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Povo Jeje Mahi PDF
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1 INTRODUÇÃO
A nação jeje mahi veio de uma região do continente africano conhecida como Daomé,
hoje a atual Benin. A partir do século XVIII parte desse povo foi trazido para o Brasil, aqui
foi distribuída por várias regiões do país e muitos deles vieram para a região do Recôncavo
Baiano, principalmente a cidade de Cachoeira. Luis Nicolau Parés define a origem desses
africanos afirmando:
De fato, na região do Benin houve um contato intenso dos povos jeje com o povo
yorubano, devido o processo expansionista estimulado pelo mercantilismo que estava voltado
para o tráfico negreiro. Essa relação comercial que era alimentada pelo fumo produzido na
região do Recôncavo Baiano e pelas expansões daomeanas, é que permitiu uma relação de
trocas culturais entre os povos conquistadores e conquistados, como cita Antônio Risério
Uma parte dos negros jejes vieram para a Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto
de Cachoeira. Cachoeira, era uma cidade importante para a época, por permitir um
intercâmbio entre Salvador e o interior do país através do rio Paraguaçu. De acordo com
Nicolau Parés (2007), “..., além de ser o maior centro da indústria do tabaco, constituía o pólo
econômico mais importante do Recôncavo, ...” (p. 179). O fumo produzido nesta região era
utilizado como pagamento na África pelos escravos trazidos no tráfico negreiro. “Cachoeira
se converteu no lugar de residência de um grande número de senhores de engenho,
favorecendo a prosperidade da vila, assim como a concentração da população negra.”
(PÁRES, 2007, p. 180).
Destinados a viver na cidade de Cachoeira e também em outras cidades do Recôncavo
para trabalhar em engenhos e plantações de fumo como escravos, alguns costumes foram
reformulados na nova terra, mesclando-se com outros africanos de outras regiões como o
Congo e Nigéria, também conhecidos como yorubanos. Soumonni (2001) cita a presença dos
yorubanos da Nigéria na historiografia afro-brasileira ao dizer que “os nigerianos são
percebidos como os iorubas genuínos, enquanto os demais, geralmente, são referidos como
anagôs ou ana.” (p. 19)
Apesar dessa intensa troca de culturas e relações entre os daomeanos e yorubanos,
existem diferenças que se mantiveram e rituais religiosos que não se misturaram. Os jejes
tentaram manter a singularidade dos seus rituais nas senzalas, ruas, mata ou qualquer outro
lugar que permitisse o culto aos seus voduns (orixás), contudo esse processo demandou uma
resignificação da sua religiosidade.
Esse processo religioso que caracteriza a nação jeje mahi pela singularidade em seus
rituais é verificada na história da cidade de Cachoeira através do seu primeiro terreiro jeje
fundado em 1870, chamado Zóógodó Bogum Malê Seja Hundé mantendo-se ativo até os dias
atuais.
Os candomblés desta nação têm como características a permanência de rituais
sagrados conhecidos como Zandró, Boytá e Azyry Tobossy que não são encontrados em
outras nações como o ketu e o nagô, trazendo uma característica peculiar para esses terreiros.
Nas últimas décadas do século XX, o jeje encontra-se com dificuldades para se manter
no Recôncavo Baiano e na cidade de Cachoeira devido a rigorosidade nos rituais e no
processo de iniciação de iaôs, bem como a preservação dos seus rituais, que favoreceu uma
influência maior yorubana do que jeje na população como cita o Humbono (líder espiritual)
jeje Marcelino Gomes
11
(...), o jeje é clássico, simples, a complicação do jeje são as obrigações internas que
não são reveladas, o jeje é muito complicado internamente, muito doloroso, mas
externamente o jeje é a nação mais singela,(...) (entrevista realizada 30 de junho de
2007)
(...), a história nova foi definida pelo aparecimento de novos problemas, de novos
métodos que renovaram domínios tradicionais da história (o essencial dessas
renovações será encontrado nos verbetes deste dicionário: por exemplo, demografia
histórica, história religiosa, história social, etc.) e, principalmente talvez, pelo
aparecimento no campo da história de novos objetos, em geral reservados, até então,
à antropologia. (2005, p. 61)
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Essa citação de Le Goff mostra o quanto trabalhar com o social e o cotidiano abarca
áreas como a antropologia buscando trazer novos significados para as produções históricas
como uma nova concepção de documento.
Peter Burke conceitua a nova história dizendo que
O mesmo faz François Dosse afirmando a junção de novas áreas e novas abordagens
em história
A nova história se esconde,e ntão, na busca das tradições, ao valorizar o tempo que
se repete, as voltas e reviravoltas dos indivíduos. Na falta de um projeto coletivo
essa pesquisa faz-se mais pessoal e local. Abandonam-se os tempos fortes e os
movimentos voluntaristas de mudança em direção á memória do cotidiano das
pessoas simples. (2003, p. 249)
é justamente o uso de tal reminiscência que tem sido até agora a maior contribuição
de historiadores como Paul Thompson. Eles são historiadores sociais e utilizam os
dados orais, para darem voz àqueles que não se expressam no registro documental.
Embora não sejam inerentemente um instrumento de radicalização, os dados orais na
sociedade contemporânea têm sido extensivamente usados por historiadores (...), e a
história oral é a que melhor reconstrói os particulares triviais das vidas das pessoas
comuns (...). (1992, p. 192)
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Durante muitos anos, regiões como a Angola e o Congo foram pontos do tráfico de
escravos no continente africano, no entanto o golfo de Guiné passa a ser uma região de
destaque a partir do meado do século XVIII. É nesse ponto exato que a nação jeje passa a ser
a nova fonte de força física utilizada pela empresa colonial.
Sobre esta região e a atuação do tráfico negreiro, Antônio Risério (2004) diz em seu
livro Uma história da cidade da Bahia que “Com a chegada do século XVIII, todavia, o
tráfico foi mudando de rumo. Voltou-se em direção à África superequatorial, para a região da
Costa da Mina, deslizando-se posteriormente para a baía de Benim” (p. 276)
Os primeiros africanos que chegaram à cidade de Cachoeira no Recôncavo Baiano
conhecido como “povo jeje” ou do dialeto fon, vieram através do tráfico negreiro, tendo como
local de origem o atual Benim, também conhecido como Reino do Daomé, na região Oeste da
África, próximo a linha do Equador e com uma população estimada em 7 milhões de
habitantes.
Uma das características do povo jeje está na língua fon que vem a ser utilizada pela
maioria da população, contudo não significa que não haja outros dialetos no país. De acordo
com Marcos Carvalho (2006) os outros dialetos falados na região são a bariba, dendi, adja,
mina, yorubá e mais o idioma francês, sendo que o dialeto fon é falada por 39% da população.
O povo jeje também é caracterizado pelo dialeto fon comum a vários povos da região
de Benim e o domínio do comércio de escravos através da busca por novas terras. Antônio
Risério (2004) comenta que “A expressão “jeje”[grifo do autor] (ewe), como se sabe,
designava grupos étnicos do antigo Daomé, como a gente fon” (p. 278). Elisée Soumonni
(2001) também caracteriza o povo jeje como povo islâmico que tinham uma “organização
supranacional e unificadora” (p. 10).
De acordo com Anderson Oliva (2005) o povo do dialeto fon ocupa a região que vai
de Bageia, em Togo, até o oeste de Agbodrafo, na região de Porto Seguro na África. Outra
suposta localização encontrada por Nicolau Páres (2007) está na costa oeste do rio de Mono,
próximo aos portos de Aneho e Agoué.
Desde o século VII, o Golfo de Benim é marcado por um processo migratório em que
vários povos ocuparam simultaneamente a região, tanto de costumes yorubanos como nagôs.
Os adjas, que caracterizam o povo fon, teriam iniciado seu processo migratório na cidade de
15
Tado que “situa-se a margem ocidental do rio Mono, no atual Togo, a uns cem quilômetros do
litoral” (PÁRES, 2007, p. 31). Nesse processo migratório ocupam o território do reino de
Allada e fundam uma nova capital com o nome de Torgudo.
No ano de 1698 o povo de etnia nagô do reino de Oyo invadiu o reino de Allada
obtendo o domínio desta região. O reino de Oyo situa-se na área florestal do golfo de Guiné a
margem leste do rio Ogum até a margem oeste do rio Níger. Foi fundado entre os séculos XI e
XIII e possui na mitologia dos orixás o seu primeiro rei Oraniã como mostra Anderson
Ribeiro Oliva (2005) no seu artigo intitulado A invenção dos iorubás na África Ocidental ao
dizer que Seu fundador, segundo a mitologia iorubá, foi Oraniã – filho de dois pais, Ogum e
Odudua – que acabou por tornar-se seu primeiro rei. Um de seus primeiros reis teria sido
Xangô, (...), filho de Oraniã,e do qual descenderiam os demais reis de Oyo. (p. 18)
A razão para essa rivalidade entre as etnias adjas e nagôs, se deu devido o massacre
de mensageiros do rei de Oyo que transitavam por essa região. Essa ação de guerra entre o
povo de Oyo e Allada ocorreu com muita freqüência até o século XVIII, o que vai contribuir
para o comércio de africanos com a venda dos prisioneiros de guerra. Marcos Carvalho (2006)
exemplifica esta nomenclatura da palavra nagô dada ao povo de Oyo, dizendo que,
Durante muito tempo, Oyo teve o controle de diversos povos da região de Allada, no
entanto este reino passa por um processo de enfraquecimento econômico, político e social,
permitindo a mudança no domínio da região de Benim.
A história de Daomé tem o seu início através da cidade de Tado, com a união entre ela
e Allada, através de um casamento real que gerou três herdeiros ao trono. Com a morte do rei,
inicia a briga entre os três irmãos para a sucessão do trono resultando na fragmentação do
território em 3 reinos: Allada, Adjaché, atual Porto Novo, e Daomé (figura 1: mapa político
atual de Benin). A partir da formação desses novos reinos, no ano de 1724, o Daomé e o
Adjaché tornaram-se os novos centros da imigração forçada de africanos para várias partes do
mundo, como mostra a figura 1.
16
Criada como uma fazenda (Glehué) do reino Hueda, cuja a capital era Savi (ou Sahe), numa
região interiorana a poucos quilômetros do litoral...” (p.39).
Com isso, pode-se dizer que apesar de todos os conflitos existentes entre os
daomeanos e yorubanos de Uidá, a região foi integrada a Daomé e ao sistema político-
administrativo do povo conquistador. A nova colonização permitiu a formação de novos
bairros e uma administração mais complexa, agora sobre o controle dos daomeanos.
Como cita Elisée Soumonni (2001) de fato, não foi difícil obter o controle de Uidá já
que a mesma encontrava-se em um estado político caótico, por isso não houve uma resistência
forte para impedir o domínio daomenano e nem a absolvição de seus costumes.
A partir de meados do século XVIII, o Daomé inicia o seu processo expansionista
motivados pelo aumento do comércio de escravos. No ano de 1789, a cidade yorubá de Ketu é
invadida pelos daomeanos e praticamente dizimada pelos mesmos, na qual foi feito mais de
2.000 escravos de guerra que eram vendidos ao mercado internacional.
As guerras tribais africanas foram usadas como instrumentos para a apropriação de
mão-de-obra forçada pelo mercantilismo europeu, estimulando o reino de Daomé a conquistar
novas terras e povos atuando no mercado do tráfico, vendendo inicialmente seus escravos
domésticos.
Dos portos de embarque responsáveis por essa relação dos daomeanos com os
europeus, Marcos Carvalho (2006) cita o Golfo do Benim, Ilha de Goré(Senegal), São Tomé,
Angola e Moçambique.
Desde então, o Daomé passa a ter destaque e a sobrepor os reinos yorubanos, devido o
mercantilismo que impulsionou o tráfico negreiro. Marcos Carvalho relata que
De acordo com Páres (2007), a expressão Mahi surgiu no século XVIII para designar
os povos localizados ao norte do rio Zou. País caracterizado como “campo de caça a
escravos” cuja a forma de governo parecia um sistema feudal, nesta região os daomeanos
fizeram diversas campanhas militares obtendo o domínio da região.
A cidade de Savalu, a mais importante do reino Mahi, também sofreu diversos ataques
dos daomeanos, trazendo um relacionamento tanto de conflito quanto de cooperação entre
esses povos. O reino nagô de Savalu dominava o reino de Mahi, que era constituído de
diversos povos, após a tomada do reino de Savalu pelos daomeanos o reino de Mahi passou a
ser controlada pelo povo fon.
Essa relação se processou sempre com períodos alternados de independência e
submissão tributária entre ambos, permitindo uma troca de informações e costumes que
influenciaram tanto um povo quanto o outro. Apesar desta influencia entre ambos os povos,
cada grupo manteve algumas características que os identificavam, evidenciando a sua
identidade cultural, ou seja, a assimilação da cultura daomeana não se deu de forma total.
De acordo com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, identidade é um conjunto
de caracteres próprios e exclusivos de uma pessoa ou um grupo. Com base nisso, pode-se
afirmar que cada grupo africano manteve a sua característica que os definia como a língua e o
culto as suas divindades. Livic Sarsowb e Eduardo Araújo citam o que seria a concepção de
identidade confirmando a questão da caracterização desse ou daquele grupo devido os
costumes, tradições, lingüísticas e até mesmo localidade ao dizer que,
São discursos sobre as origens de um grupo, que usam termos que remetem à
transmissão fisionômicos, qualidade morais, intelectuais, psicológicos, etc., pelo
sangue(conceito fundamental para entender raças e certas essências).
Existem vários outros tipos de discursos que são também discursos sobre lugares:
lugares geográficos de origem – “a minha Bahia, o meu Amazonas, a minha Itália” -
aquele lugar de onde se veio e que permite a nossa identificação com um grupo
enorme de pessoas. (2008, p. 66)
No período do domínio daomeano na cidade de Savalu, o reino era regido pelo rei
Guezo e o povo de Savalu era identificado pelos daomeanos como anagô, ou seja, povo que
fala yorubá.
De acordo com Nicolau Páres (2007) essa relação entre os nagôs e daomeanos só foi
possível devido a região de Mahi ser constituída por diversos estados independentes que
possuíam vassalos ou escravos que eram vendidos em números consideráveis aos daomeanos.
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Esta ação dos mahis não é estranha, já que os daomeanos tiveram um crescimento econômico
devido o comércio do tráfico negreiro.
Essa influência que ocorre entre os diferentes grupos é citada por Sidney Mintz e
Richard Price no livro intitulado O Nascimento da Cultura Afro-brasileira: Uma perspectiva
antropológica ao escreverem que
na atual Rua da Matriz, em uma casa chamada Casa Estrela na qual tem uma estrela de cinco
pontas em granito na calçada, como mostra a figura 2.
Segundo a tradição oral, essa estrela é dedicada ao vodum Ogum Sorokè da nação jeje
mahi, que costuma ser tido como o guardião da porta nos terreiros jeje. Essas senhoras
encomendavam produtos utilizados pelos jejes naquele período para os rituais de candomblé e
praticavam o culto ao vodum nos fundos de sua residência. A casa ainda existe e funciona de
moradia na cidade.
Rafael Sanzio relata a importância do tráfico negreiro para a Europa do século XVIII,
dizendo que
o tráfico de escravos da África para a América foi, durante mais de três séculos, uma
das maiores e mais rendosas atividades dos negociantes europeus, a tal ponto de se
tornar impossível precisar o número de africanos retirados de seu habitat, com sua
bagagem cultural, a fim de serem, injustamente, incorporados as tarefas básicas para
a formação de uma nova realidade. (2000, p. 27)
O autor ainda cita que esse comércio de africanos intenso só foi possível pela
habilidade dos povos da África em trabalhar com a agricultura e a mineração, sem esquecer
do comércio.
Além do tabaco utilizado na costa africana como moeda também se comercializava
produtos de subsistência tanto para a região fumageira quanto para os africanos. Esta relação
comercial com produtos de subsistência caracteriza-se, devido a dificuldades sofridas em
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ambos os países para a produção desses produtos devido as ações da própria natureza com
chuvas abundantes, intercaladas com secas constante e o próprio desgaste do solo.
Apesar da existência de um comércio relacionado a produtos manufaturados, este não
conseguia sobrepor o comércio de africanos. Esta atividade econômica teve a sua diminuição
a partir de 1851 após as diversas tentativas do governo inglês em suspender o tráfico negreiro
na região de Benim.
Elisée Soumonni (2001) afirma que “(...), o bloqueio era a única maneira de parar os
dirigentes dos portos bloqueados a desistir do incentivo ao tráfico de escravos” (p. 45)
caracterizando também as razões da rivalidade entre o Benim e os ingleses.
A ação inglesa causou uma grande insatisfação aos franceses, já que esses mantiveram
um período de domínio sobre o reino de Daomé antes de conseguir a sua independência.
Soumonni cita esta relação entre ambos os países dizendo que,
Não foi a toa que muitos escravos abandonaram a fazenda de seus senhores para
participar do exército. Além do recrutamento de forma voluntária, muitos fidalgos
reclamavam ao Conselho Interino em Cachoeira sobre a ação do general Labatut, que
confiscava muitos escravos de senhores que se encontravam ausentes da sua fazenda, como
relata Hendrik Kraay
Supõe-se que quando essa guerra ocorreu em Cachoeira no século XIX, muitos
africanos oriundos do Golfo de Benim fizeram parte do exército formado por Labatut.
A cidade de Cachoeira foi emancipada no dia 13 de Março de 1837, ganhando o título
de cidade e permitindo a partir de então uma mudança no panorama econômico, político e
social em vigor.
Cachoeira iniciou sua economia à partir da produção de cana-de-açúcar, devido a
predominância do solo massapê. Este tipo de solo garante uma produtividade e qualidade nos
produtos por possuir minerais em abundância no seu solo. O açúcar e o fumo eram produzidos
em regiões tidas como distritos de Cachoeira no século XVIII e hoje reconhecidas como
cidades, dessas pode-se citar Santo Amaro da Purificação, São Sebastião do Passé e São
Francisco do Conde.
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...,o termo nação era utilizado, naquele período, pelos traficantes de escravos,
missionários e oficiais administrativos das feitorias européias da Costa da Mina,
para designar os diversos grupos populacionais autóctones. O uso inicial do termo
nação pelos ingleses, franceses, holandeses e portugueses, no contexto da África
ocidental, estava determinado pelo senso de identidade coletiva que prevalecia nos
estados monárquicos europeus dessa época, ... (2006, p. 23)1
1
De acordo com Antônio Risério no seu livro Uma História da Cidade da Bahia, no capítulo que retrata os jejes
e nagôs, autóctones é um termo utilizado para designar um povo que nasceu em seu próprio território (p.276).
27
Essa população que caracterizou a cidade de Cachoeira nos séculos XVIII e XIX
foram as responsáveis pelos bairros periféricos na cidade, tidos, atualmente, como os mais
populosos. No período de formação desses bairros, esses locais eram chamados de recuada
por estarem recuadas da vila, ou seja, por estarem a margem e serem de difícil acesso aos
fidalgos e seus comparsas.
Convém ressaltar que a formação dessas irmandades era composta por negros livres e
crioulos que conseguiam alcançar posição social por razões diversas, após a sua libertação
retornavam a África e lá exerciam atividades comerciais adquirindo riquezas e retornando ao
Brasil. De acordo com Páres (2007) no seu retorno passavam a emergir a elite africana e
assumir uma atividade comercial na região.
Sabe-se que as irmandades ligadas aos negros no período do século XVIII e XIX
necessitavam estar vinculada a Igreja Católica para ter voz na cidade. No caso da Irmandade
do Bom Jesus do Martírio a mesma ligou-se ao convento da Villa de Nossa Senhora do Monte
por ter sido desvinculada da Igreja D’ajuda pelos fidalgos da cidade. Sua ligação também
estava relacionada a uma casa na qual moravam duas mulheres jejes denominada Casa Estrela
(figura 2), situada na Rua da Matriz (atual Rua Ana Nery) caracterizada por uma estrela na
calçada.
Tanto os integrantes da Irmandade do Martírio como integrantes da Irmandade da Boa
Morte, tinham livre acesso a casa e contato comercial com as proprietárias da Casa Estrela.
Por serem irmandades de matriz africana, principalmente a Irmandade do Martírio, e ter
integrantes com uma relação intensa referente a formação de diversos terreiros na região,
suspeita-se que a instalação das irmandades funcionasse como uma maneira de esconder a
verdadeira opção religiosa devido a repressão da época.
No depoimento a Marcos Carvalho gaiaku Luiza, mãe-de-santo da casa jeje Humpamy
Ayono Huntologi, falou da Casa Estrela e a relação comercial e espiritual existente nela com
as pessoas das irmandades e da vila:
(...) Ali era como se fosse uma casa de negócios, aberta para quem quisesse, dia e
noite. (...). Era casa de doceira. Havia uma mesa bem larga e estava sempre coberta
de doces. (...). Se houvesse alguma festa em Cachoeira, casamento, aniversário,
batizado, festa de São Cosme, os doces eram comprados lá. Era uma casa que tinha
fundamento. Ali se encontrava de tudo. Vinha um senhor africano, Hipólito, que
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Continuando o seu depoimento a Marcos Carvalho (2006) esses produtos trazidos pelo
africano Hipólito constituíam produtos comercializados no Golfo de Benim, já que a família
que se formou na Casa Estrela era tida como povo de nação jeje.
Este fragmento da entrevista de Gaiaku Luiza publicada no livro de Carvalho (2006)
mostra a experiência de Luiza com a Casa Estrela. Luiza veio a falecer no dia 22 de junho de
2005, quatro dias antes do seu aniversário, por parada dos órgãos referente a idade avançada.
Se estivesse viva, Luiza estaria fazendo atualmente 100 anos.
Capapina. Não se tem registro de como Belchior Rodrigues conseguiu obter bens após ser
libertado, no entanto, é certo que houve terras registradas por Maria Motta em nome de seus
filhos.
Dos filhos de Maria Motta e Belchior Rodrigues apenas dois se destacaram na história
de Cachoeira: José Maria de Belchior, chamado de Zé de Brechó, e Antônio Maria de
Belchior, chamado de salakó. De acordo com Marcos Carvalho (2006) o apelido de salakó se
refere as crianças que no momento do parto nascem junto com a bolsa, pois a mesma não se
rompe e o médico ou parteira tinha que estourar a bolsa para retirar o bebê. Os descendentes
de africanos costumavam fazer rituais religiosos com a placenta do bebê que nascesse desta
forma.
De acordo com pesquisas realizadas por Marcos Carvalho (2006), José Maria morava
em casarão que situava-se acima do bar Sete Portas, na rua Antônio Carlos Trindade Melo
com a Praça Maciel, próximo ao atual Mercado Municipal (figura 6). Atualmente, o bar Sete
Portas não existe mais, no local foi instalado um comércio de produtos para materiais de
construção, tendo ainda como referência a essa antiga moradia a Igreja dos Remédios, hoje
desativada.
A pedra citada por Carvalho não existe mais, no entanto é comum encontrar
moradores sentados nas escadarias da igreja durante a noite.
Sobre a profissão dos irmãos Belchior, encontra-se nos registros de votantes de
Cachoeira do anos 1871-1875, de acordo Nicolau Páres (2007), a profissão de carapina a Zé
de Brechó e marceneiro a Salakó. Ambos os irmãos faziam parte da Irmandade dos Martírios
ou também chamada Irmandade do Rosarinho. Lá foram enterrados moradores da região que
possuíam ligação com a Irmandade. Sobre o testemunho de salakó:
Aos dia nove de outubro de 1895, neste único districto da cidade de Cachoeira,
estado da Bahia, compareceu em meu cartório Antonio Maria Belchior e declarou o
falecimento de Domingos de Mattos, 90 anos, solteiro, filiação desconhecida,
africano, sepultado no cemitério do Rosário. (Fórum Teixeira de Freitas, cartório de
registro civil, livro de registro de óbitos, livro 4 - C, registro 570, p. 152 v.)
Também foi registrada pelo mesmo e pelo irmão a morte de parentes que foram
enterrados no mesmo cemitério:
Aos dia vinte do mês de abril de 1901, neste único districto da cidade de Cachoeira,
estado da Bahia, compareceu em meu cartório José Maria de Belchior e declarou o
falecimento de Joaquim Belchior, morador do Rosarinho, africano, lavrador,
sepultado no cemitério do Rosário em sepultura perpétua. (Fórum Teixeira de
Freitas, cartório de registro civil, livro de registro de óbitos, livro 9 - C, registro 16,
p. 6.)
Aos dez e seis dias do mes de abril de 1902, neste único districto da cidade de
Cachoeira, estado da Bahia, compareceu em meu cartório Antonio Maria Belchior e
em presença das testemunhas abaixo assinaladas declarou: Que hoje, ás sette horas
da manhã, no lugar Boa Vista, faleceu em sua roça o cidadão José Maria de
Belchior, seu irmão, com 63 anos de idade, filho legitimado de Belchior Rodrigues
Moura e Maria Motta Belchior, natural e residente desta cidade, solteiro,
proprietário, primeiro suplente de Conselheiro Municipal desta cidade, Capitão da
Guarda Nacional, sendo seu cadáver transportado para a igreja da Matriz de onde
tem de efectuar-se o seu sepultamento, sendo digo, será sepultado no cemitério do
Rosário em carneira perpétua daquella irmandade. Declara que o falecido foi vítima
de sífilis. Do que para constar lavro este termo que assim o declarante e as
testemunhas Theophilo Bispo da Silveira, Octaviano, Pedro Miranda, todos
residentes nesta cidade, depois de lido por mim, João Thomé de Oliveira, escrivão
interino escrevi (Fórum Teixeira de Freitas, cartório de registro civil, livro de
registro de óbitos, livro 9 C, registro 396, p. 121)
Antônio Maria José faleceu dois anos após seu irmão José Maria, exatamente na data
de 14 de janeiro de 1904 acometido de caquexia cancerosa, sendo enterrado no cemitério do
Rosário como consta no seu registro:
Aos quatorze dias do mes de janeiro de mil novecentos e quatro, neste único
districto de Cachoeira, Estado da Bahia, compareceu em meu cartório, Juvenal de
Souza Castro e exibindo atestado do doutor Innocêncio Boaventura, declarou: que
hoje, às quatro horas da manhã, na rua do Remédio, faleceu de caquexia cancerosa
seu tio Antônio Maria Belchior, com 65 annos de idade, solteiro, filho de Maria
Motta, já falecida, negociante, residente nesta cidade e vai ser sepultado no
cemitério do Rosário (Fórum Teixeira de Freitas, Cartório de Registro Civil, livro 41
C, registro 397, p. 128)
Outra figura importante a ser destacada chama-se Ludovina Pessoa, esta é tida pelas
pessoas do candomblé como a fundadora de um terreiro centenário ainda ativo na cidade. O
que se sabe de Ludovina é que esta chegou a Cachoeira vinda de Salvador e ficou hospedada
na casa Estrela. Sobre Ludovina Pessoa, Marcos Carvalho diz que:
Quando a africana Ludovina pessoa, Irmã da Boa Morte e fundadora do terreiro jeje
Zóógodó Bogum Malé Húndo, e Salvador, chegou a Cachoeira, ficou hospedada na
Casa Estrela, onde morou uma africana, Irmã da Boa Morte, chamada Júlia
Deocleciana Nascimento. (2006, p. 25)
De acordo com Nicolau Páres (2007) sua chegada consta entre a data de 1866 e 1869 e
costumava viajar com freqüência para Salvador, pois a mesma possuía uma intensa ligação
com o terreiro jeje Zòògodoò Bogum Malê Hundo, em Salvador.
33
(...). Esse candomblé jeje ficava localizado na Recuada, uma grande área formada
por colinas e morros inadequados para o plantio e a criação de animais. A recuada
serviu de moradia para a população marginalizada de Cachoeira; muitos africanos e
filhos de africanos se abrigaram naquela região. Toda a área que não fazia parte do
centro urbano da pequena Vila de cachoeira era a Recuada (CARVALHO, 2006, p.
27)
Sobre o termo Bi Tedô ou Obá Tedô Páres (2007) afirma que “Tèdo é uma expressão
yorubá que significa “o lugar onde um grupo de pessoas se instala pela primeira vez” (p. 181)
e Obá no dialeto yorubá significa rei, por isso que os pais-de-santo das nações que utilizam o
dialeto yorubano são chamados de Babalorixá.
Segundo alguns adeptos da nação jeje mahi, como Marcelino Gomes, o Bi tedô foi
dirigido pelo africano Kixareme aonde cultuava o vodum Azansù, conhecido pelas outras
nações como Obaluaê, o vodum da lepra e de todas as doenças. O candomblé foi desativado
no ano de 1876, devido a construção de um viaduto ferroviário chamado “Imperial Estrada de
Ferro Central Viaduto do Batedor” (CARVALHO, 2006, p. 28) sendo inaugurada em
dezembro de 1876.
Com a instalação do viaduto Bi Tedô, alguns autores escrevem Bitedô, o candomblé
foi transferido para a Fazenda Altamira, próximo a um local chamado Lagoa Encantada, no
caminho do antigo Engenho do Rosário (devido as restrições de ordem religiosa não foi
possível registrar através de fotos o local citado). Este candomblé é conhecido como Roça de
Cima.
Marcos Carvalho (2006) afirma que a Fazenda Altamira pertencia a José Maria
Belchior (Zé de Brechó) quando tinha 41 anos, já Páres (2007) afirma que após a morte de
Kixareme o candomblé foi assumido por José Maria Belchior, passando a ser o dono do
terreno. Ludovina Pessoa também atuava nas festas e preceitos religiosos do candomblé ao
lado de Kixareme.
34
Maria Agorensi, filha de Ludovina Pessoa, e seu marido Manoel Ventura Esteves, que
era africano, iniciam outro candomblé em um terreno ao lado da terra chamada Malaquias,
comprada por Manoel, localizado fronteiriça a fazenda Altamira, moravam na Ladeira da
Cadeia, nº 25, atualmente reformada como mostra a figura 7, um dos caminhos para se chegar
ao terreno. Com o fim da Roça de Cima, seus membros passam a fazer parte do Zoogodô
Bogum Malê Seja Hundé (roça Ventura).
A roça fazia divisa com umas terras chamadas Malaquias, em que várias famílias
africanas faziam moradia e às quais quase ninguém tinha acesso. Maria Luiza
Gonsaga, filha de Ludovina Pessoa, iniciada na Roça de Cima (Fazenda Altamira)
para o Vodun Bèsén (Ahùnsì Misimi), (...), desce para as terras vizinhas compradas
por seu marido e funda, no final de 1800, outra casa de candomblé jeje-mahi
denominada Xwé Seja Hundé. (2006, p. 33)
O marco entre as duas fazendas é caracterizada por uma jaqueira que ainda encontra-
se viva e respeitada pelas pessoas de candomblé devido, um antigo assentamento realizado na
árvore aos Voduns Bessèn e Azansù, tidos como reis para o povo jeje (embora reconheça a
importância de representar através de fotografia o objeto citado há uma impossibilidade por
questões religiosa da própria nação). A tradição oral, segundo Páres (2007), afirma que neste
candomblé foi iniciada duas mães-de-santo do futuro Sejá Hundé, chamadas Maria Luiza
35
Sacramento (Maria Agorensi) e Maria Epifânia dos Santos (sinhá Abalhe). Após a morte de
Zé de Brechó, a roça de cima foi desativada.
De acordo com as fontes orais da casa, Seja Hundé em trabalho de campo, a pouco
tempo atrás ainda haviam pessoas que residiam próximo ao terreiro, estes eram chamados
pelas pessoas do terreiro de rendeiros e serviam para cuidar da roça. De acordo com o
Dicionário Aurélio, rendeiro significa aquele que dá ou toma de arrendamento propriedade
rústicas, talvez seja por esta razão que se classificou os moradores próximo ao terreiro desta
forma.
Durante o seu período como líder espiritual, Maria Agorensi botou dois barcos (grupo
de iniciados), o primeiro constituía 8 iniciados e o segundo 12 iniciados, com o período de 6
meses de iniciação, ainda realizado nos terreiros jeje atuais. Esta afirmação pode ser percebida
na fala do Humbono Marcelino Gomes do terreiro jeje Humpamy Zogodô Malê Dahô Taby,
quando foi questionado sobre o período de reclusão.
Não, hoje mais não, antigamente ficava, hoje em dia não dá mais recolher uma
pessoa por 1 ano, há não ser que seja aposentado ou criança né! Hoje fica 6 meses...
por isso que fica esse tempo, tem que aprender pelo menos o básico, aprender a sair
né! (entrevista realizada 30/07/2007)
Maria Agorensi liderou o terreiro Seja Hundé até o seu falecimento em 3 de maio de
1922, registrado no cartório de registro civil do Fórum Teixeira de Freitas na cidade de
Cachoeira, Livro C23, registro 460, pelo seu parente e ogã Aristides Gomes da Conceição,
tendo o seu corpo sepultado no carneiro da Irmandade dos Martírios no Cemitério do Rosário.
Com a morte de Maria Luiza Sacramento e após 10 anos de paralisação das atividades
no terreiro, Maria Epifania Dionísia do Sacramento (sinhá Abalhe) assume o Seja Hundé.
Apesar das dificuldades em assumir a liderança espiritual, devido a insatisfação de alguns
filhos-de-santo da casa, Sinhá Abalhe é caracterizada por Páres da seguinte maneira:
(...), a partir do momento em que assumiu como gaiaku, por volta de 1934 ou 1937,
Abalhe conseguiu que o Seja Hundé voltasse a ser o que era antes, com muitas
filhas-de-santo, muitos rendeiros e caseiros mrando e zelando pela roça, com festas
concorridas que atraíam a presença de importantes membros de outras congregações
religiosas da região e de Salvador. (2007, p. 221)
Sinhá Abalhe terminou o seu reinado no dia 1 de dezembro de 1950, devido o seu
falecimento por morte súbita na casa aonde residia em Cachoeira, como ressalta Nicolau
36
Páres (2007) e Marcos Carvalho (2006). Após a sua morte, assumiu a liderança espiritual da
casa Adalgisa Combo Pereira (gaiaku Pararasi), no entanto, os filhos-de-santo desta nação
dizem que com a morte de Abalhe a casa perdeu um pouco do seu brilho, do seu encanto.
Pararasi foi iniciada no primeiro barco de sinhá Abalhe e recebeu esse nome referente
ao vodum Parara (uma linhagem de Azansù) atualmente é raro encontrar essa qualidade de
Azonsu nos terreiros jeje. De acordo com Marcos Carvalho (2006), gaiaku Pararasi faleceu no
dia 3 de março de 1969 em um hospital em Salvador, neste momento assume o terreiro Elisa
Gonsaga de Souza (gaiaku Aguesi). Aguesi era sobrinha de Maria Agorensi e a verdadeira
herdeira do Seja Hundé, como contam seus adeptos, o nome Aguesi é referente ao Vodum
Agé que é o dono das folhas.
Antes de gaiaku Aguesi falecer, já havia uma Vodunsi (pessoa que incorpora)
assumindo o seu lugar, devido os problemas de saúde sofrido por Aguesi, como consta
Marcos Carvalho,ao dizer que,
Gaiaku Agesì faleceu em 14 de janeiro de 1998, com 94 anos. Mesmo antes de seu
falecimento, uma vodunsi da casa, Gamo Lokosì, já havia assumido a direção do
Ventura, em 1985, porque Gaiaku Agesì, já doente e por motivos particulares, se
recusava a freqüentar o terreiro de Ventura. (2006, p. 56)
Aos quinze dias de janeiro de 1998, neste cartório, compareceu Dinalva Costa, dona
de casa residente à Alto do Cruzeiro, 146, nesta cidade de Cachoeira e exibindo o
atestado de óbito firmado pelo Doutor Rogério de Oliveira Silva – CREMEB –
10597 dando como causa de morte “Desnutrição – caquexia – Luilidade”, declarou
que no dia quatorze do corrente, ás 06:25 horas no Hospital São João de Deus, nesta
cidade de Cachoeira faleceu Elisa Gonzaga Souza do sexo feminino, natural de
Cachoeira – Bahia, charuteira, residente à Ladeira Manoel Vitório, s/nº, nesta cidade
de Cachoeira, com noventa e um (91) anos, filha de Luiz Gonzaga e Maria
Magdalena, falecidos. Estado Civil: viúva de não declarado o nome do seu esposo e
não deixou filhos. Vai ser sepultada no Cemitério Piedade em cova e, para constar
fiz este termo que, depois de lido vai assinado pela declarante (Fórum Teixeira de
Freitas, Cartório de registro civil, Livro de registro de óbito, livro 51 – C , registro
114, p. 198)
Assume a liderança Gamo Lokosì que tinha como nome de batismo Augusta Maria da
Conceição. O nome Lokosì refere-se ao vodum Loko que é caracterizado como filho do rei
37
Sobbô (correspondente ao orixá nagô xangô) e sua esposa Oyá (correspondente ao orixá nagô
Yansã) e também representante do fogo.
Gaiaku Lokossi faleceu no ano de 2008 como consta no jornal A Tarde, datado de 08
de fevereiro de 2009, em entrevista realizada com integrantes da casa Seja Hundé. Nesta
entrevista, encontra-se o ogã Ambrósio Bispo Conceição (ogã Boboso) iniciado por volta de
1936 e 1940, o pegijã (aquele que cuida do peji/assentamento dos voduns), Bernardino
Ferreira dos Santos iniciado no mesmo barco de seu Boboso e a vodunsi Alaíde da Costa, de
78 anos, iniciada por gaiaku Pararasi, atual responsável pelo Seja Hundé.
A reportagem do jornal mencionado acima, traz a reivindicação dos integrantes mais
antigos e atuais da casa Seja Hundé para que órgãos como o Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (IPHAN), façam o tombamento do terreiro para que não se perca o que se
tem da história de um povo que deu origem a população existente na cidade. Como relata
Páres (2007) esses candomblés situados em zonas distante e rurais, como o Seja Hundé,
funcionavam como forma de resistência, de construção da identidade e uma agregação racial
que só poderia ser formada distante do centro, devido a perseguição da época.
Luiza Franquelina da Rocha (gaiaku Luiza) nasceu no dia 25 de agosto de 1909, filha
de Cecília Ovídia de Almeida e Miguel Rodrigues da Rocha, neta e bisneta de africanos como
conta Marcos Carvalho (2006). Nasceu e se criou na Ladeira da Cadeia, nº 32 (figura 8),
tendo de seu pai uma educação rigorosa, como contou a Carvalho (2006), ao dizer “Em minha
casa não entrava bebida alcoólica e nem refrigerante, porque papai não gostava. Nunca
sambei e nunca dancei de par.” (p. 64).
38
Figura 8 - Casa que gaiaku Luiza nasceu, Ladeira da Cadeia, Cachoeira, 2009.
Fonte: Arquivo pessoal de Daniela Mattos
Desde pequena teve contato com o mundo dos voduns, sua mãe costumava participar
das cerimônias de candomblé e seu pai se foi confirmado ogan no candomblé do Ventura, e
logo cedo aprendeu algumas cantigas. Gaiaku Luiza deixa claro em seu depoimento a Marcos
Carvalho (2006) que devido à confirmação do pai como ogan, ela e os irmãos costumavam
estar no Ventura.
Pelo depoimento de Gaiaku, pode-se perceber que por um tempo ela, seus irmãos e sua
mãe residiram aos arredores da Roça do Ventura como rendeiros, no período em que seu pai
esteve longe a trabalho. Gaiaku relata que
Chegou a viver em Salvador retornando a Cachoeira após ser abandonada pelo marido.
Retornou a Salvador para trabalhar, era vendedora de acarajé e residia no bairro de Nazaré, lá
iniciou a sua ligação como filha-de-santo no jeje mahi, através do terreiro Zoogodô Bogum
Malê Rundó, mais conhecido como Bogum. Após sete anos de iniciação recebeu o seu posto
de mãe-de-santo, conhecido como dekà, com a presença de pessoas do candomblé do Ventura
em Cachoeira.
Gaiaku Luiza fundou seu terreiro de nome Humpamy Ayono Huntologi, no ano de
1962, no Alto da Levada, nº 22, na cidade de Cachoeira. Lá fez muitos filhos-de-santo como
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Marcelino Gomes, atual Humbono de uma casa jeje, vindo a falecer no ano de 2005, na sua
roça de santo, como consta na sua certidão de óbito
Aos vinte e um de junho de dois mil e cinco, neste cartório, compareceu Iêda Cecília
Rocha Vieira dos Anjos, professora aposentada, residente Rua da Pitanga, 18 –
Cachoeira – Bahia e exibindo o atestado de óbito firmado dando como causa de
morte “Morte súbita – Insuficiência cardíaca – Cardiopatia isquêmica”, declarou que
no dia 20 do corrente faleceu Luiza Franquelina da Rocha, do sexo feminino, natural
de Cachoeira-Bahia, costureira aposentada, residente no Alto da levada, nesta cidade
de Cachoeira-Bahia, com noventa e cinco (95) anos, filha de Miguel Rodrigues da
Rocha e Cecília Ovídia de Almeida, falecidos. Estado civil: solteira, não deixou
filhos. Vai ser sepultada no Cemitério Piedade em cova e para constar fiz este termo
que, depois de lido e achado conforme, vai assinado pela declarante Iêda Cecília
Rocha Vieira dos Anjos, eu Lêda Margarida Santos Leite Oficial do Registro Civil,
o subscrevo e assino. (Fórum Teixeira de Freitas, cartório de registro civil, livro 52
C, registro 19.322, p. 102) “
Marcelino Gomes foi iniciado na casa Humpamy Ayono Huntologi no ano de 1987,
como Ogan Tatá da casa de santo. Após 9 anos de iniciação, recebeu de um senhor já falecido
conhecido com Sr. Candola, responsável por um terreiro na zona rural, o cargo de Humbono
(sacerdote) e iniciou o seu terreiro jeje mahi intitulado Humpamy Zoogodò Malê Dahô Taby,
na casa Fundação Paulo Dias Adorno no mês de janeiro de 1996 que fica na rua J.J. Seabra,
s/nº, centro, local de residência do próprio Marcelino.
A casa Paulo Dias Adorno também funciona de forma social em prol da comunidade
cachoeirana. Na casa já ocorreram cursos de guias turístico para adolescentes do ginásio e
carentes, aulas de capoeira, mostra de filmes em parceria com a Universidade Federal do
Recôncavo, além de possuir um acervo literário a disposição de toda a comunidade.
40
Durante o século XVIII e XIX, a prática do candomblé não era bem vista pelas
autoridades eclesiásticas e policiais da cidade de Cachoeira. O que se pode perceber é que as
religiões de matrizes africanas serviram como uma forma de resistência a cultura européia,
mantendo traços característicos como a língua e modo de culto as divindades, que identificam
a nação a que cada grupo pertence.
De acordo com o Dicionário Aurélio, nação significa conjunto de indivíduos
habituados aos mesmos usos, costumes e língua. Vivaldo da Costa Lima (1976) em seu
trabalho intitulado O conceito de nação nos candomblés da Bahia, relata que para cada nação
de candomblé a sua identidade está relacionada a língua falada, rituais realizados, danças,
costumes. Esses aspectos servem para diferenciar os candomblés de diferentes grupos.
No caso da nação jeje mahi em Cachoeira, foi registrado desde o século XVIII práticas
ritualísticas realizadas nas zonas mais afastadas do centro da cidade. Esses rituais religiosos
do jeje permitiram a continuação da sua descendência africana nas terras da Bahia. Sobre os
mesmos, Páres (2007) diz que “(...), além da importante presença de especialistas religiosos
no centro urbano, foi nas roças das freguesias semi-rurais que as congregações religiosas
conseguiram desenvolver maior complexidade organizacional” (p. 141).
Marcos Carvalho (2006) cita a formação do terreiro Bitedô para referenciar ao
candomblé nas regiões afastadas, dizendo que “Contam os antigos que o primeiro candomblé
existente em Cachoeira era de origem jeje. Localizado em um sítio afastado do centro da
pequena Vila de Cachoeira,(...)” (p. 27)
Esses ritos sagrados existentes desde o século XVIII em Cachoeira, têm na sua
organização espiritual um sistema complexo de famílias de voduns (orixás) que fazem parte
das festas e rituais da nação jeje mahi, mantendo uma extrema relação com os quatro
elementos da natureza (terra, fogo, água e ar). Contudo há toda uma dedicação especial aos
voduns relacionados ao fogo e a profundeza dos mares.
O Seja Hundé é um exemplo de um terreiro em zona afastada, que mantém a tradição
de seus rituais ligados aos elementos da natureza, como mostra ao fundo da figura 9, a mata
fechada durante o acesso ao local citado.
41
Figura 9- Ladeira da cadeia- Acesso para o terreiro Seja Hundé, Cachoeira, 2009.
Fonte: Arquivo pessoal de Daniela Mattos
O referido terreiro foi utilizado como matriz para outros da nação jeje. A reportagem
realizada no jornal A Tarde, datado de 08 de fevereiro de 2009, intitulado “Grupo de idosos
luta para manter tradição religiosa” traz no seu conteúdo um trecho que faz essa relação do
jeje mahi e da casa Seja Hundé a esses elementos da natureza, dizendo que,
O Ventura tem uma configuração que mexe com a sensibilidade dos visitantes. É
cercado por mata fechada. As poucas construções tornam ainda mais evidentes o
belo cenário que o cerca. As árvores recebem tratamento sagrado, com os
assentamentos característicos das divindades cultuadas. Uma fonte e uma lagoa
incrementam a beleza. O visitante encontra a cada passo mais um motivo para ficar
deslumbrado. O Ventura faz pensar em como seriam terreiros no passado. O Seja
Hundé segue uma tradição religiosa, com divindades organizadas em um sistema
complexos de famílias. Elas tem regência sobre elementos como terra, fogo e água e
são chamados voduns. (p. A8)
Nicolau Páres também cita o complexo sistema de culto jeje mahi as suas divindades
ao dizer que
2008, foi possível constatar o cenário geográfico de árvores sagradas e o riacho ao redor do
terreiro.
O culto as águas nos candomblés brasileiros teve a sua origem em países africanos. No
caso jeje, Páres (2007) relata que “O culto do mar está documentado, desde a segunda metade
do século XVII, em várias partes do Golfo de Benin” (p. 279) mostrando uma ligação desse
culto ao comércio marítimo com os europeus.
Nos terreiros jeje mahi, o culto as divindades das águas é percebido na sequência de
cantos e na dedicação da nação ao vodun feminino que representa a profundeza do oceano
Azyry Tobossi, na qual fecha os rituais externos da nação. Nos cantos Azyry Tobossi possui
uma quantidade de músicas maior do que Yemanjá e Oxum, sendo que a referida divindade é
reverenciada após os cantos de Yemanjá e Oxum.
No artigo produzido por Nicolau Páres (2001) e divulgado na revista Afro-Àsia do
Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade federal da Bahia (UFBA) com o título de
“O triângulo das Tobosi uma figura ritual no Benim, Maranhã e Bahia” o autor relata a
extrema ligação da nação jeje mahi com os elementos da natureza enfatizando o culto a
divindade Azyry Tobossi. Na reportagem do jornal A Tarde de 08 de fevereiro de 2008, foi
fotografada o atinsá (assentamento de vodun) da referida divindade às margens do rio
Caquende.
Essa ligação do culto jeje mahi com a natureza fica evidente nas explicações do
humbono Marcelino Gomes, que também cita a ligação da nação jeje mahi com a natureza ao
dizer que “Agé, (...),É a divindade da folha, (...),E sem Agé não tem candomblé, água, terra,
fogo, ar e folha... “sem êuê não tem axé” (sem a natureza não tem axé)” (entrevista realizada
dia 30 de junho de 2007).
Na complexidade ritualística da nação jeje mahi, o sistema de divindades tem no seu
topo da pirâmide os reis da nação jeje, Bessen (cobra filho de Nãna), Sobbô (divindade do
fogo, do dinheiro e da justiça) e Azonsù (dono das doenças, filho de Nãna) constituindo uma
família real, desses três reis Sobbô exerce a liderança por representar os trovões, a justiça e a
fortuna. Da família dos 3 reis descendem os kavionos, que são na mitologia jeje mahi os seus
herdeiros, desses pode-se citar Loko (representado pelo tronco da árvores) e Badé (também
representante do trovão) que são filhos de Sobbô.
O líder espiritual Marcelino Gomes explica esse papel exercido por Sobbô na
construção da religiosidade jeje mahi. Em uma de suas entrevistas realizada em 30 de junho
de 2007 diz que “O dono da nação jeje mahi é Sobbô e toda a sua família, Mahi a gente
chama os voduns kaviosô [ou kaviono]. Kaviosô é só a família de Sobbô”. Kavionos são os
43
filhos masculinos dos reis, a nação jeje tem como base da sua família espiritual os voduns
homens e por esta razão os filhos homens dos reis são chamados de kavionos.
Nicolau Páres fala sobre a família real da seguinte maneira
(...), existe um certo consenso em destacar três grandes grupos de voduns como
dominantes e característicos dessa “nação”. Esses três grupos ou “famílias” são
liderados pelos chamados “reis da nação”: 1) o vodum serpente Bessen (a família de
Dan); 2) o vodum do trovão Sogbo ( a família de Hevioso ou Kaviono) e 3) o vodum
da varíola Azonsu (a família de Sakpata). (2007, p. 278)
Olissá (relacionado com oxalá) e Bessen. No jeje mahi Bessen tem os seus cânticos entoados
por último por fazer parte da família real e ter um número de cantos maior do que Olissá.
Sobre essa sequência nos cânticos, Marcelino Gomes diz que
(...), a gente venera assim, depois de cantar pra Aizam a gente canta pra Savalu, quer
dizer, ancestrais, aí tem todo o canto para os ancestrais, depois a gente canta pra
Exu, depois de cantar pra Exu aí a gente canta o conjunto de canções Azyry Tobossi,
terminado o conjunto de canções de Azyry Tobossi aí está encerrado o zandró, aí a
gente canta uma canção pedindo Agô, pedindo licença pra passar para o Nagô
Vodum, que são os Orixás que a gente venera como Vodum. (Entrevista realizada
em 11 de julho de 2007)
Não o jeje não tem pompa, veja, a folha que é uma coisa utilizada por todos e que
deve enfeitar o salão, o pessoal já bota balão, isso e aquilo, vão inovando e a gente
não pode fazer nada. Você não deve agir da mesma forma que 300 anos passados,
mas pode manter a tradição. Tirar folha que é sagrado, que é a vida para colocar
balão essas coisas... não tem nem cabimento, a não ser que acabem as florestas, aí
quando acabarem as florestas não tem mais candomblé. Eu não sou radical neste
sentido, eu sou a favor das adaptações, mas o sagrado, o tradicional não fere a
ninguém. Por exemplo, o abassá do jeje é de chão batido, o lugar que o vodum
dança é chão batido, é terra. Em outros lugares não, botam ladrilho, piso, essas
coisas... (30 de junho de 2007)
Todas as nações precisam ter uma ligação com a natureza para poder realizar os seus
rituais, mas é possível perceber que para a nação jeje mahi a natureza é extremamente
fundamental. No trabalho de campo realizado, foi perceptível a simplicidade no jeje,
simplicidade esta que encanta a todos que participam das festas.
Essa mesma simplicidade é observada nas roupas dos voduns, o branco impera nas
vestimentas, as cores não são intensas quanto em outras nações como, por exemplo, a vodun
Azyry Tobossi utiliza a cor branca para as suas vestimentas, junto com conchas do mar.
Como característica marcante da nação jeje mahi, o período em que ocorrem os seus
rituais acontece de 20 a 25 dias sempre no mês de janeiro. Diferente das outras nações, é no
mês de janeiro em que todos os ritos religiosos essenciais ao terreiro, como o oferecimento de
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Zandró é uma palavra fon que significa “preparação para o dia seguinte”. Essa
cerimônia é tida como um dos mais importantes para a nação jeje mahi, pois inicia o período
de cerimônias abertas ao público, de acordo com o trabalho de campo realizado. O zandró
ocorre sempre aos sábados, tendo como característica a não incorporação de voduns durante
todo o ritual, sendo uma noite de cânticos e danças em homenagem a todos os voduns.
Durante a pesquisa realizada, foi possível perceber que o zandró é a anunciação e
preparação das vodunsis (pessoas que incorporam) para o run (cerimônia com incorporação)
que ocorre no dia seguinte. Na cerimônia, as vodunsis permanecem sentadas em esteiras com
cabaças revestidas de contas brancas, acompanhando os atabaques e dançam no momento das
cantigas destinadas aos seus voduns, seguindo a ordem dos cânticos já citada acima. A ordem
das músicas não modifica em nenhuma circunstância.
O zandró antecede todos os rituais que irão ocorrer no domingo, durante o período de
20 a 25 dias. É neste ritual que ocorre a comunhão entre as pessoas de santo, na qual é
oferecido água, taquim (pimenta do reino) e uma semente chamada ôbi. Nesse momento, o
ôbi é oferecido aos atabaques e jogados como se estivessem jogando búzios. Como conta
Marcelino Gomes, é o momento em que o complexo sistema espiritual do jeje diz aceitar as
cerimônias que se seguem
É a obrigação que não vem vodum, não vem santo, que não tem nada. É a obrigação
em que se joga os ôbis aos atabaques e vê se os vodum aceitam e se não caírem
abertas aí a gente vai, pergunta, procura saber, vai lá pro quarto do santo pra saber o
que tá acontecendo... é ali que a gente vai saber se eles vão receber a obrigação do
dia seguinte ou não. Aí depois que eles respondem que aceitam a obrigação aí a
gente faz a comunhão, que é o ôbi cortadinho com orobô (semente), com taquim
(pimenta do reino), vinho, mel, água. (entrevista realizada em 30 de junho de 2007)
O trabalho de campo realizado a partir da história oral, permitiu supor que o zandró é
um ritual importante que funciona como base da nação jeje mahi. Sem o mesmo não ocorre os
outros rituais, funciona como uma permissão dos voduns jeje para que os rituais internos e
abertos ao público possam seguir nos seguintes 15 dias.
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As equedes também utilizam um pano branco no boytá que é utilizado nos ombros
para secar o suor dos voduns, a equede é intitulada a cuidadora dos voduns durante toda a
cerimônia. Tanto os ogans quanto as equedes utilizam um pano branco na sua iniciação e a
utilizam para o momento do boytá.
De acordo com a fonte oral Marcelino Gomes o pano utilizado no ombro pelas
equedes e ogans, bem como a roupa do ritual de iniciação, devem ser guardadas para ser
usada no ritual fúnebre do iniciado, sendo usada apenas para o ritual do boytá:
os ogans saem com a toalha tipo um avental, aquela toalha ela é consagrada quando
o ogan é iniciado, então aquela toalha é dele e que só usa uma vez no ano que é
nesse ato. A mesma coisa é a equede que é o feminino de ogan, a equede sai também
com a toalha no braço, no ombro, ou melhor no ombro! O ogan sai com a toalha no
braço, a equede sai com a toalha no ombro que também é uma toalha que também é
consagrada no ato da iniciação, que a toalha que ela vai usar pra enxugar o suor do
vodum, então a equede está sempre com a toalha no ombro, contrário de ogan. O
ogan usa, no caso do jeje, eu nunca vi em nenhuma outra nação confirmar ogan com
toalha no braço, porque a gente tem um ato que usa essa toalha que é no Boytá,
então ele usa pro resto da vida, (...) , essa toalha só é despachada quando o ogan vem
a falecer, então quando o ogan vier a falecer ele deve sempre guardar a roupa da
iniciação que as pessoas vai vestir no defunto e a toalha vai do jeito que ela é usada
no Boytá, a equede a mesma coisa, no caso do jeje das outras nação eu não sei, a
equede a roupa que ela se confirmou ela guarda pro resto da vida, quando morre, as
pessoas já sabem, é a roupa que ela vai vestida. (...) a roupa de minha mãe [gaiaku
Luiza] já estava muito velhinha e aí só deu pra forrar o caixão, tava muito velhinha
mas ela deixou ali separada e as pessoas já sabiam...” (entrevista realizada dia 30 de
junho de 2007)
Ambas as cerimônias, zandró e boytá, são encontradas apenas no jeje mahi. São
cerimônias que caracterizam a nação e o seu período de festas.
Vodun feminino que caracteriza a profundeza das águas, aonde a luz não consegue
chegar. É representada pelas pessoas de santo jeje como a “responsável pelo encontro das
águas doces e salgadas” (GOMES, Marcelino. 30 de junho de 2007) estando mais ligada aos
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rios, possui uma estreita ligação com a serpente Bessen ou Dan, já que a mesma costuma estar
presente na água doce, como afirma Páres (2001) ao dizer que “(...), muitos rios, dada a sua
forma serpentina, são considerados como Dan.” (p. 195). Sua cor é o branco e seus enfeites
como braceletes são feitos de búzios, no complexo sistema espiritual da nação faz parte da
linhagem dos voduns ao invés das yabás.
A divindade Azyry Tobossi finaliza as cerimônias públicas da nação jeje mahi. De
acordo com Nicolau Páres
Parte da atividade ritual desse culto origina-se em práticas dos vizinhos povos mahi
(grafado mai em fongbe), em especial dos agonli, que foram apropriadas que foram
apropriadas e importadas em Abomé pelos reis daomeanos no século XVIII e
institucionalizadas como “culto nacional” no início do século XX. (2001, p. 179-
180)
Este trecho de Páres (2001) permite supor que a chegada do povo jeje em Cachoeira
trouxe um ritual já existente na região de Benin e que se materializou nos terreiros de nação
jeje desde o século XIX, como consta no jornal A Tarde datado de 08 de fevereiro de 2009
referindo-se ao Seja Hundé, na qual possui como instrumento iconográfico o registro do
assentamento ou atinsá de Azyry Tobossi localizado as margens do rio Caquende que passa
por dentro do terreiro na qual a sua localização exata também é citada por Páres
cabeça (takan) com uma pluma vermelha na frente, um colar de contas vermelhas
(hunjévé) e um outro chamado hukan. (2001, p. 184)
Esta caracterização está relacionada a região de mahi, em relação a este ritual nos
terreiro Humpamy Ayono Huntologi apenas a pluma vermelha não fazia parte da
indumentária da divindade Azyry Tobossy.
Essa semelhança na caracterização de Azyry no terreiro jeje mahi e na região de Benin
demonstra a estreita ligação religiosa e cultural entre a região de Benin e a cidade de
Cachoeira demonstrando que apesar da existência de rupturas e reconstruções de vida desses
africanos ao chegar no novo mundo, costumes permaneceram nas práticas religiosas tanto
aqui na Bahia quanto na África.
A localização exata dessa prática religiosa na região da África em relação a essa
divindade é citada por Páres no mesmo artigo ao dizer que
Azili, ou Azili Tobo, é um tòvodun, vodun das águas ou vodun que habita nas águas.
Ele está diretamente relacionado com o lago Azili, na margem oriental do rio
Quemé, a uns 18 quilômetros ao nordeste de Zagnanado, no país Agonli. (...). Sendo
que essa área está localizada ao norte do rio Zou, fronteira do país Mahi, Azili é
também considerada um vodun mahi. (2001, p. 193-194)
Convém ressaltar que para o povo de Benin o ritual referente a Azyry Tobossi é muito
importante e o mesmo pode ser observado nos rituais da nação jeje mahi em Cachoeira. No
processo ritualístico da nação jeje mahi esta divindade costuma finalizar os rituais públicos da
nação, como conta Marcelino Gomes
Azyry Tobossi como divindade ela é a divindade entre, do encontro das águas, entre
o rio e o mar. E é o vodum de veneração profunda no jeje porque ela é a última, ela é
venerava por último, depois de todo o ritual aí se faz a veneração dela, ou seja, tudo
de bom e de ruim no ritual é oferecido a ela. O que é bom ela deixa, o que é ruim ela
leva, tanto que no dia da obrigação dela ela tem um boytá que é feito na Terça-feira
a noite na árvore dela no quintal aí na quarta –feira de manhã é feita a obrigação dela
em que todas as comidas que se faz pra todos os vodum no dia só se faz pra ela.
Milho branco, mulucum, caruru, farofa, acarajé, acaçá (massa branca enrolada na
folha de bananeira), tudo! (entrevista realizada no dia 11 de julho de 2007)
Além dos alimentos citados pelo humbono Marcelino há também a galinha, feijão
preto, feijão fradinho, banana frita, abará, rapadura. Todos os ingredientes que fazem parte
das oferendas dos outros voduns são também entregues a Azyry Tobossi. O depoimento de
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Marcelino confirma a importância dessa divindade para a nação bem como o artigo de Luís
Nicolau Páres (2001).
Páres (2001) relata que “Alguns informantes explicam que tobosi é um termo genérico
para designar as entidades espirituais das águas, enquanto para outros tobosi seria uma
designação jeje para os voduns femininos” (p. 206).
No culto ritualístico a Azyry, existem particularidades cerimoniais como o zandró e o
run dedicados exclusivamente a essa divindade, na qual são cantadas as 21 músicas destinadas
a Azyry em frente ao seu atinsá ou árvore sagrada. No terreiro jeje Dahô Taby, objeto de
estudo desta pesquisa, percebe-se essa particularidade citada.
Na quarta-feira pela manhã ocorre o momento importante, pois é realizado o sacrifício
de galinhas destinadas a esse vodun e a presença de todos os voduns durante o ritual, no qual
os mesmos estão vestidos de branco. Esse momento é caracterizado como a primeira parte do
ritual de Azyry, pois as galinhas oferecidas como sacrifício serão limpas e cozidas para iniciar
a segunda parte. Páres relata o run dedicado a Azyry Tobossi da seguinte maneira:
Após as galinhas cozidas e todos os alimentos que são destinados a ela prontos e frios,
inicia a segunda parte do ritual de Azyry. É realizado o jogo com o ôbi para se confirmar a
aceitação do ritual pela divindade e a partir daí o seu atinsá é enfeitado com os alimentos já
citados anteriormente, como a farofa de dendê, feijão preto, feijão fradinho, milho branco,
mel, acaçá, galinha, banana frita, caruru, abará e outros.
Após os cantos, os voduns dão lugar à presença dos êres (entidades com arquétipos de
crianças) e todas as pessoas presentes se alimentam com as comidas destinadas a Azyry na
folha de bananeira, sem a presença de talheres. Páres relata o segundo momento deste ritual
dizendo que
Após essa pausa, todos os participantes retornam ao atinsá, e se realiza uma segunda
oferenda no assento, agora com carne cozida e outros alimentos, como feijão, abará,
caruru, banana frita, pipoca, milho branco, etc. Os mesmos alimentos oferecidos à
divindade são depois distribuídos em folhas de bananeira entre os assistentes que
comem com as mãos. (2001, p. 208)
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Esses alimentos são compartilhados com os visitantes que estão presentes, que
também comem na palha de bananeira com as mãos. É um momento que se observa a
comunhão entre as pessoas de santo, visitantes e voduns, no qual os presentes recebem o axé
da nação e dos voduns quando se partilha o alimento. O ritual é finalizado ao meio dia e dado
como o encerramento dos rituais externos do jeje mahi.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa foi iniciada no ano de 2007, tendo como ponto inicial leituras
bibliográficas e entrevista oral. Durante as leituras foi possível perceber que os africanos da
região de Benin foram os primeiros a chegarem à cidade de Cachoeira, no entanto, em
contraste, a quantidade de terreiros de nação Ketu tornou-se extremamente superior em
números aos terreiros de nação jeje.
Durante o ano de 2008 e 2009 foi realizado trabalho de campo nos três terreiros, Seja
Hundé, Humpamy Huntologi e Dahô Taby. Foi possível perceber a rigorosidade dos líderes
espirituais com os procedimentos ritualísticos, tanto nos procedimentos externos quanto nos
procedimentos internos.
O período de rituais externos e internos soma uma média de 20 a 25 dias do mês de
janeiro, durante todo esse tempo é necessário uma dedicação das pessoas de santo da casa. Os
rituais possuem dias da semana exatos e horas certas para que possam ser realizados, com
base nisso os filhos-de-santo da casa precisam passar todo o período de rituais afastados das
outras atividades diárias.
Convém ressaltar que o tempo cronológico de permanência em um terreiro não
funciona da mesma maneira que nossas atividades cotidianas. Em um candomblé, os filhos-
de-santo ao adentrar na casa, precisam se conscientizar que estão desprovidos da
quantificação de tempo, necessitam desligar-se do dia-a-dia, já que para o mundo dos voduns
e para as práticas ritualísticas, a marcação de tempo não existe.
Mas não é apenas nos rituais anuais que os seus adeptos necessitam estar longe de suas
atividades cotidianas como o trabalho, os estudos, o cuidado familiar, em obrigações
realizadas em períodos de 1 ano, 3 anos e 7 anos após o procedimento de iniciação, também
ocorre um afastamento do indivíduo relacionado as suas outras atividades.
Diante do exposto, é possível perceber que na nação jeje mahi, o período de reclusão
para a realização das atividades espirituais é mais longa e mais exigente do que nas outras
nações de matriz religiosa africana. As pessoas não querem passar tanto tempo longe de seus
afazeres e de sua família, há uma dificuldade por parte das pessoas em desprender-se do seu
cotidiano.
Os iniciados da nação jeje têm as seguintes características marcantes: uma pessoa só é
da nação quando entra em estado de transe profundo, perdendo a noção dos sentidos no pé da
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árvore sagrada do rei da nação. Os líderes jeje não iniciam uma pessoa que “cai” ou “bola”
(pessoa que foi pega pelo santo) dentro do abassá (salão de festas), o indivíduo tem que se
manifestar com seu vodun na árvore sagrada e aí sim é recolhido para passar pelo
procedimento de iniciação.
Durante a pesquisa realizada nos dias festivos, várias pessoas “bolavam” dentro do
abassá, no entanto, nenhuma dessas pessoas ficava para ser recolhida ou era vestida para
participar da festa de santo. Todas eram levadas ao quarto que antecede a entrada do abassá,
para recobrar a consciência e retornar ao salão.
Essa tradição dos costumes jejes, sua rigorosidade nos seus processos ritualísticos
provocam a diminuição de pessoas jovens como filhos-de-santo. Além do que, alguns outros
aspectos, como a falta de disponibilidade para o desprendimento do tempo e do cotidiano,
dificultam a presença de jovens e ao mesmo tempo por ser um culto religioso baseado na
oralidade, os mais idosos muitas vezes não passam os seus conhecimentos para as futuras
gerações, sem esquecer que os períodos de reclusão no jeje mahi são mais extensos.
Não há registros escritos dos rituais da nação jeje, principalmente no que tange aos
rituais internos que têm todo o seu procedimento memorizado pelos mais velhos que ensinam
aos mais novos, desde quando esses se predisponham a observar e adquirir o conhecimento.
Esta dificuldade em achar escritos sobre os processos ritualísticos fazem com que a nação jeje
perca muitas informações.
Outro ponto que chama a atenção no processo ritualístico do jeje é o período de
iniciação como filho-de-santo. De acordo com a pesquisa realizada, as pessoas ficam um
período mínimo de 6 meses afastado do mundo e de todos, em completo isolamento,
mantendo contato com 2 pessoas designadas para fazer a ponte entre a camarinha e o mundo.
O jeje não abre mão desse período longo para a iniciação, pois para os adeptos é o
tempo mínimo para que um iniciado aprenda tudo que necessita, como a língua, a dança, o
tratamento senhorial dentro do terreiro, como deve proceder nos rituais. Nessas reflexões
ficam evidentes que é muito difícil ter uma pessoa que se predisponha a permanecer tanto
tempo afastado do mundo, já que a modernização e mudanças nos padrões sociais exigem que
as pessoas tenham um ritmo de vida diferente do que existia nos séculos XVIII e XIX.
A pesquisa também mostrou que a nação jeje mahi é bastante complexa em seu
sistema ritualístico, espiritual e preservação de seus fundamentos para aqueles que não são
iniciados. O povo jeje é extremamente desconfiado e exigente com o filho-de-santo no
cumprimento dos seus deveres dentro do terreiro.
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É um sistema na sua estrutura espiritual rígida, que reflete nos ensinamentos dentro do
terreiro que se assemelha a estruturas antigas da sociedade, que não permitiam nenhuma
flexibilidade no comportamento das pessoas.
Este estudo realizado com a nação jeje mahi em Cachoeira, demonstra que esta matriz
religiosa africana mantém de forma inalterada, mesmo com o passar do tempo, a sua
singularidade, independente das mudanças que a sociedade contemporânea sofra.
O espaço físico do terreiro encontra-se de tal forma organizado, que as árvores
sagradas parecem falar com os visitantes, em época de festas estão bem arrumadas com panos
brancos com formato de laços. No cotidiano do terreiro, as árvores dos santos estão sem seus
panos, porém, sempre com seus potes cheios de água e seus espaços limpos.
De fato, a simplicidade é uma característica forte no jeje e a reunião de todos os filhos-
de-santo, principalmente os que são vodunsis (aqueles que incorporam), traz a impressão de
estarmos em uma casa com uma grande família. Nenhum filho-de-santo sai da casa em época
de festa, todos estão presentes fazendo alguma atividade, todos tem tarefas a cumprir dentro
do terreiro.
Os rituais seguem uma sequência que não muda, o mesmo refere-se ao período
realizado. Convém ressaltar que muitos rituais são diferentes do que se está acostumado a ver,
mas são simples e de grande significado para as pessoas presentes.
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REFERÊNCIAS
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FONTE ORAL
GOMES, Marcelino. 65 anos. Humbono da nação jeje mahi, líder do terreiro Humpamy
Zoogodô Malê Dahô Taby morador da rua J.J.Seabra, s/n, Centro.