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T1A Constitucionalismo Trajetória Histórica (... )

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FICHAMENTO Direito Constitucional

Tópico: Constitucionalismo: trajetória histórica. Constitucionalismo liberal e social.


Constitucionalismo britânico, francês e norte-americano.
Bibliografia utilizada: “Direito Constitucional: teoria, história...” (Daniel Sarmento)

1. A organização política da polis grega era chamada politeia, que determinados autores
traduzem como Constituição. Embora indicasse a forma de ser da comunidade política e os
caminhos a serem idealmente trilhados por ela, a politeia se distancia bastante da ideia
moderna de Constituição como um documento jurídico que organiza o Estado e disciplina
suas relações com os cidadãos. Além disso, na Grécia, a liberdade individual (principal
objeto de interesse protetivo das Constituições modernas) não era tida muito em conta. A
concepção organicista dos gregos enxergava o indivíduo menos em sua dignidade pessoal do
que como pertencente ao corpo social (é, inclusive, questionável o uso da ideia de indivíduo
antes da modernidade).
2. Em Roma, tampouco percebe-se a existência de um documento jurídico que organiza e
limita o poder estatal em prol da liberdade individual, embora entre os romanos a ideia de
que indivíduos detinham direitos já fosse mais desenvolvida, assim como existisse uma
intenção deliberada de autolimitação de poderes no funcionamento de determinadas
instituições do Império.
3. Com mais razão é possível dizer que inexistia a ideia de Constituição na Idade Média,
marcada, ao contrário, por descentralização política e um grande pluralismo jurídico. Há
autores, entretanto, que referem-se a esses aspectos descentralizado e plural como traços do
“constitucionalismo medieval”. É possível identificar em certa Idade Média, também,
espécies de embriões do constitucionalismo moderno. O mais célebre desses é a chamada
Carta Magna do rei João sem Terra, de 1215, cujo objetivo era proteger determinadas
liberdades de membros de estamentos superiores em face da atuação do rei. Embora seja um
gérmen da ideia de limitação do poder estatal, estas cartas não gozavam da oponibilidade
universal dessa limitação, que é própria do constitucionalismo moderno.
4. O Estado moderno suprime o pluralismo de ordens jurídicas típico do período medieval e
instala o monismo: o Estado como única fonte legítima do direito. O Estado absolutista, ao
centralizar o poder e a produção normativa permitiu até certo ponto o desenvolvimento do
capitalismo. Até certo ponto, porque a classe emergente moderna, a burguesia, percebeu que
era necessário fazer com que o próprio Estado se submetesse as regras que ele mesmo
criava, era necessário limitar o poder para proteger a liberdade, a igualdade e a propriedade.
Daí a convergência entre os interesses de classe burguesa e o ideário constitucionalista.
5. As guerras religiosas da Europa, por seu turno, também contribuíram com o avanço de uma
ideia que foi cara ao constitucionalismo, a secularização. Era necessário criar um espaço de
tolerência religiosa em um Europa em que a unidade religiosa havia se quebrado, e isso só
seria possível se o Estado se secularizasse.
6. Outra ideia que avança na Europa moderna e que fornece um enorme tributo ao
constitucionalismo é a de uma sociedade formada por indivíduos atomizados, gozando de
liberdades frente aos poderes políticos. Nesse linha, surgiram versões do contratualismo que
visavam superar aquele de Hobbes, em que a liberdade dos indivíduos deveria ser totalmente
entregue ao Estado para o bom funcionamento da sociedade. Locke é o principal nome a
propor uma nova tese contratualista. Para Locke apenas uma parcela diminuta da liberdade
do indivíduo deve ser entregue ao Estado, que deve se omitir de avançar contra aquela
parcela maior que não lhe foi entregue, composta de direitos naturais do indivíduo (o
jusnaturalismo de Locke, entretanto, não é derivado de Deus, mas da razão humana).
7. São três os pilares básicos em que se assenta o constitucionalismo moderno: 1) a contenção
do poder dos governantes, através da separação dos poderes; 2) a garantia dos direitos
individuais frente ao Estado (direitos negativos oponíveis ao Estado); 3) a legitimação dos
governos pelos governados, via democracia representativa. Dos três pilares, o único que
acabou não se desenvolvendo adequadamente foi o terceiro, em função de amplas restrições
que os Estados constitucionais acabaram por impor em relação aos potenciais eleitores (voto
censitário, etc).
8. O modelo inglês de constitucionalismo – A Inglaterra não chegou a experimentar um
absolutismo nos moldes em que ele existiu no continente. Desde a Idade Média, o poder das
dinastias inglesas recebiam freios oriundos de acordos entre a monarquia e altos estamentos
da sociedade – de que a Carta Magna do Rei João sem Terra é o exemplo maior. Após a
Revolução Gloriosa, no século XVII, a Inglaterra viu nascer vários atos que limitavam o
poder dos reis em favor do Parlamento. Na Inglaterra não existia uma Constituição escrita,
mas textos esparsos, costumes e lineamentos traçados pelo common law. Portanto, a ideia de
um poder constituinte rompendo com o passado é estranha, e até contrária, ao
constitucionalismo inglês. Outra ideia estranha ao constitucionalismo inglês é o controle dos
atos legislativos emanados do Parlamento. Nesse sentido, a Constituição inglesa é tida como
flexível, porque alterável por atos legislativos do Parlamento (que possui uma soberania
quase absoluta). Essa soberania absoluta do Parlamento, contudo, vem enfrentando ataques.
Em 1998 foi aprovado o Human Rigths Act, que, de certa forma, permite que o Judiciário
atue no sentido de viabilizar a invalidação de normas contrárias aos direitos humanos. O
sistema inglês é atualmente recessivo. Poucas são as Constituições modernas que seguem
seu modelo, não escrita e baseada nas tradições (Israel e Nova Zelândia).
9. O modelo francês de constitucionalismo – É o constitucionalismo francês, pelas mãos do
abade Sieyés, que elaborará a ideia de poder constituinte originário. Essa ideia visava dar
aos revolucionários franceses ampla liberdade para forjar sua Carta Constitucional sem ter
que pagar tributos ao passado. Aqui já se percebe a distância do modelo francês
(Constituição escrita e quebra de tradições) quando comparado ao inglês (Constituição não
escrita e tributário das tradições). Dizia a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
de 1789, que as sociedades nas quais as garantias individuais não são asseguradas e o poder
não é limitado, não possuem Constituição. O modelo francês prima pela supremacia do
Legislativo em relação ao Judiciário, visto com bastante reserva pelos revolucionários, que o
supunham um Poder ainda marcado pelas linhas autoritárias do Antigo Regime. A turbulenta
história política da França contribuiu para que fossem editadas uma sucessão de novas
Constituições, treze ao todo. A atual vigora desde 1958. Diz-se que, dada essa instabilidade,
o Código Civil francês fez, naquele país, o papel de Constituição real. O modelo francês foi
o mais influente durante o século XIX, mas no século XX vem perdendo espaço, sobretudo
em relação a supremacia que dá ao Legislativo e os limites que estabelece para a jurisdição
constitucional.
10. O modelo norte-americano de constitucionalismo – A cultura política e constitucional
norte-americana foi fortemente marcada pelo perfil de seus artífices, muitos deles imigrantes
perseguidos por motivos religiosos e políticos na Europa. Isso trouxe para a tradição norte-
americana uma preocupação acentuada com a relação do poder com as minorias. A
Constituição dos Estados Unidos é de 1787. Inovou por forjar o federalismo presidencialista.
É originalmente um texto sintético composto de sete artigos que recebeu apenas vinte e sete
emendas até hoje. Sua modificação é de extrema dificuldade, mas as clásulas abertas de seus
artigos permitem sua constante atualização pela via interpretativa. São dois os vetores
básicos do constitucionalismo norte-americano: um, o vetor democrático, que trata do
autogoverno do povo; dois, o vetor liberal, interessado na proteção das minorias frente ao
poder da ocasião. A busca pelo equilíbrio contínuo entre esses dois vetores é a busca do
constitucionalismo norte-americano, que desconhece a ideia de uma Constituição dirigente,
voltada para o futuro. Também é uma característica do constitucionalismo norte-americano a
ideia de supremacia da Constituição e de seu valor jurídico.
11. Constitucionalismo liberal burguês – Pautado na defesa da igualdade, liberdade e
propriedade, compreendidos como direitos do indivíduo que não poderiam ser atacados pelo
Estado, o qual deveria cumprir, em relação a esses direitos, um papel basicamente nagativo,
de não intervenção. Muitas eram, todavia, as contradições nessa fase do constitucionalismo.
A igualdade era declarada nas Cartas Constitucionais, mas por vezes negada nessas mesmas
Cartas, quando se exigia, por exemplo, critérios censitários para o exercício do voto. A
liberdade era, por assim dizer, uma liberdade castrada, restrita basicamente à esfera privada
do indivíduo, pouco avançando no terreno das liberdades públicas; restringia-se, além do
mais, aos aspectos econômicos da liberdade, desconsiderando aspectos existenciais. A
propriedade, cuja garantia esteve no centro da ideologia constitucional liberal, se surgiu
como uma resposta aos obstáculos que a aristocracia, com sua mentalidade estamental,
impunha ao seu acesso, acabou se convertendo em um instrumento legitimador e
fortalecedor das desigualdades sociais.
12. Constitucionalismo social – A mera declaração formal de direitos levada à cabo pelo
constitucionalismo liberal burguês sofreu críticas e influxos variados: do marxismo, da
doutrina social da Igreja, do socialismo utópico, etc., todos apontando para sua incapacidade
em lidar com os problemas sociais e econômicos, agravando crises. Nasce assim o
constitucionalismo social, que defende a atuação maior do Estado visando a materialização
dos direitos declarados pelas Cartas liberais do século XIX. Essa atuação abrangeria a esfera
econômica tanto quanto a social. Concilia os elementos do liberalismo com uma necessidade
de materializá-los e garantir direitos de cariz mais social. Por vezes, o dito Estado Social,
sob o argumento de efetivar as demandas sociais e econômicas de intervenção, converteu-se
em um Estado autoritário (exemplos são fartos: o fascismo e nazismo na Europa, os
governos autoritários na América Latina e no Brasil). Houve duas fórmulas distintas de
recepção do Estado Social: uma primeira, cujo exemplo paradigmático é o do direito norte-
americano, caracteriza-se por não impedir as políticas estatais – das maiorias de ocasião – de
intervirem no domínio econômico e social. Foram introduzidas não pela via da reforma
constitucional, mas pela via interpretativa. A segunda, desesolvida na Europa e também no
Brasil, introduzia nas Constituições desses países os parâmetros para essa intervenção (as
duas Constituições paradigmáticas e precursoras desse modelo foram a alemã, de Weimar,
1919, e a Constituição Mexicana, 1917. O modelo do constitucionalismo social, embora
tenha vingado no século XX, terminou esse mesmo século em crise. Em parte, gerada pelo
fenômeno da globalização e seu correlato no campo econômico, o neoliberalismo, que
desterritorializando o poder e tornando o capital volátil e global, sempre em busca da mão
de obra mais barata, foi minando mundo afora as estruturas de proteção social erguidas pelo
constitucionalismo social.
13. Constituição: declaração política ou norma jurídica? Durante o século XIX e metade do
século XX, ressalvada a tradição constitucionalista norte-americanca, as Constituições eram
encaradas mais como declarações políticas do que propriamente como normas jurídicas
vinculantes. Tal cenário só começa a mudar nos países da Europa continental e no Brasil
(exceção feita, repita-se, aos Estados Unidos) após a Segunda Guerra Mundial. A Lei
Fundamental Alemã de 1949 é o marco dessa nova fase do constitucionalismo, norma que
criou o Tribunal Constitucional Federal e um sistema de controle de constitucionalidade.
Mesmo na França, cujo constitucionalismo tradicionalmente aderiu à tese da Constituição
como mera declaração política, tal cenário começou a mudar gradualmente após o fim da
Segunda Guerra.

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