. Compreensão.
planetas), o que citamos no
Incompreensão. Cálculo. Metabolismo. Caridade. Humildade.
cap. primeiro. No entanto,
Solidão. Misogenia. Excentricidade. Extravagância. Inspiração. Fantasia. estas cadeias analógicas
Sarcasmo. Ironia. Gênio. Beatice. Hipocrisia. Abuso. podem assumir uma forma
Revolução. Reformas. Intriga. Mitomania. mais geral. Eis as que
Renúncia. Impedimento.
Progresso. Charlatão. Mago. Sementovski propõe para
Privação. Servidão.
Exploração. Dinamismo. Modernismo. Cristianismo. Monarquismo. alguns signos zodiacais 6:
Socialismo. Cosmopolitismo. Franciscanismo.
Erudição. Política. Filosofia.
Técnica. Ciência. Pobreza. Miséria. Mendicidade.
Escultura.
Motores. Eletricidade. Vinho. Nafta. Petróleo. óleo.
Artesanato. Carpintaria. Energia nuclear. Gorduras. Couro. Pelaria.
Padaria. Ração. Engenheiro. Pioneiro. Seguros. Anuais.
Tecelagem. Inventor. Capitão de longo curso.
Vereação. Construções. Tensão. Explosão. Marinheiro.
Pedra. Madeira. Vidro. Improvisação. Lugares com água.
Escudo. Dique. Obstáculo. Cãibras. Paralisia. Viavens por mar.
Escada. Linfatismo. Anemia. Narcóticos. Intoxicação. 6
Doenças crônicas e Perturbações circulatórias. Contágio. 1977: 88
Fig. 15 — Esquema de associações analógicas
(Arquétipo Câncer)
7
Jacob e Valence 1949: 62.
Os pântanos, os rios, as nuvens, a brisa, o vapor de água, a pérola, a madre-
pérola.
Os espelhos.
A linfa.
Pedras: jade, opala
Metal: prata.
Cores (pálidas, translúcidas): branco, creme, cinzento, verde-claro.
Sabor: aquoso ou insípido.
Perfume: hortelã.
Ressonância: cravo.
É difícil justificar que num lado esteja o nabo e no outro a gaiola. Tal como
não se percebe a facilidade com que entram Hércules e os lagos alpinos 8:
8
Sicuteri 1978: 49.
certos percursos analógicos tradicionais, certas imagens míticas, que se
encontram muitas vezes igualmente depositadas na linguagem, sofreram uma
espécie de fixação astrológica, que lhes determinou a pertença ou a semelhança
com esta ou aquela entidade astral, acabando por impedir outros percursos
analógicos.
Assim, acontece que, tal como cada cidade tem o seu santo padroeiro,
também cada nação, profissão, parte do corpo, condição, atividade principal,
tende a pertencer a um signo ou a um planeta e a manter essa ligação. O mundo
real, pelo menos nas suas características mais relevantes, está pois já dividido a
priori por paternidades astrológicas, segundo vias analógicas diversas e muitas
vezes perdidas, que nos parecem agora minadas por total arbitrariedade. As
partes do corpo, por exemplo, pertencem aos vários signos segundo uma ordem
descendente, desde a cabeça (Áries) aos pés (Peixes). Portanto, que os peixes
não tenham pés pouco conta. Se as analogias coincidem, tanto melhor: Leão
tem relação com o Sol e refere-se tanto ao coração como à coragem. Ótimo.
Porém, Virgem, dominada por Mercúrio (que representaria a inteligência), pre-
sidiria simultaneamente aos intestinos e à castidade. Coisas que têm entre si
relações muito escassas, dir-se-ia. Contudo, isso não importa. Do ponto de vista
da retórica astrológica, isto é, da aplicação divinatória concreta, casos do
gênero, que são freqüentíssimos, fornecem possibilidades oportunas de
comutação. Uma acentuação da importância da Virgem num tema de
nascimento pode referir-se ao intestino, à castidade, à inteligência, à
curiosidade, aos estudos acadêmicos ou a um monte de outras coisas...
Contágio do sentido
As partes do discurso
Planetas
Uma das mais desdenhosas críticas que têm sido feitas aos astrólogos é a de
terem conservado, ao darem um significado aos planetas, as lendas da mitologia:
Ares é o deus da guerra e das contendas, portanto Marte tem uma natureza agressiva
e belicosa. Sem dúvida, não basta verificar a correspondência entre divindade e
planeta, controlada estatisticamente, para nos sentirmos ao abrigo de todas as
acusações. Porém, esta crítica racionalista não é válida a não ser na
9
Barbault 1972: 128.
medida em que recusando-se a analisar o conteúdo profundo do pensamento mítico
se atém à opinião superada, segundo a qual os mitos são resultantes de uma
imaginação fantasiosa. Ora, a reação profunda dos psicólogos faz com que a
mitologia surja cada vez mais como criação poética do espírito coletivo
(inconsciente coletivo), susceptível de alcançar verdades íntimas e de tocar os
valores mais essenciais da humanidade. Que podemos nós fazer se os grandes tipos
das antigas divindades postas em campo pela mitologia — Mercúrio, Vênus, Marte
—, sendo na realidade arquétipos humanos perfeitos, continuam a viva sob a etiqueta
moderna das classificações psicológicas?
O poeta precedeu simplesmente o cientista no conhecimento da natureza humana
e, uma vez que esta última foi «sentida» ainda antes de ser «pensada», o mito não é
mais do que um pré-conhecimento do mundo. Não se encontram outras explicações
fundamentais para o fato de as propriedades dos planetas, reveladas empiricamente e
em parte confirmadas pelas estatísticas, se coadunarem com os atributos mitológicos.
O mesmo é válido — o que é ainda mais surpreendente — para os novos
planetas: a sua natureza concorda com os deuses cujos nomes possuem. Esta
combinação objetiva é mais um fato para justificar a referencia aos valores
mitológicos; estes últimos, todavia, não são mais do que propostas e sugestões a
confiar constantemente à verificação do especialista.
Na cultura astrológica grega existe uma vasta corrente que poderemos definir
como racionalístico-concretista, a qual formulou um certo número de hipóteses
sobre as razões desta correlação: da analogia de tipo naturalístico, que vê na
associação uma imagem do Sol (...), à analogia «geórgica», à «climática», a outra
ainda, largamente difundida, segundo a qual a imagem (do signo) se imporia na
base da disposição dos astros (nas constelações).
10
1977: 19.
mitológico, que se pode atingir em conjunto. É por esta via que Sagitário
(centauro) será dividido numa parte humana e uma animal, Escorpião será
violento e explosivo, etc.
Para a forma do conteúdo também são pertinentes algumas das
classificações que examinamos sintaticamente. Os signos de fogo serão
fogosos, os da terra, sólidos, dois signos diametralmente opostos no círculo,
opor-se-ão também semanticamente.
É pois necessário considerar os hieróglifos tradicionais, a iconografia
igualmente tradicional, as aproximações com plantas, cores, metais.
Porém, para lá destes elementos de organização formal do conteúdo, os
signos talvez sejam a prova mais explícita da loucura metódica que caracteriza
a semântica astrológica. Tudo e o seu contrário está contido nos esquemas
interpretativos que os astrólogos propõem aos seus seguidores como tipologia
fundamental. Não é difícil depararem-se-nos, aqui e ali, núcleos atraentes do
conteúdo, todavia é igualmente fácil iluminar contradições e intercâmbios de
sentido. Dir-se-ia que cada astrólogo tem uma intuição pessoal destes núcleos
semânticos e a desenvolve livremente, segundo a sua inspiração, experiência,
oportunidades concretas, conveniências, sem medo de se contradizer, antes
tendo o cuidado de indicar exceções, possibilidades subordinadas, tipos
inferiores e superiores, variabilidade segundo os decanos, influências
planetárias.
Qualificações
ÁRIES
ardor, desprezo pelo perigo, entusiasmo/tirania, incoerência, fanatismo
iniciativa, agressividade, coragem/impaciência, autoritarismo, paixão
11
As qualificações foram extraídas, para a primeira linha, de Jacob e Valence 1949, para a
segunda, de Foglia 1976, para a terceira, de Oakley 1974, para a quarta, de Martin 1977, para a
quinta, de Alberti 1971 (à exceção de Áries, que aí falta).
personalidade dominadora, sem piedade mas justo, emotivo dinâmico artista
fantasioso
TOURO
perseverança, tenacidade, circunspecção/taciturnidade, desconfiança, vulgaridade
resistência, determinação, paciência/obstinação, conformismo materialismo
continuamente ativo, cheio de saúde, emotivamente vivo e desperto fogoso
paciente, com cóleras imprevistas e violentas, realista
GÊMEOS
fantasia, habilidade, subtileza mental/descaramento, cinismo, manha versatilidade,
abertura, multiplicidade/superficialidade, inquietação, dispersão personalidade
nobre, um tanto débil, efêmero, curioso, intelectualmente vivaz, tagarela
CÂNCER
sensibilidade, delicadeza, imaginação/duplicidade, maledicência, inveja
sensibilidade, inspiração, submissão/loucura, timidez, capacidade de aprendizagem,
lascivo, rico de impulsos emotivos. Dinâmico mas fácil de deixar-se dominar por
uma personalidade mais forte, lunar, passivo, tímido, muito pouco realista, lunático
LEÃO
generosidade, dignidade, mansidão/megalomania, expressividade histriônica,
insolência, coragem, lealdade, generosidade/orgulho, paternalismo, arrogância
mentalidade enquadrada, bem controlado, dotado de enorme força de vontade
majestoso, ambicioso, inteligente, generoso, vaidoso
VIRGEM
paciência, precisão, humildade/mesquinhez, amoralidade, cobardia análise, solidez,
serviço/adulação, utilitarismo, aridez, criativo e capaz de sublimação, paciente e
tolerante, amante da casa e companheiro ideal, gélido, inteligente, escassamente
afetivo, não muito sincero, arrivista e sempre excessivo
BALANÇA
amabilidade, ternura e fidelidade/apatia, indolência, preguiça equilíbrio, estética,
disponibilidade/indecisão, oportunismo, fragilidade excessivo e vivaz, talvez
associal, excitante e aventuroso, sofisticado, sociável, interessado, sentimentalismo
superficial, sentido estético
ESCORPIÃO
lógica, vontade, resistência/crueldade, ciúmes, intransigência individualismo,
invenção, penetração/materialismo, anarquia, rebelião agressivo, amante da luta,
potente e forte, obstinado , passional, possessivo, ciumento, desconfiado, fanático,
generoso
SAGITÁRIO
amor próprio, desenvoltura, galanteria/jactância, snobismo, suficiência
competitividade, aventura, lealdade/preconceito, ingenuidade, presunção astuto,
forte, inteligente, emotivamente neurótico, vivaz e criativo irrequieto, vivaz,
curioso, snob e infiel, original
CAPRICÓRNIO
constância, obstinação, profundidade/orgulho, frieza, avareza responsabilidade,
frieza, escrúpulo/desconfiança, arrivismo, inibição caprichoso, ligeiro, sofisticado,
emotivo, erótico e estimulante insaciável, ambicioso, introvertido, hipócrita,
responsável
AQUÁRIO
idealismo, delicadeza, senhor de si/incoerência, desequilíbrio, mania
disponibilidade, renovação, idealismo/excentricidade, individualismo, visionarismo,
espiritual e artista, talvez beato, calmo e sereno, persuasivo, original, idealista, de
vanguarda, despegado de tudo
PEIXES
candura, religiosidade, honestidade/egoísmo, presunção, mesquinhez receptividade,
fantasia, misticismo/vulnerabilidade, indolência, incoerência licencioso, histriônico,
afetado , perverso, emotivo, tímido, sonhador, impressionável, sentimental
Esta série de qualificações, que obviamente são «superficiais e de
divulgação», pode ler-se por assim dizer verticalmente, pondo em série todos os
itens de um mesmo texto, ou então horizontalmente, confrontando todos os que
se referem a um mesmo signo.
No primeiro caso costumam surgir constelações de oposições e
semelhanças, mas quase sempre bastante vagas e apenas aludidas. Ou seja, os
signos não são caracterizados tanto pela afirmação de uma característica, um
núcleo semântico, susceptível de ser negado e contraposto, quanto por uma
tendência, ou pela pertinência de um certo eixo de valores, interesses, atitudes.
A possibilidade da negação é pois interna. Os signos, mais do que contraporem-
se, parecem excluir-se, afastar-se num equilíbrio de polaridade que não
subdivide o espaço semântico em zonas precisas, antes o orienta segundo
campos de forças.
Se, pelo contrário, se consideram em conjunto os vários textos que se
referem a um mesmo signo, o afastamento é notável, tanto mais impressionante
quanto se considere que as qualificações citadas não são mais do que um
fragmento minúsculo das grandíssimas massas textuais que comentam cada um
dos signos. Em certos casos, por exemplo Leão, parece presente uma imagem
única (ou quase) e dominante; noutros (Balança, Peixes), a confusão é o dado
principal. Quase sempre, porém, podem reconhecer-se pelo menos dois pólos de
qualidades, relativamente independentes entre si; por vezes esta duplicidade
pode reconhecer-se no interior das qualificações que de um signo dá um único
texto. É possível pensar-se que estas cisões de planos semânticos sirvam para
remontar à multiplicidade dos estratos analógicos que identificamos como
formas do conteúdo astrológico: uma série de qualificações remonta por
exemplo à analogia climática ou geórgica, e outra à que se baseia no nome e no
mito.
Se do núcleo qualificativo se passar às cadeias analógicas que se referem às
cores, metais, pedras preciosas, ervas, e assim por diante, os afastamentos entre
as várias interpretações ampliam-se muito mais, sem possibilidade de
conciliação. Assim, a Capricórnio atribuem-se âmbar, ônix, turmalina; negro,
castanho, violeta, jacinto, crisântemo...
É claro que estes afastamentos, contradições, multiplicidades, diversidades
de acentuação, não são estranhos ao êxito da qualificação zodiacal. Perante
indicações de tendências vagas, muitas vezes genericamente humanas,
organizadas segundo vários pólos, susceptíveis de aspectos positivos e
negativos ao mesmo tempo, é difícil não nos identificarmos pelo menos em
parte com o diagnóstico proposto. Mais do que uma análise psicológica,
portanto, o reconhecimento de um signo zodiacal é semelhante à aceitação de
um totem em que nos projetemos parcialmente, reconhecendo zonas de
coincidência, de conflito e de projeção do desejo.
Casas
A ASTROLOGIA É RETÓRICA
4
O primeiro trecho é de Maitan 1968: 254, o segundo de Sementovski-Kurilo 1977: 579.
2) um signo é considerado ainda mais forte se for ocupado pelo ASC e por.
astros rápidos;
3) recordar que na investigação astrológica se dá maior importância à posição
dos astros de deslocação rápida;
4) os astros de deslocação lenta (Netuno, Plutão e em certo sentido também
Urano) designam uma época, o modo de ser de uma geração, mais do que de um
indivíduo.
A pessoa a examinar será portanto particularmente individualizada se a
configuração específica do nascimento, ou seja, o instante preciso em que viu a luz
(o encontro preciso do lugar e do momento), for o mais exata possível.
Se os luminares, Sol e Lua, são entre os astros rápidos os que têm maior poder,
existe todavia um fator que é ainda mais importante porque é o mais móvel, logo o
mais específico, e é o determinado pelo movimento de rotação da Terra. De fato, o
horizonte e o meridiano, e em particular o ASC e o MC, podem apresentar, no
espaço de poucos minutos, uma multiplicidade de aspectos, com todos os planetas
diferentes, e, no seu percurso, atravessam cada signo zodiacal em cerca de duas
horas. São por isso os fatores mais determinantes do horóscopo e é pela mesma
razão que a interpretação de um tema astrológico deve sempre começar pelo exame
dos quatro ângulos do céu. A presença de astro num destes ângulos, e especialmente
no ASC e no MC, constitui uma forte dominante, tanto mais decisiva quanto se
tratar de um planeta que tenha o seu domicilio ou se encontre nesse signo em
exaltação.
Não é oportuno transcrever textualmente desde o princípio todas as
interpretações relativas a um caso examinado; num primeiro tempo, precisamos de
nos limitar a registrar os seus números nas rubricas adequadas, como fizemos
acima. As respectivas interpretações devem ser lidas e relidas, até se ter a sensação
precisa de captar os traços caracterológicos e psicológicos essenciais do sujeito a ser
examinado. No pequeno arsenal que temos à nossa frente aparecerão assim os
primeiros indícios do desenho futuro... a negro; num segundo tempo tratar-se-á pois
de lhes dar maior relevo e de os colorir.
Se esta é a diretiva por assim dizer espiritual do trabalho, no que se refere à
atuação prática será sempre útil atermo-nos aos seguintes critérios:
a) No caso de nas interpretações compiladas surgir com freqüência um
determinado motivo, tratar-se-á de um motivo decisivo e sobretudo de certeza que
conforme com a realidade; tentar-se-á pois subordinar a esse motivo todas as outras
interpretações.
b) Interpretações contraditórias não são fatalmente irreconciliáveis entre si
num retrato psicológico; contraste de alma e espírito, e também nas formas de
comportamento, são fenômenos que podemos considerar normais na existência de
muitos indivíduos; tratar-se-á de procurar as suas causas psicológicas profundas,
para nos apercebermos das razões de estes contrastes constituírem expressões reais e
orgânicas de uma individualidade que, mesmo como tal, é de considerar
contraditória em si.
c) Algumas entre as muitas interpretações que se referem a um tema de
natividade não se enquadrarão de modo nenhum no complexo psicológico coerente
que resultará de todo o trabalho interpretativo, depois da seleção e coordenação da
maioria dos motivos e elementos; estes fatores por assim dizer inverossímeis poderão
sempre ser eliminados sem prejudicar a orgânica da visão de vida que não deixará de
aparecer com clareza perante os olhos do indagador.
A persuasão
O fato é que estes textos astrológicos não captam, nem podem captar, a
operação fundamental que o astrólogo executa nesta fase, pois partem do
pressuposto necessário de que a astrologia é «científica» (embora «artística»), ou
pelo menos «verdadeira».
Na realidade o problema que se depara ao astrólogo como a qualquer outro
adivinho na fase final do seu trabalho é o de como produzir uma mensagem
convincente, com a qual nos possamos identificar.
Em suma, o fato de a semântica da astrologia produzir textos espantosos e, o
que é mais, contraditórios não é realmente um defeito do sistema; pelo
contrário, constitui o seu âmago, a sua articulação fundamental. As estrelas
falam; a sintaxe é rigorosa e muito matemática; a semântica é explícita e além
disso concreta, figurativa, mitológica, por isso fascinante. Porém, se o discurso
resultante fosse simples, unívoco, coerente, em resumo, verificável ou refutável;
se falasse de coisas concretas e identificáveis sem perplexidades; se depois se
pudesse estudar facilmente experiências cruciais, para demonstrar a veracidade
ou a falsidade das hipóteses particulares e também da astrologia em geral, então
há muito tempo que esta teria deixado de existir, liberta das suas falsificações (o
que é o mais provável) ou transformada numa espécie de física dos influxos
estelares (se estes tivessem sido efetivamente encontrados). Num caso e noutro
não haveria a mínima necessidade de astrólogos «artistas», ricos de «faro
psicológico», mas tão-só de honestos investigadores.
Como, pelo contrário, o discurso das estrelas é confuso, balbuciante,
circular, suspenso, eis que pode ser interpretado «artisticamente», ou
«psicologicamente», com todas as «cautelas» inerentes. Sobretudo neste âmbito
o astrólogo pode operar de tal maneira que produza uma mensagem persuasiva,
que pareça dizer ao cliente algo deste e dos seus problemas, indicar-lhe
soluções, identificar tendências. No fundo toda a complexa máquina da
astrologia serve para dar uma base (ou um álibi) a esta operação fundamental:
dar a uma pessoa um texto que lhe diga respeito, de tal modo que ela tenda a
aceitá-lo como verdadeiro e significativo. Em suma, construir uma espécie de
espelho textual, em que quem quer que nele se reflita encontre a sua própria
imagem e sorria.
Como faz a astrologia para obter este efeito persuasivo? É claro que a
existência de um texto base tão complexo e legível aos mais diversos níveis é
importante, permite que o astrólogo dele extraia, sem demasiados problemas, o
material que lhe sirva. Todavia, as técnicas persuasivas do discurso astrológico
são diversas e sobretudo diferenciadas por níveis. Da frase genérica do
horóscopo coletivo por signos emanado à meia-noite por uma TV privada ou
publicado no jornal da tarde, às previsões mais complexas publicadas mês a mês
nas revistas especializadas ou contidas em volumezinhos vendidos nos
quiosques, aos horóscopos pessoais computadorizados, até ao diagnóstico
«progressivo», feito continuadamente, tendo em conta não só os astros na altura
do nascimento mas também o seu aspecto no momento e as relações entre eles,
para terminar com a visita pessoal em que o astrólogo interpreta o horóscopo
dialogando com o cliente, há uma escala contínua de formas
divinatórias baseadas na astrologia e que têm técnicas características do seu
nível. Contudo, todas se baseiam no fascínio, no halo de mistério, na fama de
exatidão e ao mesmo tempo na riqueza analógica da astrologia.
Assim, por exemplo ao nível dos horóscopos nos jornais, os mecanismos são
essencialmente dois. Em primeiro lugar destaca-se a identificação com um totem
fascinante e ressonante como são os signos zodiacais. Esta identificação baseia-
se num conhecimento que é evidente não superar o nível das análises contidas
nas adjetivações a que nos referimos no capítulo precedente. E, se os relermos
com atenção, é fácil ver que a identificação revela com bastante facilidade,
contra a vontade ou encamisadamente, o nível dos desejos ou dos remorsos, no
plano físico ou no moral. Escolhendo ao acaso neste elenco, quem se recusaria a
considerar-se ao menos um pouco «ambicioso, inteligente, generoso, vaidoso»
(Leão) ou então detentor de «disponibilidade, renovação, idealismo», apesar de
sujeito ao risco de «excentricidade, individualismo, visionarismo» (Aquário, no
pólo oposto do zodíaco)? Quem se sente completamente privado de «lógica,
vontade, resistência/crueldade, ciúmes, intransigência» (Escorpião) ou de
«amabilidade, ternura, fidelidade/apatia, indolência e preguiça» (Balança)? É
provável que um aparato experimental oportuno esclarecesse a disponibilidade
da maior parte das pessoas para se reconhecer em qualquer retrato psicológico
suficientemente ambíguo e/ou contraditório.
Um segundo nível é no entanto determinante no funcionamento da astrologia
popular dos jornais. As frasezinhas que exprimem a adivinhação proposta para
cada signo são de um consolador e inofensivo vazio. Espalham-se conselhos de
prudência, anunciam-se boas oportunidades genéricas neste ou naquele campo,
adverte-se para a importância do espírito de iniciativa, superior ao sangue-frio, e
sobretudo propõe-se que as pessoas não se precipitem. E tudo, podemos ter a
certeza, acabará bem.
Não é preciso ter informações específicas para perceber que quase sempre
estes textos são preparados um pouco ao acaso e um pouco por divertimento,
como certas cartas ao diretor. Então porque são lidas e publicadas (isto é,
servem para vender exemplares) estas rubricas? Trata-se evidentemente de
fenômenos análogos às superstições mais banais, que podemos interpretar como
sintomas de segurança. As pessoas a quem é aconselhada prudência ou
anunciada uma boa notícia sentem a segurança de um rito, mesmo que não das
previsões em si. E se depois estas não se realizarem (mas costumam ser escritas
com tautologias cuidadas ou conselhos privados de conteúdo, de modo a não
poderem não se realizar), o valor do rito não é de fato abalado.
A um segundo nível de profundidade, o dos livrinhos de astrologia ou das
revistas especializadas, isto é, em presença de maior riqueza de
conteúdo mas ainda numa categoria coletiva (Signo, Ascendente) e não num
horóscopo individual, joga sobretudo o reflexo de auto-identificação. Aqui
destacam-se eminentemente as ambigüidades estruturais da semântica
astrológica, a multiplicidade dos «tipos superiores» e «tipos inferiores», a
indicação de «tendências» e «predisposições», de preferência a fatos precisos, a
característica duplicidade de todos os símbolos astrológicos. A situação é pois
caracterizada por uma espécie de dialética da diferença, em que todas as
possibilidades são exploradas e o êxito da previsão é assegurado não pela
tautologia por subtração de sentido característica do nível inferior, mas sim por
uma espécie de tautologia por acrescentamento, por multiplicação dos termos.
Consideremos como exemplo típico o mais importante periódico de
astrologia publicado em Itália, entre outros aspectos sob a marca prestigiosa do
Corriere della Sera, Astra. Todos os meses Astra publica «O céu deste mês»,
que é um mapa dos acontecimentos astrais em curso (conjunções, trânsitos de
planetas em signos, etc.), com adivinhações gerais, um horóscopo financeiro,
um «horóscopo do mês, signo a signo», um calendário do mês com «os dias
'sim' para todos», ascendente por ascendente, uma «tabela dos encontros», que
indica as compatibilidades entre os signos nos diversos dias, um horóscopo
«astrobiorrítmico» e uma análise particularizada do horóscopo referente ao
signo dominante nesse mês, para além de artigos vários de grafologia,
espiritismo, psicanálise, horóscopos de personalidades, tudo na mais completa
desordem. Além disso, de vez em quando são propostos horóscopos
suplementares, «para o ano novo» ou «para o Verão». Em suma, os horóscopos
são cinco ou seis para cada signo, e as contradições inúmeras. Porém, trata-se de
uma vantagem e não de uma fraqueza do sistema. Se uma previsão, ou um
complexo de previsões, for contraditória, resulta inevitável que alguns aspectos
se realizem...
Aos níveis superiores esta contradição retoricamente frutuosa passa de
extensiva a intensiva, o leque é, por assim dizer, em profundidade e não em
amplitude. A estrutura do discurso toma-se pois a do elenco de qualidades ou
disposições, por mais afastadas que estejam entre si; uma modalidade de
discursos que se poderia caracterizar por: «sim, mas...». A ambigüidade
necessária a todas as adivinhações, que aos níveis inferiores é assegurada pela
banalidade do discurso, passa a ficar a cargo da contradição, do labirinto das
precisões, da individualização de tendências contrastantes destinadas a
combaterem-se com resultados incertos, da substituição dos fatos por
possibilidades e das qualidades por tendências. Não existe um estudo dos
horóscopos individuais, e por outro lado os materiais que se lhes referem são
públicos; todavia, pelos poucos exemplos que podemos ver publicados ou a que
tenhamos acesso em privado, não restam dúvidas de que o mecanismo retórico
fundamental é este carácter de acumulação de características díspares e
contraditórias.
Uma única destas que se aplique com êxito ao seu sujeito convencê-lo-á a
considerar plausível toda a construção horoscópica, ou pelo menos deixá-lo-á na
dúvida quanto a que também as partes que não parecem «adivinhadas» lhe
digam respeito num sentido mais ou menos obscuro. Para obter este resultado, o
horóscopo individual não descreve um homem genérico, privado de
características. Pelo contrário, o retrato é o mais rico possível em
particularizações e em características, não importando mesmo que estas sejam
contrastantes e incompatíveis. Os mecanismos psicológicos a que fizemos
referência põem a máquina em funcionamento.
Ainda diferente é o caso em que astrólogo e cliente se conhecem, seja por
viverem no mesmo ambiente, seja porque a consulta é feita pessoalmente, seja
enfim por o cliente revelar, de um modo ou de outro, mais dados sobre si
próprio do que os astrológicos. Neste caso a riqueza do texto divinatório já não
é simplesmente fonte de rumores semânticos casuais, contradições,
particularismos confusos. Nada mais fácil do que extrair de uma massa do
gênero aquilo que já se sabe ou se vê graças à habitual «intuição psicológica».
Numa das circunvoluções simbólicas do signo, ou na relação mais ou menos
feliz entre um planeta e um signo, ou na sorte de uma casa, não pode deixar de
estar aninhada a característica oportuna para o sujeito em questão, e a partir daí
é fácil garantir a colaboração desse mesmo sujeito e estudar as suas reações com
a técnica bem conhecida dos quiromantes e cartomantes: tentar algumas
«provocações» em direções diversas e aprofundar aquelas a que o cliente reaja.
Retórica e probabilidade
5
Gauquelin 1975: 209, fala da predisposição para campeões desportivos se Marte se
encontrar entre ASC e MC, cientistas se aí estiver Mercúrio, guerreiros se se tratar de Júpiter.
À parte o afastamento significativo Marte/Júpiter relativamente à tradição astrológica, as suas
contas, pelo que delas se compreende, parecem ter um enquadramento deficiente. Para Marte
os sujeitos analisados eram 2088, e Marte estava, para Gauquelin, «452 vezes, em vez de 358,
entre o momento em que nasceu e a sua culminação superior, fato que não deixa para o caso
mais do que uma possibilidade em cinco milhões de ser o motivo de tal excesso de casos». À
parte o fato de quem entende de estatística saber que um dado não trabalhado deste tipo não
quer dizer muito, não se compreende como Gauquelin extraiu os seus dados. Entre horizonte
oriental e culminação fica um quarto do arco celeste, logo os casos deveriam ser 2088/4, ou
seja, 522, o que levaria a cifra observada a um afastamento negativo em relação à média. De
qualquer modo, o dado de 1/5 000 000 não deriva do afastamento de 452, nem do de 358 ou de
522. Podem ser feitas observações análogas quanto aos outros dados de Gauquelin. O mínimo
que se pode deduzir é uma certa confusão e inutilidade de os ter em conta. Como base
estatística para a astrologia é um pouco fraco.
Retórica e primado do significante
6
A alusão é ao grupo reunido em tomo de Tel Quel: Philippe Sollers e Julia Kristeva,
principalmente, mas também algumas das suas fontes teóricas, de Jacques Derrida a Jacques
Lacan, a Deleuze e a Guattari. Nesta altura pode avançar-se com algumas interrogações
provocatórias. Será que o verdadeiro modelo das teorias do «primado do significante» e do
«rizoma» é a semântica da astrologia? Será que o verdadeiro «texto produtivo» em sentido
kristeviano é um horóscopo? Estará aqui verdadeiramente a origem do «piai ir du teste», de
Roland Barthes?
encontra porém, como já tivemos por vezes ocasião de sublinhar, um modelo
excelente no mecanismo da astrologia. E este pode dar oportunidade a
meditações úteis.
Balança Áries
Escorpião Touro
Sagitário Gêmeos
Capricórnio Câncer
Aquário Leão
Peixes Virgem
Sol Júpiter
Lua Saturno
Mercúrio Urano
Vénus Netuno
Marte Plutão
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1976 Magia e scienza nella civiltà umanistica, Il Mulino, Bolonha.
Ugo Volli, um professor de Filosofia
da Linguagem da Universidade
de Bolonha, faz neste livro um estudo
da Astrologia abordando-a do ponto
de vista semiótico, enquanto
linguagem estruturada como sistema
de conceitos distribuídos por vários
níveis de discurso — em que os
planetas indicam faculdades
psicológicas, os signos dão colorido a
esses aspectos psíquicos, as casas
são áreas de atividade ou de
interesse onde se jogam tais aspectos
assim qualificados — e com uma
apertada rede de oposições, analogias,
traços distintivos e outras categorias
estruturantes que irão produzir
a narrativa mais abrangente que
é o horóscopo individual. A máquina
da Astrologia é aqui desmontada peça
a peça, nos seus modos de
funcionamento, nos seus jogos de
linguagem, lançando-se uma nova
e esclarecedora luz sobre a razão
de ser deste antiqüíssimo «saber
e sobre a sua capacidade de persuadir
e de explicar, que ao longo dos
séculos tem suscitado o entusiasmo
e a adesão de tanta gente.