TOLEDO Caio Navarro de O Governo Goulart e o Golpe de 64
TOLEDO Caio Navarro de O Governo Goulart e o Golpe de 64
TOLEDO Caio Navarro de O Governo Goulart e o Golpe de 64
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ÚLTIMOS LANÇAMENTOS
lU .,1
O Que é:
71.
72.
CAPITAL INTERNACIONAL - Rabah Benakouche
POSITIVISMO - João Ribeiro Jr.
•
73. LOUCURA - João A. Frayze-Pereira
74. LEITURA - Maria Helena Martins I
75. QUESTÃO PALESTINA - Helena Salem I
76. PUNK - Antonio Bivar
77. PROPAGANDA IDEOLÓGICA - Nélson Jahr Garcia
78. MAGIA - João Ribeiro Jr. )
. 79. EDl)CAÇÃO FíSICA - Vitor Marinho de Oliveira
80. MÚSICA - J. Jota de Moraes
81. HOMOSSEXUALIDADE - Peter Fry e Edward MacRae
" 82. FOTOGRAFIA - Cláudio Araújo Kubrusly
83. POlÍTICA NUCLEAR - Ricardo Arnt
84. MEDICINA ALTERNATIVA - Alan índio Serrano
85. VIOLÊNCIA - Nilo Odália
86. PSICANÁLISE - Fábio Herrmann
87. PARLAMENTARISMO - Ruben Cesar Keinert
88. AMOR - BéttvMllarr
I 89. PESSOAS DEFicIENTES - João B. Cintra Ribas
90. DESOBEDIÊNCIA CIVIL- Evaldo Vieira
91. UNIVERSIl)ADE .: Luiz E. W. Wanderley
92. QUESTÃO DA MORADIA - Luiz C. Q. Ribeiro/Robert
M. Pechman
93. JAZZ - Roberto Muggiati
94. BIBLIOTECA - Luiz Milanesi
95.
96.
97.
PARTICIPAÇÃO - Juan.E. D. Bordenave
CAPOEIRA - Almir das Areias
UMBANDA - Patrícia Birman
J
98. LITERATURA POPULAR - Joseph M. Luyten
99. PA~EL - Otávio Roth
100. CONTRACUL TURA - Carlos A. M. Pereira
" \ brasiliense ..
=~lEITURASi::==== Caio Navarro de Toledo
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• A Renúncia de Jânio Quadros e a Crise Pré-64 - Moniz
Bandeira
• Desenvolvimento Capitalista no Brasil - Ensaios sobre a
Crise - Div. Autores
• Desenvolvimento e Crise no Brasil - L. C. Bresser Pereira
• Direitos Civis no Brasil, Existem? - Hélio Bicudo
o GOVERNO GOULART
• Economia Brasileira - Uma Introdução Crítica - L. C. Bresser E O GOLPE 64
Pereira
• Estado e Subdesenvolvimento Industrializado - L. C. 1~ edição 1982
Bresser Pereira
3~ edição
• PCB - 1922/1982 - Memória Fotográfica - Div. Autores
Capa:
123 (antigo 27)
Artistas Gráficos
Ilustrações: y
Emilio Damiani
Revisão:
José E. Andrade INDICE
Júlio D. Gaspar
jUO
editora brasiliense s.a.
01223 - r. general jardim, 160
são paulo - brasil
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UM GOVERNO
NO ENTREATO GOLPISTA
tuía-se no primeiro ato de uma trama golpista. Jul- golpistas e de um golpe político-militar, plenamente
gava o demissionário que os ministros militares não vitorioso, que existiu o governo João Goulart. Nos
apenas impediriam a posse de João Goulart, como seus dois anos e meio de vigência (setembro de 1961 a
também procurariam impor, juntamente com o mas- março de 1964), um novo contexto político-social
sivo e sonoro "clamor popular", o retorno do "gran- emergiu no país. Este novo quadro caracterizou-se
de líder". Na sua fantasia, Quadros voltaria, pois, por uma intensa crise econômico-financeira, fre-
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nos "braços do povo". qüentes crises político-institucionais, extensa mobi-
As ilusões do renunciante, contudo, logo se des- lização política das classes populares, ampliação e
vaneceram. Nem os ministros militares e, menos ain- fortalecimento do movimento operário e dos traba-
da, as. massas populares tomaram qualquer iniciativa lhadores do campo, crise do sistema partidário e
no sentido de reivindicar a volta de Quadros. Em acirramento da luta ideológica de classes.
várias partes do país, os setores populares e demo- Este período da história política brasileira é sig-
cráticos sairiam às ruas para defender, isto sim, a nificativo ainda pois nele se intensificam e se con-
posse de João Goulart, ameaçada por um arbitrário densam alguns dos impasses e dos conflitos da demo-
veto militar, plenamente respaldado pela UDN e de- cracia burguesa. Se entendemos que as contradições
mais setores conservadores. As manifestações popu- sociais são processos constitutivos da formação social
lares, associadas com as de políticos democráticos e capitalista e de seus regimes políticos, então o pe-
de militares nacionalistas, conseguiram impedir o ríodo de 1961/1964 deve ser visto como um momento
golpe militar que se configurava em agosto de 1961. privilegiado da vida política brasileira posto que nele
Assim, com a diferença de poucos dias, duas ocorreu uma polarização política e ideológica com
tentativas de golpe se sucediam: a de Jânio Quadros e , dimensões inéditas e com características singulares.
a dos setores militares. Três anos depois, tendo sido Para os que vêem nos conflitos e nos antagonismos o
alcançada uma forte coesão ideológica no seio das sinal da desagregação social, os "tempos de Goulart"
Forças Armadas, os militares impuseram, junta- só podem ser encarados como trágicos "tempos do
mente com a significativa mobilização política das
caos e da anarquia" .
classes dominantes e de setores das classes médias, 1964 é, pois, um marco divisor e uma referência
uma nova ordem político-institucional no país. Os
obrigatória em qualquer avaliação sobre o passado
setores populares e democráticos, a partir de então,
recente. Decorridos menos de 20 anos da queda do
pagariam um preço muito elevado pela resistência
regime liberal-democrático, não deixam de ser ainda
oferecida aos golpistas em 1961.
conflitantes as interpretações sobre o período Gou-
Foi, portanto, no entreato de alguns ensaios
lart. A nosso ver, motivações antagônicas parecem
10 Caio Navarro de Toledo
O veto militar
Com a renúncia de Jânio Quadros, o Congresso
Nacional, reunido extraordinariamente no dia 25 de
agosto de 1961, dava posse, na Presidência da Repú-
blica, a Ranieri Mazzilli (presidente da Câmara dos
Deputados). Tal solução era encontrada em virtude
de se encontrar ausente do país o vice-presidente da
República, João Goulart.
Imediatamente, os meios de comunicação do
país passavam a divulgar versões - cuja veracidade
seria confirmada nos dias seguintes - segundo as
quais haveria, da parte de expressivos círculos mili-
tares, uma forte oposição à posse constitucional de
João Goulart na Presidência da República. As notí-
cias iam mais longe: afirmava-se que os ministros
militares não apenas desaconselhavam o retorno ime-
diato de Goulart, como estavam decididos a detê-lo
lr
12 Caio Navarro de To/edo o Governo Gou/art e o Golpe de 64 13
vida alguma, no mais evidente incentivo a todos Foi um "deus nos acuda". Como admitir, num
aqueles que desejam ver o País mergulhado no caos, Ministério do Estado, indagavam os setores de di-
na anarquia, na luta civil". Todas estas "previsões" reita e liberais conservadores, o "chefe do peronismo
eram feitas na base do passado político de Goulart. brasileiro", o "demagogo sindicalista", o "corrupto
Na ótica dos militares e dos demais setores civis negociante"? Pior ainda, prognosticavam: contro-
golpistas, Jango simbolizava tudo aquilo que havia lando e manipulando a classe operária e as massas
de "negativo" na vida política brasileira: demagogo, populares, a partir do Ministério do Trabalho, Jango
subversivo e implacável inimigo da ordem capita- se constituiria numa peça importante para o sucesso
lista. Seria o "diabo" tão vermelho como o pin- de um novo golpe de Estado que estaria sendo engen-
11..
......,
militares alinhavam algumas acusações: "No cargo tanto, interpretavam nessa direção a trajetória polí-
de vice-presidente, sabido é que usou sempre de sua tica de João Goulart. Não viam, pois, razões para lhe
'I negar o direito de assumir a Presidência da Repú-
influência em animar e apoiar, mesmo ostensiva-
mente, manifestações grevistas promovidas por co- blica. Ideologicamente, estes setores afinavam-se
nhecidos agitadores. E, ainda há pouco, como re- com o nacionalismo reformista, com a liberal-demo-
presentante oficial em viagem à URSS e à China li
cracia, com a esquerda revolucionária. Governadores
Comunista, tornou clara e patente sua incontida ad- de estados, parlamentares federais e estaduais, sindi-
miração ao regime destes países, exaltando o êxito catos de trabalhadores, entidades de empresários
das comunas populares". (CONCLAP), estudantes e alguns setores militares, se .
Desta forma, na ótica dos políticos e militares, manifestavam em defesa da ordem constitucional.
comprometidos com as ideologias liberal-conserva- Dos governadores estaduais que declararam seu
dora e de direita, de nada adiantava Goulart reitera- apoio à posse de Goulart (Carvalho Pinto, São Paulo;
damente afirmar a sua crença no capitalismo. Dei- Ney Braga, Paraná; Mauro Borges, Goiás e Leonel
xavam, pois, de reconhecer que a atuação política de Brizola, Rio Grande do Sul), foram estes dois últi-
Jango (seja na condição de ministro de Trabalho, mos os que mais intensamente se empenharam na
seja na de vice-presidente) contribuía objetivamente "defesa da legalidade". Contudo, foi a partir de
para um melhor controle do Estado burguês sobre as Porto Alegre que se unificou a oposição nacional ao
atividades sindicais. Igualmente, aqueles setores dei- golpe militar, em virtude da decidida ação política de
xavam de perceber que - tal como concebia e exer- seu governador e da adesão do Hl Exército, sob o
cia suas funções políticas e administrativas - Jango comando do gal. Machado Lopes. Brizola mobilizou
era uma eficiente porta-voz, nos meios sindicais e amplos recursos de seu estado, chegando, inclusive,
populares, da ideologia populista do Estado protetor a se dispôr a distribuir armas à população civil para
e "acima das classes". Obstinadamente reacionários
e intransigentemente anticomunistas, não conse-
guiam deixar de representar Jango na figura de "pe-
rigoso agitador" e de "demagogo sindicalista".
I combater eventuais ataques das forças golpistas.
Através das emissões da "Rede da Legalidade",
acompanhava-se o desenrolar dos acontecimentos em
todo o país e articulava-se o movimento antigolpista
em nível nacional.
Militares nacionalistas (o mal. Lott fora preso
A luta pela legalidade por ter lançado um manifesto contra o golpe), altos
oficiais do Exército, organizações militares sedia das
Nem todos os setores sociais e políticos, no en- nos estados do Pará, Minas Gerais, Rio Grande do
18
Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 19
Sul, São Paulo, Goiâs, Guanabara e até mesmo em parlamentarista retirava a eleição do presidente da
Brasília, almirantes, associavam-se ao movimento República do âmbito popular, transferindo-a para o
contra a solução conspiratória. Apesar de proibidas e espaço reduzido da Câmara Federal.
reprimidas, manifestações populares sucediam-se Por 236 votos a favor e SS contra (40 eram do
nos grandes centros urbanos (passeatas, comícios, PTB), a emenda constitucional era aprovada no Con-
panfletagem, etc.). Várias entidades de classe conde- gresso Nacional. Os congressistas julgavam-se vito-
navam os golpistas e defendiam a posse de Goulart. riosos, pois afirmavam ter evitado uma "guerra civil"
Inúmeras greves políticas em diversos setores (têxtil, no país. Na verdade, o Congresso, através de sua
transportes, bancários, metalúrgicos, portuários, maioria conservadora e liberal-democrata - com o
etc.) culminam numa greve nacional em "defesa da incentivo dos militares dissidentes e com a anuência
legalidade", deflagrada pelo Comando Geral da Gre- dos golpistas -, adiantou-se em oferecer tal solução,
ve (CGG), embrião do CGT. A UNE decretou "greve pois o avanço das forças populares passava a se cons-
nacional"; na Bahia os estudantes criavam a Frente tituir numa ameaça política indesejável. Para os
de Resistência.Democrática. ideólogos burgueses da Ciência Política, o Congresso
Nacional, neste episódio, dava uma excelente lição
daquilo que denominam de "realismo político" ou da
A "solução de compromisso" "arte de conciliação".
o
Alguns analistas afirmam, hoje, que o parla-
o Congresso Nacional, expressando o senti- mentarismo não se configurava, naquela conjuntura,
mento geral dos setores democráticos e populares, como uma saída política inescapável. Argumentam
negava-se, no primeiro momento, a transigir com os que o tempo corria na direção favorável à manu-
golpistas. Contudo, os dois grandes partidos conser- tenção do regime presidencialista, posto que o cresci-
vadores (UDN e PSD) articulavam, desde as primei- mento da participação popular e a ampliação dos
ras horas da crise, a chamada "solução de compro- setores políticos e militares antigolpistas punham na
misso": a emenda constitucional que instituía o re- defensiva e em minoria as forças reacionárias. Como
gime parlamentarista no País. Se o golpe militar era sugere o ex-deputado Almino Afonso: "Com mais
derrotado, um golpe político, no entanto, era perpe- alguns dias de resistência política do presidente João
trado contra o regime vigente, pois a carta de 1946 Goulart teria havido a solução normal, que seria a
proibia, taxativamente, toda e qualquer reforma sua posse dentro do sistema presidencial". Ao con-
constitucional num clima insurrecional. Um outro trário disso, João Goulart não apenas concordou com
significado deste "golpe branco" é que a emenda a emenda constitucional, como se apressou em esco-
Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 21
lO
lher uma solene efeméride nacional para ser empos- ele de tudo para abreviar a vida do novo regime.
sado. No dia 7 de setembro de 1961, João Belchior Recusava-se a representar o papel de uma "Rainha
Marques Goulart recebia no Congresso Nacional a Elizabeth". Queria governar, não apenas reinar ...
faixa presidencial, sob o manto do regime parlamen-
tarista.
De acordo com a emenda parlamentarista, o
Poder Executivo passava a ser exercido pelo presi-
dente da República e por um Conselho de Ministros
(Gabinete Parlamentar), a quem caberia a "direção
e a responsabilidade da política do governo, assim
como a administração federal". Ao presidente com-
petiria nomear o presidente do Conselho de Minis-
tros (primeiro-ministro) ou chefe do governo e, por
indicação deste, os demais membros ministros de
Estado. Na verdade, transformava-se o presidente da
República em autêntico chefe de Estado, perdendo a
sua iniciativa de elaborar leis, orientar a política
externa, elaborar propostas de orçamentos, etc. O
governo se efetivava fundamentalmente através do
Conselho de Ministros que, por sua vez, dependia
permanentemente do voto de confiança do Congresso
Nacional. A emenda constitucional n? 4, nas suas
Disposições Transitórias, previa a realização de um
plebiscito que viesse a decidir acerca da "manu-
tenção do sistema parlamentar ou volta ao sistema
presidencial". Tal consulta popular devia ocorrer
nove meses antes do término do período presidencial
de Goulart.
Sob rédeas relativamente curtas, João Goulart
iniciava, assim, seu governo na versão parlamenta-
rista. Mas, conforme confessaria a um assessor, faria
•
o Governo Goulart e o Golpe de 64 23
~
26 Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 27
ao ideário do nacionalismo desenvolvimentista" (Ci- tica externa independente cujos princípios básicos
bilis Viana, op, cit.). Segundo este programa, por ("não intervenção de um Estado nos negócios inter-
exemplo, não se fazia nenhuma crítica à reforma nos de outro" e "autodeterminação dos povos") fo-
cambial implementada pelo governo anterior. Não ram enunciados no governo do contraditório Jânio
seria este, no entanto, o pensamento que orientava a Quadros.
assessoria econômica de Goulart (Goulart e Tan- Exatamente dois meses depois, uma prova deci-
credo tinham assessorias distintas). Composta de pe- siva teria de enfrentar a política externa indepen-
tebistas e nacionalistas-reformistas, a assessoria de dente do Brasil. Em Punta del Este, Uruguai, reu-
Goulart buscaria influir sobre a orientação conser- nia-se a Organização dos Estados Americanos (OEA)
vadora do gabinete ao defender, por exemplo, o for- a fini de debater a situação de Cuba, após seu go-
talecimento do setor estatal da economia. Nos seus verno revolucionário ter-se definido oficialmente pelo
primeiros pronunciamentos, Goulart faria críticas ao socialismo. Além da expulsão, proposta pelos EUA,
regime de "verdade cambial" e postularia a reali- pretendiam estes fazer aprovar sanções contra o go-
zação das Reformas de Base. verno presidido por Fidel Castro. O Brasil se opôs a
Embora majoritariamente conservador, o gabi- qualquer forma de sanção (militar, econômica, rom-
nete de Tancredo Neves, logo nos seus primeiros pimento das relações comerciais e diplomáticas) con-
meses de existência, tomou duas decisões ampla- tra Cuba. No entanto, aprovou uma declaração onde
mente apoiadas pelos setores progressistas e nacio- se afirmava a "incompatibilidade entre um regime
nalistas. A rigor, contudo, estas duas medidas nada marxista-leninista e os princípios democráticos do
mais faziam do que concretizar estudos oriundos do sistema interamericano". Cedendo parcialmente às
governo Quadros. Por proposta do ministro das Mi- fortes pressões norte-americanas, o governo brasi-
nas e Energia, Gabriel Passos (um nacionalista qua- leiro se absteria na votação que propunha a expulsão
se solitário na "constelação entreguista" da UDN), de Cuba da OEA.
o Conselho de Ministros cancelava todas as au- As relações norte-americanas/brasileiras sofre-
torizações feitas ao truste norte-americano Hanna riam ainda um sério abalo quando, duas semanas
Corporation (companhia de mineração que explo- após o encerramento da reunião da OEA, o gover-
ravajazidas em Minas Gerais). A outra decisão que nador Leonel Brizola, cunhado de João Goulart, de-
repercutiu favoravelmente nos meios progressistas do sapropriou os bens da Companhia Telefônica Nacio-
país foi o restabelecimento das relações diplomáticas nal, no Rio Grande do Sul, subsidiária da Interna-
com a URSS (rompidas no governo Dutra, em plena tional Telephone & Telegraph (lTT). "O Departa-
"guerra fria"). Dava-se, assim, continuidade à poli- mento do Estado protestou, energicamente, classi-
28 Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 29
ficando o ato de Brizola como um 'passo atrás' nos enfaticamente a participação do capital privado es-
planos da Aliança para o Progresso (. .. ). E o Con- trangeiro no desenvolvimento brasileiro; aprovou o
gresso dos EUA, diante da perspectiva de outras princípio da "justa compensação" nos casos de desa-
estatizações, votou a emenda Hinckenlooper, que propriações de empresas estrangeiras operando no
determinava a suspensão de qualquer ajuda aos paí- Brasil, etc. Embora revelasse preocupações quanto
ses que desapropriassem bens americanos, sem inde- às dificuldades de execução do programa reformista
nização imediata, adequada e efetiva" (Moniz Ban- da Aliança para o Progresso, Goulart elogiou a ini-
deira, O Governo João.Goulart). ciativa de Kennedy (provocada pela Revolução Cu-
Diante de futuras tentativas de encampações bana). Advertindo sobre os perigos que representaria
(Carlos Lacerda, governador da Guanabara, anun- o fracasso deste programa para os "povos democrá-
ciou - demagogicamente - que expropriaria em- ticos", o presidente brasileiro fez seu o ideário refor-
presas estrangeiras em seu estado), o governo federal mista de Kennedy: "Aqueles que tornarem impossí-
apressou-se em declarar sua disposição em negociar vel a revolução pacífica, farão inevitável a revolução
um acordo geral com as empresas de serviços públi- violenta" .
cos de propriedade estrangeira. Procurava, assim, o Apesar de todas as "juras de fidelidade e de
governo brasileiro demonstrar sua "boa vontade" amor" feitas por Goulart à democracia e ao capital
face ao capital estrangeiro; ao mesmo tempo tentava estrangeiro, o país pouco lucraria com a festejada
limpar o terreno dos possíveis obstáculos que pode- viagem de Goulart aos EUA e México. Como obser-
riam dificultar as conversações a serem mantidas, vou um estudioso: "(. .. ) o FMI e os outros principais
nas semanas seguintes, entre os presidentes do Brasil credores do Brasil voltaram à sua atitude de esperar-
e dos EUA. para-ver dos últimos anos do governo Juscelino. Sen-
Assessorado pelo embaixador brasileiro nos tiam-se pessimistas. Não confiavam em que Jango
EUA, Roberto Campos, e por Moreira Salles, o pre- tivesse o desejo, nem o poder de continuar. o duro
sidente Goulart - no discurso pronunciado perante programa antiinflacionário empreendido por Jânio"
o Congresso norte-americano e no comunicado con- (Thomas Skidmore, De Getúlio a Castelo).
junto dos presidentes do Brasil/EUA - procura
tranqüilizar a opinião pública e os homens de negó-
cios norte-americanos quanto aos caminhos a serem
trilhados pelo governo brasileiro nos próximos anos.
Entre outros temas, Goulart manifestou a adesão de
seu governo aos "princípios democráticos"; defendeu
30 Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 31
ciações para a libertação dos líderes sindicais repri- exigia, também, a sanção da Lei de Remessa de
midos pela polícia do reacionário governador da Lucros (aprovada pelo Congresso mas ainda não re-
Guanabara, Carlos Lacerda (S. Amad Costa, CGT e gulamen tada pelo Executivo), a elevação dos níveis de
as Lutas Sindicais Brasileiras). A greve - conside- salário mínimo na base de 1000/0, etc. Posto que o
rada pelo líder comunista Jover Telles como a maior governo prometeu realizar estudos no sentido de
da história do movimento operário brasileiro - foi atender àquelas reivindicações, o Comando Geral do
igualmente vitoriosa pelo fato de o presidente Gou- Trabalhadores (CGT), recentemente criado, sus-
lart sancionar, uma semana depois, a lei que insti- pendia a greve.
tuiu o 13? salário, uma das principais reivindicações A segunda importante iniciativa do Gabinete
da greve geral. Brochado da Rocha consistiu numa mensagem en-
O novo gabinete, presidido por Brochado da viada ao Congresso na qual se solicitava a autori-
Rocha (PSD), recebia voto de confiança no dia 13 de zação deste para que o Conselho de Ministros pu-
julho. Tratava-se de um gabinete de centro com desse legislar, através de decretos, sobre as Reformas
orientação reformista. Nos seus dois curtos meses de de Base, remessa de lucros, regulamentação do di-
existência, este conselho distinguiu-se basicamente reito de greve, abuso do poder econômico, etc. Ex-
por duas iniciativas políticas. A primeira consistiu pressando os interesses dos proprietários e das asso-
num projeto de lei enviado ao Congresso visando ciações rurais, bem como da burguesia associada ao
antecipar a realização do Plebiscito; propunha-se o capital multinacional, a aliança PSD/UDN fechava
dia 7 de outubro, data marcada para as eleições da a questão contra a "delegação de poderes" pedida
renovação do Congresso e escolha de alguns gover- pelo gabinete. Prevendo a iminente derrota no ple-
nadores de estado. Nova derrota de Goulart e do nário do Congresso, Brochado da Rocha demitiu-se.
gabinete; nova greve geral seria decretada pelas lide- Desta forma, o Congresso cedia quanto à convocação
ranças sindicais. Embora tivesse uma extensão me- do Plebiscito, mas a sua maioria não abriria mão de
nor do que a anterior, a greve foi igualmente vito- sua condição de intransigente defensora dos inte-
riosa pois, na madrugada de 1S de setembro (data resses das classes proprietárias e dos setores politi-
fixada para a paralisação dos trabalhadores), o Con- camente conservadores e de direita. Uma vez mais,
gresso aprovou um projeto conciliador dos pesse- Brizola se encarregaria de expressar a insatisfação r-
distas Gustavo Capanema e Benedito Valadares. O dos movimentos populares e das correntes políticas
Plebiscito, finalmente, tinha agora seu dia definido: nacionalistas e de esquerda: "O povo não poderia
6 de janeiro de 1963. No entanto, a greve não reivin- esperar outra coisa de um Congresso constituído, em
dicava apenas a convocação do referendum popular; sua maioria, de latifundiários, financistas, ricos co-
36 Caio Navarro de Toledo
o Governo Goulart e o Golpe de 64 37
contrapartida, inúmeras foram as entidades e orga- contra o regime parlamentarista - comandada por
nizações que se empenharam na batalha política pelo Goulart e financiada por setores da burguesia brasi-
retorno do presidencialismo. Importantes figuras po- leira -, cerca de 13 milhões de eleitores compa-
líticas nacionais (algumas delas particularmente in- reciam às urnas. Numa proporção de 5 votos para 1,
teressadas em se candidatar, em eleições diretas, rejeitava-se o regime implantado na crise político-
para a sucessão presidencial de Jango) apoiaram os- militar de agosto de 1961.
tensivamente a derrubada do regime parlamenta- I~
O regime parlamentarista fracassou pois se reve-
rista .. Entre eles se incluíam Juscelino Kubitschek, lou altamente ineficaz do ponto de vista administra-
Leonel Brizola, Cid Sampaio, Magalhães Pinto, Ju- tivo, como também pelo fato de ter-se constituído
raci Magalhães e Carlos Lacerda (a UDN, partido numa fonte permanente de crises institucionais e
dos três últimos, defendia a manutenção do parla- políticas. O caráter híbrido e dualista do sistema - o
mentarismo). presidente da República e o Conselho de Ministros,
Durante a campanha do Plebiscito, importantes além de disputarem o controle do Executivo, diver-
figuras da oficialidade militar posicionaram-se a fa- giam quanto aos seus programas e' prioridades de
vor da volta do presidencialismo. Poucas razões igual- governo - dificultava a tomada de decisões que a
mente tinham os trabalhadores para apoiarem o realidade econômica e social do país urgentemente
regime parlamentarista. Nas últimas semanas de demandava. Não se sustentam, pois, aquelas inter-
1962, a CNTI (Confederação Nacional dos Traba- pretações que atribuem exclusivamente à "má von-
lhadores na Indústria) conclamava os trabalhadores tade" ou ao "desinteresse" de Goulart a responsabi-
brasileiros a comparecer ao referendum: "Todos, no lidade pela "triste sorte" que veio a ter o parlamen-
dia 6 de janeiro de 1963, assinalem o NÃO: NÃO à tarismo no país. Ressalte-se que o gabinete presidido
espoliação do país; NÃO aos exploradores do povo; por Brochado da Rocha buscou agilizar as decisões
NÃO à carestia e à fome. Portanto, companheiro, no campo administrativo e econômico; mas as Refor-
um NÃO grande ao parlamentarismo". A rigor, para mas de Base e outras medidas que estavam previstas
os trabalhadores, a luta pela retomada do presiden- para serem implementadas esbarraram na intransi-
cialismo significava, simplesmente, dar um "voto de gente oposição da aliança PSD/UDN. O Congresso
confiança" ao presidente da República que vinha que encerrava a sua legislatura em 1962, sendo majo-
defendendo publicamente a realização de reformas ritariamente conservador, constituiu-se, assim, num
fundamentais na estrutura da sociedade brasileira. forte obstáculo ao encaminhamento de políticas de
No dia 6 de janeiro de 1963, depois de uma caráter reformista oriundas do Executivo (seja da
intensa e dispendiosa campanha político-publicitária Presidência da República, seja do Gabinete).
40 Caio Navarro de Toledo
mento do PIB(em torno de 7%) alcançadas durante o mais, amortizar dívidas com a entrada de capitais
período de 1957 a 1961. -Como reconheciam os setores estrangeiros agravaria ainda mais o nosso endivida-
de esquerda, o Plano constituía-se num avanço em mento no exterior. Para as esquerdas, o Plano cons-
relação às teses ortodoxas dominantes, pois buscava tituía-se numa nova capitulação ao latifúndio e ao
combater o processo inflacionário "sem sacrifício do imperialismo: não se propunha a eliminação dos sub-
desenvolvimento". 'Paralelamente a estes dois obje- sídios ao setor latifundiário-exportador nem se reco-
tivos principais, o Plano pretendia contribuir para nhecia o papel inflacionário representado pelas re-
uma melhor distribuição dos frutos do desenvolvi- messas ao exterior de "juros, lucros e royalties , e a
mento econômico, juntamente com "a redução das entrega de enorme soma de recursos públicos às
desigualdades regionais de níveis de vida". Enfati- grandes companhias estrangeiras, diretamente e atra-
zava, porém, o Plano Trienal, que se o processo vés de isenções de impostos e favores cambiais" (H.
inflacionário não fosse reduzido a limites toleráveis, Hoffmann, "O Plano Trienal e a Inflação", in Estu-
o País - com uma iminente hiperinflação (prevista dos Sociais, n? 16).
em 100% para fins de 1963,caso o plano de estabi- Em relação ao setor público, a estratégia ado-
lização falhasse) - teria toda a sua atividade econô- tada para reduzir a pressão inflacionária consistia
mica paralisada e, conseqüentemente, passaria a ser num "conjunto de medidas de ação convergente".
o palco de perigosas lutas sociais. Destacava, contudo, a "redução do dispêndio pú-
Tanto a análise feita pelo Plano sobre as causas blico programado" como o mais importante fator
do processo inflacionário, como as soluções ali apon- responsável pela inflação no País. Contra esta pers-
tadas, não deixariam de ser objeto de intensas polê- pectiva, críticos à esquerda advertiam: "( ... ) o nível
micas. Do lado do setor externo, admitiam as es- de gastos públicos não pode ser comprimido se se
querdas que era correta a afirmação segundo a qual quer que a economia se desenvolva" (Paul Singer,
a inflação era provocada pela drenagem de recursos Análise Crítica do Plano Trienal). Como se verá mais
para o exterior (através da "deterioração das relações adiante, a realidade não deixará de dar razão a esses
de trocas") e pela transferência de renda (na forma críticos.
de subsídios' governamentais) para o setor expor-
tador. Contudo, os "remédios" propostos - "refi-
nanciamento da dívida externa" e "entrada de recur-
sos externos" para a amortização de empréstimos
anteriormente contraídos - eram praticamente ine-
ficazes como medidas antiinflacionârias; além do
46 Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 47
Plano Trienal e o Combate à Inflação", Novos Ru- Trienal" (C. Lessa, op. cit.).
mos, fevereiro de 1963). Os aspectos antinacionais da política econô-
As criticas avolumaram-se e se intensificaram a mico-financeira do governo Goulart ficariam tam-
1
partir do momento em que as conseqüências da polí- bém evidenciados quando das conversações entre
tica de eliminação de subsídios ao trigo e ao petróleo Brasil e EUA acerca da negociação da assistência
(uma das medidas prioritárias no combate à infla- econômica norte-americana e refinanciamento da dí-
ção) começaram a ser sentidas pelos setores popu- vida externa. Em março de 1963, San Tiago Dantas
lares. Em fevereiro, calculou-se que o fim da política viajava a Washington com um forte argumento para
de subsídios aumentaria o custo do transporte em convencer o governo norte-americano a fornecer as-
40% e o preço do trigo e do pão em 177%. Nos três sistência financeira ao Brasil: o Plano Trienal era a
primeiros meses de 1963, o índice geral dos preços decisiva prova de que o País passava a se enquadrar
subiu 16%, enquanto no mesmo período de 1962 o dentro do receituário econômico-financeiro propug-
índice de aumento foi de 8%. A condenação ao Pla- nado pelo governo dos EUA e pelo FMI. Mas os
no, unânime por parte dos setores sindicais e popu- EUA, além de exigirem um compromisso formal por
lares e das organizações políticas de esquerda (CGT, parte do governo brasileiro de que o plano "não
PUA, FPN, UNE, "grupo compacto" do PTB, etc.), ficaria apenas no papel", impuseram ainda uma no-
iria ter repercussões dentro do próprio Ministério, na va condição para a concessão do empréstimo solici-
medida em que a "diretriz de Almino Afonso no tado: o governo Goulart deveria resolver com a má-
Ministério do Trabalho, ao fortalecer as direções xima-urgência a questão da desapropriação da AM-
operárias mais independentes, como o CGT, PUA, FORP (American Foreign Power, subsidiária da
etc., colidiu com os interesses de Goulart" (Moniz Bond & Share). Duas cartas de Goulart foram entre-
Bandeira, op. cit.). -Do lado dos empresários (parti- gues a Kennedy por intermédio de San Tiago Dan-
cularmente da poderosa indústria automobilística tas: nelas o governo brasileiro comprometia-se a
concentrada em São Paulo) havia "queixas genera-
lizadas de falta de crédito". Diante das "violentas 1 cumprir as duas exigências norte-americanas. (Entre
os políticos norte-americanos circulava a versão de
criticas" destes setores - encampadas pela própria que a chamada "ajuda externa" dos EUA era fre-
CNI - haverá, no segundo trimestre de 1963, o qüentemente desperdiçada pela má administração
relaxamento da política monetária que fará os meios dos governos latino-americanos. No caso brasileiro,
de pagamento crescerem de 179,4 bilhões de cru- deixava, pois, de ser informado que, "na verdade, o
zeiros contra a expansão projetada de 74,1 bilhões, que ocorria não era uma transferência de capitais dos
"o que afetou definitivamente o esquema do Plano EUA para o Brasil e, sim, ao contrário, um escoa-
Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 51
50
mento de recursos do Brasil para os EUA". Entre dos de 1963. Embora os "brios nacionalistas" do
1947 e 1960 entraram (empréstimos e investimentos) governo brasileiro fossem feridos - noticiou-se que
USS 1.814 milhões e "saíram no mesmo período ... San Tiago Dantas ameaçara abandonar as negocia-
USS 2.459 milhões sob a forma de remessas de lucros ções com os EUA -, "razões pragmáticas" fizeram
e juros, deixando um saldo negativo da ordem de com que as imposições norte-americanas fossem acei-
USS 645 milhões" que, "acrescidos de USS 1.022 tas, conforme se verificou através do acordo Dantasl
milhões, sob a rubrica Serviços, ou seja, remessas de BeB.
lucros clandestinas, perfaziam um total de USS 1.667 O caso da compra da AMFORP - o "escândalo
milhões. Em suma, num período de 13 anos, um da AMFORP" como ficou conhecido na imprensa da
volume considerável de dólares foi transferido do época - transformou-se em grave problema político
Brasil para os EUA. Rigorosamente, exportávamos para a administração Goulart. Enquanto retirava os
muito mais capitais do que recebíamos" - Moniz subsídios para o trigo e o petróleo e cortava alguns
Bandeira, op. cit.) :, investimentos públicos, sob o pretexto de combater a
Para tornar ainda mais complicada a situação inflação, o governo brasileiro anunciava, em fins de
do governo brasileiro nas negociações de Washing- abril, que se ultimavam os entendimentos para a
ton' um porta-voz do Departamento de Estado - compra da AMFORP (que congregava 12 empresas
baseado nos relatórios de Mr. Gordon enviados regu- de serviços públicos). San Tiago Dantas e Roberto
larmente da embaixada norte-americana no Brasil - Campos (que a esquerda nacionalista ironicamente
alertava a opinião pública de seu país sobre a "peri- chamava de "Bob Fields", .por ser ele um "refinado
gosa atuação de comunistas" dentro da assessoria entreguista") tinham acertado com os representantes
técnica de Goulart. Apesar das duas cartas do go- da empresa norte-americana o valor da transação:
verno brasileiro (onde se garantia o acatamento às 188 milhões de dólares. Na mesma ocasião, um gru-
exigências norte-americanas) e de uma solene decla- po de trabalho integrado por técnicos brasileiros
ração oficial que negava a existência de "esquer- (CONESP) - dissolvido logo a seguir por Goulart -
distas" na assessoria governamental, os EUA apro- avaliava os bens da AMFORP em torno de 57 mi-
varam um empréstimo de apenas USS 84 milhões, lhões de dólares. Para os setores nacionalistas, esta-
prometendo USS 314,5 milhões para o ano fiscal de va-se diante de uma imensa negociata, pois, além do
1964, caso as medidas de contenção inflacionária preço extorsivo, as 12 usinas norte-americanas esta-
fossem efetivamente aqui aplicadas; antes, contudo, vam obsoletas, constituindo-se em verdadeiro "ferro
deveriam elas ser aprovadas por uma comissão do velho". Tais denúncias tiveram ampla repercussão
FMI, cuja visita ao Brasil estava prevista para mea- política. Goulart recuou, protelando a realização da
Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 53
52
desenvolvimento de outra etapa da economia brasi- muito melhor defendida, e simultaneamente possibi-
leira" (Octavio Ianni, Estado e Planejamento Econô- lidades maiores seriam abertas a mais gente de co-
mico no Brasil); significava isso - conforme o reco- mer mais, de se educar melhor, de viver mais digna-
nhecimento do próprio Plano Trienal - que as Re- mente. Por isso é que Iango, latifundiário, queria
formas de Base eram indispensáveis, ao lado do pla- fazer a Reforma Agrária para defender a proprie-
nejamento, a fim de que o capitalismo industrial dade e assegurar a fartura, evitando o desespero
brasileiro pudesse alcançar um nível de desenvol- popular e a convulsão social" (Darei Ribeiro, "Go-
vimento superior. Afirmava o Plano, por exemplo, verno Goulart caiu por suas qualidades, não por seus
que as reformas fiscal e agrária eram essenciais se se defeitos", in A História Vivida II - O ESP, grifos
pretendesse a "eliminação de entraves institucionais nossos).
à utilização ótima dos fatores de produção". Razões Apesar de não ter nenhum sentido revolucio-
econômicas e sociais impunham a urgente realização nário, correspondendo, pois, de um lado, às neces-,
das reformas, dentre elas a que mais debates provo- sidades da consolidação do capitalismo industrial e,
cou naquele período: a Reforma Agrária. de outro lado, à estratégia da dominação social bur-
De um lado, era preciso aumentar a produção guesa, a Reforma Agrária proposta por Goulart será
agrícola (alimentos que suprissem as demandas da objeto de intensa e constante oposição por parte dos
população urbana em crescimento; matérias-primas proprietários rurais e seus setores políticos, de seto-
para a expansão industrial, etc.), ao mesmo tempo res da Igreja Católica, etc. (Recorde-se que, no pe-
que se buscava criar um mercado interno mais amplo ríodo parlamentarista, idêntica foi a reação desses
para os bens manufaturados. De outro lado, pre- grupos. A diferença estava no fato de que naquele
vendo-se situações incontroláveis de tensões e distúr- momento Goulart não tinha ainda formulado oficial-
bios sociais, propunha-se uma melhor redistribuição mente a sua proposta de Reforma Agrária e de Re-
da terra (em m'ãos de um reduzido número de lati- forma Constitucional.) Tais setores não admitiam,
fundiários e freqüentemente mantida de forma im- por exemplo, a alteração dos preceitos constitucio-
produtiva). É exemplar a este respeito o testemunho nais sob a alegação de que - caso isso viesse a
de um dos mais íntimos colaboradores de Goulart, ocorrer - corria-se o risco de ser invalidado o esta-
acerca da concepção que este defendia de Reforma tuto da propriedade privada no Brasil..; Além do
Agrária: "( ... ) o que Jango tentava fazer não tinha mais, conforme assinalou um historiador, as demais
nada de muito ousado nem de radical. Ele dizia reformas propostas (eleitoral, educacional, etc.) po-
sempre que, se o número de proprietários rurais fosse deriam implicar a "alteração do equilíbrio político"
elevado de 2 para 10 milhões, a propriedade seria que permitia até então a hegemonia das forças con-
o Governo Goulart e o Golpe de 64 57
56 Caio Navarro de Toledo
emenda seria rejeitada na Comissão Especial da Câ-
servado.ras e de direita, particularmente no. Legisla- mara, no. mês de maio. Em Plenário, a emenda foi
tivo. A preocupação política maior das classes domi- derrotada, em outubro, graças à aliança PSD e UDN
nantes diante das possíveis mudanças no. campo. são. ....,...
após intensa mobilização dos proprietários rurais,
ressaltadas por uma estudiosa: "Havia, sem duvida, comandados principalmente pela Confederação Ru-
o. íncontrolâvel temor de se ver ingressar na cena ral Brasileira (CRB).
política camadas sociais constituídas em 'clientelas Corno ainda observaria a autora acima, a partir
políticas' que pudessem ser enquadradas, tal como o. do. veto. na Comissão Especial, os setores naciona-
fora a classe operária com Getúlio. Vargas. Tais te- listas desencadeariam uma campanha de pressão. na-
mores eram, sem dúvida, realimentados pela acele- cional sobre o. Congresso para a imediata aprovação
ração. da eclosão de conflitos rurais, que cada vez das reformas, Através de comícios, passeatas, mani-
mais se orientavam para a ocupação de terras" (As- festos, os setores nacionalistas e populares exigem
pâsia Camargo, op. cit.). "reformas já!", ao. mesmo. tempo. que denunciam o.
Enquanto. setores do. PSD - apesar dos fortes reacionarismo do. Congresso controlado pelo. PSD/
compromissos do. partido. com os proprietários rurais UDN e pelo. "milionário IBAD". (Brizola diria que o.
_ chegaram, num primeiro.' momento, a aceitar a PSD e a UDN, ao. exigirem o.pagamento. prévio. e em
discussão. do. anteprojeto do. Executivo, a UDN fe- dinheiro, tornavam a questão. agrária em autêntico.
chava a questão. contra qualquer alteração. constitu- "negócio. agrário".)
cional, Mas, a posição do. PSD será outra a partir da De o.utro. lado, após ter sido. batido. na Comissão
Convenção da UDN realizada em abril de 1963. (Na Especial, Goulart - apesar das fortes críticas vindas
cronologia dogolpe de 64, esta reunião. da UDN teve dos grupo.s nacionalistas e de esquerda - volta-se
um papel decisivo: nela, ilustres figuras do. partido. novamente para o. PSD. Em busca de apoio, aceita
defenderam a intervenção. das Forças Armadas e dos mudanças no. anteprojeto de Reforma Agrária do.
EUA a fim de porem termo. ao. "comunismo legal" de Executivo; a fi:m de torná-lo "menos radical" e, as-
Goulart.) Influenciado. pelas manifestações das cha- sim, aceitável para o. conservadorismo do. PSD. Para
madas "bases" da' UDN, o. PSD recuará definiti- isso, afastou toda a "assessoria gaúcha", vinculada
-, vamente face às suas primeiras conversações com o. politicamente a Leonel Brizola, que não. concordava
governo. Tal fato. mostrou-se de forma evidente na em fazer "concessões programâticas" no. antepro-
votação da "emenda Bocaiúva" (emenda constitu- jeto. Porém, serão. infrutíferos os esforços do. novo
cional, apresentada pelo. PTB, que buscava tornar ministro. da Justiça, Abelardo Jurema, figura de re-
financeiramente viável a Reforma Agrária). Por 7 levo. do. PSD, a quem foi atribuída a específica tarefa
votos (PSD, UDN e PSP) co.ntra 4 (PTB e PDC), a
S8 Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 S9
de articular a antiga aliança PSD/PTB. (Jurem a sin- governo se consumia em sucessivas crises políticas.
tetizaria a visão conciliadora do governo através de Como assinalavam os observadores políticos, havia
uma famosa frase: "O PSD sem o PTB irá para a - do ponto de vista administrativo - "uma pasma-
reação; o PTB sem o PSD irá para a Revolução".) ceira geral contaminando todas as hostes governis-
Idêntica missão foi confiada a Tancredo Neves (PSD) tas"; da mesma forma, o Congresso apresentaria em
ao ser indicado líder da bancada do Governo na 1963 um dos seus períodos de maior improdutividade
Câmara. Porém, o fosso entre o PTB e o PSD apro- legislativa. Esta realidade dava munição aos setores
fundava-se na razão direta da aproximação deste de direita que alardeavam a "incompetência admi-
com a UDN, os quais se alarmavam com a "agitação nistrativa" do Executivo e a "crise de autoridade".
social", a "desordem" e a "comunização crescente
do país" promovidas - segundo estes - por Goulart,
pelo PTB e pelas "forças subversivas" (CGT, UNE, o isolamento e debilidade
FMP, etc.).
De outro lado, os setores nacionalistas e de es- política do governo
querda, criticavam Goulart pela sua indecisão e inde-
finição em relação a uma série de medidas concretas A sucessão de crises políticas advinha das con-
de caráter nacionalista e popular que poderiam ser tradições em que se debatia o governo: ao mesmo
tomadas pelo governo, independentes de qualquer tempo que agitava a bandeira do nacionalismo e das
reforma constitucional. Entre essas medidas - al- Reformas - solicitando, pois, o apoio das massas
gumas delas defendidas pelo próprio presidente em populares e dos setores políticos de esquerda -,
seus discursos - ressaltavam as seguintes: regula- Goulart, por outro lado, protelava indefinidamente a
mentação da Lei de Remessa de Lucros (aprovada realização de medidas populares, afastava colabo-
pelo Congresso, mas "engavetada" pelo Executivo); radores ideologicamente progressistas, combatia os
nacionalização das concessionárias de serviços pú- setores independentes (não pelegos) do movimento
blicos, moinhos, frigoríficos e indústria farmacêu- sindical, condenava abertamente iniciativas políticas
tica; intervenção no mercado de gêneros alimentí- de esquerda (em abril de 1963, na cidade de Marília,
cios; monopólio das operações de câmbio pelo Banco SP, usou a típica linguagem de direita ao proibir um
do Brasil; monopólio das exportações de café pelo congresso "comuno-fidelista"). As concessões à rea-
IBC; ampliação do monopólio estatal do petróleo, ção não se reduzia~tes fatos, pois o governo reser-
vava os cargos mais importantes da administração
etc.
Administrativamente pouco se realizava, pois o federal (particularmente aqueles responsáveis pela
Caio Navarro de Toledo
o Governo Goulart e o Golpe de 64 ·61
60
I~
contra a Nação". A ira de Goulart e de seus ministros elaborada pelos militares, com a inteira complacên-
militares voltava-se particularmente contra o gover- cia de Goulart? Idêntica pergunta faziam as lide-
nador da Guanabara que, em entrevista a um jornal ranças sindicais e populares de todo o País acerca do
norte-americano (Los Angeles Times), havia ridicu- destino que viriam a ter as organizações em que
larizado a autoridade do presidente da República, militavam.
além de insinuar que os militares brasileiros estavam Embora por razões distintas, todos os grupos
confusos e desorientados diante de uma adminis- políticos e associações de classe - à direita e à
tração inteiramente "desastrosa" para o país. Coe- esquerda - opuseram-se à concessão do Estado de
rente com a "vocação golpista" de seu partido, Car- Sítio (apenas os setores "pelegos" do movimento sin-
los Lacerda conclamava o Departamento de Estado a dical e fração do PTB tradicionalmente fiel a Goulart
deixar de lado sua "passividade" face à grave situa- tentaram o apoio inútil à medida de força). Os seto-
ção em que se encontrava o Brasil, presidido por um res nacionalistas e de esquerda viam no Estado de
"totalitário à moda sul-americana" e que "descam- Sítio uma grave ameaça às liberdades democráticas e
bava para a esquerda". Não havia dúvida de que o aos movimentos progressistas. Afirmava, por exem-
Estado de Sítio objetivava, imediatamente, a inter- plo, uma nota do CGT: "Somos, por princípio, con-
venção na Guanabara e a conseqüente derrubada do trários ao Estado de Sítio porque entendemos que a
conspirador-mor da UDN. (Carlos Lacerda afirma- manutenção e ampliação das liberdades democrá-
ria, posteriormente, que havia escapado, naqueles ticas são meios insubstituíveis e necessários às lutas
dias, de um atentado por parte de um comando contra os inimigos do Brasil e aos interesses do
pára-quedista a mando de Goulart. Embora a de- povo". A direita, por seu lado, via no Estado de Sítio
núncia fosse negada por oficiais militares, a UDN e o uma tentativa de golpe tramada por Goulart a fim de
PSD conseguiram aprovar a constituição de uma permanecer no poder, tal como o fizera Getúlio Var-
Comissão Parlamentar de Inquérito a fim de apurar gas em 1937. Diferentemente da ditadura estadono-
I a denúncia de Lacerda.) Logo a seguir, caso manifes- vista, estaríamos, então, face a uma "ditadura es-
tasse solidariedade ao seu aliado da Guanabara, po- querdizante", proclamavam os setores de direita.
deria "rolar a cabeça" do governador de São Paulo,
Adhemar de Barros - acusado de fornecer armas
(contrabandeadas da Bolívia) a grupos paramilita- Quem dará o golpe?
res ("milícias patrióticas"). Mas, indagavam os seto-
res de esquerda: quem garantiria que Miguel Arraes Nos meses seguintes ao frustrado pedido de Es-
também- não fazia parte da "lista de saneamento" tado de Sítio - retirado pelo governo tão logo se deu.
64 Caio Navarro de Toledo
o Governo Goulart e o Golpe de 64 6S
conta da fragorosa derrota que sofreria no Congresso
-, ressurgiria, mais vigorosamente ainda na cena res de esquerda, para" a efetiva realização das Refor-
política, o fantasma do golpe de Estado. Na visão da mas de Base e para se impedir o golpe.
direita, era Goulart quem o articulava através de seu Uma longa entrevista de Goulart, concedida em
"dispositivo militar". e com a colaboração de setores novembro a uma revista de ampla circulação em todo
de esquerda. Enquanto a direita promovia uma siste- o País, ao mesmo tempo que provocava contundentes
mática campanha alarmista, verberando o "golpe de críticas da direita (os líderes da UDN identificavam
Jango", as esquerdas - que não deixavam de denun- no depoimento do presidente um '''esforço de prepa-
ciar a trama golpista da direita - levantavam sus- ração de ambiente subversivo"); ia, por outro lado,
peitas e desconfianças face ao governo. Ainda no mês reforçar as" expectativas das esquerdas de influírem
de outubro, como assinalou um cronista político, as sobre a composição de um novo Ministério e de um"
esquerdas se sentiriam "abandonadas por Goulart". novo programa de governo. No depoimento, em tom
Alguns fatos pareciam comprovar essa observação: pessimista e quase patético, Goulart reiterou a ur-
substituição de Bocaiúva Cunha ("grupo compacto") gência das reformas ("desejo evitar que a crise cami-
por Doutel de Andrade; contactos com o PSD; autori- nhe para um desfecho caótico e subversivo"); denun-
zação da chamada "operação Arraes" (treinamento ciou as "forças reacionárias" anti-reformistas; res-
do IV Exército, cujo objetivo foi o de fazer uma ponsabilizou a "deterioração das relações de troca"
"clara advertência" ao "governador esquerdista" de como principal causa das dificuldades cambiais do
Pernambuco) e a condenação, por parte do governo, País e defendeu enfaticamente a "intervenção dos
de um congresso das forças populares e de esquerda trabalhadores na vida pública". Interpretando re-
programado para fins de outubro em Recife. Embora cente decisão política da Frente de Mobilização Po-
criticassem o governo, em virtude de suas constantes pular, Miguel Arraes, após se referir ao importante
"idas e vindas", as esquerdas entendiam que não depoimento de Goulart, iria expressar o programa
lhes convinha romper politicamente com Goulart. das forças populares face ao governo. A certa altura,
Levavam em conta, para tal decisão, o avanço gol- afirmava a nota do governador de Pernambuco: "( ... )
pista da direita. Novamente a esquerda nacionalista se o presidente da República, fiel à sua formação
buscana convêncer Goulart de que a sua única "saí- política e aos compromissos que tem com as massas
'-
da", diante do seu crescente isolamento político, era trabalhadoras, deseja superar nossa aguda crise in-
vincular-se de forma inequívoca e definitiva com os terna e manter nossa política externa independente,
setores populares e progressistas. Esta também seria ele precisa apoiar-se nas 'forças populares' e com elas
uma condição fundamental, argumentavam os seto- estabelecer um novo governo, capaz de elaborar e
executar um programa democrático, nacionalista e
66 Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 67
progressista". Mais abaixo era esclarecido que, no tava-se de um burocrata "despreparado para o car-
"novo governo", deveria estar garantida a "parti- go"; um "homem de centro-direita" (Brizola diria
cipação de representantes das 'forças populares' em que, com este ato, Goulart afastava as forças popu-
(seus) setores fundamentais". lares da "ante-sala do Ministério da Fazenda").
Durante o mês de dezembro, a FMP - particu- Igualmente tal decisão desagradou frações das clas-
larmente o seu setor "brizolista" - acalentou a espe- ses dominantes, pois Carvalho Pinto - tido como
rança de ver Brizola ocupar o cargo de ministro da um eficiente administrador - vinha, segundo esses
Fazenda, em substituição a Carvalho Pinto. Para a setores, tentando revitalizar algumas medidas de es-
direita, que se alarmava com a intensa mobilização tabilização propostas pelo Plano Trienal. A demissão
popular (um dos slogans dizia: "Contra a espoliação, de Carvalho Pinto representou, assim, o rompimento
Brizola é a solução"), a nomeação teria o sentido de um dos últimos elos que a burguesia brasileira
inequívoco de uma "provocação" e seria a prova ainda mantinha com o governo de Goulart.
definitiva da consolidação da esquerda dentro do O balanço do ano de 1963 revelaria de forma
governo. (Afirmavam os "brizolistas" que ° novo dramática o fracasso da política econômica do go-
ministro, logo após a sua posse, decretaria a "mora- verno: o índice geral dos preços alcançou 78% (pre-
tória no plano internacional".) Governadores de Es- via-se 25%); a taxa do PIB chegou ao ponto mais
tado (com a exceção de Pernambuco, Sergipe e baixo que se conhecia nos últimos anos, 1,5 %; o
Piauí), PSD e UDN ameaçaram com represálias ime- déficit da caixa do Tesouro Nacional atingiu 500
diatas. No plano internacional, os EUA - através da bilhões de cruzeiros (previa-se 300 bilhões); os meios
embaixada no Brasil - declaravam que suspende- de pagamentos cresceram de 65% (previa-se 34%).
riam todas as operações de financiamento e assistên- Sem crescimento econômico e com uma vertiginosa
cia, além de bloquearem suas relações comerciais inflação, o descontentamento passa a ser generali-
com o país (Carlos Castello Branco, op. cit.). Depois zado: nunca o País assistiu, num curto período de
de alimentar, por algumas semanas, as ilusões das tempo, ao surgimento de tantos movimentos reivin-
esquerdas, o próprio Goulart - que tinha ainda vivo dicatórios. Os "tempos de Goulart" singularizam-se
na memória o episódio da desastrada indicação de dentro da história política brasileira: neles, a política
"Bejo" (Benjarnim Vargas) para a chefatura de polí- deixou de ser privilégio do parlamento, do governo e
cia do Distrito Federal em 1945 - encarregou-se de das classes dominantes, para alcançar de forma in-
"jogar água fria" na febril agitação dos brizolistas. tensa a fábrica, o campo, o quartel.
Para oMinistério da Fazenda foi designado um ban-
queiro, Nei Galvão. Segundo era voz corrente, tra-
lt
o Governo Goulart e o Golpe de 64 69
bros do partido - comprometida com a defesa dos se por uma negação da tradicional política clientelís-
grandes proprietários rurais e dos "industriais tradi- tica desenvolvida pela "velha guarda" petebista que
cionais" -, este pequeno núcleo do PSD condenava controlava a burocracia sindical e a máquina da
o anti-reformismo visceral de suas "elites" e apoiava Previdência Social. Contra o "fisiologismo", enten-
as Reformas de Base e algumas propostas nacio- dia este grupo que o PTB deveria ter uma atuação
nalistas. A UDN também teve a sua ala progressista: política que correspondesse a uma orientação ideoló-
a "Bossa Nova", que defendeu as Reformas (inclu- gica mais nítida e mais definida. Ao defender a reali-
sive a reforma constitucional), a política externa in- zação de reformas de base de cunho radical e pro-
dependente, a lei de remessa de lucros, a democra- pugnar medidas político-econômicas de caráter anti-
tização do ensino, etc. - teses a que se opunha imperialista, o "grupo compacto" identificava-se
energicamente a ortodoxia reacionária dos setores com os demais setores da esquerda nacionalista bra-
dirigentes do partido (Maria Victoria Benevides, A sileira.
UDN e o Udenismo). O PTB - que, ao contrário dos A Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) e Ação
outros dois partidos, teve um significativo cresci- Democrática Parlamentar (ADP) surgirão na cena
mento em todo o período liberal-democrático - política com o propósito de articular, respectiva-
igualmente se encontrava fraccionado. O partido - mente, "progressistas" e "conservadores". que atua-
cujos quadros provinham principalmente do Minis- vam nos diferentes partidos políticos. Tais organi-
tério do Trabalho -. apresentava-se dividido em zações suprapartidárias constituíam-se, assim, na
duas grandes facções: o "grupo compacto" (ou "ideo- demonstração eloqüente do asuçamento das contra-
lógico") e o "grupo fisiológico". Enquanto o pri- dições sociais e da conseqüente intensificação da luta
meiro procurava manter uma linha de independência ideológica de classes no seio da forrnação social bra-
face ao comando' populista de Goulart, o segundo sileira. O chamado "realinhamento do sistema par-
• aceitava, sem a menor restrição, a política de conci- tidário", nos anos 60, realizava-se, pois, através des-
liação do presidente da República, que acumulava ses dois "superpartidos" dentro do Congresso. Os
também a função de presidente nacional do PTB. mais importantes projetos e discussões que passavam
Esta facção do partido postulava a realização de pelo Legislativo tinham, na verdade, suas decisões
reformas sociais "não radicais" e, para isso, defendia encaminhadas por estas duas entidades. Nas vota-
uma maior aproximação com o PSD. Na formulação ções em plenário, a fidelidade dos parlamentares era
de San Tiago Dantas, tratava-se de uma "esquerda dada, em muitas ocasiões, não aos partidos aos quais
positiva" - "construtiva", pragmática, "não ideo- pertenciam, mas a uma daquelas organizações. Esta
lógica". Por seu lado, o "grupo compacto" destacou- situação levava algumas lideranças políticas conser-
\
72 Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 73
•
vadoras a lamentar a debilidade dos partidos e a nham ocorrido no País cerca de 177 greves, enquanto
"desordem" da vida parlamentar: "(. ..) estas duas nos três anos seguintes foram deflagradas um total
frentes parlamentares, FPN e ADP, em muito con- de 435 paralisações); o que mais distinguiu o movi-
correram para a balbúrdia que se instalou no Con- mento sindical nestes 3 anos, porém, foi o seu cres-
gresso, principalmente na Câmara, durante todo o cente engajamento nas lutas partidárias dessa con-
governo Goulart. Quase que os partidos desapare- juntura de crise. "O envolvimento dos sindicatos nas
ceram e as lideranças, de governo e de oposição, lutas políticas tornou mais urgente a necessidade de
passaram a ter existência nominal (. ..)" (Abelardo unificar a ação dos sindicatos cujas direções seguiam
Jurema, Sexta-feira 13). Enquanto a FPN reunia a a mesma orientação política. Deste modo, na medida
maioria dos deputados federais do PTB e do PSB em que as disputas ideológicas envolviam o sindica-
(mais os setores "nacionalistas" do PSD, UDN e lismo brasileiro, assistiu-se à formação de diferentes
PDC), a ADP tinha seu núcleo básico proveniente da organizaçõés de coordenação que agrupavam sindi-
aliança PSD/UDN/PSP e dos demais pequenos par- catos de tendências diferentes" (L. Martins Rodri-
tidos. Até mesmo alguns deputados do PTB - de gues, Sindicalismo e Classe Operária).
uma diminuta "ala direita" - alinhavam-se com o Foi assim que surgiram, em fins dos anos 50 e
reacionarismo e o entreguismo da ADP. início de 60, o CPOS, o PUA, o PAC, o Fórum
Sindical de Debates de Santos (SP), etc. Da mesma
forma que as demais uniões sindicais, o Comando
A politização à esquerda Geral dos Trabalhadores (CGT) nasceu de movi-
mentos grevistas: em 5 de julho de 1962, lideranças
A luta política e a luta ideológica, no entanto, comunistas e trabalhistas que apoiavam o governo de
não estiveram re-duzidas à esfera político-institucio- Goulart criaram o Comando Geral de Greve a fim de
nal; pelo contrário, elas alcançaram seus mais signi- coordenar uma greve nacional em defesa de um "ga-
ficativos desdobramentos a partir do momento em binete nacionalista". No mês seguinte, por ocasião
que envolveram outros setores da sociedade brasi- do IV Encontro Sindical Nacional, três mil trabalha-
leira. De um lado, estariam os trabalhadores urba- dores propuseram a transformação do CGG em CGT.
nos e rurais, os soldados, os estudantes; de outro, os Embora contrariasse a legislação sindical brasileira
empresários, os militares, a Igreja, etc. - que ainda hoje proíbe a criação de organizações
O sindicalismo brasileiro, no triênio 61/63, al- sindicais horizontais -, o CGT funcionou até abril
cançou um dos seus momentos de mais intensa ativi- de 64; houve, inclusive, em abril de 63, uma tentativa
dade (de 1958 a 1960, no governo Kubitschek, ti- - no final frustrada pela Justiça - do então mi-
74 Caio Navarro de Toledo
o Governo Goulart e o Golpe de 64 75
político. Ressaltou um pesquisador que a maioria deste. As Ligas contestavam, abertamente, a domi-
das greves políticas alcançou sucesso quando obteve nação política e econômica a que estavam secular-
o "apoio tácito dos militares". Igualmente é subli- mente submetidas as massas rurais. Em algumas
nhado o fato de tais greves coincidirem com períodos localidades, ocorreram conflitos armados entre "cam-
onde ocorria um pronunciado declínio do salário poneses" e proprietários de terra; lideranças campo-
real, pois "a inflação predispunha os trabalhadores a nesas serão perseguidas e assassinadas a mando dos
sair às ruas" (K. Erickson, Sindicalismo no Processo latifundiários, alarmados com a politização das mas-
Político do Brasil). A debilidade político-organiza- sas rurais. Para Francisco Julião, deputado federal
tiva deste chamado "Quarto Poder" (ou "V Exér- por Pernambuco, cuja legendária fama advinha da
cito", como a ele se referia Jango) ficou definiti- liderança que exercia sobre as Ligas, a luta é contra o
vamente evidenciada quando, em abril de 1964, a latifundiário: "não vemos inimigo no soldado, no
classe operária brasileira assistiu - sem nenhuma padre, no estudante, no industrial, no comunista; o
resistência - à preparação e ao desfecho do golpe inimigo é o latifundiário". Neste sentido, a principal
antipopular e antioperário, bandeira empunhada pelas Ligas foi a Reforma
A politização dos movimentos de trabalhadores Agrária Radical. Na luta pela Reforma Agrária, as
do campo igualmente se constituiu numa realidade Ligas associam-se às demais organizações políticas
nova dentro da história política brasileira. "No final de todo o País .que, através de comícios, passeatas,
dos anos 50, a amplitude que assume a proletari- manifestos, pressões diretas sobre o Congresso, cla-
zação da força de trabalho e suas repercussões na mam pela realização das Reformas de Base. (Julião e
conjuntura política do momento permitiram que se as Ligas Camponesas, durante muito tempo, foram
manifestasse uma reação massiva dos foreiros e dos objeto de extensas reportagens em conhecidas revis-
trabalhadores rurais, dando origem ao que se cha-. tas semanais do País e do exterior (Time, Look, etc.).
mou globalmente de 'movimento camponês'" (M. O Nordeste faminto e sedento, tal como era caracte-
Nazareth Wanderley, Capital e Propriedade Fun- rizado nessas matérias - onde se enfatizava também
diária). As Ligas Camponesas nasceram da resis- a presença de "perigosa literatura subversiva" no
tência - muitas vezes armada - dos foreiros (pe- seio das Ligas -, estava a um passo de uma "guerra
quenos agricultores e não proprietários) contra a ten- camponesa" .)
tativa de expulsão das terras onde trabalhavam, mo- Paralelamente, os trabalhadores rurais organi-
vida pelos proprietários; de 1959 a 1962, as Ligas zam-se através de sindicatos. Embora, de início, tais
tiveram uma acelerada expansão em todo o Nor- organizações tivessem uma orientação distinta à das
78 Caio Navarro de Toledo
• o Governo Goulart e o Golpe de 64 79
Ligas ~ partindo do pressuposto de que no campo vimentos populares de tendência esquerdizante, se-
predominavam relações capitalistas, os sindicatos tores da Igreja católica fomentam a criação de sindi-
buscavam reforçar a "consciência proletária" dos catos rurais "democráticos". Condenando Julião e as
trabalhadores rurais, estimular as greves, etc. -, a lideranças de esquerda, postulam que os trabalha-
atuação concreta de ambas tornou irrelevantes as dores rurais apenas devem defender os seus direitos
suas diferenças ideológicas. Como observou a autora trabalhistas; combatem, assim, qualquer envolvi-
acima, progressivamente os sindicatos incorporam mento dos sindicatos na luta por uma Reforma Agrá-
em suas reivindicações a luta pela Reforma Agrária. ria radical posto que, afirmam, a "propriedade pri-
Após a promulgação do Estatuto do Trabalhador vada é um dos pilares da civilização democrática e
Rural (março de 1963) - do qual um dos signifi- cristã". Ao lado das federações e sindicatos "demo-
cados é a tentativa do Estado de exercer, à maneira cráticos", criam-se outros sob a direção dos nacio-
da CLT, um controle mais direto sobre as atividades nalistas (PCB) e da "esquerda católica" (Ação Popu-
sindicais dos trabalhadores rurais -, Julião propõe lar). Em dezembro de 1963, 26 federações de todo o
que as Ligas se constituam na vanguarda política dos País se reúnem para a fundação da Confederação
sindicatos rurais. "Quem faz parte da Liga, entre no Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CON-
Sindicato, e o que entra no Sindicato permaneça na TAG). Graças a uma aliança entre a AP e o PCB, os
Liga (... ) O Sindicato pedirá o aumento dos salários, "democratas", que contavam com o controle de 8
o 13? mês, as férias, as indenizações, a escola, o federações, saem derrotados. A primeira diretoria da
hospital, a maternidade, uma casa decente ( ... ) A CONTAG passou a ser constituída por 4 membros do
Liga, que não depende do Ministério do Trabalho, PCB, 3 da AP e 2 "independentes". Uma das pri-
irá na frente, abrindo o caminho e lembrando a todos meiras decisões da CONT AG foi a de se filiar à CGT,
que nem o salário, nem o 13? mês são suficientes; são integrando-se, assim, às mobilizações conduzidas pe-
migalhas. O essencial é a terra" (M. N. Wanderley, las forças nacionalistas (S. Amad, op. cit.).
op. cit., grifos nossos). No entanto, deve-se reco- A frente antilatifúndio e antiimperialista tam-
nhecer que, a partir de 1962, diante da expansão do bém esteve vinculado o Movimento Nacional dos Sar-
sindicalismo rural, diminuiu consideravelmente a gentos. Além de reivindicarem melhores condições
importância política das Ligas. O vanguardismo que salariais, alterações dos rígidos regulamentos disci-
Julião a elas pretendia conferir, igualmente não se plinares, etc., as camadas subalternas das Forças
concretizou. Armadas manifestavam-se contra a manutenção do
Com orientação ideológica antagônica à dos mo- Art. 138 da Carta de 1946, que lhes vedava um
80 Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 81
direito elementar da "cidadania": o direito de serem "rebeldia" à hierarquia militar, por parte dos poli-
eleitos. As associações de sargentos de todo o país - tizados setores subalternos das Forças Armadas.
muitas delas vinculadas à liderança brizolista - Era conhecida a tradição política do movimento
uniam-se aos trabalhadores rurais e urbanos, aos estudantil brasileiro. Em décadas recentes, empu-
estudantes, aos parlamentares nacionalistas na luta nhou as bandeiras da redemocratização, do naciona-
pelas reformas e na denúncia da espoliação imperia- lismo, da defesa do ensino público, da anistia aos
lista. (Ficou célebre uma declaração pública de um presos políticos, etc. Embora tivessem a Reforma
líder do movimento: "Se os reacionários não per- Universitária como reivindicação específica, os estu-
mitem as reformas, usaremos, para realizá-Ias, nosso dantes, através de sua entidade nacional, a UNE,
instrumento de trabalho: o fuzil".) integraram-se também na frente antilatifúndio e
As manifestações dos setores subalternos das antiimperialista. Postulam, como tarefa política ime-
Forças Armadas - severamente contestadas pela diata e decisiva, a formação de uma "aliança operá-
maioria da oficialidade - culminaram com um gra- rio-estudantil-camponesa" (Constituição da UNE,
ve acontecimento: a fim de protestarem contra a 1963). Como observou um estudioso, para os estu-
decisão do STF, que denegou o recurso de dois sar- dantes que militam na UNE, a Reforma Agrária e a
gentos eleitos no ano anterior, 650 sargentos da Ma- Reforma Universitária são simples momentos da
rinha e da Aeronáutica, na madrugada do dia 12 de "dialética social". Argumentava, assim, um docu-
setembro de 1963, rebelaram-se em Brasília. Apode- mento da entidade: "A aliança com os operários,
raram-se de vários edifícios militares, equipamentos camponeses, intelectuais progressistas, militares, de-
de rádio, serviços de telefonia e telegráficos. Pouco mocratas e outras camadas da vida nacional deve ser
mais de 12 horas foram suficientes para tropas mili- incrementada na certeza de que, entrelaçando nossas
tares dominarem os sublevados. O CGT, a UNE, a reivindicações, torná-las-emos infinitamente mais
FPN solidarizaram-se com o movimento dos sargen- fortes. Esta aliança implica em fazer da reforma
tos; o CGT ameaçou decretar greve geral, caso o agrária bandeira dos estudantes, do mesmo modo
governo solicitasse o Estado de Sítio, reivindicado que as transformações em nosso ensino possam ser
por altos comandos das Forças Armadas. Apesar de objetiva e subjetivamente aspiração de operários e
terem sido "exemplarmente punidos" - os líderes camponeses; e assim por diante" (Octavio lanni, O
do movimento foram transferidos para as mais lon- Colapso do Popu/ismo no Brasil, grifos nossos).
gínquas guarnições do País -, prosseguiriam até Na UNE defrontavam-se, neste momento, dife-
abril de 1964, os atos de "insubordinação" e de rentes tendências da esquerda brasileira: PCB, PC
82 Caio Navarro de Toledo o Governo Gou/art e o Golpe de 64 83
do B, AP, Política Operária (POLOP), Quarta Inter- estudantil, onde o confronto entre as diversas corren-
nacional e outros grupos menores. Na luta ideológica tes de esquerda era bastante visível, contribuía para
que aí se trava, todos combatem o PCB. O apoio a UNE pressionar o governe de Goulart e a FMP
político que este oferecia ao governo - excepcionais mais para a "esquerda".
foram os seus desacordos com a "política de conci-
liação" de Goulart - bem como a sua subordinação
aos estreitos limites da ideologia nacional-reformista,
A contramobilização de direita
foram algumas das duras críticas que o PCB sofria
das demais correntes de esquerda. Todas estas ten-
Não foram apenas os setores populares e pro-
dências - que se autoproclamavam de "esquerda
gressistas que politicamente se mobilizaram nesse
revolucionária" - condenam a estratégia, oficial-
período. Os empresários - bem como os militares e
mente propugnada pelo PCB, de aliança do proleta-
setores da Igreja Católica - organizaram-se para
riado com a "fração progressista" da burguesia bra-
defender seus interesses e para combater o avanço
sileira como "exigência histórica" para a consoli-
político dos movimentos sociais de orientação nacio-
dação da "revolução democrático burguesa" - eta-
nalista e de esquerda. Num estudo recentemente pu-
pa prévia e necessária para a passagem ao socia-
blicado, documenta-se, ampla e exaustivamente, a
lismo. Algumas dessas correntes de esquerda, postu-
atuação político-ideológica dos empresários, agluti-
lando o marxismo-leninismo, propõem uma "frente
nados em torno do complexo IPES/IBAD, o qual
de esquerda" - e não uma "frente única" como
teve um papel decisivo na contramobilização de di-
defendia o PCB - a fim de libertar a luta de massas
reita. (Todo este item se baseia no trabalho de R.
do "reformismo" e da "política pequeno-burguesa
Armand Dreifuss, 1964: A Conquista do Estado.)
da colaboração de classes".
Embora aquelas tendências pouco ortodoxas O Instituto Brasileiro de Ação Democrática
fossem encontradas no interior do movimento estu- (IBAD), criado em fins da década de 50, propunha-
dantil, a UNE não deixou de participar ativamente se o "ambíguo propósito de defender a democracia";
da ampla frente antilatifúndio e antiimperialista durante os "tempos de Goulart" sincronizou suas
coordenada pela Frente de Mobilização Popular atividades às de organizações paramilitares e antico-
(FMP). À FMP vinculavam-se o CGT, as Ligas Cam- munistas, tais como o Movimento Anticomunista
ponesas, a FPN, a UNE, o movimento dos sargentos. (MAC), a Organização Paranaense Anticomunista
Em certa medida, o "radicalismo" do movimento (OPAC), a Cruzada Libertadora Militar Democrá-
84
Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 85
tica (CLMD), etc. Intimamente associado à Aliança rária; conter a sindicalização dos trabalhadores ru-
Democrática Parlamentar, o IBAD financiou gene- rais e a mobilização dos camponeses; apoiar as fac-
rosa e ostensivamente os candidatos apoiados pela ções de direita dentro da Igreja Católica; dividir o
ADP nas eleições de 1962 (cerca de 650 que postu- movimento estudantil; bloquear as forças nacional-
lavam as Assembléias Legislativas, 250 a Câmara reformistas no Congresso e nas Forças Armadas;
Federal e vários governos estaduais). Em julho de mobilizar a alta oficialidade militar e as "classes
1962, o IBAD uniu-se ao Instituto de Pesquisas e médias" para a desestabilização do regime "popu-
Estudos Sociais (lPES), pois seus objetivos progra- lista". A tarefa "construtiva" do IPES/IBAD estaria
máticos eram plenamente coincidentes. na sua proposta de uma nova ordem sócio-política
O IPES é fundado em fins de 1961; seus cria- sob a hegemonia do capital multinacional e asso-
dores são empresários - particularmente aqueles ciado.
vinculados ao "bloco de poder multinacional e asso- A ação política do complexo IPES/IBAD sé fa-
ciado" - que "visavam a uma liderança política zia através de inúmeros grupos de trabalho - consti-
compatível com sua supremacia econômica e ascen- tuídos por intelectuais, burocratas e especialistas -
dência tecnoburocrática". Tal objetivo era buscado, que tinham acesso direto às Forças Armadas, ao
pois se afirmava que a "direção do país não podia Executivo, ao Congresso, às associações de empre-
mais ser deixada somente nas mãos dos políticos". sários, aos sindicatos, à Igreja, aos partidos políticos,
Com essa proposição, os empresários pretendiam di- aos meios de comunicação, etc. O IPES/IBAD igual-
zer, pelo menos, duas coisas: a} o país não deveria ser mente financiou ativos grupos "democráticos" e "an-
dirigido por políticos de "esquerda"; b} diante do ticomunistas" que atuavam nesses diferentes setores,
crescente debilitamento político e ideológico dos par- tais como o Movimento Sindical Democrático, a
tidos conservadores e de direita, não deviam as clas- Frente da Juventude Democrática, o Grupo de Ação
ses dominantes confiar apenas nos mecanismos tra- Patriótica, o Movimento de Arregimentação Femi-
dicionais de representação junto ao Estado burguês. nina (MAF), a Campanha da Mulher pela Demo-
O complexo IPES/IBAD procurou desempenhar, as- cracia (CAMDE), o Serviço de Orientação Rural de
sim, o papel de "verdadeiro partido da burguesia - Pernambuco (SORPE), a Federação dos Círculos
a vanguarda das classes dominantes - e seu estado- Operários, etc.
maior para a ação política, ideológica e militar". A ação ideológica do complexo direi tista fez-se
Entre os objetivos perseguidos pela organização, des- de múltiplas formas: financiamento de importantes
tacavam-se: impedir a solidariedade da classe ope- jornais da "grande imprensa" e revistas que se ali-
Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 87
86
o GOLPE POLITICO-MILITAR
II
"
lt
~ 90 Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 91
vernamental. De um lado, fatores de ordem estru- trabalhadores rurais no Nordeste foram intensas; em
tural contribuíam decisivamente para neutralizar o Pernambuco, cerca de 300 mil trabalhadores em en-
combate às pressões inflacionárias; de outro, o redu- genhos e usinas desencadearam uma greve política.
zido crescimento econômico - que se expressava Diante do lock out, aventado pelas classes patronais,
pela diminuição do nível de inversão - deitava tam- os trabalhadores - a fim de evitar a intervenção
bém as suas raízes na polarização política que carac- federal no estado governado por Miguel Arraes -,
terizava a conjuntura brasileira nos anos 1962/1963. suspenderam a greve de protesto. Na Paraíba, Per-
Como formulou um estudioso, a inversão caiu "não nambuco, Minas Gerais e Goiás as invasões de terras
eram denunciadas com grande alarde pelos meios de
porque não pudesse realizar-se economicamente,
comunicação.
mas sim porque não poderia realizar-se institu cio-
nalmente" (F. de Oliveira, op. cit., grifos do autor).
A incontrolável alta do custo de vida, tendo A direita "fecha o cerco". As esquerdas
como conseqüência uma drástica redução do poder apóiam Goulart, desconfiando.
aquisitivo dos salários, foi responsável pela eclosão
de sucessivas greves durante todo o período - greves As classes dominantes tinham, assim, motivos
que não mais se limitavam aos centros urbanos. In- para verem aumentadas as suas apreensões: seus
centivada pelo governo Goulart, cresceu a sindicaliza- lucros e suas propriedades - tal como apregoavam
ção no campo (calculava-se que o número de sindica- seus propagandistas - estavam sendo ameaçados e os
tos rurais, 300 em meados de 1963, atingia o expressi- trabalhadores em greve não eram reprimidos pelas
vo número de 1 SOO em março de 1964). Em 1963 ocor- forças federais. Em meados de janeiro, sob intensas
reram em todo o país 172 greves de trabalhadores. críticas de setores da burguesia associada ao capital
Era igualmente significativo que as paralisações, a multinacional e dos credores estrangeiros, Goulart
partir dos anos 60, deixavam de acontecer predomi- regulamentou a Lei de Remessa de Lucros que tinha
nantemente no eixo Rio-São Paulo. Em 1963, por sido aprovada pelo Congresso há mais de 16 meses.
exemplo, 6S% das greves foram deflagradas fora dos Algumas semanas atrás, para forte desagrado dos
dois maiores centros industriais do País. O ano de investidores estrangeiros, o presidente Goulart emitiu
1964 prenunciava ser também bastante agitado em um decreto que implicava a "completa revisão de
termos de movimentos reivindicatórios: em apenas todas as concessões governamentais na indústria de
1S dias do mês de janeiro, ocorreram 17 greves na mineração" .
Guanaaara, Em fevereiro e março, as paralisações de Para a direita brasileira e para a embaixada
92 Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 93
norte-americana, não cabiam mais dúvidas quanto à sociais e com o apoio das forças populares e de
"esquerdização" do governo Goulart. Duas graves esquerda, Jango seria imbatível nas eleições previstas
denúncias passavam a circular com insistência nos para 1965. (Esta possibilidade levou importantes po-
meios politicos, tendo ampla cobertura da imprensa líticos - com os olhos voltados para a presidência da
em geral. Bilac Pinto, presidente da UDN e porta-voz República - a se afastarem ou hostilizarem Goulart.
político do chefe do Estado-Maior do Exército, gal. Entre eles estavam Juscelino Kubitschek, Magalhães
Castelo Branco, com grande alarde, divulgou um do- Pinto e Leonel Brizola.)
cumento onde se declarava que estava em curso no país Se a direita "fechava o cerco" sobre o governo
uma "guerra revolucionária"; mais especificamente, federal, nem todos os setores de esquerda apoiavam
a "guerra revolucionária" já teria alcançado a sua ter- incondicionalmente o presidente da República. Em-
ceira fase ~ a da "subversão da ordem e obtenção de bora tivessem tido um comportamento unânime, ao
armas". Ou seja, o país estava prestes a assistir à aplaudirem as medidas nacionalistas do início do
"tomada do poder pelos comunistas". Denunciava a ano, as esquerdas consideravam inadmissível, por
direita que o governo Goulart insuflava as invasões exemplo, que o governo mantivesse em vigência a
de terra, as greves operárias e de trabalhadores do Instrução 263 da SUMOC; esta, ao liberar o câmbio,
campo, além de "distribuir armas a sindicatos rurais provocou forte desvalorização do cruzeiro, bem como
e marítimos". Na verdade, tratava-se do início da uma elevada alta do custo de vida. Igualmente, cau-
intensificação da "guerra psicológica" contra o go- sava "viva desconfiança nos meios progressistas a
verno constitucional, pois nenhuma prova concreta abertura: de negociações para o reescalonamento das
foi oferecida quanto à veracidade dos fatos denun- dívidas do Brasil com seus credores em bases con-
ciados. O liberal Bilac Pinto assim justificaria a com- fusas". Setores da FMP - particularmente os "bri-
pleta ausência de provas: "em caso de fatos notórios, zolistas" que aí tinham hegemonia - também levan-
a lei dispensa até mesmo as provas. Os tribunais tavam suspeitas quanto às intenções "continuístas"
diariamente condenam na base da notoriedade dos de Goulart que, segundo aqueles grupos, teria o
fatos". A outra denúncia dizia respeito às "mano- apoio da direção do Partido Comunista Brasileiro.
bras continuístas" do presidente da República. Afir- No dia 15 de janeiro, um experiente jornalista
mava-se que, com a proposta de Reforma Consti- político escrevia, com todas as letras, em sua bem
". tucional, Goulart visava a alteração do dispositivo informada coluna: "Março passou a ser o mês do
golpe". Direita e esquerda acusam-se reciproca-
legal que vedava a reeleição do presidente da Repú-
blica. Calculava a direita que, com a extensão do . mente quanto à autoria desse possível "ato contra a
voto aos analfabetos, com a realização das reformas democracia". Mas, enquanto os grupos de direita,
Caio Navarro de Toledo
o Governo Goulart e o Golpe de 64 9S
94
de conciliação de Jango. A efetiva "guinada para a
civis e militares, aglutinavam-se e passavam à ofen- esquerda" do governo Goulart, na visão das esquer-
II siva contra o governo Goulart, este nem tinha o pleno das, apenas ocorreria com o "Comício de 13 de mar-
apoio das esquerdas nem estas conseguiam superar ço" - o comício das Reformas. Organizado pelo
suas divergências internas para uma ação comum CGT e pela assessoria sindical de Goulart (Gomes
t
antigolpista. (A rigor, nunca passou de arma propa- Talarico, Crockat de Sá e outros), o comício da Gua-
gandística, forjada pela direita, o "golpe tramado nabara - ao qual deveriam seguir-se outros nos
pelas esquerdas".) Incumbido por Goulart, San Tia- maiores centros urbanos do País - visava demons-
go Dantas, em princípios de fevereiro, tentaria uni- trar o apoio popular às propostas de Reformas de
~ ficar os setores políticos progressistas através de uma Base do governo. Além disso, o Executivo pretendia
Frente Ampla - que iria do PSD ao PCB. O "pro- também pressionar o Congresso Nacional no sentido
grama mínimo" da Frente incluía emendas consti- de que este aprovasse rapidamente os projetos a ele
I, tucionais concedendo voto aos analfabetos, elegibi-
lidade dos praças e sargentos, revisão do art. 141 da
encaminhados.
Na história da chamada "democracia populis-
Constituição (que impunha o pagamento à vista e em ta" brasileira, poucos atos públicos tiveram tanto
i dinheiro nos casos de desapropriações de terra), lega- impacto e repercussão política quanto o comício da-
lização do PCB e negociação de uma moratória da quela sexta-feira 13. Com amplo apoio oficial e sob a
dívida externa. Como objetivos imediatos, pretendia- proteção dum rigoroso esquema de segurança mon-
se garantir a aprovação das reformas e o fortale- tado pelo I Exército, cerca de 200 mil pessoas de-
cimento político do governo diante das ameças gol- monstraram de forma muito significativa o elevado
pistas vindas da direita. Com a exceção do PCB, grau de politização que começava a atingir diferentes
todos os demais grupos de esquerda rejeitavam a setores da sociedade brasileira. No extenso mar de
inclusão do PSD numa possível frente de "forças cartazes e de faixas empunhados pela massa popu-
I progressistas" . lar, liam-se alguns slogans que inquietariam as clas-
ses dominantes e atemorizariam as classes médias:
"Reformas ou Revolução"; "Forca para os gorilas!";
o comício do aia 13, sexta-feira "Yankee, go home"; "Defenderemos as Reformas à
bala!"; "Legalidade para o PCB"; "Reeleição de
As desconfianças de setores da esquerda face ao Jango!". No palanque, ministros de Estado, milita-
governo Goulart ainda eram muito intensas; a pro- res, govemadores de estado, deputados, dirigentes
posta de aliança com o PSD contribuiu para aumen- sindicais, líderes estudantis comprimiam-se ao lado
tarem as suspeitas quanto à persistência da política
\.
Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 97
96
tinham efeitos bastante limitados: o da nacionali- ços": "intervenção federal na Guanabara, São Pau-
zação das refinarias não atingia senão as empresas lo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul", etc ..
nacionais (a lucrativa distribuição dos produtos pe- De fato, 13 de março de 1964 pode ser conside-
trolíferos continuava com a Esso, Shell, Texaco, rado um marco decisivo na recente história política
etc.); de outro lado, o·decreto da SUPRA - como o brasileira. Para grande decepção das esquerdas, o
próprio Goulart reconheceu em seu discurso - não dia 13 significaria não a emergência de um governo
era senão o "primeiro passo" na direção da Reforma nacionalista, democrático e popular mas, sim, o úl-
Agrária. As esquerdas, no entanto, comemoraram timo ato da chamada "democracia populista". A
com entusiasmo o significativo comparecimento po- partir do dia 13 de março - enquanto as esquer-
pular ao comício; alguns setores destacaram, com das se dividiam em discussões acerca da compo-
grande regozijo, o "radicalismo das manifestações sição da frente ampla -, a direita passava intei-
populares". Neste sentido, um dos líderes brizolistas ramente à ofensiva do movimento social.
comentaria: "Perante cerca de 200 mil pessoas, foi
sepultada, na praça da República, a política de con-
ciliação". Mas, um pouco mais adiante, o mesmo
político advertiria para as possíveis vacilações de A ofensiva golpista
Jango: "O presidente João Goulart - como disseram
Arraes e Brizola - conta com o povo para a grande Desde o início de março, setores das classes
transformação. Mas é preciso não esquecer que, na médias e da burguesia, sob a bandeira do anticomu-
Legalidade e no Plebiscito, o povo também se mobi- nismo e da defesa da propriedade, da fé religiosa e da
lizou e tudo parecia encaminhar-se para as decisões moral, saíram às ruas em diversas capitais a fim de
almejadas. O governo vacilou, perdeu-se numa teia pedir o impeachment do governo federal. Entre estas
de pequenas manobras ( ... ). O momento exige, além manifestações civis, destacou-se a "Marcha da Famí-
de palavras, decisões audazes e rápidas e o reconhe- lia com Deus pela Liberdade", realizada em São
cimento de que o dia 13 foi a iniciação de uma nova Paulo, no dia 19 de março, reunindo cerca de 500 mil
etapa da história brasileira" (Neiva Moreira, in Pau- pessoas. Organizada por movimentos femininos _
lo Schilling, op. cit., grifos nossos). Entre as "deci- com a inteira colaboração do governo do estado de
sões audazes e rápidas", esses setores nacionalistas São Paulo, de setores da Igreja Católica, da FIESP,
exigiam: "ministério nacionalista e popular"; "afas- da Sociedade Rural Brasileira -, a Marcha foi en-
tamento dos militares suspeitos e golpistas": "revo- cerrada com eloqüentes discursos de deputados do
gação da Instrução 263"; "congelamento dos pre- PSD e da UDN contra o governo de Goulart. Como
~
I
I 100 Caio Navarro de Toledo
-- o Governo Goulart e o Golpe de 64 101
I
--
observou um estudioso, tais demonstrações públi- Estado-Maior do Exército em setembro de 1963.
cas tinham o propósito de "criar clima sócio-político Uma semana após o comício do dia 13, num
favorável à intervenção militar, bem como de incitar j memorando de caráter reservado à alta hierarquia do
diretamente as forças armadas ao golpe de Estado" Exército, o gal, Castelo Branco faria graves consi-
(Décio Saes, "Classe Média e Política", In: Brasil derações sobre a situação político-institucional do
Republicano, vol. 3). Estas manifestações civis - país. Neste documento advertia-se para o período
onde praticamente era inexistente a presença popu- representado pela convocação de uma Constituinte
lar e operária - nunca foram "espontâneas"; além ("a ambicionada Constituinte é um objetivo revolu-
de se inspirarem em campanhas anticomunistas rea- i
cionário pela violência com o fechamento do atual
lizadas em outros países, sempre foram estimuladas Congresso" que implicaria a "Instituição de uma
e incentivadas pelos conspiradores na área militar. ditadura síndico-comunista") e para o desencadea-
Apesar de ter sido precipitada pelo comício do 1 mento de "agitações generalizadas do ilegal poder do
dia 13, a intervenção das Forças Armadas, na ver- CGT". A retirada do apoio militar ao governo Gou-
dade, vinha sendo preparada desde os primeiros dias lart foi sintetizada no seguinte trecho: "os meios
em que Goulart tomara posse no regime parlamen- militares nacionais e permanentes não são propria-
tarista. Se naquela ocasião era reduzido o número mente para defender programas de governo, muito
dos "conspiradores de primeira hora", vários acon- menos a sua propaganda, mas para garantir os pode-
tecimentos ocorridos no período, envolvendo as for- res constitucionais, o seu funcionamento e a apli-
ças armadas (Revolta dos Sargentos; Estado de Sítio; cação da lei". Aqui estava a senha para o início da
II
atritos entre oficiais e setores políticos nacionalistas; ofensiva na área militar. No entanto, a data para a
freqüentes substituições de ministros militares no go- deflagração do movimento visando à derrubada do
verno, etc.), contribuíram para aumentar o quadro governo Goulart ainda não tinha sido decidida pelos
dos descontentes. Na perspectiva da alta oficiali- altos comandos militares. Nesta altura, julgava-se
dade militar, no País e no interior da corporação que o consenso quanto à "solução cirúrgica" ainda
vinham sucedendo-se "situações intoleráveis": "que- ~I
não tinha sido conseguido no interior da alta oficia-
bra da disciplina e da hierarquia", "subversão da lei lidade. Além dos "moderados" ou "legalistas", fala-
e da ordem", "crise de autoridade", "caos adminis- va-se na existência de um "sólido dispositivo militar"
trativo". A conspiração nos meios militares, inicial- de sustentação do governo.
mente desarticulada e dispersa em várias "células de Uma nova revolta no seio dos setores subal-
oficiais", consequiu unificar-se mediante a liderança •• ternos das Forças Armadas contribuiu para que o
do gal. Castelo Branco, empossado na chefia do problemático consenso fosse imediatamente a1can-
\l.L ;I~.
102 Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 103
çado. Foi a chamada "Revolta dos Marinheiros". No para a intervenção militar (T. Skidmore, op. cit.).
dia 26 de março, mais de 1000 marinheiros e fuzi- Apesar dos evidentes sinais da trama golpista,
leiros navais reuniam-se no Sindicato dos Metalúr- Goulart surpreenderia os seus mais íntimos e diretos
gicos (Guanabara), a fim de comemorar o segundo assessores ao decidir comparecer a uma reunião no
aniversário da proibida Associação dos Marinheiros Automóvel Clube, no dia 30 de março. Comemorava-
e Fuzileiros Navais do Brasil. Um contingente de se, na oportunidade, o aniversário da Associação dos
fuzileiros navais, enviado para prender os manifes- Suboficiais e Sargentos da Polícia Militar da Guana-
tantes, insubordinou-se e solidarizou-se com seus ca- bara. No discurso que pronunciou, transmitido por
maradas revoltosos. Tendo como intermediário o rádio e televisão, Jango denunciou as pressões que
CGT, o governo convenceu os rebelados a se entre- vinha sofrendo da direita. Para ele, a tentativa de
garem, levando-os presos a um quartel. Contudo, em golpe contra o seu governo estava sendo financiada
poucas horas estes sairiam livres, anistiados pelo pelo imperialismo e pela burguesia associada. Como
novo ministro da Marinha. (Comentou-se que este vários autores comentaram, o dramático pronuncia-
oficial tinha sido escolhido por Goulart, algumas mento de Goulart tinha ressonâncias semelhantes às
horas antes, a partir de uma lista elaborada pelo da carta-testamento de Vargas. "( ... ) O discurso não
"ilegal CGT".) A sublevação dos marinheiros, ,a passou de uma justificativa para a História, por parte
anistia e a nomeação do novo ministro atingiram a de quem já tinha decidido, não o suicídio físico como
alta oficialidade das forças armadas como uma "ver- Vargas, mas o suicídio político" (Paulo Schilling, op.
dadeira bomba". O Clube Militar e o Clube Naval cit).
denunciaram com veemência o "ato de indisciplina
acobertado pela autoridade constituída, destruindo o
princípio e, hierarquia". Estava, assim, selada a
sorte de Gouiart. o golpevitorioso: nem resistência,'
Segundo um historiador, naqueles dias, "o gal. nem "guerra civil"
Castelo Branco dissera aos conspiradores civis que a
demissão do ministro da Marinha seria o sinal para a Dois dias antes da data marcada pela alta oficia-
deposição de Jango". A partir de agora, o golpe tinha lidade golpista, o gal. Mourão Filho (comandante da
data marcada: dia 2 de abril. Neste dia estava pre- IV Região Militar, MG), na madrugada do 31 de
vista outra "passeata-monstro" de oposição no cen- março, ordenou às suas tropas que se movimentas-
tro da Guanabara. Calculava-se que esta "manifes- sem em direção ao Rio de Janeiro. Esta iniciativa
tação civil" daria a suficiente "cobertura política" tinha sido aprovada pelos governadores de São Paulo
104 Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 105
-- -~/ \:::::-- -
defesa da ordem constitucional. Relata a "crônica do
golpe de 1964" que, antes de tomar a sua "grave
decisão", o gal. Kruel telefonou para o presidente da
República instando-o para "abrir mão de suas bases
--~-_:'\-- -=-===/'~ políticas". Em outras palavras, Kruel exigia que
~-=- ---~~--==-=--
_~ _F __ -
Goulart proibisse o CGT, o PUA, a UNE e todas as
demais "entidades subversivas". Em troca, prometia
o militar, teria ele garantido o seu mandato presi-
dencial. Diante da recusa de Jango, o gal. Kruel teria
"lavado as mãos" e ordenado que as tropas de São
Paulo se movessem para o Rio de Janeiro a fim de se
unir às do gal. Mourão.
De outro lado, os soldados do I Exército, ainda
leais ao governo, sob o comando do gal. Âncora,
encaminhavam-se para um confronto, no Vale do
Paraíba, com as tropas do gal. Kruel. No entanto, a
fJ
luta armada que parecia ser iminente foi rapida-
mente afastada. Diante da notícia de que Goulart
havia abandonado o Rio rumo a Brasília e informado
ainda das "intenções pacifistas" do presidente da
República, o gal. Âncora - reunido com o gal.
Kruel na Academia Militar de Agulhas Negras -
Basta de intermediários: para presidente Lincoln Gordon. desistia do combate. Na tarde de I? de abril, passava
106 Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 107
destinada a ajudar governadores de certos estados". os "revolucionários de abril" não precisaram dispa-
Tal política ficou conhecida com o significativo nome rar praticamente um só tiro para derrubar o governo
de "ajuda às ilhas de sanidade administrativa". Con- de Goulart. Alguns telefonemas foram suficientes
sistiu ela na liberação de verbas da Aliança para o para que o golpe fosse vitorioso. Desta maneira, a
Progresso apenas para aqueles estados cujos gover- sigilosa "Operação Brother Sam" pôde ser cance-
nadores eram hostis ao governo federal. Desta for- lada, antes mesmo de ser efetivada. Este fato permi-
ma, foram beneficiados, entre outros, os estados da tiu ao solerte embaixador norte-americano procla-
Guanabara, São Paulo e Minas Gerais. Não havia, mar com muita alegria, mas com idêntica soleni-
pois, nenhuma coincidência no fato de seus gover- dade, que a "revolução de 1964" tinha sido um "pro-
nadores serem notórios e importantes "conspiradores duto 100% brasileiro"! Três dias após o golpe, Car-
civis" - respectivamente, Carlos Lacerda, Adhemar los Lacerda ouviria de Mr. Gordon a seguinte decla-
de Barros e Magalhões Pinto. ração: "Vocês fizeram uma coisa formidável! Essa
Documentos do Departamento de Estado norte- revolução sem sangue e tão rápida! E com isso pou-
americano, recentemente revelados à opinião públi- param uma situação que seria produndamente triste,
ca, evidenciam o grau de participação e de envol- desagradável e de conseqüências imprevisíveis no fu-
vimento dos EUA na conspiração e execução do gol- turo de nossas relações: vocês evitaram que tivés-
pe de abril de 1964. Examinemos aqui apenas o caso semos que intervir no conflito" (Carlos Lacerda, De-
da chamada "Operação Brother Sam". No dia 31 de poimento). Não obstante todas estas evidências de-
março aprovou-se, numa reunião no Departamento monstrem o envolvimento norte-americano no pro-
de Estado um plano militar que consistia no envio às cesso de derrubada de Goulart, não se deve concluir
costas brasileiras de um porta-aviões de ataque pesa- - como insistem certas interpretações mecanicistas
do (o Forrestal), destróires de apoio, petroleiros - que o "golpe começou em Washington" ou que a
bélicos, navios de munições e navios de mantimen- "CIA esteve por detrás de tudo". Nessa versão, os
tos; aviões transportando armas e munições (110 to- agentes internos - decisivos na preparação e no
neladas), aviões de caça, aviões-tanques e um posto desencadeamento do golpe político-militar - não
de comando-transportado deveriam se deslocar para passariam de meros instrumentos da política do Pen-
o Rio de Janeiro. O objetivo de toda esta aparatosa tâgono ...
operação era a de fornecer "apoio logístico, material
e militar" aos golpistas .
.Contrariando os próprios prognósticos da CIA,
que previa uma "guerra civil" prolongada no Brasil,
110 Caio Navarro de To/edo o Governo Goulart e o Golpe de 64 111
ros do Nordeste. Todas essas tentativas foram rapi- esses grupos, não foi observada nenhuma atuação
damente vencidas pelo forte aparato repressivo. Ape- significativa dos brizolistas durante o movimento gol-
sar de as Ligas, a partir da sindicalização rural, pista. A rigor, os adeptos de Brizola limitaram-se,
terem entrado numa fase de declínio, mantinha-se através das ondas da Rádio Mayrink Veiga, a con-
ainda uma elevada expectativa política em relação a clamar o povo a lutar contra os "gorilas".
elas. Para isso contribuíam as freqüentes declara- Talvez uma das maiores fantasias contruídas
ções de se14Slíderes. Era o caso, por exemplo, de pelas esquerdas nacionalistas tenha sido a de crer no
Francisco Julião. No dia 31 de março de 1964, abri- "legalismo das forças armadas". Na época falava-se
gado no Congresso Nacional, o líder nacional das freqüentemente nos "generais do povo" que consti-
Ligas Camponesas faria uma solene declaração: "Se- tuíam o inquebrantável "dispositivo militar" do gal.
nhor presidente, senhores deputados, deixo esta tri- Assis Brasil. Voltava-se também a difundir o velho
buna prometendo ocupá-Ia mais vezes, pois resolvi chavão: "militar é o povo fardado". Igualmente acre-
que este ano há de ser para mim o ano parlamentar; ditou-se no chamado "sargentismo"; como advertiu
resolvi freqüentar mais esta Casa, porque a minha no um autor, julgava-se que "segurança do regime demo-
Nordeste já está arrumada. Se amanhã alguém ten- crático, em geral, e do governo Goulart, em particu-
tar levantar os 'gorilas' contra a Nação, já podemos lar, repousava nos sargentos" (N. Werneck Sodré,
dispor - por isso ficamos no Nordeste o ano todo - Memórias de um Soldado). Desconsiderava-se, assim,
de SOO mil camponeses para a responder aos 'go- a "questão militar", tal como foi interpretada por Go-
rilas' " (in M. de Nazateth Wanderley e outros, Re- render: "por sua coesão institucional essencialmente
flexões Sobre a Agricultura Brasileira). No dia se- conservadora e antidemocrática, as forças armadas
guinte, os "gorilas" do IV Exército davam ordem de tinham de reagir com violência às ameaças à sua
prisão ao governador de Pernambuco, Miguel Ar- estabilidade hierárquica e ideológica. Ameaças ad-
raes, sem que os camponeses - desarmados e desor- vindas da formação de uma ala, pequena porém
ganizados - nada pudessem fazer diante da bem influente, de oficiais nacionalistas e, sobretudo, do.
armada e bem organizada repressão militar. surgimento de um movimento explosivo de sargentos
De semelhante radicalismo verbal padeceu tam- ~ e marinheiros ( ... ) As precipitações infantis desse
bém a liderança de Leonel Brizola. Seus famosos movimento ( ... ) só fizeram enrijecer a reação conser-
Grupos de Onze, criados a partir de fins de 1963, vadora da instituição militar" (Jacob Gorender, op.
revelaram-se frágeis demais para se anteporem a cit.).
qualquer ação golpista. Embora a direita denun- Superestimando as suas forças (CGT, Ligas
ciasse sistematicamente o perigo representado por Camponesas, Grupos de Onze, movimento dos sar-
114 Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64 115
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r 118
Caio Navarro de Toledo I O Governo Goulart e o Golpe de 64 119
Sobre o Autor
DESOBEDIÊNCIA CIVIL
E CONTRACULTURA
NOME: , .
END.: .
Quadros
Benevides
Gerais
29 - A burguesia
Gorender
Laura Verguélro
brasileira
30 • O governo Jãnlo
M. Victória
31 • Revolução
guerra civil espanhola
Almeida
balhista
32 • A legislação
Jacob
Mesquita
Angela M.
tra-
Unhares
iugoslava
Oueiroz
a burguesia
Armando
fraudes
54·
Bertino
A autogestão
Nobrega
55 • O golpe de 1954:
contra o populismo
Boito Jr. 56· Eleições e
eleitorais na República
Velha Rodolpho reterem 57 • Os
jesuítas José Carlos Sebe 58 • A
de
..
SNI.
--
neee D. Aarão Reis Filho 6 • O kata 33 • Os crimes da paixão república de Welmar e a ascen-
cangaço Gados A. Dória 7 • Mer- M. AI·
cantilismo e transição Francisco
Mariza Corrêa 34 - As cruzadas
HiláriO Franco Jr. 35 • Formação
são do nazismo
meida 59 • A reforma
Angela
agrária na
Como nasceu, como funciona
Falcon 8 • As revoluções burgue- do 3: mundo Ladislau Dowbor Níçarágua Clãudto T. êcmstetn
sas M. Horenzano 9 . Paris 1968:
as barricadas do desejo Olgária
36 - O Egito antigo Ciro F. Car-
doso 37 - Revolução cubana Abe-
60 - Teatro Oficina Fernando Pel-
xoto 61 • Rússia (1917-1921)
Ana Lag6a
C. F. Matos 10 . Nordeste insur- lardo Blanco/Carlos A. Dória 38 . anos vermelhos Danlel A. R. Fi-
gente (1850·1890) Hamilton M. O imigrante e a pequena pro- lho 62 • Revolução mexicana
Monteiro 11 • A revolução indus- priedade M. Thereza Schorer Pe- (1910-1917) Anna M. M. Corrêa
trial Francisco Iglésias 12 • Os trone 39 • O mundo antigo: eco- 63 • América central Héctor Pé- Um livro infelizmente atualíssimo, que esmiuça as funções
quilombos e a rebelião negra nomia e sociedade M. Beatriz B. rez Brignoli 64 - A guerra fria
Clóvis Maura 13 - O coronelismo Florenzano 40 • Guerra civil ame- Déa Fenelon 65 • O feudalismo do Serviço Nacional de Informações, cuja atuação parece interes-
M. de Lourdes Janotti 14 • O ricana Peter L. Eisenberg 41 • Hilário Franco Jr. 66 - URSS: o
governo J. Kubitscheck Ricardo Cultura e participação nos anos socialismo real (1921.1964) Da- sar mais ao Estado que ao cidadão. Nesse importante documen-
niel A R. Filho 67 - Os liberais e
Maranhão 15 • O movimento
1932 Maria H. Capelato 16 - A
de 60 Heloisa
Revolução
B. de Hollanda
de 1930: a dominação
42 -
a crise da República Velha Paulo
to, a jornalista Ana Lagõa faz um levantamento das origens do
América pré-oolombiana C. Pla- oculta Italo Tronca 43 • Contra a G. F. Vizentini 68 - A redemocra- SNI, e traça a história desse órgão até os dias de hoje.
marton .Cardoso 17 • A abolição chibata: marinheiros brasileiros tizac;ão espanhola Reginaldo C.
da escravidão Suely R. R. de em 1910 M. A. Silva 44 • Afro. Moraes 69· A etiqueta no antigo
Oueiroz 18 • A proclamação da América: a escravidão do novo regime Renato Janine Ribeiro
república J. I:nio Casalecchi 19 - mundo Ctro F. Cardoso 45 - A 70 • Contestado: a guerra do
A revolta de Princesa Inês C. igreja no Brasil·Colônia Eduardo novo mundo Antonio P. Tota
Rodrlgues 20 • História política Hoornaert 46 • Militarismo na 71 _ A família brasileira Eni de
do futebol brasileiro J. Rufino América latina Clóvis Rossi 47 - ,Mesquita Samara 72 - A econo-
dos Santos 21 _ A Nicarágua sen- Bandeirantismo: verso e reverso mia cafeeira José Roberto do
dinlsta Marisa Mereça 22 - O Hu- Certos Henrique Davidoff 48 - Amara! Lapa 73 _ Argélia: a
minismo e os reis filósofos l. R. O governo Goulart e o golpe guerra e a independência Musta-
Salinas
estudantil
Fortes 23 • Movimento
no Brasil Antonio Men-
des Jr. 24 - A comuna de Paris
H. González 25 - A rebelião
de 64 Caio N. de Toledo 49 - A
inquisição Anita Novinsky
poesia árabe moderna e o Brasil
Slimani zeqhldour
50 - A
51 - O. nasci.
fa Yazbek 74 • Reforma
no Brasil-Colônia
bim 75 _ Os caipiras
Paulo Catlos
Leopoldo
A. Brandão
agrária
de São
Jo-
76 • A
---------: ---------
praieira Izabel Marson 26 - A pri- mento das fábricas Edgar S. de chanchada no cinema brasileiro
mavera de Praga Sonia Goldfeder
27 • A construção do socialismo
Decea 52 • Londres
século
e Paris no
XIX Maria Stella Martins
Afrânio M. Catant/José
M. Sousa 77 • A Guiné-Bissau
Ináclo
SOCIEDADE E POLíTICA NO BRASIL
na China D. Aarão Reis Filho Bresciani 53 - Oriente Médio e o Ladislau Dowbor.
28 • Opulência e n"$éria nas mundo dos árabes Maria Yedda
PÓS·64
ASAIR M. Hermínia T. de Almeida (org.)
A balalada M. de Lourdes Janotti çambicana Daniel A. Reis Filho ne O fascismo Arnaldo Contier
A crise de 1929 Adalberto
son A colonização nas américas
Mar- Arte e poder no Brasil imperial
Haroldo -Oamarqo A semana de
O macarthismo Wladir Dupont O Existem momentos nos quais, quase à revelia da consciên-
modernismo Alexandre Eulálio O
Fernando Novaes A civilização arte moderna de 1922 Douglas movimento operário e a gênese cia, o pensamento social registra uma mutação. O que é próprio
do açúcar Vera Ferlini A crise do Tufano As internacionais operá. do peronismo José L. B. êetred/
petróleo Bernardo Kucinski A de- rias M. Tragtenberg As ligas Letfcta V. S. Reis O populismo desta antologia é ser uma espécie de "Plataforma da Nova Gera-
mocracia ateniense
Paulo P. Castro
F. M. Pires/
A guerra dos
camponesas
ponês no nordeste
e o movimento
Aspásia
cem,
Ca-
russo
Oliveira
Lutz Eduardo
Os movimentos
Prado de
de cul-
ção". Não é só a descoberta do novo: é a generalização de sua
farrapos
história
Antonio Mendes
do Carlbe EJizabeth Aze-
Jr A margo Capital Monopolista
Brasil Maria de Lourdes Mô!1zini
no tura . popular
Brandão
no Brasil
Padre Cícero,
C. R.
o mlle-
consciência.
vedo/Lulza V. Sauaia/Hildegard Covre Fome e tensões na socie- greiro Carlos A. Dória Peru 1968:
Herbold A história do espe- dade colonial Maria O. Leite golpe ou rev.alução? Adrlana Am-
ticulo e encenação Fernando Guerra do Vietnã Paulo Cha- backjAngela M. da Costa/Caro-
Peixoto A história do P.C.B. SII· eon História contemporânea ibé- line Harart Poder e televisão Fernando Henrique Cardoso
via Magnani A Independência rica Francisco Falcon História da Antonio Alves Curv previdência
dos EUA Suzan Anne Sem ler A educação brasileira Mirian Jorge social no Brasil Amélia Cohn
industrialização brasileira Fran- Warde História da escola Ellana Revoluçào científica José Ahry-
cisco Iglésias American way of Marta S. T. Lopes História de slo Reis dé Andrade Rev.olução
Ufe chega ao Brasil Gerson Mou- hollywood Shella Mezan Madeira dos cravos Mauro de Mello Leo-
ra A redemocratização
1942-1948 Carlos Henrique Davi-
doff A revolução
Sergio Pinheiro·A
brasileira:
de 1935 P.
revolução mo-
Mamorá -
Francisco
do absolutista
A ferrovia
Fernando
O Estado Novo Maria S. Brescta-
fantasma
Foot Hardman O esta-
Novaes
nel Jr. Salazar e o estado novo
português Maria luiza Paschkes.
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Caetano Veloso
Jack Kerouac
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