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Apostila 13 - Realismo e Naturalismo No Brasil 1

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PRÉ-UNIVERSITÁRIO OFICINA DO SABER Aluno(a):

DISCIPLINA: Literatura PROFESSORES: Suéllen da Mata

REALISMO E NATURALISMO NO BRASIL TEXTO 13

Seguindo de perto as tendências do Realismo em


Portugal e na França, os escritores brasileiros enveredaram
pela crítica social, fazendo da literatura um instrumento de
análise da realidade do Brasil. Eles começaram a mostrar os
pobres e os miseráveis, que viviam em lugares degradados e
violentos, lutando duramente pela sobrevivência.

Brasil: 1880-1900

Na década de 1880, diferentemente do que acontecia na


Europa, o Brasil não vivia o processo do desenvolvimento
Cortiço na rua dos Inválidos, Rio de Janeiro,
industrial. Éramos ainda um país essencialmente agrário, fim do século XIX. Quem visitasse o Rio de
além de monarquista e escravocrata. Apesar dos crescentes Janeiro por volta de 1880 conheceria duas
movimentos liberais, só nos últimos anos dessa década cidades bem diferentes. A alta sociedade
morava em palacetes e vivia à moda
ocorreriam o fim da escravidão (1888) e a proclamação da europeia. Tinha a seu dispor escravos,
República (1889). E, nos últimos anos do século, a República carruagens, conforto, mas a maioria da
recém-proclamada ainda enfrentaria três grandes população vivia mal, os cortiços
proliferavam e a luta pela sobrevivência
problemas: a Revolução Federalista, no Rio Grande do Sul tinha de ser travada dia a dia.
(1893-1895), a Revolta da Armada, no Rio de Janeiro (1893-
Acervo Iconographia
1894), e a Rebelião de Canudos, no interior da Bahia (1896-
1897).
No romance de linha urbana, procura-se fazer um estudo mais objetivo da sociedade brasileira. O
romance sertanejo ou regionalista, que se originou no Romantismo, continuou, por sua vez, a
desenvolver-se no final do século XIX, mas sem intenções idealizadoras ou sentimentais. Em vez de
se fixar na representação de elementos pitorescos do interior do Brasil, o escritor realista procura
descrever com mais senso crítico os problemas que atingem as populações do interior, num enfoque
mais social, que continuará marcando presença no começo do século XX e terá grande
desenvolvimento na década de 1930, no Modernismo.
O romance adquire então uma função diferente daquela que exercia no Romantismo. Não é mais
visto apenas como entretenimento ou diversão de mulheres e estudantes, mas como intrumento de
análise social, como afirmou o escritor Aluísio Azevedo: “A palavra escrita, que antigamente era um
instrumento de poetas lamuriosos e de novelistas piegas e imorais, serve hoje para demonstrar um
fato, desenvolver uma tese, discutir um fenômeno”.

Quem lê literatura?
A mudança de rumos na literatura brasileira colocava muitos escritores diante da questão das
expectativas ainda românticas do público leitor no Brasil da época. Aluísio Azevedo preocupou-se
com esse problema. Afirmou ele certa vez:
De um lado está meia dúzia de jornalistas e literatos, que acompanham a marcha inalterável das letras
europeias e desejam que os escritores brasileiros as sigam de perto; do outro lado está o resto do público que
ignora absolutamente em que altura navega o romance moderno, e lê simplesmente para espairecer as fadigas do
dia.
AZEVEDO, Aluísio. In: MÉRIAN, Jean-Yves. Aluísio Azevedo: vida e obra.
Rio de Janeiro: Espaço e Tempo/INL, 1988. p. 435. (Fragmento).

Para Aluísio Azevedo, era preciso levar em conta a realidade cultural brasileira, caso contrário
nossos escritores não teriam leitores. Como ele mesmo explicou, era preciso “ir dando a coisa em
pequenas doses, paulatinamente; um pouco de enredo de vez em quando, uma ou outra situação
dramática de espaço a espaço”, para que o público se educasse lentamente. Portanto, na opinião dele,
o autor realista deveria considerar esse aspecto “educativo” em seu trabalho como escritor.

Principais autores e obras do Realismo

No Brasil, o marco inicial do Realismo é a publicação, em 1881, de dois romances: O mulato, de


Aluísio Azevedo, e Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Além desses dois
autores, destacam-se no período Raul Pompeia, Adolfo Caminha, Inglês de Sousa, Manuel de
Oliveira Paiva e Domingos Olímpio.

Cronologia dos principais romances do Realismo


1881 – O mulato, de Aluísio Azevedo; Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
1884 – Casa de pensão, de Aluísio Azevedo.
1888 – O missionário, de Inglês de Sousa; O Ateneu, de Raul Pompeia.
1890 – O cortiço, de Aluísio Azevedo.
1891 – Quincas Borba, de Machado de Assis.
1893 – A normalista, de Adolfo Caminha.
1895 – Bom-crioulo, de Adolfo Caminha.
1899 – Dom Casmurro, de Machado de Assis.
1903 – Luzia-Homem, de Domingos Olímpio.
1904 – Esaú e Jacó, de Machado de Assis.

Aluísio Azevedo

Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo nasceu no Maranhão, em 1857, e


morreu em Buenos Aires, em 1913. Deixou uma obra extensa, de qualidade
irregular, na qual se destacam três romances: O mulato, Casa de pensão e O
cortiço, este último considerado sua obra mais importante.

O cortiço: “viveiro de larvas sensuais” Retrato de Aluísio


Azevedo, s.d.
Acervo Iconographia
Publicado em 1890, o livro focaliza o nascimento, o desenvolvimento e a
decadência de um típico cortiço carioca do século XIX, e apresenta uma grande variedade de tipos
humanos que por lá passam – lavadeiras, prostitutas, operários, mascates, malandros, imigrantes –,
dando assim uma amostragem da população marginal do Rio de Janeiro.
Baseando-se nos princípios do Naturalismo, o romance destaca a influência do meio e a força dos
instintos no comportamento dos personagens.
O ambiente degradado e promíscuo do cortiço molda e determina a conduta dos que ali vivem. É
o caso, por exemplo, de Pombinha, menina pura e simples que, não resistindo às pressões do lugar,
acaba por se prostituir. Ou então de Jerônimo, aldeão português que, vindo morar no cortiço com a
mulher e a filha, é arrebatado por uma paixão sensual por Rita Baiana e abandona a família e a vida
regrada que até então levava.
O foco do romance é a história da ascensão social do vendeiro português João Romão, dono do
cortiço e de uma pedreira, cujos empregados, além de morar nos casebres por ele alugados,
endividam-se comprando fiado em sua venda. Com essa exploração, o vendeiro vai enriquecendo,
auxiliado por sua amante e empregada, a escrava fugida Bertoleza, para quem ele forjou uma carta
de alforria. Seu maior desejo é adquirir boa posição social, como a de seu patrício Miranda, que mora
no sobrado encostado ao cortiço. Movido pela ambição, João Romão não hesita em usar de todos os
recursos para acumular fortuna e ficar noivo da filha de Miranda. No final, para livrar-se de
Bertoleza, denuncia sua fuga aos antigos donos, que vão buscá-la com a polícia. Percebendo a traição,
a escrava suicida-se.
Acompanhando a evolução social de João Romão, o cortiço também se modifica, transformando-se
na “Avenida São Romão”, com uma aparência mais cuidada e ordeira. A população mais baixa, mais
miserável, concentra-se agora em outro cortiço, o “Cabeça de Gato”, que, como diz o narrador,

[...] à proporção que o São Romão se engrandecia, mais e mais ia se rebaixando acanalhado, fazendo-se cada
vez mais torpe, mais abjeto, mais cortiço, vivendo satisfeito do lixo e da salsugem que o outro rejeitava, como se
todo o seu ideal fosse conservar inalterável, para sempre, o verdadeiro tipo da estalagem fluminense, a legítima,
a legendária; aquela em que há um samba e um rolo por noite; aquela em que se matam homens sem a polícia
descobrir os assassinos; viveiro de larvas sensuais em que irmãos dormem misturados com as irmãs na mesma
cama; paraíso de vermes; brejo de lodo quente e fumegante, donde brota a vida brutalmente, como de uma
podridão.
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. 4. ed. São Paulo: Moderna, 2004.
p. 179. (Col. Travessias). (Fragmento).

Uma obra baseada em pesquisa de campo


Obedecendo aos princípios naturalistas de que o escritor deveria reunir a maior soma possível de
informações sobre o assunto que iria focalizar, Aluísio Azevedo saía a campo para conhecer bem de
perto a realidade dos cortiços e de seus moradores. De acordo com seu amigo Pardal Mallet:
Os primeiros apontamentos para O cortiço foram colhidos em minha companhia em 1884, numas excursões
para “estudar costumes”, nas quais saíamos disfarçados com vestimenta popular: tamanco sem meia, velhas
calças de zuarte remendadas, camisas de meia rotas nos cotovelos, chapéus forrados e cachimbos no canto da
boca.
MALLET, Pardal. In: MÉRIAN, Jean-Yves. Aluísio Azevedo: vida e obra.
Rio de Janeiro: Espaço e Tempo/INL, 1988. p. 518. (Fragmento).

O Cabeça de Porco e a favela

O mais famoso cortiço do Rio era conhecido como Cabeça de Porco, devido a uma gigantesca
figura com essa forma em sua entrada. No romance O cortiço há uma alusão a ele: a certa altura da
trama, surge um estabelecimento concorrente ao de João Romão, chamado Cabeça de Gato.
Em 1893, em meio a muita polêmica, o Cabeça de Porco da vida real foi demolido. Faltou, porém,
providenciar uma solução para os moradores despejados: sem ter aonde ir, eles usaram a madeira
da demolição para montar casebres em um morro localizado atrás do cortiço. Alguns anos depois,
com o fim da Guerra de Canudos, os soldados federais voltaram desempregados à capital e
juntaram-se aos habitantes do lugar, batizado então de morro da Favella – o mesmo nome de um
morro em Canudos onde se amontoavam os casebres dos sertanejos. Nascia, assim, a primeira
favela do Rio de Janeiro, atualmente denominada morro da Providência.
População dos cortiços no Rio de Janeiro
1856 – 114 cortiços: 4.000 habitantes.
1867 – 502 cortiços: 15.054 habitantes.
1888 – 1.331 cortiços: 46.680 habitantes.

O mulato: uma feroz crítica social

Na obra O mulato, publicada em 1881, em São Luís, Aluísio Azevedo tocou em duas questões
muito polêmicas: o racismo e a corrupção dos padres. E isso bastou para que alguns setores da
sociedade maranhense se sentissem ofendidos e desencadeassem seu ódio contra o escritor.
Raimundo é o personagem central desse romance. Filho de uma escrava com um português,
apesar de ter uma bela aparência de homem branco tem sangue negro e, por isso, sofre a violência
do preconceito racial da sociedade, principalmente da família de seu tio, que o impede de se casar
com a prima Ana Rosa, por quem se apaixonou.
Ela também o ama, mas não tem como vencer a oposição da família, que conta com a ajuda de
um religioso muito influente na cidade, o cônego Diogo, para convencê-la a desistir desse
casamento. Esse cônego, aliás, é um dos personagens mais odiosos do romance. Corrupto,
inescrupuloso e imoral, ele desonrou o pai de Raimundo e, por isso, teme que seu passado seja
revelado. Daí seu empenho em difamar o rapaz e impedir, a todo custo, que ele se case com Ana
Rosa.
Depois de várias peripécias, Raimundo é assassinado por Dias, um cúmplice do cônego. Ana
Rosa, que estava grávida de Raimundo, aborta e quase morre. Ninguém consegue descobrir o
assassino. No final do romance, seis anos depois da morte do rapaz, vemos Ana Rosa casada com
o próprio Dias, feliz, aburguesada e com três filhos. A pressão social e familiar venceu o ímpeto de
amor.

Raul Pompeia

Raul Pompeia (1863-1895) participou ativamente da imprensa política da época e, por seu
temperamento sensível e irrequieto, envolveu-se em polêmicas e situações que o deprimiram
profundamente, levando-o ao suicídio.
Deixou o romance O Ateneu, sua obra mais importante, a novela Uma tragédia no Amazonas e a
coleção de poemas em prosa Canções sem metro.

O Ateneu: realismo e sátira

A ação do romance O Ateneu transcorre no ambiente fechado e corrupto de um internato, onde


convivem crianças, adolescentes, professores e empregados.
A narração é feita em primeira pessoa por Sérgio, ex-aluno da escola. As recordações e impressões
que marcaram sua vida durante os anos que passou no colégio Ateneu constituem a matéria do
romance, que adquire assim um caráter memorialista, indicado, aliás, pelo subtítulo: “crônica de
saudades”. Nesse sentido, O Ateneu não é uma reprodução fotográfica de certa realidade, mas o
resultado de uma experiência em termos de impressões pessoais. O mundo da escola é sempre visto
a partir da perspectiva particular de Sérgio. Desse modo, a instituição, os colegas, os professores e o
diretor Aristarco são representados em função de determinada ótica, claramente caricatural, em que
erros, hipocrisias e ambições são projetados e realçados.
Trata-se, portanto, de uma obra introspectiva, de caráter impressionista, onde se faz a análise
psicológica do sensível e frágil Sérgio, que, saindo do aconchego do lar, sente-se deslocado no
ambiente agressivo e promíscuo do colégio, representação em miniatura da sociedade e do mundo:
“Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta”. Essas são as
palavras iniciais do romance, que antecipam o caráter simbólico da escola.

Machado de Assis

Machado de Assis é o mais importante autor do nosso Realismo e um dos principais nomes da
literatura em língua portuguesa. Escreveu poesias, crônicas, peças de teatro e crítica literária, mas
destacou-se no romance e no conto, criando enredos que investigam as motivações profundas das
ações humanas, num realismo psicológico que dá à sua obra um alcance universal e atemporal.

Machado de Assis nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1839 , e


morreu em 1908, na mesma cidade. De origem humilde, ficou órfão
de mãe ainda pequeno e perdeu o pai aos 12 anos.
Em 1856, passou a trabalhar na Imprensa Nacional como aprendiz
de tipógrafo, onde ficou até 1858. Aí conheceu o escritor Manuel
Antônio de Almeida, que passou a ser seu amigo e de quem recebeu
estímulo para dedicar-se à literatura. Em 1858, foi trabalhar na
tipografia de Francisco Paula Brito, ampliando seu círculo de
amizades no ambiente literário. Começou a colaborar na imprensa
carioca escrevendo crônicas, crítica literária e contos, mantendo essa BERNARDELLI, Henrique. Machado
atividade, com poucas interrupções, quase até o fim da vida. Em de Assis. 1905. Óleo sobre tela.
Academia Brasileira de Letras
1867, ingressa no funcionalismo público, que será seu principal
ganha-pão daí em diante.
Em 1872, publica seu primeiro romance, Ressurreição, a que se seguem em breves intervalos,
vários outros, além de coletâneas de contos, firmando-se, assim e cada vez mais, o nome de Machado
de Assis como um dos mais destacados da nossa literatura.

Romances

Machado de Assis escreveu nove romances. Nos primeiros – Ressurreição (1872), A mão e a
luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878) –, ainda se apresentam alguns traços românticos na
caracterização dos personagens.
À medida que o trabalho literário foi amadurecendo, esses traços deram lugar a análises mais
profundas do comportamento humano, que revelavam, por trás dos atos aparentemente bons e
honestos dos personagens, a vaidade, o egoísmo, a hipocrisia das relações sociais.
A vida em sociedade passa a ser caracterizada, ainda mais explicitamente, como uma espécie de
campo de batalha em que os homens lutam para gozar uns poucos momentos de prazer e satisfazer
seus desejos de riqueza e ostentação, enquanto a natureza assiste ao drama humano com indiferença.
Entre os romances que apresentam essas características de modo mais acentuado estão Memórias
póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904)
e Memorial de Aires (1908).

Memórias póstumas de Brás Cubas: uma impiedosa análise do comportamento humano

Os leitores acostumados com as histórias tradicionais tiveram uma grande surpresa com esse
livro: seu narrador era um defunto! Um defunto que resolveu se distrair um pouco da monotonia da
eternidade escrevendo suas memórias com a “pena da galhofa e a tinta da melancolia”.
Livre das convenções sociais, visto que está morto, o narrador Brás Cubas fala não só de sua vida,
mas também de todos os que com ele conviveram, revelando a hipocrisia das relações humanas. Ao
longo do romance são narrados vários casos: sua paixão juvenil pela bela e interesseira Marcela, que
o amou “durante quinze meses e onze contos de réis”; sua amizade com o filósofo maluco Quincas
Borba; seus amores clandestinos com uma mulher casada, Virgília. Mas a ordem da narrativa nem
sempre é linear – muitos fatos vão se encadeando conforme as lembranças de Brás Cubas e não
necessariamente de acordo com a sequência cronológica em que ocorreram.

Começo a arrepender-me deste livro. Não que ele me canse; eu não tenho que fazer; e, realmente,
expedir alguns magros capítulos para este mundo sempre é tarefa que distrai um pouco da eternidade. Mas o
livro é enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contração cadavérica; vício grave, e aliás ínfimo, porque o
maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu amas a
narração direta e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à
direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem...
E caem!

ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas.


São Paulo: Moderna, 2004. p. 93. (Fragmento).

Observe que o narrador conversa com o leitor, fazendo reflexões sobre a própria obra e sobre o
ato de escrever, recurso que Machado de Assis emprega com frequência. Tal expediente, de usar
uma linguagem (no caso, a literária) para falar de si mesma, recebe o nome de metalinguagem.
As reflexões sarcásticas de Brás Cubas vão impregnando o texto de um pessimismo radical.
Nada resiste a essa análise impiedosa, e suas últimas palavras resumem bem tal concepção
amarga e negativista da vida: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa
miséria”.

Contos

No século XIX, o conto brasileiro atingiu seu ponto mais alto com Machado de Assis, que
escreveu verdadeiras obras-primas de análise psicológica e social, tais como “O enfermeiro”, “A
cartomante”, “A Igreja do Diabo”, “O alienista”, “Pai contra mãe”, “A causa secreta”, “O espelho” e
“Missa do galo”, entre outros.
Machado deixou publicados os seguintes livros de contos: Contos fluminenses, Histórias da meia-
noite, Histórias sem data, Várias histórias, Páginas recolhidas e Relíquias da casa velha. Depois de
sua morte, muitos outros textos esparsos foram recolhidos e incorporados à sua obra.

A linguagem machadiana
Uma das características marcantes do narrador machadiano, como, aliás, você já pôde perceber
pelos textos lidos, é o ato de interromper a ação para conversar com o leitor sobre o livro que ele está
lendo ou sobre os rumos da narrativa.
Com essa atitude metalinguística, o narrador cria uma distância com relação àquilo que está sendo
narrado, levando o leitor a perceber o jogo da ficção que se desenvolve diante de seus olhos. Veja um
exemplo em Dom Casmurro:

A leitora, que é minha amiga e abriu este livro com o fim de descansar da cavatina de ontem para a valsa de
hoje, quer fechá-lo às pressas, ao ver que beiramos um abismo. Não faça isso, querida; eu mudo de rumo.

ASSIS, Machado de. Dom Casmurro.


São Paulo: Moderna, 2008. p. 141. (Fragmento).

Embora marcada por uma ironia bem particular, essa característica do estilo machadiano não era
totalmente original; ela já estava presente em alguns escritores estrangeiros conhecidos de Machado
de Assis. Aliás, ele chega a citá-los na apresentação de Memórias póstumas de Brás Cubas:

[...] Trata-se, na verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne, ou de um
Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo.
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas.
São Paulo: Moderna, 2004. p. 18. (Fragmento).

A referência a Sterne e Xavier de Maistre não é casual: são dois autores com os quais Machado de
Assis tem vários pontos em comum, sobretudo a tendência metalinguística.
Vamos, então, conhecer um pouco desses escritores.
Laurence Sterne (1713-1768) foi um escritor irlandês. Sua obra mais famosa é A vida e as opiniões
do cavalheiro Tristram Shandy, um livro satírico que projetou internacionalmente seu nome, mas que
só foi traduzido e publicado no Brasil em 1984.

Xavier de Maistre (1750-1839) foi um escritor francês. Sua obra mais famosa é Viagem em volta do
meu quarto.

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