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Filósofos e Filodoxos

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26/04/2020 Filósofos e Filodoxos - Contra os Acadêmicos

Filósofos e Filodoxos - Contra os


Acadêmicos
Por Russel Kirk

O filósofo aspira a ensinar a sabedoria; o filodoxo é o perseguidor da


doxa, das opiniões ilusórias e dos vãos desejos. Da doxa vem a desordem
da alma e do corpo social. Mas a eunomia, a justiça, a harmonia
disciplinada da alma de um homem, como o diz Solon, torna “todas as
coisas apropriadas e sensatas nos assuntos dos homens”. Eric Voegelin <
http://contraosacademicos.com.br/lista-de-leitura-ordenada-eric-
voegelin/> é um filósofo, historiador e professor da nomos – isto é, das
instituições e das tradições. Seu Ordem e História <
http://contraosacademicos.com.br/lista-de-leitura-ordenada-eric-
voegelin/> , dos quais os três volumes agora publicados formam a
primeira metade, é um poderoso esforço para restaurar nossa apreensão
da eunomia.

O profundo conhecimento sobre civilizações antigas e o Antigo


Testamento que o Sr. Voegelin manifestou no primeiro volume, Israel e a
Revelação < http://amzn.to/2xy9yHd> , < http://amzn.to/2xy9yHd> é
agora equalizado ao conhecimento dos poetas e filósofos gregos que são
o objeto de O Mundo da Pólis < http://amzn.to/2zdIwXI> e Platão e
Aristóteles < http://amzn.to/2xy9yXJ> . Entretanto, o Sr. Voegelin não
parece estar familiarizado com Paul Elmer More, crítico do século XX cujos
fins e convicções estão tão próximos de si. O leitor sério dos dois volumes
presentes do Sr. Voegelin, de fato, faria bem em ler o Platonismo <
https://amzn.to/2NA94fe> e A Religião de Platão <
https://amzn.to/2paP8Gk> de More; e embora este seja um escritor muito
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mais lúcido, Voegelin permanece como mais profundo, no capítulo final


do Platonismo < https://amzn.to/2NA94fe> de More, (terceira edição,
1931), de fato, está contido um sumário das intenções do Sr. Voegelin, de
forma mais clara do que em qualquer outra passagem desses dois
volumes de Ordem e História < http://contraosacademicos.com.br/lista-
de-leitura-ordenada-eric-voegelin/> .

Coleção Ordem e História no momento da publicação do artigo

É um fato, triste e indiscutível, que ninguém tem mais probabilidade de se


chamar, ou ser chamado por seus admiradores, de platônico do que o
reformador com um esquema fútil para a regeneração do mundo, ou o
sonhador que desprezou a realidade da natureza humana por alguma
ilusão de fácil perfeição, ou o visionário romântico que definiu a
espontaneidade da fantasia acima da imaginação racional, ou da “alma
justa” que se retirou do conflito da vida para a indulgência de uma
introspecção mórbida, ou o defensor da fé como uma lei que revoga a lei
mais severa do trabalho e da retribuição. Metade dos entusiastas e
maníacos inspirados da sociedade se protegeram sob a égide do grande
ateniense… se esses são os únicos produtos do platonismo, é uma pena que
as obras de Platão não tenham sido totalmente perdidas com os livros de
tantos outros filósofos antigos, e nós, que nos ocupamos em interpretar os
Diálogos, estamos apenas adicionando à soma da loucura do mundo. Mas
não é assim. É assim com o platonismo bem como com o cristianismo e
qualquer outro forte excitamento do coração humano. A liberdade é a posse
mais nobre e, ao mesmo tempo, a mais perigosa que se pode dar à
humanidade; e, a menos que estejamos preparados para silenciar
completamente o chamado mais alto da religião e da filosofia para as
demandas mais seguras de uma sabedoria puramente prática, devemos
esperar, enquanto tentamos expor, os caprichos de mentes embriagadas
pelo excesso de entusiasmo…  ‘Não creiais em todo o espírito, mas provai se

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os espíritos são de Deus, porque são muitos os falsos profetas que se


levantaram no mundo.

Nesse esforço de distinguir com precisão entre os amantes da sabedoria e


os devotos da ilusão (e, como diz More, talvez a melhor definição de um
verdadeiro platonista seja “um amante das distinções”), somos
prejudicados por nossos termos imperfeitos, ferramentas disponíveis num
estalar de dedos: hoje em dia, em nossa língua, o homem sábio é
confrontado com o rótulo das pessoas a quem Platão <
http://contraosacademicos.com.br/lista-de-leitura-ordenada-platao/> se
opunha, os sofistas; enquanto para “filodoxo”, o homem cujos desejos
substituem sua justiça, intelectual perverso, o ideólogo, não temos um
equivalente preciso em inglês. (“Sofista” expressa apenas em parte o
conceito de pregador da doxa.) Uma parte substancial do esforço de
Voegelin é restaurar um vocabulário sólido para a filosofia e para a
política. Em nenhum lugar, com certeza, essa restauração é mais
importante do que na discussão sobre Platão <
http://contraosacademicos.com.br/lista-de-leitura-ordenada-platao/> , a
figura central desses dois volumes. O pântano sérvio da controvérsia
sobre A República < http://contraosacademicos.com.br/lista-de-leitura-
ordenada-platao/> , por exemplo, foi criado por escritores e professores
que não entendem suas próprias palavras; e como observa Voegelin,
repetem-se em nosso século os erros da velha, confusa, e bem
intencionada escola do arrogante e polêmico “amoral”:  “O caminho da
geração bem-intencionada, mas filosoficamente insensibilizada, que
traduziu a “boa polis” como um “estado ideal”, para a geração que ataca
Platão < http://contraosacademicos.com.br/lista-de-leitura-ordenada-
platao/> como um “ideólogo”, é o caminho de Céfalo a [1] Trasímaco”.

No entanto, a restauração de um vocabulário adequado não é o


empreendimento mais importante do Sr. Voegelin. Sua tarefa principal é
ainda maior: é nada menos do que uma renovação de nossa apreensão
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dos princípios da Ordem que governa as almas individuais e o homem na


história. Esse trabalho não foi realizado com tanta ousadia, nessa escala
ou de forma sistemática, desde a morte de Bossuet. A ordem da história
é a história da ordem: é a ordem interna da alma e a ordem externa de
uma sociedade justa. Através da história, a humanidade se torna
consciente de seus propósitos e das teorias e instituições que tornam a
vida tolerável aqui embaixo. E o que é mais importante ainda: através do
conhecimento da conquista e percepção dos homens, há muito mortos, o
homem moderno passa a entender a essência de seu próprio ser: saber
que ele tem uma alma e entender o modo como sua alma deve ser
ordenada.

O trabalho de Voegelin é uma imensa refutação da doxa dos


racionalistas do século XVIII, dos positivistas do século XIX e dos
ideólogos < https://contraosacademicos.com.br/da-ideologia/> do
século XX. Ele se opõe aos partidários da noção cíclica da história e da
noção “progressista” da história. O verdadeiro significado da história
não é imanente, mas transcendente. Não pode haver um paraíso
terrestre < https://contraosacademicos.com.br/a-crenca-cancerigena/> ;
portanto, o estudo da história não pode apontar o caminho para
Utopia [2]; mas o estudo da história também não deve levar apenas a um
pessimismo doutrinário < https://contraosacademicos.com.br/filosofia-
do-desespero/> , o registro de falhas inevitáveis. O que podemos
aprender da história é a essência da ordem. Aprendida essa lição, o
homem sábio pode estabelecer harmonia em sua alma [3], e o estadista
pode lutar por uma sociedade com um equilíbrio tolerável entre ordem,
justiça e liberdade.

Desde a era de Moisés, houve homens — profetas ou filósofos — que


buscavam o significado transcendente na história: que buscavam o
conhecimento da alma e vislumbravam nos registros da história um

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significado divino, uma revelação do caminho de Deus com o homem e


com a realidade da alma.

Tanto em Israel como em Atenas e ainda recentemente, havia homens


que, sucumbindo à doxa, esforçaram-se por tornar imanentes os
símbolos transcendentes da ordem <
https://contraosacademicos.com.br/a-crenca-cancerigena/> e assolar o
Reino dos Céus — anexando-o a um reino terrestre, em vez de procurar
seu caminho na eternidade. Tais eram os judeus que esperavam em vão
que Judá prevalecesse neste mundo sobre seus grandes inimigos, e os
filodoxos gregos que fizeram do poder e do sucesso os fins últimos de
suas vidas, e os gnósticos medievais que buscaram a salvação e a
perfeição no tempo e no espaço, e aqueles entusiastas do Iluminismo
que esperavam que a Revolução Francesa inaugurasse o regime
interminável da felicidade universal. Tais são os “progressistas” e
utópicos de nosso próprio século, sejam “liberais <
https://contraosacademicos.com.br/liberalismo-e-sua-historia/> ” ou
“totalitários” em suas afiliações faccionais. Isso é a doxa: pois a natureza
humana não é perfeita por meios humanos, nem a sociedade. E os
homens apaixonados pela doxa, mesmo os famosos filodoxos, quebram
a ordem da personalidade quando cegam os homens à natureza da
alma; e perturbam o equilíbrio de qualquer boa sociedade quando forçam
visões de desejos e satisfações impossíveis de serem realizadas na
natureza.

Em Israel e a Revelação < http://amzn.to/2xy9yHd> , o professor Voegelin


descreveu o “salto no ser” que tornou Israel diferente dos grandes
impérios primitivos, ainda afundados no mito cosmológico. A verdadeira
história pode começar apenas quando o homem se torna consciente de
sua natureza e do relacionamento real entre Deus e o homem: em suma,
quando passa a reconhecer sua própria alma. Assim, a história substantiva
começa com Moisés. A história dos israelitas não é uma crônica literal de
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eventos mundanos: pelo contrário, é um registro simbólico da ordem, a


descrição do caminho de Deus com seu povo. Enquanto o homem é uma
mera parte da natureza, ligada a esta vida e à terra, impotente sob
poderosos poderes cosmológicos, não se pode contar ou compreender
uma história significativa: a existência permanece mera existência, cheia
de som e fúria, talvez, mas vazia de propósito como a fábula do idiota[4];
uma simples confusão sangrenta de coroações e conquistas. Um salto no
ser é necessário para a ascensão do mito cosmológico à compreensão
transcendente da alma; e, portanto, não pode haver história
verdadeira sem esse salto no ser. Tal salto não é um mero “estágio do
progresso cultural”, embora, é claro, uma vez realizado, produza grandes
mudanças culturais. A natureza do salto varia de um povo para outro; e
não é um único salto que se requer, mas uma série deles. Entre o povo de
Israel, a revelação divina dada a Moisés foi o primeiro grande salto; e por
muitos séculos após, Israel lutou para apreender o significado do salto
mosaico, até a plenitude dos tempos na figura do Servo Sofredor, no
Deutero-Isaías, que se tornou o símbolo de um segundo salto no ser.

Em Israel, os problemas da ordem — isto é, da existência humana sob


Deus — eram a preocupação dos profetas, e foi por meio deles que se
deu o salto no ser. Na Hélade, os problemas da ordem — isto é, de uma
justiça duradoura e de suas sanções divinas — eram a preocupação dos
poetas e dos filósofos; e foi através dos poetas e dos filósofos que se deu
o salto no ser. Revelação e razão são duas vias para a ordem; e por
qualquer uma delas pode ser alcançado um salto no ser. Mas esse salto
não é obra de uma lógica estreita: é realizado pela imaginação superior,
pela percepção do gênio, por uma intuição que transcende a experiência
comum: por um meio, em suma, que não podemos descrever
adequadamente com esses instrumentos imperfeitos chamado palavras.
Nem o salto de Israel nem o salto da Hélade trouxeram um pleno
conhecimento da ordem transcendente; ela requeria a fusão da

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genialidade judaica e grega no cristianismo para dar um salto ainda mais


alto. Esse evento, presumivelmente, será examinado no quarto volume de
Voegelin < http://contraosacademicos.com.br/lista-de-leitura-ordenada-
eric-voegelin/> .

Entre os gregos, o salto no ser é principalmente a conquista de Platão;


mas o insight de Platão foi alcançado somente depois que a ordem
existencial da polis já há muito naufragara na decadência. A terrível
experiência do homem que presencia a degeneração de sua sociedade
tem sido, desde o princípio dos tempos, o principal impulso para a busca
de uma ordem que não fosse transitória. Do terror, o homem aprende que
a ordem existencial não é uma ordem real; que a mera existência carnal
não é o fim de tudo. Ele desperta, diz Voegelin, “para a mentira da
existência”. Com São Paulo, a existência do homem antes do salto no ser é
apenas “existência opaca”. Nas palavras de São Paulo: “Eu outrora vivia
sem lei”. [5] A lei é o nomos, que, após o salto no ser, significa não apenas
tradições e instituições, mas normas, leis que transcendem as coisas
existentes. O homem desperta para sua própria natureza, para sua alma.
Só então pode ele “transformar a sucessão de sociedades anteriores no
tempo em um passado da humanidade”. Isso não acaba com a luta pelo
conhecimento da ordem; apenas torna inteligível a busca ela ordem. A
humanidade se torna “consciente do horizonte aberto do seu futuro”.

Os saltos de Israel < http://amzn.to/2xy9yHd> e da Hélade <


http://amzn.to/2zdIwXI> , aproximadamente paralelos no tempo e
bastante independentes um do outro, foram alcançados somente após
muito trabalho; e a grande massa de homens nunca realmente entendeu a
natureza dessas descobertas; de fato, muitos dos eruditos e intelectuais
esperavam demolir a consciência da alma já adquirida: assim eram os
filodoxos. O poder da doxa é enorme. Desde muito cedo na era helênica,
no entanto, o gênio grego tateou e trabalhou em direção à ordem, a uma
apreensão do propósito e da justiça divinos, em direção a uma ordem
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moral entre os homens. Os dois volumes de Voegelin examinam esse


trabalho com uma profundidade e precisão que não podem ser
encontrados em nenhum estudo anterior sobre a religião e a filosofia
gregas. As principais fontes são Homero <
http://contraosacademicos.com.br/lista-de-literatura-parte-1-grecia-
antiga/> , Hesíodo < http://contraosacademicos.com.br/lista-de-
literatura-parte-1-grecia-antiga/> , Xenófanes, Parmênides, Heráclito,
Ésquilo, Sófocles, Heródoto, o Velho Oligarca [6], Tucídides, Platão <
http://contraosacademicos.com.br/lista-de-leitura-ordenada-platao/> e
Aristóteles. < http://contraosacademicos.com.br/listadeleituraaristoteles/>

Em Homero < http://contraosacademicos.com.br/lista-de-literatura-parte-


1-grecia-antiga/> , a alma ainda é opaca; e, portanto, não pode haver
transcendência da ordem existencial. Aquiles preferia ser o servo mais
malvado da Beócia do que rei entre as sombras. Mas Homero está
rumando em direção aos princípios da ordem. No mundo desintegrado da
civilização micênica em ruínas, onde o Turbilhão parece ser o mestre de
todos, onde todas as tradições morais são quebradas, Homero, o cego
que vê, observou astutamente que o distúrbio de uma sociedade era um
distúrbio na alma de seus membros, e especialmente na alma da classe
dominante.

Sem ter um termo preciso para isso, ele concebeu o homem como
possuindo uma psique internamente organizada por um centro de
paixões e um centro ordenador e judicativo do conhecimento. Ele insistiu
valentemente no insight de que ordenar a ação é agir em conformidade
com o transcendente, a ordem divina, enquanto a ação disruptiva é uma
queda da ordem divina para a desordem especificamente humana. Mas o
processo histórico em que uma sociedade declina, bem como a infinidade
de atos que, no total de séculos, significam a destruição, tiveram um
padrão próprio que não poderia ser descrito em termos de ações
individuais. Homero teve que enfrentar o problema de que a vítima
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cotidiana da ação humana explicaria os detalhes do processo histórico,


mas não sua configuração. Sua resposta a esse mistério da ascensão e
queda das civilizações foi a extraordinária assembleia olímpica na qual
Zeus e Hera concordaram em seu programa para a destruição da
civilização micênica, incluindo os troianos e aqueus.

Hesíodo < http://contraosacademicos.com.br/lista-de-literatura-parte-1-


grecia-antiga/> também tentou descrever a justiça divina, beneficente ou
retributiva, que ordena o universo. Zeus, por meio de poderosas lutas,
trouxe do Caos uma ordem precária. “Zeus governa o mundo, e com
tremenda influência retira amanhã o que concede hoje”. A vingança de
Zeus visita os injustos na terra. Embora ainda abrangido pelo mito
cosmológico, Hesíodo procura uma resposta para os males dos quais a
carne é herdeira — uma resposta que será mais do que o domínio da
Força e do Poder sobre Prometeu. Mas Hesíodo não pode discernir
nenhum alívio além dos limites da ordem existencial; ele é levado de volta
ao sonho de uma salvação imanente:

O sonho hesiódico (na fábula de Pandora) de não trabalhar, não morrer,


não passar fome, não envelhecer, não lidar com as mulheres, enumera as
experiências negativas que são as principais fontes de ansiedade na vida
humana. O paraíso, nesse sentido, como o sonho de libertar-se fardo da
ansiedade da existência, é uma dimensão constante da alma que se
expressará não apenas nas imagens da existência imortal no além, mas
geralmente permeia a ocupação imaginativa com um desejável estado de
existência mundana. Não é necessário insistir em expressões grosseiras que
virão à mente, como a “liberdade da falta e do medo” da Carta do Atlântico.
Mais sutilmente, o sonho é o componente dinâmico das tentativas de criar
um paraíso terrestre, reduzindo as horas de trabalho (sem trabalho),
obtendo um salário digno (sem fome) e assistência médica (sem doença)
para todos, e aumentando a duração da vida humana (sem morte). E
mesmo o problema de o homem ser criado, homem e mulher, embora não
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possa ser resolvido, pode ser psicologicamente reduzido à famosa


“satisfação dos impulsos biológicos”.

Observaremos a partir da passagem anterior que o Sr. Voegelin não é um


mero antiquário de ideias. A natureza humana e seus problemas são
constantes; e a doxa que transcende os símbolos da verdade pode se
tornar uma eterna fonte imanente entre os homens. Embora antigo, não é
um erro a menos. Uma forte veia de consciência apaixonada percorre a
Ordem e a História; um conhecimento de que a desordem da cultura
micênica esmagada e a desordem da polis desintegradora do século V são
iguais à desordem do século XX. E em meio a essa desordem, surge a
figura do filodoxo, “realista”, cínico, impulsionado pela pleonexia,
descartando a peitho (persuasão justa) em favor de truques ou
intimidações; movido por suas paixões e interesses baixos, suas ilusões,
mesmo no momento em que afirma falar como lógico prático e defensor
do senso comum. O Dr. Voegelin, que disputou em Viena contra nazistas e
comunistas pouco antes do triunfo da doxa totalitária na Áustria, não
hesita em descrever os filósofos de nossa época: homens que, como seus
predecessores na história, obtiveram na confusão de uma civilização em
queda, a realização de seus desejos luxuriosos. Veja estas passagens de
Platão e Aristóteles < http://amzn.to/2xy9yXJ> :

A condição de Sócrates toca em um problema familiar a todos nós que


tivemos experiências com intelectuais de direita ou de esquerda. A discussão
é realmente impossível com um homem que seja intelectualmente
desonesto, que ignora as regras do jogo, que por profusão irrelevante
procura evitar ser tocado pelo ponto da discussão, e que ganha a aparência
de vitória esgotando o tempo que estabelece um limite inevitável para uma
discussão.

As convenções sociais, que Cálices despreza, estão se esgotando; e o


advogado da natureza é levado a perceber que ele é um assassino frente a
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frente com sua vítima. A situação é fascinante para aqueles entre nós que se
encontram na posição platônica e que reconhecem nos homens a quem
associamos hoje os proxenetas intelectuais pelo poder que concordarão
nosso assassinato amanhã.

Verdadeiramente, é a história que nos ensina os princípios da Ordem. É a


decadência da apreensão dos homens pela ordem transcendente que
causa Hybris e Nêmesis: < https://contraosacademicos.com.br/a-crenca-
cancerigena/> isto é, o colapso da ordem existencial. Os filodoxos são os
precursores dos homens atrozes. “Em nosso tempo, podemos observar o
mesmo fenômeno: as pessoas ficam chocadas com os horrores da guerra
e com as atrocidades nazistas, mas não conseguem ver que esses horrores
nada mais são do que uma tradução, no nível físico, dos horrores
espirituais e intelectuais que caracterizam a civilização progressista em sua
fase “pacífica”; que os horrores físicos nada mais são do que a execução
do julgamento (krisis) passado sobre a política histórica. ”

As verdades < https://contraosacademicos.com.br/do-verdadeiro-e-da-


verdade/> da razão e da revelação que os homens obtiveram
dolorosamente ao longo de muitos séculos, o filodoxo tenta demolir
em uma geração. Voegelin rastreira com cuidado a ascensão do
pensamento grego em direção ao salto no ser até Platão: e a história é
muito longa, cheia de interesses e também de percalços.

Xenófanes, rompendo com o mito, declarou que “Um Deus é o maior


entre os deuses e os homens, não como os mortais no corpo ou no
pensamento”. Heráclito opôs-se ao “muito saber” (polys) seu
“conhecimento profundo” (bathys); e se ele não alcançou o auge da
transcendência, ainda assim penetrou nas profundezas luminosas da alma:
os filósofos místicos deram um salto no ser, pois sabiam que Homero e
Hesíodo não tinham a alma como fonte de conhecimento. Sólon ensinou
aos atenienses a eunomia, a retidão, ordenada pela Dike, a Justiça. A doxa,
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como Sólon descobriu, é a fonte da desordem; a paixão da vida, ela deve


ser disciplinada por uma questão de ordem, eunomia. “Ele ama
apaixonadamente a magnificência e exuberância da vida; mas a
experimenta como um presente dos deuses, não como um objetivo a ser
realizado por meios torpes contra a ordem divina”.

A partir de Heráclito, os filósofos gregos — embora não os filodoxos —


apreenderam a vida da alma. Os homens da época de Homero conheciam
apenas a psique, a força vital que parte na morte, para não viver
novamente senão em sonhos[7]. Para Homero, um homem morto era
apenas um soma, um cadáver. Mas os filósofos místicos penetraram além
dos limites da carne. Sua busca pela verdade continuou na tragédia: “A
humanidade recém-descoberta da alma se expande para o domínio da
ação”. Aristóteles, vivendo na decadência da tragédia, pensava na arte
trágica apenas como katharsis, purificação de emoções, uma espécie de
terapia de grupo. Mas para Ésquilo e Sófocles, escreve Voegelin, a tragédia
foi a abertura da alma às demandas conflitantes de Dike: não é, em
verdade, um salto para a revelação divina, mas uma descida para as
profundezas da alma onde a Dike pode ser encontrada. O herói trágico
não pode meramente [8] pesar as consequências utilitárias ou procurar
conselhos práticos de deuses e homens: ele deve procurar sua alma.
Somente uma audiência capaz de pelo menos apreciar uma ação heroica,
senão de participar nela, poderia entender e apoiar o drama trágico — e,
no tempo de Aristóteles, essa audiência se fora [9]. Mas na grande hora de
Atenas, Ésquilo e Sófocles conversaram com homens que ainda
entendiam:

A busca heroica da alma e o sofrimento das consequências devem ser


experimentados como o culto de Dike e o destino do herói deve despertar o
estremecimento de seu próprio destino na alma do espectador, mesmo que
ele próprio sucumba à sua fraqueza em uma situação semelhante. A
ligação da alma ao seu próprio destino através do sofrimento
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representativo, ao invés da catarse aristotélica através da piedade e do


medo, é a função da tragédia.

No momento em que o drama trágico pairava sobre Atenas, no entanto,


os sofistas já estavam trabalhando: e dentre eles, pelo menos na política, o
maior era Protágoras. Protágoras ensinou que o homem é a medida de
todas as coisas. Protágoras não era de todo um filodoxo: ele declarou que
a reverência e a justiça devem viver na alma de todo homem, ou então a
polis pereceria; de fato, para Protágoras, um homem com uma alma
doente que trouxesse doença à polis e deveria ser morto se, após
cinco anos de educação reformatória, ele se mostrasse incorrigível.
Mas a tendência ética geral dos sofistas é suficientemente sugerida em
nossa palavra “sofisma”; e fora da luta de Sócrates e Platão contra o
sofisma [10], surgiram as definições das virtudes platônicas: justiça,
sabedoria, fortaleza e temperança. Contra Protágoras, Sócrates e
Platão afirmaram que Deus é a medida de todas as coisas: Deus, não o
homem. Aqui estava o supremo salto existencial grego. Górgias, outro
grande sofista, atacou o conceito de Ser de Parmênides; e Sobre o Ser de
Górgias é “um dos primeiros, se não o primeiro, exemplo perene do
filosofar iluminista”. Seus argumentos podem ser dirigidos contra todos os
símbolos da transcendência. “Iluminismo”, com suas associações
racionalistas do século XVIII, não é um termo elogioso para o Sr. Voegelin.
Na época dos sofistas, ele escreve:

“Podemos dizer que a era realmente tem uma faixa de iluminação na


medida em que seus pensadores representativos mostram o mesmo tipo de
insensibilidade às experiências de transcendência que era característica do
Iluminismo do século XVIII d.C., e na medida em que essa insensibilidade
tem o mesmo resultado de destruir a filosofia — pois a filosofia, por
definição, tem seu centro nas experiências de transcendência”.

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Gomperz, em seu Greek Thinkers < https://amzn.to/32B2Sb1> , fez de


Sócrates o líder de um Iluminismo racionalista. Como diz More, essa
descrição é totalmente inadequada. Voegelin põe fim, provavelmente
para sempre, à tentativa de positivistas e racionalistas de reivindicar
Sócrates para si. “Quaisquer que tenham sido as formulações do Sócrates
‘histórico’, a ‘essência’ de sua identificação da virtude com o
conhecimento, como um princípio em oposição aos sofistas, só faz
sentido se as distorções do tempo tiverem que ser corrigidas pelo amor
pela medida que está fora do tempo”. Sócrates e Platão começaram a
trabalhar restaurando e elaborando os problemas da ordem. Physis,
natureza, não era sua luz, mas nomos, a lei divina.

David Grene, em Man in his Pride, chama Platão de “o homem na


tempestade de poeira”. Ele faz alusão a uma passagem da República;
Sócrates está falando do filósofo em uma era decadente e violenta:

Ele é como alguém que, na tempestade de poeira e granizo que o vento


sopra, se retira sob o abrigo de um muro; e vendo o resto da humanidade
cheio de maldade, ele está contente, se apenas ele, pode viver sua própria
vida e ser puro do mal ou da injustiça, e partir em paz e boa vontade, com
brilhantes esperanças. (Tradução de Jowett)

No entanto, Platão, como Sócrates, não ficou para sempre no abrigo de


um muro. Suas expedições a Siracusa são apenas os exemplos mais
evidentes de seu esforço para regenerar a civilização grega por uma
reforma ao mesmo tempo interna e externa. Sócrates morreu por falar a
verdade; Platão chegou perto de morrer como seu professor. Quando a
glória da Grécia desmoronou nas pedreiras de Siracusa, Platão aspirava
severamente a erguer essa glória novamente, mesmo com Siracusa como
centro. Nesse esforço existencial, ele falhou; mas em seu esforço
transcendente — sua ereção dos símbolos de transcendência, com Deus
como medida — ele triunfou; e todos os seus detratores, antigos ou
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modernos, não desfizeram totalmente sua obra. Seu salto no ser ocorreu
em uma sociedade profundamente corrupta; sua ciência da ordem foi
pregada no meio da desordem existencial. A restauração da ordem da
alma não pode ser separada da restauração da ordem do corpo político,
Platão sabia, pois, mesmo o filósofo pode ser corrompido pela
degeneração de sua época; e o degenerado comum acha quase
impossível manter a ordem de sua alma se ele mora em uma comunidade
corrupta. “A sociedade pode destruir a alma de um homem”, escreve o Sr.
Voegelin, “porque a desordem da sociedade é uma doença na psique de
seus membros. Os problemas que o filósofo experimenta em sua própria
alma são os problemas da psique da sociedade circundante que o
pressionam. E o diagnóstico de saúde e doença na alma é, portanto, ao
mesmo tempo um diagnóstico de ordem e desordem na sociedade. No
nível dos símbolos conceituais, Platão expressa sua visão através do
princípio de que a sociedade é o homem escrito em letras maiores”.

Platão < http://contraosacademicos.com.br/lista-de-leitura-ordenada-


platao/> não era um “idealista”, no sentido de que ele tivesse alguma
idéia de forçar em um mundo relutante algum trauma social de sua
criação. Sua República < http://contraosacademicos.com.br/lista-de-
leitura-ordenada-platao/> é um paradigma da alma individual em
harmonia, não um esquema a ser dado de fato pelo direito positivo;
Sócrates diz que a República < http://contraosacademicos.com.br/lista-de-
leitura-ordenada-platao/> , na medida em que pode ser adaptada ao
mundo, sabemos, pode – de fato, deve – ser modificada. A República <
http://contraosacademicos.com.br/lista-de-leitura-ordenada-platao/> é um
zetema, uma investigação sobre a natureza real da harmonia espiritual
e social. Como escreve o Sr. Voegelin, “deve ficar claro que a investigação
se preocupa com a realidade da ordem na alma e na sociedade, não com
‘ideais’” Platão era um inimigo inveterado da doxa — isto é, das opiniões
sociais ilusórias, que tentam forçar a realidade a um padrão que não tem

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nenhuma sanção na natureza das coisas. Nós, modernos, vivemos em uma


Babel política: Dentro de algumas gerações, o Platão do ‘estado ideal’ foi
transformado em um ‘ideólogo político’. Essa transformação
surpreendente será inteligível se a virmos à luz da própria análise de
Platão da corrupção social. A geração que atribuiu a Platão a criação de
um “estado ideal” não teve más intenções. Os ideais eram bastante
respeitáveis na época, e atribuí-los a Platão era um elogio. Mas mesmo
naquela época o mal estava à espreita, pois, na linguagem comum, um
idealista era uma pessoa impraticável que se entregava às suas avaliações
subjetivas em oposição à realidade; e a conotação da subjetividade no
‘ideal’ minou a objetividade da investigação de Platão sobre a natureza da
realidade. ” Assim, o crítico moderno apaixonado e confuso — Karl
Popper, em A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos <
https://amzn.to/2X7cpW3> , é talvez o exemplo mais tolo disso – atribui
precisamente a Platão a doxa entretida pelos sofistas adversários dele.
Talvez isso não seja surpreendente: afinal, o júri ateniense fez exatamente
isso no julgamento de Sócrates. Mas os jurados atenienses não se
estabeleceram como professores de sociologia.

A análise precisa do Sr. Voegelin de todos os diálogos platônicos


importantes, a parte mais valiosa desses dois volumes, não pode ser
examinada aqui. É suficiente citar suas observações finais, que servem
para resumir tanto o propósito de seu próprio estudo quanto a conquista
de Platão. “A verdade não é um conjunto de proposições sobre um
objeto imanente ao mundo; é o summum bonum transcendente ao
mundo, experimentado como uma força orientadora na alma, sobre a
qual podemos falar apenas em símbolos analógicos… Quando o filósofo
explora a ordem espiritual da alma, ele explora um campo de experiências
que só podem ser descritas apropriadamente na linguagem dos símbolos
que expressam o movimento da alma em direção à realidade
transcendental e a inundação da alma pela transcendência. No limite da

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transcendência, a linguagem da antropologia filosófica deve se tornar a


linguagem da simbolização religiosa”. Esse foi o esforço e o método de
Platão. Foi o erro — talvez até a malícia — de Aristóteles tratar as ideias
de Platão, em parte, como se fossem dados imanentes ao mundo. Mas em
um tempo que exige com mais urgência a restauração da teoria e do
vocabulário da ordem — ordem na alma e ordem na sociedade — não
podemos nos dar ao luxo de confundir e deturpar o fim e o método de
Platão em prol de uma disputa acadêmica

A imanentização parcial das ideias platônicas por Aristóteles resultou em


um “estreitamento intelectual… A via negativa mística pela qual a alma
ascende à visão da ideia no Banquete é alinhada à ascensão em direção às
virtudes dianoéticas e aos bios theoretikos”. Quando os símbolos são
tratados como se fossem objetos da experiência sensorial, a ordem está
em perigo iminente. “Quando a ideia cristã de perfeição sobrenatural
através da Graça na morte foi imanentizada para se tornar a ideia de
perfeição da humanidade na história através da ação em massa individual
e coletiva, a base foi lançada para os credos em massa da Gnose
moderna”.

O salto no ser dos filósofos helênicos foi um grande passo em direção à


apreensão da ordem; mas, diferentemente do mosaico e do salto
profético no ser, não separou a ordem da história do mito cosmológico.
Ambos Israel e na Hélade deveriam esperar alguns séculos pelo próximo
grande salto na consciência humana da alma e na ordem que a alma dita.
Eles deviam esperar a verdade da perfeição através da graça na morte,
ideia que Sócrates prenunciou, mas não expressou completamente.

Os filodoxos ainda estão conosco, e seu nome é legião; mas nossos


filósofos são poucos. Mesmo entre os professores de filosofia, há poucos
que entenderão Eric Voegelin < http://contraosacademicos.com.br/lista-
de-leitura-ordenada-eric-voegelin/> e menos ainda que simpatizarão: a
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maioria deles também são filodoxos. Habitamos o desordenado mundo


da loucura metafísica que os séculos IV e V conheciam: e para nós, como
para os gregos, a desordem espiritual provoca desordem política. No
entanto, Ordem e História < http://contraosacademicos.com.br/lista-de-
leitura-ordenada-eric-voegelin/> restaurarão para algumas mentes
modernas uma compreensão da transcendência. E alguns poucos podem
se manifestar, como Sócrates e Platão, nos dentes da tempestade de
poeira

Há pouco tempo, ouvi um debate entre o Sr. Isidore Rabi <


https://pt.wikipedia.org/wiki/Isidor_Isaac_Rabi> , o físico, e o Sr. Peter
Viereck < https://en.wikipedia.org/wiki/Peter_Viereck> , o poeta. Rabi era
totalmente a favor da ciência — isto é, das ciências físicas — que ele
considerava o todo e o fim de todos os esforços humanos. Protágoras
teria sido humano demais para o gosto do Sr. Rabi. Um azedo desprezo
pelo aprendizado educado espreitava as frases de Rabi; e, além disso, uma
amarga antipatia pelo próprio conceito de verdade transcendente. Ele
parecia muito com um daqueles sofistas — inteligentes, instruídos, com
muito ego em seu cosmos — de que Sócrates troçava. Rabi é um filodoxo:
pois os filodoxos podem ser homens muito capazes e eruditos.

O Sr. Viereck, por sua vez, era totalmente a favor do desajuste. É preciso
ser diferente pelo bem da diferença e sempre rebelde pelo bem da não
conformidade. Ele parecia ter alguns preconceitos em favor da “tradição
judaico-cristã” e da arte, e da auto-expressão em versos; mas essas
normas eram muito confusas.

Para o Sr. Rabi, a ciência física era a medida de todas as coisas — mesmo
um consolo na morte, fomos deixados a supor. Para Viereck, a
personalidade desafiadora era a medida de todas as coisas — a Margem
Esquerda, com um verniz educado das opiniões dos conservadores.
Nenhum dos oradores prestou atenção à noção de que Deus é a medida
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de todas as coisas: por tudo o que foi dito, o nomos poderia ter sido uma
ilusão tão completamente explodida quanto a Pedra Filosofal. Embora o
discurso deles devesse se preocupar com tais assuntos, a ordem correta
da alma e a ordem correta da sociedade nunca entraram em disputa.
Antes que possamos começar a curar a sutil doença de nosso tempo,
alguém deve começar a fazer perguntas socráticas. O Sr. Voegelin dá a
essas perguntas eternas um novo significado.

Traduzido por Vitor Matias e Jade A.

[1] “From Cephalus to Trasimachus”

[2] Aqui Kirk apresenta o termo com inicial maiúscula, o que indica que
provavelmente quis se referir à ideia de “Utopia” como cidade (seja a
distorção que se faz da República platônica, seja a cidade da posterior
obra homônima de Thomas More).

[3] “[…] establish harmony within his soul.”

[4] A “fábula do idiota” pode ser definida como uma descrição que não
possui uma narrativa organizada.

[5] Aos Romanos VII, 9 (Tradução do Pe. Matos Soares, que é também de
acordo com a Vulgata)

[6] Isto é, Xenofonte.

[7] “[…] never to live after but in dreams.”

[8] “Merely.”

[9] “Only an audience capable at least of appreciating heroic action, if not


of participating in it, could understand and support the tragic drama-and

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by Aristotle’s time, that audience was gone.”

[10] A tradução mais adequada para “sophistry” e “sofisma”.

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