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Anticrime Vol I WEB
Anticrime Vol I WEB
Anticrime Vol I WEB
PACOTE ANTICRIME
volume I
PACOTE ANTICRIME
volume I
Organizadores
Eduardo Cambi
Danni Sales Silva
Fernanda Marinela
Curitiba, 2020
Rua Marechal Hermes, 910, 1° andar, Bloco VI
- Juvevê - Curitiba/PR
CEP 80530-230
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Boa leitura!
Eduardo Cambi
Promotor de Justiça do MP/PR e coordenador da Escola Superior do
MP/PR
Fernanda Marinela
Conselheira do CNMP e Presidente da Unidade Nacional de
Capacitação
14
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
SUMÁRIO
1. Introdução.
2. A atuação ministerial planejada como ponto de partida.
3. Parâmetros de monitoramento e fiscalização para a atuação ministerial.
4. A experiência paranaense analisada a partir das perspectivas externa e in-
terna.
5. Conclusões.
6. Referências.
RESUMO
1. Introdução
mais amplo e grave interesse social” (FERRAZ, Antonio Augusto Mello de Camargo (Org.)
(2003): Um novo modelo de gestão para o Ministério Público: bases de uma necessária
reengenharia institucional. São Paulo: Edições APMP, p. 19).
18
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
existente e aquela que passa a ser necessária para o atendimento dos fluxos
estabelecidos no âmbito legal.
Nesse aspecto, deve-se notar que a lei prevê o estabelecimento de um
“conjunto de procedimentos” utilizados no tratamento do vestígio (art. 158-
A), os quais estão divididos em etapas (art. 158-B), gerando a necessidade de
estabelecimento de novos fluxos e estruturas como, v.g., (a) a das regulamen-
tações infralegais aptas a discernir o papel de cada um dos órgãos de segu-
rança pública implicados (polícia militar, polícia judiciária, órgão de perícia
oficial, entre outros); (b) a dos aspectos relacionados à logística dos vestígios
(art. 158-B, VI); (c) ao da aquisição de materiais, tais como invólucros e lacres
(arts. 158-B, V e 158-D); (d) ao da admissão e treinamento de pessoal, conforme
necessário para o atendimento do incremento de demanda, sobretudo nos ór-
gãos de perícia oficial (art. 158-C); (e) ao da construção ou adaptação de estru-
turas físicas, sobretudo em relação às “centrais de custódia” (art. 158-E); (f) ao
da aquisição de outros equipamentos necessários à identificação, conservação,
transporte e análise dos vestígios; dentre outros que poderiam ser citados.
Em seu conjunto, se está diante de previsões que parecem contemplar
aspectos de gestão, controle e planejamento institucional, de estrutura física,
materiais e de pessoal e, principalmente, relacionados a processos de trabalho
que são desempenhados pela polícia científica.
Assim, muito embora deva ser sopesado que essas implementações es-
truturais se relacionam, inevitavelmente, com questões afetas à capacidade
orçamentária do Estado – cujos contornos definidos pela Constituição de 1988
bem demonstram a enorme demanda nos mais distintos seguimentos sociais
–, deve ser igualmente considerado que várias dessas “novíssimas” implemen-
tações, agora previstas em Lei, já de há muito figuravam na pauta de investi-
mentos estatais.
Daí a importância, uma vez mais, de que sejam consideradas as peculia-
ridades de cada Estado na definição da pauta de cobrança a ser traçada pelo
Ministério Público nesta seara, sendo absolutamente previsível e, inclusive,
esperado, que situações distintas façam com que, justificadamente, a imple-
mentação integral do quanto traçado pelo legislador se dê em compassos di-
ferenciados.
Em definitivo, somente a partir da compreensão de que a efetividade
das novas disposições legais atinentes à cadeia de custódia implicam uma
atenção diferenciada em relação à política pública de concretização que per-
meia o tema, é que se poderá adotar uma atuação ministerial planejada volta-
da ao acompanhamento da implementação dos novos fluxos exigidos, execu-
tando-o, porém, a partir de critérios que levem em conta a efetiva realidade da
estrutura estatal local.
23
9 Sobre o diagnóstico realizado pelo GAESP neste setor, confira-se PARANÁ, Mi-
nistério Público do Estado do Paraná (2018): Segurança Pública. Acompanhamento das
políticas estaduais de segurança pública pelo Ministério Público do Estado do Paraná.
Disponível em <https://criminal.mppr.mp.br/arquivos/File/_Monitoramento_do_MP_-_
Seguranca_Publica_versao_21_final.pdf>. Acesso em 27. ago. 2020.
10 Refere-se, aqui, ao documento PARANÁ, Tribunal de Contas do Estado do Pa-
raná (2020): Relatório de Auditoria Polícia Científica do Paraná, 2019. Disponível em:
<https://www1.tce.pr.gov.br/multimidia/2020/8/pdf/00348521.pdf>. Acesso em 26.
ago. 2020.
24
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
5. Conclusões
6. Referências
GLITZ, André Tiago Pasternak (2019): “Por uma política ministerial de controle
externo da atividade policial: a experiência paranaense”, en O Ministério Públi-
co e o Controle Externo da Atividade Policial, 2/CNMP.
SUMÁRIO
1. Introdução.
2. A investigação preliminar e o exercício da ampla defesa.
3. O sentido da intimação da instituição a que pertence o investigado.
4. A presença de defensor técnico para atos de investigação.
5. Considerações finais.
6. Referências.
RESUMO
§ 3º (VETADO).
§ 4º (VETADO).
§ 5º (VETADO).
5. Considerações finais
6. Referências
Danni Sales1
Fernanda Marinela de Sousa Santos2
SUMÁRIO
1. Introdução.
2. Renúncia a direitos e garantias individuais.
2.1 Autodeterminação e dignidade da pessoa humana nos acordos de
não persecução.
2.2 A ameaça de pena severa e a coação na aceitação do acordo.
3. Síntese conclusiva.
4. Referências
RESUMO
a nenhum cidadão.
No Brasil, o acordo de não persecução (artigo 28-A) é ofertando, “não
sendo caso de arquivamento”. Percebe-se que é necessário apresentar, no
corpo da proposta, a base fática sobre a qual se impõe a oferta do negócio
penal33, contextualizando a defesa sobre os exatos limites da imputação que
recai sobre o investigado. Paralelo a esta peça formal, deverá ser apresentado
ao defensor do réu o caderno probatório (inquérito policial ou cogenero), que
evitará tanto o overcharging34 quanto o blefe. Prova-se, assim, que há substra-
to probatório mínimo apto ao surgimento de uma ação penal.
Entendemos que deve ser regulamentada a obrigatoriedade de o Minis-
tério Público apresentar à defesa a base fática que enseja o acordo de não
persecução penal. Essa conduta outorgará transparência ao ato negocial, cien-
tificando o réu sobre os limites da acusação que sobre ele se imporá, caso não
seja entabulado o acordo. Ao apresentar a base fática, há uma tripla garantia:
1) ordenação limitadora do poder punitivo estatal; 2) proteção do réu, no sen-
tido de evitar o bluffing e overcharging; e 3) escudo ao réu quanto ao efeito
surpresa da acusação.35
O artigo 28-A, §4º, do Código de Processo Penal36 reza que, “[...] para a
homologação do acordo de não persecução penal, será realizada audiência na
qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do inves-
tigado na presença do seu defensor, e sua legalidade”. O magistrado antes de
dico. Concluindo, nos acordos sobre sentença, não há coação40, mas sim coer-
ção à confissão e submissão às medidas estabelecidas pelo Ministério Público.
Assim, não podemos admitir que a mera possibilidade de condenação insinue
a existência de vício de consentimento, na adesão ao acordo de não persecução
penal.
3. Síntese conclusiva
4. Referências
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2001.
MILL, John Stuart. Sobre a liberdade. Trad. Isabel Cerqueira. Mem Martins: Pu-
blicações Europa América, 1997.
Eduardo Cambi1
Diogo de Araujo Lima2
Mariana Sartori Novak3
SUMÁRIO
1. Introdução.
2. A nova redação do art. 17º, §1º, da Lei nº 8.429/1992: tendência da consen-
sualidade nos casos de improbidade administrativa.
3. Aspectos gerais do acordo de não persecução cível.
4. Reflexões sobre o regime jurídico aplicável aos Acordos de Não Persecução
Cível.
5. Notas sobre questões controvertidas.
6. Conclusões.
7. Referências bibliográficas.
RESUMO
1. Introdução
25 MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; BESSA, Leonardo Ros-
coe. Manual de direito do consumidor. 2ª ed. São Paulo: RT, 2009. p. 90.
26 BRASIL, Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n° 5.208 de 10 de maio de 2016.
Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;j-
sessionid=F5E1D8BB266B0FA06B2B4BF7CDE0D808.proposicoesWebExterno2?codte-
or=1456182&filename=PL+5208/2016> Acesso em: 19 de ago de 2020.
64
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
se ocultaria uma sujeição do acusado à medida de pena pretendida pelo acusador, en-
quanto resultado mínimo, de quem é colocado em posição de submissão através de forte
pressão por parte da Justiça criminal sobre o acusado. É uma ficção, desde o ponto de
vista prático, conclui. Não existe consenso ou voluntariedade, porque não existe igual-
dade de partes/armas. Existe uma submissão do réu a partir de uma visão de redução
de danos (para evitar o “risco” do processo). Existe semelhança com um “contrato de
adesão”, onde não há liberdade plena e real igualdade para negociar, apenas de aceitar o
que lhe é imposto (Adoção do plea bargaining no projeto “anticrime”: remédio ou vene-
no? Conjur, 22 de fev. 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-fev-22/
limite-penal-adocao-plea-bargaining-projeto-anticrimeremedio-ou-veneno> Acesso em
14 de ago de 2020).
38 No caso do Ministério Público, a Constituição Federal de 1988, a Lei nº
8.625/1993, a LC 75/1993, etc.
39 Entre os elementos que os acordos de não persecução cível devem conter, o
art. 5º, inciso VI, da Resolução 1.193/2020 do MP/SP, que disciplinou o acordo após o
Pacote Anticrime, estabelece: “prever o compromisso de, quando for o caso, colaborar
amplamente com as investigações, promovendo a identificação de outros agentes, partí-
cipes, beneficiários, localização de bens e valores e produção de outras provas, durante
o curso do inquérito civil ou do processo judicial”.
69
públicos fundamentais.47
Outro ponto comum é que, seja no acordo de não persecução penal,
seja no cível, a celebração não está condicionada a nenhum proveito para a
investigação; basta a mera confissão. Esta, aliás, é uma das principais notas
distintivas do ANPP em relação aos institutos de direito premial,48 para os
quais não basta a mera confissão. É preciso ir além e colaborar efetivamente
com os órgãos de investigação, trazendo resultados úteis e eficazes em termos
investigatórios.
O transporte da exigência da confissão para o ANPC, consoante le-
ciona Landolfo Andrade49, encontra fundamento na própria racionalidade
do sistema jurídico, pois não abonaria o raciocínio lógico sustentar que um
agente público que fraudar uma licitação poderá celebrar um acordo de não
persecução cível na esfera da improbidade administrativa, pela prática de ato
lesivo ao erário (art. 10, VIII, da LIA), independentemente de confissão, mas, na
esfera criminal, esse mesmo agente somente poder celebrar um acordo de não
persecução penal, pela prática do mesmo fato, se confessar sua participação
no ilícito (artigo 89 da Lei 8.666/1996). Haveria aí uma verdadeira contradição
axiológica, um defeito de lógica legislativa, no plano deontológico.50
Dessa forma, partindo de tal premissa, aplicar-se-ia o artigo 28-A do
Código de Processo Penal naquilo que for compatível com a natureza do ato de
improbidade administrativa. Por exemplo, a exigência de reparação do dano ou
a restituição da coisa à vítima, presente no art. 28-A do CPP, seria cabível ape-
nas e tão somente à hipótese de improbidade administrativa que causa dano
ao erário, capitulada no art. 10, caput, e seus incisos, da Lei nº 8.429/1992,
mas não naquelas especificadas em seus arts. 9º e 11, cujo ilícito não envolve
diretamente a produção de dano ao erário.51
Por último, o terceiro posicionamento entende cabível utilizar a Lei
52 Nesse sentido, entre outros: GAJARDONI, Luiz Fernando “et al”, Comentários à
Lei de Improbidade Administrativa. 4ª Edição. São Paulo: RT, 2020.
53 BRASÍLIA. 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Fe-
deral. Voto 9212/2016, inquérito civil 1.30.001.001111/2014-42, rel. Procurado-
ra Mônica Nicida Garcia. Disponível:<http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/
IC1.30.001.001111.201442_Reduzido.pdf.> Acesso em 16 de ago de 2020.
54 CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, Resolução n.º 179/2017, de
26 de julho 2017. Disciplina a tomada do compromisso de ajustamento de conduta no
âmbito do Ministério Público. Brasília-DF. Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/por-
tal/images/Resolucoes/Resolu%C3%A7%C3%A3o-179.pdf>. Acesso em 23 ago. 2020.
74
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
Artigo 37
Artigo 26
6. Conclusão
Persecução Cível, cuja consecução pode ser dar por meio de uma construção
hermenêutica e de interpretação sistemática com outros institutos semelhan-
tes, por meio da Teoria do Diálogo das Fontes.
Para tanto, propõe-se estabelecer uma escala gradual de gravidade de
fatos mediante um paralelo entre Direito Penal e Direito Administrativo San-
cionador, para, então, identificar o regime jurídico que melhor se adequa à
hipótese, iniciando pelas regras que disciplinam o termo de ajustamento de
conduta, passando pelas normas que regulamentam o ANPP até chegar nas
regras do acordo de leniência e da colaboração premiada.
7. Referências bibliográficas
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 19ª. ed. Salvador:
Juspodivm, 2017.
TAVARES, Pedro Tenório Soares Vieira; NETTO, Estácio Luiz Gama de Lima.
Pacote anticrime – as modificações no sistema de justiça criminal brasileiro.
E-book, 2020.
Emerson Garcia1
SUMÁRIO
1. Aspectos introdutórios.
2. A nova sistemática de arquivamento da investigação penal.
3. Modelos possíveis para a revisão interna das decisões de arquivamento.
4. Epílogo.
5. Referências bibliográficas.
1. Aspectos introdutórios
5 A doutrina especializada não destoa desse entendimento: LOPES JR, Aury. Sis-
temas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000,
p. 31; POLASTRI, Marcellus. Curso de Processo Penal. 9º ed. Brasilia: Gazeta Jurídica,
2016, p. 83.
6 O termo circunstanciado, lavrado pela autoridade policial na hipótese de in-
fração penal de menor potencial ofensivo, no qual são requisitados os exames periciais
necessários (Lei nº 9.099/1995, art. 69), tem a natureza jurídica de investigação sumária.
O arquivamento, portanto, previsto no art. 76 da Lei nº 9.099/1995, seguirá a sistemáti-
ca do art. 28 do CPP.
7 STF, Pleno, RE nº 593.727/MG, rel. p/acórdão Min. Gilmar Mendes, j. em
14/05/2015, DJ de 25/05/2015.
98
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
9 STF, Pleno, AgR na Rcl. nº 23.045, rel. Min. Edson Fachin, j. em 09/05/2019.
100
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
4. Epílogo
5. Referências bibliográficas
SUMÁRIO
1. Introdução.
2.1. Lei 13.694/2019 (Pacote Anticrime): considerações iniciais.
2.2 Acordo de Não Persecução Penal e Violência de Gênero contra a Mulher:
Vedações e Possibilidades.
2.2.1.Crime de Importunação Sexual e a (im)possibilidade de oferta de acordo
de não persecução penal.
2.2.2 Crime de Assédio Sexual e a (im)possibilidade de oferta de acordo de não
persecução penal.
3. Conclusões.
4. Referências Bibliográficas.
RESUMO
1. Introdução
O referido crime, sem o uso de violência física e grave ameaça, era co-
mum por meio de atos de apalpadelas, beijos roubados, lambidas, encoxadas,
entre outros dessa natureza e não recebia até o momento qualquer apenamen-
to efetivo:
o crime:
O assédio ainda pode ser conduta enquadrada até como estupro, quan-
do envolver violência e grave ameaça, de acordo com a previsão do artigo 213
do Código Penal:
[...]
12 Dentre os tipos de assédio, distingue-se o assédio moral, que não está restrito
às relações laborais e, apesar de também atentar contra a dignidade da vítima, causando
danos emocionais, não tem conotação sexual. Essa modalidade de assédio foi tipificada
em 2002, em primeiro lugar no âmbito do direito administrativo da esfera municipal,
com o advento da Lei nº 13.288/2002 do município de São Paulo, que depois foi repli-
cada também em outros municípios e nos Estados. Não há tipificação dessa figura no
Código Penal. Também o comportamento do assediador que faz insinuações de natu-
reza sexual, indesejáveis, sem, contudo, ter o objetivo de obter favor sexual, mas sim
de importunar a vítima, prejudicando todo o ambiente de trabalho, não é tipificado no
Código Penal como assédio sexual, podendo configurar, eventualmente, outros crimes
ou contravenções, a depender das circunstâncias.
119
3. Conclusão:
passou a fazer parte da agenda há poucos anos, em que pese a violência, mo-
vida apenas e tão somente pela condição de mulher da vítima, exista desde os
primórdios da civilização. Graças aos trabalhos dos movimentos femininos, a
inclusão do debate de gênero vem ganhando visibilidade e adeptos. Mas, ain-
da consiste numa batalha que se encontra em fase inicial, sendo necessárias
muitas intervenções político-legislativas de caráter afirmativo para alteração
do cenário nacional, hoje permeado pela violência de gênero.
Não por outro motivo, imprime-se um caráter repressor aos delitos de
gênero (que contam com menos de dez anos de arcabouço legislativo), no in-
tuito de garantir direitos para as mulheres em situação de violência.
Em sentido oposto, o direito penal vem sofrendo alterações, ganhando
roupagem menos intervencionista e ampliando o espectro da justiça penal
negocial. Neste contexto, a promulgação da Lei nº 13.964/19, trouxe efetiva-
ção para essas novas diretrizes, e dentre suas principais inovações, o acordo
de não persecução penal, que caminha de mãos dadas com o atual perfil do
direito penal brasileiro.
Em paralelo, surge para o Estado o desafio de coexistirem essas políti-
cas criminais aparentemente excludentes. Enquanto o combate da violência
de gênero exige cada vez mais um endurecimento das penas abstratamente
cominadas a estes delitos; noutro vértice, a justiça penal negocial, ao menos
aparentemente, parece flexibilizar o então rígido direito penal.
Neste cenário, ao vedar o acordo de não persecução penal para os cri-
mes de gênero, andou bem o legislador. Efetivou maior proteção a mulher, ao
estabelecer objetivamente a condição de mulher da vítima, como critério ne-
gativo para o acordo de não persecução penal. Ao tempo que para delitos com
menor lesividade, oportunizou a justiça negocial.
Com isso, garantiu tratamento diferenciado em relação aos delitos prati-
cados com violência de gênero, dentre eles a importunação sexual e o assédio,
os quais reconhecidamente no presente artigo como sendo crimes praticados
contra a mulher por razões de sexo feminino, mantendo a impossibilidade de
aplicação da justiça penal negocial naquelas hipóteses, entendimento outrora
reconhecido pela Lei n.11.340/06. Eventual posicionamento em sentido con-
trário, representaria, por certo, um retrocesso sem limites para o processo de
conquista de direitos de igualdade de gênero.
4. Referências Bibliográficas
BIANCHINI, Alice. Bazzo, Mariana. Chakian, Silvia. Crimes contra Mulheres. Sal-
vador: JusPodivm, 2019.
BRASIL. Lei nº 11.106/2005. Altera os arts. 148, 215, 216, 226, 227, 231 e
acrescenta o art. 231-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940
– Código Penal e dá outras providências. Disponível em: http://www.planal-
to.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11106.htm. Acesso em: 28 jul
2020.
BRASIL. STF, Pleno, ADC 19/DF, Relator Ministro Marco Aurélio, j. 09.02.2012,
DJe 28.04.2014.
GRILLO, Brenno. Ejacular em mulher constrange, mas não justifica prisão, diz
juiz de São Paulo. Consultor jurídico, 31 ago. 2017. Disponível em: https://
www.conjur.com.br/2017-ago-31/ejacular-mulher-constrange-nao-justifica-
-prisao-juiz. Acesso em: 20 mar. 2018.
MARZAGÃO JR., Laerte I. Assédio sexual e seu tratamento no direito penal. São
Paulo: Quartier Latin, 2006.
124
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual. 5. ed. rev. atu-
al. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014b.
SUMÁRIO
1. Introdução.
2. Ação Penal Pública: Princípio da Obrigatoriedade.
2.1. Consequência da Obrigatoriedade: Indisponibilidade.
3. O Consenso na Justiça Criminal e Sua Expansão.
3.1. Transação.
3.2. Suspensão Condicional do Processo.
3.3. Parcelamento do Débito Tributário.
3.4. Acordo de Leniência.
3.5. Colaboração Premiada.
4. Acordo de Não Persecução Penal.
5. Conclusão.
6. Referências.
RESUMO
1. Introdução
Nos últimos anos a crise no sistema criminal brasileiro tem sido colo-
cada em evidência, destacando-se a ineficiência e morosidade do Estado no
que diz respeito à persecução penal. Diante deste cenário, é visível a tendência
de expansão dos mecanismos de consenso na justiça criminal, na busca por
melhores resultados.
Em que pese a tendência mundial seja a aplicação dessa justiça penal
negocial, muito se tem discutido, em âmbito nacional, sobre a viabilidade da
importação de instrumentos voltados a esta espécie de negociação, seja pelas
peculiaridades do sistema acusatório adotado pelo direito penal brasileiro,
seja pelo princípio da obrigatoriedade e seu consectário indisponibilidade, ele-
mentos centrais da ação penal pública.
Diante da controvérsia instalada, buscar-se-á demonstrar como se dá a
aplicação dos institutos de direito penal consensual no Brasil, enfrentando a
sua coexistência com os princípios da obrigatoriedade e indisponibilidade da
ação penal pública.
Partir-se-á, portanto, da exposição dos princípios fundamentais que re-
gem a ação penal pública: princípio da obrigatoriedade e princípio da indispo-
nibilidade.
Em seguida, será analisada a expansão da prática consensual no direito
penal brasileiro e os seus institutos.
Abrir-se-á, na sequência, análise do novo instituto: acordo de não perse-
cução penal, sua origem, seus requisitos e peculiaridades.
Ao final, será ponderada a viabilidade e os limites de aplicação dos me-
canismos de negociação criminal, frente ao cenário atual.
127
3 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.
269.
4 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 21. ed. rev., atual. e ampl. São Pau-
lo: Atlas, 2017, p. 78.
5 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 9. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2012, p. 127.
128
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
3.1. Transação
14 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.
707.
132
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
15 Lima, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único. 5. ed. rev.,
ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, p. 237.
16 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual
Penal. 11. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 302.
17 SIMÃO, Valdir Moyses; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei
anticorrupção: histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan Editora, 2017, p.
39.
133
18 Lima, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único. 5. ed. rev.,
ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, p. 239.
19 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual
Penal. 11. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 301-302.
20 VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração Premiada no Processo Penal.
1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 25.
21 ARAS, Vladmir. Lavagem de Dinheiro: Prevenção e Controle Penal. Organizado-
ra: Carla Veríssimo de Carli. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2011, p. 428.
134
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
art. 25, §2º, da Lei nº 7.492/86 (Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro
Nacional); art. 8º, da Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos); art. 16, da
Lei nº 8.137/90 (Leis dos Crimes Contra a Ordem Tributária); art. 1º, §5º, da
Lei nº 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro); arts. 13 a 15 da Lei nº 9.807/99;
art. 41, da Lei nº 11.343/06 (Lei Antidrogas); e arts. 4º a 7º da Lei nº 12.850/13
(Lei de Organização Criminosa)22.
O art. 159, §4º, do Código Penal, prevê causa especial de redução de
pena para o coautor do crime de extorsão mediante sequestro que colaborar
com as autoridades a fim de facilitar a libertação da vítima, trata-se, portanto,
de hipótese de delação premiada23.
O art. 25, §2º, da Lei nº 7.429/86 (Lei de Crimes Contra o Sistema Finan-
ceiro Nacional), também cuida de hipótese de delação premiada, que beneficia
com a redução de um a dois terços da pena o coautor ou participe que confes-
sar espontaneamente e revelar toda a conspiração delituosa24.
No que se refere à Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), o pará-
grafo único do art. 8º, prevê que o coautor do crime de associação criminosa,
que tiver por finalidade a prática de crimes hediondos, terá reduzida a pena de
um a dois terços, se denunciar à autoridade policial ou judicial o crime, para
que seja desfeito o grupo. Trata-se, portanto, de hipótese de delação premia-
da25.
A lei nº 8.137/90 (Lei de crimes contra a ordem tributária, econômica e
relações de consumo), previa a possibilidade de redução de pena de um a dois
terços em favor do coautor ou partícipe que através de confissão espontânea
revelasse à autoridade policial ou judicial o conluio delituoso. Todavia, com o
advento da Lei nº 12.529/2011, o benefício pode ser ainda maior, pois segun-
do o art. 87, parágrafo único da mencionada lei, desde que cumprido o acordo
de leniência haverá a extinção da punibilidade26.
Conforme dispõe a Lei nº 9.613/98 (Lei de Lavagem de Capitais) em
seu art. 1º, §5º, o autor, coautor ou partícipe que colaborar espontaneamente
com as autoridades, oferecendo esclarecimentos que conduzam à apuração
de crimes e de sua autoria, ou colaborando com informações que levem à lo-
denamento pelo art. 18 da Resolução nº 181 do CNMP, que teve sua redação
original alterada pela Resolução nº 183 do CNMP.
Em face da resolução em exame foram propostas as Ações Diretas de
Inconstitucionalidade nº 5790 e 5793, a primeira pela Associação dos Magis-
trados Brasileiros, e a segunda pela Ordem dos Advogados do Brasil.
A ADI nº 579040 buscava o reconhecimento de inconstitucionalidade
material da Resolução nº 181/2017 do CNMP, sob o argumento de que a pre-
visão do acordo de não persecução penal acaba por usurpar a competência do
Poder Judiciário para julgar e impor sanção.
De seu turno, a ADI nº 579341 utiliza-se do argumento que a resolução
extrapolou seu poder regulamentar, na medida em que compete privativamen-
te à União legislar sobre matéria processual e penal, e a contrário senso a
resolução permitiu ao Ministério Público dispensar a ação penal, violando a
indisponibilidade da ação penal pública, dentre outros princípios.
Ocorre que, com a inovação trazida pelo art. 28-A, do Código de Proces-
so Penal, introduzido pela lei 13.964/19 (Lei Anticrime), as críticas ao Acordo
de Não Persecução Penal não mais prosperam.
Como bem destaca Rogério Sanches Cunha42: “A violação da reserva le-
gal, como se percebe, era o grande motivo de irresignação dos críticos. Agora,
com a introdução do instituto no CPP, a crítica desaparece.”
Noutro giro, a crítica quanto à violação ao princípio da obrigatorieda-
de se esvai, na medida em que tal princípio se extrai do art. 24 do Código de
Processo Penal, não possuindo status constitucional, de modo que outra lei
ordinária pode ter o condão de lhe excepcionar, como já ocorre com outros
institutos como a transação penal, acordo de leniência, colaboração premiada,
etc43.
A inovação legislativa manteve, em grande parte, os contornos delinea-
dos pela Resolução nº 181, alterada pelo Resolução 183 do CNMP44.
45 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único. 8ª ed. rev.
ampl. e atual. Salvador: Editora Juspodivm, 2020, p. 274.
140
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
49 ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Processo Penal: Parte Geral. 10ª ed. rev.
ampl. e atual. Salvador: Editora Juspodivm, 2020, p. 114.
50 ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Processo Penal: Parte Geral. 10ª ed. rev.
ampl. e atual. Salvador: Editora Juspodivm, 2020, p. 114.
51 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Processual Penal. 17 ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2020, p. 385.
52 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único. 8ª ed. rev.
ampl. e atual. Salvador: Editora Juspodivm, 2020, p. 286.
142
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
toda a Instituição.
5. Conclusão
6. Referências
ALVES, Leonardo Barreto Moreira Alves. Processo Penal: Parte Geral. 6. ed. rev.
e atual. Belo Horizonte: Ed. Juspodivm, 2016.
ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Processo Penal: Parte Geral. 10ª ed. rev.
ampl. e atual. Salvador: Editora Juspodivm, 2020.
br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=358960>. Acesso em 19 de
agosto de 2020.
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 ao
361). 9. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017.
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 7ª ed. rev.
ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2019.
GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 9. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2012.
Lima, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único. 5. ed. rev.,
ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único. 8ª ed. rev.
ampl. e atual. Salvador: Editora Juspodivm, 2020.
145
PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 21. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Atlas, 2017.
SUMÁRIO
1. Introdução.
2. O conceito de bem jurídico-penal e a crise da dogmática processual penal
clássica.
3. Da necessidade de sistematização do Direito Processual Penal Coletivo.
4. Fundamentação constitucional do Direito Processual Penal Coletivo.
5. Do Acordo de Não persecução penal Coletivo.
6. Conclusões.
7 Referências
RESUMO
O presente estudo é uma síntese das principais ideias defendidas pelos au-
tores sobre o Direito Processual Penal Coletivo e o Acordo de Não Persecu-
ção Penal Coletivo (ANPPC). Sustenta-se ser necessário que, além das tutelas
materiais e processuais penais coletivas, voltadas propriamente para os bens
jurídico-penais coletivos em sentido amplo (combate à corrupção, à criminali-
dade organizada, à sonegação fiscal, aos crimes econômicos em geral, crimes
esses que lesam a Pátria), sejam implantadas mudanças na atuação dos órgãos
do Estado na área penal, destacando-se aqui a atuação do Ministério Público
com atribuição criminal, pois é preciso que essa instituição revisite e revigore
a atuação para que os seus membros atuem também coletivamente, por inter-
médio dos diversos mecanismos de tutela jurídica na área penal (inquérito ci-
vil, ação civil pública, termo de ajustamento de conduta), principalmente para
combater os graves problemas relacionados com o sistema prisional e com a
segurança pública em geral, sendo o Acordo de Não Persecução Penal Coletivo
1 Pós-doutor pela Syracuse University, New York, Estados Unidos, onde foi Visi-
ting Scholar e bolsista Capes em estágio sênior. Doutor em Direito pela Pontifícia Univer-
sidade Católica de São Paulo (2006). Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado
de Minas Gerais desde 1993.
2 Professor Visitante na Universidade da Califórnia-Berkeley. Professor Visitan-
te na Wayne State University. Doutor e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da
UFMG. Promotor de Justiça no Estado de São Paulo.
147
1. Introdução
4 ALMEIDA, Gregório Assagra de. The New Summa Divisio Individual Rights and
Collective Rights paradigm rupture and its importance to Improve Access to Justice in
a Violent World. WCCL 2018 Seoul. Guidebook of The 10th World Congress Of Constitu-
tioal Law (IACL-AIDC), 18th (Mon) – 22nd (Fri) June 2018.
5 COSTA, Rafael de Oliveira. Aportes da Estrutura das Normas para a Hermenêu-
tica Constitucional. In: Felipe Asensi (Org.). Jurisdição Constitucional e Direitos Funda-
mentais. Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2015, v. 1, p. 277-290.
149
Divisio Direito Público e Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionali-
zada. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. Conferir ALMEIDA, Gregório Assagra de; COSTA,
Rafael de Oliveira. Direito processual penal coletivo: a tutela penal dos bens jurídicos
coletivos – direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Belo Ho-
rizonte: D’Plácido, 2019.
13 Sobre o assunto, MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. Direito penal racio-
nal: propostas para a construção de uma teoria da legislação e para uma atuação crimi-
nal. Curitiba: Juruá, 2016.
153
14 Nesse sentido, MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. Direito penal racional:
propostas para a construção de uma teoria da legislação e para uma atuação criminal.
Curitiba: Juruá, 2016.
15 Como primeira pesquisa a sustentar o Direito Processual Coletivo com natu-
reza constitucional e objeto e método próprios, além de garantia constitucional fun-
damental social, ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo Brasileiro
– Um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003. Conferir também MO-
RAES, Alexandre Rocha Almeida de. Direito penal racional: propostas para a construção
de uma teoria da legislação e para uma atuação criminal. Curitiba: Juruá, 2016.
16 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Malhei-
ros Editores, 2004, p. 561.
154
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
a) Regulamentação legislativa
Outro aspecto que merece ser ressaltado é que inexiste óbice à celebra-
ção do acordo de não persecução penal coletivo em infrações cometidas com
violência contra a coisa, visto que a restrição abrange apenas infrações penais
como de seus integrantes, os quais deveriam gozar de certo conceito junto à coletivida-
de e dos quais depende o equilíbrio político. Destarte, o pagamento de indenização por
dano extrapatrimonial coletivo é passível de, no futuro, somado à sanção restritiva de
liberdade, ajudar a evitar a banalização do ato criminoso perpetrado pelos denunciados
e, outrossim, inibir a ocorrência de novas lesões à coletividade. Ademais, os interesses
privados dos acusados passaram a prevalecer sobre a defesa do interesse público, valor
que deveria ser por ele devidamente observado. Em outras palavras: MICHEL TEMER e
RODRIGO LOURES desvirtuaram as importantes funções públicas que exercem, visando,
apenas, ao atendimento de seus interesses escusos. [...] Assim, em uma avaliação pre-
liminar, já que o disposto no artigo 387, IV, do CPP, determina que serão fixados “va-
lores mínimos” para reparação do dano, deve-se levar em consideração a dimensão da
mácula causada à coletividade, à reputação do próprio Estado brasileiro, a envergadura
dos atores dos atos de corrupção e o reflexo de suas condutas, em razão dos cargos
que ocupam. Dessa forma, em razão de todos os malefícios sociais gerados, além da
sanção de natureza criminal, é importante que as reprimendas também atinjam aquilo
que é o móvel da prática dos atos de corrupção: os bens do agente público e de pessoas
próximas a eles, auxiliadores da prática espúria. [...] Portanto, conforme já pleiteado na
peça acusatória, levando-se em consideração o montante aceito e recebido pelos denun-
ciados, a dignidade do cargo que ocupam, o reflexo do ato espúrio no âmbito interno
e internacional, a envergadura dos atores das condutas espúrias, Procurador-Geral da
República requer, como já solicitado no bojo da peça acusatória, que MICHEL TEMER e
RODRIGO LOURES sejam condenados à indenização por danos morais no montante de
R$ 10.000.000,00, o primeiro, e R$ 2.000.000,00, para o último.)
30 DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETTI JÚNIOR, Hermes. Curso de direito processual
civil: processo coletivo. 11. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, p. 103.
31 No que concerne aos danos morais coletivos, o STJ firmou entendimento no
que sentido de que não é necessário comprovar dor, sofrimento ou abalo psicológico
para a condenação, visto que incabível fazê-lo quando se cuida de interesses difusos e
coletivos. Ademais, o Tribunal assentou, em relação a empresas de videobingos e caça-
-níqueis, que podem ser condenadas pelo fato de que o dano moral sofrido pela coletivi-
dade decorre do caráter altamente viciante de jogos de azar, passíveis de afetar o bem-
-estar do jogador e desestruturar o ambiente familiar (STJ. 2ª Turma. REsp 1.464.868-SP,
Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 22/11/2016)
32 Trata-se de dano extrapatrimonial que decorre do tempo em que sociedade se
viu privada do uso do bem difuso pela ausência de recuperação do meio ambiente.
160
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
6. Conclusões
7. Referências
ALEXY, Véase. Individuelle Rechte und kollektive Güter. In: WEINBERGER (org.).
Internationales Jahrbuch für Rechtsphilosophie und Gesetzgebung, Aktuelle
Probleme der Demokratie. Wien, 1989, pp. 49-54.
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito material coletivo: superação da Summa
Divisio Direito Público e Direito Privado por uma nova Summa Divisio Consti-
tucionalizada. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
ALMEIDA, Gregório Assagra de. The New Summa Divisio Individual Rights and
Collective Rights paradigm rupture and its importance to Improve Access to
Justice in a Violent World. WCCL 2018 Seoul. Guidebook of The 10th World
Congress Of Constitutioal Law (IACL-AIDC), 18th (Mon) – 22nd (Fri) June 2018.
BECHARA, Ana Elisa Liberatore Silva. Bem jurídico-penal. São Paulo: Quartier
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GIDI, Antônio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos
– as ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: RT, 2007.
MATTOS, Diogo Castor de. O amigo do direito penal: por que nosso Sistema
favorece a impunidade dos criminosos de colarinho branco. Porto Alegre: Edi-
tora Livraria do Advogado, 2018.
MIR PUIG, Santiago. Introducción a las bases del derecho penal. 2. ed. Monte-
video: B de F, 2007, p. 198.
168
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. Direito penal racional: propostas para
a construção de uma teoria da legislação e para uma atuação criminal. Curiti-
ba: Juruá, 2016.
OLIVÉ, Juan Ferré; PAZ, Miguel Nuñez; OLIVEIRA, William Terra de; BRITO, Ale-
xis Couto de. Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2011.
PONTE, Antonio Carlos da. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008.
ROXIN, Claus. Apud SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Supra-indi-
vididual. São Paulo: RT, 2003.
VEGA, Dulce Maria Santana. La protección penal de los bienes jurídicos colec-
169
SUMÁRIO
1. Introdução.
2. Conflito, justiça e resolução de litígios penais.
3. O acordo de não persecução penal: concepção e características.
4. Aplicação da lei no tempo e a retroatividade da lei benéfica.
5. Limite temporal a retroatividade do acordo de não persecução penal.
6. Conclusão.
7. Referências Bibliográficas.
RESUMO
1. Introdução
6 “Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o artigo 28-
A, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto,
na linha do que dispõe os enunciados sumulados nº 243 e nº 723, respectivamente, do
Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal” (Enunciado nº 29 do Conselho
Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG)
e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM)).
7 Sobre esse ponto, o enunciado nº 23 do Conselho Nacional de Procuradores-
-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e do Grupo Nacional de
Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM) afirma que “é cabível o acordo
de não persecução penal nos crimes culposos com resultado violento, uma vez que nos
delitos desta natureza a conduta consiste na violação de um dever de cuidado objetivo
por negligência, imperícia ou imprudência, cujo resultado é involuntário, não desejado
e nem aceito pelo agente, apesar de previsível”.
176
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
8 Tais condições não se tratam de penas, notadamente por lhes faltar uma das
características fundamentais inerente a toda e qualquer pena: a imperatividade. Nesse
sentido, o enunciado nº 25 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministé-
rios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de
Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM): “O acordo de não persecução penal não impõe
penas, mas somente estabelece direitos e obrigações de natureza negocial e as medidas
acordadas voluntariamente pelas partes não produzirão quaisquer efeitos daí decorren-
tes, incluindo a reincidência”.
9 Enunciado nº 24 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministé-
rios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de
Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM): “A homologação do acordo de não persecução
penal, a ser realizada pelo juiz competente, é ato judicial de natureza declaratória, cujo
conteúdo analisará apenas a voluntariedade e a legalidade da medida, não cabendo ao
magistrado proceder a um juízo quanto ao mérito/conteúdo do acordo, sob pena de
afronta ao princípio da imparcialidade, atributo que lhe é indispensável no sistema acu-
satório”.
177
13 PRADO, Luiz Regis. Tratado de Direito Penal brasileiro: Parte Geral, volume 1.
3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 394.
14 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 8ª ed.
revisada, ampliada e atualizada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020, p. 91.
15 A despeito da redação processual, existe entendimento doutrinário no sentido
de que a norma processual benéfica pode ter aplicação retroativa. V.g.: LOPES JUNIOR,
Aury. Direito processual penal. 17ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 166.
16 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 8ª edição.
revisada, ampliada e atualizada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020, p. 91.
17 Nesse sentido: NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comen-
tado. 19ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 74 e LOPES JUNIOR, Aury. Direito
processual penal. 17ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 165.
179
18 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 8ª edição
revisada, ampliada e atualizada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020, p. 91.
19 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 8ª edição
revisada, ampliada e atualizada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020, p. 92.
20 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 19ª edição.
Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 104.
180
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
Uma reforma na legislação penal. Com ela uma nova lei, novéis regras
que disciplinam a matéria processual penal, um inédito instituto penal e, junto
tudo a isso, uma imprecisão que tangencia a sua eficácia temporal. É a partir
desse cenário que o acordo de não persecução penal pode ser delineado.
Uma inovação no sistema jurídico que em virtude de uma falta de jus-
teza na redação legislativa está ocasionando um caloroso debate acerca do
limite temporal a retroatividade do acordo. Portanto, a questão é: qual a baliza
temporal da aplicação do acordo aos processos que já estavam em curso quan-
do da entrada em vigor da Lei 13.964/2019? Ele é aplicável apenas aos casos
em que não houve o recebimento da denúncia, aos que estão em fase de ins-
trução, àqueles que já possuem sentença condenatória provisória, àqueles que
estão em fase de recurso, aos casos que já possuem sentença transitada em
julgado, àqueles que estão em fase de execução da pena ou até mesmo àqueles
em que a pena já foi cumprida? Existem distintas concepções a respeito.
Primeiro, há quem afirme que o acordo de não persecução penal é nor-
ma processual híbrida e, por isso, deve produzir efeitos sobre fatos praticados
em momento pretérito a sua existência, desde que não tenha ocorrido o rece-
bimento da denúncia. Noutros termos: “o art. 28-A do CPP, que trata do ANPP,
traz em seu bojo norma híbrida: traz benefícios penais, mas condiciona a um
evento (absolutamente legal e constitucional): não haver processo”21.
Nessa linha, explicitam que normas mais benignas de cunho estritamen-
te material possuem retroatividade absoluta, em virtude do comando consti-
tucional inserto no artigo 5º, inciso XL, da CRFB/88, porém, leis híbridas, a
despeito de serem retroativas, podem ser limitadas no tempo.
Esse seria um caso, pois, na esteira do que aduzem, por meio de uma
interpretação literal pode-se afirmar que a intenção do legislador foi exata-
mente balizar a aplicação do acordo a fase investigatória, eis que o propósito
do instituto é justamente evitar a instauração de uma ação penal, dado que se
trata de uma medida de política criminal.
Mais além, afirmam que se o intento do legislador fosse aplicar o acordo
gada”, desde que preenchidas as condições impostas pelo artigo 28-A do CPP,
principalmente a de que o agente tenha confessado formal e circunstanciada-
mente o cometimento da infração penal durante a fase investigatória27.
6. Conclusão
7. Referências Bibliográficas:
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 8ª edição
revisada, ampliada e atualizada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 17ª edição. São Paulo: Saraiva
Educação, 2020.
LOPES JR., Aury; JOSITA, Higyna. Questões polêmicas do acordo de não per-
secução penal. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-mar-06/li-
186
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
PRADO, Luiz Regis. Tratado de Direito Penal brasileiro: Parte Geral, volume 1.
3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
SUMÁRIO
RESUMO
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196
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
23 LOPES JR., Aury; JOSITA, Higyna. Questões polêmicas do acordo de não per-
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198
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
jul. 2020.
33 Disponível em: < https://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=con-
sulta_processual_resultado_pesquisa&txtValor=50056735620184047000&selOrigem=-
TRF&chkMostrarBaixados=1&todasfases=&selForma=NU&todaspartes=&hdnRefId=a-
c38921803154bb95ac407c170633354&txtPalavraGerada=QnEv&txtChave=&numPagi-
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34 Disponível em:<https://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=con-
sulta_processual_resultado_pesquisa&txtValor=50011032520174047109&selOrigem=-
TRF&chkMostrarBaixados=&todasfases=&selForma=NU&todaspartes=&hdnRefId=ac4d-
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PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
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35 Disponível em: < http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/enunciados
>. Acesso em: 14 jul. 2020.
36 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. CAOCRIM – Centro de Apoio
Operacional Criminal. Boletim Criminal Comentado nº 99, de julho de 2020. Pressupos-
tos para o cabimento do acordo e recentes decisões do STJ. Disponível em: <http://www.
mpsp.mp.br/portal/page/portal/Criminal/Boletim_Semanal/>. Acesso em: 15 jul. 2020.
37 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO. MPPE é pioneiro na apli-
203
41 MARTINELLI, João Paulo Orsini. BEM, Leonardo Schmitt de. Quais caminhos
o STJ pode seguir na aplicação retroativa do ANPP?, Associação Brasileira dos Advoga-
dos Criminalistas (ABRACRIM), 2020. Disponível em: < https://www.abracrim.adv.br/
artigos/quais-caminhos-o-stj-pode-seguir-na-aplicacao-retroativa-do-anpp > Acesso em:
8 jul. 2020.
205
42 GOMES, José Jairo. Acordo de não persecução penal e sua aplicação a processos
em curso. Gen Jurídico, 2020. Disponível em: < http://genjuridico.com.br/2020/04/29/
acordo-de-nao-persecucao-penal-processos/ > Acesso em: 06 de julho de 2020.
206
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
Lei de Execução Penal. Para tanto não é necessário converter a execução penal
em acordo de não persecução.
Além disso, cumpre consignar que o campo de incidência retroativa in
theis do artigo 28-A do Código de Processo Penal após a sentença condenató-
ria seriam os casos de cumprimento em meio aberto, com penas privativas de
liberdades em quantidade inferior a 4 (quatro) anos ou decorrentes de práti-
ca de crimes culposos, que já são passíveis de serem substituídas por penas
restritivas de direito (Código Penal, artigo 44). Nesses casos, se durante a exe-
cução penal houver modificações nas circunstâncias de vida do condenado
(como desemprego, problema de doença em pessoa dependente que necessite
dos cuidados do condenado, mudança de local de trabalho, entre muitas ou-
tras variáveis), o juízo da execução penal procederá os ajustes necessários
na quantidade e na qualidade da medida alternativa à prisão, individualizado
o programa de cumprimento da pena em meio aberto, com fundamento nos
artigos artigo 116, artigo 148 e artigo 66, V, a, b e c, principalmente, da Lei de
Execuções Penais), sempre tendo por escopo contribuir para uma mudança de
comportamento no condenado, principalmente para que ele não reitere práti-
cas delituosas.
Assim, converter em acordo de não persecução penal casos que já existe
um título condenatório apenas para atender o interesse de afastar a geração
de maus antecedentes e reincidência numa futura reiteração criminal ou ainda
algum outro efeito da condenação (art. 91 e 92 do CP), caracterizará deturpa-
ção do novo instituto. O efeito dessa conversão seria o de retirar o contraes-
timulo à reiteração criminal que fora assentado com o decreto condenatório,
o que se mostra antagônico aos propósitos da execução penal, notadamente
o de prevenção especial: buscar com a concretização da sanção penal que o
condenado não reitere na prática do delito.
Conclui-se, pois, pela não aplicação retroativa do artigo 28-A do Código
de Processo Penal após a prolação de sentença condenatória.
3. Referências
FISCHER, Douglas. Não cabe acordo de não persecução em ações penais: Admi-
tir a aplicação em ações penais em andamento configura uma criação sem base
dogmática e sistemática legal. JOTA, 11/06/2020. Disponível em: < https://
www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/nao-cabe-acordo-de-nao-persecucao-
-em-acoes-penais-11062020 >. Acesso em: 14 jul. 2020.
GOMES, José Jairo. Acordo de não persecução penal e sua aplicação a proces-
sos em curso. Gen Jurídico, 2020. Disponível em: < http://genjuridico.com.
br/2020/04/29/acordo-de-nao-persecucao-penal-processos/ > Acesso em: 06
de julho de 2020.
LOPES JR., Aury; JOSITA, Higyna. Questões polêmicas do acordo de não perse-
cução penal. Disponível em:< https://www.conjur.com.br/2020-mar-06/limi-
te-penal-questoes-polemicas-acordo-nao-persecucao-penal >. Acesso em: 10
jul. 2020.
MARTINELLI, João Paulo Orsini. BEM, Leonardo Schmitt de. Quais caminhos o
STJ pode seguir na aplicação retroativa do ANPP?, Associação Brasileira dos
Advogados Criminalistas (ABRACRIM), 2020. Disponível em: < https://www.
abracrim.adv.br/artigos/quais-caminhos-o-stj-pode-seguir-na-aplicacao-retro-
ativa-do-anpp > Acesso em: 8 jul. 2020.
MELO, Valber. BARRETO. Felipe Maia. Acordo de não persecução penal e suas
(relevantes) implicações no processo penal brasileiro. Olhar Jurídico. Dispo-
nível em: <https://www.olharjuridico.com.br/artigos/exibir.asp?id=917&arti-
go=acordo-de-nao-persecucao-penal-e-suas-relevantes-implicacoes-no-proces-
so-penal-brasileiro>. Acesso em: 23 jul. 2020.
Rafael Pereira1
SUMÁRIO
1. Introdução.
2. O acordo de não persecução cível criado pelo Pacote Anticrime (Lei
nº13.964/2019).
3. Parâmetros de aplicação das sanções nas ações judiciais da Lei de Improbi-
dade Administrativa (Lei nº 8.429/92).
4. Parâmetros de aplicação das sanções nos Termos de Ajustamento de Con-
duta da LIA (Lei nº 8.429/92).
5. Parâmetros para aplicação do acordo de não persecução cível criado pelo
Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019).
6. Conclusão.
7. Referências.
RESUMO
1. Introdução
Conduta (TAC), este também – embora haja discussões – com a mesma nature-
za de negócio jurídico diante da própria redação da Resolução nº 179/2017/
CNMP.6
A disposição entre os legitimados para elaboração do acordo visa man-
ter a coerência com a previsão legal da Lei nº 8.429/92 que estabelece como
legitimados o Ministério Público e a pessoa jurídica interessada.7
Reforça-se a previsão negocial ao excluir a intervenção de terceiro im-
pondo decisão a uma das partes como, por exemplo, o poder jurisdicional, ao
manter no conceito o objetivo de solução consensual entre as partes.
Outrossim, esclarece-se que o consenso visa a imposição de obrigações
semelhantes às sanções. O motivo da utilização dessa expressão e não de san-
ções será melhor delineado no último capítulo, no entanto, de forma objetiva,
a ideia é que a aplicação das sanções como restrição de um direito funda-
mental da pessoa necessita de uma decisão emitida pelo poder jurisdicional,
o qual possui autorização constitucional para tanto. Porém, não impede que
as partes buscando a proporcionalidade, no sentido de proteção eficiente da
probidade, estabeleçam obrigações equivalentes da Lei nº 8.429/92.
Por fim, o acordo poderá estabelecer além das obrigações semelhantes
às sanções, o ressarcimento ao erário e a perda dos valores acrescidos ilici-
tamente, reconhecidamente pela doutrina e jurisprudência como imposições
diversas das demais sancionatórias da lei.8
Retomando a previsão legal do acordo de não persecução cível, a Lei nº
13.964/19, a qual ficou conhecida como “Pacote Anticrime”, inclui dentre as
cução penal: à luz da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime). Salvador: Juspodivm, 2020,
p. 85; e, LIMA, Renato Brasileiro de. Pacote anticrime: comentários à Lei nº 13.964/19 –
artigo por artigo. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 218.
6 Nos termos do artigo 1º da citada Resolução: Art. 1º O compromisso de ajus-
tamento de conduta é instrumento de garantia dos direitos e interesses difusos e cole-
tivos, individuais homogêneos e outros direitos de cuja defesa está incumbido o Minis-
tério Público, com natureza de negócio jurídico que tem por finalidade a adequação da
conduta às exigências legais e constitucionais, com eficácia de título executivo extraju-
dicial a partir da celebração.
7 Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Minis-
tério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da
medida cautelar.
8 Nesse aspecto ex-Ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp: A perda
dos bens ou valores acrescidos ilicitamente e o ressarcimento integral do dano repre-
sentam mera recomposição do status quo e devem ser aplicadas sempre que presentes
os seus pressupostos fáticos, enriquecimento ilícito e dano ao erário. Por tal motivo,
respeitável parte da doutrina entende que elas sequer são sanções propriamente di-
tas. (CONSULTOR JURÍDICO. A dosimetria das sanções por improbidade administrativa.
Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-jan-19/opiniao-dosimetria-sancoes-
-improbidade-administrativa>. Acesso em: 18 mai. 2020). Com o mesmo entendimento:
GARCIA, Emerson. Improbidade administrativa. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 735.
215
9 Segundo José dos Santos Carvalho Filho: As sanções da Lei de Improbidade são
de natureza extrapenal e, portanto, têm caráter de sanção civil. Esse é um ponto sobre
o qual concordam praticamente todos os especialistas. Assim, o legislador deveria ter
evitado o título “Das Penas” atribuído ao Capítulo III da lei, o que poderia dar a falsa im-
pressão de tratar-se de penalidades inerentes à prática de crimes. Não obstante, adian-
te-se que, em situações específicas, a serem mencionadas adiante, algumas sanções têm
sofrido restrição em sua aplicação por terem inegável conteúdo penal. O fato, porém,
não lhes retira a natureza civil de que se revestem. (CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Manual de direito administrativo. 32. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018, p.
1.213.)
10 Justificativas apresentadas pelo Ministro da Justiça no PL nº 882/2019, apre-
sentado no Senado: A primeira e essencial observação, é a de que este projeto tem por
meta estabelecer medidas contra a corrupção, o crime organizado e os crimes pratica-
dos com grave violência à pessoa. Ele enfrenta os três aspectos, corrupção, organizações
criminosas e crimes com violência, porque eles são interligados e interdependentes.
Portanto, de nada adiantaria enfrentar um deles sem que os outros fossem objeto de
idênticas medidas.
11 BRASIL. Projeto de Lei n. 882, de 2019. Disponível em: <https://www.camara.
leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2178170>. Acesso em: 14 mai.
2020.
216
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
ser por acordo de colaboração (utilizado pela Lei nº 12.850/1312, lei que dispõe
sobre organizações criminosas); o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC –
previsto na Lei da Ação Civil Pública13 e já regulamentado pelo Conselho Na-
cional do Ministério Público por meio da Resolução nº 179/2017/CNMP14); pelo
acordo de leniência (previsto na Lei Anticorrupção – Lei nº 12.846/13); além de
termo de cessação de conduta, aplicando-se de maneira subsidiária justamente
as leis da organização criminosa e Anticorrupção.
A alteração apresentada trazia a ideia de uma regra de aplicação geral
sobre a possibilidade de consensualização na Lei de Improbidade Administra-
tiva15, devendo-se utilizar dos instrumentos já disponíveis como por exem-
plo o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), sendo que ao mesmo tempo
possibilitaria a criação de um acordo nos moldes da colaboração premiada na
área criminal, já que a proposta falava da possibilidade nas ações, portanto de
âmbito judicial.
Assim, caso tivesse sido aprovada a redação nestes moldes, não teria
ocorrido dúvida quanto a legitimidade para conciliação, já que além do caput
16 Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Minis-
tério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da
medida cautelar.
17 Isso ocorreu na redação do Art.17-A (vetado): “Art. 17-A. O Ministério Público
poderá, conforme as circunstâncias do caso concreto, celebrar acordo de não persecu-
ção cível, desde que, ao menos, advenham os seguintes resultados:”
18 Tal projeto de lei teve participação do Ministro Alexandre de Moraes como
presidente da comissão de notáveis. (BRASIL. Projeto de Lei n. 10372, de 2018. Dispo-
nível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposi-
cao=2178170>. Acesso em: 14 mai. 2020.)
19 BRASIL. Projeto de Lei n. 10372, de 2018. Disponível em: <https://www.cama-
ra.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2178170>. Acesso em: 14
mai. 2020.
218
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
Razões do veto
de direito administrativo. 32. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018, p. 1.215.)
27 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa: doutrina, legislação e
jurisprudência. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 522; e, SALGADO FILHO, Nilo Spinola.
Probidade administrativa. In NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano (coord.). Manual de direitos
difusos. São Paulo: Verbatim, 2012, p. 638.
28 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 507.574/MG. Dispo-
nível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7175744/recurso-especial-resp-
-507574-mg-2003-0027068-7-stj/relatorio-e-voto-12908003>. Acesso em: 14 mai. 2020;
e, BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.376.481/RN. Disponível
em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/153399177/agrg-no-recurso-especial-
-agrg-no-resp-1376481-rn-2013-0095024-9>. Acesso em: 14 mai. 2020.
29 Isso porque algumas sanções, como a suspensão dos direitos políticos é esta-
belecida em mínimo e máximo e a multa a lei usa a expressão de até, também necessi-
tando de quantificação.
30 SALGADO FILHO, Nilo Spinola. Probidade administrativa. In NUNES JÚNIOR, Vi-
dal Serrano (coord.). Manual de direitos difusos. São Paulo: Verbatim, 2012, p. 638-639.
31 ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo. Interesses difusos
e coletivos. 10 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020,
p. 929.
32 Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se
houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz redu-
zir, equitativamente, a indenização.
223
42 Claro que esses diplomas não trazem a fórmula perfeita e acabada, devendo-se
realizar os devidos temperamentos e adaptações, mas a sistemática dos TACs servirá de
bússola hermenêutica e prática para o caso. (PINHEIRO, Igor Pereira. Lei anticrime e acor-
do de não persecução cível – aspectos teóricos e práticos. Fortaleza: Jhimuzno, 2020.)
43 TAVARES, Pedro Tenório Soares Vieira; NETTO, Estácio Luiz Gama de Lima. Pa-
cote anticrime – as modificações no sistema de justiça criminal brasileiro. E-book, 2020.
44 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Resolução nº 1.193/2020-
CPJ, de 11 de março de 2020. Disponível em: <http://biblioteca.mpsp.mp.br/PHL_IMG/
RESOLUCOES/1193.pdf>. Acesso em: 18 mai. 2020.
227
10-A do artigo 17 da LIA, incluído com o “Pacote Anticrime”. Por ele as partes
poderão pedir ao juiz a interrupção do prazo para a contestação, por prazo
não superior a 90 (noventa) dias, caso haja possibilidade de solução consen-
sual.
Essa linha de entendimento coaduna-se com as razões do veto – pelo
Executivo – do artigo 17-A, parágrafo 2º, do “Pacote Anticrime”, caso seja pos-
sível o Acordo de Não Persecução a todo tempo desvirtuaria o próprio objetivo
do consenso, já que o agente infrator estaria sendo incentivado a continuar no
trâmite da ação judicial.
O segundo entendimento é que seria possível o Acordo de Não Perse-
cução durante toda a ação judicial tendo como limite a sentença condenatória
com trânsito em julgado, em razão de a lei não ter estabelecido este parâmetro
temporal.48
Nesse ponto, já é possível encontrar decisão do Superior Tribunal de
Justiça, limitando a sentença a possibilidade do acordo de não persecução
cível ao menos até segunda instância: “[...] não ser o acordo de não persecução
cível um direito subjetivo do réu, o presente processo já ultrapassou a fase de
análise dos fatos e provas (primeira e segunda instâncias)”.49
Já quanto os parâmetros para aplicação das sanções, do mesmo modo
que ocorre na ação judicial, quanto nos termos de ajustamento de conduta
entende-se necessário a adoção dos critérios legais a gravidade do fato, a ex-
tensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido pelo agente, acrescido
sempre do princípio da proporcionalidade.
Outro parâmetro existente em algumas resoluções de TAC e que nos
parece imprescindível é o reconhecimento do ato de improbidade pelo reque-
rido, isso porque o juízo de aplicação da sanção passa necessariamente pelo
juízo de improbidade da conduta, sendo primordial a confissão, aliada a ou-
tros elementos.
Ainda, como argumento, há entendimento jurisprudencial de dispensa
da audiência de conciliação nas ações de improbidade quando o requerido
nega o ato, desvirtuando o próprio sentido do acordo.50
6. Conclusão
7. Referências
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 32. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018.
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1996.
234
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. A noção jurídica de interesse público. In:
Grandes temas de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Goiás: MPF assina primeiro acordo de não per-
secução cível e criminal com base na Lei Anticrime. Disponível em: <http://
www.mpf.mp.br/go/sala-de-imprensa/noticias-go/mpf-em-goias-assina-pri-
meiro-acordo-de-nao-persecucao-civel-e-criminal-com-base-na-lei-anticrime>.
Acesso em: 21 mai. 2020.
235
TAVARES, Pedro Tenório Soares Vieira; NETTO, Estácio Luiz Gama de Lima.
Pacote anticrime – as modificações no sistema de justiça criminal brasileiro.
E-book, 2020.
236
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
SUMÁRIO
1. Introdução.
2. A nova “dinâmica” do processo penal: consenso, sistema acusatório e a
verdade negociada.
3. As duas vertentes do consenso na justiça penal negociada e as contribuições
da Lei do Pacote Anticrime.
4. A atuação do Ministério Público diante da justiça penal negociada e as influ-
ências do plea bargaining.
5. Conclusões.
6. Referências.
RESUMO
1. Introdução
cional do processo.
O escopo é suprimir a formalização do procedimento acusatório e pro-
mover a composição conflitiva penal. Oportuno salientar, contudo, que há
uma sutil diferença com os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95: o
acordo de não persecução penal exige a confissão formal e circunstancial do
delito pelo investigado, conforme previsto no artigo 28-A do CPP.
Em outra frente da consensualidade no processo penal está a colabo-
ração premiada. É um instituto pautado pela aceitação de ambas as partes
(Ministério Público e investigado, acusado ou condenado) para celebração de
um acordo de colaboração processual com o afastamento do imputado de sua
posição de resistência; porém, a finalidade é colher informações probatórias e
a incriminação de terceiros, além de recuperar valores oriundos do crime e a
localização da vítima. É um negócio jurídico processual que visa à obtenção de
provas, amoldando-se a uma técnica investigativa, conforme artigos 3º e 3º-A,
da Lei nº 12.850/13.
Enquanto o acordo de não persecução penal pressupõe apenas a as-
sunção da própria culpabilidade (confissão formal) e a imediata sanção ao
acusado, com o intuito de abreviar o rito e evitar o prosseguimento da ação
penal, a colaboração premiada é um acordo em que o juiz concede redução
ou substituição da pena privativa de liberdade ou, ainda, o perdão judicial, e
como contrapartida, fornece efetiva e voluntariamente informações probató-
rias para continuidade das investigações.
Destaque-se que os propósitos são distintos. A colaboração premiada é
uma técnica investigativa destinada a amealhar elementos de informação (bus-
ca da verdade) e ampliar a quantidade e a qualidade de provas processuais.
Assim, ela está voltada para a continuidade da atividade processual. É também
uma ferramenta de flexibilização da justiça. Não no sentido linear de sedimen-
tação do conflito penal entre autor e vítima, mas em direção à simplificação da
complexidade da investigação e da prova penal.
Pontua-se que, apesar de não constar expressamente a necessidade de
confissão formal, como no dispositivo relativo ao acordo de não persecução
penal, uma leitura atenta do artigo 3º-C, §3º, da Lei nº 12.850/13 permite
concluir pela imprescindibilidade da confissão nos pactos colaborativos. Pres-
creve o referido dispositivo que “no acordo de colaboração premiada, o co-
laborador deve narrar todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que
tenham relação direta com os fatos investigados”. Reitere-se que essa foi uma
alteração pontual da Lei nº 13.964/19.
Em que pese essa diferenciação de perspectivas da justiça penal ne-
gociada, o acordo de não persecução penal foi a grande novidade das prá-
ticas consensuais trazida pelo pacote anticrime. O artigo 18 das Resoluções
181/2017 e 183/2018 do Conselho Nacional do Ministério Público já previam
243
a 6º, CPP)18.
Assim, a confissão pode ocorrer tanto na oportunidade do ANPP como
no decorrer das investigações, de maneira que “a inexistência de confissão
do investigado antes da formação da opinio delicti do Ministério Público não
pode ser interpretada como desinteresse em entabular eventual acordo de não
persecução penal”19.
O segundo ponto refere-se à extensão da confissão e a sua utilização em
caso de descumprimento do acordo de não persecução penal. A confissão ex-
trajudicial, conforme Superior Corte, não possui valor probatório, podendo ser
utilizada apenas para aplicação da atenuante20. Somente após a judicialização
da confissão é que se poderia utilizá-la como meio de prova, visto que, aquele
que confessasse o crime na investigação e depois fosse processado, não teria
sua palavra contra si na etapa judicial.
A confissão formalizada no ANPP representa uma formalidade para fins
de concretização do pacto, não podendo ser empregada para eventuais fins
probatórios. A natureza do acordo é de nolo contendere, de maneira que o
objetivo da confissão é meramente processual. “Apesar de pressupor sua con-
fissão, não há reconhecimento expresso de culpa pelo investigado. Há, se tanto,
uma admissão implícita de culpa, de índole puramente moral, sem repercussão
jurídica. A culpa, para ser efetivamente reconhecida, demanda o devido pro-
cesso legal”21.
5. Conclusões
6. Referências
DIEGO DIEZ, Luis Alfredo. El control judicial sobre la conformidade del acusa-
do. Poder Judicial, n. 23, pp. 33-47, 1991.
MCLEOD, Allegra M. Exporting U.S. Criminal Justice. Yale Law & Policy Review,
251
MOREHOUSE, Lauren. Confess or die: why threatening a suspect with the de-
ath penalty should render confessions involuntary. American Criminal Law
Review, v. 56 (2), pp. 531-545, 2019.
SOARES, Rafael J.; BORRI, Luiz A.; BATTINI, Lucas A. Breves considerações so-
bre o acordo de não persecução penal. Revista do Instituto de Ciências Penais,
Belo Horizonte, v. 5, pp. 213-231, dez./mai. 2020.
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tra-
dução Vitor de Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2016.
SUMÁRIO
Introdução.
1. Aspectos gerais do acordo de não persecução cível.
2 Pressupostos de aplicação do acordo de não persecução cível
2.1 Contornos normativos.
2.2 Caracterização administrativa do acordo de não persecução cível
como ato discricionário.
2.3 Momento para propositura do acordo de não persecução cível.
2.4 Legimitidade concorrente e utilização de prova coligida.
3. Escolha das sanções a serem impostas.
3.1 A avaliação da magnitude do injusto ímprobo na escolha das san-
ções.
3.2. Possibilidade de intervenção judicial na sanção acordada: hipóte-
se excepcional.
3.3 Eventuais limites às espécies de sanções: renúncia a direitos fun-
damentais
4. Acordo de não persecução cível e colaboração premiada: aproximações e
distinções.
Conclusões.
Introdução
2 Sobre uma ótima reflexão acerca de soluções consensuais de conflito, vide “So-
lução Extrajudicial de Conflitos na Proteção do Patrimônio Público e da Probidade Admi-
nistrativa”, de autoria de Cláudio Smirne Diniz e Eduardo Cambi, publicado em Revista
dos Tribunais, vol. 994/2018, p. 49 – 69, Ago / 2018.
254
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
É fato que o acordo de não persecução cível deve ter uma limitação
temporal para sua propositura, quer porque se deve exigir lealdade dos sujei-
tos envolvidos, quer porque os princípios da economia, duração razoável do
processo e eficiência, não admitem que se autorize a realização de uma longa
e acirrada discussão probatória, para, ao final, se propor ou não o acordo.
Portanto, embora esta disposição legal constante no pacote anticrime
tenha sido vetada pela Presidência República, entende-se que o final do aper-
feiçoamento de acordo de não persecução cível deve ser até a contestação.
Assim, contestada a ação civil pública pela prática de ato de improbidade ad-
ministrativa, passa a ser inadmissível a formulação do acordo, já que o Estado
não pode permitir que, de um lado, o autor do fato ímprobo aguarde o término
da instrução para aquilatar a conveniência/oportunidade de realizar o acordo
de não persecução em sentido estrito ou leniência, já que isso implica, tam-
bém, viola a eficiência administrativa, economicidade e contribui ainda mais
para a morosidade da prestação jurisdicional.
É fato que inexiste uma limitação temporal para a propositura do acor-
do de não persecução cível. Assim, sugere-se, de lege ferenda e para evitar
celeumas doutrinárias e jurisprudenciais, que esta matéria seja disciplinada
pelos Conselhos Nacionais da Magistratura e do Ministério Público ou, é claro,
por nova intervenção legislativa.
menor gravidade serão fundamentais para se aquilatar a (s) sanção (ões) a ser
(em) proposta (s) no acordo de não persecução.
Assim, para estabelecer os pressupostos de imputação do tipo de injus-
to, exige-se, na dicção de Osório:
9 Ibidem, p. 241
10 OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da Improbidade Administrativa: má gestão pú-
blica, corrupção e ineficiência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 241
269
Constituição.13
15 Ibidem.
16 BARROSO, Luiz Roberto. Legitimidade da Recusa de Transfusão de Sangue por
Testemunhas de Jeová: dignidade humana, liberdade religiosa e escolhas existenciais.
Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/testemunhas-jeova-sangue.pdf.>. Aces-
so em: 25 maio 2020.
276
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
21 Esta Lei estabelece os requisitos a colaboração premiada geral, sendo certo que
a Lei 12850/13 limita-se sua aplicação às organizações criminosas. Assim, nos termos
da Lei n.º 9807/99, dispõe-se que:Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das
partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado
que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o
processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I - a identificação dos
demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;II - a localização da vítima com a sua
integridade física preservada;III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personali-
dade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato
criminoso.
Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investi-
gação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes
do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto
do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.
280
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
5. Conclusões
Renee do Ó Souza1
Rogério Sanches Cunha2
Caroline de Assis e Silva Holmes Lins3
RESUMO
Introdução
§ 1º (...)
§ 1º (...).
Do agente infiltrado
Do agente provocador
Do agente disfarçado
11 MEIREIS, Manuel Augusto Alves. O Regime das Provas Obtidas pelo Agente
Provocador em Processo Penal, Coimbra, 1999, pg. 163 e 164
12 DELGADO, Joaquin. Criminalidad Organizada. J.M Bosch Editor, 2001, pg. 46-
48.
13 PRADO, Luiz Regis. Curso De Direito Penal Brasileiro, Volume 1: Parte Geral,
Arts. 1.° a 120. 7. ed. rev., atual., e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 476.
288
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
(...)
Conclusão
Referências bibliográficas
MEIREIS, Manuel Augusto Alves. O Regime das Provas Obtidas pelo Agente Pro-
vocador em Processo Penal, Coimbra, 1999.
ORTEGA, Juan Jose López apud SILVA, Eduardo Araújo da. Organizações Crimi-
nosas: Aspectos Penais e Processuais da Lei 12.850/13. São Paulo: Atlas, 2015.
PRADO, Luiz Regis. Curso De Direito Penal Brasileiro, Volume 1: Parte Geral,
Arts. 1.° a 120. 7. ed. rev., atual., e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
SUMÁRIO
Introdução.
1. Nota inicial comparativa sobre a sucessão temporal de leis no CP e no CPP.
2. A proposta da leitura “garantista” e alargada do conceito de “lei penal” da
Constituição: o critério que acaba sendo um “não critério”.
3. Critérios para identificação das regras penais e processuais penais.
4. O acordo de não persecução penal e a representação da vítima como exem-
plos de regras processuais com conteúdo material do Pacote Anticrime.
4.1. Acordo de não persecução penal.
4.2. A nova natureza da ação penal para o crime de estelionato.
Conclusões.
RESUMO
Introdução
É de conhecimento geral que o art. 5o, XL, CR, replicado no art. 2o,
caput, CP, define a irretroatividade da lei penal como regra. Para cada crime
praticado, vale a lei que vigorava quando da respectiva prática – tempus regit
actum5.
A irretroatividade da lei penal mais gravosa se funda na segurança jurí-
dica necessária para que as pessoas conduzam seus comportamentos sociais
sem serem surpreendidas pelo poder-dever punitivo estatal. A irretroatividade
da lei penal é um braço de operação do princípio da reserva legal, voltado à
máxima de orientar cada um ao que pode e não pode fazer, bem como a saber
o que acontece se fizer o que não pode6. Neste sentido, serve à realização de
parte da função de garantia7 que a lei penal cumpre em favor do cidadão, pela
vertente do nullum crimen, nulla poena sine lege praevia.
Excepcionalmente, poderá a lei penal retroagir nos casos em que seja
mais benéfica para o cidadão (lex mitior), quando comparada ao regime que
vigorava quando da prática do delito (cuja data é definida pela atividade de-
litiva, ex vi art. 4o, CP). Abre-se, então, a possibilidade de se usar, para um
crime, lei que não vigorava ao seu tempo. São duas as exigências para tanto:
a) que a lei seja posterior à ação criminosa; b) que seja melhor para o sujeito
ativo do delito, quando comparada à lei vigente quando da ação. Repare-se que
a retroatividade da lei, neste caso, não promove insegurança jurídica para o
cidadão, eis que – grosso modo – amplia seu campo de liberdade. Por isso, não
há colisão com o princípio da reserva legal. Cuide-se, porém, que este não é o
fundamento da retroatividade da lei melhor. Com efeito, o princípio da reserva
legal não obsta a retroação da lex mitior, porém não lhe dá fundamento.
Qual é o motivo pelo qual a lei posterior mais benéfica retroage? Muitos
não refletem sobre este ponto. Simplesmente cumprem os preceitos norma-
tivos correlatos, em modo automático. Mas se trata de ponto crucial: nele,
habita a chave que abre a compreensão necessária para a solução de situações
8 Assim, NAPPI, Aniello. Manuale di Diritto Penale. Milano: Giuffrè, 2010, p. 43,
aludindo ainda ao fato de que é justamente da isonomia que arrancam os limites da re-
troatividade da lei mais favorável; MANTOVANI, Ferrando. Diritto Penale. 3a ed. Padova:
Cedam, 1996, pp. 118-119; FIANDACA, Giovanni e MUSCO, Enzo. Diritto Penale. Parte
Generale. 3a. ed. Bologna: Zanichelli, 1995, reimp. 2001, p. 74; ZAFFARONI, Eugenio
Raúl; ALAGIA, Alejandro e SLOKAR, Alejandro. Derecho Penal. Parte General. Buenos
Aires: Ediar, 2000, p. 115; mencionando razões de equidade ou igualdade de tratamen-
to, somadas à razões humanitárias e de liberdade, REGIS PRADO, Luiz. Curso de Direito
Penal Brasileiro. Vol. 1. 8a. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 184. Anote-se que é comum o
apelo a outros fundamentos, não excludentes do adotado, como razões de justiça (a
nosso juízo, vazio de fundamento: é preciso haver um porquê) ou um princípio geral de
liberdade (v.g., COSTA, José de Faria. Noções fundamentais de Direito Penal. Coimbra:
Coimbra Editora, 2007, p. 85).
9 Novamente, REGIS PRADO, Luiz. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol. 1. 8a.
ed. São Paulo: RT, 2008, p. 184.
10 Sob um puro olhar deontológico, é o anverso da ideia de que a racionalidade
ética da criminalização primária de uma conduta radica no seu caráter “danoso desde
a perspectiva dos interesses gerais, e não desde interesses exclusivos de certos grupos
sociais”, cf. DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. La racionalidad de las leyes penales. Madrid: Trot-
ta, 2003, p. 144. Sem embargo, somos sabedores de que, entre o ideal deontológico da
democracia representativa e as práticas reais de mudanças legislativas, vai um abismo.
Basta rememorar a madrugada em que as Dez Medidas de Combate à Corrupção, en-
301
num horizonte de relações afetivas mais fluidas, menos marcado por uma
moral familiar tradicional. Dali em diante, ninguém mais (novos ou antigos
praticantes da conduta) pôde ser atingido por sanção penal derivada da práti-
ca de adultério. Não teria sentido manter excepcionalmente a execução penal
de alguns que cumpriam pena, ou dar continuidade às ações penais privadas
movidas à altura contra adúlteros, quando para ninguém, em tese, caberia
resposta estatal similar. Enfim, trata-se de clara manifestação do princípio da
isonomia.
É evidente que não se atingem aqueles quanto aos quais a consequência
penal já produziu a integralidade dos seus efeitos – pessoas que já executa-
ram as penas, sob o regime mais gravoso. Porém, no mais, todos devem ser
alcançados pelo olhar mais benévolo, em corolário da ideia de igualdade ou
isonomia de tratamento.
Diferente do fundamento da retroatividade da lei penal material mais
benéfica, que é a igualdade de tratamento a comportamentos (atos voluntá-
rios) lícitos ou ilícitos, o processo penal não regula comportamentos nessa
chave psicológica. Os atos processuais não exigem e não são valorados a título
de “dolo” ou “culpa”. O direito processual penal regula atos processuais, isto é,
estabelece rituais, prescreve as formas, as maneiras pelas quais se promoverá
a verificação de “se” e “como” um comportamento de alguém – ali considerado
em tese como criminoso – foi realizado no passado. Alguns atos processuais
até podem exigir uma voluntariedade dos atores envolvidos em sua realização,
mas não necessariamente. Como recorda Oliviero Mazza:
Assim, o que os atos processuais têm em comum é que eles são “atos
físicos causados pelo homem segundo um modo de proceder estabelecido pe-
las regras”13. No mesmo sentido, a lição de Franco Cordero em seu Procedura
penale14:
tradução nossa.
304
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
modelo.”15
15 CORDERO, Franco. Guida alla procedura penale, Torino: Utet, 1986, pp. 183-
184, tradução nossa
16 GOLDSCHMIDT, James. Derecho, Derecho Penal y Proceso. III. El proceso como
situación jurídica. Una crítica al pensamento procesal. Tradução para o espanhol de Ja-
cobo López Barja de Quiroga; Ramón Ferrer Baquero e León García-Comendador Alonso.
Madrid: Marcial Pons, 2015, pp. 313 e 314.
17 GOLDSCHMIDT, James. Derecho, Derecho Penal y Proceso. III. El proceso como
situación jurídica. Una crítica al pensamento procesal. Tradução para o espanhol de Ja-
cobo López Barja de Quiroga; Ramón Ferrer Baquero e León García-Comendador Alonso.
Madrid: Marcial Pons, 2015, pp. 256 e ss.
18 CARNELUTTI, Francesco. Lecciones sobre el processo penal. Volume 1. Tradu-
ção para o espanhol de Santiago Santís Melendo. Buenos Aires: El Foro, 2002, p. 57.
19 COUTURE, Eduardo J. Interpretação das Leis Processuais. 4ª ed., tradução de
Gilda Maciel Corrêa Meyer Russomano, Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 18.
305
o acesso ou uso efetivo da garantia é direito, cuja ausência a esvaziaria. Nada muda
quanto ao fato de que os direitos têm dimensão material (direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade), e as garantias são instrumentais, visam asse-
gurar esses direitos. Assim, por exemplo, a ampla defesa, o contraditório, a presunção
de inocência, enfim, todas as garantias processuais penais de quem seja acusado de um
delito, previstas no art. 5º da Constituição Federal, visam assegurar o direito de liber-
dade. De outra banda, as garantias processuais penais dadas às vítimas de crimes, de
que o seu agressor pode ser preso em flagrante, que ele pode ter decretada contra si sua
prisão preventiva; que é possível realizar interceptação de comunicação telefônica, que
alguns delitos catalogados como hediondos merecem tratamento mais rigoroso; que se
o Ministério Público ficar inerte a vítima poderá exercitar ação penal privada subsidiária,
enfim, todas as garantias processuais de proteção das vítimas visam assegurar tanto seu
direito à vida, quanto ao patrimônio e, de forma mais ampla, seu direito à segurança.
308
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
penal”.
O legislador originário não aludiu distintamente a direito penal e pro-
cesso penal como a inovar: simplesmente, guarneceu a Carta maior de uma
sólida tradição distintiva entre direito material, substantivo, e processual ou
adjetivo. Tradição que separa direitos de garantias. Dentre os primeiros, estão
a irretroatividade da lei penal, a retroatividade da mais favorável, a humani-
dade e individualização das penas, a vedação de penas cruéis, infamantes e
degradantes etc. No leque das segundas, o contraditório, a ampla defesa, o
duplo grau de jurisdição etc.
Em terceiro lugar, desprezando as distinções conceituais demarcadas
na Constituição, a ideia de que a expressão “lei penal” alberga regras pro-
cessuais, no art. 5o, XL, equipara a potencialidade de comprometimento das
liberdades públicas havida pelas regras de direito penal material com regras:
a) de processo com conteúdo misto (que trazem uma parte de direito penal e
outra de processo); b) regras de processo com conteúdo material (conquanto
regras processuais, produzem impacto no campo do direito penal, tocando di-
retamente o direito de liberdade do imputado); c) e regras de processo que re-
gulam garantias em sentido mais amplo (que são exclusivamente processuais).
É curial que o direito material não se equivale ao direito processual de
garantia, em sentido amplo, em termos de invasividade na vida privada do
imputado. Uma lei penal material que diga que uma conduta não é mais crime,
nos termos do inciso III, do art. 107, do Código Penal, tem a potência de pôr
fim ao processo em curso e exigir uma declaração de extinção da punibilidade
do autor daquele comportamento, inclusive desconstituindo a coisa julgada
de processos com condenação definitiva (art. 2º, parágrafo único do Código
Penal). Agora, uma lei que diga que o réu pode arrolar dez testemunhas em vez
de oito (como é hoje), não obstante seja uma lei mais garantista que a lei velha
(já que amplia a defesa do acusado), não tem a mesma potência de pôr fim ao
processo, extinguir a punibilidade do acusado ou desconstituir a coisa julgada
de processos com condenação definitiva. Estão, por evidente, em patamares
diferentes.
Assim, não parece correto colocar todas as regras no mesmo balaio her-
menêutico. É preciso melhor delimitar os espaços de compreensão de uma re-
gra em comparação à outra, até porque, praticamente, todas as regras no pro-
cesso penal hoje podem ser lidas com as lentes das garantias constitucionais.
Em quarto lugar, é preciso verificar em que medida a vedação de exces-
so de intervenção estatal na vida privada, otimizada pela ideia de que a expres-
são “lei penal”, no art. 5o, XL, CR, compreende também as leis processuais,
permitiria suportar os déficits de atuação do sistema penal derivados. Afinal,
como contraparte da proteção do réu frente a excessos estatais, emerge a ne-
cessidade de proteção das vítimas e da sociedade, na perspectiva da vedação
309
Neste caso, sendo uma mesma e única regra, foi considerada, pelos Tribunais
Superiores, a necessidade de se observar a manutenção de sua integridade,
não podendo ser cindida para retroagir apenas a parcela processual penal. No
todo, a primeira parte teria caráter processual, de aplicação imediata, e a se-
gunda parte teria traço penal, mais gravoso (causa suspensiva de prescrição).
A partir daí, nos termos da jurisprudência consolidada no STJ, preponderou o
aspecto penal material para presidir a solução: a nova regra se aplicou apenas
para novos crimes ocorridos após sua vigência, já que sua parcela de direito
material (suspender o prazo prescricional) era mais gravosa aos acusados se
comparada à lei velha.
Em 2003, em razão de novas regras mais garantistas de interrogatório
do acusado, deveríamos ter tido ampla e geral declaração de nulidade de todos
os processos que já tramitaram na história do país, bem como daqueles que
já tivessem ultrapassado a fase do interrogatório do réu, que, à época, se dava
como primeiro ato de instrução. Todos os condenados que estivessem cum-
prindo pena, deveriam ter sido imediatamente libertados. As penitenciárias,
todas, imediatamente esvaziadas. Os casos que não estivessem alcançados
pela prescrição, contada da data do recebimento da denúncia, seriam retoma-
dos. O resto, esquecido.
Em 2008, deveríamos ter tido mais uma nova, ampla e geral declaração
de nulidade de todos os processos que já tramitaram na história do país e que
ainda não tivessem sido anulados pela lei de 2003, pois os ritos novos passa-
ram a ser mais benéficos ao réu, em particular com o deslocamento do interro-
gatório do réu, de primeiro para último ato de instrução. Novamente, todos os
condenados que estivessem cumprindo pena por casos cometidos e julgados
definitivamente depois da grande soltura de 2003, deveriam ter sido imedia-
tamente libertados. As penitenciárias, mais uma vez, todas, imediatamente
esvaziadas. Os casos que não estivessem alcançados pela prescrição, contada
da data do recebimento da denúncia, seriam retomados. O resto, esquecido.
Em 2016, todos os casos nos quais o investigado foi ouvido na fase
pré-processual sem a presença de seu advogado deveriam ser considerados
nulos. Assim, mais uma vez, todos os condenados cumprindo penas em re-
gime fechado, que se encaixassem nessas condições, deveriam ser colocados
em liberdade. Os processos anulados integralmente seriam retomados apenas
quando não se verificasse a prescrição, contada da data do fato.
E agora, em 2020, caso o Ministro Fux não tivesse suspendido a vali-
dade das regras que introduziram o juiz das garantias, e sempre levando em
conta o critério da doutrina referida, teríamos novas, ampla, geral e irrestrita,
declarações de nulidade de todos os processos que já tramitaram na história
do país (salvo os de menor potencial ofensivo) e que ainda não tivessem sido
anulados pelas leis anteriores, pois a criação do juiz das garantias, que vale
313
31 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito Processual Penal. Primeiro Volume. Coim-
bra: Coimbra Editora, 1974, p. 33.
32 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito Processual Penal. Primeiro Volume. Coim-
bra: Coimbra Editora, 1974, pp. 33 e 34.
33 NUVOLONE, Pietro. “Le prove vietate nel processo penale nei paesi di diritto
latino”. In: Rivista di diritto processuale. Vol. XXI. Padova: Cedam, 1966, p. 470.
34 CORDERO, Franco. Procedura Penale. 4a. ed., Milano: Giuffrè, 1998, p. 594.
315
– dado o prejuízo sob o regime decaído que poderia ser evitado segundo o regime novo,
ao instituir no cumprimento das condições da suspensão prevista no art. 89 uma causa
extintiva de punibilidade -, era justamente nestes casos que critérios de isonomia deter-
minavam a necessária retroatividade!
43 Se ainda não houver denúncia, a aplicação retroativa do art. 28-A permitirá ao
Promotor de Justiça chamar o imputado para a confissão, se está a adotar esta estratégia
para todos os indiciados em inquérito ou investigados diretamente na Promotoria.
320
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
grupo de sortudos: os que praticaram o crime antes da lei nova e contam com
uma espécie de despedaçamento dos contornos da nova categoria criada – o
acordo de não persecução – fatiado em pedacinhos melhores e piores. Ponde-
ração diferenciada, a nosso juízo, não tem nada que ver com isso.
Note-se que a causa suspensiva da prescrição do art. 116, IV, não apa-
nhará ninguém de surpresa, acaso retroaja: afinal, só incidirá por expressa
escolha do imputado, interessado em beneficiar-se do acordo. Estende-se para
ele o que é possível fazer em favor dos sujeitos ativos de novos crimes. Aí
está o limite da ponderação entre as regras, em que se permite diferenciar os
trechos melhores de cada regime.
Muitas vezes, o legislador cria causas de suspensão do processo pre-
vendo a suspensão da prescrição na própria regra. Isto ocorreu no art. 89,
Lei 9099/95, bem como no já citado art. 366, CPP. A opção da Lei 13.964/19
foi distinta. A suspensão do processo implica em suspensão da prescrição
não prevista como um parágrafo do art. 28-A, mas como um novo inciso do
art. 116, CP. Porém, isto pouco importa: ainda que não se possa invocar o
limitador formal da autonomia do dispositivo ao uso da teoria ponderação
diferenciada, é preciso aplicar o novo instituto do acordo de não persecução
penal segundo os contornos do regime jurídico para ele criado, que também
constitui um limite a tanto. O que não se pode é ferir a isonomia de tratamento
entre os sujeitos ativos novos e aqueles submetidos ao regime decaído.
alterações do CP, CPP e LEP. Salvador: Editora JusPodium, 2020, p. 65, verbis: Se a inicial
(denúncia) já foi ofertada, trata-se de ato jurídico perfeito, não sendo alcançado pela mu-
dança. Não nos parece correto o entendimento de que a vítima deve ser chamada para
manifestar seu interesse em ver perseguir o processo. Essa lição transforma a natureza
jurídica da representação de condição de procedibilidade em condição de prosseguibili-
dade. A lei nova não exigiu essa manifestação (como fez no art. 88 da Lei 9.099/1995).
45 Há muito mesmo, figurando como expresso exemplo de manuais clássicos, por
exemplo, HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Vol. I. 4a. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1958, pp. 122-123; BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal. São Paulo: RT, 1966, p.
154; ANTOLISEI, Francesco. Manuale di Diritto Penale. Parte generale. Agg. Luigi Conti.
Milano: Giuffrè, 1989, p. 98.
324
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
Conclusões
Bibliografia
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 17a ed. São Paulo:
Saraiva, 1996.
DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. La racionalidad de las leyes penales. Madrid: Trotta,
326
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
2003.
FIANDACA, Giovanni e MUSCO, Enzo. Diritto Penale. Parte Generale. 3a. ed.
Bologna: Zanichelli, 1995, reimp. 2001.
FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito Processual Penal. Primeiro Volume. Coim-
bra: Coimbra Editora, 1974.
GOMES, Luiz Flávio. Caso Nardoni: protesto por novo júri. Denegação pelo
STJ. In: JusBrasil, 2013. Disponível em https://professorlfg.jusbrasil.com.br/
artigos/121931210/caso-nardoni-protesto-por-novo-juri-denegacao-pelo-stj,
acesso em 11 de junho de 2020.
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Vol. I. 4a. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1958.
LEONE, Mauro. Il Diritto Penale nel Tempo. Aspetti costituzionali del principio
dell’irretroatività. Napoli: Jovene, 1980.
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 14ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017.
LUHMANN, Niklas e DE GIORGI, Raffaele. Teoría de la sociedad. Guadalajara:
Universidad de Guadalajara, 1993.
NUVOLONE, Pietro. “Le prove vietate nel processo penale nei paesi di diritto
latino”. In: Rivista di diritto processuale. Vol. XXI. Padova: Cedam, 1966.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 4a. ed. São
Paulo: Saraiva, 1991.
SUMÁRIO:
1. Introdução.
2. Desenvolvimento.
2.1 A importância da valorização da vítima no campo criminal: uma
proposta sob o paradigma da justiça restaurativa.
2.2 Como o ANPP pode ser um meio de promoção dos direitos das
vítimas e da justiça restaurativa.
3. Conclusões.
4. Referências.
RESUMO:
1. Introdução
2. Desenvolvimento
14 “art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado so-
bre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que
possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações. (...)§ 2º O ofendido será comu-
nicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à de-
signação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham
ou modifiquem”. Em: BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Brasília:
Congresso Nacional, 1941.
15 BRASIL. Resolução nº 118 de 1º de dezembro de 2014. Brasília: Conselho Na-
cional do MP, 2014.
335
22 ZEHR, Howard; GOHAR, Ali. The Little Book of Restorative Justice. Unigraphi-
cs, 2002, p. 21.
23 ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: Um novo foco sobre o crime e a justiça.
São Paulo: Palas Athena, 2008, p. 89-90.
24 SILVA, Mário Edson Passerino Fischer. (Re)pensando a construção de um mo-
delo restaurativo de justiça autenticamente brasileiro: de uma alternativa à tutela penal
e à punição à construção de uma justiça inclusiva Curitiba: Dissertação de mestrado,
Universidade Federal do Paraná, 2020, p. 402.
337
do cumprimento do ANPP.
Um alerta importante é averiguar a questão da possibilidade de incidên-
cia da prescrição pois, embora em uma visão geral a abordagem restaurativa
se mostre mais célere que o processo, não há como desconsiderar que, a de-
pender dos facilitadores e participantes, meses podem ser necessários para se
finalizar o trabalho, devendo ser lembrado que o inc. IV, incluído no art. 116
do Código Penal, apenas prevê a suspensão da prescrição após a celebração do
ANPP, e não durante as suas tratativas.
A(o) agente ministerial também deixará claro que, além das devidas re-
parações à vítima, a proposta terá como enfoque a reparação comunitária em
razão do interesse social na situação. Portanto, deverá ser explicado que, em
não sendo estipulada uma prestação comunitária pela via restaurativa, termos
complementares nesse sentido poderão ser acordados entre acusação e inves-
tigado (e sua defesa) na finalização do ANPP.
Não havendo o risco de prescrição, o convite poderia ser feito pelos
integrantes da promotoria de justiça ao investigado e seu advogado e, então,
à vítima. Na conversa com os dois primeiros, o MP pode, em vez de propor os
termos de ANPP, explicar a possibilidade de encaminhamento do caso à via
restaurativa, e que eventual acordo entre vítima e investigado será usado como
balizador do ANPP. Outra possibilidade é que a (o) agente do MP converse pri-
meiro com a vítima, angariando ideias para o acordo com base nesse diálogo,
e então as considere nas propostas a serem feitas ao autor da ofensa.
Havendo interesse pela via restaurativa, em qualquer um dos fluxos
aventados, deverá ser ressaltado o sigilo e incomunicabilidade do conteúdo
dos diálogos realizados durante a participação no programa com os proce-
dimentos formais vinculados ao caso. Dessa forma, a(o) promotora(r) de jus-
tiça encaminhará vítima ou investigado para uma pré-autocomposição com
os facilitadores que mediarão as práticas, a fim de que esses possam escutar
seus relatos espontâneos, realizar as perguntas pertinentes à abordagem res-
taurativa e apresentar com mais detalhes o funcionamento da JR. Com a ade-
são, os envolvidos assinarão um termo de consentimento livre e esclarecido,
oficializando seu interesse e estando cientes de que, até a homologação do
acordo restaurativo, podem desistir da participação (art. 2, §2º, Resolução CNJ
nº 225/2016).
Um adendo necessário. Recomenda-se que a(o) agente ministerial res-
ponsável pelo caso não exerça a função de facilitador, mesmo tendo forma-
ção, a fim de que os participantes não se retraiam e, processualmente, não
seja questionada a sua imparcialidade, em vista das informações sensíveis que
podem ser expostas durante a prática restaurativa. Também é importante as-
segurar a autonomia técnica dos facilitadores, de acordo com sua formação e
fundados no compromisso ético com a causa.
341
29 MORI, Leticia. ‘Por que perdoei o homem que me roubou R$ 30 mil’. São Paulo:
BBC News Brasil, 7 de jan. de 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/
brasil-50929865#:~:text=Quando%20a%20empres%C3%A1ria%20paulistana%20Fernan-
da,marido%20o%20conheciam%20havia%20anos. Acesso em 19/08/2020.
342
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
cutivo judicial, o que também pode ser explicitado em seus termos. Lembra-se
ainda que o art. 68 do CPP prevê que quando a vítima for “pobre”, o MP pro-
moverá, a seu requerimento, ação indenizatória de reparação.
Anota-se, ainda, que o ANPP é considerado desrespeitado tanto por sua
inobservância absoluta quanto parcial, pois as reparações à vítima não desone-
ram o investigado de cumprir, se estiverem previstas, outras prestações, como
serviços comunitários, e vice-versa.
Uma questão que pode implicar em grande dificuldade operacional é a
impossibilidade de consenso, entre o MP e o autor dos fatos, ou entre este e
a vítima, em relação ao valor a ser reparado. Esse dissenso pode recair sobre
a extensão e valoração do prejuízo financeiro do ofendido, ou em relação a
despesas decorrentes, como lucros cessantes ou tratamentos para a superação
do trauma. Ainda, é de se esperar que em uma gama considerável de casos o
limite de disponibilidade de ressarcimento do autor do fato seja inferior às
pretensões da vítima ou do MP. Diante desse impasse poder-se-ia cogitar da
aplicação da exceção prevista no inc. I do artigo 28-A.
Defende-se, porém, que a via prudente é, após confirmar por meio de
diligências de averiguação e checagem que o autor do fato está no limite de
sua capacidade indenizatória, estabelecer-se que o valor ajustado no ANPP
seja a título de antecipação do ressarcimento, e que não impedirá a vítima de
ingressar na seara cível, pugnando a complementação. Essa é uma possível
saída para que não seja inviável a celebração do ANPP em razão das limitações
do investigado, mas, ao mesmo tempo, ofereça condições para aplacar o dano.
Nessa circunstância, como se trata de reparação parcial, o inciso do art. 28-A
do CPP que a respaldaria não seria o I, mas o V.
Outro cuidado é que a(o) membra(o) do MP deve ter foco em todos os
participantes do caso e ouvir com atenção seus sentimentos e necessidades,
fazendo perguntas que possam aprofundar a colaboração de todos no proces-
so de construção da resposta penal. Afinal, essa postura pode “proporcionar a
empatia e permitir a geração de opções criativas para encontrar soluções para
os problemas”35. Por vezes a vítima, embora inicialmente defendendo severa
punição ao autor do dano, com o transcorrer das tratativas passa a externar
o desejo de ouvir um sincero e definitivo pedido de desculpas do autor da
ofensa, bem como o compromisso de que ele faça alguma contribuição para a
comunidade. A mudança de opinião não decorre de um engodo ou equívoco,
em qualquer momento, mas é explicada pela percepção de que ela foi acolhida,
ouvida e integrada à decisão do caso penal.
Por fim, cumprido o acordo, com base no que prevê a legislação, o juiz
3. Conclusões
4. Referências
BONAVIDES, Samia Saad Gallotti; SILVA, Mário Edson Passerino Fischer da. As
práticas restaurativas como uma alternativa à persecução penal: da ressigni-
ficação do caso penal a uma necessária concretização do princípio da ultima
ratio Revista Jurídica do MP do Estado do Paraná, ano 6, n. 11, Curitiba, p.
74-101, 2019.
MORI, Leticia. ‘Por que perdoei o homem que me roubou R$ 30 mil’. São Pau-
lo: BBC News Brasil, 7 de jan. de 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/
portuguese/brasil-50929865#:~:text=Quando%20a%20empres%C3%A1ria%20
paulistana%20Fernanda,marido%20o%20conheciam%20havia%20anos
YARED, Christiane. Sancionada lei que endurece pena para motorista bêba-
do que dirige e mata. 20 de dezembro de 2017. Disponível em: https://chris-
tianeyared.com.br/sancionada-lei-que-endurece-pena-para-motorista-bebado-
-que-dirige-e-mata/.
ZEHR, Howard; GOHAR, Ali. The Little Book of Restorative Justice. Unigraphi-
cs, 2002.
349
SUMÁRIO:
Introdução.
1. Linhas gerais da nova disciplina do arquivamento no art. 28 do CPP.
2. Arquivamento parcial e arquivamento implícito.
3. Arquivamento indireto.
4. Infrações contra bens jurídico-penais difusos e coletivos e impugnação ad-
ministrativa do arquivamento.
5. A coisa julgada no arquivamento e a súmula 524 do STF.
Conclusões.
Referências.
RESUMO
Introdução
2 Deve-se ressaltar que, no momento em que redigimos estas linhas, a nova re-
dação do caput do art. 28 do CPP tem as suas eficácia e aplicabilidade suspensas sine die
por força de medida cautelar concedida pelo Min. Luiz Fux na ADI 6.305/DF, ajuizada
perante o Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática proferida em 22.01.2020,
sob o argumento de que a alteração promovida no rito de arquivamento do inquérito
policial violava as cláusulas que exigem prévia dotação orçamentária para a realização
de despesas (art. 169 da CF/1988) e a autonomia financeira dos Ministérios Públicos (art.
127, §§ 1º a 6º, da CF/1988), especialmente por desconsiderar os impactos sistêmicos
e financeiros ao funcionamento dos órgãos do Parquet, bem como de que a previsão do
dispositivo impugnado de entrar em vigor em 23.01.2020, sem que os Ministérios Públi-
cos houvessem tido tempo hábil para se adaptarem estruturalmente à nova competên-
cia estabelecida, revelava a irrazoabilidade da regra, tornando-a inconstitucional, visto
que a vacatio legis da Lei 13.964/2019 transcorreu integralmente durante o período de
recesso parlamentar federal e estadual, o que impediu qualquer tipo de mobilização
dos Ministérios Públicos para a propositura de eventuais projetos de lei que viessem a
possibilitar a implementação adequada da nova disciplina.
351
A primeira é que o texto legal usa expressões pouco precisas para aludir
a tal impugnação – especificamente, “submeter a matéria à revisão da instân-
cia competente do órgão ministerial” (§ 1º) e “a revisão do arquivamento do
inquérito policial poderá ser provocada” (§ 2º) –, não sendo claro sobre a sua
natureza recursal. Diante disso, e dado que o arquivamento estará sempre
sujeito ao reexame necessário, ex vi do caput do art. 28 do CPP, entendemos
que a manifestação de oposição caracteriza somente um arrazoado a ser con-
siderado pelo órgão revisor na apreciação da decisão de arquivamento, similar
ao previsto no art. 9º, § 2º, da Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública) com
relação ao arquivamento do inquérito civil ou de peças informativas extra-
penais concernentes a interesses supraindividuais, mas não um verdadeiro
recurso administrativo.
A segunda é que, havendo pluralidade de sujeitos passivos do fato cri-
minoso – inclusive quando se trate de delito pluriofensivo e de dupla (ou plú-
rima) subjetividade passiva –, a legitimidade deles para a impugnação admi-
nistrativa há que ser vista como concorrente e disjuntiva, isto é, eles poderão
manejá-la tanto individual quanto conjuntamente.9
A terceira é que se deve reconhecer que no § 2º a lei dixit minus quam
voluit. Assim, aí podem ser acrescentadas, por interpretação extensiva per-
mitida (art. 3º do CPP), as chefias dos órgãos de representação judicial das
entidades da Administração Pública indireta da União, de Estado, de Município
ou do Distrito Federal dotadas de personalidade jurídica própria e autonomia
administrativa, quais sejam, as autarquias, as fundações, as empresas públicas
e as sociedades de economia mista, quando forem vítimas de ilícito penal.
A seguir, passemos à análise das principais consequências sistemáticas
da nova disciplina do arquivamento.
Ora, para que a decisão de arquivamento seja motivada, ela precisa ser
explícita. A rigor, o denominado arquivamento implícito é um ato inexistente.
Somente com uma decisão de arquivamento efetivamente proferida e
devidamente formalizada é que o órgão revisional do Ministério Público po-
derá proceder à sua avaliação no reexame necessário – eis aqui o caráter com-
posto do ato – e o ofendido ou seu representante legal ou os órgãos de repre-
sentação judicial da União, de Estado, de Município, do Distrito Federal e dos
seus entes da Administração Pública indireta poderão questioná-la e suscitar
argumentos contra a sua homologação.
Enfim, só se podem conceber, em atividade tão relevante como a perse-
cução penal, manifestações e pronunciamentos expressos, claros e transparen-
tes, tanto do Poder Judiciário quanto do Ministério Público.13 E o arquivamento
implícito há que ser visto como ele realmente é: uma omissão injustificada,
uma má prática funcional (cf. o art. 43, inc. III, da Lei 8.625/1993 e o art. 236,
inc. IX, da LC 75/1993) e um nada jurídico para todos os efeitos.
Logo, caso o agente ministerial promova a ação penal relativamente a
parte do conteúdo dos autos de investigação criminal ou de peças informati-
vas criminais e deixe de decidir explicitamente sobre o arquivamento da parte
remanescente, e por inteligência do art. 28, §§ 1º e 2º, do CPP, o ofendido ou
seu representante legal ou os órgãos de representação judicial da União, de
Estado, de Município, do Distrito Federal e dos seus entes da Administração
Pública indireta, a qualquer tempo que perceberem a omissão, poderão instar
o membro do Parquet a se manifestar e, em seguida, sendo proferida a decisão
de arquivamento, submeter sua insurgência ao órgão revisional.
Se, mesmo instado, o agente ministerial persistir na omissão, parece-nos
ser lícito ao ofendido ou seu representante legal ou aos órgãos de representa-
ção judicial da União, de Estado, de Município, do Distrito Federal e dos seus
entes da Administração Pública indireta, ainda por inteligência do art. 28, §§
1º e 2º, do CPP, provocar o órgão revisional para que adote providências, po-
dendo este então, com fundamento no art. 43, incs. III e XIV, da Lei 8.625/1993
ou no art. 236, incs. IV e IX, da LC 75/1993, determinar que o agente ministe-
rial profira a decisão e a remeta a reexame. A título de sugestão, tal solução
poderia inclusive vir a ser prevista em Resolução do Conselho Nacional do
Ministério Público, editada com fulcro no art. 130-A, § 2º, inc. I, da CF/1988 e
com vistas a regulamentar a matéria, ou nas disposições normativas internas
de organização de cada Ministério Público.
3. Arquivamento indireto
16 Os novos arts. 3º-A a 3º-F do CPP, introduzidos pela “Lei Anticrime”, também
estão com suas eficácia e aplicabilidade suspensas sine die por força da medida cautelar
concedida pelo Ministro Luiz Fux em decisão monocrática proferida em 22.01.2020,
abrangendo as ADIs 6.298/DF, 6.299/DF e 6.300/DF, todas ajuizadas perante o STF.
361
ram uma desavença negocial mal resolvida e que, por conta disso e visando a
se ressarcir do prejuízo experimentado, o primeiro se recusava a devolver um
bem móvel pertencente ao segundo que tinha em seu poder, ao menos até que
fosse pago. O agente ministerial então conclui que o fato melhor se amolda
ao tipo de injusto do exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP),
cometido sem violência e, portanto, sujeito a ação penal de iniciativa priva-
da (cf. o par. ún. do dispositivo), e lança seu pronunciamento nesse sentido,
postulando a permanência dos autos em cartório à espera da apresentação da
queixa-crime.
Tal decisão de não acusar fica isenta de reexame e de controle quanto
à sua correção e ainda arrisca fulminar definitivamente a persecução penal,
visto que, se a queixa-crime não for oferecida no prazo decadencial para tanto
(art. 38, caput, do CPP), o juiz poderá até declarar extinta a punibilidade do
investigado (com base no art. 61, caput, do CPP, c/c o art. 107, inc. IV, do CP).17
Em suma, diante da sua enorme semelhança com o arquivamento “dire-
to” e da necessidade de prevenir uma eventual e indevida declaração de extin-
ção da punibilidade é que sustentamos que a situação acima descrita haveria
que ser identificada e tratada como uma espécie de arquivamento indireto e
também se submeter à revisão do órgão superior do Ministério Público, apli-
cando-se analogicamente o art. 28 do CPP, em sua nova redação.
17 Cf. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 19. ed. São Paulo:
Saraiva, 1997. v. 1. p. 273.
363
18 Cf. PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 3. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003. p. 107-108.
19 LIMA, Thadeu Augimeri de Goes. Persecução penal e interesses supraindividu-
ais: diálogos com o processo coletivo, cit., p. 148.
20 LIMA, Thadeu Augimeri de Goes. Persecução penal e interesses supraindividu-
ais: diálogos com o processo coletivo, cit., p. 148.
21 LIMA, Thadeu Augimeri de Goes. Persecução penal e interesses supraindividu-
ais: diálogos com o processo coletivo, cit., p. 148-149.
22 LIMA, Thadeu Augimeri de Goes. Persecução penal e interesses supraindividu-
ais: diálogos com o processo coletivo, cit., p. 149.
364
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
Henrique. Processo penal. 8. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil; Revista dos Tribu-
nais, 2020. p. 163. Na jurisprudência, entre muitíssimos julgados, v. os seguintes do STF:
MS 34.730, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, j. 10.12.2019; HC 83.346, 1ª T., Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, j. 17.05.2005; HC 85.156, 2ª T., Rel. Min. Celso de Mello, j. 26.10.2004; e HC
80.560, 1ª T., Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 20.02.2001. Calha destacar que, no correto
sentido de que a decisão judicial na disciplina original do arquivamento não tinha na-
tureza jurisdicional e sim administrativa, José Frederico Marques e Afrânio Silva Jardim
propugnavam soluções coerentes com esse posicionamento, embora absolutamente di-
ferentes entre si, com relação ao reconhecimento da extinção da punibilidade ao fim
da primeira fase da persecução penal. José Frederico Marques asseverava que o agente
ministerial, verificando inequivocamente a cessação do jus puniendi, deveria pedir ao
juiz que a declarasse, e não promover o arquivamento dos autos da investigação crimi-
nal ou das peças informativas criminais. Ou seja, deveria o membro do Parquet postular
tutela jurisdicional cognitiva declaratória, que seria prestada mediante decisão judicial
e jurisdicional, apta a transitar formal e materialmente em julgado. Cf. MARQUES, José
Frederico. Elementos de direito processual penal, cit., v. II, p. 170. Ao seu turno, Afrânio
Silva Jardim sustentava que, em tal caso, deveria sim ser promovido o arquivamento,
porém a decisão – de cunho administrativo – do juiz tomaria a extinção da punibilidade
somente como razão de decidir, e não como objeto do decisum. Cf. JARDIM, Afrânio
Silva. Arquivamento e desarquivamento do inquérito policial, cit., p. 276.
31 Cf. COMISSÃO ESPECIAL – GRUPO NACIONAL DE COORDENADORES DE CEN-
TRO DE APOIO CRIMINAL (GNCCRIM). Enunciados interpretativos da Lei n. 13.964/2019
– Lei Anticrime, cit., Enunciado 9.
32 Súmula 524 do STF: “Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a
requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas
provas.”
368
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
Conclusões
vazio legislativo, a nosso juízo, pode e deve ser preenchido pela aplicação ana-
lógica do art. 80 do CDC, autorizada pelo art. 3º do CPP. Outrossim, a legitimi-
dade em tela não há que se restringir aos crimes previstos na lei consumerista
e a outros delitos e contravenções envolvendo relações de consumo, visto que
o próprio art. 80 do CDC comporta aplicação analógica para ser estendido a
quaisquer infrações penais que atinjam bens jurídicos difusos e coletivos.
8) Ante a nova redação do art. 28 do CPP, não cabe mais aludir a coisa
julgada no arquivamento. Há que se observar, porém, que a nova disciplina do
arquivamento não impacta o teor da Súmula 524 do STF para além da exclu-
são, doravante, do trecho relativo ao “despacho do juiz”, pois subsistem os
fundamentos político e técnico-processual do verbete.
9) É conveniente que o Conselho Nacional do Ministério Público, atuan-
do com fulcro no art. 130-A, § 2º, inc. I, da CF/1988, edite Resolução no escopo
de regulamentar e esclarecer os tópicos problemáticos e duvidosos suscita-
dos pela nova disciplina do arquivamento, especialmente os que procuramos
apontar neste trabalho.
Referências
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. 8. ed. São Paulo: Thomson Reu-
ters Brasil; Revista dos Tribunais, 2020.
DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2020.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 6. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2009. v. II
(Parte Especial – arts. 121 a 154 do CP).
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 4. ed.
Salvador: JusPodivm, 2016.
LIMA, Thadeu Augimeri de Goes. O art. 489, § 1º, do Código de Processo Civil
como parâmetro para a verificação da adequada motivação do ato administra-
tivo. Argumenta, Jacarezinho, v. 32, p. 73-100, jan./jun. 2020.
NICOLITT, André. Manual de processo penal. 10. ed. Belo Horizonte; São Paulo:
D’Plácido, 2020.
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 3. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2003.
______. Curso de direito penal brasileiro. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 2006. v. 1 (Parte Geral – arts. 1º a 120).
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 19. ed. São Paulo: Sa-
raiva, 1997. v. 1.
Vladimir Aras1
SUMÁRIO
1. Introdução.
2. O confisco alargado.
3. Natureza jurídica do confisco alargado.
4. A normativa internacional do confisco alargado.
5. Aplicação imediata do confisco alargado.
6. Conclusões.
7. Referências bibliográficas
RESUMO
Neste artigo o autor examina o confisco alargado, uma das mais importantes
inovações do Pacote Anticrime, que tem grande importância na persecução
patrimonial relativa a crimes graves e a delitos cometidos por organizações
criminosas, especialmente aqueles que geram ativos. O texto aborda o concei-
to desta nova forma de perdimento, analisa sua natureza jurídica, considera
sua gênese no direito comparado e verifica a questão de direito intertemporal
relativa à possibilidade de sua aplicação imediata. Ao fim, traz conclusões
sobre os aspectos abordados, ressaltando a relevância do novo instituto para
o enfrentamento da criminalidade econômica e da delinquência organizada.
1. Introdução
2. O confisco alargado
do Homem.”21
Do ponto de vista mais geral, o confisco alargado também encontra
sua origem em parte nas Convenções de Viena (1988), de Palermo (2000) e
de Mérida (2003). Nos seus arts. 5º, 12 e 31, respectivamente, tais tratados
encorajam os Estados Partes a considerar a possibilidade de exigir que o autor
de uma infração penal demonstre a proveniência lícita do suposto produto ou
proveito do crime “ou de outros bens que possam ser objeto de confisco”. Tal
medida, quando implementada, deve observar os princípios do direito interno.
Tomemos como exemplo o Reino Unido, onde o Proceeds of Crime Act
2002 (POCA) regula o confisco criminal. Segundo o art. 6º dessa lei, o juízo
criminal (Crown Court) pode impor um confisco se duas condições estiverem
presentes. A primeira condição é a de que o réu seja enquadrável em uma das
seguintes situações: ter sido julgado e condenado por um crime pela Crown
Court; ter sido sentenciado por uma Crown Court nos casos de declinação de
competência de uma Magistrates’s Court em função da gravidade do crime; ou
ter tido seu caso submetido à Crown Court por um órgão judiciário inferior,
para uma decisão sobre confisco.
A segunda condição existirá quando a Promotoria (o Crown Prosecution
Service ou o Serious Fraud Office) assim o requeira, ou que o próprio juízo
entenda aplicável o confisco.
Preenchidos tais requisitos, o juízo criminal deve decidir se o réu é um
criminoso habitual, isto é, se tem um estilo de vida criminoso (criminal lifes-
tyle)22, uma carreira criminosa23; e se o acusado tirou proveito desse padrão
de conduta criminosa; ou se, mesmo não sendo um criminoso habitual, se o
acusado beneficiou-se de um crime específico.
O art. 112-1 do Código Penal romeno também prevê o confisco alarga-
do. Sua constitucionalidade foi questionada perante o tribunal competente da-
quele país. Em seu acórdão 356, de 25 de junho de 2014, o Tribunal Constitu-
cional em Bucareste declarou que as disposições relativas ao confisco alargado
24 CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS. Case of Telbis and Viziteu vs. Ro-
mania. Strasbourg, 26 September 2018. Disponível em: http://hudoc.echr.coe.int/en-
g?i=001-184058. Acesso em: 11.fev.2020.
25 Para o confisco alargado do art. 63-F da Lei 11.343/2019, a vigência se deu
em 18 de outubro de 2019, data da publicação da Lei 13.886/2019 no Diário Oficial da
União, sem vacatio legis.
384
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
26 STF, Pleno, RvC 5437/RO, Rel. Min. Teori Zavascki, j. em 17.12.2014. Colhe-se
do voto do ministro Roberto Barroso, revisor: “Não é possível aplicar retroativamente
a norma prevista no art. 386, IV, do Código de Processo Penal. Do mesmo modo, deve
haver a formulação de pedido de reparação mínima dos danos, com apresentação de
valores e provas, no curso da instrução. No caso, não tendo sido observados esses requi-
sitos, deve-se rescindir o acórdão revisando nessa parte”.
27 STJ, 5ª Turma AgRg no RESP 1.254.742/RS, j. em 22.10.2013.
28 LINHARES, Sólon Cícero. Os limites do confisco alargado. Revista Jurídica Lu-
so-Brasileira, Ano 5 (2019), n. 2, p. 1731-1803.
29 STF, RE 795.567 RG / PR, rel. min. Teori Zavascki, j. em 28.05.2015, no tema
187, fixando-se a tese de que “as consequências extrapenais, previstas no art. 91 do
Código Penal, são decorrentes da sentença penal condenatória (…).” Note-se ainda que o
art. 2º do CP distingue o destino dos efeitos penais e dos efeitos extrapenais da abolitio
criminis, não extinguindo estes últimos, isto é, seus efeitos civis.
385
30 QUEIROZ, Paulo. Direito penal: parte geral. 4ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008.
31 O confisco não é pena, pouco importando ter sido veiculado em norma formal-
mente criminal.
386
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
32 STF, 1ª Turma, AP 863/SP, rel. min. Edson Fachin, j. em 23.05.2017. Nesta ação
penal, proposta contra Paulo Maluf, o STF reconheceu o caráter permanente do crime
de lavagem de de capitais, quando na modalidade “ocultação”. No mesmo sentido, o HC
167.132 AgR / SP (rel. min. Ricardo Lewandowski, j. em 14.06.2019), no qual a 2– Turma
do STF decidiu que “o crime de lavagem de dinheiro, pelo menos na modalidade de ocul-
tar, configura crime de natureza permanente, uma vez que, enquanto os bens ou valores
encontrarem-se escondidos ou camuflados por obra do agente, a consumação do delito
projeta-se no tempo, pois remanesce íntegra a agressão ao objeto jurídico protegido
pelo legislador, em especial a administração da justiça.”
387
33 ROSA, Rafael Arouca. O confisco sem condenação penal como medida de re-
cuperação dos bens e valores instrumentos ou produtos da lavagem de ativos. Disserta-
ção (Mestrado em Direito), Universidade Estadual Paulista, Franca, 2015. Disponível em:
www.franca.unesp.br. Acesso em: 10.fev.2020.
34 Convenção Europeia de Direitos Humanos: “Art. 7º. 1. Ninguém pode ser con-
denado por uma acção ou uma omissão que, no momento em que foi cometida, não
constituía infracção, segundo o direito nacional ou internacional. Igualmente não pode
ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infracção foi
cometida.”
35 CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS, Case of Dassa Foundation and
Others vs. Liechtenstein, Strasbourg, 10 July 2007. Disponível em: https://rm.coe.int/Co-
ERMPublicCommonSearchServices/DisplayDCTMContent?documentId=09000016806e-
be42. Acesso em: 11.fev.2020. Vide também as decisões norte-americanas nos casos
US v. Certain Funds Located at the Hong Kong and Shanghai Banking Corp, do Tribunal
Regional Federal da 2ª Região dos EUA (2nd Cir. 1996) e US vs. Fourt Tracts of Property
on the Waters of Leiper’s Creek, do TRF da 6ª Região (6th Circ., 1999).
36 Cuja vigência se deu apenas em 19 de dezembro de 2000.
388
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
6. Conclusões
40 REINO UNIDO. POCA (2002), art. 340: “(4) It is immaterial— (a)who carried out
the conduct; (b) who benefited from it; (c) whether the conduct occurred before or after
the passing of this Act.”
41 CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS. Case of Welch vs. United King-
dom, Strasbourg, 9 February 1995. Disponível em: https://hudoc.echr.coe.int/eng#{“ite-
mid”:[“001-57927”]}. Acesso em: 12.fev.2020. Vide o §31 da sentença.
42 O réu, Sr. Welch, havia sido condenado por tráfico de drogas previsto no, que
entrou em vigor em 12 de janeiro de 1987.
390
PACOTE ANTICRIME - VOLUME I
7. Referências bibliográficas
CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS. Case of Telbis and Viziteu vs. Ro-
mania. Strasbourg, 26 September 2018. Disponível em: http://hudoc.echr.coe.
int/eng?i=001-184058. Acesso em: 11.fev.2020.
CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS. Case of Varvara v. Italy, Stras-
bourg, 29 October 2013. Disponível em: www.hudoc.echr.coe.int. Acesso em:
12.fev.2020.
GREENBERG, Theodore S.; SAMUEL, Linda M.; GRANT, Wingate; GRAY, Larissa.
391
QUEIROZ, Paulo. Direito penal: parte geral. 4ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008.
ROSA, Rafael Arouca. O confisco sem condenação penal como medida de re-
cuperação dos bens e valores instrumentos ou produtos da lavagem de ati-
vos. Dissertação (Mestrado em Direito), Universidade Estadual Paulista, Franca,
2015. Disponível em: www.franca.unesp.br. Acesso em: 10.fev.2020.