Argumentação em Charges
Argumentação em Charges
Argumentação em Charges
Multimodalidade e Argumentao na
Charge
Maria Clara Catanho Cavalcanti
Recife
2008
Multimodalidade e Argumentao
na Charge
801
410
CDU (2.ed.)
CDD (21.ed.)
UFPE
CAC2008-86
Agradecimentos
s minhas avs, Cremilda e Lourdes, pelo amor, pelas oraes e pelo cuidado.
Ao meu av, Cndido, que, mesmo sem nuca ter percebido, foi grande responsvel
por minha formao cultural aguando meu gosto pela leitura e pela cultura regional.
Ao meu pai, Fernando, no s pelo investimento financeiro, mas por todo o amor
minha me, Lcia, pelos sacrifcios, pelo amor, pelo cuidado, pela vida, por
acreditar nos meus sonhos, por me admirar, por me conhecer to bem, por confiar em
mim.
Aos meus irmos, Lus Augusto e Rebeca, pela infncia, pela amizade e pela
companhia.
Aos meus tios, tias e primos, por formarmos uma famlia to feliz.
Aos colegas e alunos dos colgios Contato e Boa Viagem, pela ajuda e
compreenso.
A Juliana, por conseguir ser minha melhor amiga h pelo menos vinte anos.
A Carla Carmelita pelo incentivo e pelo exemplo de fora que para mim.
Lus Eduardo, por dar um novo sentido minha vida e pela companhia
nas madrugadas, mexendo sem parar s pra que eu percebesse que no estava
sozinha.
Resumo
Como gnero de carter visual, a charge tem chamado ateno de professores e
pesquisadores. Seu uso como objeto de estudo em escolas e universidades tem crescido
e atingido diferentes reas. A charge (do francs charger: carregar, exagerar) tem como
objetivo a crtica humorstica de um fato especfico, geralmente de natureza poltica. Ela
deve abordar um assunto atual e interessante para o pblico leitor. O objetivo central
desse estudo mostrar a como se organizam os modos de linguagem do texto chrgico,
ressaltando que argumentos tambm podem ser constitudos por linguagem visual.
Nosso ponto de partida uma anlise scio-interacionista, a qual vislumbra o processo
comunicativo da charge. Em seqncia, apresentaremos uma proposta de anlise
multimodal do gnero em estudo para s ento realizarmos nossas consideraes sobre
a argumentao. Para tanto, nosso corpus composto por aproximadamente 450
charges, as quais foram coletadas nos trs principais jornais de Pernambuco Jornal do
Commercio, Diario de Pernambuco e Folha de Pernambuco. Este trabalho ocorreu
durante os meses de junho a outubro de 2006, perodo de copa do mundo e de eleies,
assuntos que do uma boa safra de charges.
Abstract
As a visual genre, the cartoon has caught the attention of teachers and researchers. Its
use as an object of study by different disciplines in schools and universities has grown.
The purpose of a cartoon is the humorous critique of a specific fact, generally of a
political nature. It usually focuses on a current event and is of current interest to the
reading public. The objective of the present investigation is to show how the verbal and
visual modes of language organize the cartoon text and more specifically how
arguments are presented verbally and visually. It begins with a socio-constructivist
analysis which illustrates the communicative processes of the cartoon. We present a
proposal for a multimodal analysis of the genre in question, followed by considerations
of how its arguments are constructed.
cartoons that were published in the three principal newspapers of Pernambuco Dirio
de Pernambuco, The Journal do Commercio, Folha de Pernambuco from June to
October of 2006, a period that included the World Cup and presidential elections, events
that were the subject matter of most of the cartoons analyzed.
Sumrio
1
Introduo
Captulo I
50
50
55
58
65
68
70
Teoria da Argumentao
III.1. Da antiga Nova Retrica
III.1.1. Aristteles
III.1.2. A Nova Retrica
III.2. Teoria da Argumentao na Lngua Ducrot e Anscombre
III.2.1. Teoria dos Topoi
III.3.Argumentao e Multimodalidade
III.3.1. Argumento Visual
III.3.2. A influncia argumentativa na composio do texto
72
72
74
76
81
83
85
87
Captulo III
chrgico
Concluso
Referncias Bibliogrficas
Anexo
90
95
98
101
10
Lista de Charges
Charge I
............................................................................................................... 08
Charge II
............................................................................................................... 13
Charge III
................................................................................................................ 16
Charge IV
................................................................................................................ 22
Charge V
................................................................................................................ 23
Charge VI
............................................................................................................... 26
Charge VII
............................................................................................................... 27
Charge VIII
............................................................................................................... 40
Charge IX
............................................................................................................... 42
Charge X
............................................................................................................... 44
Charge XI
............................................................................................................... 46
Charge XII
............................................................................................................... 51
Charge XIII
............................................................................................................... 53
............................................................................................................... 67
Charge XVI
............................................................................................................... 68
............................................................................................................... 80
Charge XXI
............................................................................................................... 80
11
Introduo
Os gneros textuais constitudos por vrias modalidades de linguagem crescem a
cada dia. A charge tem conquistado muitos leitores e, diversas vezes, utilizada como
material de apoio didtico. Isso ocorre porque condensa informaes em processos
intertextuais que obrigam o interlocutor a conhecer fatos atualizados para que consiga
realizar as inferncias adequadas, atingindo, assim, um sentido plausvel. Esse trabalho
de leitura extremamente interessante, pois a charge emite crticas e opinies que
podem iniciar uma reflexo e um posterior debate sobre algo importante na sociedade.
Outra vantagem que a anlise social por meio da charge bem humorada, o que torna
as atividades que envolvem esse gnero leves e prazerosas.
Engana-se quem imagina que a charge apenas uma piada grfica que utiliza a
linguagem visual em sua construo. Na verdade, um texto opinativo e, impressa nos
jornais, normalmente publicada no caderno de opinio em meio a cartas
argumentativas, editoriais, artigos de opinio, entre outros. De acordo com a anlise do
nosso corpus, quase sempre emite crticas polticas e esportivas, e, esporadicamente,
sociais. Tem relao ntima com o tempo, no geral, aborda as notcias mais importantes
do dia anterior sua publicao. A charge tem o poder de condensar vrias
informaes, inclusive procedentes de contextos extremamente diferentes, num
processo de intertextualidade que ocorre na linguagem verbal ou mesmo nas imagens.
A charge impressa, quanto forma, geralmente ilustrada em apenas um
quadro, sendo raras as vezes que aparece em mais de um. constituda quase sempre
por linguagem verbal e no verbal, mas ocorrem charges em que s a imagem
utilizada. A linguagem verbal aparece em forma de ttulo, legenda e, mais comumente,
compe a fala dos personagens. A linguagem no verbal responsvel pelas caricaturas
e pela representao de smbolos na construo de cenrios, retomando o contexto
situacional. responsvel, ainda, pelos bales de fala, os quais, de acordo com sua
forma, podem representar fala, grito, pensamento, cochicho, etc.
Esse o gnero textual que ser alvo de nossas discusses, sobre o qual nos
interessa particularmente sua organizao argumentativa e multimodal. Para tanto,
importante estabelecer nossas bases e concepes, j que sero norte para todas as
reflexes a respeito da charge.
Toda pesquisa lingstica depende inicialmente da concepo de lngua que se
adota. Lngua pode ser entendida como representao do pensamento, cujo sujeito
121
Chamamos virtual a charge produzida e divulgada em meio eletrnico, a qual conta com
som e animao em sua estrutura. Os gneros acompanham nossa vida cultural. Se o
homem criou, com a internet, o cinema, a televiso, novas possibilidades de interao,
gneros antigos se adaptam a elas e gneros novos so criados.
Diante de todas essas caractersticas do texto chrgico, o foco principal a ser
discutido aqui a organizao multimodal da charge e a construo de seus argumentos.
Analisaremos a argumentao da charge em toda a sua formao multimodal. Durante a
observao, alguns pontos sero realados, como a multimodalidade lingstica, a
intertextualidade e o humor. Com relao comunicao multimodal, perceberemos
que o texto realiza um ato de fala nico mesmo sendo constitudo por diversos modos e
sub-modos. Apresentaremos a relao e organizao desses modos e sub-modos como
estratgias argumentativas que visam comprovar a opinio do chargista. Com esse
mesmo intuito, mostraremos como o humor construdo na charge. Para tanto, nos
basearemos nas noes de intertextualidade e polifonia. Acreditamos que, atravs do
movimento intertextual, contextos diversos so relacionados na charge, estabelecendo
um contexto misto, principal responsvel pelo humor.
Com o objetivo de estabelecer uma organizao para a apresentao da pesquisa
e para que ela obtivesse uma seqncia lgica e coerente, a dissertao foi dividida em
trs captulos. No primeiro, estabeleceram-se os pressupostos tericos, ento,
definiremos os conceitos de lngua, texto e gnero textual. Alm disso, charge ser
caracterizada e a intertextualidade e o humor nela presentes sero mostrados. No
captulo dois, retomaremos as noes da Semitica Social para embasar nosso estudo
sobre multimodalidade. Centraremos nossa discusso principalmente nas idias dos
tericos do Grupo de Sidney, alicerados na gramtica sistmico-funcional. Enfim, no
terceiro captulo, abordaremos a histria da argumentao na Grcia Antiga. Veremos
como os estudos retricos renasceram a partir da segunda metade do sculo XX com o
surgimento do movimento chamado Nova Retrica. Iremos expor as Teorias da
Argumentao na Lngua, percebendo que todos esses estudos serviram de alicerce para
a Retrica Visual, teoria que melhor embasa a investigao sobre argumentao no
texto chrgico. importante notarmos que a anlise do nosso corpus se d ao longo de
toda a apresentao da teoria, ora servindo como exemplo, ora servindo como
comprovao de alguma tese defendida.
Nosso corpus baseou-se na coleta de charges em trs dos principais jornais de
Pernambuco: Jornal do Commercio, Diario de Pernambuco e Folha de Pernambuco.
143
Iniciamos a coleta diria nos trs jornais em primeiro de junho de 2006 e procedemos
com ela at o dia 31 de outubro do mesmo ano. Escolhemos esse perodo porque dois
fatos importantes aconteciam: a Copa do Mundo e as eleies para presidncia, governo
de estado, senado e cmara. Assim, previmos que esses dois contexto iriam ser
constantemente mesclados. Pesquisamos mais de um jornal porque eles possuem
pblicos-alvos diferentes e chargistas diferentes, o que interfere nas consideraes que
seriam feitas sobre ao social, multimodalidade e argumentao.
154
Captulo I
Embasamento Terico Aplicado Charge
Neste captulo, pretendemos rever alguns conceitos bsicos da lingstica, tendo
como base a charge. Iremos mostrar as caractersticas gerais deste gnero, alm de
analisar sua construo humorstica.
A lingstica possui diversos campos de estudo, alm de linhas tericas bastante
distintas, assim, as concepes bsicas so definidas de modos diversos. Portanto, a
funo deste captulo esclarecer as noes de lngua, sujeito, texto, discurso e gnero
textual adotadas que orientaro todo o desenvolvimento deste trabalho. importante, de
antemo, informarmos que este estudo ser realizado sob a perspectiva da Lingstica
Textual (LT) em sua corrente mais ligada viso scio-interacionista.
Ao apontarmos as concepes adotadas de lngua, sujeito, texto, discurso e
gnero no nossa pretenso estabelecer essas definies de modo pronto e acabado,
mas discutir sobre a relevncia desses conceitos para o desenvolvimento de qualquer
pesquisa na rea de linguagem nos dias atuais.
Uma ltima ressalva atentarmos para o fato de que, embora tratemos esses
conceitos separadamente, eles esto imbricados. Segundo Koch (2002: 13) a
concepo de sujeito da linguagem varia de acordo com a concepo de lngua que se
adote. Assim, as noes de sujeito psicolgico, assujeitamento e sujeito ativo
correspondem respectivamente s concepes de lngua como representao do
pensamento, como estrutura e como interao.
Finalmente, iremos tambm, neste captulo, tentar delimitar a noo de charge
adotada. Sabemos, contudo, que os gneros no so estticos e pretendemos muito mais
tratar as possibilidades discursivas do que analisarmos a charge apenas formalmente.
I.1. Lngua
Os estudos sobre texto e discurso so determinados pela concepo de lngua
que se adota. Concebemos a lngua como uma atividade social em que mais importante
a enunciao do que o enunciado. Esse o conceito de lngua defendido por
Bakhtin, lingista, filsofo, crtico literrio, enfim, um importante pensador russo que
surpreendeu o mundo ocidental nos anos 70, quando surgiram as primeiras tradues de
165
187
Charge I
Comeou sua carreira profissional em 1984, no jornal alternativo O Rei da otcia, depois publicou na
Folha de Pernambuco (antiga verso) e fez charges eletrnicas animadas para a TV Pernambuco. Hoje
chargista do Diario de Pernambuco e colabora com o jornal de humor O Papa-Figo, e com a revista
Rag.
198
apenas um desenho, mas uma crtica bem humorada constituda custa de muita
criatividade.
Nessa elaborao textual, Samuca no apenas o produtor e ns passivos
receptores, mas somos todos interlocutores, pois, ao elaborar o texto, o chargista levou
em considerao seu pblico alvo. Certamente algumas perguntas permearam suas
idias, como essa construo ser compreendida pelos leitores deste jornal, ser que a
minha charge os agradar? Os leitores, por sua vez, para compreenderem o texto,
precisam usar seu conhecimento de mundo, fazendo as inferncias necessrias para
estabelecer sentido.
Alm disso, podemos perceber quantos discursos permeiam essa charge, que
leva em conta diversos fatores sociais os quais formam uma cultura, uma sociedade.
Inicialmente, vemos um fato histrico, inferido pela data de publicao do texto. A
partir disso, comeamos a identificar todos os elementos no verbais que identificam
Dom Pedro I, confirmando nossa percepo inicial. Ento, h um outro discurso
contrastando com o grande feito da independncia, o qual trata de um problema social
grave no atual Brasil independente. Todos esses discursos, assim como o conhecimento
da lngua portuguesa ou produo e circulao do gnero charge, fazem parte do
conhecimento de mundo de uma sociedade. Porm, a proeza de relacionar esses
discursos da maneira que foi feita parte da criatividade, da agncia do sujeito
(chargista), ou seja, plagiando Bakhtin: o dado se transfigurando no criado.
I.2. Texto
O conceito de texto, assim como todas as teorias abordadas neste trabalho,
depende da concepo de lngua que se adote. Concebendo lngua como representao
do pensamento, necessariamente o texto visto como produto desse pensamento lgico.
Se lngua entendida como instrumento de comunicao, o texto continuaria sendo
visto como simples produto, mas agora resultado da codificao de um emissor a ser
decodificado pelo leitor/ouvinte. Neste caso, para a compreenso necessrio apenas o
conhecimento do cdigo, o contexto desconsiderado.
Obviamente, nossa viso de texto difere das duas anteriores, j que deixamos
clara a concepo de lngua por ns adotada. Se lngua interao, o texto o prprio
lugar de interao. Concordamos com Marcuschi (2004) ao afirmar que o texto no
209
um produto puro, muito menos um artefato simples e pronto, mas um processo e pode
ser visto como um evento comunicativo sempre emergente. Portanto, o texto est em
constante elaborao ao longo de sua histria e das vrias recepes pelos diversos
leitores.
De acordo com essa viso sociointeracionista que adotamos, percebemos o texto
como uma atividade de co-construo de sentidos, pois seus falantes ou escritores o
articulam em conjunto com seus interlocutores ou os tendo em mente. Portanto, o
produtor e o receptor dos textos so interlocutores engajados no processo de construo
de sentido. Por isso, o sentido no anterior, mas construdo durante a interao
texto-sujeitos. Sendo assim, o processo de coerncia, como assegura Koch (2002: 17):
10
21
22
11
ocorre por causa da criatividade humana que possibilita meios como o cinema, a
televiso, a internet, etc. Essas inovaes fazem com que os gneros se adequem s
possibilidades oferecidas.
Como assegurou Bakhtin, os gneros so elaborados em uma esfera de
utilizao da lngua, tais esferas so hoje chamadas de domnio discursivo. Dentro
desses domnios podemos identificar um conjunto de gneros ligados por funes
comunicativas institucionalizadas. Os editoriais, as notcias, as reportagens, as
entrevistas, pertencem ao domnio jornalstico; o boletim de ocorrncia, inqurito
policial pertencem ao domnio policial; assim como cartuns e histrias em quadrinhos
pertencem ao domnio humorstico. A charge estaria localizada tanto no domnio
humorstico quanto no jornalstico. Todo gnero realiza seqncias tipolgicas como
narrao, argumentao, exposio, descrio e injuno. preciso atentarmos para a
confuso feita entre as terminologias gnero textuais e tipos textuais. Enquanto os
gneros so concretos, os tipos so constructos tericos, so seqncias lingsticas.
Ento, um gnero realiza, geralmente, mais de um tipo textual.
2413
Humberto de Arajo Pereira formado em arquitetura e jornalismo e deixa claro em entrevistas seu
gosto pela charge sem muitas palavras. Atualmente chargista do Jornal do Commercio.
2514
Searle, seguidor de Austin, desenvolveu ainda mais a teoria dos atos de fala,
aprofundando a anlise dos tipos gerais de atos de fala e das condies de
felicidade. De acordo com Bazerman (2007: 167):
Charge III
27
16
parte da seleo brasileira. Durante a conversa, o presidente Lula fez meno aos
comentrios da mdia esportiva os quais afirmavam que Ronaldo Fenmeno
estaria acima do peso. Sem titubear, Ronaldo respondeu mencionando os boatos
de que o presidente seria um bebarro. Essa conversa pairou sobre as pginas
dos jornais durante dias e as charges, conseqentemente, comearam a colocar
os dois personagens no mesmo quadro, numa espcie de comparao. Ento,
afirmamos que a charge III se ope escalao de Ronaldo, porque isso est
claro na manchete do jornal que o prprio Ronaldo segura. A oposio e a crtica
ao fato de Lula estar liderando as pesquisas ficam claras com a comparao entre
os personagens. A partir disso, fazemos a seguinte inferncia: Fenmeno no
joga nada, mas Parreira mantm escalao Presidente fenmeno (ex-torneiro
mecnico, no tem curso universitrio, veio do povo) no joga nada, mas a
populao o mantm em primeiro lugar na pesquisa. O no merecimento de
estar escalado ou em primeiro lugar nas pesquisas endossado pela linguagem
no verbal: gotinhas na cabea de Lula e Ronaldo que retratam surpresa, ou seja,
nem eles mesmos acham que merecem a escalao ou a presidncia.
5. A quinta perspectiva que baseia os estudos da scio-retrica a prtica
entendida como situada, distribuda e mediada. Segundo Bazerman 2007,
central a idia de que os gneros so situados, indexicais e disposicionais. De
acordo com essa perspectiva, a aprendizagem constante e se faz a cada
interao ao longo da vida. Visto como prtica social, o gnero distribudo
entre os participantes, ao mesmo tempo em que mediado e emergente em meio
configurao de pessoas, ferramentas e formas de atividade. Essa linha de
estudo focaliza o modo que gneros funcionam em interaes situadas, como
mediam a atividade social, como se formam, como se encaixam, como so
produzidos, enfim, como os gneros so aprendidos e transformados por essas
interaes.
6. Teoria da Estruturao, desenvolvida pelo socilogo Anthony Giddens. Carolyn
Miller, em seu artigo Rhetorical Community: The Cultural Bases of Genre
(1994), retoma o trabalho de Anthony Giddens, adotando a teoria da
estruturao para desenvolver a sua concepo de gneros. Segundo a
estruturao, as relaes sociais so estruturadas no tempo e no espao. Regras e
recursos formam a estrutura social. As regras seriam as estruturas lingsticas;
recursos so a realizao das estruturas lingsticas. Essa estrutura
2817
2918
padronizada
de
determinadas
situaes,
chamado
de
3019
influenciam aes e so, ao mesmo tempo, criadas ou recriadas por aes. As aes
humanas so centrais, mas nunca so consideradas em isolamento das estruturas sociais
que as moldam. (Ahearn, 2001: 117)
Ahearn desconstri duas suposies: a de que agncia seria a realizao de um
desejo livre, uma liberdade total de ao na sociedade; e a de que agncia seria
sinnimo de resistncia. Se uma ao realizada por indivduos de uma comunidade
que possui leis, regras, estilo de vida, obvio que suas aes so regidas pela cultura,
pelas crenas de uma sociedade em tempo e espao determinados. Agncia tambm no
s resistncia, resistncia uma das muitas formas de agncia.
Observando mais de perto o conceito de agncia que a teoria da estruturao
prope, segundo Giddens (2003), temos que todo agente motivado a uma ao,
racionaliza essa ao e a monitora reflexivamente. Em qualquer ao social, o agente
monitora e regula sua ao, assim como espera que todos os outros atores sociais faam
o mesmo. A ao social rotineiramente racionalizada, a no ser que haja um ato falho
ou um lapso, j que os atores mantm o conhecimento das bases formais e funcionais de
suas atividades sociais. Se no fosse assim, as pessoas no conseguiriam explicar o que
fazem em seu cotidiano social. No estando to diretamente vinculada continuidade
quanto a monitorao reflexiva ou a racionalizao, a motivao relaciona-se mais ao
potencial para a ao do que propriamente ao modo como a ao de fato executada
pelo agente. Normalmente, os motivos provem de planos ou programas globais a partir
dos quais grande parte das condutas encenada. importante observar, porm, que essa
conduta cotidiana, em geral, no conscientemente motivada. Uma vez que as aes em
sociedade fazem parte do nosso repertrio de conhecimento, grande parte das nossas
aes no tem motivao consciente.
seguintes palavras:
3221
Charge IV
3322
agente. No porque uma parte de seus interlocutores discorda dele que ele deixa de
agir. Pode acontecer ainda que algum leitor tenha uma outra compreenso do texto, no
percebendo a intencionalidade do chargista, mas, como j vimos, agncia no
sinnimo de intencionalidade.
Aps toda a nossa discusso sobre ao social e agncia, fica claro que a
abstinncia de agncia no existe, pois o simples viver em sociedade acarreta agncia.
Mas, mesmo a agncia sendo o simples agir, mesmo existindo a tendncia reprodutiva
do hbito social, no podemos negar que o ser humano extremamente criativo. O
homem no um mero reprodutor de estruturas, ele possui poder inventivo. Na charge
IV, Humberto reproduz a estrutura do gnero textual, mas sua criatividade no
anulada. Ao tratar a disputa entre Lula e Alckmin pelo apoio do PMDB, o chargista
decidiu transformar tal partido em uma casa de mulher ou mulheres, quem sabe at
mesmo um prostbulo, enquanto que os candidatos presidncia aparecem como
galanteadores em busca de uma dama.
Charge V
3423
3524
Charge VI
Miguel Falco graduado em Design pela UFPE, publica charges e ilustraes no Jornal do Commercio
desde 1989. Participou de vrios sales de humor nacionais e internacionais, sendo premiado em 1 lugar
no II Salo Carioca de Humor.
5
Para mais informaes sobre charge virtual, indicamos a dissertao de mestrado de Helga Vanessa
Assuno de Souza A charge Virtual e a Construo de Identidades , defendida em maro de 2007 no
Progarma de Ps-Graduao em Letras da Universidade Federal de Pernambuco.
3726
Charge VII6
A verso desta charge com som gravada em CD est anexada no final deste trabalho.
3827
3928
4029
41
30
42
31
A charge virtual apresenta vrias cenas de animao para configurar sua crtica.
Divulgadas pelo site charges.uol.com.br, as charges de Maurcio Ricardo7 podem ser
Maurcio Ricardo Foi baixista e jornalista, e comeou o site de charges por diverso. Quando comeou
a dar lucros, abandonou um emprego em um dirio de Uberlndia. Alm de desenhar ( e animar, ele dubla
e toca a msica de fundo.
43
32
vistas com som ou com legenda. Para nossa anlise, em um trabalho impresso,
precisamos copiar o modo com legendas, com isso, no entanto, perdemos o som,
importante modo para nosso estudo. A charge VII versa sobre o mesmo assunto que a
charge VI, esta, porm, s conta com as possibilidades de impresso oferecidas pelo
jornal que nesse caso permite o uso das cores ; enquanto aquela pode combinar
vrios modos, como a cor, o movimento da animao, o som, o jogo de cmeras e a
linguagem verbal.
Estamos diante do mesmo gnero sendo divulgado em suportes diferentes: o
jornal impresso e um site eletrnico. O suporte responsvel pela circulao dos
gneros na sociedade e influi no modo de apresentao deles. Com a mudana para
suportes eletrnicos, constatam-se grandes diferenas no gnero em estudo. Este, na
verso impressa, consistia em um ou dois quadros e poderia ou no usar linguagem
verbal. No meio eletrnico, as charges iniciam em um quadro, mas muitas vezes
exibem outros, como um desenho animado. Quando permanecem em um nico quadro,
h mudana de angulao da cmera, que o caso da charge VII. Mesmo com todas
essas diferenas, endossamos que a charge impressa ou virtual constituem o mesmo
gnero. Com a mudana do suporte, houve uma alterao no aspecto formal e no modo
de abordagem dos assuntos, j que h mais espao para o desenvolvimento do texto. No
entanto, a funo do gnero continua sendo a mesma: crtica humorstica relacionada a
acontecimentos recentes. Ademais, os prprios cartunistas que produzem charges
virtuais, como Maurcio Ricardo, por exemplo, nomeiam seu texto de charge, criando
at algumas categorias como as charge-ok, nas quais a linguagem verbal uma
pardia musical.
Maurcio Ricardo, no exemplo apresentado, constri sua crtica atravs de uma
entrevista, a srie Tobby Entrevista. Essa intertextualidade intergenrica ou seja,
quando um gnero toma a forma de outro, mas no perde sua funo sciocomunicativa pode ocorrer em charges impressas tambm, como vimos na charge II
(pgina 13). Isso ocorre devido maleabilidade dos gneros que podem se misturar e se
refletirem mutuamente. A entrevista por meio da vdeo-conferncia ocorre em um
nico quadro que reproduz o Gabinete Presidencial em Braslia. No dilogo entre os
entrevistados, h muitas alfinetadas que fazem aluso a fatos que ocorriam na poca.
44
33
Logo no incio, Ronalducho faz referncia a seu casamento que foi realizado em um
castelo, com toda a pompa possvel, mas foi um fiasco, pois houve briga na festa e o
relacionamento durou pouqussimo. Em seqncia, Lula posto contra a parede quando
questionado sobre o fato de ter perdido vrios ministros, os quais foram acusados de
envolvimento com corrupo. Logo depois, Lula cita uma frase dita pela atriz Regina
Duarte no horrio eleitoral gratuito do PSDB (Partido Social Democrtico Brasileiro),
em que afirmava estar com medo de que o presidente candidato reeleio no desse
continuidade ao Plano Real e de que no realizasse nenhuma de suas promessas sociais.
Nessa charge, remete-se tambm ao mensalo e a Marcus Valrio, acusado de ser o
financiador do esquema que pagava mesadas aos deputados para apoiarem o governo
na Cmara. Um outro personagem televisivo tambm citado: Bussunda, comediante
que imitava Ronaldo Fenmeno e que faleceu durante a copa de 2006, porm o Lula da
charge afirma ser Ronaldo o cover de Bussunda.
Todas essas aluses a outros textos que circulavam na sociedade brasileira
naquele momento evidenciam a idia de dialogismo defendida por Bakhtin. Esse fato
no observado apenas na charge virtual, mas tambm na charge impressa. Pagliosa
(2005) alerta at mesmo para as relaes intertextuais da charge com outros textos da
mesma edio do jornal. Geralmente essas relaes ocorrem com manchetes da
primeira pgina, j que renem os temas mais importantes da publicao. Quando
encontra a charge, o leitor normalmente j leu algumas das notcias da primeira pgina,
isso facilita as inferncias dos intertextos para a construo de sentido. A capa de jornal
reproduzida abaixo comprova essa idia.
45
ao
craque
para
encerrar o assunto. No
coletivo, com Ronaldo, os
titulares
ganharam
dos
46
35
Ento, enquanto repete aes, as reinventa, as mistura, as reitera, etc. isso que
identificamos na comparao entre a charge VI e a charge VII (pgina 27). J
constatamos as mudanas ocorridas entre uma charge e outra, mas o interessante que
a partir do memento em que imagem, som, cores, animao podem se combinar, o
homem inventa novas formas tipificadas de agir e reinventa gneros que j existiam.
Portanto, a charge virtual tem a mesma funo comunicativa de uma charge impressa,
mas sua forma diferente.
48
37
49
38
50
39
editoriais para saber as opinies dos diversos articulistas, dos leitores que enviam cartas
ou da prpria redao do jornal. Dentre os diversos textos construdos apenas por
linguagem verbal, est a charge utilizando outra modalidade da linguagem. Assim, o
objetivo do leitor da charge saber a opinio crtica e bem humorada do chargista a
respeito de algum fato.
Charge VIII
51
40
Charge IX
Esta charge, publicada em junho de 2006, durante a copa do mundo, tem como
foco central a caricatura de Ronaldo Fenmeno. Durante toda a copa, Ronaldo foi
acusado de estar acima do peso. Atravs da caricatura, o cartunista diz que, ao fazer o
primeiro gol, Ronaldo visto como magro. Toda a compreenso deste texto depende da
ativao dos conhecimentos contextuais e da relao feita entre a caricatura e a figura
original de Ronaldo. Defendemos, portanto, que a caricatura fruto de intertextualidade
implcita subversiva e que identificar a relao entre ela e os vrios textos da memria
discursiva indispensvel para a compreenso da charge.
Koch prefere chamar essa intertextualidade implcita com valor subversivo de
dtournement, termo usado por Grsillon e Maingueneau. Para tais autores, existe um
dtournement ldico, simples jogo entre texto e intertexto; e um dtournement
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42
militante. Este ltimo, segundo Koch, tem como objetivo levar o interlocutor a ativar o
texto original, para argumentar a partir dele, ou ento, ironiz-lo, ridiculariz-lo,
contradit-lo, adapt-lo a novas situaes ou orient-lo para um outro sentido, diferente
do original. (2004: 148). justamente esse tipo de intertextualidade que as charges
realizam, como podemos observar na charge IX.
Ao tratar de intertextualidade, Bazerman (2006b) deixa clara sua posio sobre o
tema quando afirma que criamos nossos textos a partir dos textos que esto a nossa
volta. Ele define intertextualidade como as relaes explcitas ou implcitas que um
texto ou um enunciado estabelecem com os outros textos que lhes so antecedentes,
contemporneos ou futuros (em potencial) (2006: 93). A partir desta definio,
Bazerman estabelece seis nveis de intertextualidade. O primeiro nvel apresentado a
remisso a textos ou trechos de textos os quais so usados com valor nominal. Este um
nvel em que o intertexto se constitui informao autorizada para os propsitos de um
novo texto.
O segundo nvel trata de casos em que temas sociais so apresentados em
discusso por um intertexto explcito. Por exemplo, um texto relacionado a sade
pblica que composto pelo depoimento de um mdico, do secretrio de sade e de um
paciente, expostos lado a lado, num confronto direto.
O terceiro nvel aborda a intertextualidade explcita de usar declaraes ou
citaes, geralmente como apoio ou confirmao ao argumento desenvolvido, mas se
pode usar uma citao para ir de encontro a ela, no concordando com as idias do
autor.
No quarto nvel, Bazerman desenvolve aquele tipo de intertextualidade mais
amplo que Koch (2004) considera polifonia, contrapondo noo de intertextualidade
stricto sensu, a qual s ocorre com a presena implcita ou explcita do intertexto. O
autor em estudo mostra como o texto pode se apoiar implicitamente em crenas ou
idias familiares aos interlocutores e difundidas entre eles. Isso bastante comum em
charges cujo texto-fonte um provrbio ou frase feita, como a charge X:
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43
Charge X
gneros, cada texto evoca mundos particulares onde essa linguagem ou essas formas
lingsticas so utilizadas normalmente com o propsito de identific-lo como parte
daqueles mundos (2006: 94) Ento, no texto chrgico, o autor utiliza a caricatura, a
linguagem dos desenhos de modo geral, a conveno de representao dos bales de
fala, etc. Sem desprezar sua criatividade e seu poder inventivo, o chargista produz seu
texto seguindo uma linguagem e um estilo ligados ao humor crtico, linguagem
jornalstica e esses fatores fazem com que determinado texto seja considerado uma
charge.
No sexto nvel, Bazerman apresenta algumas tcnicas de representao
intertextual, o alcance intertextual e a recontextualizao. As tcnicas de representao
intertextual, na verdade, so constataes de como, concretamente, o intertexto pode ser
usado. Bazerman constata que as relaes intertextuais podem envolver alguma
distncia no tempo, no espao, na cultura ou na instituio. Alcance textual , portanto,
a distncia at onde um texto viaja por meio de suas relaes intertextuais. (2006b:
96) Quando um texto-fonte empregado em outro texto, mas permanece no mesmo
domnio ocorre intertextualidade intra-arquivo. Por exemplo, quando, num livro,
aparece a citao de um outro livro. Mas os intertextos podem viajar mais longe, como
podemos observar se voltarmos charge VIII (pgina 40),em que o intertexto da lenda
da cegonha viaja longe para integrar a crtica aos deputados Sanguessugas.
Com relao recontextualizao, Bazerman chama a ateno para o uso de
palavras ou textos em contexto diferente. Esse processo de recontextualizao precisa
tambm ser inferido na compreenso porque, no caso da charge, neste ponto
principalmente que reside o humor e a ironia.
O ltimo ponto a ser discutido nesse tpico a interessante intertextualidade que
se d nos prprios cones da imagem, o que Arbex (2000) chamou de intericonicidade.
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Charge XI
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assim, temos que votar ou A corrupo tem apodrecido o Brasil, a nica arma contra
isso o voto.
No caso dessa charge, h uma recontextualizao, em que os prprios cones so
misturados. Como afirmamos, esse tipo de intertextualidade foi denominado
intericonicidade. A intericonicidade pode ser definida, provisoriamente, nos mesmos
termos que o conceito de intertextualidade, ou seja, como o processo de produtividade
de uma imagem que se constri como absoro ou transformao de outras imagens
(Arbex, 2000). Nesse caso no ocorre somente uma mudana de contexto ou a retomada
de um o texto-fonte, a intertextualidade realizada nas prprias figuras.
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Contexto II
Homem fardado.
Farda militar antiga.
O meio de transporte um
cavalo.
O homem e o cavalo se
espantam.
Tempo passado antigo.
Contexto Misto
A data de publicao da charge responsvel pela
mescla de contextos. Quando a observamos, a charge
compreendida da seguinte maneira: Dom Pedro I o
militar de roupas antigas e est prestes a declarar a
Independncia do Brasil. Antes que o futuro
Imperador descesse do cavalo, um menino, numa
prtica atual, pede para tomar conta do seu meio de
transporte, o que causa admirao a Dom Pedro.
Nesse contexto misto trazido pela charge esto a crtica e o humor. A crtica
seria: apesar da independncia ter ocorrido h tanto tempo, ainda temos problemas
socioeconmicos gravssimos e a poltica ou os polticos nunca conseguiram resolvlos. Apesar da crtica e da reflexo que ela provoca serem bastante srias, o modo como
elas so apresentadas muito engraado e o humor est justamente na mistura de
contextos. Esse contexto misto no resultado somente de um elemento surpresa. Ns
compreendemos a charge numa nica olhada e ativamos contextos a partir do nosso
estoque de conhecimento, ou seja, dos textos a que temos acesso em nossa vida, mas, no
caso das charges, ativamos principalmente textos atuais. Portanto, o humor obtido no
pela s resoluo de uma incongruncia, mas pela intertextualidade e pela polifonia,
pois a partir dessa relao entre textos que nasce o humor. Pagliosa (2005: 156)
tambm defende essa idia de construo de humor no texto chrgico, para ela:
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Captulo II
Multimodalidade
A Semitica Social considera aes sociais como fenmenos multimodais, isso
significa dizer que os gneros textuais, j que so aes sociais, so tambm
multimodais. Os gneros orais podem, por exemplo, combinar palavras e gestos,
palavras e entonaes, etc.; os gneros escritos podem combinar palavras e imagens,
palavras e animaes, palavras e tipografias, etc. Nosso objetivo, portanto, no provar
que a charge impressa ou virtual um texto multimodal, mas mostrar como se d a
multimodalidade na charge.
A base terica discutida neste captulo de suma importncia, j que a charge
um gnero muito mais visual do que verbal e os estudos multimodais retomados aqui
focam principalmente a comunicao no verbal. Nossa verificao a respeito da
multimodalidade relevante tambm porque as mltiplas linguagens articuladas na
charge sero apontadas como formadoras de argumento para consolidar uma opinio
(ou opinies) e atingir o pblico leitor.
coloridas. Outro elemento importante o trao do desenho que varia muito de acordo
com o chargista, j que o trao extremamente artstico e, portanto, subjetivo.
Neste estudo, nos basearemos na teoria da Semitica Social desenvolvida
principalmente por Theo van Leeuwen e Ghuter Kress a qual afirma que descrever
linguagem descrever o que pessoas fazem com palavras, ou imagens, ou msica.
(1996: 08)
Ao apontar dez razes para que os lingistas atentem para a comunicao visual,
Leeuwen (2004) usa um exemplo de uma publicidade impressa que mistura imagem e
texto escrito. Sua discusso central gira em torno de alguns questionamentos: no
exemplo dado, h mais de um ato de fala; h apenas um ato de fala, mas que
formulado duas vezes, uma visualmente, de maneira mais direta, e outra verbalmente,
de modo mais indireto e formal; ou h um nico ato comunicativo multimodal, no qual
imagem e texto se combinam como os instrumentos de uma orquestra? Analisemos o
exemplo abaixo.
Charge XII
Essa charge trata da invaso Cmara dos Deputados realizada pelo Movimento
pela Libertao dos Sem Terra (MLST) ocorrida em 06 de junho de 2006. O MLST
reivindicava a revogao que proibia a vistoria para a reforma agrria de propriedade
ocupada. Exigia tambm a liberao de recursos do Oramento para a Reforma Agrria.
A invaso chamou ateno pela violncia dos mais de quinhentos sem-terra que
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Imagem:
Duas caricaturas
Policial: uniformizado, segura o semterra e o ameaa com o cacetete.
Sem-terra: descalo, armado com uma
foice, roupas simples e chapu; cor da pele
plida, amarelada.
Congresso, ao longe e sem cores, num
estilo de desenho diferente, quebrado, rachado
ao meio.
Balo de fala.
Linguagem verbal:
Discurso direto.
Primeira pessoa do plural, indicando
que a caricatura representa o grupo dos semterra.
Verbo invadir, faz parte do discurso
de sem-terras, de polticos e da mdia ao tratar
de reforma agrria.
Expresso latifndio improdutivo, o
discurso sem-terra aplicado a outro contexto, a
terra improdutiva, no caso, o congresso.
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Charge XIII
Esse segundo exemplo retoma o processo eleitoral vivido pelo pas naquela
poca. Com o ttulo Cirque du Eleioleil, resultado de uma intertextualidade com o
nome do Cirque du Soleil, o chargista Ronaldo8 chama as eleies de circo.
Centralizado no quadro, h um palhao malabarista tentando equilibrar alguns dos
maiores problemas vividos no Brasil. O palhao, que parece estar muito bravo,
representa os eleitores os quais equilibram dois esquemas de corrupo: mensalo e
sanguessugas; e dois problemas sociais: desemprego e violncia. Atravs da
intertextualidade, essa charge condensa dois contextos, o circense e o poltico. O humor
surge exatamente dessa criatividade: comparar a prtica eleitoral democrtica,
conseguida a duras penas pelos brasileiros, a um circo, ou seja, as eleies so uma
palhaada. Podemos notar ainda nesse texto uma intertextualidade intergenrica, ou
seja, um gnero que, sem perder sua funo comunicativa, usa a estrutura formal de
outro. No caso da charge XIII, observamos um formato que lembra um texto
publicitrio, tipo cartaz de circo. Isso ratifica a comparao das eleies com um circo e
confirma o contexto misto.
Ronaldo Cmara, alm de ilustrador e chargista do Jornal do Commercio, tambm arquiteto e escultor.
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53
Aps analisarmos brevemente esse texto, podemos concluir que seus elementos
verbais e no verbais constituem um todo comunicativo. A linguagem verbal que d
ttulo charge em parceria com a imagem introduz todo o contexto misto abordado pelo
texto. Jamais poderamos admitir que houvesse dois atos de fala, um formulado
visualmente e outro formulado verbalmente. Como poderamos entender que o palhao
representa o eleitor sem o ttulo da charge que expe o contexto misto? Alm disso, sem
os nomes nos malabares que esto sendo equilibrados, eles seriam mera ilustrao e no
diriam, como dizem, o que esse eleitor precisa equilibrar. Portanto, se gnero textual
ao social, por mais linguagens diferentes que possua, forma um nico ato
comunicativo.
Imagem:
Caricatura:
palhao
de
bon,
de
identificando
os
Assim, Leeuwen afirma que os atos de fala deveriam ser renomeados como
atos comunicativos e compreendidos como microeventos multimodais nos quais todos
os signos presentes se combinam para determinar sua inteno comunicativa (2004:
08). Essa anlise de Leeuwen corrobora com nosso estudo sobre a construo
humorstica na charge. Esse nico ato comunicativo que envolve diferentes modos de
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linguagem assim como diferentes contextos deve ser compreendido em sua totalidade,
no que chamamos de contexto misto.
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Charge XIV
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Voltaremos charge XIV (pgina 57) para explicar o quadro acima. A primeira
diviso feita por Stckl relaciona-se aos cinco sentidos: viso, audio, tato, olfato e
paladar. No caso da charge impressa, apenas a viso necessria para a compreenso.
J na charge VII (pgina 27), virtual, que engloba som, animao e msica teramos,
nessa coluna de canais sensitivos, no s a viso, mas tambm a audio. A segunda
coluna relaciona os modos nucleares, na charge XIV seriam tambm imagem e
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linguagem, mas h casos de charges, como j vimos, em que iremos encontrar apenas
imagem. Continuando a comparao com a charge VII, nesta coluna teramos no s
imagem e linguagem verbal, mas tambm som e msica. A terceira coluna apresenta as
variantes mdias. Na charge XIV, a imagem esttica e a linguagem verbal escrita.
Na charge virtual, certamente a imagem dinmica e a linguagem verbal pode, alm de
escrita, ser falada. Dentre os modos perifricos est o significado no-verbal da imagem
e a tipografia ou layout da escrita. Os sub-modos englobam as cores, o tamanho, a
distncia, a linguagem corporal, a postura, os gestos. No caso da linguagem verbal, os
sub-modos so a fonte, seu tamanho, seu estilo, sua cor, os espaos, a paragrafao, os
tpicos, os atos de fala, o lxico, a sintaxe, as figuras retricas, entre outros.
Analisando os sub-modos na charge XIV, temos, na imagem, a ausncia de
cores, o presidente Lula numa posio de destaque com relao aos outros dois
candidatos caricaturados. Acima, apontamos detalhadamente a linguagem corporal dos
candidatos. O presidente tem o aspecto de tranqilidade com os olhos cerrados, olhando
para baixo, os braos cruzados e a cabea repousando dobre eles numa postura relaxada.
O candidato Alckmin olha para cima com uma das mos no queixo, o tronco inclinado
para trs, demonstrando bastante espanto. A candidata Helosa Helena tambm olha
para cima, com as mos na cintura, numa postura que indica desagrado. Os olhares entre
os candidatos so vetores na figura. No desenho do balo, o cesto que carrega o
presidente um carto do Bolsa Famlia. uma mistura interessante a insero de
uma figura real, um tipo de fotografia, num texto chrgico que normalmente feito
mo de acordo com a criatividade do chargista. neste carto que encontramos a
linguagem verbal escrita. No canto superior esquerdo, est o slogan do Governo
Federal, originalmente colorido, a letra A forma tambm a bandeira do Brasil.
Centralizado no carto, temos o ttulo do projeto, com letras em negrito, com as iniciais
maisculas. Logo a seguir, apresentaremos dois quadros com a anlise completa das
charges VII e XIV.
Stckl, aps apresentar o quadro anteriormente apresentado, faz algumas
consideraes sobre ele, concluindo que todos os modos so multi, pois cada modo
central possui modos perifricos e sub-modos.
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Modos
Variantes
Modos
Sensoriais
Nucleares
Mdias
Perifricos
Visual
Imagem
Esttica
Significado
no-verbal
Sub-modos
Caractersticas
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Lnguagem
Verbal
Escrita
Tipo-grafia/
Layout
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Modos
Variantes
Modos
Sensoriais
Nucleares
Mdias
Perifricos
Visual
Imagem
Dinmica
Significados
no-verbais
Sub-modos
Caractersticas
Consideraremos nesta anlise a verso da charge virtual com som para que possamos ampliar nosso estudo. O exemplo sonoro s no foi ilustrado pela bvia
impossibilidade da impresso, mas est anexado no final deste trabalho.
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Sonoro
Linguagem
Verbal
Fala
Som
Fala
Msica
Vinheta
Significados
para-verbais
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Charge XV
A nica forma de linguagem verbal no texto acima a sigla do PT, fora isso s
h imagens. Essa charge faz aluso s confuses em que alguns integrantes do Partido
dos Trabalhadores se envolviam na poca, como o esquema dos sanguessugas e do
dossi contendo provas contra a oposio que o PT tentou comprar. Nessa ocasio, a
populao comentava que a campanha de Lula vinha muito bem, mas que seu partido,
ao invs de cooperar, estava atrapalhando, pois, no caso do dossi, as provas no foram
obtidas e Lula ainda teve de explicar como havia conseguido a fortuna para pagar a
compra.
Para compreender essa charge, ativamos imediatamente nosso conhecimento de
mundo e inferimos uma expresso corriqueira em nossa sociedade: Lula foge do PT
assim como o diabo foge da cruz. Na verdade, a produo e a compreenso desse
texto dependem totalmente da linguagem verbal, embora seja ele seja quase todo
imagtico. A linha que separa os dois quadros o elemento comparativo visual que
poderia equivaler locuo conjuntiva assim como.
O inverso se pode observar com a prpria histria do alfabeto, como mostram
Leeuwen e Kress em Reading Images. A lngua falada, segundo os autores, um
fenmeno humano natural. A lngua escrita, porm, desenvolveu-se em apenas algumas
culturas, as quais necessitavam dos registros comprobatrios que a fala no garantia,
normalmente em transaes ligadas religio e ao poder poltico e econmico. Esses
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registros, inicialmente eram feitos atravs de signos icnicos, ou seja, a relao entre o
signo e o objeto representado era transparente. isso que ocorre at hoje nos
ideogramas chineses. Por isso importante lembrarmos que a prpria escrita uma
forma de comunicao visual.
Conforme Stckl, linguagem verbal e imagem podem aparecer juntas num texto
de duas maneiras diferentes. Inicialmente, o texto verbal pode adquirir qualidades de
imagem atravs da tipografia ou do layout. Neste caso, o modo perifrico, tipografia, da
variante mdia escrita, parcialmente transferido de um modo nuclear (linguagem
verbal) para outro (imagem).
Charge XVI
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preocupao delas pelo ataque sofrero. Mas queremos chamar a ateno em especial
para a letra A/avio. A letra A virada 180 representa, ao mesmo tempo, a primeira
diviso e o avio que se chocou contra as torres gmeas em 11 de setembro de 2001.
Este exemplo ilustra bem nossa discusso acima, ou seja, a linguagem verbal com
qualidade de imagem.
O segundo tipo de integrao entre imagem e linguagem verbal quando o texto
combinado com a imagem. Estes dois modos nucleares so semantica e formalmente
integrados e cada um emprega sua gama de sub-modos, o que faz com que o potencial
semitico de cada modo nuclear aumente, contribuindo para a comunicao atravs de
uma percepo total, nica. Essa anlise de Stckl confirma a afirmao de Leeuwen
com relao realizao de um nico ato comunicativo e corrobora tambm com a
nossa idia sobre o humor e o contexto misto.
Charge XVII
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Captulo III
Teoria da Argumentao
No primeiro captulo, estudamos os principais conceitos lingsticos que tm
norteado nosso trabalho. Vimos que atravs da charge opinies so construdas e
divulgadas, num processo persuasivo em que os argumentos so formados por uma
condensao de contextos informativos que estabelecem crtica humorstica. A charge
faz parte do editorial dos jornais, tanto que no Jornal do Commercio e no Diario de
Pernambuco ela publicada no caderno de opinio, em meio a cartas argumentativas,
carta de leitores e textos opinativos em geral. Na Folha de Pernambuco, publicada na
primeira pgina. Como texto de opinio, a charge consegue, muitas vezes, ser mais
contundente e objetiva em seus argumentos que os demais gneros com os quais dialoga
e exatamente esse poder de persuaso que instiga nossa investigao. Queremos
mostrar que essa fora argumentativa emerge da multiplicidade de linguagens que esse
gnero utiliza e da quantidade de informaes que condensa em sua crtica bem
humorada.
Para tanto, iremos apresentar um panorama histrico partindo da Antiga Retrica
desde os primeiros registros da utilizao da argumentao at a Nova Retrica
com o renascimento da valorizao da arte de argumentar. Tambm apresentaremos de
forma sucinta a Teoria da Argumentao na Lngua, a qual analisa a argumentao de
um ponto de vista mais lingstico. Esses estudos sero revistos como forma de resgate,
j que so os alicerces da Retrica Visual, principal teoria em que nos basearemos.
III.1.1. Aristteles
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10
A Nova Retrica analisada aqui em seu incio, voltada para a teoria argumentativa e baseada no
Tratado da Argumentao.
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Charge XVIII
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comunidade que esteja de acordo com o debate, tal comunidade formada inicialmente
pelo chargista, pelos leitores e por seu suporte, o jornal. Quando o leitor abre um jornal
e vai em busca do texto chrgico, compreendendo-o ou no, se mostra aberto ao debate.
Aliado a isso, normalmente toda charge possui uma tese, uma questo a ser discutida.
Na charge XVIII, a tese de que Mendona tenta tirar vantagem da carreira poltica de
Jarbas. Alguns leitores iro aderir tese, outros no.
A terceira condio de argumentao ter um contato positivo com o auditrio.
Essa exigncia engloba as outras duas, j que no se pode ter um contato positivo com o
auditrio quando no h adeso tese defendida pelo autor, menos ainda quando no se
compartilham as linguagens. Na verdade, as trs condies so interdependentes, pois
para ter contato positivo com o auditrio imprescindvel ter com ele linguagem
comum. Se no estabelecemos esse contato positivo, ele no ir aderir tese. Numa
anlise geral, as caractersticas multimodais da charge, como a imagem, so
facilitadoras para o contato positivo com a sociedade atual. O prprio Perelman (2005:
26) nos permite essa concluso quando afirma que:
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Charge XIX
Charge XX
Charge XXI
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compreenso dos textos citados. Porm, acreditamos que, para compreender um texto
como a charge XVIII ou a charge XIV (pgina 57), por exemplo, no necessrio
apenas reconhecer as caricaturas de polticos famosos, mas retomar todos os fatos
polticos a que as charges aludem. Nas charges XIV e XXI, por exemplo, o texto verbal
seria desnecessrio, apenas com a leitura da imagem podemos compreender que, na
opinio do chargista, o Brasil estava de salto alto e que o crebro do brasileiro se
transformou numa transmisso de copa do mundo, ou seja, o brasileiro no pensa em
mais nada alm de futebol. Mesmo com a fcil leitura imagtica, Clriston resolveu
contextualizar os textos verbalmente. Durante a anlise do nosso corpus percebemos
que tal fato recorrente, enquanto as charges do Commercio e do Diario normalmente
requerem maior informatividade do leitor, as charges da Folha so, por vezes, mais
diretas.
A nova retrica uma teoria de enorme importncia, pois reviu a noo de
retrica como a arte do bem falar e formulou um estudo que privilegia os interlocutores
dos textos, alm de ressaltar a importncia da linguagem comum entre os interlocutores.
O Tratado da Argumentao reavivou os estudos da retrica, abrindo o caminho para
que diversas tendncias lingsticas como a Anlise do Discurso, a Lingstica de Texto
e a Semntica Argumentativa utilizassem a argumentao como objeto de estudo.
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Mais tarde, com a continuidade de sua pesquisa e com uma profundidade maior
em seus estudos, Ducrot e Anscombre (1989) ampliam o conceito de argumentao que
no diz mais respeito aos enunciados na sua totalidade, mas aos elementos semnticos
que constituem seu sentido. a partir desse tipo de anlise que surge a noo de
topos, lugar comum argumentativo que orienta para uma concluso. O princpio
argumentativo do Topos tem trs propriedades: universal, geral e gradual. Usando
nosso corpus como exemplo, procederemos a anlise desses trs princpios. A
universalidade refere-se a um sentido aceito e compartilhado por uma comunidade
lingstica.
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Charge XXII
A charge XXII foi publicada no dia dez de junho de 2006, dia em que a
Argentina estreou na copa do mundo contra o pas africano Costa do Marfim. O
chargista, Samuca, compe seu argumento a partir do sentido universal de que
brasileiros e argentinos so concorrentes ferrenhos em se tratando de futebol. Assim, a
partir do ttulo contextualizador da situao Argentina x Costa do Marfim, Samuca
desenha o brasileiro assistindo ao jogo e literalmente secando a Argentina. O humor
fica por conta do uso do secador de cabelos, uma brincadeira com o duplo sentido da
palavra secar. O uso do verbo secar no contexto futebolstico conotativo e
significar torcer contra mas a ao ilustrada pelo cartunista se refere ao uso denotativo
do verbo, ento estabelecida uma relao entre contextos situacionais inusitados.
A segunda propriedade dos topoi, a generalidade, decorrente da universalidade.
De acordo com a generalidade, o sentido deve ser vlido no s numa situao
especfica, mas em uma srie de situaes anlogas. Por exemplo, no somente no dia
dez de junho de 2006 os brasileiros estariam torcendo contra os argentinos, mas em toda
competio esportiva, particularmente o futebol, em que Brasil e Argentina estejam
participando e possam vir a ser adversrios.
Alm de serem universais e gerais, os topoi devem ser principalmente graduais.
Conforme Ducrot (1989: 26), as situaes trazidas pelo argumento devem se relacionar
em duas escalas, duas gradaes, entre as quais estabelecem uma correspondncia que
os matemticos qualificam de uniforme/monotone. Na charge XXII, da qual
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podemos inferir o topos o brasileiro torce contra o argentino, temos uma escala que
coloca em correspondncia o jogo argentino e a torcida contra do brasileiro: quanto
mais o argentino joga, mais o brasileiro torce contra; quanto mais o argentino perde o
jogo de futebol, mais agradvel ao brasileiro.
Essa viso panormica das teorias argumentativas crucial para que possamos
conhecer outras consideraes acerca da argumentao. Muitas idias abordadas at
aqui so basilares e, portanto, retomadas constantemente por estudos mais atuais. Ao
nos aprofundarmos nas anlises da Retrica Visual, perceberemos alguns conceitos
sendo revistos.
proposicional, ou seja, suscetvel de ser dito verdadeiro ou falso, pode ser aceito ou
rejeitado. Tanto as alegaes quanto as razes so tambm proposicionais. A segunda
implicao que o argumento no necessariamente lingstico ou verbal. De acordo
com o conceito de OKeef tanto a alegao quanto as razes precisam ser
linguisticamente explicveis. Portanto, isso significa que, por exemplo, devemos ser
capazes de explicar linguisticamente o argumento visual, mas no necessariamente
devem ser expressos em linguagem verbal desde o incio. Assim sendo, conforme Blair,
para constatarmos a existncia de um argumento, devemos ser capazes de dizer qual a
alegao e quais so as razes e percebermos que elas podem ser aceitas ou rejeitadas.
importante notarmos que o conceito de alegao e razo se aproximam, em
parte, do que Ducrot chamou respectivamente de concluso e de Topos e da idia de
Aristteles de tese e premissa. No estamos afirmando que OKeef repete teorias j
consagradas, mas tentamos mostrar certa continuidade entre esses estudos.
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Charge XXIII
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Mendona foi vice de Jarbas durante oito anos; Jarbas e Arraes so figuras polticas
ilustres que podem fortalecer os candidatos durante a disputa. Essa charge tambm
proposicional, j que o leitor pode concordar ou rejeitar a alegao e as razes. Assim,
podemos comprovar a existncia do argumento visual, j que a charge XXIII, mesmo
sem linguagem verbal alguma, atende nossa definio de argumento, ou seja,
proposicional, possui alegao e razes.
Mesmo com demonstraes desse tipo, alguns tericos insistem em rejeitar a
idia de que a linguagem visual pode formar argumento e sua principal justificativa a
iluso de que as imagens so arbitrrias, vagas e ambguas. No negamos que, em
alguns casos, isso seja verdade, mas no consideramos como causa para a
impossibilidade do argumento ser realizado por imagens, j que a linguagem verbal, por
vezes, tambm pode ser extremamente ambgua, vaga e arbitrria.
Relembrando a charge XII (pgina 51), a qual retratava a invaso do MLST
Cmara dos Deputados, podemos constatar que a linguagem verbal ambgua e
insuficiente para a construo textual e argumentativa. Estvamos apenas invadindo
um latifndio improdutivo a fala do sem-terra, nico trecho em que ocorre linguagem
verbal. Sem os elementos visuais, no se pode compreender o texto, inicialmente porque
os desenhos contextualizam os fatos na charge e, depois, porque o texto verbal
ambguo. Sem o visual no entenderamos que um sem-terra falava com um policial, s
temos essa compreenso por causa das caricaturas e do contexto da poca de publicao
da charge. A expresso latifndio improdutivo ambgua, j que, sendo discurso de
um sem-terra, espera-se que ele esteja tratando de terras improdutivas, especialmente na
zona rural, mas, na charge XII, tal expresso faz aluso Cmara dos Deputados. S
conseguimos compreender isso por causa do desenho da Cmara, bastante deteriorada,
ao fundo do quadro chrgico, alm, como afirmamos acima, do contexto situacional da
poca. Portanto, nesse caso e em vrias outras charges, a linguagem visual no mera
coadjuvante, no simplesmente um complemento muito menos uma ilustrao para a
linguagem verbal, mas compe o texto.
O argumento claro na charge, j que h alegao e razes. A alegao seria a
Cmara dos Deputados improdutiva. Como razes, poderamos ter: os deputados
trabalham pouco e no realizam bem suas tarefas, portanto no produzem para o pas o
que deveriam. A charge XII uma proposio, j que se pode concordar ou no com o
fato de que os deputados no produzem como deveriam.
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Voltando charge XXIII (pgina 88), podemos rever a idia que, como
afirmamos anteriormente, muitos estudiosos tm de que a linguagem visual vaga ou
indeterminada. Na charge XXIII, temos apenas imagens, as quais tornam o texto muito
claro, j que as quatro personagens so facilmente identificadas e o argumento
compreendido. Quanto ao fato de alguns considerarem a linguagem visual
demasiadamente arbitrria, j afirmamos, no captulo II, que, segundo a Semitica
Social, a relao significado/significante motivada.
Assim, podemos concluir que o argumento construdo por linguagem visual
to possvel quanto o argumento construdo por linguagem verbal. Na verdade, no
estamos estabelecendo uma dicotomia entre linguagem verbal e visual, mas tentamos
mostrar, desde o segundo captulo, que as imagens no so meras ilustraes ou
complementos para o texto verbal. A charge pode ser formada apenas por imagens, mas
mais comum a utilizao do modo verbal e do visual juntos e, quando isso ocorre,
esses modos se organizam como os instrumentos musicais de uma orquestra. De uma
forma ou de outra, constatamos que a charge um texto argumentativo, j que
proposicional e possui alegao e razes. Enfatizamos a existncia do argumento
construdo pelo visual porque muitos estudiosos simplesmente desconsideram a
ocorrncia desse tipo de linguagem formando textos opinativos e, portanto, formulando
argumentos.
No h uma regra nica para a organizao formal da charge, mas, como vimos
no captulo I, existe um formato regular que faz com que tal gnero seja utilizado em
sociedade. Um dos principais objetivos da charge construir crtica humorstica de um
fato especfico, atual e no atemporal. Para estabelecer tal crtica, o chargista lana mo
da construo de argumentos utilizando linguagem visual e quase sempre linguagem
verbal. Ento, nosso objetivo observar como essas modalidades se organizam nessa
construo.
Ao definirmos charge, no captulo I, mostramos alguns elementos que a
constituem. Dentre os elementos no verbais, os principais so: o trao bsico de cada
cartunista, as caricaturas, os smbolos e signos de uma maneira geral e os bales de fala.
A linguagem verbal aparece principalmente nas falas ou pensamentos das personagens,
em legendas ou ttulos e em onomatopias. O argumento surge quando o chargista se
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Charge XXIV
Em textos desse tipo, a seo superior mostra o que poderia ser e a seo
inferior tende a ser mais informativa e prtica, mostrando o que .
exatamente o que vemos na charge XXIV, a qual trata do rebaixamento
previsvel do Santa Cruz da srie-A para a srie-B. A cobra coral, smbolo do
Santa, est toda machucada, indicando, na linguagem do futebol, que apanhou
muito, ou seja, perdeu vrias partidas. Est enrolada pela cauda num galhinho
mnimo que representa a primeira diviso. O gramado que cobre o monte
tambm cria uma linha imaginria entre a parte superior, ou seja, Ideal e a parte
inferior, o Real. O Ideal para Santa Cruz seria sua permanncia na primeira
diviso, mas a realidade que o time estava caindo o abismo rumo segunda
diviso. Essa forma de composio endossa a proposio de que o Santa est
caindo porque perdeu vrias partidas e que sua pequena chance de permanncia
na srie-A algo ideal e no real. J que idia trazida pelo verbo cair, bastante
usado para indicar derrotas no futebol, vertical (de cima para baixo), o
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Concluso
Charge, primeira vista, um texto engraado e inocente que s vezes at lembra
uma HQ com seus bales e desenhos, o prprio lobo em pele de carneiro. Na verdade,
estamos diante de um gnero que esboa crticas ferrenhas, precisas, num tom jocoso e
irnico. um texto visual humorstico e opinativo, que critica geralmente personagens
ou eventos polticos, esportivos e sociais. Sua construo baseia-se na remisso a um
universo textual geralmente dado pelo prprio jornal. O leitor do texto chrgico tem que
ser um indivduo bem informado para que compreenda e capte seu teor crtico, j que,
como afirmamos durante as anlises, a charge condensa muitas informaes. Ela tem o
objetivo de estabelecer uma opinio crtica e assim persuadir, influenciar
ideologicamente o imaginrio do interlocutor.
luz do texto chrgico, percebemos que lngua ao, pois os chargistas agem,
expondo seu ponto de vista sobre determinado assunto e estabelecendo crticas. Eles no
so simples produtores os quais esperam que um pblico leia passivamente seus textos.
Na verdade, tanto o produtor quanto o leitor so interlocutores que interagem durante os
dois processos, o de produo e o de compreenso. Portanto, o sentido da charge no
est pronto e acabado, mas construdo no momento da interao. Para isso, todo o
contexto enunciativo considerado.
Ao comparar uma charge impressa e uma virtual, pudemos concluir que os
gneros textuais acompanham os modos de interao humana. De acordo com o
momento scio-histrico-cultural, o homem cria e os gneros seguem essa criao.
Retomamos Koch (2004) para afirmar que intertextualidade pode ser considerada em
sentido amplo e em sentido restrito. A presena de discursos vrios na construo do
texto denominada intertextualidade ampla. nesse sentido tambm que Koch entende
polifonia. Em sentido restrito, se caracteriza pela presena implcita ou explcita de um
intertexto. A intertextualidade liga-se ao humor, pois, na charge, o sentido humorstico
no encontrado apenas no inesperado ou na incongruncia, mas principalmente no
jogo de vozes to presente nela. A partir dessa premissa, vimos que as charges
condensam dois, trs ou mais contextos no que denominamos contexto misto, fazendo
comparaes e mesclas inusitadas, resultando numa crtica bem humorada.
A formulao de todo esse processo se configura na combinao de modos de
linguagem, como vimos no segundo captulo. Consideramos gnero como ao social e
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Anexo
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