Mauriney Eduardo Vilela PDF
Mauriney Eduardo Vilela PDF
Mauriney Eduardo Vilela PDF
São Paulo
2018
PONT IFÍC IA UN IVERSIDADE CAT ÓLICA DE SÃO PAULO
Programa de Estudos Pós-Graduados em História
São Paulo
2018
Banca Examinadora
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Agradecimentos:
Aos homens e mulheres de teatro: Osnival Búfalo, Guilherme Cruz Costa, Clovis Farinelli,
Amauri Alves, Otávio Penteado Soares, Getúlio Alho, Luís Barbano, José Manuel Costa Alves,
Fernando Cavalheri, Vicente Paulo de Arruda Camargo Filho, Rogério Bastos, Suely de Lazzari.
À jornalista Maíva Lilian Vilela, pela infinita paciência em fazer a revisão do texto da tese.
Página
LISTA DE QUADROS/TABELAS/MAPA ..................................................................07
RESUMO..................................................................................................... 08
ABSTRACT.............................................................................................................. 09
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS....................................................................... 10
INTRODUÇÃO........................................................................................................ 13
CAPITULO I – O Teatro Amador Paulista: Da ação de agitadores culturais à
atuação da Comissão Estadual de Teatro............................................................ 25
I.1 A Comissão Estadual de Teatro........................................................................ 32
I.2 A atuação dos municípios, do governo federal, das empresas, das
entidades civis e das pessoas físicas, em relação ao Teatro Amador.................... 57
CAPÍTULO II – O Teatro Amador além do palco................................................... 64
II.1 Movimento federativo..................................................................................... 67
II.2 A COTAESP em movimento: as assembleias e congressos.............................. 78
CAPÍTULO III – Os festivais.................................................................................... 102
III.1 Os FETAESP da Comissão Estadual de Teatro (1963-1965) ............................ 103
III.2 Transição: os FETAESP das federações (1966 e 1967) ....................................112
III.3 Os FETAESP organizados pela COTAESP (1968-1975) .................................... 120
III.3.1 Palcos iluminados, em tempos escuros (1968-1972) ..................................128
LISTA DE QUADROS/TABELAS/MAPA
Página
MAPA – Federações de Teatro Amador do Estado de São Paulo.......................... 73
Quadro 1 – Estrutura dos três primeiros FETAESP (DE 1963 A 1965) ...................104-5
Quadro 2 – Grupos premiados nos três primeiros FETAESP (DE 1963 A 1965) .... 108
Quadro 3 – Peças premiadas nos três primeiros FETAESP (DE 1963 A 1965) .......109
Quadro 4 – Estrutura do IV e do V FETAESP (1966 e 1967) .................................. 112-3
Quadro 5 – Origem dos grupos amadores que participaram das finais do IV e V
FETAESP ................................................................................................................ 116
Quadro 6 – Análise de repertório, na fase final do IV e V FETAESP ...................... 116-7
Quadro 7 – Estrutura dos FETAESP organizados pela COTAESP (1968-1975) ...... 120-1
Quadro 8 – Origem dos grupos amadores que participaram das finais dos
FETAESP entre 1968 e 1975 .................................................................................. 123
Quadro 9 – Peças que participaram das finais dos FETAESP entre 1968 e 1975,
quanto à autoria e repertório ............................................................................... 125
8
RESUMO
A história do movimento federativo paulista de Teatro Amador é descrita e analisada,
no período entre 1963 e 1975. No âmbito descritivo, a partir da ação da Comissão Estadual de
Teatro (CET), acompanha-se a criação e desenvolvimento das federações de Teatro Amador e
da Confederação de Teatro Amador do Estado de São Paulo (COTAESP), além das assembleias,
congressos e festivais de Teatro Amador. No terreno da análise, busca-se compreender o que
fez pessoas (e grupos) com propostas tão diferentes agirem em conjunto, construindo
federações, organizando congressos, fazendo festivais e conquistando espaços físicos e
políticos, por um espaço de tempo de uma dúzia de anos. A análise também busca definir quem
fez teatro amador nesse período, suas motivações e objetivos, seus temas e linguagens. De
acordo com o que foi analisado, as encenações amadoras parecem ter imergindo na estrutura
de sentimentos de seu público e contribuído para avanços e transformações nas relações sociais,
mesmo enfrentando poderosa oposição de uma ditadura militar.
ABSTRACT
The history of the State of São Paulo’s amateur theater federative movement is
described and analyzed in the period between 1963 and 1975. We will describe the action of the
State Board of Theatre (CET), and go together with the creation and development of amateur
theater federations and the Confederation of Amateur Theatre in the State of São Paulo
(COTAESP), in addition to the meetings, congresses, and festivals of Amateur Theatre. In the
analysis way, we seek to understand what made people (and groups) with such different
proposals become organized, building associations, organizing conferences, doing festivals, and
searching political and physical spaces, for a period of a dozen years. The analysis also seeks to
define who did amateur theatre during this period, their motivations and goals, their themes,
and languages. According to what was analyzed, the amateur performances seem to be
immersing in the feelings of your public and contributed to advancements and changes in social
relationships, even facing powerful opposition of a military dictatorship.
Introdução
Do início da década de 1960 até a metade da década de 1970, o movimento teatral
amador paulista foi animado por um crescimento e por uma dinâmica inusitados. E um olhar
mais atento sobre esse período nos surpreenderá com a constatação de que propostas tão
diferentes se amalgamaram em um movimento federativo estadual que – segundo avaliações
dos próprios grupos teatrais – congregou, em seu momento de apogeu1, aproximadamente
metade de todos os grupos amadores com vida jurídica do planeta Terra. E que, no período de
1963 a 1975, realizou 70% das apresentações teatrais de todo o Brasil. Nesse período, mais de
15 mil pessoas faziam Teatro amador, filiados a mais de mil grupos no Estado. Mais de metade
desses grupos tinha vínculos federativos.
No Estado de São Paulo, o Teatro Amador sempre foi uma manifestação artístico-
cultural expressiva. Chegando ao limiar dos anos 1960, encontraremos grupos amadores em
todos os quadrantes do Estado de São Paulo2: nas jovens cidades do Pontal do Paranapanema3
, no Litoral Paulista4, Vale do Ribeira, Vale do Paraíba, Capital e Grande São Paulo; enfim, nas 20
regiões administrativas em que o Estado de São Paulo estava dividido à época. E não se trata,
aqui, de simples questão de números: para além da multiplicação dos espetáculos,
observaremos, também, inegável avanço qualitativo no trabalho teatral amador.
O que fez pessoas (e grupos) com propostas tão diferentes agirem em conjunto,
construindo federações, organizando congressos, fazendo festivais e conquistando espaços
físicos e políticos por um espaço de tempo de uma dúzia de anos?
Há uma explicação costumeira para essa questão, mas que talvez não seja suficiente
para dar conta da complexidade do processo: é a de se atribuir a dinâmica do movimento tão
somente a um punhado de homens e mulheres de teatro, que se iniciaram em palcos amadores
da década de 1940, e que nas décadas posteriores articularam-se na Comissão Estadual de
Teatro (CET). Esses homens e mulheres, em 1963, construíram um arcabouço institucional de
apoio à atividade amadora – adubada com recursos públicos – resultando em sucesso imediato.
1
Essas informações constam do caderno de teses do XIX Congresso de Teatro Amador do Estado
de São Paulo (São José dos Campos, maio de 1984), p.19.
2
COMISSÃO ESTADUAL DE TEATRO. Relatório 63/65. São Paulo: Secretaria de Estado dos
Negócios do Governo, s.d. pp 13 e14.
3
Presidente Prudente, que completa seu centenário em 2017, já possuía grupos teatrais
amadores. E o mesmo ocorria em Presidente Anastácio, Regente Feijó e Rancharia
4
De Guarujá, para o Sul. O Litoral Norte se engajará mais tarde ao movimento federativo.
14
Mas os acontecimentos desmentem uma gênese tão simples. Não se pode ignorar a
importância da atuação da CET, mas é preciso olhar para a dinâmica interna dos grupos
amadores e para o próprio papel do teatro no cenário político-cultural brasileiro do período.
Observe-se que em 1963, por exemplo, existiam muitos grupos com várias décadas de
existência; alguns deles – como o TECA (Teatro Experimental de Comédia de Araraquara) – até
participariam de festivais sem estabelecer vínculos duradouros com alguma federação; outros,
recusar-se-iam a adquirir vida jurídica e a participar do movimento federativo (como o Grupo de
Teatro da Escola Superior de Agronomia Luis de Queiroz, de Piracicaba). E esses grupos
amadores, que não estudaremos aqui, deixaram contribuições ao amadorismo fora do ambiente
construído pelos abnegados mecenas da CET.
O ambiente político também contribui para essa complexidade. Num dos Cadernos do
povo brasileiro, publicado em novembro de 1962, Franklin de Oliveira escreve5:
5
A citação foi retirada de CHAUÍ, M. Cultura e democracia – o discurso competente e outras falas.
13ªed. São Paulo: Cortez, 2011. p.130.
6
Idem. pp 22 e 23
15
Não há dúvida que a execução de uma obra de arte dá, a quem a produz, uma dose de
autogratificação. Também é fora de dúvida que o amador realiza sua atividade teatral nos
momentos reservados ao seu próprio lazer, mas esses fatos – apesar de relevantes – são
insuficientes para definir a atividade teatral amadora.
7
Nesse sentido, encontramos aqui similitude entre a trajetória do movimento amador e o
percurso do Teatro Oficina, conforme apresentado por Rosângela Patriota (in A escrita da história do
teatro no Brasil. HISTÓRIA, SÃO PAULO, v.24, N.2, P.79-110, 2005)
16
Outro problema, martirizante para quem faz teatro, está na busca de parâmetros para
a realização da obra artística: quem quer que faça arte tende a eleger um tipo específico de
17
produção como algo, como um padrão, a ser seguido (ou negado). No caso do Teatro Amador,
muitos grupos procuravam no Teatro Profissional, em seus melhores momentos, o modelo a ser
seguido. Há, aqui, um paradoxo: a criação de um espetáculo teatral revela, simultaneamente, o
processo produtivo que o gerou. No Teatro Profissional, a divisão do trabalho (temos o diretor,
os atores, os técnicos, o produtor...) é o resultado de uma série de imposições econômicas
impostas por um sistema que se construiu e se tornou hegemônico dentro de um processo
histórico multissecular. Entre os amadores, a criação realizada pelo grupo, a possibilidade de se
auscultar uma estrutura de sentimentos (no sentido dado por Raymond Williams a esse termo)
em que o grupo está imerso e o comprometimento de todos os membros com toda a produção
do espetáculo pode se perder, engolfado em uma “linha de montagem” cênica.
Esse paradoxo é tão avassalador, tão extenso, que contaminará não apenas o dia a dia
dos grupos amadores e sua produção artística, mas também a concepção dos festivais de teatro
organizados a partir do movimento federativo e da Comissão Estadual de Teatro e o julgamento
das peças, tanto pelos especialistas como pelo público que assistiu aos espetáculos.
Contaminará a crítica jornalística. Contaminará até o presente estudo que, por se pautar pela
documentação produzida pelas instituições e imprensa da época, não conseguirá fugir (na maior
parte das vezes) a essa tirania do olhar hegemônico.
O primeiro momento, entre 1963 e 1965, estará sob tutela da Comissão Estadual de
Teatro: foi a época em que se criaram os festivais estaduais de Teatro Amador e se procedeu o
trabalho de dar vida jurídica a grande número de grupos de teatro.
federativa, sua arte, sua disposição para apresentar e problematizar a realidade, e alguns
recursos públicos advindos de um pequeno escaninho da burocracia do Estado de São Paulo; os
agentes da ditadura dispunham de um gigantesco aparato repressivo, domínio sobre o ambiente
midiático, recursos econômicos abundantes, hegemonia sobre o aparelho de Estado, além de
uma couraça protetiva construída pelo ambiente ideológico planetário de Guerra-Fria. O que
surpreende é o fato dos amadores, congregados na COTAESP, terem feito o movimento
federativo crescer, e muito, até o ano de 1973. Só a partir desse ano, o enorme aparato ditatorial
provocará o estancamento desse fluxo artístico e organizativo.
Estudar o Teatro Amador paulista é uma atividade quase solitária, portanto. E a solidão
é ainda maior, quando o foco é o período 1963-1975. De qualquer forma, alguns bons trabalhos
serviram de balizamento para meu estudo. Menciono, em primeiro lugar, o que ficou sob
coordenação de Roseli Figaro8: embora constituído por textos de pequena dimensão e quase
desconectados entre si (além de se referirem a um outro recorte temporal), observa-se a
preocupação em conhecer quais eram os públicos e de onde vinham (e o que pensavam) as
pessoas que subiam aos palcos para apresentar os espetáculos teatrais. Uma preocupação
exemplar.
Outro trabalho interessante é de Teresa Aguiar9. Embora seja uma espécie de memorial
da trajetória de alguns grupos teatrais, ele nos permite reconhecer onde encontraremos polos
artísticos teatrais amadores, no interior do Estado de São Paulo: São José do Rio Preto, Santos,
8
FIGARO, Roseli (coord.). Na cena paulista, o teatro amador. Circuito alternativo e popular de
cultura. (1927-1945). São Paulo: Fapesp/Ícone, 2008
9
AGUIAR, Teresa. O teatro no interior paulista: do TEC ao Rotunda, um ato de amor. TA Queiroz,
1992.
19
Orleyd Faya11 e Heitor Saraiva12 escreveram seus trabalhos sob a orientação do Prof. Dr.
Hamilton Figueiredo Saraiva, que foi o primeiro presidente da COTAESP. Orleyd, apesar de
referenciar seus estudos entre os anos 1964-1985, dispendeu 75% do que escreveu em um
memorial que antecede o período que ela se propôs a analisar. Heitor Saraiva fez um trabalho
que avançou além do relato factual, mas seu foco era bem específico: estudou detidamente o
grupo teatral amador (Teatro Jambaí de Comédia) que foi dirigido pelo seu orientador de
mestrado. Apesar desses recortes temáticos, ambos os trabalhos são sustentados pela
orientação de um professor doutor que foi protagonista dos fatos apresentados em suas
respectivas dissertações e, indiretamente, apresentam algumas das preocupações e anseios das
lideranças amadoras do período em que meu trabalho se situa.
Esses trabalhos, no conjunto, fornecem uma base para pesquisa. Se nos deparamos com
memoriais, mais do que estudos analíticos, é porque esses pesquisadores (como, aliás, ocorreu
comigo) viram-se na contingência de encontrar e recuperar os fatos que ficaram submersos em
esquecimento. Nesse sentido, tais estudos ganham a grandeza do pioneirismo.
Quando iniciei meu estudo, imaginava focar o movimento federativo de Teatro Amador
paulista a partir da ação das diretorias das federações e das normativas produzidas nos
congressos. Isso me levou à busca das atas de reuniões e congressos realizados. Um problema
sério sobreveio: essas atas, na maior parte das vezes, não foram preservadas pelos amadores
de teatro, com as exceções do material da COTAESP e das federações de Santos, São Carlos, São
José do Rio Preto e Franca. Escapam do olvido, também, os documentos de alguns poucos
10
CRUZ, Maria Eugênia Rodrigues. Comissão estadual de teatro de São Paulo (1956- 1960)
Dissertação de Mestrado, ECA-USP. São Paulo, 2000.
11
FAYA, Orleyd Neves. Teatro paulista de amadores: 1964-1985. Dissertação de Mestrado, ECA-
USP. São Paulo, 2005.
12
SARAIVA, Heitor Júlio Barbosa. O teatro amador na cidade de São Paulo, 1965 a 1975: Teatro
Jambaí de Comédia, uma resistência. Dissertação de Mestrado, ECA-USP. São Paulo, 2005.
20
grupos teatrais amadores da Capital, do ABC e do litoral paulista. A busca por esse tipo de
documento, no caso das demais federações e da quase totalidade dos grupos teatrais amadores,
levaria à difícil e dispendiosa peregrinação por cartórios (cujos endereços – de resto – teriam
que ser descobertos) espalhados por todo o Estado de São Paulo.
Mas o estudo das atas que estavam ao meu alcance, logo mostrou que esse tipo de
busca não apresentaria retorno apreciável. Isso porque – em virtude de o Brasil estar imerso em
uma ditadura, nesse período – as atas evitam transcrever debates sobre questões que poderiam
comprometer os amadores diante dos órgãos repressivos. As atas quase sempre abordavam
questões administrativas, sem qualquer referência expressiva sobre ações culturais, conjuntura
política, projetos artísticos ou análises conceituais.
Desse modo, considerando que as informações das atas que estavam à disposição,
davam uma dimensão razoável de como os grupos funcionavam no dia a dia; de como os grupos,
federações e confederação encaminhavam a organização material de seus espetáculos e
festivais; de como organizavam os seus calendários de atividades; de como enfrentavam os
aparatos de repressão e censura; enfim, de como se davam os provimentos materiais para a
realização de espetáculos e para a manutenção das estruturas burocráticas, concluiu-se que a
busca nos cartórios provavelmente não traria informações importantes para o desenvolvimento
do tema.
Restaram fotografias, algumas de qualidade. Elas poderão trazer mais luz sobre o
período, mas exigem um exame detalhado que demandará muito tempo. As fotos foram
recolhidas e direcionadas ao MTAP (Museu do Teatro Amador Paulista) à espera de novas
pesquisas. Algumas fotos estão em anexo, como mostruário do potencial desse material para
futuros estudos.
21
Outra fonte importante para o trabalho de pesquisa é constituída por recortes de jornal.
Foram coligidos aproximadamente dois mil recortes de publicações, de um universo de 50 mil
guardados pelos amadores de teatro, pela COTAESP e por meia dúzia de federações de teatro
amador. A quase totalidade dos 50 mil recortes foi direcionada ao MTAP, sediado em duas salas
do Teatro Municipal de Franca, e se encontra – hoje – acondicionada em caixas-arquivo. Uma
pequena parcela, desses recortes, encontra-se na Biblioteca Florestan Fernandes, da UFSCar,
mas o acesso a esse último material, infelizmente, acha-se severamente restrito. Em verdade,
os centros de pesquisa, com exceções raríssimas (o arquivo Miroel Silveira, da ECA-USP, talvez
seja exceção solitária), não se preocuparam em coligir documentos relativos ao Teatro Amador
paulista.
Ainda sobre os recortes, explica-se a ênfase no uso dos artigos de jornal por conta do
fato de que não se encontrou fonte alternativa para boa parte dos fatos elencados. Mas também
porque se esperava, nos relatos jornalísticos, a descrição e a repercussão dos eventos amadores
(até porque milhares de apresentações teatrais e os vários congressos e reuniões não poderiam
– simplesmente – ser ignorados pela imprensa escrita...). Mesmo que exista espaço para se
deplorar a visão hegemônica, encontrada nos jornais, de que o parâmetro do amadorismo tenha
que ser o teatro profissional, há que se constatar que os jornais produziram as dezenas de
milhares de notas, artigos e reportagens que ajudaram a embasar nosso estudo.
Seguindo com a apresentação das fontes aqui utilizadas, têm importância marcante as
publicações e relatórios produzidos pela Comissão Estadual de Teatro (CET), especialmente para
se compreender o processo de criação das federações de Teatro Amador, como se montou o
arcabouço institucional das entidades amadoras, como se organizaram os festivais amadores e
os mecanismos de subvenção teatral. Quando esse material se encontra sob a forma de livretos,
aparece discriminado nas referências elencadas ao final do nosso trabalho.
Bem, esses fatos – coligidos nas fontes acima elencadas – já aconteceram. Não há como
observá-los diretamente. Por isso, como historiadores, precisamos analisar e interpretar os
traços materiais deixados pelos fatos; temos que descobrir os vestígios intelectuais que as ações
desses personagens deixaram em nossa sociedade. Estudo ainda mais difícil porque o principal
material produzido por amadores são os espetáculos teatrais, que se desvanecem assim que são
realizados.
E por que decidi fazer um estudo que, de antemão, considero tão difícil?
No segundo capítulo, veremos como os amadores se organizam para realizar sua arte.
Começamos por conhecer as células básicas do movimento teatral amador, que são os grupos
de teatro; a seguir veremos como se constituíram as federações regionais e, a seguir, a
Confederação de Teatro Amador do Estado de São Paulo. Acompanharemos reuniões,
assembleias e congressos, em suas discussões e deliberações, dialogando com as diferentes
situações, espaços e práticas de Teatro Amador, no período.
24
Finalmente, encontraremos uma nova cena cultural, na qual os amadores perdem parte
de sua força, momento em que chegaremos a algumas conclusões e a muitas perguntas novas.
Enfim, ao realizar esses estudos, duas outras perguntas me acompanharam: será que
vale a pena dar, a um trabalho sobre Teatro Amador, tema pouco encontrado em estudos
acadêmicos, tantas horas de reflexão? E exigir, ainda, a orientação tão instigante, solícita e
competente da Prof.ª Dr. ª Heloisa de Faria Cruz?
13
In PEIXOTO, F. Teatro em questão. São Paulo: Hucitec, 1989. pp. 182-183.
25
É o que se fará nesse primeiro capítulo, que principia com a identificação dos
personagens e das instituições que emergem na cena cultural paulista a partir dos anos 1940 e
que se encontram na base da formação do movimento federativo do teatro amador nos anos
1960. E com a reflexão sobre a trajetória que esses atores assumiram. Nos anos 1940, destacam-
se os jovens egressos das primeiras turmas da Universidade de São Paulo, na criação de grupos
teatrais amadores e que nas décadas seguintes se destacariam como intelectuais importantes
na vida cultural do Estado e do país. O primeiro capítulo segue, na década seguinte, essas
mesmas pessoas, agora adultas e exercendo funções de jornalistas, críticos de arte e
administradores públicos, no momento em que criam a Comissão Estadual de Teatro (CET) e se
tornam indutores de ações culturais planejadas ou fomentadas pelo governo estadual. Nesse
processo, observar-se-á como a CET contribuirá grandemente para a conformação do
movimento federativo. Ainda nesse primeiro capítulo, abordar-se-á as ações de incentivo ao
Teatro Amador realizadas por empresas, clubes, sindicatos, grêmios estudantis e igrejas.
14
O termo “agitador cultural” é usado aqui com a mesma conotação usada por Juscelino
Kubitschek ao se referir a Pascoal Carlos Magno como “agitador cultural oficial”, encarregando-o de
dinamizar a cultura e buscar talentos artísticos em todos os recantos.
26
para ilustrar sua matéria, fundou um grupo teatral com alunos das primeiras turmas. Entre os
jovens estavam Antonio Cândido, Décio de Almeida Prado e Paulo Emílio Salles Gomes.
A história do GTE, que se forma a partir da união de dois outros grupos amadores, é bem
interessante e merece um relato mais demorado. Alfredo Mesquita (em seu depoimento para
a FUNARTE, em 1972) relata que, no início da década de 1940 era dono da Livraria Jaraguá17,
ponto de encontro de intelectuais e de jovens da sociedade paulista. Em princípios de 1942,
Mesquita recrutou – entre os moços da elite – um pequeno grupo, e com eles realizou uma
montagem amadora realizada na língua francesa, com um texto de Alfred Musset. Outro grupo
amador (English Players18), cujos membros também frequentavam a Livraria Jaraguá, decidiu
por unir-se ao grupo dirigido por Mesquita. Da fusão desses dois grupos, surge o GTE (Grupo de
Teatro Experimental), que atuará em São Paulo até 1948.
A curiosa união de um grupo amador francófono com outro grupo amador anglófilo deu-
se com o objetivo de “levantar o nível do teatro brasileiro, fazer um teatro-cultura e educar o
público para a aceitação de peças fora do âmbito das possibilidades do teatro profissional da
15
Alfredo Mesquita (1907/1986) estudou teatro, na França, com Louis Jouvet. Foi fundador e,
por um tempo, mantenedor da EAD – Escola de Arte Dramática. Diretor de teatro, autor e dramaturgo.
16
Revista acadêmica da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, publicada entre maio
de 1941 a novembro de 1944. Reuniu pessoas que iriam marcar a intelectualidade brasileira: Paulo Emílio
Salles Gomes, Décio de Almeida Prado, Antonio Cândido, Rui Coelho, Gilda de Mello e Souza e Lourival
Gomes Machado. Foi inicialmente financiada por Alfredo Mesquita. Teve 16 números publicados
17
“Situada na Rua Marconi, na época a rua dos grandes costureiros” (cf. HECKER, H. H. Alfredo
Mesquita, Teatro e crítica na São Paulo de 1940 a 1960. Dissertação de Mestrado. São Paulo: UNESP,
2009. p. 42).
18
Os English Players eram liderados por Irene “pussy” Smallbones, filha do Cônsul da Inglaterra,
em São Paulo. Apresentavam, em inglês, peças de Bernard Shaw. E doavam a renda das apresentações
para a Cruz Vermelha.
27
A última peça encenada pelo grupo (em 1948), com direção de Alfredo Mesquita, foi À
Margem da Vida, de Tennessee Willians. Revelou-se, nessa oportunidade, o talento de Nydia
Lícia. A seguir, Mesquita deixaria o GTE para participar da criação da Escola de Arte Dramática
de São Paulo.
Passemos ao Grupo Universitário de teatro (GUT), criado por Décio de Almeida Prado e
Lourival Gomes Machado. O grupo veio ao mundo em 02 de julho de 1943 segundo uma
entrevista que Décio concedeu ao jornal Diário da Noite20. Ao jornal, Décio apresentou
claramente os vínculos entre o GUT, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade
de São Paulo e o Estado Novo, pois o Grupo Universitário de Teatro foi criado “para auxiliar os
Fundos Universitários de Pesquisa para a Defesa Nacional (...) auxiliando a propaganda dos
Fundos e contribuindo financeiramente para essa instituição”. Em relação à filosofia de trabalho
do GUT, ele buscará realizar um teatro “ao mesmo tempo cultural e popular, isto é, que possa
agradar qualquer plateia, mantendo – entretanto – o nível indispensável a uma organização
universitária” e que – na escolha do repertório – a proposta era a de “representar somente
autores de língua portuguesa, brasileiros de preferência (...) lançando, ainda, novos autores,
contribuindo dessa maneira para o crescimento e a melhoria do teatro brasileiro atual”.
19
MESQUITA, Alfredo et al. Depoimentos II. Rio de Janeiro: MEC/DAC/FUNARTE/SNT, 1977. p.25-
26.
20
Entrevista ao Diário da Noite, 02/07/1943. Fonte: arquivo Waldemar Wey. Retiraram-se, dessa
entrevista, os textos entre aspas deste parágrafo.
21
ANDRADE, Oswald. Ponta de lança. São Paulo: Globo, 1991, p.86.
28
Seguindo com o relato que nos leva ao surgimento da Federação Paulista de Teatro
Amador, chegamos ao ano de 1948, quando surge Teatro Brasileiro de Comédia, que se constrói
alicerçado na experiência teatral do GUT e do GTE, além do investimento feito pelo industrial
Franco Zampari.
Uma rápida análise nos leva à conclusão de que esse investimento todo seria demasiado
para o movimento amador que, certamente, não teria como preencher a pauta de um teatro.
Para fazer funcionar a sua casa de espetáculos, Zampari criou (com a cotização de mais de 200
pessoas da alta sociedade paulista) a Sociedade Brasileira de Comédia, empresa que surgiu para
administrar o teatro.
22
As referências a Zampari, que aqui se seguem, foram extraídas de FERNANDES, N. Os grupos
amadores, in Faria, J. R. (direção) História do Teatro Brasileiro. São Paulo: SESC/Perspectiva, 2013. p.75.
23
TEATRO Lotte Sievers. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo:
Itaú Cultural, 2017. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/instituicao405464/teatro-
lotte-sievers>. Acesso em: 19 de Mai. 2017. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7
29
(criado em 1951), por exemplo, apresenta peças de autores como Hauptmann, Sternhein,
Schnitzler e Griphius (tudo sob a proteção de sua rica fundadora e patronesse).
O Teatro Amador volta ao proscênio em 1955, com o Teatro Paulista do Estudante (TPE),
num momento em que o Brasil vivia sob crise política, que se avultou após o suicídio de Getúlio
Vargas. A carta-testamento trouxe – para o dia a dia de todos os cidadãos – questões como a do
nacionalismo e a da espoliação a que (de acordo com a ótica da carta-testamento) as pessoas
humildes eram submetidas. Havia confronto político: de um lado, os “entreguistas” da UDN e
uma oficialidade militar anticomunista; de outro, os “nacionalistas” do PTB, lideranças sindicais
e militância comunista. É nesse ambiente que, sob a liderança de Ruggero Jacobbi, o TPE (Teatro
Popular do Estudante) se propõe a fazer um teatro amador popular, professando a ideologia
marxista, dentro de um certo tempero nacionalista, contrapondo-se ao elitismo dos grupos
amadores surgidos na década anterior. As preocupações formais e a emulação com o “novo”
teatro ocidental, evidentes na ação dos grupos amadores que formaram o TBC, deixam de ser
fundamentais para Ruggero Jacobbi, que apresenta suas propostas da seguinte forma24:
Embora Ruggero Jacobbi continue usando termos como “nível cultural baixo”, já se
observa, em sua proposta, uma abertura para reconhecer cultura como "todo aquele complexo
que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros
hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade"25. É o que se
depreende quando se reconhece no povo arte e poesia. Observa-se que, em geral, o fazer teatral
dos grupos amadores que se estruturam nos anos posteriores ao surgimento do TPE, estará bem
mais próximo das propostas de Jacobbi do que das propostas do GUT e do GTE.
24
Apud. VARGAS, Maria Thereza. Teatro amador em São Paulo, in Revista Dionysios. Rio de
Janeiro, MEC/SNT, nº15, dez.1967. p.35.
25
LARAIA, Roque de Barros. Cultura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. p.17
30
No ano seguinte (1956), o TPE (que contava com membros como Gianfrancesco
Guarnieri e Oduvaldo Vianna Filho26) se funde ao Teatro de Arena (dirigido por José Renato e
Augusto Boal27), iniciando – dentro de um contexto de maior politização da cultura em geral, e
do Teatro Amador, em particular – um capítulo importante da história do teatro brasileiro.
Voltemos ao final da década de 1940. Grupos amadores, como o GUT e o GTE, na busca
de um novo teatro, vão além da busca de novas linguagens e de novos temas, sabedores da
26
Gianfrancesco Guarnieri (Eles não usam black-tie; Gimba; A semente; Arena conta Zumbi;
Arena conta Tiradentes; Botequim; Um grito parado no ar) e Oduvaldo Vianna Filho (A mais-valia vai
acabar, seu Edgar; Chapetuba Futebol Clube; Allegro desbum; Corpo a corpo; e Rasga coração) tornar-se-
ão dois dos maiores autores teatrais brasileiros de todos os tempos.
27
Renato José Pécora, o José Renato, foi um grande diretor teatral, responsável por várias
montagens das peças de Oduvaldo Vianna Filho; Augusto Boal, diretor, autor teatral e ensaísta, acabará
se tornando uma das grandes figuras do teatro contemporâneo internacional.
28
Edição de 31 de julho de 1969.
29
Jandira Martinez, Ney Latorraca e Eliana Rocha acabaram construindo sólida carreira
profissional no Teatro, Televisão e Cinema. Carlos Alberto Soffredini (1939-2001) foi pesquisador, autor,
dramaturgo e diretor que passou a ficar mais conhecido com trabalhos para a televisão brasileira.
31
necessidade de uma política cultural que fomente e consolide a revolução (iniciada com a
montagem do Auto da Barca, em 1943) que ocorre nos palcos paulistanos.
E, para que se reivindique uma política cultural que atenda às demandas dos amadores,
não basta que se multipliquem os espetáculos; é necessário, também, que a coletividade seja
informada sobre a existência desses espetáculos e de uma nova realidade teatral. Aqui, a
militância de Décio de Almeida Prado30 foi marcante, difundindo o trabalho dos grupos
amadores pela imprensa paulistana.
A notoriedade adquirida pelos amadores graças aos artigos jornalísticos foi um fator,
talvez importante, para que a Prefeitura de São Paulo decida nomear uma comissão (em janeiro
de 1948) “para estudar e fornecer sugestões atinentes ao teatro em São Paulo” com um
subgrupo específico para o Teatro Amador. Participaram das reuniões os grupos amadores GTE,
GUT, Artistas Amadores31, Teatro Universitário do Centro Acadêmico Horácio Berlinck32 e o
Corpo Cênico Bancário33, que propuseram seis sugestões para fomentar suas atividades:
subvenções em dinheiro; seguro contra prejuízos; regulamentação para o uso dos teatros
municipais pelos grupos amadores; festival de teatro amador; concurso de peças teatrais; e uma
escola de teatro34.
Parece que encontramos, aqui, as primeiras ideias e diretivas que nortearão, não só a
criação, mas inclusive o espírito da ação da Comissão Estadual de Teatro, que surgirá uma
década depois e que terá enorme importância para a articulação e crescimento do movimento
federativo.
30
Indique-se que ao tornar-se crítico teatral de O Estado de São Paulo, em 1946, Décio continua
ativo participante do movimento de teatro amador, abrindo espaço em sua coluna para divulgar seus
espetáculos.
31
A Sociedade de Artistas Amadores (ou Amateur’s Society) apresentava espetáculos sempre em
língua inglesa. Era formado por funcionários de firmas inglesas instaladas em São Paulo.
32
Da Faculdade de Ciências econômicas da Fundação Getúlio Vargas, fundado em 1945 sob a
liderança de Osmar Rodrigues Cruz.
33
Grupo amador do sindicato dos bancários que, sintomaticamente, encenava O pão duro,
comédia de Amaral Gurgel, neste ano de 1948.
34
Palcos e Circos. Jornal O Estado de São Paulo. Edição de 18/01/1948.
32
Corrêa, que estava cursando direito na Faculdade do Largo de São Francisco-USP) unem-se no
chamado Grupo de Teatro Amador de São Paulo (GTA). Essa é a base onde se constrói a primeira
federação de amadores do estado de São Paulo, que receberá o nome de Federação Paulista de
Amadores Teatrais. O GTA também realiza o 1º Festival Paulista de Teatro Amador.
É também em 1956 que surge a Comissão Estadual de Teatro (CET) pelo decreto nº
26.348, assinado pelo então governador Jânio Quadros. A CET terá ação importante e crescente
como órgão formulador e executor da política cultural estadual em relação ao ambiente teatral
paulista, por toda a década seguinte.
A história da Comissão Estadual de Teatro (CET) começa com o decreto (nº 26.348) de
sua criação, em 31 de agosto de 195635. Em seu preâmbulo, informa-se que o governador Jânio
Quadros considerou – ao produzir este decreto – demanda específica realizada pela Associação
Paulista de Críticos Teatrais (que, até por necessidades profissionais, acabava reverberando os
interesses da Companhias Teatrais). A CET surge como um órgão de atribuições consultivas.
Como não existia uma Secretaria de Estadual de Cultura, a CET estaria afeita “ao Gabinete do
Secretário de Estado dos Negócios de Governo”36. Sua constituição é de sete membros, sendo
35
Para situar temporalmente os fatos relativos a CET, entre os anos de 1956 e 1960, vali-me do
competente trabalho de CRUZ, Maria Eugênia Rodrigues. Comissão estadual de teatro de São Paulo (1956-
1960) Dissertação de Mestrado, ECA-USP. São Paulo, 2000
36
Artigo 1º - Decreto 26.348/1956. Estado de São Paulo.
33
Mas para a Associação Paulista de Críticos Teatrais (que demandou o Decreto), para os
produtores teatrais, e para os artistas, a CET poderia se tornar a ponta de lança dos interesses e
ansiedades do mundo teatral paulista. Essa percepção levou a uma articulação para se compor
os quadros da Comissão e, nesse espírito, foram designados pela Associação Paulista de Críticos
Teatrais, os seguintes membros38: Décio de Almeida Prado, Matos Pacheco e Hermilo Borba
Filho. Alguns dias depois, os membros designados pelo Governo39 são nomeados: Francisco Luiz
de Almeida Salles, Nino Nello, Clóvis Garcia e Miroel Silveira. Muitos desses nomes eram
altamente conceituados na comunidade teatral, o que certamente daria, à Comissão, condições
de avançar muito além do que o decreto de sua criação parecia indicar. Nos primeiros meses
da CET, ocorreram algumas substituições: as mais marcantes foram a que propiciou a chegada
de Sábato Magaldi à Comissão (indicado pela Associação Paulista de Críticos de Arte40) e a
entrada do representante do movimento amador, João Ernesto Coelho Netto (presidente da
Federação Paulista de Amadores Teatrais)41, ocupando uma das vagas reservadas às nomeações
do governo estadual42.
37
Artigo 2º - Decreto 26.348/1956. Estado de São Paulo.
38
Diário Oficial do Estado (D.O.E.) 02/09/1956 p.01.
39
D.O.E. 12/09/1956 p.02.
40
D.O.E. 25/01/1958 p.07.
41
D.O.E. 16/02/1957 p.08.
42
Façamos uma rápida apresentação dos primeiros integrantes da CET:
34
O Regimento Interno é bem enxuto, com 14 artigos. O mais extenso deles, tratando das
competências da CET, merece ser integralmente reproduzido43:
Num primeiro momento, a Comissão Estadual de Teatro parecia ser apenas mais um
órgão burocrático: em suas primeiras reuniões, preocupou-se em garantir a concessão de
empréstimos do Banco do Estado de São Paulo às empresas teatrais do Estado44.
Mas, nas reuniões seguintes, ainda em 1956, a CET decidiu-se por fazer um
dimensionamento de qual era a situação do fazer teatral paulista. O objetivo seria a maturação
de um Plano Estadual de Teatro:
44
A partir desse ponto, as referências, salvo indicação em contrário, serão retiradas de um
caderno produzido pela Comissão Estadual de Teatro, a mando da Secretaria de Estado dos Negócios do
Governo. Seu título é Comissão Estadual de Teatro – textos legais e regulamentares. Possui 50 páginas, é
de 1958 e foi impresso pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Essa primeira referência situa-se na
p.09.
45
Comissão Estadual de Teatro – textos legais e regulamentares, p.13.
36
Como se vê, o colegiado da CET não demorou para demonstrar que seria bem mais do
que uma instituição criada para simplesmente legalizar repasses de recursos públicos a algumas
companhias privadas de produção teatral. Esses 160 questionários respondidos lançam luz para
além das prováveis tournées de companhias profissionais: trarão indicação da existência de
espaços que podem ser usados por amadores ou eventuais espetáculos alternativos; de onde
há total carência de locais para apresentações teatrais; de onde pode existir movimento teatral
regional. Certamente, os questionários serviriam como ferramenta para a articulação de uma
política teatral e de formação de públicos. Como consequência, os membros da CET criaram, no
momento em que tomaram posse dos 160 questionários respondidos, uma subcomissão para
estudar as informações coligidas, com o objetivo de produzir um anteprojeto de Plano Estadual
de Teatro.
Entre as ações da Comissão Estadual de Teatro, neste ano de 1957, podemos ressaltar:
46
Por meio do Decreto nº 27.486, de 25 de fevereiro.
47
Eis a origem do Decreto Nº 29.993, de 26 de outubro de 1957, autorizando a cessão, para
representações teatrais, de próprios do estado, ocupados por estabelecimentos de ensino sob
responsabilidade da Secretaria da Educação.
37
Das intensas atividades do ano de 1957, a que mais exigiu tempo de trabalho da CET foi
a elaboração de um Plano Estadual de Estímulo ao Teatro (além da necessária garantia
orçamentária), que seria apresentado em 1958.
E é com base nos dados auferidos pelos questionários de 1957, que a CET realiza as
seguintes ações, em 1958:
48
Decreto Nº 30.755 (27/01/1958). Artigo 3º.
49
Conferências de Introdução ao Teatro foram realizadas em Escolas Normais e em Ginásios
Oficiais de cinco bairros paulistanos: Vila Mariana, Pinheiros, Lapa, Ipiranga e Santana.
50
Comissão Estadual de Teatro – textos legais e regulamentares, p.31. Os cursos de monitores
teatrais tinham “por principal objetivo formar elementos aptos a organizar, orientar e dirigir grupos
amadores dentro de um princípio geral, que tenha em vista a importância do teatro, principalmente os
seus aspectos artístico e cultural”.
38
Paulista de Amadores Teatrais, serviu de embrião para os futuros Festivais de Teatro Amador do
Estado de São Paulo.
Em relação ao Teatro Amador, que nos interessa mais de perto, Sábato Magaldi diz,
nesse artigo, o seguinte:
51
MAGALDI, S. Justificação de um plano. Suplemento Literário de “O Estado de São Paulo”,
03/05/1958.
39
A leitura do artigo de Sábato Magaldi, que também representava a visão da CET52, leva
a algumas considerações:
Quando afirma que “A CET fugiu ao esquema comum dos órgãos burocráticos,
movimentados apenas por estímulo exterior, para tornar-se um núcleo dinâmico”, Sábato
Magaldi parece indicar que uma visão de mundo iluminista norteava o trabalho da Comissão.
Esta decidiu extrapolar a costumeira ação de órgãos burocráticos, para “visar a um teatro
cultural, popular, brasileiro e de raízes fundas no tempo”. Para chegar a seus objetivos
“preferiram então, os membros da CET, o ônus das tarefas incômodas, aquelas que não admitem
transferir a outrem a responsabilidade pelos resultados, mas representam o compromisso de
realizar conscientemente um programa”.
Após seus primeiros anos, de atividades quase frenéticas, a Comissão Estadual de Teatro
entra em um período que poderíamos chamar de letárgico. No máximo, as ações dos anos
anteriores foram mantidas, com a exceção do trabalho conjunto com a Escola de Arte Dramática,
que evoluiu. Seria injusto debitar essa letargia a uma redução do ritmo de trabalho ou da
empolgação dos membros da Comissão.
Talvez também seja injusto afirmar que os interesses pessoais de Carvalho Pinto como
governador do estado (cujo mandato coincide exatamente com esses anos de letargia) tenham
determinado esta estagnação: afinal, apesar de ser de um partido considerado muito
conservador (União Democrática Nacional – UDN), Carvalho Pinto tinha posições reformistas e
estava assessorado por muitos secretários progressistas (como certamente era o caso do seu
mais próximo auxiliar, Plínio de Arruda Sampaio - um dos mais respeitados intelectuais de
esquerda católica e também um do mais árduos defensores da Teologia da Libertação entre o
laicato). Além disso, Carvalho Pinto foi o primeiro governador a estabelecer um planejamento
orçamentário dos vários setores da administração pública e criou a Universidade de Campinas,
a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e a Faculdade de Medicina
52
“A sua justificativa do Plano Estadual de Estímulo ao Teatro exprime o pensamento da CET e
os pressupostos que nortearam os seus integrantes ao elaborar o Plano”. In Comissão Estadual de Teatro
– textos legais e regulamentares, p.50.
40
de Botucatu, posteriormente incorporada à UNESP. Tudo isso parecia indicar que se poderia
encontrar, no gabinete do governador, ambiente favorável para a ação cultural.
Mas não foi o que aconteceu: se a alocação de recursos para a Comissão Estadual de
Teatro for um parâmetro razoável de aferição, constatamos que houve um congelamento do
valor nominal. Nessa época, a inflação anual beirava os 50%, o que implica numa severa
diminuição de investimento na atividade teatral por parte do governo do estado.
Não se pode debitar esse interregno letárgico à crise política nacional (eleição da Jânio
e posterior renúncia ao cargo de Presidente da República; crise parlamentarista) ou à mudança
de foco do movimento artístico (CPC da UNE; teatro de rua; grupo Opinião), pois esses fatos
persistiam (até com maior força...) em 1963, quando a CET retoma seu protagonismo no
panorama teatral paulista.
Neste ano de 1963, Adhemar Pereira de Barros volta ao governo do Estado de São Paulo,
após derrotar Jânio Quadros, graças à votação nas pequenas cidades. Atento ao resultado das
urnas, Adhemar não governa olhando apenas para a Grande São Paulo. Dentro da lógica de
harmonizar o crescimento da capital e do interior, o governo estadual inicia a construção das
grandes Hidroelétricas de Jupiá e de Ilha Solteira, e amplia a rede rodoviária. No que concerne
às atividades teatrais, veremos que essa busca de harmonia no crescimento cultural significará
estímulo ao teatro em todas as regiões administrativas.
Como nessa época não havia Secretaria de Cultura, estando a Comissão Estadual de
Teatro (criada sete anos antes) vinculada à Secretaria de Estado dos Negócios do Governo, as
linhas gerais do incentivo ao teatro ficaram nas mãos do Deputado Juvenal Rodrigues de
Moraes53, então Secretário de Governo. O deputado Juvenal recompõe a Comissão Estadual de
Teatro, delegando-lhe as ações objetivas que levariam ao incentivo ao fazer teatral (incentivo
que a Comissão sempre tentou realizar; só não avançou mais em sua execução por falta de
recursos materiais e orçamentários, entre os anos de 1959 e 1962).
A nova comissão tomou posse no dia 16 de maio de 1963. O presidente escolhido foi
Nagib Elchmer (professor das Faculdades Metropolitanas Unidas e que assumiu várias funções
burocráticas na Secretaria da Educação, durante sua vida profissional), e a vice-presidência
coube a Benjamin Cattan (representando o Sindicato dos Atores, foi personagem importante na
implantação da TV brasileira, atuando como ator e diretor do Teatro de Vanguarda – na TV Tupi
53
Foi deputado estadual por quatro vezes consecutivas, a partir de 1956. Militou no Partido
Social-Democrata (PSD), Partido Social-Progressista (PSP) e na Aliança Renovadora Nacional (ARENA).
41
– e no Teatro Dois, da TV Cultura). Três membros da CET (também estipulados pelo decreto nº
26.348/1956, que criou o Conselho) foram indicados pela Associação Paulista de Críticos
Teatrais. Para preencher os demais cargos, o Secretário de Governo ouviu algumas entidades
que ele considerava relevantes54.
A composição da Comissão revela a virtual falta de voz dos que trabalham no teatro
(atores, técnicos de cena); Benjamin Cattan, que foi designado como representante do sindicato
dos atores, na época trabalhava como produtor teatral, na TV: estava, portanto, “do outro lado
do balcão”. Além disso, os que faziam teatro de rua (ou outras formas de teatro que poderíamos
chamar de ‘não-estabelecido’) não tinham qualquer representação nessa Comissão.
Não é excessivo concluir que a estruturação da nova Comissão Estadual de Teatro deu-
se sob o discernimento exclusivo do senhor Secretário de Governo55. A sorrateira inclusão de
nomes, ilustres e ‘inquestionáveis’, retirados de organismos de classe, esmaece, mas não
esconde essa tendência à imposição autocrática.
54
Os demais membros estavam assim distribuídos:
• Representantes da Associação de Críticos Teatrais: Maria José de Carvalho (poeta
concretista, tradutora de clássicos em seis línguas, autoridade em dicção e estilo, atriz, cantora e diretora
teatral, ativista em movimentos de renovação cultural, foi professora da Escola de Arte Dramática), Pedro
Antônio de Oliveira Ribeiro Netto (diplomado em letras e em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade
do Largo de São Francisco, promotor público, juiz, adido cultural do Itamarati, membro e presidente da
Academia Paulista de Letras, jornalista, crítico literário, escritor, poeta e tradutor) e Horário de Andrade;
• Representante da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais: Manoel de O. Proença Filho
(Funcionário da SBAT);
• Representante do Teatro Amador: Dr. Evaristo Ribeiro (engenheiro civil que construiu o
Teatro Ruth Escobar e assistente de direção no Teatro Brasileiro de Comédia – TBC);
• Representante do setor infanto-juvenil: Dina Lisboa (Enedina Lisboa foi professora do
então ensino primário e atriz de cinema, teatro e TV);
• Representantes dos empresários: Sandro Polloni (fundou o Teatro Popular de Arte e a
Companhia Maria Della Costa) e João Rios.
Ocorreu uma alteração durante a vigência dessa constituição da Comissão: Dina Lisboa demitiu-
se, sendo substituída por Tatiana Belinky (nascida na Rússia, escreveu mais de 250 livros para o público
infanto-juvenil).
55
Carlos Pinto (que se tornaria presidente da Confederação de Teatro Amador do Estado de São
Paulo – COTAESP) reafirmou que as escolhas do Secretário de Governo foram pessoais, convocando
pessoas que eram desconhecidas de boa parte da comunidade teatral. E exemplificou de maneira hilária:
contou – em conversa com o autor dessa tese – que só conheceu Dina Lisboa (representante do Teatro
Infantil, na CET), alguns anos depois, quando Hamilton Saraiva (vice-presidente da COTAESP) a indicou
como a intérprete de “Dona Neusa”, no filme Betão Ronca Ferro, de Mazzaropi.
42
propostas de ação) a partir da análise do relatório minucioso, produzido pela própria CET, sobre
suas atividades no período 1963/1965. Análise esta, que nos permitirá encontrar tanto as
propostas e ações da Comissão, no período, como também indicará parte do contexto em que
os amadores irão ampliar sua atuação e sua organização no ambiente teatral paulista.
Quais seriam essas dificuldades? O Relatório da Comissão elenca uma dezena delas57. E
o que claramente se observa, nos dez grandes problemas eleitos para serem enfrentados pela
Comissão Estadual de Teatro, são as preocupações em formar públicos e de defender os
interesses dos empresários teatrais. Mas não se pode dizer que o Teatro Amador tenha sido
esquecido: são mencionadas as necessidades de publicação de livros sobre teatro; de
construção de casas de espetáculos; de amparo aos grupos amadores; e de introdução do teatro
nas escolas.
56
A partir desse ponto, as referências entre aspas, salvo indicação em contrário, serão retiradas
de um caderno produzido pela Comissão Estadual de Teatro e impresso a mando da Secretaria de Estado
dos Negócios do Governo. Seu título é Relatório 63/65 – Comissão Estadual de Teatro (e que, a partir
daqui, será chamado simplesmente de Relatório). Possui 75 páginas e não tem indicação da data em que
foi publicado. Essa primeira referência situa-se na p.01.
57
São elas, conforme descritas nas pp. 01 e 02 do Relatório:
a. O condicionamento das atividades das companhias profissionais com suas crises cíclicas,
com graves reflexos nas suas condições econômico-financeiras;
b. A demasiada centralização das atividades teatrais na Capital do Estado;
c. A falta de casas de espetáculos;
d. O completo desamparo, quer artístico, quer financeiro, a que foram relegados os conjuntos
amadores;
e. Os problemas decorrentes da falta de cursos de Arte Dramática;
f. As condições de trabalho dos atores, técnicos e cenotécnicos e a consequente
regulamentação da profissão;
g. A falta de publicações adequadas, quer de textos, quer de livros técnicos;
h. O distanciamento do teatro nas atividades extraescolares – introdução do teatro nas escolas
primárias e secundárias;
i. O descrédito existente em todas as áreas, com relação à participação dos poderes públicos
na solução desses problemas;
j. A completa falta de visão dos poderes públicos na solução dos mesmos problemas.
58
Idem, p.02.
43
A Comissão explicita, a seguir, sua certeza de que aquilo que ela entende ser “o
movimento cultural” seria incapaz de auferir os recursos materiais necessários para evoluir. A
barreira, representada pelos recursos materiais, só poderia ser vencida graças à tutela do poder
público. Nas palavras da Comissão:59
Ainda nas páginas iniciais, que justificam o planejamento realizado pela Comissão (e
claro, os resultados da ação planejada), há um audacioso cometimento: o de discutir qual seria
a função do teatro.
59
Ibidem, p.03.
60
Relatório, op. Cit., p.03
44
61
Ib., p.03
62
Ib., p.03
63
ib. p.03
45
quilômetro...64). Em linhas gerais, observa-se que a totalidade dos gastos com o teatro
profissional, em 1963, se realizou por meio de simples distribuição de recursos entre os grupos,
sem qualquer vínculo com os tais “fundamentos do Plano da CET”.
Observe-se que a CET conseguiu fazer com que os recursos reservados ao Teatro
Profissional subissem de Cr$13,3 milhões (em 1963), para Cr$100 milhões (em 1966). Mas, pela
análise do Relatório, parece razoável inferir que a CET não fez muito mais do que legalizar
repasses para os grupos profissionais de teatro. Esta inferência ganhará mais probabilidade de
traduzir a realidade dos fatos, se as demais ações da CET (em relação ao Teatro Amador, Teatro
Estudantil, Teatro Infanto-Juvenil e a construção de Teatros Municipais) buscarem
preferencialmente a construção de novos públicos e espaços para o Teatro Profissional.
Na introdução do capítulo II, sobre Teatro Amador, o Relatório afirma que, para “o
desenvolvimento integral do Plano” é importante estruturar o Teatro Amador, “dotando-o de
uma organização racional”, que possibilitaria “à Comissão Estadual de Teatro, pela
descentralização, atender ao maior número possível de grupos em todo o Estado de São Paulo”.
64
Informação retirada do site http://www.flatout.com.br/quanto-custavam-os-carros-de-
ontem-em-dinheiro-de-hoje/, em 09/08/2016.
65
Isso por conta da criação de um “REGULAMENTO PARA A PARTICIPAÇÃO DA COMISSÃO
ESTADUAL DE TEATRO NAS REALIZAÇÕES TEATRAIS DAS COMPANHIAS PROFISSIONAIS” que é
apresentada sob a forma de “Apêndice 1”, nas pp. 45-48 do Relatório. Ao diferenciar companhias
profissionais em “estáveis” e “itinerantes”, a CET exclui os itinerantes (não possuem local permanente de
trabalho; não possuem elenco permanente; grupos recém-criados) da participação de convênios. Os
grupos que, enfim, receberam recursos foram: Empresa José Dias Barcelos; Cia. Cacilda Becker; Cia. Nydia
Lícia; TBC; Teatro Maria Della Costa; Maurice Vaneau; Teatro de Arena; Teatro de Oficina; Teatro Ruth
Escobar; Teatro Nacional Popular; Teatro da Cidade; Teatro de Esquina; Teatro Aliança Francesa.
46
Federações de Teatro regionais que agregariam os grupos teatrais amadores, o que poderia lhes
dar orientações administrativas, apoio logístico e de equipamentos.
Há, aqui (da mesma forma que ocorreu no Plano Estadual de Estímulo ao Teatro, de
1958, conforme observado páginas acima), indícios de que uma das preocupações fundamentais
da CET seria a de fazer – do Teatro Amador – uma ferramenta para a popularização dos
espetáculos teatrais.
66
Ib. p.12.
47
Pode-se também imaginar que os senões apontados tenham origem em algum tipo de
demanda político-partidária. Mas isso não é muito provável em relação a Descalvado ou a Garça
(que acabará sediando uma federação).
Ao final, quinze federações acabaram sendo fundadas. Nove federações foram batizadas
com nomes que designam sua localização na malha ferroviária paulista (Federação de Teatro
Amador da Alta Mogiana, da Média Paulista, etc.), o que era algo muito comum no início dos
anos 1960. Em linhas gerais, serão estas quinze federações o palco da ação do movimento
federativo nos anos que se seguirão.
questão buscar compreender quais os critérios que nortearam a escolha dos títulos distribuídos
pela CET. Algo a ser estudado no futuro.
Aqui observamos que, embora a quase totalidade dos grupos de teatro infanto-juvenil
e de teatro universitário fossem objetivamente amadores, a Comissão Estadual de Teatro
decidiu-se por dedicar capítulos especiais a esses grupos. Assim, o capítulo III, do Relatório, trata
do teatro infanto-juvenil, que ficou sob a orientação, num primeiro momento, da atriz Dina
Lisboa. Em 1964, o teatro infanto-juvenil, dentro da CET, passa para o comando da dramaturga
Tatiana Belinky.
O Relatório indica que Dina Lisboa preocupou-se em chamar para o diálogo, os vários
Grupos interessados em teatro infanto-juvenil (incluindo-se, aqui, os amadores que – repetimos
– são a quase totalidade dos grupos dessa modalidade). É muito provável que esse debate (o
Relatório não se refere diretamente ao que foi debatido) tenha dado relevo a dois problemas
gigantescos, que limitam fortemente o teatro infanto-juvenil brasileiro: a falta de “um adequado
preparo pedagógico”67 e técnico, no que se refere ao teatro infantil; a quase inexistência de uma
dramaturgia brasileira para o teatro da juventude.
Tatiana Belinky, sucedendo Dina Lisboa, liderou o enfrentamento da CET para cobrir as
enormes lacunas que relegavam o teatro infanto-juvenil à insignificância. Embora o Relatório
detenha-se, quase exclusivamente, a descrever os três festivais de Teatro Infantil68 e a ação da
CET para o desenvolvimento do “Teatro Escolar”69, foi a criação da Revista Teatro da Juventude
(tratada de relance, no Relatório) que marcou a atuação da CET na área do teatro infanto-juvenil.
67
Ib. p.21
68
Estes festivais foram realizados com a compra de alguns espetáculos profissionais. Foram
apresentados em São Paulo (I Festival – out. /nov. 1963), São José do Rio Preto (nov. /dez. 1964) e
Araçatuba (jul. /ag. 1965), com dispêndio total de Cr$9,5 milhões
69
O “Teatro Escolar” foi subdividido em “Infantil” (para o “pré-primário” e “primário”) – grosso
modo, dos 06 aos 11 anos de idade; e “Juvenil” (para o “Ginasial” e “Colegial”) – grosso modo, dos 12 aos
18 anos, com uso de textos distribuídos pela CET (Revista da CET), orientação técnico-artística (com
monitores e diretores da CET) e incentivo a criação de aulas de teatro e de grupos teatrais nas escolas.
70
http://juliocarrara.blogspot.com.br/2012/09/10-anos-sem-revista-teatro-da-juventude.html,
acessado em 10/03/2016.
50
71
A revista Teatro da Juventude reapareceria em 1995 e teria mais 45 edições, desaparecendo
em dezembro de 2002. Além dos textos teatrais (aproximadamente uma dúzia por edição),
criteriosamente divididos por faixas etárias, havia artigos sobre dramaturgia, direção, iluminação,
cenografia, figurino, sonoplastia, interpretação (escritos por grandes nomes do teatro como Hamilton
Saraiva, Luis Alberto de Abreu, Enio Gonçalves, Eva Wilma) além de sugestões de leituras e seção de
cartas.
72
“... ultrapassando as possibilidades de realização dos demais grupos amadores”: eis o Teatro
Universitário reconhecendo que é Teatro Amador!
51
Pode-se perceber uma visão elitista ou, pelo menos, uma visão que tendia a destacar o
teatro universitário como espaço privilegiado do fazer amador. Indique-se que, pela análise das
múltiplas experiências, essa premissa (a de que a condição cultural mais ampla ultrapassa as
possibilidades de realização dos demais grupos amadores) não resiste à observação de que
grupos amadores da década de 1940 e 1950, construídos fora da comunidade acadêmica,
produziram uma massa de espetáculos de qualidade média superior a que os universitários
produziram em qualquer tempo. Em suma, sem que se diga que os não-universitários amadores
trabalham de maneira superior, parece ser sensato aceitar que a vida universitária não leva,
necessariamente, à produção de espetáculos de melhor qualidade.
Infelizmente, tal qual aconteceu com o trabalho nos Ginásios Vocacionais, a repressão
política produzida pela ditadura militar impediu a realização de fomento, por parte das
instâncias públicas, ao “Teatro Universitário”74.
No mais, o Relatório 1963/1965 apresenta, como seria de se esperar, uma grande série
de atividades que, por não se direcionarem ao Teatro Amador, ficam fora do foco do presente
trabalho. De qualquer forma, apresentaremos algumas ações que acabaram, de alguma
maneira, tendo reflexos sobre as atividades teatrais amadoras.
73
Para se ter um parâmetro de valor, com esse dinheiro seria possível comprar duas dúzias de
“fuscas” zero-quilômetro.
74
Observamos que, mesmo ferido pela intensa repressão, no período 1969-1975, o Teatro
Universitário resistiu. Usando como exemplo o próprio TUCA: “entre 1969 e 1974, o espaço voltou-se à
apresentação de trabalhos de artistas de alto nível, que contribuíram para a educação e para a abertura
de novos caminhos no campo artístico. Espetáculos musicais e teatrais expressivos fizeram parte da
programação do Teatro, levando ao palco artistas como Elis Regina, Caetano Veloso, Chico Buarque de
Holanda, Vinícius de Moraes, Gianfrancesco Guarnieri e Fernanda Montenegro, que em muitas ocasiões
enfrentaram a censura”. (http://www.teatrotuca.com.br/historia.html#, visitado em 17/08/2017)
52
Ainda em relação a premiações, a CET criou, em 1964, uma específica para textos de
teatro infantil (Prêmio Narizinho). Diante do relativo sucesso dessa premiação, a CET decidiu
criar (a partir de 1966) os prêmios “Pedro Malazarte” e “Emília”, para textos redigidos por
crianças, que foram abandonados logo a seguir.
No que se refere a cursos, encontramos uma breve descrição das cidades que receberam
os cursos teatrais e das pessoas que os ministraram. Ressalte-se a menção de que a Associação
Paulista de Críticos Teatrais colaborou nos ciclos de conferências.
O Relatório também informa que, para enfrentar a enorme carência de textos no teatro
brasileiro, a CET decidiu estimular a edição de livros teatrais, comprando 500 exemplares de
cada edição, para distribuí-los aos grupos amadores. No campo da publicação, a CET iniciou a
tradução completa das obras de Shakespeare.
75
Na década de 1980 interrompeu-se a atribuição dos prêmios e o retorno da láurea só se deu
em 2010. Hoje em dia, o Prêmio Governador é, infelizmente, pouco mais do que uma sombra de seu
período áureo.
53
A seguir, no capítulo XII que fecha o relatório temos o demonstrativo das verbas
utilizadas nos exercícios de 1963/1966. De novo, a concisão extrema torna as informações
inespecíficas.
De fato, surpreende que a CET, criada provavelmente para legalizar repasses de recursos
do executivo estadual para as companhias teatrais, tenha realizado muito mais do que isso, nos
anos 1963-1965. Sua estruturação, realizada sob o discernimento aparentemente exclusivo do
Secretário de Governo, acabou fecundada pela inclusão dos nomes ilustres, retirados dos
organismos de classe do mundo teatral paulista. Talvez sejam esses “nomes ilustres”, em grande
medida, pessoas comprometidas com as lutas dos homens de teatro; pessoas possuidoras de
sensibilidade social e com visão de mundo bem definida.
Pois bem, a suposição inicial de que a CET surgiu para legalizar repasses do Executivo
Estadual para as companhias teatrais não foi desmentida no decorrer do estudo aqui realizado.
Mas também é verdade que esta suposição parece insuficiente para dar conta de circunscrever
todas as ações realizadas pela CET e que foram elencadas nesse Relatório. Há uma tal gama de
circunstâncias e de atores, nesse processo, que qualquer manobra para os englobar em uma
matriz analítica seria fadada ao fracasso.
estruturada a partir de uma decisão de governo, mas que soube trazer, para seus quadros,
intelectuais compromissados com o fazer teatral e dotados de sensibilidade.
Por conclusão, esse estudo do Relatório 63/65 da Comissão Estadual de Teatro é o início
do mergulho sobre uma realidade desafiadora e interessante: a do Teatro Amador da metade e
do final dos anos 1960. E pode ser a base inicial de muitos outros trabalhos e estudos.
Olhemos, também, para os anos que se seguem ao Relatório 63/65: Laudo Natel assume
o governo estadual, no dia 06 de junho de 1966, após o governador Adhemar de Barros ter sido
cassado pelo governo militar instaurado em 1964. Natel fica no governo por aproximadamente
oito meses. É substituído por Roberto de Abreu Sodré, eleito indiretamente para o quadriênio
1967-1971. Laudo Natel voltará ao governo, no quadriênio seguinte (1971-1975), também
escolhido indiretamente pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
em verdade – o braço direito do Governador), para ser uma comissão pouco importante dentro
de uma Secretaria de orçamento inexpressivo.
A partir de 1967, no que tange ao Teatro Amador, os recursos para congressos e festivais
precisariam ser reivindicados pelo movimento federativo. Essas reivindicações teriam que ser
respaldadas pelas atividades teatrais realizadas; pela interação com administradores municipais
e deputados estaduais; pela conquista de apoio da burocracia da Secretaria de Cultura Esportes
e Turismo; pelo apoio dos meios de comunicação dos municípios e do estado de São Paulo.
E não só: a busca de recursos teria que incluir o garimpo de apoio empresarial, o
mecenato, a busca de espaços de apresentação em clubes recreativos e instituições religiosas.
Em suma: a sustentação econômica do movimento federativo de teatro amador foi uma tarefa
muito árdua, que pesou sobre os ombros dos jovens dirigentes das entidades federativas. Tarefa
que foi cumprida, de uma forma ou de outra, até 1975.
Em sua gestão na CET (que, afinal, era um órgão burocrático estadual de dimensões
minúsculas), cercou-se de colaboradores como José Celso Martinez, Plínio Marcos, Augusto
Boal, Ruth Escobar e Renato Consorte, ampliando incrivelmente a importância política da
Comissão. Cacilda Becker trabalhou incansavelmente. Cercada pelos mais expressivos nomes do
76
Cacilda Becker Yáconis (1921-1969) encenou 68 peças teatrais e é considerada a “rainha do
teatro brasileiro”. Lélia Abramo (1911-2004) participou de 27 telenovelas, catorze filmes e 23 peças de
teatro; foi atriz, sindicalista e militante política trotskista.
56
teatro paulista – tanto na área de direção, como autoria, atuação e produção – transformou a
CET num formidável órgão de pressão por recursos para a área cultural, e no grande baluarte
pela liberdade de expressão e criação artística. Foi Cacilda que garantiu o justo suprimento de
verbas para o VI FETAESP (Festival de Teatro Amador do Estado de São Paulo), ocorrido em
outubro de 1968. Claro que sua atuação desassombrada provocou retaliações: contra ela se
levantaram insinuações de que cometia desvios de recursos para fins pessoais. Cacilda Becker
entregou o cargo em 25 de fevereiro de 1969, dele saindo maltratada e magoada, vítima de
infundados questionamentos éticos. Esses fatos certamente contribuíram para o stress
emocional e físico que culminaram no derrame cerebral que sofreu em 06 de maio de 1969 e
em sua morte, 38 dias depois.
Outro momento memorável foi protagonizado por mais uma mulher extremamente
corajosa e correta: Nydia Lícia. Em 1973, Nydia, que era produtora teatral, enfrentou – e venceu
– pressões violentíssimas ao destinar recursos ao movimento amador paulista. Graças a ela, o
XI FETAESP foi realizado com dignidade.
Mas a realidade é que a CET perdeu força. Por conta disso, muitos dos recursos estaduais
que se destinaram à cultura acabavam sendo amealhados fora da Secretaria de Cultura Esportes
e Turismo. E essa destinação se obtinha por meio de negociação política e, às vezes, pelo alvitre
de quem tinha acesso ao tesouro estadual. Por exemplo, o Festival de Inverno de Campos do
Jordão, de tantas glórias, foi idealizado em 1970, pelo então secretário estadual da Fazenda, Luis
Arrobas Martins, sem qualquer palpite ou participação da Secretaria de Cultura Esportes e
Turismo.
mais provável – por solidariedade), as entidades da sociedade civil (como sindicatos, grêmios
estudantis e igrejas) e entidades empresariais (como o SESC). Também merece menção a
omissão do Governo Federal, no que tange a esse apoio.
No que diz respeito à atuação das cidades paulistas, vimos que, em 1957, a Comissão
Estadual de Teatro enviou um questionário aos 435 municípios então existentes no estado,
solicitando dados sobre existência de cinemas, teatros, auditórios particulares e sobre
companhias e grupos teatrais. Parece evidente que isso foi feito para dar subsídios a um plano
de fomento às atividades teatrais, com eventual aporte de recursos provenientes do governo
estadual. Mesmo assim, 200 municípios nem sequer responderam ao questionário, o que nos
dá uma indicação da diminuta preocupação, dessas administrações, em relação ao tema.
condizente com o status de um teatro municipal. Logo a seguir, a Comissão Estadual de Teatro
interessou-se em fazer um convênio com o novo prefeito, Antonio Adolfo Lobbe, visando
concluir a obra, o que incluía recursos para esse fim.
Névio Dias, de cujo livro tirei a citação acima, conclui logo a seguir: “Somente a partir da
criação da FETAC, em 1965, e com o apoio da CET é que as obras têm prosseguimento”.
Foi muito rara a conjugação dos esforços, da CET e do movimento federativo, com
prefeitos interessados em desenvolver ações culturais – vinculadas ao teatro – em suas cidades.
Nessas ocasiões, os resultados eram muito animadores, seja pela construção de teatros
municipais, seja pela organização dos futuros festivais da COTAESP (Confederação de Teatro
Amador do Estado de São Paulo) nesses municípios. Ou ainda pela inserção dessas cidades nos
roteiros dos grupos profissionais78 que excursionassem pelo interior do estado.
Mais raro ainda, foi encontrar cidades onde o Poder Executivo produziu política
autônoma de fomento ao teatro. Nosso estudo só encontrou evidência disso, no período em
estudo (1963-1975) nas cidades de São Bernardo do Campo e de São José do Rio Preto (esta
última, a partir de 1970).
77
DIAS, N. Memória 1965-1970: o teatro amador no contexto cultural de São Carlos. São Carlos:
ICACESP, 2009. pp. 107-108
78
O Teatro Oficina costumeiramente realizava turnês pelos teatros do interior. E foi a Companhia
de Cacilda Becker que inaugurou o Teatro Municipal de São Carlos, encenando Esperando Godot.
59
lideranças que disputariam acentos nos Conselhos Municipais de Cultura (que, diga-se de
passagem, também eram muito raros). Essa providência rendeu muitas discussões, mas poucos
resultados.
Passando dos municípios para a instância federal – para concluir nossa análise sobre as
relações das instituições públicas com o Teatro Amador – a constatação constrangedora é a de
que não há nada de positivo a registrar. O fato é que não houve qualquer movimentação dos
governos Jânio e Jango, no que concerne ao Teatro Amador, e talvez isso seja verdadeiro
também em vários outros setores culturais. Implantada a ditadura militar, os parcos recursos
despendidos em cultura irão para as instituições criadas e dominadas pelo aparelho de Estado,
como o Instituto Nacional do Cinema, Instituto Nacional do Livro ou para a Campanha de Defesa
do Folclore. E para instituições herdadas do governo Vargas e revitalizadas no interesse do novo
regime, como o Serviço Nacional do Teatro e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. No que se refere ao Teatro Amador, no período que estamos estudando, nenhuma
ação de efetivo apoio foi concretizada por organismos do Governo Federal. E, em breve,
veremos o que foi feito pelo Governo Central contra o movimento federativo paulista,
especialmente ao analisarmos a questão da censura cultural e repressão aos movimentos
populares.
Entrando na esfera da sociedade civil, observa-se que muitas das atividades dos grupos
amadores tiveram, como financiadores, grupos empresariais locais. As empresas respondiam
aos apelos dos amadores de forma quase informal, a maioria das vezes via contatos pessoais e
familiares, sem maior organicidade publicitária. Nestes moldes, empresários e entidades civis
diversas – num ambiente político e econômico desafiador – deram contribuições positivas.
recintos. Também procuravam por patrocínios nos jornais e emissoras de rádio, que estavam
em demanda por assinantes e ouvintes qualificados.
Olhando por esse aspecto, talvez seja incorreto qualificar a maior parte dos empresários
que patrocinavam as atividades culturais amadoras como “mecenas”. Mas desclassificá-los
também não seria justo: muitas peças acabavam censuradas, acarretando a perda de todos os
recursos utilizados para produzi-las ou divulgá-las. E também precisamos lembrar que apoiar
atividades de “contestação ao regime” poderia render grandes dores de cabeça aos que as
patrocinaram.
E, justiça seja feita, os principais mecenas dos grupos teatrais eram os familiares e
amigos dos que subiam ao palco. Não há como aquilatar em que grandeza foram essas
colaborações, nem se tem como fazer comparação entre o que foi doado pelos amigos e
familiares e o que veio da ação de mecenato empresarial. Mas se pode afirmar seguramente
61
que as colaborações dos amigos e familiares dos amadores foram superiores as dos empresários
estabelecidos.
Imagina-se aqui, que os clubes recreativos cediam espaços e sócios para as atividades
amadoras, sem maiores considerações políticas, culturais e sociológicas, preocupando-se
exclusivamente em servir os seus respectivos públicos com lazer saudável e dando opções para
uma vida social mais dinâmica. E que os sindicatos, grêmios estudantis e igrejas davam apoio ao
movimento amador dentro de uma lógica de proselitismo.
E o Clube Atlético Santista não era exceção: nas cidades do ABC, em Franca, São José do
Rio Preto, Sorocaba, Piracicaba e Rio Claro (e, com muita frequência, em cidades menores), os
clubes recreativos eram provedores importantes (e, às vezes, exclusivos) de espaços para o fazer
teatral.
Merecem menção muitos sindicatos que, sob violenta repressão e – portanto – vendo-
se impossibilitados de realizar diretamente o debate de ideias e projetos, encontraram, no
62
teatro amador, uma ferramenta para discussão e resistência. Alguns dos grupos organizados a
partir dos sindicatos chegaram a realizar espetáculos de alta qualidade (como aconteceu com o
TEMETAL – Teatro dos Metalúrgicos de Santos), e quase todos trouxeram contribuições
importantes para o fazer teatral amador. Foi o que aconteceu com os grupos dos metalúrgicos
do ABC (dos quais o Grupo Forja é um herdeiro legítimo), com o grupo dos bancários de São
Paulo, com grupos dos sindicatos calçadistas de Franca, e com o grupo dos ferroviários de Rio
Claro.
No que tange às igrejas, observa-se não só a abertura dos salões paroquiais da Igreja
Católica (importantes em Santos, no Vale do Paraíba e em Franca) aos grupos amadores, como
– também – os espaços dos grupos protestantes (é o caso, por exemplo – dos luteranos, em Rio
Claro), dos xintoístas (em Marília e Bastos) e dos umbandistas (em todo o litoral paulista). As
igrejas Católica e Presbiteriana, como já se intui a partir do que foi relatado logo acima, também
incentivaram a multiplicação de grupos teatrais amadores nos estabelecimentos de ensino sob
sua inspiração.
79
Criado em 13 de setembro de 1946, pelo Decreto-Lei n° 9.853, assinado pelo Presidente Eurico
Gaspar Dutra, o Serviço Social do Comércio (Sesc) é uma instituição brasileira privada, mantida pelos
empresários do comércio de bens, serviços e turismo, com atuação em todo âmbito nacional, voltada
prioritariamente para o bem-estar social dos seus empregados e familiares, mas aberto à comunidade em
geral. Atua nas áreas da Educação, Saúde, Lazer, Cultura e Assistência.
80
DIAS, N. Memória 1965-1970: o teatro amador no contexto cultural de São Carlos. São Carlos:
ICACESP, 2009. pp. 109-110
63
A nova orientação acabará por transformar o próprio layout das unidades do Sesc: nos
primeiros momentos, alguns equipamentos foram distribuídos para as unidades da instituição,
ocorrendo a adaptação das quadras esportivas para a apresentação de espetáculos; mais tarde,
em praticamente todas as cidades, construíram-se novas dependências e as unidades do Sesc
ganharam as características atuais onde se equilibram os espaços para as atividades esportivas
e culturais.
81
A partir daí o Sesc sempre dará apoio ao teatro amador, seja cedendo espaço para
apresentações, seja organizando e patrocinando turnês e festivais. Ator importante, o Sesc segue
promovendo a apresentação de grupos teatrais amadores e, nos dias de hoje, patrocina (e organiza)
eventos da importância do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, o Festival Nacional
de Presidente Prudente e o MIRADA – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos.
64
82
Teatro amador dá início a congresso. O Estado de São Paulo. Edição de 24/03/1973.
83
Pequena Organização de Teatro Estudantil (Presidente Prudente); Teatro do Estudante de
Barretos; Grêmio Teatral Leopoldo Fróes (Garça); Teatro Amador Luiz Gama (Franca) são exemplos de
grupos teatrais nascidos em recintos escolares.
84
Por exemplo: Grupo de Teatro do Convento de Santa Clara (Taubaté); Grupo Teatral Alan
Kardec (Santos); Seminário Josefino N. S. de Guadalupe (Ourinhos)
85
Por exemplo: Teatro Amador Italo-Brasileiro (Piracicaba), Teatro Experimental União
Recreativo (Sorocaba).
86
Por exemplo: TEMETAL – Teatro dos Metalúrgicos (Santos); Teatro do Ferroviário (Rio Claro);
Grupo de Teatro Amador “Os Servidores” (Campinas)
87
Por exemplo: Grupo Artístico Municipal de Amadores (São João da Boa Vista)
88
Por exemplo: Grupo de Teatro da Engenharia São Carlos (GTESC); Teatro Universitário da
Faculdade de Filosofia de Franca; Teatro Acadêmico Alexandre de Gusmão (Santos).
89
Por exemplo: Teatro da Universidade Católica (TUCA – São Paulo).
90
Por exemplo: Grupo Artes (Sorocaba, em torno do sr. Roberto Gil); Teatro Experimental
Sorocabano (em torno do sr. Afonso Gentil); Grupo Amadores de Teatro (Marília, em torno do sr. João
Rocha); Teatro Estudantil Rio Preto (em torno do, agora Prof. Dr., José Eduardo Vendramini).
65
Por consequência, caracterizar esses grupos amadores buscando algum tipo de síntese
conceitual, comportamental ou de objetivos seria algo impraticável, além de provavelmente
equivocado. O que os reúne, objetivamente, é o fato de se assumirem como grupos de Teatro
Amador. Mesmo que se reconheça uma realidade socioeconômica (com seus desdobramentos
políticos, comportamentais, artísticos, culturais) formadora do cenário em que esses diversos
grupos amadores existiam, as trilhas seguidas por eles, dentro desse ambiente, foram várias.
Alguns grupos amadores, no período que estudamos, entre 1963 e 1975, formam-se a
partir de personagens que imaginavam encontrar – nessas ribaltas – os atalhos que os levariam
para o teatro profissional, para as telas de cinema ou para a televisão. Jovens que sonhavam
com o estrelato, com uma vida profissional a ser construída nos meios de comunicação de
massa, com os holofotes e as atenções dos grandes públicos voltados para suas atuações
televisivas ou cinematográficas. Eles imaginavam que poderiam construir suas carreiras a partir
do instrumental que o teatro amador lhes oferecia. Intuíam que a mídia, que eles almejavam
conquistar, precisava – ao mesmo tempo – utilizar-se de formas que já eram sucesso
comprovado e trazer, de tempos em tempos, novidades para o público91.
91
Este tipo de intuição encontra contraponto na teoria cultural de Raymond Williams em que,
usando a metáfora da “escada rolante” (começa no popular e ascende à elite), se desenvolve o conceito
de emergente cultural. (WILLIAMS, 1979. pp 126-129)
92
ADORNO, T. Indústria Cultural e Sociedade. São Paulo. Paz e Terra. 2004, p.41.
66
perversa, mas sim do último grão de resistência que a realidade ainda pode
haver deixado. A libertação prometida pelo entretenimento é a do
pensamento como negação.
Foi o que recomendou, por exemplo, um jovem, numa reportagem do jornal Cidade de
Santos93:
Engajamento que se vê no Grupo TUCA. De acordo com Antonio Mercado, seu primeiro
diretor superintendente, o Grupo TUCA “nasce no momento em que do fundo do poço brota
uma coisa improvável e temerária que deu certo”94. Que se vê, também (e ainda no ambiente
estudantil), no Grupo de Teatro da Escola de Engenharia de São Carlos (GTEESC) que se
aprofunda, com coerência e competência, no universo teatral de Bertold Brecht.
93
Edição de 19 de janeiro de 1968. O título do artigo é “Sair da Província, solução de Carlos para
fazer teatro”.
94
Revista Porandubas, entrevistas Morte e vida Severina. PUC, 1985.
67
Entre os grupos amadores vinculados aos sindicatos, merece menção especial o Teatro
dos Metalúrgicos de Santos (TEMETAL) que, em muitos momentos serviu de câmara de eco e
fórum de debates dos “cosipanos”95 e dos petroleiros do litoral paulista. Muitos grupos
amadores vinculados a sindicatos (como o “Forja”, de São Bernardo do Campo), irão – nas
décadas seguintes – seguir sendas abertas, pelo TEMETAL, nos “anos de chumbo”.
Não por acaso, muitas das lideranças do movimento federativo – que estudaremos a
seguir – originaram-se desses grupos engajados.
Isso explica porque o movimento federativo no interior e no litoral de São Paulo (mesmo
que não tenha nascido espontaneamente) recebeu a adesão entusiástica dos grupos amadores,
tornando-se vigoroso e representativo. No período que estamos estudando, entre 1963 e 1975,
nada menos do que 19 federações (incluindo-se aqui a federação paulistana) permaneceram
atuantes.
95
Ou seja, funcionários da Companhia Siderúrgica Paulista – COSIPA.
68
De maneira similar ao que fez a Comissão Municipal de Teatro na cidade de São Paulo,
foi a partir da ação da Comissão Estadual de Teatro que as federações se multiplicaram no início
da década de 1960, espalhando-se por todas as regiões do Estado de São Paulo. Serão 19
federações, ao todo, que dinamizarão o cotidiano do Teatro Amador paulista. Esses fatos
indicam que a ação de criação das federações no interior do estado é o resultado da conjugação
de um trabalho e de uma filosofia que se construiu em um quarto de século de movimento
amador.
Começamos por São Carlos, onde fica explícita a ação de articulação, realizada pela
Comissão Estadual de Teatro, no sentido de congregar os grupos amadores locais no processo
criação da federação da região.
De acordo com o relato que Névio Dias97 fez sobre o processo de criação da federação
de São Carlos (FETAC – Federação de Teatro Amador do Centro do Estado de São Paulo), o então
presidente da Comissão Estadual de Teatro, Nagib Elchmer, buscou contato com o grupo de
96
Por conta do trabalho de Décio de Almeida Prado, em seu Caderno Cultural, o jornal O Estado
de São Paulo foi o grande divulgador das atividades do Teatro Amador paulistano, a partir da década de
1940. O jornal A Tribuna, de Santos, por meio do trabalho da articulista Patrícia Galvão, a Pagu, fez o
mesmo, na década de 1950.
97
DIAS, N. Memória 1965-1970: o teatro amador no contexto cultural de São Carlos. São Carlos:
ICACESP, 2009. p.121.
69
teatro amador do SESC-São Carlos, provavelmente no final do ano de 1964. Logo a seguir, Névio
foi a São Paulo, onde visitou a CET, recebendo as instruções de como criar uma Federação de
Teatro Amador.
Retornando a São Carlos, Névio fez “um levantamento sobre a existência de equipes
amadoras que pudessem dar maior consistência à formação de uma entidade desse porte”98.
Numa indicação de como o movimento amador gozava de vitalidade, ele encontrou, em sua
cidade, os grupos GTEESC (Grupo de Teatro da Escola de Engenharia de São Carlos-USP); Os
Jograis (do Instituto de Educação Dr. Álvaro Guião); Equipe Teatral São Sebastião; Paus de Arara
(Grupo do SESC-São Carlos); Grupo de Teatro Dom Bosco (Seminário Menor de São Carlos); e
encontrou também o ator Vicente Camargo que, depois de participar do Teatro do Estudante
(em São Paulo), passou a atuar individualmente apresentando o monólogo As mãos de Eurídice,
de Pedro Bloch.
Ainda de acordo com esse relato, feitos os primeiros contatos, o passo seguinte foi o de
reunir os grupos amadores e a chamada “elite cultural”99 para criar a federação e para levar
adiante as obras de construção do Teatro Municipal, que se achavam paralisadas. As três
primeiras reuniões, convocadas por Névio Dias, para dar início ao trabalho federativo, foram
desanimadoras: a única presença (além do próprio Névio) foi a da jornalista Laines Paulillo.
98
Idem.
99
Névio Dias em nenhum momento deixou mais explícito o que ele considerava como “elite
cultural”. Mas, em sua correspondência (sob a guarda de sua viúva, Senhora Isa Oliani) encontraram-se
convites para jornalistas (como Laines Paulillo), diretores do Centro Acadêmico Armando de Salles
Oliveira, professores da rede pública estadual (como Dagoberto Rebucci) e escritores (como a poetisa
Vaní Genovez). Não houve como avançar na pesquisa, uma vez que essa correspondência não está
catalogada ou organizada por data.
100
Centro Acadêmico Armando de Salles Oliveira, situado à Av. Dr. Carlos Botelho, 1465 (São
Carlos)
70
São Paulo (FETAC) que, conforme registro do jornal A Folha101 (em manchete de primeira
página), iria “pugnar pelo desenvolvimento e estudo das matérias relativas ao teatro...”. E segue
o texto noticioso, em que se copia ipsis literis o artigo 3º, do capítulo I (que trata da Federação
e seus fins), da minuta do estatuto de Federação de Teatro Amador, oferecido pela CET102.
Assim que foi criada, a FETAC buscou consolidar o movimento federativo, incentivando
a criação de novos grupos na região e realizando cursos. Mas é provável que sua ação mais
efetiva (e certamente mais audaciosa) foi a de buscar uma sede para a entidade, instalando-se
nas dependências semiconstruídas do Teatro Municipal. Acompanharemos a ocupação, pela
FETAC, do Teatro Municipal, uma vez que essa ação diz muito sobre as estratégias – dos
amadores e de suas federações – na defesa da arte teatral e do movimento amador.
No final de 1965, quando a FETAC elegeu o Teatro Municipal como sua sede, o hall do
prédio estava sem portas (o mesmo acontecia com a plateia e com as áreas onde se situariam a
cabine de som e a secretaria) e as paredes não estavam rebocadas. As instalações sanitárias
inexistiam. O piso da plateia era de terra; as “poltronas” eram bancos de tábuas sobre tijolos.
Seguindo com essa inteligente forma de pressão, a FETAC decidiu “abrir as portas” do
Teatro Municipal (que na verdade ainda não existiam...), realizando inúmeras atividades
artísticas: Show Engenharia (a primeira apresentação dentro do teatro); Balé Professora Dilma
de Lima (com coreografia de Marcos Calligaris); Orquestra Sinfônica Estadual; Festival Juca de
101
“Fundada em São Carlos uma federação de teatro amador”, A Folha, ano IV, nº398, 30 de julho
de 1965.
102
Relatório 63/65 Comissão Estadual de Teatro, p. 49.
103
Rua 15 de novembro, no local em que situa, atualmente, a EMBRAPA. O Teatro Municipal
situa-se na Rua 07 de setembro, esquina com Rua José Bonifácio.
71
Oliveira. Para coroar, a magnífica apresentação da peça Os pequenos burgueses (de Máximo
Gorki, sob a direção de José Celso Martinez Corrêa) com o Teatro Oficina.
Sob a coordenação do senhor João Rios, membro da Comissão Estadual de Teatro, então
presidida por Nagib Elchmer, foi feita a reunião em que se criou a entidade. Os estatutos
aprovados eram transcrição literal da minuta produzida pela Comissão Estadual de Teatro.
Os amadores que participaram dessa primeira assembleia já eram conhecidos por sua
atuação artística nos clubes, sindicatos e escolas de Santos104. Até porque o movimento amador
santista beneficiou-se, nos anos anteriores, do despontar da carreira de Cacilda Becker (que,
104
Cabe, aqui, uma lista de pessoas que fizeram Teatro Amador em Santos, por essa época, e que
se tornaram profissionais: Serafim Gonzalez, Clovis Bueno, Ney Latorraca, Jonas Melo, Neide Veneziano,
Jandira Martini, João Albano, Cleide Eunice, Maria Tereza Alves, Lizete Negreiros, Juarez Gomes, Marco
Antonio Rodrigues, Dagoberto Feliz, Renata Zanetta, Eliana Rocha, Carlos Alberto Soffredini, Paulo Lara,
Oscar Magrini, Nuno Leal Maia, Margarida Rey, Bete Mendes, Domingos Fuschini e Luiz Thomas.
72
embora nascida em Pirassununga, iniciou sua vida teatral em Santos), da agitação cultural de
Patrícia Galvão (Pagu) e do mecenato de Paschoal Carlos Magno.
105
Como os amadores presentes não eram, oficialmente, representantes de seus grupos teatrais,
foi possível identificar apenas, nessa Assembleia de Fundação, amadores dos grupos “Iniciativa” (São
Vicente), “Teatro São José” (Cubatão), “Grupo de Teatro do Clube XV”, “Grupo de Teatro do Clube Atlético
Santista” e “TEMETAL”.
73
LEGENDA:
Nº Nome da Federação Cidade-sede
01 Federação de Teatro Amador da Alta Araraquarense São José do Rio Preto
02 Federação de Teatro Amador da Média Mogiana São José do Rio Pardo
03 Federação de Teatro Amador da Alta Mogiana Sertãozinho
04 Federação de Teatro Amador da Alta Sorocabana Presidente Prudente
05 Federação de Teatro Amador do Centro do Estado São Carlos
06 Federação de Teatro Amador da Média Paulista Rio Claro
07 Federação de Teatro Amador da Alta Paulista Marília
08 Federação Garcense de Teatro Amador Garça
09 Federação de Teatro Amador da Baixa Sorocabana Sorocaba
10 Federação de Teatro Amador da Média Sorocabana Botucatu
11 Federação Bauruense de Teatro Amador Bauru
12 Federação Campineira de Teatro Amador Campinas
13 Federação de Teatro Amador do Nordeste Paulista Franca
14 Federação de Teatro Amador do Vale do Paraíba Taubaté
15 Federação Andreense de Teatro Amador Santo André
16 Federação de Teatro Amador do Vale do Rio Grande Barretos
17 Federação de Teatro Amador da Média Noroeste Lins
74
106
É aventura fazer teatro em Santos. Jornal O Estado de São Paulo. Edição de 13/07/1969.
107
XIX Congresso de Teatro amador do Estado de São Paulo. s/d. pp35 e 38.
75
Outro problema sério era o de comunicação. Muitos amadores não estavam cientes do
que estava acontecendo (seja no parâmetro cultural, teatral ou federativo) em sua cidade e
região. E quando surgia um problema mais complicado (por exemplo, censura a uma peça teatral
ou desativação de um espaço cênico), nem sempre as lideranças do movimento federativo eram
informadas em tempo de reagir com eficiência.
108
A exiguidade de quadros diretivos levava as federações a privilegiar a ocupação dos cargos de
Presidente, Secretário e Tesoureiro, deixando os cargos “culturais” em segundo plano. Isso garantiria o
funcionamento mínimo da estrutura administrativa (que ficaria com os amadores mais preparados ou
cônscios de suas responsabilidades). Como consequência, os cargos culturais – como o de diretor de
programação – nem sempre eram preenchidos com proficiência.
76
funcionários públicos, bancários, donas de casa e comerciários eram mais de 80% dos amadores
e eram mais de 80% dos seus dirigentes. Os operários eram relativamente expressivos na
Federação de Teatro Amador do Nordeste Paulista (FETANP – Franca) e na Federação Santista
de Teatro Amador (FESTA).
Diante de tantos problemas e desafios, a consolidação das federações, nos mais variados
recantos do Estado de São Paulo, teria necessidade de um polo aglutinador e centralizador.
Nesse sentido, o surgimento da Confederação de Teatro Amador do Estado de São Paulo
(COTAESP) seria, ao mesmo tempo, uma consequência lógica e um marco importante no
processo de estruturação do movimento federativo.
Constituiu-se, nessa primeira assembleia, uma diretoria provisória formada por Névio
Dias (funcionário público de São Carlos – presidente), Hamilton Figueiredo Saraiva (sargento da
109
Essa Ata está reproduzida no ANEXO 2.
110
Federação Paulista de Teatro Amador (da capital); Federação do Centro do Estado de São
Paulo (com sede em São Carlos); Federação Santista de Teatro Amador (Santos); Federação de Teatro
Amador da Alta Sorocabana (Presidente Prudente); Federação de Teatro Amador da Baixa Sorocabana
(Sorocaba); Federação Garcense de Teatro Amador (Garça); Federação Andreense de Teatro Amador
(Santo André); Federação Bauruense de Teatro Amador (Bauru); Federação de Teatro Amador do Vale do
Paraíba (São José dos Campos); Federação de Teatro Amador da Média Sorocabana (Botucatu); Federação
de Teatro Amador da Alta Araraquarense (São José do Rio Preto); Federação de Teatro Amador da Alta
Mogiana (Ribeirão Preto); Federação de Teatro Amador do Nordeste Paulista (Franca) e Federação
Campineira de Teatro Amador (Campinas).
77
polícia civil, de São Paulo) e Carlos Pinto (petroleiro e jornalista, de Santos). Optou-se pela
diretoria provisória por dois motivos: nem todas as federações já existentes foram efetivamente
contatadas para participar da reunião; e não existiam estatutos que pudessem regulamentar a
eleição. Além de fazer os estatutos da Confederação, a diretoria provisória foi encarregada de
organizar eleições, para a diretoria permanente, na segunda quinzena de janeiro de 1968.
Os estatutos produzidos assemelhavam-se muito aos que a CET criara para servir de
parâmetro para as federações e foram referendados sem maiores problemas. A assembleia para
votar os membros do Conselho Superior, Diretoria e Conselho Fiscal111 realizou-se em 28 de
janeiro de 1968. Treze federações estavam diretamente representadas e Hamilton Figueiredo
Saraiva assinou a ata na qualidade de representante dos amadores na CET. Carlos Pinto, de
Santos, foi eleito presidente da COTAESP.
Aqui é importante ressaltar que, para além dos serviços, a COTAESP era fundamental
porque prestava apoio político às federações, ajudando-as a pleitear locais de ensaio ou
111
A Ata de eleição da primeira diretoria da COTAESP está reproduzida no ANEXO 2
112
De qualquer forma, ao constituir uma diretoria executiva e um conselho superior, além de ter
uma cadeira na CET (Comissão Estadual de Teatro) representando o movimento teatral amador, a
COTAESP acabava por ampliar a carência de quadros diretivos das federações, embora – formalmente –
os diretores e conselheiros da COTAESP não abandonassem suas funções nas federações. Mas a realidade
era a de que a enorme quantidade de tarefas administrativas estaduais acabava por reduzir o tempo
dispendido com os problemas locais ou com a vivência teatral, nos grupos amadores; em alguns casos,
ambas as coisas.
78
113
Transcrevemos aqui os assuntos de alçada das assembleias, de acordo com o art.40 dos
estatutos das várias federações:
§1º - Os assuntos a seguir indicados são da alçada específica da Assembleia Geral Ordinária:
a) Exame do relatório anual da Diretoria;
b) Exame e aprovação de contas e do balanço geral do exercício vencido;
c) Aprovação do orçamento anual;
d) Eleição dos membros da Diretoria e do Conselho Fiscal;
e) Elaboração do parecer a ser enviado à CET.
§2º - Os assuntos a seguir indicados são da alçada específica da Assembleia Geral Extraordinária
mediante convocação prévia e explícita:
a) Modificações estatutárias;
b) Autorização para movimentar bens patrimoniais;
c) Criação e alteração de contribuições;
d) Revogação do mandato de qualquer membro da Diretoria por atuação contrária aos
interesses da Federação;
e) Eleição de substitutos para cargos eventuais vagos da Diretoria e do Conselho Fiscal;
f) Deliberar sobre quaisquer outros assuntos de interesse da Federação.
79
A pesquisa indica que as assembleias, realizadas pelas federações, eram pouco atrativas
para os amadores, exatamente porque lidavam com o cotidiano administrativo. E o número de
participantes, de um modo geral, era bem pequeno.
No final das contas, os estatutos das federações foram construídos para que as
entidades tivessem os atributos legais necessários para legalizar as dotações da Comissão
Estadual de Teatro, direcionadas para as atividades que a CET considerava pertinentes (Festivais,
cursos, distribuição de livros...). Conclui-se que a surpresa seria se os amadores se sentissem
atraídos por essas reuniões...
A COTAESP também exigia que essas teses fossem debatidas nas assembleias das
federações, ao mesmo tempo em que os delegados ao congresso estadual seriam escolhidos.
Ao garantir transporte e estadia para os congressos, a COTAESP lança mão de uma dinâmica que
se mostrou eficiente (tanto no aspecto de atratividade, como – o que era sem dúvida mais
importante – no de desenvolvimento de discussões e na tirada de posições) no movimento
amador daquele período. As assembleias em que se confeccionavam as teses dos congressos
acabaram, por conta disso, recebendo frequência maior do que as realizadas para eleições e
prestações de contas. Em alguns casos, federações modificaram suas programações de modo a
fazer com que as assembleias eleitorais coincidissem com as que preparavam as teses para
congressos...
114
No ano de 1984 (portanto, depois do período que estamos estudando) ocorreu uma mudança:
a diretoria da COTAESP elaborou uma proposta em teses para ser discutida nos minicongressos da
primeira fase, sem prejuízo da possibilidade de produção de teses por parte das federações.
115
A FENATA (Federação Nacional de Teatro Amador, depois CONFENATA) foi criada a partir de
diretivas do presidente do Serviço Nacional do Teatro (SNT), Orlando Miranda, numa reunião realizada
nos dias 02 e 03 de novembro de 1974. Em discurso perante os participantes dessa reunião, Orlando
Miranda informa que as reivindicações dos grupos amadores, daquele momento em diante, só seriam
atendidas, pelo Governo Federal, por intermédio da FENATA. E só seriam reconhecidos e apoiados os
festivais estaduais e regionais coordenados pela entidade nacional de amadores, o que indica que os
festivais da COTAESP só receberiam apoio se abdicassem da coordenação em favor da FENATA. Por
consequência, nem um centavo federal foi encaminhado aos Festivais de Teatro Amador do Estado de
São Paulo.
No final das contas, A FENATA (e depois a CONFENATA – Confederação Nacional de Teatro
Amador) recebeu muito mais do que deu à COTAESP. E isso, desde os primeiros momentos: para receber
81
federações estaduais de teatro amador também poderiam enviar representantes que também
teriam direito a voz.
A análise das atas e das teses congressuais apontam para dois momentos distintos, no
que tange às questões debatidas. Num primeiro momento, nos anos de 1965 e 1966116 e sob
orientação direta da Comissão Estadual de Teatro, a prioridade era a organização do movimento
federativo: seja para instrumentalizar as federações em seu processo de implantação; seja para
dar maior organicidade aos festivais estaduais; seja para dar visibilidade institucional e pública
ao trabalho federativo. Nesse primeiro momento ainda ressoavam, nos Congressos Amadores,
os debates mobilizadores do início da década de 1960, como os advindos do Teatro de Arena e
do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE).
os primeiros recursos do Serviço Nacional de Teatro, a FENATA, que ainda não tinha vida jurídica, teve
que pedir que o dinheiro fosse enviado para a COTAESP, que o redirecionou para a entidade nacional.
116
Observe-se que não houve Congresso em 1967. Mas não se pode imaginar que estamos diante
de uma “lacuna”, uma vez que entre o II e o III Congresso, ocorreu um interregno de 13 meses. Parece
mais sensato supor que o movimento federativo encontrou mais vantagens (tanto do ponto de vista
organizativo, como também no incremento do comparecimento de delegados) em fazer seus Congressos
nos meses iniciais de cada ano.
82
117
Essa modorra ocorreu também nos congressos brasileiros de teatro amador. No caderno de
teses do XIX Congresso da COTAESP (1984, p.42), observa-se o seguinte comentário a respeito do III
Congresso Brasileiro de Teatro Amador, ocorrido poucos meses antes: “... se você procurar realmente
pelas resoluções do Congresso, irá encontra-las entre as páginas 27 a 36. São dez páginas (escritas em
tipos bem grandes...) para as resoluções, contra doze páginas de endereços e quatro com os mapas das
regionais da CONFENATA. (...) Lemos, na pág. 27: ‘ (considerando que) a falta de dados disponíveis sobre
as condições concretas da produção do teatro amador brasileiro, somada a impossibilidade que dispomos
para um tempo maior de discussão, esta comissão (nº1) não pode chegar a um maior aprofundamento do
relacionamento daquela produção com o fazer teatral’”.
83
118
Só ocorreu uma alteração importante na composição da diretoria da COTAESP, no início dos
anos 1980. Mesmo nessa oportunidade, uma única chapa foi apresentada para escrutínio dos delegados.
É oportuno observar que a escolha da próxima sede para a realização do FETAESP (Festival de Teatro
Amador do Estado de São Paulo) ocorria com muito mais vívida competição; não raro, com vários
postulantes.
Ainda sobre a questão das eleições com chapa única: um fator reduzia a possibilidade de
representação realmente democrática. Este fator é a falta de proporcionalidade na representação dos
congressos. Havia federação que congregava mais de 100 grupos amadores; havia federação que possuía
05 grupos amadores. Ambas mandavam para os congressos, o mesmo número de delegados. Como havia,
no mínimo, 17 federações ativas, as diretorias já constituídas da COTAESP chegavam ao congresso com
possibilidades infinitamente maiores de se manter no comando.
84
Num terreno mais objetivo, reformulou-se a Festival Estadual de Teatro Amador que,
até aquele momento, era integralmente produzido pela Comissão Estadual de Teatro. Além
disso, as deliberações do II Congresso apontaram para o futuro protagonismo das federações na
organização do movimento amador paulista.
E esse protagonismo das federações não iria se corporificar sem que houvesse tensões
em relação à Comissão Estadual de Teatro. Uma dessas tensões referia-se à avaliação sobre
quais seriam os textos e autores a serem encenados, pelos amadores, nos festivais. Pela norma
119
Todos, na época, eram membros da CET. Tatiana Belinky foi autora de mais de 250 títulos de
literatura infanto-juvenil. Traduziu grandes autores russos, como Anton Tchekhov e Leon Tolstoi. Fez a
adaptação de clássicos da literatura, entre eles, “Alice no País das Maravilhas”. Divina Sales foi atriz.
Sandro Polônio, ator e produtor teatral, foi o fundador da Companhia Maria Della Costa. João Rios era
produtor teatral.
120
PINTO, Carlos. II Congresso Estadual de Teatro – I. Santos: Jornal O Diário, edição de
29/11/1966.
85
até então vigente, a CET produzia anualmente uma lista de autores e peças que poderiam ser
encenados pelos grupos teatrais amadores e se obstinava em manter essa listagem. Os
amadores decidiram se recusar a este tipo de tutela. Como nem um dos lados estava disposto a
ceder, foi encontrada uma solução de compromisso: argumentando a necessidade de incentivar
o aparecimento de novos dramaturgos, os grupos que desejassem encenar autores que não
constavam na tal lista, deveriam enviar uma cópia do texto para a CET, para aprovar (ou não) a
apresentação. Parece que o compromisso foi respeitado, pois não foi encontrado – no material
que serve de base ao nosso trabalho – nenhum caso de rejeição da CET a qualquer texto
encaminhado pelos amadores, para posterior encenação...
Quanto aos textos encaminhados pelos amadores, observa-se que muitos deles eram os
textos encenados recentemente pelo Teatro Oficina; outros faziam parte do repertório dos
grupos do CPC da UNE no início dos anos 1960.
E alguns dos textos enviados para a CET eram de autoria dos próprios amadores. Talvez
aqui residisse a grande tensão (mas que nunca resultou em confronto): o que a CET considerava
ser a grande razão de sua existência como fomentadora da atividade teatral era o entendimento
de que o teatro é “um instrumento de formação cultural do povo121” e que o fomento era para
“encenações de textos que podem ser considerados importantes122”; enquanto os grupos
amadores queriam, de um modo geral, retratar e pensar como eles (amadores) e seu público
vivem. A CET provavelmente torcia para que se apresentassem “clássicos” teatrais, enquanto os
amadores buscavam textos ligados à história de seus vizinhos do bairro, que iam assistir a suas
encenações.
Por fim, registre-se que se fez, nesse congresso (como de resto, em todas as atas dos
demais congressos), o pedido de que as federações regionais mantivessem ao menos um grupo
de teatro infantil.
Desloquemos nosso olhar, agora, para o segundo momento (1968 -1975), em que a
COTAESP – ao dirigir o movimento amador a partir da articulação entre as federações –
personifica o amadurecimento do movimento federativo. Este momento também é marcado
pela resistência do movimento amador à censura, à asfixia econômica e à repressão causadas
pela vigência do AI-5, e pelo enfrentamento a ações de grupos políticos e do aparato repressivo
que – acobertados pelo estado de exceção – agiam para desarticular o movimento amador.
Registre-se que, nesses oito anos, ocorreram oito Congressos indicando que, mesmo diante de
121
COMISSÃO ESTADUAL DE TEATRO. s/d p. 03
122
Id. p.06
86
O III Congresso do Teatro Amador do Estado de São Paulo, ocorrido nos dias 27 e 28 de
janeiro de 1968, no Centro Social dos Guardas Civis da cidade de São Paulo, viu nascer a
Confederação de Teatro Amador do Estado de São Paulo.
Articulada nas coxias do V FETAESP (Festival de Teatro Amador do Estado de São Paulo),
realizado em Presidente Prudente no final de 1967, como se discutirá no próximo capítulo, a
COTAESP assumirá importância crescente nos rumos do movimento. Nessas conversas de
bastidores, o pessoal que se forjou em palcos estudantis e sindicais, teve protagonismo. Fora do
ambiente amador, foram importantes, também, as colaborações do então prefeito de
Presidente Prudente, sr. Watal Ishibashi (“Japa”, do MDB e possivelmente vinculado ao proscrito
PCB) e do ator profissional, Tarcísio Meira.
Em São Paulo, São Carlos e Campinas, são os alunos das universidades que têm
protagonismo nos palcos amadores. No caso de São Paulo e de Campinas, os palcos são
ocupados por alunos que cursam as áreas de humanidades, com destaque para os jovens das
Universidades Católicas; em São Carlos, o Centro Acadêmico Armando de Salles Oliveira, da
escola de engenharia, assumiu a realização das atividades culturais que os cursos tecnológicos
123
O Centro dos Estudantes de Santos foi fundado por estudantes de ginásio em 8 de janeiro de
1932, e é a terceira entidade geral estudantil mais antiga da América Latina. Durante a ditadura militar
sua sede foi tomada pela União e doada à Universidade Federal de São Carlos.
124
GULLAR, Ferreira. Cultura posta em questão, vanguarda e subdesenvolvimento: ensaios sobre
arte. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002. p. 21.
125
Originário da Associação dos Professores de Santos (22/09/1940), o Sindicato dos Professores
de Santos teve várias diretorias em que participavam militantes do Partido Comunista Brasileiro, a
começar de um de seus fundadores, João Taibo Cadoniga.
87
não realizavam. Talvez porque encontrassem apoio nas instituições em que estudavam, os
alunos das Universidades Católicas acabaram não participando do movimento federativo
amador; os jovens de São Carlos, ao contrário, foram fundamentais na estruturação da FETAC e
importantes para o nascimento da COTAESP.
Em São José do Rio Preto e Marília, jovens aparentemente ávidos de ter, em suas
cidades, atividades culturais costumeiras na capital – da qual estavam distantes quatrocentos
quilômetros – participam do processo de criação da COTAESP. É o caso de Humberto Sinibaldi
Neto (que criaria, mais tarde, o Festival de Teatro de Rio Preto) e Oswaldo Mendes Júnior (que
se tornaria, anos depois, editor do jornal Última Hora e do Folhetim).
Por ter sido o momento de criação da COTAESP, esta reunião acabou autointitulada
como I Congresso de Teatro Amador do Estado de São Paulo127. Inicia-se o período em que os
congressos são organizados de maneira autônoma pelo movimento federativo, sem maiores
interferências de instâncias governamentais.
126
O Bairro Chinês, onde moravam muitos dos trabalhadores do cais do porto, era um baluarte
da militância do Partido Comunista Brasileiro. No início da década de 1970, por determinação do Regime
Militar, foi demolido para dar lugar às avenidas de acesso ao porto e ao centro de Santos.
127
O curioso é que esse batismo não interferiu na numeração dos congressos seguintes (ou seja,
o Congresso de 1969 seria o IV Congresso e assim sucessivamente...).
88
O Congresso de 1968 seria marcado também pelas críticas dos amadores à ação (ou à
falta dela) das prefeituras municipais, na área de cultura. O presidente da Federação de Santos129
”fez várias críticas à assessoria cultural da prefeitura daquela cidade, classificando-a de
incompetente para assuntos de cultura”.
Por fim, uma constatação desconcertante: não há qualquer referência à criação (ou
qualquer debate sobre o assunto) da Confederação Estadual de Teatro Amador – COTAESP. E a
entidade aglutinadora do movimento federativo surgira – com amplo apoio das federações de
Teatro Amador – dois meses antes...
128
Teatro amador faz congresso. O Estado de São Paulo (28/01/1968)
129
Idem.
130
Congresso no interior. Jornal Cidade de Santos, 11/01/1969.
89
concentraram suas energias nos palcos e nos festivais, relegando, em alguns Congressos, as
questões estratégicas, em favor de arranjos puramente administrativos. O prédio antigo do
SESC-Santos (Avenida Conselheiro Nébias, 313) sediou o Congresso. O evento recebeu cobertura
do jornal paulistano Última Hora131:
131
Amadores em Santos. Última Hora (São Paulo, capital), 14/02/1970, p.40.
132
Santos reuniu 50 amadores teatrais. O Estado de São Paulo (São Paulo, capital), 17/02/1970.
133
O repórter engana-se: a grande maioria dos espetáculos amadores eram gratuitos, até então.
Neste Congresso argumentou-se que os espetáculos deveriam ter um custo para quem os assistissem. Até
para que as apresentações fossem mais valorizadas pelo público. Como muitos delegados considerassem
que seus grupos não queriam cobrar ingressos, a solução de compromisso foi a de reverter esses recursos
para as Federações que tivessem maiores dificuldades financeiras.
134
Idem.
90
Entre as 15 teses aprovadas nesse Congresso, uma não foi divulgada pela imprensa. E –
a bem da verdade – não foi divulgada nem entre os amadores, como também não foi
implementada pela direção da COTAESP. Apresentada pela Federação de Teatro Amador do
Centro do Estado (FETAC – São Carlos), sob o título de Teatro para operários, dizia135:
Estamos diante de uma proposta que deveria provocar um debate interessante. Mas
não há um único documento que relate qualquer discussão sobre esta tese. Mesmo as poucas
linhas em que Teatro para operários foi apresentada desapareceram de cena, exceto por uma
cópia xerográfica guardada nos arquivos pessoais de um velho amador são-carlense. Tudo indica
que o ambiente de medo, em que o país estava imerso, sufocou tanto a discussão como a
iniciativa.
135
Cópia dessa tese está no ANEXO 5.
91
Sob o aparente prestígio conferido aos amadores esconde-se o insidioso estímulo ao uso
do movimento federativo como degrau para o Teatro Profissional (e para ganhos financeiros
individuais). É provável que esses prêmios tenham induzido grupos amadores a assumirem a
mesma configuração produtiva de espetáculos teatrais observada na maioria dos grupos
profissionais. O mesmo ocorrerá no que concerne à escolha dos textos a serem encenados:
aqueles textos com maior probabilidade de sucesso. Só que dentro de uma lógica perversa:
entende-se como sucesso, aquilo que agrada aos possíveis membros da comissão julgadora dos
Festivais de Teatro Amador do Estado de São Paulo (FETAESP), e não o que interessa ao público
que costumeiramente assistia a peças amadoras. Com reflexos, ao nosso ver, negativos, que
serão vistos quando discutirmos os festivais, em próximo capítulo de nosso estudo.
136
Governo regulamenta festivais amadores (sucursal de São Paulo). Jornal A Tribuna (Santos),
18/11/1971.
137
Idem. “Foram oficialmente instituídos os seguintes prêmios: “Governador do Estado”, para o
grupo classificado em primeiro lugar na final do Festival Estadual de Teatro Amador, “Secretaria de
Cultura, Esportes e Turismo”, para o segundo colocado, e “Conselho Estadual de Cultura” para o terceiro
classificado no mesmo certame. O prêmio “Governador do Estado”, de caráter individual, premiará os
melhores: ator, atriz, coadjuvantes (masculino e feminino), cenógrafo, figurinista e iluminador
classificados na final do Festival Estadual de Teatro Amador.”
92
O VI Congresso de Teatro Amador, sob essa nova estrutura estadual para a cultura,
aconteceu nas dependências da Faculdade de Engenharia de Barretos, nos dias 27 e 28 de
fevereiro de 1971. A imprensa local cobriu atentamente o evento. Um semanário barretense fez
um bom resumo do VI Congresso, que contou, também, com a presença das Delegacias de
Cultura, implantadas em todas as regiões do estado138:
Se nós nos lembrarmos de que o III Congresso ocorreu quando a COTAESP acabara de
completar dois meses de existência, teremos que reconhecer que a obrigatoriedade do ensino
teatral era mais resultante de um projeto cultural governamental, do que de um pleito do
movimento federativo amador.
O VII Congresso de Teatro Amador, ainda dentro dos “anos de chumbo”, ocorreu em
fevereiro de 1972, na cidade de Rio Claro. Embora persistisse o claustrofóbico ambiente
138
NETTO, Nel. VI Congresso de Teatro Amador do Estado de São Paulo. Jornal A Semana
(Barretos, SP) 07/03/1971, p.01 e p.06
139
Idem.
140
Ib.
93
ditatorial, construído pela edição do AI-5, o movimento federativo de Teatro Amador já se anima
em apresentar propostas de fazer teatral. Junto com essas propostas, esboçam-se discussões
sobre o que apresentar nos palcos e sobre quais públicos atingir. Nada que levasse o Teatro
Amador muito além da resistência ao arbítrio.
As “pequenas federações” também tinham queixas contra São Carlos e Rio Preto: os
festivais nacionais de Teatro Amador, promovidos pelas respectivas prefeituras municipais, de
acordo com a visão dessas pequenas federações, não deveriam receber auxílio da COTAESP,
como estava ocorrendo. Recomendava-se que esses recursos deveriam ser carreados para a
compra de material técnico para as “federações e cidades com menores condições financeiras”.
Aqui o debate ficou muito amargo, e praticamente sem possibilidade de acordo: o que
acontecia, na verdade, é que a Comissão Estadual de Teatro estava impedida de passar auxílio
ao Teatro Amador, sem intermediação da COTAESP e que o dinheiro entregue aos festivais, no
final das contas, era da CET, e não da COTAESP.
Ainda com relação aos festivais promovidos pelos municípios, uma proposta de tese,
apresentada por Franca, mostra a existência de sérios problemas de infraestrutura, nesses
eventos. Mostra, também, que o movimento federativo considerava que a COTAESP deveria
tomar – para si – o controle sobre os festivais municipais141:
141
FETANP, ofício-circular da presidência, dezembro de 1971. p.02
94
Considerando que muitas cidades realizam esta promoção, sem mínimas condições,
fazendo com que as vantagens que normalmente ofereceriam esses Festivais,
ganhem um aspecto contrário prejudicando, principalmente, o bom relacionamento
entre os elementos do teatro: PROPOMOS que para a realização de Festivais
Regionais, Estaduais e Nacionais haja uma autorização anterior da Confederação que
fiscalizará “in loco” as condições dos Teatros oferecidos, dos alojamentos, etc., a fim
de que muitos amadores não sejam abandonados à própria sorte (...)
Mais uma vez, as discussões não chegaram a um consenso pois é evidente que a
COTAESP não teria como interferir em alguns festivais produzidos a partir de regulamentação
municipal, aprovada pela respectiva Câmara de Vereadores.
No que concerne ao fazer teatral, o VII Congresso acolheu muitas teses preocupadas
com questões de infraestrutura e de preparo técnico, sob a forma de proposta de construção
de acervo bibliográfico (que poderia – de acordo com uma tese de Franca – ser constituído por
cópias mimeografadas), pedidos de refletores e caixas de luz, moções pela construção de teatros
municipais e cursos com profissionais contratados pela Secretaria de Cultura Esportes e Turismo.
142
8º Congresso de Teatro Amador. Jornal Cidade de Santos, em 29/03/1973
95
O VIII Congresso Estadual de Teatro Amador ocorreu mais uma vez em Santos143, nos
dias 24 e 25 de março de 1973. O certame recebeu cobertura de jornais de todo o estado144. O
Congresso debateu 26 teses e recebeu quase uma centena de amadores145 das 18 Federações
estaduais (embora só 36 delegados votassem), o maior comparecimento até então. Há, aqui,
um paradoxo: enquanto o número de participantes era recorde, a COTAESP, nessa época,
contabilizava pouco mais do que 400 grupos teatrais inscritos nas Federações, o que significava
uma queda no número de grupos federados, se compararmos com anos anteriores.
143
E, mais uma vez, no velho SESC da Avenida Conselheiro Nébias, 313
144
Congresso Amador. Jornal Cidade de Santos, em 27/02/1973; 8º Congresso Amador.8º
Congresso de Teatro Amador. Jornal Cidade de Santos, em 29/03/1973; Jornal Correio de Barretos, em
26/04/1973; FETAC e COTAESP com o Secretário de Cultura. Jornal A Folha de São Carlos, em 31/03/1973;
Congresso. Jornal O Diário (São Carlos), em 30/03/1973; Congresso Estadual de Teatro. Diário de Notícias
(Ribeirão Preto), em 24/03/1973; Teatro Amador dá início a congresso. Jornal O Estado de São Paulo (São
Paulo, capital), em 24/03/1973; Será aberto hoje o 8ºCongresso de Teatro Amador. Jornal A Tribuna
(Santos), em 24/03/1973, entre outras publicações.
145
Conforme livro de presença do Congresso. Aproximadamente 30 amadores eram de Santos.
96
nacionais de TV, com uso de satélites de comunicação, reduziu o público teatral e – por
consequência – o interesse dos vereadores e prefeitos em relação a essa questão.
Em artigo d’O Estadão, Carlos Pinto (e o próprio jornal...) não perdem a oportunidade
para denunciar – e ridicularizar – a existência de censura prévia146:
Pela primeira vez, nos Congressos, estão ausentes (embora mandassem representantes)
o Secretário de Turismo e o Presidente da Comissão Estadual de Teatro (CET – que voltou a
existir).
146
Teatro Amador dá início a congresso. Jornal O Estado de São Paulo (São Paulo, capital), em
24/03/1973
147
Idem.
97
premiados. Haverá uma gradação do 1º ao 4º prêmio e um valor base para os demais. Ao evitar
que os participantes da final do FETAESP, entre 5º e 10º lugar, fiquem sem premiação, tenta-se
reduzir a competitividade exacerbada que trouxe muitos inconvenientes em festivais de anos
anteriores.
148
Ib.
149
Nas dependências da Câmara Municipal de Franca, na Faculdade de Direito de Franca e no
Hotel Cacique.
150
Congresso amador paulista. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, em 16/04/1974.
98
151
Pará esteve presente no IX encontro de teatro. Belém: Província do Pará, em 09/04/1974.
152
Em torno de um congresso. São Paulo: Super News, de 20 a 27/04/1974.
153
9º Congresso de Teatro Amador. São Carlos: A Folha, em 17/03/1974.
99
154
Cf. se vê (por exemplo) em X Congresso de Teatro Amador. Jornal Cidade de Santos, em
26/02/1975 e Dia 21 começa X Congresso de Teatro Amador em SP. Santos: A Tribuna, em 04/03/1975.
155
X Congresso de Teatro Amador. Jornal Cidade de Santos, em 26/02/1975
156
Idem.
157
Este Congresso pode dar a Sorocaba o seu Teatro Municipal. Sorocaba: Cruzeiro do Sul, edição
de 22/03/1975.
100
Feita a exposição geral do que foram os dez Congressos que ocorreram no período que
estudamos, é tempo de se realizar mais algumas considerações sobre eles.
É notável como, nesses dez Congressos, inexiste documentação sobre debates ou teses
que versem sobre questões de conjuntura política. Também são extremamente escassas as
teses que, mesmo vicariamente, apresentem concepções sobre o que é Teatro Amador ou
propostas articuladas sobre o fazer teatral. Mesmo o enfrentamento dos problemas imediatos
provocados pela dura realidade de se fazer cultura sob ditadura (como a censura às peças,
prisões arbitrárias e violência física), ocorre sem se discutirem as causas das ações repressivas.
158
Miranda não veio e Sorocaba ficou sem pedir projeto do teatro. Sorocaba: Cruzeiro do Sul,
edição de 23/03/1975.
101
tinham larga bagagem cultural formal, além de décadas de vida teatral. Alguns, como Hamilton
Saraiva, saíram do movimento federativo diretamente para cátedras da ECA-USP; outros, como
Carlos Pinto, tornaram-se Secretários de Cultura; há até, como aconteceu com Sidnei Rocha, os
que se tornaram prefeitos de grandes cidades. Não foi por falta de “teóricos”, que o movimento
federativo caminhou sem “teoria”; nem por falta de massa crítica, pois estamos diante de um
movimento que chegou a congregar 15 mil pessoas, em mais de mil grupos teatrais, por anos a
fio...
Isso nos leva a considerar que alguma coisa inerente ao movimento federativo amador
estava fazendo com que ele começasse a perder força, no exato momento em que a sociedade
civil brasileira saia da letargia. E não parece que isso ocorreu por incúria dos dirigentes amadores
ou por falta de participação nos Congressos. Ao contrário, uma rápida inspeção sobre atas e
coberturas jornalísticas dos Congressos seguintes aponta para o aumento da participação
numérica dos amadores e do grau de organização da Secretaria e da Infraestrutura desses
Congressos. Por exemplo, olhando para a frente – para adiante do período que estamos
estudando – observa-se que no XIX Congresso, de 28 de abril a 1º de maio de 1984, em São José
dos Campos, a participação foi de aproximadamente 300 amadores. Uma centena de teses foi
impressa em um caderno de 80 páginas, com arte de capa. E, independentemente do debate
sobre concepções sobre Teatro Amador e de discussões sobre teatro popular (que efetivamente
ocorreram no XIX Congresso...) a COTAESP implodiu no ano seguinte, saindo definitivamente de
cena.
Enfim, os Congressos foram um fator importante para o “boom” do Teatro Amador, nos
anos 1960. Mas nossos estudos parecem indicar que não foram fundamentais para esse
crescimento. Da mesma forma, os indícios são de que as causas, para a constrangedora atrofia
do movimento federativo no início dos anos 1980, também não estão na ação administrativa
articulada a partir desses Congressos.
Observe-se que o primeiro festival estadual amador ocorre dois anos antes do primeiro
congresso de amadores. É indicação forte da importância dos festivais para a estruturação inicial
das federações. Igualmente digno de atenção é o fato de que a primeira ação concatenada das
várias federações, que surgem no ano de 1965, foi a de selecionar, em fase regional, os finalistas
do III FETAESP (Festival de Teatro Amador do Estado de São Paulo). E que a própria COTAESP foi
gestada no V FETAESP, em Presidente Prudente, no mês de outubro de 1967. Não menos
importante: constata-se que os festivais coroam as atividades de organização realizadas pela
COTAESP e são a vitrine da vitalidade e da articulação do movimento teatral amador paulista.
Em grande medida, o nosso estudo sobre o “boom” do Teatro Amador paulista tem,
nesses festivais, conhecidos pela sigla FETAESP, o seu balizador maior. Merecem uma descrição
mais detida, uma vez que geraram muitas perguntas sobre nosso tema. Como descrições
pormenorizadas tendem a ser enfadonhas, proceder-se-á uma divisão por momentos. E esses
momentos serão definidos pelo comando organizativo dos festivais: Comissão Estadual de
Teatro; transição; COTAESP. No primeiro momento (1963-1965), portanto, estão os festivais
produzidos pela Comissão Estadual de Teatro, nos anos que antecedem ao surgimento das
federações de Teatro Amador. No segundo momento (1966-1967), temos os festivais que
antecedem ao surgimento da COTAESP – Confederação de Teatro Amador do Estado de São
Paulo. O terceiro momento (1968-1975) é o dos festivais organizados pela COTAESP.
Em linhas gerais, a CET planejou e realizou tanto a fase eliminatória como final dos três
primeiros festivais; definiu os regulamentos, garantiu a infraestrutura dos grupos, os espaços de
encenação, o júri das finais e a divulgação dos certames aos públicos locais.
159
Na primeira fase, em todos os festivais, os jurados eram definidos pelas federações. E as
federações escolhiam, preferencialmente, profissionais de mídia: isso abria a possibilidade de uma maior
divulgação para o evento. E havia, entre os três ou cinco membros do júri, uma pessoa com vida teatral:
104
ela acabava sendo o principal fiador do equilíbrio nas escolhas. No que concerne aos júris das semifinais
(que ocorrerão a partir de 1967) e das finais, eles eram definidos pela Comissão Estadual de Teatro.
160
A lista, das cidades participantes dos três primeiros FETAESP, encontra-se no Relatório 63/65
– Comissão Estadual de Teatro. pp. 16 - 18.
161
Bertha Zemmel está com 83 anos; é atriz, tradutora e diretora teatral, com várias incursões
na TV e no cinema. Em relação à Divina Salles da Silva apenas consta que era funcionária da CET. Cecília
Carneiro foi atriz do TBC e do Teatro Maria Della Costa, entre 1956 e 1962. Antonio Ghigonetto (1930-
2010) foi diretor teatral, ator, educador, produtor e dramaturgo.
162
José Greghi Filho (1937-2001) era ator, diretor e dramaturgo santista. Esteve no grupo de
pessoas que fundaria a Federação Santista de Teatro Amador (FESTA), no ano seguinte (1965) a este II
FETAESP.
105
Mas também se observa que a seleção de finalistas, nos dois primeiros festivais, não foi
especialmente competitiva163. A disputa cresce no III FETAESP, não só pela existência de 123
peças competidoras para 20 espetáculos na fase seguinte, como também pelo fato de existirem
37 cidades participando com grupos teatrais, o que leva à existência de eliminatórias onde
cidades diferentes concorrem por uma mesma vaga, na final em Ribeirão Preto. O III Festival
impressiona pelo seu gigantismo: a apresentação de mais de uma centena de grupos, na fase
eliminatória, certamente implicou em problemas de logística e infraestrutura, além de provável
achatamento da qualidade geral das apresentações, independentemente dos critérios para
aferi-la. Isso nos leva à suposição de que a Comissão Estadual de Teatro apostou nesse
gigantismo para consolidar o movimento federativo, que surgiu por indução do Plano de
Desenvolvimento do Teatro Paulista de 1963.
Explicar por que as cidades de Campinas e Ribeirão Preto foram escolhidas para sediar
a fase final do I FETAESP, é fácil: além de terem as maiores populações do interior do Estado de
São Paulo, as duas cidades tinham disponíveis bons teatros. Campinas tinha o Teatro Municipal
Carlos Gomes164, um belíssimo prédio neoclássico com 1.300 lugares; Ribeirão Preto possuía o
estupendo Teatro Pedro II165.
163
No I FETAESP, mesmo a proporção de 4 peças inscritas para cada uma que chega à final é
enganosa: alguns grupos não conseguiram objetivamente se apresentar; outros apresentaram peças de
Teatro Infantil e acabaram não sendo considerados para a escolha das finalistas. No II FETAESP, a
proporção de quatro inscritos para um finalista, na verdade, até caiu um pouco na maior parte das
cidades, pois agora temos a inclusão da capital paulista e de São José do Rio Preto, onde já existiam muitos
grupos teatrais amadores.
164
Que acabou demolido, em circunstâncias obscuras, dois anos depois.
165
Esta casa de espetáculos foi inaugurada em 1930. Entre os anos 1950 e 1970, o subsolo do
teatro foi transformado em salão de bailes de carnaval. Fora do período carnavalesco, era transformado
em sala de jogos. O local ficou conhecido como “Caverna do Diabo”. Arrendado por uma companhia
exibidora de filmes, o prédio passou por uma reforma que o descaracterizou. Sofreu um incêndio, em
1980. Foi restaurado em 1996. Abriga 2.000 espectadores.
106
Entender por que Botucatu sediou a final do II FETAESP, já não é tão simples: Botucatu
não era uma cidade grande166, e o Teatro Armando Joel Nelli167,apesar de ter uma plateia
espaçosa, era tecnicamente insatisfatório. Por que, então, Botucatu foi a sede da final, e não –
por exemplo – São José do Rio Preto?
No que se refere ao público, cabe observar que a Comissão Estadual de Teatro atingiu,
nos três festivais, o seu objetivo de construção de plateias para os espetáculos teatrais. O êxito
é evidente no ano de 1965, quando se alcança quase 17 mil espectadores, há que se concluir,
da classe média da “Califórnia Brasileira”. Aquela classe média que, no período que antecede a
hegemonia da televisão, costumava ir ao cinema. Mesmo levando-se em consideração de que
muitos espectadores assistiram a duas ou mais peças, o número de assistentes foi muito alto.
Mas não se pense que onde não houve competição real, também não havia atividade
amadora de qualidade: Barretos, Garça e Araraquara possuíam bons grupos amadores e alguma
tradição em apresentações teatrais. De qualquer forma, a boa qualidade das apresentações
teatrais não produziu mudanças apreciáveis na frequência de público, que permaneceu baixa
em todas as eliminatórias.
166
Em agosto de 2017, a estimativa de população, para Botucatu, é de 141 mil habitantes.
167
Construído pelo bancário Joel Nelli, em 1962, para ser a sede do Teatro Amador da Escola
Normal Dr. Cardoso de Almeida - TAENCA. Virou cineteatro, em 1964, e foi desativado em 2014.
107
A parceria da CET com as jovens entidades, dá-se por meio de assinatura de um convênio que
transfere a gerência das eliminatórias regionais para as federações amadoras.
É igualmente importante registrar que o III Festival de Teatro Amador do Estado de São
Paulo recebeu cobertura jornalística desde sua fase eliminatória. A Comissão Estadual de Teatro
mandava releases completos, que eram – quase sempre – integralmente reproduzidos. Mas
alguns jornais decidiram ampliar a cobertura dos eventos: por exemplo, o jornal A Tribuna, de
Santos, acompanhou o dia a dia da eliminatória santista não só divulgando a programação, mas
fazendo resenhas das apresentações e destacando os elencos dos grupos participantes.
168
Relatório 63/65 – Comissão Estadual de Teatro. p. 05.
169
Conforme comentários nos jornais Diário do Grande ABC; O Estado de São Paulo; O Município
(São João da Boa Vista); Diário da Região (São José do Rio Preto); A Tribuna (Santos).
108
FESTIVAL/ANO
(cidade sede GRUPO AMADOR - CIDADE ORIGEM DO GRUPO
da final)
Centro de Estudos Teatrais Educação e Cultura/ Sem referências
CETEC - Ribeirão Preto
I FETAESP/1963
(Campinas)
Grupo de Arte Dramática do SESI – Sorocaba Estudantes e professores
do sistema “S”
Centro Universitário de Cultura Artística – CUCA Estudantil (PUC de
Campinas)
170
Como não se encontrou documentação abrangente sobre a fase inicial desses festivais e,
sequer, tivemos acesso (com exceção do III FETAESP) às listagens de todos os participantes da fase final,
essa análise será restrita aos espetáculos e grupos vencedores, cujos dados estão resumidos no Quadro
2 e no Quadro 3.
171
Utilizou-se o termo “auto constituído” para designar os grupos que se construíram sem
qualquer vínculo formal com escolas, igrejas, sindicatos ou outras instituições. A ausência de vínculos
formais evidentemente não impede que muitos desses grupos tenham surgido a partir de amizades
escolares ou da convivência em um mesmo espaço de trabalho. De toda maneira, os grupos auto
constituídos demonstram que a prática teatral é um hábito cultural arraigado há muito tempo e espalhado
por praticamente todo o interior do Estado de São Paulo.
109
172
Sempre que possível, a descrição de “gênero” obedece à definição realizada pelos próprios
grupos amadores, copiada dos programas das peças encenadas.
110
No que diz respeito às peças encenadas que chegaram ao nosso conhecimento, assim
como as peças premiadas dos três primeiros festivais173, é possível indicar que, entre 1963 e
1965, ocorreu um deslocamento que vai da ênfase no debate político ainda próximo ás
propostas dos grupos populares de cultura (ou do nacionalismo popular), para chegar a uma
crítica de costumes e à denúncia das relações autoritárias.
Em relação ao II FETAESP, embora a segunda final fosse disputada por uma quantidade
ainda maior de grupos provenientes do “Teatro Estudantil”, observa-se que as peças premiadas
não mais estavam diretamente imbricadas com a conjuntura política, ao contrário do que
ocorrera no ano anterior. O que teria provocado essa mudança? Pergunta de difícil resposta,
pois todos os grupos que se apresentaram foram convidados diretamente pela CET para
participar da fase inicial, não tendo sido encontrado qualquer documento que indique a
existência de critérios para esses convites.
173
Reconhecemos que é temerário tentar descrever como transcorreram espetáculos teatrais
que ocorreram há mais de meio século, nesse esboço de como foram apresentadas as peças vencedoras,
nesses três primeiros festivais. Faremos as descrições das peças vitoriosas nos dois primeiros festivais com
base em impressões de amadores veteranos e em uma conversa informal entre o autor do presente
estudo e Bertha Zemmel (que atuou como jurada nessas duas primeiras finais), ocorrida em março de
2015. Para a descrição dos espetáculos vencedores do III FETAESP, teremos apenas o apoio dos artigos
dos jornais da época.
174
Apenas duas peças receberam prêmios, no I FETAESP. Nos dois festivais seguintes, haverá
premiação para quatro espetáculos, em cada final.
111
Para além de A Moratória, de Jorge Andrade, escrita em 1954, por um autor ligado ao
movimento de teatro das décadas de 1950/1960 e que seguiu produtivo até o início da década
de 1980, as peças premiadas no II FETAESP incluíam textos de autores brasileiros escritos em
outros períodos históricos, como O Terrível Capitão do Mato ou Ciúmes de um Pedestre, de
Martins Pena, de 1846, e Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, de 1943. Entre os premiados
também estava o texto de 1937, Os Fuzis da Senhora Carrar, do dramaturgo alemão Bertold
Brecht. Embora a temática política e de crítica da realidade ainda persista, mesmo que vestindo
a roupagem de outras épocas, a crítica de costumes ganha espaço no repertório dos grupos
amadores paulistas.
O III FETAESP, o último sob organização da CET, foi regido, na fase final, em Ribeirão
Preto, pelo mesmo regulamento produzido pela CET e que vigorou nos dois primeiros festivais.
Da mesma forma, os jurados – que na fase eliminatória são escolhidos pelos amadores - foram
determinados pela CET, na fase final.
Participaram, da fase final do III FETAESP, vinte espetáculos175. Tínhamos, quase sempre,
uma apresentação por dia. Isso significa que – dadas as dimensões gigantescas dessa final –
muito dos grupos concorrentes não viram os trabalhos dos demais. Observamos, também, que
ocorreram repetições do mesmo texto teatral176 em alguns espetáculos e até apresentação de
um texto escrito por um dos juízes do Festival, o que sempre leva a constrangimento.
Nos palcos dessa final, como também ocorreu nos dois festivais anteriores, o
predomínio de atores com menos do que 25 anos era hegemônico. Os textos apresentados não
parecem indicar concatenação de propostas formais ou tomada de posições políticas.
175
A lista dos espetáculos finalistas do III FETAESP – e de todas as demais finais, até a do ano de
1975 – encontra-se no ANEXO 1.
176
Os textos dos estadunidenses W. Faulkner (Oração para uma negra) e Tennessee Willians (À
margem da vida) subiram duas vezes ao proscênio. São textos de excelente qualidade (no caso de Oração
para uma negra, o texto apresentado é uma adaptação produzida por Albert Camus que conferiu maior
força dramática ao original).
112
A existência de um texto laudatório à Revolução Cubana (ainda mais: feito por um frade
e apresentado por um grupo conventual) chama a atenção, entre as apresentações da final do
III FETAESP. E um terço dos grupos que se apresentaram nessa final, era de origem estudantil.
Ressalte-se, por fim, que a frequência de público, aferida pela CET, foi elevada: o festival teve,
no total, 16.850 espectadores.
Destaque-se que, neste primeiro momento, vivido entre 1963 e 1965, os Festivais
Estaduais de Teatro Amador serviram – com sucesso – como ferramenta para consolidar a
estrutura federativa para o Teatro Amador paulista. Com as federações, que começam a
funcionar em 1965, a Comissão Estadual de Teatro entende que, mesmo mantendo-se como
provedora quase hegemônica do evento, poderá transferir a organização, inclusive da fase final
do Festival Estadual de Teatro Amador, para as federações amadoras. A partir daí, as federações
ganham autonomia e organicidade suficientes para a realização dos festivais.
Para melhor analisarmos a estrutura desses dois festivais organizados pelas Federações
de Teatro Amador, utilizaremos o Quadro 4:
Renata Palotini
V FETAESP/1967 Aprox. Aprox. 50 10 Aprox.
170 5.000
113
Tal exclusão e a própria existência da lista da CET alimentam tensões entre esta e as
federações. A restrição representada pela lista foi debatida, mês seguinte, no Congresso
Estadual, tornando-se praticamente inócua, a partir de 1967. O debate indicou que as
federações amadoras, ecoando o sentimento de seus filiados, consideravam que tal lista
implicava num dirigismo que parecia considerar os amadores incapazes de fazer suas escolhas
de repertório. É interessante destacar que, no ano de 1966 (em que o debate político retornava
à ordem do dia, no país, com o fortalecimento da Frente Ampla), a lista de peças da CET havia
177
Jairo Arco e Flecha (1943) é ator, escritor, autor, tradutor, jornalista e crítico de arte.
178
Afonso Gentil (1932) é ator e diretor de teatro.
179
Como a conclusão do IV FETAESP ocorreria em São Carlos, entre os dias 22 de outubro e 13
de novembro de 1966, coincidindo com a inauguração oficial do Teatro Municipal de São Carlos
(construído com grande parte do dinheiro proveniente da CET), a Comissão Estadual de Teatro acabou
arcando com algumas responsabilidades organizativas. A casa de espetáculo (que receberia o nome de
Alderico Vieira Perdigão, em 1969) tinha capacidade para abrigar 500 espectadores.
114
sido ampliada com inserção de numerosos textos brasileiros contemporâneos. Esse fato parece
indicar que, quaisquer que fossem os interesses da CET, em exigir observação da lista, não havia
intenção censória.
Nos anos de 1966 e 1967, os mecanismos da Ditadura Militar pareciam ainda não
implicar no uso direto de repressão contra o movimento federativo. Até porque a incidência dos
mecanismos repressivos será progressiva. Nesse momento específico, havia um sentimento
difuso de que as ações culturais estavam sendo monitoradas e que “as paredes tinham
ouvidos”180.
180
Expressão de Ângelo Boniceli, amador que se tornaria diretor do Teatro Municipal Dr. Alderico
Perdigão (São Carlos), por mais de 15 anos.
181
DIAS, Névio. Memória 1965-1970: o teatro amador no contexto cultural de São Carlos. São
Carlos: ICACESP, 2009. p.150.
115
gastos182 que – ao invés de assumidos pela administração municipal – acabaram sendo arcados
por aficionados183 do Teatro Amador.
Enquanto nas coxias do V FETAESP surge a COTAESP, o indicativo mais forte dessa nova
realidade do movimento federativo é a criação de uma nova fase para o festival, as semifinais
que congregam concorrentes de várias regiões diferentes em um único certame. A partir de
então, os festivais passam a ter três fases: as eliminatórias, as semifinais e as finais. A montagem
182
Esses gastos eram: de alimentação e transporte para a equipe de colaboradores que ajudavam
na infraestrutura e organização; com a remuneração das horas-extras para os funcionários do teatro
municipal; e com o apoio aos amadores, de todo o Estado, que queriam assistir aos espetáculos.
183
O ex-prefeito Alderico Vieira Perdigão (que daria seu nome ao Teatro Municipal, anos depois),
o Prof. Dr. Vicente Arruda Camargo, a jornalista Laines Paulillo, Névio Dias (presidente da FETAC), Eduardo
Martins Franco e Erasmo José Germani são alguns dos nomes que merecem ser lembrados.
184
Jornal A Folha (São Carlos – SP). Edição de 23/10/1966
116
A criação da fase semifinal foi realmente um avanço, mas – na avalição de algumas das
lideranças das federações – o sistema ainda precisava de ajustes. Segundo o paulistano
Hamilton Saraiva186, seria interessante distribuir os grupos escolhidos na primeira fase
eliminatória desconsiderando-se a proximidade geográfica, já que em São Paulo e nas cidades
próximas encontram-se pelo menos metade dos grupos amadores do Estado de São Paulo.
185
Do ponto de vista estritamente técnico, a fase de semifinais permite, em tese, corrigir algumas
distorções surgidas pelo enorme crescimento de espetáculos concorrentes no FETAESP: possibilita que
dois bons espetáculos, de uma mesma cidade, possam chegar à final; evita que um espetáculo de pouca
expressão chegue diretamente à final sem ser comparado com espetáculos de outras cidades.
186
Em conversa com o Autor, no ano de 2004.
117
Século XIX 02 01
Antiguidade Clássica 01
Renascimento 01
Repertório, quanto ao gênero da peça187
IV FETAESP (1966) V FETAESP (1967)
Teatro épico 02 01
Comédia de costumes 04
Teatro de resistência política 01
Pantomima – Teatro de rua 01 01
Tragicomédia 01
Teatro do Absurdo 01 01
Drama sócio-político 01
Suspense/mistério 01
Tragédia clássica 01
Drama histórico 01 01
Drama de costumes 04 06
Auto religioso 01
Quadro 6 – Análise de repertório, na fase final do IV e V FETAESP.
O IV FETAESP apresentou 19 peças, em sua fase de competição final. O júri teve diante
de si um grupo bastante heterogêneo de peças e elencos. Muitos autores nacionais
contemporâneos foram representados nesse festival. Mas só o grupo de Santos se atreveu a
trazer um texto escrito por um amador (que, aliás, pertencendo ao grupo, também atuou).
187
Respeita-se, aqui, a classificação de gênero produzida pelo grupo teatral amador e inserida no
Programa da peça.
188
Jornal O Diário (Santos – SP). Edição de 17/11/1966.
118
Além disso, muitos grupos amadores apresentaram nesse festival algo que os
profissionais, naquele momento, quase nunca podiam fazer: peças com elencos de mais de uma
dezena de atores. Lembremos que as companhias profissionais tinham que reduzir ao máximo
os seus custos, o que tirava da cena – por exemplo – as peças com coro e muitos dos textos
clássicos. Tirava, também, da cena profissional os épicos e peças como Revolução na América
do Sul, Auto da Compadecida ou Eles não usam black-tie. Os amadores não precisavam enfrentar
essa limitação: ao contrário, em várias oportunidades, o espetáculo com muitos atores era o
caminho para permitir que todos os elementos do grupo pudessem participar de um trabalho.
E, além dessa ser uma receita para o sucesso da atividade amadora, esse era um antídoto contra
eventuais estrelismos.
As decisões do júri desse festival, e dos próximos, indicam uma evolução de como a CET
entende a atividade amadora e de como deveria fomentar os festivais: não se duvida que a ideia
de formar públicos para o Teatro Profissional – apresentada no Relatório 63/65 – persista, na
Comissão, mas se abre aqui um incentivo ao desenvolvimento de linguagens e de estéticas
“amadoras” (ou que, ao menos, não estão nas perspectivas de curto prazo, do Teatro
Profissional brasileiro). Os prêmios dados ao grupo santista, a escolha de elencos numerosos
para a etapa final e a acolhida de peças escritas por autores brasileiros contemporâneos
mostram que a Comissão Estadual de Teatro coloca, em seu radar, o fomento às pesquisas
(formais e conceituais) amadoras.
189
Júri escolhe melhores do teatro amador de SP. Jornal Folha de São Paulo. Edição de
07/11/1967. Este artigo elenca os vencedores do V FETAESP: “O Teatro Estudantil Vicente de Carvalho,
de Santos, conquistou o prêmio “Governador do Estado”, no valor de NCr$700,00. O grupo encenou
Grandes Momentos de Gil Vicente. (...) Eliana Rocha, de Grandes momentos de Gil Vicente, foi considerada
a melhor atriz. (...) atriz coadjuvante: Lenimar Rios, em Grandes momentos de Gil Vicente; melhor diretor:
Paulo Jordão, em Grandes momentos de Gil Vicente. (...) Houve ainda menções honrosas a (...) José
Eduardo Vendramini, pelas qualidades de autor em Ponto de partida; e Lúcia Lacerda, pela música
composta para a peça O caldeirão.
119
Por último, mas muito importante: nas coxias do Teatro Municipal de Presidente
Prudente e nos alojamentos do V FETAESP se fizeram as tratativas e ajustes que redundaram na
fundação da COTAESP, na semana seguinte ao término do Festival.
190
Jornal O Estado de São Paulo. Diretor quer apoio ao grupo. Edição de 05/11/1967.
191
A ata de fundação da COTAESP, de 05 de novembro de 1967, e a ata da primeira assembleia
ordinária, de 28 de janeiro de 1968, estão reproduzidas no ANEXO 2.
120
Nº DE Nº DE Nº DE
FESTIVAL/ANO PEÇAS NA PEÇAS NA PEÇAS NA
(cidade sede da PRIMEIRA FASE FASE FINAL CONSTITUIÇÃO DO JURI DA
final) FASE SEMIFINAL FINAL
(público (público (público
estimado193) estimado) estimado)
192
Nesse momento, a CET era presidida por Décio de Almeida Prado, ex amador de teatro.
193
Critério para estimativa: Passo 1 – pesquisou-se o público, entre 3 e 5 espetáculos, nas cidades
de Santos, São Paulo, Rio Preto e São Carlos; Passo 2 – estabeleceu-se a média desses públicos, que foi
multiplicado pelo número de espetáculos apresentados nas maiores cidades; Passo 3 – utilizou-se metade
da média de público – por espetáculo – das grandes cidades, como base para o cálculo de público nas
pequenas cidades; Passo 4 – multiplicou-se a média do “Passo 3”, pelo número de espetáculos nas
pequenas cidades; Passo 5 – somou-se os números obtidos nos passos “2” e”4”, obtendo-se os resultados
que são apresentados no Quadro 7.
121
194
Paschoal Carlos Magno (1906-1980), foi teatrólogo e diplomata. Lauro Cesar Muniz (1938), é
autor de telenovelas, roteiros cinematográficos e peças teatrais. Therezinha Aguiar é diretora teatral e foi
professora da EAD.
195
Eliza Cunha de Vicenzo era professora da ECA-USP; Armando Sérgio da Silva era aluno do
4ºano da ECA-USP; e Gilberta Autran Von Pfuhl era figurinista e cenógrafa radicada em Santos.
196
Armando Sérgio da Silva é, hoje, livre docente pela ECA-USP e diretor teatral.
197
Fernando Muralha é ator, diretor e autor português, que se radicou no Brasil. Foi o líder do
movimento teatral itinerante chamado “Carroça de Ouro”, da década de 1970.
198
Jacques Lagoa (1943) é diretor de televisão e ator.
199
Mariângela Alves de Lima e Ilka Marinho Zanotto eram, nessa época, críticas teatrais de O
Estado de São Paulo; Emílio di Biase – Ator e diretor de teatro.
122
No que concerne à Primeira Fase dos FETAESP, é necessário inicialmente registrar que
ela sempre aconteceu em todas as 19 Federações de Teatro Amador existentes no Estado de
São Paulo.
É forçoso concluir, aqui, que os FETAESP organizados pela COTAESP viveram duas
situações bem distintas: a primeira situação, entre 1968 e 1972, é de dinamismo e de realizações
para o Teatro Amador paulista, que enfrenta com vigor os dilemas de um período repressivo e
ditatorial; a segunda situação, de 1973 a 1975, é de censura, escassez de recursos e de custos
elevados, com nítido enfraquecimento do público e da representatividade artística dos festivais
amadores. Fica evidente que se orquestrava um processo de destruição do movimento
federativo. E que essa orquestração logrou resultados.
A comparação entre os números de grupos que participaram da Fase Inicial, com os que
competiram na Fase Semifinal, indica que a competitividade se ampliou muito, do ano de 1968
(proporção de aproximadamente 4 grupos inicialmente participantes, para 1 finalista) até 1972
(mais de 10 para 1).
123
No que se refere ao público que assistiu a Primeira Fase e a Fase Semifinal, também se
observa aumento quantitativo, na primeira situação, entre 1968 e 1972. Em grande medida,
porque ocorreu o aumento do número de peças encenadas. É mais conveniente, aqui, observar
as médias de público: elas se mantêm estáveis (entre 150 e 200 espectadores, por espetáculo).
Mas essa média cai significativamente no último ano estudado (1975), para algo em
torno de 100 pessoas/espetáculo, na Primeira Fase. Em 1973 a média de público já cai
bruscamente na Fase Semifinal. De qualquer maneira, é evidente a diminuição da assistência e
a consequente percepção de que houve queda do interesse pelo evento.
Quanto ao público das finais, ele sempre foi muito elevado e limitado, apenas, pela
capacidade da plateia dos teatros onde elas ocorreram.
Passamos ao Quadro 8, que trata da origem dos grupos amadores que participaram das
finais dos FETAESP. Repete-se a mesma distribuição observada entre os vencedores dos
primeiros festivais: aproximadamente 40% dos grupos são de origem estudantil e
aproximadamente 50% são auto constituídos – ou seja, existem para fazer Teatro Amador, sem
vínculos institucionais oficiais com clubes, grupos religiosos, sindicais ou estudantis. Há que se
reconhecer, portanto, que o movimento federativo é ação de uma corrente artística específica,
com elevada incidência de atores (em todas as acepções do termo...) jovens.
200
Fora, portanto, do período que estamos estudando.
125
No que se refere à autoria, salta aos olhos a ênfase do Teatro Amador nos autores
nacionais: mais de metade das peças apresentadas, porcentagem bem maior do que se
verificava no ambiente do Teatro Profissional à época. Esse número só decai em 1973, quando
a Censura inviabilizou – por vetos diretos ou por procedimentos protelatórios – a apresentação
de praticamente todos os textos brasileiros contemporâneos. Mesmo nesse ano, 40% das peças
126
apresentadas eram de autoria nacional, com autores amadores sendo responsáveis por ¾ desses
textos.
Quanto à época em que as peças finalistas foram escritas, fica evidente que o Teatro
Amador paulista é, em última análise, teatro contemporâneo. E não só porque ¾ das peças
finalistas são contemporâneas: as peças renascentistas, clássicas e iluministas foram
objetivamente recriadas para a discussão de uma realidade do presente. A intensificação da
ação da censura, em 1973-1974, provavelmente impediu essa revitalização de clássicos, tirando-
os de cena nesses dois anos. No final das contas, só algumas comédias do século XIX fugiram ao
diálogo direto com a realidade vivida naquele instante em que os espetáculos ocorriam.
201
Hobsbawm, E. História Social do Jazz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. p.35
127
Nesse Quadro 9, não há indicação do tamanho dos elencos, porque não houve como
mensurá-lo em alguns festivais. Mas podemos relatar que esses elencos foram, em quase todos
os anos, muito mais numerosos do que ocorria, por exemplo, no Teatro Profissional
contemporâneo aos festivais. Só em 1975 haverá uma relativa diminuição no número de atores
em cena e a única ocorrência de um monólogo teatral (embora em A mais forte existiam duas
atrizes contracenando; uma mantinha-se muda) em todos os FETAESP. De qualquer forma, o
número menor de atores, nos elencos de 1975, talvez seja reflexo das barreiras impostas ao
movimento federativo a partir de 1973.
202
Como sempre, reproduzimos fielmente a discriminação de gênero proposta pelo grupo
amador, no Programa da peça.
128
São Carlos apresentou, portanto, espetáculos teatrais com temáticas que vão do
religioso, passando por clássico grego, peça iluminista, textos leves, texto romântico e chegam
a textos com forte conotação política (inclusive colocando em foco o Brasil sob Ditadura Militar).
203
Entre outras coisas, Cacilda Becker lia – diariamente – os artigos de jornal sobre Teatro
Amador. Há uma cópia de “clipping”, com visto da atriz, no ANEXO 3.
204
Aproxima-se o início do festival amador. Jornal A Folha (São Carlos). Edição de 17/08/1968.
129
Mas, mesmo nos palcos amadores, o debate foi muito prejudicado pela ação da censura,
que se fez presente no VI FETAESP desde sua fase eliminatória. Em São Carlos, as peças O marido
confundido e Casamento do pequeno burguês eram as mais cotadas para se classificarem às
semifinais. Acontece que a peça de Molière era dirigida por Glauco Divitis, que na época era
delegado de polícia, enquanto a peça de Brecht era dirigida por Luiz Antônio Martinez Corrêa,
irmão do Zé Celso, diretor do Teatro Oficina. Névio Dias relata o que aconteceu205:
205
DIAS, Névio. Memória 1965-1970: o teatro amador no contexto cultural de São Carlos. São
Carlos: ICACESP, 2009. p. 192. O delegado Divitis era um legítimo representante de um tipo de gente que
se associava ao aparato repressivo da época, infiltrando-se em instituições e movimentos sociais; gente
que não titubeava em praticar a delação para sublimar sua mediocridade. Este aparato construído pela
ditadura soube, muito bem, se servir desses indivíduos.
206
Idem.
130
teriam muito risco em montar. Isto exigiria, porém, um alto nível cultural –
condição esta nem sempre presente nos grupos.
Em continuidade, Dilma de Mello também diz que “era até desleal” uma competição
entre grupos do Grande São Paulo e os do interior, pois esses últimos não tinham um cabedal
de informações que lhes dessem um mínimo de sustentação. Podemos, portanto, reforçar a
consideração de que havia – até dentro da CET – pessoas que viam o Teatro Amador como um
penduricalho (quase sempre desajeitado), ou como celeiro, do Teatro Profissional. Mas tal
consideração deve ser feita com a ressalva de que a CET, naquele momento dirigida por Cacilda
Becker, tinha uma percepção muito mais elaborada – e precisa – sobre o Teatro Amador.
E o próprio júri da etapa final, em suas deliberações, mostrava que, no âmbito da própria
CET, havia o entendimento de que o Teatro Amador tinha uma trajetória autônoma. É o que se
depreende ao se observar a premiação. O primeiro colocado, Júlio César, apresentada pelo
Teatro Universitário Sorocabano, tem um elenco jovem e numeroso (20 pessoas no palco e meia
dúzia de técnicos, além de um diretor e um assistente de direção), além de utilizar um texto de
Shakespeare fora do radar do Teatro Profissional brasileiro. O segundo colocado, Fuzis de
Senhora Carrar, apresentado por um conjunto de Ribeirão Preto, é um exemplar característico
do Teatro Universitário com engajamento político e que apostava no chamado “teatro épico”.
O terceiro colocado, A via sacra, do grupo paulistano Teatro Sem Nome, é uma atormentada
visão cristã produzida por um autor do século XIX, que recria um drama religioso medieval.
As apresentações que se pautaram por uma estética mais próxima ao Teatro Profissional
(O Santo Inquérito, O Santo e a Porca, e Quarto de Empregada) acabaram, coincidentemente,
nas últimas posições do certame. Conclui-se que o júri, por meio de seus critérios de premiação,
ajudou a criar um norte de autenticidade amadora ao festival, além de incentivar as pesquisas
formais e de comunicação com o público que não estavam ao alcance do Teatro Profissional,
naquele momento.
Homenagem singela, em que se coloca, no centro de uma página limpa, a seguinte frase da
atriz207:
Essa frase dura, em seu realismo, certamente foi escolhida como síntese do que
aconteceu com Cacilda. Mas também retrata a situação dos amadores que – para realizar suas
atividades artísticas, organizar o movimento federativo, enfrentar o momento de repressão às
manifestações culturais e lidar com a brusca renovação dos sistemas de mídia – têm pouco
tempo e reservas de energias intelectuais para pensar que teatro realmente querem fazer. A
roda-viva dos fatos afoga, tende a esmagar a fruição artística.
Mesmo assim, trezentas peças participam da fase inicial do VII FETAESP. Só Santos tem
uma eliminatória com 11 concorrentes. Nesta eliminatória se estabelece a cobrança de
ingressos208. Até então, a grande maioria dos espetáculos amadores eram gratuitos. A Federação
Santista de Teatro Amador considerou que as apresentações seriam mais valorizadas pelo
público se os espetáculos tivessem custos para quem os assistissem.
Como ocorria desde 1967, cinco semifinais regionais foram realizadas para se escolher
os dez finalistas que se apresentariam em Ribeirão Preto. As duas peças teatrais que
representavam Santos derrotaram as peças paulistanas, do Grande ABC e do Vale do Paraíba,
em sua semifinal e foram para Ribeirão Preto na condição de favoritas.
Mas o júri da final do VII FETAESP decepcionou os santistas, dando o Primeiro Lugar para
Senhora dos afogados, ao Teatro Estudantil Penapolense; e o Segundo Lugar para Bíblico, ao
Grupo M-3 (Rio Claro) – deixando os santistas com o 3º (Electra) e o 4º lugares (Beijo no asfalto).
Por que isso aconteceu?
O júri deve ter considerado o experimentalismo como uma atribuição amadora, e suas
decisões são perfeitamente coerentes com as atuações dos jurados escolhidos pela CET, nos
festivais anteriores. O primeiro prêmio, conferido a Senhora dos afogados, apoia-se no critério
207
VII Festival Estadual de Teatro Amador. Programa da eliminatória santista. Sem numeração
de página. 1969
208
Teatro. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de 24/08/1969.
132
de incentivo a buscas formais: esse espetáculo arriscou mais, mesmo não acertando sempre. E
o grupo de Rio Claro apresentou um texto escrito pelo amador Odécio Penteado.
Para o público em geral, talvez tenha sido incompreensível que duas peças tão bem-
acabadas, como as de Santos, tenham ficado atrás da peça rio-clarense, com um texto
relativamente tosco. Além disso, as temáticas das peças santistas estavam em consonância com
o que se discutia no dia a dia dos grupos amadores, e esse fato era até mais importante do que
a qualidade das apresentações de Electra e de Beijo no asfalto (que eram, sim, superiores).
O VIII FETAESP (1970), que ocorreu a seguir, apresentou uma modificação estrutural: as
cinco semifinais produziriam três finalistas, cada uma, o que significa ampliar em 50% o número
de espetáculos finalistas. A justificativa apresentada era o do aumento expressivo do número
de peças encenadas nas fases iniciais. Um aumento quantitativo que se transformou em
aumento qualitativo, no dizer dos líderes do movimento federativo.
É necessário lembrar, também, que todos os amadores queriam chegar à uma final de
festival. Claro que há todo um clima de “happening”, mas todos também queriam contar suas
experiências teatrais e entrar em contato com concepções de palco diferentes, descobrindo
novas técnicas, outros textos e outras formas de comunicação com o público.
Constata-se, também, que as finais voltarão, nos anos restantes de nosso estudo, a ter
10 grupos contendores. Observa-se, por fim, que o número de semifinais se mantém em cinco,
até 1972, e diminui para três semifinais, em 1973, 1974 e 1975. Tais números nos levam a
concluir que os números de semifinais e a quantidade de concorrentes da grande final serão
sempre definidos pelos recursos disponíveis para a realização das atividades. Os problemas
logísticos – do deslocamento e alojamento dos conjuntos teatrais ao aparato técnico necessário
para a apresentação das peças – de qualquer empreendimento mais grandioso acabam sendo
maiores do que os ganhos advindos de um festival com mais participantes.
grande contribuição da vivência amadora no dia a dia de seus membros (e até na vida de seus
amigos e familiares), passa, também, a ganhar proeminência nos palcos. É claro que o debate
das questões políticas e sociais continuam presentes, como em Zumbi e Santo Inquérito,
acompanhadas de peças antigas e medievais que servem de substrato para a discussão da
realidade contemporânea. Em compensação, o experimentalismo formal – que era apanágio das
apresentações amadoras – perde um pouco de relevância e a simples diversão teatral, por
pouco, não desaparece de cena.
Resultados finais209:
209
8º Festival Estudantil de Teatro Amador. Jornal da Cooperativa do Petróleo – COOP/Jornal
(Santos). Edição de novembro de 1970. Observe-se, aqui, que o VIII FETAESP sensibilizou um jornal de
sindicato, independentemente do fato de que foi desse sindicato que emergiu Carlos Pinto, presidente da
COTAESP...
135
Estavam postas as condições para a construção de uma etapa final muito interessante,
além da possibilidade de se espelhar a excelência de qualidade artística alcançada pelos
amadores naquele momento. E foi isso o que aconteceu, no Teatro Municipal Dr. Alderico Vieira
Perdigão (São Carlos), entre os dias 21 e 30 de outubro de 1971.
Graças à estatura que o FETAESP atingira (e aos releases distribuídos pela Comissão
Estadual de Teatro), inúmeros jornais211 divulgaram o evento por todo o estado. As
apresentações ocorreram sempre com casa cheia. A presidente da Comissão Estadual de Teatro,
Nídia Lícia e o Embaixador do Teatro no Brasil, Pascoal Carlos Magno, estiveram presentes às
apresentações.
210
De acordo com o Jornal A Tribuna (Festival de Teatro: dia 10 TEVC abre a fase semifinal. Jornal
A Tribuna (Santos). Edição de 07/09/1971) as semifinais ganharam a seguinte organização: 1) Série Cacilda
Becker (sediada em Santos), com grupos de Santos, Sorocaba, São Bernardo do Campo e Taubaté; 2) série
Maria Teresa Alves Vianna (em Barretos), com grupos de Barretos, São Carlos, Botucatu, São José do Rio
Preto, Bauru e Sertãozinho; 3) série Martins Pena (em Sorocaba), com grupos de São Paulo, Sorocaba,
Presidente Prudente, Barretos e São José do Rio Preto; 4) série Francisco Marmorato (em Rio Claro), com
grupos de Santos, São Carlos, São Paulo, Rio Claro, Botucatu e Bauru; e 5) série João Rios (em Presidente
Prudente), com grupos de São Carlos, São José do Rio Preto, Presidente Prudente, Barretos e Sertãozinho.
211
Alguns desses jornais fizeram a divulgação de maneira algo desastrada. O Estado de São Paulo,
em sua edição de 14/10/1971 (Festival amador em São Carlos), após anunciar que “será do dia 20 ao dia
31, em São Carlos, a final do IX Festival de Teatro Amador do Estado de São Paulo, com a participação dos
seguintes grupos:”, desfia o nome das peças, seus autores e cidades de onde se originam os
representantes, esquecendo-se de colocar os nomes dos... grupos amadores. Além disso, fiando-se em
um release antigo, o “Estadão” anunciou uma peça de Presidente Prudente, que fora substituída por outra
um mês antes da competição...
136
O IX FETAESP encerra-se com nova vitória dos amadores de Santos212. De acordo com o
Relatório de Premiação213, assinado pelos jurados, os resultados214 indicam que o júri mantém a
preocupação de privilegiar a estética amadora, seja dando menções honrosas a texto, produção
musical e coreografia de perfil claramente não profissional, seja pelo reconhecimento aos
trabalhos de direção que quase chegam a ser coautoria dos textos representados.
E os dois vitoriosos espetáculos santistas são verdadeiras recriações, como se pode ver
nas críticas assinadas por Sábato Magaldi, que privilegiou o movimento amador em sua
prestigiada coluna jornalística, nos dias que se seguem à final do IX FETAESP. Vejamos, primeiro,
como o crítico abordou a apresentação de Prometeu Acorrentado, dirigido por Carlos Alberto
Soffredini:215
212
Santos leva maior prêmio do Festival. O Estado de São Paulo. Edição de 04/11/1971
213
Os corpos de jurados, nos festivais anteriores, não divulgaram relatórios com as notas e
critérios de julgamento. Dessa vez, tendo posse do relatório, a Federação de Teatro Amador do Centro do
Estado (FETAC) preocupou-se em confeccionar um impresso, com 21 páginas, onde constam as resenhas
críticas de todos as peças concorrentes e as notas de cada um dos membros do júri. Também foram
apresentadas as notas individuais dos concorrentes a melhor ator, atriz, coadjuvantes, diretor, figurinista,
cenógrafo, iluminador, revelações e menções honrosas em coreografia, musical, texto e instrumentista.
O impresso foi distribuído para as federações e para a imprensa. Esse procedimento de divulgação,
realizado pelo corpo de jurados de 1971, se repetirá nos festivais seguintes. Muitas das ponderações
desses relatórios foram aproveitadas, em nosso estudo, para fundamentar o que é debatido no item IV.1
(A estrutura das encenações).
214
Espetáculos: 1º colocado (Prêmio Governador do Estado) foi Teatro Estudantil de Vanguarda
(Santos), com A balada de Manhattan; 2º colocado, Teatro Estudantil Vicente de Carvalho (Santos), com
Prometeu Acorrentado; 3º colocado, Grupo de Teatro Jovem (São José do Rio Preto), com Os cegos.
Prêmios individuais: Diretor, Wilson Geraldo (Santos); Cenografia e Figurinos, equipe do Grupo
de Teatro Jovem (Rio Preto); Iluminação, Eduardo Autran Von Phul (Santos); Ator, empate entre Paulo
Betti (Sorocaba) e Rui Cesar Pietropaulo (Santos); Ator Coadjuvante, Luiz Henrique (São Paulo); Atriz,
Ângela Maria Rodrigues (que se apresentou nas duas peças de Santos!); Atriz Coadjuvante, Maria Tereza
Alves (Santos); revelação masculina, Antonio R. Fernandes (Santos), Revelação Feminina, Eunice Mendes
Nascimento (Sertãozinho).
Menções Honrosas: Coreografia, Carlos Alberto Sofredini (Santos); Música, Paulo Márcio Novaes
(Santos) e Nelson José dos Santos Solha (São Paulo), Texto original; Sérgio Luiz Bambace (São Paulo);
Instrumentista, Mário Cesar de Camargo (São Bernardo do Campo).
215
MAGALDI, Sábato. O público conquistado por um espetáculo: Prometeu. Jornal da Tarde (São
Paulo). Sem data.
137
voo das gaivotas, a dança das máscaras, o parto, as três lanternas elétricas
que desempenham várias funções. O espectador mal sai de um estímulo
visual e outro de imediato o seduz. O recurso do envolvimento sensorial é
frequentemente utilizado no teatro para esconder a pobreza de ideias. No
caso desse Prometeu, não: os prestígios da vanguarda estão mobilizados
em função de um sentido. (...) Prevalece, no espetáculo, o conceito de
resistência do homem contra a opressão dos poderosos. A encenação do
conjunto santista captou e transmitiu a essência do pensamento esquiliano.
Sábato Magaldi reforça sua percepção de que o Teatro Amador chegou a um patamar
elevado de qualidade, no IX FETAESP, ao fazer a crítica da peça vitoriosa, Balada de
Manhattan216:
216
MAGALDI, Sábato. Amadores não fazem bom teatro. Quem disse isso? Jornal da Tarde (São
Paulo). Edição de 26/11/1971
217
Idem.
138
Outro observador que merece ser mencionado é o diretor teatral Afonso Gentil, que foi
membro da banca de júri do IX FETAESP (e que também esteve nessa função nos anos de 1968
e 1969). Entrevistado por um jornal paulistano, apresentou sua visão sobre o Festival e sobre os
amadores de teatro218:
Talvez as primeiras palavras de Afonso Gentil sejam um reflexo dos tempos difíceis pelos
quais passava o Brasil: parece que só assim podemos entender por que alguém, da área teatral,
faça questão de dizer que “debates entre participantes e os membros do júri nunca deram bom
resultado” ...
Mais interessantes são suas percepções em relação ao amador de teatro. Ao dizer que
os amadores não sonham com o profissionalismo, Gentil parece ter se surpreendido com essa
postura. Até porque um dos objetivos dos festivais amadores, quando foram criados pela CET,
era precisamente o de oxigenar o Teatro Profissional com novos artistas. Mais curioso ainda é o
fato de que, segundo Gentil, os amadores se concentravam em fazer um teatro de vanguarda e
de pesquisa formal, quando o que se presenciou foi (claro, sem abandonar a pesquisa formal)
um festival em que os amadores apresentaram claramente suas angústias e propostas de vida
218
Amadores de teatro: um trabalho inquieto. Jornal A Gazeta. Edição de 08/11/1971.
139
para o tempo presente e para a sociedade em que viviam. E mais: que essas propostas atingiam
claramente o público, que compareceu em grande número para assistir às apresentações.
Em sua terceira e última observação, talvez Gentil – por conta até de seus interesses
pessoais – tenha involuntariamente acrescentado o termo “dirigir peças”. Os amadores tinham
ansiedade por cursos. Inclusive cursos de direção teatral (ou até algum tipo de tutoria para
diretores amadores), mas certamente queriam, eles próprios, dirigir suas peças teatrais. Uma
pista para se perceber que os amadores não queriam ser dirigidos está na primeira observação
do próprio Afonso Gentil: o “desencanto” com o profissionalismo e as buscas formais – que
estão fora do alcance do profissionalismo – afastavam muitos grupos amadores da ideia de se
submeterem à uma direção profissional.
Antes de passarmos para o próximo FETAESP, cabe uma observação sobre o público e
sobre a imprensa, que cobriu o certame. Segundo Afonso Gentil219,
219
Idem.
220
Prometeu acorrentado. Jornal O Diário (São Carlos). Edição de 24/10/1971.
140
Evidencia-se que público e amadores estavam, em geral, bem melhor situados na fruição
da arte, do que a imprensa que era destacada para a cobertura dos certames...
Jorge de Andrade, reconhecido autor teatral, com obra que se ambienta no chamado
ciclo do café, e que problematiza a decadência dos valores patriarcais, decidiu-se por fazer o
lançamento nacional de uma nova peça, As confrarias, numa montagem amadora.
221
X Festival de Teatro Amador do Estado de S.P. – Fase final. Jornal A Notícia (São josé do Rio
Preto). Edição de 08/10/1972.
222
X Festival amador chega às semifinais. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de 12/09/1972.
141
Mas, poucas semanas antes do início do XI FETAESP, que ocorreu nos meses de agosto,
setembro e outubro de 1973, a COTAESP – respaldada por decisão do VIII Congresso Estadual
de Teatro Amador224, promoveu uma mudança no regulamento225:
223
As demais premiações – de acordo com Festival Amador. Jornal Cidade de Santos. Edição de
07/11/1972 – foram: Direção: Humberto Sinibaldi, de A megera domada, Rio Preto; Ator: Hélio Lima, de
Homem do princípio ao fim, São Bernardo; Ator coadjuvante: Nelson Santos, de Tiradentes, São Paulo;
Atriz: Cláudia Ribeiro, de As confrarias, Santos; Iluminação: Rogério Godinho, de As confrarias, Santos;
Figurinos e Cenografia: equipe de A megera domada, Rio Preto.
224
Ocorrido nos dias 24 e 25 de março de 1973, em Santos.
225
Teatro amador. Jornal Cidade de Santos. Edição de 12/06/1973.
142
O informe, com a mudança do regulamento foi enviado (pela COTAESP e pela CET) para
jornais de todas as regiões do Estado. Em Barretos, outra informação interessante, desse
documento, foi divulgada226:
Ou seja, cada uma das 19 cidades onde ocorrem eliminatórias227poderá classificar três
peças, enviando-as para cada uma das três cidades onde ocorrem as semifinais. Observe-se que,
apesar de continuar sendo “o maior do mundo em seu gênero”, o XI FETAESP espera a presença
de “aproximadamente 200 grupos amadores” na fase eliminatória. Isto é, bem menos que os
500 grupos que participaram da fase eliminatória no ano anterior. Quais fatores teriam
provocado redução tão drástica?
226
XI Festival Estadual de Teatro amador. Correio de Barretos. Edição de 17/06/1973. O Jornal
Cidade de Rio Claro, na edição de 27/06/1973, produziu uma nota idêntica à de Barretos (incluindo-se a
chamada).
227
Eram elas: São Paulo, capital; Santos; Santo André; Taubaté; Lorena; Sorocaba; Botucatu;
Bauru; Marília; Presidente Prudente; Lins; São José do Rio Preto; São Carlos; Rio Claro; Campinas; São José
do Rio Pardo; Franca; Barretos e Sertãozinho.
228
Eliminatórias para o IX Festival de Teatro Amador. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de
16/08/1973. Parece que o jornal, aqui, também enfrentou um problema. De revisão: na verdade, trata-se
do XI Festival...
143
Essa eliminatória seria transferida para o Guarujá. Mas, um acordo de última hora,
manteve a sede da eliminatória em Santos. Ao que parece, a FESTA conseguiu fazer com que a
Prefeitura de Santos assumisse suas responsabilidades na área cultural. Resta verificar se não se
tratava (sob a orientação de algum órgão de segurança, ou de informações) de uma manobra
com o objetivo de desgastar sistematicamente o movimento federativo, por meio de pequenos
atritos e progressiva sangria de recursos. E, se esta manobra de fato existiu: aferir qual o grau
de comprometimento voluntário de cada um dos participantes dela.
Essa birra não era, apenas, um estado de espírito: uma série de acusações apócrifas dava
conta de que as diretorias do movimento federativo desviavam recursos destinados aos festivais
de Teatro Amador. Acusações inverídicas, uma vez que todas as movimentações de recursos
sempre foram acompanhadas de competentes demonstrativos de despesas que – além disso –
eram sempre divulgados em murais e pela imprensa.
Fernando Coelho, dez dias após o primeiro alerta, viu-se impelido a ir, mais uma vez em
defesa do movimento federativo230:
(...) estas iniciativas provam mais uma vez que o teatro amador não
está nas “últimas” como afirmam alguns despeitados, mas sabendo
empregar bem a verba e contribuindo mais do que nunca para a formação
de homens sadios.
Nesse mesmo artigo, Fernando Coelho denuncia a ação de outro inimigo, muito mais
poderoso, do Teatro Amador231:
229
COELHO, Fernando. Teatro. Jornal O Dia (São Paulo). Edição de 17/08/1973.
230
COELHO, Fernando. Teatro. Jornal O Dia (São Paulo). Edição de 28/08/1973.
231
Idem.
144
O ataque da censura foi insidioso e violento. Na verdade, ainda mais violento do que
Fernando Coelho denunciou (ou tinha condições objetivas para denunciar). Outro artigo de
jornal, já nas finais do XI FETAESP, informa232:
Assim, o XI FETAESP já estava prejudicado em pelo menos três aspectos: qualidade geral
dos espetáculos apresentados; representatividade do certame, no que se refere a mostrar todas
as facetas do trabalho teatral amador; empatia com o público.
232
‘O defunto’ fecha o Festival, hoje. Jornal O Imparcial (Presidente Prudente). Edição de
27/10/1973.
233
São Carlos, São Paulo, Santo André, São José do Rio Preto, Sorocaba e Bauru.
234
GIL, Roberto. Morte e vida Severina. Diário de Sorocaba. Edição de 18/09/1973.
145
Nydia Lícia manteve-se firme. Parte desses recursos foram, inclusive, utilizados na
infraestrutura das finais do XI FETAESP..
No que se refere aos grupos participantes desta final, há muitas novidades. Algumas
interessantes, como a do grupo de teatro formado num colégio de bairro de pescadores, do
Guarujá; outras constrangedoras, como a do fraquíssimo grupo prudentino. Mas há que se
considerar o fato de que algumas novidades constrangedoras seriam muito mais raras se não
houvesse a dilapidação do Festival por conta da ação da censura.
Há, aqui, o sério risco de que o Teatro Amador perca a capacidade de mostrar o que seu
público (e seus próprios participantes...) quer ver no palco. E o risco foi imediatamente
identificado pelos dirigentes do movimento federativo235:
235
Melhor escolha de textos teatrais, um dos temas das palestras. Jornal O Imparcial (Presidente
Prudente). Edição de 23/10/1973. p.01 e p.03
146
Os vencedores do XI FETAESP236 foram: Grupo Jambaí – São Paulo (1º colocado), Teatro
de Arte de Santo André (2º) e Teatro amador Estudantil do Colégio Estadual de Paicará – Guarujá
(3º). Os dois primeiros são os grupos mais maduros que conseguiram escapar da censura com
peças vindas da Europa Oriental (de reconhecidamente difícil assimilação pelo público). O
terceiro colocado mereceu recompensa por ter feito um trabalho no limite de suas
possibilidades objetivas.
236
Grupo de São Paulo vence festival amador. Jornal O Estado de São Paulo. Edição de
30/10/1973.
237
Confederação de Teatro Amador faz relatório. A Gazeta (São Paulo). Edição de 27/11/1973.
Os trechos com aspas, que se seguem, foram todos retirados dessa reportagem.
147
próximo Congresso da COTAESP iria debater como escolher os jurados da fase eliminatória do
próximo FETAESP.
Seguindo com o relatório, após deplorar a ação da Censura, Carlos Pinto mostra que
também as questões financeiras estavam inviabilizando as apresentações amadoras: “Em
Santos, o aluguel de um teatro custa 700,00 por dia; a SBAT cobra taxas que vão de 156,00 a
312,00238, por espetáculo apresentado. Junta-se a isso o custo da montagem, e analise-se a
condição do amador”.
Mesmo diante de tantas dificuldades, o relatório analisa positivamente a fase final, com
apresentações em teatro lotado e considerando que “A qualidade técnica do Festival foi
realmente surpreendente. Podemos classificar os dez espetáculos finalistas da seguinte forma:
dois em nível ótimo, cinco em nível bom, dois em nível regular e apenas um sem quaisquer
condições”.
A linguagem foi proativa. Mas o sinal de alerta soou, pois ficava evidente que se
orquestrava um processo de destruição do movimento federativo. E essa orquestração seria de
muito difícil enfrentamento porque não tinha rosto. Melhor dizendo, tinha muitos rostos:
incluindo-se aqui, pessoas e instituições que – se agissem com mais tirocínio – deveriam estar
ao lado dos amadores. A SBAT, por exemplo. Mas não só ela: deveriam estar ao lado dos
amadores os profissionais de teatro e, sem dúvida, os autores teatrais perseguidos pela censura.
238
Cr$312,00 era exatamente o valor do salário mínimo, em 1973.
239
O nome desse artigo é Pelo Telefone. Saiu em jornal de São Paulo (Capital) provavelmente em
fevereiro ou março de 1974. Não se obteve mais referências, porque o material foi colhido a partir de um
recorte anexado ao mural de informes da Federação Santista de Teatro Amador, no mês de março de
1974. Plínio Marcos simula, neste artigo, uma conversa por telefone.
148
Passemos ao XII FETAESP, cuja final ocorreu em Rio Claro, em outubro de 1974. As
primeiras reportagens jornalísticas sobre o evento, foram grandiloquentes241:
240
PINTO, Carlos. O “milionário’ teatro amador de São Paulo. Jornal Super News (São Paulo).
Edição semanária de 27/04 a 04/05/1974.
241
Festival de Teatro prossegue com pré-eliminatória. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de
09/08/1974.
149
242
Idem.
243
Idem.
244
O salário mínimo, em 1974, era de Cr$415,20.
245
Festival de Teatro prossegue com pré-eliminatória. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de
09/08/1974.
246
Festival de Teatro classifica seis grupos. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de 13/08/1974.
150
Seguindo a apresentação dos autores finalistas do XII FETAESP: Chico de Assis é um autor
que estava fazendo enorme sucesso, na época, com Missa leiga; Antonio Carlos Coutinho não
se tornou conhecido como autor teatral. No mais, Molière dispensa apresentações e José Triana
é um autor cubano de razoável qualidade, mas que é conhecido apenas pela peça Noite dos
Assassinos (e por pouca gente), aqui no Brasil.
247
Aqui, os 6 grupos que participarão do festival. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de
15/08/1974.
248
Ela é apresentada no ANEXO 1.
151
Chegamos, aqui, ao último FETAESP realizado dentro de nosso período de estudo. O XIII
FETAESP teria sua final na cidade de Franca, entre 16 e 26 de outubro de 1975.
249
MAGALDI, Sábato. Amor ao Teatro. São Paulo: Edições SESC-SP, 2014. p. 369.
250
Amadores de teatro podem paralisar atividades. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de
08/06/1975.
152
251
Festa discute hoje o Festival e Centro de Estudos Teatrais. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de
14/06/1975.
252
XIII Festival Estadual de Teatro Amador. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de 05/08/1975.
153
Essa perda de autonomia da CET fica evidente, já na formação das comissões julgadoras
do Festival, onde – outrora – a CET interferia de maneira extremamente ciosa253:
Todos sabem do alto conceito da Escola de Arte Dramática da USP. Mas não parece que
seja recomendável que jovens estagiem, como júri, no “maior festival do mundo, no gênero”.
Essas observações são verídicas. Mas há que se acrescentar os seguintes fatos: 400
textos teatrais estavam retidos na Censura Federal “aguardando certificados”. Ou seja: no limbo,
sem veto, mas também sem autorização para as apresentações. E há, também, os custos da
SBAT ou do aluguel dos espaços de representação teatral; o esvanecimento da CET; o descaso
do poder público em relação à cultura; opressão e repressão política, etc.
Carlos Pinto, que nesse momento (como em muitos outros, no período que estudamos)
era simultaneamente presidente da FESTA e da COTAESP, mal terminou a reunião com os
amadores santistas, tomou o caminho de Franca, onde se realizaria a final do XIII FETAESP255:
253
Idem.
254
Reunião na FESTA. Jornal Cidade de Santos. Edição de 05/09/1975.
255
Presidente da COTAESP chegará amanhã. Jornal Comércio da Franca. Edição de 07/09/1975.
154
Para fazer, com dignidade, o XIII FETAESP, Carlos Pinto e Sidnei Rocha (então presidente
da FETANP – Federação de Teatro Amador do Nordeste Paulista, com sede em Franca), sabiam
que o apoio da Prefeitura Municipal de Franca era fundamental. E para que isso ocorresse, era
necessária uma ofensiva política e midiática. E essa ofensiva foi realizada.
A final francana acabou sendo um sucesso de organização. Além dos generosos esforços
de uma equipe de 40 pessoas, organizada pela FETANP para gerenciar o evento, duas cidades
ajudaram na organização de uma extensa programação cultural que acompanhou a final do XIII
FETAESP: Santos e São José do Rio Preto257. Nestas cidades, o movimento amador era robusto.
Vale lembrar, aqui, que os festivais locais de Teatro Amador se perenizaram, nas duas cidades,
ocorrendo até os dias atuais. No caso de Rio Preto, a abrangência de seu festival começou
nacional (em 1970) e ganhou dimensão internacional na década de 1990, tornando-se o
principal, no gênero, de todo o Brasil.
256
Idem.
257
A imprensa registrou o apoio dos dois municípios: “As prefeituras de Santos e São José do Rio
Preto, num belo exemplo de trabalho comunitário, estão colaborando diretamente com a Prefeitura
Municipal de Franca na solução de problemas, (possibilitando) um total sucesso de organização para o
festival”. (Conforme: Franca realiza a fase final do XIII Festival de Teatro Amador. Jornal Diário de São
Paulo. Edição de 24/10/1975).
155
Voltando à final do XIII FETAESP, observa-se que o esforço organizativo francano logrou
resultado: apesar do XIII FETAESP somar o menor público, de todos os festivais, nas fases
eliminatórias, a fase final conseguiu razoáveis 8.500 assistentes.
Logo depois, também em Santos, estreia a peça Se chovesse, vocês estragavam todos,
de Clóvis Levy e Tânia Pacheco, pelo Teatro Estudantil de Vanguarda. O TEV venceria o XIV
FETAESP, em 1976. Esses fatos indicam que o FETAESP conseguira superar, em grande medida,
os problemas de qualidade das apresentações dos anos difíceis de 1973 e 1974. Os amadores
encontraram um caminho para seguir produzindo arte com qualidade, o que se configura como
uma bela conquista.
Mas foi uma vitória de Pirro. A cena mudou, em vários aspectos, e fora do alcance da
atuação dos amadores como indivíduos, ou das federações enquanto instituições: a Comissão
Estadual de Teatro sai de cena, por alguns instantes e depois reaparece como um escaninho
burocrático sem qualquer significância; os recursos estaduais, para o Teatro Amador, minguam;
os recursos municipais (com a exceção de São Paulo, Santos, Rio Preto e mais uma meia dúzia
de cidades) virtualmente desaparecem para a atividade; os grupos teatrais amadores, sem mais
ver vantagens na organização federativa, se desvinculam; o acordo MEC-USAID, ao impor o
sistema de créditos nas universidades, destrói o espírito de turma dos estudantes, reduzindo a
quase nada o número de grupos amadores estudantis; a televisão invade os lares; a violência
esvazia os centros urbanos, durante a noite. Como consequência de todas essas mudanças e de
todo o sufocamento a que foram submetidos os FETAESP, as edições seguintes seguiram
perdendo público e participantes. E os FETAESP deixam de existir a partir de 1978.
258
Conforme o artigo Sang City, pelo TEVC, hoje em duas sessões. Jornal A Tribuna (Santos).
Edição de 05/10/1975.
156
condições de aquilatar em que grau o Teatro Amador confirmará – ou não – nossas percepções
em relação à sua criatividade e de avançar em propostas culturais, políticas e estéticas.
157
Agora, ao olhar para o espetáculo amador em si, tentaremos aquilatar o que esse
movimento pujante, que chegou a ser constituído por mais de quinhentos grupos artísticos
contemporâneos e coesos, que congregou mais de cinco mil praticantes (jovens em sua
esmagadora maioria), que atingiu públicos que ultrapassaram centenas de milhares de
expectadores/ano, construiu. Essa construção, cujas ferramentas são diferentes das do Teatro
Profissional, se deu como importante escola de direção teatral e de cenografia; como celeiro de
atores; como inovadora em iluminação, cenário, uso – em cena – da língua portuguesa,
maquiagem, adereços. A construção não para aí: o Teatro Amador ousou – do ponto de vista de
dramaturgia – gerando seus próprios textos e trazendo novos autores à cena brasileira.
É também digno de nota que o espaço amador – mesmo sob repressão física, econômica
e de censura – desenvolveu propostas culturais, políticas e estéticas, incluindo-se as que se
formaram no período efervescente entre 1950 e 1964.
Como uma das consequências de tudo isso, o Teatro Amador foi um grande fornecedor
de novas linguagens e abordagens a serem utilizadas na mídia televisiva, especialmente nas
telenovelas e “sitcons” que dominarão as telinhas a partir da década de 1970.
Para construir esse olhar sobre o espetáculo amador, utilizaremos as fontes que
estavam ao nosso alcance: em ordem crescente de importância, comentários informais de
velhos amadores, artigos jornalísticos, críticas teatrais, e relatórios das finais dos Festivais de
Teatro Amador do Estado de São Paulo.
isso nos levaria ao risco de que a nossa análise pudesse perder alguma faceta importante do
fazer teatral amador fora desse período abrangido pelos relatórios, ou a perda de alguma
guinada nas propostas políticas e estéticas do movimento. Todavia, esse risco parece-nos
diminuto, pois se observa que os artigos jornalísticos e as críticas teatrais, do período não
coberto pelos relatórios finais, não indicam qualquer dissonância com o que esses relatórios
apresentam. Feita a ressalva, vamos ao estudo.
259
PEIXOTO, F. Um teatro fora do eixo. São Paulo: Hucitec, 1997. 2ªed. p.67.
159
O entendimento, que Fernando Peixoto tinha sobre o tema, não era apenas costumeiro:
era hegemônico. Artistas profissionais, críticos teatrais, burocratas da cultura e mesmo os
audaciosos amadores que revolucionaram a cena brasileira na década de 1940 achavam que era
necessário que um diretor profissional atuasse como um professor, dentro do grupo, ampliando
os conhecimentos dos participantes da trupe amadora.
Estamos diante de uma visão conservadora (de resto, também observada no panorama
europeu e estadunidense, mas que não ocorre no Japão e na Ásia, em geral), segundo a qual o
fazer teatral – pelo menos no que concerne à direção do espetáculo – só pode ser fruto de
conhecimento especializado.
Esta percepção conflita com o fato de que a quase totalidade dos diretores profissionais
em ação no teatro brasileiro, na segunda metade do século XX, começou sua carreira dirigindo
um grupo amador. E é provável que mais da metade deles não tenha aprendido sua arte
convivendo com profissionais em seu grupo amador. Em verdade, o que aconteceu (conforme
se indica nos programas das peças encenadas nas décadas de 1960 e 1970, em São Paulo) foi o
oposto: os grupos amadores formaram quase todos os diretores que – mais tarde – se tornariam
profissionais. Isso vale para José Celso Martinez Correa, para Augusto Boal e para o próprio
Fernando Peixoto.
De qualquer forma, a visão dos artistas profissionais e dos críticos teatrais acabou
influenciando a atuação da Comissão Estadual de Teatro, no período de 1963 a 1975. Mas não
a determinou, porque a CET preferiu o caminho de contratar diretores profissionais para dar
cursos aos diretores amadores, ao invés de contratá-los para dirigir diretamente esses grupos260.
260
Olhando para a questão de maneira quantitativa: a CET dispendeu, em 1965, Cr$ 6 milhões
para que diretores profissionais orientassem (e não para que dirigissem...) grupos de teatro amador. Essa
atividade de monitoramento profissional dirigido a grupos amadores no interior do Estado de São Paulo,
se iniciou em 1964. Mais tarde, na metade da década de 1990, a monitoria passou a ser conhecida como
“Projeto Ademar Guerra”, sendo ministrada nas Oficinas Culturais Regionais. O fechamento das Oficinas
Culturais, na passagem de 2016 para 2017, talvez indique a extinção dessa importante ação de fomento
à atividade teatral.
160
O curto texto de Arrabal fala de uma família que alegremente vai visitar o filho que está
em guerra, para fazer um piquenique no front. A alienação é total, o filho faz tricô para passar o
tempo, o pai fica triste porque nessa guerra não se usam mais cavalos. O que o jovem diretor
faz com esse texto261?
Seria difícil descrever a conjuntura brasileira daquele momento, com maior clareza.
Mas há diretores amadores, como José Sidnei Leandro (São Carlos), que se atiraram à
pesquisa formal, fugindo ao teatro de texto ou de preocupações, digamos, psicológicas. Nessas
buscas, fez de um texto de Walmir Ayalla, um espetáculo plástico, trabalhando volumes muito
mais do que trabalhando palavras262:
261
RODRIGUES, Vera Lúcia. Da arte de criar e da coragem de renovar e quebrar tabus. Jornal
Cidade de Santos. Edição de 26/08/1969.
262
PALLOTINI, Renata; BELINKY Tatiana; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XII
FETAESP (1974). Relatório mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
161
Parece que temos, nessas observações da comissão julgadora, uma boa indicação das
possibilidades e das realizações de diretores emblemáticos de uma época de nosso Teatro
Amador. No caso em pauta, José Sidnei Leandro trouxe à baila uma espécie de insubordinação
à ditadura do texto, onde se privilegiava a escrita sendo a encenação relegada ao segundo
escalão. O diretor amador atuou com o pressuposto de que o texto nem sempre é essencial a
uma encenação. Discussão que o Tetro Profissional só assumiu, no Brasil, a partir da virada do
milênio, com os trabalhos da Cia. Dos à deux.
A luta contra o autoritarismo de alguns diretores, surda nos anos de chumbo do Regime
Militar, chegou a merecer uma tese retrospectiva no XIX Congresso Estadual de Teatro amador,
alguns anos mais tarde263:
263
COTAESP – FEJOTA (Federação Joseense de Teatro Amador). XIX Congresso de Teatro Amador
do Estado de São Paulo. Brochura, com 80 páginas. S/d. p.35
162
De qualquer forma, uma inspeção sobre o material jornalístico coligido indica que
muitos dos diretores amadores, no período estudado, eram autodidatas. A mesma percepção
de autodidatismo se observa na análise dos relatórios dos jurados dos festivais de teatro,
quando se trata de definir a formação dos diretores dos grupos amadores. Percepção que
também é externada com elegância266:
264
MIRANDA, Júlia; SERGIO, Lino; MICELLI, Leopoldo. Relatório do júri de semifinal do XI FETAESP
(1973). Mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
265
O ASSALTO – nota do autor.
266
MIRANDA, Júlia; SERGIO, Lino; MICELLI, Leopoldo. Relatório do júri de semifinal do XI FETAESP
(1973). Mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
163
Brecht foi leitura marcante entre os diretores amadores da década de 1960. Os textos
brechtianos, além disso, eram debatidos entre amadores e difundidos para outros públicos. É o
que se depreende de uma crítica a uma apresentação teatral realizada na final do IX FETAESP
(outubro de 1971). Escrita pelo amador santista Carlos Pinto e publicada em um jornal são-
carlense, o texto inicia-se com uma didática diferenciação entre “teatro dramático” e “teatro
brechtiano”, propondo uma nova relação texto/ator/público267:
Com base nessas premissas, Carlos Pinto analisa a apresentação de Aquele que diz sim,
aquele que diz não, pelo grupo Teatro Universitário Moura Lacerda (Ribeirão Preto)268:
267
PINTO, Carlos. Peças do IX Festival de Teatro. Jornal O Diário (São Carlos). Edição de
30/10/1971.
268
Idem.
164
A influência de Brecht, no fazer teatral amador paulista, não foi hegemônica. Mas foi
importante: no período que estudamos, as montagens brechtianas foram aproximadamente
10% do total das peças inscritas nos festivais de Teatro Amador. Ou seja, nos anos em que os
amadores conseguiam realizar 5 mil apresentações, não é absurdo supor que 500 delas fossem
dirigidas a partir dos pressupostos teóricos do autor alemão.
Enfim, no que se refere a Brecht e a Piscator, o Teatro Amador paulista foi o grande
laboratório de desenvolvimento das propostas desses teatrólogos alemães no ambiente cultural
latino-americano. Foram os amadores paulistas que enfrentaram a resistência inicial do público
a essa abordagem teatral; e que encontraram propostas de assimilação – paralelamente ao que
fazia, também, o Teatro Experimental de Cali (Colômbia) – ao final utilizadas por grupos
profissionais espalhados por toda a América Latina269.
Ziembinski, outra grande influência sobre a direção amadora, talvez não possa ser
considerado um teórico. E, como artista, muitas vezes deixou-se embalar pela música fácil das
produções de apelo comercial270. Mas, como diretor teatral, influenciou o Teatro Amador
paulista de maneira importante, com as características aqui apontadas pelo crítico Décio de
Almeida Prado271:
269
CARBONARI, Marilia. Teatro épico na América Latina: estudo comparativo da dramaturgia das
peças 'Preguntas inutiles', de Enrique Buenaventura (TEC-Colômbia), e 'O nome do sujeito', de Sérgio de
Carvalho e Márcio Marciano (Cia do Latão - Brasil). 2006. Dissertação (Mestrado em Integração da América
Latina) - Integração da América Latina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
doi:10.11606/D.84.2006.tde-12092007-172644. Acesso em: 2017-11-20.
270
Mas, quando se decidia por desafios formais, no palco, ou quando lecionava no curso de teatro
na Faculdade de Direito em Recife, em 1949, na Escola de Arte Dramática (EAD), entre 1951 e 1957, e na
Fundação Brasileira de Teatro (FBT), de Dulcina de Moraes, no Rio de Janeiro, em 1960, Ziembinski se
agigantava. Essa dimensão ciclópica também chega à TV em 1969, quando realiza um Programa Semanal
de Ensino de Interpretação, O Ator na Arena (TV Educativa de São Paulo).
271
PRADO, Décio de Almeida: Ziembinski, Estado de São Paulo, São Paulo, 04.07.1951.
165
Desafio tão grande quanto o de fazer amadurecer o trabalho de direção teatral, foi –
para o movimento federativo amador – o de ajudar a formar atores. Os elencos construíam-se
num ambiente desafiador. Forjavam-se lentamente, adquirindo experiência prática, nas
apresentações, e conhecimentos, nos cursos desenvolvidos pelas federações e pela CET.
Eventualmente, amadores ganhavam bolsas na Escola de Arte Dramática, ao vencer festivais.
Mas mudanças (ou perdas) de emprego, mudanças de cidade para estudar, ou até mudanças de
estado civil poderiam desfalcar o grupo amador273:
Esse texto jornalístico é eloquente em relação à uma época e à uma visão de mundo.
Fala por si. Os preconceitos, que subjazem à crítica produzida nos jornais, no entanto,
272
MALLEGNI, Paulo R. A Respeitosa. Jornal A Tribuna. Edição de 19/03/1967.
273
GREGHI FILHO. Título máximo de teatro para Ieda Ferreira. Jornal O Diário (Santos – SP). Edição
de 19/12/1965.
167
274
MALLEGNI, Paulo R. A Respeitosa. Jornal A Tribuna. Edição de 19/03/1967.
275
PALLOTINI, Renata; BELINKY Tatiana; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XII
FETAESP (1974). Relatório mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
168
Talvez seja impossível apresentar uma receita, com todos os ingredientes e proporções,
desse sucesso.
Mas é possível indicar alguns desses fatores. Por exemplo, o movimento federativo
contou com o apoio da Comissão Estadual de Teatro, na busca pelo aprimoramento da atuação
em palco, pelos amadores. Durante o período que estudamos, a CET investiu em livros, cursos e
bolsas de estudos para o Teatro, mais ou menos o mesmo que investia em festivais amadores e
circuitos de apresentações teatrais amadoras276. Esses investimentos, quase sempre
respondiam às ansiedades auscultadas pelas Federações de Teatro, e informadas à CET por meio
de enquetes e seminários. As atas dos Congressos também eram levadas pelos dirigentes da
276
Para se ter um parâmetro, a prestação de contas da CET, em seu “relatório 63/65” indica um
total de Cr$34,35 milhões em gastos com cursos, livros e bolsas, contra Cr$36,6 milhões de gastos com
festivais e deslocamento de espetáculos amadores pelo interior e capital.
169
COTAESP ao representante dos amadores, com cadeira na CET, para posteriores estudos e
deliberações da Comissão.
Observa-se, aqui, que a CET – ao trabalhar com os jovens amadores – foi correta ao
construir projetos que se baseiam naquilo que Helena Abramo chama de protagonismo juvenil
ou seja, que277
A CET também agiu com acerto ao entender que a percepção de que os jovens estavam
distantes da ação cultural, em geral, e do teatro, em particular, era errônea. Quem pensava
assim refletia uma preocupação com a renovação de quadros no interior do ambiente teatral,
mais do que em tratar e incorporar temas levantados pelos próprios jovens. Essa preocupação
vinha acompanhada de um diagnóstico278
277
ABRAMO. Helena Wendel. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil.
In Revista Brasileira de Educação. Mai/Jun/Jul/Ago 1997 N º 5; Set/Out/Nov/Dez 1997 N º 6. p.27.
278
Idem, p.28.
279
Ib.
170
Para se fazer com que pessoas possam se expressar por meio do teatro, há que habilitá-
los na comunicação corpórea e na comunicação verbal.
Mas o falar caipira era menosprezado pela mídia que adotou o dialeto carioca com seu
“S” arrastado e “R” seco. Os arautos da norma culta consideravam esse falar caipira paulista
como demonstração de ignorância e, até, de atraso intelectual. Mesmo jurados, nos festivais,
em off, ridicularizavam alguns atores que perseveravam no dialeto do interior de São Paulo,
desconsiderando – inclusive – a necessidade de comunicação dos atores com o seu público.
280
BOAL, Augusto. 200 exercícios e jogos para o ator e o não-ator com vontade de dizer algo
através do teatro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1991 (10ª edição).
281
De acordo com o folclorista Cornélio Pires (Conversas ao pé do fogo. São Paulo: Ottoni. 2002),
o dialeto caipira surgiu no século XVIII quando a língua brasileira, o nheengatu, foi proibida pelo rei de
Portugal. Passou-se a falar português com sotaque nheengatu, como é o caso de muié, cuié, zóio, orêia,
falá, dizê, comê, dado que a língua nheengatu estranhava os infinitivos dos verbos e as consoantes duplas.
Portanto, a fala caipira não é um erro de linguagem, é um dialeto, uma legítima variante da língua
portuguesa.
171
Com o tempo, o dialeto caipira ganhou honorabilidade. Não só ele: o falar italianizado
dos paulistanos; os matizes de Trás os Montes e do Cabo Verde que se percebem na pronúncia
santista; e o jeitão amineirado dos francanos deixaram de ser menosprezados.
Os amadores deram sua contribuição para que os dialetos fossem respeitados, com
reflexos nos falares das telenovelas282 e, talvez, na onda de música regional caipira, que vieram
a seguir.
Outra parte do problema estava nas instalações teatrais inapropriadas: na maior parte
dos recintos teatrais, a construção física realizou-se sem qualquer preocupação com o conforto
acústico. Além de se constatar que mais de metade das apresentações amadoras realizavam-se
em galpões, salões de clube ou de paróquia, ou ao ar livre.
A estrutura de cursos provida pela COTAESP, CET e federações regionais para aparelhar
tecnicamente os atores talvez fosse insuficiente. Isso se percebe pela frequência com que os
amadores reclamavam por mais atividades formativas, inclusive nos Congressos.
282
Nino, o italianinho, por exemplo, estreou em maio de 1969, com Juca de Oliveira – jovem ator
de militância comunista e grande incentivador do Teatro Amador – no personagem título. E as novelas,
saindo do velho Bexiga do açougueiro Nino, passaram a reproduzir a variada sonoridade dialetal dos
brasileiros.
172
Ao mencionar a exiguidade de recursos, há que se constatar que esse fato não implica
apenas na dificuldade para se comprar (ou locar) móveis e materiais nobres para se produzir os
objetos de cena: há que se pensar na virtual impossibilidade de se transportar (ou de se pagar
pelo frete) cenários volumosos por meio de caminhões. Isso leva os espetáculos amadores a se
utilizarem de engenhosas técnicas de encaixe ou de equipamentos retráteis. Ou de materiais
mais leves e flexíveis.
forma, a construção do cenário era um momento rico de troca de ideias e concepções sobre o
que iria ser apresentado pelo grupo amador.
Mas não se pode dizer que a cenografia amadora sempre buscava o seu próprio
caminho, pois muitas montagens espelhavam-se no Teatro Profissional também nesse terreno.
Esse fato torna-se mais costumeiro a partir de 1970, quando alguns diretores profissionais
passam a dirigir grupos amadores que miravam as premiações dos festivais que se multiplicaram
naquele momento. Um relato sobre a apresentação do Teatro Experimental União Recreativo
(Sorocaba) é bem eloquente283:
Não se quer, aqui, dizer que as contribuições dos diretores profissionais fossem, por
definição, prejudiciais para a cenografia amadora. Jonas Bloch, ao dirigir o Teatro de Arte (Santo
André), encontrou soluções e incentivou o desenvolvimento artístico de cenógrafos e
figurinistas. Também é bom lembrar, aqui, que a administração municipal deu apoio material ao
grupo. Observe-se a análise feita pelo júri do XII FETAESP, para a peça Noite dos Assassinos, de
José Triana – dirigida por Bloch284:
283
PERES, Roberto. Teatro. Jornal Cidade de Santos. Edição de 28/10/1970.
284
PALLOTINI, Renata; BELINKI Tatiana; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XII FETAESP
(1974). Relatório mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
174
O movimento federativo até tentou dar apoio financeiro e logístico nessa área, mas os
custos elevados esmaeceram muito a possibilidade de ajuda. De outro lado, constata-se que a
qualidade de muitos iluminadores amadores estava bem acima da média da competência dos
iluminadores que eram funcionários dos teatros municipais. Lembremos, por exemplo, que
Hamilton Saraiva (do grupo Jambaí – Capital) tornou-se – anos mais tarde – professor da ECA,
na cadeira de Iluminação Cênica.
Dos componentes estruturais das apresentações teatrais, foi com o repertório musical
que os amadores encontraram mais dificuldades. E, por consequência, também na dança e
coreografias. Até porque havia um limitante inicial intransponível: a cobrança de direitos
285
PALLOTINI, Renata; BELINKI Tatiana; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XII FETAESP
(1974). Relatório mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
175
autorais, feita pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD). Os valores estavam
muito acima das disponibilidades dos grupos amadores.
286
PALLOTINI, Renata; BELINKI Tatiana; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XII FETAESP
(1974). Relatório mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
176
O Grupo Cênico Regina Pacis, de Santo André, de certa forma, tornou-se especialista em
musicais. Realizou trabalhos muito competentes, mas acabou sofrendo muito com a ausência
de textos mais contemporâneos. Uma crítica, num jornal santista, captou o problema287:
287
PERES, Roberto. Teatro. Jornal Cidade de Santos. Edição de 28/10/1970
288
MALLEGNI, Paulo R. A Respeitosa. Jornal A Tribuna. Edição de 19/03/1967.
177
Não estamos, com isso, querendo dizer que o Teatro Amador paulista era existencialista
(até porque, em grande medida, não era mesmo), mas há – nesse texto – algo de emblemático.
Não exatamente no tema, mas nos personagens: a peça conta a história de uma prostituta que,
num vilarejo do Sul dos EUA, toma a atitude heroica de salvar um negro fugitivo do linchamento.
Aqui, nessas personagens, nos encontramos com figuras que, amiúde, estão nos palcos
amadores: os outsiders. Nesse espetáculo aparecem os humilhados (prostituta e escravo, mas
poderiam ser mendigos ou desempregados); em outros espetáculos, os protagonistas são das
minorias (de gênero, raça ou religião). E estes personagens emblemáticos indicam que o tema
mais geral, nas peças amadoras, é a exclusão.
O tema mais frequente nos palcos amadores paulistas, nas décadas de 1960 e 1970,
está umbilicalmente ligado ao personagem mais frequente das encenações, que é o brasileiro
humilde; seja trazendo à cena peças consagradas como Morte e vida Severina (João Cabral de
Melo Neto), A Grande Estiagem (Isaac Gondim Filho), Auto da compadecida (Ariano Suassuna)
ou O pagador de promessas (Dias Gomes); seja com textos escritos pelos próprios amadores,
como A rosa verde (Evêncio da Quinta).
na cena amadora, o camponês, o nordestino que migrou, o favelado com grandes dificuldades
de subsistência. E também as famílias de classe média, empobrecidas dentro do redemoinho da
modernização econômica.
Outros temas frequentes – e também muito próximos aos interesses de um público que,
logo a seguir, seria “fisgado” pela televisão – são a violência das cidades e de suas populações
marginais (encenadas em peças como Balada de Manhattan – Leo Gilson Ribeiro; Dois perdidos
numa noite suja – Plínio Marcos; de Moto Perpétuo – Hamilton Saraiva); a religiosidade (como
se vê em Paixão segundo São Marcos, extraído da Bíblia, ou Bíblico – Odécio Penteado); ou
questões de gênero, raça ou de perseguições religiosas (Oração para uma negra – Willian
Faulker e A. Camus; Zumbi – Boal e Guarnieri; O choque das raças – Hamilton Saraiva; O Santo
Inquérito – Dias Gomes). Textos estes, que conseguiam uma direta comunhão entre as
ansiedades do público e dos encenadores amadores.
O maior divórcio entre amadores e público, no que se refere ao tema encenado, parece
ter ocorrido quando as apresentações se referiam a questões existenciais, especialmente se a
forma era vanguardista (Espectros – Ibsen; Diálogo noturno com um homem vil – E. Dürrenmatt;
Beijo no asfalto – Nelson Rodrigues). Os amadores adoravam fazer esse tipo de trabalho –
especialmente se a abordagem era stanislavskiana – mesmo que a plateia estivesse vazia. E,
nessas situações, a plateia quase sempre estava vazia mesmo...
289
Ridendo castigat mores, no original.
290
PALLOTINI, Renata; BELINKI Tatiana; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XII FETAESP
(1974). Relatório mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
179
Em suma, quase sempre havia sinergia entre amadores e público quanto ao que
apresentar. Resta saber se havia sinergia também na maneira de apresentar, no que concerne
aos gêneros teatrais.
Em Santos, no ano de 1967, o Grupo dos Independentes, sob a direção de Paulo Jordão,
apresentou Grandes Momentos de Gil Vicente. O crítico Evêncio da Quinta (ele próprio era
amador de teatro) apresentou claramente uma faceta de Gil Vicente que certamente interessou
aos membros do grupo amador291:
291
DA QUINTA, Evêncio. Gil Vicente para o povo. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de 06/06/1967.
180
Outra passagem dessa crítica mostra que os artistas, no palco, estavam um pouco à frente do
crítico, na redação do jornal292:
O crítico imaginava que o Grupo dos Independentes estava trazendo Gil Vicente para as
novas gerações. Não deixa de ser verdadeiro. Mas muitos espetáculos amadores que vieram a
seguir indicam que Grandes momentos de Gil Vicente estaria na origem de muitas apresentações
de Teatro de Rua e de peças que usavam características circenses e de farsas medievais.
Evidentemente não por conta da “escassa carpintaria teatral”, mas porque o teatro de Gil
Vicente era ferramenta adequada para expressar algo que tinha empatia com o público. E que
o público compreendia com clareza.
Em 1969, Ilza Novita (uma raríssima diretora amadora, numa atividade monopolizada
pelo sexo masculino) decidiu trazer o circo para o palco do Teatro Rádio Clube, de Santos, com
a peça Querem representar comigo?293 :
292
Idem.
293
Tecla hoje no festival. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de 19/08/1969.
181
Como se vê, o objetivo do autor, neste espetáculo, era colocar em questão a ordem
capitalista. Diante da realidade da Censura, o grupo Teatro do Clássico (TECLA) – que
aparentemente tinha o mesmo objetivo do autor – buscou um texto escrito por um membro da
Academia Francesa de Letras (Marcel Achard; 1899-1974). Imaginou-se, com acerto, que o veto
a uma peça escrita por um europeu ainda vivo provocaria problemas ao governo brasileiro.
Problemas muito maiores do que o de se admitir apresentações de um pequeno grupo amador
de um colégio da Baixada Santista.
Assim, numa época em que o Teatro Profissional se encaminhava para a metáfora (ou
simplesmente se evadia dos problemas), grupos amadores – como o TECLA – enveredavam para
o teatro de tese (aqui, em simbiose com a estrutura do circo), mesmo que recorrendo a um texto
francês, escrito no período entre guerras...
O circo, no ano seguinte (1970), também é utilizado pelo diretor Afonso Gentil (um ex-
amador, que iniciava sua carreira como profissional), ao apresentar Arlequim a serviço de dois
amos, de Carlo Goldoni, no VIII Festival Estadual de Teatro Amador. A montagem logrou grande
empatia com o público ao usar essa comédia medieval exatamente do jeito que ela era, ao ser
criada: como teatro-circo. O Teatro Experimental União Recreativo (de Sorocaba) aproximou
essa farsa ao teatro-rebolado, utilizando vários de seus tiques, trejeitos, maneirismos e o uso de
gags, piadinhas atuais e cacos que refletem o momento político-social brasileiro.
O circo também foi trazido ao palco Pelo Centro Cultural Guimarães Rosa, grupo de São
Bernardo do Campo, com o espetáculo Farsa do cangaceiro, com truco e padre. O júri do XII
FETAESP (1974) fez a seguinte observação294:
294
PALLOTINI, Renata; BELINKI Tatiana; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XII FETAESP
(1974). Relatório mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
182
295
PALLOTINI, Renata; BELINKI Tatiana; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XII FETAESP
(1974). Relatório mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
183
296
PALLOTINI, Renata; SILVA, Armando Sérgio da; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do
IX FETAESP (1971). Relatório mimeografado, sem data, p.06.
297
Aquele que diz sim; aquele que diz não
184
De qualquer forma, mesmo esse “feijão com arroz” acabará por produzir encenações de
muito boa qualidade, conforme constatará o júri da final do FETAESP de 1973, em relação ao
espetáculo A Alma Boa de Set-Suan, encenado pelo Grupo Jambaí, da Capital298:
Observa-se que o teatro brechtiano foi, nos trabalhos dos amadores paulistas, muitas
vezes mediado pelos trabalhos de outro encenador alemão, Erwin Piscator, que se utilizará
fartamente de vídeos, slides, cartazes e fotos, naquilo que ficou conhecido como “teatro épico”.
De um modo geral, os jurados dos festivais viam essa parafernália com certa reserva, como se
vê no comentário sobre a apresentação d’A balada de Manhattan, pelo Teatro Estudantil de
Vanguarda (Santos)299:
Passemos ao Teatro do Absurdo, que foi muito utilizado pelos amadores, especialmente
a partir de 1969. Essa forma de expressão teatral, de fato, parece se coadunar com a realidade
de que não é possível conceber a ditadura como algo natural. Ela não pertence à ordem da razão.
O Teatro do Absurdo, surgido na Europa em outro contexto, tem o efeito de exprimir um
desnorteio, uma situação absurda, fora do esquadro que tomou conta da realidade brasileira,
298
LAGOA, Jaques; SILVA, Armando Sérgio da; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XI
FETAESP (1973). Relatório mimeografado, sem data, p.02.
299
PALLOTINI, Renata; SILVA, Armando Sérgio da; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do
IX FETAESP (1971). Relatório mimeografado, sem data, p. 01.
185
no período que estudamos. E que alguns amadores paulistas parecem ter eleito o absurdo para
exprimir suas inquietações.
Talvez a estetização, considerada exagerada pelo júri, seja – no final das contas – a
expressão de uma sutil ironia.
Um gênero teatral usado muito frequentemente pelos amadores, para expressar sua
temática, foi a Comédia. Seja porque os jovens (e os amadores eram – quase sempre – menores
de 30 anos) tenham mais facilidade em se comunicar pelo humor; seja porque o público (depois
de passar o dia inteiro enfrentando contrariedades) queria rir em seus momentos de lazer; ou
seja, porque o teatro brasileiro tenha uma longa tradição no uso da comédia como recurso
expressivo.
Nesse ambiente, é fácil compreender porque Ubu-Rei, de Alfred Jarry (peça escrita
quando o autor tinha 15 anos de idade) tornou-se um paradigma e acabou encenada em vários
festivais. Isso foi percebido pelo júri do XI FETAESP301:
300
LAGOA, Jaques; SILVA, Armando Sérgio da; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XI
FETAESP (1973). Relatório mimeografado, sem data, p.10.
301
LAGOA, Jaques; SILVA, Armando Sérgio da; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XI
FETAESP (1973). Relatório mimeografado, sem data, p.06.
186
Jarry. O diretor Sérgio Luiz Bambace partiu, portanto, com a faca e o queijo
na mão.
Observe-se que o próprio Sérgio Luiz Bambace, mencionado acima, era um dos vários
“Alfreds Jarrys” do Teatro Amador paulista. Seu primeiro texto teatral, foi objeto da seguinte
observação, pelo júri do IX FETAESP302:
A crítica aos amadores, em alguns momentos, era a de eles abusavam do riso a ponto
de chegar a uma ludicidade irresponsável. É o que se depreende dos comentários do júri do XII
FETAESP, em relação à uma apresentação do Grupo TACO, da cidade de Santos304:
E havia um experimento teatral de que os amadores lançavam mão (e que quase não foi
explorado pelo Teatro Profissional, no período que estudamos): o da estética visual exacerbada,
tratando o teatro quase como se fosse “artes plásticas”. É o que fez, por exemplo o Grupo Paus
de Arara (São Carlos), com a peça Quem matou Caim (Walmir Ayala), sob a direção de José Sidnei
Leandro305:
302
PALLOTINI, Renata; SILVA, Armando Sérgio da; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do
IX FETAESP (1971). Relatório mimeografado, sem data, p. 09.
303
Nós e um Zé.
304
PALLOTINI, Renata; BELINKI Tatiana; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XII FETAESP
(1974). Relatório mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
305
Idem.
187
IV.3 Dramaturgia
Nas décadas de 1950 e 1960, o teatro brasileiro conheceu seu período autoral mais
fecundo. Nossa dramaturgia profissional tornou-se madura com Gianfrancesco Guarnieri,
Oduvaldo Vianna Filho, Augusto Boal, Dias Gomes, Nelson Rodrigues, Ariano Suassuna e Chico
de Assis – entre vários outros. O mesmo acontece com a encenação (aqui podemos lembrar
nomes como José Celso Martinez Corrêa, Antunes Filho, Ziembinski, Boal e Flávio Rangel). Esse
grande elenco de artistas tinha qualidade técnica, sensibilidade e criatividade. Mas não era só:
fazia do teatro uma arte socialmente responsável, investigando os temas mais urgentes do
processo sócio-político nacional. Essa dramaturgia foi essencial para a construção do repertório
amador da primeira metade da década de 1960.
306
PEIXOTO, Fernando. Teatro em questão. São Paulo: Hucitec, 1989. p.72.
188
Objetivamente, esse tipo de teatro não tinha ferramentas para chegar a qualquer
público, exceto os dos poucos iniciados que entendiam as “alusões cifradas” e compartilhavam
o espírito de resistência ao Regime Militar. Há, aqui, um divórcio entre o texto teatral e as
ansiedades dos espectadores. Em depoimento de dezembro de 1976, pouco antes de falecer,
Paulo Pontes fez o seguinte desabafo, onde demonstra a profundidade do fosso que surgiu entre
o texto teatral e o cidadão307:
307
In XIX Congresso de Teatro Amador do Estado de São Paulo – Teses. São Paulo: COTAESP.
1984. Mimeo. pp. 33-34
189
Esse quadro geral da dramaturgia amadora não impede a existência de alguns pontos
“fora do gráfico”; alguns trabalhos que, além da boa qualidade, expressam o estado de
sentimento do Grupo Amador e do seu público costumeiro. Entre os autores que produziram
obras consistentes, estão Hamilton Figueiredo Saraiva, Sérgio Luis Bambace, José Eduardo
Vendramini, Roberto Gil, Carlos Alberto Soffredini e Evêncio Martins da Quinta.
Observe-se o resumo que Vera Lúcia Rodrigues fez de Moto Perpétuo, texto do amador
paulistano Hamilton Saraiva309:
308
COTAESP, Teses do XIX Congresso de Teatro Amador do Estado de São Paulo. Mimeo. s.d., p.34
309
RODRIGUES, Vera Lúcia. Teatro. Jornal Cidade de Santos. Edição de 30/09/1969.
190
chega para ajudar, mas que não pode ajudar. A violência: Artur mata quem
nega ajuda a eles, uns animais próximos do sacrifício. Uma fita gravada, a
todo momento repete com insistência os ruídos massacrantes da cidade
grande. Slides com propaganda, no telão de edifícios. Mas ninguém pode
ajudar Artur e Lena que, no barraco, acabam violentando todos do mundo
exterior que se aproximam deles. No final, um cartaz: “Este espetáculo é
uma homenagem a São Paulo, a cidade que se humaniza”.
Embora, no final das contas, seja impossível descrever uma peça teatral, o texto
apresentado pelo Teatro Jambaí de Comédia (São Paulo), com a direção de Fernando Muralha,
atingiu o espectador como um soco no estômago. Como o Jambaí já encenava há muitos anos,
seus atores tinham larga experiência de palco e conseguiram manter (e até ampliar) a atmosfera
angustiante durante toda a apresentação. A direção e as interpretações eram brechtianas. Os
figurinos, a iluminação e a cenografia estavam perfeitamente integrados ao texto. Até porque
Jacy Saraiva (que representou Lena) era a esposa do autor; a iluminação foi feita por um ex-
aluno de iluminação do próprio Hamilton; enfim, o elenco “escreveu” a peça junto com o autor.
E esse fato, faz diferença...
310
PALLOTINI, Renata; BELINKI Tatiana; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XII FETAESP
(1974). Relatório mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
191
amadores, mas ter o que encenar. E isso foi feito. Em alguns momentos, com dignidade e
razoável qualidade.
A relação de conteúdo pode ser apenas um reflexo; mas a relação de estrutura (muitas
vezes ocorrendo quando não há uma relação aparente de conteúdos) pode mostrar o princípio
organizador pelo qual uma visão específica de mundo atua na consciência.
Faça-se, aqui, a distinção entre consciência real e consciência possível. Para isso,
voltamos a Raymond Williams311:
311
Idem, p.33.
192
Quase sempre, quando se estuda a atividade teatral, os olhares se voltam muito mais
para os textos do que para como se constroem as apresentações, buscando as relações entre a
dramaturgia e a consciência real. Nossa tentativa é a de procurar relações entre espetáculos
teatrais e a consciência possível, argumentando que os espetáculos teatrais (tão frágeis que
desaparecem no exato momento em que se realizam) constroem uma visão de mundo numa
forma coerente e adequada e em plano muito elevado. E que essa construção ocorre
provavelmente em dimensão muito maior na consciência dos membros dos grupos teatrais
amadores do que entre a assistência.
Não procuramos, por isso, nos concentrar nas correspondências entre conteúdos e
contexto ou nas relações sociais entre o grupo amador e sua plateia. Estudamos, nas atividades
teatrais amadoras, as categorias organizadoras que dão, aos trabalhos teatrais, unidade, caráter
estético específico e qualidade dramatúrgica.
Há quem diga que as apresentações teatrais, de qualidade razoável ou mediana, nos dão
a consciência real em uma forma sintética; e que o grande teatro nos dá a consciência possível,
por vezes bastante diferente da consciência real. Claro que isso é quase sempre verdadeiro, mas
talvez em algumas situações tenhamos que reconsiderar aquilo que definimos como
“consciência”. Pois o que é normalmente considerado como uma visão de mundo pode, na
prática, não ser mais do que um resumo de doutrinas.
sentimento312 e que se torna visível a partir de suas escolhas formais. É o que pode ter ocorrido
com os amadores teatrais paulistas, na década de 1960.
O movimento amador paulista, na década de 1960, nos desafia a uma análise mais
detida em suas formas de apresentar os espetáculos. Nessas apresentações, as alterações no
ponto de vista, as mudanças nas relações costumeiras e reconhecíveis e as alterações nas
resoluções possíveis em suas manifestações dramatúrgicas podem ser relacionadas a uma
história social. Ele não pode ser resumido, portanto, a determinadas concepções de mundo ou
a uma determinada “consciência” que, na prática, seja incapaz de transcender a um sumário de
doutrinas.
312
A ideia de “estrutura de sentimento” parte, “de um modo muito interessante, de um conceito
de estrutura que continha, em si, uma relação entre os fatos sociais e os literários. Essa relação não era
uma questão de conteúdo, mas de estruturas mentais: as categorias que organizam simultaneamente a
consciência empírica de um determinado grupo social e do mundo imaginário criado pelo escritor”. Por
definição, essas estruturas não são criadas individualmente, mas coletivamente. Idem, p. 32.
313
Idem, p. 35.
194
Só que não! Esse epílogo não é conclusão, pois há que se reconhecer que o movimento
federativo de Teatro Amador produziu muita arte e gerou muitas ideias e ações. E quem gera,
transforma. A cena, portanto, não está muda, quieta; na verdade, a cena muda, se transforma!
Assim, nosso epílogo traz até algumas conclusões, mas levanta muitas indagações novas
que se transformarão – assim esperamos – em bases para futuros estudos sobre o Teatro
Amador, sobre o teatro brasileiro em geral, sobre como a sociedade se organiza para expressar
suas vivências e realizações, e também sobre fomento e incentivo à cultura.
No que tange ao Teatro Amador, a CET incentivou o trabalho amador pioneiro, liberto
das injunções comerciais, por meio da dotação de verbas apreciáveis. Mas fez muito mais do
que isso, ao apostar na organização de um movimento federativo e de reconhecer sua
autonomia, posteriormente. Ao patrocinar os Festivais Estaduais de Teatro Amador, a CET
permitiu o florescimento de uma manifestação artístico-cultural produzida, em alguns dos anos
que foram objeto de nossa pesquisa, por quinze mil pessoas. E que atingia um público anual que
se contava em centenas de milhares de espectadores.
Estas constatações nos obrigam a olhar para o presente e fazer algumas perguntas. A
primeira delas: há pertinência em eleger o incentivo privado à cultura, por meio de incentivos
fiscais (seja a Lei Rouanet, federal; ou PROAC, estadual), como principal ferramenta de fomento
cultural governamental, nos dias atuais? Não se trata aqui de se colocar contra o mecenato
privado, mas de constatar que o Estado abdica de construir políticas culturais consistentes em
favor dos departamentos de marketing ou institucionais das empresas.
cultural, cabe perguntar: a experiência da CET, em que críticos, produtores, artistas e amadores
formavam um colegiado com poderes executivos, não teria espaço nos dias atuais para impedir
– ou atenuar – a voz monocrática do Estado? Não só no Teatro e nas Artes Cênicas, mas na
música, no cinema, nas novas mídias, nas artes plásticas, na fotografia?
E o fizeram tão bem, que parece necessário aprofundar o estudo de como essas
entidades construíram e mantiveram a legitimidade de suas respectivas diretorias, e de quais
eram os mecanismos que garantiram a transparência de suas ações. Afinal de contas, é
admirável constatar, por exemplo, que a organização de uma dezena de festivais estaduais, cada
um deles com centenas de grupos participantes, não provocou qualquer questionamento
interno de como os recursos, destinados aos certames, foram dispendidos. No dia-a-dia
administrativo, constatou-se problemas apenas uma vez, na Federação de Ribeirão Preto. Como
314
ABRAMO. Helena Wendel. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil.
In Revista Brasileira de Educação. Mai/Jun/Jul/Ago 1997 N º 5; Set/Out/Nov/Dez 1997 N º 6. p.36.
196
Uma lacuna, que precisará ser preenchida em estudos posteriores, refere-se a esmiuçar
como funcionavam os mecanismos insidiosos utilizados, pela censura, para inviabilizar milhares
de apresentações teatrais. Esses mecanismos vão da postergação, sine die, da definição se a
peça foi censurada, passando pelas exigências de realização de “ensaios gerais” antes da efetiva
liberação da encenação, e vão até a via-crúcis dos procedimentos para reconsideração de atos
censórios. Além disso, a censura mutilou textos e impediu encenações utilizando o subterfúgio
de censura por nível etário (muitos grupos amadores possuíam artistas menores de idade). Além
desses mecanismos censórios, a mensuração mais acurada dos estragos promovidos pela ação
censória no fazer teatral brasileiro também exige uma pesquisa que aqui não foi possível
realizar.
Isso sem se falar dos mais variados estudos a serem realizados, no terreno das Ciências
Sociais, em relação – por exemplo – ao público que frequentou as plateias amadoras; ou
trabalhos focados nas fases eliminatórias dos festivais. Enfim, também aqui há muito o que ser
estudado...
Essa proximidade com o público explica porque muitas das inovações, surgidas em
palcos amadores, acabaram transbordando para o teatro profissional, para o cinema e para a
televisão. A cultura de massas, mesmo sem o saber ou confessar, herdou muito do que os
amadores criaram. Quem assistiu, em 1972, o Grupo Alegre de Teatro Amador (GATA, de São
Vicente) encenando o Auto da Compadecida, não se surpreendeu com as soluções cenográficas
do filme dirigido por Guel Arraes, três décadas depois; o Grupo de Teatro da Engenharia São
Carlos fez nevar no sertão, em 1974, cinco anos antes de Cacá Diegues, em Bye, bye, Brasil. Claro
está que não se supõe cópia: apenas indica-se o pioneirismo audacioso desses jovens amadores.
Compreende-se, aqui, porque seis membros de um grupo teatral santista foram presos,
em 1974, ao apresentar uma cena teatral no cais do porto durante uma greve de estivadores,
atrapalhando, segundo o delegado que os prendeu, o proselitismo dos fura-greves...
198
O Teatro Amador também tinha algo de rebelde pelo simples fato de não exigir roupas
de domingo e pagamento de ingressos caros, por parte de seu público. O Teatro Amador não
exigia o apreço dos intelectuais ou dos especialistas. E falava a mesma língua que se ouvia nas
feiras. Era um entretenimento popular, para trabalhadores e também para os párias sociais.
Este último trecho é para descrever os amadores que fundaram a COTAESP, há exatos
50 anos. A maior parte deles está com idades entre 70 e 80 anos. Como Neyde Veneziano (ela
própria uma das pioneiras do Teatro Amador paulista) fez ao descrever Dario Fo, usarei uma
profusão de negativas para elaborar o retrato.
É ótimo ter escrito sobre o que os pioneiros do Teatro Amador ajudaram a construir. E
ter aprendido com eles.
199
Fontes:
IMPRENSA:
Recortes dos seguintes jornais: Diário da Noite (São Paulo - SP); Cidade de Santos
(Santos – SP); O Estado de São Paulo (São Paulo – SP); Diário Oficial do Estado de São Paulo;
O Diário (Santos – SP); A Folha (São Carlos – SP); Última Hora (São Paulo – SP); A Tribuna
(Santos – SP); A Semana (Barretos – SP); Correio (Barretos – SP); O Diário (São Carlos – SP);
Diário de Notícias (Ribeirão Preto – SP); O Dia (São Paulo – SP); Jornal do Brasil (Rio de
Janeiro – RJ); Província do Pará (Belém – PA); Super News (São Paulo – SP); Folha de São
Paulo (São Paulo – SP); Cruzeiro do Sul (Sorocaba – SP); Diário do Grande ABC (São Bernardo
do Campo – SP); O Município (São João da Boa Vista – SP); Diário da Região (São José do Rio
Preto – SP): COOP/Jornal (Santos – SP); Jornal da Tarde (São Paulo – SP); A Gazeta (São Paulo
– SP); A Notícia (São José do Rio Preto – SP); Cidade de Rio Claro (Rio Claro – SP); Imparcial
( Presidente Prudente – SP); Diário de Sorocaba (Sorocaba – SP); Comércio da Franca ( Franca
– SP); Diário de São Paulo (São Paulo – SP). Coleção da Hemeroteca do Museu do Teatro
Amador Paulista (MTAP – Franca), à Avenida Sete de Setembro, 455, Franca – SP.
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http://juliocarrara.blogspot.com.br/2012/09/10-anos-sem-revista-teatro-da-
juventude.html, em 10/03/2016.
http://www.teatrotuca.com.br/historia.html#, em 17/08/2017.
205
ANEXOS
206
01- A guerra mais ou menos santa, de Mário Brasini – Grupo de Amadores de Teatro-
GAT (Marília);
02- Zoo Story, de Edward Albee – Teatro Sem Nome (Capital);
03- O choque das raças, de Hamilton Saraiva Grupo – Teatral Jovem Cinco (Presidente
Prudente);
04- O caixeiro da taverna, de Martins Penna – Grupo Estudantil Ascendino Reis (Capital);
05- Joana D’Arc entre as chamas, de Paul Claudel – Teatro Cultural Ítalo-Brasileiro (Rio
Claro);
06- Desventuras de uma criança, de Martins Penna – Pequeno Teatro de Vanguarda
(Presidente Wenceslau);
07- Pedreira das almas, de Jorge Andrade – Teatro Estudantil de Novos (Santos);
08- O Santo Inquérito, de Dias Gomes – Grupo Balcão 7 (Franca);
09- Zumbi, de Guarnieri e Boal – Grupo Cênico Regina Pacis (São Bernardo do Campo);
10- Arlequim, a serviço de dois amos, de Carlo Goldoni – Teatro Experimental União
Recreativo (Sorocaba);
11- O choque das raças, de Hamilton Saraiva – Grupo Teatral Paulo Eiró (São José do Rio
Preto);
12- O futuro está nos ovos, de Eugene Ionesco – Grupo Paus de Arara (São Carlos);
13- O livro de Cristóvão Colombo, de Paul Claudel – Teatro Experimental do SESC
(Catanduva);
14- O santo inquérito, de Dias Gomes – TOC (Ourinhos);
15- A paz, de Aristófanes – Teatro Estudantil Vicente de Carvalho (Santos).
213
1- Amigo nº1 do povo, de Hamilton Saraiva, pelo Teatro Cultural Ítalo-Brasileiro (Rio
Claro)
2- Farsa com cangaceiro, truco e padre, de Chico de Assis, pelo Centro Cultural
Guimarães Rosa (São Bernardo do Campo);
3- Santa Joana D’Arc, de Timochenco Whebi, pelo Teatro Universitário Daimon
(Presidente Prudente);
4- Jorge Dandin, o marido confundido, de Molière, pelo Teatro Jambaí de Comédia (São
Paulo-capital);
5- O buraco, de Alberto Beuttenmüller, pelo Grupo Poliarte (São Paulo-capital);
6- Noite dos assassinos, de José Triana, pelo Teatro de Arte (Santo André);
7- O dia de Pierrot, de Timochenco Whebi, pelo Grupo Pesquisa (Franca);
8- Quem matou Caim?, de Walmyr Ayala, pelo Teatro da Universidade Federal de São
Carlos;
9- Metamorfose, de Antonio Carlos Coutinho, pelo Teatro Acadêmico de Comunicação
(Santos);
10- O chá de sabugueiro, de Raul Pederneiras, pelo Teatro Experimental dos
Universitários de Santos (Santos).
217
Tese “Teatro para operários”. V Congresso de Teatro Amador do Estado de São Paulo
(1969)
232
Salão nobre do Colégio São José (São Bernardo do Campo – 1964). Pedreira das Almas,
de Jorge Andrade.
Salão nobre do Colégio São José (São Bernardo do Campo – 1965). Ossos do Barão, de
Jorge Andrade.
240