Oexp11 Ed Literaria Ficha1 Vieira
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Mas já que estamos nas covas do mar, antes que saiamos delas, temos lá o irmão
Polvo, contra o qual têm suas queixas, e grandes, não menos que São Basílio, e Santo
Ambrósio.
O Polvo, com aquele seu capelo1 na cabeça, parece um Monge, com aqueles seus raios
5 esten-didos, parece uma Estrela, com aquele não ter osso, nem espinha, parece a mesma
brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia
tão santa, testemunham contestamente2 os dois grandes Doutores da Igreja Latina, e Grega,
que o dito Polvo é o maior traidor do mar. Consiste esta traição do Polvo primeiramente
em se vestir, ou pintar das mesmas cores de todas aquelas cores, a que está pegado. As
10 cores, que no Camaleão são gala, no Polvo são malícia; as figuras, que em Proteu 3 são
fábula4, no Polvo são verdade, e artifício. Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia,
faz-se branco; se está no lodo, faz-se pardo; e se está em alguma pedra, como mais
ordinariamente costuma estar, faz-se da cor da mesma pedra. E daqui que sucede? Sucede
que outro peixe inocente da traição vai passando desacautelado, e o salteador, que está de
15 emboscada dentro do seu próprio engano, lança-lhe os braços de repente, e fá-lo
prisioneiro. Fizera mais Judas? Não fizera mais; porque nem fez tanto. Judas abraçou a
Cristo, mas outros O prenderam: o polvo é o que abraça, e mais o que prende. Judas com
os braços fez o sinal, e o Polvo dos próprios braços faz as cordas. Judas é verdade que foi
traidor, mas com lanternas diante: traçou a traição às escuras, mas executou-a muito às
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claras. O Polvo escurecendo-se a si tira a vista aos outros, e a primeira traição, e roubo,
que faz, é à luz, para que não distinga as cores. Vê, Peixe aleivoso 5, e vil, qual é a tua
maldade, pois Judas em tua comparação já é menos traidor.