Didática VASCONCELOS PDF
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Educador Contemporâneo:
Desafios e Perspectivas
Celso dos S. Vasconcellos
Doutor em Didática
Libertad — Centro de Pesquisa, Formação e Assessoria Pedagógica.
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a necessidade de outros saberes, para além dos que se ia ministrar. Sendo assim, a Didática
ocupa um lugar privilegiado na vida do professor, certo? Nem sempre... São muitas as ma-
nifestações da falta de percepção do valor da Didática como um poderosíssimo instrumento
de trabalho. Citamos, inicialmente, a pesquisa feita pelo Ibope junto a professores de todo o
Brasil e publicada na Revista Nova Escola, de novembro de 2007. Nela, 70% dos professores
apontam como um dos principais problemas da sala de aula a desmotivação dos alunos; 69%,
a indisciplina e a falta de atenção; ao mesmo tempo, em outra pergunta, 90% afirmam que
estão satisfeitos com a própria didática! Qual seja, parece que a Didática nada tem a ver com
o enfrentamento destes problemas tão desafiantes da sala de aula.
Neste texto, vamos tocar em questões muito delicadas. Gostaríamos que as reflexões
propostas fossem compreendidas como uma espécie de Manifesto a Favor da Didática. Mui-
to sinteticamente, a Teoria Dialética da Atividade Humana aponta que as condições de re-
alização de uma atividade estão relacionadas ao Querer e ao Poder do sujeito (individual e
coletivo). O Poder se funda no Saber e no Ter (Condições Materiais e Condições Políticas).
O Querer, por sua vez, vem do Desejo e/ou da Necessidade (VASCONCELLOS, 2010b). O
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objetivo do texto é fortalecer tanto o Querer quanto o Poder do professor, por meio da Didá-
tica, certamente considerando todos os limites desta forma de mediação, mas também suas
potencialidades. Esta, no entanto, como já começamos a perceber, não é uma tarefa fácil,
sobretudo porque vamos mexer com crenças muito enraizadas que se tornaram naturais,
esquecendo-se de que são produtos históricos-culturais. Significa dizer que essas crenças
não correspondem a uma essência metafísica, mas a construtos humanos que tiveram uma
gênese e um desenvolvimento, que nem sempre foram assim e nem precisam continuar assim
para sempre. Daí a necessidade, em alguns momentos, de um posicionamento mais contun-
dente, justamente para provocar este estranhamento com algo que parece tão normal. Nosso
desejo, portanto, é contribuir com o trabalho dos educadores; só que não através de palavras
fáceis, de discursos demagógicos de “elevação de autoestima”, e sim de elementos teóricos,
metodológicos e práxicos da Didática.
Considerando que o ser humano sempre aprende (de acordo com o bom senso dos edu-
cadores mais sensíveis e as contribuições das Neurociências), ao afirmarmos que os alunos
não estão aprendendo, queremos dizer que não estão se apropriando daqueles elementos
indispensáveis da cultura ou que não estão aprendendo tudo o que podem e têm direito. Co-
locamo-nos em um plano de constatação de uma realidade feita pelo próprio professor, pelo
professor do ano seguinte, pelos altos índices de repetência e evasão, pelas pesquisas sobre
analfabetismo funcional, pelos empresários que recebem os egressos do Ensino Superior,
pelas avaliações de sistema. Os dados do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica)
têm revelado sistematicamente, por exemplo, que mais da metade dos alunos concluintes da
8ª série/9º ano não dominam competências básicas de leitura e de escrita. Não podemos ab-
solutizar os dados, uma vez que sempre são relativos (o que captam e o que deixam de captar;
a forma como foram aplicados e analisados etc.). No entanto, como vemos, são muitos os
indicadores que confirmam o problema da não-aprendizagem dos alunos. Vale destacar que
não estamos julgando a competência cognitiva dos educandos (“os alunos não são capazes de
aprender”), muito pelo contrário, este tipo de preconceito é que combatemos.
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De imediato, esclarecemos também que não se trata de julgamento moral dos educa-
dores — até porque, como registramos, há intenção de ensinar —, mas de uma constatação
da realidade.
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há teoria disponível, mas foram os governantes que não tiveram interesse em formar bem os
professores, pelo perigo que poderiam oferecer à ordem dominante. No final do século XX
e início do XXI, há teoria e governos desejando a formação docente, mas falta o querer de
muitos professores, porque a profissão se tornou desinteressante ou porque acham que não
precisam de formação (familiaridade).
Vamos partir de uma situação bem concreta: o professor percebe um aluno que não
está aprendendo, qual é a sua postura? Certamente, além de seu compromisso, da compre-
ensão que tem de seu papel, o repertório de intervenções tem muito a ver com sua forma-
ção didática. Em alguns casos, afirma: “Já fiz tudo o que estava ao meu alcance” e quando
perguntamos o que foi feito, diz com a confiança do dever cumprido: “Chamei sua atenção,
mudei-o de lugar, coloquei de castigo, mandei um bilhete para os pais, mandei para a dire-
ção, chamei os pais, solicitei encaminhamento para serviços especializados (médico, psico-
lógico, fonoaudiológico, neurológico etc.), comuniquei ao Conselho Tutelar”. Diante destas
providências, podemos nos perguntar: para fazer isto, seria preciso ter formação específica
para o exercer o Magistério?
Há casos em que o professor chama os pais e diz: “Seu filho não está aprendendo, têm
que fazer alguma coisa...”, como se a responsabilidade pelas aprendizagens escolares fosse
dos pais. Quem é o profissional que, na sociedade, tem como tarefa ensinar, isto é, cuidar
para que o aluno aprenda? Para se ter uma ideia do grau do equívoco, imaginem os pais
levarem o filho ao dentista e este afirmar: “Seu filho tem problema no dente, precisam pro-
curar alguém que cuide disto...”. Notem bem: uma coisa é chamar os pais e dizer que o filho
não está aprendendo e indagar: “Há alguma informação relevante que poderiam me dar, que
poderia ajudar meu trabalho com ele?”. Outra coisa é quando o sentido é de “Deem um jeito
para que ele aprenda”.
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haja tomada de consciência de que este despreparo passa por um aspecto absolutamente
elementar de sua atividade: a Didática, o processo de ensino-aprendizagem. Nas formações
continuadas, quando perguntamos aos professores quais são as exigências básicas para a
aprendizagem dos alunos, poucos apontam o conjunto dessas exigências ou, pelo menos,
uma delas e, de um modo geral, não sabem justificar o porquê da exigência apresentada (sa-
bem que se trata de um aspecto importante na aprendizagem, porém não sabem justificá-lo).
Se fôssemos aplicar com os professores o mesmo critério que utilizam com alunos
(exigir no mínimo 50% de acerto), apenas 20% seriam aprovados, pois, das seis exigências
essências (como veremos abaixo), 80% colocam duas ou menos. Há professores que respon-
dem frente e verso e não apontam sequer uma categoria epistemológica; falam da função da
escola, da formação da cidadania etc., só que não é isto que está sendo perguntado! Nesta
mesma direção aponta pesquisa do prof. Fernando Becker (A Epistemologia do Professor,
1993): o despreparo dos docentes para um dos aspectos nucleares de sua atividade — o pro-
cesso de conhecimento —, é tal que estranham serem indagados a respeito de como seus
alunos conhecem, chegando mesmo um professor a afirmar “Te confesso que nunca tinha
pensado nisso” (1993, p. 53). O que estará fazendo em sala um professor — e sabemos per-
feitamente que não é um caso isolado — que sequer compreende como seu aluno aprende?
Muito provavelmente não será construção do conhecimento, mas mera transmissão.
Muitos professores nem desconfiam da sua frágil formação, uma vez que até tiveram
acesso à teoria na formação acadêmica, mas não se dão conta de que foi na base instru-
cionista, tanto o contato com o conteúdo (mera exposição do professor ou de algum grupo
encarregado do “seminário”), quanto a sua avaliação (reprodução do discurso da aula, do
livro ou da apostila). Como viram aquela matéria, foram avaliados e aprovados, acreditam
que de fato sabem. Quando se pede que expliquem com suas palavras (indicador básico da
assimilação, da internalização do saber), chega a ser constrangedor, visto que, simplesmente,
repetem os fragmentos de teoria de que ainda se lembram. Se forem piagetianos, dizem que
a aprendizagem se dá por assimilação e acomodação; se forem vygotskyanos, afirmam que a
aprendizagem se dá na zona de desenvolvimento proximal. Todavia, não vão além disto, não
conseguem explicar como se dá o processo.
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tege” a frágil formação da crítica, uma vez que, a priori, já se sabe que o problema está no
aluno (e/ou na sua família), “obviamente” (“As verdades são mentiras de que os homens se
esqueceram o que são”. – Nietzche). Só para se ter uma ideia do grau de introjeção desta
lógica, há pais que entram com processo na justiça para que a escola reprove seu filho....
Um aspecto que nos incomoda bastante, faz pensar e desafia o entendimento, é o quanto
os professores não se implicam na questão do fracasso escolar. Diante de alunos que não es-
tão aprendendo, um número significativo de professores simplesmente apontam a reprovação
como solução, seja para “motivar” aluno para a aprendizagem, seja para “educar”, mostrar
que não podem agir de determinada forma que serão punidos. A prática de responsabilizar o
aluno pelo seu fracasso não é nova.
Outra forma utilizada, só que de maneira não consciente ou não assumida, foi a pres-
são de enquadramento do aluno pela avaliação. Em um primeiro momento, foi a emulação,
a competição entre os alunos pelo melhor desempenho, obtendo-se assim melhor comporta-
mento (muitas vezes associada à prática de delação dos colegas). A Ratio Studiorum (1599
ver CÓDIGO... 2009), dos colégios jesuítas, recomendava este procedimento ao prefeito de
estudos e aos mestres. A outra forma de uso da avaliação como elemento de controle de com-
portamento foi a ameaça da reprovação. Esta, como sabemos, lamentavelmente tem fortes
reflexos até hoje. Com a crescente crítica ao uso da avaliação como instrumento de poder
autoritário, sobretudo a partir dos anos 1970, abre-se o campo para a busca de novas alterna-
tivas no controle disciplinar. Sem que tivesse havido um avanço na formação pedagógica dos
docentes, a perspectiva de medicalização ganhou espaço (COLLARES; MOYSÉS, 1996).
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Inicialmente, na forma de “encaminhamentos” para especialistas, e mais recentemente pelo
uso quase que indiscriminado de drogas, notadamente a Ritalina (cloridrato de metilfeni-
dato). Qualquer manifestação que não se enquadre nas expectativas do professor, já há a
suspeita de Hiperatividade ou Déficit de Atenção. Esta visão se propagou de tal forma que
existem testes em revistas ou em sites para que pais e professores avaliem se seus filhos ou
alunos são portadores de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade)
(VASCONCELLOS, 2009).
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Desmonte Social.
Formação Frágil.
Causas do Desinteresse
A partir deste difícil contexto do educador, apontamos os seguintes fatores subjacentes
ao desinteresse pela formação:
Todo mundo já ensinou algo a alguém, o que leva as pessoas a acharem que
podem ser professores. Não percebem que uma coisa é ensinar algo a alguém
(o que qualquer um pode fazer), e outra é ensinar os saberes necessários a
todos (tarefa de mestre!).
Todo mundo passou pela escola, onde aprendeu a ser professor (instrucio-
nista). Esta é uma das especificidades do magistério: vivemos muitos anos
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no campo que vamos nos formar profissionalmente antes de iniciarmos a
formação profissional propriamente dita, e acabamos esquecendo que aquela
vivência já era formativa, e muito, já que fica fortemente entranhada no su-
jeito (Imprinting Escolar).
Não se sente questionado pelo passado remoto: faz o que “sempre foi feito”
(distorção que vem desde a Idade Média)
Não se sente questionado pelo passado próximo: faz o que foi feito com ele
quando era aluno (Imprinting Escolar Instrucionista).
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Políticas, estruturas são necessárias, mas não suficientes. Quando falta o Querer do
professor, toda conversa sobre formação é vista como “colóquio flácido para acalentar bo-
vino” (“conversa mole para boi dormir”). Na Atividade Humana, o Querer não é tudo, mas
tudo passa pelo Querer. A questão nuclear não é o pouco saber do professor, mas a falta de
querer aprender, de querer se superar.
Voltando àquela situação anteriormente apontada do aluno que não estava aprendendo,
o professor que, além do compromisso, tem uma boa formação didática vai recorrer a um
grande leque de mediações, seja no que diz respeito às dimensões básicas da atividade do-
cente (Trabalho com o Conhecimento, Organização da Coletividade e Relacionamento In-
terpessoal), seja quanto à gestão escolar, naquilo que mais diretamente interfere no processo
didático. Por exemplo:
Adequação das expectativas: ser professor dos alunos concretos que tem (e
não de "determinados conteúdos"). Partir de onde o aluno está e não de onde
“deveria estar”. Para tanto: incentivar o aluno a dizer “com as suas palavras”;
adequar o nível de dificuldade das atividades (sucesso à autoestima); tratar o
aluno pelo nome (e não por apelido); propiciar trabalho de monitoria entre os
alunos e incentivar horário de estudo em sala e ofertar roteiro de orientação
de estudo.
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Superação da síndrome de encaminhamento de alunos para coordenação,
orientação ou direção; da solicitação de presença de profissionais especiali-
zados na escola (psicólogo, psicopedagogo, fonoaudiólogo, assistente social
etc.); e de encaminhamento de alunos para serviços especializados por qual-
quer motivo.
Ciclos de Formação.
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Aulas duplas para permitir trabalho mais aprofundado.
Cochichos durante a aula, por meio dos quais os alunos trocam informações
e/ou levantam questões sobre a matéria.
Grupos Operativos em sala com: exercícios que levam a pensar e não meca-
nizar; tarefas significativas; montagem de Cantinhos Temáticos na sala.
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Interação com trabalho do aluno até que chegue a um nível satisfatório; si-
nalização de problemas e devolução para aluno re-elaborar, dando ênfase no
essencial e recuperando a aprendizagem no ato mesmo do ensino.
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Sentir-se autorizado a fazer o que acredita: parar a fim de atender os alunos,
tentar outras abordagens, usar novos recursos didáticos.
Exercício da autocrítica.
Estas práticas, se tomadas isoladamente, não farão a “revolução”, porém, por meio delas
podemos avançar no sentido de aproximar o ensino da aprendizagem. Nosso grande objetivo
ao trazê-las aqui é mostrar que há possibilidades quando se tem uma sólida formação didática.
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tecnologias de informação e comunicação, as iniciativas educativas de empresas, sindicatos,
partidos, movimentos sociais, a multiplicação dos cursos de especialização e pós-graduação,
o surgimento de novos cursos nas universidades, o ensino doméstico (homeschooling), as
iniciativas das redes de televisão (canais abertos ou a cabo). São tantas as iniciativas que
ganha consistência a ideia de uma Cidade Educadora ou de uma Educação que ocorra em
toda a Cidade, ao invés de em alguns lugares específicos, como no passado (família, igreja,
escola). Também nestas instituições clássicas têm ocorrido mudanças nas formas de ensinar
e aprender. Tomando como referência a escola, por exemplo, constatamos inovações na orga-
nização do currículo (ciclo, módulo, para além da série; trabalho com temas geradores, pro-
jetos, complexos temáticos, para além da lógica disciplinar instrucionista etc.). Todavia, por
maior que seja a diversidade da prática educativa, existem alguns princípios do ensinar e do
aprender que são fundamentais. Vamos nos aproximar de um deles: as condições subjetivas
necessárias para a aprendizagem.
o problema, pois uma coisa é sofrer a realidade (“sentir na pele”) e outra é
compreendê-la;
Ora, se o Plano de Ação, no autêntico sentido e não como mera formalidade, é fruto da
tensão entre a Análise da Realidade e a Projeção da Finalidade (VASCONCELLOS, 2010c),
e se não temos clareza de uma e de outra, muito provavelmente chegaremos a práticas equi-
vocadas, ainda que cheias de boa intenção.
Vimos que emerge cada vez com mais força a questão: Por que os alunos não estão
aprendendo? Para não nos perdermos em mil elucubrações, para respondê-la radicalmente,
temos de enfrentar uma outra: O que é necessário para que o aluno aprenda? É o que, muito
brevemente, faremos agora.
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Parece-me importante dizer da impossibilidade, em todos os tempos, de
termos tido e de termos uma prática educativa sem conteúdo, quer dizer,
sem objeto de conhecimento a ser ensinado pelo educador e apreendido,
para poder ser aprendido pelo educando. E isto precisamente porque a prá-
tica educativa é naturalmente gnosiológica (FREIRE, 1991, p. 45).
Conhecer é construir significados; esta é a grande busca do ser humano, uma das suas
necessidades mais radicais. Se repararmos bem, no cotidiano estamos atribuindo sentido aos
fatos mínimos que nos rodeiam (“Por que será que aquela senhora atravessou a rua por
ali?; “O que ele quis dizer quando se referiu àquilo?”). A falta de significado, aliada à sensa-
ção de impossibilidade de chegar a ele, leva o homem à angústia, ao desespero e, no limite,
à loucura. Na escola, vamos, pessoal e coletivamente, construir significados sobre diversos
campos da existência, com a mediação de saberes considerados fundamentais para a forma-
ção humana. A construção de significados (“produto”) se dá pelo estabelecimento de rela-
ções (“processo”) no sujeito, entre as representações mentais2 (“matéria-prima”) que visam
dar conta das diferentes relações constituintes do objeto, ou das diferentes relações do objeto
de conhecimento com outro(s). Para Prado Jr., “conhecimento consiste numa representação
mental de relações” (1973, p. 51). Conforme Wallon conhecer é “substituir essa mistura de
confusão e de dissociação, que é a representação puramen-
2. Usamos aqui representação no sentido de
te concreta das coisas, pelo mundo das relações” (1989, p. ação de “apresentar de novo” o objeto (coi-
209). Na perspectiva dialética do conhecimento (científico, sa, evento, situação) ao psiquismo mesmo
filosófico, estético), o que se visa é chegar à síntese que é não estando mais em sua presença, a partir
de uma construção feita pelo sujeito (signo
“uma rica totalidade de determinações e de relações nu-
interno); não é no sentido de “reflexo” da
merosas” (MARX, 1983, p. 218). Estas relações vão sendo realidade. A representação, além de permi-
buscadas no tempo e no espaço, bem como nos campos tir o conhecimento do mundo, possibilita ter
intenções, fazer planos, ou ainda imaginar.
lógico e/ou semântico.
Buscar o que é necessário para que o aluno aprenda possibilita dar uma orientação para
o professor no seu trabalho cotidiano, evitar reducionismos ou modismos (“atirar para todo
lado”, de acordo com a onda do momento: “Agora, tem que trabalhar no concreto”, “Agora,
tem que desenvolver projetos”, “Agora, tem que derrubar paredes das sala de aula”), além
de ser um ponto nuclear da atividade docente. Se o professor sabe o que é decisivo para
que o aluno aprenda, não se perde em detalhes, vai à raiz, tem o olhar dirigido para estes
elementos, procurando pessoal e coletivamente, de alguma forma, satisfazer tais exigências.
Há ainda um aspecto delicado: muitas vezes, diante da grande ênfase que se tem dado às
questões emocionais, afetivas, atitudinais, relacionais, sociais, parece que estamos fugindo
do trabalho com o conhecimento na escola...
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De acordo com as contribuições da epistemologia dialética, da psi- 3. Ou o sujeito humano,
uma vez que esta pers-
cologia histórico-cultural e da educação dialética-libertadora (VASCON-
pectiva é geral (inclusive
CELLOS, 2010a), para que o educando3 aprenda é necessário: o professor!).
Além desta mediação mais geral, podemos ter também a mediação presencial que, em
princípio, potencializa muito a aprendizagem (pode atuar na zona de desenvolvimento pro-
ximal); é nítida a ajuda no contato com o parceiro mais qualificado, acelerando, funcionando
como andaime para a aprendizagem do educando (BRUNNER, 1998.). Devemos considerar
a constituição social do sujeito: o indivíduo é o ser social (MARX, 1989, p. 195). A começar
do desejo de aprender, no caso, esse desejo do sujeito nasce do desejo do outro (dialética do
reconhecimento, HEGEL, 1992). Parafraseando Ortega y Gasset (2005, p. 25), podemos di-
zer que o aluno é o aluno e suas circunstâncias. Estamos nos referindo a alunos concretos e o
concreto é concreto por ser uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas
(MARX, 1978, p. 116). Portanto, ao analisarmos as causas da aprendizagem, temos de nos
remeter a tudo aquilo que, de alguma forma, acaba interferindo nela.
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1. Condições Necessárias par a a
Aprendizagem
Analisando do ponto de vista do sujeito, o que é preciso para que este aprenda? Há fa-
tores que são circunstanciais; outros são básicos, imprescindíveis. Muitas vezes é difícil res-
ponder a esta questão porque já nos remetemos logo à mediação: o que devemos fazer para
que o sujeito aprenda. É evidente que a questão da mediação é fundamental. Mas justamente
para qualificá-la, para sair do discurso marcado pelo senso comum (ou modismos), é que
desejamos radicalizar a análise do processo de aprendizagem: se compreendermos melhor
como o sujeito aprende, poderemos orientar melhor a mediação. Por mais que o professor
queira bem ao aluno, não pode aprender por ele. Retomando, então, a questão: do ponto de
vista subjetivo, do sujeito que aprende, o que é absolutamente necessário, o que não pode
faltar para que este aprenda?
Deve ficar claro que todo ser humano tem, em algum nível, estas capacidades, por isto
todo ser humano pode aprender.
Conhecimento Prévio
O conhecimento novo é construído no sujeito a partir do seu conhecimento anterior/
prévio/antigo (seja para ampliar ou negar, superando). Não se cria a partir do nada; ninguém
conhece algo totalmente novo (PIAGET, 1978), pois se for de fato totalmente novo, o sujeito
não terá nem estruturas de percepção para o novo objeto (é como olhar e não ver: o esquimó
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vê oito tonalidades de branco; o visitante só consegue ver “branco”). O avanço do conheci-
mento se dá na zona de desenvolvimento proximal (VYGOTSKY, 1984).
Acesso à Informação
Para que o conhecimento do sujeito avance, é preciso que tenha acesso a novas informações.
Querer
Epistemologicamente, o “Querer”6 implica:
6. Podemos ter muitas denominações para o Que- Colocar o sujeito em atividade de conhecimento.
rer (embora nem todas exatamente com o mesmo O desenvolvimento e a aprendizagem são inaugurados
significado): motivação, mobilização, interesse,
na emoção, na afetividade (PIAGET, 1978; WALLON,
curiosidade, vontade, desejo, necessidade, afeti-
vidade, emoção, disposição epistemofílica. 2008; VYGOTSKY, 1995; MATURANA, 1999).
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Estabelecer vínculo com o objeto de conhecimento. A ‘eleição’ do objeto (a
rigor, do ente destacado no meio de tantos outros, que assim se torna objeto
de conhecimento).
O querer pode ser comparado ao vetor: tem módulo (intensidade), direção (foco) e
sentido (atração ou repulsão).
Agir
O ser humano se constitui por sua atividade, em todos os aspectos (condição humana:
não nascemos prontos), inclusive no conhecimento. O conhecimento é estabelecido no sujei-
to por sua ação sobre o objeto. O objeto oferece resistência à ação do sujeito, obrigando-o a
modificar-se para poder explicá-lo (busca de sentido). O conhecimento não se dá por “osmo-
se”: não adianta o sujeito estar ao lado, em contato com o objeto, se não atuar sobre ele. Sem
ação, não há “instalação” (assimilação, internalização) do conhecimento no sujeito.
Esta ação do sujeito pode ser (em termos predominantes): Motora, Perceptiva e/ou
Reflexiva.
Dois sujeitos podem estar realizando a mesma ação — exem- 8. Tal ação é mais bem expressa
plo: ouvindo o professor —, mas com graus de interação com o pelo conceito “atividade” (Marx,
Vygotsky, Leontiev). No caso de
objeto de estudo bastante diferentes. Isto significa que não basta a
aprendizagens incidentais, o mí-
ação; tem de ser uma ação consciente e voluntária, portanto, inten- nimo que se exige é a abertura
cional.8 Tal perspectiva se contrapõe à ação mecânica, ao “progra- do sujeito para tal.
ma” rígido (como um chip implantado).
Além disto, a ação de conhecimento deve ter um caráter ana- 9. E não contemplativo ou de
9 simples uso.
lítico-sintético: para captar as relações de constituição do objeto, o
sujeito precisa analisá-lo, “decompô-lo” (física e/ou mentalmente) em suas partes constituin-
tes, sem, no entanto, perder a dimensão do todo. No processo de análise, o sujeito precisa ir
além da aparência.
A imitação, o mimetismo, pode ser uma estratégia para iniciar a aprendizagem; mas,
ao longo do processo, deverá ser superada.
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Expressar-se
No decorrer do processo de conhecimento, o sujeito precisa se expressar (incorpora-
ção paulatina na linguagem e/ou na prática). O ciclo de aprendizagem só se completa com a
expressão por parte do sujeito.
A expressão implica, antes de mais nada, a organização das representações mentais
(relação pensamento-linguagem), além de possibilitar a comunicação, a interação com o
outro, e/ou a prática, a vivência.
O conhecimento conceitual (em particular o científico e o filosófico) é construído tendo
como mediação fundamental a linguagem verbal (mental, oral ou escrita).
O processo de aprendizagem humana é extremamente complexo. O que temos aqui
é uma abordagem inicial de seus elementos essencias do ponto de vista subjetivo. Normal-
mente, não há “vazios”, mas conceitos, procedimentos e valores habitando o sujeito; por isto,
trata-se de um duplo movimento: aprender e desaprender. A aprendizagem pode se dar em
diferentes níveis (espiral ascendente - Bruner). De qualquer forma, de um modo geral, não
se dá de uma vez (não é imediata, nem linear). É uma construção que vai por aproximações
sucessivas (avanços, recuos —“confusão”—, estagnações), visando a sínteses cada vez mais
elevadas. Não há uma sequência, “passos” a serem seguidos entre as exigências: primeiro
esta, depois aquela. Há interação entre as exigências. São dimensões e não “etapas”. Tam-
bém não significa que se tenha que ter índices plenos em cada exigência. Ao contrário, todas
elas admitem gradação, variação (o que inclusive favorece que a diversidade dos sujeitos, nos
diferentes contextos, seja contemplada).
Algum professor pode estar pensando: “Mas isto é teoria”. Sim, de fato é. Porém, cabe
lembrar que aquilo que orienta sua prática atual também é teoria (por detrás de toda prática
sempre há uma teoria). Será que sabe qual é? Já refletiu criticamente sobre ela?
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A aprendizagem que a escola se propõe a trabalhar com os alunos é do tipo não-espon-
tânea, sistemática, intencional, na qual o papel do mediador ganha importância ainda maior.
Expressão dos alunos: que espaço o aluno tem para se expressar? Existe o
cuidado com favorecer a expressão dos alunos no processo de conhecimento
ou entende-se que isto deve ser feito apenas na avaliação formal (e ainda com
caráter classificatório e excludente)?
O educador não trabalha cada uma dessas exigências de forma separada. A divisão é
didática, visando à compreensão do fenômeno. Saiba Mai
Simultaneamente, o professor deve estar comprometido com o resgate da dignidade Saiba Mais
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