Pororoca: A Amazônia No MAR
Pororoca: A Amazônia No MAR
Pororoca: A Amazônia No MAR
ISBN 978-85-64022-60-7
(Org.)
a amaznia no mar
a amaznia no mar
a amaznia no mar
Paulo Herkenhoff
(Org.)
CONCEPO E REALIZAO
APOIO
PATROCNIO MASTER
GESTO
REALIZAO
2014
sumrio
11
Carlos Gradim
20
Enricarperder tudo
16
22
27
42
56
58
64
Pierre Restany
Armando Queiroz
A imagem instauradora
Joo de Jesus Paes Loureiro
Octavio Cardoso,
intil paisagem
Paulo Herkenhoff
Sobre a pele...
Cludia Leo
A solido do Sujeito
Paulo Herkenhoff
79
Bernardo Mosqueira
90
107
92
Paulo Herkenhoff
112
108
114
128
130
76
Luz amaznica
142
Paulo Herkenhoff
Walter Firmo
Paulo Herkenhoff
Paulo Herkenhoff
84
70
138
Danielle Fonseca
Oriana Duarte
Abaet de miriti
Armando Queiroz
Judeus na Amaznia
Paulo Herkenhoff
Portflio de luz
Luiz Braga
153
161
164
170
190
256
Ethos
Paulo Herkenhoff
258
Circunstncias
Claudia Andujar
Ben Fonteles
266
Milton Guran
292
327
324
332
335
346
208
296
Ym Nhandehetama
Almires Martins
298
A libido e a cafuza
Paulo Herkenhoff
367
300
Paulo Herkenhoff
305
Nazar do Mocajuba
Alexandre Sequeira
316
Jussara Derenji
320
Paulo Herkenhoff
195
218
246
248
253
254
Paulo Herkenhoff
Armando Queiroz
Adolfo Gomes
352
361
380
383
398
400
404
Quase um sopro
Paulo Herkenhoff
406
Marisa Mokarzel
412
418
Paulo Herkenhoff
424
425
Eroso
Paulo Herkenhoff
427
Sujeitos melanclicos
Paulo Herkenhoff
454
Paulo Herkenhoff
475
Miguel Chikaoka
479
482
Suplemento da
Coleo Pororoca
Paulo Herkenhoff
Dirceu Maus
Cccooo c c c c?
Victor de La Rocque
Autorretrato
Eder Oliveira
Corte seco
Eder Chiodetto
Pistolagem na Amaznia
Violeta Refkalefsky Loureiro
Histrias s margens
Adriano Pedrosa
Aacacho de signos
Joo de Jesus Paes Loureiro
PororocaA Amaznia no m a r
Carlos Gradim
diretor-presidente
do instituto odeonmar
Luciana Magno
Belterra, 2014
Vdeo, looping
Doao da artista
No Museu de Arte do Rio no seria diferente. Por outro lado, a orientao de Herkenhoff tem sido levar o
MAR a assumir uma poltica de apresentao da arte
do Brasil no Rio de Janeiro sob um vis diversificado e indito. So suas histrias transversais. Props
ao MAR a mostra Pernambuco Experimental, dando
prosseguimento a Pernambuco Moderno, que ele realizou em Recife em 2006. Confiou-a a Clarissa Diniz. A
poltica com relao ao Nordeste j se implantou com
as mostras Turvaes Estratigrficas, de Yuri Firmeza,
Tatu: Futebol, Adversidade e Cultura da Caatinga e
Museu do Homem do Nordeste, de Jonathas de Andrade. Com o Centro-Oeste, abriu-se por meio da
exposio e processo de residncias Eu como Voc,
do Grupo EmpreZa. Os grupos experimentais de So
Paulo sero objeto da exposio Zona de Poesia rida
em 2015. PororocaA Amaznia no MAR (2014) e a
mostra de Berna Reale, Vazio de Ns (2013), foram
as primeiras experincias com a cultura do Amazonas. um privilgio para nosso museu que Paulo
Amaznia, a Pororoca
e alguns paradigmas possveis
A Amaznia interroga sobre as possibilidades de que
seu ambiente ecosfico possa propiciar paradigmas
de anlise e inquietao. Um museu que pense o Brasil contemporneo de forma mltipla, e sem centros
de poder institucionalizados sobre a arte, precisa caminhar por vias transversais e compor seus circuitos.
Luiz Braga
10
Paulo Herkenhoff
do fantasma antitransparente. O Brasil que se enxerga atravs dele uma cultura subalterna a um centro
simblico. A totalizao totalitria. A luxria dos
corpos da escultura de Maria Martinsos corpos
em misso potico-antropolgica evoluem do mito
para a fantasmtica do desejo desvelado. Evoluo de
uma espcie amaznica. A subalternidade simblica
da Amaznia em Macunama de Mrio de Andrade,
pois, afinal, como iluses distorcem a realidade, so
absorvidas pela maioria de seus leitores famintos
de brasilidade. Em Ismael Nery, a arte era a superfcie da fantasmtica sobre a qual emergiam imagens
oriundas da profundidade das dobras da alma.
2. O fluxo amaznico da linguagem de Blaise
Cendrars
Muitas das fotografias dos coffee table books so meras interjeies de pasmo diante da grandeza da paisagem e da riqueza simblica da Amaznia urbana, rural
e silvcola. Muitas so para bancos de imagens, dimenso da economia bancria da cultura. Quase sempre,
so tambm interjeies ora da boa alma hegeliana,
ora da explorao do capital simblico representado,
pela cultura material e pelo patrimnio imaterial de
povos indgenas e de segmentos de populao, como
os ribeirinhos, que servem como uma espcie de bom
selvagem e de uma reserva de alteridade. Essas fotografias so quase reaes emotivas fceis, detonadas
na mecnica de apertar o disparador da cmera. O
fluxo amaznico da linguagem de Blaise Cendrars s
tem significado potico quando, em lugar das interjeies, ocorre no plano semntico.
3. Animal symbolicum amaznico
A poltica da memria na Amaznia demanda, contra o esquecimento da violncia, a construo de
histria crtica do animal symbolicum amaznico.2 Invocando a psicologia animal, Ernst Cassirer
reivindica a passagem de uma linguagem emocional,
11
12
espcie de territrio fractalizado por diferenas, imobilidade scio-regional e sistemas de dominao nacionais e intra-amaznicos. Isso nunca seria The Flag,
de Jasper Johns. Talvez seja essa a mais verdadeira
bandeira do Brasil, que v o pas concreto e mltiplo,
que se recusa totalizao totalitria de um Mrio
de Andrade. Ben Fonteles, o artista nascido no Par,
nunca saiu do Brasil, nem Mrio conseguiu no deixar o Brasil, pois visitou a Bolvia.
5. Fenomenologia
Por uma fenomenologia da Amaznia. Qual? A to
evocada diversidade biolgica sobrepe-se omitindo outra, no menos diversaos mltiplos olhares
que se abrem de dentro da floresta ou sobre ela incidem, no intento de atravessar mata cerrada. Portanto,
no h uma fenomenologia da Amaznia, mas modos como a regio se apresenta e apreendida pelo
sujeito. A teoria de Carlos Zlio, Claude Monet e a
Amaznia,3 como provocao s vises essencialistas.
A pintura abstrata de Flavio-Shir com a construo
de fantasmas no gesto e pntanos na matria. O que
a luz em diferenas como Armando Revern, Oswaldo Goeldi e Luiz Braga? As noites de Hlio Melo e
Octavio Cardoso, entre o medo e a cautela em um e o
silncio do outro. Arte subjetividade.
6. Lugar e imensido
Linha do Equador, entre-hemisfrios, entreoceanos,
entremares. O Brasil caribenhocaraba na etimologia do canibal. Como comparar a Amaznia com a
imensido ntima do sujeito? Uma questo que a obra
de Elza Lima parece bordejar. No existe a produo
amaznica nem uma produo amaznicaisso s
possvel operacionalmente. O que ocorre um rizoma de individualidades.
7. A inveno do olhar
Paula Sampaio. [...] lembrei de uma manh dessas
de dia claro em que encontrei Miguel. Na porta da
casa (somos vizinhos), ele olhava firme pra algum lugar que eu no via e me disse: Hoje furei meus olhos.
Como assim?! Com espinhos de tucum, ele falou.
Esperei pela cegueira. Nasceu Hagakure, no dia em
que Miguel Chikaoka furou seus olhos. Instalao/
fotografia/filosofia Pra mais ver e pensar, pra querer ter feito.
8. Visualidade amaznica
Com a visualidade amaznica na dcada de 1980, a
antropologia visual como discurso do artista encontrou na regio uma formulao singular que representou um salto intelectual no modo de articular o
pensamento sobre o visvel. Hoje menos literria.
Ultrapassado o perodo de desenvolvimento conceitual e estabelecimento de alguns paradigmas, tornou-se mais sutil e fenomenolgica. A necessidade de
evitar o cnon que seduz, como modelo fcil, porque
pronto, aos artistas mais jovens.
9. Treme-terra
A msica popular indica que Belm nossa porta
para o Caribe. A Amaznia transnacional. Aquele
universo uma matriz para o Brasil profundo de Emmanuel Nassar.
10. A elasticidade e os territrios nacionais
A supraterritorialidade das etnias sobre as fronteiras
nacionais. Ianommis.
Um projeto de discusso da Amaznia levaria em
conta fatores geopolticos e suas consequncias culturais. Cabe reconhecer que a regio no coincide
com o espao territorial brasileiro. O olhar supera
fronteiras legais. A Amaznia poderia ser uma porta para compromissos maiores do Brasil com o contexto amaznico da Bolvia, do Peru, do Equador, da
Colmbia, da Venezuela e das Guianas. Outra forma
tica de ver a Amaznia pens-la a partir dos territrios e das terras correspondentes aos povos indgenas que a habitam. A Amaznia supranacional
e transtemporal se pensarmos em culturas como os
ianommis. A Amaznia brasileira se restringe diviso do IBGE, ao conceito de Amaznia Legal. Inclui
Maranho, Tocantins, Mato Grosso e outras zonas.
Outra questo excruciante a hiptese de colonialismo interno na prpria Amaznia. preciso no
reproduzir para o interior da regio o que acontece
com o Norte no contexto do Brasil.
11. Portas de modernidades do Brasil: cincia e arte
no Gro-Par setecentista e as miragens do ciclo da
borracha no inferno da seringa.
A modernidade da Amaznia desdobrou-se em ciclos, entremeados por saltos e estagnao: (1) acontecimentos iluministas no Gro-Par; (2) o ciclo da
borracha; (3) o modernismo e (4) as rupturas ps-modernas. So ciclos de consolidao poltica, conhecimento e produo simblica.
O Estado do Gro-Par foi a primeira modernidade: a arquitetura com rasgos neoclssicos de Giuseppe Maria Landi e a cincia de Alexandre Rodrigues
Ferreira pensada a partir de Sistema da Natureza, de
Lineu. Comparado ao resto do Brasil, o Gro-Par
pombalino foi um salto singular de modernidade. Novas pesquisas sobre Landi, como a de Flvio Nassar,
reiteram as bases paraenses da modernidade no Brasil. Desde ento, a luta emancipatria da Cabanagem
ter sido o maior episdio histrico da Amaznia at a
borracha, que Armando Queiroz retoma em sua obra.
O auge do ciclo da borracha (ca. 1879-1912) a segunda modernidade. A nova consolidao territorial
do Brasil incluiu o Acre, ento parte da Bolvia. A Estrada de Ferro Madeira-Mamor construda. A civilizao da borracha cria o segundo museu de cincias
do pas. Sob a direo de Emlio Goeldi, com a Sociedade Filomtica convertida no Museu Paraense, o evolucionismo orienta os estudos da Amaznia. Ele no
era propriamente darwiniano, mas seguia a viso evolucionista de Ernst Haeckel, que se correspondia com
Darwin, como aponta Nelson Sanjad. Essa modernidade expande o sentido de cultura. Por que temos de
tratar a pintura como base do modernismo brasileiro?
Por que no o urbanismo, como o de Belm?
A fotografia de Albert Frisch chega ao Alto Amazonas em 1865. O Teatro da Paz (1878) e o Teatro
Amazonas (1896) no tinham rival no pas na poca.
As reformas urbansticas pensavam Belm como Paris sob Haussmann. No Brasil, s o Rio adota o art
nouveau ou modern style com a intensidade de Belm. Cabe comparar os antecedentes do moderno no
Par e no Amazonas ao modernismo sulista e romper
com a vassalagem geopoltica paulista, sobretudo
da USP. L se degrada o processo brasileiro para conferir a So Paulo o lugar de centro determinante do
modernismo. Dada historiografia paraense tem sido
servil a tal modelo. s vezes preciso esquecer a Semana de Arte Modernaafinal, ela no foi capaz de
incluir o paraense Ismael Nery. Desde os anos 1980, o
livro de Clia Bassalo sobre o art nouveau em Belm
propunha a ruptura dessa opacidade. Jussara Derenji
tambm avanou o debate. A arquitetura de ferro em
Belm outro signo de modernidade, a rocinha o
13
modelo arquitetnico amaznico que incorpora conforto ambiental a padres teis e estticos.
O terceiro ciclo indaga o que foi o modernismo na
Amaznia. A tese Eternos modernos: uma histria
social da arte e da literatura na Amaznia, 19081929, de Aldrin Moura de Figueiredo, confronta
o real e a vassalagem universitria. A tese, feita na
Unicamp, comprova que a ruptura do modelo no
ocorrer nas universidades da cidade de So Paulo,
onde o interesse em consolidar a presente hegemonia paulistana se sobrepe a todo questionamento.
Campinas a alternativa. A exposio Pernambuco
Moderno foi minha ocasio para demonstrar a existncia de modernidade e vanguarda pernambucanas
que antecipavam e sustentavam o eixo Rio-So Paulo
ou diferiam da viso de Mrio de Andrade. Assim,
trabalhei com o meio acadmico pernambucano e
publiquei no Journal of Decorative Arts (1994) ensaio
sobre a imagem da selva e o padro marajoara no
modernismo brasileiro.
12. Violncia
A violentao da violncia uma prtica da arte na
Amaznia (Roberto Evangelista, Cildo Meireles, Emmanuel Nassar, Ben Fonteles, Miguel Rio Branco,
Sebastio Salgado, Ary Souza, Alberto Bitar, Arthur
Leandro, Armando Queiroz, Berna Reale, Eder Oliveira, Victor de la Rocque) [como em Michel Foucault].
13. Gueto
A Amaznia j pde ser vista como o Grande Gueto. Hoje, o capital mercantil do mercado de arte quer
esta parte da produo porque a amazonidade tornou-se fator que agrega valor ao objeto de arte.
A Amaznia se desfolha mltipla. Pens-la como
uma totalidade arrogncia e totalitarismo. A caboquice transtemporal, embora seja dinmica. Tem
ritmo prprio em frico com as rpidas mudanas
no mundo que afetam a vida cotidiana. Contra o
folclorismo e contra a viso urbanoide de elogio da
metrpole. A caboquice, ento, s faria sentido vista como hibridismo vivo e em movimento, que no
se retm nem pode ser retido, mas isso no significa
estar aberta para ser violentada. Que as mudanas sejam para a emancipao coletiva e a realizao subjetiva. Que o caboclo conflua para a universidade, para
os centros de aprendizado tcnico, para as escolas de
arte. Pensemos na populao afro-americana. A gerao do jazz era uma, mas a dos artistas contemporneos outra, com Melvin Edwards, Martin Puryear,
David Hammons, Lorna Simpson, Kara Walker ou
Glenn Ligon, que produzem uma arte que configura dimenses do presente da sociedade americana.
uma relao entre continuidade e descontinuidade
muito interessante. Cabe tambm pensar a sada literria de Milton Hatoum...
13. Selva
Se a Amaznia smbolo de selva, por que se abandonou o conceito capitalismo selvagem a partir da
instalao do neoliberalismo?
14. Verbo
Pensar. Agir. Produzir. Debater. Compartilhar. Preparar-se. Planejar. Fazer trocas. Fazer autocrtica. Preservar. Fazer presso. Reivindicar. Articular. Aliar-se.
Viajar. Voltar. Usar a internet. No compactuar com o
colonizador. Opor-se. Dar nome opresso. Resistir.
No compactuar com o monoplio cultural.
15. Contra a natureza
Aflies natureza: a coivara tradicional e a tapiragem no equilbrio ecolgico entre as sociedades
tradicionais versus a grilagem, o genocdio, o crime
encomendadoo capital vorazem mltiplas formas de vampiragem social.
1 Expresso de Carlos Zlio.
2 Ernst Cassirer introduz a ideia de animal symbolicum em An essay on man. New
Haven: Yale University Press, 1944. p. 26.
3 In: Artes visuais na Amaznia. Belm: Funarte/Semec, 1985.
Armando Queiroz
Midas, 2010
Vdeo, 9'59"
Fundo Armando Queiroz
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