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Arrigo Barnabé

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SERIALISMO NA CANÇÃO POPULAR:

RETRATO MUSICAL DE UMA SOCIEDADE DISTORCIDA


ATRAVÉS DE ARRIGO BARNABÉ

por

Arthur Antonio Fernandes da Silveira


(DRE: 110136294)

Trabalho apresentado em cumprimento às


exigências da disciplina Música Brasileira III,
ministrada pela Profª Drª Maria Alice Volpe
15º período do Curso de Licenciatura em Música

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO


ESCOLA DE MÚSICA
JULHO / 2017
SERIALISMO NA CANÇÃO POPULAR:

RETRATO MUSICAL DE UMA SOCIEDADE DISTORCIDA


ATRAVÉS DE ARRIGO BARNABÉ

O Lp Clara Crocodilo, lançado em 1980, se constitui numa obra incrível por suas
diversas misturas de cunho musical (Música serial misturada com a música popular e narração
em terceira pessoa com a estética de histórias em quadrinhos). Por essas características
incomuns à época, sua aceitação foi bem dividida com relação ao público, que se prova com
as audições das apresentações da época onde se via um público tanto apoiando quanto
vaiando. Já nos anos futuros, tal obra assim como o movimento ao qual se enquadrou
(Vanguarda Paulista), se tornaram relevante no que tange os grandes movimentos musicais
ocorridos no Brasil.
Arrigo Barnabé nasceu em Londrina, no dia 14 de setembro de 1951, numa família de
formação católica. Antes de pensar em viver como músico, pensou em atuar em outras áreas
como, química e arquitetura, o que o levou a se mudar para São Paulo em 1971, onde
começaria seu curso de arquitetura e urbanismo na Universidade de São Paulo (USP). Apesar
disto, Arrigo já havia estudado em sua adolescência teoria e piano no conservatório Carlos
Gomes em Londrina, e em suas constantes voltas a sua cidade natal, através de seu círculo de
amigos onde eram debatidos diversos temas inclusive música, que começou a ser formado os
primeiros esboços de composição de seu primeiro cd. Conheceu a obra de compositores como
Schoenberg (1874 - 1951), Bartók (1881 - 1945), Stravinsky (1882 - 1971), Stockhausen
(1928 - 2007) e Luigi Nono (1924 - 1990). Um dos tópicos de maior importância a ser
mencionado, foi sobre a necessidade de um novo passo da música brasileira, que era debatido
em seu grupo. A Tropicália havia sido o movimento anterior que trouxera a inovação musical
no Brasil. Arrigo entendia que a Tropicália tinha sido um movimento que causara uma
revolução, principalmente se tratando das letras. O modo como estas foram incorporadas
revelou uma qualidade e complexidade que ficara marcada por diversas gerações. Em suas
próprias palavras disse:
A Tropicália é um negócio que mexe muito com a paródia, não é um movimento
propriamente musical. A loucura é a letra, toda fragmentada. (…) A gente achava,
então, que o passoseguinte era mudar a própria música. (…) depois do tropicalismo,
só a música atonal tinha futuro (ARANTES, 1981, p. 17 apud CAVAZZOTI, 2000,
p. 6).

Em 1975 ingressou no curso de música do Departamento de Música da Escola de


Comunicação e Artes da USP. Onde estudou composição e piano.Neste período já havia
composto 2 das 8 músicas do seu cd, Clara Crocodilo e Sabor de Veneno, que, como veremos
com mais detalhe a frente, eram baseadas em séries de 6 e 8 sons e não dodecafônicas.
Em 1980, com sua banda Sabor de Veneno e mais alguns convidados, o LP Clara
Crocodilo surgiu. Inicialmente seria lançado pela gravadora Polygram, mas devido a
problemas internos e atritos com a gravadora, Arrigo acabou por abandonar a gravadora e
gravar de modo independente. Este álbum contém dezesseis faixas, correspondendo a 41
minutos e 67 segundos de gravação, com as canções Acapulco Drive-in, Orgasmo Total,
Diversões Eletrônicas, Sabor de Veneno, Infortúnio, Office-Boy, Clara Crocodilo e
Instante.Em relação a estrutura musical, segundo Cavazzoti:

A análise do texto musical das oito canções do LP “Clara Crocodilo” evidenciou que
todas são composições seriais. Delas, as duas canções mais antigas, “Clara
Crocodilo” (1972) e “Sabor de Veneno” (1973), são baseadas em séries de oito e
seis alturas, respectivamente, indicando que o compositor utiliza a técnica
dodecafônica apenas a partir de 1974. As demais canções (Acapulco Drive-in,
Diversões Eletrônicas, Orgasmo Total, Instante, Infortúnio e Office-Boy) são, de
fato, dodecafônicas. (CAVAZZOTI, 1993, p. 174 apud WENDPAP, 2013, p. 20).

Ilustração: Partitura musical de Acapulco Drive-In – Compassos 44 a 47 – Fonte Cavazzoti, 1993.

O serialismo seria uma estrutura de composição na qual, o compositor montaria um


grupamento de notas que seriam chamadas de série. Ao serem executadas, a série deve ser
completada, ou seja, tocada em sua ordem sem que nenhuma nota se repita. A ideia seria a de
não enfatizar nenhuma nota tratando elas como iguais. As séries também podem se
reinterpretadas através da forma retrógada (RO) que seria sua leitura de trás para a frente,
invertida (IO), onde os intervalos das notas das séries são invertidos (Terça maior vira terça
menor por exemplo) e retrógado da inversão (RI) ao qual seria série invertida lida de trás para
a frente.
Outro ponto comum é o uso constante de mudanças de compassos, que somada a
dificuldade de percepção auditiva da canção, também confere uma dificuldade rítmica.
Ilustração: Partitura musical Orgasmo Total - compassos 47 a 52 – Fonte: CAVAZZOTI, 1993.

Em relação a letra, grande parte é construída numa narrativa que remente as histórias
em quadrinhos, que foi uma extrema influência no método de composição de Barnabé. Toda
história se passa numa São Paulo marginalizada e degradada, onde as pessoas, oprimidas pela
vida da cidade, são desumanizadas e buscam seus prazeres com prostituição, drogas e bebidas.
As duas primeiras canções “Acapulco Drive-in” e “Orgasmo Total” abordam o tema da
prostituição, onde um homem solitário e velho buscando prazer barato, para uma prostituta de
rua chamando-a para tomar um drink, e, ao final da canção fica implícito o ato sexual em si.

Quero sua pele parda


Lábios de carmim
Brr... tentação nua
Empina o volante
No zíper, a surpresa que já tarda
Calcinha imitando pele de leoparda
Acapulco drive-in

A segunda canção como o próprio nome sugere, aborda o ato sexual como algo banal,
um produto vendável numa sociedade onde as pessoas estão cada vez mais distantes. A
canção “Office Boy” e “Clara Crocodilo”, representam a atitude do anti-herói, uma vez em
que estávamos vivendo uma época de repressão, se fazia necessário a figura de alguém que
não fosse visto como uma figura aceita pela sociedade, e sim um produto do meio, alguém do
povo que representa a vontade contrária do statu quo. Durango, office boy, trabalhava a
semana inteira e ainda assim não tinha dinheiro no fim de semana resolve participar de um
teste em uma farmácia que promete pagar bem, o teste falha transformando ele em um
monstro metade animal, metade humano chamado Clara Crocodilo.
Em relação ao movimento “Vanguarda Paulista”, disse Gilberto Gil:
Em um nível mais amplo, Gil (2006, p.22) argumenta que vários músicos e
intérpretes que surgiram sob o rótulo genérico da vanguarda paulista não formaram
um movimento propriamente dito, careciam de uma figura unificadora como
Rogério Duprat, e de algo ainda mais elementar: na verdade não possuíam o desejo
de ser bem-sucedidos. Gil também ressalta o fato de a música da vanguarda paulista
não ter sido prontamente aceita pelo público de fora de São Paulo, uma observação
astuta que indica que era talvez excessivamente autocentrada em termos de
referências líricas, elitismo metropolitano e sofisticação a ponto de não lograr
sucesso em alcançar um público tradicional fora de São Paulo. (GIL, 2006, p. 22
apud STROUD, 2010, P. 10)

Particularmente, Clara Crocodilo representa uma distorção de como a sociedade vivia


na década em que foi escrita, utilizando uma forma composicional incomum, Barnabé
representa uma sociedade distorcida e marginalizada através da característica principal que o
ouvinte tem ao acesso a música atonal pela primeira vez, confusão, tensão e desconforto.
Características que também se aplicam ao plano da história. Quanto a narração, temos as
características de história em quadrinhos,da cidade sombria com o herói que não luta pela
manutenção desta, e sim um produto distorcido deste modelo, um experimento que incomoda.
Barnabé conseguiu com êxito criar uma obra que foge das convenções comuns da época e por
que não, suas próprias decisões em buscar estas ferramentas não tenham sido influenciadas
por estes mesmo meios que tornaram a sociedade como ela era na época.

Referência bibliográfica:

BARNABÉ, Arrigo. Clara Crocodilo. LP813.598-11. São Paulo: Nosso Estúdio, 1980

BATISTA, Juliana Wendpap. O Universo de Clara Crocodilo: História e Música no LP de


Arrigo Barnabé. (Dissertação de mestrado) São Paulo: PUCRS, 2013

CAVAZOTTI, André. O Serialismo e o atonalismo livre aportam na MPB In: Per Musi. Belo
Horizonte, UFMG, 2000

STROUD, Sean. Música Popular Brasileira experimental, Itamar Assumpção, a vanguarda


paulista e a Tropicália. São Paulo. Revista USP, 2010

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