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Memórias Da Educação Matemática No Brasil
Memórias Da Educação Matemática No Brasil
Memórias Da Educação Matemática No Brasil
Organizadores:
Andreia Dalcin
Cristiane Talita Gromann de Gouveia
Sérgio Candido de Gouveia Neto
Diagramação: Marcelo A. S. Alves
Capa: Lucas Margoni
Imagem de Capa: Jean-Michel Folon
Memórias da educação matemática no Brasil [recurso eletrônico] / Andreia Dalcin; Cristiane Talita Gromann de Gouveia;
Sérgio Candido de Gouveia Neto (Orgs.) -- Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2020.
220 p.
ISBN - 978-65-87340-59-3
DOI - 10.22350/9786587340593
CDD: 510
Índices para catálogo sistemático:
1. Matemáticas 510
Sumário
Introdução ................................................................................................................. 9
Entre falas e escuta: memórias da educação matemática no Brasil
Capítulo 1 ................................................................................................................. 20
Entrevista com Antonio Miguel: um retrato em perspectiva
Arlete de Jesus Brito
Islenis Carolina Botello
Antonio Miguel
Capítulo 2 ................................................................................................................. 73
Dione Lucchesi de Carvalho: a ação libertadora se encontra com a educação
Arlete de Jesus Brito
Renata Caterine Gambaro Cleto da Silva
Dione Lucchesi de Carvalho
Capítulo 3 ................................................................................................................ 93
Reflexões sobre como o conhecimento gera superação das condições iniciais da
comunidade escolar - Professora Mirtes Abdelnur
Adriana de Bortoli
Mirtes Abdelnur
totalidade das situações pelas quais passamos e, por isso, nos apoderamos
de algumas memórias de grupos compartilhados.
Ainda para Halbwachs, não é possível alguma lembrança reaparecer,
se não puder ser relacionadas a um grupo. No caso dos nossos
entrevistados, as lembranças estão relacionadas ao grupo, seja escolar, seja
universitário ou, ainda, do sindicato dos professores ou ainda de um
departamento de matemática. Dessa forma, Cristiane Talita e Sérgio
tentam alinhavar as diversas histórias contadas pelos entrevistados com
os conceitos de memória. Trata-se, portanto, de um capítulo de cunho
teórico-metodológico, que convida o leitor a refletir sobre como
lembramos e como as nossas memórias estão alinhadas aos grupos com
os quais nos relacionamos e aos quais nos integramos, numa perspectiva
de Halbwachs.
Temos a expectativa de que este livro cause reações de diferentes na-
turezas, provoque lembranças e discussões, gere curiosidades e interesses
e que, principalmente, contribua para o movimento de registro de falas e
escuta de professores e pesquisadores que deixaram suas marcas no pro-
cesso de constituição da área de Educação Matemática. Suas lembranças
são também as nossas lembranças também, pois como diz o poeta Mario
Quintana “O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente…”.
Referências
BENJAMIN, W. Magia e Técnica, Arte e Política. 8 ed. São Paulo: Brasilense, 2012.
BRITO, A. J.; BOTELLO, I. C. Entrevista com Antonio Miguel. História da Ciência e En-
sino: construindo interfaces, v. 18, p. 36-72, 2018.
1 Esse texto foi publicado anteriormente na revista História da Ciência e Ensino, em 2018, volume 18.
Arlete de Jesus Brito; Islenis Carolina Botello; Antonio Miguel | 21
2 Fernando Guedes Cury, “Uma história da formação de professores de matemática e das Instituições Formadoras
no Estado do Tocantins” (tese de doutorado: Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática, UNESP Rio
Claro, 2011) 30.
22 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
Eu fiz Química como um curso técnico. Acho que isso foi na década
1970, não, foi final da década de 1960 e início da década de 70, lá em Cam-
pinas. Em Campinas, tinha uma escola que era uma escola pública, era um
convênio que tinha com a França. Ela se chamava Escola Conselheiro An-
tônio Prado, não, Colégio Técnico Industrial Conselheiro Antônio Prado.
Hoje em dia, essa escola se chama Escola Técnica Conselheiro Antônio
Prado. A sigla era COTICAP e agora é ETECAP. Naquela época tinha um
convênio com a França, era um curso integral [com aulas]3 tanto de ma-
nhã quanto à tarde e era superequipada. Eu gosto de fazer essa referência
porque eu aprendi muitas coisas lá... quando eu fui para a universidade
fazer matemática, eu já tinha [estudado] cálculo, naquela escola. Era uma
escola que nos preparava tanto teoricamente, digamos assim, quanto na
área da Química aplicada: química orgânica, físico-química. A Química era
dada em várias especialidades. Na parte da manhã eram dadas as aulas
teóricas e durante a tarde, ocorriam as aulas de laboratórios. Os laborató-
rios eram superequipados, com reagentes, materiais de laboratório, com
aparelhos. Então, era uma escola em que eu adquiri muitos conhecimentos
relativos às ciências experimentais, digamos assim, não só da parte teórica,
mas também da ciência aplicada, ciência aplicada nos laboratórios. Eu
acho que parte da gestão financeira dessa escola era feita com recursos
provenientes da França. Eu não sei detalhes sobre isso, mas, tanto isso é
verdade que ela era a escola mais equipada, em termos de escola técnica,
que existia em Campinas e a própria estrutura do curso era diferenciada,
era um curso em período integral. Eram professores formados no Brasil e
tinham excelente qualidade de ensino. Acredito que eles não recebiam o
salário integral pelo estado. Atualmente ela virou uma escola do estado.
4 Miguel está se referindo à Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, criada em 1934 junto com a USP, que formava
professores para as áreas de Química, Ciências, Matemática, Física, Ciências Sociais, Geografia, História e Letras.
Após a Reforma Universitária (1968), dela derivaram vários institutos, como, por exemplo, o Instituto de Matemática
e Estatística da USP, criado em 1970.
5 Antônio Carlos Patrocínio foi professor do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC),
da UNICAMP. Foi o organizador da primeira olimpíada regional de matemática, da UNICAMP, em 1985.
6 Rodney Carlos Bassanezi concluiu o doutorado pela UNICAMP em 1977. Foi professor titular do IMECC e suas
pesquisas estão voltadas à biomatemática, modelagem matemática e também Educação Matemática. Desde 2007,
trabalha na Universidade Federal do ABC.
7 Eduardo Sebastiani Ferreira concluiu seu doutorado pela Université Joseph Fourier – Grenoble I, em 1970. Atuou
como professor no IMECC com áreas de interesse: pseudo-grupos de Lie, Invariantes Essenciais e Educação Mate-
mática.
8 Ubiratan D’Ambrósio concluiu seu doutorado pela Universidade de São Paulo, em 1963. É professor emérito do
IMECC, UNICAMP. Atualmente é professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática
da Universidade Anhanguera de São Paulo/UNIAN. Tem atuado nas seguintes áreas: História e Filosofia da Matemá-
tica, História e Filosofia das Ciências, Etnomatemática, Etnociência, Educação Matemática e Estudos
Transdisciplinares.
Arlete de Jesus Brito; Islenis Carolina Botello; Antonio Miguel | 25
9 Rui Madsen Barbosa concluiu seu doutorado em Matemática pela PUC Campinas em 1961. Foi professor tanto da
escola básica, quanto do ensino superior. Dedicou-se à Educação Matemática com a produção de variados materiais
e cursos para professores. Foi diretor regional da SBEM-SP em duas gestões.
10 Filme dirigido por Frederico Fellini, de 1972.
26 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
assim, útil, ou socialmente útil, num país onde a gente já fazia a crítica à
ditadura militar. Então, eu falei: não é aqui que eu vou fazer minha vida.
Eu já havia adquirido uma certa experiência e, se eu tinha alguma dúvida
sobre fazer qualquer curso de engenharia, essa dúvida desapareceu por
completo. Percebi que não queria fazer o curso de engenharia. Então, re-
solvi fazer um curso de Matemática, pois achava que era um curso mais
próximo da Física, além do que, ele me abriria uma outra possibilidade: a
de ser professor.
O curso da PUC era um curso de Licenciatura em Matemática. O da
UNICAMP, quando foi fundado, já era um curso de Bacharelado, porque a
UNICAMP foi uma universidade criada para fins de pesquisa. A Maria Ân-
gela Miorim11, por exemplo, começou a fazer PUC e depois foi para a
UNICAMP terminar o curso. Conheceu, em primeiro lugar, a Cláudia, no
primeiro ano de Matemática na PUC, e depois ela foi para UNICAMP, por
quê? Porque lá você tinha a pesquisa em matemática pura e aplicada, por-
que ali era um curso de Bacharelado em Matemática. Só que eles [os
alunos] não tinham as disciplinas do curso de Licenciatura, então tinham
que fazê-las na PUC para terem o diploma de professor. Na PUC, não era
Bacharelado + Licenciatura, era um curso em Licenciatura em Matemá-
tica. Eram 4 anos com as disciplinas de Matemática. Na verdade, os
currículos eram muito semelhantes, porque eram as disciplinas de Mate-
mática, Matemática pura, digamos assim, e também tinha um verniz de
Psicologia, aquelas psicologias dos ratinhos… psicologia behaviorista… que
acho que durava um ano, porque os cursos eram anuais. Existiam aquelas
disciplinas obrigatórias da ditadura militar, que era… quais eram mesmo?
[educação moral e cívica, OSPB] Estudos dos Problemas Brasileiros que
eram uma loucura… eram os militares que davam essas disciplinas, en-
fim… Além disso, a parte humanística era muito pobre como continua
sendo até hoje, infelizmente, nos cursos de Matemática. Então, quer dizer,
mesmo sendo um curso de Licenciatura, basicamente 90% das disciplinas
11 Doutora em Educação pela UNICAMP. Atuou na graduação e pós-graduação da Faculdade de Educação daquela
universidade e se aposentou no ano de 2016.
Arlete de Jesus Brito; Islenis Carolina Botello; Antonio Miguel | 27
eram de Matemática pura, tanto é que Lógica era também uma disciplina.
Hoje os currículos das [licenciaturas em] matemáticas nem têm mais Ló-
gica, não é? Então, você tinha Lógica. Tinha também Topologia, por
exemplo, que era uma disciplina de Matemática que hoje, nem na
UNICAMP, é obrigatória para os cursos de graduação. Tinha ainda a geo-
metria diferencial. Era um currículo carregado de disciplinas de
Matemática acima de tudo, mesmo não sendo um curso de Bacharelado. E
tinha alguma coisa de Psicologia, depois uma Didática geral, digamos as-
sim, e depois o Estágio. Era década de 70, acho que era o Médice12, não é?
Foi uma época das mais perversas da ditadura militar. Foi quando eu co-
nheci a Cláudia. A Cláudia e eu nos conhecemos na faculdade. Na PUC,
naquela época, a gente nem ousava… Não ousávamos, enfim, não faláva-
mos nada!
Quando eu terminei Matemática, aí eu resolvi pedir demissão da 3M
e fui trabalhar com... aí [é] aquela coisa, na época, o professor era contra-
tado porque não existiam ainda os concursos públicos para se tornar
professores efetivos em nenhuma área, então, a gente ia às delegacias de
ensino13 e fazia inscrição para dar aulas, para dar aulas remanescentes.
Então, eu me lembro que foi assim: pedi demissão e comecei a trabalhar
em Vinhedo, dando aulas de Física [no] então chamado Ensino de 2o grau,
no primeiro, segundo e terceiro anos. Ensinava Mecânica, Termologia, to-
das as físicas e… mas olha que curioso: foi ali que eu comecei… Quando eu
chego em Vinhedo para dar aulas de Física e de Geometria Descritiva – não
sei se vocês se lembram, isso não mais existe no currículo oficial – a Geo-
metria Descritiva é aquela [desenvolvida] pelo Monge14. Mas por que eu
não tive dificuldade nenhuma? Porque, na escola de química, eu tinha aula
de desenho técnico. Então, foram aulas especializadíssimas de desenho,
com régua T, com aqueles esquadros todos… e a gente desenhava peças
industriais, então, eu tinha geometria descritiva, lá na escola de Química.
12 Emílio Garrastazu Médice foi o terceiro presidente da Ditadura Militar, entre os anos de 1969 e 1974.
13 Atuais diretorias de ensino.
14 Gaspard Monge (1746-1818).
28 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
15 A APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) foi fundada em 13 de janeiro
de 1945, em São Carlos. É uma entidade sindical cujos membros são docentes e especialistas em educação das redes
públicas do Estado de São Paulo.
Arlete de Jesus Brito; Islenis Carolina Botello; Antonio Miguel | 29
16 A primeira greve dos professores do Estado de São Paulo, na época da Ditadura Militar, iniciou-se dia 19 de agosto
de 1978 e durou 24 dias. Na época, o governador era Paulo Egydio Martins. Essa greve foi seguida por outra, iniciada
em maio de 1979, que durou 39 dias.
30 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
17 Paulo Maluf foi governador biônico de São Paulo entre os anos de 1979 e 1982. Em seu governo houve um concurso
público para professores do Estado, no ano de 1980, que segundo site da APEOESP teria sido o primeiro da época da
ditadura.
18 Robert Mills Gagné (1916-2002) foi um psicólogo educacional estadunidense.
19 Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) foi psicólogo estadunidense. Conduziu trabalhos em psicologia experimen-
tal e foi o propositor do behaviorismo radical.
Arlete de Jesus Brito; Islenis Carolina Botello; Antonio Miguel | 31
20 Adair Mendes Nacarato, atualmente, é professora da Universidade São Fancisco. Adair Nacarato foi colega de
turma de Antonio Miguel, na Licenciatura em Matemática, na PUC.
21 Manoel Amaral Fúncia foi professor de matemática da rede pública estadual de São Paulo. Cursou a Licenciatura
em Matemática, na PUC de Campinas, juntamente com Antonio Miguel e Adair Mendes Nacarato.
22 Carmem Lucia B. Passos, atualmente, é professora na Universidade Federal de São Carlos, UFSCAR.
32 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
25 Joel Martins.
Arlete de Jesus Brito; Islenis Carolina Botello; Antonio Miguel | 35
26 Casemiro dos Reis Filho foi contratado na Faculdade de Educação da UNICAMP, em 1976. Lecionou História da
Educação tanto na graduação, como na pós-graduação em Educação, da qual foi um dos fundadores.
27 Antonio Muniz de Rezende é doutor em Filosofia pela Universidade Católica de Louvain, Bélgica e lecionou na
UNICAMP.
28 Edmund Gustav Albrecht Husserl (1859-1938) foi um matemático e filósofo alemão que estabeleceu a escola da
fenomenologia.
29 Lafayette de Moraes possui doutorado em Filosofia (Lógica) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(1973) e pós-doutorado pela Universidade de Munchen (1978). Lecionou na UNICAMP, onde se aposentou. Atual-
mente é professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor titular da Faculdade São Bento.
Orientou a tese de doutorado de Antonio Miguel.
36 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
Clairaut, por exemplo, que tinha na PUC. Mas, hoje, está tudo desapare-
cido, não se encontra mais nada lá. Enfim, algumas daquelas cópias [de
livros] que a gente fez acho que ainda se encontram lá no CEMPEM.
[Mas,] naquela época, o que calava mais forte [para mim] era, diga-
mos assim, a questão do dia-dia da escola. Lembro-me de que, na época
em que eu fazia o mestrado e também dava aulas para as quintas e sextas
séries da escola pública onde eu trabalhava, e a inflação no Brasil girava
em torno de 100% ao mês, sabe o que significa isso? Que de um mês para
outro os preços subiam praticamente 100%. Tudo, aluguel da casa, enfim,
tudo subia 100%. Tudo era muito discutido [pela sociedade], essas políti-
cas econômicas dos militares, todo mundo atacando aquela política
econômica. Então, a ideia [para tema do meu mestrado] foi… Como nas
quintas e sextas séries se ensinava muito frações para as crianças, então,
a ideia foi… desafiando um pouco [o ensino estabelecido] - tanto que o
nome de minha dissertação de mestrado é: Era Uma Vez… Aquela Mate-
mática – porque a Matemática que se ensinava nos livros era ainda um
resquício da Matemática Moderna, um resquício não! Era Matemática Mo-
derna mesmo. Eu comecei dando aulas de conjuntos. Num país que estava
na ditadura militar, não se podia conversar sobre política econômica… En-
tão, o que você fazia? A ideia foi tentar fazer uma dissertação de mestrado,
em que os alunos participariam. Nem se falava nisso, na época, mas o que
eu acabei fazendo foi uma pesquisa da minha própria prática, análise de
minha própria prática. Depois, isso veio [a ser chamado] de pesquisa-ação.
Então, a ideia foi a de fazer com que meus próprios alunos se envolvessem
numa pesquisa de acompanhamento de preços dos produtos que suas fa-
mílias consumiam ao longo de 3 meses. Eu dava aulas em um bairro de
periferia, Vila Mimosa, em Campinas. A ideia foi, não ensinar frações e
porcentagens como conteúdos em si e independentes um do outro, mas
tentar dar significados a esses tópicos do programa a partir das ideias de
custo de vida e de inflação. Fazer os cálculos dos índices de custo de vida e
de inflação, ao longo de 3 meses consecutivos, no bairro onde os alunos
moravam e discutir os efeitos disso na vida de suas famílias. Então, a ideia
38 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
ele fazia parte do Instituto de Física ou da Lógica, ele não estava ainda na
Faculdade de Educação. Mas estavam lá os professores Sérgio Lorenzato e
o Ruggiero – eu não me lembro o primeiro nome dele34 - era outro profes-
sor que dava aulas de Estágio e Prática de Ensino. Mas o Lorenzato sempre
estava em viagem, ele ia muito para o Canadá. Acho que quando eu fui
contratado pela UNICAMP, o Sérgio Lorenzato estava no Canadá, estava
em um afastamento, não me lembro muito bem. Eu não tinha quase con-
tato com os professores [no Instituto de] Matemática, então, quem ia ser
o meu orientador? Então me lembro que foi o Milton35, porque o Milton,
apesar de ter chegado depois de mim na faculdade, já orientava e minis-
trava uma disciplina que, pasme36, se chamava Projetos de Ensino:
Projetos de Ensino 1 e 2. Então, o que aconteceu? Eu fui fazer a disciplina
do Milton e ele era muito sedutor… aquele jeito desconstrucionista dele
falar, pensar, problematizar o que quer que fosse. Então, eu me identifi-
quei muito com o Milton, bem como com a possibilidade de desenvolver,
com ele, os meus projetos [de ensino]. Ele levava a gente para as escolas.
Enfim, foi um pouco por aí que acabei escolhendo o Mílton como o meu
orientador de mestrado.
Nesse meio tempo, abriu uma vaga [para professor na Faculdade de
Educação] e eu sugeri ao departamento a contratação da Ângela, porque,
naquela época, não existiam os concursos públicos. Tanto é que eu – que
já era aluno da Faculdade – também havia sido convidado pelo professor
Hilário Fracalanza. Na época, eu era representante dos alunos de pós-gra-
duação no departamento de metodologia de ensino, aquela coisa toda,
enfim… Ele foi me convidar: “tem uma vaga aqui para Licenciatura em
Matemática, você não quer vir pra cá?”. Foi assim que eu comecei a traba-
lhar [como professor], sem ter ainda defendido minha dissertação do
34 Maurício Carlos Ruggiero realizou seu mestrado em Educação, pela UNICAMP e foi professor dessa instituição,
no departamento de metodologia de ensino, na FE.
35 Milton José de Almeida realizou seu doutorado na USP e a livre-docência na UNICAMP. Foi professor de ambas
instituições.
36 Essa observação deve-se ao fato de o professor Milton Almeida ter sido um ferrenho crítico tanto às pesquisas de
cunho metodológico positivista, quanto às práticas de ensino tradicionalistas.
40 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
o Caraça já era uma literatura que vinha pelo lado, digamos assim, pelos
militantes marxistas, porque o Caraça já escreve a história se posicionando
ideologicamente... mas as bibliotecas não tinham. Não tinha nada disso...
Para você ter uma ideia, eu comprei o livro do Lakatos38, em uma
livraria de Campinas, a livraria Pontes. Não que ele fosse proibido. Mas,
por quê? Porque, dentro da comunidade da matemática, o livro do Lakatos
era uma heresia, jamais seria aceito por um matemático… Na Matemática
pura da UNICAMP não se discutia Filosofia, nem História, nada disso. Eu
comecei a trabalhar com o Lakatos junto a meus alunos muito mais pela
rebeldia, não só pelo modo como Lakatos escrevia um texto acadêmico
através de diálogo, como também pelo questionamento que ele fazia ao
formalismo matemático.
Nos primeiros dias do IMECC, havia professores que pesquisavam
Lógica. Depois, eles parecem ter sido “expulsos” de lá. Aí se formou o Cen-
tro de Lógica e Epistemologia da UNICAMP, que não ficava alocado no
prédio da Matemática, mas sim no das ciências humanas. Então, até hoje
existe o CLE, o Centro de Lógica e Epistemologia da UNICAMP, onde a…
como é que ela se chama? A Ítala, que fez matemática na PUC, depois foi
para a UNICAMP, se especializou em Lógica e trabalha lá no Centro de
Lógica até hoje, enfim… As pessoas que faziam qualquer tipo de estudos
de Filosofia da Ciência, Filosofia da Lógica, Filosofia da Matemática, não
ficaram no IMECC. Porque [o Instituto de Matemática tinha] aquela tradi-
ção mais, digamos, de investigação em Matemática pura e aplicada, vistas
como disciplinas estritamente técnicas. Então, quem quisesse fazer al-
guma pesquisa em História ou em Filosofia da Matemática, não poderia
fazê-la no IMECC. Então, o Lafayette, veio para Faculdade de Educação,
porque a formação dele era em Lógica, ele era físico e fez Lógica. Eu co-
nheci o Lafayette, quando fui contratado como professor da Unicamp,
porque ele ministrava duas disciplinas no curso de Licenciatura em Mate-
mática: História das Ciências 1 e 2. Eram disciplinas obrigatórias para
quem ia fazer a Licenciatura em Matemática. Foram essas disciplinas que
39 Arlete J. Brito foi bolsista do Programa de Capacitação Docente, no ano de 1998. Assim, assumiu como professora,
essa disciplina, denominada, na época, Fundamentos Históricos, Filosóficos e Metodológicos da Educação Matemá-
tica, sob supervisão da professora Maria Ângela Miorim.
40 Grupo de Pesquisa criado em 1996, na Faculdade de Educação, UNICAMP.
41 Grupo de História Oral e Educação Matemática, que foi criado em 2002.
42 Wagner Rodrigues Valente terminou seu doutorado no ano de 1997, pela Universidade de São Paulo/INRP- Paris.
Arlete de Jesus Brito; Islenis Carolina Botello; Antonio Miguel | 43
43 Capitalism and Arithmetic: The New Math of the 15th Century de Frank J. Swetz.
44 Miguel se refere ao livro Crer em história de François Hartog, Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
Arlete de Jesus Brito; Islenis Carolina Botello; Antonio Miguel | 45
de Carvalho e a Anna Regina Lanner de Moura, tendo passado por lá, tam-
bém, por um curto período de tempo, a professora Maria do Carmo
Domite Mendonça. Então, mas antes da Dione e da Regina chegarem, nós
já tínhamos constituído o CEMPEM.
O CEMPEM foi [criado] da década de 1980. O Dario já estava tam-
bém, o Lafayette também estava [na Faculdade de Educação], o Sérgio
Lorenzato também; mas eu acho que o CEMPEM foi muito mais uma ini-
ciativa do trio Maria Ângela, Dario e eu. Embora o Sérgio Lorenzato
sempre tenha se dedicado à investigação de materiais de manipulação para
o ensino de matemática, acho que ele, inicialmente, não se envolveu tanto
com isso pois, nesse período, ele se encontrava no Canadá. Enfim, o
CEMPEM surgiu quando o Dario já estava lá, meados da década de 80.
Antes, inclusive de a gente fazer o nosso doutoramento, porque nós fica-
mos cozinhando aquele doutorado porque todo mundo começou a se
envolver diretamente com o trabalho de extensão junto a professores da
rede pública.
A década de 1980 foi intensa, foi um momento do país em que nos
envolvemos com a discussão e elaboração da primeira proposta curricular
para o ensino de matemática do Estado de São Paulo, após a queda da
ditadura militar. Eu acredito que pelo fato da gente, na época, já realizar
junto com professores de Campinas que ensinavam Matemática na rede
estadual de ensino em Campinas, um certo trabalho inovador no plano
curricular. O próprio Ronaldo Nicolai, que fazia parte do nosso grupo de
professores desempenhava a função de monitor junto à CENP48. Então,
nós já tínhamos esse material alternativo que circulava pelas escolas de
Campinas, um material apostilado por temas do ensino da matemática e
não por séries, totalmente diferente daquilo que os livros didáticos propu-
nham. O primeiro governador eleito, por eleição direta, no estado de São
Paulo, antes ainda da queda da ditadura, foi Franco Montoro, e ele abriu a
discussão sobre os currículos, e eu fui convidado pela equipe técnica de
matemática da CENP a integrar a discussão de uma nova proposta
49 Título da dissertação de mestrado de Maria Ângela Miorim: Caracterização Topológica de Corpos com Valorização.
50 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
era o professor mais bem preparado para dar essas disciplinas, ainda que
nós já tivéssemos um interesse pela História. A Ângela também já come-
çava a se interessar pela Matemática Moderna. Ela queria fazer – e fez –
uma tese histórica sobre o movimento modernista na Educação Matemá-
tica. O Lafayette havia sido um dos tradutores dos livros do SMSG50. Aí já
começou um núcleo de pensamento da Matemática e da Educação Mate-
mática, na Faculdade de Educação. Então, estava tudo ali, foi a época da
Rute também, a Rute Cunha. Então, éramos todos nós orientandos do La-
fayette, e também o Antonio Carlos Carrera de Souza. Aí, começou um
grupo de pessoas que já estavam interessadas em discutir especificamente
o ensino de Matemática e todas elas entrando pelo viés da História. E tam-
bém porque o Lafayette era a pessoa mais indicada [para nos orientar].
Toda a literatura que a gente conhecia sobre a História das Ciências e da
Matemática nos foi indicada e, muitas vezes, fisicamente disponibilizada,
pelo Lafayette. Eu via o Lafayette como um erudito: ele era um violinista,
tocava na orquestra sinfônica, um cara sensível às aproximações entre ci-
ência e arte sob a perspectiva da virada linguística em Filosofia. Foi através
dele que eu fiquei sabendo da existência do Círculo de Viena, de Filosofia
da Linguagem e coisas do tipo. Eu agradeço e reconheço esta contribuição
na introdução da minha tese de doutorado, de 1993, na qual eu me refiro
a essa contribuição sobre a minha formação como “herança do professor
Lafayette”, porque, realmente, eu acho que devo a ele muito de minha for-
mação em História e em Filosofia, pelas suas indicações de textos de
História e Filosofia da Matemática e da Linguagem que eram produzidos
em outros países. Porque por aqui não chegava nada! O que existia tradu-
zido de História e Filosofia da Matemática para o português? No Brasil,
não existia nada, havia o Boyer, não tinha mais nada. O Lafayette nos tra-
zia livros em outras línguas que não circulavam por aqui, porque,
praticamente, não existia uma literatura, no país, sobre História e Filosofia
da Matemática. Estas não pareciam constituir uma preocupação dos
50 A coleção de livros do Study Mathematics School Group foi traduzida no início da década de 1960, e o professor
Lafayette de Moraes foi um de seus tradutores.
Arlete de Jesus Brito; Islenis Carolina Botello; Antonio Miguel | 51
51 Tractatus Logico-Philosophicus é uma obra de Ludwig Josef Johann Wittgenstein, o resultado de suas anotações e
correspondências com Bertrand Russell, escrita entre 1914 e 1916.
52 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
52 Falibilismo é o princípio filosófico de que os seres humanos podem estar errados sobre suas crenças, expectativas
ou sua compreensão do mundo e ainda assim se justificarem na realização de suas crenças incorretas.
Arlete de Jesus Brito; Islenis Carolina Botello; Antonio Miguel | 53
53 Jacques Derrida (1930-2004) foi um filósofo franco-argelino que iniciou, durante os anos 1960, o ponto de vista
desconstrucionista em filosofia. Esta "desconstrução" foi compreendida, tecnicamente, à luz do que é conhecido como
"intuicionismo" ou "construcionismo"" no campo da filosofia da matemática.
54 Roland Barthes (1915-1980) foi um escritor, sociólogo, crítico literário, semiólogo e filósofo francês. Usou a análise
semiótica em revistas e propagandas, destacando seu conteúdo político, e dividiu o processo de significação em dois
momentos: denotativo e conotativo
Arlete de Jesus Brito; Islenis Carolina Botello; Antonio Miguel | 55
55 Ferdinand de Saussure (1857-1913) foi um linguista e filósofo suíço, cujas elaborações teóricas propiciaram o
desenvolvimento da linguística enquanto ciência autônoma. Saussure entendia a linguística como um ramo da ciên-
cia mais geral dos signos, que ele propôs que fosse chamada de Semiologia.
56 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
porque, para ele, a linguagem surge pela inscrição, pelo signo inscrito in-
dependentemente de qualquer sistema e independentemente dos signos
das línguas orais articuladas e, portanto, a escritura, no sentido de inscri-
ção de quaisquer tipos de signos em quaisquer tipos de suporte, seria
anterior às línguas faladas. Eu acho que [essa tese] tem um certo sentido,
embora não seja uma tese empírica. Para ele, uma inscrição na caverna,
um desenho, já seria um signo, antes de ser um signo oral. Então, o quase
conceito derridiano de escritura seria semelhante à de jogo de linguagem
enquanto um jogo de ação, do corpo humano em ação, do corpo humano
operando com signos, que podem, inclusive, ser as próprias referências
corporais. Então, nesse sentido, a noção de jogo de linguagem não está
necessariamente ligada à produção de uma língua oral articulada e muito
menos a uma língua escrita articulada. Os processos humanos de signifi-
cação seriam anteriores ao surgimento dos diferentes sistemas de línguas
orais articuladas. A partir daí, Wittgenstein e Derrida são os nossos filóso-
fos de referência, porque eles não estão falando de jogos de linguagem ou
de escritura reduzindo-os aos jogos de linguagem verbal, isto é, a jogos de
fala, de conversação ou a jogos de escrita, ainda que o nosso grupo de pes-
quisa se pronuncie “fala” com f e se escreva PHALA com PH. Mas, na
verdade, jogos de linguagem são modos de humanos, situados no tempo e
no espaço, lidarem, operarem com signos e esses signos não precisam ser
signos escritos ou sonoros; podem ser gestos ou qualquer outra qualquer
coisa.
O PHALA56 já vem de uma época que eu acho que é um pouco um
desdobramento, eu te diria assim, do HIFEM, mas, eu acho que é bem
pouco. Aquele livro que escrevi com a Ângela que a [editora] Autêntica
publicou57, foi em um momento que eu acho que já era de afastamento do
modo como a gente vinha fazendo, não só as disciplinas, mas o modo como
eu, particularmente, passei a compreender a História através da noção de
contestava naquela época. Então, perguntei ao Wilson: por que você não
estuda as filosofias sociais da matemática? Porque existia, na época, essa
entrada pelo social, pelas práticas sociais. Portanto, a proposta que fiz a ele
foi: vamos estudar comparativamente esses três autores: o Lakatos, o
Wittgenstein e o próprio Paul Ernest? Porque Ernest se dizia um constru-
tivista social, e havia mesmo uma certa influência de Piaget no modo como
ele caracterizava esta perspectiva. Então, a proposta era que a tese do Wil-
son fosse um estudo desses três autores diferentes, tentando mostrar em
que sentido cada um recuperava o social, a ponto de se poder, talvez, dizer
ser cada uma dessas filosofias uma filosofia social da matemática. De qual-
quer maneira, a tese dele foi um momento em que a gente pode também
se aprofundar nos estudos da obra de Wittgenstein. Eu me lembro que ele
comprou os livros do Wittgenstein, começou a estudar... E como ele queria
lê-los em alemão, ele foi fazer um curso de alemão, além de flauta trans-
versal, Tai Chi, enfim....[risos]. Com a Denise foi um outro momento
especial, porque ela já veio com a intenção de se tentar fundamentar a
Etnomatemática numa perspectiva wittgensteiniana. Ela já falava em prá-
ticas sociais. Tinha estudado Pierre Bourdieu e foi estudar a obra de Jean
Lave63. Ela já tinha também uma entrada no trabalho de Paulus Guerdes,
com quem o meu próprio trabalho já vinha dialogando há algum tempo.
O trabalho de Gerdes tinha uma forte inspiração marxista, mas que já fazia
uma releitura do materialismo dialético, ao falar não mais em práxis social
como uma totalidade, mas em práticas culturais, estabelecendo, assim, um
diálogo com a Etnomatemática. Nossa área é muito rica, porque a gente
teve oportunidade de fazer essas leituras, entender a Etnomatemática ou
mesmo os paradigmas da cultura, muito antes da área mais ampla da Edu-
cação. A Educação ficou eternamente discutindo com a Psicologia, com as
diferentes perspectivas psicológico-cognitivistas que se sucediam, mas a
Educação Matemática já estava discutindo as práticas culturais africanas,
as cestarias, as práticas culturais e estabelecendo um diálogo com a antro-
pologia. Olha que loucura! Eu olho para trás e me lembro de um monte de
63 Jean Lave
60 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
coisas que vêm juntas! Dos contatos com o Sebastiani, Marineusa, Rodney,
Jonny, o próprio Ubiratan, esses colegas que faziam modelagem, etnoma-
temática e coisas do tipo. Porque tudo isso surgiu lá! Então, a gente estava
exposto e envolvido com um debate com múltiplas práticas de pesquisa e
perspectivas teóricas: a fenomenologia, o materialismo dialético mais or-
todoxo, a filosofia analítica, os estudos culturais e antropológicos, as
pesquisas que estavam sendo feitas com povos indígenas etc. Então, essas
coisas foram de uma riqueza imensa. Acho que não tem muita explicação,
querer explicar nossa trajetória, mas a gente está vivendo esse momento
em que está todo mundo, cada um na sua perspectiva, trazendo novidades
e pensando a Educação, a Educação Matemática, a própria Matemática.
Mas, de qualquer maneira, por exemplo, o fato de a Matemática não mais
poder fundamentar-se na Lógica, no formalismo dedutivista, levou Ubira-
tan e outros colegas a buscar um fundamento cultural para a Matemática
e a Educação Matemática, o que levou à criação da Etnomatemática, que
foi uma coisa tipicamente brasileira.
Atualmente, a Educação Matemática teve um boom enorme, fantás-
tico… Eu acho que houve uma época em que a gente tentou imaginar que
conseguiria ter uma visão panorâmica do que se faz em Educação Mate-
mática. A tese do Dario foi bem isso. Com a criação da Zetetiké64, nós
começamos a fazer o levantamento das teses produzidas no Brasil, pelo
menos para divulgar. Então, a tese do Dario tinha a pretensão de analisar
essa produção acadêmica, que se fazia em Educação Matemática no país,
tentando definir tendências, etc. e tal… Depois, tentamos fazer isso, só no
terreno da História, você se lembra, não é? Eu, Ângela e todo mundo ten-
tando fazer esse mapeamento. Hoje em dia, acho que não se consegue ter
mais noção, nem um mapeamento dentro do próprio terreno da História
da Educação Matemática, que cresceu enormemente. Só acho assim: ela se
desenvolveu muito quantitativamente devido ao aumento de tantos pro-
gramas de Educação Matemática que se espalharam pelo país, ela está
64 Periódico criado em 1993, na Faculdade de Educação, UNICAMP, cujo objetivo é divulgar pesquisas acadêmicas
na área de Educação Matemática.
Arlete de Jesus Brito; Islenis Carolina Botello; Antonio Miguel | 61
posta em várias universidades, no país, todos estados têm, ela está institu-
cionalizada. Só que, apesar desse crescimento quantitativo, eu ainda acho
que nós continuamos muito subdesenvolvidos, digamos assim, em rela-
ção… Eu acho que foi importante esse movimento. A Etnomatemática
tentou mostrar um outro modo de se olhar para a Matemática. Mas, eu
ainda acho que a gente não conseguiu desconstruir aquela visão tradicio-
nal da Matemática. Não sei se isso é uma visão que a gente foi construindo
a partir do PHALA, mas eu não consigo mais… Quando sou parecerista de
uma revista, pego um artigo para avaliar, fico muito incomodado, porque
eu não consigo mais acreditar nessa visão naturalizada da Matemática, a
rigor, se eu fosse fiel àquilo que eu penso hoje, eu não deixaria passar este
ou aquele artigo. Mas eu também sei que o modo como eu penso diverge
muito do modo como a Matemática está posta nos currículos e na forma-
ção de professores. Os concursos públicos… Então, é assim, o movimento
da Educação Matemática nunca conseguiu se desvencilhar desse modo co-
lonizador de se ver a Matemática e que foi o modo que nos produziu
enquanto educadores matemáticos. Nós não conseguimos olhar para a
Matemática de uma outra maneira que não seja aquela como a vê e como
a pratica o matemático profissional.
Então, no PHALA, eu acho que a grande revolução foi o modo como
a gente começou a ler Wittgenstein e Derrida, aproximando e ao mesmo
tempo tensionando as obras desses dois filósofos geniais. Foi o modo re-
volucionário de Wittgenstein, na segunda fase do seu pensamento, falar
de linguagem como jogos de linguagem e de matemática como um con-
junto de jogos normativos de linguagem que nos possibilitou ver a
Matemática não como uma coisa unificada, ou tão somente como aquilo
que faz o matemático profissional. A ampliação democrática de se ver a
matemática como um conjunto de jogos de linguagem é muito diferente.
Por quê? Porque, nessa perspectiva, a Matemática deixa de ser vista como
um conjunto de conteúdos, rompendo-se também com a visão disciplinar
da Matemática, do modo que ela se constituiu como disciplina escolar, e
tirando o protagonismo dos matemáticos profissionais como sendo a única
62 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
vai conseguir um dia unificar… De acordo com Gödel, isso seria impossível
de se fazer, quer dizer, para manter a não contradição de todo o sistema
unificado, ele não poderá manter a sua completude. Mas, o teorema de
Gödel não impediu os matemáticos de falarem e fazerem Matemática, do
jeito que eles já vinham fazendo, e nem de validar uma proposição mate-
mática através da apresentação de uma prova lógico-dedutiva, mas essas
são as regras do jogo da Matemática acadêmica, certo? Agora, não pode-
mos, em nome disso, nos deixar colonizar e dizer: “Matemática é só isso o
que os matemáticos fazem”. Não! A Matemática é o que todos nós fazemos,
quando nos envolvemos com jogos normativos de linguagem, quer sim-
plesmente como um usuário deste jogo, quer para produzirmos ou
inventarmos novos jogos. Nesse sentido, quando nós nos envolvemos com
um problema que nos permita fazer isso, estamos fazendo Matemática.
Isso é uma democratização incrível! Mas, também, nos traz uma consciên-
cia bem maior da ligação da Matemática com a vida, com as “formas de
vida”, que é também um quase-conceito wittgensteiniano. O quase-con-
ceito de “formas de vida” para Wittgenstein, primeiro, rompe com a
própria ideia que a gente tem de separação radical entre humanos e os
demais seres naturais; rompe com essa separação radical que a gente cos-
tuma estabelecer entre natureza e cultura. Por quê? Porque essa relação
foi, desde pelo menos o século XVIII, sendo construída como se nós huma-
nos tivéssemos uma prioridade, uma prerrogativa, como se nós humanos
fôssemos o limite superior para o qual tenderia uma suposta evolução da
natureza. Radicalmente falando, nós humanos não produziríamos ne-
nhum jogo de linguagem se não interagíssemos com os demais seres
naturais. Isto é uma outra revolução que apareceu para a gente, no PHALA,
mais recentemente. Falar uma língua… eu estou falando aqui com você…
estamos participando de um jogo de linguagem. Eu estou falando em por-
tuguês com você, e se eu quisesse olhar este jogo pelo lado do
estruturalismo, ele apareceria para a gente como um jogo de combinação
de fonemas com base em algumas regras gramaticais. E é assim que você
significa o que eu estou falando, do mesmo modo como significaria o
Arlete de Jesus Brito; Islenis Carolina Botello; Antonio Miguel | 67
número 302 por meio das regras de combinação de sinais gráficos do sis-
tema de numeração decimal. Nós aprendemos a significar estas
combinações de fonemas, considerando algumas significativas e outras
não e por isto esta nossa conversação pode continuar inteligível para nós.
Se eu estivesse falando em russo com você, você não entenderia nada, mas
por quê? Porque você não aprendeu essa língua. Outra coisa, para apren-
dermos a falar a nossa língua com significado, não precisamos aprender
as regas de combinação de fonemas, e isto é muito curioso! Por exemplo,
quando uma criança começa a falar a sua língua, ela não precisa saber das
regras dessa língua, nem a combinação dos fonemas. Aí temos uma outra
ruptura que é com teorias ditas científicas de aprendizagem! Eu falo em-
polgado sobre isso, porque é uma ideia que rompe com a nossa ideia de
que para aprender um jogo seria sempre preciso aprender, antes, as suas
regras.
Nenhum de nós, para aprendermos a falar a nossa língua, tivemos
que aprender as regras estruturais desse jogo de linguagem. Isto é uma
revolução que causa inclusive uma mudança no modo como a gente hoje
ensina Matemática, porque todos dizem: ah! para o aluno entender e fazer
a operação de adição, ele tem que entender as regras do sistema de nume-
ração, isso foi o que toda pedagogia e a Educação Matemática afirmaram,
não é? Desde o estruturalismo, depois o construtivismo, a gente sempre
teve essa ideia de que… Não que nós não possamos aprender essas regras,
claro que não é isso! Não que não seja importante a gente aprender essas
regras, claro que não é isso! Mas, a aprendizagem de regras não deveria
ser vista como uma condição para a aprendizagem. Assim, para aprender
a falar o português, a criança imita os movimentos dos lábios, os gestos,
as expressões faciais, os sons etc. feito pelos outros participantes dos jogos
de fala com os quais ela se envolve. Wittgenstein é incrível, porque embora
ele não tenha feito nenhuma reflexão sistemática sobre isso, ele mostra
para gente que, além de um modo gramatical, existe também um modo
mimético de aprender, que ele chama aprender pelo “estilo da pintura”.
Ele não usa a palavra “mimético” no sentido da mimese, da imitação. Para
68 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
não chegar, alguma coisa aconteceu no meio do caminho que impediu, não
seria porque o jogo de linguagem do CEP é falho. Então, quer dizer, a Ma-
temática é exatamente o conjunto de jogos de linguagem que funcionam
como norma de correção de si mesmos, por isso que eu posso dizer: eu
errei ou não errei. Certo? Daí, a crítica que tenho ao Lakatos... a questão
não é se uma prova ou não prova definitivamente, pois quando a Matemá-
tica está ligada às ações e às formas de vida como jogos, como práticas, ela
é uma prática normativa, que eu sempre posso corrigir até um limite tido
como desejável, satisfatório. Porque esse algoritmo me permite atingir ine-
quivocamente o propósito. Se você for fazer tricô, você vai fazer uma blusa,
por exemplo, você tem um algoritmo para seguir. Se você errou, então
você pode corrigir, isso é Matemática. Não tem nada a ver com conteúdo
ou com proposições. Então, vamos considerar o fazer o tricô como uma
prática, a implicação disso é surpreendente, por quê? Porque fazer Histó-
ria da Matemática muda completamente, passa a ser a História desses
jogos normativos, não essa Matemática do matemático, ou da Matemática
proposicional. É esse tipo de História que está posta. As mulheres não fa-
zem matemática? Fazem sim! Eu não preciso ficar tentando buscar uma
mulher que imite a imagem que um matemático acadêmico do século XIX
ou XX faz de si mesmo para dizer que as mulheres fazem ou fizeram ma-
temática. São as mulheres que tradicionalmente, nas comunidades
indígenas, eram encarregadas de fazer esses entrançamentos, esses bor-
dados, e a tese da Carol65 mostra muito isso.
Meu descontentamento em Educação Matemática é que nós não te-
nhamos chegado a questionar, minimamente, essa Matemática que está
posta nos currículos desde a Revolução [francesa], desde que os sistemas
educacionais de educação se pautaram em uma Matemática que está posta
de uma forma disciplinar, hierarquizada, conceitualmente falando, propo-
sicional etc. É preciso dizer também que os jogos normativos de linguagem
são jogos que têm sido ideologicamente utilizados para se controlar o que
não poderia ser controlado na ausência de uma discussão ético-política. É
isso que nós devemos discutir com os nossos alunos. Então, hoje em dia,
se eu tivesse que formar professores de matemática, discutiria… É isso que
nós passamos a fazer, a partir de um certo momento, com os nossos está-
gios na UNICAMP: levar para a escola não mais conteúdos matemáticos,
mas problematizar práticas culturaism ou seja, essas práticas ditas nor-
mativas, é isso que nós devemos discutir com nossos alunos. Estamos
ensinando Matemática? Não, estamos problematizando modos como esses
jogos normativos de linguagem funcionam na vida, nas formas de vida, e
é isso que interessa para a gente.
Capítulo 2
1 FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
Arlete de Jesus Brito; Renata Caterine Gambaro Cleto da Silva; Dione Lucchesi de Carvalho | 75
Tal roteiro foi enviado com antecedência à entrevistada que pôde inserir
outros temas. Foi inserida a discussão sobre sua participação – os cursos
que fez e ministrou – na Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do
Ensino de Ciências [FUNBEC].
A entrevista com Dione Lucchesi de Carvalho foi realizada no dia 21
de abril, a partir das 14h30min. Utilizamos, para realizar a entrevista, a
plataforma Zoom, e essa entrevista foi gravada em áudio com a duração
de 1 hora e 31 minutos. Durante a entrevista, fizemos as perguntas e dei-
xamos a depoente discorrer sobre os temas escolhidos e, nos casos de
dúvidas que surgiam durante sua fala, nós a questionávamos.
Após a entrevista, realizamos sua transcrição na íntegra. Depois desse
processo, fizemos a textualização, para o que elencamos os seguintes te-
mas: sua formação no colégio Santana [Escola Normal], sua Graduação na
PUC-SP, sua atuação na FUNBEC, sua participação no grupo Momento,
sua atuação como Professora – na escola regular, supletivo e cursos de
graduação –, seu Mestrado e Doutorado e a sua entrada como docente na
UNICAMP. Assim, os trechos da entrevista que estavam interligados de-
vido a um tema em comum foram constituindo novos trechos na
textualização. Também, nesse processo, retiramos os vícios de linguagem
e acrescentamos entre colchetes informações pertinentes para que o leitor
entendesse o que estava sendo tratado em algumas passagens, como tam-
bém inserirmos notas explicativas de rodapé. Todo esse processo foi
realizado com muita cautela e cuidado, para interferir o mínimo possível
na fala da entrevistada.
Legitimamos a textualização, quando enviamos o material para Dione
Lucchesi de Carvalho, que o modificou no que achou necessário e nos en-
viou sua versão corrigida com a carta assinada de cessão de direitos sobre
a textualização. Após essa modificação, a depoente nos pediu para inserir
novas informações no texto, então nós o devolvemos para que ela nos
mandasse novamente o texto com as modificações feitas.
Assim, constituímos o texto que aqui se encontra.
76 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
2 O Colégio Santana foi criado pela Congregação das Irmãs de São José de Chambéry e teve seu início em 18/12/1892,
na Av. Angélica. Em 1894, o Colégio, cujo nome era Sagrado Coração de Maria, foi transferido para o bairro de
Santana passando a chamar-se “COLÉGIO SANTANA” para diferenciar da Congregação Sagrado Coração de Maria,
que abrira um colégio com este nome na cidade de São Paulo. (https://www.colegiosantana.com.br/historia/). A
escola, ainda hoje, permanece em atividade no mesmo local.
3 Bairro da zona Norte da cidade de São Paulo.
4 As Escolas de Habilitação Específica de 2º grau para de para o Magistério foram criadas em substituição ao Curso
Normal, pela Lei 5.692/71.
Arlete de Jesus Brito; Renata Caterine Gambaro Cleto da Silva; Dione Lucchesi de Carvalho | 77
[eclesiástica] exigia que, para dar aula no Ensino Médio e no Ginásio, elas
tivessem curso superior. Era só professora, no curso Normal... Ah não!
Eu tinha um professor de Música que era o professor Irani. A professora
de Estatística era a Irmã Eugênia que não era formada em Matemática,
acho que ela era formada em Biologia, sei lá, alguma coisa assim. Ah! Mas
[as freiras] achavam que as professoras de primeira a quarta série não
precisavam saber Matemática, [era] só saber fazer divisão, saber fazer
aqueles problemas bem difíceis e pronto! Mas ela [a professora de Mate-
mática] sabia um pouco; sabia a matéria de Estatística que ela estava
dando, pelo menos repetia direitinho o que estava no livro.
Não teve [Metodologia de ensino de Matemática] separadamente,
teve junto [com outras metodologias]. Nós tínhamos as mesmas aulas que
as crianças, mas não me lembro do tipo de Matemática as crianças tinham
lá. Fazíamos estágio no próprio colégio, que tinha de primeira a quarta
série. Eu acho que muita coisa que aprendi no curso normal... Aliás, esses
dias, andei jogando fora umas coisas feitas com lixa colada atrás para fazer
figuras, para a Morte de Tiradentes, mais não sei o quê e tinha umas coisas
muito engraçadas que a gente fazia lá, para montar teatrinho para as cri-
anças! Flanelógrafo... Os professores mandavam guardar tudo. Nunca
consultei esses materiais.
Minha professora de Sociologia [do curso Normal] citou o... Ai, meu
Deus! Aquele senhor, o... Florestan Fernandes5. Ela não citou, ela mandou
a gente preparar um trabalho e fui preparar o trabalho e achei os livros de
Sociologia que ela indicou na estante da biblioteca da escola. Fiquei lendo
Sociologia. E era uma coisa até interessante, porque as freiras foram fi-
cando preocupadas com o tipo de discussão que eu levantava na classe por
causa do livro do Florestan Fernandes. Então, por causa dele, eu levantava
algumas coisas na classe, [como] que Cristo era meio socialista. Nessas
coisas eu estava fazendo o maior samba do crioulo doido, mas...
10 Dione e Paulo continuaram contribuindo para os movimentos de resistência contra o regime militar.
11 Fernando Furquim de Almeida (1913-1981).
80 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
reacionárias, né? Então, foi uma coisa muito estranha, porque a minha
militância estava na frente das outras coisas. Tive as duas meninas e tudo
[durante a graduação]. Então, eu fiz em seis anos a Matemática12, porque
eu tive filho, fiz militância, ou seja, era muita coisa... E acho que não estu-
dei tudo o que precisava, na Matemática, então, não aprendi tudo o que
precisava.
Na Matemática, comecei a ler umas coisas meio que... Na minha ca-
beça era: ou eu fazia na Pedagogia ou fazia na Matemática. Aí, fiquei muito
decepcionada, porque o curso de [graduação em] Matemática era muita
Matemática, era só Matemática. E a mulher do meu professor de Prática
de Ensino ficou doente, no ano em que ele foi meu professor, então ele
faltou muito. Era o Scipione13. Ele orientava os estágios no Colégio Expe-
rimental da Lapa, que também não pude fazer por causa de toda a
trabalheira e eu estava tendo a segunda filha. Então, eu não podia dedicar
muito tempo. Mesmo antes de me formar, queria fazer uma Pós-gradua-
ção em Matemática pura e fiquei muito decepcionada, quando tentei fazer
uma Pós-graduação. Quando acabei uma matéria do curso [de Pós-Gradu-
ação] na USP, que era com o Jacy Monteiro, eu e um colega - que era de
Santos - fomos as únicas pessoas que sobraram no final do curso; o resto
[dos alunos] foi todo desistindo. Acabei desistindo também.
Eu lecionava num lugar que é periferia até hoje, na Pedreira, né? Para
o lado de Santo Amaro, para o lado do autódromo lá [Interlagos] e, nessa
escola, [onde eu lecionei três anos, era na rede estadual de ensino] conheci
a Zilma Ramos de Oliveira14 e ela me contou que tinha uma vaga na
FUNBEC que era a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino
de Ciências. Então, fui lá e, então, me ofereceram o trabalho. Quando fui
para a FUNBEC, a Lídia Lamparelli15 trabalhava lá [e também] a Lisbete
Madsen Barbosa16 que era professora de Rio Claro até outro dia, acho que
já aposentou, a Maria Cristina Maranhão17.... Tinha uma outra moça de que
não lembro o nome, e que não encontrei mais depois da FUNBEC. Então,
descobri um grupo de pessoas que estudavam Educação Matemática. Era
um ambiente de formação mesmo, de estudo e aí foi que eu conheci o tra-
balho do Dienes18, que ia dar um curso no Rio Grande do Sul. As pessoas
[da FUNBEC] achavam que só eu gostava muito de estudar matemática
para crianças, e sugeriram que eu fosse.
Eu fui! E aí, fiquei encantada com as atividades propostas pelo Die-
nes. Fiquei encantada! Ele fazia álgebras “pesadas”, grupo, espaço vetorial,
anel, todas essas coisas, ele fazia [com as crianças]! Eu fiquei pensando
hoje de manhã, pensando na nossa conversa... As pessoas diziam: ele era
idealista. Não é que ele fosse idealista! Quando você dá umas ordens para
o material concreto e as combina de uma determinada maneira, você está
fazendo matemática, mas está fazendo na sua cabeça, não é no jogo do
material. Então, você diz assim: vermelho quando encontra com o azul dá
amarelo e você faz uma maquininha [matemática] assim e o amarelo
quando encontra com o verde dá não sei o quê. Então, você faz regras para
o material e você impõe uma estrutura matemática. A não ser o material
dourado. O material dourado é mais resistente, sua estrutura matemática
é mais resistente para você fazer grandes viagens.
Mas, o Dienes gostava muito de impor estruturas matemáticas para
o material. Ele inventou um material de base 2, de base 3, de base 4. E ele
tinha até um negócio de uma base estranhíssima para dar os números re-
ais, isso nunca aprendi direito. Então, tive que estudar mesmo, né? Porque
tinha umas estruturas que eu nunca tinha generalizado. Não é que eu não
soubesse sistema de numeração, é que o sistema de numeração na base
16 Possui Licenciatura em Matemática pelo Centro Universitário Fundação Santo André (1970) e Mestrado em Edu-
cação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1997). Atualmente é professora assistente da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
17 Doutora em Psicologia da Educação Matemática na PUC-SP, com estágio no IREM da França. Pós-Doutorado em
Educação na FE/UNICAMP. Foi professora da rede estadual de São Paulo, dos departamentos de Matemática da
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Santo André e da PUC-SP.
18 Zoltan Dienes (1916-2014), matemático húngaro.
82 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
10, na minha cabeça era o único que existia. Quando ele começou com base
2, base não sei o quê, você...
[Ao voltar do curso do Dienes], trabalhei em curso de formação de
professores pela FUNBEC e pela Sociedade Brasileira de Matemática, cujo
presidente da seção de educação era um autor de livro didático e ele era
muito ativo. Precisei estudar muito. Nesses estudos todos, nos cursos [pos-
teriores], fui conhecendo a Lucília Bechara19, a Anna Franchi20 e aí fui me
encantando com o trabalho que esse grupo [fazia]. Meu trabalho na
FUNBEC ofereceu-me, também, oportunidade de dar aulas de Matemática
na Faculdade de Ciências e Letras de Santo André que era municipal. Lá,
dei aulas de Prática de Ensino de Ciência Matemática e de Álgebra .
Nós tínhamos uns [grupos de] estudos. Tinha a Anna, a Cecília, tinha
a Antonieta21, a Maria do Carmo Domite22. Já estávamos constituídos en-
quanto grupo (grupo Momento) quando o Bigode23 veio trabalhar conosco.
A gente era um grupo que se reunia aos domingos de manhã, que era o
horário que todo mundo tinha para estudar. Então... a gente se reunia e
estudava.. A gente estudava muito, muito! O Claude Gaulin24 foi que insti-
gou o grupo Momento para ser um grupo para desenvolver projetos. Ele
vinha... acho que era pela amizade da Anna. Era muito engraçado! Não sei
onde a gente arrumava dinheiro para trazer essas pessoas. Trouxemos o
19 Lucília Bechara Sanches possui graduação pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1957), mestrado em
Educação (1991) e doutorado em Educação (1997) pela Universidade de São Paulo.
20 Graduada em Bacharelado (1961) e Licenciatura (1962) em Matemática pela Universidade de São Paulo. Mestre
em Educação (Psicologia da Educação) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1977) e doutora em Edu-
cação (Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1995). Foi professora titular da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
21 Antonieta Moreira Leite é graduada em Matemática, atuou como Coordenadora Pedagógica da área de matemática
da Escola Nossa Senhora das Graças e foi professora do Centro Específico de Formação e Atualização do Magistério
(CEFAM), da escola Experimental da Lapa e, além disso, é autora de livros didáticos.
22 Maria do Carmo Santos Domite (1948-2015) possuía Bacharelado e Licenciatura em Matemática pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (1969); Mestrado em Master of Arts In Mathematics Education - University of
Georgia (1984) e doutorado em Psicologia da Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1993). Foi profes-
sora associada da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
23 Antonio José Lopes (Bigode) é doutor em DIDÁTICA DA MATEMÁTICA pela Universidade Autônoma de Barcelona
- UAB; Licenciado em MATEMÁTICA pelo Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo - IME-
USP. Pós-doutor (UNICSUL). Professor--pesquisador do Centro de Educação Matemática (CEM). Autor da coleção
Matemática do Cotidiano (prêmio Jabuti) e de várias coleções didáticas para o Ensino Fundamental de 1º a 9º anos.
24 Foi diretor financeiro da Universidade de Sherbrooke, Quebec, Canadá. Faleceu no ano de 2020.
Arlete de Jesus Brito; Renata Caterine Gambaro Cleto da Silva; Dione Lucchesi de Carvalho | 83
curso, era para estudar Vigostsky, Piaget e Skinner. Mas, eu ainda não me
encantei com o Vigotsky, eu me encantei com o [Jerome] Bruner.
Eu não gostava muito daquele mundo idealista... [O Bruner tem]
uma visão mais sociológica. E depois, quando fui preparar o meu trabalho
final desse curso, descobri que o Bruner tinha sérios problemas com a es-
trutura americana de ensino e que ele, de vez em quando, não conseguia
emprego e as pessoas não queriam divulgar as ideias dele, porque eram
muito sociológicas. Foram ficando todas essas coisas juntas na minha ca-
beça e eu procurando um viés social. Assim, não deu certo terminar esse
Mestrado, então, fui escrever livro, fazer outras coisas.
O primeiro foi aquele livro [que escrevi] de primeira a quarta série,
No Jogo da Matemática. É uma coleção didática! É eu me convenci de que
não se deve escrever livro para aluno, nesses livros [didáticos]. Porque
aquele livro, eu gosto muito dele até hoje, acho que tem algumas coisas
interessantes, e outras coisas terríveis. Mas não adianta, se o professor não
souber o que fazer com aquilo, ele vai [fazer o aluno] decorar a mesma
coisa: que uma bolacha cortada em duas dá, cada pedaço, um meio... Vai
decorar do mesmo jeito que [o aluno] decora que dois vezes dois são qua-
tro.
Depois de algum tempo, resolvi que se fosse para a UNICAMP, com o
pessoal que trabalhava com Etnomatemática, iria dar muito certo. Então,
fui [fazer o mestrado], meio achando que a Etnomatemática ia me oferecer
um caminho, com uma visão mais sociológica. Tinha alguns piagetianos
interessantes [na UNICAMP]. Eu tinha críticas ao trabalho de Piaget que
eles defendiam; defendia o trabalho numa perspectiva mais, não sei, mais
do Rolando Garcia e tinha algumas coisas que não batiam com o que o
pessoal [piagetiano] da UNICAMP fazia. O processo de seleção [para o
Mestrado na UNICAMP] não mudou muito. Tinha uma prova escrita, de-
pois você era chamado ou não para uma entrevista. Mas eu fui chamada.
E daí, quem é que me entrevistou? Eu não me lembro! O Lafayette30, que
eu conheci na FUNBEC, aceitou me orientar.
34 Grupo de Pesquisa: Prática Pedagógica em Matemática, subgrupo do Circulo de Estudo, Memória e Pesquisa em
Educação Matemática (CEMPEM).
35 Fundado em 1952, era um colégio particular católico apenas para o sexo masculino. Em 1974, foi aberta a matrícula
para meninas. O colégio ainda está em funcionamento e fica situado em São Paulo.
36 Filha mais nova da Dione com o Paulo.
37 CARVALHO, Dione Luckesi. A interação entre o conhecimento matemático da prática e o escolar. Tese (Dou-
torado em Educação). FE/UNICAMP. 1995.
88 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
acho que eu já tinha feito o trabalho de campo. Desde que entrei no dou-
torado eu queria trabalhar com Educação de Jovens e Adultos, mas nunca
tinha dado aulas nesse tipo de ensino. Então, a colega me falou que tinha
vaga, fui lá e me contrataram. Lecionei nove anos no Santa Cruz. Trabalhei
no Ensino Médio e com segunda e terceira série do Ensino Fundamental.
A primeira série não tinha Matemática, era só alfabetização. Trabalhei em
segundo e terceiro ano das séries iniciais [do supletivo]. Primeiro e se-
gundo termo, porque era um semestre cada um. Da quinta à oitava série
não [trabalhei].
Olha, o segundo e terceiro termo de EJA, foi o maior susto que já tive
na vida, porque não imaginava que na interação com os alunos eles me
contassem tanta coisa interessante! Lembro-me de algumas situações
muito interessantes… Estava discutindo com eles [em sala de aula], em
1997. Eu me lembro bem, porque eu me lembro da discussão na classe,
1997. Nós estávamos estudando calendário, eles tinham pesquisado com
os livros dos patrões, (muitos deles trabalhavam como empregados do-
mésticos em casas da região do Alto de Pinheiros onde fica a escola). E eu
me lembro até hoje do aluno que se virou pra mim e perguntou: "Profes-
sora, o mundo vai acabar no ano 2000?" Eu me vi numa saia justa. Eu
pensei: “Puts! Eu vou dizer pra ele que não, o mundo não vai acabar, isso
é besteira?” Então eu falei assim: "Mas escuta… fulano – eu não me lembro
o nome dele -– você acha que, no ano 2000... você já sabe fazer conta,
então que ano que é?” Daqui a 3 anos! [ele respondeu] “Você está vendo
qualquer sinal de fim de mundo?" Ele me falou: “Olha professora, eu não
estou, mas eu tenho muito medo!” Concluí que ele quis dizer “esse conhe-
cimento que a escola me dá, não tira os meus medos...”
[Eu comecei minha carreira docente com 22 anos] e, com essa idade,
já tinha acabado o Curso Normal, e já tinha tido umas experiências com as
crianças de quarta série que, naquele tempo, era a última série do primá-
rio, porque era Primário, Ginásio, depois tinha o Curso Normal, o
Científico e o Clássico.
Arlete de Jesus Brito; Renata Caterine Gambaro Cleto da Silva; Dione Lucchesi de Carvalho | 89
positivo, sinais diferentes dá negativo, por que não tem o outro, que sinais
diferentes dá positivo e sinais iguais dá negativo?” Eu falei para ela: “Eu
não sei! Deve ter, mas acho que os matemáticos escolheram esse outro!”
Foi a Anna Franchi que me explicou [anos depois o porquê da não existên-
cia dessa outra regra].
Lembro-me de que ninguém acreditava que eu ficava ensinando isso
para as criancinhas. Agora, o mais engraçado é que encontrava de vez em
quando com alguns alunos – não aqui39, quando eu morava em São Paulo
– e eles me diziam que eu ensinava que Matemática era uma coisa que se
aprendia, como história, geografia, [a pessoa] aprendia matemática. E fi-
quei muito feliz, porque pelo menos, eles [os alunos] criaram alguns
problemas… Eu não me lembro qual foi o rolo que um [ex] aluno meu
inventou lá para o professor do primeiro ano do Ensino Médio, não me
lembro mais o que era, mas o professor dele me encontrou e falou: “Dione,
você poderia deixar a Matemática do colegial para a gente dar para eles”
[risos]. Contudo, eu acho que foi um bom trabalho.
Havia algumas escolas que faziam isso [um ensino que se experimen-
tavam novas teorias em classe], foi uma época muito rica e até uma coisa
que a gente acha né, que a Ditadura era tão fechada que você precisava
armar espaços de transformação no ambiente de trabalho. Então, isso era
uma coisa que a gente acreditava que [a metodologia do] Dienes nos per-
mitiria. Isso aconteceu por volta de 1972, 1974, 1978, eu fiquei na Soma 14
anos. Olha, não sei exatamente [quando deixei de ser Orientadora da
Soma] mas quando saiu o projeto do Momento, resolvi deixar de ser Ori-
entadora na Soma e ir trabalhar só com Educação Matemática.
Lembro-me de que eu estava na SOMA, e foi quando conheci o Or-
lando40 – o diretor do Santa Cruz – quando fui candidata em uma chapa
para as eleições do Sindicato dos Professores das escolas particulares
(SINPRO). [Cheguei para dar a minha aula na Soma] e o diretor do sindi-
cato, já tinha ligado para a escola e contado que eu tinha me candidatado,
39 Campinas, SP.
40 Orlando Jóia. Educador com grande atuação em EJA.
Arlete de Jesus Brito; Renata Caterine Gambaro Cleto da Silva; Dione Lucchesi de Carvalho | 91
então a Diretora virou para mim e falou assim: “Ê Dione, agora eu não
posso te demitir!”, e eu respondi: “Mas eu posso pedir demissão!”. Mas
não deu muito certo, aquele Sindicato era muito atrapalhado. Nós não fo-
mos eleitos, nem eu, nem Orlando, nós éramos uma chapa que não foi
eleita.
[Nesse tempo], comecei [a lecionar para a graduação em Pedagogia],
não me lembro direito como fui parar na estatística do curso de Pedagogia,
da Faculdade Nossa Senhora Medianeira41. Então, foi a época em que co-
mecei realmente a formar professores, embora eu desse um curso de
estatística como achava que devia dar para qualquer pessoa, não era espe-
cífico para as meninas da Pedagogia. O número de alunos de sexo
masculino que tive é tão irrelevante que sempre me refiro às “alunas” da
Pedagogia. Pegávamos temas da Pedagogia para fazer pesquisas, essas coi-
sas, mas eu não pensava na formação delas enquanto professoras, pensava
na formação delas enquanto cientistas. E era engraçado, porque elas tam-
bém não achavam que um cientista precisava saber estatística, nem elas
se achavam muito cientistas. A gente tinha algumas discussões, até alguns
embates [sobre isso].
Quando eu estava no grupo Momento, nós tínhamos [cursos para
professores] como parte dos projetos, [e esse grupo,] ainda não havia se
tornado CEM. [E quando eu estava no Momento], comecei a lecionar na
Pedagogia [na Faculdade Nossa Senhora da Medianeira e na Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Moema]. Também quando estava no Mo-
mento, substituía a Anna Franchi42, quando ela ia para a Europa e
lecionava [também] na Soma. Quando entrei no Mestrado, saí da Soma.
Não me lembro da ordem, mas substituí a Anna umas três ou quatro
vezes. Nunca cheguei a ser efetivada na PUC, só fui substituta. Prestei um
concurso, não muito qualificado, quando a Anna ia ficar dois anos na Eu-
ropa, acho que eram dois anos, não sei, então, eu fiz um concurso. Mas,
era um concurso que não efetivava, era só substituta. Prestei muitos
poucos concursos para ser professora do Ensino Superior. Não sei bem
por que. E também na rede estadual de ensino eu dei poucas aulas. Dei
[mais] aulas na rede municipal.
Fiquei tão preocupada [com essa entrevista], que falei assim: eu que-
ria contar o que eu acho teve de atípico [na minha vida]. E acho que o
caminho [que percorri], pelo menos o que eu conhecia na época, não era
esse e, algumas vezes, passei batido com coisas muito difíceis. Algumas
delas foram no cursinho, Geometria Analítica, por exemplo, não aprendi
nada no cursinho, Álgebra o professor não sabia [para ensinar], mas eu
sabia, e eu me virava, mas, Geometria Analítica eu não aprendi nadinha.
E tive que aprender na faculdade… Não! Eu tive que aprender para dar
aula, porque na faculdade também, se você tem uma coisa muito organi-
zada logicamente, você não precisa compreender bem, você tem que
devolver aquilo que lhe deram logicamente organizado.
Fiquei pensando e acho que eu não completei, todas as coisas; acho
que sempre ficou faltando um pedaço e eu fico com vontade de voltar um
dia, mas acho que eu não vou aguentar. E tenho, vamos dizer assim, um
projeto agora, preciso ter fôlego para fazer isso, que era – mas acho que,
se eu não achar ninguém para discutir não vou conseguir – discutir o Paulo
Freire com relação à Educação Matemática, que é a formação do cidadão,
com que ele estava trabalhando nos Estados Unidos, quando voltou para
cá. E não traduziram o livro dele. Não traduziram o livro dele com um
autor americano. E não sei se vou, mas eu acho que… Se eu ainda tenho
alguma coisa para escrever na vida é isso.
Da gente [Dione e Arlete] estudar álgebra [também]. Então, tem
muita coisa que eu gostaria de estudar, e gostaria de escrever, a última
coisa que eu quero estudar com a Arlete (a última? Não precisa ser última)
é o Piketty43, só que ela levou o nosso livro do Piketty!
Adriana de Bortoli
Mirtes Abdelnur
94 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
Apresentação
Romper com essa estrutura requer, por parte dos docentes, em pri-
meiro lugar, o domínio absoluto dos conteúdos a serem ensinados. Além
disso, a equipe de cada unidade escolar deveria exercer a arte da empatia,
não apenas se colocando no lugar dos alunos, como também enxergando
o mundo a partir da perspectiva deles, conhecendo, aceitando e respei-
tando suas condições sociais, econômicas e culturais. Isso requer um salto
da imaginação, de modo que todos sejam capazes de olhar pelos olhos dos
outros e compreender as crenças, experiências, esperanças e os medos que
moldam suas visões do mundo.
A escola tem como função precípua transmitir aos alunos os conhe-
cimentos historicamente acumulados. Segundo o Prof. Manoel Oriosvaldo
Moura, especificamente sobre os conteúdos de Matemática, o enfoque de-
veria ser na explicitação e explicação da forma como o conceito é
construído, articulando a sua aprendizagem com a forma de ensiná--lo.
Tal metodologia deveria ser pautada e vinculada à construção de um pro-
jeto pedagógico que articulasse Filosofia, Psicologia, Antropologia,
Sociologia, História da Matemática tornando-se uma única disciplina que
daria conta do conhecimento matemático nos vários aspectos de sua cons-
trução. Para além da contextualização, o ensino deveria ocorrer numa
perspectiva interdisciplinar, buscando a interface que um determinado
conceito matemático tem com as demais disciplinas do currículo, para que
o processo de aprendizagem pudesse ocorrer de forma global e que cada
componente não fosse tratado de forma isolada.
Ao professor, segundo Marilena Chauí, não cabe dizer “faça como
eu”, mas “faça comigo”. O professor deve ser um coadjuvante no processo
ensino-aprendizagem, procurando entender as etapas do desenvolvi-
mento cognitivo de seus alunos e o aluno deveria dialogar com o
pensamento, com a cultura corporificada nas obras e nas práticas sociais
e transmitidas pela linguagem e pelos gestos do professor.
O aluno brasileiro, infelizmente, aprende por exaustão. O professor
dita as regras acabadas e o estudante é obrigado a incorporá-las. Isso gera
desinteresse. Por isso, seria necessário, ao se iniciar uma situação de
Adriana de Bortoli; Mirtes Abdelnur | 109
Andréia Dalcin
Rute da Cunha
1
Carlos Galante (1920-2003) foi professor e autor de livros didáticos de Matemática.
2
Malba Tahan, pseudônimo do professor de Matemática Júlio César de Mello e Souza. Malba Tahan foi autor de
vários livros, dentre os quais o bestseller “O homem que calculava.”
114 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
Meu pai sempre foi assim, tranquilo, só falava uma coisa, vocês têm
uma responsabilidade, serem aprovados, e acabou! Se você tirava 10 ou 5
ele não vinha cheio de elogio, nem de nada, era normal, entendeu! Eu tirei
o diploma do 4º ano com 9,8 porque eu errei a palavra Conrado, no ditado
feito pelo Diretor; escrevi com dois erres. Conrado, só se você tem alguém
da família chamado Conrado. Daí cheguei em casa chorando, sempre tirei
10, agora 9,8, ele falou: ah, que ótimo, tá bom! Sou a caçula de quatro
filhos, três homens.
Fiz o ginásio e o científico no Instituto de Educação “Dr. Américo Bra-
siliense”, onde o professor Carlos Galante lecionava, porém, como já disse,
ele não foi meu professor. Quando fui fazer a Universidade, aqui (Santo
André) tudo era muito provinciano, algumas famílias não permitiam que
as meninas frequentassem universidades em São Paulo. Então, fiz minha
graduação em Matemática na Fundação Santo André. Uma amiga, por
exemplo, prestou o vestibular na USP, foi aprovada e não pôde ir. Sério,
era assim. Outro dia, encontrei algumas amigas e uma recordou que falou
para o pai que iria fazer sua graduação na USP, sim, pois havia sido apro-
vada, ao que o pai respondeu: Então, está bem, nós nos mudamos para
São Paulo. Entendeu, como que era a história? Então, eu fiz o que a pro-
víncia permitia. Depois fiz Pedagogia porque, como professora efetiva da
rede estadual de ensino, o próximo passo para o futuro seria ser Diretora
de escola.
Meu primeiro contato com a Matemática Contemporânea, proposta
pelo grupo Bourbaki, aconteceu no curso científico, através do professor
Roberto Starck Sobrinho, que era aluno da Física da USP, estava termi-
nando o curso e depois foi ser professor na USP de São Carlos. Ele lecionou
Matemática e Física para minha classe, nos três anos de científico e adotou
os livros do SMSG, SCHOOL MATHEMATICS STUDY GROUP, para Mate-
mática e PSSC, PHYSICAL SCIENCE STUDY COMMITTEE para Física.
Fizemos o científico nessas matérias com esses livros, não só com esses,
com mais alguns também. Em Biologia, a professora Gilda utilizava o
BSSC, BIOLOGICAL SCIENCES CURRICULUM STUDY, e o Instituto
116 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
3
Isaias Raw foi médico, pesquisador e professor universitário. Dentre as várias atividades dirigiu a Fundação Brasi-
leira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências (Funbec) onde nasceram os Clubes de Ciência, as Feiras de
Ciências e o concurso Cientista do Amanhã.
4
Luiz Henrique Jacy Monteiro (1921- 1975) foi professor do Instituto de Matemática e Estatística da USP, e autor de
livros didáticos para o ensino secundário e superior.
Andréia Dalcin; Rute da Cunha | 117
O Grupo Momento
Quem deu o nome para esse grupo foi a Lucília Bechara5. Por que eu
fui para esse grupo? Por causa de uma pessoa chamada Anna Franchi6. A
Anna Franchi era uma lutadora pela escola pública. A Anna Franchi queria
distribuir, acolher, entendeu? Queria professores da escola pública no
grupo. Do grupo mesmo, faziam parte alguns donos de escolas, ou coor-
denadores de escola e professores de escolas particulares. Você tinha a
Cecilia Donnet, que era Coordenadora/Supervisora do colégio Madre Alix,
Lucília Bechara Sanchez, sócia da Escola Vera Cruz, Maria Antonieta Mo-
reira Leite, que era Coordenadora da Escola Nossa Senhora das Graças, o
Gracinha.
No grupo, lembro-me de que, além das citadas, participavam tam-
bém: Dione Luckesi de Carvalho, Maria do Carmo Domite Mendonça7, eu
já conhecia a Dione há algum tempo, a Manhúcia Liberman, Ana Regina
Larnner Moura, o Oriosvaldo Moura, a Regina Pavanello, Maria Cristina
Souza de Albuquerque Maranhão, Maria Verônica Rezende de Azevedo,
Bigode (Antonio José Lopes Bigode), Helenalda Nazareth e Dulce Satiko
Onaga, entre outros. Ali, a gente começou a estudar, a fazer cursos. Acho,
se não me engano, que foi a Anna que chamou o Claude Gaulin8 para dar
um curso para nós. Eu até o levei à UNICAMP uma vez, para se encontrar
com o Ubiratan D’Ambrósio. O Claude trazia os textos, as atividades, o
material a ser utilizado nas atividades que propunha ao grupo Momento9.
5
Lucília Bechara Sanchez atuou como professora e formadora de professores em tempos do Movimento da Matemá-
tica Moderna; foi autora de livros didáticos e materiais do G.E.E.M. Foi Vice-diretora do Instituto Superior de
Educação Vera Cruz e Diretora da Escola Vera Cruz em São Paulo-SP
6
Anna Franchi foi professora do Curso de Matemática da PUC/SP e autora de livros didáticos.
7
Maria do Carmo Domite Mendonça (1948-2015) foi professora da Faculdade de Educação da UNICAMP e da Facul-
dade de Educação da USP.
8
Claude Gaulin (1938-2020) foi professor e pesquisador da Universidade de Laval, Quebéc-Canadá. Destaca-se por
sua produção em Educação Matemática, tendo ministrado cursos e palestras no Brasil em vários momentos, em
especial durante o Movimento da Matemática Moderna.
9
Segundo Anna Franchi, em entrevista a Heloisa da Silva, o “grupo Momento teve origem mais concreta em oitenta
e três, a partir do convênio assinado com a Universidade Laval – Quebec (Canadá), dirigido pelo professor Claude
Gaulin.” (SILVA, 2006, p. 58).
118 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
Que uma coisa fique clara nesta entrevista: é que ninguém ganha
nada sem equipe. Trabalhar em equipe é de um enriquecimento... seu co-
nhecimento é colocado em xeque, é construído junto com os outros, mas
ele pode ser negado em parte, aceito em outra parte, então o crescimento
em relação ao conhecimento é muito grande. Foi um grupo muito impor-
tante e, através dele, a Lucília falou: gente nós vamos lutar pela Educação
Matemática! Nós não queremos ser matemáticos, nós queremos ensinar
matemática e bem! Naquela época, final de 1970, o foco era ensinar Mate-
mática.
Quando fui fazer Unicamp, estudei com Antônio Miguel, em 84 ou
85, nós já tínhamos essa preocupação. Então, é diferente o que a gente
pode olhar como Educação Matemática hoje e naquela época, quando a
única preocupação era elaborar atividades para o aluno aprender melhor,
para que determinados obstáculos não existissem, e assim vai. A gente era
focado em metodologia. Era também a época da ditadura.
Em 1972, começam as propostas da CENP, em 80 estas sofrem mo-
dificações. O “grupo Momento” começa no final dos 70, mas ele vem de
um desdobramento de um grupo de escolas particulares que já trazia o
Dienes10, trazia o Tamás Varga11 para o Brasil, um monte de gente. O grupo
Momento ainda trouxe o Vergnaud, que trabalha com os campos concei-
tuais. No curso dado pelo Vergnaud, além dos elementos do grupo,
lembro-me da presença do José Jakubovic.
10
Zoltan Paul Dienez (1916-2014) foi professor e pesquisador húngaro, com importantes contribuições para o ensino
primário durante o Movimento da Matemática Moderna. Esteve no Brasil, ministrando cursos e palestras, nos anos
197
11
Tamas Varga, professor de Educação Matemática em Budapeste, que veio ao Brasil nos anos 1970, para ministrar
cursos durante o Movimento da Matemática Moderna.
Andréia Dalcin; Rute da Cunha | 119
muito diferente da Matemática Moderna que era ríspida, formal e que es-
tava no livro.
Não se discutia essa Matemática Moderna. Inicialmente, a gente só
queria trabalhar para o futuro, o foco era o ensino. As atividades eram
ótimas, tenho ainda na cabeça as atividades, então a gente vai perceber,
eu, pelo menos, percebi que, quando você trabalha com atividades, você
precisa de anos para tirar, mas, anos, não um ou dois anos ou um ou dois
alunos, são 30 anos para você olhar para trás, para aquele conjunto e ver
quais foram as permanências da atividade e do aluno com a atividade, e
quais são as dissidências, o que sai fora do padrão do pensar. Isso para
você investir em alguma coisa.
Trabalhei com o Gaulin, nós queríamos saber a idade em que apare-
cia espontaneamente a perspectiva na criança. O Gaulin queria saber. Era
um projeto Brasil-Canadá e outros países. Era muito interessante a ativi-
dade, tinha aluno que era muito ruim e se deu brilhantemente nela.
A atividade consistia em você construir um modelo com cubos e man-
dar uma carta para seu amigo reconstruir o modelo. Uma carta, quando
você está nas séries iniciais, as crianças “achatam”; um pouquinho adiante
elas colocam umas “abinhas” para falar que o cubo tem profundidade. Para
elas fazerem o modelo com perspectiva, mais ou menos aos 11 anos, na
época. Atualmente, há contestação. Foi um trabalho bem bonito, porque
no terceiro colegial, na época, a carta se transforma em “querido amigo,
pegue um cubo sobreponha...”. A língua se sobrepõe a toda linguagem,
porque eles poderiam usar flechas, como as crianças usavam, quadradi-
nhos, mas fica uma carta formal, como estão todos de saúde, lembram,
como é que era? Era exatamente isso! Então a gente foi fazendo muita
pesquisa e tentou levar nossas ideias sobre Educação Matemática para a
Sociedade Brasileira de Matemática, mas eles não as aceitaram.
Lembro que a Sociedade Brasileira de Matemática fez um congresso,
não sei mais o nome, o Bigode sempre ativista, foi, conversou, brigou e
não conseguiu. Aí o Bigode e Anna Franchi falaram: nós vamos fazer uma
122 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
Mas qual foi o problema? Não tínhamos Instituição por trás, a Anna
Franchi me deu até minha carteirinha de sócia-fundadora, devo ter em
casa. E fundamos esse grupo que era o CEM com o Momento, tudo junto,
fundamos a primeira SBEM. Não tínhamos uma Universidade por trás,
porque nós que participávamos éramos professores. Eu lecionava em Fa-
culdade, não era dona da faculdade, o Bigode ainda era estudante. Soube
da história, mais tarde, que o Bigode passou a ideia da SBEM para o Ubi-
ratan e para a Tânia, para a PUC assumir enquanto Instituição. Aí fizeram
uma nova fundação da Sociedade Brasileira de Educação Matemática. En-
tão, ela foi fundada duas vezes. Dessa segunda eu não participei, foi o
pessoal da PUC, o Bigode, o Rômulo e outros, mas a história da fundação
da sociedade é anterior. No entanto, não tinha como ser diferente, preci-
sava de uma Instituição que desse legitimidade a ela.
Tempos de Ditadura
tuberculose óssea e o médico falou que nenhum dos dois era bom. No
exame de mapeamento, constatou-se um tumor na medula. Fez a cirurgia
para retirada do tumor, perdeu um nervo e ela ficou com sequelas. E eu
tive que ficar lidando com essa situação por cinco anos, quando terminou
o prazo de reincidência, percebi que não dava para voltar para Unicamp;
eu nem sabia, se dava, porque eu podia ter continuado a dissertação; eu
não sabia disso e fiquei desolada.
Então, pensei, vou tentar a USP, porque é mais perto. Tentei a USP,
entrei e o meu orientador foi o Seiji Hariki. Eu entreguei minha dissertação
numa quinta-feira e no domingo o Seiji morreu. Então, o Nilson Machado
assumiu a banca, e eu tinha perdido o meu orientador, porque a gente já
tinha feito uma sequência, pois eu ia fazer o Doutorado com ele.
Na dissertação de Mestrado “A geometria dos positivistas brasilei-
ros”, onde faço uma análise do que teria sido a geometria proposta por
Augusto Comte, como ela foi interpretada e assimilada pelos geômetras
brasileiros e como ela efetivamente ocorreu no Brasil.
No Doutorado, a questão foi: quem vai orientar História da Matemá-
tica? Daí pensei: eu estou lecionando na Universidade Mackenzie; vou me
inscrever na PUC. No dia em que fui ver se estava aprovada, vi que o ori-
entador era o Ubiratan D’Ambrósio, nem sabia que Ubiratan estava lá.
Então, fiz o doutorado na PUC.
No Doutorado, estudei “A presença de Nicolas Boubaki na Universi-
dade de São Paulo”. Foi um trabalho dificílimo porque eu não achava os
registros necessários. Por isso, eu tinha que ter um plano B, fiquei traba-
lhando um plano A e um plano B. Fomos (eu e um técnico) achar num
porão a maior parte do material. Depois que eu usei, não pude refinar da-
dos, nada. Sumiram com o material. Mas escrevi bastante sobre o tema.
Acho importante a gente saber em que circunstâncias se dá a presença do
grupo francês aqui no Brasil. Tínhamos uma noção, mas não sabíamos o
tanto que eles participaram, o tanto que eles modificaram o currículo na
USP.
Andréia Dalcin; Rute da Cunha | 125
mensalidades. Talvez tenha sido esse o motivo. Não sei. Trabalhei numa
escola que foi uma escola para mim, sob inúmeros aspectos.
Depois, fui lecionar na Logos, Escola de 1º e 2º graus, uma escola
democrática onde conheci pessoas sensacionais. Lecionei no Colégio Mater
Dei, de uma família maravilhosa, Colégio Santa Maria, entre outros. Fui
assessora em Matemática da Escola Vera Cruz, onde a Lucília Sanchez Be-
chara era uma das sócias. Muito aprendizado. Lecionei por esse período
na Faculdade de Administração do Instituto Brasileiro de Pesquisas Hos-
pitalares, na Escola de Engenharia e no curso de Matemática da
Universidade Mackenzie, na Faculdade Oswaldo Cruz. Nessa última, no
Curso de Engenharia Ambiental, a Coordenadora, doutora em Oceanogra-
fia pela USP, Máurea Nicoletti Flynn era uma pessoa jovem e dinâmica e
que colocava o corpo docente em atividades de pesquisa conjuntas. Houve
muitas publicações, tanto do corpo docente quanto do discente. Mas depois
que o MEC aprovou o curso, inclusive sugerindo que se implantasse o Mes-
trado em Engenharia Ambiental, a maioria foi demitida, inclusive a
Máurea. Lecionei, também, na Engenharia da Faculdade de São Bernardo,
onde pedi demissão por ter sido aprovada no concurso para a Universi-
dade Federal de Mato Grosso – campus de Sinop.
Eu havia prestado, em 2008, o concurso para o campus de Cuiabá,
havia ficado em terceiro lugar e teria dois anos para ser chamada. Então,
no mesmo ano, abriu o concurso para Sinop, também no Mato Grosso, eu
prestei, fui aprovada e chamada em seguida. Assumi em janeiro de 2009.
Logo após, o campus de Cuiabá me chamou. Fiquei um ano em Sinop a
pedido do Vice-reitor Marco Aurélio. Sinop me permitiu uma experiência
muito boa no curso que se pretendia interdisciplinar. Só sai de Sinop, pela
distância de São Paulo onde deixara minha família. Em Cuiabá, lecionei
Educação Matemática, História da Matemática e Didática da Matemática.
De quando eu entrei, até o momento em que me aposentei em 2019, penso
que ajudei a modificar a postura tanto dos colegas matemáticos quanto
dos alunos do curso de Matemática, em relação a essas três disciplinas.
Após 49 anos lecionando, eu me aposentei.
Andréia Dalcin; Rute da Cunha | 127
Referências
MONTERO, Rosa. A louca da casa. Tradução de Paulina Wacht e Ari Roitman. Rio de Ja-
neiro: Ediouro, 2004.
12
O poema completo pode ser acessado em https://www.asomadetodosafetos.com/2012/07/o-que-a-memoria-ama-
fica-eterno.html.
Capítulo 5
Introdução
1 A foto que abre esta entrevista apresenta a entrevistada em plena atuação. São aulas ministradas sob as mangueiras
do Parque Indígena do Xingu, na Aldeia Diauarum, durante o curso de formação de professores indígenas (1995-
1996).
Ana Cristina Ferreira; Roseli de Alvarenga Corrêa | 129
O que você me pede para falar Ana, já digo, trata-se de uma história
muito longa sobre fatos que ocorreram há muito tempo, há muitas déca-
das. Vou começar falando desde 1940, o ano em que nasci. Estamos em
2020, então são 80 anos de vida, de estudos e, de trabalho profissional, são
quase 60 anos e ainda não parei de trabalhar, sempre vivendo muito dessa
história e dos momentos da educação matemática não só no Brasil, mas no
mundo também, as várias mudanças, a sucessão de paradigmas na área
educacional tanto na minha formação, como no exercício da minha profis-
são como professora.
3 Optamos por registrar os trechos da textualização da entrevista em itálico, dando-lhe maior destaque.
Ana Cristina Ferreira; Roseli de Alvarenga Corrêa | 131
4“A guerra na Europa gerou alguns impactos significativos no brasileiro comum daquela época. Houve uma recessão
de consumo, principalmente de produtos essenciais, como pão e leite. A falta de combustíveis também foi sentida
pelos brasileiros, houve inclusive a troca dos combustíveis em carros e ônibus pelo gasogênio, o chamado “gás pobre”,
que deixava um cheiro ruim que ficou na memória daqueles que viveram o período de racionamento” (RODRIGUES,
2017, s/p).
132 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
5 Diva Magalhães Raimonti foi esposa de Palmiro Raymonti, Prefeito de Itapira entre 1962 e 1963. Foi homenageada
com a atribuição de seu nome a uma Escola Municipal de Educação Básica (EMEB “Diva Magalhães Raimonti”).
(disponível em http://tempossaudososplinio.blogspot.com/2013/ e http://www.saaeitapira.com.br/pagina.ge-
ral.php?pagina=historia)
6 Em 1940, a Livraria Liberdade de São Paulo lançou uma cartilha de sua autoria que obteve imediata e notável
aceitação em todo o país: a Cartilha Sodré, reeditada ano após ano, ao longo do século, pela Companhia Editora
Nacional de São Paulo. A Cartilha Sodré faz parte do pequeno grupo de velhas cartilhas que, nas mãos dos professores
primários do passado, mais contribuíram para a alfabetização do povo brasileiro, juntamente com as cartilhas de
Thomaz Galhardo, Antônio Firmino Proença (v.), Mariano de Oliveira, Lourenço Filho (v.) e a cartilha Caminho
Suave, de Branca Alves de Lima (1949).
Ana Cristina Ferreira; Roseli de Alvarenga Corrêa | 133
7 A Reforma Capanema, ocorrida em 1942, manteve a divisão do ensino secundário em dois ciclos: ginasial, com
duração de quatro anos, oferecendo uma formação geral, e colegial, com duração de três anos, preparava para o
ensino superior. O segundo ciclo, colegial, era subdividido em duas modalidades: o curso clássico e o curso científico
(DALLABRIDA, TREVIZOLI e VIEIRA, 2013).
8 Segundo Gama e Almeida (2018, p.9), o Decreto nº 19.890 de 18 de abril de 1931 estabelecia que “o candidato à matrícula
na 1ª série de estabelecimento de ensino secundário prestará exame de admissão na segunda quinzena de fevereiro”. Esse
exame era composto por provas escritas (redação, ditado e cálculo elementar) e provas orais (sobre questões de Português
e Matemática, bem como de Geografia, História do Brasil e Ciências Naturais). “Ademais teriam que estar na faixa etária
de 11 a 13 anos, com certidão de nascimento, filiação, naturalidade e cartão de vacina contra a varíola” (GAMA e ALMEIDA,
2018, p. 6). Tal decreto perdurou por 40 anos e, nesse período, “muitas editoras começaram a lançar no mercado, os
livros Programa de Admissão e Admissão ao Ginásio” (GAMA e ALMEIDA, 2018, p. 6).
134 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
Fig. 3. Cadernetas de estudante das 4 séries do ginásio de Roseli (Acervo pessoal da entrevistada)
9 “O Canto Orfeônico consistia na formação de grupos vocais “a capella”, ou seja, sem acompanhamento de instru-
mentos musicais. [...] A nomenclatura seria uma homenagem ao mitológico Orfeu, uma divindade grega que era
capaz de emocionar qualquer ser vivo com sua lira” (LEMOS JÚNIOR, 2005, p.1). Segundo o autor, essa prática
tornou-se obrigatória no ensino secundário no início da década de 1930 e foi excluído do currículo em 1964, com o
Golpe Militar.
136 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
Entendi, alguns anos mais tarde, quando fiz o curso científico10, a im-
portância do estudo do Latim nas quatro séries do ginásio para a
compreensão, principalmente, da gênese das palavras, quando estudei a
morfologia da Língua Portuguesa no curso científico e, também para a me-
lhor compreensão do Francês e Espanhol nesse curso.
Fui, aos poucos, adaptando-me à sistemática do curso ginasial, como
uma aluna estudiosa. No entanto, tive um problema: eu não ia bem em
Matemática nas duas primeiras séries do ginásio, em Itapira. Penso, hoje,
que eu não sabia estudar. Tantas disciplinas, aulas de segunda a sábado,
sem orientação para organizar os estudos, sem apoio didático. Meu profes-
sor de Matemática era muito querido e amigo dos alunos, mas, talvez,
comparando com o trabalho que se faz hoje, com a maior atenção que se
dá para o aluno que tem dificuldade, na época não havia muito esse lado,
essa dedicação talvez. Um ou outro professor se destacava nesse quesito,
mas era inerente à sua postura e não por formação profissional. Então, eu
tinha essa dificuldade e com muito esforço nessa disciplina, consegui pas-
sar para a 3ª. série.
Como consequência de necessidade familiar de trabalho, mudamo-nos
para a cidade de Agudos/SP, próxima de Bauru, em 1954. Na 3ª. série, no
início, eu ainda tinha dificuldade, mas gostei das aulas, do professor e já
entendia melhor a Matemática e comecei, por mim mesma, a aprender a
estudar. Depois das aulas, estudava em casa o que era feito na aula, refazia
os exercícios e, com essa nova prática, as minhas notas em Matemática, já
no segundo mês do ano letivo, começaram a subir. Passei a gostar da dis-
ciplina e, nos dois últimos anos do ginásio, sempre tirei boas notas. O
estudo era bem rigoroso e, em algumas disciplinas, nós já estudávamos em
livros didáticos adotados.
10 O Decreto-Lei n. 4.244, de 9 de abril de 1942, estabelece: “Art. 4º O curso clássico e o curso científico, cada qual
com a duração de três anos, terão por objetivo consolidar a educação ministrada no curso ginasial e bem assim
desenvolvê-la e aprofundá-la. No curso clássico, concorrerá para a formação intelectual, além de um maior conheci-
mento de filosofia, um acentuado estudo das letras antigas; no curso científico, essa formação será marcada por um
estudo maior de ciências” (BRASIL, 1942).
Ana Cristina Ferreira; Roseli de Alvarenga Corrêa | 137
11 Segundo Pavanello (1993 e p.11): “Os programas de matemática de 1942, apresentam algumas diferenças em re-
lação aos de 1931. Não mais se insiste em que os três assuntos (aritmética, álgebra e geometria) sejam abordados em
cada uma das séries do curso ginasial. A geometria, no entanto, é abordada nas quatro séries, intuitivamente nas
duas séries iniciais e dedutivamente nas últimas. Ela é também bastante priorizada no segundo ciclo, constando da
programação de todas as séries”.
12 Segundo Arcaro (2008): “o Curso Normal teve início em 1953 regido, portanto, pelo Decreto-Lei 8530 de 2 de
janeiro de 1946, (Lei Orgânica do Curso Normal) elaborada pelo então Ministro da Educação Gustavo Capanema,
Ana Cristina Ferreira; Roseli de Alvarenga Corrêa | 139
Minha mãe sempre dizia que eu deveria fazer o Curso Normal para
que eu me formasse como professora e logo, dar aulas, inclusive para aju-
dar financeiramente a família. Eu insistia em fazer o científico, porque eu
queria estudar mais Matemática, Física, Química, que eram as áreas que
mais me atraíam na época, embora eu gostasse bastante de História.
Quando me apresentei no Colégio Estadual “Culto à Ciência”13, em
Campinas, passei por uma espécie de seleção e, também, por uma entre-
vista com o Diretor. Fui aceita para fazer os 3 anos do curso científico nesse
colégio tradicional da cidade.
logo após a queda do Estado Novo. Tal lei não introduziu grandes modificações ao modelo existente, apenas conva-
lidou o que já estava consolidado no Estado de São Paulo e nos demais estados, assegurando continuidade às reformas
anteriores” (p.47). “A Lei de Diretrizes e Bases, Lei 4024, de 20/12/1961, também não trouxe grandes inovações para
o Curso Normal, conservando as linhas das organizações anteriores” (p.48). Essa denominação - Curso Normal -
funcionou até 1971 (Lei 5692/71), quando passou a ser nomeado como Habilitação Específica para o Magistério.
(ARCARO, 2008, p. 47).
13 “Construída em 1874, a escola estadual Culto à Ciência é uma das mais antigas do Estado. O prédio foi erguido
pela Sociedade Maçônica de Campinas e só passou para as mãos do Estado em 1892. A beleza do edifício, construído
nos moldes da arquitetura clássica francesa, tornou a escola um ponto turístico da cidade [...] Além de ser um patri-
mônio histórico, tombado pelo CONDEPHAAT em 1983, a escola preserva um acervo com mais de 20 mil livros,
incluindo obras que datam de 1600 e 1700” (extraído de https://www.educacao.sp.gov.br/noticias/historia-da-edu-
cacao-conheca-predio-da-e-e-culto-a-ciencia-um-dos-mais-antigos-da-rede/) .
140 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
14 “A pedra fundamental do campus da Universidade foi lançada em 5 de outubro de 1966, numa gleba de 30 alquei-
res, doada por João Adhemar de Almeida Prado, a 12 quilômetros do centro de Campinas. O lançamento acontece
um mês depois de Zeferino Vaz se reunir com empresários da região para definir o perfil dos cursos a serem implan-
tados. O Conselho Estadual de Educação legendariza a instalação e o funcionamento dos Institutos de Biologia,
Matemática, Física e Química e das Faculdades de Engenharia, Tecnologia de Alimentos, Ciências e Enfermagem, e
os Colégios Técnicos”. A inauguração do primeiro edifício do campus universitário aconteceu em 1968.
(https://www.unicamp.br/unicamp/historia).
15 “A história da PUC-Campinas começou no dia 7 de Junho de 1941, quando nasceu a primeira unidade da Univer-
sidade, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. A Diocese de Campinas adquiriu, à época, o antigo casarão de
propriedade de Joaquim Polycarpo Aranha, conhecido por Barão de Itapura. Em 1955, a Faculdade de Filosofia, Ci-
ências e Letras passou a ser Universidade Católica, reconhecida pelo Conselho Federal de Educação. [...] Não tardou
para que o casarão construído no final do século XIX se tornasse pequeno para agrupar todos os cursos da Universi-
dade. Assim, os novos campi foram surgindo de acordo com a necessidade de espaço: o Campus I, o Campus II, o
Seminário e o Instituto de Letras”. (extraído de https://www.puc-campinas.edu.br/institucional/).
Ana Cristina Ferreira; Roseli de Alvarenga Corrêa | 141
marcante do curso foi o Prof. Ruy Madsen Barbosa16 nas disciplinas Mecâ-
nica Racional e Mecânica Celeste. O Prof. Ruy era o professor amigo, aquele
que conversava com os alunos nos intervalos, além de competente e com
boa didática no fazer acadêmico. Os cursos eram bastante puxados para
nós, alunos. Tínhamos que estudar muito para conseguir a aprovação, não
ficar de dependência. No quarto ano, entravam as disciplinas voltadas para
a educação: Didática Geral, Fundamentos de Sociologia, Fundamentos de
Biologia da Educação, mais Administração Escolar e as Didáticas. O pro-
blema dessas disciplinas voltadas para a Didática era a forma como eram
ministradas. Os alunos dos vários cursos de licenciatura ficavam reunidos
no grande auditório da PUC, na época, localizada num casarão no centro
de Campinas, (Pátio dos Leões).
16 “...nascido em 1931, na cidade de Campinas/SP, cursou Desenho Técnico Arquitetônico e em Mecânica, tornando-
se professor da disciplina Perspectiva. Na década de 1950, tornou-se bacharel e licenciado em Matemática pela Uni-
versidade Católica de Campinas, na qual também atuava como professor de Desenho do Curso de Formação de
Professores de Trabalhos Manuais. Foi professor do Magistério Estadual do Estado de São Paulo, ingressando por
exame de suficiência, realizado pela USP-SP, tendo, depois, prestado concurso nos anos 1955 e 1956, obtendo, em
ambos, a primeira classificação, quando passou a atuar nas cidades de Tietê/SP e Boituva/SP. Nos anos 1960, já
afastado do Magistério Secundário, participou do Grupo de Estudo do Ensino da Matemática (GEEM), que muito
contribui com a problematização das ideias do Movimento da Matemática Moderna no Brasil, tendo, inclusive, sido
da primeira diretoria do Grupo. [...] Em 1960, a convite, foi para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ara-
raquara - que, na década de 1970, passou a compor a UNESP - para atuar como professor de Matemática no recém-
criado curso de Química. No final da década de 1970 transferiu-se para a Unesp, Câmpus de São José do Rio Preto,
onde se aposentou. Doutorou-se em Probabilidade [...] na Escola Politécnica da USP-SP, e fez Livre Docência, em
Araraquara, com tese sobre Programação Linear, Matemática Aplicada. Foi orientador em curso de Pós-Graduação,
autor de muitos artigos científicos, livros de Matemática e materiais instrucionais para professores” (LUIZ e
MARTINS-SALANDIM, 2020, p.221-222).
142 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
17 Para Silva Júnior et al. (2016, p.2): “o Parecer CFE n° 292/1962 foi o pioneiro a definir a Prática de Ensino sob
forma de ECS [Estágio Curricular Supervisionado], estabelecendo-o como componente curricular obrigatório a ser
cumprido em todos os cursos de licenciatura. Essa intervenção deveria ocorrer em escolas da rede de ensino com
duração de um semestre letivo, e era vista como um momento de aplicar na prática a teoria aprendida na universi-
dade”.
Ana Cristina Ferreira; Roseli de Alvarenga Corrêa | 143
pensando como eu ia dar aula, de que forma dar aula? Eram as minhas
grandes indagações. As respostas vieram com a própria prática, fazendo,
refletindo e questionando sobre esse fazer, estudando, reformulando e
aprendendo. Alguns contemporâneos da PUC foram para a UNB, Brasília,
fazer o Mestrado em Matemática. Para as mulheres era mais complicado
sair de sua região de moradia.
Essa fase de minha vida foi uma sucessão de fatos: casei em 1961, mi-
nha filha nasceu em 62, no mesmo ano em que me formei e, em 63, nos
mudamos de cidade. Fernando, meu marido, também formado pela PUC,
no curso de Licenciatura em Matemática, prestou concurso em 61 para pro-
vimento de cargo de professor e foi aprovado pela Secretaria de Educação
do Estado de São Paulo. Havia pouquíssimas vagas para escolha, todas
bem distantes de Campinas. A escolha recaiu na cidade de Santa Rosa de
Viterbo/SP, próxima de Ribeirão Preto onde fomos morar. Foi nessa ci-
dade, para nós muito querida, onde iniciei minha carreira em 1963 como
profissional da educação. Fernando (meu “orientador” e grande incentiva-
dor de minha carreira), como professor de Matemática no Ginásio Estadual
Conde Francisco Matarazzo (hoje Escola Estadual), depois de alguns meses
como professor efetivo, assumiu a função de Diretor da escola. O cargo
estava vago e a função foi assumida interinamente. Para substituí-lo, eu
fui contratada, graças ao fato de ter terminado a licenciatura e a cidade não
contar com outro profissional com esse mesmo nível de escolaridade.
Fig. 10: Prédio do Instituto de Educação Presidente Kennedy, atualmente, Escola Estadual Dr. Heitor Penteado. (Ex-
traído de http://zildo-gallo.blogspot.com/2015/11/americana-sp-em-cronicas.html)
19 “A escola foi criada, como Ginásio Estadual de Americana, pela lei estadual no. 613 de 02 de janeiro de 1950; em
03/01/1954 pela lei 2483, foi transformado em Colégio Estadual e Escola Normal de Americana; - em 24/05/1960
pela lei 5705, foi constituído o Instituto de Educação de Americana; - muda a denominação em 27/11/1963 para
Instituto de Educação Presidente Kennedy pelo decreto 427004; - recebe nova denominação em 12/09/1975, Escola
Estadual de Primeiro e Segundo Graus Presidente Kennedy; - em 1979, pelo processo de Redistribuição da Rede Física
de Escolas, passou a denominar-se Escola de Primeiro e Segundo Graus Dr. Heitor Penteado” (Revista do Jubileu,
1975, p 7 apud ARCARO, 2008, p. 2-3).
146 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
20 O Decreto n. 28.170 (21/01/1988), do Estado de São Paulo, cria as horas de trabalho pedagógico (HTP): “Artigo
3.º - O Professor que atuar no Ciclo Básico terá atribuída apenas 1 (uma) classe em uma única escola, com Jornada
única de 40 (quarenta) horas-aula semanais
§ 1.º - A jornada semanal de trabalho a que se refere o "caput" deste artigo, será de 32 (trinta e duas) horas-aula e
8 (oito) horas-atividade.
§ 2.º - Mediante plano de trabalho pedagógico, poderá o docente do Ciclo Básico desenvolver até 6 (seis) horas-aula
de trabalho pedagógico na escola ou em outra repartição da Secretaria da Educação, que serão computadas nas 32
(trinta e duas) a que se refere o parágrafo anterior
§ 3.º - Cada docente do Ciclo Básico elaborara sua proposta de trabalhos pedagógicos, para integrar o plano do Ciclo
Básico da Unidade Escolar, que deverá ser aprovado pelo Conselho de Escola e homologado pelo Órgão competente
da Secretaria
§ 4.º - As propostas de trabalhos pedagógicos e o plano do Ciclo Básico da Unidade Escolar serão elaborados à vista
das diretrizes expedidas pelo Secretário da Educação.
§ 5.º - Dentre as diretrizes citadas no parágrafo anterior, deverá estar contemplada a participação do docente em
cursos de atualização e aperfeiçoamento pedagógicos, relacionados com o ensino no Ciclo Básico.
§ 6.º - Não havendo homologação do plano a que se refere o § 3.º, ou trabalho pedagógico a ser desenvolvido será
mantida a obrigatoriedade das 32 (trinta e duas) horas-aula”. (https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/de-
creto/1988/ecreto-28170-21.01.1988.html)
Ana Cristina Ferreira; Roseli de Alvarenga Corrêa | 147
atuava nesse nível. Esse foi o meu novo ambiente de trabalho, de uma ri-
queza sem par. Em reuniões semanais do grupo da Matemática, além dos
temas de rotina, trocávamos experiências didáticas, aprendíamos com os
veteranos, como o Prof. Argante Dimenco, amante da história e filosofia da
Matemática. Além do Prof. Argante e de Fernando, participavam comigo os
demais professores, colegas de trabalho. Nessas reuniões também planejá-
vamos eventos e atividades como feira de ciências, exposições de trabalhos,
gincanas.
Para mim, foi uma fase de muito crescimento, muito aprendizado. Mi-
nistrávamos 36 aulas semanais e o trabalho era intenso, inclusive em finais
de semana, preparando aulas, corrigindo provas, estudando.
Eu, no entanto, imersa nesse novo ambiente educacional, de discus-
sões em grupo com os colegas, de frustações quando meus alunos não
correspondiam ao esperado por mim nas provas (afinal, pensava eu, a aula
foi tão boa, saí satisfeita da sala!), em minhas reflexões, comecei a observar
um formalismo excessivo nas aulas, e meu potencial crítico e questionador
começou a aflorar.
O que eu poderia fazer para melhorar a minha postura pedagógica
visando à aprendizagem dos alunos? Na realidade, reconheci que a proble-
mática se colocava mais na minha forma de trabalhar e menos na falta de
interesse e/ou despreparo dos alunos. Esses questionamentos, nos anos
iniciais de meu trabalho no Instituto, me levaram a olhar com mais atenção
para o ensino das crianças das séries iniciais do grupo escolar anexo ao
Instituto de Educação. Passei a visitar com frequência algumas salas de
aula, a conversar com as professoras e com a Diretora sobre os vários te-
mas ensinados, sobre as quatro operações, por exemplo, e refletia que eu
não saberia como proceder se tivesse que dar aula naquele nível.
Por outro lado, algumas de nossas discussões no grupo de professores
de Matemática, recaíam no nível de aprendizado dos alunos que termina-
vam o 4º. ano primário e entravam na 1ª. série do ginásio já como nossos
alunos. As críticas eram generalizadas, particularmente no tocante às ope-
rações. A expectativa dos professores de Matemática que participavam de
148 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
pagou passou), os que não tinham deixavam os seus filhos fora da escola
mesmo e pronto. (GALLO21, 2015, s/p).
21 Zildo Gallo - Economista formado pela PUC Campinas, Mestre e Doutor em Geociências pela UNICAMP (Extraído
de https://www.escavador.com/sobre/1426264/zildo-gallo)
150 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
Tem início os anos de 1960 e nosso pai profissional, que começou sua carreira
como professor de matemática na década anterior, é surpreendido por notícias
cada vez mais frequentes sobre mudanças no ensino de matemática: na TV,
nos jornais, em conversas com colegas de trabalho, por toda a parte notícias
sobre uma nova matemática, uma matemática moderna. Finalmente, chega à
sua escola um convite para participar de cursos de treinamento: é preciso es-
quecer tudo o que sabia antes e aprender novamente o que irá ensinar. As
notícias e o convite vêm bem no momento em que nosso pai profissional ficou
muito tocado ao ver estampada na primeira página da Folha de S. Paulo, do
dia 12 de julho de 1963, a foto de uma sala de aula com os dizeres: “Professores
secundários voltam novamente às carteiras para revolucionar o ensino da Ma-
temática com 50 anos de atraso entre nós”. No mesmo jornal, nosso parente
profissional ainda pôde ler explicações sobre o que deverá aprender para
22 “É no início da década de 60 que se generaliza no Brasil, a influência do movimento da Matemática Moderna, cuja
ideia central é adaptar o ensino da matemática às novas concepções surgidas com a evolução deste ramo do conhe-
cimento. São lançados os primeiros livros didáticos de Matemática escritos de acordo com a nova orientação. Neles
como nos demais que serão publicados, a partir daí, está presente a preocupação com as estruturas algébricas e com
a utilização da linguagem simbólica da teoria dos conjuntos. ” (PAVANELLO, 1993, p.12-13).
Ana Cristina Ferreira; Roseli de Alvarenga Corrêa | 151
Reaprender uma “nova matemática”, foi o tema que por várias reuni-
ões, passamos a discutir em nosso grupo na escola. Os livros didáticos
elaborados para essa finalidade nos propunham os novos assuntos, prin-
cipalmente a teoria dos conjuntos, e como desenvolvê-los em sala de aula.
No entanto, as críticas a esse movimento começaram a despontar já
no início dos anos 70. Novas propostas, novos métodos para o fazer peda-
gógico por meio de cursos e livros didáticos, predominando nas publicações
os ideais tecnicistas visando à melhoria da educação brasileira, ideais esses
já fazendo parte das discussões nos congressos educacionais.
Dentre os vários cursos que realizei naquela década, relembro de al-
guns que foram deixando “marcas” em meu trabalho. Um deles que
relembro, foi o curso de Extensão Universitária sobre “Técnicas Pedagógi-
cas de Dinâmica de Grupo”, em 1971, ministrado pelo Prof. Celso Antunes
e organizado pela Direção do Instituto de Educação23.
Você me pergunta: por que dentre os inúmeros cursos que fiz, na
época, dou destaque para esse sobre dinâmica de grupo? Pode parecer um
23 Celso Antunes nasceu em São Paulo em 1937. Formado em Geografia pela Universidade de São Paulo, Mestre em
Ciências Humanas e especialista em inteligência e cognição pela mesma universidade (1972). Consultor Educacional
do Canal Futura e Sócio Fundador do “Todos pela Educação”, assim como, membro consultor da Associação Inter-
nacional pelos Direitos da Criança Brincar, reconhecido pela UNESCO. (http://www.celsoantunes.com.br/
biografia/).
152 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
24 “...a Lei 5692 de 11 de agosto de 1971, surgiu num contexto em que as idéias tecnicistas, tidas como necessárias
para a melhoria da escola brasileira, já eram divulgadas e passavam a fazer parte de publicações e de discussões nos
eventos educacionais que reuniam os educadores da época”. (ARCARO, 2008, p.58). “O professor do “Kennedy”, após
1971, percebeu as mudanças ocorridas no seu cotidiano, uma vez que todo o corpo docente estudou a nova Lei, nos
treinamentos realizados, subsidiados pelos documentos oficiais e planejou o trabalho de sua disciplina, seguindo a
orientação tecnicista, passando a acreditar que tais idéias eram adequadas. (ARCARO, 2008, p.88).
25 “Osvaldo Sangiorgi, consagrado professor de matemática e autor de diversos livros didáticos” nasceu “em 9 de
maio de 1921, ingressou no Departamento de Comunicações e Artes, onde foi fundador do núcleo de pesquisa Ciber-
nética Pedagógica. Doutor em matemática pela USP, foi professor da Universidade Mackenzie e do magistério do
Estado de São Paulo. Era membro fundador da Academia de Letras de Campos do Jordão e membro titular da Aca-
demia Paulista de Educação. Ganhou o Prêmio Jabuti na categoria "Ciências Exatas" em 1964 pelo livro "Matemática
Curso Moderno” (https://www.cpp.org.br/informacao/noticias/item/11097-falece-em-sao-paulo-o-doutor-em-
matematica-professor-osvaldo-sangiorgi).
154 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
26 “Mario Tourasse Teixeira nasceu em Recife, Pernambuco, a 11 de setembro de 1925.[...] concluiu o Ginasial no
Colégio Pedro II, em 1946, e o Científico no Colégio Rabello, em 1948, ambos na cidade do Rio de Janeiro. Licenciou-
se em Matemática pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, em 1954, hoje Universidade Federal
do Rio de Janeiro. [...] De 1957 a 1958, Mario Tourasse obteve bolsa do CNPq e realizou estágio de aperfeiçoamento
em Lógica Matemática e Teoria dos Conjuntos, no Departamento de Matemática da Faculdade de Filosofia da Uni-
versidade de São Paulo, sob orientação de Edson Farah. [...] Com o início das atividades da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Rio Claro, atual UNESP/Rio Claro, Tourasse sendo convidado pelo professor Nelson Onuchic
para ocupar a Cadeira de Geometria Analítica, Projetiva e Descritiva, aceitou o convite e foi contratado em 1959. A
partir de 1964 assumiu a cadeira de Álgebra Moderna do curso de Matemática. Ele e Nelson Onuchic foram respon-
sáveis pela criação do curso e o do Departamento de Matemática nessa Instituição” (extraído de
https://www.cle.unicamp.br/index.php/content/mario-tourasse-teixeira) .
Ana Cristina Ferreira; Roseli de Alvarenga Corrêa | 155
27 Essa história foi-me inspirada pelo livro Geometria Moderna, dos autores Moise e Downs, parte I, traduzido no
Brasil por Watanabe e Mello pela Editora Universidade de Brasília, edição de 1971, p. 243-244).
28 “Em 1974, por iniciativa sua, foi criado o Serviço Ativador em Pedagogia e Orientação (SAPO), no Departamento
de Matemática da FFCL/Rio Claro, que refletia seu pensamento, e de outros professores, acerca dos métodos de
ensino e aprendizagem. O SAPO era uma entidade sem fins lucrativos, cujo objetivo era confeccionar materiais didá-
ticos que estimulassem a criação de ambientes propícios à educação. Essa Associação além do boletim trimestral
Sapeando, tinha séries específicas compostas por histórias em quadrinhos, peças teatrais, poesias, história com slide
e fita cassete entre outras. As publicações do movimento eram distribuídas gratuitamente, mediante apenas uma
contribuição (livre) semestral. Esse trabalho foi o fator essencial para que Rio Claro fosse considerado o berço da
156 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
Para os alunos, ele dizia: “Também para o aluno, preocupado com sua
performance, seu futuro vestibular, sua carreira, nosso esforço terá sido
inútil. O que ganharemos lendo isso?, perguntarão com desprezo. Nada! É
a nossa sincera resposta”. E suas aulas eram assim, tanto originais nos
assuntos da matemática, quanto profundas em termos do conhecimento, e
totalmente diferente de outras aulas. Nas suas aulas, principalmente no
Mestrado, ficávamos muito atentos, ouvindo a sua fala, muito baixa, e per-
plexos com o seu jeito, sua postura. Às vezes, ele parava para pensar sobre
29 “Ubiratan D’Ambrosio é matemático e professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), re-
conhecido mundialmente pela comunidade acadêmica por seus estudos na área de Etnomatemática, campo científico
que discute sobre o ensino tradicional da matemática e como o conhecimento pode ser aplicado em diferentes con-
textos culturais. Ele foi laureado em 2001 pela Comissão Internacional de História da Matemática com o Prêmio
Kenneth O. May por contribuições à História da Matemática e também ganhou em 2005 a medalha Felix Klein, pela
Comissão Internacional de Instrução Matemática, por conta de suas contribuições no campo da educação matemá-
tica”. (extraído de ubiratan.mat.br acesso em 21 jul. 2020).
30 Bacharel em Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1962), Mestre em Matemática pela
Universidade de Brasília (1965), realizou seu Doutorado na Université Joseph Fourier - Grenoble I (1970). Seus dois
pós-doutorados foram na Université Joseph Fourier - Grenoble I (1976) e na Michigan State University (1989) (ex-
traído de http://lattes.cnpq.br/7456707935628050 acesso 21 Jul. 2020). Para Knijnik (2010 apud FAGUNDES, 2014,
p.16) ele é o pioneiro no estudo da Educação Matemática Indígena. Seus trabalhos em comunidades indígenas do
Alto Xingu e do Amazonas constituem um marco referencial tanto nacional quanto internacionalmente. Além disso,
tem um papel de destaque na construção do campo da Etnomatemática.
31 “Criado em 1985, o Laboratório de Ensino de Matemática (LEM) é uma instituição de pesquisa e assessoria na
área de Matemática e tem por finalidade contribuir com o ensino de Matemática, compartilhando conhecimentos e
tendências, promovendo o desenvolvimento profissional de professores, estando vinculado ao Departamento de
158 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
Matemática (DM), IMECC, UNICAMP. Através da Escola de Extensão da UNICAMP, o LEM oferece Cursos de Especi-
alização em Matemática para Professores dos Ensinos Infantil, Fundamental e Médio, além de diversos outros cursos
e atividades voltadas ao ensino e aplicação da Matemática e suas áreas. O grupo de integrantes é formado por espe-
cialistas, mestres e doutores em matemática e educação matemática, todos com longa experiência em escolas públicas
e particulares e no terceiro grau. Além dessa equipe o LEM conta com bolsistas trabalho e bolsistas de iniciação
científica, uma biblioteca e materiais pedagógicos” (extraído de http://www2.ime.unicamp.br/conteudo/laborato-
rio-ensino-matematica acesso em 21 jul. 2020).
Atualmente, “a equipe do LEM é composta por especialistas em Matemática, em áreas afins e em Educação Matemá-
tica, além de alunos bolsistas do curso de Licenciatura em Matemática. O Laboratório oferece cursos de especialização
semipresenciais (com duração de 360 horas), cursos de aperfeiçoamento (180 horas), além de outros cursos com
menor carga horária. Oferece ainda assessorias a escolas e Secretarias Municipais de Educação”. (extraído de
https://www.ime.unicamp.br/lem/ acesso em 21 jul. 2020).
Ana Cristina Ferreira; Roseli de Alvarenga Corrêa | 159
Era o ano de 1978, e essa mudança revelava uma nova fase de minha
vida profissional. Na longa fase que finalizava no Instituto de Educação, o
ideário corrente, estruturando nossas ações pedagógicas, era o de que nós,
professores, éramos os conhecedores, os donos de um saber especializado
e que os alunos não tinham nada a nos ensinar.
Muito tempo depois é que percebi os motivos de buscar novos hori-
zontes. Havia uma espécie de “consciência crítica”, impulsionando-me para
sair da zona de conforto que a escola me proporcionava e lançar-me em um
novo espaço. O novo magistério para cursos diversificados – secretariado,
administração, mecânica e edificações – na Escola Técnica Polivalente de
Americana, na época, permitiu-me um envolvimento maior com profissio-
nais de várias áreas e proporcionou-me novos pontos de vista sobre a
Matemática e sua aplicabilidade, sob o enfoque a ser-lhe dado nos diversos
cursos. O contato com os professores das disciplinas específicas, em sua
maioria engenheiros, civis e mecânicos, permitiu-me um intercâmbio de
ideias que se revelou de grande importância para o desenvolvimento dos
planos de ensino com abordagem diferenciada dos conteúdos matemáticos.
Consultando a biblioteca da escola, deparei-me com livros sobre re-
sistência de materiais, desenho industrial, arquitetura e outros. Do rápido
folhear até leituras mais atentas, extraía exemplos de situações que pode-
riam ser problematizadas em sala de aula. Os livros selecionados para
consulta no preparo de minhas aulas, já não se limitavam àqueles que
Ana Cristina Ferreira; Roseli de Alvarenga Corrêa | 161
Fig. 14: Volumes da série “Matemática Aplicada”, 1979 (fotos do arquivo pessoal da entrevistada)
32 Segundo Bertoni (1982, p. 18): “Trata-se de uma obra bastante diferenciada das demais correlatas e inovadora na
concepção de um livro texto de matemática destinado ao 2° grau. [...] Primeiro, o fato do contacto inicial do aluno
com um novo assunto deixar de ser muito amplo e repentino, mas começar pelos seus aspectos mais acessíveis. Ao
aluno é apresentado um desenvolvimento paulatino da teoria, que lhe possibilita a percepção de cada novo conceito
como um elo da teoria global. Há ainda a vantagem de um assunto não se dar por acabado (e esquecido) após certo
capítulo – ele torna a voltar em abordagens cada vez mais gerais e profundas, dando margem a um conhecimento
mais sedimentado. A preocupação pedagógica levou os autores a começarem a maioria dos segmentos da teoria com
uma situação problema – viável, prática e motivante. Em seguida, são levantadas suposições, juntadas informações
e, através do método indutivo-dedutivo, construído e explorado o segmento da teoria desejado. Ao final volta-se à
situação problema inicial, a qual, com auxílio da teoria elaborada, poderá então ser resolvida”.
33 “Os CEES – Centros Estaduais de Educação Supletiva do Estado de São Paulo - começaram a ser organizados em
meados de 1978. De acordo com o depoimento de João Cardoso Palma Filho, um dos organizadores e autor do ma-
terial didático direcionado a essas escolas, o MEC entrou em contato com a Secretaria de Estado da Educação para a
criação de 18 CEES. Dos 18 CEES propostos pelo MEC, apenas um foi criado: o CEES Clara Matelli, localizado na
capital. [...] até 1994, eram 18. [...] Hoje, a Secretaria Estadual de Educação mantém um total de 31 CEEJAS - Centros
Estaduais de Educação de Jovens e Adultos. Essas escolas atendem os alunos que não concluíram o Ensino Funda-
mental e o Ensino Médio e podem se inscrever a qualquer momento do ano letivo” (MEI, 2015, p.20).
34 Segundo Souza (2008): “em 1990 foi instituído um novo módulo de pessoal para as Delegacias de Ensino. Foram
criadas as Assistências Técnicas conforme Resolução SE no. 12, de 08/01/90 “ (p.73). “A designação, as atribuições,
e os requisitos para designação foram tratados na Portaria CENP de 29/01/90. Importante destacar que já consta
nesta legislação, entre as atribuições deste profissional, participar do planejamento, organização e execução de pro-
gramas de aperfeiçoamento e atualização de professores de componentes curriculares de sua respectiva área de
Ana Cristina Ferreira; Roseli de Alvarenga Corrêa | 163
atuação” (p.74). “O ATP seria, segundo a legislação, o responsável pelo diagnóstico da formação docente e o executor
dos programas de formação” (p. 78).
35 GAZZETTA,1989 (ver Referências).
164 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
Fig 15. Uma pequena turma do Projeto numa roda de conversa em Santa Terezinha, às margens do Rio Araguaia,
1998 (foto do arquivo pessoal da entrevistada)
Fig. 16. Índios Xavantes preparados para uma dança. 3º. Grau Indígena da UNEMAT – Barra do Bugres/MT, 2001.
(Acervo pessoal da entrevistada)
Fig. 17. Curso de Formação de professores indígenas Ticuna da região do Alto Solimões, Amazonas, Aldeia Filadél-
fia, 1997 (Acervo pessoal da entrevistada)
168 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
37 “A Fundação Nacional do Índio – FUNAI é o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro. Criada por meio da Lei
nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, vinculada ao Ministério da Justiça, é a coordenadora e principal executora da
política indigenista do Governo Federal. Sua missão institucional é proteger e promover os direitos dos povos indí-
genas no Brasil. Cabe à FUNAI promover estudos de identificação e delimitação, demarcação, regularização fundiária
e registro das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, além de monitorar e fiscalizar as terras indí-
genas. A FUNAI também coordena e implementa as políticas de proteção aos povo isolados e recém-contatados”
(disponível em http://www.funai.gov.br/index.php/quem-somos Acesso 21 jul. 2020).
Ana Cristina Ferreira; Roseli de Alvarenga Corrêa | 169
Fig. 18. Curso de Formação de professores indígenas Ticuna da região do Alto Solimões, Amazonas, Aldeia Filadél-
fia, 2000 (Acervo pessoal da entrevistada)
38 Antônio Miguel é graduado em Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1972). Realizou o
Mestrado (1984) e o Doutorado em Educação (1993), ambos pela Universidade Estadual de Campinas. Foi professor
do Departamento de Ensino e Práticas Culturais da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas
entre 1982 e 2016, quando se aposentou. Para saber mais sobre sua história e atuação, ver capítulo nesse livro.
170 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
Referências
LEMOS JÚNIOR, Wilson. Canto orfeônico: uma investigação acerca do ensino de música
na escola secundária pública de Curitiba (1931-1956). Dissertação (mestrado) - Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
2005, 111 p.
TROTTA F., IMENES L. M., JAKUBOVIC J., Matemática Aplicada, Vols. 1, 2, 3, 2º grau, Ed.
Moderna, 1979.
Apresentação
1
Registro fotográfico de uma homenagem que a Editora da UFRN concedeu ao professor Fossa, em 2012.
174 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
2
CARDOSO, Wguineuma Pereira Avelino. Educação matemática na pós-graduação da UFRN (1995-2015): vozes,
imagens e escritos. 2017. 146f. Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino de Ciências Naturais e Matemática) -
Centro de Ciências Exatas e da Terra, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2017.
3
GUTIERRE, Liliane dos Santos; CARDOSO, Wguineuma Pereira Avelino. John Fossa: educador matemático. Bole-
tim Cearense de Educação e História da Matemática - Volume 04, Número 11 , 35 – 50(2017)
4
SILVA, Rosângela Araújo. Diálogo com um educador: entrevista com o prof. Dr. John Fossa. Revista de História da
Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 5, n. 1, out.. 2019
Adriel Gonçalves Oliveira; Marta Figueredo dos Anjos | 175
Movimentos
Quando cheguei ao Brasil, cheguei a Belém. Não saí do aeroporto, mas já vi que
era um lugar quente, úmido. Parece que estava chovendo, para variar, lá em
Belém. Depois peguei outro avião para Fortaleza. Lá tinha uma pessoa que me
esperava – não a conhecia, mas fora agendado através de intermediários. Ela
foi me encontrar e me levou para ver um pouco da cidade, porque havia um
tempo de espera. Achei Fortaleza bem interessante, praias bonitas, avenidas
largas. É sempre bom quando tem algum guia, pois mostra só as partes boas
e não as partes ruins. Depois, peguei um ônibus em Fortaleza e vim para Natal.
Paramos em Mossoró. Não passamos pelo centro e a parte que eu vi parecia
tão pequenina, as casas pequeninas, pobres. Depois chegamos em Natal, uma
cidade maior. Fui recebido por pessoas que tinha conhecido lá nos EUA. Vim
visitar. Falava um pouco de português, pois tinha comprado um livro e estudei,
mas assim não dava conta das coisas. Fui aprendendo na convivência. Arranjei
um trabalho, primeiro ensinando inglês, depois na faculdade. Na época, era o
final do mandato de Médici, aquela ditadura militar, alguma coisa com que não
estava acostumado e não gostei nada daquilo, mas é a vida, né? Mas não inter-
feria muito no meu dia a dia .
Cheguei a Natal, no final de 1974. Acabei gostando e assim fiquei. Arranjei
trabalho na antiga Faculdade de Sociologia e Política que funcionava nas de-
pendências da Fundação José Augusto, na Rua Jundiaí, mas ela foi absorvida,
logo em seguida, pela recém-criada UFRN. Então, também entrei na Universi-
dade. Na época, eu estava no Departamento de Filosofia e ensinava
Metodologia da Ciência. A disciplina era obrigatória para vários cursos. De-
pois, fui para a UFPB de João Pessoa, [com aulas] também em Filosofia. Lá
Adriel Gonçalves Oliveira; Marta Figueredo dos Anjos | 177
5
Nesta época, o professor Fossa ministrou disciplinas referentes à Matemática pura, entre as quais Introdução à
Lógica, Álgebra Abstrata, Álgebra Linear, Introdução à Análise, Cálculo Diferencial e Integral, etc...
6
Manoel Claudemir Silva Caldas é professor do Departamento de Matemática, desde 1975
7
José Querginaldo Bezerra é professor do Departamento de Matemática da UFRN, desde 1986.
8
Antônio Pinheiro de Araújo (1946 – 1992)
178 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
9
A Geometria do táxi, desenvolvida por Hermann Minkowski, no século XIX, é uma forma de geometria em que a
métrica da geometria euclidiana é substituída por uma nova métrica em que a distância entre dois pontos é a soma
das diferenças absolutas de suas coordenadas. O professor Fossa orientou alguns trabalhos sobre essa temática, tendo
como referência o termo “geometria urbana”. A pedido de Fossa, destacamos que o docente também tem livro sobre
o assunto, em papel, pela Editora da UFPb, de João Pessoa e, eletronicamente, em inglês, na sua página em Resear-
chgate, acesso via o link:
https://www.researchgate.net/profile/John_Fossa
Adriel Gonçalves Oliveira; Marta Figueredo dos Anjos | 179
É uma coisa que eu andei fazendo desde criança, não continuamente, mas de
vez em quando. Fazia, guardava e, depois, olhava; jogava muita coisa fora,
porque não gostava. Quando entrei na universidade, para trabalhar, na
Pós--Graduação, isso ficou um pouco de lado. Fiz uma coisa, um livrinho,
quando eu estava fazendo o doutorado, e publiquei esse livrinho e fiz mais al-
gumas outras coisas. É uma coisa que eu gostaria de voltar a fazer, mas não
tenho encontrado tempo de fazer com seriedade até agora. Espero que daqui
para frente, eu possa arranjar mais um pouquinho de tempo para isso, mas
também tenho alguns projetos grandes sobre a História da Matemática que
estão me deixando com pouco tempo para fazer essa outra vertente de meus
interesses.
O problema – acho que é um problema para quase todo mundo – é que temos
um elenco grande de interesses, uma diversidade, e a gente não pode fazer tudo.
Ninguém pode fazer tudo. Tem que escolher. Fazer o que podemos quando o
tempo deixar. É importante. Todas as coisas são importantes. Eu acho que uma
das coisas muito importantes na vida de qualquer pessoa é a cultura que ela
tem. Seja a poesia, a literatura, a história, as ciências, fazer jardinagem, fazer
um “monte” de coisa. Uma coisa que eu queria fazer também, que está nos
meus planos, mas que não concretizo, é fazer plantação de coisas, fazer comi-
das artesanais, cozinhar, esse tipo de coisa, mas simplesmente não tenho ainda
encontrado as possibilidades de fazer isso.
Mas tudo isso faz parte, porque uma pessoa não é algo bitolado. As pessoas
precisam abrir a mente para várias coisas e tudo isso cruza na sua mente. A
Matemática tem uma coisa que é muito interessante, eu acho. Todas as suas
subpartes têm interferências, às vezes inesperadas, uma com a outra. Não tem
só a topologia, mas a topologia geométrica, a topologia de pontos e conjuntos,
a topologia algébrica, etc. As várias partes cruzam entre si, dando resultados
bastante inesperados. Mas, a mesma coisa acontece num contexto cultural
maior. A gente vê que conhecimentos de várias áreas se cruzam e isso é impor-
tante, pois nos levam a novos insights, tanto na nossa vida geral, quanto no
nosso trabalho e nas nossas pesquisas.
10
Em referência à publicação do livro Poems and other poems da autoria do professor Fossa, publicado em 1995.
180 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
A gente tinha muita liberdade, de certa forma, para fazer as nossas pesquisas. Preci-
sava dar expediente, o que eu achava ruim. O trabalho intelectual é muito peculiar à
pessoa e tentar regimentar isso não dá certo. Não tínhamos uma sala para um ou
dois docentes, muito menos computadores. Era o Departamento todo, numa só sala.
Todos se sentavam ao redor de uma mesa comprida. Eu achava esse ambiente difícil
de trabalhar. As pessoas eram muito legais e muito interessantes. Houve certa ami-
zade entre os professores, mas eu achava os chefes bastante falsos. Tinham aquela
aparência de ser grande amigo, mas só eram interessados em si próprios e a promo-
ver seus amigos. Isso foi mudando aos poucos. Ainda existe, de certa forma, mas não
é tanto quanto naquela época.
Acho que, em geral, talvez houvesse mais amizade, mais boa vontade do que profis-
sionalismo. O Departamento em que eu estava lotado não era só de Filosofia. Se não
me engano, era Filosofia, História e Geografia. Quando fui contratado pela Universi-
dade, o nosso departamento tinha quase ninguém com Pós-Graduação. Eu tinha um
Mestrado na época, mas poucas pessoas tinham Pós-Graduação e, talvez, tenha sido
isso o que acarretou a falta de profissionalismo. À medida que as pessoas começaram
a sair e a qualificar-se mais, isso veio mudando, até os quadros que temos hoje em
dia.
As minhas contribuições à Educação Matemática? É difícil responder com clareza
porque vemos com nossos olhos, né? A ciência sempre progride através das críticas
dos outros; assim, essa é uma questão que é melhor ser deixada para os outros. Mas,
vou tentar fazer algum tipo de resposta, a meu ver particular, obviamente. Acho que
uma das contribuições mais importantes foi a formação no mestrado e no doutorado
de vários pesquisadores de altíssimo nível. Estou muito feliz com meus alunos e com
o que estão fazendo tanto no campo de Educação Matemática, quanto no campo de
História da Matemática. Também tenho vários alunos que não viraram grandes pes-
quisadores na área, mas que eram, vamos dizer, professores medíocres antes de
ingressar nos programas e, por meio do conhecimento que neles tiveram, torna-
ram--se realmente excelentes professores. Esse é outro motivo de satisfação porque
é uma contribuição direta que vai se multiplicando dentro da sala de aula.
Em termos mais teóricos, acho que contribuí para o esclarecimento do que seja o
construtivismo, especialmente o construtivismo radical, elucidando a sua base fun-
damental e explicitando as suas bases epistemológicas e ontológicas, bem como
explanando as implicações do construtivismo. Também idealizei uma, vamos dizer,
uma metodologia de ensino que alinha a História da Matemática com o ensino por
atividades construtivistas. Idealizei uma metodologia de ensinar adultos; ela usa a
Adriel Gonçalves Oliveira; Marta Figueredo dos Anjos | 181
3. Provocações finais
A Educação Matemática no Brasil tem crescido muito, mas desde o início foi muito
interessante. É muito variada e , eu considero que a Educação Matemática hoje em
dia tem tantas vertentes que não existe nada nesse mundo afora que não exista aqui
no Brasil. Tem muitas coisas, pessoas muito sérias, fazendo pesquisas, com muito
entusiasmo, e muita esperança para o futuro. Eu vejo a Educação Matemática no
Brasil como um campo vibrante e muito interessante.
A parte que acho mais interessante é aquela que alinha a História da Matemática com
Educação Matemática, que também é muito forte na UFRN. A História da Matemática
é um assunto que, por muito tempo, existia em poucos lugares no Brasil; tinha em
Rio Claro, em Natal e em Sergipe; também tinha um pouco no Rio, na Bahia e em
outros lugares. Agora cresceu bastante. Ficou muito mais interessante, porque tem
muitas coisas acontecendo, mas mesmo na parte de história a gente vê que as pessoas
têm muita preocupação com o ensino da Matemática. As duas subáreas são muito
aliadas, a Educação Matemática e a História da Matemática; isso acontece também
na UFRN. E, também, outra coisa que vocês devem saber, tem o grupo de pesquisa
sobre história da matemática, mas também tem um grupo, que é liderado por Lili-
ane11, que é história da Educação Matemática, que é mais um desdobramento da
História da Matemática. Como eu diria, as coisas vão crescendo, desdobrando-se, pe-
gando várias vertentes e é muito interessante, porque você tem um elenco de visões
diferentes que, quando se cruzam, têm bons resultados.
Não sei bem, pois não conheço seu projeto de perto. Mas lembro-me de que há, na
vida do Departamento de Matemática, muitas pessoas interessantes que se preocu-
pavam com o ensino da Matemática. Já mencionei o Claudemir e o Sebastião. Outra
11
Liliane dos Santos Gutierre, professora da UFRN, líder do grupo Grupo de Pesquisa e Estudos Potiguar em História
da Educação Matemática - GPEP e integrante do HIFEM.
182 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
12
Trata-se da professora Marlúcia Oliveira de Santana Varela, que atuou como docente do departamento de Mate-
mática da UFRN de 1978 a 2018.
13
Francisco Peregrino Rodrigues Neto
14
Bernadete Barbosa Morey, atualmente é professora aposentada da UFRN.
15
Arlete de Jesus Brito, atualmente é professora livre docente do Departamento de Educação da Unesp, em Rio Claro.
16
Iran Abreu Mendes, atualmente é professor Titular do Instituto de Educação Matemática e Científica da Universi-
dade Federal do Pará.
Capítulo 7
Saber por que se ensina, para que se ensina, para quem e como se ensina é
essencial ao fazer em sala de aula. O professor precisa estar em constante for-
mação e processo de reflexão sobre seus objetivos e sobre a consequência de
seu ensino durante sua formação, na qual ele é o protagonista, assumindo a
responsabilidade por seu próprio desenvolvimento profissional (NACARATO;
PAIVA, 2008, p.92).
[...] o homem é amarrado a teias de significado que ele mesmo teceu, a partir
da teoria interpretativa da cultura, assumo a cultura como sendo essas teias e
a sua análise, portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis,
mas como uma ciência interpretativa à procura do significado (GEERTZ, 2002,
p.4).
Edna Maria Cordeiro | 185
[…] antes ligada à visão tradicional, a narrativa volta para dar voz às pessoas
comuns, histórias de vida, narrativas culturais, suas estruturas e versões que
infere sobre a percepção do leitor. O desafio é fazer isto sem dar à história um
enredo triunfalista e enfatizar a crítica e o conflito de visões e de sentido de
cada narrativa (BURKE, 2008, p.157).
(1) Maria das Graças: Fiz o Ensino Médio (1966-1968), antigo científico, no Colégio
Nossa Senhora do Rosário, no Rio de Janeiro que, na época, pertencia ao Estado
da Guanabara. Fui estudar lá porque o plano do meu pai era que eu fizesse me-
dicina, mas eu não gostava do ambiente hospitalar.
(2) Maria das Graças: Pensei em fazer Biologia, porque gostava muito das aulas da
professora de biologia, mas no primeiro dia de aula do Ensino Médio, o professor
de Matemática perguntou para cada aluno da sala em que colégio havia feito o
ginásio, então fiquei constrangida de dizer que havia estudado no Colégio São
José, daí ele perguntou: - Onde é isso? Disse que era no Acre, então ele disse: –
Desista do curso, vá fazer o clássico, porque os alunos daqui vieram de excelentes
colégios, você não vai dar conta. Cheguei em [minha] casa chorando e contei
para minha tia o acontecido, então ela disse: - Não se preocupe, vou arrumar um
professor particular para você.
Educar exige respeito aos saberes dos educandos […] exige respeito aos sabe-
res com os quais os educandos chegam à escola e também discutir com eles a
razão desses saberes e sua relação com o ensino de conteúdos. É valorizar e
qualificar a experiência dos educandos […] (FREIRE, 1996, p.33).
(3) Maria das Graças: Depois de um mês de aulas particulares, a professora infor-
mou minha tia, que não havia necessidade de tais aulas, porque eu conseguia
resolver os exercícios sem dificuldades. Na primeira avaliação de Matemática,
apenas duas notas azuis, o restante vermelhas. Quando informou as notas, disse
que eu havia tirado 85, então ele pensou que eu tivesse colado de uma colega, a
Marilene que tirou nota 100, mas logo foi informado pela turma que eu me sen-
tava bem distante dela. Naquele dia, perdi o medo da Matemática e passei a tirar
nota dez nas avaliações seguintes. E o professor sempre me estimulava a fazer
Matemática, mesmo sabendo que minha opção era por Biologia. Ganhei um
grande amigo e incentivador de meus estudos ainda nessa época.
(4) Maria das Graças: Terminando o Ensino Médio (1968), fui prestar vestibular
em Rio Branco, Acre, para a primeira turma do curso de licenciatura em Mate-
mática, retornando também ao convívio familiar. Aprovada, iniciei o curso de
licenciatura em matemática na primeira turma da Universidade Federal do Acre
(UFAC). Em minha opinião, embora o curso fosse destinado à licenciatura, os
Edna Maria Cordeiro | 189
(5) Maria das Graças: O curso transcorreu normalmente, até que, em 1972 passei
à monitora nas disciplinas Complementos de Matemática I, no Curso Básico (1º
ano da graduação) e de Cálculo I, no Curso de Economia. Durante esse ano,
senti-me muito feliz por perceber que gostava de estudar as disciplinas e de mi-
nistrar aulas, quando me considerava importante, pois os professores me
delegavam a responsabilidade da aula e, certa vez, um dos professores viajou,
deixando-me responsável pelas aulas. Também fui Monitora em outros períodos
da graduação nas seguintes disciplinas: Fundamentos de Matemática, no curso
de Licenciatura Parcelada em 1973; Cálculo I no Curso de Matemática e no Curso
de Economia em 1974; Complementos de Matemática I no Curso de Matemática
em 1974; Álgebra Linear no Curso de Matemática em 1974; Cálculo I no Curso
de Matemática em 1974; Cálculo IV no Curso de Matemática em 1974; Álgebra
Moderna II no Curso de Matemática em 1974.
(6) Maria das Graças: Dando continuidade à minha formação, tive a oportunidade
de participar com frequência e bom rendimento do curso de Metodologia da Ma-
temática, de 28 a 31 de março de 1973, promovido pela UFAC, para os alunos do
curso de Matemática, ministrado pelo professor Sérgio Aparecido Lorenzato, na
época professor da Universidade Federal de São Carlos, São Paulo. No encerra-
mento do curso, fui escolhida pelos colegas para fazer um pronunciamento em
Edna Maria Cordeiro | 191
nome da turma, momento em que chorei emocionada, não concluindo a fala. Foi
quando o professor Lorenzato aproximou-se, dizendo: -“Estude matemática,
mas não perca a sua sensibilidade”. Hoje, lembrando-me disso, acredito que “[…]
apesar de admirar a inteligência pura, acho mais importante, para viver e en-
tender o outro, […] a sensibilidade inteligente” (LISPECTOR, 1999, p.148).
(7) Maria das Graças: Nos períodos de férias na Universidade de Brasília (UNB),
ocorriam os denominados “cursos de verão” e, por orientação do professor José
Vicente Moreira – da disciplina Análise – fui cursar Análise I, no período de ja-
neiro a fevereiro, verão de 1973, período em que ainda era aluna do curso de
Matemática da UFAC. Na UNB, no curso de especialização, cursei também as
disciplinas: Variáveis Complexas I, Álgebra II, Métodos Matemáticos da Física I,
Geometria Diferencial I, no período de 1974 a 1976. Durante esse período, pude
complementar as aprendizagens da graduação, quanto à Matemática acadêmica,
responsável pela segurança para o desempenho como professora de Matemática.
(8) Maria das Graças: Durante minha graduação em Matemática (1971-1975), de-
senvolvi uma postura rígida com relação ao ensino e à avaliação, bastante similar
aos mestres com os quais aprendi. Fui professora de 1º e 2º graus da Secretaria
de Educação do Estado do Acre de 1973 a1977. Também fui professora da Uni-
versidade Federal do Acre – UFAC no período de 1975 a 1977. Entendo que, nesse
período, nada deixei a desejar em termos de conhecimentos matemáticos, entre-
tanto quanto aos aspectos pedagógicos havia lacunas em minha formação.
Felizmente, convivi bastante com uma tia, Odinéia Viana Fontes, professora de
Didática das Ciências na UFAC, que iniciou o despertar de minha sensibilidade
para atuar como professora.
[...] fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos al-
cança; que se apodera de nós, que nos tomba e nos transforma. Quando
falamos em “fazer” uma experiência, isso não significa precisamente que nós
a façamos acontecer, “fazer” significa aqui: sofrer, padecer, tomar o que nos
alcança receptivamente, aceitar, à medida que nos submetemos a algo. Fazer
uma experiência quer dizer, portanto, deixar-nos abordar em nós próprios
pelo que nos interpela, entrando e submetendo-nos a isso. Podemos ser assim
transformados por tais experiências de um dia para outro ou no transcurso do
tempo (LARROSA, 2002, p.143).
194 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
(9) Maria das Graças: Tempo de aprendizagem pela experiência, mas os alunos
sofreram por minha pouca habilidade pedagógica, porque o foco de minha for-
mação era a Matemática acadêmica e tradicional; assim sendo, com os alunos
privilegiava atividades pautadas no paradigma do exercício e na abstração dos
conteúdos matemáticos, além da excessiva exigência de que eles fossem capazes
de realizar as demonstrações com perfeição.
(10) Maria das Graças: Em 1976, fui aprovada para o curso de Pós-Gradu-
ação do Departamento de Matemática da UNB, em nível de Aperfeiçoamento,
iniciando os estudos em março daquele mesmo ano;. entretanto, no ano seguinte
não pude retornar por problemas de saúde em família. Apesar da interrupção
do curso, as disciplinas cursadas com bom aproveitamento foram fundamentais
para meu aperfeiçoamento como futura professora de Matemática no Ensino
Superior: Variáveis complexas I, Geometria Diferencial I, Álgebra II e Métodos
matemáticos da Física I. Vejo que o período em que cursei a Pós-Graduação na
UNB foi primordial para a aprendizagem dos conteúdos das disciplinas cursadas,
desenvolvendo os conhecimentos da Matemática acadêmica, para além dos con-
teúdos a serem ensinados na graduação.
(11) Maria das Graças: Cheguei a Porto Velho em 1977, quando passei a atuar como
Técnica em Educação do Governo Federal em Rondônia. Quando fui Membro da
equipe de Currículo na Secretaria de Educação de Rondônia e Membro da equipe
de Estatística da Secretaria de Saúde de Rondônia no período de 1977 a 1983, e
durante cinco anos que atuei na elaboração das propostas curriculares de Mate-
mática (Anos Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio). Depois, atuei
elaborando relatórios estatísticos para a equipe de Informática de Saúde. O mo-
tivo de minha vinda para Porto Velho foi à transferência de meu, então cônjuge,
sargento da Força Aérea Brasileira, que veio atuar como médico em Rondônia.
Assim, afastei-me da sala de aula, o que muito me entristeceu, uma vez que
minha formação e atuação haviam sido dirigidas à docência.
Se, por um lado, educar e ensinar é uma profissão, por outro, não há melhor
meio de ensino e aprendizagem do que aquele que é exercido de um ser hu-
mano para outro, e isso também é um ato de amor. Gostar desse trabalho,
acreditar na educação e nela investir como indivíduo, também configura-se
como um ato de paixão, a paixão pelo possível […] (ALMEIDA, 2002, p.114).
Linear, Cálculo II, Álgebra I, Cálculo I, nos Cursos de Licenciatura Curta em Ci-
ências e Matemática.
(15) Maria das Graças: Segui minha atuação como professora no curso de Mate-
mática, sendo que no período de 1983 a 1988, ocupei o cargo de chefe do
departamento de Ciências Exatas na UNIR, e nesse período, apesar da necessi-
dade e do interesse em investir na formação de professores, não foi possível
realizar nenhuma proposta coletiva de formação docente para os professores do
curso. Foi um tempo bem difícil na Universidade, pois sofremos um processo de
intervenção administrativa, o que limitou nossas possibilidades de formação do-
cente coletiva.
(16) Maria das Graças: Desde o curso de aperfeiçoamento (1976), quando cursei
Álgebra Moderna e Análise Real, meu interesse foi despertado para essa área, na
qual foi direcionada a minha atuação como professora no curso de graduação
também para as disciplinas Álgebra I e Álgebra II; Análise I e Análise II. Sempre
me interessei pelo jogo lógico presente nas demonstrações dessas disciplinas,
pela representação delas na parte abstrata da Matemática no curso de licencia-
tura. Sentia-me à vontade, feliz e realizada, a ponto de que os próprios alunos,
mesmo com notas muito abaixo da média, justificavam que as notas ruins ocor-
riam pelas dificuldades inerentes à disciplina, mas que a professora era muito
competente e esforçada, então não tinham queixas quanto à atuação docente.
(17)Maria das Graças: Lembro que pautava minhas práticas pedagógicas a partir
do livro didático, mas procurando explicar, inclusive o que não estava explícito
nos livros, com a maior riqueza de detalhes possível. Tinha prazer em revelar
aos alunos o que estava nas entrelinhas da demonstração, pois me sentia feliz
com essa descoberta e queria que os alunos também pudessem descobrir o que
não estava escrito.
200 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
(18) Maria das Graças: Vejo que se um determinado conhecimento foi produzido
por um ser humano, como a Álgebra e suas demonstrações, a compreensão
desse por outros seres humanos é sempre possível. Gosto muito de estudar, pois
sempre questiono e investigo meus pontos de interesse. E assim foi com a Álge-
bra, sendo que, pela continuidade dos estudos na área, fui organizando e
planejando minha prática como professora. Por essa postura investigativa e por
observar as experiências de aprendizagem dos alunos, fui me formando e me
constituindo como professora.
(19) Maria das Graças: Acredito que dialogar com os alunos é muito importante
para a aprendizagem, pois ao me aproximar, acabo por incluí-los, dar voz a eles,
conhecer, dialogar, dar apoio para minimizar suas dificuldades em relação aos
conteúdos, e até em relação a suas vidas.
(20) Maria das Graças: Devo muitas de minhas aprendizagens às mensagens en-
viadas pelos alunos através do diálogo em sala de aula, sendo que tais
experiências marcam e transformam, tendo o poder de reestruturar o pensa-
mento e as práticas.
(21) Maria das Graças: Estudando e pensando sobre minhas experiências como
professora, aprendi que valorizar o que ensino e ensinar com alegria, mesmo
um conhecimento abstrato, pode levar os alunos a se sentirem estimulados para
aprender.
Referências
ALMEIDA, J.S. Mulher e educação: a paixão pelo possível. São Paulo: 2002.
BURKE, Peter. O que é História Cultural? Trad. Sérgio Góes de Paula – 2. Ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Trad. Cristina Antunes. Belo Hori-
zonte: Autêntica, 2009.
______. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. Trad. Álvaro Lorencini. São
Paulo: UNESP, 2003.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: morar, cozinhar. Petrópolis, RJ: Vozes,
2011. V. 2.
FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. 13.ed. São Paulo: Paz
e Terra, 2011.
Memórias:
alinhavando histórias
A viagem não acaba nunca Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem pro-
longar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o viajante se
sentou na areia da praia e disse: “Não há mais que ver”, sabia que não era
assim. O fim duma viagem é apenas o começo doutra. [...]. É preciso voltar aos
passos que foram dados, para os repetir. E para traçar caminhos novos ao lado
deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. (SARAMAGO, 2011, p. 387)
Conta uma lenda grega que da união do céu (Urano) e da terra (Gaia)
nasceu a memória personificada, chamada de Mnemósine. A ela foi dado
o dom do poder e da razão, já que, por meio da memória é possível reter,
prever e antecipar os acontecimentos. Assim, ficou na responsabilidade de
Mnemósine a missão de nomear os objetos, o que proporcionou aos hu-
manos os meios para o diálogo e a capacidade de memorização. Para a
sociedade grega daquela época, a memória era o que havia de mais impor-
tante, pois ainda não tinham sido inventados o alfabeto e a escrita, sendo
a memória fundamental para a sobrevivência da espécie, que contava ape-
nas com a divulgação dos fatos oralmente, ou seja, a história oral.
Mnemósine também é a mãe das nove musas, às quais são atribuídas as
capacidades de inspirarem as criações artísticas ou científicas. Portanto,
para os gregos, Mnemósine era a memória de como viver no mundo, a
energia do universo e o ciclo da vida, sendo ela que nos diferencia dos
Cristiane Talita Gromann de Gouveia; Sérgio Candido de Gouveia Neto | 205
outros seres vivos; afinal, tudo aquilo que foi, tudo aquilo que é, tudo
aquilo que será, tem como influência a memória (HESÍODO, 1992).
A etimologia da palavra memória vem do latim memorĭa ou do Grego
Μνημοσύνη (transl.: Mnēmosýnē), derivado do verbo mimnéskein, "fa-
zer-se lembrar", "fazer pensar" ou "lembrar-se"; significa, portanto, a
concentração de uma lembrança (HESÍODO, 1992), ou seja, a "memória é
uma evocação do passado. É a capacidade humana para reter e guardar o
tempo que se foi, salvando-o da perda total. A lembrança conserva aquilo
que se foi e não retornará jamais" (CHAUÍ, 2005, p. 138).
Muitos estudiosos da memória ousaram tentar conceituá-la. Por
exemplo, para o filósofo1 Henri Bergson (2011) existem dois tipos de me-
mória, a do corpo, presente nos mecanismos motores, e a espiritual,
existente sob a forma de lembranças independentes. Essas duas memórias
se relacionam, constituindo a experiência perceptiva. Assim, a lembrança
imita a percepção (vista como representação do objeto ausente) e se con-
funde com ela, sendo móvel e criativa, unindo o mundo material com o
espiritual. Para Bergson,
1 “No final do século XIX e o primeiro terço do XX, a memória estava localizada, sobretudo, no campo da psicologia
e da filosofia” (CORDEIRO, 2015, p. 104).
206 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
2 “Maurice Halbwachs não só foi o primeiro estudioso a cunhar o termo ‘memória coletiva’, como também foi o
primeiro a pensar em uma dimensão da memória que ultrapassa o plano individual, dominante nas pesquisas, até
então. Nomes importantes como “Marcel Proust, William James e Sigmund Freud”, contemporâneos de Halbwachs,
estavam todos, às suas maneiras, voltados para o estudo da memória como forma de conhecimento da realidade,
amplamente fundada em características subjetivas”. Ao contrário destes autores, no entanto, no campo que Hal-
bwachs inaugura, as memórias de um indivíduo nunca são só suas, uma vez que nenhuma lembrança pode existir
apartada da sociedade” (CASADEI, 2010, p.154)
3Para Halbwachs definir seu conceito de memória, ele partiu dos estudos da psicologia, principalmente com as obras
de Freud e o inconsciente e de seu professor Bergson. Entretanto, “Bergson construiu uma teoria a partir da mediação
entre atitudes adaptativas, orgânicas e intuição e subjetividade. Respondeu às crenças no determinismo da matéria
sobre o espírito defendendo uma relação entre ambas. Freud desenvolveu conceitos que tinham por bases diferentes
sistemas psíquicos, um referenciado na ‘matéria’ e outro na relação do indivíduo com o mundo. Trouxe para o corpo
humano a dualidade entre matéria e espírito. Halbwachs rejeitou ambas as teorias sobre a memória e deslocou o
eixo do debate: as vivências do passado não estavam materializadas em nossos corpos ou mentes, mas na sociedade.
Afirmou não só que não podemos armazenar fisicamente a totalidade de nossas experiências passadas, mas também
que a memória não pode ser explicada a partir do conflito entre a matéria e o espírito, ou mesmo, entre o consciente
e o inconsciente”. Assim suas preposições se pautam fortemente em Émile Durkheim (CASADEI, 2010, p 154).
Cristiane Talita Gromann de Gouveia; Sérgio Candido de Gouveia Neto | 207
[…] Nessa reflexão, muitos fatos me veem à mente. Recordando essa fase em
que eu e meus irmãos fizemos o curso primário e entramos no ginásio, lembrei
que, na época, entre as crianças que terminavam o curso primário, poucas
davam continuidade aos estudos, principalmente as meninas, pois os pais
achavam que as mulheres não precisavam estudar mais, bastava saber ler e
fazer algumas contas (FERREIRA, CORRÊA, 2020, p. 133).
“A maior parte da nossa memória está fora de nós, numa viração de chuva,
num cheiro de quarto fechado ou no cheiro de uma primeira labareda. (…)
Fora de nós? Em nós, para melhor dizer, mas oculta a nossos próprios olhares
(…). Graças tão-somente a esse olvido é que podemos de tempos em tempos
reencontrar o ser que fomos.” (PROUST, 1981, p.172).
[…] Creio que não havia outras escolas primárias nessa época em Itapira. Fiz,
então, esses 4 anos iniciais da minha formação nessa escola particular. Lembro
que nós, crianças, éramos muito obedientes e tínhamos medo da professora.
Fui uma boa aluna, dedicada, gostava muito de estudar. Fui alfabetizada pela
Cartilha Sodré (FERREIRA & CORRÊA, 2000, p. 130).
acordo com o lugar que ocupo e esse mesmo lugar se altera conforme o
vínculo que temos com outros ambientes (HALBWACHS, 2003).
Portanto, para Halbwachs (2003), a memória individual é um ponto
de vista em relação à memória coletiva e está arraigada dentro de vários
painéis que a simultaneidade ou a casualidade reaproxima temporaria-
mente. A memória individual se encontra no cruzamento de interações nas
quais estamos envolvidos e dessas combinações de muitos elementos po-
dem surgir o que chamamos de lembranças pessoais. Conforme os eventos
vão se distanciando, temos o costume de recordá-los no formato de con-
juntos. Às vezes, alguns pontos se destacam dentro desse conjunto, mas a
lembrança abrange muitos outros elementos que, ocasionalmente, não
conseguimos distinguir entre si e nem sequer fazer deles uma especifica-
ção completa, até porque muitas de nossas rememorações regressam a
períodos em que, por não termos maturidade, experiência, interesse ou
atenção, “o sentido de mais de um fato, a natureza de mais de um objeto
ou de uma pessoa nos escapavam pela metade” (HALBWACHS, 2003, p.
95). Além disso, quando tentamos rememorar algum evento, algumas ve-
zes nos deparamos com um espaço vazio, e é quando normalmente
pensamos: não consigo me lembrar. Tem um momento na entrevista da
professora Dione Lucchesi em que ela, possivelmente, se deparou com esse
espaço vazio:
4 Bloch compartilhava dos pensamentos de Bergson em relação à “filosofia da duração e fluidez do pensamento e da
vida” (Bloch, 2001, p. 24). Também “Em sua resenha sobre Les Cadres feita em dezembro de 1925 para a Revue de
Synthèse, Marc Bloch elogia o trabalho de Halbwachs, apresentando-o (o trabalho) como uma “obra extremamente
rica e sugestiva” para os estudos históricos”. Não obstante isso, o historiador tece uma série de críticas ao livro que,
de certa forma, marcam um ponto de partida sobre as depurações que teóricos posteriores dariam em torno desta
temática” (CASADEI, 2010, p.156). No mais, Le Goff era herdeiro das abordagens realizadas por Bloch (um dos fun-
dadores da escola de Annales, em 1929), o que justifica a convergência de pensamentos. Le Goff fez parte da terceira
geração da escola de Annales (1968 a 1989).
Cristiane Talita Gromann de Gouveia; Sérgio Candido de Gouveia Neto | 215
Referências
CASADEI, E.B. Maurice Halbwachs e Marc Bloch em torno do conceito de memória coletiva.
Revista Espaço Acadêmico. n. 108, p. 153-161, 2010. Disponível em: < http://peri-
odicos.uem.br/ojs/index.php/%20EspacoAcademico/article/viewFile/9678/5607 >
Acesso em: 25 jul. 2017
216 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
CORDEIRO, V.D. Influências de Émile Durkheim e Henri Bergson nas tensões teóricas da
teoria da memória coletiva de Maurice Halbwachs. Primeiros Estudos, São Paulo,
n. 4, p. 101-111, 2013. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/primeirosestu-
dos/article/view/56729/PDF> Acesso em: 12 jan.2015.
HALBWACHS, M. A Memória Coletiva. Trad. Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2003.
HESÍODO. Teogonia, A Origem dos Deuses. Estudo e tradução de Jaa Torrano,São Paulo:
Iluminuras, 1992.
LE GOFF, J. História e Memória. Trad. Bernardo Leitão ... [et al]. 5ª ed. Campinas:
UNICAMP, 2003.
PROUST, M. A Fugitiva. Trad. Carlos Drummond de Andrade. Editora Globo: São Paulo,
1981.
ANDRÉIA DALCIN
Doutora em Educação pela Unicamp. Docente do Departamento de Ensino e Currículo da
UFRGS. Pesquisadora no Programa de Ensino de Matemática da UFRGS e no Programa de
Doutorado em Educação em Ciências e Matemática (PPGECEM) da Rede Amazônica de
Ensino de Ciências e Matemática (REAMEC). Vice-líder do Grupo de Pesquisa História, Fi-
losofia e Educação Matemática (HIFEM). Desenvolve pesquisas no campo da História da
Educação Matemática e na Formação de Professores.
ANTONIO MIGUEL
Licenciado em Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1976), Mes-
tre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1984) e Doutor em Educação
pela Universidade Estadual de Campinas (1993). Foi membro fundador do Círculo de Es-
tudo, Memória e Pesquisa em Educação Matemática (CEMPEM), da Revista Zetetiké, do
218 | Memórias da Educação Matemática no Brasil
MIRTES ABDELNUR
Mestre em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, obtido junto ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Campus de Rio Claro
– SP na área de Ensino e Aprendizagem da Matemática e seus Fundamentos Filosófico-
Científicos. É licenciada em Matemática pela UNESP de São José do Rio Preto – SP e Gra-
duada em Pedagogia pela Faculdade de Educação Ciências e Artes Dom Bosco de Monte
Aprazível – SP. Fez parte do corpo docente da União das Escolas do Grupo Ceres de Edu-
cação e da Faculdade de Direito e Administração – FAECA, de Catanduva.
RENATO GAMBARO
Mestre em Educação Matemática pelo Programa de Pós Graduação em Educação Matemá-
tica do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista "Júlio
de Mesquita Filho" (Unesp), Campus Rio Claro, e Licenciada em matemática pela mesma
instituição.
RUTE DA CUNHA
Possui graduação em Matemática pelo Centro Universitário Fundação Santo André (1972),
mestrado em Educação pela Universidade de São Paulo (1998) e doutorado em Educação
Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2006). Tem experiência na
área de Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: educação matemática, his-
tória, epistemologia e didática da matemática. É professora aposentada do Departamento
de Matemática da UFMT.
www.editorafi.org
contato@editorafi.org