Nothing Special   »   [go: up one dir, main page]

O Poder Discricionário Da Administração

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 6

O poder discricionário da Administração Pública

A Administração está subordinada à lei nos termos do princípio da legalidade. Mas a lei
não regula sempre do mesmo modo os atos a praticar pela Administração Pública: umas
vezes concretiza tudo até ao pormenor, outras vezes não o faz, e prefere habilitar a
Administração a determinar ela própria as escolhas a fazer. Ou seja, a regulamentação legal
da atividade administrativa umas vezes é vinculada, outras vezes é discricionária. Assim,
por um lado temos os atos vinculados, como será exemplo o “ato tributário” e por outro
actos discricionários. Existem, assim, estas duas formas típicas pelas quais a lei modela a
atividade da Administração Pública. O Prof. Freitas do Amaral considera correto dizer
que o poder é vinculado quando a lei não remete para o critério do respetivo titular a
escolha da solução concreta mais adequada e será discricionário quando o seu exercício fica
entregue ao critério do respetivo titular, que pode e deve escolher a solução a adotar em
cada caso como mais ajustada à realização do interesse público protegido pela norma que
o confere. De uma forma mais simplificada, os atos são vinculados quando praticados
pela Administração no exercício de poderes vinculados, e que
são discricionários quando praticados no exercício de poderes discricionários. Não
existem, contudo, atos totalmente vinculados, nem atos totalmente discricionários. Os atos
administrativos são sempre o resultado de uma mistura variada em doses variadas, entre o
exercício de poderes vinculados e o exercício de poderes discricionários. Ou seja, quase
todos os atos administrativos são simultaneamente vinculados e discricionários. Assim,
quando na linguagem corrente se fala em atos vinculados, está-se no fundo a pensar
em atos predominantemente vinculados (ou então está-se a pensar nos aspetos em que
tais atos são vinculados); e quando se fala em atos discricionários, está-se no fundo a
pensar em atos predominantemente discricionários (ou então está-se a pensar nos
aspetos em que tais atos são discricionários).

Para haver discricionariedade é necessário que a lei atribua à Administração o poder de


escolha entre várias alternativas diferentes de decisão, quer o campo da escolha seja apenas
entre duas decisões opostas (v.g., conceder ou não uma autorização) seja entre várias
decisões à escolha numa relação disjuntiva (v.g., nomeação de um funcionário para um
determinado posto de entre uma lista normativa de cinco). Chegados a este ponto, a
doutrina cumpriu averiguar se esta se trata de uma escolha livre. O Prof. Freitas do
Amaral entende que, efetivamente, a escolha a tomar não está apenas condicionada pela
competência do órgão decisório e pelo fim legal. A realidade dos nossos dias demonstra,
antes, que tal escolha é ainda e sobretudo condicionada e orientada por ditames que fluem
dos princípios e regras gerais que vinculam a Administração Pública (designadamente,
igualdade, proporcionalidade e imparcialidade), estando assim o órgão
administrativo obrigado a encontrar a melhor solução para o interesse público;
demonstra, noutros termos, que o poder discricionário não é um poder livre, dentro dos
limites da lei, mas um poder jurídico delimitado pela lei. .
Viera de Andrade, na esteira de Rogério Soares: “a discricionariedade não é
uma liberdade (…), mas sim uma competência, uma que melhor sirva o interesse público
que a lei determinou e buscar-se-á a melhor solução do ponto de vista do mesmo. Claro é
que, como acentua “… a melhor solução do ponto de vista do agente não é
necessariamente uma única decisão possível deduzível em abstrato da lei: sempre há de
ficar para a Administração uma margem de apreciação e de decisão, sob pena de se negar
o poder discricionário. Para aquele concreto órgão ou agente que tiver de decidir, só há,
em cada momento, uma solução ótima. Nada disto exclui o caráter jurídico da
discricionariedade, sendo aliás hoje claro que a execução das leis (seja pelo funcionário
administrativo, seja pelo juiz) envolve uma certa “criação” por parte do aplicador na
definição da regra de decisão do caso concreto. Em suma na discricionariedade, a lei não
dá ao órgão administrativo competente liberdade para escolher qualquer solução que
respeite a competência e o fim legal, antes o obrigando a procurar a melhor solução que
satisfaça o interesse público de acordo com os princípios jurídicos que condicionam ou
orientam a sua atuação. Não se trata de uma liberdade, mas sim de um poder-dever
jurídico (confirmada esta ideia, por exemplo, pelo art. 71.º, n.º 2 e 95.º, n.º 5 do
CPTA). O Prof. Vasco Pereira da Silva, bem assim, segue na mesma linha de
pensamento, entendendo, contudo, ser erróneo falar-se em liberdade, devendo-se antes
falar em margem de manobra da Administração. Para o Prof. não existe uma liberdade da
Administração, porquanto todas as possíveis escolhas estarão previamente fixadas pela lei
(por exemplo, no caso de a Administração ter de averiguar da atribuição da nacionalidade
portuguesa ou não a determinado cidadão estrangeiro, pode ou não atribuí-la, mas essas
duas escolhas estão já previstas no texto legal, não havendo uma escolha intermédia
possível mista de atribuir meia nacionalidade).
Há casos em que a lei pode regular todos os aspetos – por exemplo, nos impostos – e
nesses casos a atuação da Administração pública traduz-se na mera aplicação da lei abstrata
ao caso concreto. Na maioria dos casos o legislador reconhece que não lhe é possível prever
antecipadamente todas as circunstâncias em que a Administração vai ter de atuar, nem lhe
é possível consequentemente dispor acerca das melhores soluções para prosseguir o
interesse público. Para além disto o poder discricionário visa, antes de tudo, assegurar o
tratamento equitativo dos casos individuais. Assim, juridicamente, fundamenta-se, afinal,
quer no princípio da separação de poderes na própria conceção de Estado Social de Direito,
enquanto Estado prestador e constitutivo de deveres positivos para a Administração, bem
como os direitos e interesses legítimos para os particulares, conceção essa que pressupõe
uma margem jurídica de autonomia decisória.

Inevitavelmente outra questão nos surge nesta temática. Perguntamo-nos se afinal não será,
então, a discricionariedade, uma exceção ao princípio da legalidade. No entender do Prof.
Freitas do Amaral não. Entende que só há poder discricionário quando, e na medida em
que, a lei o confere. Hoje o poder administrativo é um poder derivado da lei, só existindo
quando a lei o confere e na medida em que a lei o configura. Para além de só existir com
fundamento na lei, o poder discricionário só pode ser exercido por aqueles a quem a lei o
atribuir, só pode ser exercido para o fim com que a lei o confere, e deve ser exercido de
acordo com certos princípios jurídicos de atuação. Por último, importa reter que o poder
discricionário é controlável jurisdicionalmente. Há meios jurisdicionais para controlar o
exercício do poder discricionário, suficientemente intensos para se poder falar
num controlo jurisdicional consistente do exercício do poder discricionário. Assim,
o poder discricionário não é uma exceção ao princípio da legalidade, mas sim uma das
formas possíveis de estabelecer a subordinação da Administração à lei. Existem aspetos
que podem ser de discricionariedade como, por exemplo, o momento da prática do ato,
a fundamentação ou não da decisão (cfr. CPA, art. 124.º) a faculdade de apor, ou não,
no ato administrativo, condições, termos, modos, ou outras cláusulas acessórias (cfr.
CPA, art. 149.º), bem como a determinação do respetivo conteúdo. Para o Prof. Freitas
dos Amaral os atos administrativos discricionários praticados pela Administração, ou por
um privado no exercício de poderes públicos, para fins de interesse público definidos por
lei, pertencem sempre à função administrativa. Mas não havendo função administrativa
que não tenha de ter em conta os aspetos económicos, financeiros, técnicos, ambientais, e
tantos outros, que diversas leis impõem que sejam devidamente ponderados na tomada de
qualquer decisão discricionária, toda a discricionariedade usada pela Administração é
necessariamente administrativa mas o seu motivo principal determinante pode ser
técnico, económico, financeiro, ambiental, ou tudo isso combinado de forma a convergir
para uma certa decisão com um certo conteúdo, e não outra. Quanto aos fins políticos, ou
ao significado político, ou às consequências políticas de qualquer ato administrativo, há
muito que não servem para o subtrair ao controlo jurisdicional dos atos administrativos;
mas é óbvio que podem existir.

O poder discricionário está ainda limitado de duas formas: através do estabelecimento


de limites legais (art. 266.º, n.º 1, CRP) e através da chamada autovinculação no
âmbito da discricionariedade que a lei confere à Administração, esta pode exercer os seus
poderes de duas maneiras: Caso a caso ou Com base numa previsão do que poderá vir
a acontecer ou com base numa experiência sedimentada ao longo de vários anos
de exercício dos seus poderes. Em ambos os casos, a ideia correspondente é sempre a
de que a Administração anuncia previamente os critérios de acordo com os quais vai
exercer o seu poder discricionário, satisfazendo, assim, o princípio da igualdade de
tratamento dos particulares.
Em suma, nos casos em que exista poder discricionário, este só poderá ser exercido dentro
dos limites que a lei para ele estabeleça, ou dentro dos limites que a Administração se venha
validamente a impor a si mesma.

Mas como garantir a observância e o respeito por estes limites do poder discricionário?
Através do uso de poderes discricionários que tenham sido exercidos de modo
inconveniente objeto dos controlos de mérito quando os poderes utilizados sejam em parte
vinculados e em parte discricionários o seu exercício ilegal (isto é, contrário à lei, em toda
a medida em que houver vinculação) é suscetível de controlo de legalidade; o seu mau uso
(isto é, inconveniente, em toda a medida em que houver discricionariedade) é suscetível de
controlo de mérito.

E com que fundamento pode ser atacado um ato administrativo discricionário? Segundo
o art. 50.º, n.º 1, do CPTA “a impugnação de um ato administrativo tem por objeto a
anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência desse ato”. Segundo o art. 95.º, n.º
2, do CPTA “nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as
causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato impugnado, assim como
devem identificar a existência de causa de invalidade diversas das que tenham sido
alegadas”. Assim, entende-se hoje que os atos discricionários (e por isso é que são sempre
em certa medida praticados no uso de poderes vinculados), podem ser atacados
contenciosamente com fundamento em qualquer dos vícios do ato administrativo. Assim,
podem ser impugnados com fundamento em incompetência, pois, a competência do órgão
é sempre vinculada, com fundamento em vício de forma, nomeadamente por preterição de
formalidades essenciais que devessem ser observadas antes de tomada a decisão e, em
particular, por falta de fundamentação ou por vícios do procedimento, com fundamento
em violação da lei, designadamente por ofensa de quaisquer limites impostos ao poder
discricionário, por lei ou autovinculação da Administração e, de modo muito especial, por
violação dos princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade, boa fé, justiça e
imparcialidade, com fundamento em quaisquer defeitos da vontade, nomeadamente erro
de facto, que é bastante frequente. Ou seja, não há em rigor controlo jurisdicional do
exercício do poder discricionário, mas sim, por um lado controlo administrativo de mérito
sobre o bom ou mau uso do poder discricionário e por outro lado controlo jurisdicional
de legalidade sobre o acatamento ou não de prescrições legais que condicionam o exercício
de poderes administrativos que, para além desses aspetos vinculados, sejam poderes
discricionários. O “desvio de poder” não é, pois, a única ilegalidade possível no exercício
de poderes discricionários, mas sim, apenas, a ilegalidade típica do exercício de poderes
discricionários fora do seu fim mas há outras. .
Na opinião do Prof. Freitas do Amaral, a única forma ampla e eficaz de criar condições
para um controlo efetivo do exercício do poder discricionário da Administração será o
aumento do número de vinculações legais, isto é, de aspetos vinculados, no exercício de
poderes administrativos.

Bibliografia: FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. II,


3.ª edição, 2016, Almedina, Coimbra, pp. 65-86
No essencial deve haver uma coexistência desses dois interesses: interesse público e
interesse dos particulares. O primeiro só é exercido com dignidade democrática e
constitucional, quando o segundo é respeitado. Eis a essência do Direito Administrativo:
conciliar as exigências desses dois interesses.

Decorre também dessa temática de prossecução de interesse público, o “poder


discricionário da Administração” que nada mais é do que o equilíbrio que esta deve
procurar quando desenvolve as suas actividades. Isso porque a lei quando define o interesse
público, nem sempre pormenoriza a forma dos actos que a Administração prática,
deixando, por vezes, uma grande margem de liberdade de decisão aos órgãos
administrativos de tal modo que lhe permite fazer as suas opções.
Há situações em que a lei vincula totalmente a Administração, não lhe deixando a liberdade
de decisão. Aqui o acto administrativo é um acto vinculado. Por exemplo em matéria de
imposto as leis definem a incidência do imposto, a matéria colectável, a taxa devida
etc.Situações em que a lei deixa tal margem de manobra, aí ela pode fazer opções,
praticando actos discricionários. Eis o que se chama poder discricionário.“Temos, portanto,
num caso actos vinculados, no outro, actos discricionários”. O poder discricionário não é arbitrário,
mas sim “um poder legal, jurídico, regulado e condicionado por lei”.

Você também pode gostar