Dinâmica Ambiental e Riscos Do Mercurio
Dinâmica Ambiental e Riscos Do Mercurio
Dinâmica Ambiental e Riscos Do Mercurio
Baiana
Tecnol., v. 1, n. 1, p. 32 a 48, 1993.
RESUMO
Aps anlise das formas naturais de ocorrncia do mercrio, sua dinmica
ambiental e os mais importantes usos antrpicos do metal, so discutidos os
mecanismos de poluio do meio pelo agente e os riscos txicos associados para os
seres vivos, com destaque para populaes humanas.
PALAVRAS-CHAVE
Mercrio; metilmercrio; risco txico.
Ocorrncia do metal
O mercrio ocorre normalmente, em pequenas concentraes, nos vrios
compartimentos da natureza: hidrosfera, litosfera, atmosfera e biosfera.
Comparativamente a outros, o metal um elemento raro, situado em dcimo sexto lugar
no conjunto dos elementos conforme sua abundncia na terra. No sulfeto de mercrio
(HgS), freqentemente como cinbrio vermelho e menos frequentemente como
metacinbrio negro, encontram-se quantidades de mercrio suficientes para extrao
comercial. Em seus minrios ele pode ocorrer em concentraes de at 500 ppb (63). O
cinbrio o minrio de mercrio mais difundido na natureza. Importantes depsitos
localizam-se em Almaden, na Espanha; Monte Amiatra, na Itlia; Idrija, na Iugoslvia,
e, em menores quantidades nos Estados Unidos da Amrica, Canad, Mxico, Brasil,
Peru, China, Japo, Unio Sovitica, Hungria e Alemanha (37,98). Entre os principais
pases produtores de mercrio destacam-se: Espanha, Itlia, Estados Unidos, Japo,
Unio Sovitica e Iugoslvia. Existem minas que h mais de dois mil anos so
exploradas e prosseguem em funcionamento, como a de Almaden, ativa desde 200 a.C.
A lista dos principais minerais que contm mercrio extensa e inclui (41): amlgama
dourada, arquerita, barcenita, bordocita, calomelano, cinbrio, cocinita, coloradoita,
eglestonita, guadalcazarita, hermecita, idrialita, iodergirita, kalgoorlita, kleinita,
kongsbergita, lerbacllita, leviglianita, livingstonita, magnolita, metacinbrio,
montroidita, mosecita, mosquelandsbercita, onofrita, potarita, schwarzita, terlinguaita,
tiemanita, tocornalita. O mercrio est presente em quantidades traos, na forma
natural, em toda a crosta terrestre, na faixa de 50 a 80 ppb (63). Estima-se que pela
desgaseificao natural da crosta terrestre sejam lanadas no ambiente entre 25 000 e
125 000 toneladas anuais. Pela eroso e pela ao da intemprie devem ser lanadas no
mar cerca de 5 000 toneladas anuais e calcula-se que de 4 000 a 5 000 toneladas de
mercrio extrado das minas (praticamente metade da produo de anual, de 9 000
toneladas a nvel de 1978) se perdem no mar, no solo e na atmosfera (77).
A concentrao disponvel do mercrio afetada por vrios fatores, entre eles:
localizao geogrfica, j que 99% dos minrios de mercrio que so extrados situamse em reas que correspondem s zonas mveis, de deslocamento, da terra; temperatura,
porque o mercrio relativamente voltil temperatura ambiente; e diversas condies
de solo, incluindo o pH (63). O aumento da acidez das guas da chuva, decorrente da
poluio da atmosfera, que se tem registrado em certas partes do mundo pode,
concomitantemente, aumentar a lixiviao dos minrios que contm mercrio e outros
metais pesados (63).
Mesmo sendo mais raro do que metais como o urnio e a platina, o mercrio mais
disponvel pois existe em minrios altamente concentrados, 0 que facilita a extrao e o
refinamento (56).
O mercrio obtido do cinbrio atravs de sucessivas etapas. Aps triturao e secagem
o minrio aquecido (500C) na presena de oxignio (ar). O enxofre se oxida a
dixido (SO2), restando os vapores de mercrio metlico que so condensados e
recolhidos (56). O aquecimento pode ser feito com cal, o que implicar na ligao do
enxofre ao clcio, com liberao dos vapores de mercrio metlico. O mercrio quase
sempre purificado por destilao, embora existam outros mtodos.
Ciclo Biogeoqumico
O mercrio, seja por sua presena natural, seja pela poluio de origem antrpica, hoje
um elemento altamente ubquo no ambiente, atingindo os trs principais componentes
da ecosfera: atmosfera, hidrosfera e litosfera. Considera-se a existncia de dois ciclos de
transporte e distribuio do mercrio no ambiente: um global (Fig. 1) e outro local. O
ciclo de alcance global compreende a evaporao do mercrio pela desgaseificao da
crosta terrestre (incluindo reas de terra e de gua como rios e oceanos), a circulao
atmosfrica de seus vapores e sua precipitao com as chuvas, retornando s terras e
guas. Estima-se que pela desgaseificao da crosta terrestre de 25 000 a 150 000
toneladas de mercrio se liberem por ano (41, 75, 77). Embora as fontes antropognicas
de lanamento de mercrio no ambiente tenham alcanado de 8 000 a 10 000 toneladas
Transformao notvel que o mercrio inorgnico pode sofrer, sua alquilao, isto , a
formao do metil ou do dimetilmercrio com as interconverses correspondentes,
etapa de uma importncia primordial quando se necessita avaliar a contaminao local
por mercrio (92). Existem duas vias para a metilao do mercrio: uma anaerbica e
outra aerbica. Na via aerbica o mercrio inorgnico metilado por uma coenzima que
contm um tomo de cobalto, a cobalamina (um anlogo de vitamina B12), produzida
por bactrias metanognicas num ambiente moderadamente redutor (Fig. 4). provvel
que as bactrias que sintetizam metano, pela reduo do CO2, produzam
metilcobalamina como um intermedirio da sntese (64). Considerando-se esta atividade
poderosa dos anaerbicos bentnicos, importante que a poluio por mercrio seja
controlada e que seja melhorada a qualidade geral dos ambientes aquticos, os de gua
salgada e os de gua doce. Quanto menos anaerbico for o sedimento dos corpos
hdricos, menos bactrias metanognicas haver. Nos mares muito poludos, o processo
de limpeza demorado. Em mar aberto a situao pode ser outra. A concentrao de
mercrio a praticamente constante e se origina da decomposio das rochas. Desde
que o fundo ocenico no seja anaerbico, no deve nele ocorrer produo importante
de dimetilmercrio (79). Em condies de anaerobiose tambm facilitada a formao
do sulfeto de mercrio que, por ser insolvel em meios anaerbicos, no fica disponvel
metilao. Por outro lado, em meio aerbico ele reage com o oxignio formando
sulfatos e sulfitos e Hg2+ solvel. Na via aerbica o mercrio que est unido
homocisteina metilado por processos celulares que normalmente formam a metionina
(92). Neste caso o complexo homocisteina-Hg se metila ''por erro" e esta via acontece
em muitas bactrias e microorganismos (Fig. 4). As camadas superiores do sedimento,
bem como as partculas em suspenso, podem oferecer condies aerbicas e
anaerbicas, existindo, ento, ambas as vias para a metilao. As situaes que
favorecerem o crescimento bacteriano produziro uma maior taxa de metilao do
mercrio, j que ampla a capacidade de metilar das bactrias. Compostos de
monometilmercrio presentes no pescado em decomposio mais o mercrio inorgnico
Principais usos
O mercrio encontra um vasto espectro de utilizao. Segundo ALMEIDA (2), "h
cerca de 80 tipos diferentes de indstrias que utilizam o mercrio, no mnimo, de 3 000
maneiras diversas". Na Figura 5 mostrada a partio entre tais usos. Entre as mais
importantes aplicaes do mercrio metlico destacam-se:
. Produo de aparelhos cientficos de preciso, (como termmetros,
esfingomanmetros, barmetros), nos quais se aproveitam as propriedades do mercrio
de se expandir e contrair pela ao da temperatura e a de sofrer compresso e transmitila a outro ponto.
Na indstria eltrica: fabricao de lmpadas a vapor de mercrio, tubos de raios X,
interruptores de corrente, instrumentos de controle industrial, termostatos automticos,
medidores, retificadores, baterias secas (5, 39, 56, 98).
Preparao de amlgamas:
. em odontologia: mercrio + liga de prata estanho (PHILIPS, R. W. Skinner's Science
of Dental Materials. 8th. ed. Philadelphia, London, W. B. Saunders Co. 1982. p. 302-16.
In: COX & ELEY, 19); cobre e Zinco tambm podem ser empregados. O uso do
amlgama para restaurar cries remonta a 150 anos (American Dental Association, In:
FISHER, 38);
na fabricao de acumuladores ferro-nguel;
amlgamas com ouro e prata foram utilizados para fazer dourao e prateao
qumicas. Hoje empregam-se processos eletroliticos;
. pela amalgamao com mercrio separa-se o ouro e a prata de outros materiais. No
caso do garimpo do ouro no Brasil este um procedimento intensamente utilizado;
. amlgama de estanho e mercrio serviu para fabricao de espelhos, o que atualmente
se faz com nitrato de prata.
Processo de moldagem utilizando mercrio congelado.
Confeco de certos tipos de brinquedos.
Separao do litio 6 na bomba de hidrognio (56).
Alguns mecanismos de preciso so colocados em flutuao sobre o mercrio a fim de
se impedir a transmisso de vibraes (5G).
Um dos usos mais importantes do mercrio metlico e que consome a maior parte do
metal produzido (63), constituindo-se numa das mais largas fontes de poluio pelo
agente, na eletrlise para a preparao de cloro e soda. O mercrio comparece como
catodo e estima-se que a indstria de clorolcali lance no ambiente de 200 a 250g Hg
/ tonelada de cloro-soda fabricada (37). A soda assim produzida
pode se contaminar com mercrio e transmitir tal contaminao a certos alimentos
preparados industrialmente. Como principais aplicaes dos derivados inorgnicos do
mercrio mencionam-se:
Concentrao
Referncia
AR
5ng/m3
37
mdia de 20ng/m3
39
(0,5 a 50ng/m3)
3a9n3/m3
GUA
2 A 6 ppb
37
39
76
(rios e lagos)
WALDICHUCK,M. Some
biological concerns in metals
pollution. In. VERNBERG, I.
(eds.) Pollution and physiology
of marine organisms. 1974. In:
HUTAGALUNG, (50)
Solos
Rochas
10 a 60 ppb
37
50 a 80 ppb
62
10 a 90 ppb
37
64
(rochas continentais)
Das fontes artificiais de poluio por mercrio, as fbricas de cloro-lcali que utilizam
clulas eletrolticas base do metal, so, proporcionalmente, a de maior importncia.
Alm do mercrio que normalmente escapa do processo e estar nos efluentes lquidos
destas plantas, j se relatou tambm a sua presena no ar de exausto (99) e, em grandes
quantidades, nos resduos slidos de tais indstrias (73). Demonstrou-se que o mercrio
destes resduos altera o desenvolvimento de algas (73), a base das cadeias alimentares
aquticas, e acumulado por uma erva de gua, a Azolla, fazendo cair o seu
crescimento. Alm de concentr-lo, a Azolla produz uma perda do mercrio do meio,
por transform-lo direta ou indiretamente numa forma voltil (72). O emprego de
combustveis fsseis pode adicionar grandes quantidades de mercrio ao ambiente,
principalmente nas atmosferas dos centros urbanos (77). Esta adio atmosfrica foi
avaliada em 5 000 toneladas/ano (44). Por isso, sempre conveniente conhecer o teor de
mercrio dos combustveis. Por exemplo, o carvo sovitico tem, em mdia, 0,28 ppm;
alguns petrleos californianos tm entre 1,9 e 21 ppm de mercrio. Ento, seria de bom
alvitre se o petrleo a ser queimado, alm de sempre BTE (Baixo Teor de Enxofre) o
fosse tambm "BTM" - Baixo Teor de Mercrio... Tal proposio, por questes
econmicas, parece invivel.
A fabricao de cimento e fosfatos contribui para a contaminao do ar por mercrio
(98). Segundo WREN (102), entre as mais importantes fontes antropognicas atuais de
liberao atmosfrica de mercrio esto a queima de combustveis fsseis e as
atividades de minerao e fundio do metal. Recentemente no Japo, pais duramente
traumatizado pela experincia de Minamata, estabeleceu-se um esforo para a pesquisa
e desenvolvimento de baterias secas livres de mercrio. Isto porque as to intensamente
utilizadas baterias alcalinas de mangans contm mercrio, o qual pode, a partir dai,
contaminar o ambiente depois do descarte dessas baterias e de sua presena no lixo
municipal (5). Quem diria que o aparentemente inofensivo "headphone" (entre outros)
poderia estar contribuindo para a poluio ambiental por mercrio e seu risco txico?
A poluio dos ecossistemas terrestres por mercrio advm, em maior escala, da
utilizao industrial do metal e seus compostos. A contaminao provocada pelo uso
agrcola dos fungicidas mercuriais parece representar de 3 a 5% daquela antes citada,
sendo que o plantio das sementes tratadas com tais produtos acresce ao solo anualmente
cerca de 1 g Hg/hectare (2). Todavia, estas observaes valem para um quadro geral
mdio da contaminao ambiental pelo mercrio, pois obviamente que em situaes
locais especiais um outro tipo qualquer de fonte pode ser responsvel por quase toda a
poluio. Por exemplo, no Brasil certos ecossistemas terrestres e aquticos so
altamente poludos pelo mercrio como resultado de seu uso no garimpo do ouro
apenas. A contaminao de ecossistemas terrestres tem sido apontada hoje por inmeros
pesquisadores em diferentes pontos do planeta. As primeiras indicaes dessa
ocorrncia surgiram na Sucia, nos anos 40 e seguintes. L, anlises de mercrio em
penas de vrias espcies de pssaros de at mais de 100 anos atrs mostraram que seu
contedo ficou constante at 1940, quando subitamente passou a se elevar, coincidindo
com a poca em que os fungicidas alquilmercuriais foram introduzidos no pais como
desinfetantes de sementes (12, 102). Verificou-se boa correlao entre as taxas de
mercrio nas penas e o nvel trfico ocupado pela espcie do pssaro. Os de regime
granvoro, como faises e perdizes, mortos em 1960, tinham 6 ppm em mdia. No
grande-duque (ave noturna) o nvel era de 40 ppm; no falco peregrino, 55 ppm c cm
aves estritamente carnvoras, 60 ppm (12). Sucessivamente o mercrio foi sendo
detectado em animais de vida silvestre pertencentes a ecossistemas terrestres, no s
aves mas tambm inmeros mamferos. A esse respeito um portentoso estudo de reviso
foi apresentado por Christopher D. Wren, do Instituto de Estudos Ambientais da
Universidade de Toronto, Canad, cuja consulta se recomenda a todo aquele interessado
na ecotoxicologia do mercrio. Em seu trabalho, WREN (102) apresenta uma longa
tabela que nos informa sobre as concentraes de mercrio em distintos tecidos de
vrias espcies de mamferos de vida silvestre (excluindo os marinhos). Quanto a
ecossistemas de gua doce, demonstrou-se ter havido um crescimento nas concentraes
de mercrio na capa de gelo da Groenlndia desde o ano de 1900 at a data atual, 0 qual
se relaciona, provavelmente, com 0 aumento do metal nas guas de chuva devido
contribuio de fontes antrpicas de poluio (44).
Em diversos pases, como Sucia, Canad, Estados Unidos, as autoridades de sade j
necessitaram interditar a comercializao de pescados de guas continentais por
conterem elevados teores de mercrio (mais do que o limite de 0,5 ppm admitido para a
alimentao humana pela OMS). Por exemplo, peixes do Lago Saint-Clair (entre
Michigan, EUA e Ontrio, Canad), o qual est muito contaminado por efluentes
industriais de Detroit, exibem de 0,3 a 5 ppm de mercrio, em grande parte sob a forma
metilada (64). No Japo, guas do rio Agano, recebendo efluentes industriais
contaminados por mercrio, no mostravam mais do que 0,1 ppb, enquanto a
concentrao do mercrio passava a 10 ppm no fitoplancton e 40 ppm 1105 peixes, vale
dizer, um coeficiente de concentrao de 400 000 para estes ltimos. A contaminao
por mercrio dos peixes de gua doce traz como conseqncia um srio
comprometimento dos superpredadores que so as aves ictifagas e os seres humanos
que se utilizam de regime piscvoro. O mercrio j foi encontrado em aves ictifagas do
Lago Saint-Clair, nos msculos e fgado, atingindo neste rgo concentraes de mais
de 100 ppm, dependendo da espcie (28). No Canad relata-se a poluio j ocorrida em
guas do Rio English-Wabigoom em consequncia das descargas dos efluentes de uma
unidade de cloro-lcali instalada pela Reed Paper Ltd. e que despejou, a partir de 1962,
perto de 9 toneladas de mercrio metlico, o que implicou no aparecimento de altos
nveis do metal nos peixes do rio (16).
Estes trabalhos demonstram que a contaminao de cadeias alimentares de gua doce
por mercrio e metilmercrio, a partir do lanamento do metal nas formas orgnica ou
inorgnica como resultado de atividades econmicas e de sua alquilao por bactrias,
perfeitamente possvel, no sendo um processo exclusivo de guas marinhas. Esta
observao bastante pertinente pelo fato de ter havido entre ns quem insinuasse que a
metilao no ocorreria em lagos e rios. Alis, a tal respeito, bom que se transcreva o
seguinte trecho de uma publicao da Organizao Mundial da Sade: "... Tem-se
encontrado concentraes elevadas de mercrio em peixes de gua doce de zonas
presumivelmente contaminadas por mercrio e esses peixes no so aptos para o
consumo." (78). Nos pases em desenvolvimento, incluindo o Brasil, o crescimento
constante das atividades econmicas e industriais tem feito aumentar, tambm o uso do
mercrio e seus compostos e, por extenso, a contaminao do ambiente. Exemplo
preocupante desta situao o emprego intenso do mercrio metlico no garimpo do
ouro em vrios Estados do Brasil (6, 33,58, 65). Em publicao recente referimos vrios
bioacumulao costuma ser medido pelo fator de concentrao (FC) que dado por: m
g Hg/g de rgo ou organismo (peso mido) dividido por m g Hg/g gua. Em bacalhau
do Mar do Norte encontraram-se 0,175 ppm de mercrio, em mdia. Peixes da mesma
espcie pescados no Bltico Meridional tinham mais do que 1,3 ppm. Em contraste, o
bacalhau capturado em zona no poluda, como a costa este da Groenlndia, mostrava
0,019 ppm de mercrio (49). HUTAGALUNG (50) chamou a ateno para a
contaminao por mercrio de guas de rio, de mar e organismos marinhos no esturio
do rio Angke, em Jacarta, capital da Indonsia, na Ilha de Java. Alm de peixes e
moluscos tambm mamferos marinhos habitantes de regies contaminadas podem
possuir elevadas concentraes de mercrio, como as focas cinzas que vivem na
Esccia e j exibiram de 10 a 50 ppm do metal no fgado, chegando mesmo a 720 ppm
em animais velhos, At aqui relacionamos casos de poluio de guas estuarinas e
marinhas apenas na sia e Europa. No nos ilidamos pensando estar preservados de tal
agonia. Em verdade, a contaminao de guas costeiras tem sido hoje denunciada em
todos os continentes e caracteriza-se como problema global. Para nos irmanarmos aos
demais nesse calvrio, HARADA et al. (48), por exemplo, apontaram a contaminao
do Golfo Triste, na Venezuela. E o Brasil? Vem a seguir... Casos de poluio de
ecossistemas marinhos por mercrio, como decorrncia de atividades industriais, tm
sido registrados tambm em nosso Pais. No litoral do Estado da Bahia encontra-se a
Bala de Todos os Santos (BTS), com uma superfcie em torno de 800km2 e
naturalmente separada em duas vertentes: a leste, com maior concentrao de atividades
humanas, e a oeste mais preservada, sendo ocupada principalmente por fazendas de
aquicultura. A importncia da BTS est bastante relacionada localizao da cidade de
Salvador, numa de suas extremidades. O desenvolvimento scio-econmico desta
cidade influi decisivamente nos usos que so feitos da Baia, determinando o tipo e a
quantidade de poluio que Ihe atinge. Assim, a Enseada dos Tainheiros, uma subregio da BTS na cidade de Salvador, recebeu, durante bom tempo, os efluentes
lquidos da Companhia Qumica do Recncavo - CQR, uma fbrica de cloro-soda pelo
processo da clula de mercrio, que iniciou seu funcionamento em 1967. Estudo
divulgado em 1975 mostrou contaminao da fauna bentnica por mercrio (35,5 ppm,
em mdia, em moluscos; 25 ppm, em mdia, em crustceos) (87). Ao longo da margem
sul da Enseada dos Tainheiros fica a rea dos Alagados, uma grande aglomerao
humana, com mais de 100 mil habitantes vivendo em precrias condies de
saneamento e sade, ocupando casas construdas sobre aterros ou palafitas. Esta
populao tem na pesca e na mariscagem local uma das principais bases - se no a nica
por vezes - de sua dieta (matria interessante foi publicado no jomal A Tarde, de
Salvador, de 30/10/1933, p. 2, sobre a prtica da mariscada nas praias da regio
denominada cidade baixa (Bonfim e Plataforma, periferia de Salvador). Com os ps na
lama as pessoas capturam moluscos como o "papa-fumo" e "rala-coco", e mariscos
como o siri. Eis o breve e dramtico relato de uma mulher de 53 anos, viva, me de
oito filhos: "no posso perder uma lua, porque os meninos morrem de fome. Pego trs
mames, que peo por a e cozinho com o marisco misturado a um bocadinho de dend
e os temperos, que no so muitos, porque o dinheiro no d. "). Por isto passou a se
constituir em populao de risco de intoxicao por mercrio. Em 1976 alertou-se para
um possvel inicio da exposio humana, com medidas de mercrio no cabelo da
populao local na faixa de 0,5 a 17 ppm (36). Diante deste quadro e sob a presso da
comunidade local e de reas do Governo do Estado, a empresa transferiu-se para outra
regio, com menor risco de contaminao ambiental. Contudo o mercrio lanado na
Enseada dos Tainheiros l se mantm em nveis bem superiores aos verificados em
outras sub-regies da BTS, conforme informam relatrios publicados em 1984, 1985 e
1986 pelo Centro de Recursos Ambientais -BA (20, 21, 22). Por exemplo, para o ano de
1985, nos quatro pontos de coleta da Enseada, as mdias anuais de mercrio nos
sedimentos (amostras semestrais) variaram de 0,57m g/g a 1,25 m g/g (base seca),
enquanto que nas outras cinco sub-regies da BTS pesquisadas (28 pontos de coleta) a
variao foi de <0,05 m g/g a 0,54m g/g Contaminao ambiental por mercrio, como
decorrncia das atividades de indstria de cloro e soda, ocorreu tambm em
Pernambuco, tendo sido atingido o rio Botafogo pelos efluentes lquidos da Companhia
Igarassu. A poluio se estendeu at o esturio e o canal de Santa Cruz, com a fauna
aqutica (ostras e peixes) alcanando expressiva porcentagem de contaminao (15, 31).
Em outro caso detectado, constatou-se a poluio das guas da Baia de So Vicente, no
litoral do Estado de So Paulo, por mercrio. As gua desta Baia esto sob o impacto do
lanamento dos efluentes do grande plo industrial de Cubato. Em amostras de gua de
trs diferentes pontos registraram-se as mdias de 2,14; 1,80 e 1,66 m g Hg/L, com
amplitude de variao de 0,01 a 10 m g Hg/L. Cerca de 90% dos peixes analisados
mostraram concentraes de mercrio nos msculos perto de 50 m g/kg.
Aproximadamente 10% dos peixes tinham nveis de 170 a 860m g/kg, sendo os maiores
valores encontrados nas espcies Mugil liza e M. curema (34, 35).
Tambm peixes do litoral gacho tm apresentado contaminao (81) . Muito do
mercrio descartado no ambiente pelas atividades antrpicas est-se incorporando,
certamente, aos ciclos geoqumicos e s cadeias trficas, aumentando suas
concentraes nos ecossistemas e passando a representar um perigo para os vegetais, os
animais e o prprio homem, o qual, contudo, parece que tem ignorado tal situao.
Portanto, faz-se necessrio conhecermos o nvel de risco a que estamos expostos para,
ento, vigiarmos todas as atividades emissoras de mercrio no ambiente. O crescimento
econmico precisa ser feito de forma controlada, sem por em risco a existncia do
planeta. Alm disso, no se deve esquecer que o homem pertence a nveis trficos
superiores e pode ser um dos organismos mais afetados na contaminao das cadeias
alimentares pelo mercrio. Um aspecto muito importante, que deve ser sempre
considerado, o da contaminao de alimentos por mercrio. Alm da contaminao
dos alimentos de origem aqutica (gua doce e gua salgada) como peixes e mariscos,
motivada pela poluio ambiental a partir de atividades industriais e extrativas, outros
tipos de alimentos como cereais, legumes e seus derivados tm sido contaminados pelo
uso direto de praguicidas mercuriais, sobretudo fungicidas organomercuriais. Assim
que, como se expor adiante, h vrios registros da fabricao de pes, no estrangeiro, a
partir de sementes contaminadas. No Brasil, nos anos de 1966 e 1967, em trabalho feito
em So Paulo, detectou-se a elevada porcentagem de contaminao por resduos de
mercrio, devido ao emprego de um fungicida metoxietilmercrico (licenciado no pais
para tratamento de sementes), de tomates (14%), outros vegetais (13%) e massas de
tomate (57%), em concentraes variando de 0,05 a 0,30 mg/kg. Uma grande campanha
educativa atravs de jornais, rdio e televiso foi logo encetada para alertar os
produtores e a populao em geral sobre os riscos da ingesto dos alimentos
contaminados por mercrio (3). O uso de fungicidas mercuriais no tratamento de gros,
sementes que iro se destinar ao plantio, parece fundamentar a presena do
metilmercrio nas cadeias alimentares terrestres, conforme fazem pensar os resultados
das anlises de JERNELV (54). A contaminao de seres humanos por fungicidas
organomercuriais pode se dar no somente pelo consumo direto de produtos
inadvertidamente feitos a partir das sementes tratadas, mas tambm pela ingesto de
animais que foram alimentados com estas sementes e assim se contaminaram. At aqui
temos escrito sobre a contaminao por mercrio de grandes ambientes abertos (ar
aconteceu, em 1965, tambm no Japo, desta vez envolvendo guas doces, do rio
Agano, em Niigata, no norte do pas. Esses dois episdios deixaram um saldo negativo
de muitas intoxicaes. Para Minamata, os dados variam segundo as fontes.
Registraram-se 111 ou 121 intoxicaes (64,66), com dezenas de mortes: 43 ou 46 (27,
64, 66) e vrios casos de invalidez e de crianas que nasceram portadoras de deficincia
fsica e mental (19, conforme MANAHAN, G4).
Uma quantificao bastante crivel a de que no fim de 1983 existiam 1 612 casos
confirmados da doena de Minamata na Prefeitura de Kumamoto, incluindo 527 mortes
(91). At 1984 haviam sido oficialmente documentados 2 578 casos de doena, com 656
mortes (90). A primeira morte aconteceu em 1954, com um pico de incidncia em 1956.
Aps 1972 o nmero de mortes tornou a aumentar rapidamente, com um segundo pico
de incidncia em 1976 (90). O episdio de Minamata foi to importante na histria da
sade pblica no Japo que ensejou a criao, na cidade de Minamata, do Instituto
Nacional para a Doena de Minamata. Em 1969, a companhia responsvel pela poluio
foi obrigada pela justia a pagar indenizao a 138 pessoas afetadas pela doena.
A concentrao de mercrio total no pescado da Baa de Minamata, no momento da
epidemia, era de 11 mg/kg, base mida, e naquele do rio Agano era de 10 mg/kg (47,
77) e foi calculado que a ingesto diria de mercrio pela populao exposta de
Minamata foi de 5 a 100 m g/kg, por perodos de meses at anos (51). O pescado uma
das mais importantes vias de transferncia de metilmercrio do ambiente para o homem.
Em especial destacam-se as grandes espcies carnvoras como o tubaro, o peixe
espada, o atum, a arraia, que por serem do topo de cadeia alimentar, apresentam
naturalmente concentraes elevadas de mercrio. No Canad tem-se tambm descrito
nveis elevados de metilmercrio na populao indgena (16), com significativa
associao entre anormalidades neurolgicas em adultos e nvel de exposio atravs da
ingesto de peixes contaminados (67), e algum comprometimento neurolgico,
inclusive de crianas que sofreram exposio pr-natal (68). Inmeros casos de
intoxicaes, s vezes com caractersticas epidmicas, atribudos contaminao de
produtos alimentcios outros alm de peixes e animais aquticos tambm j se
registraram. Eles se deveram ao uso de fungicidas mercuriais empregados no tratamento
de sementes que se destinavam ao plantio, portanto no aptas para o consumo humano,
mas que inadvertidamente foram transformadas em alimentos. Assim, a partir dos anos
50, ocorreram, em distintas partes do mundo, episdios de intoxicao coletiva por
mercrio, entre os maiores j registrados, como resultado da ingesto de sementes de
trigo e outros cereais tratados com praguicidas organomercuriais. Dos mais conhecidos
destacam-se os do Iraque. Nesse pais, em 1955 os mercuriais orgnicos passaram a ser
usados como desinfetantes de sementes e j no perodo 1955-59 ocorreram 200 casos de
intoxicaes. Um surto mais claramente definido foi verificado em 1960, acarretando
cerca de 1000 internaes hospitalares (24). Esses episdios foram causados pela
sulfonanilida do etilmercrio-p-tolueno (52). No perodo de dezembro de 1971 a maro
de 1972 (inverno) uma ocorrncia muito grave de intoxicaes por organomercuriais, na
verdade uma epidemia, voltou a castigar o Iraque. Desta feita houve admisso hospitalar
de 6 530 casos, dos quais 459 chegaram ao bito (10,93). Aqui o agente txico
responsvel por to nefasto evento foi o metilmercrio contido no fungicida, mais uma
vez o mecanismo das intoxicaes foi o consumo de po feito de gros (trigo e cevada)
tratados com o fungicida. O perodo de latncia de at 60 dias entre o inicio da
exposio e o surgimento dos sintomas foi, provavelmente, o principal fator
contribuinte para a dimenso da epidemia. No se verificaram diferenas quanto idade
Tabela 2. Toxicidade do mercrio e seus compostos para o ser humano e animais de laboratrio
Substncia
Animal
via
valor
Referncia
Mercrio
camundongo
intraperitonial
DL50
400mg/kg/14 dias 39
intermitente
63mg/kg
39
(H9CI2)
homem/oral
dose letal no
0,3 a 0,4g
32
homem/adulto
adulto normal
<0,4g
88
quantidade que
pode ser fatal
1g
40
Dimetilmercrio
camundongos/oral DL50
57mg/kg
39
(Hg(CH3)2)
rato/oral
40mg/kg
39
DL50
Tabela 3.
Nveis tissulares mdios de mercrio em animais mortos de intoxicao por metilmercrio
Espcie
gato
gato
Tecido
Concentrao
Mdia Final
(m g Hg/g)
Condies
fgado
39 0
2 3* Experimentais
rim
31,0
1 4 Alimentao de
msculo
27,0
crebro
18,0
hemcias
55,0
MeHg**/g.
plasma
0,7
fgado
40,2
0,50 Experimentais.
rim
21,6
0 35 Administrao de
crtex cerebral
10 4
0 07 cpsulas de cioreto
cerebelo
12,3
0,04 de metilmercrio
msculo
15,0
0,66 equivalente a
corao
8,9
gato
furo
viso
pulmo
10,8
0,13
citico
2,0
0,11
fgado
67,1
Vivendo em reserva
rim
13,4
indgena em Ontrio.
crebro
16,4
pelos
392,0
figado
53,7
1,8 Experimentais.
rim
69,0
2,7 Alimentao de
msculo
34 2
crebro
26,7
fgado
55,6
0,28 Experimentais.
rim
37 7
0,68 Alimentao de
msculo
25 2
bao
24,8
crebro
19,9
0 22
1,2
1,13
pelo
viso
fgado
24,3
0,45 Experimentais.
rim
23,1
0,75 Alimentao de
msculo
16 0
crebro
11,9
0 10 1,1 15,0 m g
plo
1,5
viso
fgado
58,2
Naturais.
rim
31,9
Encontrado
msculo
15,2
agonizante.
lontra
lontra
crebro
13 4
plo
34,9
fgado
39.0
rim
33,0
msculo
16,0
crebro
18,0
fgado
96,0
Naturais.
rim
58,0
Encontrada morta.
msculo
36,0
pele e pelo
47,0
bao
41,0
crebro
30,0
1,8 Experimentais.
2,1 Alimentao de dietas
contendo 2-8 m g
0,9
MeHg/g.
10,38
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