Aldir - Blanc Brasil - Passado.a.limpo PDF
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Texto da contra-capa
O POETA DAS RUAS DO RIO
Eis aqui mais um livro de contos, de humor, de crônicas ou
de poesia pura deste extraordinário músico e letrista que é
Aldir Blanc. Eis aqui um problema para os bibliotecários: é
difícil classificar este livro. Como sugere Sérgio Cabral,
melhor colocá-lo na estante de literatura carioca, ao lado das
obras de Manuel Antônio de Almeida, Machado de Assis,
Lima Barreto, Marques Rebelo, Nelson Rodrigues e Sérgio
Porto. Como eles, Aldir Blanc soube entender a encantadora
alma das ruas.
Pra Isabel- ô xodó danado, meu Deus!
Pra Mariana (de novo!), grávida.
Pra Tatiana, que também estava grávida
e me deu dois netinhos, Pedro e Joana.
Pra Patrícia (também estará grávida?!?)
Pra Ucha, que era pequenininha sentada
na lata de Toddy em Vila Valqueire, virou uma
linda mulher e fugimos pra Epidauro.
Pra meus vários netos recém
chegados e a caminho: boa viagem!
Aldir do Rio
Sérgio Cabral
2ª Faixa: Dolores
Bem que eu não queria ir naquele baile de gala no Clube
de Regatas Vasco da Gama. Bacalhau de smoking fica mais
deslocado que pingüim de chuteira. Mas o Dininho insistiu e eu
acabei indo. Mal-humorado, ancorei o cotovelo no balcão do
bar e comecei a encher a cara de cerveja. Já estava chamando
urubu de meu louro quando a Aparição me cegou. Instantes
depois, refeito do choque, recomecei a beber - só que,
humildemente, pra tomar coragem.
Eu me contentaria em ser rato na abóbora daquela
Cinderela. O medó fazia meus sovacos destilarem essências
dignas de um desastre ecológico em Cubatão. Minha cabeça
rodando, girava mais que os casais, fazia perguntas
irrespondíveis: e se ela cuspir na minha cara?, será que ela vai
reparar que minha faixa é uma adaptação do xale da tia
Nicinha?, e se ela disser que essa merda de gravata parece mais
mariposa que borboleta?, e se eu pisar no pezinho dela?, e se
me der vontade de soltar um pum?, e se além de feder, fizer um
barulhão?, e se eu vomitar o ensopadinho, meu Deus?!?
Ela era linda. Estava com uma gargantilha de pérolas de
três voltas - minha forca - combinando com o sorriso. E luvas.
Luvas. E a ponta de um torturante bandeide no calcanhar. Se
ela entrasse em meu quarto, numa noite de lua cheia, só de
gargantilha e luvas, mais os bandeides afrodisíacos, eu
confesso que seria capaz de cometer uma loucura: dilacerar
meu pijama verde de listrinhas, uivando como um lobo;
estraçalhar suas luvas brancas com meus cariados caninos;
romper a gargantilha com unhas roídas ávidas, deitá-la sobre as
pérolas derramadas e, no clímax do surto psicótico, broxar.
Tsk, isso acontece!
A orquestra foi fundo em La Puerta. E meu amor, como
que hipnotizado, foi atrás da Cinderela. Quando a timidez
ameaçava me paralisar, eu pensava no Garrincha driblando os
adversários e ía em frente. Cheguei na mesa dela como se
tivesse cruzado o Amazonas por debaixo d’água: molhado e
sem fôlego.
O suor escorria pelas pernas de tal modo que temi ter feito
xixi nas calças. O coroa com pinta de pai devia ser médico
porque me fitou longamente, enquanto mordiscava um palito
de fósforo. Uma eternidade depois, colocou o que restava do
pauzinho no cinzeiro e perguntou:
- Quer um Valium?
Sou do Estácio, qual é?
Não perdi a pose. Esse babaca não me conhece, não sabe
com quem tá falando, pomba. Respondi à altura:
- Se o senhor tiver Maracujina, sem querer abusar, eu
aceito.
Justo nessa hora, a letra do bolero falava em padecer.
Respirei fundo, tive uma rápida crise de choro, e dei a volta por
cima:
- Terminei o científico no Externato São José.
Até hoje não entendo a razão daquelas gargalhadas.
Armei um ar entediado, tipo James Dean em Nilópolis,
acendi a lapela esquerda do paletó com meu isqueiro Zippo e
disse:
- Adoro bolero.
Engasguei com a fumaça e ela não ouviu nada. Ela ficava
mais bonita ainda gritando: “Hein? Hein?". Tropecei no
cadarço desamarrado do meu insólito sapato social de lona
(que eu também usava pra futebol e basquete), e caí nos braços
do pai dela, que era um cara até bem-humorado:
- É comigo que você quer dançar?
Ela colocou água na fervura:
- Euclides, vai com calma, meu bem.
Euclides? Meu bem? Hiii.
Mas o cara era realmente compreensivo.
- Dá uma dançada com esse palhaço, Dolores, antes que eu
arrebente ele todinho.
Dolores! Fiz careta pra ele. Não levo desaforo pra casa.
Ela me arrastou pro salão como quem puxa um poodle.
Dolores! Enlacei a cinturinha dela e dei uma rodopiada pra
esquerda. Atingimos em cheio um garçon, e vários cuba-libres
afluíram da bandeja para o vértice do decote de Dolores. Ela
revelou verve e distinção:
- Bom, gelado tá, mas eu costumo tomar um de cada vez.
Procurei levar um papo descontraído, bacana, pra que a
gafe anterior não provocasse efeitos colaterais.
- Minha vó Noêmia sabe fazer pavê de chocolate.
E ela, ardilosa e criativa:
- Pa vê ou pa comê?
Meu gogó fez crunch, de paixão contida.
Continuei a conversa com a maior naturalidade.
- Você costuma ter cólica menstrual?
- Olha, eu...
- Mamãe prefere Regulador Gesteira.
- É mesmo?
- Você tem cabelos sedosos e ondulados. Deve ser graças
ao legítimo Óleo de Ovo!
- Pra ser sincera...
- Vacinosan estimula a vida da epiderme. O melhor
medicamento pra cútis.
- Quem sabe...
- Para uma dama, extrato, loção e pó-de-arroz, de
Myrurgia.
Ela me censurou ternamente:
- Tira a outra mão do bolso que não fica bem...
Disfarcei, cantarolando no ouvidinho dela o Hino do
Expedicionário. Tentei cativá-la com uma última cartada.
- Tu lembra do Coronel?
- Coronel?
- Hum, hum. Laerte, Orlando e Coronel. Do time do
Vasco, campeão de 56.
Ela riu, brincou com meu topete emplastrado de gumex,
beijou meu queixo de levinho e me chamou de maluco.
Voltei a mim na enfermaria do clube, mais do que nunca a
Cruz de Malta cravada em meu peito. A turma é boa, é mesmo
da fuzarca. Vasco, Vasco, Vas-cô!
Dolores, mesmo não sendo Sierra nem nascida em
Salamanca, deixaste abandonada a ilusão que havia em meu
coração por ti.
3ª Faixa: Marilda
A crooner do Conjunto Sete de Ouros chamava todo
mundo de Hipócrita, no Vila da Feira, e eu, que nasci pra
bailar, terçava passo com Marilda, moreninha de minhas
relações, infelizmente não-sexuais. Perpetrei uma queda-de-asa
e o salto do sapato dela quebrou. Levei-a, cavalheirescamente,
até a mesa e dei uma de homem vivido:
- Fica triste não. Sapato alto é um problema.
Ela não refrescou:
- Sempre desconfiei que você também usava.
Hipócrita, cretina, filha da puta...
4ª Faixa: Pupurri
(Arranjo- Gilson Peranzetta)
A negra lingerie, a sobrancelha feita a lápis, e olhos tais
minúsculos aquários de peixinhos tropicais... Eu conheci tantas
assim, dessas mulheres que um homem não esquece. E, no
entanto, que coisa incrível, esqueci tanto começo inesquecível.
Mas sou sincero: tenho alma de artista e tremores nas mãos. Na
idade que estou aparecem os tiques, as manias, transparentes
feito bijuterias pelas vitrines da Sloper da alma. Vou desligar a
vitrola. No lado B só tem tango. Obrigado minhas fãs. Cheguei
aqui, ao apogeu, com o auxílio de vocês. Guardem o livro, pra
que os olhos relembrem quando o coração infiel esquecer.
Um beijo, Aldir
Dia dos Namorados e Lacan
Santa Milagrosa
Sábado de Carnaval. O índio entrou no bar Caras e Bocas,
pintura de guerra feita com esparadrapo, sentou em frente a
mim e suspirou:
- Canalha.
Estendi a mão.
- Prazer. Canalha de quê?
Ele riu. Fiz um sinal pro Davi trazer dois chopes.
- Minha vida era aquela criança e agora...
- Morreu?
- Não, foi morar com a tia.
Bebi um gole e relaxei. Adoro drama contado em buteco.
- Durante a gravidez a mãe dela não passou bem. Eu
disfarçava meu próprio sofrimento bebendo e bancando o
macho. Uma noite a mãe dela me pediu que fosse a um
supermercado e comprasse mamão papaia, tava com muito
desejo. Eu disse pra ela não encher meu saco. Ela me olhou
com uns olhos de mágoa que eu não consigo esquecer. Senti
que tinha perdido a mulher. Era só uma questão de tempo. A
criança nasceu de sete meses, foi pra incubadora. Fiz promessa:
se a menina vingasse, eu pararia de fumar charuto, ela se
chamaria Aparecida e, durante três anos, sairia vestida
igualzinha a santa, com andor e o escambau, no meio da bateria
do bloco onde eu era o faz-tudo, o Grêmio Carnavalesco Quem
Nunca Sentiu Vai Sentir Agora. Quando Aparecida fez cinco
anos, a mãe fugiu com um protético. Disse que nunca mais
queria me ver. Senti que era hora de começar a cumprir minha
promessa. No carnaval seguinte, armamos o Bloco, na Praça
Mauá, pra atravesar a Rio Branco de cabo a rabo. Caiu um toró
desgraçado. Quando colocamos Aparecida, de manto e coroa,
no andor, a chuva parou como que por encanto. Tava todo
mundo meio de porre. Dorinha Valium-10 gritou: “Milagre”!
Teve gente que se ajoelhou. De farra. Não choveu uma gota até
que tirei Aparecida do andor, lá perto do Obelisco. Foi pousar a
menina no chão e o pé d'água desabar. Dava pra ver respeito,
medo até, nos olhos das pessoas. Eu tava engatilhando uma
piada pra desanuviar o astral quando Aparecida fez um gesto
tipo cala-essa-boca, e avisou a todos, com voz suave e adulta:
“Esse ano foi a chuva, ano que vem serão os pombos”.
- Nunca tive tanta vontade de fumar um charuto na minha
vida.
Eu quis mandar buscar uns charutos no buteco da esquina,
já que o Caras não vendia nada de fumo. O índio riu:
- Não, obrigado. Parei de vez. Eu tive vontade naquela
hora, lá na avenida.
Pedi mais dois.
- Bom, durante o resto do ano, Aparecida se comportou
como uma criança perfeitamente saudável, sem problema. Nem
pesadelo tinha. Chegou o Carnaval. Desfilamos outra vez na
Rio Branco. Quando estávamos passando pela Cinelândia, um
monte de pombos pousou no andor. Há quem diga que foram
três ou quatro. Outros juram que foram dezenas. Eu não sei
mais. No meio do tumulto, gente chorando, um menino que
saía de cadeiras de roda, com uma cuíca, levantou e agradeceu
a graça conquistada. Eu quase tive um troço. Me deu uma
vontade de fumar tão grande que a minha boca entortou. Olhei
pra Aparecida: tinha crescido. A roupa de santinha tava na
altura das canelas dela. Dava pra ver o tênis rosa-sujo. Fiquei
com os olhos cheio de lágrimas e pensei: nessa terra até Nossa
Senhora tem chulé. Aparecida sorriu docemente pra mim e
orou: “Madrinha, faz eu.voar ano que vem! Nem que seja só
um pouquinho..
O índio pediu pra ir ao banheiro. Sabia cortar na hora
certa. Quando voltou, ficou calado um tempão. Não forcei a
barra. De repente, começou a chorar. Mais dois e ele contou o
resto da história.
- Era o último desfile dela. Na concentração, na Praça
Mauá, tinha até Televisão. Vários jornais publicaram
reportagens sobre os milagres. Muita gente tinha recortes, com
fotografia da menina, presos no peito com alfinetes, colados, eu
sei lá. Até o cardeal falou sobre o bloco em seu programa de
rádio e aproveitou a deixa pra esculhambar a Xuxa. A praça
fervia. Tinha PM em traje de gala, representante do Prefeito,
bandeiras do PT, uma loucura. Nunca vi tanto aleijado junto. O
malandro do repique era surdo-mudo. A maior mistura de
cabrochas seminuas e beatas com vela, terço, ex-voto... Que
zona, parceirinho! Depois de muita confusão, o bloco saiu. O
refrão do samba era assim:
“Santos Dumont deu motivo pro Brasil se orgulhar
Abre alas Ponte Aérea, que a Santa vai voar”.
- É mole?
Eu ouvia tão fascinado que o chope esquentou. Mais dois!
- Perto do Avenida Central ela abriu os braços e começou
a tremer. Foi indescritível. O povo cantava o refrão como se
estivesse numa igreja, a bateria sentando a lenha. A turma da
corda não conseguia conter os fiéis. Pintou um turista alemão
filmando a cena, baita charuto na boca. Não agüentei Tirei o
palhaço da boca do gringo e puxei fundo. O andor todo
balançava. Os foliões todos gritavam: “É agora! É agora!”
Perto do Teatro Municipal uns babacas ensaiaram o corinho: “
Mar-me-la-da! Mar-me-la-da!”. Saiu um cacete pra Maguila
nenhum botar defeito, todo mundo dando e levando. O único
jeito de acabar com aquilo era Aparecida levantar vôo. Perdi a
cabeça. Me pendurei no andor e dei um tremendo esporro: “Tá
rateando, merda? Decola logo, sua filha da...!” E aí...
Eu quase sem ar:
- E... aí?
- Foi um vôo curto mas valeu. Aparecida soltou um berro
medonho, despregou do andor, planou uns dois metros, o
manto azul de cetim feito asa.-delta de pobre, e caiu de cabeça
no meio da bateria. A massa delirou. Aparecida levou seis
pontos na testa e, na Quarta-feira de Cinzas, foi morar com a
tia. Disse que nunca mais queria me ver.
- Por causa dos palavrões?
- Não. Por ter enfiado a brasa do charuto na perninha dela.
Eu costumo dizer que santa voadora não admite co-piloto.
Roteiros
Inflação, crise dos valores morais e espinha na bunda são
coisas que fazem a gente refletir. Com o chazinho das _
crianças ameaçado (o leitinho acabou faz tempo), aceitei a
proposta de um grupo de azerbaijanos dissidentes, radicados na
boca-do-Lixo, e cometi alguns roteiros para filmes
pornográficos.
O primeiro filme é gay.
Título: Dois Maranhenses na Perestróica.
Neva em Leningrado. A câmera passeia pela fachada de
um prédio. Aproximação lenta de uma janela onde se vê um
pequeno mastro com duas cuecas e a bandeira do Brasil. Corta
para o interior do quarto. Dois rapazes bigodudos, especialistas
em estradas de ferro, estão abraçadinhos sob a coberta. São
maranhenses. Contrariando a lógica chamam-se José e
Ribamar. Cresce a trilha sonora, Coração do Agreste:
“Regressar é reunir dois lados...”
- Brrrr, que frio! Tô com o Gorby todo encolhido no meio
do brejal...
- Vamos brincar de marimbondo em fogo?
- E quem é que vai botar primeiro?
- Eu.
- Ah, de novo?!
- Qual é o problema? A moral intrínseca a nosso intercurso
não é “os últimos serão os primeiros”?
- Nem sempre, nega. Da outra vez você não queria tirar e
eu quase fiquei na saudade.
- Olha, ou você entende que nosso relacionamento
homossexual é uma tentativa de transgredir os padrões
estabelecidos do machismo ou te meto a mão ná cara!
- Gostoso! Bota! Bota tudo!
Ribamar pula da cama e bota o roupão. José geme:
- Aí, um roupão só, numa cidade como essa, é coisa de
subdesenvolvido mesmo...
A janela. Neve. O som de um tapa. Gritos. Sussurros.
Cresce a trilha; o anzol dessa paixão me machucou...
***
***
***
Cachorradas
Eu sempre alugo um vídeo pornô, quando não encontro
filmes do Gordo e o Magro disponíveis nas locadoras. À
exceção de algumas gargantas antigas, ou uns três filmes do
diretor cult John Stagliano, é tudo a mesma chanchada. A gente
continua alugando de teimoso. O poeta que escreveu “Já li
todos os livros”, podem crer, assinaria embaixo da frase:
“Quem viu um vídeo erótico viu todos”. Meu amigo Luís
Alfredo, mais sério do que eu, acha que continuamos
garimpando nas prateleiras dos clubes por motivos meio
proustianos, à recherche de alguma coisa que nunca mais
encontraremos, talvez mais sonhada do que vivida no duro
(epa!). Mas é nessa procura aí que reside a força irresistível do
cinema. Agora mesmo estou envergando minha fantasia de
Indiana Jones e partindo pra Vídeo Shop da Tijuca, em busca
da xota perdida.
Confesso aos leitores que fui recentemente à boca-do-lixo
pra tentar vender um roteirozinho de minha modesta autoria,
coisa simples, meio soft, com bestialismo, sodomia e corrupção
de menores. Acho que os produtores não vão se zangar se eu
contar a muvuca pra vocês. Em primeira mão:
Em Brasília, às três da tarde de uma quarta-feira, rolava a
maior suruba superfaturada na mansão de um ex-ministro.
Devido aos preços exorbitantes, um popular (que havia entrado
de penetra) não conseguia comer ninguém. Uma sugestão: o
popular deverá ser protagonizado por João Canabrava, da
Escolinha do Professor Raimundo.
Continuando: Canabrava começava a se desesperar porque
não conseguia afogar o ganso, graças ao altíssimo cachê
cobrado por lobistas e socialites, quando um juiz togado e um
perito da Polícia Federal deram a dica:
- Olha, naquele quarto escuro em frente, por apenas trinta
mil dólares, há uma profissional que pode quebrar o teu galho.
- Mas eu não tenho essa grana!
- A gente te empresta a juros da Febraban, desde que você
se comprometa a distribuir nosso fumo na tua repartição.
Após alguma barganha, as partes chegaram a um acordo,
sem precisar recorrer ao Supremo.
Canabrava entrou no aposento às escuras, tateou o
contorno de uma cama e... um orifício! Saudoso como estava,
foi logo invadindo o Kuwait. A suruba foi interrompida por
ganidos e uivos lancinates. As luzes do quarto se acenderam.
Uma cadelinha em pânico, com laço de fita cor-de-rosa e olhos
onde se misturavam dor e prazer, encostava na parede a estrela
do xerife em fogo.
Também assustado, Canabrava chiou:
- Pera lá, trinta mil dólares pelo cu da cachorra?
Foi aí que o tal ex-minstro apareceu:
− Pra que esse escândalo, meu filho? Reconheço que foi
um pouco heterodoxo, mas a bichinha também é um ser
humano.
O nível
Wilton quase engoliu a pedra de gelo do uisquinho:
- Elas querem o quê?!
- Calma, Wilton. Olha a pressão...
- Repete, Marilza. Eu não devo ter ouvido bem.
- Ai, meu Deus! Não fica assim, Tico!
- Não me chame por esse apelidinho idiota. Repete o que
tu falou. Repete que é pra ver se eu não tô maluco.
- Chega de drama, Wilton! Elas são meninas normais As
coleguinhas na escola falam no assunto, juram que já viram e é
perfeitamente natural que elas queiram ver também, pombas!
- Eu não acho nada natural que elas, aos treze e aos quinze
anos, queiram ver pombas e pembas!
- Olha o nível, Wilton, olha o nível!
- Nível? Você vem me dizer que minhas filhas querem ver
um filme pornô no meu vídeo e ainda tem a coragem de falar
em nível?
- Tudo bem, Wilton. Se você prefere que elas aceitem o
convite de um desses jogadores de futebol do conjunto, tudo
bem.
- Convite?! Eu mato um cachorro desses! Eu...
- Por favor, Wilton! Me escuta, cara! Me ouve, ao menos
uma vez na vida ! Nós temos uma porrada de fitas dessas, né?
É só selecionar uma menos... menos... traumatizante. Nada de
chicote, vibrador, anão bem-dotado...
- Péra lá, Marilza! Que história é essa de anão bem-
dotado? Eu não tenho fita com anão. Onde é que tu viu isso?
- Era só um exemplo, meu nego. A gente escolhe uma fita
mais soft, faz o desejo delas, o troço perde o mistério e pronto!
Elas cantam marra com as coleguinhas, também já vimos etc.,
e fica tudo na maior limpeza. Qualé, Wilton? Eles vêem pornô
até na Escola Superior de Guerra, né? É moda, querido. Feito a
vizinha do 801: dá e passa!
Wilton renovou a dose e os dois partiram pra seleção:
- Hum... tô me sentindo meio Brossard...
- E daí? Eu também tô dando uma de Dona Solange, não
tô? Fica frio.
A primeira fita selecionada por Wilton era uma tal de
Suzy’s Centerfolds. Marilza vetou:
- Masturbação não!
- Ué, mas isso é o que elas mais fazem!
- Mas não há necessidade de aprenderem novas técnicas
com essas louças. Uma coisa é a masturbação como um estágio
do desenvolvimento sexual normal das minhas meninas, certo?
Agora, piranha tocando siririca profissional é outro
departamento.
- É a minha vez de dizer: olha o nível!
- Desculpe.
- Tem essa outra aqui: Süperwoman. É uma sátira. Pode
ser que o clima de gozação atenue a brabeira.
- Acontece aquela coisa horrorosa de espirrar na cara da
mulher?
- Espirrar?
- Não banca o gaiato, Wilton! Você sabe de que qui eu tô
falando...
- Ora, Marilza, esses lances são quase obrigatórios nesses
filmecos. São o creme, rá, rá, rá!... Não precisa me olhar com
essa cara...
Acabaram resolvendo botar só um trecho de um filme não
muito explícito, metido a artístico, City Heat ou coisa parecida.
Marilza fez uma exposição preliminar sobre
enamoramento, amor, escolhas insensatas, complexo de Cinde-
rela, Mariazinhas, prós e contras da obra de Milan Kundera e
encerrou, brilhantemente, estabelecendo um paralelo entre
pornografia barata e a lavagem de roupa suja nos debates
políticos.
Wilton apertou a tecla play e recolheu-se ao banheiro,
acometido de avassaladora diarréia. A fita correu. Lá pelas
tantas, Helô comentou com Nandinha:
- Tô achando o pau desse cara meio barro, meio tijolo.
- Podes crer. Desde o 69 que tá assim.
- Também ela mamou mal paca.
- Não sabe prender entre a língua e o céu da boca.
Não temos o resto da conversinha. Wilton tá no Miguel
Couto, onde o tubarão virou boto, e a Marilza foi pro Pedro
Emesto, onde tu entra Maluf e sai honesto.
***
OXÓSSI - Ligado aos caçadores de marajás, Oxóssi se
acha o Rei da Cocada Preta . Também é médico ilustre, e foi
punido com censura pública pelo C.R.O. (Conselho Regional
dos Orixás) por omissão de pontos (Oxóssi estava fazendo
despacho em Tóquio), quando Tancredo Neves começou a
desencarnar com as flechas do Hospital de Base.
Aconselhado pelo idiota do porta-voz, Oxóssi trocou a
gloriosa insígnia da dignidade dos reis, o erukerê (espanta-
mosca), por um jet-ski.
É saudado com o grito: Okê?! Okê?! não caiu, porra?! Aí
os estudiosos se dividem, atribuindo o tal grito à garça sagrada
ou à inflação.
COR - Lusco-fusco de listras zebradas.
PONTO - Depois de um dia inteiro de operações escusas
nas Bolsas de Valores do Rio e de São Paulo, Oxóssi canta em
tem de lamento:
"Erundilê efegun,
Se eu ficar a nenhum
Dou um golpe na praça de Oxum.
Vou mergulhar, tchibum!
Preso, eu agüento essas barras,
Suborno um e recebo o Nagi Nahas".
COMIDA - Crêpe Suzete.
PASTA DE DENTE - Crest.
LOÇÃO DE BARBA - Aquela antialérgica que compra no
Boticário.
ELEFANTE - O protótipo Dumbo, da Ferrari.
SONHO DE CONSUMO - Ser seqüestrado e depois
promover o Oxóssi in Rio.
***
“Xegô Bobô,
tá ali em pé na sala.
Xegô Bobô,
Ai, como esse cara fala!
Xegô Bobô
que é metido a dar a pala.
A boca dele
e o meu ouvido rala.
Xegô Bobô,
boca aberta que nem vala.
Vô sartá fora
Queu não seguro essa mala”!
***
SIGNO - gêmeos
BICHO - jacaré
COMPOSITOR - Moacyr Luz
Códigos e Codinomes
Não é que a gente queira debochar. Obrigam-nos a isso.
Quando um marmanjo, pago com nosso dinheiro, envolvido em
operações escusas, escolhe para si mesmo (ou escolhem para
ele) o codinome Flecha Dourada, sinto que é minha obrigação
esculhambar ao máximo os celebrantes desse carnaval
mórbido.
Imagino uma reunião para resolver códigos e nomes de
guerra.
Flecha Dourada coloca languidamente o cigarro na piteira
de madrepérola:
- Que tal “Operação Dragão’?
- Nooo-oo-ssa! Aquele bicho nojento que aparece de
coadjuvante do santo em medahlinha de suburbano?! Detestei!
- Pobreza!
-NenúfarTresloucado, quer parar de cortar esse molde e
dar uma idéia?
- Hii, não implica com o meu molde, tá!? Foi feito por
mim!
- Desculpe, rião precisa se ofender. “Dragão" tá bom pra
você?
- De jeito nenhum! Isso é uma operação séria ou alegoria
do Joãozinho Trinta? “Dragão” é cafonérrimo, prefiro “Branca
de Neve e os Sete Asnões”.
- Anões, sua louca.
- Vai por mim, querida: bota Asnões mesmo. Sempre
acaba em burrada...
***
***
***
***
Sina
Era um sujeito grandalhão, desajeitado e com um nome
desses que, embora simples, ninguém decora. Vinha de
Campos pra uma casa de cômodos no Estácio. Temia o Estácio
e as histórias de malandragem. Mais do que tudo tinha medo
que descobrissem sua falta de assunto, seu permanente mal-
estar diante das pessoas, seus gestos descontrolados que
derrubavam jarros, derramavam copos, atingiam crianças.
Passava pelas rodas reunidas na porta dos butecos com uma
certeza massacrante da própria inferioridade. Pra ele, aqueles
homens de cigarro no canto da boca sem se queimar, de
programa de corrida de cavalos nas mãos ágeis, dedos sujos de
giz de sinuca, bigodes cuidadosamente aparados, de olhares
ávidos e experientes pra bunda das mulheres - aqueles homens
eram heróis. Sentia diante deles a mesma timidez, o mesmo
constrangimento, a mesma dor indecifrável que experimentara
em sua cidade natal, ao ouvir as histórias do Seu Rocha, o ex-
pracinha.
Nos butecos do Estácio todos eram, com certeza, ex-
pracinhas. Só ele ainda não havia lutado sua grande guerra, só
ele não tinha nada pra contar sobre as batalhas, só ele não havia
feito as quase eternas camaradagens.
Muito pior do que se achar um merda, podem crer, era o
terror do apelido. Porque aqueles caras espertos, cheios de
chinfra, mais cedo ou mais tarde iam botar nele um apelido
devastador, asfixiante, mortal.
Seu pânico o aproximou mais é mais dos recantos escuros
dos bares vazios, onde bebericava uma cerveja, à espreita de
alguma sacanagem, ouvidos atentos às evasivas de duplo
sentido, torturado pelos risos às suas costas.
Um dia, na sexta cerva, ouviu uma frase sobre futebol:
- Valter Marciano foi dos nossos primeiros jogadores a
brilhar na Itália.
Mancada é sempre comovente, ainda mais se o sujeito é
vascaíno. Surpreso com a própria coragem, corrigiu o baixinho
que chutara pra fora:
- Válter Marciano foi, de fato, um ídolo. Só que na
Espanha. Morreu lá, num acidente de automóvel.
Foi olhado com espanto. Um mulato de óculos escuros
disse que tava certo e perguntou se ele lembrava a linha de 56.
- Sabará, Livinho, Vavá, Válter e Pinga numa das últimas
partidas, se não me engano. Sabará foi substituído por Lierte,
com i. Não confundir com Laerte, que jogava no meio e era,
por sua vez, substituído por Écio. Se não me engano.
Recebeu as homenagens a que boa memória tem direito:
tira um queijinho, essa eu pago, também aprecia um rabo
empinado?
Acabou convidado pra uma seresta, armação do grande
Paulo Amarelo.
Foi pra casa, tomou banho, botou a roupa da missa. Não
podia acreditar. O Amarelo era um mito. Amigo do Amadeu,
Tião da Garagem, Ceceu Rico, Hélio Barbeiro, Beijo Louco...
Tentou ficar atrás de uma goiabeira no quintal do pagode,
mas foi saudado com grandes berros de “chega pra cá e junta-te
aos bons”. Quase chorou. Os primeiros copos deram uma força.
Acabou cantando aquela, “Dentro d’alma dolorida trago um
riso teu.A moça de olhos claros deixou cair o lenço. Um coroa
resmungou: “Esse grandão é dos meus”.
A noite era uma criança e ele reinava. O baixinho do
buteco pediu:
- Conta aquela defesa do Barbosa !
A catástrofe. Em plena ponte dos grandes braços pro canto
esquerdo da meta, o safanão na gaiola do curió. O passarinho
morto. A consternação do dono da casa.
Amadeu tacou-lhe um generoso cacete nas costas:
- Fica assim não. Isso acontece. Aí, minha gente, tristezas
não pagam dívidas! Passemos à próxima atração! A seguir,
ouviremos “Chão de Estrelas” na voz do nosso Arrasa-Curió.
O apelido. Para sempre.
***
Zorro na Zorra
Minha madrinha não usava culhoneira coisíssima
nenhuma! Pára com isso, seus detratores infames! Chamar
aquelas finíssimas cuecas samba-canção de culhoneiras é um
ultraje à memória da coroa.
Me lembro como se fosse hoje! Os meninos brincando de
pica-pau, espécie de beisebol caboclo, e o Clóvis Pau-Pequeno,
que era bonitinho mas ordinário, não acertava uma.
Minha madrinha, que gostava profundamente de criança
mimada com ar de debilóide, disse pro Clóvis:
- Desse jeito você não vai marcar ponto nunca, filho. O
simpático menino entrou em suruba mental, estado que seria,
com o passar do tempo, cada vez mais freqüente:
- Ka’sóra faô, dinda? Tô munto suluba, munto suluba!
- Calma, querido! Em primeiro lugar, cachorra ou coisa
parecida é a tua velha, tá? E pára com esse negoço de suluba.
Com o bastão que você tem, sei não, mas acho melhor ficar
fora dessas jogadas...
Clovinho voava:
- Batão? Batão? Munto suluba.
Minha madrinha, com toda a paciência, explicou pro
aezinho:
- Cubatão é outra piada, filho. Ninguém aqui passou no cu
batão. Só nos lábios... o que eu tô tentando te ensinar é que
com esse pauzinho aí...
A verdade é que Dindinha tinha muitos inimigos. Quando
chupava a espuma de cerveja aderida ao bigode, meus
prezados, era pior que incêndio na capital paulista. Sei que fica
meio escroto um afilhado dileto dizer que a madrinha ostentava
bigodes, mas ela preferia assim. Uma vez, o Sardinha
marchezou essa :
- Permita-me chamá-la também de madrinha! Sua
dignidade floresce na razão direta do seu buço! Gente que
brilha!
Dindinha entrou de peixinho no ovo esquerdo do Sardinha:
- Meu filho, tira essa boca mole do meu buço que eu to
com corrimento. Vai babar a genitália de outro. Comigo, não.
Gente que brilha é com o Dr. Paulo Roberto.Tu não tem
gabarito. Vê se dá um tiro no coco.
Graças a esse estilo... hum... contundente, Waldyr Iapetec,
em tarde de reminiscência, evocou-a entre suspiros:
- Emília era... era... era o general Figueiredo da Vila!
Na famosa crise de impotência do Lindauro, o “consolo”
da coroa entrou com tudo:
- Isso passa, menino grande. O negoço é não desanimar e
ir botando dobrado mesmo. Como disse aquele grande escritor:
“Até os sinos dobram!”.
Deysinha, compenetrada (nem tanto) esposa do Lindauro,
corrigiu, meio ressabiada:
- O certo é: “Por quem?”.
Minha madrinha não perdeu a ponta:
- Por quem é outro problema, filha. Eu ficaria caladinha
sobre isso - pelo menos até endurecer, né? Às vezes, o que tá
encolhido aqui, chega ali na esquina e desenrola na mão de
outra com a maior facilidade, minha flor. A vida me ensinou
que pinguelo é que nem fita métrica: cresce de acordo com o
que vai medir. Lições de abismo...
Finíssima psicóloga, instrumentalizava (hi, hi, hi) segundo
a particularidade de cada problema. Me lembro como se fosse
hoje - lá vem bafo - de uma prima das Laranjeiras, a
Angélica, fresca como ela só, diante do minucioso jardim
de vó Noêmia:
- Quisera ser uma crisálida entre essas flores!
E Dindinha, bem esportiva:
- Não dá, querida. O time das crisálidas tá completo. Mas
ainda tem vaga pra estrume...
Generosa Dindinha! Em todos atochava uma palavra de
conforto, uma fornida gentileza, um gualibão retórico.
Nutria, com cremes e loções, a ilusão de ser “bem-
conservada”. Não admitia papo sobre o assunto. Com a lógica
meio caduca dos que têm medo do espelho, considerava a
velhice perigosa não porque existisse de fato, mas por ser
produto da imaginação de agitadores mais jovens. Andreazza
puro, né? Num dos seus aniversários de casamento, o Dr.
Cecílio, Presidente do Iapetec, bostejou:
- A senhora é um paradigma para todos nós: envelhecer
como quem cruza as águas do Amazonas a vau!
Abram alas pra minha madrinha:
- Tua mãe também merece pára-choques: envelheceu e
ainda usa anágua na Zona na maior cara-de-pau!
Sinto um gelado frêmito de saudade! (Errata: não é bem
isso. Acontece que entornei a caipirinha nas calças).
A derradeira lembrança que tenho de Dindinha: sentada,
muito ereta, por distração, numa travessa de cuscuz que minha
vó colocara um instantinho sobre o assento da poltrona favorita
de Dindinha. Foi na festa de batizado do Marcelinho, filho
terrível do não menos terrível Walcyrzinho. O pagode corria
animado, mas um tal de Dr. Hora resolveu ir atrás do trio
elétrico:
- Eu acho importante a sobriedade mística. Pra pensar,
viver, andar de patins. Digo sempre pra Sílvia, minha esposa:
vamos abrir nosso relacionamento sexual. Gibran estava certo:
somos o arco.
E tome falação. Ninguém agüentava mais. Desprestigiado,
Dr. Hora, que fazia análise didática, resolveu se arrancar.
Minha madrinha acenou alegremente pra ele:
- Tchau, Zorro!
- Hora, madame, Dr. Hora.
O Rio amanheceu cantando com a resposta merecida:
- Prefiro te chamar de Zorro. Afinal de contas tu é
mascarado, só trepa na Sílvia fazendo escândalo, metido a
sóbrio e chegado a um arco. Quem sabe da tua vida é o Tonto...
Até Morrer
A Copa e a Cópula
Bar da Maria, tarde I d.C. (depois da Copa). Ligeira
depressão, aliviada pelas cervejinhas. Feito esses lenços que
mágico vagabundo tira da cartola, uma historinha de casamento
em crise puxava outra. Baiano resumiu o clima:
- A dimensão da crise num casamento pode ser medida
pela resposta que seu Ernesto deu pra cara-metade.
Môa suspirou:
- De novo ?
Entende-se a falta de saco do Môa. É a pentelhésima vez
que o Baiano conta esse troço, uma espécie de carro-chefe dele.
Mas vale a pena ver de novo. A mulher do seu Ernesto fez uma
sopa e perguntou ao marido, sujeito extremamente
malhumorado, se ele queria um pouco. Recebeu como resposta
um resmungo de assentimento. Na ânsia de agradar a
pobrezinha fez a pergunta fatal : “Quer no prato?”.
Seu Ernesto virou a boca de bazuca na direção da infeliz e
não perdoou :
- Não. Quero no prato não. Joga no chão e vem varrendo.
Rimos pra não perder o amigo. Mas a história teve um
efeito colateral. O Cascudo, um rapaz mineiro que só toma/a
genebra e jamais abria a boca pra falar de si mesmo, fitou o
pôster do Vasco e desfiou o seu drama, de mansinho:
- Minha senhora vivia reclamando que a vida andava sem
graça. Chorava pelos canto. Tinha uma dor de cabeça braba. Eu
não sabia o que fazer. Ela descascava as batata gemeno de dar
dó. Me olhava com os óio cheio de lágrima e dizia que nossa
vidinha no dia-a-dia estava isfriando a paxão, arruinando o
romantismo dos tempo de namoro. Quando o Brasil perdeu pra
Argentina resolvi virar a mesa.Tomei uma canjibrina extra aqui
na Maria, e fui pra casa antis da hora bitual. Miti a chave na
fechadura e girei bem divagá.
Entrei em casa na pontinha dos pé. Ela tava no quarto,
sentada na cama só com a parte de cima do beibidor, mexendo
na caixa de custura. Aquele misto de trem doméstico e nudez
buliu comigo, atiçou meus brio. Olhei os cabelo dela começano
a ficar grisáio, as coxa mais grossa por causa de um aumentim
de peso, os óculo meia-taça inquilibrado na ponta do nariz...
Fiquei doidim. Ela sentiu minha presença, se assustou,
começou a se levantar, mas eu dei um impurrão nos peito dela,
joguei ela na cama, rasguei de cima baixo a brusa de um puxão
só e pulei em cima dela que nem um gato. Ela gritou com uma
voz que eu não cunhecia, uma coisa forte, doida. Tentou falar
arguma coisa, mas eu tapei a boca dela anssim ó cum u
travissêro e mandei ferro. Me senti um deus grego. Quanto
mais ela tentava se sortá, mais eu abafava a cara dela gritano:
-É isso que tu queria? Tá gostano? É por causa da minha
vara macha que tu tá rebolano des’jeito, é?
E refresquei um pouco a pressão no travesseiro pra ouvir a
resposta dela. Uma voz de gelo me disse :
- Tô rebolano des’jeito porque tem alfinete demais da
conta ispetado na minha bunda, só!
Reservistas Morais
É a lama, é a lama.
Tom Jobim é profeta mesmo. Sua simplicidade, charuto,
chopinho e chapéu de palha lavam nossa alma. Chega- de
gnomos, duendes, magos, bruxos, parafernália fascista, capuzes
da KKK e outras babaquices que acabam em assassinatos de
crianças.
Em matéria da fantasia de mau gosto, sou muito mais o
Clóvis Bornay: admite que isso é coisa de viado e não perde o
humor .
Tentando manter a cabeça fora do oceano de dejetos que
ameaça nos engolfar, procuro descobrir nossas verdadeiras
reservas morais.
A “revolução” de 64 extrapolou em declaratrolhas
moralizantes de generais esclerosados. Deu no que deu:
torturas nos porões, contrabando, tráfico, contravenção,
mamatas e assassinatos - um regime que caiu de podre.
Na zona mística, temos FreiDamião, Irmã Dulce, Padim
Ciço e Enoli Lara.
De repente me ocorre a existência de um último baluarte,
pelo rigor de suas convicções, pela batalha quase diária para
não ceder às tentações avassaladoras, pelo sofrimento atroz
gerado por sua probidade. Refiro-me ao massagista de Vera
Fischer.
O atual é Odirley Matsubara, nipo-madureirense e asceta.
Sim, porque pra dar massagem em Vera Fischer ou o sujeito é
asceta ou tem uma crise convulsiva.
Por meio de meu amigo Baiano, que bebe num pé-sujo
com Filipe Camargo, descobri o telefone desse herói do nosso
tempo. Depois de engolir um Lorax, marquei sessão de
massagem, pretextando o acidente que sofri em 1992.
Quando vi Odirley no olho mágico, sem sacanagem, quase
chorei. Um santo. Aquela resignação, olhos macerados por
noites mal dormidas, a profusão de tiques. Céus, tudo indicava
um homem submetido a pressões quase insuportáveis.
Falei do tempo, das CPIs, dos CPFs falsos, de suborno,
corrupção, propinas - do trivial variado em nossa pátria.
Quando o suburjapa abriu a guarda, sibilei:
- Você também é massagista da VeraÉ
O cara começou á trepidar como se a falha de Santo
Andreas tivesse chegado à Tijuca. Seus olhos se encheram de
lágrimas e ouvi o mais doloroso suspiro de todos os tempos.
Nem Collor, quando sentiu a recueta da cunhada, suspirou
assim.
Contei a Odirley minha vida sexual, chorei, gemi,
implorei. Eu queria ver uma vezinha só. Minha exaltação fez
com que ele compreendesse o essencial: estávamos ligados por
carma semelhante; éramos almas torturadas pelo mesmo
drama.
Na massagem seguinte, eu e o Bara nos sentíamos como
amigos de infância. Ele telefonou pra Vera, disse que estava
gripado mas que fazia questão de recomendar um substituto de
toda a confiança: Seishonoêi Blanc.
Daquele dia fatídico, só me lembro do momento em que
me vi a sós com Vera Fischer: Vera, védica, vereda, o Grande
Canyon de bruços, coberto por uma toalhinha exígua. Ela me
olhou, muito séria, e disse: “Oi”.
Acordei na UTI do Miguel Couto.
Hoje, eu e meu amigo formamos a dupla sertaneja
Matsubara e Sheishonoêi. Estamos em fase de ensaios.
Restringimos nossas apresentações à Aemvefa (Associação de
Ex-Massagistas da Vera Fischer Anônimos). Ficamos lá,
cantando, entoando preces, dando força aos outros quase dois
mil sócios que tentam vencer a atração fatal. De tardinha,
dirigimo-nos em fila indiana para a sede de outra agremiação, a
Paquifica (Palhaços Que Invejam Filipe Camargo). É pertinho.
Desclassificados
1. Minha vida de cachorro - Tenho bassês, dobermans,
galgos, cokers e dois ou três vira-latas para sua inteira
satisfação na cadeirinha sem fundos. O são-bernardo não quer
participar por motivos religiosos e vai ficar sem Papita.
2. A escorregadia alpina - Loura cremosa, corpinho de
garota todo untado de margarina. Venha ficar preso no
elevador comigo. Elevador enguiçado dá uma vontade de
comer Alpina, não dá? Atendo domic., hotéis, motéis, Sendas,
Paes Mendonça e demais tendinhas.
3. Zuleica e seu acordeón - Páginas imortais de nosso
cancioneiro. Relax e bom-gosto. Pagamento cash na mão de
meu digno esposo, Dr. Acordeón Tavares, o Mágico de
Ozzzz... waldo Cruz!
4. Kirie eleison - Núncio Apostólico aposentado, mas com
a bundinha bem arrebitada, fogoso, tudo nos lugares santos.
Venha comungar comigo a divina lambada. Fé no Sumaré.
5. Corneteiros em fogo - Se você tem problemas de
embocadura, não relute em procurar-nos. Ambiente discreto
para seu lazer. Venha acampar conosco após o toque de
recolher. Batalhão de Guarda.
6. Sereia rejeitada - Não fui aproveitada na minissérie
sobre o canto de minhas irmãs porque meu rabo tem algumas
polegadas a mais, tal como a Marta Rocha, a eterna miss
Brasil. Afie o arpão em minhas escamas e fique enfeitiçado
com meu canto: ’’Óóóóóóóaaaaaaaiiiiiiiikhoooourrrrr.
Desculpe. Tô um pouquinho rouca. Contatos em F. de Noronha
ou F. Mesquita.
7. Bérgamo - Sou um tremendo armário, mas sua mala,
com bastante cuspe e jeito, cabe direitinho em meus
compartimentos. Venha conferir em uma de nossas filiais.
8. Antigo da onça - Chileno foragido e radicado em
Itaboraí, ideal para swing, tango, chácháchá e outros ritmos
fora de moda. Por uma babinha a mais, se veste de coroinha
sonso ou de la Violetera. Barra da Tijuca.
10. Gueixa oriental - Venha e comprove que meus
grandes lábios fazem bilu-bilu no corrimão. Banhos típicos,
massagens, do-in, tai-chi-chuan, xo-ta, Ku-shai-shang e, caso
meu samurai apareça voltando de viagem, harakiri e kakerada
na kara. Banzai.
11. Turquinho tímido - Eu zer munto zenzual mas ter
vergonhe do minha ligerro zutaque. Mas, zuperadas inibizons
iniziaiz, convisco teu popanza bra eu. Dou joque orto e
heterodoxo. Eu fazo gontrato com teu risco mas tiro o meu do
reta.
12. Garanhão sindical - Nóis conseguiu chegar a Ministro
e tudo fazeremos para não ser reconhecido. Assim como
cafetão de gravata não é capitão de fragata, Ministério do
Trabalho também não é climatério do caralho. Puxa, essa quase
me traiu-me. Rasgo catálogo telefônico e posso ser mais sem
escrúpulos que a Febraban.
13. Pequenos cantores da Guanabara - Já estão
grandinhos e bem-dotados. Experimentem nosso sarau de
loucuras, sexo oral com trinados, gorjeios e solfejos.
Inesquecível imitação de pássaros no cio. Oferecemos também
Curso de Introdução à Batuta do Maestro Isaac Karabitchevski.
Não tenha dó de si e venha dar ré lá com a gente. Não
querendo, vá fá. Caixa Postal FUC/69.
14. Virgem elétrica - cpo, vdo, tco fin Telerj carnê pref
pufqq linha est quit Pabx telex hiiii, meu Deus, é primeira vez
que eu faço isso. Errei tudo. Esquece.
15. Imelda filipina - Se você está a fim de fazer melda
grossa, procure a Imelda. Toda a sem-vergonhice da verdadeira
rainha da sucata ao seu alcance. Só pra olhar. Meu patrimônio
é imexível. Canalhice e podridão only for your eyes. Mais
sujos do que eu só os tribunais que me absolvem. USA.
16. letrista careca - Letrista carinhoso, fica inventando
desclassificados, enquanto você não sai do trabalho. Venha
sentar em cima da minha Olivetti Lettera. Muda. Rio.
Feira de Amostra
Algumas tiradas do Waldyr Iapetec, regadas a cervejinhas,
durante o tradicional banho de mangueira, must aqui da Muda:
- Bebia muito. Desde rapaz. A mãe tinha um desgosto... A
coisa piorou com o casamento. Aliás, que qui não piora com o
casamento, né? Tenho um amigo, o Guilherme, que chama o
casamento de “mutilação branca”. Bonito paca. Mas eu tava
dizendo que o rapaz piorou depois da lua-de-mel. Ele fazia a
barba e dizia pra mulher: “Quando eu morrer, Biluca, tu não
vai conseguir olhar nesse espelho. Eu vou aparecer lá no fundo,
todo podre”. Acontece que a mulher empacotou na frente dele.
Morou? Tatão nunca mais se olhou naquele espelho. Cobriu
com um lençol...
***
***
Cenas Cariocas
Cena carioca -I
Cena carioca - V
Cena carioca - VI
Aberta a temporada de surf. Quando sua porta for
arrancada pelas águas, suba nela e vá em frente.
As mentiras das otoridades disparam junto com o índice
pluviométrico. Tremenda falta de vergonha na cara.
Chuva é flecha em São Sebastião.
Equipe de Collor contratará Carioquinha e Hortência para
arremessar de três pontos os pobres na cesta básica.
À exceção dos assassinos na cobertura de milhões de
dólares, somos todos ianomâmis. Não teremos tempo de ver o
champã sendo aberto nas comemorações oficiais pela chegada
da hiperinflação. índio seqüestrado não vale o esforço. Açúcar
no pão dos trouxas? Nem pensar. O bispo talvez chegue a
tempo de ministrar a extrema-unção.
O Panamá é aqui. As Ilhas Seicheles, shei lá.
Em todo caso, prosseguem as investigações. Investigação
sempre engrossa no couro de quem é pobre. Novos dados: a
menina alcançada, no balanço, pela bala perdida, tentou tomar
La tablada. É líbia de nascimento e foi identificada por
testemunhas idôneas como sendo o elemento pardo, forte, de
boné, que matou Mariel. Só não foi acusada de torturadora
porque, como até o Ministro do Exército sabe, não houve
tortura no Brasil.
A polícia concluiu que Mengele, para desespero do
Comando Aeroterrestre do Carnaval Zoológico, saiu durante
muitos anos de baiana na Imperatriz Leopoldinense, lavava
roupa pra fora e era conhecido como Dona Iaiá de Omulu.
Esses nazistas...
Cena carioca - IX
Querido diário:
Hoje escutei no rádio mais de cinqüenta e quatro vezes a
dupla Leandro e Leonardo (esses caras não jogaram no
Flamengo?) cantando aquela merda: “Pensa em mim, liga pra
mim, não liga pra ele”. Será que a musa inspiradora desses
infelizes também não encontra orelhão funcionando? Telefona
logo pra esses pentelhos, querida, e acaba de vez ccm essa
chatice. Meu ouvido não é penico.
Sinto que eu vou ser estuprada e morta. Não é histeria,
não. Questão de estatística. Quatro colegas minhas já passaram
pela happy hour do Instituto Médico Legal.
Todo mundo aqui na Abolição conhece o tarado assassino.
É ele quem investiga as mortes.
Moreno, altão, ex-torturador, joga muito bem vôlei.
Quando lhe perguntaram o segredo de sua potente cortada, não
vacilou:
- Penso que tô descendo a mão na cara da minha noiva e
pronto. Treino todo dia.
De segunda a quinta, com a bola. Sexta, sábado e
domingo, com a noiva.
Vi o Collor na TV, cumprimentando as Tartarugas Ninja.
O resultado é mais ou menos feito um desenho animado das
ditas, com participação especial do Roger Rabbit... Tem horas
que me dá um desespero, fico pensando: estudar pra quê?
Melhor pintar a cara feito piranha, comprar umas botas
bem escrotas e ir com o Magri para Genebra. A Nancy Reagan
deu pro Sinatra em plena Casa Branca e o ti-ti-ti foi bem
menor, apesar daquela perua ter dedurado a muvuca na
biografia da mocréia. Nossos políticos são medíocres até no
escândalo. Como diria o Bóris Yeltsin: é uma ver-go-nha!
Bolei um slogan em defesa do telespectador inteligente:
NA BRIGA ENTRE A GLOBO E O SBT, QUEM PERDE OS
TAMPOS É VOCÊ ! Sonoro, bacaninha e verdadeiro.
A verdade é que tudo ficou bem mais triste sem a Zélia.
Aquele clima de bolero, as brigas com os vilões do
empresariado, era uma beleza. Tô com saudade, Zelita! Veja
só, querido diário, o que sobrou pra nós: a vida sexual do
Marcílio promete ser menos excitante que voyeur olhando
pacote de Maizena. Falando em vilões do empresariado, minha
irmã mais velha contou uma história ótima: durante o seqüestro
de Abílio Diniz, seu filhinho de apenas cinco anos
acompanhava as reportagens sem entender nada. Quando a
polícia conseguiu finalmente libertar o refém, o garotinho
perguntou: Ma-nhê, porque estão soltando o que tem mais pinta
de bandido?
Arranjei um namorado novo que tem a estampa do
Pavarotti e as idéias do Renato Gaúcho. Quando minhas
amigas perguntam como é que eu consigo transar com a peça,
respondo, bem sarcástica: imaginando o contrário.
Sem grana pra comprar pílula, bolei um novo método
anticoncepcional que não falha. É o seguinte: tem que ficar
bem relaxada e procurar gozar primeiro. Se der pra mais de
uma vez, perfeito. Aí, é só se mostrar bem carinhosa e pedir
pro parceiro não deixar de avisar o momento certinho da
ejaculação. Quando ele gritar: já!, é preciso fechar bem os
olhos e pensar com fé: se fecundar, vai sair escarrado a cara do
Cláudio Humberto. Tiro e queda: O óvulo entra em pânico e se
desintegra.
Até amanhã,
Revanchismo
Eu estava sentado no único vaso de guerra disponível lá
em casa, meditando sobre o cocô no Iraque e o papel do Bush
- o único papel que suja ao invés de limpar - quando o
telefone impôs o encerramento dos trabalhos.
- Alonso!
- Folheando meu caderno de notas, encontrei teu endereço,
resolvi telefonar...
Era o “Xarazinho”, dono da mais completa frota de táxis
da Muda (meio fusca) .
- Qualé, Xarazinho? Não me chamo Elizabeth, pô.
- Seguinte, Blanc: apareceu aqui, no ponto de bicho, uma
ave rara.
- Deu pavão?
- Antes fosse. A gente levou Sucuri e Ariranha, dois
repentistas, amigos do seu Coelho, pra fazer uma fezinha antes
do mocotó, e apareceu um major aerotransportável contando
história de caçada. Vem pra cá que estamos precisando de um
detector de mentira...
- Xarazinho...
- Fala, meu louro.
- Só pra confirmar a mensagem: repentista, mocotó, major
e história de caçada. Tem certeza? Câmbio!
- Mais certo que rombo na Previdência.
- Cumpadre, não perco isso de jeito nenhum. E pode
anotar: um barão na milhar 1333, cercado pelos sete. E compra
um maço de baixos teores pro ofídeo.
- Não saquei.
- Xarazinho, a cobra vai fumar. Câmbio e desligo. Quando
cheguei na mais bela esquina da Muda, a Comissão de Alto
Nível (alcoólico), tudo de copo na mão, ouvia o revolucionário
major aerotransportável, o qual trajava curioso pupurri de
adereços da adidas com uniforme de campanha, enorme
binóculos a tiracolo e gaiola de curió na mão esquerda. Diga-se
a bem da mentira que o curió usava coturno e bibico, obedecia
à ordem de “cobrir” e chilreava corretamente a “Canção do
Ordenança”. O major esbanjava munição:
- A glande opaca da canoa neolítica deflorava o hímen do
chavascal!
- Peralá, majó! Esquece o Abi-Ackel e fala em brasilês
mermo.
- Isso. Tu tava com a boca na chavasca...
- Cheia de cabelo, hê, hê...
- Porque não deste um tiro na grande paca?
- Eu falei glande opaca!
- E eu sei lá que diabo é isso?!?
- Seu Coelho traduziu:
- É uma espécie de capivara...
A palavra volta ao comando do major:
- Eu, pronto para entrar em ação, dormia na pontaria,
quando um ruído estranho me acordou: CHULAP! CHULAP!
CHULAP!
- Hiii, caceta! Jacaré no pedaço?
- Não, era o Otávio Ribeiro dando tapa na cara de peixe-
boi. Fui em frente. Nisso, a vegetação ribeirinha se abriu num
farfalhar de anáguas verdes e o bichão pulou pra dentro da
canoa.
- Putz! Era grande?
- O maior canguru que eu vi em minha vida de caçador.
Mandou dois jabs curtos e um cruzado de direita. Minhas
esquivas funcionaram, mas eu sabia que não ía dar pra agüentar
muito tempo. Afinal, eu não lutava boxe desde o primeiro
casamento. Entrei em clinche. O desgraçado do canguru imitou
a voz do Jaime Ferreira gritando “separa!” e me atingiu abaixo
da linha da cintura. Vi quatro estrelas e senü que estava
perdido. Uma idéia desesperada me ocorreu das profundezas da
dor nos ovos. Gritei: Olha o Malufl Olha o Malufl Assustado, o
paquiderme...
- Paquiderme?! Canguru é paquiderme?!?
- Perdão. Como eu ia dizendo, assustado, o batráquio
australiano meteu as patas na bolsa pra conferir a grana e eu dei
com o remo na cabeça do bruto.
Nem quando Abreu Sodré banca o bom caráter pinta maior
constrangimento. Neguinho se coçava, balançava a cabeça,
cuspia de banda, assoviava tango. Aí, uma viola ponteou e uin
dos repentistas, o Sucuri, partiu pra forra:
“Nem ronco brabo de onça, nem do jacaré o esturro, soam
mais feio do que mentira em boca de burro”.
O curió gritou:
- Epa! Olha o revanchismo!
O clima fica torto.
Clodoaldo Aldo Alves me cutucou e recebeu o Caboclo
Deixa-Disso:
- Meu caro major, conta outra de suas espetaculares
aventuras na arte da caça.
Apelar pra verdade dos home às vezes dá certo. O major
limpou a goela com uma talagada de “Monte Cassirio” (meio
copo de cerveja, uma dose de Martini, uma dose de stanheiger
becosa, uma dose de gin, uma dose de pitu. Bata bem e saia de
perto). Vendo que tava pra dèsembarcar outra força-tarefa de
lorotas, Ariranha pediu licença pra ir no “quartinho”. O major
reabriu o teatro de operações:
-A glande opaca da canoa neolítica deflorava o hímen do
chavascal!
- Pelarnordeus! Perece aquelas babaquices do Amaral
Neto!
- Avistamos uma ilhota a estibordo. Demos uma paradinha
para fazer xixi. Ouvimos a estridência de uma araponga, um
alerta- para o perigo que se avizinhava.
- Tu fala com Araponga, Xará? Eu, hein! Que qui ela te
disse?
O major arregalou os olhos e, com uma expressão de
Vincent Price de subúrbio, botou a boca no clarim:
- FOGO NESSAS COBRA!
- Que araponga alarmista, malandro!
E o major, firme no posto:
- FOGO NESSAS COBRA!
Escondeu-se atrás da jaqueira majestosa e sacou o 45. Por
incrível que pareça, duas formas coleantes avançavam na
direção do grande caçador. O suspense foi quebrado pela voz
de Ariranha:
- Se atirar nas minha solitária com essa parabelum, sangro
vosmicê na ponta da peixeira. Yolanda! Adelina! Voltem pro
papai!
O major fungou e bateu em retirada.
Ao som, a voz de Sucuri:
“ As solitária que eu tenho são dois bom fiscal da Lei.
Uma se chama José e a outra chama Sarney...”
Ê-hê, é verdade! Cantá presse povo bão, sô!
De Camarote
Missão Impossível
Querido Diário
21 de abril
Em sociedade tudo se sabe. Portanto, não vejo razão para
ter medo de que o conteúdo desse diário venha a ser conhecido.
Grandes mulheres, como Virgínia Wolfe Wilza Carla,
escreveram diários. Como mulher da sociedade (hum... melhor
mudar essa frase: entre meus pecadilhos, sem preconceito, não
consta a fricção de bombril). Errata: em sendo mulher da
sociedade, minha vida é mais pública do que a da Cicciolina.
Pode até ser moralmente discutível, mas não tenho porta-voz
pra desmentir meus erros no dia seguinte. Ponto pra mim. Não
tenho vocação pra Madalena nem telhado de vidro. Podem
atirar pedra à vontade. Caguei. No Banana Café tem mais
piranha que em Pantanal. Apresso-me em esclarecer: tô falando
do peixe e não das colegas.
7 de setembro
Acho que o feminismo tem razão em alguns pontos: eu
levei sete na cara. Ciúme não é prova de amor. O machismo faz
coisas abomináveis. Odiei quando meu marido me lançou
naquela feira de gado organizada pelo Caiado (quase que eu
escrevi Caído). E daí? Eu o-d-i-e-i. Mas o público delirou.
Aplaudiu de pé. É o que interessa. A farra da vaca. É
mole? Mulher da sociedade é meio parecida com garçom: o
freguês tem sempre razão. Muuuuuu. Falem mal, mas falem de
mim. Minhas amigas morreram de inveja quando beijei o pó.
Epa! A beldade domada. Só tive um momento de glória
semelhante: quando fui entrevistada, ao lado da mãe do
presidente Collor, pelo apresentador Bolinha, no Baile da Ilha
Porchat.
12 de outubro
Em matéria de lambada, formamos um casal perfeito. Vou
ter que ir ao Roller da Lagoa de óculos escuros. Levei o maior
soco da paróquia na janela esquerda da alma. O maridão queria
saber se alguém tinha feito depósitos em mim no motel Vips’s.
Fui flagrada saindo de lá ao meio-dia de hoje. Acuada, em
pânico, me lembrei dum parecer do Procurador-Geral da
República, publicado pelo Ibrahim (o antigo), e fui contra a
quebra de sigilo bancário, em respeito à Constituição. PôW!
Uma porrada que eu vou te contar. Anterior à perestróica. A
meu ver muito rigorosa. Só porque eu fui ver meu gatinho?!?
Hoje é Dia da Criança, gente!
15 de novembro
Meu maridão anda louco de humilhação. Dá Samba. O
motivo? Tchan-tchan-tchan-tchan! Nenhuma tentativa de
seqüestro até agora. Dia desses, meio cafungado, com aquela
maizena sórdida que o Chileno vende em Niterói, telefonou pra
um advogado amigo nosso, contínuo do Comando Vermelho, e
descompensou geral: “Cês tão me achando com cara de
fichinha? Só o que eu soneguei de Imposto de Renda cobre
tranqüilo a última pedida de vocês, tá sabendo?". Fico na
minha. Se ele realizar o sonho de ser seqüestrado, meto umas
olheiras artificiais e faço a maior cena. Esse Oscar a mamãe
aqui não perde. Mas, aviso aos navegantes: não vou pagar
porra nenhuma. Caso Nonô seja morto, ligo pro Machadinho,
da Ele Ela, e peço uma nota preta pra posar nua.
8 de dezembro
Acho o tal de Alceni (é isso?) muito careta. Deve ser
porque tem nome de cantora brega. Acabaram de ouvir a
guarânia Privatiza esse sofrimento enorme, interpretada por
Alceni de Tal. Pode? Que austeridade, que nada. Sou mais meu
ginecologista, o Haroldão, que sai de jaleco e bico-de-pato na
ala A Xereca é Nossa, da Beija-Flor.
25 de dezembro
Nonô me emocionou profundamente. Ganhei de Natal o
tão almejado piano de cauda. Tudo muito romântico, do jeito
que eu gosto. Depois que nossos convidados foram embora, eu,
como boa dona de casa, tratei de chamar a criadagem para a
limpeza das fezes nos meus Oriental Rugs. Esbanjando
galanteria, ele pronunciou a frase inesquecível: “Deixa essa
merda pra lá. Fica de quatro no banquinho. Agora você toca
piano que eu como a cauda”. Love is a many splendored
thing...
1 de janeiro
Minha vez de naufragar. O champanha da Saad faz mais
estrago que dez holligans .
20 de janeiro
Fala-se muito em ética, caráter etc. Coisa de brasileiro.
Quem tem mesmo essas coisas não precisa ficar falando nelas
toda hora. Mas não sou radical. Acho que caráter é feito o
antigo Centrão: tem que se moldar, se ajustar à realidade dos
fatos, dançar conforme a música. Por exemplo, meu amigo
compositor tinha uma salsa pro Mandela, mas apareceu uma
oportunidade interessante e ele substituiu os tambores de óleo
por uma violinha pantaneira. O verso final, que era “Mandela
ogunhê eparrêi atotô aché!”, virou: “Manguei da cunhã que fez
cocô no jacaré”. Graças a essa pequena modificação, ele
faturou uma faixa na trilha da novela.
Terça-feira gorda
O sistema. Pros incompetentes, tudo é culpa do sistema.
Picas. Eu e meu costureiro só conhecemos o sistema métrico e
olhe lá. Eu mudo as pessoas. Gosto de alterar as regras do jogo.
Já o Nonô, é devagar quase parando. Na última vez que
praticamos a troca de casais, foi tudo tão formal e acadêmico
que meu marido e o outro valete só faltaram trocar flâmulas no
meio de campo e jogar moedinha pra escolher o lado.
Paciência. Sou vulgar, certo, mas não casei com nenhum
jogador da Seleção Brasileira. Pode vir quente que eu estou
fervendo. Mas tem que ter charme. Não parece, mas posso ser
mais difícil que a nova tampinha de Chophythol.
***
CRÍTICA
A CONCRETUDE IN/COMPLETA
IN/GNORANTE
Válner Bishop Beirão
Gafes são quase sempre imperdoáveis. Nem todos
vomitam o peixe com o vinho branco. O novo livro de Márvio
Victor Montinho lembra um rabino entrando em Auschwitz
com uma ventarola da Brahma. A pretensa “sensualidade” da
nova fase de Márvio é apenas escato-sámica. A prolixidade
multiplicou-se da maneira aidética. Quem se recorda da
concretude karma/camal de “COBAL=Cow Baal”? Todos nós
(nós como laços, no sentido lainguiano). Há que chorar.
Relembremos aquele marco cósmico - cocôs da cacofonia
cacófoto/catastrófica:
MUUUUU
TETA
TENTA/AÇÃO
BUUUUU
CETA
ETA GOSTINHO BÃO
COBAL=COW BAAL
MUUUUU
TRETA
O GORDO GOZO COPIOSO
NEWTON CARDOSO
A sensualidade da fase atual é acrítica. Parece nosso
Presidente tartamudeando em espanhol. Perdeu-se a sátira da
mimese paródia, a alusão-derrisão kleineana, em nome de uma
sensualidade baixa do sapateiro.
Mesmo em seus momentos mais discutíveis - por exemplo,
em “Odes Stalinistas Deso(R)des”-. Márvio transcendia
modismos. Ainda que de laço de fita no capacho esfiapado de
Gyõrgy Luckas, teve forças para altir a síntese talássica do vai-
e-vem eterno, retomada teluricadavérica do eterno instante
vicentecarvalhal: inserida na derrotada Soviética:
MAR!
TÊ-LO!
MARTELO!
FOI-SE...
Seu novo livro pretende incensar a mulher. D-e-t-e-s-t-e-i.
Não há entre versos e/ou poemas o mínimo sentido de
combinação (nem tampouco de anágua). Márvio é, antes de
tudo, um ingrato. Nào quisera eu que o aedo, recentemente
convertido às rachas feminis, dissesse obrigado ao doutor que
eu mesmo chamei e paguei pra curar os seus bichos-de-pés.
Seria pedir demais. Márvio é macunaímico. Roberto Sicuteri
escreveu que a natureza de Lilith mudou no momento em que
blasfemou. Já o discurso da transgressão em “Vara Avara”
suscita nostalgia dos bate-bocas entre Evandro e Bomay: uma
questão de paetês. Onde a ressonância o Mesmo como Outro
passando a Mesmo-Outro Transfigurado da repetição
irrepetível encontrada (e perdida) em “Trem Erótico”?
FUQUEFUQUEFUQUEFUQUEFUQUEFUQUEFUQUE
OU TU ABRE OU BOTO A MUQUE
Ai! Só quem perdeu pregas na Mooca entende essa
confissão narcisipandora de Márvio. Pandora, e também de
Pândaros, do qual se ocuparam Chaucer e Shakespeare,
Márvio, sua danada, como Diomedes quiçá te matarei!
Emest Pawel nos legou, em seu pesadelo luminoso, essa
parábola, até então inédita, de Kafka:
“ O Ministro da Saúde, preocupado com o bem-estar dos
donos de hospital, foi até uma vala negra. Lá encontrou um
pobre que chorava de raiva.
- A catarse do choro é benéfica.
- Não fode!
- Busco apenas compreendê-lo.
- Não fode.
- Pra mim, merda e lágrima são matéria orgânica.
- Tu diz isso porque não é a primeira que escorre pelos
teus come”.
Tive sim, Márvio, outro grande amor antes do teu. Mas,
contigo aprendi, manzaneramente, a verdade a que chegou
Julia Kristeva por outros caminhos: “Construir um falus no
mesmo lugar da castração, abrir um buraco no mesmo lugar do
poder fálico, enxergar o imaginário onde não há outra coisa
senão o simbólico”. A vida é meia, Márvio. Só paga inteira
quem é babaca.
Válner Bíshop Beirão é entregador de videoclube.
Mitologias
Brasileiro adora mito, lenda, fábula, conto-do-vigário. Tá
no sangue. A conseqüência natural disso é uma verdadeira
febre de adaptações. Do programa de computador à escopeta,
modéstia à parte, a gente adaptamos de tudo. Visando aumentar
a confusão reinante, eis aqui minha contribuição a esse
lamentável estado de coisas: novas adaptaciones da mitologia!
Antes das coisas serem criadas havia o Caos, também
conhecido como José Samey. Samey teve dois filhos com a
ninfa Cafona, protetora do laquê: Prometeu-tem-que-cumprir e
Ajoelhou-tem-que-rezar, ambos derrotados na disputa ao
governo do Maranhão. Prometeu, rei do nepotismo, fez o
homem a fim de preencher as vagas de ascensorista do Senado.
Ao contrário dos animais, fê-lo(ui) ereto, pra poder se curvar
diante dos poderosos, e de olhos altivos, pra olhar balão e
bunda de mulher subindo escada. Prometeu era um dos Titãs,
ao lado de Arnaldo Antunes eToni Bellotto. Os pobres mortais
odiavam os Titãs porque um deles namorava a Malu Mader. O
outro nome de Ajoelhou era Epimeteu, que dotou os animais de
presas, garras, colarinho branco e fundou a Fiesp. Epimeteu fez
muitos gastos inúteis, o que levou Jair Meneguelli a declarar:
- Não sento na mesa de negociações do pacto com esse
cara.
Prometeu, percebendo o começo da orgia na ciranda
financeira, associou-se à Minerva numa fábrica de sabão em
pó. Epimeteu, bicão e oportunista pra caramba, perguntou ao
irmão:
- Que qui eu faço nessa boca?
Prometeu inventou no ato a proverbial resposta:
- Vá lamber sabão!
Ah, ia esquecendo: a filha do Caos virou Musa.
***
***
***
Relatório Blanc
Taras, conforme os leitores não ignoram, é tudo que
achamos sexualmente muito estranho em nosso vizinho e até
certo ponto normal na gente.
Um amigo meu teve uma sacada antológica - verídica, juro
- num barzinho desses de paquera às sextas-feiras. A moça que
ele azarava, gatíssima, mostrava-se petulante, soltando jabs
feministas, mais cheia de bandeirinhas que escola pública em
visita presidencial. Lá pelas tantas, a gracinha pensou que
estava dando o golpe de misericórdia:
- Você não tem nada que me interesse. N-a-d-a.
E o meu amigo:
- Tenho, sim. Tenho um rolo de corda na mala do carro. Te
arrasto pro Ebony, te amarro e encho essa cara atrevida de tapa.
Como que hipnotizada, a moça ficou uma seda. E topou.
O que vocês acham? Eu diria que o tiro pegou em cheio na
tara. Acontece.
Na época daqueles livros sobre pesquisas sexuais,
organizei o Relatório Blanc. Alguns depoimentos me
impressionaram muito.
Confetis
Feito aquele enredo dos Três Mosqueteiros (olha aí a
sugestão pra fantasia), os três dias de carnaval são quatro. Isso
já dá uma idéia da bagunça. Uma pequena idéia.
Durante os três (quatro, cinco...) dias de pagode, imperam
os disparates dos súditos de Momo Primeiro e Único, fora os
outros trinta - Cidadão Samba, Cidadão Recreativista, Rei do
Carnaval, as respectivas Rainhas e Princesas, D. Higiênico
Sales, Marechal de Cama-e-Mesa Átero Escler Ozze, e menos
votados.
Marmanjo trajando fralda suja nos fundilhos com creme de
abacate...
Neros coroados de arruda tangendo mudas harpas de
tábuas de privada...
Zorros de sapato-tanque ao lado dos fiéis Bêbados, isto é,
Tontos...
Grandes astros internacionais cuja maior graça reside no
fato indiscutível de não serem astros, nem grandes, e
internacionais lá pras negas deles...
Árabes de lençol e toalha santista (os mais refinados) em
busca de um oásis que venda caipirinha...
O imortal General da Banda. Melhor um General da Banda
que outra banda dos generais...
Marte, o Deus da Guerra, de batom e cílios postiços, com
os bordados da capa (diviiina) feitos pela mamãe (dele)...
Odaliscas de cocar bebendo uísque nacional, melindrosas
com o que a baiana tem na piteira, gregas com o chapéu de
tirolesa, cheirando lança...
A rainha do Carnaval (uma delas) apertada pra fazer xixi,
perguntando pelo “Wanderley Cardoso”...
Cartolas enormes, próprias pros palhaços que “dirigem”
nosso futebol...
Blocos de Sujo muito mais limpos que o jet-set...
Buda, logo atrás de um Preto Velho, empurrado por
tapuias de cueca zorba...
A freira que é barbadinho com o hábito levantado...
A Rainha Louca sentada num Círio de Nazaré. É louca
mesmo, sô...
O nomezinho daquela doce gueixa é Oswaldo, torneiro-
mecânico de profissão...
Que qui a cobra tá fazendo ali na Cleópatra? A transação
não foi no seio?...
Santos Dumont estacionando o 14-BIS no Aterro pra ir
tomar uma loura com a escurinha...
A moça nua em cima da mesa: duas listrinhas claras -tirou
o bustiê, arrancaram a tanga - no corpo queimado. Zebra
estilizada?...
Acima a depilação! Quer dizer, embaixo, por favor, não...
Um jacaré de rancho dança frevo em Irajá tomando
mamadeira cheia de maracujá...
O Fantástico Marajá de Laori ameaçando dar uma
sandalhada no Esplendor de Assurbanípal..
O Incrível Hulk, bastante emagrecido, tomando cachaça e
escarrando sangue num coreto da Penha...
Escravas de correntes douradas e sandálias havaianas...
Chope, chope, chope pra afastar o calor...
Coxas, coxas, coxas pra aumentar o tesão...
A fantasia de legionário, miragem de todas as juventudes...
Palha, ráfia, isopor, paetê, fita - materiais que o BNH usará
no futuro...
A Princesa Isabel sofrendo com as cólicas menstruais no
desfile do Grupo III...
Um pierrô - até que enfim! - corneando o arlequim...
Mais nobreza decadente: o Rei Sol palmeando um cabo da
PM...
Zumbi dos Palmares no repique, morcegos brincando à luz
do dia, Clóvis na linha do trem para todo o sempre...
Aquele tampinha, perto da cabrocha e do rubro-negro de
patinete, ali ó, não é o tal do general Jaruzelski?...
E, comandando a Ala do Bochincho, Tamandaré batendo o
pé:
- Sem minhas guias e colares por cima das medalhas, nem
morta!...
Por aí afora, O negócio é aproveitar. Porque depois
restauram a moralidade, refazem a Lei, recompõem a ordem, e
aí, durante uns trezentos e sessenta dias imperam a seriedade
do general que manda assassinar desafetos como qualquer dono
de boca-de-fumo, a austeridade de um Ministro da Justiça
contrabandeando jóias, desfalques, desvios, escândalos!
A não ser no Carnaval, o Brasil é a maior zona.
Se existe a Semana da Asa,
temos obrigação de comemorar
também
o Mês da Moela.
Meus tipos perecíveis - I
Eu conheci realmente o primeiro enduro. Chamava-se
Sérgio, apelido Mandrake. Morava no Grajaú - bairro que, na
época de meu relato, ainda não se encontrava sob o jugo xiita -
e detestava o síndico de seu prédio.
Mandrake preferia Paquetá. Quebrava cadeados de
bicicleta com as mãos, tomava batida no gargalo e passava toda
a temporada de verão com um único short preto, imortalizado
por Mello Menezes na piadinha de fundo alabama:
- Ele pode ser o Mandrake, mas o cheiro do calção é do
Lothar.
***
Meus tipos perecíveis -II
Edenir, o paramilitar.
Suburbana
(Para Hennínio Bello de Carvalho)
Subúrbio não se visita:
é carregado dentro, feito sonho ou câncer.
No meio da rua tem um cadáver.
Ou não?
No subúrbio a morte é tanta
que não se vê.
Nem viva alma.
Mas não se iludam:
as travessas desoladas estão cheias.
Um homem se mata por amor
da adolescente que ainda não nasceu.
Um velho chora o balão incendiado
em seus olhos de menino...
o tempo... o tempo...
o tempo inunda tanto quanto as chuvaradas,
corre, feto e sangue na sarjeta ,
alastra, alarga, emplastra...
Deu no Caderno Cidade:
ADÁGIO:
O roupão encardido,
os olhos bacos de chorar
- mas a memória lhe traz
uma tarde em Paquetá -
e Celeste descobre no espelho novos traços:
não a Celeste de gestos relapsos,
mas Ariadne,
a que foi abandonada em Naxos.
Sou Ariadne, maior que as deusas.
Não sou imortal: vejam meu pranto.
Nenhuma atraiçoada morreu tanto.
Foi penalizada pela falta de recato.
Mas um Deus moreno do Brasil mulato
transformou-a em pedra nua na enseada
que é pra viver eternamente assim molhada.
o tempo... o tempo...
o tempo martiriza no subúrbio,
célere para matar, longo para esquecer,
lavra as palavras,
e das palavras escorrem sangue e sêmen,
e as palavras se amontoam pelo lixo baldio,
crepúsculo opus opúsculo
copulando feito vira-lata,
o crepúsculo explode como um arroto,
o crepúsculo se espraia como um vômito,
como a mancha no modess;
um crepúsculo escroto
de pus e músculo,
um crepúsculo de lusco-fusco oprimindo a luz
que me comove e me arrasa
com a cigarra zim zim
e o grilo sisquici
e minha filha dizendo que
zim zim eu sisquici de fazer
o trabalho de casa.
Por causa do satélite
testemunhas de Jeová se suicidaram,
juizes foram subornados,
traficantes entraram em guerra,
e a adventista Lucinha de Tal, parda,
gritou de júbilo e horror
sentindo-se penetrada pela espada de São Jorge.
Políticos se promoveram visando o próximo pleito,
vislumbraram o fim da perestróica,
manobra dos japoneses,
a decadência da NASA.
Agnaldo Timóteo meteu o malho,
analistas econômicos deitaram e rolaram
e o dólar foi pra casa do caralho.
::: F I M :::
93-3063 CDD-869-935
índices para catálogo sistemático:
1. Crônicas : Século 20 : Literatura brasileira
869.935
2. Século 20 : Crônicas : Literatura brasileira
869-935
1993
Impresso no Brasil
Printed in Brazil