Marcelo Lion Villela Souto - "Lições Sobre Os Filósofos Pré-Platônicos" e A Filosofia Na Época Trágica Dos Gregos: Um Ensaio Comparativo
Marcelo Lion Villela Souto - "Lições Sobre Os Filósofos Pré-Platônicos" e A Filosofia Na Época Trágica Dos Gregos: Um Ensaio Comparativo
Marcelo Lion Villela Souto - "Lições Sobre Os Filósofos Pré-Platônicos" e A Filosofia Na Época Trágica Dos Gregos: Um Ensaio Comparativo
um ensaio comparativo
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O texto Die Vorplatonischen Philosophen não faz parte da edição em 15 volu-
mes, organizada por G. Colli e M. Montinari. Utilizamos, pois, em nosso tra-
balho, a edição francesa Les philosophes preplatoniciens (apresentação e notas:
Paolo D’Iorio; tradução Nathalie Fernand. Paris, Editions de L’eclat, 1994).
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Doutorando do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual do Rio
de Janeiro – UERJ.
Ensaio de resposta
isso, a sua intenção de dar a palavra aos antigos. Serão eles próprios
que poderão responder a respeito de quanto vale seu pensamento.
Nietzsche pretende revalorizar o pensamento dos antigos, os juízos
emitidos e os valores exaltados: “O julgamento dos filósofos antigos
sobre a vida é mais rico de significados”.14 Pretender que os siste-
mas filosóficos dos antigos possam ser julgados em função de sua
capacidade de serem reutilizados pelas ciências modernas seria jus-
tamente dar a palavra aos modernos e, mais uma vez, fechar os
ouvidos para o que os gregos falam sobre si. Hierarquizar as doutri-
nas desses pensadores em função das ciências modernas seria tor-
nar a valorizar os juízos modernos contra aqueles que são postos
pelos próprios filósofos – que, por sua vez, são o objeto da questão.
É lançada, então, uma suspeita sobre a capacidade da interpre-
tação moderna de alcançar a verdade acerca do pensamento dos
antigos. Ora, é possível que não se tenha aprendido suficientemen-
te a partir da boca dos próprios filósofos. Muito se fala sobre eles,
mas não se consegue ouvir o que eles próprios têm a dizer. Nós,
filósofos modernos, não compreendemos o que vem a ser a sua filo-
sofia, não compreendemos sequer o que vem a ser a filosofia, esta-
mos, desta forma, longe de poder decidir sobre quais são os proble-
mas filosóficos, quer dizer, sobre o que a filosofia deve levar em
conta ou deixar de lado. Ou, pior ainda: é possível antecipar o vere-
dicto de que estejamos valorizando e supervalorizando justamente
aquilo que degrada, que denigre a imagem do homem perante a si
mesmo, enfim, o que o torna baixo.
A radicalização dessa suspeita sobre a capacidade de interpreta-
ção dos modernos, que é levantada já nas “Lições”, dará o tom da
abordagem que será feita em A filosofia na época trágica dos gregos.
A maneira como os filósofos serão descritos nesta obra parece indi-
car a descrença no critério de verdade posto a partir da filosofia de
Platão. Através da tentativa de recriação de seus “tipos”, Nietzsche
mostra que sua intenção efetiva, tal como se encontra nos prefácios,
Será preciso admitir, sob tal ângulo de visão, que é por deferên-
cia a certos valores de cunho moral que a tradição filosófica, na esteira
de Platão, postulou, como o critério decisivo para a verificação da
autenticidade de um conhecimento, a completa dissipação de toda
“De fato, por longo tempo nos detivemos ante a questão da origem
dessa vontade (de verdade) – até afinal parar completamente ante uma
questão mais fundamental. Nós questionamos o valor dessa vontade”
(JGB/BM §1).
“Mesmo dos tipos mais antigos a maioria foi mal transmitida pela
tradição; todos os filósofos, de Tales a Demócrito me parecem extrema-
mente difíceis de reconhecer; mas quem é capaz de recriar essas figuras
move-se entre imagens do mais poderoso e puro dos tipos. Essa aptidão
é, sem dúvida, rara falta até mesmo aos gregos posteriores que se ocupa-
ram da filosofia mais antiga (...)” (MAI/HHI § 261, grifo nosso).
notas
1
Sobre as diversas fazes de elaboração de seu trabalho, ver
D’Iorio 1, “Les manuscrits”, p. 75: “A primeira redação
completa é o texto das “Lições” que nós propomos aqui.
A segunda redação corresponde ao primeiro ensaio de
remanejamento (incompleto) [...] A terceira redação (ainda
incompleta, onde faltam as figuras de Empédocles, de
Leucipo e de Demócrito, dos pitagóricos e de Sócrates)
corresponde ao manuscrito enviado a Bayreuth (...) a par-
tir do qual foi estabelecido o texto que é habitualmente
publicado sob o título de A filosofia na época trágica dos
gregos. Em outro, um compêndio de planos e rascunhos
[...] precedentes, que acompanham e seguem as três re-
dações sucessivas”.
2
D’Iorio 1, “La naissance de la philosophie enfantée par
l’esprit scientifique”, p. 45.
3
Nietzsche 7, p. 83.
4
D’Iorio 1, “La naissance de la philosophie enfantée par
l’esprit scientifique”, p. 23.
5
Ibid. p. 28.
6
Ibid., p. 14. Que se leia também: “Com exceção de breves
notas sobre Empédocles, o grande afresco traçado nas
“Lições” dificilmente poderia ser conciliável com O nasci-
mento da tragédia. O livro gêmeo arriscava vir a ser um
perigoso adversário da metafísica da arte e da reforma
cultural wagneriana: a força mítica coesiva da arte não
entrava em acordo com o espírito analítico e desagregador
da filosofia” (ibid., p. 34).
7
Ibid., p. 34. Também a esse respeito: “Nos cadernos que
vão do verão de 1872 à primavera de 1873, Nietzsche
tenta modificar sua moldura original de modo a fazê-la ser-
vir à causa de Bayreuth” (ibid., p.34).
8
Cf. ibid., p. 39: “Ele (Nietzsche) simplesmente suprimira
algumas referências à ciência e à filosofia contemporâneas
e dotara estas figuras antigas de um caráter mais artístico e
mais intuitivo. Ele queria, como em O nascimento da tra-
gédia, o reconhecimento e a aprovação do mestre.”
9
“Todos esses homens são talhados numa só rocha: seu
pensamento e seu caráter são unidos por uma estreita
necessidade” (Nietzsche 7, p. 82).
10
“Estes primeiros filósofos tiveram que descobrir o cami-
nho que levava do mito às leis da natureza, da imagem ao
conceito, da religião à ciência” (Ibid., p. 84).
11
Ibid., p. 82.
12
Ibid, p. 84.
13
Ibid., p. 81.
14
Ibid., p. 82.
15
D’Iorio 1, “La naissance de la philosophie enfantée par
l’esprit scientifique”, p. 13.
16
Ibid., p. 32 .
17
Ibid., p. 32.
18
Nas “Lições”, Nietzsche inicia o capítulo sobre Heráclito
através de uma biografia do filósofo de Éfeso; em PHG/
FT, o pensador alemão parte de uma contraposição direta
com o pensamento de Anaximandro.
19
Kofman 2, pp. 18-19.
referências bibliográficas