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Revista Capriccho - Simpo2020 PDF

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Revista Capricho e o “Ser Adolescente” no Brasil

Marcos de Araújo Oliveira


Introdução
As revistas femininas durante muito tempo se constituíram como principal
produto da difusão de padrões e comportamentos de feminilidade, instruindo
mulheres das mais diversas maneiras a como agirem, pensarem e a
tornaram-se “belas e inteligentes”. Ainda que em muitos casos, o conteúdo
dessas revistas atendessem as necessidades do patriarcado para a
manutenção de um comportamento feminino que não quebrasse o sistema
de dominação masculina, incentivando uma “pureza” e “ternura” feminina,
nota-se que estas revistas também representaram um avanço no modo
dessas mulheres conectarem-se com assuntos da sua realidade e de terem
um veículo de comunicação com o qual pudessem se identificar.
A Revista Capricho é uma das mais importantes nesse segmento; ela surge
em 1952 e se consolida ao longo dos anos através da produção de conteúdo
para o público adolescente, lida por jovens entre 12 e 19 anos. A Capricho foi
essencial para a construção de padrões sobre o “ser jovem” no Brasil, criando
ídolos adolescentes e convenções de comportamentos próprios ao público
“Teen”. Durante muito tempo foi comum ver em suas manchetes, matérias
ligadas a namoro, beleza, moda e questões comuns da adolescência, muitas
vezes com modelos que estampavam as capas dentro das esferas
hegemônicos de beleza tidas como padrão (louro, branco, magro, etc).
Entretanto com o advento da informática e redes sociais no novo milênio, a
Capricho passou a ser inteiramente digital em 2015 e revolucionou suas
temáticas abordadas, debatendo assuntos como feminismo, empoderamento,
negritude entre outras pautas.
Sabendo-se assim da importância das revistas, jornais e outros periódicos
para o estudo da história, as várias publicações da revista Capricho, seja em
sua versão impressa e até as da nova era digital, tornam-se uma fonte para
a compreensão das mudanças e anseios da juventude ao longo dos anos.
Apresentado novas formas de ser adolescente e ídolos juvenis que vão
ganhando força, tendo em vista a importância dessas publicações enquanto
testemunhos da história. Atualmente a marca multimídia Capricho ainda
possui grande impacto na formação de jovens, pois além da escola e da
família, a mídia tem um poder de educação enorme, e o estudo das capas da
capricho e matérias digitais contribui na análise do historiador ao nos apontar
esses novos comportamentos difundidos entre os jovens, como forma de se
entender transformações sociais, culturais e de gênero.
O surgimento das revistas femininas e a importância dos periódicos
para a pesquisa em história
O sistema de desigualdades dos gêneros no Brasil desde a sua colonização,
constantemente condicionou as mulheres a posições na maioria das vezes
inferiores à dos homens, sendo assim, a educação feminina nunca foi uma
preocupação prioritária no Brasil Colônia. Porém, esta realidade muda um
pouco mais no século XIX, conforme aponta Mary Del Priore (2010), através
do surgimento de escolas para meninas da elite, onde aprendiam a ler,
escrever e contar.

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Del Priore (2010) esclarece que logo, um público de leitoras se formaria no
Brasil e os folhetins romance ganhariam grande destaque, sendo lidas
massivamente por mulheres ao mesmo tempo em que a educação em escolas
e internatos femininos vai ganhando força na segunda metade do século XIX.
Mas o público feminino não se contentaria apenas em ficar na leitura e partiria
também para a escrita. Mary Del Priore (2010, p. 169) defende então:

“A fundação de “O Jornal das Senhoras” em 1852, em muito pode ter


colaborado para a leitura de informações úteis e editoriais em torno de outros
assuntos que começavam a despertar a atenção das mulheres. Atenção, mas
também, ação. Muitas, já letradas ou formadas por Escolas Normais, iam
participar diretamente da vida do país, colaborando ou escrevendo na
imprensa[...]Entre os finais do século XIX e as primeiras décadas do século
XX multiplicam-se escritoras e textos de autoria feminina”.

Este fenômeno de escrita feminina se comprova nas mais variadas produções


como nos segmentos de romantismo adolescente, poesias, textos
sentimentais, instruções escolares, etc, marcados pelo estilo feminino
marcavam as páginas de jornais dirigidos por mulheres. É nesta expansão de
jornais e revistas dedicadas as mulheres com textos escritos “por elas e para
elas” que o consumo de revistas femininas fica ainda mais forte no Brasil:

“O Rio de Janeiro, a partir de meados do século XIX, assistiu também ao


surgimento de uma infinidade de jornais e revistas dedicados à mulher e a
família. Este tipo de imprensa, dividiu com a leitura de romances e folhetins
a esfera privada e íntima na qual a maior parte do público feminino. Alguns
desses periódicos tentaram estabelecer um diálogo com as leitoras, abrindo
suas colunas à participação destas. É o caso de “Iracema”, periódico literário
e recreativo dedicado ao belo sexo e publicado a partir de 1902 (DEL PRIORE,
2010, p. 170)”.

De acordo com Guimarães (2017) na consolidação da imprensa feminina,


pode-se perceber características comuns em todas essas publicações — da
elite à popular, pois seu texto traz uma intimidade e uma relação de amizade
com o público. Ele diferentemente da imprensa tradicional, dirige-se
diretamente a leitora, utilizando o pronome você, em um tom coloquial. Além
disso são abordados temas como variedades, pautas culturais,
autoconhecimento, entre outros. Segundo a autora, a partir de 1950, as
publicações de revistas femininas tornam-se cada vez mais massivas.
Atendendo a uma lógica industrial (a de gerar lucros) e buscando comunicar-
se cada vez mais com seu público.

Nas páginas dessas revistas são representados os assuntos mais diversos em


relação ao universo feminino, sendo por isso que essas publicações são
verdadeiras fontes aos historiadores que desejam analisar os
comportamentos, o imaginário, a moda, padrões de beleza ou aspectos
culturais de determinado grupo que o produz ou o compõe:

“O pesquisador dos jornais e revistas trabalha com o que se tornou notícia, o


que por si só já abarca um espectro de questões, pois será preciso dar conta
das motivações que levaram à decisão de dar publicidade a alguma coisa.
Entretanto, ter sido publicado implica atentar para o destaque conferido ao

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acontecimento, assim como para o local em que se deu a publicação [...] Em
síntese, os discursos adquirem significados de muitas formas, inclusive pelos
procedimentos tipográficos e de ilustração que os cercam. A ênfase em certos
temas, a linguagem e a natureza do conteúdo tampouco se dissociam do
público que o jornal ou revista pretende atingir” (LUCA, 2010, p. 40)

Luca (2010) argumenta que o historiador que pretende trabalhar com


publicações como essa deva analisar também que o sumário que se
apresenta ao leitor resulta de "intensa atividade de bastidores", cabendo ao
pesquisador recorrer a outras fontes de informação para dar conta do
processo que envolveu a organização, o lançamento e a manutenção do
periódico. No caso da análise de uma revista como a Capricho, é preciso se
levar em consideração os aspectos sociais relacionados ao conteúdo que se é
abordado, pois em um caso de uma matéria sobre auto estima e amor
próprio, é possível apontar que estas pautas procuram estar em
conformidade aos novos discursos feministas que encorajam a autoaceitação.

Dessa forma, Luca (2010) defende que a utilização da imprensa não deve se
limitar a extrair um ou outro texto isolados, por mais representativos que
sejam, mas procurar elaborar uma análise circunstanciada do seu lugar de
inserção e tecer uma abordagem que faz dos impressos, a um só tempo,
fonte e objeto de pesquisa historiográfica, rigorosamente inseridos em uma
crítica competente.

A Revista Capricho: do auge no mercado editorial à criação de novos


padrões de comportamento

A Capricho foi a primeira revista feminina da editora Abril, tendo sido lançada
no dia 18 de junho de 1952, iniciando o seu pioneirismo através da publicação
de fotonovelas. Porém com o passar dos anos, o conteúdo da revista foi se
diversificando e a capricho deixou de publicar fotonovelas para debater outras
temáticas ligadas ao universo feminino. De acordo com Silva (2016) a
publicação adquiriu um rosto mais jovem quando em 1982 deixou de lado a
publicação das fotonovelas e assumiu o slogan novo “A revista da gatinha”
para assim alcançar o público feminino mais jovem.

Entre as várias reformulações que vão acontecendo nos anos 80, a Capricho
deixa de ser “a revista da gatinha”, mas continua aumentando o seu alcance
para um público feminino ainda maior, atingindo até mesmo jovens da classe
C. Na década de 90, a Capricho esta consolidada como uma das maiores
revistas para adolescentes no Brasil, levando em suas páginas os mais
diversos temas como sexualidade, beleza, saúde, família, futuro profissional,
etc. De acordo com Silva (2016, p. ):

“Todas as mudanças foram para se enquadrar no período juvenil de cada


geração [...]É nessa adolescência, nesse campo rico em novidades e
descobertas que está o público da Capricho. A busca pela aceitação,
construção de uma identidade o conhecimento do que é socialmente
considerado certo ou errado, o enquadramento social são alguns dos assuntos
abordados pela revista que podem ser levados em consideração para o seu
sucesso”.

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É possível apontar então que a Capricho se tornou um verdadeiro “manual de
vida” para a jovem brasileira, oferecendo as orientações necessárias para se
tornar uma garota bem resolvida e “descolada”. Tendo em vista isso, a revista
torna-se uma fonte para o entendimento da pedagogia operante sobre o
gênero feminino. Como defende Louro (2008, p. 18):

“A construção dos gêneros e das sexualidades dá-se através de inúmeras


aprendizagens e práticas, insinua-se nas mais distintas situações, é
empreendida de modo explícito ou dissimulado por um conjunto inesgotável
de instâncias sociais e culturais [...] Mas como esquecer, especialmente na
contemporaneidade, a sedução e o impacto da mídia, das novelas e da
publicidade, das revistas e da internet, dos sites de relacionamento e dos
blogs? [...] As proposições e os contornos delineados por essas múltiplas
instâncias nem sempre são coerentes ou igualmente autorizados, mas estão,
inegavelmente, espalhados por toda a parte e acabam por constituir-se como
potentes pedagogias culturais”.

Louro (2008) explica que estes mecanismos da mídia tem um papel de


extrema influência na instrução para a adequação nos padrões de gênero e
sexualidade. Para a historiadora, conselhos e palavras de ordem interpelam-
nos constantemente, ensinando sobre saúde, comportamento, religião,
amor; dizem-nos o que preferir e o que recusar, ajudam-nos a produzir
nossos corpos e estilos, nossos modos de ser e de viver.

Mediante essa justificativa podemos analisar por meio de diferentes edições


da revista Capricho, como essas transformações de mudanças de
comportamento e do processo de emancipação do gênero feminino foi
acontecendo ao longo da história.

Capricho Ed. 811 – 1999 Capricho Ed. 846 – 2000

Através das manchetes expostas nas capas de revista com a cantora Sandy,
podemos constatar uma mudança feminina, pois na edição de 1999, a cantora
nos seus 16 anos estampa a capa em uma pose mais tímida, com roupas que
cobrem todo o seu corpo e afirmando nunca ter beijado; algo muito bem visto
nos padrões hegemônicos de que a mulher deve ser adorável, meiga e
contida. Entretanto, no ano 2000, Sandy estrela mais uma capa da capricho,

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só que dessa vez sua pose é de uma garota que mostra ser forte e decidida,
com uma blusa mais curta e revelando que não gosta do rótulo de coitadinha
e da visão que muitos tem dela de ser ‘a santa”, em alusão ao seu bom
comportamento e doçura.

Vemos nessas capas, claramente uma transformação nos novos modos de


ser mulher e de comporta-se como tal, pois Sandy expressa a mulher que
antes atendia as convenções culturais do que se espera do gênero feminino,
porém ela não deseja que estes estereótipos sejam cristalizados acerca de
sua figura. Podemos apontar que esse novo posicionamento se reflete dentro
de um contexto da “Terceira onda feminismo”, fortalecida entre os anos 90 e
2000, que prega ainda mais a liberdade da mulher das correntes de opressão
e submissão. Porém vale destacar aqui, que o feminismo sempre pregou pela
autonomia da mulher, pois independente da mesma comporta-se como
“santa” ou não, cabe a ela decidir agir como quiser:

“Transformações são inerentes à história e à cultura, mas, nos últimos


tempos, elas parecem ter se tornado mais visíveis ou ter se acelerado.
Proliferaram vozes e verdades. Novos saberes, novas técnicas, novos
comportamentos, novas formas de relacionamento e novos estilos de vida
foram postos em ação e tornaram evidente uma diversidade cultural que não
parecia existir” (LOURO, 2008, p. 19).

Portanto, é possível apontar que a revista Capricho desde as suas primeiras


reformulações na década de 80, até sua consolidação nos anos 90, procurou
estar integrada com o modo de “Ser Jovem” no Brasil, tentando representar
através de suas páginas a realidade desses adolescentes (ainda que em
muitos casos faltasse representatividade para jovens da minoria, como gays,
pobres e pessoas periféricas). Ainda assim, a revista se constitui como fonte
histórica expressiva para o entendimento da formação dessa juventude.

Considerações Finais

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Referências:

Marcos de Araújo Oliveira é graduado em Licenciatura em História na


Universidade de Pernambuco – UPE (Campus Petrolina).

BARROS, José D’Assunção. Cinema e história – considerações sobre os usos


historiográficos das fontes fílmicas. Comunicação & Sociedade. Ano 32, n. 55,
p. 175-202, jan./jun. 2011.
CALEGARI, Lizandro Carlos. Cinema e Resistência: a ditadura militar
brasileira em Zuzu Angel, de Sérgio Rezende. MARGENS - Revista
Interdisciplinar. Vol.9, n. 13, p. 114-129. Dez 2015.
DUARTE, Ana Paula Moreira Pinto. “AS VIDAS DE ZUZU”: As memórias
construídas sobre Zuzu Angel nos jornais Folha de São Paulo e O Globo (1985-
1998). 2018. 216 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade de
Brasília. Brasília, 2018.
STEFFEN, Lauren. Zuzu Angel, o filme. Revista Anagrama. Ano 5, Edição 4,
Junho-Agosto, 2012. Disponível em:
http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/anagrama
/article/view/8024/7404b Acesso em: 20 nov. 2019.
VIERA, Maria Vitória Martins. Zuzu Angel: Antígona Moderna e Inspiradora.
Achiote.com – Revista Eletrônica de Moda. Belo Horizonte. Vol.5, nº1, p. 16
-32, jan./jul. 2017. Disponível em:
http://www.fumec.br/revistas/achiote/article/view/5268. Acesso em: 20
nov. 2019.

ZUZU Angel. [Filme]. Brasil/2006. Direção: Sérgio Resende. Duração: 108


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