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Pe Alberto Müller - SJ - A Moral e A Vida de Negócios

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ALBERTO MÜLLER S. J.

Doutor e m ciências politicas e sociala

Professor de Deontologia
no Instituto Superior de Comércio
Santo Inãcio de Antuérpia

A MORAL
E A VIDA
DE NEGÓCIOS

Simples Notas de Deontologia dos Negóeios

Tradução brasileira pelo


Pe. LUIZ ROUMANIE S. J.

Ação Social

São Paulo

1954

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Imprimi potest

28 de Dezembro de 1953

Pe. Joio Bosco Rocha 1. 1.


Praeposltus Provlnclalls

Imprlmatur

25 de .Janeiro de 1954

' Carlos, Cardeal Motta


Prefácio
O título que damos a éstas páginas corre o risco de
não corresponder à expectativa do leitor, porque prome­
te mais do que na realidade contém. Para discutir de
modo profundo e exaustivo todas as práticas em uso na
vida qe negócios, seriam necessários volumes que não
temos nem tempo, nem vontade de escrever.
Um eminente economista belga nos afirmava há
pouco, que só encontrou no máximo três ou quatro ca­
sos de inegável imoralidade. O nosso conhecimento da
vida de negócios nos inclina a sermos menos indulgen­
tes e otimistas. Somos tentados a aplicar ao mundo
contemporâneo dos negócios, o aviso de S. Francisco
Xavier, o qual desde a longínqua tndia, adverte, seus
confrades da Europa que alí o verbo "furtar" era con­
jugado com incrível desinvoltura, em todos os tempos,
modos e pessoas. Que os mais hábeis punham em prá­
tica flexões aindà totalmente desconhecidas no Ociden­
te. Levava mais longe o seu pessimismo: aconselhava
seus correspondentes a que dissuadissem aqueles cujas
almas lhes eram caras, de seguirem uma carreira, na
qual a sua salvação seria infalivelmente comprometida.
Tendo dedicado quasi quarenta anos à formação
científica e moral da juventude do nosso Instituto Su-
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2 Alberto Müller S. J.

perior de Comércio Sto. Inácio, não iremos tão longe, e


não imporemos a nossos alunos como dever de consciên­
cia que renunciem à profissão comercial. Mas, julga­
mos de necessidade urgente prevenir nossos leitores dos
perigos morais que apresenta· a atividade comercial, e
dar-lhes princípios seguros e firmes, que os ajudem a
precaver-se contra as ciladas por demais certas, a que
estarão fatalmente expostos.
Condensaremos néstas páginas as linhas esssnciais
do nosso ensino sobre a moralidade comercial. Fugi­
mos nélas, ao mesmo tempo, de excessiva indulgência
para com certas práticas indiscutivelmente contrárias
à caridade e à justiça, e de excesso de severidade, que,
por não conhecer exatamente as realidades da vida eco­
nômica, pretendesse proscrever cértos usos recebidos,
quando a moral recusa condená-los.
Estas notas de deontologia se destinam, antes de
tudo, à formação moral de nossos futuros homP-ns de
negócios. Hão de interessar também, assim o espera­
mos, aos sacerdotes e confessores que têm por missão
esclarecer as almas de bôa vontade, e ajudá-las a sujei­
tarem sempre suas atividades econômicas à mais estrita
exigência da moral cristã. Oxalá o nosso modesto tra­
balho alcance o fim que nos propusemos, e contribua
assim, a sanear algum tanto a atmosfera deletéria, na
qual se exercita nos nossos dias a vida dos homens de
negócios.

Antuerpia, 9 de Abril de 1950


Na Festa de Páscoa.

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INTRODUÇÃO

DEONTOLOGIA OU MORAL DOS NEGóCIOS

1 - QUESTÕ:ES DE TERMINOLOGIA.

Os termos deontologia e moral dos negócios são fre­


quentemente empregados como sinônimos. A bem di­
zer, porém, eles exprimem conceitos que não têm uma
e;xtensão idêntica.
No sentido etimológico da palavra, a deontologia é
a ciência das cousas que se devem fazer, .e as regras de
conduta que formúla são ditadas tanto pela preocupa­
ção de respeitar a ordem estabelecida pelo Criador, como
de acautelar o melhor e o mais fecundo rendimento da
atividade humana.
A moral dos negócios tem uma extensão mais estri­
tamente limitada: cinge-se a definir as obrigações qui
impõe à .consciência a lei divina.
O fÚn da moral é conformar toda a conduta do ho­
mem à lei de Deus, e assim ordená-la ao bem integral
do homem. Todas as formas da atividade humana
caem sob o seu império: portanto também a atividade
profissional.
Ninguém pois estranhará achar em obras consagra­
das à deontologia,. ao lado dos grandes preceitos da mo-
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4 Alberto Müller S. J.

ml propriamente dita, regras puramente utilitárias, que


dizem respeito à organização e à fiscalização da empré­
sa, ao tratamento apropriado dos clientes, ao emprêgo
racional do material, etc., ao passo que a moral dos ne­
gócios se empenha mais particularmente no estudo das
obrigações preséritas pela justiça e pela caridade.
Seja o que fôr desta distinção, reconheçamos que
um uso corrente reserva o têrmo deqntologia às regras
que regem a atividade profissional: fala-se em deonto­
logia da medicina, do direito, dos negócios. Esta última
será pois a ciência dos preceitos que regem a vida eco­
nómica. Como esta vida se divide em grande número
de atividades profissionais, poderemos distinguir na
deontologia dos negócios várias subdivisões: deontolo­
gia do comércio, da indústria, da Bolsa, dos seguros, etc.
Tencionamos, nas páginas que seguem, tratar de
resolver os problemas que apresenta à consciência dos
homens de negócios, o exercício de sua atividade profis­
sional. Importa todavia, afim de prevenir qualquer mal
·
entendido, definir claramente o objeto do tratado que
empreendemos.

li - MORAL E CASUÍSTICA.

A matéria que vamos tratar é delicada. Os princí­


pios da moral são geralmente simples e claros: mas tra­
ta-se de aplicá-los aos casos concretos e variadíssimos,
que apresenta a vida tão complexa dos negócios. Ora,

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A Moral e a Vida de Negócios 5

aí está a dificuldade. Ao moralista toca definir as re­


gras da moral; ao casuísta aplicar estas regras aos pro­
blemas amiudo espinhosos que levanta a prática dos
negócios.
A casuística, confessamo-lo sem dificuldade, não
goza do favor da imprensa: taxam-na de propensa ao
laxismo. Ela, dizem, torna indevidamente fiexíveis as
leis rígidas da moral; ela alarga demasiadamente as
consciências; mostra-se por demais indulgente ds fra­
quezas humanas. Este preconceito desfavorável é mui­
to severo.
Com efeito, não se deve esquecer que o casuísta não
é consultado nos casos claros e evidentes, onde a justiça
ou a injustiça não dão lugar à hesitação. Propõem-se­
-lhe casos duvidosos, por conseguinte já pelo menos sus­
peitos de injustiça. Não é interrogado sobre o que re­
comenda a mais íntegra virtude: pergunta-se-lhe· até
onde vai o limite extremo do que é permitido. Se ele
decide os casos duvidosos e suspeitos a favor da liceida­
de, arrisca-se a escandalizar as consciências muito deli­
cadas 9u as almas simples, que dificilmente sabem des­
trinçar os elementos do problema. Por outTa parte, ele
não pode condenar as práticas submetidas à sua apre­
ciação, se não forem certamente contrárias à moral.
Muitas vezes a importância dos interêsses em jogo, as
grandes dificuldades que uma solução negativa causa­
ria ao consulente, inclinam o casuísta a procurar argu­
mentos que lhe permitam dar uma resposta afirmativa.
Ninguém o pode condenar por isso, enquanto estet res-

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6 Alberto Müller S. J.

posta não vai de encontro às estritas exigências da


moral.
Não pode por certo o moralista confundir a perfei­
ção com o preceito rigoroso, nem impôr indistintamente
U?72a e outro a todos os que o consultam. Sto. Tomás
observa muito justamente que toda disciplina deve ser
adaptada a cada um, conforme a sua capacidade, � cres­
centa: "De fato, a mesma cousa não é possível para
aquele que não tem o hábito da virtude, e para o homem
virtuoso, do mesmo modo que a mesma cousa não é pos­
sível para a criança e para o adulto. Por isso não se
fazem as mesmas leis para. as crianças e para os ad1fl­
tos: permitem-se às crianças muitas cousas que se cas­
tigam ou pelo menos se censuram nos adultos; do mes­
mo modo, toleram-se nos homens imperfeitos muitas
cousas que não se podem admitir nos perfeitos". (1)
O leitor se lembrará destas observações, quando to­
mar conhecimento de certas soluções que se encontram
nesta hora. Elas não significam conselhos: limitam­
-se a fixar para certos casos duvidosos o limite que a
ninguém, sob pretexto algum, é permitido ultrapassar.

III - 0 NÍVEL ATUAL DA MORALIDADE NOS NEGÓCIOS.

Em si mesma, a prática dos negócios é perfeita­


mente compatível com as mais estritas exigências da lei
moral. De fato, porém, orientada como é, inteiramente

(1) - Summ. Theol. Iae. IV� q. 96.a.2.

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A Morç:�l e a Vida de Negócios 7

para a procura. do lucro, ela está, mais que nenhuma


outra atividade humana, exposta às tentações suscita­
das pelo apetité do lucro. É preciso ser dotado de forte
otimismo para contestar a baixa geral do nível da mora­
lidade, que se observa na vida de· negócios, especialmen­
te desde a primeira guerra mundial. Não ouvimos um
publicista católico sustentar que é exagero manifesto,
taxar de deshonestos, especuladores atrevidos, audacio­
sos urdidores de negociatas da envergadura de Marta
Hanau, Oustric, a quem, quando muito se pode censu­
rar, por terem comprado silêncios e consciências?
O Papa Pio XI julgava certamente com menos in­
dulgência. a p1·ática atual dos negócios. Do universal
relaxamento que denllncia, êle pinta na Encíclica QUA­
DRAGESIMO ANNO, um quadro impressionante, e mui­
to fiel: "A descristianização da vida social econômica e
sua consequência, a apostasia das massas laboriosas,
resultam dos afétos desordenados da alma, triste he­
rança do pecado original, o qual, depois de ter destrui­
do o harmonioso equilíbrio das faculdades, predispõe os
homens a se deixarem fàcilmente arrastar pelas paixões
más, e os incita violentamente a pôr os bens perecíveis
deste mundo acima dos bens duradouros da ordem so­
brenatural. Daí vem esta sêde insaciável das riquezas
e dos bens temporais, que, sem dúvida, em todos os tem­
pos, impeliu o homem a violar a lei de Deus, e a calcar
aos pés os direitos do próximo, mas que, no regime eco­
nômico moderno, expõe a fragilidade humana 'a cair
ainda mais frequentemente. A instabilidade da situa-

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8 Alberto MUller S. J.

ção económica e de toda a organização económica exi­


gem de todos os que são integrados nela a mais absor­
vente atividade . . . Resulta daí, em alguns, um tal endu­
recimento da consciência, que todos os meios lhes são
bons, contanto que lhes permitam aumentar seus lucros,
e defendér das bruscas vicissitudes da fortuna os bens
tão penosamente adquiridos. Os lucros tão fáceis que
a todos oferece a anarquia dos mercados, atraem para as
funções da permuta um número demasiado de pessóas,
cujo único desejo é realizar benefícios rápidos por um
trabalho insignificante, e cuja espec · ulação desenfreada
jaz subir e descer incessantemente todos os preços, ao
sabor de seus caprichos e de sua avidez, baldando assim
as sábias previsões da produção. As instituições jurí­
dicas, destinadas a favorecer a colaboração dos capitais,
dividindo e limitando os riscos, tornaram por demais
frequente a possibilidade e a prática dos mais repreen­
síveis excessos. Vemos, com efeito, as responsabilida­
des a tal ponto atenuadas, que já quasi não comovem
as almas: sob uma denominação coletiva, cometem-se
injustiças e as mais condenáveis fraudes. Os homens
que_ governam estes agrupamentos económicos, traem,
desprezando seus compromissos, os direitos daqueles
que lhes confiaram a administração de suas econo'f!"ias.
Devemos mencionar, por fim, êsses homens esper­
tos demais, que, sem se inquietar do resultado honesto
e útil de sua atividade, não temem excitar os máus ins­
tintos da clientela, para depois, explorá-los, ao sabor de
seus interêsses."
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A Moral e a Vida de Negócios 9

A desordem moral que caracteriza a vida económi­


ca moderna se manifesta de dois modos: ou por atos
que constituem violações flagrantes da lei moral, e dos
quais se tornam culpados muitos homens de negócios,
ou por meio de práticas e de usos, que, sem contradizer
abertamente às exigências da lei moral, criam todavia
uma atmosfera malsã, pouco favorável ao desabrochar
de uma honestidade irrepreensível, e pelo contrário,
propícia ao relaxamento dos costumes.
Sujeite cada um sua conduta ao "controlo" severo
da consciência, e se abstenha rigorosamente de todo o
ato contrário à lei moral. O saneamento das condições
gerais nas quais se move a vida económica só pode ser
o resultado de uma ação comum, a dos poderes públi­
cos, e melhor ainda, a de uma organização profissional
judiciosamente constituída.

!V - HOMENS DE NEGÓCIOS CATÓLICOS E MORAL.

São muitas vezes os católicos acusados de se mos­


trarem menos que outros delicados e escrupulosos em
negócios: não cremos que a acusação seja fundada.
Certo há muitos católicos que, cedendo ao contágio,
se tornam culpados de inexcusáveis atos de injustiça.
As suas fraquezas, que desmentem tão descaradamente
os princípios aos quais pretendem aderir, provocam o
escândalo, e contrastam penosamente com a intransi­
gente inteireza que honra muitos homens de negócios
incrédulos.
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10 Alberto Müller S. J.

Mas não há razão para generalizar excessivamente


estas culpas. Graças a Deus, as pessôas honestas são
ainda numerosas entre os católicos, mas a sua probida­
de não chama a atenção, porque decorre naturalmente
dos princípios que professam. ·os católicos, porém,
mais que outros, têm obrigação de se mostrarem parti­
cularmente corrétos em negócios:
1 - É para eles um estrito dever de consciência,
porque foi-lhes mandado "cumprirem toda a
justiça".
2 - É um dever de apostolado leigo, porque foi­
-lhes dito: "fazei com que os homens vejam
vossas bôas obras, e por elas glorifiquem vosso
'
Pai celestial".
3 - É finalmente o melhor penhor de prosperida­
de: "procurai primeiro a justiça e o reino de
Deus, e todo o resto vos será dado de acrés­
cimo".

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CAPÍTULO I

JUSTIÇA E CARIDADE

INTRODUÇÃO

Todas as atividades do homem de negócios são re­


guladas pela lei moral. Mas, por causa dos laços múl­
tiplos que forma entre os homens, a atividade econômi­
ca está sujeita principalmente a duas grandes virtudes
sociais : a justiça e a caridade. Importa pois, antes
de tudo,-determinar bem as obrigações que impõem es­
tas duas virtudes e as consequências que traz consigo a
sua violação.
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12 Alberto Müller S. J.

PRIMEIRA SECÇÃO

A JUSTIÇA

I - DEFINIÇÕES, DISTINÇÕES. (1)

A justiça é a virtude que leva a respeitar o direito


dos outros, e a dar a cada um o que lhe é devido : cui­
que suum.
Como qualquer virtude, a justiça é uma inclinação
que se adquire, e se fortifica pelo hábito. Há três es­
pécies de direitos aos quais correspondem três espécies
de justiça:
1
O homem possui direitos dirétos e imediatos
-

sôbre sua pessôa e sôbre os bens que são diretamente


ordenados a seu uso : bens pessoais, bens de proprie­
dade.
A justiça que ordena o respeito destes direitos se
chama justiça comutativa, assim denominada porque
acha sua principal aplicação nas relações que resultam
da troca ou da comutação dos bens. Os preceitos da
justiça comutativa regulam principalmente as relações
particulares que têm lugar de homem a homem.

(1) Arthur Vermeersch S. J. Principes de morale socia­


-

le. P. 152 Bruxelles. Dewit. 1921.


-

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A Moral e a Vida de Negócios 13

2- O homem possui direitos indirétos e mediatos


sôbre os bens da comunidade social, os quais, muito
embora não lhe pertençam, todavia são finalmente des-·
tinados à sua vantagem e a seu serviço. O respeito des­
tes direitos indirétos e mediatos é prescrito pela j ustiça
distributiva a todos quantos administram a sociedade e
têm obrigação de darem a todos os membros do corpo
social uma participação nos bens e vantagens da comu­
nidade, em proporção de seus merecimentos. A j ustiça
distributiva é a virtude que devem praticar os gerentes
dos negócios públicos. que gerem a cousa pública.
3 - A Sociedade, que não pode cumprir com a sua
missão sem o concurso dos membros do corpo social,
possui sobre suas pessôas e seus bens direitos indirétos
e mediatos. Ela exercita este direito, prescrevendo por
suas leis os atos e as contribuições em que os cidadãos
hão de concorrer para o bem comum. A justiça legal
manda aos cidadãos que respeitem este direito da socie­
dade e lhe forneçam as prestações que deles requer.

Observação.

1 - A justiça distributiva impõe às autoridades


públicas o dever de tratarem sem exceção de pessôas
todos os cidadãos e de lhes oferecerem a todos, confór­
me seus merecimentos e suas necessidades, o acesso às
vantagens da vida social: cargos, empregos, distinções
honoríficas, etc. É igualmente invocada para reclamar
uma repartição equitativa dos impostos, tendo em conta

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14 Alberto Müller S. J.

a possibilidade contributiva das diversas categorias de


cidadãos.
2 - A par dos direitos mediatos e indiretos que
tem sôbre os bens de seus súditos, o Estado tem igual­
mente certos direitos diretos e imediatos sôbre certas
categorias de bens, dos quais tem a plena propriedade.
Estes últimos direitos se impõem ao respeito dos cida­
dãos em virtude da justiça comutativa. Erradamente,
pois, pensam algnns que "é licito roubar ao Estado".
3 - Fala-se amiudo de justiça social. Por muito
tempo a expressão pareceu vaga; pretendeu-se até que
os reformadores sociais tinham por costume invocâ-la,
por falta de títulos mais definidos. Contudo S. S. Pio
XI, repetidas vezes nos seus discursos e nas suas encí­
clicas, sobretudo na QUADRAGESIMO ANNO e na DI­
VINI REDEMPTORIS, tem feito apêlo à justiça social.
Nesta última encíclica, êle chegou até a esboçar uma
definição dela: "É precisamente função da j ustiça so­
cial impôr aos membros da comunidade tudo o que é
necessârio ao bem comum". (1)

(1)- A nova lei de introdução ao Código Civil Brasileiro


( Decreto-Lei n.0 4 . 657, de 4 de setembro de 1942) em seu art. 5.0
assim dispõe: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins so­
ciais a que ela se dirige e ás exigências do bem comum".
A Constituição Brasileira expressamente se refere à justiça
social no art. 145 (Título V - Da ordem econômica e social ) ,
assim dispondo: "A ordem econômica deve ser organizada con­
forme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de
iniciativa com a valorização do trabalho humano". Condiciona,
ainda; a Constituição o uso da propriedade ao bem estar social
(art. 147).
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A Moral e a Vida de Negócios 15

Um desacord o, porém, subsiste entre os autores:


uns pretendem identificar a justiça social com a justiça
legal; outros a consideram como uma categoria espe­
cial da justiça. Pode-se, a nosso vêr, adotar a opinião
dos primeiros, com a condição de alargar o conceito de
justiça legal ; esta preceituaria aos cida_dãos todos os
atos que exige a lei ou que requerem as exigências do
bem comum.

II - CoNSEQUÊNCIAS DA VIOLAÇÃO DA JUSTIÇA.

A violação da justiça, mormente da justiça comuta­


tiva, tem consequências graves, sôbre as quais convem
insistir.
De modo geral, todo homem que, por um ato con­
trário à moral, se colocou na desordem, não voltará à
ordem senão com a condição de se arrepender de sua
culpa e de tomar o firme propósito de nunca mais re­
cair nesta desordem. Aquele, porém, que cometeu uma
injustiça, violando o díreito alheio, ou apoderando-se do
bem de outrem, não sairá desta desordem, senão repa­
rando o dano causado, e restituindo o bem de que inde­
vidamente se apropriou.
A injustiça, pois, impõe uma dupla obrigação: re­
paração e restituição. Esta dupla obrigação não decor­
re senão da violação da justiça comutativa. No caso
de violação da justiça distributiva ou da justiça legal
ou social, como se trata só de direitos mediatos, não ha
obr"igação de reparar ou de restituir: basta que haja

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16 Alberto Müller S. J.

disposição de se conformar para o futuro com os seus


preceitos.

III - A REPARAÇÃO. (l)

Quem injustamente causou um dano a outrem, deve


repará-lo. Três condições são necessárias para que 1:1m
ato nocivo a outrem envolva seu autor na obrigação de
reparar :
1 -É preciso que a vítima tenha sido prejudicada
no seu direito. Um dano que não implica na 1esão de
um direito, não traz consigo a obrigação de repará-lo.
Um negociante que, por meios honestos, chama para si
a clientela de um concorrente, certamente lhe causa
prejuízo. Todavia êste concorrente não tem um direjto
estrito a conservar seus clientes: o seu direito limita-se
a não se vêr privado destes clientes por meios desho­
nestos. Se, pelo contrário, um comerciante, para des-

(1) - Cod. Civil Bras. - Art. 159: "Aquele que, por açâo
ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direi­
to, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado· a reparar o dano.
A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade re­
gulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1 . 518 a 1. 532 e 1. 537
a 1 . 553".
Art. 160: "Não constituem atos ilícitos:
I
- Os praticados em legítima defesa ou no exercício regu­
lar de um direito reconhecido.
II- A deterioração ou destruição de coisa alheia, afim de
remover perigo iminente ( arts. 1. 519 a 1 . 520) .
Parágrafo único - Nêste último caso, o ato será legítimo,
sõmente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente ne­
cessário, não excedendo os limites do indispensável para a remo­
ção do perigo".

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A Moral e a Vida de Negócios 17

viar os clientes de seu concorrente, usa da calúnia, da..


maledicência, ou procura subornar um cliente que era
ligado a seu fornecedor por um contrato, êle viola o
direito deste concorrente e deve reparar.

2 - É preciso que o ato incriminado seja� causa


real e propriamente dita do dano causado. Não haverá
obrigação de reparar se o ato foi tão somente a ocasião
do dano, ou quando muito, sua causa acidental.
A ocasião é um fato que, sem influir positivamente
no dano, cria contudo circunstâncias favoráveis nas
quais a causa propriamente dita produzirá seu efeito.
Exemplo: cometido um crime, a j ustiça prende e con­
dena um inocente. O autor do crime é somente a oca­
sião, o erro do j uiz é a causa do dano que sofre o ino­
cente. Se, porém, o verdadeiro criminoso procurou
desviar sôbre outrem as suspeitas, não é somente a oca­
sião, mas a própria causa do erro judicial.
A causa acidental é aquela que, de sua própria na­
tureza, não tende a produzir o dano, ou pelo menos não
é proporcionada à sua impõrtância ou gravidade; a um
concurso de circunstâncias externas se deve que ela
tenha produzido o dano.
Exemplo: um atraso na expedição de uma carta,
devido à negligência de um empregado, é causa, para o
negociante, da perda de um negócio importante. Em
sí, semelhante atraso não é tal que traga consigo tão
graves consequências: são as circunstâncias nas quais
foi feita esta negociação que dão a êste fato insignifi­
cante, um alcance tão grande.

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18 Alberto Müller S. J.

Será às vezes difícil estabelecer uma distinção ní­


tida entre a causa real e efetiva, e a causa simples­
mente acidental.
3 - Enfim, é preciso que o ato do qual procede o
dano sej a culpável. A êste respeito, importa distinguir
duas espécies de culpas: 1) a culpa que os moralistas
chamam teológica, e que constitue para quem a comete
um verdadeiro pecado. Um ato danoso cometido por
inadvertência, imprudência, leviandade, sem flUe seu
autor tenha tido consciência de fazer mal, não consti­
tue uma culpa teológica. 2) a culpa j urídica. Con­
siste na o:missão desses cuidados e dessa diligência que
·
a lei quer vêr tomados na conduta da vida e na prática
dos negócios. As exigências da lei variam conforme a
diversidade das matérias consideradas.

Em tese:

O autor do dano, réu de culpa teológica, é obrigado


a reparar o dano que causou. Se sua culpa foi grave,
deve reparar integralmente o dano. Se sua culpa teo­
lógica foi leve, os autores são unânimes em declarar que
não se pode impôr a obrigação de reparar. Se não hou­
ve mais que culpa jurídica, o autor do dano só será
obrigado a reparar, depois que fôr condenado pelos tri­
bunais, excétÓ se foi desde o princípio obrigado por con­
trato a pôr na gerência dos negócios de outrem os cui­
dados e toda a diligência que a lei exige.

N. B. - O autor de uma culpa puramente jurídica


não pode porém esquivar-se à sua responsabilidade,

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A Moral e a Vida de Negócios 19

usando de processos dilatórios, de subterfúgios e de


pressão, para impedir a vítima de recorrer à justiça e
reclamar dela a reparação do dano sofrido.

IV - A RESTITUIÇÃO.

A inj ustiça pode consistir na retenção ilícita do bem


alheio. Não pode ser reparada senão com um ato que
ponha de novo o legítimo proprietário na posse do seu
haver: é a restituição.

Quatro grandes princípios encontram aquí sua


aplicação:

a) Res clamat ad dominum: a cousa reclama seu


proprietário.
b) Res fructificat domino: a cousa frutifica em
proveito do seu dono.
c) Res naturaliter perit domino: .a perda natural
da cousa advem em prejuízo do proprietário.
d) Nemo ex alieno ditescere potest : ninguém de­
ve enriquecer com o alheio.

N. B. - A respeito do segundo e do quarto prin­


cípio, deve-se observar que só os frutos naturais que a
cousa produz, tocam de direito ao proprietário; os fru­
tos industriais, isto é os que resultam do trabalho indus"'
trial do detentor da cousa alheia, pertencem a quem os
produziu. Em tal caso êste pode enriquer com o bem
alheio.

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20 Alberto Müller S. J.

Na prática importa distinguir entre as obrigações


de restituir que incumbem a quem possui de bôa fé a
cousa alheia, e as que pesam sôbre o possuidot de má fé.

1 - O possuidor de bôa fé. (1)

Quais são as obrigações do possuidor de bôa fé, des­


de o momento em que reconheceu que não é o legítimo
proprietário do bem que retem, e se não houve ainda
prescrição?
Várias hipóteses se podem verificar: a cousa alheia
se acha ainda nas mãos do possuidor de bôa fé, ou já
pereceu, ou ainda se acha na posse de um terceiro.

A - A cousa se alfha nas mãos do possuidor de bôa fé.

a) Recebeu-a gratuitamente: deve restituí-la a


seu legítimo proprietário.
b) Recebeu-a a título oneroso: antes que o legíti­
mo dono reivindique a cousa, o possuidor de
bôa fé pode restituí-la àquele que lha vendeu,
e fazer-se reembol�ar do preço que pagou por

(1) -Código Civil Brasileiro: Art. 490: "É de bôa fé a


posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que lhe im­
pede a aquisição da coisa, ou do direito possuido".
Parágrafo único - "0 possuidor com justo título tem por si
a presunção de bôa fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei
expressamente não admite ésta presunção".
Ainda - art. 491 "A posse de bôa fé só perde este caràter
-

no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam pre­


sumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente".

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A Moral e a Vida de Negócios 21

ela. Não tem direito de vendê-la a um tercei­


ro, porque isto seria fazer ato de proprieda­
de. (2)
Em vários países, porém, notadamente na Bélgica,
a lei civil, para acautelar a firmeza dos contratos, auto­
riza o possuidor de bôa fé a reclamar do legítimo pro­
prietário, o preço do objeto restituido, quando êste foi
comprado no mercado, em v�nda pública, etc. (3)

B - A cousa pereceu.

1.0 - Nas mãos do possuidor de bôa fé:

a) Com enriquecimento em proveito deste: o be­


nefício deve ser restituido ao legítimo proprie­
tário, excéto se foi fruto da indústria do pos­
suidor de bôa fé.

b) Sem enriquecimento em seu proveito: não há


lugar para restituição. (1)

(2) - Cód. Civil Brasileiro - art. 521.


(3) -Cód. Civil Brasileiro - art. 521 § único: "Aquele
que tiver perdido, ou a quem houverem sido furtados, cousa mó­
vel ou título ao portador, pode reavê-los da pessôa que os deti­
ver, salvo a esta o direito regressivo contra quem lhos transferiu".
Parágrafo único - "Sendo o objeto comprado em leilão pú­
blico, feira ou mercado, o dono, que pretender a restituição, é
obrigado a pagar ao possuidor o preço por que o comprou".
(1) - Código Civil Brasileiro: art. 514 "O possuidor de
-

bôa fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que


não der causa".

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22 Alberto Müller S. J.

2.o - N as mãos d e u m terceiro: o possuidor de


bôa fé está liberado de qualquer obrigação de restituir.

C - A cousa se acha nas mãos de um terceiro.

a) Se o possuidor de bôa fé a deu gratuitamente,


nada tem que restituir ao legítimo proprietário.
b) Se o possuidor de bôa fé comprou a cousa e de­
pois a revendeu, deverá restituir o preço ao
novel comprador, se êste fôr obrigado a resti­
tuir a cousa a seu legítimo proprietário. Se o
comprador não restituiu a cousa, o possuidor
de bôa fé não �stá obrigado a entregar o seu
preço ao proprietário.
c) Se o possuidor de bôa fé recebeu a cousa gra­
tuitamente e a revendeu, deve restituir o pre­
ço: - ao comprador, se êste foi obrigado a res­
tituir a cousa a seu legítimo dono; - ao pró­
prio dono, se êste não pôde reentrar na posse
de seu bem.
Quanto aos frutos percebidos pelo possuidor de bôa
fé, devemos distinguir:
a) Os frutos industriais, devidos à atividade do
possuidor de bôa fé, que ficam legitimamente
·

seus.
b) Os frutos naturais espontâneamente produzi­
dos pela cousa detida, e os frutos civis, (alu­
guel, arrendamento, juros). Pelo direito na­
tural, tais frutos pertencem ao proprietário, e

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A Moral e a Vida de Negócios 23

lhes devem ser restituídos. No caso, porém,


como acontece no nosso país, que a lei os de­
clare legitimamente adquiridos pelo possuidor
de bôa fé, êste não tem obrigação de consci­
ência de os restituir. (2)
N. B. -Em tudo o que precede, supusemos que a
prescrição não tenha ainda produzido seus efeitos. Sa­
be-se de fato que, com certas condições, o possuidor de
bôa fé pode adquirir a propriedade legítima da cousa
que detem, nos prazos que a lei determina. Uma vez
passados estes prazos, não mais existe a obrigação de­
restituir.

2 � O possuidor de má fé. (1)

Mais severas são as obrigações resultantes da posse


de má fé:

(2) - Cód. Civil Brasileiro: art. 510 "O possuidor de­


-

bôa fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos"


Quanto aos frutos pendentes: art. 511 "Os frutos -penden­
-

tes ao tempo que cessar a bôa fé devem ser restituidos, depois


de deduzidas as despezas da produção e custeio. Devem ser tam­
bém restitui dos os frutos colhidos com antecipação".
Ver também art. 512 - "Os frutos naturais e industriais re­
putam-se colhidos e percebidos logo que são deparados. Os civis
reputam-se percebidos dia por dia".
Ainda quanto ás benfeitorias: art. 516 -"0 possuidor de
bôa fé tem direito ás benfeitorias necessárias e úteis, podendo
exercer direito de retenção, além de levantar as voluptuárias"'.-
(1) - Cód. Civil Brasileiro: art. 515 "O possuidor de
-

má fé responde pela perda, ou deterioriação da coisa, ainda que


acidentais, salvo se provar que do mesmo modo se teriam dado,
estando ela na posse do reivindicante".

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24 Alberto Müller S. J .

1.0 - O possuidor d e m á fé, que tem ainda e m seu


poder a cousa alheia deve restituí-la sem tardar a seu
dono. Se não a tem mais, ou se pereceu nas mãos de
terceiro, deve indenizar o proprietário, salvo o caso em
que ela teria igualmente perecido nas mãos do dono.
2.0 - O possuidor de má fé deve restituir ao pro­
prietário todos os frutos naturais e civis por êle perce­
bidos ou não, que o dono normalmente teria percebido.
Só os frutos estritamente induStriais devidos à ativida­
de do possuidor de má fé, ficam seus. (2)
3.0 - É obrigado a reparar todos os danos, que
causou ao legítimo proprietário a injusta detenção do
objeto, pelo menos os que pôde vagamente prever (da­
nos positivos, perda de lucro).
4.0 - Observemos enfim que a posse de má fé não
é jamais prescritível em consciência. (3)

3 - O possuidor de fé duvidosa. (4)

O possuidor que duvida da legitimidade de sua pos­


se, deve empenhar-se em descobrir o_ legítimo proprie-

(2), Cód. Civil Brasileiro: axt. 51 3 - "O possuidor de má


-

"fé responde por todos os frutos colhidos- e percebidos bem como


pelos que por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento
em que se constitui de má fé; tem direito, porém, às despezas
da produção e custeio.
Ainda benfeitorias: art. 517.
(3) - Cód. Civil Brasileiro - arts. 550 e seguintes.
( 4) A tal respeito é interessante consultar o que dispõe o
-

Código Civil Brasileiro no Cap. 111.0 Da aquisição e perda da


-

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A M oral e a Vida de Negócios 25

tário, com um cuidado proporcionado ao valor da cousa


retida e à importância da sua dúvida. Se, feitas estas
diligências, a dúvida persiste, aquele que começou a
posse de bôa fé, pode conservar o objeto, Pelo contrá­
rio aquele que começou a posse com fé duvidosa, deve
desfazer-se do objeto, na proporção de sua dúvida, seja
em favor do proprietário presumido, seja em favor dos
pobres.

4 - Cooperação à injustiça.

I - Há duas espécies de cooperação:

1.0 - A cooperação positiva que concorre eficaz­


mente à formação do ato injusto (mandar, consentir,
participar, encorajar, ocultar).
2.0 - A cooperação negativa: não avisar, não im­
pedir, não denunciar.

II - Em geral, a cooperação à injustiça traz con­


sigo a obrigação de reparar na medida em que contri­
buiu a causar o danõ:·

propriedade móvel - arts. 603 e seguintes, quando trata da. lN­


VENÇAO.
Art. 603- "Quem quer que ache coisa alheia perdida, ha de
restituí-la ao dono ou legítimo possuidor". /

§ único - "Não o conhecendo, o inventor fará por desco­


bri-lo e, quando se lhe não depare, entregará o objeto achado á
autoridade competente no lugar".
Art. 605 "O inventor responde pelos prejuizos causados
-

ao proprietário ou possuidor legítimo quando tiver procedido


com dolo".

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26 Alberto Müller S. J.

1 .0 - O que manda a outro que cometa em seu


nome um ato injusto, carrega a responsabilidade a ti­
tulo principal, e é obrigado a reparar todo o dano que
normalmente resulta da execução do mandato.
2.0 - Aquele que aconselha um ato injusto é dêle
responsável, mas é obrigado a reparar somente a título
subsidiário, porque a inj ustiça não foi feita em seu nome.
3 .o - Quem consente numa injustiça é obrigado
a repará-la na mediãa. em que seu consentimento con­
tribuiu eficazmente à injustiça.
4. o - Aquele que toma parte num ato injusto é
obrigado a repará-lo na medida em que sua participa-­
ção constitui uma culpa teológica.
Convem distinguir nêste assunto :
a) A participação formal, pela qual um se associa
à intenção perversa do autor principal da in­
justiça. Esta participação impõe a obri açãog
de restituir.
b) A participação material: presta-se assistência
ao autor da injustiça, mas sem participar na
sua intenção culposa.
Esta participação material pode ser imediata, se
concorre diretamente ao próprio ato injusto; é mediata,
se se limita a ajudar ou a facilitar a ação do autor
principal.
Em si, a participação material constitue uma culpa
que envolve a obrigação de reparar. Mas se o ato pelo
qual se participou da injustiça, não é mau em sí, certas.
circunstâncias podem desculpar ésta participação. Es-

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A Moral e a Vida de Negócios 27

tas circunstâncias devem ser mais ou menos graves,


conforme o ato constitue uma participação mais ou me­
nos imediata. O temor de um dano, mesmo leve, pode
desculpar uma participação mediata remota. A pers­
pectiva de inconvenientes graves, como seria a perda de
um emprego, a ruína de uma casa, poderá desculpar
uma participação mediata próxima ou até necessária.
5.0- A cooperação negativa não constitue em si
uma violação da justiça. É düerente, quando alguém
se obrigou por contrato expresso ou tácito a impedir a
injustiça: é o caso por exemplo dos guardas, dos inspe­
tores, dos fiscais. Somente o temor d� um perigo grave
não previsto no contrato poderia desculpar sua desídia.

5 - A quem se deve restituir?


·
Em geral deve-se tiestituir ao proprietário ou a seus
herdeiros. Se o legítimo proprietário não é conhecido,
é preciso procurá-lo, e se não for achado, o possuidor
de bôa fé ficará livre de toda obrigação de restituir. O
possuidor de :tná fé deverá desfazer-se da cousa em favor
dos pobres.
Se o bem injustamente retido resulta de um grande
número de injustiças acumuladas em detrimento de um
grande número de pessôas, (por exemplo: o produto
de uma longa exploração fraudulenta dos clientes), o
autor déstas injustiças, se não puder indenizar pessoal­
mente suas vítimas, não é por isso autorizado a conser­
var o fruto de suas deshonestidades, mas o deverá dis­
tribuir aos pobres ou a bôas obras.

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28 Alberto Müller S. J.

SEGUNDA SECÇÃO

A CARIDADE

T - 0 PAPEL DA CARIDADE NA VIDA DOS NEGÓCIOS.

Lendo certos moralistas, seríamos inclinados a pen­


sar que o respeito ao direito alheio, à estrita justiça
constitue a mais alta expressão da perfeição cristã.
Nada menos exato: acima da lei do justo rígido, ha um
preceito mais nobre e mais imperativo: o da caridade.
Toda a lei da perfeição cristã se condensa em dois pre­
ceitos: o amor total de Deus, formulado no primeiro
mandamento, e aquele semelhante ao primeiro, que nos
manda amar o próximo como a nós mesmos. Nestes
dois preceitos se resumem toda a lei e os Profetas; esta
lei superior de caridade deve inspirar e guiar toda a ati­
"ridade do homem de negócios cqstão.

II - EXATO ALCANCE DO PRECEITO DA CARIDADE.

O preceito da caridade pode ser formulado de dois


modos; positivo e negativo.
Positivamente, o preceito se formula com a obriga­
ção de fazermos a outrem, todo o bem que desejamos
se faca a nós mesmos.

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A Mpral e a Vida de Neg6cios 29

Debaixo de sua forma negativa, proibe-nos fazer­


mos a outrem o que não quiséramos que se fizesse a nós
mesmos.
O campo aberto ao exercício da caridade é dos mais
vastos. Algumas de suas exigências se impõem como
um dever formal à consciência de todos os homens. Ou­
tras manifestações desta virtude procedem de um mais
poderoso impulso de generosidade: são os atos de cari­
dade heróica, que não nos são impostos por um preceito
estrito, mas aos quais nos convida a vontade de nos con­
formar mais inteiramente ao ideal perfeito da caridade
de Cristo: "Si vis perfectus esse. . . se queres ser per­
feito, vai, vende teus bens, dá o produto aos pobres e
terás um tesouro no céu: depois vem, e segue-me".
Todavia, mesmo quando a caridade se impõe aos
homens, como uma obrigação formal de consciência,
convem observar que, a êste dever, não corresponde na
pessôa de outrem, um direito rigoroso e pessoal. Daí
resulta que, ao contrário do que dissemos, falando da
justiçaç a violação da lei da caridade, não traz consigo
a obrigação de reparar ou de restituir. Basta, mas isto
é indispensável, que não se persevere numa atitude con­
trária à caridade.

III - JUSTIÇA E CARIDADE.

Nem por isso devemos estimar menos o preceito da


caridade. A prática dêste mam;tamento achará no do-

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30 Alberto Müller S. J.

mínio da vida econômica um vasto campo de aplicação.


A caridade, com efeito, abranda a lei da justiça no que
ésta tem de rígido demais, inclinando o credor a não
exigir tudo o que lhe é rigorosamente devido, e o deve­
dor a ir além, quando fôr preciso, na execução de seus
compromissos, da medida exata do seu dever. Por êste
fato, tende a conciliar harmoniosamente as divergên­
cias que nascem da oposição de interêsses: ela amor­
tece a aspereza da concorrência: usa de benevolência
em todas as relações da vida econômica, que é na reali­
dade, um contínuo intercâmbio de serviços.
O homem de negócios cristão não se 'contentará
portanto em respeitar escrupulosamente os preceitos es­
tritos da justiça: empenhar-se-á em conformar toda a
sua conduta à lei superior da caridade.
Sem renunciar à procura moderada do lucro, re­
cusará considerar a vida de negócios como uma profis­
são essencialmente lucrativa. O proveito não será para
êle senão a retribuição do serviço que prestou a seus se­
melhantes, provendo-os das cousas necessárias ou úteis
à vida. 1!:ste modo de encarar as cousas, lhe imporá
uma sábia moderação na busca do lucro. Saberá até,
eventualmenté, renunci�r a qualquer lucro, para res­
ponder à extrema necessidade, em que se encontra o
próximo, dos bens que tem à sua disposição. Dos lu­
cros lentamente acumulados no decurso de sua carreira
comercial, êle não hesitará, quando fôr necessário ou
oportuno, em consagrar uma parte à esmola e ao sus­
tento de obras de utilidade social. �le se acostumará'

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A Moral e a Vida de Negócios 31

a considerar seus colegas, menos como concorrentes pe­


rigosos, do que como companheiros, empenhados como
êle, num mesmo serviço de utilidade pública. Longe de
os invejar, êle estará sempre pronto a assistí-los e a ale­
grar-se do bom êxito de seus esforços. A concorrência,
deixando de ser considerada como uma luta sem pie­
dade, se converterá, tanto quanto depender de sua von­
tade, em uma estimulante emulação para o bem de
todos.
Dominado por esta caridade, o homem de negócios
cristão deixará de ver no pessoal assalariado ou adjun­
to, méros instrumentos de sua própria fortuna: saberá
tratá-lo como um grupo _de íntimos colaboradores, ser­
vidores dedicados da comunidade. O patrão não deve
abdicar a sua autoridade: é e fica o "capitão da indús­
tria", responsável pelo êxito da campanha que empre­
endeu, para o bem da comunidade; mas a sua autori­
dade se despojará de tudo o que fôr arbitrário e duro,
exercitar-se-á com a persuação, com a benevolência, até
com a indulgência, diante das déficiências da fraqueza
humana.
Entre o comerciante e seus fornecedores ou seus
.clientes, a partida começada não deixará de ser um jogo
apertado e hábil: comprador ou vendedor, o homem de
negócios, por mais cristão que o suponhamos, terá in­
terêsses muito definidos que defender e salvaguardar;
ser-lhe-á lícito usar de toda a diplomacia necessária
para alcançar condições tão vantajosas e situações tão
favoráveis quanto lhe fôr possível, mas evitará tomar

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32 Alberto Müller S. J.

atitudes egoistas e unilaterais, para o que não deverá


considerar as partes com que trata como sendo aqueles
aos quais a operação em curso deve, necessàriamente,
reduzir ao papel de perdedores. Muito pelo contrário,
inspirar-se-á sempre na convicção tão bela de Santo To­
más, a saber: que o intercâmbio foi instituído para a
vantagem de ambos contraentes.
Fácil é de vêr que, assim concebido, o exercício da
vida de negócios tomará uma feição muito diferente da­
quem que, infelizmente, se revestiu em geral nos nossos
dias, e que, longe de ser um conflito áspero e invejoso
de interêsses, voltará a ser o que não devêra nunca dei­
xar de ser, um contínuo e fecundo intercâmbio de ser­
viços, suavizando a caridade cristã os demasiados rigo­
res de estrita e fria justiça.

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CAPÍTULO II

DOS CONTRATOS EM GERAL

l - NATUREZA E CONDIÇÕES DE VALIDADE.

1 - Natureza.

Um contrato é uma convenção pela qual uma pes­


sôa se compromete com outra a dar, fazer ou não fazer
alguma cousa. Um contrato supõe sempre a interven­
ção de duas partes, d.evendo, o compromisso tomado por
uma, ser aceito pela autra. É unilateral ou bilateral,
conforme importa em obrigação para uma só parte, ou
obrigação recíproca das duas partes. (1)

(1) - Arts. 1.092 e 1.093 - Cód. Civil Brasileiro. (Con­


tratos bilaterais).
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34 Alberto Müller S. J.

2 Condições de validade.

Três condições se exigem para a validade do con­


trato: (2)

A - Capacidade das partes contratantes. (11)

Pelo direito natural, ésta condição se verifica logo


que as partes contraentes têm uso de ..razão e portanto
são capazes de fazer um ato verdadeiramente huma.no.
Mas o direito positivo, por razões de interêsse público,
pode declarar certas pessôas incapazes de contratar. É

(2) - Art. 82 do Cód. Civil Brasileiro: "A validade do ato


jurídico requer agente capaz (art. 1 45 ) , n.0 1 ) objeto lícito e
forma prescrita ou não defesa em lei (arts. 129, 130 e 145).
Ainda: arts. 1 . 079 e seguintes e arts. 121 e seguintes do
Cód. Comercial Brasileiro.

(3) - Cód. Civil Brasileiro: arts. 9.0 - "Aos 21 anos com­


pletos acaba a menoridade, ficando habilitado o indivíduo para
todos os atos da vida civil".
"§ 1.0 - Cessará, para os menores a incapacidade:
1 - Por concessão do pae, ou se-.fQr morto, da mãe, e por
sentença do Juiz ouvido o tutor, se o menor tiver 1 8
anos cumpridos;
2 - Pelo casamento (arts. 183 n.0 XII e 185);
3 - Pelo exercício de emprego públiço efetivo;
4 - Pela colação de grau científico em curso superior;
5 - Pelo estabelecimento civil ou comercial com economia
própria" ...
Código Comercial Brasileiro: art. 129 - n.0 1 : "São nulos
todos- os contratos:
1 -Que forem Ct:llebrados entre pessoas inábeis para con­
tratar" ...
Ainda: arts. 147, n.0 1 - 153 - 154 - 155 - 156 - 157
(atos praticados por incapazes, especialmente menores).

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A Moral e a Vida de Negócios 35

'l caso dos menores não emancipados, das mulheres ca­


sadas, dos interditos.
Nos termos destas disposições legais, o contráto é
firme para a parte capaz, a qual fica ligada pela obri­
gação que subscreveu; é rescindível para a incapaz.
O incapaz, portanto, não tem obrigação de . exe­
cutar o compromisso tomado; mas se o contrato é res­
cindível em seu favor, é obrigado a restituir à outra
parte o que por acaso já recebeu dela, se todavia ainda
possue a cousa fornecida ou seu equivalente.
Se o incapaz induziu a outra parte em erro a res­
peito �e sua incapacidade, o contrato não deixa por isso
de ser rescindível; o incapaz, em caso de rescisão, é
obrigado a reparar o dano que sua astúcia tenha cau­
sado à outra parte. (4)

B - Um objeto possível e lícito.

O objeto que uma parte se compromete a livrar


deve existir, pelo menos in spe, em expectativa (por ex.
uma colheita futura, os frutos de uma árvore); perten-

(4) � Art. 155 - Cód. Civil rlras.: "O menor, entre 16 e


21 anos não pode para se eximir de uma obrigação, invocar a
sua idade, se dolosamente a ocultou, inquirido pela outra parte,
ou se no ato de se obrigar, expontânearnente se declarou maior".
Art. 156: "O menor, entre 16 e 21 anos, equipara-se ao maior
quanto ás obrigações resultantes de atos ilícitos, em que for cul­
pado".
Ainda os artigos anteriores, citados.

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36 Alberto Müller S. J .

cer à parte que assume a obrigação de entregá-lo ; não


ser já devido ao credor.
A prestação prometida deve ser possível, não con­
trária à moral. ( 1 ) Um contrato feito sôbre uma pres­
tação imoral é portanto nulo e não pode criar uma obri­
gação. Todavia, se uma das partes já executou a pres­
tação imoral, é a outra parte obrigada a pagar o preço
convencionado? (2)
Ambas as respostas, a afirmativa e a negativa, le­
vantam iguais objeções. Parece repugnante reconhecer
que o autor do ato imoral tenha direito a uma retribut­
ção. Da outra parte, não é menos repugnante admitir
que a parte que levou a outra pela sua promessa a fazer
o ato imoral, tire dele proveito, sem lhe pagar o preço.
A maioria dos moralistas se inclina para a solução afir­
mativa. Eles pensam com efeito que, se o contrato
imoral não tem de si mesmo algum valor obrigatório,
posto o ato imoral, a obrigação de pagar o seu preço
resulta, não do contrato imoral, mas de uma promessa

( 1 ) - Cód. Civil Brasileiro - art. 145 n.0 2 - "É nulo o


ato jurídico: n.01 . . . . .. . . n.0 2 - Quando for ilícito, ou im­
possível o seu objeto" . . .
Cód. Comercial Bras. - art. 129 n.0 2: "São nulos todos os
contratos: n.0 1 . . . . . . . . n.0 2 - Que recairem sobre objetos
proibidos pela Lei, ou cujo uso ou fim for manifestamente ofen­
sivo da sã moral e dos bons costumes"

(2) - A lei brasileira (arts. citados) fulmina de nulidade


os atos e contratos que recairem sobre objetos imorais ou con­
tràrios á lei.

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A Moral e a Vida de Negócios 37

implícita, pela qual a parte se comprometeu a retribuir


o esfôrço, o trabal ho e o risco assumidos pela outra.
Em todo o caso, aquele que, por sua promessa, im­
peliu o outro a cometer o ato repreensível, parece cer­
tamente obrigado pelo menos a reparar os danos que
êste último tenha causado em consequência do seu ato.
O pagamento do preço constituirá ésta reparação. (3)

C - O consentimento.

O contrato não existe senão com o acôrdo das duas


partes empenhadas; suas vontades se devem encontrar
sôbre o mesmo obj eto.
O consentimento deve ser livre, recíproco, caindo
sôbre o mesmo obj eto. A oferta de uma das duas par­
tes deve coexistir com a aceitação da outra. Enquanto
ésta aceitação não foi notificada à parte oferente, ésta
pode revogar ou retirar sua oferta, exceto se houve ofer­
ta firme com fixação de prazo. ( 4)

3 - Vícios de consentimento.

V árias circunstâncias podem viciar o consentimen­


to, e êste vício, por sua natureza, afeta a validade do

(3) - Cód. Civil Brasil. : art. 971 - "Não terá direito á


restituição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito,
imoral ou proibido por lei".

( 4)
- Cód. Civil Brasileiro - arts. 1 . 080 - 1 . 081 - 1 . 082
1 . 083 - 1 . 084 - 1 . 085 e 1 .086.
Cód. Comercial Brasileiro - arts. 121 - 126 - 127.

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38 Alberto Müller S. J .

contrato. Estas circunstâncias são : o êrro, o dolo ou


a fraude, o temor. (1)

A - O erro.

O erro pode ser substancial ou acidental.


O erro substancial é aquele que cái sôbre a própria
substância do contrato, ( sua natureza: venda em vez
de locação) ou sôbre uma qualidade substancial do
objeto.
"A substância de um contrato é uma cousa essen­
cialmente relativa, que depende dos próprios contraen­
tes. É substância, ou qualidade substancial, todo ele­
mento que principalmente determinou a parte a agir
ou a contratar, de tal modo que, sem êste elemento, o
contrato não teria sido concluído". (2)
O erro substancial vicia o consentimento a ponto
de tornar o contrato nulo e portanto impotente a criar
uma obrigação. (3} O erro acidental, caindo sôbre

( 1 ) - O direito brasileiro acolheu as seguintes circunstân­


cias que podem viciai o consentimento: o erro ou ignorância
(arts. 86 a 91 do Cód. Civil), dolo (arts. 92 a 97 idem) , a coação
(arts. 98 a 101 idem) , a simulação (arts. 102 a 105 idem) e a
fraude contra credores (arts. Hl6 a 1 1 3 idem).

(2) - De Page. Traité élementaire de droit civil belge. 2e.


édit., T. 1. n.0 39. Bruxelles. E. Bruylant 1939.

(3) - De conformidade com o art. 86 do Cód. Civil Brasil.


"São anuláveis os atos jurídicos, quando as declarações de von­
tade emanarem de erro substancial". O erro substancial vem
definido nos arts. 87 e 88.

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uma qualidade secundária do objeto, não tem efeito sô­


bre a validade do contrato, até mesmo qua;ndo impeliu
uma parte a contratar.
O erro sôbre a pessôa do co-contratante só invalida
o contrato, quando êste foi concluído precisamente por
razão da pessôa, (identidade, aptidão especial, profis­
são, etc. ) . (4)
Um contrato concluído por um motivo errôneo não
é afetado por êste erro. "0 erro sôbre os motivos que
impelem uma parte a contratar, nunca vicia o ato, por­
que não tem ligação intrínseca com êle : são tão somente
falsos cálculos ou esperanças desfeitas". (5)
Outra cousa seria se o contraente fôsse induzido a
erro acidental por um fato intencional da outra parte:
mas a nulidade resulta então de um outro vício de con­
sentimento : 9 dolo ou a fraude.

B - O dolo ou fraude.

O dolo ou fraude é um engano causado maliciosa­


mente com a intenção de prejudicar, ou de realizar al­
gum proveito: ela produz na vítima o mesmo vício de
consentimento que o erro.
Ela pode estar numa das partes contraentes, ou
num terceiro. No primeiro caso, a vítima tem direito

(4) Cód. Civil Brasileiro: art. 88


- - "Tem-se igualmente
por erro essencial o que disser respeito a qualidades essenciais
da pessôa a quem se refira a declaração de vontade".
(5) - Ibid. n.o 41.

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40 Alberto Mü l l e r S. J .

de reclamar a rescisão do contrato, se o erro devido ao


dolo cái sôbre uma causa acidental, a qual exerceu uma
influência determinante sôbre a conclusão do contra­
to. ( 1 ) Até no caso em que a vítima por ignorância
não usasse do seu direito, o autor do dolo não pode con­
servar o benefício de sua malícia, mas tem obrigação
de restituí-lo.
No segundo caso, o contrato não é rescindível, ex­
céto se a outra parte foi cúmplice, por ato ou por reti­
cência, do manejo doloso do terceiro. (2)
N. B. a) Não são considerados como dolo os
-

artifícios inocentes geralmente em uso no co­


mércio, tais como as exagerações do reclame.
b) O comerciante que se tiver enriquecido pela
prática habitual da fraude, não tem o direito
de conservar o benefício de seus furtos : deve
restituir, se possível, aos clientes que lesou, ou,
se isto não fôr possível, consagrá-lo aos pobres
ou às boas obras.

C - O temor.

O temor, diminuindo a liberdade, não suprime o


consentimento, mas vicia-o.

(1) - Cód. Civil Brasileiro - art. 93 - "O dolo acidental


só obriga á satisfação das perdas e danos.É acidental o dolo,
quando, a seu despeito, o ato se teria praticado, embora por
outro modo".
(2) Cód. Civil - art. 95
- "Pode também ser anulado o
-

ato por dolo de terceiro, se uma das partes o soube".

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A Moral e a Vida de Negócios 41

O temor, que é o receio de um mal futuro, pode re­


sultar quer de acontecimentos naturais, independentes
da vontade humana (doença, perigo, risco) quer de uma
ação voluntária do homem (violência física ou moral) .
Quando o temor resulta do receio de um mal natu­
ral, ou é provocado pela ameaça justa, não invalida o
contrato. Pode acontecer, porém, que a outra parte
tenha indevidamente explorado êste temor, para obter
uma vantagem excessiva. Há, neste caso, um enrique­
cimento inj usto com o qual a vítima não é obrigada a
se conformar. É o caso dos honorários exagerados que
um médico reclamasse de um doente em perigo de mor­
te, de um salvador que pedisse uma recompensa exces­
siva. A vítima desta exploração tem o direito de recla­
mar umª· redução da dívida que, dominada pelo temor,
contraiu.
Quando o temor é provocado por uma ameaça injus­
ta, o contrato não é válido, e a vítima não contrai ne­
nhuma obrigação.
Pelo direito natural, o contrato não seria inválido
por êste motivo, senão quando a ameaça é feita pe�a
outra parte: o nosso direito positivo (belga) pelo con­
trário admite a rescisão, sej a que a ameaça provenha
da outra parte, seja que provenha de um terceiro. (1)

(1)- Cód. Civil Bras. - art. 101 - " A coação vicia o ato,
ainda quando exercida por terceiro. § 1 .0 - Se a coação, exer­
cida por terceiro, for previamente conhecida á parte a quem apro­
veite, responderá . ésta solidàriamente com aquele por todas as
perdas e danos; 1 2.0 - Se a parte prejudicada com a anulação
do ato não soube da coação exercida por terceiro, só este respon-
·

derà pelas perdas e danos".

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42 Alberto Müller S. J .

O emprêgo da ameaça injusta s e encontra frequen­


temente na vida de negócios, com o nome de chantagem.

D - A chantagem.

A chantagem consiste em extorquir, pelo uso da


violência . ou da ameaça, seja dinheiro, valores, objetos
mobiliários, obrigações, bilhetes, promessas, recibos, seja
a assinatura ou a remessa de um documento qualquer
que contenha ou opere obrigação, disposição ou quitação.

1 - Chantagem por ameaça de divulgação ou de de­


núncia.

Um acionista procura irregularidades cometidas na


administração da Sociedade, para alcançar uma nomea­
ção de administrador, sob ameaça de denúncia ao tri­
bunal, ou de fazer barulho na Assembléia Geral.
Um empregado, licenciado em seguida a urna crise,
ameaça divulgar ou denunciar certas irregularidades, se
não fôr reintegrado no seu emprêgo, ou se não lhe fôr
paga certa soma de dinheiro. Um empregado, vítima
d� uma injustiça, faz a mesma ameaça, se não fôr . rein­
tegrado no seu ernprêgo.
Como se hão de j ulgar estes diversos casos?
Princípio : ninguém tem o direito de vender seu
silêncio, e menos ainda, quando por outra parte, tem o
dever de falar ou de denunciar, porque isto seria cum­
plicidade. Mesmo quando a pessôa não tem obrigação

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A · Moral e a Vida de Negócios 43

de denunciar, vender seu silêncio seria extorquir com a


ameaça u:i:na vantagem à qual não tem direito, e enri­
quecer injustamente com dano alheio.
A cousa seria diferente, se a pessôa ameaçasse falar
para obter a restituição daquilo a que tem direito. O
ato mencionado no terceiro caso não é repreensível, sal­
vo se o empregado é obrigado ao silêncio por segrêdo
profissional.

2 - Chantagem por ameaça de concorrência ou de boi­


cotagem.

Acontece muitas vezes que um consórcio industrial


ou comercial, (cartél ou trust) ameaça um estranho
(outsider) com uma guerra de tarifas ou de boicotagem,
para constrangê-lo a aderir à combinação que patrocina.
A liceidade desta política depende do fim colimado pelo
consórcio.
Quando se trata de uma organização destinada a
sanear a profissão ou o mercado, o fim é legítimo, e a
ameaça de concorrência ou de boicotagem nada tem - de
injusto. Quando, pelo contrário, a combinação tem por
fim explorar abusivamente a clientela, ela não tem o
direito de usar de ameaças para quebrar a resistência
dos independentes, (outsiders) .

3 - Chantagem por ameaça de retirar o crédito.

Certos bancos se têm servido amiudo da ameaça de


cortar o crédito a uma firma, se esta não consentir em

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Alberto Müller S. J .

lhes confiar certo número de postos n a administração.


Foi graças a êste processo que muitas instituições finan­
ceiras conseguiram extender seu domínio sôbre a indús­
tria e o comércio.

Fóra do caso em que as pretensões do banco se jus­


tifiquem pela cautel a legítima de fiscalizar de mais
perto uma emprêsa na qual seus capitais estão forte­
mente empenhados, esta prátka é manifestamente abu­
siva. O banco de fato usa de ameaça para extorquir
mandatos de administradores aos quais não tem direito
algum.

Julgamos do mesmo modo o procedimento de um


banco que ameaça urna firma de lhe suscitar a concor­
rência de um estabelecimento rival, se ela não lhe ce­
der a maioria de suas ações.

4 - A chantagem da imprensa financeira.

Nos tempos de intensa atividade econômica, vê-se


um pulular prodigioso de fôlhas que se dizem financei­
ras, e que pretendem esclarecer e aconselhar a econo­
mia. Estas fôlhas vivem sobretudo da publicidade das
instituições bancárias e das Sociedades. Afim de obri­
J
garem êstes estabelecimentos a su eitar-se às suas con­
dições, elas usam amiudo de uma verdadeira chanta­
gem, ameaçando-as de abrir sorrateiras campanhas de
imprensa contra as Sociedades ou emprêsas nas quais.
estão particularmente interessadas. Há neste caso ma­
nüestamente uma extorsão de fundos pela ameaça.

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A Moral e a Vida de Negócios 45

IV - NULIDADE E RESCINDIBILIDADE.

Os diversos casos de nulidade que acabamos de men­


cionar podem ser divididos em duas categorias.
1.0 -As nulidades absolutas, que resultam do di­
reito natural, ou que a lei positiva pronuncia por razões
superiores, em vista das exigências do bem comum.
2.o -As nulidades relativas, pronunciadas por mo­
tivos de ordem particular, tendo em vista proteger inte­
rêsses de uma ou de outra parte contratante.
A nulidade absoluta invalida radicalmente o con­
trato, e o torna inexistente, independentemente da von­
tade dos contraentes, porque procede de uma razão que
supera a esfera restrita dos interêsses particulares.
A nulidade relativa, pronunciada com o fim de pro­
teger os interêsses de uma parte, não invalida o contra­
to, salvo se esta parte reclama a sua rescisão. Enquan­
to ela usar do seu direito, o contrato fica firme, isto é,
produz seus efeitos obrigatórios.
Os autores têm discutido longamente a questão de
saber se um contrato que a lei declara nulo, obriga em
consciência, enquanto uma sentença judicial não pro­
nunciou a resc1sao. As respostas, afirmativa. e negati­
va, parecem igualmente prováveis. Na prática, contan­
to que tenha sérios motivos de crer o contrato inválido,
a parte que se julga com fundamento para reclamar a
rescisão pode negar-se ao cumprimento de suas obriga­
ções, deixando à outra parte o encargo de apelar para

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46 Alberto Müller S. J .

o tribunal. Uma vez proferida a sentença judicial, am­


bas as partes são obrigadas em consciência a acatá­
-la. (1)

li - EXECUÇÃO DOS CONTRATOS.

O contrato constitui a lei das partes. Esta_s devem


executar de bôa fé todas as cláusulas explícitas, subs­
tanciais e acidentais, assim como as que, sem serem for­
malmente expressas, decorrem dêle, conforme a equida­
de, o uso ou a lei. As partes ficam livres de derrogarem
em têrmos expressos aos usos recebidos, bem como às
disposições legais que não vêm prescritas por motivos
de ordem pública.

( 1 ) - Cód. Civil Bras. - art. 146 - "As nulidades do ar­


tigo antecedente. O Cód. Civil Brasileiro prescreve (art. 1A:6)
que as nulidades previstas do art. 145 (citado) "podem ser ale­
gadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quan­
do lhe couber intervir, acrescentando em seu parágrafo único
que "Devem ser pronunciadas pelo Juiz, quando conhecer do · ato
ou de seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permi­
tido suprí-las ainda a requerimento das partes".
Quanto aos atos anuláveis ( nulidade relativa) , previstas no
art. 147 (citado) "não têm efeito antes de julgadas as nulidades
por sentença, nem se pronunciam de oficio. Só os interessados
as podem alegar e aproveitam exclusivamente aos que as alega­
rem, salvo o caso de solidariedade, ou indivisibilidade" (art. 152 ) .
Art . 178, § 9.0, n.0 V :
- "Art. 178: Prescreve: . . .
§ 9.0 - Em quatro anos:
V - A ação para anular ou rescindir os contratos para a
qual não se tenha estabelecido menor prazo, contado este:
a) no caso de coação, do dia que ela cessar;
b ) no d e erro, dolo, simulação ou fraude, d o dia em que se
rea1jzar o ato oti o contrato;
c) quanto aos atos dos incapazes, do dia em que cessar a
incapacidade.
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A Moral e a Vida de Negócios 47

Na medida em que uma das partes não executasse


todas estas obrigações, ela se tornaria culpad·a de injus­
tiça e seria obrigada à reparação. A gravidade da obri­
gação de executar é proporcionada à importância da
cláusula de que se trata. (2)

III - .FALÊNCIA E CONCORDATA.

Resta-nos a considerar o caso do devedor insolvente.


Um homem de negócios se acha normalmente obrigado
por múltiplos contratos, com um grande número de pes­
sôas; pode acontecer que seus compromissos venham a
superar suas possibilidades de execução.
No caso em que se verifique esta situação, quais são
os seus deveres? (3)
1.0 Logo que reconhece claramente sua insol­
-

vência, não pode contrair novos c;ompromissos sem se


tornar culpado de injustiça, tanto para com os novos
credores, aos quais lhe seria impossível pagar integral­
mente, como para com os antigos, cujas probabilidades
de reembolso êle ainda diminui.
Muito fàcilmente o homem de negócios que se de­
bate em graves dificuldades, procura tomar emprestada

( 2 ) - Cód. Civil Brasileiro - art. 1 . 092.


Cód. Comercial Brasileiro - arts. 126 - 133 - 1 37.
(3) - Decreto-Lei n.0 7 . 661, de 21 de junho de 1 �45. �

art. 8.0 - "O comerciante que sem relevante razão de direito


não pagar no vencimento obrigação líquida, deve, dentro de 30
dias, requerer ao Juiz a declaração da falência, expondo as cau­
sas d�sta e o estado de seus negócios"

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48 Alberto Müller S. J.

a soma de dinheiro, que imagina capaz de tirá-lo do


aperto. É um expediente perigoso, ao qual não pode
recorrer senão com a condição de expôr lealmente e sem
reticências a sua situação àquele de quem solicita a as­
sistência.
2. 0
- Enquanto conserva a livre administração de
seus bens, o devedor é obrigado a considerar o direito
dos credores previlegiados, sàmente se estes se prevale­
cem do seu previlégio. É-lhe perrrútido reembolsar in­
gralmente qualquer dos credores, que reclame o que lhe
é devido. Certos autores lhe reconhecem o direito de
tomar a iniciativa de tais pagamentos. É claro porém
que, se os tribunais mandam aos credores assim satis­
feitos pôrem de novo, na massa que serve de penhor,
as somas que receberam, esta decisão se impõe em cons­
ciência aos que foram favoi·ecidos com um pagamento
antecipado.
Tem por ventura um agente de banco, que prevê a
próxima falência da casa que representa, o direito de
prevenir discretamente clientes que êle mesmo levou a
confiar-lhe seus depósitos, e convidá-los a retirarem
êsses depósitos antes da suspensão dos pagamentos?
Julgamos que esta iniciativa seja lícita: com efeito,
êste agente assumiu para com êsses clientes, cujos de­
pósitos êle solicitou pessoalmente, responsabilidades
maiores, relativament� às que lhe incumbem a respeito
de, todos os outros clientes do estabelecimento.
Julgaremos mais severamente o comportamento de
um diretor ou de um gerente de banco, o qual, prevendo

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A Moral e a Vida de Negócios 49

a iminente falência de sua casa, retirasse seus próprios


fundos, por êle mesmo aí depositados. Com éfeito, êle
tomou o compromisso pelo menos tácito, de salvaguar­
dar o melhor que lhe fosse possível, os interêsses daque­
les que lhe confiaram seus fundos. Manifestamente
seria contrário a êste compromisso reduzir pela retirada
de seus próprios haveres, a massa que serve de penhor
ao conjunto dos credores.
3.0 - Quando a cessação do pagamento se tornou
efetiva, o devedor insolvente se pode achar na situação
de falido ou de concordatário.

1 - Falência. (1)

Requerendo-o um dos credores, o tribunal pode de­


cretar a falência do devedor; que não pôde satisfazer a
seus compromissos. O julgamento da falência fixa o
dia no qual teve lugar a cessação de pagamento; esta
medida traz consigo para o devedor consequências que
afetam :rp.ais ou menos gravemente sua capacidade de
contrariar novos compromissos.
1.0 - A começar do dia em que a falência foi de­
cretada, o falido perde completamente o direito de ad­
ministrar seus bens ou de contratar. Qualquer dispo-

(1 ) - De acôrdo com a lei brasileira - lei de falências -


Decreto-Lei n.0 7 . 661, de 21 de Junh9 de 1945, o estado de fa­
lência se caracteriza ocorrendo as circunstâncias previstas nos
seus artigos 1.0 (impontualidade) e 2.0 (indicias veementes de
estado de falência) , art. 40.

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50 Alberto Müller S. J.

sição que tomasse no tocante a seu património seria


declarada nula.
2.0 - Durante todo o período que corre entre a
data da cessação de pagamento, data determinada pelo
julgamento de falência, e o dia em que é pronunciada
a falência, assim como os dez dias que precederam a
cessação de pagamentos, os atos realizados pelo falido
são nulos de pleno direito, ou anuláveis, requerendo-o
a falência. (1)
É o chamado período suspeito, durante o qual o le­
gislador entende proteger a massa que serve de penhor,
contra as maquinações do devedor, que poderiam redu­
zir o seu valor. Estas disposições legais obrigam em
consciência, e furtar-se a elas seria uma injustiça.
3.0 -Quanto às disposições tomadas pelo devedor,
antes- do período suspeito, elas são presumidas válidas ;
mas o curador poderia intentar contra elas uma ação
de nulidade, com o encargo de provar que foram toma­
das de má fé, com defraudação dos legítimos interêsses
dos credores.

( 1 ) - De acôrdo com o prescrito no parágrafo único do art.


14 da lei de falências (Decreto-Lei n.0 7 . 661 citado) , o Juiz, pro­
ferindo a sentença declaratória da falência, "fixará se possível,
o termo legal, designando a data em que se tenha caracterizado
esse estado, sem poder retrotraí-lo por mais de sessenta dias,
contados do primeiro protesto por falta de pagamento, ou do
despacho ao requerimento inicial da falência (arts. 8.0 e 12.0),
ou da distribuição do pedido da concordata preventiva".
Ainda: àrts. 22 e 52 e seguintes do mesmo Decreto-Lei n.o
7 . 661.

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A Moral e a Vida de Negócios 51

Se o tribunal, acedendo ao requerimento do cura­


dor da falência, reclamar dos credores pagos o reembol­
so das importâncias ou dos bens que receberam indevi­
damente, êstes são obrigados em consciência a obedecer
a esta ordem.
N. B. Os moralistas geralmente reconhecem ao
-

falido o direito de subtrair secretamente à massa o que


lhe é necessário para a sua subsistência e a dos seus,
vivendo parcimoniosamente, porém conforme a sua po­
sição sociàl. Isto, porém, não tem razão de ser onde,
como entre nós, a lei autoriza o curador da falência a
prover de modo suficiente às necessidades do falido e de
sua família, tendo em conta sua posição social.

2 - A concordata.

1.0 - O devedor insolvente poderá escapar à fa­


lência : (2)
a) Por meio de um ajuste com seus credores, ou
concordata amigável extra-judiciária, regida
pelo direito comum.
b) Ou obtendo do tribunal uma concordata pre­
ventiva de falência.

(2) - "O devedor poderá evitar a decretação da falência,


requerendo ao juiz que seria competente para decretá-la, lhe
seja concedida a concordatá preventiva" (art. 156 - Decreto-Lei
n.0 7 . 661 cit. ) . O falido pode obter sUspensão da falência, re­
querendo ao Juiz lhe seja concedida concordata suspensiva. Em
ambos os casos, observados os dispositivos constantes, respecti­
vamente, dos arts. 1 56 e seguintes e 177 e seguintes da mesma lei.

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52 Alberto Müller S. J.

As condições da concordata extrajudiciária são li­


vremente combinadas pelas partes interessadas. Devem
naturalmente obter o consentimento de todos os credo­
res. Se o acôrdo unânime não puder ser obtido, o de­
vedor infeliz e de bôa fé poderá solicitar do tribunal
uma concordata preventiva de falência.
Se julgar o requerimento aceitável, o tribunal con­
vocará uma assembléia geral dos credores, que resolverá
sôbre o pedido do devedor por maioria dos credores, re­
presentando os 2/3 das dívidas. ( 1)
A decisão concedendo concordata sortirá seus efei­
tos, se fôr aprovada pelo tribunal.
Durante o processo para concessão de concordata,
a lei proíbe ao devedor, sob pena de nulidade, hipotecar
ou tornar compromissos, sem autorização do j uiz dele­
gado ad hoc.
Resolvendo conceder concordata preventiva, a as­
sembléia dos credores pode subordinar o seu consenti-

( 1 ) - Considerando que a preponderância da mwona nas


deliberações coletivas, somente se legitima quando todas as von­
tades deliberantes se manifestam, tendo em vista o interêsse co­
mum que as congregou, e que, "nas concordatas formadas por
maioria de votos, os credores deliberam · sobre a pressão do seu
interêsse individual, deturpando o sentido coletivo da delibera­
ção, e, pois, tornando ilegítima a sujeição da minoria", "o pro­
jeto consagra a concordata como favor concedido pelo juiz, cuja
sentença substitui a manifestação da vontade dos credores na
fonnação de contrato, reservado, entretanto, a estes, o exame
das condições do pedido do devedor em face das exigências da
lei" ( Exposição de Motivos Ministerial - publicado no Diário
Oficial, do Rio de Janeiro, suplemento ao n.0 173, em 21 de
julho de 1945 - pág. 16) .

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A Moral e a Vida de Negócios 53

menta a tais condições que julgar próprias a salvaguar­


dar os interêsses dos credores. É claro que o concorda­
tário está obrigado a conformar-se com estas condições.
2.0 - Quando o tribunal rejeitou o pedido de con­
cordata preventiva, e pronunciou a falência, resta ao
falido a possibilidade de uma última acomodação com
seus credores.
Estabelecido o inventário e o orçamento <ia falência,
verificados os créditos, o falido poderá solicitar uma con­
cordata judicial. É uma concordata feita entre o falido
e o conjunto de seus credores, sob a fiscalização da au­
toridade judicial, a qual estatui um desconto para a re­
gulamentação dos créditos.
Se o contrato obtem a aprovação do tribunal, êle
liberta definitivamente o falido e põe um têrmo ao se­
questro dos seus bens.
O falido concordatário está obrigado em consciên­
cia a respeitar todas as condições da concordata, nota­
damente as que dizem respeito ao pagamento dos divi­
dendos previstos.
3.0- Em que medida a concordata e a falência
liberam o devedor?
1 - No caso de concordata amigável extrajudiciá­
ria, tudo depende da vontade das partes. Os credores
podem conceder remissão total ou somente parcial da
dívida. A sua vontade será geralmente expressa na con­
venção que fazem com o devedor, e dita soberanamente
a êste as suas obrigações.

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54 Alberto Müller S. J.

Não é preciso dizer que, para poder em consciência


prevalecer-se da remissão total ou parcial da dívida, o
devedor insolvente deve ter exposto lealmente e com
toda a sinceridade sua situação e ter o assent�mento
unânime de todos os credores.
2 A concordata preventiva da falência não libe­
-

ra o devedor; limita-se a conceder-lhe prazos e a regular


as modalidades dos pagamentos que fica obrigado a fa­
zer. O art. 25 da lei sôbre a concordata preventiva é
formal a êste respeito : "Aquele que obteve a concor­
data fica obrigado, caso volte a melhor fortuna, a pagar
integralmente os seus credores". É uma medida de or­
dem pública à qual os próprios credores não podem der­
rogar, pela remissão de uma parte de seu crédito.
Duas questões nos ficam por resolver :
a) Quando há volta à melhor fortuna?
É um fato que depende da apreciação dos tribunais.
Em tese, o devedor c.onsidera-se voltado a melhor
fortuna, quando dispõe, afóra o que exige a gerência de
seus negócios e a manutenção de sua família, de um
supérfluo que pode distribuir. entre seus credores.
b) É o devedor obrigado, logo que o pode, a proce­
der por reembolsos parciais de uma quantidade
razoável, ou pode conservar em seu poder as
somas disponíveis, até o momento em que po­
derá reembolsar integralmente seus credores?
A lei não se pronuncia sôbre êste ponto : cabe
aos credores determinar por si mesmos, fixan­
do na concordata as modalidades do reembolso.

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A Moral e a V'rda de Negócios 55

Se não o fizeram, o devedor fica livre em jus­


tiça de proceder conforme achar mais conve­
niente.
A equidade todavia parece recomendar que proceda
por reembolsos parciais, desde que estes representem
para o credor, dividendos assás interessantes e subs­
tânciais.
3 - A concordata sobrevindo depois da declaração
de falência libera definitivamente o devedor, na medida
em que os credores consentirem em perdoar-lhe o saldo
ainda devido.
4 - O falido que não obteve concordata, fica inde­
finidamente obrigado a reembolsar seus credores.
N. B. - Em todos os casos em que o concordatário
ou o falido é obrigado a reembolsar integralmente seus
credores, depois da volta a melhor fortuna, é a estes
credores que incumbe o encargo de provar que a volta a
melhor fortuna se realizou, e que o devedor é capacita­
do de reembolsar a totalidade do saldo devido. Esta
prova será sempre difícil de ser fornecida. O devedor
não está autorizado a prevalecer-se desta dificuldade
para diferir indefinidamente o pagamento da dívida. A
justiça lhe impõe um dever de efetuar um reembolso,
logo que sua situação lho permita, e que o possa, sem
comprometer a marcha regular de seus negócios. ( 1 )

(1 )
- Quando alude a o direito positivo, o autor s e refere
ao Código Belga ; para o leitor brasileiro, ver o Decreto-Lei n.0
7 . 661 , de 21 de junho de 1945.

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56 Alberto Mül ler S. J.

IV - FÔRÇA MAIOR E IMPREVISÃO.

Circunstâncias independentes da vontade do deve­


dor podem tornar impossível ou pelo menos extrema­
mente onerosa a execução do contrato : é o que chama­
mos fôrça maior, ou casó fortúito, ou ainda o desequi­
líbrio trazido à economia do contrato por certas circuns­
tâncias totalmente imprevistas no momento da sua con­
clusão.

Quais são as consequências do apareciri:tento destas


circunstâncias ou semelhantes casos?

1 - Fôrça maior ou caso fortúito.

A fôrça maior é uma circunstância exterior ao con­


trato, as mais das vezes estranha às partes, independen­
te de sua vontade, e escapando a seu domínio, a qual
torna impossível a execução dos compromissos tomados.
Só tem influência nos contratos em que urna ao menos
das prestações estipuladas é adiada, ou deve ser exe­
cutada por partes, (contrato de venda, _de aluguel, pres­
tação de serviços) .

O caso de fôrça maior não existe no momento da


conclusão do contrato : sobrevem no decurso da exe­
cução, e a torna impossível, quer por um tempo, quer
definitivamente. Seus efeitos são, confórme os casos,
resolutivos ou somente dilatórios.

O caso de fôrça maior pode ser constituído, quer por


um aconteCimento natural, (catástrofe, sêca, geada,

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A , Moral e a Vida de Negócios 57

etc.) quer por perturbações sociais ou internacionais,


(motim, revolução, guerra) , quer enfim por um ato da
autoridade ou ação do Príncipe (medida administrativa
ou legal) .

A - Fôrça maior e contrato de venda. (1)

Por um contrato de venda, o vendedor se compro­


mete a fornecer uma mercadoria ao comprador; um
caso de fôrça maior o impede de executar esta obriga­
ção. Afim de estabelecer as consequências dêste acon­
tecimento fortúito, cumpre consideràr a exata natureza
do compromisso tomado.

O contrato estipula a entrega de certa quantidade


de mercadorias, determinadas somente quanto à natu­
reza, por ex. trigo, madeira, aço.
Se o caso fortúito impede o vendedor de fornecer a
mercadoria que tinha em vista, porque não pode pro­
curá-la onde costumava abastecer-se, fica não obstante
obrigado a fornecê-la, procurando-a em outra parte, ain­
da quando esta operação lhe seja muito onerosa. Com
efeito o caso de fôrça maior não torna impossível a en­
trega da mercadoria.

( 1 ) - Código Comercial Brasileiro: arts. 202 - "Quando


o vendedor deixa de entregar a coisa vendida no tempo apraza­
do, o comprador tem opção, ou de rescindir o contrato, ou de
demandar o seu cumprimento com os danos da mora; se.lvo os
casos fortuitos ou de fôrça maior".

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58 Alberto Müller S. J.

B - O contrato estatuia o fornecimento de uma mer­


cadoria determinada quanto à sua natureza e
quanto à sua espécie (qualidade, origem) .

Se o caso fortúito impede a entrega da mercadoria


assim determinada, o vendedor fica desligado de sua
obrigação, e por via de consequência o comprador não
está obrigado a pagar o preço convencionado, porque o
contrato, cuja execução se tornou impossível, fica anu­
lado de pleno direito. (2 )

C - A mercadoria a ser entregue foi individualmente


determinada, por ex. o trigo ou a madeira carre­
gaç,os em tal navio, ou atualmente presentes na
loja do vendedor.

Trata-se de um corpo certo e determinado, cuja pro­


priedade passou por efeito da venda, do patrimônio do
vendedor ao do comprador. Se perece por fôrça maior
antes da entrega, por qualquer causa que seja, salvo se
foi por culpa do vendedor, a perda reverte em prejuizo
do comprador, o qual fica obrigado a pagar-lhe o preço.
Se o caso fortúito impede somente a entrega, seu
efeito é dilatório, exceto se se tratar de mercadorias su­
jeitas a rápidas alterações de valor. Neste último caso,
o contrato é anulado de pleno direito nos têrmos do art.
1 . 657. (Cód. Com. Belga) . (1)

'.(2) - Cód. Com. Brasileiro -arts. 226 e 227 n.0 1.


(1) - Cód. Com. Brasileiro - arts. 207 n.0 1 - 209 e 210.

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A Moral e a Vida de Negócios 59

B - F6rça maior e aluguel de cousas.

No contrato de aluguel de cousas, o alugador se


compromete a fornecer ao locatário o gôzo de um bem.
O caso de fôrça maior pode obstar à execução dêste con­
trato :
a) impedindo o alugador de pôr a cousa alugada
à disposição do locatário (destruição, requisi­
ção de imóvel por ex.) ;
b) impedindo o locatário de gozar efetivamente do
bem posto à sua disposição.
A primeira hipótese é formalmente visada pelo art.
1 . 722 do C. C. (2) , o qual estipula : "Se enquanto durar
o aluguel, a cousa alugada é destruida na totalidade por
um caso fortúito, o aluguel é anulado de pleno direito;
se fôr destruida só em parte, o locatário pode, conforme
as circunstâncias, pedir uma diminuição do preço ou a
anulação do aluguel. Em ambos os casos, não há lugar
para indenização alguma".
Na segunda hipótese, o alugador tem efetivamente
à disposição $ locatário a cousa alugada; mas êste, por
efeito de um caso fortúi.to, que aféta sua pessôa ou sua
atividade, se acha impedido de tirar do objeto todo o
proveito que foi para êle o motivo determinante da con­
clusão do contrato, (doença, prisão, expulsão, etc . ) .

(2) - Cód. Civil Bras. - art. 1.190-art. 1 .193 - art. 1.196.


Cód. Com. Bras. - art. 229 - 230.

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60 Alberto Müller S. J .

Neste caso a j urisprudência lhe recusa geralmente


o direito de reclamar a anulação do contrato ou a dimi­
nuição do preço : o benefício qo art. 1 . 722 do C. C. lhe
é recusado. O caso é julgado diferentemente, quando
a causa da perda do proveito resulta de um caso fortúi­
to que afeta um grande número de pessôas (fuga diante
do inimigo, evacuação forçada de uma localidade) , por­
que então o caso fortúito é considerado como afetando
não só a pessôa do locatário, mas ainda os imóveis alu­
gados.
Em regra geral, os contratantes são obrigados, em
consciência, a se . sujeitarem à sentença dos tribunais
legitimamente investidos do cargo de arbitrar estas es­
pécies de conflitos.
Observemos que em matéria de locação de bens ru­
rais, o código cicil distingue os casos fortúitos ordiná­
rios, aos quais está sujeita a indústria agrícola (granizo,
raio, geada, fruta mirrada) , e os casos fortúitos extraor­
dinários (casos de guerra, inundação· insólita, etc.) . As
consequências dos casos fortúitos , tanto ordinários como
extraordináriJs, podem ser previstas por .uma cláusula
expressa do contrato, contra o alugador ou o locatário.
Se nada foi estipulado a êste respeito, o locatário pode
pedir uma diminuição do aluguel ou do arrendamento,
no caso em que a metade pelo menos da colheita tenha
sido destruída por êste caso fortúito. Há, porém, causa
para uma compensação entre a perda de ur.n ano e os
outros anos cobertos pelo arrendamento.

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A Moral e a Vida de Negócios 61

C - Fôrça maior e aluguel de serviços.

Pelo contrato de aluguel de serviços, uma parte


(empregado) compromete-se a fornecer à outra (em­
pregador) certos serviços, que esta, de sua conta, se com­
promete a pagar. Êste contrato rege-se pelos princí­
pios gerais do Código Civil, mas quanto ao contrato de
trabalho e o contrato de emprêgo, as leis de 10 de Março
de 1900 e 7 de Agosto de 1922 regularam mais em par­
ticular a matéria. ( 1 )
Em princípio, o empregado será dispensado de for­
necer a prestação prometida, se .fôr impedido por fôrça
maior. Se o impedimento fôr de longa duração, o con­
trato é rescindido de pleno direito; se fôr somente de
curta duração, o efeito do caso fortúito será simples­
mente dilatório; na prática, a questão de saber se o
caso fortúito causa a rescisão ou somente a suspensão
do contrato, dependerá das circunstâncias, em parti­
cular da natureza das prestações a fornecer, e da neces­
sidade mais ou menos urgente que tem delas o empre­
gador.
Claro está, que o empregador não pode ser obrigado
a pagar uma prestação que, por causa de um caso for­
túito, afetando o empregado, não lhe foi fornecida.
Pelo contrário, se o empregado mantém seu forne­
cimento de serviços, mas o empregador, por causa de

( 1) - Consolidação das Leis Trabalhistas Brasileiras - De­


creto-Lei n.0 5 . 452, de 1 de maio de 1943 .

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62 Alberto Müller S. J .

um caso fortúito, que o aféta pessoalmente, se acha im­


pedido de aproveitá-lo, êste terá motivo para reclamar
o benefício do art. 1 . 722 C. C. afim de obter ou a res­
cisão do contrato, ou uma redução da remuneração. ( 1 )

II - A IMPREVISÃO. (2)

A fôrça maior é uma circunstância imprevista, que


torna impossível, temporária ou definitivamente a pres­
tação a que se obrigou uma das partes contraentes, e é
esta impossibilidade que produz os efeitos que acabamos
de analisar. Mas há na vida de negócios, muitas outras
circunstâncias imprevistas que, sem tomarem impossí­
vel a execução de um contrato, alteram de tal modo a
sua economia, que, se as tivessem podido prever, as par­
tes não teriam contratado.
Duvidaram, pois, alguns autores se, dando-se even­
tualmente uma tal hipótese, não era o caso de se ofere­
cer à parte lesada pelo aparecimento dêste caso impre­
visto, o restabelecimento do equilíbrio inicial das pres­
tações, que as partes ao contratar tinham, sem dúvida,
em vista.

(1) -Sôbre as aplicações pràticas dos prinCípios que aca­


bam de ser expostos, cfr. J. Thoumsin-Saintenoy e R. Schueler:
Les contrats usuels devant la crise des nations. Bruxelles. E.
Bruylant 1939.
(2) EugEme Duthoit. Le probleme des dévaluations de
--

monnaies du point de vue moral, nos Mil:cellanea Vermeerch


S. J. T. L p. 81-91. Roma. Pontifícia Universitá Gregoriana
1935.

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A Moral e a Vida de Negócios 63

Bastaria interpretar todos os contratos com esta


cláusula implícita : rebus sic stantibus.
Estaríamos diante da teoria da imprevisão, que se
tornou de premente atualidade, pela instabilidade e a
insegurança que depois da primeira guerra mundial afe­
tam tão dolorosamente a nossa vida econômica. Quan­
tas prudentes previsoes, quantos sábios cálculos se vêm
brutalmente desfeitos pelos repentinos redemoinhos da
política nacional ou internacional, pelos abalos das
atuais conjunturas, sobretudo pela flutuação desorde­
nada das moedas.
Não se pode negar que os fautores da teoria da im­
previsão obedecem a um legítimo desejo de equilíbrio.
Não exige a justiça comutativa, em todo contrato, a
equivalência das prestações? Pode ela então urgir a
execução de um contrato, quando uma circunstância
imprevista e independente da vontade das partes, veiu
criar, em detrimento de uma delas, obrigações fóra de
toda proporção com a contraprestação que recebe?
Objetar-se-á talvez que no contrato a prazo ou de
-entrega ou a entregar, o comprador quís precisamente
se descarregar, sôbre o vendedor, dos riscos que podem
resultar da flutuação dos valores, e que o vendedor os
tomou sôbre si. - Tal é com efeito a intenção das partes,
mas trata-se aí, salvo clásula expressa em contrário�
dos riscos normais, cuj a eventualidade as partes pude­
ram ao menos vagamente prever, não dos riscos extraor­
dinários, resultantes de um caso fortúito, absolutamen­
te imprevisível.

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64 Alberto Müller S. J .

A despeito das razões de equidade que militam em


seu favor, a teoria da imprevisão não foi consagrada
pela jurisprudência belga, a qual sempre se tem recusa­
do a se pronunciar sôbre a dissolução dos contratos,
cuja economia foi desconcertada por uma circunstância
imprevista, mas não o tornou absolutamente inexequí­
vel. Ela temeu que, cedendo às instâncias da parte pre­
judicada, comprometesse a estabilidade e à segurança
já tão precárias nas relações contratuais.
Julgamos, porém, que a justiça não permite à parte
em favor da qual o equilíbrio foi rompido, prevalecer-se.
em qualquer hipótese, do rigor do seu direito.
Uma distinção aquí se impõe :
1.0 - Se a circunstância imprevista, que tornpe o
equilíbrio das prestações, traz a urna das partes vanta­
gens extraordinárias, e ao mesmo tempo, impõe à outra
parte um encargo desproporcionado, a primeira está
obrigada em justiça a transigir sôbre o rigor do seu di­
reito, e a consentir à outra parte contraente concessões
que atenuem seu prejuízo.
Exemplo : um comerciante cóncluiu um contrato
com seu fornecedor pelo qual êste se compromete a lhe
fornecer periodicamente e a um preço convencionado
certa quantia de mercadoria, determinada quanto à na­
tureza e quanto à espécie. Em seguida a um aconteci­
mento imprevisto (guerra, bloqueio) , o fornecedor não
pode adquirir a mercadoria quE: se obrigou a entregar,
senão a um preço notàvelrnente superior ao que fixava
o contrato. Por outra parte, o comerciante liquidará

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A Moral e a Vida de Negócios 65

a mercadoria tornada rara, a preços muito elevados, e


dêste modo, realizará lucros consideráveis. Em justiça,
o comprador está obrigado a indenizar o fornecedor, ma­
j orando o preço que paga, de uma parte ao menos do
prejuizo que êste sofre.
Outro exemplo : um. prestamista investiu na com­
pra de imóveis 500 . 000 marcos, que tomou de emprés­
timo. Sobrevém a desvalorização que reduz a quasi
nada o valor do capital emprestado, enquanto que au­
menta consideràvelmente o valor e a renda dos imóveis
adquiridos.
Ficará o devedor livre em consciência, restituindo
a quem lhe emprestou a soma nominal que I ecebeu?
Aquí também há enriquecimento sem causa, à custa do
prestamista. A justiça exige que intervenha entre as
duas partes uma equitativa acomodação.
Notemos que em 1924, o episcopado alemão contes­
tou formalmente aos devedores a faculdade de se pre­
valecerem do direito rigoroso que a lei lhes confere.
2 .o - Se a circunstância imprevista, que atropela
a economia do contrato, com prejuizo de uma das par­
tes, não confere nenhuma vantagem especial à outra
parte, pode esta apoiar-se em seu direito estrito, sobre­
tudo se uma transação viesse a afetar seriamente sua
própria situação.
Exemplo : a circunstância fortúita, que deita abai­
xo todas as previsões do fornecedor, não tem como con­
sequência permitir ao comprador revender a merr <:do-

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66 Alberto Müller S. J.

ria a um preço majorado : nada o obriga a assumir uma


parte da perda que sofre seu fornecedor.
Do mesmo modo, a pessôa que empregou todo o di­
nheiro tomado emprestado em pagar uma dívida, ou a
realizar uma operação sem lucro, não está obrigado, de­
pois da desvalorização, a revalorizar o crédito do pres­
tamista. A desvalorização não o enriqueceu, e êle pode,
sem pecar contra a justiça, deixar que recaiam sôbre o
seu credor os efeitos desastrosos da desvalorização.
N. B. - Quando alguma circunstância imprevista,
tal como uma desvalorização, uma guerra, uma crise
econômica profunda e de longa duração subverteu a
economia de todos os contratos, o legislador julgou de
sua obrigação intervir pessoalmente para revisar auto­
ritativamente todos os contratos, cujo equilíbrio estava
destruido, (leis sôbre os aluguéis rurais a longo prazo,
sôbre os aluguéis comerciais, sôbre as hipotécas) . Es­
tas disposições legais, estabelecidas no interêsse comum
são legítimas e se impõem em consciência ao respeito
de todos. ( 1 )

(1) - No tocante à fôrça maior, cfr. C. C. B. art. 1 . 058,


1 . 271, 1 . 285, ll, 1 . 412
e 1 . 4Ut

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CAPÍTULO m

O JUSTO PREÇO

l 0 CRITÉRIO DO JUSTO PREÇO. ( 1)

A justiça manda que o preço corresponda ao valor


das cousas : toda a questão é, portanto, saber qual é
êste valor. Sôbre êste ponto, dois conceitos totalmente
opostos defrontaram-se no decurso da história.

( 1 ) - Oswald Von Nell-Breuning S. J. - Fortschritte un


der Lebre von der Preisgerechtigkeit. Miscellanea Vermeersch
S. J. - T. I. p. 93-110. Roma. Pontificia Università Gregoriana
1935. - Gaetan Pirou . . . valeur et le prix p. 539. Paris. Re­
cuei! Sirey 1948. - Os leitores acharão nésta obra póstima do
eminente economista uma rj.ca e preciosa bibliografia sôbre o
assunto de que n os ocupamos. .._

Pierre Levesque. Le juste prix. p. 122. Paris. M. Riviêre


1938.
Rudolf Kaulla: Theory of the just price. A historical and
criticai Study of the problem of economic v alue. p. 221. London.
George Allen and Unwin Ltd. 1 936.
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08 Alberto Müller 5. J.

1.0 O conceito d o "livre contrato", sancionado


-

pelo Direito Romano, segundo o qual a determinação do


valor resulta da livre convenção das partes. As cousas
tem o exato valor ao qual o seu possuidor consegue ven­
dê-las : res tanti valet quanti vendi potest. Era de um
só golpe simplificar o problema do justo preço, a ponto
de eliminá-lo quasi por completo.
2 .o O conceito dos Canonistas e Moralistas da
-

Idade Média, os quais pretendem atribuir às cousas um


valor próprio, independente da vontade dos contratan­
tes, e que êstes devem em consciência respeitar. "A
cousa, afirmava Sto. Tomás, vale o que �la vale em si
1
mesma : res valet quod valet secundum se".
Sem querer contestar o papel preponderante que
exerce!T! na determinação do valor os elementos subj e­
tivcis (o valor é, sem contradição, um juizo de aprecia­
ção fundado sôbre a aptidão de um objeto a satisfazer
l:lllla necessidade) , todos os moralistas se recusam a
aceitar o primeiro dos conceitos, que acabamos de indi­
car, o do livre contrato. :S:ste reduz o intercâmbio a
uma simples prova de fôrça, onde a vitória é assegurada
ao mais tenaz e ao mais exigente, onde o mais fraco
deve ceder à vontade do mais forte. O intercâmbio dei­
xa de ser instituido, como o ensina Sto. Tomâs, para a
utilidade das partes; torna-se um instrumento de ex­
ploração e de expropriação.
Qual será o critério que nos permitirá descobrir
para determinada cousa o seu valor objetivo, ao qual
deve corresponder o preço?

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A N.oral e o Vida de Negódos 69

A grande maioria dos moralistas recorre à aprecia­


ção comum; outros se fundam sôbre o preço de custo
dos objetos comprados ou vendidos. Outros ainda, in­
vocam a lei da oferta e da procura, com a condição de
quem nenhum manejo fraudulento venha falsear-lhe o
livre funcionamento.
t:stes critérios não carecem de utilidade, mas não
dão a última razão de um juizo de valor bem fundado.
Esta razão se deve buscar nas exigências naturais da
vida social.
Em um regime econômico como o nosso, fundado
sôbre �a divisão do trabalho, o intercâmbio é o instru­
mento natural e necessário pelo qual se opera a repar­
tição dos bens que a Providência destinou à satisfação
das necessidades humanas. Para que se realize como
se deve o plano divino, e a comunidade possa aprovei­
tar-se convenientemente dos recursos postos à sua dis­
posição, é indispensável que os bens sejam repartidos
em proporções certas e determinadas. A não ser assim,
com efeito, a corrente regular da circulação em breve
seria perturbada e a comunidade seria privada daquela
abundância e daquela variedade de bens que um equi­
líbrio mais racional lhe teria podido e devido procurar.
Estas proporções necessárias são fixadas pelo custo
da produção, que abranj e também os gastos feitos pelo
produtor, e a honesta remuneração do seu trabalho :
labor et expensae, já diziam os antigos moralistas. De
fáto, se o produtor não obtiver por via de intercâmbio
esta legítima compensação, êle suspenderá sua ativida-

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70 Alberto Müller S. J.

de, e o abastecimento da sociedade sofrerá com isto.


Por outro lado, se as pretenções do produtor p_assarem
dêstes limites, urna parte de seus clientes serão obriga­
dos a renunciar à aquisição de seus produtos. Os ou­
tros se sujeitarão às suas condições, mas restringirão
seu consumo em qualquer outro setor; num e noutro
caso, as necessidades da comunidade não serão satisfei­
tas plenamente, conforme permitiam os recursos e as
possibilidades técnicas do momento.
Existe portanto, para cada estado de civilização,
uma ordem natural, portanto providencial, das cousas,
a qual determina em que proporções devem ser comuta­
dos os bens de toda espécie, e que fixa por consegumte
a cada um, um valor objetivo de troca, ao qual as par­
tes não têm o direito de substituir a sua apreciação toda
subjetiva.
O j usto preço, a nosso vêr, será, portanto, aquele
que, exprimindo o valor das cousas, regula sua troca na
proporção exata que pede o abastecimento racionaL do
corpo social, em bens e gêneros de toda natureza. Será
muitas vezes difícil aplicar êste critério social às mil
transações da vida corrente : será portanto útil recorrer
aos critérios secundários e derivados mencionados aci­
ma : a apreciação comum, o custo da produção, e a pro­
porção da oferta e da procura, os quais cada um a seu
modo, traduzem a. razão social do valor. Com efeito:
a) Conscientemente ou não, a estimação comum
sentencia sôbre as exigências naturais de uma

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A Moral e a Vida de Neg6êios 71

repartição equitativa dos bens entre todos os


membros da coletividade.
b) Em muitos casos, o custo da produção fornece
um critério de valor muito aceitável. Se o pre­
ço não cobre o custo da produção, os produto­
res restringirão suas ofertas ou renunciarão a
suas emprêsas; se os vendedores exigem uma
exagerada margem de lucros, os consumidores
deverão diminuir suas compras, ou renunciar
inteiramente à satisfação de suas necessidades;
num e noutro caso, a comunidade não será
abastecida na medida permitida pelas condi­
ções presentes da técnica.
c) Enfim, a proporção entre a oferta e a procura,
salvo se resulta de um manej o interessado, será
útil para orientar a apreciação das partes, e
suas indicações terão por efeito reconduzir a
produção e o consumo aos limites autorizados
pelos recursos atuais e possíveis do mercado.

Observações.

A equivalência entre o preço e a cousa vendida não


pode ser estabelecida com uma rigorosa exatidão: "Jus­
tum pretium non est punctualiter determinatum", dizia
Sto. Tomás de Aquino. O justo preço de uma cousa não
é sempre determinado com uma absoluta exatidão, mas
se estabelece as mais das vezes de conformidade com
uma avaliação aproximada, de tal modo que um leve

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72 Alberto Müller S. J .

aumento ou uma leve diminuição do preço não parecem


ferir a- igualdade da justiça. ( 1 )
Todos os moralistas concordam, pois, em tolerar
uma certa elasticidade na determinação do justo preço.
S:ste poderá, portanto, oscilar ao redor do preço médio,
sem por isso ofender as exigências da justiça. A mar­
gem de separação entre o preço médio e os dois extre­
mos, o preço máximo e o mínimo, não é uniforme para
todos os bens; mais estreita para os bens de uso cor­
rente, ou de primeira necessidade, pode ela ser conside­
ràvelmente mais larga, quando se trata de mercadorias
que entram em troca menos frequentemente, a respon­
dem a necessidades menos imperiosos, ou de puro luxo,
como as obras de arte, �.s antiguidades, os artigos de
fantasia ou de coleção.
É sempre verdade, porém, que êstes mesmos limites
extremos escapam a qualquer tentativa de determina­
ção rigorosa.

II - CONSEQUÊNCIAS E CONCLUSÕES.

1 .0 A justiça exige a equivalência entre o preço


-

e a cousa vendida.
Donde segue :
a) Que o vendedor não pode tomar em considera­
ção a grande necessidade do comprador, nem as
grandes vantagens que êste tira de sua aquisi-

(1) - Surnm. Theol., 2a Ilae. q. 77.a.l.

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A Mo ra l e a Vida de Negócios 73

ção. Sto. Tomás diz formalmente a êste res­


peito : "Se o comprador tira uma grande van­
tagem do objeto que recebe do vendedor, e se
êste último não sofre nenhum prejuizo desfa­
zendo-se dêle, o preço dêste objeto não deve ser
majorado; neste caso, com efeito, a vantagem
de que se beneficia o comprador não é em de­
trimento do vendedor, mas resulta da bôa sorte
do comprador. Ora, se é lícito fazer entrar no
preço o prejuizo que se sofre, não se pode nun­
ca vender a um outro o que não nos per­
tence. (2)
Certos moralistas modernos (Cardial Gousset, Tan­
queray, etc.) são todavia mais tolerantes para com o
vendedor, que majora seu preço, em vista da vantagem
particular, que o comprador retira da cousa vendida,
contanto que esta vantagem, em parte pelo menos, pro­
venha do próprio objeto.
Exemplo : o terreno adjacente a uma propriedade
que o comprador deseja alargar. A nosso vêr, pod&-se
seguir esta opinião. Sto Tomás achava equitativo que
o comprador assim favorecido cedesse alguma cousa de
sua vantagem ao vendedor : "Quem adquire um objeto
que lhe é muito vantajoso, pode de sua própria inicia­
tiva, pagar ao vendedor mais que o preço convenciona­
do; é honesto" (1)

(2) - lbidem.

(1) - lbidem.

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74 Alberto Müller S. J.

Não se vê então, porque o vendedor não teria o di­


reito de condicionar a conclusão do contrato à execução,
pelo comprador, dêste dever de equidade.
Não é necessário dizer que não se pode desculpar
do mesmo modo a exploração da necessidade do com­
prador.
Pelo contrário, será sempre lícito ao vendedor ma­
jorar o preço, em vista do sacrifício pessoal, que lhe
causaria o desfazer-se da cousa vendida.
b) Que o comprador não tem o direito de, com o
intúito de reduzir o preço, explorar a necessi­
dade que tem o vendedor, de dinheiro líquido.
Não se deve com efeito esquecer que a lei da
equivalência se impõe tanto ao vendedor quan­
to ao comprador. Pagar um preço inferior ao
que exige a justiça é tão pecaminoso como exi­
gir um preço superior.
Todavia o comprador pode, ao ajustar o preço, ter
em conta o sacrifício eventual ao qual consente, para
prestar um favor ao vendedor, adquirindo uma merca­
doria de que atualmente não necessita (imobilização de
capitais, despesas de armazenagem, etc.) .
Mas pode o comprador aceitar uma redução de pre­
ço espontânea111:ente oferecido pelo vendedor?
Uina distinção aqui se impõe : se a oferta é real­
mente espontânea no vendedor, constitue uma liberali­
dade, que é permitido aceitar. Será o caso por ex., quan­
do o abatimento é destinado a lançar um produto novo.

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A Moral e a Vida de Negócios 75

Mas se a oferta é motivada pelo aperto- do vendedor, o


qual tem urgente necessidade de dinheiro líquido, e se
resigna a vender com per_da, o comprador não se pode
prevalecer disso para justificar o preço menor que paga,
salvo se estiver êle mesmo na impossibilidade de pagar
o justo preço.
Exemplo : podemos, para obsequiar um amigo, com­
prar-lhe um objeto que nos é oferecido com perda, se o
justo preço supera a soma que podemos pagar.
Há negociantes que exploram habitualmente a si­
tuação de fabricantes ou de artistas, nec�ssitados de di­
nheiro líquido, para obter sensíveis descontos. Esta
prâ.tica é contrária à justiça.
2.0 - O preço justo é aquele que corresponde ao
valor da mercadoria, no momento e no lugar onde é con­
cluido o ajuste : é pois permitido :
a) Revender mais caro, em um lugar, uma merca­
doria que foi comprada a menor preço, em ou­
tro lugar. Assim se justifica notadamente o
comércio colonial, onde mercadorias de pouco
valor são trocadas na colonia com mercadori�
muito apreciadas no mercado metropolitano.
b) Revender a preço elevado, em tempo de alta,
mercadorias compradas a menor preço, em
tempo de baixa.
3.o -Convém notar que, para se operar racional­
mente o abastecimento do corpo social, com uma deter­
minada mercadoria, não é necessário que cada unidade

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76 Alberto Müller S. J.

sej a revendida a um preço que cubra todas as despesas


do vendedor; basta que o preço global das vendas efe­
tuadas no decurso de um exercício ou de uma estação,
indenize o produtor da totalidade de suas despesas. Um
produtor que entende do riscado não ignora que seu pro­
duto sofrerá no decurso do exercício· ou de uma campa­
nha, uma desvalorização natural, e êle regula suas con­
dições de venda de modo a compensar, com os preços
mais altos do começo da campanhà, os preços inferiores
aos quais deverá liquidar seus saldos e estoques.
Mais : há muitas circunstâncias que contribuem
para a desvalorização mais ou menos rápida da merca­
doria em mãos do vendedor. São entre outras : o cará­
ter perecível da mercadoria (flôres, frutas) , os caprichos
da moda, as despesas de conservação ou de armazena­
gem, que equivalem a uma deterioração da mercadoria.
Os moralistas tratam em geral do problema que nos
ocupa, considerando uma só operação : a venda de um
imóvel; de uma jóia, de um animal, etc. Para cada
uma destas operações tomada separadamente, êles exi­
gem, com razão, a equivalência entre o preço e o objeto
vendido. Mas o comerciante e o industrial operam em
condições muito diferentes. rues oferecem à venda
grande número de artigos, quer da mesma natureza,
quer de espécies muito diversas (bazares, grandes lojas) .
Poderemos censurá-los por não venderem todos os arti­
gos da mesmtt natureza a um preço uniforme, ou, tra­
tando-se de artigos diferentes, por consentirem um aba­
timénto sôbre uns, ou até mesmo um prejuízo, compen-

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A Moral e a Vida de Negócios 77

sando-se sôbre os outros? Aqui ainda é o lucro geral,


não o unitário que interessa ao vendedor. Esta prática
nos parece admissível na medida em que ela se reco­
menda no interêsse do bom andamento dos negócios.
Neste caso, com efeito, longe de impedir o abastecimento
racional da comunidade, ela contribue positivamente
para o aumento das quantidades oferecidas para o de­
senvolvimento dos órgãos que a distribuem.
Citemos a título de exemplo :
a) A venda por fraccionamento, que consiste em
oferecer o mesmo artigo, com miudas modifica­
ções de fórma ou de apresentação, a preços di­
ferentes, no intúito de pô-lo ao alcance de di­
versas categorias de compradores. Isto se
pratica, por exemplo, no negócio dos cigarros,
dos sabonetes, dos produtos farmacêuticos, ou
ainda nos transportes, nos hotéis, nos teatros
(classes, quartos, lugares) .
Alguém objetará talvez, que o método afi­
nal vem a ser o mesmo que fixar o preço con­
forme a bolsa do freguês : não o negamos. Mas
considere-se isto : os clientes que pagam preços
mais elevados (primeira classe nas Estradas de
Ferro, apartamentos de luxo, camarotes nos
teatros, marcas de primeira qualidade) , seriam
ainda mais pesadamente taxados, se o vende­
dor não recebesse um acréscimo considerável
de lucro, com o que cobra dos clientes mais mo-

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78 Alberto Müller S. J.

destos , aos quais êle oferece seus serviços ou


seus produtos a preços mais moderados.
Os médicos e os advogados também propor­
cionam seus honorários à capacidade de seus
cli�ntes e doentes. Quem achará o que cen­
surar nisto? Não é graças a judiciosas combi­
nações dêste gênero que se torna possível satis­
fazer, em uma medida mais larga, às necessi­
dades da comunidade?
b) A venda dos produtos conjuntos. Chamam-se
assim os produtos de natureza diferente, que
resultam de uma única operação produtiva, ou
que se fabricam conjuntamente em uma mes­
ma ernprêsa. Tais são na criação de carneiros,
a carne, a lã, o couro; na indústria do gáz, o
coque, o alcatrão, etc.
A venda do conjunto dêstes artigos deve
cobrir a despesa global de sua produção (joint
costs) ; ·não é possível, e pouco importa ao pro­
dutor determinar o preço de custo de cada ar­
tigo em particular. É-lhe permitido tarifá-los
do modo que lhe parecer mais próprio a asse­
gurar o melhor escoamento. Poderá até, a tí­
tulo de propaganda, oferecer certos artigos ao
preço de custo, ou mesmo com perda, porém
com uma condição : os artigos sacrificados a
título de reclame, devem ser escolhidos de tal
fórma que, vendendo-se a preços inferiores, não
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A Moral e o V'.dà de Negócios 19

se cómpróméta a eXistência de emptêsas espe,.


Ciá:liZadás no comércio déStas mercadorias.
c) A venda em leilão ou a martelo, na quàl as mer­
cadorias são cedidas a quem mais oferece. :tste
método, particularmenté · usado no comércio
,.�dos artigos perecíveis (ovos, legumes, frutas,
peixe, etc. ) tem a vantagem de aaségurar, sem
demora, o escoamento da mercadoria.
São as próprias exigências do negócio que
levam os vendedores a adotar êste modo de
proceder, e as alternativas de lances fracos e
fortes acabam por deixar-lhes lucros razoáveis.
É preciso, porém, para satisfazer às exigências
da justiça, que nenhuma manobra, quer dos
vendedores, quer dos compradores, venha alte­
rar o funcionamento da instituição.
d) O serviço dos Turistas. 1:ste dá também lugar
a discriminação de preço. Moderados no prin­
cípio e no fim da estação, os preços sobem quan­
do esta está no auge. Não é senão uma apli­
cação no tempo do processo de fraccionamento,
de que falamos há pouco. Mas pratica-se tam­
bém outra discriminação : a saber, entre os
visitantes de fóra e os clientes locais.
Esta prática não é nova. Já Léssio ( 1 �54-
1623) observava que a chegada da Côrte em
uma cidade, ou a vinda das náus da índia pro­
vocavam logo um encarecimento das mercado­
rias, para os estranhos sómente. O célebre

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80 _Alberto Müller S. J.

moralista nada de censurável achava nisto,


porque, dizia êle, a moeda tinha um valor me­
nor para os recém-chegados, abundantemente
providos dela, do que para o povo indígena, a
quem era parcimoniosamente medida. Preços
diferentes exigidos pelo mesmo objeto aos com­
pradores de ambas as categorias, podiam, por­
tanto, representar um idêntico sacrifício.
O argumento é engenhoso : preferimos,
porém, invocar outra razão que nos parece mais
sólida. A criação, o aparelhamento, o equipa­
mento e o bom funcionamento de um centro
de turismo, duma estação balneária ou de mon­
tanha, representam gastos por vezes conside­
ráveis feitos para o serviço dos turistas. �stes
gastos, à custa dos contribuintes, são legitima­
mente recuperados sôbre os estrangeiros de
passagem. Mais a propósito poderíamos invo­
car o argumento de Léssio no caso de países
para onde uma grande depreciação da moeda
atrai uma grande afluência de estrangeiros,
desejosos de se aproveitarem da diferença do
câmbio (Alemanha 1923-1924, Austria 1922,
Bélgica 1935, França e Itália hoje) .
4.0 - Há uma categoria de bens cujo intercâmbio
pouco interessa ao bem comum. São os objetos de luxo,
os artigos de fantasia ou de coleção. Não se trata aquí
de bens necessários, ou pelo menos, relativamente úteis
ao be� estar coletivo . . Pouco in1porta portanto que as

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A Moral e a Vida de Negócios 81

proporções .nas quais se opera a sua troca, isto é o seu


preço, estimulem ou reduzam a produção e o consumo.
dêles, O critério sociaJ sôbre o qual baseamos a nossa.
teoria-do valor objetivo não tem aquí aplicação. Neste
domínio é lícito conformar-se com o conceito subjetivo :
será justo, para os artigos aludidos, o preço sôbre o qual
as partes livremente concordarem, porém com uma con;.
dição : nunca é permitido, para se conseguir um con­
trato vantajoso, explorar a ignorância, a paixão, ou a
leviandade da outra parte contraente.
5.0 - Uma última pergunta pede resposta : aquele
que tem conhecimento de uma circunstância ainda se­
creta, que há de brevemente levantar ou reduzir o valor
de uma mercadoria poderá, sem cometer injustiça, com­
prar ou vender essa mercadoria ao preço do dia?
Exemplos : vender a preço alto mercadorias das
quais uma próxima remessa fará abaixar os preços; ven­
der ações que, por não distribuírem dividendos, vão en­
trar em baixa� comprar a baixo preço mercadorias de
que se espera com certeza o próximo encarecimento.
Todos os moralistas admitem a legitimidade destas
operações, porque enquanto o acontecimento conhecido
somente do vendedor ou do comprador, não modificou
ainda, no lugar onde se faz a transação, o valor atual
da mercadoria, o preço que corre neste mercado é legí­
timo.
Supõe-se, porém, que o especulador de que se trata,
não deve seu segredo às funções qüe desempenha. Um
funcionário público, um administrador de Socied:-.des,

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82 Alberto Müller S. J.

que utilisasse em. seu prot'eito conhecimentos que não


pMe obter, senão graças ao mandato de que é revestido,
nlo pecaria talvez contra a justiça comutativa, · mas- se
tomaria réu de uma falta grave contra suas obrigações
profissionais.
III - Os PREÇOS TABELADOS.

1 - Definições.

Os preços tabelados são aqueles que a própria auto­


ridade pública fixa para certas categorias de produtos,
e impõe aos contraentes a obrigaçãC? de respeitá-los. Po­
deriam também chamar-se preços impostos, mas prefe­
rimos reservar esta denominação ao preço que certos
produtores pretendem impôr aos varejistas, escoadores
de seus produtos, e dos quais trataremos mais tarde.
Muito frequente na Idade Média, a taxação legal
dos preços quasi não se pratica hoje em dia, senão de
modo excepcional':

1.0 - Seja em tempo de grave crise pública, com


o fim de proteger tanto os consumidores, como os pro­
dutores.
a) Os preços máximos são impostos para proteger
os compradores contra a exploração abusiva de
sua penúria pelos vendedores.
b) Os preços mínimos são impostos para assegu­
rar aos produtores a legítima retribuição do seu
trabalho .
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A Moral e a Vida de Negócios 83

A imposiçiW de um preço mínimo é muito rara :


quasi que não se pratica, senão na fónna de salário
mínimo.

2.0 - Seja para poupar ao mercado os inconve­


nientes de flutuações demasiado frequentes dos preços.

2 - Princípios.

Em caso de anormalidade geral nos preços, a inter­


venção da autoridade é plenamente justificada, pois
trata-se de uma medida de salvação pública, que entra
em cheio na esfera da competência do Estado.

Seriamos menos afirmativos, se a ação dos poderes


públicos se exercesse no intúito de procurar uma esta­
bilidade maior dos preços. O fim colimado certamente
é louvável, mas parece-nos mais indicado confiar sua
realização aos agrupamentos profissionais interessados.
Quando a intervenção do Estado é provocada pela
necessidade de remediar a angústia geral, á lei taxando
os preços se impõe em consciência ao respeito de todos
os cidadãos, tanto em virtude da justiça social, como
em virtude da justiça comutativa :

1.0 - Da justiça social, porque se trata de uma


determinação tomada no interêsse comum, a qual todos
os súditos devem obedecer.

2.0 - Da justiça comutativa porque, tendo o legis­


lador fixado oficialmente o valor de uma mercadoria,
ninguém pode exigir por ela um preço superior, sem

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84 Alberto Mül ler S. J .

prejudicar a outra parte, e faltar por isso mesmo à es­


trita justiça comutativa. Esta falta envolve para êle a
obrigação de restituir o que cÕbrou demais.
N. B. - A obrigação de respeitar o preço legal, eví­
·dentemente se deve entender confórrne a intenção do
legislador :
a) Se não é permitido exigir mais que o preço má­
ximo, o vendedor fica livre de vender abaixo
dêste preço.
b) Se não é permitido pagar ur;n preço inferior ao
mínimo legal, o comprador conserva a liberda­
de de pagar mais que êste mínimo.
Todavia, para que a taxação legal se imponha à
consciência dos cidadãos, deve preencher urna condição
primordial : o preço que ela estabelece deve córrespon­
der ao valor da cousa taxada. Com efeito, a lei cons­
tata e define êste valor, mas não o cria. "Todos os
Doutores, observa Molina, são unânimes sôbre êste pon­
to : para que a lei que fixa os preços obrigue no fóro
da consciência, é necessário que ela seja conforme com
a razão e a equidade, e não se afaste dos limites do preço
justo. Cabe sem dúvida ao Príncipe (Estado) refrear
a avareza dos homens e moderar o preço das cousas, na
medida equitativa em que o reclama o bem comum; não
tem, porém, o poder de o reduzir de modo irrazoável,
passando dos limites da equidade, tendo em conta todas
as circunstâncias que naturalmente contribuem a ele­
var êste preço. A autoridade do Príncipe (Estado) não

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A Moral e a Vida de Negócios 85

pode justificar dispositivos contrários à razão e à jus­


tiça." (1)
A esta opinião, que abraçam todos os moralistas,
alguém objetará talvez o direíto que tem o Estado de
sacrificar, em dadas circunstãrtciàs, interêsses particula­
res, às exigências do bem comum.
Reconhecemos ao Estado êste direit�; - mas cmh al­
gumas reservas. Quando a escassez de certo gênero lhe
aumentou o valor objetivo, o Estado pode, por motivos
de interêsse geral, obrigar o vendedor a renunCiar ao
benefício dêste valor extra. Os que tinham em estoque
a mercadoria adquirida anteriormente a preço mais mo­
derado, são obrigados em consciência, a escoá-la ao preço
legal. O sacrifício do valor superior constitui não uma
perda real, mas um simples deixar de lucrar.
É outra cousa, quando o preço legal constrange os
vendedores a cederem a mercàdoria abaixo do preço de
custo. Aí, com efeito, há Uma perda real, que a j ustiça
comutativa proíbe à autorldade infligir a uma categoria
de cidadãos, excluidos todos os outros. Esta medida,
aliás, serviria milito mal ao interêsse geral, porque, bem
longe de pôr remédio à crise, teria antes o efeito de
agravá-la. Produtores e vendedores, antes de sofrer um
prejuízo, preferirão renunciar a produzir ou a ofeFecer
a mercadoria.
Citemos, para apoiar a nossa tese, o juizo autoriza­
do do R. P. Jorge Renard O. P. : "Uma taxação de pre­
ços de venda abaixo do custo, (isto não é uma quimera)

(1) - De Justitia et Jure. Disp. 364, n.0 3.

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86 Alberto MüUer S. J .

é injusta, salvo &e se d á uma compensação equitativa ;


eis o grande P:J:Qblema da taxaçã9. Injusta, pqrque co­
loca o produtor diante de uma impOssibilidade. A lei
impossível, não tem razão de lei : lex illegalis. Enten­
da-se não só a impossibilidade absoluta, a que impediria
o vir constantissimus do direito romano, mas da impos-

sibilidade relativa às disposições concretas do súdito, a
seu estado de vida, a seu comportamento psicológico e
moral, a seu adiantamento na escala da perfeição'' E
o sábio profe.$80r acrescenta : "a indústria não é um
estado de perfeição, nem a agricultura, nem o comércio;
são honrados modos de ganhar a vida; a todos os que
se dedicam a êles é legítimo pedir, como a todos os ci­
dadãos, sacrifícios, em vista do bem público, mas não
mais que aos outros cidadãos. Semelhante exigência
romperia o equilíbrio da justiça; êste modo de imposi­
ção excede o poder fiscal do Estado, em relação a em­
_prêsas e profissões, que o próprio Estado julga tão pro-
veitosas à economia nacional, a ponto de estimulá-las
com seus encorajamentos e prêmios honoríficos . . . e ou­
tros, e de protegê-las pelo seu regime alfandegário. Têm
.pois direito a uma compensação à custa da comunidade,
aqueleS que a taxação não só levaria a trabalhar com
perda, mas ainda a quem impediria um justo lucro, o
qual não é, no fundo, como o justo salário, senão uma
variante do justo preço, e cuja avaliação é da alçada da
estimativa comum". (I)

(1) - Préface au Probleme moral des prix, par V. L. Cha­


meau, p. 15 sv.

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A Moral e a Vida de Negócios 87

Se a - ae�jdade (lo aperto comum, exige que os gê­


neros sej�li} oferecidos a9 púl>lico a um preço inferier
ilo custo da pr9(lução, o Estado deverá :

a) Comprar êle mesmo diretamente dos produto­


res, cobrindo o déficit com um impôsto cobrado
sôbre todos os cidadãos, na proporção de sua
capacidade contributiva.

b) Fazer como o fez, logo depois da outra guerra,


a legislação francesa sôbre os aluguéis, conce­
dendo aos proprietários lesados uma compen­
sação pelo dano sofrido.

IV - o CÂMBIO N:IDRO.

Quando, por razões que acabamos de expôr, o preço


oficial, inferior ao justo preço, não se impõe em cons­
ciência ao respeito dos vendedores, êstes conservam o
direito de escoar as suas mercadorias, em condições mais
equitativas. Aliás, não se fazem de rogados, e como não
podem fàcilmente desafiar a lei abertamente, levam seus
produtos e suas mercadorias a um mercado clandestino,
o famoso câmbio negro.

Frequentar o câmbio negro não é, pois, necessària­


mente cousa ilícita; mas, não será insistir demais, as
transações nêle efetuadas, ficam sujeitas à lei do justo
preço. Os que oferecem seus produtos ou seus gêneros
não podem reclamar seja que preço fôr. O que exi­
gem, deve corresponder ao valor objetivo da mercadoria.

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88 Alberto Müller S. J.

Mas como se há de determinar êSte valor objetivo?


"Problema delicado, que o moralista não pode resolver
de modo absolutamente preciso. Quando muito, êle
pode pôr em relevo os principais elementos sôbre os quais
um vendedor honesto é autorizado a fundar sua apre­
ciação.
Mas, é aquí sobretudo, que é preciso apelar para a
consciência dos interessados. Toca a êles verificar, com
toda a lealdade, em que medida as circunstâncias que
mencionamos influem realmente sôbre o valor do seu
produto. Eis os pontos : principais, que merecem ser
tomados em consideração :
a) As mudanças que se deram nos elementos cons­
titutivos do valor : a utilidade e a escassez.
b) A diminuição do poder aquisitivo da moeda,
que revela o encarecimento do custo da vida.
Ninguém censurarã o negociante ou o fabrican­
te por trocarem seu produto por outro, na mes­
ma proporção em que o fazia, antes da depre­
ciação da moeda. Se êles decompõem a ope­
ração, trocando seu produto por dinheiro, por­
que havemos de contestar-lhes o direito de
reclamarem a quantidade de dinheiro que lhes
permitirá adquirir tanto quanto teriam obtido
pela troca diréta?
c) O aumento do custo da produção ou da aquisi­
ção, assim como o preço do reemprêgo e do rea­
bastecimento.

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A Moral e a Vida de Negócios 89

d) A diminuição do movimento· de negócios e do


·volume das transações, qu e fazem pesar sôbre
UlÍl número menor de operações as despesas
gerais menos elásticas.
e) Os azares aos quais o vendedor e o produtor es­
tão expostos, pelo efeito das circu·nstâncias
anormais, que provocaram a taxação legal dos
· preços : riscos de guerra, sequestros e requisi-
ções, penalidades infligidas por contravenções
que a moral desculpa, etc.
Cuidado, porém : todas estas circunstâncias, se au­
torizam uma maj or�ção sôbre os preços tabelados, fixam
também os limites, que não se podem exceder sem faltar
à justiça.
Devemos contudo confessar que os elementos diver­
sos que acabamos de enumerar são bastante indetermi­
nados. Cada pessôa deve, em toda a consciência e leal­
dade, vêr quanto pesam na balança, em cada caso.

Observações complementares.

1 ;0 - Pode o vendedor aceitar o preço exagerado,


que lhe oferece espontâneamente o comprador, desejoso
de adquirir a mercadoria tornada rara?
a) Se o preço exagerado é oferecido par um cliente
que imperiosamente necessita da mercadoria,
não se deve considerar êste oferecimento corno
espontâneo : o vendedor não tem o direito de
aceitá-lo.

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90 Ãlberto Müller S. J.

b) Se a oferta é realmente espontânea, feita por


especuladores, que têmo<-certeza; de revenderem
com larga margem de lucro, o vendedor pode
agir dos três modos seguintes, à sua escolha:

1 - Despedir o especulador, e reservar sua merca­


doria para clientes que mft.i.s o interessem. Esta é a
melhor solução.

2 - Reduzir o preço ao nível que a justiça aprova.


Atitude honesta, que não é recomendável, porque não
servirá senão a aumentar os lucros ulteriores do espe­
culador, o qual não há por isso de reduzir o preço ao
qual espera revender a mercadoria.

3 - Aceitar o preço oferecido, mas consagrar o lu­


cro exagerado à caridade, fornecendo gratuitamente, ou
a preço reduzido, aos clientes necessitados.

2.o - Como se deve apreciar o ato do comprador


que oferece espontâneamente um preço exagerado?
a) :tste ato é excu�ável em um comprador que
procura assim obter os gêneros indispensáveis
à sua subsistência e à dos seus.
b) É inexcusável no cliente rico, que entende não
se privar de cousa alguma, no seu modo de
viver. t:ste cliente falta à justiça social e à
caridade.

Um negociante conta com uma alta, no câmbio ne­


gro, da mercadoria tabelada : tem êle o c:Ureito de con­
servá-la em estoque, com o fim de dar-lhe saída, depois,
a preço mais vantajoso?

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A Moral e a Vida de Negócios 91

a) Esta polític a não se pode j ustificar nos produ­


tores e negociantes, cuja profisSão é abastecer
o público de certas categorias de gêneros A .

sua profissão é mais que um modo de g�nhar


a vida, é uma função social, que devem cum­
prir de maneira a melhor servir aos interêsses
da �oletividade .

b) Merecem maior indulgência pessôas particula­


res, que acumulam pequenas reservas de gêne­
ros (açúcar, café, tabaco, arroz, etc.) , que ten­
cionam revender mais tarde com lucro apreciá­
vel. Esta prática não é capaz de influir no
preço das mercadorias citadas. Estas modestas
especulações serão ainda mais desculpl\veis, se
têm por fim restabelecer o equilibrio do seu or­
çamento, comprometido pela crise.

V - PREÇO INJUSTO OU LUCRO EXAGERADO.

Na anarquia atual dos preços e no cáos dos merca­


dos, os elementos que indicamos, por mais que se pesem
conscienciosamente, não darão aos negociantes honestos
e probos, senão soluções muito aproximadas. O j uizo
que fazem sôbre o valor de suas mercadorias só terá ca­
ráter de conjectura e de provisório. Somente no fim do
exercício é que poderão verificar se êste j uizo era cor­
reto, e se o preço pedido estava de conformidade com a
justiça. Por conseguinte, a apreciação do lucro reall­
zado é que servirá de critério seguro da justiça ou da

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92 Alberto Müller S. J.

injustiça dos preços. Se o lucro realizado se conserva


normal, não haverá por que inqu,ietar a consciência dos
vendedores, ainda quando suas exigências foram além
dos limites traçados pela taxação legal.
Pelo contrário, quando se verificar que o lucro foi
exagerado, concluir-se-á que houve um excesso perce­
bido, que o vendedor não está autorizado a· conservar, e
que deve restituir, seja a seus clientes, seja aos pobres.
Notemos, contudo, que um lucro anormalmente ele­
vado não é necessàriamente um lucro exagerado.
De fáto, o lucro unitário, isto é, realizado sôbre cada
unidade vendida, resulta da diferença entre o preço da
aquisição ou da produção e o preço de venda da merca­
doria. Ora, há dois meios de alargar esta margem :
a) O primeiro consiste em reduzir o custo; êste
processo em nada prejudica a comunidade;
muitas vezes até lhe é positivamente vantajoso,
pois prepara para um prazo mais ou menos
breve, a baixa do preço corrente da mercado­
ria. O lucro suplementar que dêle resulta não
suscita nenhuma objeção, e quem consegue
realizá-lo pode considerá-lo como a justa retri­
buição do seu trabalho industrioso.
b) O segundo meio consiste em levantar, sob o fa­
vor de certas circunstâncias, o preço acima do
curso legal. Daí resulta �rdinàriamente um
prejuizo para os consumidores, e o aumento de
luçro que produz parece. justam.ente suspeito.

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A Moral e a Vida de Negócios 93

É_ óbvio que um lucro anormal, provenie11te só


do volume das transações, sem modüicação do
lucro unitário, _ não dá motivo a objeção alguma.

VI - Os PREÇOS IMPOSTOS.

O Estado não é o único a fixar os preços aos quais


se hão de vender certas mercadorias (preços tabelados) .
A iniciativa parte igualmente, para certos artigos em
evidência, dos produtores, que impõem aos varejistas e
aos atacadistas o preço ao qual o seu produto deve ser
distribuído (preços impostos) .
Até que ponto atacadistas e varejistas são obriga-_
dos moralmente a respeitar os preços impostos?
O fabricante de um artigo, cuja marca garante a
qualidade, pretende defender-se contra o prejuízo que
lhe causaria o barateio do preço do seu artigo. 1:ste
prejuízo é incontestável. Quando, com efeito, um re­
vendedor cede um artigo de marca a preço inferior ao
normal, seus concorrentes, com ou sem vontade, fazem
o mesmo. Obrigados então a renunciar ao lucro legíti­
mo que esperavam da venda dêste artigo, os distribui­
dores renunciam a oferecê-lo aos consumidores. Coin
isto, o produtor vê-se impossibilitado de dar saída a seu
produto, e sua marca fica desvalorizada. Para prevenir­
êste abuso, êle costuma impôr a seus atacadistas e aos
varejistas o preço mínimo ao qual lhes será permitid(}
vender o artigo. Fazendo isto, êle não visa um lucro,
mas tão somente proteger eficazmente sua marca. A

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Alberto Müller S. J .

medida seria desproVida de tOda eficácia, se não viesse


acompanhada de rigorosa san�io, a recusa de abastecer
por mais tempo os que não consentem em respeitar o
preço imposto.
Legitimidade do preço imposto.
Por muito tempo, contestou-se aos fabricantes o di­
reito de impôr o preço ào qual seria vendida sua mer­
cadoria, e pôs-se em dúvida a legitimidade das sanções
cominadas contra os que desprezassem sua vontade.
O distribuidor, di:ziam, comprando ao produtor a
mercadoria, adquiriu a plena propriedade dela e dêsde
então a revende às condições que bem entende. O pro­
dutor não pode exercer sôbre a mercadorja que vendeu
um direito ulterior de seguí-la e fiscalizá-la. Certamen­
te não se pode contestar ao distribuidor o exercício de
um direito de propriedade sôbre o objeto adquirido por
êle. Mas êste direito não autoriza atentado contra o
direito alheio, .no caso, o direito do produtor sôbre sua
marca : do legislador êle recebeu um direito de proprie­
dade sôbre ela, que não pode ceder. Vendendo êste ar­
tigo, êle não renunciou ao direito que têm sôbre sua
marca, e dêste direito, êle assume m:ui legitimamente a
proteção. Tentou-se ainda defender a causa do bara­
teio, em nome dos consumidores particularmente inte­
ressados nele. Isto seria esquecer que o vendedor bara­
teiro se importa geralmente pouco com o interêsse dos
consumidores, e que sabe, de fórma engenhosa, retornar
de outro jeito o sacrifício aparente a que consentiu. Gra­
ças a êste modo de reclame, êle espera compensar-se com

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A Moral e a Vida de NegóciOi 95

a alta dos outros produtos que vende e afinal o consu­


midor nada ganhou nesta operação.

Conclusão.

A política dos preços impostos é, portanto, plena­


mente j ustüicada. Muito legitimamente o produtor de­
fende sua marca. Se o preço imposto corresponde real­
mente ao valor do produto, o distribuidor tem obrigação
moral de respeitar a ordem que lhe dá o fabricante, e
se fôr infiel ao compromisso implícito ou explícito que
subscreveu, incorre muito justamente na sanção que lhe
é infligida.
Se, porém, o preço imposto excedesse aos limites do
justo preço, o ato do barateiro teria uma desculpa le­
gítima.
É verdade que por longo tempo, a nossa j urispru­
dência (belga) imbuida do preconceito da liberdade ab­
soluta do revendedor, recusou admitir a legitimidade dos
preços impostos. Desde alguns anos, porém, ela come­
çou a ter uma idéia mais exata da situação real e tende
daqui em diante a apoiar, com sua autoridade, a polí­
tica dos preços impostos.

VII - 0 PAGAMENTO.

O justo preço convencionado deve ser efetivamente


pago.

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96 Alberto Müller S. J:

1.o -Quando não se fixou nenhum praz-o para o


pagamento , o comprador está obrigado a liquidar seu
débito dentro de prazos razoâveis ou usuais. Se êle df­
ferir exageradamente a execução de sua pbrigação, cau­
sa um real prejuizo ao vendedor. :S:ste, corn efeito, ver­
-se-á muitas vezes obrigado a tomar emprestado com
juros os fundos de que precisa para continuar com seu
negócio.
Os devedores negligentes se tornam amiudo culpa­
dos de verdadeira injustiça, que devem em consciência
reparar.
2.o - Quando o vendedor consente em prazos de
pagamento mais ou menos longos, êle têm o direito de
elevar o seu preço, em proporção às despesas suplemen­
tares que êste crédito lhe acarreta.
Há certos compradores habilíssimos, que não hesi­
tam em recorrer a mil chicanas a respeito da mercado­
ria, para levar o vendedor a fazer um abatimento sôbre
o preço convencionado, de preferência a retomar a mer'­
cadoria não aceita.
Esta manobra pode às vezes ser muito vantaj osa,
mas deve ser condenada, salvo se as objeções do compra­
dor são realmente fundadas.
Outra fraude consiste em declarar-se incapaz de
pagar integral;rnente a soma devid a, colocando o vende­
dor na alternativa de aceitar um preço menor, ou de
recorrer aos tribunais, cousa longa e - custosa. O con­
sentimento arrancado dêste modo ao vendedor não pode
certamente liberar a consciência do comprador_
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A Moral e a Vida de Negócios 97

VIII - A FRAUDE SÔBRE A QUALIDADE E A QUANTIDADE.

Exigindo a justiça comutativa a equivalência das


prestações, o valor da mercadoria entregue deve corres­
ponder ao do preço pago. O vendedor não respeita esta
exigência, quando entrega uma mercadoria inferior em
qualidade ou em quantidade à que êle se comprometeu
a entregar. A fraude sôbre a qualidade e a quantidade
das mercadorias, em certos ramos de negócios, é prati­
cada em grande escala. Como deve ser julgada?
1 .0 - O vendedor pratica esta fr�ude para reali­
zar um lucro maior. Há nela uma inj ustiça manifesta,
que traz consigo a obrigação de restituir o que foi rece­
bido a mais.
2. o O vendedor aliciou o comprador, oferecendo
-

a mercadoria a preço menor do normal, e para não ven­


der com prejuízo, entrega menor quantidade ou de qua­
lidade inferior às que foram contratadas. Se a merca­
doria efetivamente corresponde ao preço pago, o com­
prador não é prejudicado, e a equivalência das prestações
foi respeitada. Mas o vendedor se arrisca a enganar a
bôa fé do comprador, e a desmanchar seus cálculos,
quando lhe entrega unia mercadoria de qualidade infe­
rior : esta qualidade inferior pode comprometer perigo­
samente o uso que dela o comprador pretende fazer.
Neste caso, há um prej uízo certo, e obrigação de resti­
tuir. Além disso, o vendedor se torna culpado para com
seus confrades de uma concorrência desleal, e pode ser

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98 Alberto Müller S. J.

eventualmente obrigado em justiça a reparar o dano


que lhes causou.
3.o - A concorrência pode ter forçado os produto­
res e os vendedores a abaixar os preços fóra do normal.
Para não vender com perda, êles reduzem a quantidade
ou a qualidade da mercadoria entregue. Neste caso,
não se deve censurar um negociante honesto, que s�
conforma com êste uso, quando se tornou geral, con­
tanto que a mercadoria que entrega corresponda de fáto
ao preço · que cobra; nesse caso o comprador não é lesa­
do e não pode exigir mais do que recebeu.
Citemos a êste propósito o abuso muito comum, que
reina em certos mercados no comércio do carvão : o
preço da tonelada imposto pela concorrência, não cor­
responde senão a 900 quilos. O negociante honesto que
exigisse o preço normal de uma tonelada seria fatal­
mente excluído, e nã') poderia, sem arruinar-se, forne­
cer a mercadoria na quantidade convencionada, ao preço
corrente. Não se pode censurá-lo por reduzir a quan­
tidade fornecida, na estrita medida exigida para que
possa cobrir suas despesas e realizar um moderado lucro.
Observação importante : o que acabamos de dizer
é uma simples tolerância : não é um conselho. Daí re­
sulta que :
a) Para que possa aproveitar-se desta tolerância,
o vendedor deve estar certo de que a fraude
sôbre a quantidade ou a qualidade constitui
um uso muito geral, e que o comércio nas con-

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A Moral e a Vida de Negócios 99

dições regulares se tornou pràticamente impos­


sível.
b) Deve estar pronto a colaborar com todas as me­
didas de saneamento propostas pelos comer­
ciantes honestos.
c) Por meio destas práticas declaradas toleráveis,
em qualquer caso só se pode procurar o lucro
legítimo.
d) Só se deve recorrer a êstes processos a contra­
-gosto, conservando sempre a disposição de ser
o mais correto possível, persuadindo-se que afi­
nal a honestidade é sempre a melhor das polí­
ticas.
N. B. - Há casos em que a quantidade e a quali­
dade não são estritamente determinadas, e onde o uso
admite certas tolerâncias : um vendedor hábil sabe apro­
ventar-se destas tolerâncias, para aumentar seu lucro.
Exemplo : O papel de embrulho pesado com a mer­
cadoria (carne, manteiga, etc. ) ; a humidade que au­
menta o pêso da mercadoria (tabaco, chi�órea, etc.) ; o
número de fósforos que contêm uma caixa. O lucro
assim realizado sôbre cada venda é mínimo, mas em
um número grande de operações, êle representa uma
soma muito apreciável.
Sem recomendar tal prática, não ousamos conde­
ná-la ·como positivamente injusta. O comprador não
ignora que a embalagem e a humidade reduzem o pêso
líquido da mercadoria que lhe é entregue, não reclama
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1 00 Alberto Müller S. J .

um número certo de paus em uma caixa de fósforos.


Considera aliás como desprezível o mínimo prejuizo que
lhe causam estas práticas. É óbvio que sua tolerância
tem limites, e que retiraria sua confiança ao vendedor
que fizesse uma embalagem exageradamente pesada, que
aumentasse o gráu da humidade da mercadoria, ou di­
minuisse indevidamente o número de fósforos de uma
caixa.

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CAPÍTULO IV

OS AGEN'l'ES COMERCIAIS

1 - Observações preliminares.

As multiplicações constantes das operações comer­


ciais, e a extensão crescente do mercado, não permitem
mais, atualmente, aos produtores entrar em relações di­
rétas com seus clientes. 1:les devem necessàriamente
recorrer aos serviços de intermediários pagos, que lhes
procurem negócios, lhes recrutem novos clientes, lhes
abram novas fontes de abastecimento, e espalhem pela
praça a sua propaganda. Estas diversas atividades
criaram profissões ou funções especializadas : de comis­
sários, de corretores, de agentes de câmbio, de represen­
tantes, de viaj antes comerciais, etc. Entre o comer­
ciante e êstes auxiliares nascem relações jurídicas e obri­
gações morais de que importa dizer uma palavra.
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102 Alberto Mül ler S. J.

2 - Comissários e Comissão. (1)

O comissário trata e m seu próprio nome das com­


pras e das vendas, por conta do seu comitente, o comer­
ciante. Põe à disposição dêste o conhecimento que tem
das mercadorias, dos fornecedores e dos clientes, das
condições particulares da praça em que opera.
Agindo em seu próprio nome, êle inspira à outra
parte uma confiança a que o comerciante, afastado de­
mais ou pouco conhecido, não pode pretender. Como
remuneração de seus serviços, o comissário recebe uma
comissão, calculada em certa porcentagem sôbre o total
da operação. Se, além disso, êle garante a seu comi­
tente a execução do contrato, tem direito a uma retri­
buição especial, a comissão de comissário responsável. (2)
O comissário contrai obrigações para com os ter­
ceiros e para com seu comitente.
1.o Para com os terceiros com quem conclui ne­
-

góciós (venda, compra, etc.) êle assume todas as obri­


gações que resultam . da própria natureza do contráto
concluído com êles : pagamento de justo preço, entrega
da mercadoria, etc.
2.o Para com seu comitente, está obrigado a
-

cumprir os compromissos em que importa o contráto


de comissão.

( 1 ) - Cód. Comercial Brasileiro - arts. 165 a 190.

(2) - Cód. Comercial Brasileiro - art. 179.

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A Moral e a Vida de Negócios 1 03"

a) Deve conformar-se com as ordens e diretivas


de seu comitente; responde perante êle por to­
dos os atos que forem além destas ordens ou
diretivas. Se fôr consignatário, isto é, se o co­
mitente lhe mandou mercadorias para vender
(comissão, consignação) , o comissário deve
cuidar delas como prudente mercador : êle res­
ponde perante o comitente, pelas suas even­
tuais negligências. ( 1 )
b) O comissário não pode, em geral, constituir-se
a si mesmo contra-parte do seu comitente; quer
dizer que não pode por si ou por outra pessôa,
fazer-se comprador ou vendedor das mercado­
rias que, por mandato de seu comitente, deve
comprar ou vender. Pode-se derrogar a êste
princípio, por uma expressa convenção entre o
comitente e o comissário. Neste caso, para as
operações nas quais êle é contra-parte, deixa
de funcionar como comissário.
c) o comissário não pode procurar para si, lucro
pessoal nas operações que conclui por conta do
seu comitente : a comissão é a retribuição ade­
quada a seus serviços. ( 2 )
Deve-se, pois, condenar o sistema da dupla
fatura : o comissário (corretor) vende a um

(1) - Cód. Comercial Brasileiro - arts. 168 e 1 69.


(2) - Cód. Comercial Brasileiro - art. 1 86.
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1 04 Alberto Müller S. J.

preço mais elevado do que o declarado por êle


ao cornitente, ou compra a um preço inferior
àquele que se faz reembolsar pelo cornitente.
Deve restituir a êste a diferença de que se apos­
sou indevidamente.

d) O comissário deve remeter ao comitente 'üm re­


latório exato de todas as operações que con­
cluiu por êle.
A comissão constitui a remuneração dos serviços
do comissário. O seu quantum é determinado, quer por
uma convenção formal, quer pelos usos da praça : cal­
cula-se geralmente em percentagem sôbre o produto
bruto da operação.

O comissário tem, além disso, o direito de ser reem­


bolsado das despesas que foi obrigado a fazer na exe­
cução das ordens do seu comitente. A conta desta des­
pesa dá muitas vezes campo para abusos que não se
podem j ustificar. Com efeito, o comissário põe às vezes
na conta do comitente despesas imaginárias, que justi­
fica por meio de faturas indevidamente majoradas. :S:ste
procedimento deve ser absolutamente condenado.

Merece mais indulgência o caso em que o comissá­


rio não conta, em favor do comitente, certos abatimen­
tos e bonificações que o cliente lhe concedeu a título
pessoal. De fáto, neste caso, o cliente não quís favore­
cer o comitente, mas sim o próprio comissário.
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A Moral e a Vida de Negócios •1 05

3 - Corretores e Corretagem.

O corretor não faz negócios em seu próprio nome,


mas se põe de permeio entre os negociantes, colocando­
-os em contáto. uns com outros, para levá-los a fechar
um negócio. Recebendo diàriamente ofertas e pedidos
de mercadorias, é-lhe fácil achar a cada vendedQr ou
-comprador a contra-parte desejada. t:ste serviço lhe
vale, a título de retribuição, uma corretagem, calculada
em percentagem sôbre o quantum da operação.

Além dos corretores de mercadorias, existem corre­


tores de seguros, corretores marítimos (navios, frétes) ,
corretores de imóveis, corretores ou agentes de câmbio;
vamos consagrar um parágrafo especial às obrigações
que incumbem a êstes últimos.

o corretor, simples intermediário, é mandatário da­


·quele que recorre a seus serviços : deve portanto tomar
a peito os interêsses do seu mandante, sem nunca sacri­
_
ficar sua defesa a considerações de vantagens pessoais.

Sua posição de intermediário pode colocá-lo às vezes


.em uma situação delicada, entre os interêsses opostos
das duas partes, que êle põe em presença uma da outra :
vendedor e comprador, aquele que toma e aquele que dá
.o seguro, etc. A j ustiça exige então que cuide antes de
tudo de defender os interêsses de quem o encarregou de
lhe achar uma contra-parte.

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1 06 Alberto Müller S. J.

Não se pode admitir nesta matéria a prática da.


compra-opção, (1) que tende a introduzir-se no comér­
cio de imóveis. Certos corretores ou agentes imobiliá­
rios, incumbidos pelo proprietário de lhe achar um com­
prador para um imóvel, se fazem a si mesmos compra­
dores à opção por um preço determinado (200 . 000 fran­
cos por ex. ) . Se acham depois um amador pronto a pa­
gar um preço superior (300 . 000 francos por ex.) , ven­
dem-lhe o imóvel a êste preço majorado. Mas, sob o
pretexto de reduzir as despesas de transmissão, mandam
passar a escritura de venda diretamente do primeiro
proprietário ao comprador ao preço de 200 . 000 francos,
e guardam para sí a diferença. Se não conseguem sair­
-se bem de sua especulação, limitam-se a renunciar à
opção e a pagar uma leve multa. Há nisto um mani­
festo abuso de confiança.

O corretor tem direito à corretagem, logo que foi


concluída a operação entre as partes. O mandante não
Jhá pode recusar, sob o pretexto de que mais tarde o
contráto concluído foi rescindido de comum acôrdo oU­
por decisão judiciária.

(1) --Não existe termo próprio para essa prática. O que·


se dá é o seguinte. O corretor obtem opção que lhe dá direito
á comissão e á diferença de preço. acima do fixado pela parte.
No Brasil, pelo menos, é comum tal prática e as opções que con­
têm tal direito têm fôrça contratual. Pode ser usado o termo:
compra-opção.

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A Moral e a Vida de Negóc ios 107

4 Agentes de câmbio.

O agente de câmbio é um negociante especializado


no negócio dos valores mobiliários (moedas, letras de
câmbio, fundo� púbHcos) . Êle pode praticar estas ope­
rações sob três títulos :
1 .0 -Como comissário, agindo em nome próprio,
mas por conta de um comitente.

2.o - Como corretor, quando sua atividade se limi­


ta a procurar a seu cliente uma contra-parte. Então
não é mais que um simples intermediário, e não tem
outra responsabilidade, _que a prevista pelo art. 68 da
lei de 1867 : "Os agentes de câmbio e corretores são
civilmente responsáveis pela veracidade da última firma
das letras de câmbio ou outros valores que nego­
ceiam" (1)
3 . o - Como mandatário, quando age e m virtude
dum mandato e em nome do màndante, por conta de
quem opera, e desde então, êle se acha livre de toda
responsabilidade para com os terceiros com quem con­
tratou.

(1) Art. 55 Cód. Com. Brasileiro - "Ainda que em


'
- -

geral os corretores não respondam, nem possam constituir-se


responsáveis pela solvabilidade dos contraentes, serão contudo
garantes nas referidas negociações da entrega material do título
ao tomador e do valor ao cliente, e responsàvel pela veracidade
da última firma, de todos e quaisquer papéis de crédito por via
dêles negociados, e pela identidade das pessôas que intervieram
nos contratos celebrados por sua intervenção".

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1 08 Alberto Müller S. J.

Como o agente de câmbio opera as mais das vezes


como comissário, as obrigações a que êle está suj eito em
função dêsse título hão de reter, antes de tudo, a nossa
atenção. A deontologia dos agentes de câmbio mere­
ceria um trato inteiro : só podemos nos demorar aquí
sôbre os princípios que regem a matéria.

1 Para com a contra-parte à qual êle vende ou


-:--

compra valores mobiliários, o agente de câmbio está li­


gado pelas regras do direito comum em matéria de com­
pras e vendas. Quando opera na Bolsa, a contra-parte
é necessàriamente outro agente de câmbio, e suas tran­
sações estão sujeitas à legislação especial, que rege as
operações de Bolsa.

2 Para com seu comitente, o agente de câmbio


-

assume as seguintes obrigações :


a) Deve conformar-se com as instruções que rece­
be dêle, e tomar a peito os interêsses do seu
comitente. Se êste confia uma ordem de Bolsa
a executar "ao primeiro pregão", é a êste pre­
gão que deve vender ou comprar. Se a ordem
fôr a de executar "ao melhor" , êle deve inspi­
rar-se no melhor interêsse do seu cliente. Não
tem direito de revelar à contra-parte o nome
do seu comitente; é-lhe interdito constituir-se
contra-parte do seu cliente ou de executar a
.ordem por compensação.
b) Deve sem demora avisar seu cliente da exe­
cução da ordem recebida e prestar-lhe uma

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A Moral e a Vida de Negócios 1 09

conta exata da operação. Houve um tempo


em que a seguinte prática passava como uso
corrente em certas praças : muitos agentes de
câmbio, j ulgando sua comissão insuficiente­
mente remunerada, recorriam a diversos pro­
cessos para aumentar a sua remuneração; re­
latórios inexatos sôbre o pregão a que a o�dem
fôra executada, alteração da data a começar
da qual os juros estavam lançados na conta,
etc. Estas manobras, que achavam talvez uma
desculpa razoável na insuficiência da comissão,
no uso, até mesmo no consentimento tácito dos
clientes, não parece mais tolerável hoje em dia,
depois da revisão por que passou a tabela ofi­
cial das comissões.
3- É-lhe proibido, dispôr, sem o consentimento do
cliente, dos títulos adquiridos por conta dêste último, e
cuja custódia lhe é confiada, fóra o caso em que a lei o
autoriza a revender os títulos por conta de um cliente
que deixou de pagá-los.
4- Nas condições atuais da vida econômica, o cor­
retor tornou-se, em muitos casos, o conselheiro de seus
clientes, os quáis o consultam sôbre os títulos a realizar
ou adquirir, sôbre o valor dos títulos oferecidos em subs­
crição, sôbre a constituição ou a gestão de sua carteira,
etc. O ag·ente deve desempenhar-se desta delicada mis­
são, com todo o cuidado e prudência que mostraria na
administração do seu próprio patrimônio. Nunca uma
consideração de vantagens pessoais o deve induzir a

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1 10 Alberto Müller S. J .

aconselhar a seus clientes uma operação que seria pre-­


judicial aos interêsses dêles.
Vale a mesma observação, quando se trata de subs­
crições em favor de sociedades ou emprêsas novas. As
sociedades emitentes oferecem aos agentes de câmbio
uma comissão sôbre cada título que conseguirem fazer
subscrever. O "quantum" desta comissão é de ordiná­
rio em sentido inverso do valor real dos títulos lançados.
Muitos agentes de câmbio, seduzidos pela isca de uma
forte comissão, descriteriosamente aconselham a seus
clientes a que subscrevam a emissão, sem tomarem o
trabalho. de estudar seriamente o valgr objetivo, e as
probabilidades de êxito da emprêsa que recomendam.
Guardem-se igualmente os agentes de câmbio de
encorajar, nos seus clientes, a paixão do j ôgo, que os
leva a pedirem à especulação bolsista lucros fác�s e, as
vezes, ilusórios. Isto nos leva a dizer uma palavra sô­
bre o decreto régio de 15 de Outubro de 1934.
Por muito tempo, especuladores cujas previsões
acabavam de ser desmentidas pelos fatos, tentavam fur­
tar-se às consequências do seu engano, alegando a seus
mandatários a exceção do jôgo, prevista pelo art. 1 . 965
do Código Civil. :&:ste expediente, cuja oportunidade era
muito discutível, lhes foi tirado, em parte pelo menos,
pelo decreto de 15 de Outubro de 1934. Segundo êste
decreto, o que deu uma ordem de compra ou de venda
a prazo dos títulos cotados na Bolsa, é obrigado a entre­
gar, a título de penhor( ao agente de câmbio ou ao ban­
queiro que incumbiu de executar ou fazer executar a

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A Moral e o Vida de Negócios 111

ordem, um sinal igual pelo menos à quarta parte do


valor da operação, e que não pode, em nenhum caso,
ser inferior a dois mil francos: O que deu a ordem, em
nenhum caso, pode reclamar o benefício do art. 1 . 965.
De outra parte, nenhuma ação legal cabe ao agente de
,c âmbio que deixou de reclamar êste sinal. :mstes dis­
positivos legais põem um têrmo à controvérsia levanta­
da a respeito da exceção de jôgo. Resta todavia saber,
se o que deu a ordem e não deu garantia, sendo portan­
to a coberto de qualquer ação da parte do agente de
.c âmbio, pode em consciência, prevalecer-se da imunida­
de legal que lhe é concedida. Não o pensamos. Os au­
tores do Cód. Civil, e depois dêles, o do decreto régio
de 1934, parece que não entenderam ferir de nulidade o
contráto de j ôgo ou a especulação, mas, conscientes do
prejuízo social do jôgo ou da especulação desenfreada,
.quiseram antes impedir a contra-parte ou o agente de
câmbio, de se tornarem cúmplices interessados nesta
paix.ão, por êste motivo, lhes negaram toda a ação legal
.contra o jogador. A seus olhos, êste último não deixa
por isto de ser ligado por uma obrigação natural de
honrar seus compromissos. Prova-o a determinação do
art. 1 967 do C. Civ. : "Em caso algum, o que perde
.

pode reclamar o que j á pagou voluntàriamente, salvo


se houve da parte de quem ganhou, fraude, dôlo ou ve­
lhacaria". ( 1 )

(1) -CÓd. Civil Bras. art . 1 . 477


- "as dívidas d e jogo
-

cu aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar

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1 12 A l berto Mül!er S. J .

5 - Outros intermediários.

Muitas outras pessôas ainda se interpõem entre o


vendedor e o comprador, a título de auxiliares. Citemos
os agentes ou representantes de comércio, os viajantes,
os mascates revendedores, os 'prepostos, os procuradores.
Êstes auxiliares do comerciante podem divider-se em
duas grandes categorias :
1 .0 eis q1,1e, não tendo comprometido toda a sua
-

atividade no serviço do comerciante, a exercerem de


modo independente. É o caso geralmente dos agentes
de negócios, dos agentes comerciais, e dos representan­
tes de comércio que, operando em nome e por conta de
outrem, são considerados como mandatários assala­
riados.
2. o
Os que trabalham sob a fiscalização e as or­
-

dens pessoais do comerciante, e devem ser considerados


como seus empregados : viajantes, revendedores, pre­
postos ou gerentes de sucursais, procuradores.
I Os agentes comerciais ou representantes de
-

comércio independentes são, dissemos, mandatários.


Assumem, portanto, todas as obrigações derivadas do
contráto de mandato :
a) O agente independente, não tendo alugado seus
serviços a seu mandante, dispõe, sem dúvida,

a quantia, que voluntàriamente se pagou, salvo se foi ganha por


dôlo, ou .se o perdente é menor ou interdito".
Vej a-se ainda o parágrafo único do mesmo artigo e os ns.
1 . 47 8 e 1 . 47 9.
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A Moral e a Vida de Negócios 113

de sua atividade, exerce-a a seu talante; pode


dividí-la entre vários mandantes não concor­
rentes. Mas, na medida em que desempenha
seu mandato, deve fazê-lo, servindo, o melhor
que puder, os interêsses daqueles que repre­
senta.
b) Deve dar exata conta a seu mandante de como
cumpriu o mandato. Não tem o direito de
constituir-se em contra-parte do mandante,
salvo convenção em contrário. Não lhe é per­
mitido realizar um lucro pessoal sôbre as ope­
rações que conclui por conta do seu mandante,
vendendo a um preço superior ao que leva na
conta entregue ao mandante, e retendo para sí
a diferença.
A retribuição do agente comercial. é constituída pela
comissão que lhe cabe sôbre cada operação realizada por
conta do mandante. Esta comissão é calculada em por­
centagem sôbre o total da operação e, de ordinário, está
garantida ao agente, mesmo quando o cliente dirige di­
retamente suas · encomendas ao mandante. �ste não
tem, pois, o direito de defraudar o agente do lucro das
comissões devidas sôbre as vendas feitas diretamente ao
cliente.
Quando o mandante prometeu a seu agente comer­
cial a exclusividade da representação num setor deter­
minado, ou numa particular esfera, está obrigado a res­
peitar êste compromisso. Não pode confiar a outros a
missão de recrutar clientes nesse setor ou nessa esfera.

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114 Alberto Müller S. J.

II Regras análogas aplicam-se aos empregados


-

que representam o comerciante :

a) Tendo ·cedido, a serviço dêste último, a totali­


dade de sua atividade, êles devem, salvo con­
venção em contrário, empregá-la inteiramente
em seus interêsses, ao menos durante as horas
de trabalho pelas quais são remunerados.

b) Não lhes é permitido procurar vantagens pes­


soais, porque o fruto da sua indústria pertence
todo àquele que os emprega. Teremos de vol­
tar ulteriormente sôbre êste ponto, ao tratar­
-mos das comissões e gorgetas.

c) Não podem, evidentemente, servir-se de suas re­


lações com a clientela, para orientá-la a favore­
cer os concorrentes do seu empregador. A re­
tribuição dêstes empregados é constituida, quer
por ordenado fixo, quer por comissões, quer
ainda por uma combinação dêstes dois modos
de remuneração. O patrão está obrigado a
respeitar os compromissos que tomou nêste
ponto. Um caso- real : um viajante solicita do
seu patrão a autorização de conceder uma re­
dução de preço a um cliente, que põe esta re­
dução como condição de compra. O patrão
recusa, mas toma depois a cousa em suas mãos,
e conclui a venda com esta redução. 1lle con- .
testa, porém, ao viajante todo direito a uma
comissão sôbre esta operação, que negociou

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A Moral e a Vida de Negócios 1 15

pessoalmente. �ste procedimento não é so­


mente mesquinho : é injusto.
Em se tratando de viajantes, o contráto de emprêgo
prevê ordináriamente um abono especial para despesas
de viagem. O desconto destas despesas levanta certos
problemas de moral. É o viaj ante autorizado a econo­
mizar sôbre o abono que lhe é concedido? Pode êle pôr
na conta despesas que não fez? Eis a nossa resposta :
1. 0 Se o contráto assinala uma soma fixa para
-

as despesas, e não prevê nenhuma fiscalização, o via­


jante pode cobrá-la, ainda quando viajou a menor custo.
2. 0 Se nenhum preço fixo foi convencionado, e
-

se o empregador reclama a conta exata das despesas, o


viajante não pode pôr, nesta conta, despesas que não fez.
3. o Se não houve nem soma fixa, nem fiscaliza­
-

ção, o viajante pode pôr na conta as despesas que ra­


zoavelmente teria podido fazer, ainda quando não as
fez de fáto.
Os pequenos empregados são, em geral, mais seve­
ramente controlados. Os funcionários de categoria su­
perior gdzam, ordinàriamente, de maior liberdade, e por
isso mesmo são mais expostos a abusar da confiança
que se lhes mostra (despesas de automóvel, de gazolina) .
Por outra parte, a importância de uma firma ou de
uma sociedade exige, algumas vezes, que seus represen­
tantes ostentem um certo luxo nas suas viagens. A in­
tenção dos comitentes, evidentemente, não é que os
agentes façam economias em proveito próprio sôbre as
despesas que êles j ulgam necessárias.

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1 16 Alberto Müller S. J .

6 - Um caso de consciência espinhoso.

Acontece às vezes que um fornecedor, tratando com


o representante de uma firma-cliente, vê-se convidado
a majorar o preço proposto. A diferença entre os dois
preços será dividida entre o vendedor e o representante,
ou integralmente deixada a êste último.
O caso é dificultoso para um negociante honesto :
se êle se recusar a aceitar estas condições, é quasi certo
que perderá a encomenda esperada; se consente na
combinação, vai contra a lei do j usto preço, e torna-se
cúmplice do mandatário infiel a seus deveres.
Comecemos por determinar bem a nossa posição, e
por discutir cuídadosamente o caso do mandatário que
assim age, e o do comerciante obrigado a tratar com êle :

1 O caso do mandatário.
- O mandatário que
-

age em nome e por conta do seu mandante, não tem d


direito de enriquecer-se com o lucro de sua gestão. O
mandato, em tese, é gratúito ; pode, porém, ser assala­
riado, mas, neste caso, o "quantum" do salário é con­
vencionado de antemão, e o mandatário não tem o di­
reito de aumentar seu salário, por meio de benefícios
ocultos. Na hipótese que consideramos, o mandatário
falta manifestamente às suas obrigações, e seu ato 'l:leve
ser formalmente condenado.

Há um único caso em que êle poderia ser descul­


pado : é quando a remuneração do mandatário foi ma­
nifestamente inferior ao que reclama a j ustiça, sobre-
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A Moral e a Vida de Negócios 1 17

tudo se o mandante recusa aumentá-la, alegando os


benefícios ilícitos, que os mandatários costumam outor­
gar-se. Então a bonificação que o mandatário se faz
outorgar, pode ser considerada como uma compensação
oculta à insuficiência do seu salário.

2 -O caso do comerciante ou fornecedor. É-

certo que o comerciante ou fornecedor não pode em ne­


nhum caso tomar a iniciativa da proposição que discuti­
mos. Mas se esta proposição emana espontâneamente
do mandatário, e se uma recusa envolve muito provà­
velmente a perda da compra oferecida, cremos que o
comerciante pode sujeitar-se às exigências do manda­
tário. Esta nossa tolerância funda-se nas considera­
ções seguintes :

a) Seria iníquo que a honestidade do comerciante


fosse castigada pela perda de uma encomenda,
à qual tinha tanto direito como qualquer outro
concorrente ou colega.
b) A bonificação ou comissão reclamada pelo man­
datário infiel pode ser considerada como uma
despesa necessária, levada em conta nas des­
pesas gerais, e que o comerciante pode legiti­
mamente incluir no preço da mercadoria.
c) O mandante deve sofrer a consequência da es­
colha que fez do seu mandatário; se obriga o
fornecedor a tratar com um mandatário desho­
nesto, não é j usto que o fornecedor padeça as·
consequências desta escolha desaj uizada.

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1 18 Alberto Müller S. J .


Acrescentemos todavia que o comerciante
obrigado a suportar as exigências do represen­
tante infiel, não pode tirar, pessoalmente, pro­
veito da combinação suspeita. Quando se lhe
propõe dividir com o mandatário a diferença
entre o preço justo e o preço realmente exigido,
não deve apropriar-se da parte que lhe é atri­
buída, mas, de uma maneira ou de outra, deve
restituí-la ao mandante.

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CAPÍTULO v

LOCAÇÃO DE EMPRÊSA OU INDúSTRIA

I - OBSERVAÇÕES PRELIMINARES.

O contráto de venda, longamente tratado no capí­


tulo IV, tem por objeto a transmissão de propriedade
sôbre bens. De modo geral, o contráto de locação põe
à disposição de uma das partes, unicamente o gozo de
um bem. Pode incidir sôbre cousas ou sôbre ativida­
des pessoais. No primeiro caso, teremos a locação de
bens mobiliários ou imobiliários ; no segundo caso, te­
remos a locação de obras.
Esta se subdivide por sua vez em locação de traba­
lho e locação de emprêsa. A primeira se efetua pelo
contráto de trabalho; a segunda pelo contráto de em­
prêsa.
Em ambos os casos, o locador (empreiteiro, empre­
gado, operário) põe sua atividade à disposição do loca-
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1 20 A l berto Müller S. J.

tário (mestre de obra, empregador, patrão) . O critério


que distingue o contráto de trabalho e o de emprêsa
reside no laço de subordinação que o contráto estabelece
entre o locador e o locatário.
Êste laço de subordinação existe no contráto de
trabalho ; o empregado e o operário põem sua fôrça de
trabalho, como tal, à disposição do locatário e se obri­
gam a aplicá-la sob suas ordens e sob sua direção.
Pelo contrário, no contráto de emprêsa, o locador
põe à disposição do locatário uma prestação determi­
nada : compromete-se a executar um trabalho determi­
nado, mas conserva, no que toca à execução dêste com­
promisso, sua independência : o empreiteiro de obra ou
de indústria não está subordinado ao dono da obra.
O estudo de um e de outro dêstes contrátos, em
deontologia, exigiria largos desenvolvimentos que vão
além do quadro destas notas. Somos forçados a nos
cingir ao exame dos pontos mais importantes e dos ca­
sos mais salientes. Reservamos aliás o exame do con­
tráto de trabalho e de emRrêsa a outra parte dêste es­
tudo. Somente o contráto de emprêsa será o assunto
do presente capítulo.

II - PRINCÍPIOS GERAIS.

O contráto de emprêsa pode incidir sôbre as mais


diversas prestações : construção de edifícios, trabalhos
públicos, aparelhamento de terrenos, emprêsa de trans­
portes, de espetáculos, de concêrtos, de construção ou

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A Moral e a Vida de Negócios 121

reparação de automóveis, confecção de objetos mobiliá­


rios, de obras de arte; cuidados médicos; serviços de
advogado, de editor, serviço de publicidade, etc. Cada
um dêstes contrátos, com objetivos tão diferentes, dá à
natureza da prestação que tem em mira sua feição pró­
pria e suas obrigações particulares. O legislador só re­
gulamentou dois dêstes contrátos : o contráto de trans­
porte (art. 1 . 782 a 1 . 786 do C. C. e a lei de 25 de Agosto
de 189 1 ) e as plantas e orçamentos "devis et marchés"
(art. 1 . 787 a 1 . 788 do C. C.) .

A todos os outros contrátos de emprêsa, convém


:aplicar os princípios gerais do direito, em matéria de
.contráto e particularmente o art. 1 . 134 do C. C., segun­
do o qual "as convenções legalmente formadas têm
fõrça de lei para aqueles que as fizeram, e devem ser
executadas de bôa fé" Aplicar-se-lhes-ão igualmente
-certas disposições tomadas dos contrátos de emprêsa le­
galmente regulamentados, cujo alcance vai além do do­
mínio mais restrito para o qual foram feitas. Enfim
1evar-se-ão em conta os usos seguidos na profissão do
locador de obra, segundo o espírito do art. 1 . 135 do
C. C., o qual estipula : "As convenções obrigam, não
.somente ao que está expresso, mas ainda a todas as con­
sequências, que a equidade, o uso ou a lei dão à obriga­
.ção, confórme a sua natureza".
O contráto de obra pode ser sempre denunciado
unilateralmente pela vontade do locatário, com a obri­
ga ção de indenizar o locador de todas as suas despesas,

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1 22 Al berto Müller S. J.

de todos os seus trabalhos, e de tudo o que êle teria


podido ganhar nesta emprêsa". Art. l . 794 C. C. ( 1 )
Para certas profissões (médicos, advogados) , o uso
reduz a extensão do reembolso unicamente aos gastos
feitos pelo locador, sem que haja obrigação de indeni­
zá-lo pela perda do benefício com que podia contar.

III - DETERMINAÇÃO DO PREÇO E EXECUÇÃO DA OBRA.

1 - Determinação do preço.

Aquele que assentou encomendar uma obra (o dono


da obra) comunica seu projeto ou seus planos ao em­
preiteiro, e combina com êle o preço da obra. A fixação
do preço pode ser feita de três modos, e segundo os ca­
sos, dá lugar a três espécies de contrátos :
1.0 O empreiteiro apresenta um preço global , a
-

título puramente indicativo. É uma simples avaliação,


uma previsão pela qual êle não pretende comprometer­
-se. Se o contráto fôr concluído nesta base, o preço da
obra será faturado na importância real dos trabal)los,
o custo dos materiais e a mão de obra no momento da
execução. O empreiteiro não assume risco algum, quan­
to ao custo final da obra; êste risco fica inteiramente a
cargo do dono da obra. e )

(1) - Contrato de Empreitada - Cód. Civil Bras. - arts.


I . 237 e seguin�es e Cód. Comercial - arts. 226 e seguintes.
( 2 ) - Art. 1 . 247 - "O dono da obra que, fora dos casos­
estabelecidos nos ns. III, IV e V do art. I . 229, rescindir o con-

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A Moral e a Vida de Negócios 1 23

2. o - O contráto a preço fixo ou a empreitada.


Depois de estudar o plano ou o proj eto, o empreiteiro
calcula o custo global da obra, tomando na devida conta
a importância real e as dificuldades da execução, o preço
da mão de obra e dos materiais; submete ao dono da
obra o resultado dêste cálculo, com o preço definitivo
ao qual êle se -compromete a executar a obra. Se o con­
tráto fôr concluído nesta base, o empreiteiro fica defi­
nitivamente ligado por êste preço; êle assume todos os
riscos qul!:_nto à importância e à dificuldade dos traba-
1hos, bem comq à flutuação do preço de mão de obra e
dos materiais. Não se admite majoração alguma do
preço da empreitada, a não ser por trabalhos suplemen­
:-ares, não incluídos normalmente no plano primitivo,

uato, apesar de começada sua execução, indenizará o emprei­


teiro das despezas e do trabalho feito, assim como dos lucros,
que êste poderia ter, se concluisse a obra". (C. Civil ) .
Art. 236 . - " O que der a fabricar alguma obra d e emprei­
tada, poderá a seu arbítrio resilir ao contrato, posto que a obra
esteja já começada a executar, indenizando o empreiteiro de tô­
das as despesas e trabalhos, e de tudo o que poderia ganhar na
mesma obra". (Cód. Comercial) .
Art . 1 . 237- "O empreiteiro de urna obra póde contribuir
para ela ou só com seu trabalho, ou com êle e os materiais'�.
(Cód. Civil ) .
Art. 1 . 238 -"Quando o empreiteiro fornece o s materiais,
correm por sua conta os riscos até o momento da entrega da
obra, a contento de quem a encomenp_ou, se êste não estiver em
mora de receber. Estando, correrão os riscos por igual contra
as duas partes". (Cód. Civil) .
Art. 239 - "Se - o empreiteiro só forneceu a mão d e obra,
todos os riscos, em que não tiver culpa, correrão por conta do
dono". (Cód. Civil) .

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124 Alberto Müller S. J.

feitos a pedido do dono e com sua aprovação por escri­


to. ( 1 )
3.0 - O contráto por quantidades. O empreiteiro,
sem assumir os riscos, quanto à importância ou às difi­
culdades do trabalho, limita-se a fixar o preço unitário
da mão de obra e dos materiais, que serão empregados
na execução da obra. Não toma sôbre sí senão o risco
das flutuações do custo da mão de obra e dos materiais.
Ainda assim pode, por uma cláusula formal, precaver­
-se contra estas flutuações, estipulando que os preços
unitários serão eventualmente modificados, segundo
certos elementos lieterminados. Agirá assim sobretudo
em tempo de forte flutuação dos preços ou dos salários.
N. B. É claro que as partes contraentes podem
-

combinar entre si êstes diversos modos de determinação :


cada contráto será portanto apreciado em função dos
elementos que determinam estas diversas modalidades.

2 - Execução.

O empreiteiro é obrigado em consciência a respeitar


os compromissos que subscreveu :

Art. 1 . 246 -"O arquiteto ou construtor, que por empreita­


da, se incumbir de executar uma obra segundo plano aceito por
quem a encomenda, não terá direito a exigir acréscimo no preço,
ainda que o dos salários ou do material encareça, nem ainda que
se altere ou aumente, em relação à planta, a obra ajustada, salvo
se aumentou, ou alterou, por instruções escritas do outro contra­
tante e exibidas pelo empreiteiro". ( C. Civil ) .
Art. 233 - "Quando o empreiteiro s e ·encarrega d e uma obra
por um plano designado no contrato, pode requerer novo ajuste,
se o locatário alterar o plano antes ou depois de começada a
obra". (C. Comercial ) .

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A Moral e a Vida de Negócios 1 25

1.0 - Se contratou na base do primeiro modo de


determinação dos preços, a sua fatura final deve ser
leal e sincera. t:le violaria a justiça se nela incluísse
gastos que não fez. Assinalemos um procedimento tão
desleal quão inhabil, que consiste em fixar, afim de ali­
ciar o cliente, um preço estimativo exageradamente ba­
rato, que desmentirá depois a fatura final e definitiva.
Há nisso, pelo menos, um abuso de confiança, que cedo
ou tarde se voltará contra quem o cometeu.
2.o -No contráto a preço fixo, ou por empreitada,
o· empreiteiro tomou sôbre sí todos os riscos da obra
(planos, mão de obra, materiais) .
Se êle se enganou nos seus cálculos, o dono da obra
não lhe deve em justiça mais do que o preço fixo con­
vencionado.
a) Em tese o empreiteiro é obrigado a conformar­
-se inteiramente com o teor do contráto, que
marca por miudo todas as condições sob as
quais a obrá deve ser executada. Não tem o
direito de afastar-se dêle, quer para compensar
o prejuízo resultante de um cálculo errado,
quer para majorar. ( 1 )

(1) - Art. 234- "Concluída a obra, na conformÍdade do


ajuste, ou, não o havendo, na fórma do costume geral, o que en­
comendou é obrigado a recebê-la ; se, porém, a obra não estiver
na fórma do contrato, plano dado, ou costume geral, poderá en­
jeità-la ou exigir que se faça abatimento no prêço" ( C . Co­
mercial ) .
Art. 1 . 242
- "Conclui da a obra de acôrdo com o �jus te, ou
o costume do lugar, o dono é obrigado a recebê-la. Poderá, po-

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1 2é Alberto Mül ler S. J .

b) Acontece com efeito, que o empreiteiro, para


obter a encomenda, fixe um preço inferior àque­
le que exigiria a estrita observância dos encar­
gos assumidos; espera êle que poderá compen­
sar a insuficiência dos preços afastando-se dê­
les, com a conivência do arquiteto ou do perito
incumbido de aprovar a obra. Esta política
premeditada não pode ser tolerada, porque
viola manifestamente os compromissos sub�
critos pelo empreiteiro.
c) Outras vezes, o empreiteiro, que reduziu exage­
radamente seu preço de empreitada, procura
uma compensação nos trabalhos suplementa­
res que Incita o dono da obra a encomendar,
durante a execução. Uma tal compensação é
inadmissível, porque nada autoriza o emprei­
teiro a faturar êstes trabalhos suplementares
acima do seu valor verdadeiro.
d) Seríamos mais indulgentes para com o emprei­
teiro, vítima de um êrro não premeditado de
cálculo, que procurasse compensá-lo derrogan­
do a uma ou outra cláusula do contráto, con­
tanto que esta derrogação não comprometesse
essencialmetne a qualidade ou a solidez da obra.
Esta indulgência se justifica pelo fato de ser
pouco equitativo que o dono, beneficiado por

rém, enjeitá-la, se o empreiteiro se afastou das instruções rece­


bidas e dos planos dados, ou das regras técnicas em trabalhos
de tal natureza". (C. Civil) .

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A Moral e a Vida de Negócios 1 27

êrro inculpável do empreiteiro, pague a obra


menos do que ela vale realmente.
e) Foi-nos certificado que certos formulários-tipos
adotados pela administração pública contêm
algumas cláusulas de praxe, as quais realmen­
te não dão importância à substância ou quali­
dade de certos materiais (pedras, aço, etc.) .
Neste caso, não se deveriam censurar os em­
preiteiros que, conformando-se com o uso esta­
belecido e generalizado, não levassem em conta
estas condições.
3.0 Se houve contráto por medida ou números,
-

o empreiteiro que assumiu os riscos das flutuações da


mão de obra e dos materiais, não está por isso autori­
zado, para compensar as ·perdas sofridas, a majorar os
riscos da importância e das dificuldades da execução,
que ficaram a cargo do dono da obra.

IV - PROPOSTAS E ADJUDICAÇÕES. (1)

Quando se trata de trabalhos importantes, o dono


da obra solicita as propostas de um número mais ou
menos grande de empreiteiros, com a intenção de dar
a encomenda a quem fizer propostas mais moderadas.
Para maior imparcialidade, a lei por via de regra obriga

(1) -Pode-se lêr com proveito o interessante estudo que


a êste assunto consagrou M. André Cloquet, iptitulado: "Les.
adjudications des pouvoirs publics sous leur aspect moral". -
p. 149 -Gand. Editions Le Caducée 1938.

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1 28 Alberto Müller S. J.

o Estado e as administrações públicas a pôr as enco­


mendas em concorrência.
O sistema de concurso tem para muitos o mérito
de pôr em jôgo a concorrência, e de levar os pretenden­
tes a requzir seus preços ao nível mais baixo. O dono
da obra passará a encomenda a quem se comprometeu
a executar a obra ao preço mais baixo. Acontece até,
que o dono da obra, ainda depois que escolheu o em­
preiteiro, recorre à proposta, afim de poder mais exata­
mente apreciar as exigências dêste último.
Não contestaremos a utilidade da proposta : mas
deve-se confessar que ela opera inteiramente em favor
do dono da obra. Ela serve menos aos interêsses dos
empreiteiros do que aos do dono da obra, o qual põe
aqueles em concorrência e lhes explora a rivalidade.
:a:stes acabaram por perceber isto, e tomaram medidas
destinadas a garantí-los contra esta exploração. Eis
dois processos aos quais recorrem frequentemente :
1.0- Os diversos empreiteiros solicitados por um
dono de obra, ao darem a conhecer os seus preços, com­
binados entre sí, escolhem _ aquele dentre êles a quem
tocará a execução. O escolhido fixa o seu preço majo­
rado da importância que pagará a seus colegas, para
indenizá-los, de sua desistência. Todos os outros em­
preiteiros submeterão ao dono da obra um preço supe­
rior ao do colega a quem abandonam o trabalho.
2.0 - Os empreiteiros solicitados fazem cada um o
seu orçamento. Os resultados a que chegam são em
seguida confrontados em uma reunião confidenciãl, e

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A Moral e a Vida de Negócios 1 29

o trabalho será abandonado a um ou outro dos emprei­


teiros cujo preço se aproxima duma média razoável.
Êste preço, majorado com a soma reservada aos colegas,
será o preço mais baixo submetido ao dono da obra.
Êstes processos parecem suspeitos à primeira vista;
cremos porém que são admissíveis, com uma dupla con­
dição :
1.0 - A parte atribuida aos empreiteiros que de­
sistem deve ficar moderada, e não podê representar se­
não o preço honesto do seu trabalho de estudo.
2.o - O empreiteiro, certo de obter a encomenda,
por ter oferecido o preço mais baixo, não tem o direito
de forçá-lo indevidamente.
Nossa tolerância funda-se nas considerações se­
guintes :
1.0- O próprio princ1p10 que forma a base da
concorrência não escapa à crítica. O mais baixo preço
ao qual o dono da obra pretende fazê-la executar, não é
necessàriamente o preço justo. O princípio da concor­
rência, de que se inspira a proposta, leva muitas vezes
os concorrentes a oferecerem seus serviços a preços insu­
ficientemente remunerados, até com prejuizos. Espe­
ram compensar-se, quer sôbre os salários que pagam a
seus operários, quer trapaçando sôbre as condições do
contráto : duplo abuso que tende a envenar a pro­
fissão.
2.0 - Calcular orçamentos, representa para os
concorrentes, gastos de que se aproveita o dono da obra,
sem que lhes garanta indenização. Isto é verdade, má-

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1 30 Alberto Müller S. J.

xime quando o dono, de ant�mão, fez a escolha do seu


empreiteiro, e só recorre à concorrência para controlar
as exigências dêste último.
Não se podem invocar os mesmos motivos em favor
de outro procedimento, que julgamos verdadeiramente
abusivo :
Empreiteiros, solicitados ou não pelo dono da obra,
e que não têm intenção alguma de tomar parte no con­
curso, juntam-se aos concorrentes efetivos, e prometem
abster-se, contanto que um abono de desistência lhes
seja garantido. �ste procedimento cheira a chantagem.
Nenhum trabalho de estudo fornece a êstes intrusos um
título qualquer à remuneração.
Desculparemos, porém, o concorrente que, cedendo
a esta pressão, inclui no preço os abonos que lhe são ex­
torquidos. Com efeito, trata-se aquí de um abuso do
sistema das propostas, de que êle, menos que o dono da
obra, é responsável.

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CAPiTULo VI

O CONTRATO DE SEGURO

I - NATUREZA. - PLANO DA NOSSA EXPOSIÇÃO.

I - NATUREZA DO SEGURO.

A lei de 1 1 de Junho-de 1874, art. 1.0 define o se­


guro "um contráto pelo qual o segurador se compro:
mete, contra uma prestação, a indenizar o segurado das
perdas e danos que êste sofresse, por causa de certos
acontecimentos fortúitos ou de fôrça maior". ( 1 ) Esta
definição se presta à crítica por vários títulos.

(1) Art. 1 432


- . - "Considera-se contrato de seguro aquele
pelo qual uma das partes se obriga para com a outra, mediante
a paga de um prêmio, a indenizá-lo do prejuizo resultante de
riscos futuros, previstos no contrato". (C. Civil) .
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1 32 Alberto Müller S. J.

Com efeito, o seguro pode ser praticado sem pres­


tações, mas por meio de cotizações, como acontece nas
associações mútuas. Não tem sempre o caráter de in­
denização. O têrmo segurado é equívóco, e pode desig­
nar, ora o que toma o seguro, ora o beneficiário do se­
guro, ora a pessôa sôbre quem se toma o seguro. Enfim
a realização do risco não resulta sempre de um aconte­
cimento fortúito ou de fôrça maior. O risco pode con­
sistir unicamente na época da realização de um acon­
tecimento, que deve necessàriamente suceder.
Cremos por parte nossa, com o Sr. W. Van Eeckout,
que o seguro se funda essencialmente sôbre a idéia de
associação, isto é, sôbre a repartição do risco. O segu­
rador "reune, sem que êles o saibam, um número consi­
derável de pessôas expostas ao mesmo gênero de riscos,
e dêles fórma uma verdadeira mutualidade de segura­
dos : êle recolhe as pre:stações com que fórma uma mas­
sa. Esta massa, chamada fundo de prestações ou fundo
comum, deverá servir para indenizar a coletividade dos
sinistrados, pois o segurador não é mais que o gerente
desta mutualidade inconsciente, ou si se preferir, dêste
contráto coletivo concluído tàcitamente entre os segu­
rados". (2)
O cálculo das probabilidades; fundado sôbre dados
estatísticos seguros, permitirá ao segurador fixar a ta-

(2)
- W. Van Eeckhout. Le droit des assurances terres-·
tres. Traité théorique et pratique, p. 64. Bruxelles. E. Bruy­
lant.

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A Moral e a Vida de Negócios 1 33

rifa dos prêmios, de modo a estabelecer um equilíbrio


exato entre o fundo dos prêmios e o fundo dos sinistra­
dos, ou a massa das somas que se comprometeu a pagar
deixando-lhe assim mesmo, um lucro que serã a remu­
neração do seu trabalho.
Por consequência, segundo o mesmo autor, o segu­
ro é "uma operação pela qual um segurador recompen­
sando, segundo as leis da estatística, um conj unto de
riscos que segurou, se compromete, contra uma remu­
neração chamada prêmio ou cotização, a fornecer ao
·
beneficiário convencionado, uma certa prestação, no
caso de realizar-se um risco determinado. �ste contrã­
to de seguro é a tradução jurídica desta operação de
conjunto aplicada a relações individuais". ( 1 )
Tendo em conta, d e uma parte, os seguros a prêmio
fixo e as mutualidades, e, de outra parte, o fato que em
certos seguros a lei dos grandes números pode ser subs­
tituída pelo simples princípio da repartição do risco en­
tre alguns seguradores, poder-se-ia propôr a seguinte
definição : "O seguro é uma convenção na qual o se­
gurador ou uma coletividade de segurados, assumem as
consequências pecuniárias de certos riscos designados,
que interessam o segurado : êste se compromete a pagar
um prêmio ou cotização determinada".

É raro que o segurador entre pessoalmente em con­


táto com os segurados : para recrutá-los e fiscalizar a

(1) - Ibidem, p. 66.

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1 34 Alberto Müller S. J.

execução dos contrátos passados com êles, recorre a in­


termediários : os corretores e agentes de seguro.
Além disto, na ocasião . de um sinistro, êle requer
muitas vezes os serviços de peritos. Enfim, terceiros
intervêm indiretamente na execução do contráto e na
avaliação da indenização devida : são os avaliadores.

II - PLANOS DO CAPÍTULO.

Depois de termos examinado as condições essenciais


que deve preencher o contráto de seguro, estudaremos
sucessivamente as obrigações e os direitos do segurador,
do segurado, dos corretores e agentes, dos peritos e dos
avaliadores.

1 - O contráto de seguro.

O contráto de seguro põe em presença uma da ou­


tra duas partes, uma das quais (o segurador) se com­
promete a pagar à outra uma certa soma no caso em
que se realize o risco contemplado, e a outra (o segura­
do ou tomador de seguro) , a desembolsar, em troca dês­
te compromisso, uma quantia chamada prêmio ou coti­
zação, que pode ser fixada ou calculada sôbre certas
bases convencionadas.
Êste contráto pertence à categoria dos contrátos
aleatórios, pois a obrigação do segurador depende de
um elemento incerto. 1l:ste elemento incerto se chama
o risco. Pode ser uma eventualidade feliz (nascimento,

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A Moral e a Vida de Negócios 1 35

casamento, sobrevivência) ou infeliz (morte, acidente,


incêndio, furto, quebra, granizo, inundação, naufrágio,
etc.) . A realização da eventualidade contemplada se
chama "sinistro".

A quantia que o segurador se compromete a pagar


em caso de sinistro pode revestir-se de um duplo ca­
ráter :

a) Um caráter indenizador, quando é destinada a


reparar um dano sofrido pelo segurado, e do
qual êle é responsável. Sendo esta quantia
proporcional ao dano sofrido, não pode ser de­
terminada de antemão, no momento em que foi
passado o contráto.

b) Um caráter não indenizador : o segurador se


compromete a p�gar uma quantia fixa, no caso
em que sobrevenha o risco, p . e. em caso de ca­
samento, de morte, de sobrevivência. O "quan­
tum" é fixado no momento mesmo em que se
conclui o contráto.

Os seguros de cousas têm sempre um caráter inde­


nizador. Certos seguros de pessôas pertencem à segun­
da categoria : muitas vezes têm, de mistura, um ele­
mento de economia. Para os primeiros, não se admite
por princípio que o segurado receba uma indenização
superior ao dano sofrido; parà os segundos, o "quan­
tum" da soma percebida depende unicamente do acôrdo
das duas partes.

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1 36 Alberto Müller S. J.

O preço que o segurado se compromete a pagar


como remuneração da segurança que lhe fornece o se­
gurador, se chama prêmio quando se trata de seguro
dito a prêmio fixo, e cotização, no caso de seguro mútuo.
O prêmio ou a cotização constituem a contribuição des­
tinada a cobrir o risco, tomado à sua conta pelo orga­
nismo segurador, mais as despesas gerais da emprêsa.
O prêmio ou a cotização pura e líquida representa o
custo real do risco, o preço de custo do seguro : é a quo­
ta-parte que o segurado teoricamente deveria pagar ao
fundo dos prêmios, para compensar o fundo dos sinis­
trados e garantir o pagamento das indenizações.
"Mas, além do custo dos sinistros, é preciso levar
em conta as comissões, os salários dos empregados e ou­
tras despesas gerais, assim como, nos seguros a prêmio,
a remuneração do capital, isto é, os dividendos a distri­
buir entre os acionistas. t:stes elementos diversos exi­
gem um suplemento chamado "carga administrativa".
O prêmio líquido aumentado da "carga adminisrativa"
se chama prêmio bruto, ou ainda prêmio industrial .ou
comercial, ou prêmio da tarifa. (1)
A cotização incluindo a "carga administrativa" se
chama cotização bruta ou carregada. Sendo o contrá­
to de seguro um contráto sinalagmático, pode-se reque­
rer sua dissolução em justiça, no caso em que uma das
partes não cumpra com seus compromissos. A execu­
ção do compromisso subscrito pelo segurador fica sus-

(1) - lbidem, p. 90.

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A Moral e a Vida de Negócios 1 37

pensa até a realização do risco; a do segurado corre


dêsde a conclusão do coiltráto, e consiste no pagamento
pontual dos prêmios. Além disso, as partes estão obri­
gadas a respeitar os dispositivos fixados pela lei, assim
como todas as condições que convie�em entre sí, defini­
das na apólice de seguro, ou outro documento qualquer
que sirva de prova da existência do contráto. Os usos
praticados nesta matéria servirão também para inter­
pretar corretamente a vontade das partes. (2)
Observemos enfim que a validade do contráto exige
essencialmente a existência de um risco, isto é, a possi­
bilidade de um acontecimento incerto, cuja realização
condiciona os direitos e os deveres recíprocos das partes,
ou a realização de um acontecimento inevitável, mas do
qual o momento de sobrevir é incerto.
O contráto seria nulo, p . e. se o segurador garan­
tisse o segurado contra um risco marítimo, que sabe

(2)- Art. 1 . 443


- "O segurado e o segurador são obriga­
dos a guardar no contrato a mais estrita bôa fé e veracidade,
assim a respeito do objeto, como das circunstâncias e declara­
ções a êle concernentes". (C. Civil) .
Art. 1 . 444- "Se o segurado não fizer declarações verda­
deiras e completas, omitindo circunstâncias que possam influir
na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito
ao valor do seguro, e pagará o prêmio vencido". ( C . Civil) .
Art. l . 449
- "Salvo convenção em contrário, no ato de re­
ceber a apólice pagará o segurado o prêmio que estipulou". ( C .
Civil) .
Art. 1 . 454
- "Enquanto vigorar o contrato, o segurado abs­
ter-se-á de tudo quanto possa aumentar os riscos, ou seja con­
trário aos têrmos do estipulado, sob pena de perder o direito ao
seguro". (C. Civil).

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138 Alberto Müller S. J.

não existir, pois o navio segurado j á chegou incólume


ao pôrto. O mesmo seria se o segurado tomasse seguro
para um objeto, quando o sinistro j á se deu. Num e
noutro caso, o contráto seria nulo, por falta de objeto.
Pode-se, porém, concluir um seguro marítimo, sô­
bre bôas ou más noticias. tste seguro é válido, até
mesmo se, no momento de sua conclusão, o risco tives­
se terminado, contanto que o segurador não tenha tido
conhecimento da chegada feliz do navio, ou, no caso de
o sinistro se ter realizado, se o segurado não fôra avi­
sado antes. ( 1)

( 1 ) - Art. 1 . 452 - " O fáto d e se não ter verificado o risco,


em previsão do qual se fez o seguro, não exime o segurado de
pagar o prêmio, que se estipulou, observadas as disposições es­
peciais do direito marítimo sôbre o estorno". (C. Civil) .
Art. 677, n.0 9 - "Sôbre objetos que na data do contrato se
achavam jà perdidos ou salvos, havendo presunção fundada de
que o segurado ou segurador podia ter notícia do evento ao tem­
po em que se efetuou o seguro. Existe ésta presunção provan­
do-se por alguma fórma que a notícia tinha chegado ao lugar,
em que se fez o seguro, ou aquele donde se expediu a ordem
para êle se efetuar, ao tempo da data da apólice ou da expe­
dição da mesma ordem, e que o segurado ou segurador a sabia.
Se, porém, a apólice contiver a cláusula - perdido ou não per­
dido ou sôbre bôa ou má nova - cessa a presunção, salvo pro­
vando-se fraude". (C. Comercial ) .
Art. 678 - " O seguro, póde também anular-se:
1 - Quando o segurado oculta a verdade, ou diz o que não
é verdade;
2 - Quando faz declaração errônea, calando, falsificando ou
alterando fatos, circunstâncias ou produzindo fatos ou
circunstâncias não existentes, de tal natureza e impor­
tância que, a não se terem ocultado, falsificado ou pro­
duzido, os seguradores, ou não haveriam admitido o
seguro, ou o teriom efetuado, debaixo de prêmio maior
e mais restritas condições". (C. Comercial) .

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A Moral e a Vida de Neg6cios 1 39

2 - O segurador.

Em geral, hoje em dia, é o segurador que fixa as


condições do contráto que propõe aos que tomam o se­
guro. Estas condições devem ser confórmes às exigên­
cias da justiça, e êle as deve estritamente respeitar. (2)
1 . 0 - O prêmio, sendo o preço do risco incorrido
pelo segurado, deve corresponder à importância dêste
risco. A extensão dos seguros, o progresso da ciência
da estatística, a facilidade das comunicações, a aplica­
ção do cálculo das probabilidades, a prática generaliza­
da do resseguro permite, em vários ramos, determinar
com muita exatidão a importância do risco, e o "quan­
tum" do prêmio líquido. Por outra parte, deve-se ter
em conta os fatores que muitas vezes vêm desmentir o
ensino das estatísticas : os métodos novos introduzidos
na construção dos imóveis, a calefação e a iluminação,
os novos processos de trabalho industrial influem sôbre
os resultados do ·seguro contra incêndio e as explosões;
as modificações introduzidas na construção e propulsão
.dos navios, a instalação a seu bordo da telegrafia sem
fio, repercutem na importância das avarias marítimas;

(2)
- Art. 679 - "No caso de fraude da parte do segurado,
além da nulidade do seguro, será êste condenado a pagar ao
segurador o prêmio estipulado em dôbro. Quando a fraude es­
tiver da parte do segurador, será êste condenado a retornar o
prêmio recebido, e a pagar ao segurado outra igual quantia.
Em um e outro casos pode-se intentar ação criminal contra o
fraudulento". (C. Comercial ) .

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140 Alberto Müller S. J.

a miséria, o relaxamento da moralidade agravam os ris­


cos de roubo, etc.
A determinação de um prêmio equitativo se torn.a,
pois, sempre uma cousa muito delicada, e finalmente
deve ser abandonada à consciência do segurador. É
verdade que ao prêmio líquido se acrescenta a carga
destinada a cobrir as despesas gerais e a fornecer o lu­
cro do segurador. Mas a concorrência obriga as com­
panhias de seguros a moderar neste ponto suas exi­
gências.
Objetar-nos-ão talvez que os gordos lucros realiza­
dos pelas grandes companhias, levam a pensar que a
taxa dos prêmios seja exageradamente alta. Pode ser
isto o efeito dé uma sorte feliz, que reduz os sinistros
abaixo das previsões razoáveis; além disso, a prosperi­
dade das companhias de seguros vem em grande parte
da constituição de reservas importantes, e da gestão
judiéiosa dos fundos dos prêmios, que se acumulam nas
mãos dos administradores.
Convém, aliás, pôr em confronto às companhias,
cuja prosperidade nos espanta, o número elevado das
que desapareceram, por causa de resultados deficitá­
rios. ( 1 )
2 .0- O segurador tem a obrigação de adminis­
trar com sabedoria e prudência o fundo dos prêmios,

(1)
- Art. 1 . 458
- " O segurador é obrigado a pagar em
dinheiro o prejuizo resultante do risco assumido e, confórme as
circunstâncias, o valor total da ·coisa segura". (C. Civil).

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A Moral e a Vida de Negócios 1 41

que serve de cobertura aos riscos. Colocações impru­


dentes e infelizes, reduzindo êste fundo, poriam o segu­
rador na impossibilidade de honrar seus compromissos.
3. o O segurador tem a obrigação, em caso de
-

sinistro, de reparar o dano sofrido pelo segurado, ou de


pagar-lhe a quantia prevista do contráto, de conformi­
dade com as condições especificadas na apólice, com os
usos e os dispositivos formais da lei. (2)
É antes de tudo na apólice que se deve procurar a
extensão exata das obrigações subscritas pelo segurador.
1!:ste documento pede da parte do segurado um estudo
muito atento, se êle não quiser expôr-se a cruéis desi­
lusões.
As ressalvas 'que as grandes companhias põe às suas
obrigações são em geral prudentes e fundadas. Mas
existem companhias de seguros de menor monta, que
conseguem multiplicar as ressalvas e as exceções a tal
ponto que a segurança prometida não passa de uma
ilusão. É claro que os contrátos passados nestas bases
são injustos, porque lhes falta a indispensável equiva-

(2) - Art. 1 . 459


- "Sempre se presumirà não se ter obri­
gado o segurador a indenizar prejuizos resultantes de vício in­
trínseco à c_oisa segura". (C. Civil) .
Art. 1 . 460- "Quando a apólice limitar o u particularizar os
riscos do seguro, não responderá por outros o segurador". (C.
Civil) .
Art. 1 . 461- "Salvo expressa restrição na apólice, o risco
do seguro compreenderá todos os prejuizos resultantes ou con­
sequentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o si­
nistro, minorar o daho, ou salvar a coisa". (C. Civil) .
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1 42 Alberto Müller S. J.

lência das prestações (serviços prestados) . É dever dos


agentes e corretores de seguro esclarecer sua clientela
sôbre o alcance exato dos contrátos que concluem, e
adaptar as condições da apólice ao risco proposto.

3 - O segurado.

As obrigações do segurado podem-se reduzir aos se­


guintes pontos :
1 .0 - O segurado tem obrigação de dar a conehcel'
exatamente o risco a que está exposta a cousa que se­
gura; a êste respeito deve responder com sinceridade
às perguntas que lhe fizer o segurador. Dissimular uma
circunstância que, se a tivesse conhecido, não teria o
segurador consentido em contratar, torna o contráto
nulo, por causa de êrro substancial. A lei de 1 1 de
Junho de 1874, art. 9, chega até a estipular : "qualquer
reticência, qualquer falsa declaração por parte do segu­
rado, mesmo sem má fé, tornam nulo o seguro, quando
altera as características do risco, ou muda o objeto dês­
te, de tal sorte que o segurador, se dêle tivesse conheci­
mento, não teria contratado nas mesmas condições.
Se a reticência de uma circunstância feriu o con­
tráto de nulidade, o segurado não tem direito, em caso
de sinistro, a ser indenizado. Se a circunstância dissi­
mulada fôr de pouca importância e se o segurador, mes­
mo tendo dela conhecimento, não deixasse de concluir
o contrato, se bem que com outras condições, o centrá­
to é válido pelo direito natural, mas o segurado deve

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A Moral e a Vida d e Negócios 1 43

majorar seu prêmio em proporção, ou não póde, em caso


de sinistro, cobrar inteira a indenização prevista. (1)
2.0 - É óbvio que ninguém tem o direito de segu­
rar uma cousa, depois que sobreveio o sinistro. Assim
se faz algumas vezes, com a cumplicidade do agente de
seguros. Cobrar a indenização, em semelhante caso,
constitui um roubo manifesto.
3. o - No caso de sinistro :
a) O segurado não pode reclamar a indenização,
se f�êle o autor voluntário do sinistro.
b) Nos têrmos do art. 16 da lei, qualquer direito
à indenização é recusado ao segurado, se o si­
nistro resulta de sua culpa grave.
A apólice extende muitas vezes esta exclu­
são ao caso de culpa grave cometida pelas pes­
sôas que vivem com o segurado, ou que estão
debaixo de sua autoridade. :S:ste dispositivo
obriga em consciência, quando se trata de cul-

( 1 ) - ,Artigos retro-citados 1 . 443, 1 . 444 do C. Civil.


-

Art. 677, n.0 3 - "0 contrato de seguro é nulo: Sem­


pre que se provar fraude ou falsidade por alguma das partes;
N".0 9 - "Sôbre objetos que na data do contrato se achavam
já perdidos ou salvos, havendo presunção fundada de que o se­
gurado ou segurador podia ter notícia do evento ao tempo em
que se efetuou o seguro. Existe ésta presunção provando-se por
alguma fórma que a notícia tinha chegado ao lugar, em que se
fez o seguro, ou àquele donde se expediu a ordem para êle se
efetuar ao tempo da data da apólice ou da expedição da mesma
ordem, e que o segurado ou segurador a sabia. Se porém, a
apólice contiver a cláusula perdido ou não ou sôbre bôa ou má
nova - cessa a presunção, salvo provando-se fraude." (C. Co­
mercial) . Arts. 678, 679 , jà citados.

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1 44 Alberto Müller S. J.

pa teológica do segurado, ou das pessôas a êle


assimiladas. Se houver somente culpa jurídi­
ca, o segurado pode fazer valer seu direito, en­
quanto uma decisão judicial não lhe tiver de­
negado êste direito.
c)Nos têrmos da lei, reassumidos aliás e tornados
mais precisos pelas convenções das apólices, o
segurado está obrigado a empregar toda a dili­
gência para prevenir e atenuar o dano; não
têm pois o direito de agravar voluntàriamente o
sinistro. Esta última obrigação é muitas ve­
zes violada por segurados pouco escrupulosos,
sobretudo quando a apólice prevê que o segu­
rador não está obrigado a indenizar os danos
que não alcancem um certo mínimo. A tenta­
ção é forte para o segurado de agravar o dano,
ao menos até o ponto exigido para que tenha
efeito a garantia do segurador. :li:ste procedi­
mento é evidentemente inadmissível, pelo me­
nos quando a aceitação desta cláusula tem
como compensação uma redução proporciona­
da do prêmio. (1)
4 .o Fóra -d o caso e m que o seguro cái sôbre o
-

pagamento dum capital fixado de antemão (seguro de

(1) -Art. 1 . 453


- "Embora se hajam agravado os riscos,
além do que era possível antever no contráto, nem por isso, a
não haver nêle cláusula expressa, terá direito o segurador a au­
mento do prêmio". (C. Civil) .
Art. 1 . 454 - "Enquanto vigorar o contráto, o segurado abs­
ter-se-á de tudo quanto possa aumentar os riscos, ou seja con-

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A Moral e a Vida de Negócios 1 45

vida, etc,) , a lei, em princípio, não admite que o segu­


rado realize um lucro ou proveito, por ocasião do sinis­
tro de qu� é vítima; a indenização nunca poderá supe­
rar o valor do dano realmente sofrido. Por conseguinte,
ainda quando se comprometeu a pagar uma quantia
mais alta, o segurador não está obrigado a pagar senão
o preço correspondente à perda realmente sofrida.
O valor coberto pelo segurador não representa com
efeito, senão o máximo da indenização que se compro­
mete a pagar. (1) Os segurados se esforçam frequen­
temente por contornar esta interdição, principalmente :

trário aos têrmos do estipulado, sob pena de perder o direito ao


seguro". (C. Civil) .
Art. 1 . 436 -"Nulo serà êste contráto, quanto o risco de
que se ocupa, se filiar a atas ilícitos do segurado, do beneficiado
pelo seguro, ou dos representantes e prepóstos, qu�r de um, quer
de outro". ( C. Civil ) .
(1) - Art. 1 . 458 - " O segurador é obrigado a pagar e m di­
nheiro o prejuízo resultante do risco assumido e, confórme as
circunstâncias, a valôr total da coisa segura". (-C. Civil) .
Art. 1 . 459 - "Sempre s e presumirá não se ter obrigado o
segurador a indenizar prejuízos resultantes de vício intrínseco
à coisa segurada". (C. Civil) .
Art. 1 . 460 - "Quando a apólice limitar ou particularizar os
riscos do· seguro, não responderá por outros o segurador". (C.
Civil) .
Art� 1 . 461 - "Salvo expressa restrição na apólice, o risco
do seguro compreenderá todos os prejuízos resultantes ou con­
sequentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o si­
nistro, minorar o dano, ou salvar a coisa". (C. Civil) .
Art. 1 . 462 - "Quando a o objeto d o contráto s e der valôr
determinado, e o seguro se fizer por êste valôr, ficará o segura­
dor obrigado, no caso de perda total, a pagar pelo valôr ajus­
tado a importância da indenização, sem perder por isso o direito,
que lhe asseguram os arts. 1 . 438 e 1 . 439". (C. Civil) .

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1 46 Alberto Müller S. J.

a) Forçando a avaliação do dano sofrido : êste


processo, que requer ordinàriamente a cum­
plicidade dos peritos da companhia de seguros,
é évidentemente condenável.
b) Realizando economias no reemprêgo da indeni­
zação concedida, entendendo-se p . e. com o
construtor ou o reparador, para reconstruir
com despesas menores o objeto sinistrado ou
avariado (emprêgo de materiais de peior qua­
lidade, reparações sumárias, etc.) . Isto impor­
ta muitas vezes no uso de faturas duplas : a
fatura verídica que saldará o segurado, e a fa­
tura fictícia, que será apresentada à companhia.
�ste mode de agir parece suspeito, mas cremos que
seja tolerá�el por dois motivos : Em primeiro lugar, o
objeto reconstituído ou reparado com gastos menores
representará um valor inferior ao que tinha antes do
sinistro. DepOis, porque geralmente as companhias se
mostram muito acomodatícias a êste respeito : feito o
acôrüo acêrca da avaliação do dano, pouco se preocu­
pam com o modo com que o segurado utilizará a inde­
nização que lhe foi concedida. :S:ste último pode, pois,
autorizar-se do consentimento tácito do segurador.
Nos contrátos de seguros em matéria de responsa­
bilidade civil, estipula-se ordinàriamente que o segurado
perde todo o direito à garantia, se confessa a sua cul­
pabilidade no sinistro. Os autores e a jurisprudência
justificam esta clásula como sendo a aplicação do prin­
cípio que impõe ao segurado a obrigação de atenuar, na

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A Moral e a Vida de Negócios 1 47

medida do possível, as consequências do sinistro, e de


salvaguardar · os direitos eventuais do segurador contra
terceiros. A primeira vista, porém, isto parece estra­
nho, como que implicando no segurado a obrigação de
faltar à verdade. Convém, pois, interpretá-la com a
ressalva introduzida por Van Eeckhout : "Não seria ad­
missível que um segurado perdesse seus direitos, por ter
declarado a verdade ao j uiz de instrução ou ao agente
investigador. O caso seria düerente se a confissão fôs­
se feita a pessôas estranhas à justiça, pessôas de ne­
nhum modo qualificadas para interrogar o autor do de­
sastre, -nem por conseguinte para pretender à verda'­
de". (1)
Acrescentemos, aliás, que admitir a simples mate­
rialidade dos fátos, não constitui em si p reconhecimen­
to pelo segurado de sua responsabilidade.

4 - Os agentes e corretores.

A intervenção de terceira pessôa se requer em ge­


ral para pôr em relação os seguradores e os segurados.
Os corretores agem por sua própria conta, e põem
os seus clientes em contácto com as companhias de se­
guros. Não estão ligados ou comprometidos com ne­
nhuma companhia de seguros em particular, m às , êles

(1) - Ibidem, p. 1 il.

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1 48 Alberto Müller S. J.

se dirigem a uma ou à outra, confórme as circunstân­


cias e as conveniências dos segurados.
Os agentes de seguros trabalham normalmente por
conta de uma companhia de seguros : são, confórme os
casos, empregados ou mandatários assalariados. De or­
dinário, os corretores e os agentes recebem da compa­
nhia, mandato para gerir os contrátos de seguros con­
cluídos por sua intervenção : cobrar os prêmios, muitas
vezes fazem os necessários inquéritos, etc. A sua remu­
neração é feita por meio de comissão (corretagem) .
Corretores e agentes de seguros assumem obriga­
ções com as duas partes que levaram a contratar.

1 .0 O corretor é antes de tudo o mandatário dó


-

segurado, e por êste título, deve gerir os interêsses dêle,


defender seus direitos perante a companhia, negociar
as condições do contráto, de conformidade com os in­
terêsses do seu cliente.
Na medida em que êle fôr incumbido pela compa­
nhia de gerir os contrátos que lhe trouxe, é mandatário
da companhia.
Representando, pois, interêsses contrários, o corre­
tor se acha em situação delicada. :&:le deve com toda a
imparcialidade desempenhar-se de suas responsabilida­
des : se êle têm por missão defender os interêsses do seu
cliente, nunca é autorizado a sacrificar-lhe os direitos
do segurador.
2.o O agente de seguros, no sentido próprio da
-

palavra, é antes o mandatário da companhia que repre-

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A Moral e a Vida de Negócios 1 49

senta, e deve antes de tudo tomar a peito os interêsses


desta; se se comprometeu a entregar-lhe os seguros que
conseguisse fazer, deve respeitar esta convenção.
O agente de seguros pode ser remunerado por ho­
norários fixos : então é antes considerado como um em­
pregado da companhia, e lhe deve a totalidade de sua
atividade.. As mais das vezes, porém, não recebe senão
uma comissão. Neste caso é considerado como manda­
tário assalariado.
Por outra parte, êle não está isento de responsabi­
lidade para com o cliente que traz à companhia : deve
aconselhá-lo e esclarecê-lo sôbre a natureza de seus di­
reitos; em caso de sinistro, é obrigado. a auxiliá-lo para
obter a indenização a que tem direito.
A intensa competição a que se entregam corretores
e agentes os leva muitas vezes a conceder vantagens a
seus clientes : descontos, cessão duma parte da comissão.
Incontestàvelmente esta prática é malsã : mas, en­
quanto se limita a pequenas vantagens tiradas da co­
missão que toéa ao intermediário, não é ilegítima. É ,
porém, cada vez mais reprovada pelos profissionais sé­
rios, e constitui para aqueles que não chegam a ganhar
a confiança do cliente, pela qualidade de seus serviços,
um meio frequente de concorrência.

5 - Inspetores e peritos.

As companhais de seguros devem inspecionar pe­


riodicamente os domínios dos riscos que cobrem, verifi-

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1 50 Alberto Müller S. J.

cando se novas circunstâncias não modificam a quali­


dade dêstes riscos, e se os agentes cumprem conscien­
ciosamente seus deveres. Além disso, quando recebem
a denúncia de ter sobrevindo um sinistro, devem certi­
ficar-se da realidade do fato, e avaliar o "quantum" do
qano realmente sofrido. Para esta vigilância, e para
êstes inquéritos, elas delegam seus inspetores, seus téc­
nicos, nomeados especialmente para êste fim.
1!:stes delegados estão revestidos dum mandato do
qual têm obrigação de desempenhar-se do melhor modo
possível, a serviço dos interêsses do seu mandante. In­
felizmente, acontece amiúdo que êstes mandatários
atraiçoam a confiança de seus mandantes, e fazem de­
pender o resultado de seus inquéritos das gorgetas ou
luvas que recebem e aceitam, quando não as exigem dos
sinistrados. 1!:ste uso é tão comum em certos meios
que os sinistrados não deixam de avisar o inquiridor ao
qual destinam uma comissão. De modo que, aceitando
esta comissão, o inquiri.dor falta a seu dever, mesmo fa­
zendo um inquérito imf>arcial.

6 - Os terceiros.

Construtores, reparadores, garagistas são muitas


vezes solicitados pelos seus clientes a majorarem suas
faturas até a quantia aceita p.elo segurador, como repre­
sentando a importância do dano causado pelo sinistro :

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A Moral e a Vida de Negócios 1 51

êles deixarão a diferença, entre a soma cobrada do se­


guro e os gastos realmente feitos, nas mãos do sinistra­
do. Esta prática é suficientemente espalhada em cer­
tos gêneros de neg(>cios, de fórma que o empreiteiro,
assim solicitado, não possa recusar a proposta, sem ex­
pôr-se a perder os clientes.
A medida que êste modo de agir é tolerado por par­
te do segurado, como o explicamos no § 5.0, pensamos
que o terceiro está autorizado a. prestar-se a esta com­
binação. O caso seria diferente, se lhe propusessem
apresentar uma fatura, sem que êle tivesse feito traba­
lho algum de reparação. Uma firma de construções e
reparações navais nos disse que foi convidada a apre­
sentar uma fatura fictícia por reparação de um navio
que nunca cessara de navegar. Semelhante proposta
era evidentemente inaceitável.
Os reparadores às vezes tomam a iniciativa, sem que
sejam solicitados por seus clientes, de renovar certos
elementos que não foram danificados pelo sinistro, e
carregam estas despesas suplementares na conta do se­
guro. Os clientes assim favorecidos sem o saberem, po­
dem sem escrúpulos aceitar êste suplemento de indeni­
zação : o ato espontâneo do reparador, que agravou o
dano inicial, não lhes pode ser imputado, e podem consi­
derá-lo como consequência fortúita do sinistro inicial.
Um sinistrado pode igualmente aproveitar-se da
avaliação mais liberal, feita por um inspetor menos rí­
gido, do dano sofrido, com a condição todavia que a
complacência do inspetor não tenha sido comprada por

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1 52 Alberto Müller S. J.

alguma comissão ou gorgeta. Com efeito, o inspetor é


o mandatário da companhia, e é legitimamente levado
a conformar-se com as instruções que recebeu. Sabe-se
que as companhias, com um fim de reclame, se mos­
tram às vezes a�sás largas na avaliação dos danos sofri­
dos, sobretudo quando se trata de sinistros de pouca
importância.

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CAPÍTULO VII

OS DEVERES DOS CLIENTES

I - OBSERVAÇÕES PRELIMINARES.

Temos insistido principalmente, nos capítulos pre­


cedentes, sôbre as obrigações que incumbem aos forne­
cedores de mercadorias e de serviços. Convém, a nosso
vêr, dizer presentemente algumas palavras sôbre os de­
veres dos clientes. :G:stes deveres são de três ordens : de
justiça, de equidade, de caridade.

II - DEVERES DE JUSTIÇA.

Tocamos acima neste ponto (veja C. III § 4.0) : bas­


tará completar brevemente nossas observações :
a) O cliente deve pagar o preço convencionado.
Se por descuido ou êrro, o fornecedor parece ter
esquecido de reclamar seu crédito, o cliente não
se pode prevalecer desta negliência para prote-
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1 54 Alberto Müller S. J.

lar indefinidamente a execução de sua contr_a- ­


-prestação. É verdade que as dívidas "se
cobram e não se pagam" ou "são para se co­
brarem e não para se pagarem" : mas o deve­
dor não se pode prevalecer dêste rifão, para
esperar o momento em que a dívida seja pres­
crita.
b) !:le deve saldar seu débito nos prazos conven­
cionados, ou pelo menos, se o contráto não tem
prazos fixos, em prazos razoáveis e usuais.
c) O cliente pode certamente discutir o preço que
lhe é proposto, e levar, se puder, o vendedor a
reduzir suas exigências. O regatear, porém,
tem seus limites : não é lícito tentar reduzir o
preço abaixo do preço justo mínimo. Uma pes­
sôa, que fôra bem sucedida depois d1,1m rega­
teio trabalhoso, dizia : "não sei como o vende­
dor vai acertas suas cont!3-s, com um preço tão
irrisório". Uma tal confissão basta para de­
nunciar a iniquidade do contráto concluído.
Aliás não esqueçam isto : o preço vil é quasi
sempre um preço suspeito; será com efeito fru­
to da fraude praticada à custa do comprador,
ou da exploração abusiva da mão de obra.

III - DEVERES DE EQUIDADE.

A equidade, parece-nos, exige que o cliente seja fiel


aos fornecedores que o satisfazem.

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A Moral e a Vida de Negócios 1 55

De certo, no nosso regime jurídico e econômico, pre­


valece o princípio da liberdade. Os compradores fazem
suas encomendas a quem lhes apráz : geralmente deci­
dem-se por quem lhes faça as condições mais vantajo­
sas; salvo contráto formal, nada os obriga, em justiça,
a reservar suas encomendas .sucessivas aos mesmos for­
necedores.
Quer nos parecer, porém, que a equidade traz uma
certa moderação a esta liberdade. O cliente, sem dú­
vida, tem o direito de abandonar o fornecedor que não
o satisfaz ou cobra preços altos. Mas se foi bem servi­
do, e a preços razoáveis, uma certa fidelidade se lhe
impõe pelos seguintes motivos :
a) Ao lado das prestações retribuídas que fornece,
um vendedor regular presta a seu cliente mui­
tos serviços pequenos que não cobra : faz pas­
sar antes das outras suas encomendas urgen­
tes, preenche gratúitamente, em seu lugar e
nome, muitas diligências e formalidades, con­
cede-lhe prolongamento de crédito, consente
em retomar, ou trocar por outras, certas mer­
cadorias que o cliente não aprecia mais, etc.
Em troca dêstes serviços e facilitações, êle tem
fundamento para esperar que o cliente, assim
favorecido, lhe sej a fiel.
b) O serviço dum cliente, sôbre cuja fidelidade
julga poder contar, leva às vezes o fornecedor
a fazer despesas, tais como : aumento de seus
estoques, de seu pessoal, ampliação de suas ins-

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1 56 Alberto Müller S. J.

talações, etc., razão pela qual, um abandono


inesperado, por parte do cliente, lhe será de
todo inconveniente.
c) No mundo dós artífices modestes que, traba­
lhando por conta própria, só podem servir re­
gularmente a uma clientela limitada (impres­
sores, costureiras, carpinteiros, etc. ) , o abando­
no inesperado de alguns clientes basta muitas
vezes para quebrar o já tão difícil equilíbrio do
seu orçamento. (1 )

(1) É claro que nossas observações têm em vista parti­


-

cularmente as relações de negócios que supõem um contáto mais


pessoal entre clientes e fornecedores, isto é, as pequenas e mé­
dias emprêsas. As grandes firmas industriais ou comerciais ge­
ralmente são menos interessadas à fidelidade de seus clientes;
a vasta clientela à qual se dirigem os põe mais fàcilmente a
salvo das defecções individuais.
Os clientes prontos a abandonar seus fornecedores habituais,
por uma mínima redução de preço que lhes seja oferecida alhu­
res, são frequentemente vítimas de uma miragem falaz. Fize­
ram-lhes sem dúvida promessas tentadoras, mas êles percebem
à primeira prestação, que não foram melhor servidos pelos seus
novos fornecedores, ou que os preços cobrados no princípio, fo­
ram depressa majorados, sob um pretexto qualquer. Afinal,
constatam que nada ganharam colocando suas encomendas
alhures.
N. B. 1.0 - Já se entende que as nossas observações mi­
-

ram mais especialmente às relações comerciais que supõem con­


táto mais imediato entre clientes e fornecedores, queremos indi­
car assim as emprêsas menores e médias. As grandes firmas
industriais e comerciais geralmente não cuidam muito da fideli­
dâde de seus clientes: a vasta clientela com quem tratam mais
fàcilmente as premune contra as defecções individuais.
2.0 Os fregueses propensos a largarem seus fornecedores
-

habituais por uma mínima redução de preço que se lhes ofereça

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A Moral e a Vida de Negócios 1 57

IV - DEVERES DE CARIDADE.

A caridade também reclama seu papel nas relações


entre clientes e fornecedores.
1. o Em certas circunstâncias, ela recomendará
-

ao cliente que favoreça com suas encomendas fornece­


dores em dificuldades, sobretudo em se tratando de gen­
te que ganha pouco, àinda quando tivesse alguma leve
vantagem, abastecendo-se alhures.
2.0 Em certas circunstâncias, ela convidará o
-

cliente a mostrar-se acomodatício, no exercício de seus


estritos direitos, a tomar em consideração os embara­
ços ·passageiros de seus fornecedores, a consentir talvez
em transações equitativas.
3. o Que se deve pensar desta senha : "Católicos,
-

comprai a católicos"?
1 - A nosso vêr, esta senha não é outra cousa se­
não a expressão do dever de recíproca _ ajuda, entre os
filhos duma mesma Igreja. :mste auxílio mútuo é pra­
ticado largamente por não-católicos, maçons e especial­
mente j udeus. Porque só os católicos se haveriam de
mostrar refratários a esta lei da solidariedade? Quan­
do, pois, êles estão certos de que serão bem servidos por

alhures são frequentemente vítimas de falaz miragem. Foram­


lhes feitas, sem dúvida, promesas muito tentadoras; mas êles
percebem, dêsde a primeira prestação, que não vêm sendo servi­
dos melhor pelos novos fornecedores, ou que os preços propostos
no princípio ficam em breve aumentados sob qualquer pretexto.
Por fim de contas, êles averiguam que nada têm lucrado com
terem colocado alhures as suas encomendas.

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158 Alberto Müller S. J.

seus correligionários, a ·êstes devem de preferência dar


suas encomendas.
2 - Pelo contrário, agrada-nos menos vêr alguns
comerciantes alegar, junto de seu.s correligionários, . seu
título de católicos, para obter sua freguesia. É pelas
qualidades intrínsecas de suas mercadorias e de suas
prestações, que devem, antes de tudo, esforçar-se por
ganhar o favor de seus clientes. Acrescentemos aliás,
e isto foi muitas vezes provado por sacerdotes e comuni­
dades religiosas, que para certos industriais ou comer­
ciantes pouco escrupulosos, a etiqueta católica serve
amiúdo de bandeira a mercadorias de baixa qualidade,
ou a prestações pouco satisfatórias.

V - EXCLUSIVIDADE DOS FORNECIMENTOS.

Para mais fàcilmente garantirem a fidelidade de


seus clientes, algumas firmas procuram levá-los a assi­
nar convenções, pelas quais êles se comprometem a lhes
1·eservar a exclusividade de suas encomendas e para de­
cidí-los a isto, recorrem sucessivamente a dois métodos :
1.0 - Oferecem a quem consente em tomar êste
compromisso, condições mais vantajosas. É aliás o mé­
todo a que recorrem em primeiro lugar os armadores
marítimos. Os expedidores qu:e lhes prometiam a ex­
clusividade de suas expedições, gozavam duma apreciá­
vel redução de frétes.
2.0 -A experiência não foi feliz, notadamente no
que toca a expedições marítimàs. Os expedidores não

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A Moral e a Vida de Negócios 1 59

hesitaram, quando llles era vantajoso, em confiar a ou­


tras linhas, uma parte de suas expedições. A validade
das convenções de exclusividade era aliás contestada na
Bélgica, como contrária ao princípio de direito público
de liberdade econômica. As companhias m�rítimas
adotaram então outro sistema : o das devoluções. To­
dos os expedidores pagavam os mesmos frétes, mas os
que confiavam todas as suas expedições à mesma linha,
seriam no fim do exercício, reembolsados em uma fra­
ção das quantias que pagaram.
Por sua vez, a legalidade dêste modo de agir foi vi­
vamente contestada. A 1.0 de Fevereiro de 1 936, a
União dos Expedidores, Exportadores e Importadores de
Antuérpia se levantou com energia contra os embaraços
cada vez maiores, trazidos pelos armadores ao livre co­
mércio de expedição, considerando que, por um lado, o
sistema de prêmio ligado ao de desconto diferido, traz
sérios riscos aos carregadores e dá lugar a múltiplos
inconvenientes e abusos, e por outra parte, não é uni­
formemente aplicado a todos os gêneros de mercadorias.
"Considerando que o sistema impõe �os carregado­
res a obrigação de confiar aos armadores, durante um
prazo prolongado, quantias consideráveis, sem garantia
alguma de segurança e os expõe além disso às conse­
quências da instabilidade monetária . . .
"Considerando de outro lado, que o novo sistema
dito de contráto, introduzido desde algum tempo, em
certos sindicatos, é muitas vezes empregado pelos arma­
dores no intúito de excluir os trânsfugas".

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1 60 Alberto Müller S. J .

Não podemos da nossa parte subscrever êstes pro­


testos. Os armadores aludidos têm certamente o direi­
to de procurar, por meio de reduções de frétes, obter a
exclusividade das expedições de seps clientes. 1:stes,
depois que subscreveram um contráto de exclusividade,
não têm o direito de fugir a seus compromissos, mas de­
vido ao fáto de os terem violado em demasia é que os
armadores foram levados a adotar o sistema de retorno,
que lhes dá o meio de aplicar sanções às suas infideli­
dades. O sistema, sem dúvida, comporta os invenve­
nientes mencionados pela União; mas trata-se aquí de
devoluções livremente consentidas para recompensar a
fidelidade das firmas solicitadas. As que querem guar­
dar toda a sua independência não estão impedidas de o
fazerem, mas somente lhes é recusado o desconto ou a
devolução de fidelidade. Evidentemente, seríamos mais
severos, se os armadores cominassem sanções contra as
firmas que recusassem conceder-lhes a exclusividade de
suas expedições.
Há, porém, uma modalidade de desconto, a dos des­
contos diferidos que dá motivos a críticas mais legíti­
mas. Certos sindicatos só fazem a devolução prometi­
da, depois que expirou um certo prazo, geralmente de
seis meses, desde que, nesse meio tempo, os seus clien­
tes se tenham conservado fiéis. Dêste modo conseguem
amarrar indefinidamente seus clientes. (1 )

(1)
- "No fim d e cada período, o carregador manda à com­
panhia de navegação uma lista dos transportes efetuados por
êle; declara, ao mesmo tempo, que não se dirigiu a outra com-
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A Moral e a Vida de Negócios 161

Há aquí, a nosso vêr, um atentado positivo à liber­


dade dos clientes, os quais, com êste sistema, nunca mais
podem denunciar seus contratos de exclusividade, sem
perderem os descontos, aos quais adquiriram um direito
positivo.
Pensamos por conseguinte, salvo o caso em que o
contráto que firmaram atente contra sua liberdade le­
gítima, que os expedidores são obrigados a respeitar o
compromisso de fidelidade que subscreveram. Nada os
impede de convidar seus clientes a se dirigirem a com­
panhias de fóra (outsiders) , que c�nsintam em executar
suas expedições a preço mais barato, mas êles mesmos
devem abster-se de negociar pessoalmente com êstes (in­
dependentes) as expedições de que se trata. Não lhes
é permitido servir-se do concurso de "testas de ferro",
ou de firmas fictícias, para recolherem depois as corre­
tagens ou as comissões referentes a estas expedições.

panhia não sindicada, nem durante o período dos transportes


pelos quais pede o desconto, nem durante o período subsequente.
De ordinário, como acabamos de dizer, o desconto é de 10%
e a duração de u'rn período de espera, de seis meses; mas éstas
estipulações variam de um sindicato a outro. Têm-se citado o
fáto de um sindicato, cujos abatimentos eram de 30% do fréte,
desconto importante, mas perda também importante, em caso de
infidelidade; um outro sindicato calculava seus descontos anual­
mente e diferia o seu pagamento por 18 meses".
(L. Baudez, Faut-il interdire les rabais di:fférés? La vie
économique et sociale, Novembre 1948, p. 308 et sv. ) .

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CAPÍTULO VIII

A LIVRE CONCORR1!:NCIA

I - PRINCÍPIOS.

A livre concorrência pode-se definir : a livre com­


petição das individualidades econômicas procurando,
por todos os meios legítimos, as maiores vantagens, res­
peitando, porém, o direito igual de outrem.
As vantagens desta competição não podem ser pos­
tas em dúvida; estimulando sem cessar a atividade, e
conservando vivos os esfôrços de todos, é ela a mais po­
derosa alavanca do progresso econômico.
S. S. Pio XI declarou formalmente : "mantida em
sãbios limites, a livre concorrência é cousa legítima e
útil" (Q. A.) . A ressa_lva que o Papa põe à sua apro­
vação é que seja contida entre prudentes limites. 1!:stes
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A Moral e a Vida d� Negócios 1 63

limites são antes de tudo traçados pelas exigências da


justiça e da caridade. (1)

II - A JUSTIÇA E A CONCORRÊNCIA.

A justiça inanda a todo concorrente que respeite o


direito de seus competidores. Quais são êstes direitos?
Um negociante possue uma clientela que seus con­
correntes lhe disputam àsperamente. Não tem direito
sôbre esta clientela : mas tem direito a que (essa ciien­
tela) não lhe seja roubada, por meio de procedimentos
ilícitos ou fraudulentos. Mas quem marcará o limite
entre os processos de concorrência lícitos e os que o
não são?
Serão o direito natural e a lei positiva.

1 - O direito natural.

Há certos métodos de concorrência que o direito


natural sem mais proscreve : tais são, a mentira, a ca-

( 1 ) - "A livre concorrência, como toda liberdade, não é


irrestrita; o seu exercício encontra limites nos preceitos legais
que a regulam e nos direitos dos outros concorrentes pressupon­
do um exercício leal e honesto do direito próprio, expressivo da
probidade profissional ; excedidos êsses limites, surge a concor­
rência desleal, que nenhum preceito legal define e nem poderia
fazê-lo, tal a variedade de atos que podem constituí-los; assim
o decreto n.0 24 . 507, de 1934, não restringiu êsses atos aos que
especificou; seu objetivo não foi outro sinão o de indicar aque­
les que reputou merecedores de sanção legal". (Ac. unânime
da 2.o. Turma do Sup. Trib. Federal ) . Em 9-12-1947, publicado
in Rev. Tribunais, pgs. 184-914.

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1 64 Alberto Müller S. J.

lúnia, a detração, os atentados ao direito de proprieda­


de, a má fé, etc.
Não se deve confundir. mentira com certos exageros
e hipérboles, a que se entrega ordinàriamente a propa­
ganda, pois nenhum homem sério toma ao pé da letra
estas declarações. A propaganda porém se deve proi­
bir certas mentiras flagrantes, alegações propriamente
falsas.
A calúnia, que faz ao concorrente imputações men­
tirosas, é sempre condenável.
A murmuração que atenta ao bom nome dwn con­
corrente pela revelação duma culpa verdadeira, é igual­
mente culpável, quando visa um fato sem relação com
o interêsse do cliente. Será por exemplo permitido pôr
de sôbre aviso wn cliente acerca das práticas fraudu­
lentas de seu fornecedor habitual, dar-lhe a conhecer a
solvabilidade incerta do seu banqueiro, etc., mas não se
devem revelar certos escândalos de família, um passado
tempestuoso, etc. Acrescentemos que não há murmu­
ração em referir fatos notoriamente conhecidos do pú­
blico. Em geral um homem de negócios honesto não
se abaixará a semelhantes práticas, para atrair a sí os
clientes de uma firma rival.

III - A LEI POSITIVA.

A concorrência sem freios, levada a excessos com


demasiada facilidade obrigou o legislador a definir e pro­
teger com maior precisão e eficiência certos direitos dos

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A Moral e a Vida de Negócios 1 65

comerciantes, e a proscrever certos processos de concor­


rência atentatórios a êstes direitos. Não se trata aquí
de leis puramente penais : estas leis obrigam· em cons­
ciência, e a sua violação constitue uma verdadeira in­
justiça. Apontemos a êste respeito :
1 .0 -Leis especiais visando certos direitos parti­
culares, ou proibindo certos processos de concorrência
claramente determinados : a legislação sôbre patentes,
desenhos industriais, marcas de fábrica e de comércio,
assim como, sôbre a propriedade industrial em geral; a
lei de 30 de Março de 1926 sôbre a autenticidade das
rendas feitas à mão; a lei de 18 de Abril de 1927 sôbre
o nome de origem para vinhos e aguardentes; os decre­
tos régios fixando as condições exigidas para vender com
certas denominações : pano de puro linho, (13 de Ja­
neiro de 1935) , calçados feitos a mão (6 de Março de
1935) , cimento Portland (6 de Março de 1935) , etc.
2. o - O decreto-lei de 23 de Dezembro de 1934, ten­
dente a reprimir a concorrência ilícita. O legislador
substituiu o qualificativo de ilícito ao de desleal, ablten­
do-se de julgar as intenções dbs autores dos atos que
proíbe. :f!:ste decreto-lei tem um alcance geral, e tende
a reprimir todos os atos de concorrência ilícita. Nos
têrmos dêste decreto-lei, é considerado ato de concor­
rência ilícita todo "Ato contrário aos usos honestos em
matéria comercial, pelo qual um comerciante, um indus­
trial ou um artífice tira ou tenta tirar a seus concorren­
tes ou a um dêles, uma parte de sua clientela, atenta
ou procura atingir sua capacidade de concorrência".

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1 66 Alberto Müller S. J.

Contra os autores de semelhantes atos o decreto-lei


concede ao comerciante ou ao industrial lesado, l:).ssim
como ao grupo de comerciantes ou industriais uma ação
de cessação perante o tribunal de comércio. (.1)
A título exemplificativo, não limitativo, o decreto­
lei aponta como casos de concorrência ilícita :
a) Criar ou tentar criar a confusão entre a pró­
pria pessoa, estabelecimento ou produtos e a
pessôa, estabelecimento ou produtos de seus
concorrentes.
b) Espalhar imputações falsas sôbre a pessôa, a
emprêsa, as mercadorias, o pessoal de seus con­
correntes. (2)
c) Dar indicações inexatas sôbre a própria perso­
naHdade comercial, ou sôbre sua indústria, seus
desenhos, marcas, patentes, referências, prê­
mios; sôbre a natureza de seus produtos ou de
sua mercadoria; ·sôbre as condições da sua fa­
bricação, sua origem, sua qualidade ou sua pro-
- veniência.
d) Apôr, deixar ou mandar apôr sôbre produtos
fabricado.s, depositados 011 transportados com
fim de venda ou vendidos, ou sôbre a embala-

(1) - Com referência ao que dispõe o artigo n.0 196, qo


Código Penal Brasileiro.
(2) - Em consonância com o Decreto n.0 24 . 507, de 29 de
Junho de 1934.
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A �oral e a Vida de Neg6cios 1 67

gem, caixas, fardos, invólucros, caixotes, uma


etiqueta, uma marca de fábrica, ou de comér­
cio, um nome, um sinal ou uma indicação qual­
quer, capaz de fazer crer que os produtos têm
origem ou procedência diferente da verdadeira.

e) Fazer crêr numa origem ou procedência inexa­


ta dos ditos produtos, por adição, subtração
qualquer duma marca ou duma etiqueta, quer
por meio de brochuras, circulares, folhetos ou
cartazes, quer seja pela apresentação de certl­
d.ões de origem ou de procedência, ou de !atu­
ras, ou por qualquer outro meio.

f) Fazer uso não autorizado de modêlos, amos­


tras, combinações, fórmulas dum concorrente
e em geral de todas as indicações, documentos
confiados para um certo trabalho, dum estudo
ou duma planta.

Todos êstes dispositivos, destinados a pr-oteger os


direitos que a lei reconhece aos comerciantes, obrigam
em consc1encia. Nos casos duvidosos, quando não é
certo que tal procedimento constitue um caso de con­
corrência ilícita, um comerciante poderá adotá-lo, com
a reserva, porém, que renuncie a êle, logo que fôr a isso
intimado pelo tribunal, e pague as perdas e danos aos
quais fosse porventura condenado.

Um comerciante honesto terá, contudo, por lei, ob­


servar nestas matérias a mais escrupulosa correção, pro-

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1 68 Alberto Müller S. J.

curando fugir rigorosamente de qualquer ato que, de


perto ou de longe, denote concorrência ilícita.
Observações complementares.

A - Contratação e imitação. (1)

Não é sempre fácil traçar u m limite nítido entre os


processos lícitos e ilícitos de concorrência. Um comer­
ciante ou um industrial que se esforce por aumentar sua
clientela, é naturalmente levado a inspirar-se nos méto­
dos, no modo de proceder, nas indústrias que ocasiona­
ram o êxito de seu concorrente; há nisto um esfôrço de
imitação, que não é repreensível em sí mesmo, mas que
deve ·ser contido em j ustos limites :
a) A C�?ntrafação, pela qual um comerciante apre­
senta sua própria mercadoria como produto de
outrem, é sempre ilícita; incorre aliás na san­
ção do art. 191 do Código Penal : "Quem quer
que sej a que tiver aposto ou mandado apôr por
adição, subtração, ou por uma alteração qual­
quer, sôbre objetos fabricados, o nome dum fa­
bricante outro que o do verdadeiro autor, ou a
razão' comercial outra que a da fabricação, será
punido com prisão de um a seis meses".

( 1 ) - D� conformidade com os artigos 184, 187, 188 e 192


do Código Penal. Relação com o Decreto-Lei n.0 7 . 903, de 27
de Agosto de 1945 e Decreto-Lei n�0 8 . 481, de 27 de Dezembro
de 1945. (Código de Propriedade Industrial) .

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A Mor�l e a Vida de Negócios 1 69

"A mesma pena será pronunciada contra


todo mercador ou retalhista que tiver concien­
temente exposto à venda ou posto em circulação
objetos marcados com nomes supostos ou alte­
rados".
b) A imitação consiste em tomar ao produto de
outrem, para os aplicar ou incorporar aos seus.
os traços, as qualidades ou as fórmas que va­
leram ao concorrente o favor da clientela.
É certamente ilícita, quando se aplica a copiar pro­
dutos, marcas ou desenhos, que os autores originais co­
locaram sob a proteção da lei, fazendo-os patentear ou
registrar. Se êstes autores não tomaram esta precau­
ção, é de se presumir que renunciaram espontâneamente
ao benefício desta proteção.
Há contudo produtos ou desenhos que não se pres­
tam a esta formalidade; são notadamente artigos de
moda, certos produtos de luxo, embalagens, etc. Será
permitido, p . e. a uma modista comprar uma "criação
nova" e reproduzí-la com intúito de venda? A um ou­
rives reproduzir uma obra de arte exposta à vitrina dum
concorrente, a um perfumista vender seus produtos em
frascos cuja fórma e desenho são tomados a um concor­
rente?
Estima-se geralmente lícita a imitação, quando se
trata dum objeto que o imitador destina a seu uso pes­
soal. O juizo é mais severo, quando os obj etos reprodu­
zidos são destinados à venda. O professor Baudhuin
escreve a êste propósito : "Evidentemente não é lícito

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170 Alberto Müller S. J.

copiar com um fim comercial um modêlo dêste gênero,


que tem um caráter pessoal. É, pois, preciso condenar
radicalmente procedimento como aquele que consiste
em comprar um objeto numa casa concorrente, e man­
dá-lo reproduzir na sua oficina".
"Seria até a uma pessôa particular proibido tomar
para ver um objeto, mandá-lo copiar e devolvê-lo ao for­
necedor. Por outra parte, tratando-se de pessôa parti­
cular, nada a impede de mandar reproduzir um objeto
que comprou. O fornecedor vende não somente o ob­
jeto, mas também o modêlo para uso particular. Con­
tanto que o comprador não dê ao modêlo um destino
comercial, não ultrapassa seu direito".
"Que dizer das vitrinas e exposições, como do desfi­
le dos manequins? Parece-nos que não se pbde conde­
nar formalmente uma reprodução feita de memória, mas
que se deve condenar quem tomasse notas ou esboços . . .

A reprodução de memória é um risco que as grandes


casas encaram deliberadamente . . " (1) .

O parecer do distinto professor é claro e perentório,


mas não vem apoiado com nenhuma demonstração.
Sentimo-nos propensos a ser menos severos, salvo no
que diz respeito a quem toma um artigo e o restitue ao
vendedor, depois de o ter copiado para seu uso pessoal :
aí temos manifestamente abuso de confiança, pois de
certo o vendedor não quís pôr o objeto à disposição do
cliente, com o fim único de imitá-lo, Em todos os ou-

(1) - Déontologie des affaires. 4e édition, p. 111.

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A Moral e a Vida de Negócios 1 71

tros casos, há plágio manifesto. Certamente o plágio


é pouco honroso : implica numa confissão de incapaci­
dade inventiva ou criadora; não cremos que constitua
uma verdadeira injustiça, desde que o autor original ex­
ponha ou ceda o objeto que criou, sem colocar seu mo­
dêlo ou sua invenção sob a proteção da lei, e que seja
difícil impedir a outrem de explorar sua idéia. Deve-se
observar aliás que o decreto-lei de 23 de Dezembro de
1934, não considera como concorrência ilícita, senão a
reprodução dos desenhos e modêlos confiados no intúito
de um trabalho a ser feito, de estudo ou de uma planta.
PediiJlOS aos leitores que não considerem estas ob­
-
servações como uma reabilitação do plágio.
Não há muito que nos consultaram sôbre a liceida­
de do caso seguinte : Um jovem casal, seduzido pelas
criações artísticas duma firma de marcenaria, pediu a
esta que lhe enviasse seus desenhos com a menção dos
preços dos artigos que mais o interessavam. A firma
interpelada mandou logo, para escolha, uma série de
fotografias, mas o preço que pedia para uma mobília de
salão ultrapassava muito os recursos dos interessados.
Tendo mostrado a um modesto carpinteiro do interior o
modêlo que mais lhes agradou, êste declarou que estava
disposto a fazer um móvel idêntico, por um preço cinco
vezes menor que o da marcenaria de luxo. Podia o ca­
sal de que se trata, mandar reproduzir as fotografias,
sem que o soubesse aquele que lhas tinha confiado e
encarregar depois o modesto carpinteiro de executar a
mobilia desejada.

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1 72 Alberto Müller S. J.

Resolvemos negativamente o caso proposto : por in­


teressante que fosse a economia almejada não era possí­
vel realizá-la sem um manifesto abuso de confiança. As
fotografias certamente foram confiadas a título confi­
dencial, na esperança de provocar uriía encomenda, e
não para facilitar a imitação abusiva que se poderia
fazer delas. Seríamos menos severos, se se tratasse do
aproveitamento duma ilustração de reclame, entrada de
algum modo no domínio público, ou dum esboço sumá­
rio feito à vitrina dum armazem, ou numa sala de expo­
sição.

B - Sabotagem feita com prejuizo dum concorrente.

A concorrência inspira atos mais repreensíveis ain­


da. Certos concorrentes chegam a organizar, com a
cumplicidade de empregados infiéis, a sabotagem dos
interêsses de seus rivais, provocando a deterioração de
seus produtos, o desvio de sua correspondência, atra­
sos calculados nas suas expedições e suas entregas, até
mesmo a destruição de suas máquinas e de suas ferra­
mentas.
1!:stes procedimentos injustificáveis são evidente­
mente condenados pela mais elementar justiça. Feliz­
mente êstes métodos são ainda raros entre nós : são mais
frequentes .no país do "struggle for life", os Estados
Unidos.

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A Moral e a Vida de Negócios 1 73

C - A espionagem comercial.

É muito natural que um comerciante ou um indus­


trial procure inteirar-se dos métodos e processos, aos
quais, colegas mais prósperos, devem seu êxito. :S:ste
cuidado em sí nada tem .de censurável : é sempre útil
aprender dos outros e aproveitar-se de sua experiência :
aliás é a própria condição do progresso da economia na­
cional. Mas todos os meios empregados para chegar a
êste conhecimento não são igualmente legítimos.
Certo é lícito recolher sôbre os negócios de outrem
todos os infórmes que são do domínio público, tais como
os preços correntes, a qualidade de seus produtos, os
métodos de embalagem, suas condições de venda, tais
cõiiiOsO - definem seus prospectos, os elementos que se
deduzem de suas publicações em órgãos oficiais, etc.
Pelo contrário, não se pode admitir que alguém
procure furtar a outro, infórmes de ordem estritamente
confidenciais : fórmulas de fabricação, lista� de clientes
ou de fornecedores, secretos descontos concedidos ou
obtidos, etc. Igualmente não é permitido corromper os
empregados ou prepostos do concorrente, para obter dê­
les que revelem êstes informes confidênciais.
Não é sempre fácil estabelecer uma distinção entre
as informações que são confidenciais e as que o não são.
Os comerciantes e os fabricantes levam longe demais o
cuidado do mistério : os seus colegas · anglo-saxões se
mostram neste ponto muito mais largos de idéias, pre-

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1 74 Alberto Müller S. J.

tendendo que nada tem qu� esconder e que trabalham


numa casa de vidro.
A questão da espionagem comercial suscita . dois
problemas :
/
a) O do estágio. Um empregado admitido como
estagiário, poderá em seguida, quando dirigir
sua própria firma, inspirar-se da experiência
adquirida no serviço de outrem? A resposta
.

deve ser afirmativa, pois o estágio é universal­


mente reconhecido como uma iniciação à prá­
tica corrente dos negócios. Não póde, porém, _
explorar em seu próprio proveito os infórmes
estritamente confidênciais, que lhe foram con­
fiados no tempo de sua aprendizagem.
b) O da concorrência que faria a seu ex-patrão
um empregado agora estabelecido por conta
própria. A mesma regra de discrição ainda se
impõe : proibição de explorar os infórmes es­
tritamente confidenciais.
Ser-lhe-á por ventura permitido prevalecer-se dos
laços de confiança e amizade contraídos com os clientes
do seu ex-patrão, para atraí-los a si, ou à nova firma a
que serve agora? Tal seria o caso de um diretor de su­
cursal de banco, que passou a servir um estabelecimento
rival, de um representante de comércio, que viaja por
conta de nova firma.
Não podemos admitir que estas pessôas levem à fir­
ma que os emprega, a lista dos clientes do seu ex-em-

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A Moral e a Vida de Negócios 1 75

pregador. Mas, na medida em que toda ou parte desta


clientela possa ser considerada como fruto de sua ativi­
dade pessoal, elas têm o direito de a levar a seu novo
empregador. O aviso, pelo qual ex-empregados infor­
mam o público que êles se estabelecem por conta pró­
pria, nada têm de censurável, enquanto se revestir de
um caráter geral. Haveria indelicadeza em reservar
esta comunicação somente à clientela de firma que dei­
xa de servir.

III - A CARIDADE E A CONCORRÊNCIA.

Parecerá à primeira vista que considerações da ca­


ridade nada tenham que vêr com a concorrência. Na
ardente competição pela cliimtela, à qual se entregam
os concorrentes, o êxito de um não se obtem senão com
prejuizo de outro. E contudo o império da lei da cari­
dade é universal : pode, pois, exercer-se até em matéria
de concorrência.
1.0 - A caridade pede aos competidores certa mo'­
deração na procura do êxito econômico e certa conside­
ração para com os concorrentes menos fortes. "Viver
e deixar viver" deve ser a palavra de ordem que tempere
a aspereza da competição. Não convém que, para fir­
mar a sua hegemonia sôbre o mercado, uma firma que
disponha de capitais enormes, esmague e elimine bru­
talmente todos os produtores modestos da praça; que
abasteciam satisfatoriamente a comunidade. Mesmo
onde o interêsse público é melhor acautelado por uma

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1 76 Alberto Müller S. J .

única emprêsa fortemente concentradk , certos resguar­


dos se impõem, para facilitar a transição àqueles que
se vêm forçados a renunciar à sua profissão.
2.0- A despeito da rivalidade existente entre 'os
competidores, há interêsses comuns a toda a profissão,
que reclamam uma ajuda fraterna e urna cordial cola­
boração. Ninguém se pode furtar a esta necessária co­
laboração. Aliás, ela reverterá em proveito daqueles
mesmos que a fornecem, porque o interêsse da profissão
se confunde com o de todos os que t'ivem dela.
3.0- Resta por fim o vasto domínio das relações
de confraternidade, onde a ajuda mútua acha um larg�
campo de aplicação. Os concorrentes não são inimigos
uns dos outros, mas confrades, que devem, em caso de
necessidade, assistir-se mutuamente. Seria contrário à
caridade aproveitar-se das dificuldades ou embaraços
momentâneos de um colega para roubar-lhe urna parte
de sua clientela. Um homem de negócios de espírito
largo e de coração generoso aproveitar-se-á antes de se­
melhantes circunstâncias para sustentar o colega em
dificuldades, abrir-lhe um crédito, e_assar-lhe mercado­
rias que lhe faltam, etc. Na ocasião da mobilização de
1938, viram-se certos negociantes (padeiros p . e.) ofere­
cerem-se a tomar momentâneamente a clientela de um
colega chamado às fileiras, e abandonar-lhe o lucro rea­
lizado no serviço de seus clientes. Era isto o exercício
de uma caridade bem entendida.

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CAPÍTULO IX

UNiõES E MONOPóLIOS

I - OBSERVAÇÕES PRELIMINARES.

Quando se lançam, umas contra as outras, emprê­


sas de fôrça mais ou menos igual, a concorrência sem
freio não tarda em se revelar igualmente prejudicial a
todos os competidores. Po isso, os mais ajuizados entre
êles, compreenderam lqgo que um entendimento lhes se­
ria mais vantajoso do que uma guerra sem quartel.
Assim se constituíram, em todos os países, poderosos
agrupamentos de produtores ou de comerciantes, trusts
e cartéis que visam garantir-lhes um monopólio mais ou
menos completo e controlar soberanamente o mercado.
A existência destas uniões e dêstes agrupamentos
suscita graves problemas de moral econômica, que se
podem reunir sob quatro pontos principais :
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1 78 Alberto Müller S. J.

1.0 - O fim colimado pelas uniões.


2.0 - Os processos empregados para eliminar os
colegas recalcitrantes (outsiders) .
3.0 - A fôrça obrigatória dos compromissos subs­
critos pelos membros aderentes.
4.o - A política dos preços seguida pelas uniões:..
Não necessitamos voltar a êste último ponto, que se
confunde com o problema de justo preço; já estudado
en.. outro capítulo.

II - 0 FIM COLIMADO PELAS UNIÕES.

Diversas emprêsas podem-se agrupar e tender à


criação de um monopólio :
a) Com o fim de explorar arbitràriamente em seu
proveito o mercado pela redução da produção
ou a majoração dos preços.
b) Com o fim de "estereotipar" uma situação já
adquirida, prevendo a constituição de quais­
quer novas emprêsas, qualquer aumento no vo­
lume da produção, qualquer redução de preços.
Solução fácil que favorece os interêsses dos aS­
sociados, mas que não é· bôa para a coletividade.
c) Com o fim de pôr um freio aos abusos de uma
concorrência desenfreada, regular o mercado e
garantir a todos os associados a certeza de uma
honesta e legítima remuneração de seus e-s­
forços.

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A Moral e a Vida de Negócios 1.79

Em cada wna destas hipóteses, procura-se enfrear


ou até eliminar a concorrência.
"Mantida em limites justos, a concorrência é cousa
útil e legitima", como confessa S. S. Pio XI (Q . A . ) .
Para. julgar da legitimidade das uniões econômicas de­
vemos, portanto, examinar se os limites que se pretende
pôr à concorrência são j ustos.
A êste respeito, não se podem criticar as uniões que
visam simplesmente pôr um têrmo às consequências ne­
fastas de uma concorrência abusiva. Será o caso nota­
damente, quando um agrupamento se fórma para re­
conduzir a produção ao nível das necessidades reais do
mercado, com o intúito de garantir aos produtores, pre­
ços razoàvelmente remuneradores, e procurar o sanea­
mento progressivo de um setor hipertrofiado da pro­
dução.
Neste último caso, a cartelização da- indústria açu­
careira espanhola oferece um exemplo típico. Logo de­
pois da perda de Cuba em 1898, a Espanha viu-se coberta
de emprêsas açucareiras, trabalhando com a beterraba.
Consideráveis capitais foram investidos nesta indústria,
que bem cedo spfreu de superproduç�o. Foi então cons­
tituido wn cartét com o intúito de sanear progressiva­
mente o mercado, evitando ao mesmo tempo a perda
total de uma parte dos capitais empatados. Pelo con­
trário, os outros dois fins que assinalamos acima não
podem justificar a constituição de um cartél. A "este­
reotipagem" é prejudicial à coletividade, pois impede de
proporcionar a produção às necessidades crescentes do

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1 80 Alberto Müller S. J.

;mercado, e provoca necessàriamente o encarecimento


dos preços. A criação de um monopólio, com o intúito
de explorar o mercado no interêsse exclusivo das firmas
cartelizadas, é incompatível com a lei do justo preço.

III - As MEDIDAS DE COERÇÃO CONTRA OS INDEPENDENTES


'

( OUTSIDERS) .

A criação de uma união, cartél, federação, e o êxito


de sua política implicam necessàriamente no emprêgo
de medidas coercitivas contra os :rp.embros da profissão
que recusarem aderir ao agrupamento e suj eitar-se à
sua lei ( outsiders) .
A legitimidade destas medidas deve ser julgada em
função do fim colimado pela união e pelos seus próprios
méritos.
1. 0 -Em função do fim c olimado pela união : as
uniões que colimam um fim ilegítimo evid�ntemente não
têm o direito de obrigarem quem quer que seja a con­
corr_er para a realização de seu objetivo ilícito : encare­
cimento excessivo da .mercadoria, diminuição arbitrária
da produç�o, etc. Pelo contrário, o agrupamento que
se propõe pôr um têrmo a uma competição prejudicial
ao público e aos próprios concorrentes, tem o direito de
usar de constrangimento contra todos os colegas que se
recusem a colaborar nesta política de saneamento e de
correção. Os renitentes ("outsiders") não se podem
prevalecer do princípio de liberdade econômica, para se
furtarem a êste dever de solidariedade social e, quando

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A Moral e a Vida de Negócios 1 81

sejam em si legítimas, medidas coercitivas podem ser­


lhes aplicadas. É verdade que os tribunais belgas, ei­
vados de individualismo, ainda são demais inclinados a
tomarem o partido dos recalcitrantes, e a anularem ou
condenarem, como contrárias ao princípio de ordem pú­
blica de liberdade econômica, todas as medidas empre­
gadas para triunfar dessa sua resistência. É êste um
ponto de vista atrasado, que mostra uma lastimável in­
compreensão da presente realidade .econômica.
2.o· - Sôbre seus próprios méritos.
Entre os métodos de coerção empregados, quer para
constituir o cartél, quer para defendê-lo contra novos
competidores, convém sobretudo considerar a guerra de
preços ou de tarifas e a boicotagem.

a) A guerra de preços ou de tarifas.

Para constranger os recalcitrantes a aderirem a sua


união, as emprêsas cartelizadas procedem a reduções às
vezes em massa de seus preços, obrigando dêste modo
os independentes a escolherem entre a submissão e a
ruína inevitável. O método por certo custa muito ao
agrupamento . que o emprega; mas, uma vez eliminado
ou sujeitado o competidor recalcitrante, uma elevação
de preços permitirá ao vencedor reparar as perdas sofri­
das no decorrer da luta. �ste processo não parece con­
denável. A baixa temporária do preço é consentida es­
pontâneamente pelo cartél, como o mais seguro meio de
chegar afinal ao estabelecimento de um preço normal.

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1 82 Alberto Müller S. J.

A alta subsequente dos preços justifica-se igualmente


�orno uma legítima recuperação das perdas sofridas.
Aliás a concorrência latente impedirá as mais das vezes
todo perigo de abusos por êste lado.

b) A boicotagem.

Outro método menos dispendioso consiste em isolar


o renitente e reduzí-lo à impotência, cortando-lhe o abas­
tecimento de matérias-primas, de mão-de-obra, privan­
do-o dos serviços de transportes, etc. Isto supõe uma
união j á bastante forte, capaz de exercer um constran­
gimento eficaz sôbre os fornecedores, a mão-de-obra, os
transportes, etc.
O recalcitrante, na hipótese que consideramos, não
se pode queixar de ser injustamente atingido no livre
exercício de sua profissão. É êle que se comporta como
injusto agressor, procurando comprometer o legítimo
esfôrço de saneamento intentado pela união.
Poder-se-á denunciar a boicotagem como injusto es­
torvo à liberdade dos terceiros (fornecedores, operários,
carregadores) ?
Também não : os terceiros que se fizessem cúmplices
do renitente, injusto agres�or, não se devem queixar das
sanções com que .são castigados. ( 1)

(1) A s emprêsas cartelizadas hesitam à s vezes, antes de


-

começar uma guerra de tarifas contra um "outsider" que consi­


deram capaz duma resistência prolongada. Preferem comprar
êsses estabelecimentos e fechà-los. Isto tem dado lugar a uma

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A Moral e a Vida de Negócios 1 83

IV - VALIDADE DOS COMPROMISSOS ASSUMIDOS.

Os membros filiados a uma união comprometem-se


a observar lealmente as convenções que os unem. Em
que medida são êles obrigados a · respeitar os compro­
missos assim tomados?
1.0 - Quando se trata de um cartél, visando um
fim ilícito, é claro que a convenção não tem valor, nem
pode ligar a consciência das partes. Em geral, porém·,
é o caso de exigir dos membros que estão decididos a
retomar sua liberdade, uma denúncia formal dos com­
promissos assumidos. De fáto, porém, esta obrigação
desaparece, quando a d�núncia exponha os dissidentes
a represálias.
2.o - Quando se trata, pelo contrário, de uma
união que se propõe um fim legítimo, os aderentes são
obrigados em consciência a respeitar os compromissos

verdadeira chantagem, como na indústria belga dos fósforos. __

Usinas foram criadas com o único fim de serem compradas pelo


"trust" ou pela união . É êste um abuso capaz de impedir qual­
quer esfôrço de saneamento; somente uma intervenção legal,
ao que parece, lhe pode pôr um têrmo.
Por legítimo que seja o seu fim, os carteis não podem usar
de violência contra os independentes; é-lhes proibido organizar
a sabotagem das emprêsas recalcitrantes, violar o seu direito de
propriedade, etc. O velho Rockfeller obrigava as Companhias
de Estradas de Ferro, que transportavam seus produtos, a co­
brar uma sobretaxa sôbre os produtos de seus concorrentes e a
entregar-lhe a importância désta majoração. Evidentemente
nada o autorizava a cobrar um semelhante tributo de seus com­
petidores.

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1 84 Alberto Müller S. J.

que voluntàriamente subscreveram. Toda a falta a êste


respeito constitue uma verdadeira injustiça para com
os contratantes, e traz consigo a obrigação de reparar
os prejuízos que lhes causa. A êste princípio, infeliz­
mente muito desconhecido, há somente duas exceções;
a convenção não obriga em consciência :
a) Se as partes entenderam não dar ao contráto
outro caráter que o de lei penal, contentando-se
com sancionar por meio de multas as irlfrações
às disposições convencionadas.
b) Quando se tem certeza de que a convenção não
é respeitada pela maioria dos contraentes, e
que a autoridade encarregada de urgir a exe­
cução não pode ou não quer desincumbir-se de
sua missão. (1)

(1) Acontece algumas ·vezes que uma união ou uma as­


-

sociação não consente em tratar com clientes, se êstes não se


conformarem com uma política de vendas: preços impostos, con­
dições de abatimento, etc.. Até onde os terceiros estão obriga­
dos a respeitar êstes compromissos que subscreveram constran­
�oo? �
1.0 - Se as condições assim impostas foram fixadas para
garantir os interêsses legítimos da profissão, os terceiros não
podem fugir-lhes, salvo se geralmente não são respeitadas.
2.0 - Se éstas condições são abusivas, os terceiros que in­
devidamente foram constrangidos a assiná-las, não são_obrigados
em consciência a respeitá-las.

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CAPÍTULO X

A ORGANIZAÇÃO PROFISSIONAL

I - 0 PROBLEMA.

A concorrência é cousa legítima e útil, s� contida


entre justos limites: neste ponto, hoje em dia, todos
concordam. Resta saber a quem cabe a missão de tra­
çar êstes limites, os quais, aliás, não podem ser idên­
ticos para todas as profissões. A êste respeito, defron­
tam-se duas grandes fórmulas : a do Estadismo, e a da
Organização Profissional.

1 - A fórmula estatal.

Esta confia ao Estado o poder de regulamentar e


ordenar ao bem comum da comunidade, todas as fór­
mas da atividade econômica. Não se pode contestar ao
Estado, guarda do bem comum, o direito de fixar regras
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1 86 Alberto Müller S. J.

gerais, às quais qualquer concorrente - deve suj eitar-se,


e de ordenar toda a atividade econômica ao bem da co­
munidade. Mas é presumir demais de suas aptidões e
de sua competência, confiar-lhe o cuidado de regula­
mentar, até nos mínimos detalhes, o exercício de cada
profissão em particular. Aliás seria rima injustiça,
como observa S. S. Pio XI, tirar aos agrupamentos de
ordem inferior, para confiá-las a uma coletividade mais
vasta e de ordem superior, funções que êles mesmos po­
dem muito bem cumprir. (Q. A.) . "Abandone, pois,
a autoridade pública, acrescenta muito felizmente o
Santo Padre, abandone aos grupos de ordem inferior o
cuidado dos negócios de menor importância, onde se des­
penderia excessivamente seu esfôrço; então ela poderá
mais livremente ocupar-se, mais poderosa e eficazmente
das funções que lhe pertencem em próprio, porque só
ela as pode cumprir : dirigir, fiscalizar, estimular, con­
ter, segundo o pedem as circunstâncias ou o exige a ne­
cessidade".

2 - A fórmula corporativa.

'Toca, pois, aos próprios interessados, reunidos em


agrupamentos profissionais ou corporativos, regulamen­
tar em proveito de todos e da coletividade o exercício
da profissão. Porém a fórmula corporativa pode ter
uma dupla aplicação.
a) O corporativismo de Estado, instaurado de mo­
do inteiriço por um decreto da autoridade pú-

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A Moral e a Vida de Negócios 1 87

blica, filiando por ofício à corporação, todos os


membros da profissão.
b) O corporativismo de associação, fruto da orga­
nização livre e espontânea dos interessados, e
investido pela autoridade pública da missão de
elaborar a lei da profissão.
Dissemos alhures por que motivos preferimos o cor­
porativismo de associação. (1)
Surge aquí um problema que merece reter a nossa
atenção. Dado que, segundo esta fórmula, o Estado
deixa à livre iniciativa dos interessados o cuidado de
constituir o agrupamento profissional ou corporativo,
existe para cada membro da profissão uma obrigação
de consciência de concorrer pela sua filiação à consti­
tuição da corporação?
A esta pergunta, não hesitamos em responder pela
afirmativa.

3 - O dever de colaborar na organização profissional.

1.0 - Justificação doutrinal da nossa tese.


O homem é um ser social, inclinado pelas próprias
deficiências de sua natureza individual, a pedir à socie­
dade de seus semelhantes o indispensável aperfeiçoa­
mento do seu ser e de suas faculdades. Mas os benefí­
cios da vida social não lhe são gratúitamente reparti-

(1) - Notes d'économie politique, tome I, p. 460.

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1 88 Alberto Müller S. J.

dos. Auxílio por auxílio, serviço por serviço; tanto


recebe da sociedade, outro tanto êle lhe dá. Tal é a
lei da justiça social, que rege todas as atividades.
O exercício portanto da profissão se reveste de um
duplo aspecto, individual e social : êstes dois aspectos
nunca . podem 'ser dissociados.
Instrumento de subsistência pessoal, a profissão é
também uma função social, que convém cumprir de con­
formidade com o bem comum. É até antes de tudo uma
função social, e o lucro profissional não era considerado,
nos séculos cristãos, senão como uma remuneração de
um serviço -prestado.
Ora, em nossos dias sobretudo, o interêsse comum
reclama imperiosamente, em cada profissão, e na intei­
ra atividade econômica da nação, o restabelecimento da
ordem e do equilíbrio, que em má hora uma concorrên­
cia desenfreada destruiu.
Portanto o industrial que se recusasse a contribuir
por sua parte a uma organização mais sadia da profis­
são, faltaria certamente às suas obrigações para com a
coletividade e pecaria contra a justiça social.

II - 0 ENSINO DA IGREJA.
,_

Podemos aliás, em apoio do nosso modo de vêr, in­


vocar várias declarações emanadas das mais altas auto­
ridades religiosas.
a) São em primeiro lugar três pontos do "sylla­
bus", que a Sagrada Congregação do Concílio
extraiu dos ensinos pontifícios nesta matéria.

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A Moral e a Vida de Negócios 1 89

"A Igreja reconhece e afirma o direito dos patrões


e dos operários de constituir-se em associações sindicais,
quer separadas, quer mi.xtas, e vê nelas um meio eficaz
para a solução da questão social.
"A Igreja, no estado atual das cousas, julga nor­
malmente necessária a constituição de tais associações
sindicais.
"A Igreja exorta a que sejam constituídas tais as­
sociações sindicais.
Objetar-se-á talvez que êste Sílabo trata dos sindi­
catos patronais e operários, não de agrupamentos pro­
fissionais propriamente ditos. É fácil de responder, que
os patrões sindicados não podem regular sua atitude
comum a respeito das associações operárias, sem que
estudem ao mesmo tempo as repercuções das conces­
sões que êles vão fazer e procurar meios de atenuar
seus efeitos. A mór parte das vezes, a solução dos pro­
blemas econômicos deve preceder a dos problemas so­
ciais, e o sindicato patronal, que também têm compe­
tência para tratar de uns e outros, constituirá um
agrupamento profissional propriamente dito.

b) Na Encíclica Quadragesimo Anno, S. S. Pio XI,


depois de ter denunciado o individualismo, CiJ.Ue
conseguiu quebrar e quase sufocar êsse intenso
movimento de vida social, que outrora desabro­
chava numa tão rica e harmoniosa floração dos
mais diversos agrupamentos, "nos mostra o re­
médio à desordem econômica e social atual na

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1 90 Alberto Müller S. J.

volta à colaboração dos diversos agrupamentos


profissionais".
"A política social envidará, portanto, todos seus es­
forços para reconstituir os corpos profissionais. Não
se poderá chegar a uma saúde perfeita, se a estas clas­
ses opostas (as partes antagonistas_ no mercado do tra­
balho) não se substituem órgãos bem constituidos das
"ordens" ou das "profissões", que agrupam os homens,
não confórme a posição que ocupam no mercado do tra­
balho, mas confórme os diversos ramos de atividade so­
cial aos quais se dedicam. A natureza inclina os mem­
bros dum mesmo mistér ou de uma mesma profissão,
qualquer que seja, a criar agrupamentos corporativos,
de tal sorte que muitos consideram tais agrupamentos
como órgãos senão essenciais, pelo menos naturais na
sociedade".
S. S. Pio XI exorta-nos a constituir sem demora
esta organização profissional, declarando ao mesmo
tempo que os homens são "livres de adotar a fórm& de
associação que prefiram".
c) S. S. Pio XI é mais explícito ainda na Encícli­
ca Divini Redemptor�s : "Como acontece cada
dia mais no salariado, a justiça só poderá ser
observada por cada um, se todos concordarem
em praticá-la juntos, por meio de instituições
que liguem entre si os empregadores, com o in­
túito de evitar uma concorrência incompatível
com a justiça devida aos trabalhadores; então
é dever dos empreiteiros e dos patrões promo-

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A Moral e a Vida de Negócios 1 91

ver e sustentar estas instituições necessárias,


as quais tornam-se o meio normal pelo qual a
justiça pode ser satisfeita".

III - ÜBJEÇÕES.'

Há um número demasiado de industriais e de co­


merciantes, ainda impregnados de individualismo, que
ficam obstinadamente refratários aos princípios que
acabamos de expôr. tles obj etam :
1.0 -Que são bastante fortes e poderosos para dis­
pensarem o auxílio e o concurso de uma associação pro­
fjssional. Esta objeção desloca arbitràriamente a ques­
tão. Nós fundamos a obrigação que lhes incumbe, não
sôbre suas conveniências ou necessidades pessoais, mas
sôbre as exigências do bem comum da coletividade, que
reclamam uma organização sadia e harmoniosa da pro­
fissão.
2.0 - ·Que a iniciativa da associação parte de ordi­
nário de emprêsas de menor importância, preocupadas
em pôr limites à concorrência desastrosa, que lhes fazem
alguns competidores mais poderosos ou melhor arma­
dos. É muito possível que seja assim; mas seu cuidado
é muito legítimo. Para ser útil e sã, a concorrência
deve ser mantida em limites justos. Esta é precisamen­
te a missão do agrupamento profissional : definir êstes
limites, e fazer com que sejam respeitados. Ninguém
tem direito, por motivos de conveniência ou de interêsse
pessoal, de recusar a êste esfôrço, a su� colaboração.

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1 92 Alberto Müller S. J.

Em nlatéiia econômica, como no domínio da política, a


fôrça não cria o direito. A superioridade econômica de
um grande industrial poderosamente equipado não lhe
confere o direito de eliminar, por meio de uma concor­
rência desenfreada, competidores de flma determinada
profissão. Aliás esta luta é contrária aos interêsses da
sociedade, por ela ameaçada de se vêr entregue ao mo­
nopólio do vencedor. Por outra parte, a caridade não
pode admitir que, com o fim único de aumentar suas
riquezas j á consideráveis, um empreiteiro destrua, por
sua concorrência irresistível, situações adquiridas com
longos e laboriosos esforços.
3.o Que o agrupamento profissional corre o ris­
-

co de fechar o caminho ao progresso, e de m�ter em


vida emprêsas parasitas) à custa dos legítimos interês­
ses do público consumidor.
Certamente um chefe de emprêsa, mais esclarecido,
mais moderno, mais aberto às exigências do verdadeiro
progresso, não deve sofrer a lei tirânica de seus colegas
atrasados, incapazes ou pouco hábeis, que vivem como
parasitas da comunidade que exploram. Mas, nao po- ·

demos ver nisto um motivo suficiente para recusar desde


logo qualquer contácto com êles, qualquer proposta de
entendimento e de colaboração. Em sí, um debate,
umas trocas de vistas não comprometem em nada, mas
podem servir muito para abrir o caminho a um acôrdo
que respeite os legítimos interêsses de todas as partes.
Um recurso à autoridade pública deve aliás ficar livre

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A Moral e a Vida de Negócios 1 93

aos membros que se julgarem vítimas de injustos ata­


ques ou de intoleráveis vexames.

IV - CONCLUSÕES.

Existe pois, para cada industrial ou comerciante,


uma verdadeira obrigação de trazer sua adesão e sua
leal cooperação a qualquer esfôrço sério e sincero de or­
- )inização profissional.
"A qualquer esfôrço sério e sincero",· dizemos. Com
efeito, se a iniCiativa do agrupamento vem de pessôas
sem nenhuma influência <?U crédito, e portanto não ofe­
rece nenhuma probabilidade de êxito, uma atitude de
expectativa a seu respeito é perfeitamente justificada.
O mesmo se diga, quando os promotores do agrupamen­
to se inspiram manifestamente em pontos de vista
egoístas e não pretendem senão seu interêsse pessoal.
Constituída a organização profissional, seus mem­
bros, são, por princípio, a título de j u��iça comutativa,
obrigados a respeitar os regulamentos emitidos pelos.
órgãos da corporação, e regularmente sancionados pela
autoridade pública c-ompetente. Com efeito, qualquer
violação dêstes regulamentos prejudicaria a toaos os
membros que os observam fielmente.
N. B. _,_ Os princípios que acabamos de expôr em
assunto de organização profissional aplicam-se, mutatis
mutandis, à organização sindical dos operários como
outrossim .às convenç�es coletivas realizadas entre em­
pregadores e empregados.

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CAPÍTULO XI

El\I.IPREGADORES E EMPREGADOS

I - OBSERVAÇÕES PRELIMINARES.

Tendo estudado, sob o ponto de vi�ta deontológico,


as relações que se efetuam entre fornecedores e clientes,
e entre colegas, no exercício da mesma profissão, deve­
mos examinar agora as relações que se estabelecem en­
tre empregadores e empregados.
O assunto é vasto e não podemos pensar em esgo­
tá-lo em poucas páginas. É forçoso limitar-nos a al­
guns pontos essenciais, e quanto ao mais (contráto de
trabalho e salários, ação sindical, conciliação e arbitra­
gem) , remeter o leitor à �xposição mais desenvolvida
destas matérias no Tomo I das Nossas notas de Econo­
mia Política. Trataremos no presente capítulo dos de-
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A Moral e a Vida de Negócios 1 95

veres gerais que decorrem do contráto de trabalho, para


o empregador e para o · empregado. (1)

II - DEVERES DO EMPREGADOR.

. �
Os deveres que mcumbem ao empregador para com
seus empregados são de dupla ordem : deveres de jus­
tiça e deveres de caridade.

1 -' Deveres de justiça.

A justiça manda que o empregador respeite os di­


re.itos de seus empregados. tstes direitos, por sua vez,
recaem sôbre diversas categorias de bens : integridade
moral, �ntegridade física ou corporal, recursos materiais.

A - Integridade moral.

Ninguém ignora os graves perigos que a promiscui­


dade da fábrica ou do escritório faz correr à fé e à mo­
ral dos trabalhadores, sobretudo dos adolescentes e do
pessoal feminino.
t
"É com vivo temor, declara S. S. Pio XI, que pen-
samos nos graves perigos que corre, nas oficinas moder­
nas, a moralidade dos trabalhadores, sobretudo dos mais

( 1) - A legislação brasileira foi consolidada pelo Decreto­


-Lei n.0 5 . 452, de 1.0 de maio de 1943. (Consolidação das Leis
do Trabalho) .

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1 96 Alberto Müller S. J .

jovens e o pudor das mulheres e das moças . . . Con­


tràriamente ao plano da Providência, o trabalho desti­
nado, até depois do pecado original, ao aperfeiçoamento
material e moral do homem, tende, nestas condições, a
tornar-se um instrumento de depravação : a matéria
inerte sai enobrecida das oficinas, enquanto que os ho­
mens aí se degradam e corrompem". (Q. A.) .
Alguns inquéritos jocistas têm confirmado com seus
testemunhos esmagadores êste severo veredito. Tais
abusos não podem deixar indiferentes os empregadores.
Em todo o rigor do têrmo, êles têm, a respeito do seu
pessoal, "encargo de almas".
Não há dúvida que o espírito de independência, que
caracteriza hoje em dia as classes laboriosas, as torna
mais refratárias a essa tutela moral, que outrora exer­
cia sôbre elas um patronato cristão mais convencido de
suas responsabilidades morais. Não é menos certo, po­
rém, que os empregadores não podem recusar toda res-
. ponsabilidade nesta matéria. Há uma indiferença, há
'
uma tolerância que não têm desculpa; um vasto campo
fica aberto à ação preventiva; os atos de flagrante imo­
ralidade e de corrupçã� devem ser severamente sanciona­
dos. Entre os deveres que incumbem aos patrões nesta
parte, mencionam,os os seguintes :
a) A obrigação de pregar com o exemplo, por meio
duma atitude irrepreensível com seu pessoal,
especialmente com as mulheres e as moças que
tomam a seu serviço.

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A Moral e a Vida de Negócios 1 97

b) A obrigação de escolherem judiciosamente os


gerentes, os chefes de escritório, e os contra­
-mestres, pois da moralidade dêste pessoal diri­
gente depende, na máxima parte, a correção
das oficinas e dos escritórios.
c) A obrigação de impedirem toda promiscuidade
de s�xo e de idade na organização do trabalho.
d) A obrigação de não pôrem nenhum obstáculo
ao exercício dos deveres reJigiosos do pessoal.
e) O cuidado de não im.pôrem a seus colaborado­
res nenhum encargo, nenhum trabalho que
seja contra a sua consciência.

B - Integridade física ou corporal.

O empregador é obrigado a garantir, na medida do


possível, a segurança e a saúde das pessôas que traba­
lham sob as suas ordens : Higiene do Trabalho e das
oficinas, prevenção de acidentes, profilaxia das doenças
profissionais, etc.
A legislação fixou em muitos casos as obrigãções
dos empregadores. Estas prescrições criam para os pa­
trões obrigações estritas. O empregador que as violas­
se, assumiria a responsabilidade do prejuizo que sua !le­
gligência ou sua incúria causassem eventualmente a seu
pessoal.

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1 98 Alberto Müller S. J.

C - Recursos materiais.

O empregador é obrigado, pela justiça comutativa,


a pagar a seus empregados uma remuneração corres­
pondente ao valor de sua prestação. É toda a questão
do justo salârio que aquí acha seu lugar. Assunto vas­
tíssimo, que não nos é possível desenvolver aquí intei­
ramente. A doutrina foi obj eto, mesmo entre moralis­
tas católicos, de controvérsias ardentemente disputadas,
e só recentemente · chegou a uma síntese oficialmente
consagrada pelo Magistério Social da Igrej a, e univer­
salmente aceita pela totalidade dos pensadores e soció­
logos �ristãos. Só podemos resumir sucintamente sua
rica substância.
O trabalho do empregado e do operârio não pode
1:: tratado, no que diz respeito à determinação do seu
j u c;to valor, como unia mercadoria comum, sujeita sem
mais, ao jogo da oferta e da procura. 1i:le recebe do seu
destino providencial, um valor mínimo que o emprega­
dor não pode desconhecer. A maioria dos homens, o
trabalho foi dado como instrumento normal que per­
mita ao trabalhador acudir às exigências de sua subsis­
tência individual (salârio ;mínimo vital) e ao sustento
à e sua família (salârio mínimo familiar) . Seria de­
fraudar o trabalhador no seu estrito direito, não lhe
pagar um salário que correspondesse a estas exigências
mínimas. O empregador é pois obrigado, em estrita
justiça, a pagar a todos seus empregados um salário
mínimo vital e familiar. Diversas circunstâncias o

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A Moral e. a Vida de Negócios 1 99

põem na obrigação de ultrapassar êste limite mínimo :


a qualidade própria do trabalho, os sacrifícios e os riscos
a que se expõe o empregado, etc.
Mas como havemos de julgar o empregador que se
acha impossibilitado de pagar a seu pessoal o justo sa­
lário que lhe é devido? O Papa Pi XI considerou esta
hipótese, que tão frequentemente se verifica nas horas
de crise econômica : "Na determinação dos salários,
escreve êle na Quadragesimo Anno, devem-se ter em con­
ta igualmente as necessidades da emprêsa, e dos que a
gerem. Seria injusto exigir dêles salários exagerados,
que não poderiam suportar, sem correrem o risco de
·
ruina e arrastarem consigo no desastre os trabalhado­
res".
O Papa supõe aquí que a emprêsa tenha uma dire­
ção conveniente : "Certamente se, pela sua indolência,
sua negligência, ou porque não tem um cuidado sufi­
ciente do progresso econômico e técnico, a emprêsa rea­
liza menore.s lucros, não se pode prevalecer desta cir­
cunstância como de razão legítima para reduzir os sa­
l:í.rios de seus operários."
É diferente o caso em que causas independentes
da vontade do empreiteiro o impedem de pagar a seus
colaboradores a justa retribuição a que têm direito. "Se
por outra parte, os recursos lhe faltam para outorgar a
seus empregados uma remuneração equitativa, seja
porque ela mesma sucumbe debaixo do pêso de encar­
gos injustificados, seja que se veja obrigada a vender
seus produtos a preços injustamente deprimidos, os que

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200 Alberto Müller S. J.

a reduzem a esta extremidade tornam-se culpados duma


clamorosa injustiça, pois é por �ua culpa que os operá­
rios são privados da remuneração que lhes é devida,
quando, coagidos pela necessidade, êles aceitam salários
inferiore,s aos que, por direito, poderiam reclamar".
Deante da dolorosa alternativa de fechar sua fábri­
ca, ou de empregar seus operários em condições infe­
riores às que prescreve a justiça, o empreiteiro pode ofe­
recer a seus colaboradores, e êstes podem aceitar, para
escaparem a um mal maior, o segundo partido. Esta
solução é evidentemente transitória, e o empreiteiro não
pode indefinidamente conformar-se com ela. Onde a
aspereza da concorrência é causa duma injusta com­
pressão de salários, não há senão um remédio ao mal :
o entendimento entre os empregadores. O patrão que
se recusar a qualquer acôrdo, arcará com a responsabi­
lidade da injustiça que sofrem os trabalhadores. Me­
ditem os independentes, saturados de individualismo,
esta grave declaração de S. S. Pio XI na Encíclica Di­
vini Redemptoris : "Como acontece cada vez mais no
salariado, a justiça não pode ser observada por cada um,
se todos não estão d'e acôrdo para praticá-la j untos, me­
diante instituições que liguem uns aos outros os empre­
gadores, no intúito de evitarem uma concorrência in­
compatív�l com a justiça devida aos trabalhadores. En­
tão é dever dos empregadores e patrões promover e sus­
tentar essas instituições que vêm a ser o meio normal,
pelo qual a justiça pode ser satisfeita". No número
des�as i,nstituições figuram certamente as convenções

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A Moral e a Vida de Negócios 201

coletivas, passadas entre os agrupamentos patronais e


os sindicatos dos trabalhadores, que registram a tabela
de remuneração na qual todas as partes concordam em
ver a expressão exata das exigências da justiça. (1)
A esta obrigação fundamental de pagar o j usto sa­
lário, em alguns países, o legislador acrescentou outras :
contribuições obrigatórias dos empregadores à constitui­
,ção de pensões para a velhice, caixas de seguros contra
acidentes, contra o desemprego, contra a invalidez, abo­
nos familiares. Onde foram legitimamente promulga­
das, estas disposições criam um direito estrito ao bene­
fício para os operários e empregados, e o empregador
não pode, sem injustiça, furtar-se a êstes encargos legais.
Mas que se deve dizer, se os próprios operários re­
.nunciam ao benefício destas leis protetoras?
Em tese, é evidente que os operários podem renun­
ciar às vantagens que a lei lhes garante. Se a sua re­
núncla é de todo espontânea, e não arrancada por um
constrangimento moral do empregador, êste se poderia
considerar desobrigado neste ponto. Restaria, porém,
examinar em que proporção a não execução de suas
obrigações legais afetaria, desfavoràvelmente, os inte­
rêsses da classe inteira dos operários ou dos emprega­
dod, p . e . em matéria de seguros sociais ou de abonos
familiares.

(1) - John A. Ryan. A living wage� Its ethical and eco­


nomic aspects, p. 346. New York, The Macmillan Company.
1915.- Angelo Brucculeri S. J. II giusto salario, p. 66. Roma
La Civiltà Católica. 1938.

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202 Alberto Müller S. J.

2 - Deveres de caridade.

A paz verdadeira e autêntica é mais, no dizer de


Santo Tomás de Aquino, da ordem da caridade que da
ordem da justiça, tendo esta por missão afastar os obs­
táculos à paz, como os agravos, os prejuízos, enquanto
que a paz é propriamente e muito especialmente um ato
de caridade. (1)
O respeito rigoroso da justiça afastará certamente
muitos obstáculos, que na vida econômica se põem ao
estabelecimento de relações pacíficas entre empregado­
res e empregados; somente a prática sincera da cari­
dade fará surgir entre as duas partes uma leal e con­
fiante colaboração. O empregador deve acostumar-se
a ver nos seus subordinados outra cousa mais que seres
aos quais o ligam relações puramente jurídicas; êle de­
veria ver nêles, criaturas · humanas, iguais a êle em na­
tureza e dignidade, os filhos de um mesmo Pai, que está
nos céus. l!:le nutrirá para com êles sentimentos de be­
nevolência e de caridad� , e se esforçará por fazer-lhes
bem. Por consequência :
1.0 Tratá-los-á com benevolência e. civilidade.
-

Mt�.itos patrões, infelizmente, descuidam êste dever, con­


vencidos como são de que uma autoridade firme nãe se
pode exercer senão com insolência, dureza e até com
g·rosseria. Nada mais prejudicial à harmonia que deve
reinar nas relações entre os empregadores e ::�eus mais

(1) - Summa Theologica II. Ilae. q. 9. a . . 3.

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A Moral e a Vida de Negócios 203

modestos colaboradores. O que o operário re.clama, an­


tes <M! tudo, é o respeito.
Foi um incontestável mérito das reformas do nacio­
nal-socialismo o ter tentado associar no chefe ou no pa­
trij.o uma autoridade forte com o indispensável respeito
devido à dignidade dos trabalhadores. Não procurare­
mos saber até que ponto êle o conseguiu : mas é certo
que em algumas oficinas requisitadas pelo inimigo que
ocupava a Bélgica, nossos operários ficaram muito sen­
sibilizados pelas atenções notáveis com que foram tra­
tados pelos diretores, engenheiros ou contra-mestres ale­
mães, sob cujas ordens trabalhavam.
2.0- Uma caridade sincera inclinará o emprega­
dor a interessar-se eficazmente pelo bem-estar, o pro­
gresso e a prosperidade de seus empregados. Terá a
peito ajudá-los a instruir-se, a desenvolver suas apti­
dões profissionais (a aprendizagem, o estágio) .
:S:le tomará um cuidado razoável da saúde c;lêles, in­
teressar-se-á com discrição à sorte de suas famílias, etc.
Confórme o caso, êle animará também suas legítimas
ambições; ajudá-los-á a se criarem uma situação inde­
pendente. Assim tem-se visto ·patrões de espírito largo
e de coração generoso ajudarem com seus conselhos,
com sua experiência, até mesmo com sua assistência fi­
nanceira, os primeiros passos ainda incertos dum ex­
-subordinado, desejoso de estabelecer-se por conta pró­
pria. Infelizmente, êste interêsse benévolo e paterno
está a caminho de passar, para muita gente, como anti­
quado e fóra da moda, quando não se lhe atribuem de-

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204 Alberto MüUer S. J.

sígnios nitidamente anti-sociais. Hoje em dia, muitos


democratas, até mesmos cristãos, rej eitam o "paterna­
lismo". Aos próprios trabalhadores, dizem êles, toca
tomar em mãos a legítima defesa de seus interêsses; os
patrões nada têm que,ver nesta matéria. Não podemos
admitir esta proposição por demais radical. Sem dúvi­
da, houve empregadores que se serviram muitas vezes
do pretexto de assistirem e de encorajarem o esfôrço de
adiantamento social de seus empregados, para sujeitá­
-los mais seguramente a seu egoísmo arbitrário. , i!:ste
falso "paternalismo" merece ser condenado. Não é me­
nos verdade que o empregador tem deveres de caridade
para ·com seu pessoal ; que tem um dever estrito de lhe
dar uma assistência benévola e desinteressada; que tem
a obrigaçãe de tratá-lo como amigo e como pai. Assim
entendido o "paternalismo" é cousa excelente e digna
de todo elogio. Mas deve respeitar sempre a dignidade
do traba_lhador e evitar de lhe impôr seu concurso ca­
ridoso.
3. o A benevolência inclinará o empregador a es­
-

timular o esfôrço de seus colaboradores. Certos patrões


têm por regra, nunca manüestar sua .satisfação pelos
resultados obtidos pelos seus empregados : julgam mais
hábil estimular sem cessar a atiVidade de seus subordi­
nados com exigências sempre maiores. É esta uma po­
lítica pouco judiciosa. Nada anima tanto um empre­
gado, como saber que seu esfôrça é apreciado e seu mé­
rito reconhecido. Um encorajamento dado a propósito,
longe de inclinar o empregado ao relaxamento, estimula

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A Moral e a Vida de Negócios 205

eficazmente o seu, zêlo e o incita a:. intensificar sua ati­


vidade.
4.o- b empregador costumará, ver em seu pes­
soal, verdadeiros colaboradores que concorrem com êle
para a expansão de sua firma. De certo, o papel do
chefe é preponderante nesta matéria; mas o trabalho
consciencioso e perseverante do pessoal tem influência
nos destinos da emprêsa. Basta, para convercer-se dis­
to, imaginar o que esta se tornaria, a despeito das qua­
lidades e aptidões do chefe, se a execução de suas dire­
ttvas fôsse confiada a subordinados negligentes e pouco ·
hábeis. Uma firma é o que a. fazem os esforços conju­
gados do empregador e de_ seus subordinados. Daí , re­
sulta que o pessoal, pelo menos onde é relativamente
estável, zeloso e consciencioso, adquire um certo direito
sôbre a emprêsa1 à qual trás o seu concurso : êle a faz
viver e prosperar. Por sua vez, deve viver dela,. sobre­
tudo nas horas em que circunstâncias independentes
da sua vontade, o condenam temporàriamente à esteri­
lidade. É o que entenderam muitos pa:trões, os quais,
em tempo de crise ou de guerra, mantiveram seus qua..:
dros, e gastaram uma grande parte de suas resérvas,
para pagar um pessoal cuj a colaboração se tornara sem
objeto.
5.o- A benevolência e a caridade levarão o em­
pregador a usar com prudente moderação do direito de
rescindir o contráto de trabalho ou do emprêgo. A êste
respeito, convém distinguir a demissão individual e a
demissão col�tiva.

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206 Alberto Müller S. J.

a) A demissão individual.

A justiça impõe ao empregador a obrigação de res­


peitar, em matéria de demissão, os prazos prescritos
pela lei ou pelos usos. Mas a caridade é mais exigente.
A demissão de um empregado ou de um operário é para
êste uma crise grave, até mesmo se já passou de certa
idade, uma catástrofe irreparável. O empregador não
se pode resolver a tomar semelhante medida, senão por
. ,

motivos graves e proporcionados. - Julgamos altamente


condenável em vista da caridade o uso corrente nos Es­
tados Unidos, onde sistemàticamente os patrões elimi­
nam, depois de vinte ou trinta anos de bons e leais ser­
viços, empregados que serão substituídos por indivíduos
mais moços e mais modestamente retribuídos. (1)

b) Demissão coletiva.

A luz dos mesmos princípios se deve julgar a demis­


são coletiva do pessoal. Esta medida pode ser inexorà­
velmente exigida pelas circunstâncias : falência, cessa­
ção definitiva. Mas então um patrão cônscio de sua
responsabilidade se esforçará por atenuar, na medida do
possível, 'o dano que esta medida impõe a seu pessoal,
ajudando-o por exemplo a achar alhures um emprêgo,
ou a criar-se uma fonte independente de rendas. Se,

(1) -Disposições expressas da Consolidação das Leis do


Trabalho, Decreto-Lei n.0 5 . 452, de 1.0 de Maio de 1943, nos
artigos 477, 478, 479, 480, 482, 483, 492, 493.

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A Moral e a Vida de Negócios 207

porém, não se trata senão de uma crise tomporária, de


uma depressão passageira, a caridade lhe impõe um pre­
ceito de destinar a seu pessoal uma parte das reservas
acumuladas no tempo da prosperidade, até a volta de
melhor sorte. (2)

3 - Deveres dos empregados.

Em troca da retribuição que lhes é dada, os empre­


gados se comprometem a fornecer ao empreg�dor pres­
tações segundo as condições precisas e determinadas
pelo contráto de trabalho ou de emprêgo. O respeito
dêste compromisso se impõe a êles, em nome da justiça
comutativa e, se a ela faltarem, perdem o direito à re­
muneração prometida. Frustrar o empregador de par­
te ou de toda a prestação, que se comprometeram a for­
necer constitui, portanto, furto e obriga à restituição.
Nunca se insistirá bastante sôbre êste ponto, hoj e em

(2) - A assistência legal aos desempregados, deu lugar a


certos abusos que convém denunciar. Patrões pouco escrupulo­
sos não têm hesitado em descarr egar sôbre a assistência, encar­
gos que êles mesmos deveriam suportar. No tempo dos inven­
tários, que retardam necessàriamente a atividade da fábrica,
licenciam seus empregados por oito ou quinze dias, convidan­
do-os a cobrarem do fundo de desemprego, poupando-se assim o
encargo correspondente dos salários. 1:ste procedimento cons­
titui uma injustiça manifesta em prejuízo da coletividade.

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208 Alberto Müller S. J.

dia, quando tantos empregados parecem ter por lei re­


duzir ao mínimo a sua atividade.

1 .o - O empregado, deve, pois, usar de diligência


razoável no cumprimento da tarefa que lhe foi confiada.
Aliás, uma lentidão calculada, uma negligência volun­
tária, não só são prejudiciais ao empregador, mas são
também nocivas ao operário e ao empregado, cujos es­
forços relaxam e os tornam ináptos ao exercício de sua
profissão.

2.o - O empregado e o operário são obrigados a


guardar o segredo profissional, nos têrmos do art. 20,
§ 2.0 da lei de 7 de Agosto de 1922 : "Tanto no curso
do contrâto, como depois de sua cessação, o empregado
deve abster-se de divulgar a um concorrente ou a outra
pessôa, os segredos de fabricação ou de negócios do chefe
da eniprêsa, e de entregar-se ou cooperar em qualquer
outro ato qe concorrência desleal". Por seu lado, a lei
de 1.0 de !.tarço de 1900 sôbre o contráto de trabalho
impõe ao trabalhador a obrigação de "guardar os segre­
dos de fabr;icàção da emprêsa que o emprega." ( 1 )
A colaboração que necessàriamente s e estabelece
entre empregadores e empregados leva naturalmente os
primeiros a iniciar os segundos na vida íntima da em­
prêsa, pô-los a par de seus processos, de suas relações

(1)- De acôrdo com o art. 482, letra "g" da Consolidação


das Leis do Trabalho.

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A Moral e a Vida de Negócios 209

de negoc10s, de sua situação financeira, etc. O forne­


cimento de informações se reveste sempre de um cará­
ter mais ou menos confidencial. Não é fácil, porém,
determinar, de modo exato, até que ponto êle envolve
para os empregados a obrigação do segredo. A solução
desta questão dependerá, par uma parte, da intenção
do empregador, e por outra da própria natureza dos co­
nhecimentos adquiridos. O empregador, dono de seus
segredos, pode não impôr a seus subordinados um rigo­
roso segredo a seu respeito. Por outro lado, as infor­
mações que comunica a seus subordinados, em muitos
casos, podem ser obtidas por êles, de outras fontes.
Cada caso em particular deve ser julgado por seus
próprios méritos. Os princípios gerais sôbre esta ma­
téria se podem reduzir aos pontos seguintes :

a) Os empregados de�m abster-se estritamente


de comunicar aos concorrentes de seus patrões,
qualquer informação relativa à sua emprêsa,
que não sej a notoriamente pública. Ainda me­
nos podem êles fornecer tais informações con­
tra remuneração. A razão é óbvia : alistados
ao serviço de uma emprêsa, é-lhes proibido pre­
judicá-la em proveito de firmas rivais, entre­
gando a estas indicações que lhes possam faci­
litar, por pouco que seja, a concorrência.
b) Pode um empregado explorar em seu próprio
proveito os. conhecimentos que adquiriu no
exercício de suas funções? Estamos inclina-

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210 Alberto Müller S. J.

dos a. admití-Io, com a condição que o proveito


que tirar delas não seja nocivo ao empregador,
nem seja contrário a seus desígnios ou à sua
política.
É também o parecer de M. Baudhuin : "Po­
de uma pessôa aproveitar-se pessoalmente das
informações que adquiriu por ocasião de fun­
ções, como as a que aludimos? Por exemplo po­
derá o secretário de um banqueiro, especular,
tendo, como ponto de partida, informações que
recebeu em virtude de suas funções? Parece
que sim, com a seguinte condição : que não
divulgue ind.iretamente estas informações, e
depois, que pelo seu modo de proceder, não pre­
judique de nenhum modo, as op�rações feitas
por a'quele de quem é secretária. Não se con­
cebe como o secretário, sabendo que o banquei­
ro se esforça em reerguer certos títulos, inter­
venha como vendedor e impeça o banqueiro de
conseguir seus fins ou faça com que o negócio
lhe sáia mais caro. Mas com estas duas res­
salvas, nada impede que o subordinado use de
seus conhecimentos na apreciação dos riscos e
das vantagens de uma operação que tem em
mente". (1)

(1} - ))éontologie des affaires. 4e . édition, p . 157, 158,


173, 1 74.

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A Moral e a Vida de Negócios 21 1

c) Em que medida o empregado que passa para o


serviço de outra firma, ou se estabelece por con­
ta própria, pode explorar os conhecimentos ad­
quiridos no serviço da firma que deixou?
Certamente não tem o direito de aprovei­
tar-se dos conhecimentos de todo confidenciais,
que adquiriu no exercício do seu emprêgo, e que
não pudéra ter encontrado de outro modo. Tais
conhecimentos constituem com efeito um ver­
dadeiro segredo comercial ou industrial.
Em todos os outros casos, não censurare­
mos o empregado, que explora em seu proveito,
ou em proveito de outra pessôa, os conhecimen­
tos que alcançou no exercício anterior de sua
profissão. A aquisição dêstes conhecimentos
talvez lhe fosse facilitada pelo exercício da suas
funções : mas nada o impedia. de procurá-lo
por outra via, ainda que com mais trabalho.
Acrescentemos que o empregador pode sem­
pre garantir-se contra a eventual competição
de seus ex-empregados, inserindo no contráto
de emprêgo uma cláusula de não-concorrência.
A lei de 7 de Agosto de 1922 contestava, é
verdade, a validade de semelhante cláusula im­
posta aos empregados, cuja remuneração não
passava dos 24 . 000 francos por ano. Mas é
pouco provável que empregados tão modestos
sejam deveras capacitados de adquirir conheci-

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212 Alberto Müller S. J.

mentos tais que os tornem eventualmente con­


correntes perigosos.
3.0 - Os empregados são obrigados a servir leal­
mente à firma com a qual colaboram. Não lhes é per­
mitido sacrificar os interêsses da mesma com o fim de
obter vantagens pessoais.
:S:ste ponto levanta a espinhosa questão das comis­
sões, gorgetas ou luvas, de que vamos tratar no capítulo
segwnte.

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CAPÍTULO XII

AS COMISSõES, GORGETAS OU LUVAS (1)

I - 0 PROBLEMA.

O dicionário Larousse define o "pot-de-vin" : "uma


quantia além do preço convencionado para um contráto,
e concedida a título de presente, dita assim po�que con­
sistia no princípio numa gratüicação oferecida para be­
ber; quantia de dinheiro ou presente que se dá a uma
pessôa para obter qualquer cousa ou para concluir um
negócio por seu intermédio".

(1) - A. Muller S. :J. Un cas de morale professionelle: les


pots-de-vin. Miscellanea Vermeersch S. :J. Tome I. p. U1, 131.
Roma, Pontificia Università Gregoriana, 1935. Cete étude a
paru em brochure de 47 pages à Bruxelles. Éditions :Jicistes.
1936.
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214 Alberto Müller S . J.

O têrmo "pot-de-vin" não se pode negar que é um


pouco trivial : hoje em dia prefere-se dizer "comissão"
Simples questão de nomes, que nada muda à realidade
do conteúdo ou significado.

A comissão é hoj e praticada em toda a parte; en­


contra-se em todos os negócios, em todos os mistéres,
em todas as profissões. Não morrem todos desta doen.,.
ça, mas todos êles são atingidos. A gorgeta, a comissão;
com efeito, j á não são uma inofensiva e pura liberali­
dade; na maioria dos casos, são a condição indispensá­
vel para a conclusão de um negócio, a segura e pode­
rosa isca com que se atrai e retem a clientela. Compre­
ende-se pois que não se trata de cousa de pouca monta
ou de bagatelas, inas de quantias importantes, que nin­
guém quer perder sem esperança de reembolso. Em
negócios tudo se paga, e estas liberalidades devem ser
cobertas pelo preço das mercadorias ou das prestações
fornecidas. E é aquí que surgem para o moralista, es­
pinhosos problemas cuja solução correta requer múlti­
plas distinções.

Importa não confundir a bonificação que uma parte


oferece à outra para decidí-la a contratar, com a comis­
são proposta ao mandatário dum cliente para o levar a
concluir um negócio, em nome do seu mandante.

1.0 - A bonificação consiste numa vantagem su­


plementar e gratúita : será p . e. uma passagem pelo vi­
zinho botequim, o "pot-de-vin", ou "pot-de-biêre" pro­
priamente dito, tomar à sua conta uma parte ou a tota-

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A Moral e a Vida de Negócios 215

lidade dos gastos de mudança, de transportes, a unidade


acrescentada à dúzia, etc.
Semelhantes bonificações não levantam em tese
obj eção alguma. Elas são livremente oferecidas pelo
vendedor. Se êste as incorpora em seu preço, o benefi­
ciário, que deve suspeitar isso-, quando a vantagem ofe­
recida de acréscimo representa um valor apreciável, não
se pode julgar prejudicado.
A esta prática está estreitamente ligada a conces­
são de coupons ou vales, os quais cuidadosamente cole­
cionados pelos clientes, lhes conferem o direito de esco­
lher entre a grande variedade de prêmios, que a casa
que os emite põe à sua disposição.

Algumas casas incorporam êstes gastos no preço da


mercadoria, como despesas de publicidade; outras as
tiram de seus lucros ; neste último caso, o prêmio cons­
titui realmente uma liberalidade gratúita. Acontece
ainda que quem concede prêmios se indeniza dêstes gas­
tos suplementares, reduzindo arbitràriamente a quali­
dade da mercadoria forneCida. É evidente que esta úl­
tima prática, sempre eivada de alguma fraude, não pode
ser tolerada.

2.0 - Muito mais complexo é o problema que sus­


cita a concessão de comissões. A vantagem aquí é ofe­
recida não ao próprio cliente; mas a seu representante,
as mais das vezes, sem que o saiba o mandante. Esta
transação sugere quasi sempre uma suspeita de corrup­
ção. Para j ulgar exatamente de sua moralidade, é mis-

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216 Alberto Müller S . J.

ter discutir separadamente o ato de quem dá e o ato


de quem recebe a comissão.

II - 0 CASO DE QUEM OFERECE A COMISsÃO.

O oferecimento ou a concessão de urna conussao


pode ser absolutamente espontâneo, ou quase imposto
pelo uso. Vale a pena examinar separadamente cada
urna destas hipóteses.

1 - A comissão espontâneamente oferecida.

O oferecimento de urna liberalidade ou de um pre­


sente é às vezes inteiramente espontâneo. É o meio de
que se serve o varejista para conciliar-se o favor da cria­
dagem do cliente : tais são as rniudas liberalidades do
açougueiro, do quitandeiro, do garagista, etc. Toma­
das sôbre seus lucros ou incorporadas nas despesas ge­
rais da emprêsa, podem se considerar como lícitas, en­
quanto não têm por fim comprar o silêncio complacente
do intermediário, sôbre alguma fraude ou trapaça de
que o cliente será a vítima.

As firmas mais importantes, desejosas de lançar um


produto novo, incluem de antemão no seu preço_ a quan­
tia que destinam, a título de comissão, ao intermediá­
rio que o encomendar por conta de outrem (arquitétos,
empreiteiros, instaladores, etc.) . A nosso vêr, podem-se
considerar tais comissões, enquanto forem moderadas,
como preço de uma publicidade particularmente eficaz,

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A Moral e a Vida de Negócios 217

com o qual o fabricante j ustamente majora o preço do


seu produto.
�ste procedimento, pelo contrário, seria inadmissí­
vel� se a comissão se destinasse a fazer admitir pelo man­
datário interessado, uma mercadoria de qualidade infe­
rior, a um preço manifestamente exagerado.
Devemos reconhecer, porém, que a comissão, apenas
introduzida em algum ramo da indústria ou do comér­
cio, tende desgraçadamente a se generalizar. Produz­
-se então, da parte de quem a oferece, um verdadeiro
sôbre-lanço, que fatalmente determina ou a elevação dos
preços, ou a deterioração da qualidade.

2 - A comissão quasi imposta pelo uso.

Quando a concessão da comissão se tornou geral, e


que os mandatários dos clientes se acostumaram a con­
siderá-la como uma fonte normal de lucros, um nego­
ciante não pode furtar-se a êste uso, sem condenar-se a
perder a sua clientela, em proveito de um concorrente
mais generoso.
Não o censuraremos por ceder à necessidade e às
instâncias dos intermediários com quem trata, e por in­
corporar no preço as liberalidades às vezes muito gran­
des que lhes concede.
�ste juizo indulgente se baseia sôbre as seguintes
considerações :
a) O fornecedor cobra legitimamente do seu clien­
te as despesas variáveis exigidas pela execução

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218 Alberto Müller S. J.

de suas ordens e a entrega da mercadoria : di­


reitos de alfândega, de porte, de transmissão,
etc. Se, por efeito de um costume generaliza­
do, um contráto quase que não pode ser con­
cluido sem a concessão de uma gratificação ou
de um prêmio ao intermediário, esta despesa
entra normalmente nas despesas gerais da em­
prêsa, e pode ser debitada ao cliente.

b) Pode-se argumentar também com a responsa­


bilidade do próprio cliente, que delega seu re­
presentante perante os fornecedores. :&:le im­
põe, de algum modo, o intermediário com o
qual déverão tratar. Toca, pois, a êle fazer
uma escolha judiciosa de seus mandatários, e
fiscalizar-lhe de perto a atividade. ( 1)

( 1) Pode acontecer que o fornecedor não possa majorar


-

seus preços com a importância da comissão que· paga, quer por­


que o preço da mercadoria foi tabelado, quer porque uma con­
corrência renhida o obriga a manter um preço exageradamente
baixo. Para recuperar a comissão concedida ao intermediário,
o fornecedor não tem outro recurso senão refazer-se sôbre a
qualidade ou a quantidade da mercadoria.
Segundo nosso parecer, não se podem censurar os que assim
agem, coagidos pela necessidade, e não ultrapassam a medida
de um lucro honesto. O cliente obtem em suma a quantidade
ou a qualidade correspondente ao preço que pagou, "êle recebe
pelo seu dinheiro, e não se pode queixar" de ser prejudicado.
Desculparemos do mesmo modo um empreiteiro que derroga às
condições de uma empreitada para recuperar as quantias que foi
obrigado a pagar a um engenheiro pouco escrupuloso. Mas pô­
mos duas reservas a ésta tolerância:

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A Moral e a Vida de Negócios 219

!II - 0 CASO DAQUELE QUE ACEITA OU SOLICITA A COMISSÃO,

Trata-se aquí de julgar a conduta de um manda­


tário pago pelo mandante, para que cuide de seus inte­
rêsses, e que não tem o direito de guiar-se, no cumpri­
mento do seu mandato, por qualquer consideração de
interêsse pessoal. Que se deve pensar então dos man­
dat4rios que aceitam a comissão, e até mesmo a exigem,
como condição "sine qua non" da conclusão do contráto?
1.0 - A aceitação de uma gratificação espontânea­
'

mente oferecida pelo fornecedor, sobretudo quando exis­


te um costume geralmente aceito, não se pode condenar.
Pode-se presumir que o preço destas gratificações sej a
tirado dos lucros ou debitado a título de publicidade.
Supômos, todavia, que a comissão oferecida não re­
presente senão uma fração muito pequena do valor das
mercadorias fornecidas. Se aceitasse um prêmio exa­
gerado, o mandatário prejudicaria os interêsses de seu
mandante, o qual deveria pagar um preço manifesta­
mente demasiado. Por outra parte, a isca de uma van-

a)É preciso, em primeiro lugar, que êsses desvios às con­


dições do contrato não comprometam, como acontece
algumas vezes, a segurança do edüício em construção.
b) Por outra parte, a comissão não deve passar certos limi­
tes, a tal ponto que imponha ao cliente um preço fóra
de proporção com o trabalho realizado.
1 Em ambos os casos supomos aliás, e insistimos nisto, que
q8em concede a comissão, cede realmente a wn constrangimento
moral, e se sujeita às condições do intermediário, porque de ou­
tra fórma veria suas propostas afastadas sem misericórdia. ( 1 )
Isto nos leva a considerar o outro aspecto d o problema: a
moralidade da comissão na pessôa que a aceita ou a solicita.

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220 Alberto Müller S. J.

tagem pessoal não pode nunca induzir o intermediário


a concluir uma operação contrária aos interêsses con­
fiados a seus cuidados, ou a fechar os olhos às irregula­
ridades ou às fraudes do fornecedor. Importa insistir
neste ponto, porque o caminho por onde a gente se aven­
tura, aceitando êstes favores miudos, é escorregadiço, e
muito depressa a gente se vê comprometida com aqueles
de quem aceitamos ingênuamente as primeiras ofertas.
Por êste motivo aconselliamos sempre, como sendo o
partido mais seguro, uma intransigente integridade. A
liberdade que por êste meio se conserva é bastante pre­
ciosa para que consintamos em comprá-la com alguns
sacrifícios.
2.0 Julgaremos com maior severidade o caso da­
-

quele que faz da concessão da comissão, a condição do


contráto que é incumbido de concluir. Esta prática é,
em regra geral, condenável na pessôa do mandatário,
que assim atraiçôa os interêsses que deveria por obri­
gação expressa defender (segundo missão recebida) .
Dizemos em regra geral, porque neste ponto deve­
-se fazer uma dupla ressalva :
a) A primeira, de aplicação mais rara, considera
o caso do mandatário que, em condições iguais,
favorece o fornecedor que consente em abando­
nar-lhe uma parte do seu lucro. Em se tra­
tando <:�e mercadorias que têm cotação na Bol­
sa, ou cujo preço é tabelado, o prêmio assim
exigido não pode ser cobrado do cliente, e êste
não padecerá nenhum prejuízo. t:ste proceder

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A Moral e a Vida de Negócios 221

não é elegante, mas não envolve nenhuma in­


justiça, salvo se a bonificação reclamada impõe
ao fornecedor um sacrifício excessivo.
b) A segunda reserva se refere aos empregados de
qualquer gráu e posição, que procuram nas gor­
getas e comissões o complemento _de uma retri­
buição manifestamente insuficiente. Nestes
casos, pensamos que convém aplicar os princí­
pios da compensação oculta. Os lucros assim
realizados devem contudo ser morados e cal­
culados de modo a pôr seus recursos atualmen­
te insuficientes em justa proporção com os ser­
viços prestados. Com efeito, o mais culpado
não é quem a gente pensa. Na verdade, mui­
tos empregadores pagam muito mal seu pes­
soal, porque sabem que existem "achegas", e
disto não fazem mistério. Vale o mesmo que
dizer que consentem tacitamente em ver estas
"achegas" licitamente exploradas.

IV - A COMISSÃO, PRÓBLEMA DE MORAL PROFISSIONAL.

Se em certas hipóteses toleramos o oferecimento ou


a aceitação de comissões, não se segue que sejamos in­
sensíveis ao grave dano causado pela prática generali­
zada das comissões. De fato, não se pode exagerar a
gravidade dos abusos que acabamos de denunciar. A
comissão, tão espalhada nas transações, revela-se por
certo o mais poderoso meio de desmoralização, e uma

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222 Alberto Müller S. J.

fonte de incalculáveis desordens. Homens de negócios


sem escrúpulos servem-se dela correntemente para com­
'
prar as consciências, e o seu exemplo se propaga de
profissão em profissão, com uma rapidez espantosa. O
engodo dos lucros fáceis e gordos, que trazem as comis­
sões, desperta em todos insaciáveis cobiças, e apaga, nos
que cedem à tentação, o sentido do dever e das respon­
sabilidades. Em toda parte onde se introduziu esta prá­
tica detestável, a mentira, a fraude, o furto não tardam
em se introduzir com ela. Os · preços sobem, a qualida­
de não cessa de a_viltar-se, os contrátos não são mais
respeitados, uma evasão se_m nome esgota a substância
_
das emprêsas mais solidamente estabelecidas.
Que fazer para combater um abuso tão grave e tão
generalizado?
1.0 - O moralista deve certamente exortar os que
o consultam a que se abstenham o mais que puderem
de oferecer ou de acentar comissões.
2. o- Diversos países tomaram medidas legislati­
vas para preservar do contágio os representantes da au­
toridade pública : nada impede que se extendam ao se­
tor da economia privada. Mas a sua eficácia ficará
sempre muito discutível, porque nesta matéria tudo se
passa no silêncio e no mistério.
3.o- Somente numa ação enérgica da profissão
organizada, há esperança de se chegar a melhores re­
sultados. Ainda assim é preciso que a profissão orga­
nizada se veja provida, para êste fim, de meios apro­
priados._ Infelizmente a organização profissional fica

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A Moral e a Vida de Negócios 223

tolhida pela incompreensão dos próprios interessados,


pouco inclinados a se sujeitarem a uma forte disciplina
profissional.
Não se limite o moralista a formular, para o uso
dos que o interrogam, as tolerâncias ql!e uma justa ca­
suística autoriza; fazendo embora as concessões permi­
tidas às nécessidades atuais de concorrência, não dei­
xará pe lembrar o imperioso dever que incumbe aos que
participam da vida econômica, de darem seu franco e
leal concurso a todo o esfôrço sério de organização cor­
porativa, único caminho aberto à restauração da moral
profissional.

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CAPiTULO XIII

O DEVER FISCAL

I - CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES.

Imensos recursos são necessários aos Estados mo­


dernos, para que possam cumprir como convém sua du­
pla missão, que consiste em garantir a tranquilidade in­
terna e externa da nação, e suprir à impotência indivi­
dual dos membros da sociedade. :mstes recursos êle não
os pode tirar de seus próprios domínios, por extensos que
se suponham. O impôsto é a contribuição que o Estado
preleva sôbre os haveres de seus súditos, afim de. que
possa cumprir com sua missão social.
As exigências fiscais do Estado se fundam sôbre um
direito Incontestável. A êste direito corresponde nos
contribuintes a obrigação ' de consciência de fornecer a
prestação financeira que lhes é pedida. Trata-se aquí
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A Moral e a Vida de Negócios 225

de uma verdadeira obrigação de justiça, de j ustiça le­


gal, e não de justiça comutativa. O Estado com efeito
não possui um direito direto e imediato sôbre os bens de
seus súditos que são os únicos proprietários. Sôbre estes
bens êle tem um direito tão sàmente indireto e mediato
que lhe dá o poder de exigir de seus proprietários lhe
cedam uma fração deles para atender às necessidades
da coletividade.
Nunca os cidadãos pagam de boa vontade o impôs­
to exigido dêles. A sua repugnância cresce à medida
que crescem as exigências do fisco. Sensíveis antes de
tudo ao sacrifício que se lhes impõe, deixam de consi­
derar as vantagens muito reais que lhes procura a vida
social e das quais é justo pagar o preço.
O fisco toma então a seus olhos a aparência de um
ser ávido e rapace, de uma personagem odiosa e nociva,
·
de um inimigo em suma, contra o qual é permitido de­
fender-se por todos os meios possíveis. Isto gera a frau­
de fiscal, que grassa mais ou menos em todos os países,
mas que na Bélgica tem tomado proporções verdadeira­
mente intoleráveis. Ela tornou-se entre nós um flagelo
público que traz consigo as mais funestas consequên­
cias. Para atender às suas necessidades financeiras, o
Estado se vê na , contingência de aumentar a taxa dos
impostos, de modo a compensar a falta dos contribuin­
tes mais expertos na arte de sç subtraírem a estas lle­
quisições. A distribuição equitativa dos encargos, sem­
pre difícil, torna-se cada vez mais impossível, pagando
os cidadãos honestos ou menos astutos, em lugar

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226 Alberto Müller S. J.

dos que conseguem furtar-se à taxação. O respeito às


leis fica profundamente abalado; a moralidade pública
se relaxa, embota-se a consciência do dever cívico. Um
homem de negócios, aliás de honestidade escrupulosa,
nos dizia um dia : "Pensei sempre que é bôa ação de­
fraudar o fisco". Outro de igual integridade se gabava
de ter não hàbilmente tomado suas últimas disposições
que o fisco não havia de tirar um vintem de sua sucessão.
O fisco, é natural, defende-se como pode contra as
manobras da fraude. Mas a fiscalização que êle pre­
tende exercer sôbre as declarações tão duvidosas dos
contribuintes, é pretexto para novas recriminações, e é
na verdade engraçado ouvir seus detratores denuncia­
rem com virtuosa indignação "os crimes da inquisição
fiscal". Os ladrões fazem um jogo ma�s franco, pois
nunca protestaram contra a instituição da polícia.
Examinemos os argumentos invocados em defesa da
fraude praticada tão universalmente.

II - ADVOGANDO A CAUSA DA FRAUDE.

1 .o -Não temos dúvida em reconhecer que os mo­


ralistas têm uma grande parte da responsabilidade no
apuso que denunciamos.
De certo todos são concordes em afirmar que os ci­
dadãos têm obrigação de consciência de contribuir leal­
mente aos encargos do Estado. Mas a fôrça dêste priJ?,­
cípio é logo enervada, no n,tomento de aplicá-lo ao valor
obrigatório das leis fiscais.
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A Moral e a Vida de Negócios 227

O legislador, declaram êles, tem certamente o di­


reito de impôr em consciência o respeito .às suas leis.
Mas não está obrigado a usar dêste direito, e pode con­
tentar-se com sancionar a violação de suas ordens com
_
uma multa mais ou menos forte. É: esta a distinção
muito conhecida _entre as leis que obrigam em cons­
ciência, e as leis puramente penais.
Na ausência de uma declaração formal do legisla­
dor sôbre o caráter obrigatório em consciência ou pura­
mente penal das leis que promulga, temos que nos guiar
pela interpretação dos "viri timorati", isto é, dos ho­
mens conscienciosos e honestos.
Ora, na Bélgica pelo menos, êstes "viri timorati"
consideram mais ou menos todas as nossas leis fiscais
como leis puramente penais. O legislador coloca os
contribuintes na alternativa : ou de pagar o impôsto
prescrito, cu, �c não o fiz::;rem e ferem colh�dos <: i.!1 flp:._
grante delito de fraude, de pagar a multa prevista.
Não podemos abraçar êste mÓdo de considerar o
pensamento de legislador, pelas seguintes razões :
a) Não nos parece que a in�erpretação dos "viri
timorati" traduza . corretamente a vontade do
legislador. Sua intenção é, com toda certeza,
exigir a contribuição financeira dos cidadãos,
aos encargos dêle. Não pode ser CiUestão de
colocá-los na alternativa acima mencionada :
ou pagar o impôsto ou pagar a multa. A mul­
ta é· uma ameaça para obrigar mais eficazmen-

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228 Alberto Müller S. J.

te os contribuintes a se conformarem com a


vontade do legislador.
b) Não contestando ao legislador a faculdade de
dar às suas leis um caráter estritamente obri­
gatório em consciência ou puramente penal,
pensamos que em matéria que aféta tão grave­
mente o cumprimento da sua missão, êle não
tem o direito de optar pelo caráter puramente
penal de suas prescrições fiscais. Como êle não
se pode furtar à missão social que lhe incumbe,
deve necessàriamente armar-se com os meios
de cumprí-la. Leis puramente penais são em
sí impotentes para lhe assegurarem êstes meios.
-
Aliás os próprios moralistas proclamam que os
cidadãos devem em consciência contribuir às
despesas da administração da coletividade.
Para descarregá-los desta obrigação de cons­
ciência e lhe. substituir a única obrigação de
eventualmente pagar a multa, que sancionaria
sua falta, seria pelo menos necessária uma de­
cláração formal do legislador : não pode bastar
uma simples interpretação.
c) A opinião comum dos "viri timorati'� não nos
parece um critério ao qual nos possamos fiar.
foi ela deturpada por muitos preconceitos inte­
resseiros. Para convencer-se disto, basta lem­
brar os fatos típicos a que nos referimos há
pouco. Há-em todos os ambientes, até nos mais
'
honestos, uma evide,nte deformação da cons-

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A Moral e a Vida de Negócios 229

ciência, que apagou completamente o senso do


dever cívico.

2.0- Alguns julgam poder-se autorizar com o con­


sentimento tácito do Estado para enganar o fisco. O
Estado, dizem êles, sabe que é enganado e por isso le­
vanta proporcionalmente à fraude presumida, a taxa
dos impostos, "scienti et volenti non fit injuria"; ainda
quando não paga a totalidade dos impostos fiscais, não
deixa o contribuinte de fornecer ao Estado o que êste
espera efetivamente dêle.
l!:ste consentimento tácito do Estado à fraude é de­
véras uma invenção muito engraçada. Esforçar-se por
conjurar o� efeitos da fraude, não é certamente tolerá-la.
Aliás, esquece-se fàcilmente que todos os contribuin­
tes não conseguem furtar-se às exigências do fisco : tais
são os funcionários do Estado, os pequenos e os médios
comerciantes, os proprietários de terras, etc. Segue-se
daí que. êstes deverão suportar integralmente as majo­
rações de impostos, a que o Estado terá que recorrer,
por causa da fraude. Certos contribuintes serão então
gravad_Qs mais que o razoável, contra toda justiça dis­
tributiva, enquanto outros ct>ntinuarão a gozar duma
escandalosa imunidade.
Se é verdade que o Estado exige mais para obter
menos, quem determinará o mínimo de impostos que
todos devem em consciência pagar? Uma vez que a
taxa legalmente estabelecida deixa de fazer fé, nada
mais resta senão aceitar o juizo dos contribuintes inte-

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230 Alberto Müller S. J.

ressados, sempre inclinados a reduzir ao mínimo suas


obrigações, até que quase desapareçam.
3.o - Alegam-se ainda as prodigalidades insensa­
tas do Estado, às quais a resistência oculta dos contri­
buintes é um freio salutar.
Estamos longe de considerar o Estado como um ge­
rente econômico da cousa pública. Há muitos disper­
dícios que importa reprimir; mas é por meio de seus
representantes legais, não pela fraude, que os contri­
buintes devem combater os hábitos gastadores dos po­
deres públicos. Aliás, é interessante notar que muitas
vezes, aqueles que mais àvidamente devoram os orça­
mentos são os mais hábeis ou os menos escrupulosos em
enganar o fisco. Por certo, as classes laboriosas, em
geral mais levemente gravadas pelos impostos, não se
distinguem pela sua moderação, mas por acaso as em­
prêsas capitalistas mostram-se mais cuidadosas da eco­
nomia pública, quando fazem contrátos com o Estado,
ou seus representantes?
Também é fácil chamar de desperdício despesas im­
Postas - por um interêsse verdadeiramente nacional.
,
Basta lembrar a oposição feita muitas vezes aos pedidos
de créditos para a defesa nacional, ou à nossa colônia
quando ainda no seu começo, denunciada como um sor­
vedouro, onde a ·megalomania régia ameaçava engulir
os frutos da economia nacional; às despesas destinadas
a melhorar a sorte miserável do nosso proletariado. Ga­
ba-se muitas vezes a sábia economia que faziam nossos
parlamentares, no princípio da nossa independência.

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A Moral e a Vida de Negócios 231

Não contestaremos seus méritos, mas é forçoso reconhe­


cer que esta economia se mostrou, amiúdo, de vistas
curtas. Não há dúvida que uma judiciosa fiscalização
das despesas se impõe como uma necessidade. Mas esta
é a missão de nossos mandatários públicos e não per­
tence a cada contribuinte j ulgar, arbitràriamente, e sob
o ponto de vista particular de seus interêsses, a política
financeira do govêrno.
4.0- Houve um tempo, em que os católicos do
nosso país julgavam achar nas desigualdades contrárias
à justiça distributiva de que eram vitimas, o direito de
recusarem ao Estado uma parte das contribuições que
exigia dêles. Mencionemos a êste respeito : a política
educacional que os obrigava a suprir com seu dinheiro
a falta de um Estado que lhes recusava o ensino cristão
a que tinham direito ; a confiscação iníqua, em proveito
do Estado, das fundações devidas à caridade particular.
É certo que esta consideração explica em grande
parte a tolerância dos moralistas para com a fraude fis­
cal, e não contestamos o valor dêste argumento, ·como
se verá mais adiante. Mas com toda a lealdade deve.­
mos confessar que estas queixas .cessaram de ter, em
grande parte, sólido fundamento. Atualmente nossa
legislação escolar se inspira numa equidade mais larga.
As leis de 1921, sôbre as Associações sem· fim lucrativo
e sôbre as Fundações, concederam às iniciativas religio­
sas e caritativas dos católicos maior liberdade. A ocul­
ta compensação, à qual se apelava outrora muito fre­
quentemente, pode ainda, como diremos . em seguida,

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232 Alberto Müller S. J.

achar aplicação em casos individuais, mas não pode


constituir um título universal à fraude fiscal.
5 .0 Muitos, para fugirem às exigências do fisco,
-

argumentam do caráter quase universal da fraude. Por­


que só o homem consciencioso haveria de respeitar as
leis que ninguém mais observa? Urgindo contra êle a
obrigação fiscal, será que não chegamos a castigar a
virtude?
Parece-nos êste o mais forte argumento que se pos­
sa invocar em favor da fraude fiscal. Mas êle não pode
ser admitido, no alcance geral que lhe dão os advogados
da fraude fiscal, se não quisermos ao mesmo tempo re­
nunciar a qualquer esperança de endireitar e fortalecer
a consciência cívica e a moral pública.
É bem verdade que urna lei positiva, à· qual ninguém
obedece, cái em desuso e perde todo poder obrigatório :
não impede, porém, que SJlbista a lei natural que ela
tinha por missão precisar. Ora, em matéria de impos­
tos, a lei natural é formal : os cidadãos têm a obriga­
ção de contribuírem, cada um por sua parte legítima,
para os encargos do Estado.
A desculpa· só seria válida nos dois casos seguintes :
a) Se o Estado, pela sua incúria e pelos defeitos
de sua legislação, fosse o próprio responsável
pela desordem.
b) Se o pagamento integral do impôsto reclamado
causasse ao contribuinte consciencioso, um
dano positivo, que o pusésse em condições de

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'A Moral e a Vida de Negócios 233

inferioridade em comparação com seus compe­


tidores.
Voltaremos sôbre estas_ reservas no parágrafo se­
guinte :

III - 0 VERDADEIRO ALCANCE DO DEVER FISCAL.

O dever fiscal se deduz logicamente do caráter so­


cial do homem. tste não poderia realizar plenamente
seu fim, sem o concurso da sociedade. A sociedade, por
sua vez, precisa para cumprir sua missão, de poderosos
recursos, que deve pedir a seus membros. A mesma lei
natural, portanto, que obriga o homem a viver em so­
ciedade, lhe impõe como' um dever, dar à sociedade os
meios, sem os quais ela não pode desincumbir-se da ta­
refa que recebeu. J!:ste princípio de moral natural é
aliás confirmado pelo preceito positivo da moral cristã :
"Daí a todos o que lhes é devido : o impôsto a quem é
devido o impôsto, as taxas a quem são devidas as taxas".
(S. Paulo. Rom. XIII 7) .
O pagamento do impôsto constitW, portanto, em si
um dever de consciência. Esta obrigação é de j ustiça
legal, não comutativa, donde resulta que a violação des�
ta obrigação não implica o dever de restituir. Com efei­
to, sàmente a justiça comutativa exige a restituição.
Quem indevidamente se furta ao pagamento do impôs­
to recusa aü Estado a contribuição que êste reclama :
mas não retém indevidamente o que pertence ao Estado.

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234 Alberto Müller S. J.

A cousa é diferente quando o direito positivo do Es­


tado se acha diretamente lesado, por exemplo, quando
se passa com êle um contráto onde as leis do j usto preço
são manifestamente violadas em seu prejuizo, ou quando
se lhe recusa pagar serviços que realmente prestou, etc.
Aquí a justiÇa comutativa está em j ogo e reclama resti­
tuição.
Muitos hão de aprender com sensível alívio que a
fraude fiscal não obriga a restituição. Confessamos
que os argumentos invocados para apoiar esta tese não
nos pareçam absolutamente convincentes. Porém não
lhe farta probabilidade e é recebida muito geralmente
pelos moralistas. Por isso deixamos que gozem de sua
indulgência os defraudadores arrependidos e decididos
a não mais tomar a cair. Não deixa, porém, de ser
uma violação de um dever de consciência e qualquer
pessôa deve abster-se de recair, pelo futuro, nes t a culpa.
O dever fiscal é, pois, claro : o contribuinte tem a
obrigação de pagar integralmente a contribuição que
dêle reclama a lei. Por rigoroso que - pareça êste prin­
cípio, a nosso vêr, êle admi�e na prática algumas ate­
nuações e restrições.

1. 0 - Quando os dispositivos_ da lei por si mesmos


se prestam a interpretações divergentes igualmente
plausíveis, o contribuinte tem certamente o direito de
adotar a que lhe parece mais favorável a- seus interês­
ses. É o caso em particular, onde existe o ímpôsto sô­
bre a renda, quando se trata de determinar o "quan­
tum" da renda líquida sujeita a impostos. Sabe-se que

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A Moral e a Vida de Negócios 235

os peritos na matéria estão longe de concordarem sôbre


a diferença que se deve fazer entre a renda bruta e a
renda líquida. Do mesmo modo, em matéria de decla­
rações alfandegárias, os artigos importados podem ser
apresentados sob diversas denominações; o declarante
é livre de escolher a que· sofre a tributação menor.
2.0
- Julgamos que o contribuinte está autorizado
a indenizar-se por uma declaração incompleta de certos
danos injustos, de que foi manüestamente vítima da
parte das autoriqades públicas. Não há neste caso se­
não uma aplicação do princípio da compensação oculta,
que todos os moralistas admitem, sob certas condições,
como legítima. Assim um negociante cujos caminhões
o Estado requisitou a 1.0 de Maio de 1940, pagando-os
ao preço do dia da requisição, mas que êle não podia
substituir no momento em que recomeçaram os negó­
cios, senão por um preço cinco ou dez vezes maior, pa­
rece-nos autorizado a retomar o que deve normalmente
ao fisco, o equivalente da soma em que foi prejudicado.
Todos concordam em reconhecer a sorte injusta que
as insuficiências da legislação social criam para as fa­
mílias numerosas. Somos inclinados a vêr nisso tam­
bém um título à oculta compensação.
Pelos mesmos motivos, como dissémo� acima, no
tempo da guerra escolar, os católicos belgas puderam
legitimar, com o mesmo título de compensação oculta,
certas infrações à legislação fiscal. A medida em que
desapareceram as desigualdades escolares de que eram
vítimas os católicos, o argumento da compensação ocul-

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236 Alberto Müller S. J.

ta se tornou sem valor. Está claro que para se poder


beneficiar dêst� título, o contribuinte deve poder justi­
ficar, perante sua consciência, o injusto dano de que
pretende ser vítima.
3.0 -O cidadão honesto tem o direito de subtrair­
-se às exigências de uma lei fiscal, quando esta é mani­
festamente injusta, ou quando, faltando-lhe os meios de
contrôlo, o fisco não pode eficazmente urgir a sua ob­
servância.
a) Seria injusta, p . e . uma taxa destinada não a
prover às legítimas necessidades do Estado,
mas a conseguir fins sectários ou a despojar
indevidamente alguém da propriedade legiti­
mamente adquirida.
b) Até o dia 9 de Outubro de 1944,_ por não pos­
suir o cadastro dos valores imobiliários, o fisco
era impossibilitado de fiscalizar a observância
das leis que taxavam a sucessão dêstes valores
imobiliários ou as rendas auferidas pelos pos­
suidores (impostos complementares sôbre as
rendas) . Vale dizer que, nestas condições, e
dada a deplorável inclinação que têm os belgas
para a fraude, . esta legislação era quase que
letra morta. Nestas circunstâncias, a nosso
vêr, o Estado não tinha o direito de impôr como
um dever de consciência aos cidadãos mais vir­
tuosos, a obediência a leis que saiba ser im­
punemente infringidas pela grande maioria dos
contribuintes.

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A Moral e a Vida de Negócios 237

4.o- Há casos em que se pode legitimamente pre­


sumir a tolerância do fisco, a respeito de certas inexati­
dões nas declarações. Assim é nas matérias em que o
fisco, renunciando a uma fiscalização rigorosa das de­
clarações, aceita as que lhe são feitas, enquanto ficam
nos limites duma aceitável verosemelhança.
Citemos, por exemplo, a tolerância do fisco nas de­
clarações de preço, por ocasião das vendas imobiliárias;
ninguém ignora, e o fisco ainda menos, que elas não
primam pela sua sinceridade. Apesar disso são geral­
mente aceitas, sempre que concordem com o preço ca­
dastral dos imóveis.
O mesmo diremos .dos viajantes que conseguem sub­
trair à fiscalização -benigna e superficial dos agentes de
alfândega os peque1,1os objetos sujeitos à taxa, que car­
regam na sua bagagem. Não se pode presumir a mes­
ma tolerância no que toca à importação de objetos pre­
ciosos e pesadamente taxados, como diamantes, rendas
finas, etc.
Os Estados Unidos contam-se entre os maiores importa­
dores de diamantes lapidados em Antuérpia. A despei­
to dos pesados direitos de entrada a que estão sujeitos,
o item diamantes na estatística comercial americana
acusa sàmente uma receita muito modesta. Há aí para
o fisco americano um notável déficit, do qual não o de­
vemos presumir conivente.
s.o - Enfim cremos que é impossível rejeitar desde
logo o argumento tirado do nível lamentàvelmente bai­
xo a que caiu entre nós a consciência do dever fiscal.

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238 Alberto Müller S. J.

Chegaram as cousas a tal ponto que, em muitas circuns­


tâncias, um homem de- negócios rigorosamente respei­
toso de suas obrigações fiscais, se veria condenado, sem
remédio, a sucumbir sob os golpes de seus concorrentes
habituados a defraudar o fisco em grande escala. Não
deve o Estado, tendo em vista êste ambiente corrompido,
tolerar, nos seus melhores súditos, uma fidelidade me­
nor em observar a lei? Parece-nos que sim, pois de ou­
tro modo êle faltaria à justiça distributiva, exigindo dos
mais virtuosos um sacrifício heróico, que é incapaz de
exigir da massa. Conhecemos representantes do fisco,
muito honestos e conscienciosos, que pensam do mesmo
modo e convidam espontâneamente certos contribuintes
honestos demais, a reduzir suas declarações, que êles
julgam demasiado sinceras. Não é necessário ser mais
católico que o Papa, nem mais exigente que o fisco.
Note-se bem que a nossa tolerância só se aplica aos
casos em que uma exatidão fiscal comprometeria real­
mente o futuro de uma emprêsa ou de uma família.
Condenamos sem reservas qualquer fraude que tenha
unicamente por fim enriquecer o deliquente com o que
consegue furtar ao Estado.

IV - A RESPONSABILIDADE DOS PODERES PÚBLICOS.

Não temos hesitado em denunciar nestas páginas,


o lamentável enfraquecimento da moral pública belga,
em matéria fiscal. Mas dêste relaxamento os poderes
públicos são em grande parte responsáveis.· Sem dúvi-

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A Moral e a Vida de Negócios 239

da alguma, êles têm autoridade para reclamar dos cida­


dãos suas contribuições fiscais. As leis que a êste fim
promulgam têm fôrça para ligar as consciências, com
uma condição porém : a de se cingirem à exata compe­
tência dos poderes públicos.

O Estado, já o dissemos, reclama legitimamente de


seus súditos os fundos que o habilitam a cumprir sua
missão social; fóra dêstes limites, suas exigências são
puramente arbitrárias, e não se podem impôr ao res­
peito de seus subordinados. Uma lei injusta carece de
"
todo caráter obrigatório. Além disto, o Estado deve evi-
tar cuidadosamente de desalentar a bôa vontade dos ci­
dadãos honestos, reclamando dêles contribuições exces­
sivas, áptas a matar neles qualquer espírito de iniciativa,
tornando-se uma expoliação iníqua.

De certo o pobreza das finanças públicas, p . e . logo


depois de uma guerra ruinosa, chega a criar necessida­
des extraordinárias, que obrjgam o Estado a maj orar
demasiadamente suas exigências fiscais. A lei, por dura
que seja, não deixa por isso de ser justa e obrigatória,
porque "salus populi suprema lex esto". Pelo menos os
poderes públicos têm então o dever de cercar estas cres­
cidas exigências de uma vigilância redobrada e de eco­
nomia na administração das finanças públicas.

Quem ousará sustentar que o Estado se tem mos­


trado sempre um administrador econômico da fortuna
pública? E se êle se comporta como um mandatário
pródigo e descuidado, não incita êle o público a lhe sub-

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Alberto Müller S. J.

trair recursos muitt> necessãrios sem dúvida, mas tão


mal empregados?
Não o podemos dissimular : muitos legisladores,
mais ou menos imbuídos de ideologia socialista, têm
cada vez mais a tendência de usar do poder fiscal, como
de um instrumento fãcll e prâtico, para operar o nive­
lamento das fortunas, que julgam desejãvel. Desde­
nhando totalmente o direito de propriedade legltima­
rnente adquirida, êles se atribuem o direito de remediar,
por meio de urna politica fiscal espoliadora, as desigual­
dades de fortuna, que êles se atribuiram a missão de
fazer desaparecer. Serã para estranhar que o público
contribuinte, ameaçado por êstes injustos vexames, tudo
faça para subtrair a urna política fiscal completamente
arbitrãria, os poucos haveres que conseguiu economizar
pela sua diligente atividade, ou à custa de uma penosa
economia?
O saneamento da consciência pública, em matéria
de moralidade fiscal, não ·se pode portanto esperar, sem
a emenda séria dos que usam tão arbitràriamente do
direito que a natureza deu aos poderes públicos sôbre a
fortuna dos cidadãos.
Meditem sêriamente os gerentes da cousa pública
sôbre os graves conselhos de S. S. Pio XI, na alocução
pronunciada a 2 de Outubro de 1938, diante dos mem­
bros do Congresso do Instituto Internacional das Finan­
ças Públicas : "As necessidades financeiras de cada
uma das nações pequenas ou grandes cresceram formi­
dàvelmente. A culpa não é só das complicações ou ten-

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A Moral • a Vida de Negócios 241

�ões internacionais; é também e talvez mais da desme­


dida extensão da atividade do Estado, atividade que,
ditada muitas vezes por ideologias falsas ou malsãs, tor­
nam a política financeira e particularmente a polftica
fiscal um instrumento objeto de preocupações de ordem
completamente diversa. Quem estranhará, depois dil!l­
so, o perigo em que se acham a ciência e a arte das
finanças públicas de descer, por falta de princípios fun­
damentais simples, claros e sólidos, ao papel de uma
técnica e de uma manipulação puramente formais?
É infelizmente o que constatamos hoj e em dia em
vários domínios da vida pública : construções improvi­
sadas e atrevidas de sistemas e de processos, mas sem
fôrça interna, sem vida, sem alma.
Semelhante estado de cousas influi ainda mais, in­
felizmente, sôbre a mentalidade dos indivíduos. O in­
divíduo chega a entender cada vez menos os negócios
financeiros do Estado; até na política mais prudente
êle suspeita sempre uma manobra misteriosa qualquer,
uma segunda intenção malévola, da qual se deve pru­
dentemente defender e desconfiar. Vêde bem : aquí é
que se torna, em última análise, necessário buscar a
causa profunda da decadência da consciência moral do
povo, em todos os grãus em matéria de bem público,
em matéria fiscal principalmente. Como poderia a
Igreja contemplar indiferente esta crise, que no fundo
é uma crise de consciência? Eis porque, dirigindo-se
aos que têm alguma parte de responsabilidade no ma­
nejo das questões de finanças públicas, ela lhes supli-

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242 Alberto Müller S. J.

ca : em nome da consciência humana, não arruineis a


moral, começando de cima. Abstende-vos destas me­
didas que, a despeito de sua virtuosidade técnica, ferem
no povo o sentido do justo e do injusto, ou relegam para
o último plano sua fôrça vital, sua legítima ambição de
colher o fruto do seu próprio trabalho, sua preocupação
de segurança familiar, considerações todas que mere­
cem ocupar na mente do legislador o primeiro lugar,
não o último.
' O sistema financeiro do Estado deve ter em vista
reorganizar a situação econômica, de modo a garantir
de JlOVO as condições materiais de vida indispensáveis
para conseguir seu fim último, determinado pelo Crea­
dor : o desenvolvimento de sua vida intelectual, espiri­
tual e religiosa".

V - OBSERVAÇÕES FINAIS.

Haverá gente que nos acuse de contradizer-nos ate­


nuando, por um excesso de indulgência, o próprio rigor
do princípio que estabelecemos. N:ão servirá uma se:r;ne­
lhante atitude a encorajar a fraude, e não renunciamos,
agindo assim, a toda esperança de lévantar o nível mo­
ral de nossos concidadãos? Certament�·, se escrevêsse­
mos em um país onde o sentimento do dever estivésse
profundamente arraigado no espírito das massas, sería­
mos muito- mais intolerantes. Mas aplicar a mesma ati­
tude na Bélgica, fazendo táboa rasa do ambiente aquí
reinante, parece-nos que seria levar o rigor demasiado
longe e dar mostra de uma deplorável falta de realismo.

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A Moral e a Vida de Negócios 243

Nem por isso renunciamos a endireitar uma men­


talidade cuja deformação deploramos como ninguém.
Muitos são os que, como dissemos, estão persuadidos de
que podem impunemente furtar ao fisco o que conse­
guem subtrair-lhe. A esta persuação errônea, nós opo­
mos firmemente o princípio do dever fiscal. Sem dú­
vida admitimos atenuantes e restrições, mas exigimos
que se fundem sôbre motivos graves, devidamente veri­
ficados. Em caso de dúvida, os interessados deverão
consultar conselheiros imparciais, cujo parecer tem um
valor muito diferente do juizo dos "viri timorati", aos
quais os velhos moralistas costumam remeter os contri­
buintes conscienciosos.
O mal é de origem; o homem não sendo perfeito,
a administração pública, criação do homem é imperfei­
ta. Má distribuição do impôsto, causada pela grande
quantidade de parasitas sociais. Em quatro homens,
um não produz. (1)

( 1 ) - O Sr. Fernando Baudhuin, apesar das reservas com


que temos limitado a nossa opinião tolerante, declara que não a
pode considerar senão comQ inadmissível. Não traz, porém, em
apoio dêste juizo perentório, senão uma razão que não nos pa­
rece convincente: "A verdade é que um sério saneamento de­
veria ser realizado em tudo o que diz respeito à construção, o
setor podre de que falamos" - (Déontologie des affaires, p. 183).
De certo nós também reclamamos êste saneamento em todos os
setores, onde reina a tradição abusiva das comissões. Infeliz­
mente a construção não é, longe disso, o único setor podre ao
qual o Sr. Baudhuin reserva seus anatemas. Mas enquanto não
fôr efetuado êste saneamento, pensamos que o empreiteiro, cons­
trangido a conceder uma comissão ao arquitéto, pode sem violar
a justiça, recuperar a gratificação, derrogando às condições da
construção.

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CAPÍTULO XIV

O ESPíRITO CRISTAO NOS NEGóCIOS

Nas páginas precedentes, quasi que só um setor


muito limitado da vida de negócios nos foi possível ex­
plorar. Dissemos, porém, o bastante para mostrar como
os que entram por êste caminho escorregadiço, se acham
expostos a violar as prescrições da lei moral e a contra­
riar os requisitos mais elementares da justiça. Com­
preende-se portanto o embaraço dos moralistas da era
escolástica, quando são levados a apreciar, do ponto de
vista moral, as atividades comerciais. O próprio Sto.
Tomás, na Summa Theológica 2a. 2ae, q . 77 . art. 4, acha
alguma dificuldade em legitimar as operações dos co­
-
merciantes. Se êle aprova o comércio exigido pela ne­
cessidade da vida, mostra-se mais desconfiado a respei­
to do comércio com fim de lucro : "o primeiro é louvá­
vel, porque satisfaz a uma necessidade natural; o· se-
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A Moral e a Vida de Negócios 245

gundo pelo contrário é justamente censurado, porque


de si mesmo satisfaz à cubiça do lucro, a qual, longe de
conhecer qualquer limite, se estende até o infinito. Eis
porque o comércio, considerado em si, tem um certo
caráter vergonhoso, como que não implicando em si um
fim honesto ou necessário". A censura é severa sem
dúvida, severa demais, pois o Doutor Angélico se empe­
nha em atenuar-lhe o rigor : "Todavia, se o lucro, que
é o fim do comércio, não implica intrlnsecamente nada
c;Ie honesto ou necessário, não implica tão pouco nada
de vicioso e contrário à virtude. Nada impede, pois, que
o lucro seja reduzido a um fim necessário ou mesmo
completamente hone�to, e assim o comércio tornar-se-á
lícito. Assim, por exemplo, wn homem busca no co­
mércio um lucro moderado, mas reduz êste ao sustento
de sua casa, ou até à assistência dos indigentes; ou se
entrega ao comércio, tendo em vista a utilidade pública;
quer que as cousas necessárias à existência não faltem
no país, e o lucro, em vez de ser considerado como fim,
é somente reclamado como remuneração do trabalho."
As mesmas hesitações se observam nos moralistas
da Idade Média, quando tinham que se pronunciar sô­
bre a admissão dos homens de negócios aos sacramen­
tos. Não iam até o extremo de proibir aos homens de
negócios a frequência aos sacramentos, mas j ulgavam
prudente aconselhar-lhes que se aproximassem da mesa
Eucarística a longos intervalos, por causa do perigo
próximo de pecado em que viviam.

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246 Alberto Müller S. J.

Mais realistas, Doutor�s inglêses, como Ricardo de


Middleton e Duns Scott; tomam mais nitidamente o
partido dos homens de negócios, e não vêm na sua pro­
fissão cousa alguma censurável.
O Mercantilismo, em seus diferentes aspetos, adota
uma filosofia mais otimista, a qual rehabilita inteira­
mente a profissão comercial. A doutrina econômica
que a inspira, livrou-se completamente das preocupa­
ções morais, que tinham impregnado profundamente o
pensamento medieval. Laicizou-se, e entende não jul­
gar as diversas formas da atividade temporal do homem,
senão pelos critérios de ordem puramente econômica.
Tem sido muito louvada a economia moderna por
se ter assim libertado de qualquer preocupação moral
ou religiosa. Não há razão para tanto, a nosso vêr. A
lei moral sujeita a seu império todas as aÜvidades hu­
manas. Tinham, pois, toda a razão os moralistas da
Idade Média, quando pretendiam que a atividade co­
mercial se exercesse num espírito integralmente cristão.
Por tê-la subtraído à vigilância da moral cristã, os seus
sucessores privaram a atividade econômica dos freios
seguros e sólidos que a impediam de degenerar em anar­
quia egoísta e arbitrária. A presente desordem econó­
mica a que chegou a humanidade, prova assás a sabe:.
daria da moderação, que não cessou de pregar uma es­
colástica tão injustamente denunciada e criticada. O
católico que entra na vida de negócios deve impregnar
toda a sua conduta d� espírito cristão, E> único que pode
dar a seu trabalho uma eficácia sadía.

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A Moral e a Vida de Negócios 247

De que se comporá êste espírito cristão?


1 .0- De uma aversão nítida e decidida a todas as
práticas indiscutivelmente eivadas de desonestidade, e
contrárias às exigências da justiça e da caridade. Ne­
nhuma concessão neste terreno pode ser tolerada.
2.o- Tivemos, diversas vezes, ocasião de verificar
que se encontram na vida de negócios práticas menos
rétas, mas que não constituem realmente injustiças ou
desonestidades. A êste respeito, certas tolerâncias são
admissíveis. Todavia o homem de negócios verdadeira­
mente cristão só se resolVerá a adotá-las a contragosto,
e se não tiver outros meios de defender seus legítimos
interêsses. Muitas vezes a experiência lhe mostrará :
uma política econômica, que se recusa a recorrer a estas
práticas na aparência menos corretas, é afinal a que
melhor combina com seus verdadeiros · interêsses. Tan­
to é verdade que a lealdade e a retidão são seguros fa­
tores de prosperidade.
3.0 - O homem de negócios orienta sua atividade
no sentido de realizar lucros. O caráter nítido e deli­
beradamente lucrativo de sua profissão não contribuiu
pouco a desprestigiá-la, perante uma opinião pública
mais enamorada de ideal, preconceito êste dos mais in­
justos. Parece-nos que há uma espécie de hipocrisii
inconsciente em exaltar o caráter todo desinteressado
das profissões chamadas liberais.
Não há dúvida que a profissão do médico, do juris­
ta, do professor, etc., pretende ter por objetivo o alívio

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248 Alberto Müller S. J.

dos doentes, a defesa do direito, o progresso da ciência,


e êste fáto não pouco contribui a enfeitá-la de um pres­
tígio de noJi>reza. Mas não haverá um ingênuo candor
em imaginar que os médicos, os juristas, os membros
do magistério desprezam as vantagens materiais que
tiram do exercício de sua profissão? Quem ignora os
lucros exagerados, e muitas vezes escandalosos realiza­
dos por tantos membros das profissões liberais?.
)
O comerciante não esconde as preocupações lucra-
tivas que inspiram toda a sua atividade. Isto não im­
pede que preste à comunidade inapreciáveis serviços,
pondo à disposição de sua clientela toda sorte de bens
de que necessita. Não tem portanto razão alguma de
envergonhar-se de sua profissão tão útil à comunidade
corno as profissões liberais, que muito sem razão são
tidas como inteiramente desinteressadas. Do mesmo
modo o cristão não deve ter o menor escrúpulo de tra­
balhar em vista do lucro. Sem dúvida a Providência o
convida a escolher entre duas vidas : a da perfeição
cristã aberta a todos os discípulos de Cristo, e a da per­
feição evangélica, que inclina à renúncia a todos os bens
dêste mundo, mais integralmente confórme com o exem­
plo do Salvador. Esta última perfeição não é imposta
pfla lei divina, mas proposta às almas enamoradas de
um ideal mais alto : "Se queres ser perfeito, vende teus
bens e distribue o produto aos pobres, e terás um te­
souro no céu, e vem, segue-me", disse Cristo ao jovem
rico. . Não se trata de urna ordem, mas de um simples
conselho evangélico. As almas mais generosas respon-

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A Moral e a Vida de Negócios 249

derão ao amoroso convite do Redentor; as outras opta­


rão por uma vida de menores renúncias. A sua decisão
certamente menos nobre e menos generqsa, não tem
todavia nada de censurável.
O cristão, portanto, poderá, muito legitimamente,
entregar-se à procura do lucro. Usará, porém, no exer­
cício da profissão lucrativa que escolheu; duma sábia , e
prudente moderação, , pois não pode converter o lucro
que procura em peso deprimente sob o qual se estiolam
suas aspirações mais nobres e mais desinteressadas.
Ninguém pode ao mesmo tempo servir a Deus e a
Mammon. Em face da riqueza que escolheu como fim
de sua atividade, deve êle praticar essa pobreza de es­
pírito que a primeira das Bemaventuranças recomenda
a todos os homens, como seguro e necessário meio de
conquistar uma participação na felicidade do Reino dos
Céus. Esta é a razão porque os mestres da escolástica
muito sàbiamente recomendavam aos comerciantes que
sujeitassem os lucros por êles realizados a algum fim
superior, ao sustento de sua casa, ou ao proveito da co­
munidade; que não déssem à riqueza senão um valor
relativo; que consentissem em sacrificá-la, quando ne.,
_
cessário, para fins de caridade ou de beneficiência.
Dóceis a esta direção, os homens que enveredam
pela vida de negócios rompem uma vez por todas, com
o preconceito tão comum que considera o comércio como
uma carreira antes de . tudo lucrativa. Nada os impede
de vêr na orientação que dão à sua atividade, um meio
de servir eficazmente aos interêsses da comunidade :

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250 Alberto Müller S. J.

"servir" será a senha que há de dirigir e inspirar toda


a sua atividade; o proveito .ou o lucro não será conside­
rado senão como a justa retribuição dos serviços pres­
tados a seus semelhantes. De um só golpe, a sua pro­
fissão se achará tão desinteressada como a do jurista,
do médico, ou do professor, empenhados todos, a titulas
diversos, em servir a comunidade humana.
No dia em que se erguer uma geração de homens
de negócios sàlidamente imbuída desta concepção ver­
dadeiramente social da atividade económica, o mundo
da produção e do comércio se achará realmente purifi­
cado e saneado.
Do mesmo golpe desaparecerão êstes "slogans" sus­
peitos, que hoj e arrastam tão fàcilmente os homens de
negócios ao caminho da desordem e de egoísmo anár­
quico.
Por certo, tudo não é falso nestas cómodas máxi­
mas; �s bastam elas para desculpar as quedas morais
em favor das quais se invocam? Pode acontecer que
uma prática universal chegue a criar um U:So ao qual
se torne lícito conformar-se, com a condição, porém, de
que não se trate de atas verdadeiramente contaminados
pela injustiça. Lucros suspeitos devem ser julgados
pelo seu valor moral real; o fáto de que não despertam
no colega nenhum escrúpulo não basta para os justifi­
car. É falso afirmar, como se faz muitas vezes, que o
melhor e mais seguro meio de defender-se contra o en­
gano é enganar por sua vez. É dever do homem hones­
to vigiar para que ninguém abuse de sua retidão e de

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A Moral e a Vida de Negócios 251

sua inteireza moral. É bem verdade, com efeito, que a


arte do comerciante e o segredo do seu êxito consistem
em não descuidar nenhuma ocasião de lucro, contanto,
porém, que fique estritamente fiel às exigências da jus­
tiça e da moralidade.
O espírito cristão, justamente desconfiado em face
dêstes axiomas suspeitos, que tendem insensivelmente
a adormecer a consciência e a obliterar a fronteira que
separa o honesto do desonesto, antes se deixará guiar
pela luminosa palavra do Evangelho : "Praticai em pri­
meiro lugar a justiça, e tudo o mais vos será dado por
acréscimo".
A Mora l c 4 Vidd de N�gócios

Í N D I C E
Pág.
PREFACIO . l
INTRODUÇAO . . . . . 3
CAPIT U LO l
JUSTIÇA E CARIDADE
Introdução li
A justiça . . 12
A caridade . . . . 28
CAPIT U LO I I
DOS CONTRATOS E M GERAL
Natureza e condições de validade 33
Nulidade e rescindibilidade 45
Execução dos contratos . 46
Falência e concordata . 47
Fôrça maior e imprevisão . . . 56
CAPITULO I I I .

O JUSTO PREÇO
O critério do justo preço . . 67
Consequências e concl usões . 72
Os preços tabelados . H2
O câmbio negro · . . . . . 87
Preço inj usto ou lucro exagerado 91
Os preços im postos 93
O pagamento . . . . . . . . . 95
A fraude sõbre a qualidade e a quantidade 97
CAP I T U L O IV
O S AGENTES C O M E R CIAIS
.Observações prelimi nares 1 01
Comissários e comissões . 1 02
Corretores e corretagem . 1 05
Agentes de câmbio 1 07
Outros i ntermediários . . . 112
Um caso �e consciência espinhoso 1 16

CAPITULO V
LOCA:ÇAO DE EMPR&SA OU I N DúSTRIA
Observações preliminares 1 19
Princípios gerais . . . . . . . 1 20
Determinação do preço e execução da obra . 1 22
Propostas e adjud icações . . . 1 27
CAPITULO V I
O CONTRATO DE SEGURO
Natureza - Plano da nossa e�posição 131
, .O segurador 1 39
O segurado 1 42
·Os agentes e corretores 1 47
lnspetore s e peritos 1 49
Os terceiros 1 50

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CAP IT C L U \' I I
O S DEVERES DOS CLIENTES
Pág.
Observações preliminares 1 53
Deveres de justiça . 1 53
Deveres de equidade . 1 54
Deveres de caridade . . . . 1 57
Exclusivi<lade dos fornecimentos 1 58

CAPITULO V l l l
� A LIVRE CONCO RR:a:NCIA
Princípios . . . . . 1 62
A j ustiça e a concorrência 1 6.."'\
A lei positiva . . .. 1 64
A caridade e a concorrência 1 75

CAPITULO I X
U NiõES E M O N OPOLIO
Observações preliminares . 1 77
O fim colimado pelas uniões . . . . . 1 78
As medidas de
· coersão contra os independentes ·

( outsiders) . . . . . . . . . 1 80
Validade dos compromissos assumidos 1 83

CAPITULO X
A ORGANIZAÇAO PROFISSIONAL
O problema . . 1 85
O ensino da Igreja 1 88
Objeções 191
Conclusões . 1 93

CAPITULO X l
EMPREGADORES E EMPREGADOS
Observações preliminares 1 94
Deveres do empregador . 195
Deveres_ dos empregados 207

CAPIT U LO X I I . ·

COMI SSõES, GO RGETAS OU LUVAS


O problema .
. . . . . . . 213
o caso d e quem 'oferece a comissão- . 216
O caso daquele que aceita o u solicita a comissão 219
A comissão : problema d e moral profissional 22 1

CAPITULO X l l l
O DEVER FISCAL
Considerações p relíminares . . 224
Advogando a causa da fraude . . 226
O verdadeiro alcance do dever fiscal . 223
A responsabilidade dos poderes públicos 338
Observações finais . . . . . 242
CAPITULO XIV
O espírito cristão dos neg-ódos . . 244

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Telefone: 33-3317

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