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Biggs - Alinhando o Ensino para Construir A Aprendizagem

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PED BRASIL

Planejando o Currículo
Leitura para Aula 01
Alinhamento do ensino para construir a aprendizagem12
John Biggs
Resumo
O alinhamento construtivo parte do princípio de que o/a estudante constrói seu
aprendizado por meio de atividades de aprendizagem relevantes. O trabalho do/a
professor/a é criar um ambiente de aprendizagem adequado para a realização de
atividades que levem ao alcance dos objetivos de aprendizagem. O mais
importante é que todos os componentes do processo instrucional – o currículo e
seus objetivos de aprendizagem, os métodos de ensino utilizados, as tarefas
avaliativas – estejam alinhados uns com os outros. Todos devem estar focados
em atividades que direcionem para o alcance dos objetivos de aprendizagem.
Dentro desse esquema, torna-se difícil para o estudante sair de uma aula sem
aprender apropriadamente.
Biografia
John Biggs obteve seu doutoramento em 1963 pela Universidade de Londres, e
ocupa cadeiras em faculdades de Educação no Canadá, Austrália e Hong Kong.
Ele se aposentou em 1995, quanto tornou-se consultor em Educação Superior,
tendo atuado em diversas instituições na Austrália, em Hong Kong e no Reino
Unido.
Palavras-chave
Expectativas de aprendizagem, alinhamento construtivo, avaliação referenciada
a critério, ensino para aprendizagem ativa, ensino sistêmico.

1Tradução: Bárbara Barbosa Born


2Texto Original: BIGGS, John. Aligning teaching for constructing learning. The Higher Education
Academy. Disponível em: <
https://www.heacademy.ac.uk/system/files/resources/id477_aligning_teaching_for_constructin
g_learning.pdf> Acesso em 24 maio 2017.
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Introdução
O ensino e a aprendizagem ocorrem como um sistema completo,
abarcando os níveis da sala de aula, do departamento e da instituição. Um
sistema pobre é aquele no qual os componentes não estão integrados e não estão
focados no desenvolvimento de aprendizagem de alto-nível. Nesses sistemas,
apenas estudantes cujas habilidades acadêmicas já estão altamente
desenvolvidas utilizam estratégias de aprendizagem de alto-nível. Em um
sistema de qualidade, por outro lado, todos os aspectos do ensino e a avaliação
estão voltados para o desenvolvimento de aprendizagens de alto-nível, de modo
que os estudantes são encorajados o tempo todo a mobilizarem domínios
cognitivos complexos. O “alinhamento construtivo” (AC) encontra-se na segunda
categoria de sistemas. Trata-se de uma abordagem para o planejamento
curricular que otimiza as condições para uma aprendizagem de qualidade.
Como exemplo de um sistema pobre, observe o que um estudante de um curso
de psicologia diz sobre a forma como ele aprendia:
Eu odeio dizer isso, mas tudo o que você precisa fazer é ter uma
lista de “fatos”; você escreve dez pontos importantes e os memoriza,
e com isso você com certeza fará tudo corretamente no teste. [...] Se
você consegue fornecer um pouco de informação factual – e seguir
fazendo isso, até a conclusão – nas duas folhas do ensaio, você
conseguirá uma boa nota (in RAMSDEN, 1984, p. 144).
O problema nesse caso não é o estudante. Na realidade, o estudante em
questão gostava de escrever longos ensaios, e se graduou como melhor aluno da
turma, mas ele desdenhava dessas atividades rápidas e irritantes. Assim, para o
curso de psicologia, ele tomou a decisão estratégica de memorizar fatos, pois
sabia que aquilo seria suficiente para o bom desempenho neste curso, e
reservava seus esforços mais intensos para as disciplinas que considerava mais
importantes. O problema, no exemplo acima, era a atividade avaliativa que não
estava alinhada com os objetivos de ensino.
É muito recorrente que a retórica de cursos e programas seja adequada e
bela, afirmando por exemplo que os estudantes se formarão com um profundo
conhecimento da disciplina e com a capacidade de solucionar problemas
criativamente. Ocorre que, na prática, eles são apenas instruídos sobre como
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resolver problemas criativamente em aulas do tipo palestra e são avaliados por
meio de testes de múltipla escolha. Tudo é muito desalinhado, e eu suspeito
fortemente que essa não seja uma situação de todo incomum.

O que é alinhamento construtivo?


O “alinhamento construtivo” possui dois aspectos. O aspecto “construtivo”
refere-se à ideia de que os estudantes construirão significado por meio de
atividades de aprendizagem que sejam relevantes. Isso implica que o significado
não é algo comunicado ou transmitido pelo/a professor/a ao aprendente, mas
algo que os/as estudantes devem desenvolver por si mesmos/as. O ensino,
assim, se torna um catalisador para o aprendizado.
Se os/as estudantes devem aprender os objetivos esperados de uma
forma razoavelmente efetiva, então a tarefa fundamental do/a
professor/a é engajá-los/as em atividades que potencialmente
resultem nas aprendizagens esperadas. [...] É útil lembrar que
aquilo que os estudantes fazem é, na realidade, muito mais
importante do que aquilo que o/a professor/a faz. (SHUELL, 1986,
p. 429).
O aspecto do “alinhamento” se refere àquilo que o/a professor/a faz, que é
estruturar um ambiente de aprendizagem que apoie a realização de atividades
adequadas para se alcançar os objetivos estabelecidos. O segredo é que todos os
componentes do sistema de ensino, particularmente os métodos de ensino
adotados e as tarefas avaliativas, estejam alinhados com os objetivos de
aprendizagem. Em certo sentido, o estudante acaba “preso”, ficando difícil
escapar da aula sem ter aprendido aquilo que foi estabelecido enquanto objetivo.
Ao estruturar um sistema alinhado, nós especificamos os objetivos de
aprendizagem desejados não apenas em termos de conteúdos ou tópicos a serem
cobertos, mas no nível do entendimento que esperamos que os estudantes
alcancem. A partir disso, nós organizamos um ambiente que maximize a
probabilidade dos estudantes em se engajarem nas atividades desenvolvidas
para alcançar os objetivos estabelecidos previamente. Por fim, escolhemos
atividades avaliativas que apresentem evidências sobre o alcance desses
objetivos, deixando claro os níveis aceitáveis de desempenho. Esses níveis são as
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notas que nós atribuímos posteriormente.
Assim, temos quatro grandes estágios:
1. Definir os objetivos de aprendizagem desejáveis;
2. Escolher atividades de ensino e de aprendizagem que desenvolvam os
objetivos definidos.
3. Verificar a aprendizagem dos objetivos para acompanhar o alcance dos
mesmos por parte dos/as estudantes.
4. Atribuir uma nota ao desempenho.

Definindo os Objetivos de Aprendizagem

Quando nós ensinamos, devemos ter uma ideia clara sobre o que
queremos que nossos estudantes aprendam. Mais especificamente, olhando
conteúdo a conteúdo, devemos ser capazes de estipular quão bem um tópico
precisa ser compreendido. Primeiramente, devemos distinguir entre
conhecimento declarativo e conhecimento funcional / procedural.
Conhecimento declarativo refere-se ao conhecimento que podemos
“declarar”: nós dizemos às pessoas sobre ele, oralmente ou por escrito.
Normalmente, trata-se de conhecimento de segunda-mão, sobre aquilo que já foi
descoberto por outrem. O conhecimento das disciplinas acadêmicas é
declarativo, e os estudantes precisam compreendê-los seletivamente. O
conhecimento declarativo, no entanto, é apenas a primeira parte da história.
Nós não adquirimos conhecimento apenas para que possamos falar sobre
ele para outras pessoas; mais especificamente, nossos estudantes não adquirem
conhecimentos para que eles possam nos contar – em suas próprias palavras,
claro – o que nós recentemente dissemos a eles/as. Os/as estudantes precisam
colocar esse conhecimento para trabalhar, transformá-lo em algum funcional. A
compreensão faz com que você veja o mundo de forma diferente e comporte-se
diferentemente com relação àquela parte específica do mundo. Esperamos que
advogados tomem boas decisões legais, que médicos façam diagnósticos
acurados, que físicos pensem e se portem como físicos. Após se formarem,
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independentemente de suas escolhas profissionais, os/as estudantes devem
olhar para a porção do mundo sobre a qual decidiram agir de forma diferente,
agir de forma diferente sobre ela, com sabedoria e expertise. Assim, apenas dizer
aos estudantes sobre um determinado aspecto do mundo, solicitar que eles/as
leiam a respeito, não fará com que a maioria deles alcance tais objetivos. Talvez
“bons estudantes” consigam transformar esse conhecimento declarativo em
conhecimento funcional/procedural, mas a maioria não irá caso não seja
requerida explicitamente a fazê-lo.
Nesse sentido, nós temos que expressar os objetivos de tal modo que eles
requeiram que os estudantes demonstrem sua compreensão, não apenas nos
dizendo a respeito dos fatos por meio de exames de checagem. O primeiro passo
no desenvolvimento dos objetivos curriculares, assim, é tornar claro quais
níveis de compreensão esperamos que os/as estudantes alcancem acerca de
cada tópico, bem como explicitar como essa compreensão será objetivada em
termos de performance.
É bastante útil pensar em termos de verbos apropriados. Genericamente,
verbos que expressam altos níveis cognitivos incluem: refletir, hipotetizar,
resolver problemas complexos, gerar novas alternativas, etc.
Verbos de baixo nível cognitivo incluem: descrever, identificar, memorizar
etc. Cada disciplina e tópico terão, evidentemente, seus verbos mais apropriados
para expressar diferentes níveis de compreensão, de modo que o conteúdo seja o
objeto sobre o qual o verbo é aplicado.
Incorporar esses verbos nos objetivos de aprendizagem nos fornece marcos
de referência para coerência do sistema. Os mesmos verbos devem guiar as
atividades de ensino e de aprendizagem, bem como as atividades avaliativas.
Eles nos mantém focados na mesma direção.
Escolhendo as atividades instrucionais e de aprendizagem

As atividades instrucionais e de aprendizagem, muitas vezes, são restritas


a palestras e tutoriais: palestras para expor e sumarizar, e tutoriais para
clarificar e expandir. No entanto, esses contextos não necessariamente

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promovem procedimentos cognitivos de alto nível. Os estudantes podem
facilmente se perder em ouvir passivamente e memorizar seletivamente.
Existem diversas outras formas de encorajar atividades de aprendizagem
apropriadas, mesmo em salas de aulas grandes, ao passo que uma série de
atividades podem ser agendadas fora da sala de aula, especialmente, mas não
apenas utilizando tecnologias educacionais.
Avaliando as aprendizagens dos estudantes
As suposições e práticas avaliativas de professores geralmente causam
mais dano ao desvirtuar o ensino do que qualquer outro fator isolado. Conforme
Ramsden (1992) propôs, a avaliação é o currículo, ao menos no que diz respeito
aos estudantes. Eles irão aprender aquilo no que acreditam que serão avaliados,
e não o que está descrito nas prescrições curriculares, ou mesmo aquilo que foi
“coberto” em sala de aula. O “segredo”, assim, é assegurar que a avaliação reflita
exatamente os objetivos de aprendizagem.

Para o/a professor/a, a avaliação encontra-se ao final da sequência


ensino-aprendizagem, mas para o estudante, ela está no começo. Se os objetivos
de aprendizagem (o currículo) estão refletidos na avaliação, tal como indicado
pela seta descendente na figura, as atividades instrucionais e as atividades de
aprendizagem estarão ambas direcionadas para o mesmo objetivo. Ao se
prepararem para as avaliações, os estudantes aprenderão sobre os aspectos do
currículo que efetivamente espera-se que eles/as aprendam. O jogo
“manipulador” do estudante de psicologia apresentado no começo do texto, com
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suas duas páginas de escrita de fatos, acaba por esvaziar-se do princípio.
Assim, conectar as performances individuais com os critérios não é uma questão
de escolher uma estratégia para atribuição de notas, mas uma forma de realizar
julgamentos holísticos. Essa é uma questão controversa com a qual lidamos em
outra publicação (BIGGS, 2003). Apenas deixe-me dizer que os objetivos de
aprendizagem não podem ser sensivelmente expressos em termos de notas. O
que espera-se que os/as estudantes aprendam ao final do processo se refere
mais à qualidade da performance que se busca alcançar, e isso é o que precisa
estar claro, de modo que as evidências dessa aprendizagem possa efetivamente
ser julgada com relação aos critérios de qualidade. Se isso não for feito, não
estamos alinhando nossos objetivos com nossas avaliações.
Conclusão
O alinhamento construtivo é mais do que avaliação referenciada a critério, que
alinha avaliação com objetivos de aprendizagem. Alinhamento construtivo inclui
isso, mas se diferencia ao (a) não focar tanto na conexão entre avaliação e
objetivos, mas primeiramente expressando os objetivos em termos de
aprendizagens esperadas que, então, definem as atividades avaliativas; e (b)
alinhar os métodos instrucionais com os objetivos de aprendizagem e com as
atividades avaliativas.
Referências
BIGGS, J. B. (2003) Teaching for quality learning at university. Buckingham:
Open University Press/Society for Research Into Higher Education (Second
Edition)
RAMSDEN, P. (1984). The context of learning. In MARTON, D. H.; ENTWISTLE, N.
The experience of learning. Edinburgh: Scottish Academic Press.
RAMSDEN, P. (1992) Learning to teach in higher education. London: Routledge.
SHUELL, T. J. (1986). Cognitive conceptions of learning. Review of Educational
Research, 56, 411-436

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