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Zen Budismo para Todos Vol. 1 - Daniel Abreu de Queiroz

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Zen Budismo

Para Todos
Versão 1.01
© 2019, Daniel Abreu de Queiroz
ISBN: 9781798523001
Capa: Produção digital, com detalhe da estátua de porcelana “明晚期
德化窯白瓷達摩坐像” (Bodidarma Meditando), feita por autor desconhe-
cido no século XVII, na China.
Todas as imagens utilizadas neste livro foram colhidas na área de
Acesso Público em The Metropolitan Museum of Art.

A162c
Zen Budismo para todos / Daniel Abreu de Queiroz. – Belo
Horizonte: Edição do autor, 2019
ISBN: 9781798523001
2. Religião – Budismo. I. Abreu de Queiroz, Daniel. II. Título
CDD: 290 CDU: 224.245
Daniel Abreu de Queiroz

Zen Budismo
Para Todos
Vol. I:
Esse próprio corpo é o nirvana

Belo Horizonte
Edição do autor
2019
para todos
Prefácio

“Lua de Outono em Miyozaki”


(Miyozaki no shugetsu)
Utagawa Yoshitora – Japão (1861)

A lua é a mesma para todos e, ainda assim,


quando alguém aponta o dedo para a lua – num
lugar e num tempo determinados – nem sempre
uma cópia daquele dedo será capaz de apontar a
mesma lua a quem se encontra num ponto dife-
rente do tempo e do espaço, com uma história de
vida diferente, conquistas diferentes e problemas
diferentes.
As palavras e os textos, dentro da prática zen
budista, são mesmo considerados como dedos
apontando para a lua da sabedoria transcenden-
tal – sempre com ênfase no perigo de obcecar-se
analisando dedos pelo tato da linguagem, ao invés
de descobrir, com os olhos do coração, a lua não
-linguística para a qual os dedos apontam.
5
Os textos reunidos neste volume são “dedos
apontando para a lua”. É através da multiplicida-
de de fontes, formatos e abordagens, que espera-
mos alcançar a cada leitor – independente de sua
perspectiva pessoal – com um, ou vários textos
que lhe proporcionem aquele sentimento de quem
prova um delicioso néctar; prazer tão característi-
co do avanço na compreensão do zen budismo.
Os textos a seguir são reconstruções, em por-
tuguês, de ideias enfileiradas que levaram apren-
dizes à iluminação, ou que expõem a iluminação
de algum mestre reconhecido. Com frequência, as
duas coisas se encontram num texto só – já que, ao
longo dos séculos, as exposições dos mestres leva-
ram muitos aprendizes à iluminação, enquanto,
ao mesmo tempo, os episódios mais ilustrativos de
aprendizes progredindo no caminho da ilumina-
ção se transformavam em ferramentas, nas mãos
dos mestres, para expor o Caminho no treinamen-
to de novos praticantes.
Oferecemos, aqui, uma enxurrada desses tex-
tos, em prosa e poesia. Há histórias, anedotas, tre-
chos, citações, sutras (textos canônicos do budis-
mo), tokinoge (versos para expressar o momento
de iluminação), koan (enigmas utilizados por al-
guns mestres zen budistas no treinamento e na
avaliação dos estudantes), yuige (versos de despe-
dida do mestre para os discípulos), jakugo (comen-
tários dos mestres para os registros de seus prede-
cessores), mondo (pergunta e resposta entre
mestre e discípulo)...
Há também algumas ilustrações, colhidas da
área de acesso público do site “The Metropolitan
Museum of Art”, que foram incluídas para
6
facilitar e aprofundar alguma familiaridade com o
universo onde o zen budismo nasceu e se estabele-
ceu.
Sem mais o que dizer, entrego ao mundo essa
metralhadora de dedos apontando para o zen, ou
dele florescendo (a flor também não aponta para a
terra?), publicada na esperança de que todos, onde
quer que estejam com o coração e com a mente,
possam encontrar, aqui, coordenadas de uma vida
mais plena e mais feliz.
Todos os erros, falhas e equívocos neste livro
são culpa minha.
Todos os méritos cabem a quem originalmente
enfileirou as ideias em cada um desses textos.
Obrigado.

Belo Horizonte, 2019


Daniel Abreu de Queiroz

7
Xícara de chá

Vamos começar com uma das histórias mais


populares sobre o zen budismo. Isso aconteceu na
segunda metade do século XIX, quando um profes-
sor universitário do Ocidente viajou ao Japão e
trouxe de volta essa história consigo.
Num mundo muito diferente do nosso, onde as
distâncias eram incomparavelmente maiores e as
informações circulavam lentamente, é apenas na-
tural que um professor universitário “no outro
lado do mundo” ocupasse o seu tempo envolvido
em diversas pesquisas sobre a cultura local, que
era tão exótica.
Em uma dessas empreitadas, ele visitou o
mestre Nan-in, na esperança de entender – de um
ponto de vista acadêmico – o que era exatamente
esse “zen budismo” que havia influenciado tanto e
tão profundamente a cultura do Japão.
O professor apresentou-se ao mestre e expli-
cou suas intenções. Enquanto conversavam, Nan
-in preparou um bule de chá para servir ao hóspe-
de, conforme seu costume.
Na hora de servir o chá ao professor, o mestre
continuou derramando o líquido, mesmo depois
que a xícara transbordava.
Imaginando que havia sido um descuido do
velho, o professor alarmou-se e tentou intervir.
Foi quando Nan-in lhe disse:
“Da mesma forma que esta xícara está cheia e
não suporta mais chá, você também já está cheio
de opiniões e suposições que precisam ser esvazia-
das antes que eu possa te introduzir ao zen budis-
mo.”
8
“Xícaras de Chá Verde”
(染付煎茶碗 五客)
Autor desconhecido – Japão (Século XVIII)

9
Nada permanece

Assim como o professor exposto à xícara de


chá que transbordava, precisamos todos esvaziar
conceitos e suposições para que possamos nos
aproximar do zen budismo.
Conceitos e suposições são construções lin-
guísticas – ou seja, reconstruções simbólicas e não
a realidade em si mesma (o objeto de “estudo” do
zen budismo). Assim, é impossível reproduzir com
palavras o espírito zen budista, da mesma forma
que a palavra “Lua” não movimenta as marés e
que a fotografia de uma fogueira não esquenta
marmita. Tudo que a gente pode fazer com as pa-
lavras é “apontar para a lua”, como se as palavras
fossem dedos.
No budismo, a poesia vem sendo utilizada de
forma consistente, há muitos séculos, para expres-
sar princípios fundamentais e para “apontar a
lua”. Assim, é apenas natural que vários dos tex-
tos encontrados neste livro sejam poesias.
O poema a seguir é de um poeta muito admi-
rado, chamado Ryokan (via de regra, no entanto,
não daremos grande atenção a “quem escreveu o
quê”. Este não é um livro de pesquisa acadêmica.
É um livro para te dar prazer, para inspirar medi-
tação e para “esvaziar a xícara”):

Para reconhecer beleza, é preciso comparar


com feiura.
Para descobrir o certo, é preciso perceber o er-
rado.
Sabedoria e ignorância são complementares.
É impossível separar a ilusão e a iluminação.
10
Essa verdade é muito antiga; não imagine que
a descobriram ontem.
“Eu quero isso... Quero aquilo...” – não passa
de besteira.
Vou te contar um segredo:
Nada permanece.

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Uma fornalha

Um homem sábio não é ganancioso;


Já o tolo, adora uma fornalha.
Seu campo invade o dos vizinhos.
O bambuzal? “É tudo meu!”
Ele acotovela caminho pra abraçar riquezas.
Ele range os dentes contra cavalos e escravos.
Deveria olhar para além dos portões da cida-
de;
Há vários túmulos sob os pinheiros.

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Castelos de areia

Crianças brincavam à beira de um rio. Elas


começaram a construir castelos de areia e cada
um desses pequenos defendia sua fortaleza dizen-
do assim:
“Esse aqui é meu!”
Escolheram locais bem separados para cons-
truir e não permitiriam qualquer confusão sobre
qual território era de quem.
Quando todos haviam terminado, uma das
crianças chutou o castelo da outra e o destruiu
completamente. O dono do castelo ficou furioso;
puxou o cabelo do invasor bárbaro inimigo e lhe
deu um soco, gritando:
“Ele destruiu o meu castelo! Venham todos vo-
cês e me ajudem a puni-lo da forma que ele mere-
ce!”
Muitos entre os outros vieram para ajudá-lo.
Eles bateram na criança com um pedaço de pau e,
então, pisaram nela enquanto estava caída. Em
seguida, continuaram brincando em seus castelos
de areia, cada um dizendo:
“Esse é meu; nenhuma outra pessoa poderá
possuí-lo. Afastem-se! Não toquem no meu caste-
lo!”
Mas a noite chegou logo; as sombras se alon-
gavam e todos reconheciam que era preciso ir em-
bora.
Agora, ninguém se importava mais com o des-
tino de sua fortaleza.
Uma criança pisou no próprio castelo, enquan-
to outra derrubou sua criação empurrando-a com
as duas mãos.
13
Todos se afastaram e cada um voltou ao seu
próprio lar.

14
Não persiga labirintos

As pessoas de pensamento rápido que conheço


Olham e sabem o significado.
Elas não se importam com longas análises.
Elas vão direto para o estágio de buda.
Seus corações não perseguem labirintos.
Suas mentes não formam ilusões.
Uma vez que seus corações estão em paz,
Todo trabalho está completo por dentro e por
fora.

15
Preferência

Quando um grupo de intelectuais interessa-


dos em zen budismo visitou um mosteiro tradicio-
nal, ficaram chocados ao perceber que os monges
se curvavam para um estátua de Buda. Um deles
se dirigiu assim ao mestre que administrava o
mosteiro:
- Qual o sentido de reverenciar uma estátua
de buda; um pedaço de pau? O zen budismo não é
a seita que mata o Buda, ao encontrar o Buda?
Não é a seita de pessoas que cospem na estátua de
qualquer buda?
O mestre respondeu:
- Você está coberto de razão. É só um pedaço
de pau. Você tem toda a liberdade de cuspir, se
quiser. A gente apenas prefere agradecer.

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Não consigo sair de casa

O desprezo pela formalidade e pelas conven-


ções (com incansáveis exibições de abandonado
deleite por se afastar do “respeitável”), a insistên-
cia numa abordagem direta e a visão da pobreza
como situação favorável são características do zen
budismo que nem sempre eram compartilhadas
pelo resto do clero. A dificuldade para discernir
entre um mestre e um tolo é proverbial, pelo me-
nos em parte porque o zen budismo leva ao extre-
mo o desprezo às aparências.
Pense nas aparências como se fossem as on-
das no mar. As ondas não são coisas em si mes-
mas, nem possuem identidade verdadeiramente
própria; são ilusões de individualidade, criadas
pelo vento das circunstâncias. As ondas são incon-
táveis, mas o mar é um só. As ondas não chegam
de parte alguma e não desaparecem para lugar
nenhum.
Ainda que todo o budismo nasça da experiên-
cia de iluminação do Buda, ao transformar-se em
instituição social e alastrar-se em sistemas mo-
rais, legais e em variadas seitas, nem todas as cor-
rentes, ou representantes do budismo estavam ne-
cessariamente focados nessa revelação.
Houve um grande mestre zen budista a quem
encarregaram de administrar um mosteiro, por
exemplo, ainda que seu temperamento não fosse o
mais pertinente.
É preciso destacar ainda que – semelhante ao
que vemos em outras partes do mundo e da histó-
ria – grande parte dos alunos chegava ao mosteiro
por decisão de suas famílias. Vocação e jornada
17
em busca de realização espiritual não são as úni-
cas portas levando à vida eclesiástica.
Grande parte dos alunos, num mosteiro famo-
so, transformar-se-ia em clérigos “profissionais”;
ou seja, cumpririam papéis sociais numa trama
hierarquizada, motivados muitas vezes por ga-
nância, comodismo, ou simplesmente por tradição
familiar.
Um monge zen budista que liderasse um mos-
teiro, ou que estivesse à frente de um templo, tam-
bém seria versado nos rituais, nas práticas e nos
textos relativos à função social de um sacerdote. É
essa parte que alguns garotos aprenderiam, en-
quanto a pérola da prática zen budista dançava
pelada, indecente e invisível na frente deles.
Essas explicações chatas serão progressiva-
mente eliminadas, ao longo do livro, para dar es-
paço aos textos efetivamente zen budistas. Devido
à distância cultural, no entanto, espero oferecer
uma contextualização mínima para que os textos
sejam apreciados devidamente.
É apenas conhecendo a condição dos alunos
que podemos compreender a consternação de um
deles, quando foi ao mercado para vender os vege-
tais que produziam e descobriu o “diretor do colé-
gio” dormindo na rua, ao lado de uma barraca, fei-
to um bêbado.
O aluno acordou o velho que, muito caridoso,
ficou de pé e permitiu obediente que o jovem lhe
conduzisse de volta para o mosteiro. Durante o ca-
minho, apesar da paz de espírito exibida pelo mes-
tre, o rapaz seguia inquieto e constrangido:
“Mestre, como é que o senhor faz isso de novo
com a gente? Nós precisamos vender o fruto do
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nosso trabalho naquele mercado. Foi o senhor
mesmo que insistiu para que todos trabalhassem
em tarefas manuais de cultivo... A nossa reputa-
ção não pode ser perturbada no mercado. É impor-
tante que tenhamos boas relações com os clientes
e lojistas. Ninguém vai estranhar o seu comporta-
mento lá dentro do mosteiro. Nós compreendemos.
Mas como é que o senhor consegue dormir assim
no meio da rua, sem consideração nenhuma pelo
que os outros vão pensar?”
O velho olhava para o garoto com compaixão e
disse:
“Desculpe esse velho bobo e entenda que eu
não posso evitar. Eu sou um caso perdido. Você
diz: ‘No mosteiro... Fora do mosteiro...’ O que isso
quer dizer? Passei muitos anos peregrinando, an-
tes de ser responsabilizado com minha posição
atual e, infelizmente, parece que não importa aon-
de eu vá... De Bodh Gaya ao Templo Lingyin, e
desde Kyoto até Bangkok; por mais que eu ande...
Não consigo sair de casa.”

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Aos monges

Vocês rasparam a cabeça e se tornaram mon-


ges.
Agora, vocês mendigam por comida e nutrem
a prática original.
Se vocês veem a si mesmos dessa forma,
Por que não alcançam a realização?
Vocês abandonaram suas famílias
E só os vejo gritando, dia e noite.
Para satisfazer suas bocas e panças,
Vocês desperdiçam a vida correndo de cá para
lá.
Aqueles que levam uma vida leiga
Sem um coração que persegue o Caminho
Ainda podem ser perdoados.
Aqueles que deixaram suas famílias
Sem um coração que persegue o Caminho,
Como vocês poderiam lavar sua própria vergo-
nha?
Cortando o cabelo e o apego nos Três Reinos,
Vocês vestem a túnica que destrói a ideia de
ganho.
A jornada que vai do Reino das Obrigações
Humanas
À Outra Margem da Iluminação não é uma
atividade leviana.
Quando ando pelo mundo, é com imenso alívio
Que observo cada pessoa cumprindo a sua pró-
pria tarefa.
Se eles não tecerem, o que iremos vestir?
Se eles não plantarem, como iremos comer?
Vocês chamam a si mesmos de filhos de Shak-
yamuni
20
Apesar de não praticarem e de não desperta-
rem.
Vergonhosamente vocês esbanjam as doações
Sem considerar, ou refletir sobre as próprias
ações.
De mãos dadas à sua grandiloquência,
Seguem os mesmos maus hábitos que vocês
não mudam.
Vocês intimidam senhoras na estrada, fazen-
do-se de sérios.
Vocês pensam em si mesmos como gente de
bem.
Ah, mas quando vocês vão despertar?
Mesmo que perseguido por tigres,
Não se aventure no caminho da fama e do ga-
nho.
O que seus professores têm feito, desde que
carimbaram os seus papéis?
Oferecendo incenso, eles rezam às divindades;
Pedindo que vocês sejam bem sucedidos e rea-
lizados espiritualmente.
Quem poderia negar que o comportamento
atual de vocês é uma traição aos professores?
Os Três Reinos são como uma casa de hóspe-
des.
A vida humana é como a gota de orvalho.
As oportunidades para meditar facilmente
evaporam;
Ensinamento verdadeiro nem sempre se pode
encontrar.
É preciso manter um esforço vigoroso;
Não dependa de um constante encorajamento
dos outros.
Se eu te ofereço observações amargas, não é
21
pelo meu próprio prazer.
A partir de agora, reflita com cuidado.
Abandone o egoísmo e a mesquinharia.
Vocês também, das futuras gerações:
Abandonem o medo.

22
Escrito pela monja Ryonen em seu leito de
morte

Sessenta e seis vezes estes olhos contempla-


ram
A cena de transformação do outono.
Eu já tive o bastante de luz da lua;
Não me perguntem mais nada.
Apenas escutem à voz dos pinheiros e cedros
Quando o vento não perturba.

23
Pedras na água

Um professor de artes marciais observava o


treino dos alunos, quando percebeu que um deles
tinha grande talento, embora estivesse claramen-
te constrangido pela presença dos outros garotos.
O mestre foi até ele e perguntou:
“Qual é o problema?”
“Eu não sei, mestre... Por mais que eu tente,
não consigo realizar os movimentos perfeitamen-
te...”
O professor indicou que o aluno deveria segui
-lo e caminhou até a beirada de um córrego, onde
explicou:
“Observe as pedras que se encontram no cami-
nho desse córrego. Você acha que a água sente
frustração? Ela simplesmente flui ao redor ou por
cima das pedras e, indiferente, segue o próprio ca-
minho.”
Eles voltaram ao treinamento e, agora, o dis-
cípulo não se importava mais com a presença dos
outros garotos.

24
Anfitrião e visitante

Um aluno recém-chegado encontrava muita


dificuldade em esvaziar a própria mente. O mes-
tre percebeu que ele se esforçava inutilmente
numa tentativa de “pensar em não pensar”. Isso,
naturalmente, seria como usar as mãos para abrir
uma torneira e, em seguida, tentar impedir que a
água saísse do cano.
Assim, para direcionar o fluxo da “água” da
atenção para um outro “cano”, de forma que a via
do pensamento se esvaziasse por conta própria, o
aluno foi aconselhado a adotar a meditação dos
sons.
Ele deveria apenas sentar-se tranquilamente,
voltando toda sua atenção para os sons à sua vol-
ta, mas sem tentar interpretá-los, ou entendê-los
– apenas deixando que eles acontecessem.
Essa prática, no entanto, também causou cer-
ta confusão no aluno, que procurou o mestre em
busca de ajuda. O mestre escutou o novato, identi-
ficou imediatamente seu problema e lhe explicou
assim:
“É como um anfitrião e um visitante. O bom
anfitrião recebe a visita de portas abertas quando
ela chega e a hospeda atenciosamente enquanto
fica, mas não lhe impede de partir, nem a perse-
gue depois da despedida.”

25
Lingyun e as flores de pêssego

Lingyun Zhiqin – um monge sobre o qual pou-


co se sabe – praticou zen budismo durante trinta
longos anos, sem alcançar a iluminação. Um dia,
ele olhou para um pessegueiro em flor e iluminou-
se.
Mais tarde, Lingyun escreveria um tokinoge
(poema para expressar o momento de iluminação)
sobre a ocasião e os versos tornar-se-iam célebres:

Por trinta anos procurando uma espada;


Quantas vezes as folhas já caíram e se renova-
ram?
Desde que olhei para as flores de pêssego,
As dúvidas me abandonaram.

26
Poema ecoando poemas

Na raiz não há ilusão, ou iluminação;


Um embaralho que escapa à enumeração.
Apenas Lingyun é verdadeiro mestre.
Posso perguntar aos honrados patriarcas por

Se eles sabem onde olhar para ver as flores?

27
Ao ver a pintura de um pessegueiro em
flor

Vendo o lugar certo, estético deleite ilumina o


Caminho do coração.
Um galho de um pessegueiro em flor vale mais
que mil quilos de ouro.
Rainha Mãe da Pura Piscina de Jade;
A face do vento à primavera.
Eu me enturmo com as pessoas tristes;
Canções sobre nuvem e chuva.

28
Um velho ditado

A Natureza de Buda ostenta seu esplendor,


mas seres que flutuam nas aparências têm dificul-
dade de enxergar.

29
Cuidado
Cuidado com as formigas ao varrer o chão.
Cobrindo as velas com lanternas de papel,
Para proteger as mariposas.

30
“Desfile de Insetos”
Nishiyama Kan’ei – Japão (Século XIX)

31
O grande tolo da imensa tolerância

Ryokan nasceu em 1758 e já era um ícone po-


pular no Japão (uma espécie mesmo de celebrida-
de) enquanto ainda estava vivo. Ele era reconheci-
do principalmente por sua caligrafia, por sua
poesia e pelas anedotas que se acumulavam a seu
respeito.
Um grande número de pessoas que conviviam
com o mestre escreveram biografias sobre ele –
muitos desses livros tornar-se-iam lendários. Des-
de então, literalmente, milhares de livros sobre
sua vida continuam surgindo a cada século.
Ryokan era muito magro e muito alto. Falava
devagar e comia devagar – dando a várias pessoas
a impressão de ser um monge com alguma doença
mental.
Seu título monástico (Ryokan Taigu), significa
literalmente “Grande-Tolo Imensa-Tolerância”.
Às vezes, com fome, entrava na casa de al-
guém e pegava qualquer sobra na cozinha. Duran-
te uma peregrinação, algo valioso desapareceu de
uma casa onde Ryokan havia entrado e os aldeões
o acusaram. Eles o espancaram e amarraram, com
a intenção de enterrá-lo vivo.
Durante todo o processo, Ryokan não proferiu
nem uma única palavra de protesto, ou de explica-
ção; deixando que fizessem com ele o que quises-
sem.
No grupo que se aglomerava em torno da co-
moção, surgiu alguém que conhecia Ryokan. Re-
voltado, ele empurrava todo mundo enquanto gri-
tava:
“O que vocês estão fazendo? Esse é o grande
32
mestre zen Ryokan! Desamarrem-no agora mes-
mo e se desculpem com ele!”
Os aldeões, muito chocados e envergonhados
por descobrirem naquele monge esfarrapado e ler-
do o famoso Ryokan, obedeceram imediatamente.
O conhecido, que ainda estava um pouco exaltado,
brigou também com o poeta:
“Como é que você deixa essas pessoas fazerem
isso com você? Por que você não explicou que a
acusação era falsa?”
Ryokan respondeu:
“Todos eles já tinham abraçado uma grande
desconfiança. Mesmo que eu explicasse, isso não
acabaria com a suspeita. Não há nada melhor do
que ficar em silêncio.”

33
Livre

Em minha juventude, abandonei os estudos


E persegui a vida de um santo.
Vivendo penosamente como um monge mendi-
go
Zanzei de lá para cá durante várias primave-
ras.
Voltei à minha vila natal, onde me estabeleci
sob um pico escarpado.
Vivo pacificamente numa cabana de palha,
Ouvindo os pássaros quando preciso de músi-
ca.
Nuvens são meus melhores vizinhos.
Há uma fonte por perto, onde lavo corpo e co-
ração.
Pinheiros arranhando o céu e carvalhos que
dão sombra e lenha.
Livre; tão livre, dia após dia.
Sinto-me satisfeito.

34
Caligrafia na balança

Telas com exemplos de caligrafia eram pendu-


radas na parede como objetos de arte. Além disso,
também poderiam servir como amuletos de reli-
gião, ou superstição (para espantar fantasmas,
por exemplo). Assim, estamos falando de um tem-
po e de um lugar onde a caligrafia era uma arte
muito apreciada.
Desde criança, a caligrafia de Ryokan atraía a
admiração e a ganância de seus vizinhos – a ponto
de fazer com que o poeta, geralmente muito solíci-
to, fugisse dos insistentes e interesseiros pedidos.
Muito pobre (nem monge, nem leigo; um re-
cluso), notoriamente conhecido por possuir ape-
nas uma túnica e uma tigela, reza a lenda que ele
praticava escrevendo os símbolos no ar.
Depois de passar um longo período confinado,
meditando, Ryokan desceu à vila para mendigar.
Seu cabelo estava muito grande e todo desgrenha-
do.
Um barbeiro se ofereceu para cortá-lo, mas,
ganancioso, raspou apenas a metade da cabeça do
poeta. Para terminar o trabalho, exigiu uma amos-
tra da famosa caligrafia de Ryokan, que pretendia
exibir em sua loja.
O mestre aceitou a proposta e imediatamente
traçou belamente o nome de uma divindade –
criando, com isso, uma tela que poderia ser usada
como amuleto de boa sorte.
Muito satisfeito pela vantagem, o barbeiro
emoldurou a caligrafia e a exibia em lugar de des-
taque.
Certo dia, um dos clientes lhe advertiu:
35
“Ei, você já percebeu que está faltando um ca-
ractere do nome dessa divindade na sua tela?”
Tal omissão, naturalmente, anulava o efeito
da obra como amuleto, de forma que o barbeiro –
assim que teve oportunidade – confrontou Ryokan:
“Aquela caligrafia que você me deu está fal-
tando um caractere!”
Ryokan falou:
“É verdade. Você surrupiou de mim, e eu sur-
rupiei de você. Já para aquela amigável senhora
que tem uma loja na próxima rua e que sempre me
dá comida em abundância, por outro lado, eu dei
uma caligrafia com um caractere a mais...”

36
“Profunda Sinceridade”
(慈雲尊者筆 「至誠心」)
Jiun Sonja – Japão (ca.1780–90)

37
Conhecendo a si mesmo

Os budas da antiguidade ensinaram o Darma


Não para enaltecer o Darma, mas para nos
ajudar.
Se realmente conhecêssemos a nós mesmos,
Não precisaríamos depender de velhos profes-
sores.
Os sábios vão direto ao ponto
E saltam por cima das aparências.
Os tolos se apegam a detalhes
E se embaralham com palavras e símbolos.
Esse tipo de pessoa inveja a conquista dos ou-
tros
E trabalha fervorosamente para obter as mes-
mas coisas.
Apegue-se à verdade e ela se transforma em
mentira.
Compreenda a mentira e ela se transforma na
verdade.
Verdade e mentira são dois lados de uma moe-
da;
Não abrace ou rejeite nenhuma delas.
Não desperdice o seu tempo precioso inutil-
mente,
Tentando medir a amplitude entre os altos e
os baixos da vida.

38
Dinheiro à beira da estrada

Ryokan certa vez ouviu alguém dizer que “en-


contrar dinheiro à beira da estrada deixaria qual-
quer pessoa feliz”. Quando recebeu moedas, men-
digando por comida, ele resolveu testar aquela
proposta que lhe parecia tão estranha.
O mestre atirou as moedas à beira da estrada
e as recolheu – sem encontrar nisso nenhum tipo
de felicidade especial. Não se abalou. Continuou
tentando; transformou a atividade numa brinca-
deira.
Eventualmente, aconteceu que, atirando as
moedas para lá e para cá, à beira da estrada,
Ryokan agora havia realmente perdido todo o di-
nheiro na grama.
Esquecido de qualquer tipo de teste ou experi-
mento, passou a procurar com verdadeira necessi-
dade e levou um longo tempo para encontrar e re-
colher cada uma das moedas que recebera de
esmola. Ele ficou muito feliz e finalmente con-
cluiu, para o grupo que havia se reunido assistin-
do à trapalhada:
“Encontrar dinheiro à beira da estrada deixa-
ria qualquer pessoa feliz... Agora sim, eu entendi!”

39
Fragrância

Minha tigela tem a fragrância do arroz de mil


lares.
Meu coração renunciou ao reinado da riqueza
e do reconhecimento terreno.
Tranquilamente desfrutando a mente dos Bu-
das antigos, caminho até a vila para mendigar por
mais um dia.

40
Joshu quando jovem

Joshu é geralmente considerado o maior mes-


tre zen da Dinastia Tang e sua língua era como
um chicote. Ainda jovem, com 17 anos, Joshu co-
nheceu Nansen – que se tornaria seu mestre e com
quem passaria 40 anos, até que Nansen viesse a
falecer.
Após a morte de Nansen, Joshu permaneceu
em seu mosteiro por mais 3 anos, de luto. Então
partiu, aos 60 anos de idade, para passar por 20
anos de peregrinação – período em que se encon-
trou com vários mestres de sua época.
Aos 80 anos de idade, Joshu se estabeleceu na
sua vila natal e, mesmo que ele insistisse não ter
nada para ensinar, pessoas de todas as classes e
lugares vinham lhe fazer perguntas. Suas respos-
tas eram muito apreciadas e vários desses encon-
tros serão narrados aqui.
Vamos começar com a primeiríssima história
registrada sobre o mestre Joshu. Isso aconteceu
quando ele tinha 17 anos e se encontrou pela pri-
meira vez com Nansen – que estava deitado num
tapete de palha quando viu que um jovem desco-
nhecido se aproximava.
Nansen lhe perguntou:
“De onde você veio?”
Essa é uma pergunta comum entre zen budis-
tas e nem sempre é uma pergunta simples.
Joshu, um novato, respondeu:
“Eu venho do Templo da Figura do Êxtase.”
Ainda que seja fácil apreciar a honestidade do
jovem, geralmente não é exatamente isso que os
mestres querem saber. Assim, Nansen insistiu:
41
“E você viu a figura do êxtase?”
Aqui, Joshu percebeu que havia algo mais na-
quelas perguntas. Já num outro estado de aten-
ção, o jovem respondeu:
“A figura do êxtase, eu não vi. Um buda deita-
do, eu vi.”
Nansen se levantou do tapete de palha, im-
pressionado com o avanço tão rápido do jovem, e
perguntou:
“Meu jovem, você já tem um mestre?”
Josuh respondeu imediatamente:
“Sim, eu já tenho um mestre.”
“Quem é o seu mestre?”
Joshu, que parecia já chegar ao zen budismo
um passo à frente de todos, respondeu enquanto
se curvava para Nansen:
“Acredito que já passamos pelo pior deste in-
verno, mas ainda faz muito frio... Será que eu po-
deria sugerir que você cuide bem do seu corpo,
vestindo uma manta mais grossa, mestre?”

42
De volta para casa

Um monge perguntou ao mestre:


“O que é Zen”?
O mestre respondeu:
“É como procurar por um boi, enquanto se vai
montado nele.”
O discípulo insistiu:
“E se a gente monta nesse boi, o que é que
tem?”
O mestre disse:
“Montado nesse boi, é como se a gente tomasse
o caminho de volta para casa.”

43
Um fim ao karma ruim

A palavra japonesa “kokoro” favorece tradu-


ções incompletas e merece alguma consideração.
Bodidarma – o “pai do zen budismo” – teria afir-
mado que o objetivo do zen é “conhecer o seu pró-
prio kokoro”; daí, podemos ver a importância do
termo.
“Kokoro” não tem correspondente exato em
português e pode ser traduzida como “mente”, mas
dessa forma o conceito fica muito intelectualizado.
Também é frequente que traduzam “kokoro” como
“alma”, ou “espírito” – termos demasiadamente
associados a alguma “substância do ego”, sugerin-
do algo material. Há ainda a possibilidade de tra-
duzir como “coração”, correndo o risco de soar mais
emotivo do que o pretendido.
Neste livro, usei preferencialmente o termo
“coração” e, às vezes, “mente”, de forma intercam-
biável. Confio nos leitores para filtrar, por conta
própria, os sentidos privilegiados e os sentidos
inadequados em cada palavra – em cada contexto
– acreditando (como eu) que há uma grande sabe-
doria a ser revivida através de cada um desses
textos.
Sem essa boa vontade, até frases simples como
“Pedro usa óculos” estão certas e erradas ao mes-
mo tempo.
Tem um Pedro lendo isso em algum lugar do
mundo e dizendo:
“É verdade.”
Em outra parte, há alguém que conhece muito
bem a um outro Pedro e afirma:
“É mentira.”
44
Há um caminho certo em cada bom texto e é
justamente a prática em decifrá-los e persegui-los
que nos transforma em melhores leitores.
Bons escritores, como o lendário poeta Monta-
nha Fria, têm melhor resolução e cores na tela da
mente dos bons leitores:

A cada pessoa que lê meus poemas:


Guarde a pureza do seu coração.
Deixe que sua ganância seja pela modéstia;
Que sua vaidade seja pela própria honestida-
de.
Ponha um fim ao karma ruim:
Confie em sua natureza verdadeira.
Encontre seu corpo de buda hoje.
Faça-o rápido como a luz.

45
Como?

Um monge perguntou a Chosa Keishin:


“Como podemos transformar montanhas, rios
e o universo em nós mesmos?”
Chosa respondeu:
“Como podemos transformar a nós mesmos
em montanhas, rios e no universo?”

46
Remix da iluminação imediata

Alcancei a realização do não-nascido


De forma abrupta e imediata.
As cambalhotas do destino,
O bem e o mal
Deixaram de me atormentar.

Abandone a sua pretensão de controle.


Não tente agarrar os Quatro Elementos;
Com o coração no eterno sereno, deixe estar.
Coma e beba conforme seus desejos.
Quando todos os fenômenos são impermanen-
tes e vazios,
Esse é o grande e perfeito despertar de buda.

A condição de buda é a compreensão direta


Da raiz de todas as coisas.
Se você amontoar folhas e procurar nos ga-
lhos,
Ninguém pode fazer nada por você.

A Verdade é percebida
De forma instantânea.
As Seis Virtudes e as Dez Mil Práticas
Amadurecem completamente.

No mundo das aparências,


Seis Caminhos da Existência são fortemente
delineados;
Depois da iluminação, apenas vazio –
Sem uma única partícula de poeira.

Aqui, não se vê pecado nem salvação; nem


47
perda, nem ganho.
No seio do eterno sereno, as buscas são aban-
donadas.
A poeira se acumula é no espelho que não foi
polido.
Agora é a hora de enxergar, por trás das for-
mas, o brilho.

Vá direto à raiz, sem preocupar-se com os ga-


lhos;
É como a lua refletida numa bacia de cristal.
Encontre e conheça bem à sua mani-joia;
Seus benefícios são inesgotáveis.

A lua serena refletida sobre o córrego;


O vento que sopra doce entre os pinheiros.
Perfeito silêncio na sombra pura da noite lar-
ga;
Por quê?

48
Nada se compara

Meu coração é como a lua de outono,


Límpida e clara, numa piscina de jade.
Nada se compara.
O que mais eu poderia dizer?

49
Apalpando como um cego

Aqui, temos a primeira lição que Joshu, ainda


jovem, recebeu de seu mestre Nansen.
É importante ter em mente que um aluno
aborda o mestre depois de alguma tentativa pes-
soal. Quer dizer, os questionamentos não buscam
sanar dúvidas acadêmicas, ou universais, mas
sim oferecer direções a quem já se encontra no
meio de alguma estrada, enfrentando problemas
específicos.
Assim, depois de se encontrar com alguém que
ele reconhecia como mestre, era apenas natural
que o jovem questionasse a respeito de um norte
que pudesse lhe guiar:
“Mestre, qual é o Caminho?”
Nansen lhe respondeu:
“A sua mente cotidiana é o Caminho.”
“Então deveríamos utilizar o nosso esforço
para mirar nesse objetivo, mestre?
Nansen discordou:
“Na hora que você mirar em alguma coisa,
você já errou.”
Joshu sentiu-se confuso:
“Mestre... Mas, se eu não mirar no Caminho,
como vou entender o Caminho?”
Nansen explicou:
“O Caminho é indiferente a ‘entender’ ou ‘não
entender’. ‘Entender’ é apalpar como um cego.
‘Não entender’ é apenas um buraco. Se você já al-
cançou o Caminho-no-qual-não-se-mira, ele é
como o espaço em si mesmo: absolutamente into-
cável e vazio. Você não pode forçá-lo de um jeito ou
de outro.”
50
Diz-se que, nesse instante, Joshu experimen-
tou uma iluminação profundamente significativa
e que sua mente era como uma lua cheia brilhan-
te.

51
O Caminho está próximo

Tentando apontar para a mesma lua, é raro


que mestres zen budistas ofereçam respostas idên-
ticas para perguntas iguais.
“Copiar o dedo dos outros” é depreciado e (as-
sim como também acontece na ilustração do dedo
apontado para a lua), cada resposta deve partir de
uma coordenada pessoal, transitória e imediata.
Você percebe imediatamente como copiar a
posição do dedo de alguém que apontava para a
lua – numa situação determinada – não funciona-
ria para indicar a lua cada vez que alguém per-
guntasse por ela?
Se alguém perguntasse a vários mestres (ou
até ao mesmo mestre, em momentos e lugares dis-
tintos): “Onde está a lua?”, o dedo apontaria de
uma forma diferente a cada resposta.
Agora que já fomos introduzidos à sugestão de
que “o Caminho é a mente cotidiana”, vamos acom-
panhar alguns exemplos da variedade de trata-
mento dos mestres para essa mesma questão:

Um monge perguntou ao mestre:


“Como eu posso reconhecer, no infinito das
possibilidades, o caminho certo para guiar a mi-
nha meditação até a experiência de buda?”
O mestre lhe respondeu:
“O Caminho está na sua experiência cotidia-
na.”
O monge tentou pensar sobre o assunto e ad-
mitiu:
“Eu não compreendo.”
O iluminado se lamentou:
52
“O Caminho fica próximo, mas as pessoas o
procuram longe...”
O que esse discípulo não tinha de talento, ele
compensava com perseverança, de forma que in-
sistiu:
“O que significa exatamente ‘o Caminho é a
experiência cotidiana’?”
O mestre detalhou:
“Quando você está com fome, você come. Quan-
do você está com sono, você dorme. Quando você
encontra um amigo, você o cumprimenta.”

53
Mais do mesmo

Um monge perguntou a Ching-t’sen:


“O que quer dizer ‘a mente cotidiana é o Cami-
nho’?”
Ching-t’sen lhe respondeu:
“Quando estou com sono, eu durmo; quando
quero sentar, eu sento.”
O monge admitiu:
“Eu não consigo te acompanhar.”
Ching-t’sen elaborou:
“No verão, procuramos um lugar fresco para
descansar. Quando esfria, sentamos perto do
fogo.”

54
Mais e mais...

Yuan visitou Tai-chu Hui-hai e lhe perguntou:


“Existe alguma fórmula especial para se disci-
plinar no Caminho?”
Hui-hai respondeu:
“Sim, existe.”
Yuan se contagiou:
“Você poderia por favor compartilhar essa fór-
mula comigo?”
Hui-hai concedeu:
“Quando estiver com fome, coma. Quando es-
tiver cansado, durma.”
Yuan ficou decepcionado:
“Mas isso não é o que todo mundo já faz? O ca-
minho deles é o verdadeiro Caminho?”
Hui-hai corrigiu:
“Não é o mesmo.”
“Por que não?”
“Quando as pessoas comem, eles geralmente
não estão apenas comendo – elas conjuram todo
tipo de imaginação. Quando dormem, não estão
apenas dormindo, mas entregando-se a uma va-
riedade de pensamentos ociosos. É por isso que o
caminho deles não é o Caminho.”

55
Nem sim, nem não

Um monge perguntou a um mestre:


“Pelo que eu entendo do zen, a mente cotidia-
na é o Caminho, certo?”
O mestre respondeu:
“Se eu disser que sim, vou te levar a acreditar
que compreende algo que na verdade você não
compreende. Se eu disser que não, vou contradizer
um fato que muita gente compreende bem.”

56
Procurando os dedos com a mão

Um monge perguntou a Joshu:


“Qual é a verdadeira substância da realida-
de?”
Joshu lhe repreendeu:
“Tem mais alguma coisa que não te agrada?”

57
Como se estivessem num sonho

Um intelectual disse a um grande mestre zen


budista:
“Zhuangzi declarou que céu e terra são como
um só cavalo; que as dez mil coisas são como um
único dedo! Essa observação não é maravilhosa?”
O mestre apontou para o jardim e disse:
“As pessoas do mundo olham para aquela flor
como se estivessem num sonho.”

58
Peixes se divertem?

Zhuangzi foi um famoso filósofo que viveu du-


rante o Período dos Reinos Combatentes, na Chi-
na Antiga. Pelo nosso calendário gregoriano, a
história que repetiremos aqui aconteceu por volta
do Século III antes de Cristo.
Assim, pode-se notar que Zhuangzi viveu cer-
ca de oitocentos anos antes que o budismo chegas-
se à China. Apesar disso, parte da sabedoria desse
filósofo ilustra muito bem os fundamentos do co-
nhecimento que seria desenvolvido e aprimorado,
mais tarde, entre os praticantes do zen.
A obra de Zhuangzi é geralmente descrita
como transcendental, enquanto permanece inti-
mamente relacionada aos assuntos do dia a dia.
Este caso é um bom exemplo:
Passeando ao largo de um rio que, naqueles
tempos, era cristalino, mestre Zhuang disse a um
amigo:
“Ali, você está vendo aqueles peixes nadando
ali? Veja como eles se divertem!”
O amigo era claramente um “chatinho” e re-
trucou:
“Você não é um peixe, então como pode saber
que os peixes se divertem?”
Bem humorado, o mestre respondeu na mes-
ma moeda:
“E você não sou eu, então como poderia saber
que eu não sei que os peixes se divertem?”

59
Zhuangzi

Em vez de usar o seu dedo para falar do que


não é um dedo, é bem melhor falar de um não-de-
do para explicar o que não é um dedo. Falar do que
não é um cavalo, usando um cavalo, não é tão bom
quanto falar sobre o que não é um cavalo usando o
não-cavalo. O Céu e a Terra são como um único
dedo. As dez mil coisas são como um só cavalo.

60
De quando as pessoas viajavam a pé

Meu amigo monge


Tem um hábito amável:
Ele trança sandálias de palha
E as deixa à beira da estrada.

61
“Hodogaya na Estrada Tokaido,
Trinta e Seis Perspectivas do Monte Fuji”
da série
(冨嶽三十六景 東海道保土ケ谷)
Katsushika Hokusai – Japão (ca. 1830)

62
Dando duro

Um estudante do caminho espiritual peregri-


nava em busca de mestres com quem treinar,
quando ficou sabendo de um grande sábio que vi-
via nas montanhas. Ao encontrar-se com o guru,
foi logo perguntando afobado:
“Quanto tempo eu levarei para aprender o seu
caminho, mestre?”
O velho respondeu casualmente:
“Dez anos.”
O estudante disse:
“Tanto tempo? E se eu prometer que vou me
esforçar bastante? Eu posso praticar todo dia, por
quantas horas forem necessárias. Pode acreditar
em mim, quando digo que sei como dar duro... En-
tão, se fizermos assim, em quanto tempo eu pode-
rei aprender o seu caminho?”
O mestre refletiu e respondeu:
“Vinte anos.”
A reação do estudante foi tão óbvia que, de
sua infinita misericórdia, o mestre lhe explicou o
dilema:
“Quando você mantém um olho no seu objeti-
vo, você está com um olho só no caminho.”

63
Hanshan

Penhascos elevados são a casa que escolhi.


Trilhas, por aqui, só as que os pássaros tra-
çam no ar;
Estamos muito além das estradas humanas.
O que meu jardim contém:
Brancas nuvens derramando-se pelas rochas
escuras.
Tenho vivido aqui há muitos anos;
Observando as estações que se transformam.
Todos vocês, donos de papéis e de chaves,
Para que servem nomes vazios?

64
Nem uma única gota

Dois monges, Chih-chang e Nan-chuan, ha-


viam se conhecido em um retiro de treinamento
zen budista, num mosteiro em que eram ambos vi-
sitantes. Ao fim do retiro, seguiram juntos, con-
versando, por um trecho do caminho. Antes de se-
parar-se, a dupla parou à beira da estrada para
beber um pouco de chá em despedida.
Nan-chuan disse:
“Nós temos sido bons companheiros. Conver-
samos sobre diversos assuntos e consideramos as
coisas cuidadosamente. Agora, que cada um se-
guirá pelo seu próprio caminho, o que você diria
quando alguém lhe perguntasse a respeito da Rea-
lidade Última?”
Chih-chang respondeu:
“Esse lugar em que paramos é um bom terre-
no para erguer uma cabana.”
Nan-chuan se impacientou:
“Cabana? Quem se importa com uma cabana?
E quanto à Realidade Última? O que você diria?”
Chih-chang esvaziou o bule de chá e levantou-
se de seu lugar. Nan-chuan, confuso, comentou:
“Você terminou o seu chá, mas eu não termi-
nei o meu. Por que você se levanta?”
Chih-chang respondeu:
“Com alguém que fala desse jeito, a gente não
consegue saborear nem uma gota de nada.”

65
Redemoinho de poeira

Um monge budista da velha escola indiana,


Eu me escondi no Monte Kugami, há não sei
quantas primaveras...
Usei várias túnicas até que se desfizessem,
Mas o mesmo cajado tem me acompanhado
sempre.
Seguindo os córregos nas montanhas,
Vou cantando enquanto perambulo por trilhas
distantes,
Ou sento-me para observar nuvens brancas
Surgindo por trás dos picos anavalhados.
Que pena de quem segue a trilha do mundo
impermanente,
Correndo atrás de fortuna e fama;
Sua vida desperdiçada perseguindo
Pontinhos brilhantes num redemoinho de
poeira.

66
Surdo e mudo

Bancando o bobo, eu cubro meus rastros e me


escondo do mundo.
Eu mudo de nome e finjo ser surdo e mudo.

67
Definição de kalpa

“Kalpa” é uma palavra sânscrita que corres-


ponde a uma longa medida de tempo. A duração
de um kalpa não é exata, mas é popularmente
ilustrada da seguinte forma:
A cada 100 anos, um pássaro voa sobre o Mon-
te Sumeru e raspa uma de suas asas na parte mais
alta. O tempo que levaria para que a montanha
fosse completamente consumida através desse
método é o que chamamos de 1 kalpa.
Quando questionado sobre a quantidade de
kalpas passados, o Buda disse que já se passaram
tantos kalpas quanto há grãos de areia no Rio
Ganges.

68
Si mesmo e outro

A transmissão verdadeira
Evita combates inúteis.
Kalpas e kalpas de desiluminação
Erguem-se do sentimento de si mesmo e ou-
tro.
Carregar si mesmo e outro é uma bagagem pe-
sada.
Quando o vazio encara uma borboleta,
O corpo inteiro fica leve.

69
Agradecer exatamente a quê?

Um monge visitante, conhecido apenas como


Velho Ding, destacou-se do grupo que cercava a
cadeira do mestre Rinzai para lhe perguntar o se-
guinte:
“Qual é a essência do ensinamento budista?”
O mestre se levantou e caminhou até o visi-
tante. Agarrou-lhe pelas roupas e esbofeteou a
sua cara. Depois, sem dizer uma única palavra,
voltou a sentar-se.
O monge que havia sido esbofeteado ficou ali,
estupefato, e só acordou de seu torpor quando os
outros integrantes da assembleia lhe repreende-
ram:
“Por que você não faz uma reverência para
agradecer ao ensinamento do mestre?”
A verdade é que o Velho Ding não sentia a me-
nor vontade de agradecer pela bofetada. No en-
tanto, forçado pela tradição e pelo constrangimen-
to social dos outros discípulos, ele se curvou
enquanto era preenchido por uma dúvida esmaga-
dora que exigia esforço de cada minúscula parte
do seu ser para tentar resolver ao enigma: “Por
que exatamente eu preciso agradecer e qual foi
exatamente o ENSINAMENTO, nessa bofetada,
que respondeu à minha pergunta?”
Desse jeito, enquanto se curvava em agradeci-
mento, o monge de repente iluminou-se.

Saindo do templo de Rinzai, iluminado, o Ve-


lho Ding se encontrou com dois monges que acaba-
vam de chegar e lhe assediaram:
“Como é o mestre Rinzai? O que você pode nos
70
dizer dele?”
O Velho Ding respondeu:
“Certa vez, disseram sobre o mestre Rinzai:
‘Naquela pelota vermelha de carne crua há um ho-
mem que verdadeiramente não pode ser medido.’
Quando perguntaram a Rinzai sobre o assunto,
ele respondeu que ‘Um homem que verdadeira-
mente não pode ser medido é só um sabugo de mi-
lho com bosta seca.’”
Os monges ficaram chocados e um deles conse-
guiu dizer:
“Isso não é coisa de uma pessoa respeitável!”
O Velho Ding disse:
“Uma pessoa que verdadeiramente não pode
ser medida e uma pessoa que não é respeitável...
Qual é exatamente a distância entre elas? Rápido,
respondam!”
Os monges ficaram em silêncio e o Velho Ding
concluiu:
“Se eu não fosse tão velho, eu espancaria vo-
cês agora.”

71
Em cima da ponte

Enquanto cruzava o rio, por cima de uma pon-


te, um grupo de monges pertencentes à seita bu-
dista mais popular numa determinada região
avistou um monge zen budista que vinha na dire-
ção contrária.
O zen budismo ainda era uma novidade e, re-
conhecendo no monge que se aproximava os sím-
bolos da seita a respeito da qual haviam ouvido
tantas coisas enigmáticas, os monges da seita
mais popular entregaram-se à curiosidade e abor-
daram o desconhecido.
É válido destacar que o zen budismo nasceu
como um movimento de revolta contra certos as-
pectos que haviam se enraizado no budismo em
geral. O gosto por elaboradas referências enciclo-
pédicas e por discussões abstratas intermináveis,
em detrimento de uma abordagem prática e dire-
ta, era um desses aspectos.
Os monges em cima da ponte, muito orgulho-
sos de sua erudição e da sua habilidade para for-
mular jogos de palavras, entravam desavisados
na boca do tigre. Um deles se destacou do grupo e
– numa referência sofisticada e inteligente ao lo-
cal em que se encontravam – formulou seu ques-
tionamento através de uma metáfora:
- Quão profundo é o rio do zen?
O zen budista agarrou o outro pelo quimono:
- Se você realmente quer saber a profundidade
do rio, porque não aborda a questão diretamente e
descobre com os próprios olhos?
Enquanto falava, o zen budista tentava atirar
o outro monge para dentro do rio, por cima da pon-
72
te; mas foi impedido pelo resto do grupo.

73
O outro lado do rio

Um jovem viajante chegou às margens de um


rio furioso e passou muitas horas, em vão, procu-
rando forma de atravessá-lo.
Quando percebeu que um velho se aproxima-
va pela margem oposta, gritou:
“Ei, você sabe como eu faço para chegar ao ou-
tro lado desse rio?”
O velho, que era um mestre zen budista, res-
pondeu enquanto sorria:
“Meu filho, você já está do outro lado.”

74
Carregando uma moça

Dois monges – Tanzan e Ekido – erguiam suas


pobres vestes à beira de um córrego, em prepara-
ção para atravessá-lo, quando notaram que havia
uma mulher por perto. Era visível que ela tam-
bém gostaria de chegar ao outro lado da água, mas
hesitava em molhar seu elaborado quimono.
Tanzan se ofereceu para carregá-la e, apesar
de ficar corada pelo constrangimento que inspira-
va o toque de um homem naquele tempo e naquele
lugar, a moça aceitou a ajuda do monge.
Quando chegaram à outra margem, a moça
agradeceu e foi para o leste, enquanto os monges
seguiram para oeste. Oportunamente, encontra-
ram um templo onde passar a noite e se ajeitaram
num canto. Ekido, finalmente, extravasou:
- Você não tem vergonha na cara, Tanzan? Es-
queceu completamente dos seus votos? Não acha
condenável que um monge carregue uma moça no
colo?
Tanzan respondeu:
- A mim parece que o mais condenável é você,
que continua carregando aquela moça até agora.

75
A velocidade em que a vida vai

O barulho de um córrego agitado


Descendo rápido a montanha
Explica a quem o escuta
O quão veloz a vida
É atirada em seu curso.

76
O riacho como um travesseiro

Na primeira parte da minha vida,


Andei por toda parte.
Entrei nas cidades onde agitavam-se redemoi-
nhos de poeira.
Agora, estou na Montanha Fria.
Vou dormir perto do riacho,
Para lavar os ouvidos.

77
Ensinamento além das palavras

A água do riacho no vale


Não grita contra o mundo poluído:
“Purifique-se!”
Mas naturalmente, apenas sendo o que é,
Ela mostra como se faz.

78
Acelere!

Pao Che, da Montanha Ma Ku, caminhava


com seu mestre, Ma Tsu, quando teve oportunida-
de de lhe perguntar:
“O que é o Grande Nirvana?”
O mestre disse:
“Acelere!”
O discípulo indagou:
“O que devo acelerar, mestre?”
O mestre respondeu:
“Olhe para o riacho!”

79
O eco

Sim, as coisas existem


Como o eco, quando você
Grita ao pé da montanha.

80
Hyakujo e Baso

Antes de se tornar o grande mestre que diria


“Um dia sem trabalho é um dia sem comida”, um
jovem Hyakujo caminhava com Baso – que era en-
tão seu mestre – quando uma revoada de pássaros
passou sobre eles.
Aproveitando a oportunidade para testar seu
aluno, Baso lhe perguntou:
“O que é aquilo?”
Hyakujo olhou para os pássaros que se afasta-
vam e respondeu:
“Pássaros selvagens.”
O mestre, insatisfeito, insistiu:
“Onde eles voam?”
“Eles já voaram para longe, mestre.”
Irritado, Baso agarrou o nariz de Hyakujo e o
torceu com força.
“Isso dói, mestre!”
“Como assim eles voaram para longe?”
Ao ouvir a resposta do mestre, Hyakujo expe-
rimentou uma revelação tão forte que molhou
suas costas de suor.

No dia seguinte, o mosteiro se reuniu para a


palestra sazonal do mestre. Assim que Baso ocu-
pou seu assento, Hyakujo se levantou e enrolou o
tapete, como se a palestra tivesse acabado.
Cúmplice, Baso se levantou e foi embora, como
se a palestra já tivesse realmente terminado. Mais
tarde, o mestre chamou Hyakujo e perguntou:
“Eu tinha acabado de me sentar e ainda não
tinha feito a minha palestra. Por que você enrolou
o tapete?”
81
“Ontem, mestre, você torceu o meu nariz e
doeu bastante.”
“Onde você estava com a cabeça, ontem?”
“Hoje, o meu nariz já não dói mais.”
Essa resposta parece ter agradado muito ao
mestre, que disse:
“Você alcançou um conhecimento profundo so-
bre os assuntos do dia.”
Hyakujo curvou-se em agradecimento e voltou
para o alojamento dos monges, chorando muito.
Um de seus colegas o perguntou por que estava
chorando e ele respondeu:
“Vá perguntar ao mestre...”
O monge procurou Baso e lhe questionou a
respeito do caso. O mestre disse:
“Vá perguntar ao Hyakujo.”
Quando o monge voltou ao alojamento e nar-
rou a reação do mestre, Hyakujo gargalhou de ale-
gria.

82
Em alguma parte

No meio de milhares de nuvens e córregos,


Em alguma parte, há uma pessoa ociosa
Perambulando as montanhas durante o dia;
Dormindo sob os penhascos à noite;
Observando invernos e primaveras que pas-
sam;
Livre de preocupações e de fardos terrenos;
Feliz apegando-se a nada;
Silenciosa como um rio no outono.

83
Vacas e cachorros

Um mestre perguntou à assembleia:


“Quem são os professores de todos os patriar-
cas?”
Ele mesmo respondeu:
“Vacas e cachorros.”

84
O oceano tem água?

Um monge perguntou a Joshu:


“Um cachorro tem Natureza de Buda?”
Joshu respondeu:
“Não.”

85
Se você não perguntar, como vai saber?

Um monge perguntou ao mestre:


“Eu tenho Natureza de Buda?”
O mestre respondeu:
“Não.”
“Mas mestre, as escrituras budistas afirmam
que tudo é permeado pela Natureza de Buda – os
bichos, as plantas, os rios e as pedras... Suposta-
mente, todas as coisas têm Natureza de Buda e eu
não tenho?”
O mestre reforçou:
“Cachorros e gatos e montanhas e rios têm
Natureza de Buda, mas você não tem.”
“Por que não, mestre?”
“Porque você pergunta.”

86
E agora?

Okeisho perguntou a um monge:


“Afinal de contas, todas as criaturas têm Na-
tureza de Buda, ou não?
O monge afirmou:
“Sim. Todas as criaturas têm Natureza de
Buda.”
Okeisho apontou para a pintura de um ca-
chorro, na parede, e propôs:
“Esse aí tem Natureza de Buda?”
O monge não soube como responder.

87
Um pardal na estátua de Buda

Notando que um pardal fazia cocô na cabeça


de uma estátua de Buda, Saigan disse a Nyoe:
“Será que aquele pardal tem Natureza de
Buda?”
Nyoe disse:
“É claro!”
Saigan não se convenceu:
“Mas então por que ele faz cocô na cabeça de
Buda?”
Nyoe respondeu:
“Você acha que ele faria cocô na cabeça de um
gavião?”

88
Correntezas em cambalhotas

Infinitas montanhas azuis,


Livres da última partícula de poeira.
Rios sem fronteiras, de correntezas em cam-
balhotas;
Incessantemente fluindo.

89
O animal satori

Um lenhador trabalhava na floresta quando


percebeu que um animal desconhecido espiava
por trás de um arbusto. Convencido de que o exó-
tico bicho provavelmente seria um bom jantar, o
lenhador atirou seu machado contra ele.
Acostumado a caçar daquela maneira, o le-
nhador chegou a dar um primeiro passo satisfeito
na direção em que pretendia recolher o corpo do
bicho. O animal, entretanto, riu daquilo e tranqui-
lamente afastou-se do arremesso.
Como a presa não dava sinais de fuga, o le-
nhador buscou o machado e tentou investir direta-
mente. Acontece que aquele animal se chamava
satori e tinha o poder de ler mentes. Ele podia an-
tecipar cada golpe do lenhador e parecia mesmo
incentivá-lo, provocando-o com gingas e barulhos.
Eventualmente, o lenhador havia esgotado
forças e estratégias. Exausto e derrotado, passou
a ignorar o bicho e voltou ao trabalho.
Nesse estado de espírito, enquanto levantava
o machado para mais um golpe na madeira, a lâ-
mina se desprendeu do cabo e saiu voando para
aterrissar na cabeça do animal, que, incapaz de
prever o golpe, foi assim abatido.

90
Bobo Roshi

Um adolescente foi enviado pela família para


um mosteiro na zona sul de Kyoto. Ele era um jo-
vem saudável, vivaz, bonito, obediente, obstinado
e talentoso. Seu futuro parecia promissor e sua fa-
mília esperava grandes conquistas de sua parte.
No entanto, os anos se revezavam sem que o
monge alcançasse a iluminação. Quando final-
mente quinze anos de treinamento se passaram,
sem que ele pudesse iluminar-se, decidiu que as
suas próprias habilidades não eram suficientes
para obter sucesso na vida monástica.
Na impossibilidade de tornar-se um ilumina-
do, resolveu que iria se dedicar à vida mundana;
permitindo-se todos os prazeres que evitara até
ali, por causa da pretensão de levar uma vida ecle-
siástica bem sucedida.
O rapaz sonhou com cada um daqueles praze-
res e, quando teve oportunidade, fugiu do mostei-
ro na calada da noite. Levava algo de comer e al-
gumas moedas surrupiadas. Sem ter aonde ir,
eventualmente descobriu-se perambulando ao lar-
go do distrito das luzes vermelhas.
Lá, ele encontrou uma mulher vestida de guei-
xa e imediatamente a levou para a cama. Quando
ela tirou a roupa, ele ficou absolutamente maravi-
lhado. Era a sua primeira experiência com uma
mulher, mas, em vez de constrangido, tímido e
trapalhão, o ex-monge sentia-se à vontade e de-
sembaraçado. Os seus sentidos estavam altamen-
te afiados pelo treinamento e encontravam naque-
la situação (em vez da obrigação e da expectativa
de sua rotina no mosteiro), verdadeiro prazer em
91
exercitar-se no agora.
O rapaz vivenciava uma consciência translú-
cida sobre o corpo da parceira e experimentava in-
tensamente cada toque, cara cheiro e cada peque-
na delícia.
No momento em que atingiu o orgasmo, ele al-
cançou a iluminação que o havia iludido no mos-
teiro.
A história não registrou o nome desse monge
– que é conhecido na literatura zen budista como
Bobo (gíria para “vagina”) Roshi (mestre).

92
Despedida Entre Amantes: A Cortesã e Seu Amante
Kitagawa Utamaro – Japão (ca. 1800)

93
Pra cada coisa, um começo

Um velho monge foi designado diretor de uma


escola para garotas. Durante as reuniões de gru-
po, o velho percebeu que as alunas falavam muito
sobre o amor – nem sempre de maneira saudável.
Responsável pela educação das meninas, ofe-
receu-lhes o seguinte conselho:
“Compreendam o perigo do exagero em suas
vidas. Um soldado que se deixa dominar pela rai-
va será levado à imprudência, à injustiça e à mor-
te. Um monge que se deixa dominar pelo ardor re-
ligioso será levado à obtusidade e à perseguição
daqueles que pensam de forma diferente. Entre-
gar-se a paixão demais no amor é construir um
berço de ilusões irrealistas envolvendo a pessoa
amada. Essas ilusões eventualmente serão desfei-
tas, produzindo frustração e raiva. Amar demais é
como lamber o mel na ponta de uma faca.”
É preciso entender que, como convém ao dire-
tor de uma escola para meninas, esse monge era
um senhorzinho muito velho e muito puro. Com
isso em mente, não é de se espantar que uma das
alunas, pouco convencida, tenha assim lhe ques-
tionado:
“Mas se o senhor é um monge celibatário, como
é que pode saber alguma coisa sobre o amor ro-
mântico?”
O velho tossiu de rir e comentou, antes de re-
tirar-se:
“Talvez um dia, minha filha querida, eu te
conte como e por que eu me tornei um monge...”

94
O Bárbaro Ruivo Barbado que veio do
Oeste e uma cadeira por perto

Há uma pergunta muito frequente na litera-


tura zen:

“Por que Bodidarma veio do Oeste (da Índia


para a China)?”

Bodidarma – também conhecido como “Daru-


ma”, “O Patriarca”, “Ruivo Bárbaro Barbado”, en-
tre outros nomes – é geralmente tido como o fun-
dador da seita Zen e essa pergunta normalmente
quer dizer: “Qual é o significado do zen budismo?”
Vamos acompanhar alguns registros de trata-
mentos dados a essa mesma questão:

Um monge perguntou a Isan:


“Qual o significado de ‘O nosso patriarca veio
do Oeste’?
Isan respondeu:
“Traga-me aquela cadeira.”

95
Hsiang Lin

Um monge perguntou a Hsiang Lin:


“Qual o sentido de Bodidarma vir do Oeste?”
Lin disse:
“Ficar sentado por longos períodos é cansati-
vo.”

96
Um segundo balde

No início de suas peregrinações, Joshu visitou


o mestre Linji, quando este lavava os pés numa
bacia.
Joshu perguntou:
“Qual o sentido do ancestral vir do Oeste?”
Linji respondeu:
“Como você pode ver, estou lavando os pés.”
Joshu se aproximou, esticando o ouvido como
que para escutar melhor. Linji disse:
“Você quer que eu atire um segundo balde de
água suja em cima de você?”
Joshu foi embora.

97
Uma árvore no jardim

Um monge perguntou a Joshu:


“Por que o Bárbaro Ruivo de Barba veio do
Oeste?”
Joshu respondeu:
“Aquela árvore no jardim.”
O monge protestou:
“Por favor, mestre, não responda apontando
para um objeto.”
Joshu concedeu:
“Tudo bem. Não vou responder apontando
para um objeto.”
O monge repetiu a pergunta:
“Por que o Bárbaro Ruivo de Barba veio do
Oeste?”
Joshu disse:
“Aquela árvore no jardim.”

98
Musgo

Um monge perguntou a Joshu:


“Qual é o sentido de Bodidarma vir do Oeste?”
Joshu disse:
“Musgo crescendo nos dentes da frente de al-
guém.”

99
Fake news

Um monge perguntou a Joshu:


“Por que Bodidarma veio do Oeste?”
Joshu disse:
“Quem foi que te falou isso?”

100
Aqui não...

Um monge perguntou a Joshu:


“Qual o sentido de Bodidarma vir do Oeste?”
Joshu disse:
“Por que você vem a este templo para me xin-
gar?”
O monge sentiu-se mal:
“O que eu fiz de errado?”
Joshu explicou:
“Porque estamos neste templo, eu não posso te
xingar.”

101
Idiota

Um monge perguntou a Joshu:


“Existe alguma pergunta mais idiota do que
Bodidarma vir do Oeste?”
Joshu disse:
“Eu não sou tão bom nisso quanto você.”
O monge protestou:
“Mas eu não estou tentando SER nada!”
Joshu concluiu:
“Então por que você está sendo um idiota?”

102
Nem eu

Chen-lang perguntou a Shih-tou:


“Por que o darma veio do Oeste?”
Shih-tou sugeriu:
“Pergunte àquele pilar ali.”
Chen-lang protestou:
“Eu não entendo.”
Shih-tou respondeu:
“Nem eu.”

Esse último comentário fez com que Chen


-lang percebesse a verdade. Mais tarde, quando
um monge veio a ele, procurando instrução, ele
gritou:
“Oh, reverendo senhor!”
O monge respondeu:
“Sim?”
Chen-lang disse:
“Você dá as costas a si mesmo.”
“Se assim é, por que você não faz com que eu
me comporte adequadamente?”
Chen-lang esfregou os olhos, como se tentasse
enxergar melhor.
O monge ficou sem palavras.

103
Um único verso zen

Mesmo que você devore tantos livros


Quanto os grãos de areia no Ganges,
Isso não é tão proveitoso
Quanto realmente compreender um único ver-
so zen.
Se você quer o segredo do budismo, aqui vai:
Tudo está no coração.

104
Como uma agulha

Zen não precisa escrever mais que uma única


boa frase.
Como uma agulha furando um ponto frágil no
seu braço.

105
Água na bandeja-d’água

Em cima do verde escuro


Da bandeja-d’água,
O respingo d’água não tem cor
Que possa chamar de sua.

106
Como entre o orvalho e a cor da folha

A sombra dos bambus


Se move pelos degraus de pedra
Como se os varresse,
Mas o pó não sai do lugar.

A lua se projeta no lago,


Mas a água não é perturbada.

107
Dois lados de um mesmo milagre

Ainda que no reino da sabedoria inquebrável


Não caiba uma partícula sequer de poeira,
Como isso pode se comparar a sentar-se sozi-
nho numa varanda vazia,
Observando as folhas de outono que caem,
Cada uma no seu próprio tempo?

108
Cuidado: é particularmente difícil de re-
mover dos olhos

A brisa incomparável da realidade;


Você a percebe?
Não deixe que ela sopre em seus olhos;
É particularmente difícil para remover.

109
Segura essa

Sobre a água que não se juntou,


Em um poço que não foi cavado,
Brilha a lua.
Alguém sem forma ou peso
Mata a sede.

110
De verdade

Se você estudar zen, precisa estudar de verda-


de.
Se você alcançar a iluminação, precisa estar
iluminado de verdade.
Se você tiver um encontro íntimo com o bárba-
ro ruivo da Índia, tudo bem.
Quando explicar o que viu, você já caiu do ca-
valo.

111
Lâmpada em plena luz do dia

Um acadêmico budista visitou Yen-kuan Ch´i


-an, que lhe perguntou:
“Qual é natureza específica dos seus estudos?”
O acadêmico lhe respondeu:
“Eu sou um especialista no Sutra Avatamsa-
ka.”
Yen-kuan continuou:
“E quantas esferas da Realidade Absoluta ele
ensina?”
“Depende... De um ponto de vista mais abran-
gente, inumeráveis esferas da Realidade Absoluta
relacionam-se umas às outras, da forma mais ime-
diata possível. Generalizando, no entanto, quatro
esferas são amplamente reconhecidas.”
Então o mestre levantou o seu hossu (um pe-
queno bastão de madeira, ou bambu, que traz pe-
los na ponta e é considerado, entre os monges zen
budistas, como um símbolo de autoridade; geral-
mente sendo passado de um mestre para seu su-
cessor), dizendo:
“A qual dessas esferas isso aqui pertence?”
O acadêmico meditou por um instante, ten-
tando encontrar a resposta certa. O mestre se im-
pacientou e pronunciou o seguinte:
“Pensamento deliberado e compreensão dis-
cursiva não dão em nada; pertencem à família dos
fantasmas; são como uma lâmpada em plena luz
do dia – nenhum brilho sai dali.”

112
“caixa com desenho de hossu”
Autor desconhecido – Japão (Século XIX)

113
Cabeças inchadas

Quando ouço os sacerdotes palestrando sobre


os sutras,
Sua eloquência parece fluir em círculos.
As Cinco Fases da Lei e as Oito Doutrinas...
Ótimas teorias, mas quem precisa delas?
Pedantes têm as cabeças inchadas.
Pergunte a eles sobre assuntos de real impor-
tância
E tudo que você ganha é um blá blá blá vazio.

114
O cachorro e a Lua

Havia um aluno muito esforçado e estudioso


que tinha o próprio desenvolvimento barrado por
complicações intelectuais. Ele refletia muito sobre
as palavras das escrituras e, apesar de entrever
ali como que rastros promissores no barro do infi-
nito, ele também descobria algumas contradições
que o atormentavam.
Certa noite, agoniado, o estudante finalmente
resolveu levar suas dúvidas até o mestre. Depois
de procurar pelo mosteiro, descobriu o velho na
grama, ao ar livre, brincando com um cachorro. O
velho atirava um pedaço de pau que o cachorro
buscava, enquanto os dois visivelmente se diver-
tiam muito.
A brincadeira foi interrompida pela aproxima-
ção do aluno, que, depois de fazer uma saudação
respeitosa, detalhou elaboradamente as contradi-
ções que o vinham atormentando.
O mestre prontamente lhe respondeu:
“Você precisa entender que as palavras do en-
sinamento não passam de indicações. Não permi-
ta que as palavras, ou quaisquer outros símbolos,
obstruam o seu caminho até a verdade. Veja, eu
vou te mostrar...”
O mestre apontou o dedo para o céu e dirigiu-
se ao cachorro:
“Vá buscar a Lua!”
Agora para o aluno, o mestre perguntou:
“Para onde o cachorro está olhando?”
“Para o seu dedo.”
“Exatamente! Não seja como o cachorro. Não
confunda o dedo apontado com a coisa para a qual
115
ele aponta. Cada palavra budista é uma placa à
beira da estrada; não é o Caminho em si. Cada
aluno precisa encontrar seu próprio caminho,
através das palavras de outras pessoas, até esbar-
rar na verdade.”

116
Nem lua, nem dedo

É usando o dedo
Que pode-se apontar para a lua.
É por causa da lua
Que pode-se compreender o dedo apontado.
A lua e o dedo
Não são diferentes nem iguais.
Essa ilustração é utilizada apenas
Para guiar os estudantes em direção à ilumi-
nação.
Quando você realmente vê as coisas como elas
são,
Não há mais a lua, nem o dedo.

117
Reto e em frente, como uma flecha

Em chinês e em japonês, os ideogramas para


“poesia” são compostos pela união dos símbolos
“palavra” e “templo”.
Já ouviu falar de haikai, ou de katauta? Os
asiáticos são grandes mestres em compor peque-
nas poesias. Às vezes, apenas dois caracteres com-
põem um poema completo. Essa estética minima-
lista casa muito bem com a função que as próprias
palavras podem desempenhar no ensinamento do
zen budismo, de forma que o estilo é muito queri-
do pela comunidade.
Entre o dito e o não-dito, esse tipo de poesia
também utiliza as palavras e ideias como se fos-
sem apenas a ponta visível de um icebergue, dei-
xando que o leitor reconstrua, com sua própria ex-
periência, a forma de todo o gelo escondido
submerso.
Aqui, oferecemos um combo desses poemas:

Aponte diretamente
Para a mente;
Veja a sua natureza
E se torne Buda!

118
Labirintos não levam a Roma

Ensinamento
Além do ensinamento;
Nenhum aprendizado
Em palavras e símbolos.

119
Esse encontro seria exatamente como e
entre quem?

Encontrando Shakyamuni,
Mate-o!
Encontrando Bodidarma,
Mate-o também!

120
Muito alto

Nuvens muito alto, olhe.


Nenhuma palavra as colocou
Lá em cima.

121
Famosa metáfora

Dois espelhos
Refletem um ao outro.

122
Onde estamos?

Quando você aprende o Caminho,


Percebe que não existe nem dentro nem fora.

123
Mandando o super

Um olhar honesto pode desarmar uma monta-


nha de espadas.
Um caminhar firme pode planar por cima dos
fogos do inferno.

124
Retrato falado

Quando espalhada,
Cobre todo o mundo;
Quando retraída,
Não há espaço para um cabelo.

125
Grávido vazio

Chame -
Não há resposta.
Observe -
Não tem forma.

Tintas vermelha e azul


Tentam desenhar
Apenas para falhar.

126
Curto e grosso

Palavras
Falham.

127
Aprendizado além do ensinamento

A pessoa que
Já bebeu da água,
Sabe se está
Quente ou fria.

128
Simples assim

O vento cedeu; as flores caíram.


Os pássaros cantam; a montanha escurece.
Esse é o maravilhoso poder do budismo.

129
Vento suave

O coração deste velho monge?


Um vento suave
Sob o céu infinito.

130
Poderes sobrenaturais? Claro!

Minhas atividades diárias não têm nada de


incomum.
Apenas mantenho uma harmonia natural com
o que faço.
Sem rejeitar nada. Sem agarrar nada.
Poder sobrenatural; atividade espetacular -
Tirar água do poço; carregar lenha.

131
Constrangimentos zen budistas

Que vergonha.
Sei que não é grande coisa,
Mas eu chupei todo o doce
Da suculenta ameixa
Do mundo.

132
Hyakujo e a raposa

Ao retornar de sua caminhada matinal, Hya-


kujo pediu que comunicassem a todos no mosteiro
o seguinte:
“Depois do almoço, faremos o funeral de um
monge.”
Os funerais eram trabalho rotineiro para
aquela turma e, ainda assim, a ordem soava muito
estranha e causou algum estardalhaço; porque to-
dos os monges estavam bem e não havia notícia de
nenhum colega acidentado, ou adoecido.
Finalmente, a refeição terminou e Hyakujo li-
derou uma comitiva de monges apreensivos até o
pé da montanha, onde havia o corpo morto de uma
raposa, que o mestre mandou cremar com todas as
regras e ritos empregados no funeral de um mon-
ge. Os discípulos, obedientes, realizaram o traba-
lho profissionalmente.
Chegando a noite daquele mesmo dia, quando
os monges e visitantes se reuniam no mosteiro por
ocasião da palestra sazonal do mestre, Hyakujo
disse à assembleia:
“Em noites como essa, nas palestras que tenho
feito, um certo velhote sempre aparecia para ou-
vir. Ele chegava quando todos chegavam e quando
todos partiam ele também partia. Ontem, no en-
tanto, todos foram embora e ele permaneceu. Ele
se aproximou e disse:
‘Eu não sou um ser humano. Num passado
muito distante, quando o Buda Kasho ainda ensi-
nava o Caminho, eu fui o chefe de um mosteiro.
Em determinada ocasião, um monge me pergun-
tou se um iluminado estava preso à lei da
133
casualidade e eu disse que não. Por causa dessa
resposta, venho reencarnando na forma de uma
raposa pelas últimas 500 vidas. Eu imploro que
você me liberte dessa condição, mostrando o Ca-
minho com suas palavras. Por favor, mestre, me
esclareça: Uma pessoa iluminada está presa à lei
da casualidade, ou é controlada por ela?’
“Eu respondi:
‘A lei da casualidade e a pessoa iluminada são
a mesma coisa.’
“Através dessa resposta, o velho parece ter re-
solvido sua dúvida interna e avançado em com-
preensão. Ele disse:
‘Agora eu estou livre desse corpo de raposa.
Por favor, enterre a minha carcaça, que irei aban-
donar em breve.’
“Em seguida, ele desapareceu.”
Assim que Hyakujo acabou de explicar o fune-
ral da raposa, Obaku se destacou da assembleia e
disse:
“Pelo que eu entendi, um velho deu uma res-
posta errada e reencarnou 500 vezes no corpo de
uma raposa. E se ele conseguisse acertar todas as
respostas, o que teria acontecido?”
Hyakujo disse:
“Chegue aqui perto, que eu te conto.”
Obaku se aproximou e, antenado quanto às
intenções do mestre, atacou primeiro e deu um
tapa na cara de Hyakujo. O mestre, derrotado,
gargalhou alegremente e comentou efusivo:
“Eu achava que o bárbaro ruivo vinha do Oes-
te, mas olha aqui mais um bárbaro ruivo!”

Caso você experimente alguma confusão com


134
esses textos, do ponto de vista lógico, não se preo-
cupe. Vá direito ao estágio de buda e não se des-
gaste com trepadeiras, ou labirintos linguísticos.
Seguramente, comentários e discussões analí-
ticas – sejam científicas, ou filosóficas – são possí-
veis e acontecem, mas abandonam o campo de in-
teresse particular do zen budismo.
Explicar esses casos é como explicar uma pia-
da. Você pode fazê-lo, é claro, mas, quando a coisa
chega a esse ponto, já deixou de ser comédia.
A lei da casualidade, por exemplo, é um as-
sunto complicado que a gente pode ilustrar de for-
ma simples:
Digamos que um vilão ameace a qualquer Fu-
lano com a morte, caso não revele o paradeiro de
um ente querido, a quem o vilão pretende ferir.
Acontece que esse Fulano, sem que o vilão
soubesse, vinha enfrentando uma doença termi-
nal, já há algum tempo. Enquanto escuta as amea-
ças em silêncio, ele sabe que tem poucos dias de
vida, de qualquer jeito. Então digamos que ele não
vê mais diferença entre a vida e a morte e que está
disposto a aceitar, feliz, qualquer desenlace que
venha do mundo; disposto a defender o que lhe é
querido, independente das consequências e das
vontades desse, ou daquele vilão...
É importante destacar que permanece o con-
trole do vilão sobre a vida e a morte de Fulano.
Basta que ele aperte o gatilho, e Fulano deixará
de ser.
Fulano, por outro lado, não sente medo.
Uma facada, ao mesmo tempo, ainda dói e
sangra.
Nesse caso, o que você me diz? Fulano é con-
135
trolado pelo vilão, ou não é controlado?
Se você disser que ele é controlado, vai se con-
tradizer quando trouxerem à tona que Fulano não
se rendeu à chantagem e se deixou matar.
Se você disser que ele não é controlado, vai se
contradizer quando trouxerem à tona que Fulano
foi efetivamente morto pelo vilão.
Tendo isso em vista, toda a complicação em
torno da lei da casualidade e da pessoa iluminada
pode ser coerentemente percebida e compreendida
analiticamente (ainda que isso não traga nenhu-
ma conquista, ou aprendizado; da mesma forma
que o entendimento analítico ou matemático da
trajetória imaginária de um dardo qualquer, até o
centro de algum alvo simbólico, não ajuda muito
quando atiramos pela primeira vez um dardo de
verdade contra um alvo material e concreto).
Desenhar pormenorizadamente arco-íris na
cabeça, ou no papel, não vai construir cerca pra
ninguém – mesmo que a gente chame estaca de
verde, chão de roxo e arame de azul.
Assim, ainda que seja possível analisar esses
casos através do pensamento analítico, esse tipo
de texto não seria mais um texto zen budista e a
empreitada seria como atirar no corvo e acertar
na vaca.
Por sorte, mestres habilidosos – como Wan-
song, Mumon e Dogen – colecionavam os casos
acrescentando um comentário e um verso a cada
um. Esses comentários são efetivamente zen bu-
distas e terão prioridade por aqui.
Para a história da raposa de Hyakujo, por
exemplo, seguem as anotações de Mumon:

136
Comentário:

“A pessoa iluminada não está presa, ou não é


controlada pela casualidade.” Como é que uma
resposta dessas poderia transformar um monge
em uma raposa? “A lei da casualidade e a pessoa
iluminada são a mesma coisa.” Como é que uma
resposta dessas poderia iluminar alguém?
Para entender essa questão em profundidade,
você precisa ter um olho só.

Verso:

Controlado ou não controlado?


Dois lados de um mesmo pano.
Não controlado, ou controlado?
Errado! Tudo errado!

137
Vai e volta

Chiba contou a história de Hyakujo e a raposa


para Isan e pediu a sua opinião.
Isan moveu a porta de cá para lá três vezes.
Chiba admoestou:
“A sua resposta é muito rude.”
Isan respondeu:
“A verdade do budismo não se encontra no em-
pilhar de conceitos abstratos.”

138
Adivinha...

Se você acha
Que a pessoa iluminada
É controlada
Ou não é controlada,
A raposa
É você!

139
Magnífico naufrágio

Esse barco é e não é.


Quando ele afunda,
Os dois desaparecem.

140
A “Pureza Original” do mestre Langye

Um monge questionou o mestre Huijue de


Langye da seguinte forma:
“Se a pureza é originalmente onipresente, en-
tão como é que montanhas, rios e a grande terra
de repente aparecem?”
Langye lhe respondeu:
“Se a pureza é originalmente onipresente, en-
tão como é que montanhas, rios e a grande terra
de repente aparecem?”

Comentário:

É sem forma e, ainda assim, espontaneamen-


te surge; preenchendo as dez direções. Visão, au-
dição, discernimento e cognição são todas causas
do nascer e morrer; visão, audição, discernimento
e cognição são os portões que levam à libertação.
Todas as coisas existem por causa de causas e
condições; todas as coisas não existem por causa
de causas e condições – dois lados de uma mesma
moeda. As montanhas, os rios, a grande terra e o
ego – quem pode encontrar diferença? Por que
tudo isso é dividido em dois e três? Como as com-
plicações surgem? De fato, o que é isso que você
tem chamado de si mesmo?

Verso:

Veja-o com os ouvidos


e você ficará cego.
Ouça-o com os olhos
e você ficará surdo.
141
Braços e olhos de Guanyin

“Como é que a Deusa da Compaixão, Kannon,


consegue usar tantos braços e tantos olhos ao mes-
mo tempo?”, Yunyan perguntou a Daowu, que res-
pondeu:
“É como uma pessoa que procura o travesseiro
durante o sono.”
“Entendi.”, disse Yunyan.
Daowu desafiou:
“O que você entendeu?”
“Ao redor do nosso corpo todo, há vários bra-
ços e olhos.”
Satisfeito, Daowu comentou:
“O que você disse faz muito sentido, mas re-
presenta só oito por cento da coisa toda...”
Curioso, Yunyan perguntou:
“Como é que você entende, prezado irmão ve-
terano?”
“Através do nosso corpo todo, há vários braços
e olhos.”

Esse diálogo entre Yunyan e Daowu foi muito


apreciado. Veja como alguns mestres reagiram:

Yuanwu comentou que conhecia um caso se-


melhante:
O mestre Caoshan perguntou a um dos mon-
ges que o seguiam:
“Como você diria que é, quando o corpo de dar-
ma da realidade se manifesta em formas corres-
pondentes aos seres, como a lua refletida na água?”
O monge respondeu:
“É como um macaco olhando para o lago.”
142
Satisfeito, o mestre acrescentou:
“Você acabou de falar muita coisa aí, mas re-
solveu apenas oito por cento do problema...”
O monge aproveitou a oportunidade para
aprender com o professor:
“O que faltou, mestre?”
“É como o lago olhando para um macaco.”

Wansong também comenta a história sobre os


braços e olhos de Kannon, exaltando a compreen-
são de Yunyan e esclarecendo que “ao redor do
corpo” e “através do corpo” não são realmente dife-
rentes. As duas descrições podem dar a aparência
de serem uma rasa e a outra profunda, mas, na
verdade verdadeira, não há perda nem ganho.
“Discutir sobre esses assuntos,” conclui Wansong,
“é como discutir sobre o tamanho do cabelo da tar-
taruga.”

Dogen também elogia Yunyan e reitera a


igualdade entre as duas descrições, no que diz res-
peito à realidade prática que o diálogo tenta co-
municar. “Yunyan fala e Daowu confirma.”
Em seguida, Dogen se detém sobre a parte em
que Daowu diz “É como alguém que busca um tra-
vesseiro durante o sono.” Acrescenta o mestre:
“O sono dessa resposta não está necessaria-
mente limitado à imagem do sono que temos quan-
do falamos dele durante o dia, ou ao sono que real-
mente acontece à noite para os humanos e para os
deuses. Você precisa entender que a expressão
empregada aqui por Daowu não se refere a agar-
rar, puxar, ou empurrar um travesseiro. Se você
tentar compreender em profundidade o que
143
Daowu quis dizer quando falou sobre buscar um
travesseiro durante o sono, você deve analisar a
questão através de olhos noturnos. Observe a
questão cuidadosamente. Há algo a ser aprendido
em “procurar por um travesseiro”. Os olhos e os
braços da deusa não foram afixados sobre ela,
como entidades separadas, mas são parte da tota-
lidade do seu ser.”

144
“Bodisatva Guanyin de onze-cabeças”
(清乾隆 滿繡十一面觀音唐卡)
Autor desconhecido – China (1778)

145
Que frio

Nem dois, nem um.


E o vento que não foi pintado
Na pintura
Gela.

146
Wang-Bangue

Um acadêmico chamado Wang


Esteve zombando meus poemas.
“Você não sabe onde fica a sílaba tônica nessa
parte?
Esse outro verso aqui tem caracteres demais.
Você parece não entender nada de métrica
E simplesmente escrever o que te vem à men-
te.”
Eu também acho engraçado, Dr. Wang,
Quando você escreve um poema.
Como um cego tentando cantar sobre o Sol.

147
Nada além disso

Primeiros dias de primavera – céu azul e sol


brilhante.
Gradualmente, tudo vai se tornando verde e
fresco.
Carregando minha tigela, caminho vagarosa-
mente até a vila.
As crianças, surpresas com a minha chegada,
Alegremente se reúnem e decido encerrar ali,
Aos portões do templo, minha viagem de men-
dicância.
Deixo a minha tigela em cima de uma pedra e
Penduro minha bolsa no galho de uma árvore.
Aqui, nós brincamos com a grama selvagem e
jogamos bola.
Por um tempo, persigo as crianças enquanto
cantam.
Em seguida, é a minha vez de ser perseguido.
Nessas brincadeiras, aqui e ali, eu perco a no-
ção de tempo.
Transeuntes apontam e zombam de mim, per-
guntando:
“Qual é a razão de tamanha tolice?”
Eu não respondo, mas apenas me curvo res-
peitosamente.
Mesmo que eu respondesse, eles não entende-
riam.
Olhe à sua volta! Não há nada além disso!

148
Muitas vezes é difícil pensar em um título

Vida longa;
Os pinheiros selvagens também desejam.

149
O peixe e a rede

Os monges Shen e Ming visitavam o Rio Huai,


quando presenciaram um pescador que puxava
uma rede, da qual uma carpa conseguiu escapar
com um pulo.
Shen comentou:
“Irmão Ming, você viu aquele peixe extraordi-
nário? O que ele fez é bem parecido com a arte de
um praticante zen budista habilidoso.”
Ming disse:
“É verdade que ele se salvou. No entanto, se
aquele peixe era assim tão habilidoso, por que ele
não evitou ser arrastado pela rede em primeiro lu-
gar? Teria sido bem melhor.”
Shen advertiu:
“Irmão Ming, tem algo bloqueando o seu avan-
ço até a iluminação.”
À meia noite, Ming entendeu o significado da
conversa com Shen.

Comentário:

Se você reconhece música, assim que a corda


do instrumento começa a vibrar, então você sabe
como navegar através da floresta de cipós e espi-
nhos com liberdade e desembaraço.
Por outro lado, se você acredita que, com a
prática, a floresta de cipós e espinhos vai simples-
mente desaparecer, então desde o começo você já
estava perdidamente emaranhado e não encontra-
rá o caminho.
O monge Ming não compreende a liberdade do
peixe de escamas douradas pulando para fora da
150
rede. Ming teve sua visão espiritual ofuscada pela
esperança de um futuro onde não existem barrei-
ras; de um presente livre de qualquer dificuldade.
O Monge Shen carinhosamente aponta para o pro-
blema, que Ming vem a perceber por conta pró-
pria, no meio da noite.
Se você quiser obter essa sabedoria como se
fosse sua, então: quando um ensinamento é desco-
berto, um ensinamento é praticado. Nessa hora, a
própria floresta de cipós e espinhos é vista como o
coração maravilhoso do nirvana.

Verso:

Quando um peixe nada, a água fica enlamea-


da.
Quando um animal passa, seus rastros per-
manecem.
Ninguém caído no chão poderia se levantar
Sem usar esse mesmo chão.

151
Esse próprio corpo é o nirvana

Queridos amigos e amigas,


Vocês não conhecem ainda uma pessoa ilumi-
nada?
Vivendo ociosamente, ela já não tem metas.
Ela não foge da ilusão, nem persegue a verda-
de.

Veja que a própria ignorância tem carne de


Buda;
Sua natureza fundamental é a Natureza de
Buda.
Esse próprio corpo vazio e ilusório
É o Corpo Sagrado do Nirvana.

152
Auréolas à tarde; chifres à noite

Há uma longa discussão, entre críticos literá-


rios, sobre a iluminação ou não-iluminação de al-
guns poetas zen budistas lendários. Os argumen-
tos abrangem aos mais confusos disparates, mas,
via de regra, concordam quando acusam a obra de
poetas como Montanha Fria, ou Ryokan, de ex-
pressar regularmente emoções de tristeza e de de-
sejo que, na visão desses acadêmicos, seriam in-
compatíveis com o ideal budista de desapego.
Ou seja: “Eles escreviam sobre tristeza, soli-
dão, ou passar fome. A iluminação deveria trans-
cender esse tipo de sentimento, logo, eles não eram
iluminados.”
Imediatamente, notamos que esses pobres coi-
tados esbarraram no mesmo obstáculo que atra-
palhava o monge Ming, no último koan – atribuin-
do ao budismo, equivocadamente, o ideal escapista
de uma realidade fantasiosa onde não existem
obstáculos, nem tristeza, nem desejo. Esse é o tipo
de engano que levaria alguém a reencarnar 500
vezes como uma raposa.
É apegado à fantasia de que “seria melhor evi-
tar a rede em primeiro lugar” que nos afastamos
de compreender a liberdade do peixe de escamas
douradas, enquanto pula para fora da rede.
É claro que Ryokan, Montanha Fria, Shakya-
muni, Bodidarma, eu e você – toda e qualquer pes-
soa esteve e está exposta às tantas redes que exis-
tem no mar. Somos todos afetados pela dor, pela
fome, pela frustração, pelo infortúnio... Não é pos-
sível meditar para “transcender” até um mundo
onde não exista nenhuma dificuldade e nenhum
153
sofrimento.
É importante destacar que o ideal zen budista
(ou, pelo menos, o ideal zen budista conforme des-
crito por seus mestres) não rejeita nenhuma das
condições humanas; empregando, nesse não-rejei-
tar, a mesma obstinação que dedica para não se
apegar a elas:

“Quando bom, torna-se um buda;


Quando mau, crescem-lhe pelo e chifres.”

Devemos rejeitar parte do que somos, para


corresponder a algum ideal imaginado de santida-
de, ou devemos ser exatamente quem somos?
Acreditaremos na possibilidade de um rio sem re-
des caindo do céu, ou desenvolveremos a habilida-
de de pular para fora da rede, na oportunidade
certa? Qual é, afinal de contas, o verdadeiro ideal
de desapego budista?
Em uma palavra, a sugestão de que o desape-
go e a iluminação seriam um “mundo cor de rosa”,
diferente do mundo natural e independente dele,
equivale à interpretação “kitsch” do zen budismo.
No entanto, o “kitsch” é como uma busca por
tapar os ouvidos frente aos problemas do mundo,
gritando “LÁ LÁ LÁ...” até isolar-se numa bolha
de fantasia reconfortante onde não existam fezes.
O zen budismo, no sentido oposto, é uma seita tra-
dicionalmente conhecida pelo seu desprezo a san-
timônias e não-me-toques.
Há um antigo ditado chinês que pregava:

“Não ajeite a sandália numa plantação de me-


lões, nem endireite o chapéu debaixo de uma
154
pereira. As pessoas vão pensar que você está rou-
bando frutas.”

A essa sugestão, foi exatamente um budista


que respondeu em verso:

“Seja no bordel, ou no bar;


Como é que uma árvore e algumas frutas
Poderiam impedir que um irmão budista
Endireitasse o seu chapéu?”

155
Frágil

Estou com oitenta anos.


Fraco.
Eu cago
E ofereço ao Buda.

156
Estamos aqui

Viemos a este mundo


Para comer,
Dormir,
Cagar
E morrer.

157
Tanto faz

Qualquer um pode entrar no jardim do Buda;


Tão poucos conseguem pisar no do Demônio.

158
Todo mundo se entristece

Alongam-se as noites de outono


E o frio começou a se infiltrar no meu colchão.
Meu sexagésimo aniversário se aproxima
Mas não há ninguém aqui para apiedar-se
deste frágil corpo velho.
A chuva finalmente parou.
Agora, apenas um filete de água pingando do
teto.
Durante a noite inteira, o incessante zumbir
dos insetos.
Perfeitamente desperto; incapaz de dormir,
Apoiado no travesseiro, observo
Os raios claros e puros do sol nascente.

159
Íntimo e sozinho

A chuva pinga-pingando do telhado.


A solidão faz esse barulho.

160
Triste por quê?

Mais uma vez,


Colhendo flores
Distraído
Esqueci da minha tigelinha de mendigar!
Ah, ninguém vai te pegar, tigelinha...
Certamente, ninguém vai pegar minha pobre
tigelinha...

161
De cabelo raspado e batina, um monge
parece uma tartaruga

Duas tartarugas a bordo de um carro de boi


Participaram de um drama na estrada.
Um escorpião surgiu por ali,
Implorando desesperadamente por uma caro-
na.
Uma recusa violaria a caridade;
Aceitar iria sobrecarregá-los.
Num momento breve demais para ser descri-
to,
Agindo gentilmente, eles foram picados.

162
Sem comida, mais uma vez

Sem sorte, hoje, na minha jornada mendican-


te.
Depois de arrastar meu corpo de vila a vila,
O Sol se põe.
Quilômetros e quilômetros de montanha
Me separam da minha cabana.
O vento rasga meu corpo frágil
E minha tigelinha parece tão desamparada...
Apesar disso, é o caminho que escolhi para me
guiar
Através da frustração e da dor; do frio e da
fome.

163
Tudojuntoaomesmotempoagora

Seres humanos não são ferro, ou pedra.


À medida que mudam as estações,
Meu coração naturalmente responde.

164
Carta a um amigo

O tempo esfriou
E este vaga-lume
Deixou de brilhar.
Será que um coração caridoso
Poderia me enviar um pouco de saquê?

165
Ei você

O tempo vai bem e


Tenho muitas visitas,
Mas pouca comida.
Alguém tem um pouco de ameixa em conserva
Para dividir?

166
Tentação

Peônias selvagens
No topo de sua glória.
O mais perfeito desabrochar.
Preciosas demais para colher;
Preciosas demais para não colher.

167
De um monge nascido em 1394

“Com sede, beba água...”


“Com frio, vá para perto do fogo...”
Eu não.
Eu quero o calor dos seios.
Quero a umidade que escorre das pernas de
uma mulher.

168
Cansado de nomes

Cansado de santidade
Ou de Seja-lá-qual-for-o-nome-que-você-prefe-
re.
Cansado de nomes.
Dedicando cada poro ao que está aqui.

169
Cansado até de aplauso

Poesia é ridículo
Escreva e orgulhe-se.
Pavoneie-se para o espelho.
Acredite que sabe.

170
Ralhando com os outros

Caia de joelhos
Como um tolo.
Reze.
Para quê?
Amanhã é ontem.

171
Procurando em vão

Tenho vivido na Montanha Fria por trinta


longos anos.
Ontem, visitei amigos e família.
Mais da metade havia partido para o Vale do
Infinito.

Lentamente consumido, como um rio que pas-


sa.
Agora, ao nascer do sol, contemplo minha som-
bra solitária.
De repente, meus olhos se borram de lágri-
mas.

172
Fumaça

Todas as coisas ruins que eu já fiz


Vão se transformar em fumaça
E eu também.

173
Lu

Um mendigo andarilho chamado Lu (apenas


Lu) ouviu alguém recitando o Sutra Diamante e
experimentou uma forte revelação. Imediatamen-
te, ele questionou a pessoa que entoava o sutra e
descobriu que se tratava de um texto sagrado da
religião budista – particularmente, de um dos tex-
tos sagrados budistas privilegiados pelos adeptos
da seita zen. (Nossa versão em português do Sutra
Diamante já se encontra em andamento e estará
disponível no Volume II desta série).
Apenas um mês depois de ouvir o Sutra do
Diamante pela primeira vez, Lu chegava ao tem-
plo de Hongren, o “Quinto Patriarca” – ou seja, a
quinta pessoa, desde Bodidarma, a ser considera-
da a maior autoridade viva sobre zen budismo –
para pedir instrução.
É importante notar que, além de pobretão es-
farrapado, Lu também vinha do Sul. Naquela épo-
ca, havia uma diferença física distinta entre as
pessoas do Sul e do Norte da China – com precon-
ceito negativo contra as pessoas do Sul, que era
uma região mais pobre e menos desenvolvida.
Hongren perguntou ao maltrapilho que chega-
va:
“Quem é você, de onde você vem e o que você
quer?”
“Meu nome é Lu. Eu venho do Sul e quero me
tornar um buda.”
O mestre sondou o recém-chegado com uma
provocação:
“Vocês do Sul vivem como bichos e não têm
Natureza de Buda.”
174
Lu respondeu:
“As pessoas nascem aqui ou ali, mas a Nature-
za de Buda não tem norte nem sul.”
Lu foi imediatamente aceito no templo, por
causa dessa resposta. Eventualmente, ele foi re-
batizado como Huineng, tornando-se o Sexto Pa-
triarca do zen budismo.

175
E se Lu entrar pela porta?

Quem tem aparência ou pedigree de ilumina-


do?
E se o Senhor Lu entrar agora pela porta?
No saguão do templo, conversa constante so-
bre famílias ilustres.
Como se estivéssemos no escritório de cem bu-
rocratas imperiais.

176
Orgulhoso

A “lâmpada” havia passado de Bodidarma


para Huike, e então para Sengcan, Daoxin, Hon-
gren e Huineng – o Sexto Patriarca.
Se você encontrar os primeiros patriarcas com
outros nomes, não se assuste – todo monge tem
pelo menos uns três nomes famosos...
Em primeiro lugar, há o nome de batismo, ou
de leigo. Ao tornar-se monge, recebem outro nome.
O nome da montanha ou do monte em que fizeram
templo muitas vezes também os representa.
As pessoas recebiam novos nomes por motivos
diversos e é preciso lembrar, ainda, que esses no-
mes são baseados em ideogramas e que os mesmos
símbolos são geralmente lidos de formas diferen-
tes na China e no Japão.
Assim, Lu, Eno, Sokei e Huineng são a mesma
pessoa: o Sexto Patriarca; uma celebridade zen
budista.
Quando Yoka Daishi visitou o Monte Sokei,
ele circulou a cadeira do mestre três vezes, num
sinal de respeito, e bateu seu cajado no chão uma
vez. Sua pose era orgulhosa e arrogante.
O Sexto Patriarca disse:
“Monges observam os três mil cuidados e as
oitenta mil regras de comportamento. De onde
chega um monge assim tão venerável, que possa
comportar-se tão orgulhosamente?”
Daishi respondeu:
“Mais premente é a questão da vida e da mor-
te. A impermanência nos encurrala veloz.”
Huineng sugeriu:
“Por que você não experimenta o não-surgi-
177
mento, para perceber aquilo que não se move?”
Yoka Daishi respondeu:
“O não-surgimento se manifesta através do
que aparenta se mover. A natureza dos sentidos é
originalmente imóvel.”
O Patriarca disse:
“Você tem razão. Não há falha.”
Daishi já ia embora, mas Huineng insistiu:
“Você não está indo embora rápido demais?”
“Originalmente, tudo é imóvel. Como pode ser
rápido demais?”
Huineng ainda não estava satisfeito:
“Quem é aquele que conhece o não-movimen-
to?”
Daishi disse:
“Você é quem está levantando dois e três.”
Huineng concedeu:
“A sua compreensão é profunda. Por favor,
passe a noite comigo, como um hóspede neste mos-
teiro.”

Com esse encontro de um único dia, Huineng


reconheceu publicamente Yoka Daishi como um
mestre e como um bom amigo. Os dois comparti-
lhavam ainda a excentricidade de terem se ilumi-
nado através de textos – Huineng a partir do Su-
tra Diamante, e Yoka Daishi a partir do Sutra de
Vimalakirti.

178
Mais um pouco de Yoka Daishi

Os filhos de Shakyamuni,
São notoriamente esfarrapados.
Apesar de sua aparência,
Sua vida espiritual não conhece a miséria.
Por ser pobre, veste-se em trapos.
No coração, leva uma joia de valor inestimá-
vel.

A pessoa iluminada
Caminha sozinha
E atravessa sozinha.
A sua vida é uma música.

Seu espírito é puro;


Seu porte é rudemente nobre e
Naturalmente elevado.
O seu ar é distraído;
Os seus ossos são firmes;
Tal pessoa não se importa com a opinião dos
outros.

No Caminho do Nirvana, seguem juntos ape-


nas
Aqueles que já chegaram à outra margem.

Livre-se por conta própria desses trapos tão


queridos
Que cobrem e escondem o seu tesouro.
Qual é a vantagem de ostentar
Para os outros a sua devoção?

A doutrina que desconhece o medo


179
É como o rugir de um leão;
Destroça o cérebro dos animais que a escu-
tam.
Até o elefante, apesar de sua força, perde a
dignidade.
Apenas o dragão divino ouve satisfeito ao ru-
gir do Buda.

Eu deixo que os outros me odeiem;


Deixo que me ataquem e que me desprezem.
Aqueles que tentam queimar o céu com uma
tocha
Acabam ficando cansados por conta própria.

Quando se compreende a vantagem de ser


ofendido,
Os vitupérios se transformam em um grande
mestre do Caminho.
Ao ser criticado sem alimentar inimizade,
nem favoritismo,
Cresce em mim um poder de amor e humilda-
de, que nasce do não-nascido.

Eu recebo os xingamentos que me atiram


Como se bebesse um saboroso néctar.
Logo esse gosto se dilui no infinito
E eu me descubro no seio
Do próprio mistério indizível.

Quando a Verdade é percebida,


Pessoas e coisas individuais deixam de ser;
Desprovidas de objetividade.
Imediatamente, todo karma infernal é des-
truído.
180
Se eu te engano com palavras falsas,
Que a minha língua seja arrancada por infini-
tas reencarnações.

181
Dois lados de um mesmo pano

Gubu, um discípulo de Chosa Keishin, per-


guntou a seu mestre:
“Se a iluminação destrói imediatamente todo
o karma infernal, como afirma o Canto da Ilumi-
nação Imediata de Yoka Daishi, então como é pos-
sível que Sinha, o 24º Patriarca da Índia, tenha
sido martirizado em Caxemira e que tenham deca-
pitado Huike, o Segundo Patriarca do zen budis-
mo?”
O mestre respondeu:
“Existência temporária não é existência e des-
truição temporária não é destruição. O nirvana e
o pagamento de antigas dívidas do karma são de
uma mesma e única natureza.”

182
Nanyue polindo um tijolo

O mestre Mazu Daoyi foi discípulo de Nanyue


e recebeu dele o seu hossu – ou seja, Mazu even-
tualmente seria reconhecido pelo mestre Nanyue
como “o aluno que superou todos os outros alu-
nos”, ficando com a autoridade e com a responsa-
bilidade de repassar o ensinamento daquela esco-
la.
Quando Mazu ainda começava o seu treina-
mento, praticando zazen (meditação sentada) no
Mosteiro Kaiyuan, o mestre Nanyue percebeu que
o rapaz tinha grande potencial e foi até lá para
provocá-lo. Ele perguntou:
“Sábio colega, por que você está fazendo za-
zen?”
Mazu lhe respondeu:
“Porque eu quero me tornar um buda.”
Nanyue concordou com a cabeça e não disse
mais nada. Colheu um tijolo que estava por ali e
sentou-se no chão, utilizando a manga de sua tú-
nica para esfregar o tijolo. Mazu, intrigado, per-
guntou:
“Mestre, o que você está fazendo?”
“Estou polindo esse tijolo, porque eu gostaria
de transformá-lo num espelho.”
O aluno sentia-se confuso:
“Mas como você poderia fazer um espelho, po-
lindo um tijolo?”
O mestre revidou:
“E como você poderia se tornar um buda, ape-
nas ficando sentado?”
Mazu vivera até ali acompanhado pela certeza
da relação necessária entre o zazen e a conquista
183
da iluminação. Naturalmente, ele não entendeu e
foi honesto o bastante para perguntar:
“O que você quer dizer, mestre?”
Nanyue explicou:
“Pense em como se deve dirigir uma carroça...
Quando uma carroça para de se mover, você dá
com o chicote no cavalo, ou na carroça?”
Mazu manteve-se em silêncio. O mestre conti-
nuou:
“O que você quer praticar? Ficar Sentado, ou
Buda Sentado? Se você compreender o zen, perce-
berá que não tem qualquer relação com sentar-se,
ou ficar de pé. Se você quer aprender Buda Senta-
do, compreenda que o Buda Sentado não tem uma
forma fixa. Não tente solidificar o ensinamento
impermanente. Para praticar Buda Sentado, você
precisa matar o Buda e toda forma fixa. Se você
estiver apegado à mecânica da meditação senta-
da, você ainda não estará exercitando o princípio
essencial.”
Mazu ouviu a essa admoestação com o senti-
mento de quem saboreia um doce néctar.

Comentário do mestre que anotou o caso:

Você precisa entender que zazen não é medi-


tação ou contemplação. Não é sobre aquietar a
mente, focar a mente, ou estudar a mente. Não é
atenção ou distração. Se você quer realmente en-
tender zazen, então saiba que zazen não é sobre
sentar-se, ou ficar de pé. Zazen é zazen; imacula-
do.
Em relação ao “Buda Sentado”, você precisa
entender que o próprio momento do “Buda
184
Sentado” é o assassinato de Buda. Assim, Buda
Sentado está além de qualquer forma estabelecida
e não tem matéria-prima.
Quando o tijolo é um espelho, Mazu é Buda.
Quando Mazu é Buda, Mazu é imediatamente
Mazu. Quando Mazu é Mazu, seu zazen é instan-
taneamente zazen. Cada coisa não é transformada
na outra mas é, na verdade, originalmente a ou-
tra. Treino é o desdobrar.
A realidade do universo preenche o seu corpo
e a sua mente, ainda assim não se manifesta sem
treino, nem se percebe sem iluminação. A menos
que você esteja preparado para avançar e aceitar
riscos, a verdade da sua vida e do universo nunca
será percebida como sendo a sua própria vida.
Apesar de tudo isso, qual é a verdade do uni-
verso que preenche seu corpo e sua mente? Não
me fale. Mostre para mim.

Verso:

Nas pontinhas de dez mil folhas de grama,


toda gota e cada gota de orvalho contém a luz da
lua.
Desde o começo dos tempos, nem uma única
dessas gotículas jamais foi negligenciada.
Ainda que seja assim, alguns podem perceber
e outros não.

185
Meditando formalmente

Em quietude, ao lado da janela vazia,


Eu me sento formalmente para meditar, ves-
tindo minha sobrepeliz de monge.
Nariz alinhado ao umbigo.
Orelhas paralelas aos ombros.
O brilho da lua inunda a sala.
A chuva acaba, mas o beiral do telhado pinga
-pinga.
Esse momento perfeito;
No imenso vazio, minha compreensão aumen-
ta.

186
“Bodidarma Meditando”
(明晚期 德化窯白瓷達摩坐像)
Autor desconhecido - China (século XVII)

187
Um pedaço de verdade

Certa vez, o diabo viajava com sua corte atra-


vés da Índia, quando viu um homem que meditava
com o rosto brilhando de alegria, pela descoberta
de alguma coisa no chão.
Um dos serviçais do diabo lhe perguntou:
“O que aquele homem encontrou no chão?”
“Um pedaço de verdade.”
“E vossa malignidade não se perturba quando
alguém encontra um pedaço de verdade?”
“Qual nada! Observe como ele vai abusar da-
quele pedaço de verdade, até transformá-lo numa
crença.”

188
Apenas a primavera pode

Você não pode desabrochar a cerejeira com


uma faca.
Apenas a primavera pode.

189
“Cortina com desenho de cerejeira em flor”
Autor desconhecido - Japão (século XIX)

190
Performance de atos

Pergunte a uma marionete


Se é possível conquistar méritos,
Na performance de atos,
Para transformar-se em Buda.

191
Quem mais pode te ajudar

Não existem mestres.


Apenas você.
O mestre é você.

192
O mestre é você

Um soldado que havia estudado zen durante a


juventude teve uma carreira brilhante no exército
e, já muito imponente e importante, fez uma visi-
ta ao seu antigo mestre querido. Ele chegou acom-
panhando pela elite de seus guerreiros e todos fo-
ram muito bem recebidos no mosteiro.
Enquanto tomavam chá, sua tranquilidade foi
perturbada pela série de reclamações que um dos
monges novatos disparava contra o seu instrutor:
“Eu não consigo aprender a me concentrar
desse jeito! Os seus métodos são ruins e você é um
péssimo professor! Você não sabe ensinar nada a
ninguém e desse jeito eu nunca vou aprender a me
concentrar...”
Através de uma troca de olhares silenciosa, o
soldado pediu e recebeu do mestre a permissão
para lidar com o assunto.
O soldado encheu uma xícara de chá até a bei-
radinha e delicadamente a levou até o monge que
reclamava.
“Não precisa mais reclamar. Eu vou te ensi-
nar a se concentrar. Aqui... Pegue esta xícara com
cuidado e, sem derramar sequer uma gota de seu
conteúdo, dê uma volta completa no pátio.”
Em seguida, ele destacou os dois melhores ar-
queiros do grupo que o seguia e disse a eles:
“Se esse monge derrubar uma única gota de
chá, atirem nele.”

193
Pergunte à pessoa certa

Um monge perguntou ao mestre:


“Quem sou eu?”
O mestre ralhou:
“A quantas pessoas você já fez essa pergun-
ta?”

194
Aqui

Esqueça o que os mestres escreveram.


A navalha da verdade:
Cada instante, sentado aqui.
Eu e você, aqui.

195
Açúcar refinado e manteiga clareada

Um belo rapaz, cavalgando,


Ondula o chicote contra os salgueiros.
Ele não pode imaginar a morte.
Não constrói balsa, ou escada.

São amáveis as flores da estação,


Até que elas murcham e somem.
Açúcar refinado e manteiga clareada
Não têm importância quando você está morto.

196
Depois de tamanha disputa

O país encontra-se em ruínas e, ainda assim,


Montanhas e rios permanecem.
É primavera na cidade dos muros;
A grama invadindo tudo.

197
Você é feliz

Eu e outros... Certo e errado...


Não desperdice a vida discutindo.
Você é feliz. De verdade, você é feliz.

198
A iluminação de Pangyun

Pangyun peregrinava em busca da ilumina-


ção, consultando vários mestres. Ao encontrar-se
com Shitou, perguntou:
“Quem é aquele que não acompanha todas as
coisas?”
Shitou tapou a boca de Pangyun com a mão e,
através dessa resposta do mestre, Pangyun obteve
alguma compreensão.
Mais tarde, ele encontrou-se com Mazu e per-
guntou novamente:
“Quem é aquele que não acompanha todas as
coisas?”
Mazu respondeu:
“Quando você tiver tragado todo o Rio Xi em
uma golada só, eu vou te contar.”
Pangyun imediatamente iluminou-se.

Comentário:

Na transmissão do darma, não há nem expli-


cação e nem ensinamento. Não há nem audição e
nem conquista. Uma vez que explicações nunca
explicam realmente nada, nem são capazes de en-
sinar, por que falar sobre isso?
Uma vez que escutar não é realmente ouvir,
nem conquistar nada, então por que escutar?
Mas diga, uma vez que não pode ser explicado,
ou ouvido, como você entra no Caminho?
Solte a bagagem. Tire a viseira e veja por si
mesmo que este exato lugar é o Vale da Primavera
Interminável. Esse próprio corpo é o Corpo do
Universo.
199
Em tempos como esses, quem é aquele que
pode acompanhar o quê?

Verso:

Quando o raciocínio é exaurido,


Corpo e mente desabam.
Quando a corrupção das coisas é eliminada,
A luz aparece pela primeira vez.

200
Mapa do tesouro

A localização da mani-joia
Permanece um mistério para a maioria.
Cada um a possui:
Escondida profundamente
No tesouro do tudojuntoaomesmotempoagora.

O milagre operado pelos Seis Sentidos


É uma ilusão e ao mesmo tempo não-ilusão.
A auréola luminosa que emana
Da pérola à qual pertencem todos os fenôme-
nos
Delineia o mundo da forma e ao mesmo tempo
não tem forma.

Purificadas as Cinco Classes de Visão,


Conquista-se os Cinco Poderes.
Apenas a prática esclarece
O que está além do alcance da linguagem.
É muito fácil reconhecer formas num espelho,
Mas quem poderia roubar a lua refletida no
rio?

Caminhar é zen e sentar-se é zen.


Seja falando ou em silêncio,
Movendo-se ou parado,
A Natureza de Buda permanece em paz.

Mesmo quando confrontada por espadas,


Ela nunca perde sua tranquilidade.
Mesmo sob o efeito de drogas,
É impossível perturbá-la.

201
Por mais que se use a essa joia, ela não se gas-
ta.
Podem beneficiar-se dela todos os interessa-
dos;
Sem nenhuma restrição e em qualquer oca-
sião –
Sem reserva alguma e por toda a eternidade.

No seu interior, os Três Corpos e as Quatro


Sabedorias
Se realizam plena e perfeitamente.
As Oito Compreensões da Emancipação
E os Seis Poderes Sobrenaturais são a sua
marca.

A pessoa iluminada
Tem a compreensão total de uma só vez.
A pessoa média, ou inferior, na falta de uma
verdade profunda,
Pode até aprender muito, mas acredita em
pouco.

202
Transparente

Todos os pensamentos
Esgotados;
Vou até a floresta
E colho
Ervas para comer.

Como o córrego,
Atravessando
Fendas musguentas,
Quietamente eu também
Fico transparente.

203
Quando cai a ficha

Monge Senkei... Um verdadeiro mestre do Ca-


minho!
Ele trabalhava em silêncio – você não escuta-
ria palavras extras partindo dele.
Por trinta anos, ele permaneceu na comunida-
de de Kokusen.
Ele nunca meditava e nunca lia os sutras.
Nunca ouvimos dele um “a” sequer sobre o bu-
dismo.
Ele apenas trabalhava e trabalhava pelo bem
de todos.
Eu o via, mas sinto como se apenas agora o en-
xergasse.
Estivemos um ao lado do outro, mas sinto que
apenas agora nos encontramos.
Ah, seria impossível imitá-lo.
Monge Senkei... Um verdadeiro mestre do Ca-
minho.

204
Qual realidade?

Alguém perguntou a um mestre:


“Quando você fala em ‘realidade’, você está se
referindo à realidade relativa do mundo físico, ou
à realidade absoluta do mundo transcendental?”
O mestre fechou os olhos numa atitude que
deixava incerto se ele estava meditando sobre
uma resposta, se estava ignorando completamen-
te a pergunta, ou se havia caído no sono. Depois de
um minuto inteiro de silêncio, ele abriu os olhos e
respondeu:
“Sim.”

205
Conselhos de Zengetsu

O zen budismo não tem um código moral, mas,


ainda assim, é apenas natural que seres humanos
por toda parte estabeleçam princípios para si mes-
mos e que ofereçam conselhos por conta própria –
sendo igualmente natural que outros seres huma-
nos encontrem orientação, ou conforto nesse tipo
de opinião.
Há certas listas de conselhos que vêm sendo
repassadas de geração a geração, na literatura
zen budista, nas quais muita gente encontrou sa-
bedoria e boas sugestões.
Aqui, trazemos a lista de conselhos que Zen-
getsu (cujo nome originalmente significa “Lua que
pode ser vista pela manhã”) deixou para seus dis-
cípulos:

Viver no mundo e não formar relações de ape-


go com a poeira do mundo é o caminho de um ver-
dadeiro estudante zen budista.

Quando presenciar a boa ação de alguém, en-


coraje a si mesmo para seguir aquele exemplo. Ao
ouvir a respeito das ações errôneas de alguém,
aconselhe a si mesmo para não repeti-las.

Ainda que sozinho numa sala escura, compor-


te-se como se estivesse na presença de um nobre
hóspede. Expresse os seus sentimentos, mas não
seja mais expressivo do que a sua própria nature-
za verdadeira.

A pobreza é o seu tesouro – nunca a troque por


206
uma vida fácil.

Uma pessoa pode aparentar ser tola e ainda


assim não o ser. Ela pode estar apenas guardando
a sua sabedoria cuidadosamente.

As virtudes são fruto da autodisciplina e não


caem por conta própria do céu como a chuva ou a
neve.

A modéstia é a fundação de todas as virtudes.


Deixe que seus vizinhos te descubram antes que
você tenha atraído a atenção deles.

Um coração nobre nunca se força à frente.


Suas palavras são gemas preciosas, raramente
exibidas e de grande valor.

Censure a si mesmo, nunca aos outros. Não


discuta sobre o certo e o errado.

Algumas coisas, apesar de certas, foram consi-


deradas erradas por várias gerações. Já que o va-
lor do que é certo será reconhecido ao longo dos
séculos, não há motivos para ansiar uma aprecia-
ção imediata.

Viva com propósito e deixe os resultados para


a grande lei do universo. Atravesse cada dia em
contemplação pacífica.

207
Ryokan: “Minhas regras”

Tomo cuidado para não:


Falar demais
Falar muito rápido
Falar sem que tenham pedido
Falar ociosamente
Falar com as mãos
Falar sobre assuntos mundanos
Responder de forma rude
Discutir
Sorrir de forma condescendente ao que os ou-
tros disseram
Usar expressões elegantes
Me gabar
Falar indiretamente, ou evitar me expressar
de forma direta
Falar com ares de entendido
Pular de um assunto para o outro
Usar palavras afetadas
Falar de eventos do passado que não se pode
mudar
Falar como um pedante
Fugir de questionamentos diretos
Falar mal dos outros
Falar de forma engrandecedora sobre a ilumi-
nação
Tagarelar quando bêbado
Falar de forma odiosa
Gritar com crianças
Inventar histórias fantasiosas
Falar quando estou com raiva
Fofocar
Ignorar as pessoas que falam comigo
208
Falar de forma santimonial sobre os deuses e
budas
Usar linguagem melosa
Usar linguagem lisonjeira
Falar das coisas sobre as quais não possuo co-
nhecimento
Monopolizar a conversação
Falar dos outros pelas costas
Falar de forma presunçosa
Criticar os outros
Entoar sutras e orações de forma ostensiva
Reclamar da quantidade de esmola recebida
Proferir longos sermões
Falar de forma afetada, como um artista
Falar de forma afetada, como um mestre da
cerimônia de chá

209
Risadas por toda parte

Uma velha que vive ao leste daqui


Enriqueceu há poucos anos.
Antes, tão pobre quanto eu.
Agora, ela zomba da minha pobreza.
Ela ri, porque eu fiquei para trás.
Eu dou risadas por ela estar à frente.
Parece que não podemos parar de rir,
do Leste ao Oeste.

210
Na verdade, funciona assim

Mendigue junto aos pobres


E dê aos ricos.

211
Covarde!

Quem fugiu por cinquenta passos


Despreza quem fugiu por cem.

212
Sutra do coração

Enquanto se aprofundava na prática do Co-


nhecimento-que-nos-leva-à-outra-margem,
A Deusa da Compaixão, Avalokiteshvara (ou
Guanyin, ou Kannon...) descobriu de súbito que
todos os Cinco Agregados são fundamentalmente
vazios.
Com essa compreensão, ela superou todo o so-
frimento e disse a Sariputra:

Escute, Sariputra,
Este próprio corpo é o Vazio.
O próprio Vazio é este corpo.
Este Corpo não é diferente do Vazio
E o Vazio não é diferente deste Corpo.
O mesmo acontece com as emoções,
Sentimentos, símbolos e consciência.

Escute, Sariputra,
Todo fenômeno carrega a marca do Vazio
E sua verdadeira natureza
É a natureza do não-nascimento e do não-ex-
termínio;
A natureza onde não há mácula, nem pureza;
A natureza do que não aumenta, nem dimi-
nui.

Assim, para o Vazio,


Não há corpo, emoções, ou sentimentos;
Não há símbolos ou consciências que consti-
tuam
Entidades separadas e independentes.

213
Sem olho, ouvido, nariz, língua, corpo, ou men-
te;
Sem forma, cheiro, som, textura, gosto ou sím-
bolo que lhe represente.
Desde o Reino da Não-visão,
Até que chegamos ao Reino da Não-consciên-
cia;
Para o Vazio, não há entidades separadas e
independentes.

Não há ignorância e nem o fim da ignorância.


Os Doze Elos do Surgimento Interdependente
e sua extinção
Também não formam entidades separadas e
independentes.

Também não há Verdades sobre o sofrimento,


Sobre a causa do sofrimento, ou sobre o fim do
sofrimento.
Não há Caminho.
Para o Vazio, não há entidades separadas e
independentes.

Quem perceber isso, não precisa possuir mais


nada.
Não há sabedoria, nem qualquer tipo de con-
quista.

Percebendo que não há o que conquistar,


O bodisatva confia no Conhecimento-que-nos
-leva-à-outra-margem
E não há obstruções no seu coração.
Porque não há obstruções, a pessoa iluminada
não sente medo.
214
Ela pode cortar a poeira confusa do mundo
com a Espada da Sabedoria
E alcançar o Último Nirvana.

Os budas do passado, do presente e do futuro,


Praticaram o Conhecimento-que-nos-leva-à
-outra-margem
E alcançaram a Iluminação Suprema.

Por isso, Sariputra, deve-se compreender


Que o Conhecimento-que-nos-leva-à-outra
-margem
É o Grande Mantra;
O Mantra da Iluminação;
Um mantra incomparável –
O Mais Alto Mantra.
A Sabedoria Verdadeira, que tem o poder
De acabar com o sofrimento.
Assim, cantemos o mantra do Conhecimento-
que-nos-leva-à-outra-margem:

Vamos, vamos; já estamos na Outra Margem.


Todos chegamos; iluminados.

215
Vazio manifesto na forma

Quando o orvalho transparente


Se acumula sobre o vermelho da folha de bor-
do,
Repare as pérolas vermelhas.

216
O filho do ladrão

O filho de um ladrão percebeu que seu pai en-


velhecia e descobriu-se preocupado com a renda
da família. Imaginando ainda o quanto a profissão
deveria pesar para um idoso, pediu ao velho lará-
pio que lhe ensinasse a arte do roubo.
O patife, muito humilde, concordou com a ca-
beça e não disse nada. No meio daquela noite, o
pai entrou no quarto do rapaz e o acordou. Os dois
caminharam até o bairro onde ficavam as grandes
mansões da cidade. O ladrão agora agia furtiva-
mente, preferindo as sombras e sem dar qualquer
sinal de pressa enquanto analisava as possibilida-
des e vigiava os arredores em busca de um alvo
promissor. Quando sentiu-se seguro de que todos
dentro de uma determinada mansão estavam dor-
mindo, arrombou uma das janelas e arrastou o fi-
lho consigo lá para dentro.
Na sala escura, o velho escolheu um dos maio-
res baús e, usando dois ferrinhos, destravou seu
cadeado. Com gestos silenciosos, indicou que o
adolescente deveria entrar lá dentro.
Tão logo o jovem havia se instalado no interior
do baú, seu pai fechou a tampa e trancou o cadea-
do. Em seguida, fugiu numa algazarra que des-
pertou em alarme os moradores e empregados da
casa.
Dentro do baú, o filho ouvia o bater de pés
apressados socando a madeira do chão à sua volta
e acompanhava o tremular das velas que corriam
pela mansão além das frestas. Paralisado pelo
medo, ele amaldiçoava o pai pela situação absurda
em que se encontrava.
217
Enquanto a agitação da casa ia se tornando
mais branda, o cativo teve uma boa ideia. Ele ar-
ranhou o interior do baú, como se fosse um rato, e
eventualmente uma das empregadas veio abri-lo
para inspecionar o ruído.
Ato contínuo ao levantar da tampa, o rapaz se
levantou e soprou a vela na mão da moça. Correu
como nunca havia corrido, miraculosamente des-
viando-se dos inúmeros obstáculos móveis e imó-
veis, para finalmente perder-se na noite e chegar
em casa muito zangado:
- Como você faz uma coisa dessas comigo, pai?
- Por favor, meu filho, não fique assim tão zan-
gado com o seu pobre e velho pai. Apenas me conte
como foi que você conseguiu fugir.
Depois de ouvir a narrativa do jovem, o patife
concluiu afetuoso:
- Pronto, aí está...Agora você já aprendeu o ofí-
cio.

218
Hua tou

Quem é que repete agora o nome de Buda?

219
Aproveite o morango

Vamos chegando ao final deste volume e é ape-


nas natural que você não tenha aprendido nada. O
tema é complicado e as lições, infinitas.
Isto aqui é apenas um livrinho.
Convenientemente, a natureza fundamental
do budismo é uma ferramenta muitíssimo ade-
quada para lidar com o problema.
Foi o próprio Shakyamuni, o Buda, quem con-
tou uma parábola para ilustrar a situação do ser
humano e a atitude budista em relação a isso.
Quer dizer, a gente nem precisa de um livro intei-
ro para explicar uma coisinha tão simples:

Uma mulher corria na floresta, perseguida


por um tigre.
Ela acabou encurralada num precipício; onde
não havia outra opção, para fugir, além de tentar
descer.
Dependurada num galho, em cima do abismo,
a mulher percebeu que havia um segundo tigre lá
embaixo, esperando que ela caísse.
Como se não fosse o bastante, alguns ratos
apareceram no galho em que ela se pendurava e
começaram a roê-lo com os dentes.
Foi no meio dessa situação que a mulher per-
cebeu um lindo morango, ao alcance da mão.
Ela apanhou o morango e o comeu.
Estava uma delícia.

220
Tem, mas acabou

Tudo sempre se transforma (até este mesmo


livro continuará se transformando a cada vez que
for lido) e o final invariavelmente chega para toda
onda no mar.
Natural que cheguemos agora ao final deste
volume – apenas por motivos práticos e mecâni-
cos.
Faz alguns anos que venho reunindo esses
textos e que venho criando versões em português
de alguns deles, para compartilhar com amigos.
Desde que pensei em transformá-los num livro,
para compartilhar com todos, tenho reunido mais
e mais textos – de forma que já tenho uma grande
quantidade deles.
Ainda que a mão queime com vontade de com-
partilhar todos de uma vez só, um livro enorme –
que apenas alguns tarados literários consegui-
riam ler e apreciar – deixaria de ser um livro “para
todos”.
Faço questão de explicitar escancaradamente
que o volume não teve a intenção de esgotar ne-
nhum dos assuntos que atravessou, nem de capa-
citar ninguém como autoridade em zen budismo
– coisa que eu mesmo não tenho.
Este volume não é uma peça de engenharia,
destinada a encaixar-se em outras peças para for-
mar um todo lógico e concluído.
Este volume é um buquê de flores, que, pela
sua própria natureza de buquê, não tem intenção
nenhuma de esgotar o que existe nos bosques, de
expor toda a Mãe Natureza numa amostragem
conclusiva e final, ou de fornecer diploma em botâ-
221
nica.
Pretendo montar novos buquês, porque o bos-
que literário do zen budismo é vasto e maravilho-
so – quero trazer muitas coisas de lá e espalhar
pela cidade – mas admito que este pequeno volu-
me já deu muito trabalho e reconheço que levo
uma vida ociosa.
Não criemos obrigações, nem expectativas.
O que for, será.
Um morango de cada vez :)
Foi uma delícia, para mim, compartilhar este
com o mundo.
Obrigado.

222
Índice:

Prefácio 5
Xícara de chá 8
Nada permanece 10
Uma fornalha 12
Castelos de areia 13
Não persiga labirintos 15
Preferência 16
Não consigo sair de casa 17
Aos monges 20
Escrito pela freira Ryonen em seu leito de morte 23
Pedras na água 24
Anfitrião e visitante 25
Lingyun e as flores de pêssego 26
Poema ecoando poemas 27
Ao ver a pintura de um pessegueiro em flor 28
Um velho ditado 29
Cuidado 30
O grande tolo da imensa tolerância 32
Livre 34
Caligrafia na balança 35
Conhecendo a si mesmo 38
Dinheiro à beira da estrada 39
Fragrância 40
Joshu quando jovem 41
De volta para casa 43
Um fim ao karma ruim 44
Como? 46
Remix da iluminação imediata 47
Nada se compara 49
Apalpando como um cego 50
O Caminho está próximo 52
Mais do mesmo 54
223
Mais e mais... 55
Nem sim, nem não 56
Procurando os dedos com a mão 57
Como se estivessem num sonho 58
Peixes se divertem? 59
Zhuangzi 60
De quando as pessoas viajavam a pé 61
Dando duro 63
Hanshan 64
Nem uma única gota 65
Redemoinho de poeira 66
Surdo e mudo 67
Definição de kalpa 68
Si mesmo e outro 69
Agradecer exatamente a quê? 70
Em cima da ponte 72
O outro lado do rio 74
Carregando uma moça 75
A velocidade em que a vida vai 76
O riacho como um travesseiro 77
Ensinamento além das palavras 78
Acelere! 79
O eco 80
Hyakujo e Baso 81
Em alguma parte 83
Vacas e cachorros 84
O oceano tem água? 85
Se você não perguntar, como vai saber? 86
E agora? 87
Um pardal na estátua de Buda 88
Correntezas em cambalhotas 89
O animal satori 90
Bobo Roshi 91
Pra cada coisa, um começo 94
224
O Bárbaro Ruivo Barbado que veio do Oeste e uma
cadeira por perto 95
Hsiang Lin 96
Um segundo balde 97
Uma árvore no jardim 98
Musgo 99
Fake news 100
Aqui não... 101
Idiota 102
Nem eu 103
Um único verso zen 104
Como uma agulha 105
Água na bandeja-d’água 106
Como entre o orvalho e a cor da folha 107
Dois lados de um mesmo milagre 108
Cuidado: é difícil de remover dos olhos 109
Segura essa 110
De verdade 111
Lâmpada em plena luz do dia 112
Cabeças inchadas 114
O cachorro e a Lua 115
Nem lua, nem dedo 117
Reto e em frente, como uma flecha 118
Labirintos não levam a Roma 119
Esse encontro seria exatamente como e entre quem? 120
Muito alto 121
Famosa metáfora 122
Onde estamos? 123
Mandando o super 124
Retrato falado 125
Grávido vazio 126
Curto e grosso 127
Aprendizado além do ensinamento 128
Simples assim 129
225
Vento suave 130
Poderes sobrenaturais? Claro! 131
Constrangimentos zen budistas 132
Hyakujo e a raposa 133
Vai e volta 138
Adivinha... 139
Magnífico naufrágio 140
A “Pureza Original” do mestre Langye 141
Braços e olhos de Guanyin 142
Que frio 146
Wang-Bangue 147
Nada além disso 148
Muitas vezes é difícil pensar em um título 149
O peixe e a rede 150
Esse próprio corpo é o nirvana 152
Auréolas à tarde; chifres à noite 153
Frágil 156
Estamos aqui 157
Tanto faz 158
Todo mundo se entristece 159
Íntimo e sozinho 160
Triste por quê? 161
De cabelo raspado e batina, um monge parece uma
tartaruga 162
Sem comida, mais uma vez 163
Tudojuntoaomesmotempoagora 164
Carta a um amigo 165
Ei você 166
Tentação 167
De um monge nascido em 1394 168
Cansado de nomes 169
Cansado até de aplauso 170
Ralhando com os outros 171
Procurando em vão 172
226
Fumaça 173
Lu 174
E se Lu entrar pela porta? 176
Orgulhoso 177
Mais um pouco de Yoka Daishi 179
Dois lados de um mesmo pano 182
Nanyue polindo um tijolo 183
Meditando formalmente 186
Um pedaço de verdade 188
Apenas a primavera pode 189
Performance de atos 191
Quem mais pode te ajudar 192
O mestre é você 193
Pergunte à pessoa certa 194
Aqui 195
Açúcar refinado e manteiga clareada 196
Depois de tamanha disputa 197
Você é feliz 198
A iluminação de Pangyun 199
Mapa do tesouro 201
Transparente 203
Quando cai a ficha 204
Qual realidade? 205
Conselhos de Zengetsu 206
Ryokan: “Minhas regras” 208
Risadas por toda parte 210
Na verdade, funciona assim 211
Covarde! 212
Sutra do coração 213
Vazio manifesto na forma 216
O filho do ladrão 217
Hua tou 219
Aproveite o morango 220
Tem, mas acabou 221
227

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