Lidieth Yorleni Alpízar Barquero
Lidieth Yorleni Alpízar Barquero
Lidieth Yorleni Alpízar Barquero
INSTITUTO DE ARTES
CAMPINAS
2015
LIDIETH YORLENI ALPÍZAR BARQUERO
___________________________________
CAMPINAS
2015
Agradecimentos
Agradeço ao meu orientador, Dr. Mário Santana, por acolher o projeto e me guiar em
cada passo. Muito obrigada pela entrega, paciência, compromisso e orientação no
meu processo de aprendizagem.
Agradeço aos atores Janko Navarro, Oscar González e Felipe González, e aos
diretores David Korish e Leonardo Sebiane. Muito obrigada pela confiança, apoio,
amizade, inspiração e companhia.
Agradeço às instituições
Organização de Estados Americanos (OEA), por financiar meus estudos no Brasil.
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), por me acolher.
Agradeço especialmente aos meus amigos e amigas, por ter sido minha rede de afeto,
conselho, apoio, companhia, paciência, oração, risadas, luz e carinho.
No Brasil
Cintia Alireti, Rafael Ary, Vinicius Carvalhaes, Viviane Drumond, Vânia Eger,
Fernanda Januzelli, Carlos Jiménez, Ana María Kernick, Paula Linhares, Daniel
López, Gina Monge, Neusa Monteiro, Camila Morosini, Aline Olmos, Laura Riba,
Leonardo Sebiane e Daniely Viveiros.
Na Costa Rica
Sebastián Araya, Silvia Arce, Angie Barrantes, Goretti Dañobeitia, Vanessa De la O,
Marta Madrid, Andrea Mata, Manuel Monestel, Jose Montero, Rocío Quillis, Flor
Rodriguez, Tatiana Sobrado, Marlen Vega e Hilma Villalobos.
Palavras
Ator; diretor; processo colaborativo; artes cênicas; Costa Rica; Brasil
ABSTRAC
This thesis explores the roles and relationship of actors and directors in
two Costa Rican productions: Manuales de (in) seguridad (2012) and El
Patio (2013). It is based on Brazilian theatre experiences that worked with
the method Processo Colaborativo (collaborative process), which first
started in the 1990s. This study reveals convergence between the creation
process of the Costa Rican productions and aspects of Processo
Colaborativo. The results conclude that processes of transculturation are
taking place in current Costa Rica theatre, which allows for an
interpretation of it being strongly influenced by contemporary Brazilian
theatre.
Words
Actor; director; processo colaborativo; performing arts; Costa Rica; Brazil
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................09
CAPÍTULO I
1. PROCESSO COLABORATIVO..................................................................14
1.1 DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO NO BRASIL..........................18
1.1.1 Definição das funções...................................................................31
1.1.2 Organização horizontal................................................................31
1.2 INFLUÊNCIAS DA PERFORMANCE ART NA CRIAÇÃO
COLETIVA............................................................................................... 32
1.2.1 Performance Art............................................................................33
1.2.2 Criação Coletiva...........................................................................41
1.3 O DIRETOR E O ATOR NO PROCESSO COLABORATIVO..............50
1.3.1 O diretor........................................................................................52
1.3.2 O ator.............................................................................................55
CAPÍTULO II
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................131
4. BIBLIOGRAFIA..................................................................................................135
9
INTRODUÇÃO
1
O Conservatorio Castella é uma instituição pública do Ministerio de Educación de Costa Rica (MEP),
especializada na educação formal em artes no nível de primeiro e segundo grau do ensino básico.
10
de estudo, a fim de entender o modo de criação que atores e diretor exerceram durante o
processo criativo da peça.
Assim, a presente pesquisa tem como objetivo identificar aspectos de Processo
Colaborativo presentes no modo de criação dos atores e diretores de Manuales de (in)
seguridad e El Patio.
Foram usadas, como instrumento de análise, as catorze linhas de força fundamentais
do Processo Colaborativo2 propostas por Antônio Araújo, diretor do grupo Teatro da
Vertigem, e um dos principais teóricos do termo Processo Colaborativo nos estudos teatrais
brasileiros contemporâneos. As catorze linhas de força são:
1) Atitude cultural e propositiva;
2) Vontade e capacidade de cooperação;
3) Existência e potencialização de funções artísticas específicas delimitadas antes do
início dos ensaios;
4) Interesse em pesquisa e experimentação;
5) Realização de pesquisa teórica e de campo;
6) Prática baseada em improvisações e workshop;
7) Construção cênica ancorada na tensão entre depoimento pessoal e depoimento
coletivo;
8) Ênfase no caráter processual, incorporando o precário e o inacabado à própria
constituição da linguagem;
9) Criação de dramaturgia inédita;
10) Encenação processual e aberta;
11) Processo continuado de feedback;
12) Perspectiva de compartilhamento pedagógico;
13) Abertura do processo de ensaio a estagiários, convidados e público interessado;
14) Interferência dos espectadores na construção da obra.3
Por outra parte, é relevante considerar que a produção teórica sobre Processo
Colaborativo iniciou quando esse modo de criação era praticado há uma década por grupos de
teatro da cidade de São Paulo. Portanto, é pertinente destacar que os primeiros a teorizar sobre
o Processo Colaborativo foram os próprios atores, diretores e dramaturgos desses grupos de
teatro: ARAÚJO (2002, 2006, 2008) e ABREU (2003), principalmente.
2
ARAÚJO, Antônio. A encenação no coletivo: desterritorializações da função do diretor no processo
colaborativo. Tese de Doutorado em Artes Cênicas. Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São
Paulo. São Paulo, 2008. P.63.
3
Ibid.
12
4 [Tradução minha] Original: No obstante, hoy en día, cuando se proclama desde diferentes ámbitos la muerte del
arte en los tiempos post- o incluso hiper- modernos, la creación misma ha dejado de ser ingenua y requiere cada
vez mayor conocimiento de la tradición y sus rupturas. El acto creativo va siendo en forma creciente una revisión
del “estado del arte” y una propuesta que se revela contra formas preexistentes. ( GRASS, 2011: 198)
13
CAPÍTULO I
1. PROCESSO COLABORATIVO
5 Antônio Araújo é diretor do grupo Teatro da Vertigem da cidade de São Paulo e um dos principais autores-
pesquisadores do termo Processo Colaborativo. Mais adiante, no presente capítulo aprofundarei a
respeito de seus estudos.
15
Hoje, contudo, acreditamos que melhor do que “ausência” de hierarquias, seja mais
apropriado pensarmos em hierarquias momentâneas ou flutuantes, localizadas, por
algum momento, em um determinado polo de criação (dramaturgia, encenação,
interpretação, etc.) para então, no momento seguinte, se mover rumo a outro vértice
artístico (ARAÚJO, 2008: 56).
Além dos relatos de experiências de grupos como o Teatro da Vertigem, que vêm
constituir parte dos princípios norteadores do termo Processo Colaborativo, nos estudos
teatrais no Brasil, é importante considerar que as referências mais antigas sobre este conceito
estão fundamentadas nos relatos de práticas de grupos teatrais da década de 1960, de países
como Inglaterra, França e Estados Unidos, assim como de grupos da América Latina e mesmo
do Brasil.
A esse respeito, o próprio Antônio Araújo (2008) afirma que a palavra “colaborativo”,
no âmbito da criação nas Artes Cênicas, é mencionada, pela primeira vez, no ano de 1974,
pelo grupo britânico Out of Joint6, dirigido por Max Stafford, sendo retomada, anos mais
tarde, pelo grupo americano SITI Company7, criado no ano de 1992 por Anne Bogart e
Tadashi Zusuki. Esses dois grupos começaram a chamar seus procedimentos de criação de
collaborative work (trabalho colaborativo) (ARAÚJO, 2008: 57).
Na tentativa de identificar as primeiras reflexões teóricas sobre Processo Colaborativo,
um antecedente que chama a atenção é o livro Devising Theatre: A Practical and Theoretical
Handbook, publicado no ano de 1994, pela pesquisadora Alison Oddey. A autora explica, a
partir do conceito de Devised theatre8, alguns modos de criação praticados por companhias
britânicas na década de setenta - como The People Show, Testtle Theatre, Belgrade Theatre-
in-Education Company, Red Ladder e Welfare State Internacional -, que mostram ser
tendências de criação colaborativa. Para Oddey, "Devised work é uma resposta e uma reação
à relação dramaturgo-diretor, ao teatro baseado no texto e ao naturalismo e desafia a ideologia
dominante do texto de uma pessoa sob a direção de outra pessoa". (ODDEY, 1994: 4) 9
A autora aponta para o que mais tarde vai ser fundamental nos estudos sobre o
Processo Colaborativo: o debate sobre a noção do dramaturgo como figura superior no
processo criativo. Essa noção parte da premissa de que, mesmo que tenham outra visão da
obra, diretores e atores devem seguir as ideias do dramaturgo, que estão manifestadas no texto
dramático. Para complementar essa noção, a seguir apresento, visualmente, dois modos de
organização que permitem entender o deslocamento da figura do dramaturgo no processo
criativo, segundo o texto de Oddey (1994).
Modo de organização no “teatro baseado no texto”.10
Dramaturgo
Diretor
Ator
Ator Diretor
Dramaturgo
8 A tradução literal para o português é “teatro idealizado”, mas, pela reflexão desenvolvida pela autora,
torna-se mais apropriada a tradução “teatro de funções”.
9 [Tradução minha] Original: “Devised work is a response and a reaction to the playwright–director relations,
to text based theatre, and to naturalism, and challenges the prevailing ideology of one person’s text under
another person’s direction”. (ODDEY, 1994: 4).
10 O conceito “teatro baseado no texto” é usado por Alisson Oddey (1994) para se referir à tendência de
criação teatral que considera o autor do texto dramático como a figura de autoridade; o diretor, portanto,
deve encaixar suas ideias de encenação ao que disse o dramaturgo, enquanto que o ator deve encaixar sua
interpretação às ideias do diretor. Aqui fica clara a hierarquia vertical que foi mencionada no começo do
capítulo e que é contrária à visão proposta no Processo Colaborativo.
17
Para Oddey (1994), o Devised theatre parte do princípio de que todos os artistas do
grupo participam ativamente de todo o processo de criação do espetáculo cênico, o que
pressupõe que o “Devised theatre compreende a arte do teatro como criação de um coletivo
(não como a visão de um dramaturgo) e é aqui que a ênfase desloca-se do escritor para o
artista criador" (ODDEY, 1994: 11)11.
Na diversidade dos relatos das experiências dos grupos, a autora identifica aspectos
comuns nos processos de criação que permitem perfilar o conceito de Devised theater. O
interesse por mesclar procedimentos e técnicas diversas para a criação da obra vai representar
o aspecto predominante e constante nessa tendência criativa. É nesse aspecto que a autora
disserta sobre a premissa de que - ao mesclar procedimentos e técnicas que vão além do
teatro, como a dança, a música, entre outros, e com a participação ativa de todos os artistas -
elevam-se as probabilidades de conflito entre as relações humanas, e a forma com que as
dificuldades são assumidas pelo coletivo reafirma a necessidade de uma dinâmica de trabalho
de carácter colaborativo que dê valor às individualidades e autonomias num ambiente
democrático e de organização horizontal.
Sobre o estudo de Oddey (1994), é interessante mencionar que, no ano de 2007, os
professores da Royal Holloway da Universidade de Londres, Emma Govan, Helen Nicholson
e Katie Normington, publicam o livro Making a Performance, Devising Histories and
Contemporary Practices. Nesse livro, os autores refletem sobre o termo Devised theatre que a
autora Alison Oddey propôs no ano de 1994 e desenvolvem uma maior relação desse termo
com práticas contemporâneas do teatro e da performance nos Estados Unidos e alguns países
da Europa.
Segundo Govan, Nicholson e Normington (2007), práticas de Devised theatre já eram
exercidas nos Estados Unidos desde a década de 1970 com o nome de collaborative creation
(criação colaborativa), enquanto, na Europa, também na década de 1970, as mesmas
experiências eram difundidas de creative collectives (criação coletiva).
11[Tradução minha] Original: Devised theatre is concerned with the collective creation of art (not the single
vision of the playwright), and it is here that the emphasis has shifted from the writer to the creative artist”
(ODDEY, 1994: 4).
18
12 [Tradução minha] Texto original: “It is interesting that, in the USA, this aspect of theatre- making is often
described as ‘collaborative creation’ or, in the European tradition, as the product of ‘creative collectives’,
both terms that emphasise group interactivity in the process of making a performance” (GOVAN, E.
NICHOLSON, H. NORMINGTON, K, 2007: 4).
13 O termo Devised Theatre, como tendência de modo de criação, compartilha aspectos da chamada Creación
Coletiva na América Latina, a Criação Coletiva no Brasil, a Collaborative Creation nos Estados Unidos e a
Creative Collectives na Europa, no sentido de que a obra é construída de forma coletiva e sem a
participação tradicional de figuras como as do diretor e do dramaturgo, isto é, que partem do princípio de
que “todos fazem tudo”.
14 Mais detalhe sobre os grupos e companhias brasileiras da década de 1970 em: FERNANDES, S. Grupos
teatrais - anos 70. Campinas: Editora da UNICAMP, 2000.
19
norteadores congregam, juntam e conjugam uma série de práticas relativas à Criação Coletiva
e ao Teatro Experimental, que começou a se exercitar desde o final de 1970 e durante a
década de 1980, além de aspectos do Teatro dos Encenadores15, correspondendo ao final de
1980 e início de 1990.
O teatro brasileiro da década de 1970 era caracterizado por uma tendência marcante do
chamado teatro de grupo. Atores e diretores se organizavam em grupos e coletivos, a partir de
valores ideológicos e estéticos comuns, para a criação de obras fundamentadas no princípio de
igualdade de participação e decisão entre todos os integrantes do grupo.
A década de 1970 está inserida no período mais crítico da história política do Brasil: o
regime militar, que transcorreu de 1964 até 1985. Assim como sucedeu com outras ditaduras
da América Latina, a comunidade artística brasileira foi censurada e reprimida por conta de
representar uma ameaça às ideias do governo. Unir-se em grupo, portanto, era um princípio de
resistência, oposição e sobrevivência, tanto artística quanto pessoal. Conforme afirma o
pesquisador Mario Santana em sua dissertação de mestrado:
Criou, no início dos anos 70, o Teatro do Oprimido, lançando luz às questões
político-sociais urgentes. Em suas primeiras formas, Boal configurou suas
experimentações a partir do Teatro Jornal, Teatro-Imagem, Teatro Invisível, Teatro
Fórum e outras técnicas que visavam a inserção de manifestações teatrais na
realidade cotidiana e popular, tomando o espectador como espect-ator, termo criado
por Boal para definir a participação do espectador como protagonista da ação
dramática. Assim, o teatro passa a ser praticado como via de sensibilização,
discussão e problematização das oposições entre opressores e oprimidos no contexto
social. (FISCHER, 2003: 9,10)
16Augusto Boal (1931-2009). Atualmente o Teatro de Arena continua sob a direção de sua co-fundadora
Cecilia Thumim Boal, e o filho de ambos Julián Boal dá continuidade às teorias do grupo.
21
O grupo Teatro Oficina17 foi fundado no ano de 1958, por Fernando Peixoto, Renato
Borghi, Italo Nandi e José Celso Martinez, como um grupo de quatro sócios. No entanto, por
diversos motivos, a direção recaiu unicamente sobre José Celso Martinez, que, ao longo do
tempo, consolidou-se como figura emblemática do grupo.18
O Teatro Oficina criou, em 1970, o espetáculo Gracias Señor, produto do intercâmbio
artístico com o Living Theatre. Para autores como Stela Fisher (2003), o processo de criação e
apresentação do espetáculo Gracias Señor, que tinha oito horas de duração, pode ser
considerado como um acontecimento importante que mudou o paradigma de modos de
criação do teatro brasileiro. Essa experiência cênica incentivou a reflexão sobre outros modos
de organização interna dos grupos, que até esse momento não haviam sido explorados por
grupos brasileiros, além da busca por desenvolver novos métodos de criação, entender o
trabalho coletivo desde uma divisão de funções e explorar as relações entre o artista e o
público.
Alguns dos grupos de teatro das décadas de 1970 e 1980 que dão continuidade ao
legado das experimentações do Teatro Oficina e que fixam no teatro brasileiro a tendência da
Criação Coletiva são: na cidade de São Paulo, o Teatro União e Olho Vivo (1969), Royal
Bexiga’s Company (1972), Pessoal de Victor (1975)19, Mambembe (1976), Ornitorrinco
(1977); no Rio de Janeiro, o grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone (1972) e Tá na Rua (1974);
de Sergipe, o grupo Imbuaça (1977) e, de Porto Alegre, Oí Nóis Aqui Traveiz (1978)20. A
esse respeito, Fisher (2003) afirma que “Apesar das divergências ideológicas e estéticas entre
os grupos que comprometeram essa proposta de parceria, a estada do Living Theatre rendeu
ao teatro nacional o ingresso ao modelo de criação coletiva (FISCHER, 2003:11)”.
Ao longo dos últimos anos da década de 1970, houve um crescimento acentuado dos
meios de comunicação no Brasil, e se acelerou ainda mais no início da década de 1980. Tal
fenômeno teve impacto sobre o olhar da arte e sobre o imaginário da identidade brasileira. As
dificuldades de ação comum aumentam, menos por pressão política do que por questão de
17 O nome completo do grupo é Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, mas é conhecido simplesmente como Teatro
Oficina.
18 KOPELMAN, Isa. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pela professora do Programa de Pós-
Graduação em Artes da Cena da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Campinas, 31 de
março de 2015.
19 Símbolo do teatro de grupo da Criação Coletiva e fundadores do curso de artes cênicas da Universidade
Estadual de Campinas.
20 Grupos que a pesquisadora Stela Fisher menciona na sua dissertação de mestrado intitulada Processo
colaborativo: experiências de companhias teatrais brasileiras nos anos 90. Dissertação (Mestrado
em Artes) – Instituto de Artes – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo. 2003.
22
sobrevivência dentro de um mercado capitalista cada vez mais estabelecido. Segundo Santana
(1997),
21 “A noção de encenação é recente; ela data apenas da segunda metade do século XIX e o emprego da
palavra remonta a 1820 (VEINSTEIN,1955:9). É nesta época que o encenador passa a ser o responsável
“oficial” pela ordenação do espetáculo.” (PAVIS, 2011:122).
22 Fernandes, Silvia. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pela professora da Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 12 de novembro de 2014.
23 “Gerald Thomas por exemplo adaptava o texto, quando tinha texto, se não mesmo escrevia, dirigia o ator,
ele fazia iluminação, ele escolhia a música, isto é, ele era o centro do espetáculo” (FERNANDES, 2014)
23
Para Silvia Fernandes (2014)24, o Processo Colaborativo é o modo de criação que pode
ser entendido como o ponto de equilíbrio entre duas tendências opostas na história do teatro
brasileiro contemporâneo: o teatro de Criação Coletiva, da década de setenta, e o Teatro dos
Encenadores, da década de oitenta. O Processo Colaborativo, na visão de Fernandes, surge
como a terceira vertente, produto da oposição entre dois modos de criação divergentes, na
medida em que não nega a importância da figura do diretor, como na Criação Coletiva, nem a
exalta ao atribuir ao diretor a decisão sobre todos os aspectos da obra, como no Teatro dos
Encenadores; pelo contrário, propõe entender a função do diretor como a figura que lidera e
organiza o coletivo, para que, assim, todos os outros artistas possam ter a liberdade de propor
suas próprias ideias sobre todos os aspectos necessários para a criação do espetáculo. Como,
mais uma vez, afirma Antônio Araújo (2008)
24 Fernandes, Silvia. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pela professora da Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 12 de novembro de 2014.
25 TROTTA, Rosyane. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pela diretora de teatro e professora
adjunta da Universidade Federal do Estado de Rio de Janeiro (UNIRIO). Rio de Janeiro, 7 de agosto
de 2014.
24
Falar de “processo” implica pensar em aspectos que estão relacionados com todo o
desenvolvimento do projeto, incluindo modos de organização do coletivo (seja com ou sem
hierarquias, sejam fixas ou flutuantes) e os modos de produção e financiamento (seja de
autofinanciamento ou por editais e patrocínios). A ideia de “processo”, nesse sentido, também
abarca a gestão teatral, outra perspectiva importante do panorama do Teatro de Grupo da
década de 1970,
Um núcleo artístico estável (Trotta, 2006) cria sobre uma mesma linha de projetos,
com o propósito de experimentar estéticas e técnicas que, ao longo do tempo, possam
construir a identidade26 do núcleo27. Assim, é possível identificar que uma das principais
transformações da prática de grupo da década de 1970, com os núcleos artísticos a partir da
década de 1990, é a criação deixar de estar centrada na afirmação de uma ideologia e se
direcionar na busca de uma identidade.
Sobre esta mudança de perspectiva no teatro de grupo, uma das possíveis razões está
no auge de teorias europeias da segunda metade do século XX, que revolucionaram a visão do
trabalho do ator e do diretor no teatro de grupo. Destacam-se as ideias do diretor polonês
Jerzy Grotowski, quando propõe a ideia de grupo como um espaço de “laboratório”, orientado
26 Entende-se a palavra identidade como uma unidade que assume diversas identidades. Também não é
uma ideia fixa; pelo contrário, muitos grupos da América Latina têm conseguido amadurecer e
transformar suas identidades ao longo da prática, mudanças que se evidenciam nas suas estéticas e
linguagens.
27 Núcleo, que significa ponto central e parte proporcionalmente minoritária do todo, difere enormemente
da ideia de coletivo. A palavra núcleo dimensiona uma estrutura em que uma minoria concebe, realiza e
mantém a continuidade do projeto, enquanto os convidados, que representam a maioria, entram no
esquema do trabalho avulso. (TROTTA, 2006: 158)
25
A perspectiva de dar valor ao sentido processual da obra, como aponta o autor Cohen
em seu livro “Work in progress na cena contemporânea”, publicado em 1998, começou a se
tornar uma característica comum em diversas experiências cênicas da cidade de São Paulo, ao
longo da década de 1990. Esse fenômeno ilumina, mais uma vez, a importância da palavra
“processo” no lugar de "criação".
Quanto ao estudo de Cohen (1998), a pesquisadora Silvia Fernandez (2010) comenta
que
O conceito de obra não acabada e o risco implícito num processo que vive da
possibilidade de não confluir para um produto final, mantendo-se enquanto percurso
28 É claro que não negonem tiro valor das reflexões, experiências e teorias próprias da América Latina e do
Brasil que promoveram transformações nos modos de organização de grupos e coletivos nas últimas
décadas.
29 Leitmotiv é um termo usado pelos pesquisadores dos dramas do compositor alemã Richard Wagner para
nomear aos temas musicais repetidos numa mesma composição.
26
Escrever sozinho, no gabinete, como se diz, é uma coisa - você demora o tempo que
quiser e, na maioria das vezes, não tem perspectiva de montagem. Com um grupo é
diferente: o dramaturgo escreve quase que concomitantemente ao trabalho do
elenco, é uma coisa muito mais viva, porque o grupo sugere, comenta, ri, não gosta,
cobra. E o dramaturgo pode cobrar também, pode pedir sugestões e complementos.
E o melhor de tudo: tem mais chance de ver o seu texto encenado, corporificado.
(NICOLETE, 2004: 73).
30 O primeiro grupo a usar este termo foi a Companhia do Latão, com Márcio Marciano e Sergio de Carvalho,
no final da década de 1990. Ver mais detalhe em: FISCHER, Stela. Processo Colaborativo: experiências
de companhias teatrais brasileiras nos anos 90. Dissertação (mestrado em artes) – Instituto de Artes -
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo. Páginas 161- 188.
31 É claro que esta ideia retoma princípios de práticas antigas da história do teatro, quando os dramaturgos
escreviam suas obras nos ensaios com suas próprias companhias; casos exemplares são Molière,
Shakespeare, Brecht.
28
ação comum, baseado no princípio de que todos têm o direito e o dever de contribuir
com a finalidade artística. Rompe-se com o modelo estabelecido de organização
teatral tradicional em que se delega poder de decisão e autoria ao diretor,
dramaturgo ou líder da companhia. (FISCHER, 2003: 39)
32 TROTTA, Rosyane. Autoralidade, grupo e encenação. In: Sala Preta – Revista do PPG em Artes Cênicas –
ECA USP. n 06, São Paulo: ECA – USP, 2006, p. 155-164.
33 TROTTA, Rosyane. Autoria coletiva no processo de criação Teatral. Tese (Doutorado em Teatro)
Programa de Pós-Graduação em Teatro - Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro, 2008.
34 Stela Fischer usa a expressão “o avanço do coletivo para o colaborativo”. FISCHER, Stela Regina.
Processo colaborativo: experiências de companhias teatrais brasileiras nos anos 90. Dissertação
(Mestrado em Artes) – Instituto de Artes – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo.
2003. p.55
35 TROTTA, Rosyane. Autoralidade, grupo e encenação. In: Sala Preta – Revista do PPG em Artes Cênicas –
ECA USP. n 06, São Paulo: ECA – USP, 2006, p. 158.
29
Trotta (2006), por exemplo, mostra que critérios nos modos de organização dos grupos e
coletivos singularizam cada tendência de maneira separada e até contrária uma à outra.
Por outra parte, sobre a noção de que o ator, no Processo Colaborativo, amplia seu
campo de criação com o exercício de outras funções - como produtor, criador e autor -, é
relevante a tese de doutorado do professor Dr. Mário Santana, intitulada “A cena e a atuação
como depoimento estético do ator criador nos espetáculos A Cruzada das Crianças e
Apocalipse 1,11”, que foi defendida em 2003, na Escola de Comunicação e Artes da
Universidade de São Paulo. Nesse estudo, Santana (2003) reflete sobre o trabalho do ator a
partir dos espetáculos das companhias brasileiras Círculo dos Comediantes e Teatro da
Vertigem. A tese de Santana (2003) compreende o percurso em direção à performatividade
como elemento essencial aos processos de criação coletiva e ressalta que o Processo
Colaborativo retoma algumas características da Criação Coletiva e das encenações recentes, a
partir dos anos oitenta, dominadas pela figura do diretor/encenador.
Também em relação à função do ator no Processo Colaborativo, é significativa a
publicação, em 2006, do artigo “O Ator no processo colaborativo do Teatro da Vertigem”,
escrito por Miriam Rinaldi, atriz do grupo. Publicado na revista Sala Preta número 6 do
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Escola de Comunicação e Arte da
Universidade de São Paulo, o artigo mostra que procedimentos de criação, como o chamado
workshop, potencializam a qualidade autoral dos atores que criam em Processo Colaborativo,
característica necessária no Teatro da Vertigem.
democrática e colaboradora entre atores, dramaturgo e diretor. Com esse estudo, o autor
revela as primeiras noções do termo Processo Colaborativo no contexto teatral paulista. Anos
mais tarde, Antônio Araújo apresenta, em 2008, a sua tese de doutorado “A encenação no
coletivo: desterritorializações da função do diretor no processo colaborativo”, também
defendida na Escola de Comunicação e Artes da USP. Araújo (2008) aprofunda a discussão
sobre a figura do diretor no Processo Colaborativo e discorre sobre teorias e experiências
teatrais inerentes aos dois modos de exercer a função do diretor, isto é, na organização e no
gerenciamento dos materiais produzidos durante o processo criativo.
Finalmente, o quarto aspecto fundamental do Processo Colaborativo segundo Fischer
(2003) é a concepção da dramaturgia a partir das improvisações e experiências dos atores
durante o processo de criação. Sobre esse assunto, a experiência do dramaturgo Luís Alberto
de Abreu em processos criativos de caráter colaborativo, situa-o como a principal referência
da prática de “dramaturgia em processo”.36 Também, sobre esta mesma linha de pesquisa, são
relevantes os estudos da pesquisadora Adélia Nicolete, entre os quais chama a atenção o
artigo “Criação coletiva e processo colaborativo: algumas semelhanças e diferenças no
trabalho dramatúrgico”, publicado em 2002, na revista Sala Preta do Programa de Pós-
Graduação em Artes Cênicas da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São
Paulo. Também é importante mencionar que sua dissertação de mestrado, intitulada “Da cena
ao texto: dramaturgia em processo colaborativo”, defendida na Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo, em 2005, aprofunda a discussão sobre a função do
dramaturgo na sala de ensaio e servirá de base para estudos mais recentes, como os do
pesquisador Rafael Luiz Marques Ary (2011 e 2015), que discutem sobre a diversidade de
procedimentos de criação e as oportunidades de formação dramatúrgica relacionada ao
Processo Colaborativo.
Por outra parte, a partir da literatura estudada e das entrevistas realizadas, identifico
dois procedimentos metodológicos comuns no Processo Colaborativo, que têm a finalidade de
potencializar a horizontalidade nas relações entre os criadores do espetáculo: 1) a definição
das funções e 2) a organização horizontal.
36 ABREU,Luís Alberto de.. Processo colaborativo: relato e reflexão sobre uma experiência de criação.
Cadernos da Escola Livre de Teatro. Santo André, v. 1, n. 0, 2003 e ABREU, Luís Alberto de. A personagem
contemporânea: uma hipótese. Revista Sala Preta. São Paulo: Departamento de Artes Cênicas. Escola de
Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo, n. 1, 2001.
31
Ator Diretor
Dramaturgo
O Processo Colaborativo tem suas raízes nas tendências artísticas da década de 1960 e
1970, que revolucionaram aspectos fundamentais do fazer teatral, como as formas de
organização de grupos e os modos de criação dos espetáculos. Autores como Luís Alberto de
Abreu situam a Criação Coletiva como o antecedente direto do Processo Colaborativo, enquanto
estudos de autores como Silvia Fernandes permitem entender que a Performance Art é outro de
seus antecedentes mais importantes.
Tanto as práticas latino-americanas de Criação Coletiva quanto a Performance Art,
desenvolvida nos Estados Unidos, foram tendências de modos de criação que transformaram, a
partir da segunda metade do século XX, a história do teatro da América. Os fundamentos e
princípios de cada tendência estão estreitamente vinculados às circunstâncias políticas e culturais
do ambiente geográfico de seus autores e ao contato que eles tiveram, na época, com outras
tendências artísticas da Europa e Ásia. Na atualidade, no entanto, ambas as práticas seguem em
absoluta vigência no mundo todo.
Seria interessante uma revisão histórica da Criação Coletiva e da Performance Art que
levasse a uma discussão profunda sobre suas divergências e convergências, mas isso me afastaria
do caminho de minha pesquisa. Portanto, unicamente apresentarei as características gerais de
cada tendência, para posteriormente identificar os aspectos que considero presentes no Processo
33
Colaborativo e que têm a função de serem vestígios ou evidências de algumas de suas raízes, a
Criação Coletiva e a Performance Art.
A Performance Art é uma tendência artística que surgiu nos Estados Unidos no início
da segunda metade do século XX e se constituiu como um conjunto de atividades e eventos
públicos de natureza interdisciplinar chamados, cada um, de performance. A importância
dessa tendência corresponde à sua natureza como cruzamento entre diversas expressões
artísticas e práticas culturais e, no alcance da sua difusão, ao influenciar as práticas teatrais
dos últimos trinta anos.
Entre as primeiras referências teóricas sobre os estudos da Performance, destaca-se o
argentino Jorge Glusberg (1932-2012), antigo professor da New York University e autor do
livro The Art of Performance, cuja primeira edição foi publicada em 1980, pelo departamento
de arte e educação da mesma universidade. Segundo Glusberg (2013),
Por outra parte, para o antropólogo americano Richard Schechner (2000), fundador do
Departamento de Estudos da Performance também da New York University, uma
performance, como um ritual, está conformada por sete fases: 1) treinamento, 2) oficina, 3)
ensaio, 4) aquecimento, 5) performance, 6) desaquecimento e 7) consequências.37 A
relação entre Performance e ritual já havia sido descrita por Glusberg (2013), quando afirma
que
Sobre esse assunto, é interessante voltar ao pensamento de Cohen (2007) e ver que
coincide com o de Glusberg (2013), quando centra sua análise também na dimensão da quinta
fase da performance - ou seja, no acontecimento. "Reforça-se com semelhante uso de espaço a
situação de rito, da prática em si, da transição do Que para o Como (a história, o que está
sendo narrado, em si não é o mais importante, interessa mais a própria prática, o happening, o
acontecimento)" (COHEN, 2007: 83).
É claro que, na Performance Art, o foco recai sobre as ações performativas e os
acontecimentos, dado que é esse um de seus princípios norteadores. No entanto, continuando
com a teoria de Glusberg (2013), também é importante que o corpo do artista seja afetado
durante o processo da Performance.
35
É importante tornar claro que a Performance Art vem nomear uma série de
experiências artísticas que estavam sendo praticadas desde décadas anteriores, por músicos,
atores e artistas plásticos. Segundo Glusberg (2013), a apresentação do concerto Untitled
Event, do músico americano John Cage, em 1952, é o acontecimento que define o início da
Performance Art nos Estados Unidos. Assim, Glusberg comenta que:
Com Untitled Event (Evento sem Título), Cage se propôs a uma fusão original de
cinco artes: o teatro, a poesia, a pintura, a dança e a música. Sua intenção era
conservar a individualidade de cada linguagem e, ao mesmo tempo, formar um todo
separado, funcionando como uma sexta linguagem. Nessa obra Cage aplicava suas
idéias sobre o acaso e a indeterminação, que ele já vinha testando na música, nas
suas tentativas, junto com a bailarina Merce Cunningham, de buscar uma renovação
do balé. (GLUSBERG, 2013: 25)
Assim, a Performance Art vem a ser o “sexto discurso” de Glusberg (2013). Como
mencionei no começo do subcapítulo, o importante é o resultado do cruzamento entre todas as
artes, que define a Performance.
Tanto para Cohen (2007) quanto para Glusberg (2013), o grupo Living Theatre,
fundado em 1947 por Judith Malina (1926-2015) e Julian Beck (1925-1985), é um dos grupos
teatrais americanos mais influentes e representativos da Performance Art. Seus modos de
criação, as estéticas e temáticas de seus espetáculos, assim como a relação com programas de
ativismo social, tornaram-se referências norteadoras do teatro contemporâneo.
O grupo Living Theatre chega, pela primeira vez, ao Brasil em julho de 197038,
convidado por Zé Celso Martinez Correa para trabalhar junto com o grupo Teatro Oficina.
Naqueles anos, o grupo americano já era reconhecido internacionalmente como ícone do
teatro de grupo da vanguarda. Os atores do Living Theatre criavam seus espetáculos de modo
coletivo e em contato direto com as comunidades. Era um grupo de clara posição social e
38Para mais detalhes sobre as experiências do grupo Living Theatre no Brasil, ver LIGIÉRO, Z. Corpo a
corpo. Estudos das performance brasileiras. Editora Garamond. Rio de Janeiro, 2011. p- 45-55.
36
A convivência entre o Living Theatre e o grupo Teatro Oficina não foi nada
harmoniosa, ainda que estivesse motivada pelas ideias de “paz” e “liberação”, próprias do
espírito jovem da época. As diferenças culturais, os conflitos pessoais e o contexto de ditadura
foram elementos importantes dessa experiência artística. Sob esse ambiente de tensão, a
professora do Departamento de Artes Cênicas da Universidade Estadual de Campinas, Dra.
Isa Kopelman, compartilha uma de suas lembranças de quando era estudante e trabalhou
como atriz junto com o Teatro Oficina e o Living Theatre:
Era uma crise pessoal, estética e também ideológica, era uma tensão entre vida e
39Cé Zelso Martines conhece Judith Malina em Paris e se interessa pela experiência do grupo Living Theatre
em processos políticos e sociais nos Estados Unidos durante a década de 1960, reconhecido por seu
trabalho criativo de perspectiva multidisciplinar em relação dialética com o povo. Para mais detalhes, ver:
Ligiéro Zeca. Corpo a corpo. Estudo das Performances brasileiras. Garamond. Rio de Janeiro, 2011. p.
45-55.
37
arte, em parte provocada pelas brigas que os sócios tinham40, mais o clima de
paranoia (porque estávamos na alta da ditadura). Era uma loucura, mas que se fazia
muito trabalho prático e se discutia muito. [...] 41
Enfim, tais experiências, como o encontro entre o grupo Living Theatre com o Teatro
Oficina, foram importantes para o crescimento do teatro de tendência performativa na cena
teatral brasileira da época. Os grupos e artistas brasileiros foram exercendo suas próprias
técnicas e estéticas dentro do movimento internacional da Performance Art. Portanto, creio
que algumas dessas experiências perfilam uma parte do que seria a gênese do que hoje é
chamado de Processo Colaborativo.
As linguagens estéticas e procedimentos de criação de alguns espetáculos de
referência do teatro de Processo Colaborativo, como Apocalipse 1,11 (2000), do grupo Teatro
da Vertigem, Café com Queijo (2002), do grupo Lume, e também A Saga de Canudos (2002),
do grupo Tribo de Atuadores Ói Nóis aqui Traveiz42, revelam equivalências e pontos de
contato com princípios da Performance Art. Os pontos que considero como os mais relevantes
para o presente estudo são: 1) work in progress; 2) a relação com o corpo; 3) a
autorreferência43; e 4) o uso de espaços alternativos.
40 Refere-se a Fernando Peixoto, Renato Borghi, Ítala Nandi e José Celso Martinez Correa com os integrantes
do grupo americano Living Theatre e o argentino Los Lobos.
41 KOPELMAN, Isa. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pela professora do Programa de Pós-
Graduação em Artes da Cena da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Campinas, 31 de
março de 2015.
42 Alguns destes espetáculos foram analisados por Stela Fischer (2003), na sua dissertação de mestrado, e
pelo professor Dr. Mário Santana (2003), na sua tese de doutorado. Para mais detalhes sobre ambos os
documentos ver as referências bibliográficas.
43 Termo usado por Silvia Fernandes (2010) p. 8.
38
criada e mostrada simultaneamente. Essa ideia é, claramente, explicada por Renato Cohen
(2007), com o seguinte exemplo:
Apesar de sua característica anárquica e de, na sua própria razão de ser, procurar
escapar de rótulos e definições, a performance é antes de tudo uma expressão
cênica: um quadro sendo exibido para uma platéia não caracteriza uma
performance; alguém pintando esse quadro, ao vivo, já poderia caracterizá-la.
(COHEN, 2007: 28)
Esse teatro, que chamarei de teatro performativo, existe em todos os palcos, mas foi
definido como teatro pós-dramático a partir do livro de Hans-Thies Lehmann,
publicado em 2005, ou como teatro pós-moderno. Gostaria de lembrar aqui que seria
mais justo chamar este teatro de ‘performativo’, pois a noção de performatividade
está no centro de seu funcionamento. (FÉRAL, 2009: 197)
Nos estudos teatrais no Brasil, será a pesquisadora Silvia Fernandes (2010) quem
analisará as práticas cênicas brasileiras de tendência performativa, tomando, como filtro
teórico, tanto o pensamento de Féral (2009) quanto de Hans-Thies Lehmann (2013) e Cohen
(2006 e 2007).
Na Performance Art, o corpo do artista funciona como um dos meios mais efetivos
para a construção de discursos artísticos que acentuem a relação da Performance com o rito.
Para Glusberg (2013), o uso do corpo como meio de expressão é um princípio do nascimento
da própria história da arte, mas que a Performance Art retoma na procura de novas
ressignificações sobre o corpo na cena. "A utilização do corpo como meio de expressão
artística, tende hoje a recolocar a pesquisa das artes no caminho das necessidades humanas
básicas, retomando práticas que são anteriores à história da arte, pertencendo à própria origem
da arte". (GLUSBERG, 2013: 51)
Para a pesquisadora Silvia Fernandes (2014), a relação do artista com seu próprio
corpo é o princípio performativo que estaria presente no Processo Colaborativo, o que implica
considerar que a performatividade faz-se presente no Processo Colaborativo no modo como o
ator se coloca frente às perguntas que o processo criativo levanta. Esse modo de se colocar
não é restrito a uma poética teatral específica delimitada, na medida em que o ator é livre para
expor sua intimidade e assumir riscos relacionados com seu corpo.
1.2.1.3 Autorreferência
O grupo Teatro da Vertigem pode ser considerado a referência icônica desta relação
performativa do uso de espaços alternativos como parte do próprio discurso das obras e, sem
dúvida, do grau de risco e da performatividade dos atores nesses espaços, que convergem com
44 Ibid.
41
Peça: O paraíso perdido (1992). Local: Igreja de Santa Ifigênia, na cidade de São
Paulo.
Peça: Bom Retiro 958 Metros (2012). Local: Ruas do bairro Bom Retiro, na cidade de
São Paulo.
Peça: BR-3 (2006). Local: Rio Tietê, na cidade de São Paulo.
Peça: A última palavra é a penúltima 2.0 (2014). Local: Passagem da Rua Xavier de
Toledo, em frente ao Teatro Municipal de São Paulo.
Essa forma de criação é reivindicada como tal por seus criadores desde os anos
sessenta e setenta. Está ligada a um clima sociológico que estimula a criatividade do
indivíduo em um grupo, a fim de vencer a “tirania” do autor e do encenador que
tendem a concentrar todos os poderes e a tomar todas as decisões estéticas e
ideológicas”. (PAVIS, 1999: 79).
Enrique Buenaventura e pela atriz Jaqueline Vidal, e La Candelaria, fundado pelo diretor
Santiago García em 1966.
Em 2006, a revista brasileira Camarim, publicada pela Cooperativa Paulista de Teatro,
dedicou sua edição número trinta e sete à gênese e prática do teatro de grupo na América
Latina. Chama a atenção um texto dos próprios fundadores do Teatro Experimental de Cali,
escrito no ano de 1971 e reescrito pela mesma atriz Jaqueline Vidal, no ano de 2004, junto
com atores e atrizes que continuam na via da criação coletiva no teatro atual da Colômbia.
Nesse importante texto, os pioneiros da criação coletiva comentam sobre o sentido que tem o
conceito de “método” na prática coletiva:
No processo de trabalho e, sobretudo, com base na análise dos erros e fracassos, nos
demos conta de que a aspiração a uma verdadeira criação coletiva, ou seja, a uma
participação criadora por parte de todos os integrantes, mudava radicalmente as
relações de trabalho e a maneira de encarar este trabalho. Exigia a necessidade de
um método. (BUENAVENTURA, E. VIDAL, Jaqueline, 2006: 31)
Para Buenaventura e Vidal (2006), nos primeiros processos criativos do grupo Teatro
Experimental de Cali, a função do diretor era exercida no sentido tradicional, isto é, aceitava-
se a discussão coletiva nos ensaios, mas o determinante era a ideia do diretor sobre toda a
encenação. Entretanto, ao longo de diversos processos, os atores tiveram maior oportunidade
de se inserir nas decisões relacionadas à obra como um todo.
Essas discussões, no entanto, foram levando à conformação de funções em que os
atores estavam cada vez mais envolvidos nas ideias globais da encenação. Estava formando-se
uma geração de atores mais participativos e, claro, com mais experiência e confiança no
trabalho em equipe.
Assim, “Em trabalhos posteriores esta participação foi sendo ampliada e finalmente
entrou em franca contradição com a concepção do diretor”. (BUENAVENTURA, E. VIDAL,
Jaqueline, 2006: 31). Nessa mesma edição da revista Camarim, a pesquisadora brasileira
Luciana Magiolo (2006) amplia o panorama histórico da Criação Coletiva com uma análise
do movimento teatral da América Latina da década de 1950, chamado “Novo Teatro”, que
corresponde à gênese dos grupos de Criação Coletiva. Para Magiolo (2006),
O Novo Teatro vem com uma perspectiva popular, como um espaço cultural que
43
Os princípios norteadores do Novo Teatro, que anos mais tarde são conjugados na
Criação Coletiva, estão estreitamente vinculados a um ambiente sociológico caraterizado por
ditaduras militares e revoluções que atravessavam a maioria dos países da América Latina.
Para Santiago García, diretor do grupo de teatro La Candelaria, a gênese da Criação Coletiva
Alguns dos grupos mais importantes de Criação Coletiva da América Latina foram
fundados dentro do movimento do Novo Teatro, isto é, a partir da década 1950. Portanto, a
década de 1970 corresponde à fase mais importante do amadurecimento destes grupos.
Os grupos de referência de teatro de Criação Coletiva são os já mencionados La
Candelaria (1966) e o Teatro Experimental de Cali (1955), na Colômbia. No Uruguai, a
principal referência é o grupo El Galpón (1949), que é a união do diretor Atahualpa del
Cioppo, do grupo La Isla, com os atores do grupo El Pueblo, e, no Chile, o grupo ICTUS
(1955), do reconhecido dramaturgo Jorge Díaz. Em Cuba, o grupo Escambray (1968) é hoje
considerado a mais importante escola de formadores de atores de teatro e cinema do país.
É claro que os grupos acima mencionados têm histórias e contextos diferentes e que a
44
Criação Coletiva, ainda que seja chamada de “método”, é, antes, uma tendência de um modo
de criação que busca dar conta das necessidades de cada grupo e das realidades de seus países.
Como afirma Santiago García,
Cada obra exige uma técnica ou uma forma diferente de fazer as improvisações. Não
podemos contentar-nos com fórmulas de improvisação resultantes dos trabalhos
anteriores, ou com esquemas de trabalho produzidos por outros grupos. Quando
caímos na tentação de aplicar fórmulas estranhas ao trabalho que neste momento se
desenvolve, os resultados foram lamentáveis e tivemos que voltar ao caminho da
invenção sobre o mesmo terreno do trabalho. (GARCÍA, 1988: 32).
No Brasil, a Criação Coletiva também foi uma tendência marcante do teatro da década
de 1970 e suas origens também estão relacionadas ao movimento do Novo Teatro da década
de 1950. A respeito ao teatro brasileiro da década de 1970, uma referência teórica importante
é o livro da pesquisadora Silvia Fernandes, chamado “Grupo teatrais anos 70”, publicado pela
editora da UNICAMP, em 2000. Nas primeiras páginas desse livro, Fernandes (2010)
comenta que
No dia 10 de julho de 1974, estréia em São Paulo, na Sala Gil Vicente do Teatro
Ruth Escobar, O que você vai ser quando crescer?. Nos créditos da produção, a
marca que se transformaria em tendência no decorrer da década de 70: “criação
coletiva do Royal Bexigas’s Company”, um grupo cooperativo de teatro. Formado
em princípios de 1972 a partir da reunião de alguns colegas de turma da Escola de
Arte Dramática- Jandira Martini, Vicente Tuttoilmondo, Eliana Rocha e Ney
Latorraca, aos quais se juntaram Ileana Kwasinski e Francarlos Reis, dois atores
profissionais -, o grupo já apresentava características que definiriam uma prática
teatral freqüente na década de 70. (Fernandes, 2000: 21).
O que se constata é que a opção por um modo coletivo de criação, pelo menos no
caso do Asdrúbal, acaba eliminando a hierarquia das várias funções artísticas, pois
todos os praticantes têm direitos iguais sobre o produto artístico. O resultado do
processo é que o espetáculo ganha autoria coletiva (Fernandes, 2000: 71).
Sobre o assunto da autoria coletiva que Fernandes (2000) aponta, muitos grupos de
Criação Coletiva mostravam uma tendência para desenvolver uma dramaturgia própria que
fosse o resultado do processo de criação. Portanto, uma das primeiras fases do método
consiste na seleção e exploração de um tema, como explica o diretor Santiago García (1988):
Por último, embora não seja o intuito desta pesquisa estudar a fundo o método da
Criação Coletiva e sua contextualização histórica, foi necessário fazê-lo, mesmo que
sucintamente, para identificar os dois aspectos principais que considero que também estão
presentes no Processo Colaborativo: 1) criar em equipe e 2) nova dramaturgia45.
45“[...] o processo colaborativo estimula ativamente a escritura de peças. Nesse sentido, ele poderia estar
inserido no que vem sendo chamado de “nova dramaturgia”, pois, além de funcionar como uma estrategia
de criação textual, ele, de fato, produz novas peças e revela à cena novos dramaturgos” (ARAÚJO, 2008:
66).
46
46 Muitos dos projetos surgem da ideia de um diretor que convida diversos artistas para que colaborem na
criação do espetáculo, tomando como referência o modo de Processo Colaborativo.
47 O espetáculo “O Paraíso Perdido” teve uma segunda edição no ano 2002, de que participaram novos
atores, como Luciana Schwinden, Luís Miranda, Mika Winiavier, Miriam Rinaldi, Roberto Audio, Sérgio
Siviero. Dessa lista de atores, unicamente a atriz Luciana Schwinden e o ator Roberto Audio participaram
do espetáculo “Bom retiro 958 metros” (2012).
48 Informação tomada do site http://www.teatrodavertigem.com.br/site/index2.php (visitado o dia 21 de
setembro de 2015)
49Os 19 atores são: Bia Bouissou, Conrado Caputto, Daniel Farias, Elton Santos, Roberto Rezende, Ícaro
Rodrigues, João Attuy, Kátia Bissoli, Leonardo Monteiro, Luciana Schwinden, Mawusi Tulani, Naia Soares,
47
Na verdade, é e não é um grupo. Sendo muito sincero, o que eu acho que define o
fato de ser um grupo? Eu não acho que seja ter muitas pessoas que trabalham juntas
durante muito tempo. Não sei se é isso. Eu acho que o que define ser um grupo é ter,
pelo menos, algumas pessoas que permanecem juntas, não por um produto, mas por
vários processos, de forma que o que as une é a perspectiva de que são esses
processos que estão importando, independentemente dos produtos. Então, quer
dizer, em primeiro lugar é a perspectiva do processo. Segundo, a capacidade dessas
pessoas de acumular experiência artística de um processo para o outro. Às vezes,
você está trabalhando com a pessoa e ela não acumula nada. Então, não é o fato de
ela estar ali que faz dela um ator de grupo. É a capacidade de ela estar ali se
assenhorando dos procedimentos do trabalho, do sentido daquela pesquisa, sendo
Raquel Morales, Paula Klein, Renato Caetano, Roberto Audio, Samuel Vieira, Cristiano Alfer e Sofia Boito.
Informação tomada do site http://www.teatrodavertigem.com.br/site/index2.php (visitado o dia 21 de
setembro de 2015)
50Informação tomada da critica de teatro “O prazer de poder recomendar um bom espetáculo” por
Carmelinda Guimarães. A tribuna, Santos, 01 nov. 1996. Em: MALTA, G.V.F. Comunicação e Contra-
hegemonia: o palco de intervenção política da Companhia do Latão. 2010. Dissertação (Mestrado) -
Escola de Comunicação e Artes. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. p- 142.
51Informação tomada do site da Oficina Cultural Oswald de Andrade Site:
.http://www.oficinasculturais.org.br/noticias/ver.php?id=305 Visitado em: 08/10/2015
48
capaz de se tornar autor de verdade, sendo capaz de trabalhar de modo não alienado.
(CARVALHO, S. 2010, 114-115 In: MALTA, G.V.F. 2010: 114- 115)
A palavra “função” é utilizada, neste estudo, para definir as tarefas específicas que são
assumidas por cada uma das pessoas que formam a equipe de criação de uma obra cênica: na
“democrática repartição das tarefas práticas” (Fernandes, 2000:14), são definidos aqueles que
assinarão cada uma das funções. Assim, no Processo Colaborativo, ainda que todos possam,
ou devam participar das proposições e discussões sobre todas as áreas, as decisões finais são
assumidas pessoalmente, conforme a função específica de cada um. Nesse tipo de processo, a
especialização e a definição das funções da equipe para a criação da obra têm representado,
para pesquisadores e artistas, uma de suas principais virtudes em comparação com as
experiências da Criação Coletiva da década de 1970. A análise de relatos de experiências
cênicas empreendidas em Processo Colaborativo a partir da década de 1990 no Brasil tem
demostrado que a assunção da responsabilidade pessoal para as funções é um modo de criação
eficiente e gera importantes e satisfatórios resultados.
Com o propósito de delimitar o foco de análise dos dois espetáculos da Costa Rica,
analisarei, unicamente, as funções do ator e do diretor53. Em primeiro lugar, porque, nas
experiências em análise, é possível perceber que tais funções manifestaram características
análogas às presentes em obras cênicas brasileiras criadas em Processo Colaborativo. Em
segundo lugar, porque não é propósito deste estudo encaixar os processos costa-riquenhos no
modelo brasileiro, pois ambos guardam diferenças e semelhanças, mas têm identidades
próprias. Por fim, em terceiro lugar, porque, nos dois espetáculos a serem analisados, a função
do dramaturgo não é exercida por uma pessoa específica; em ambos, atores e diretores
assumem essa função. Com isso, no entanto, não desconsidero, é claro, que “o centro nervoso
do processo de criação cênica se localiza nas funções de direção, atuação e dramaturgia,
embora outras funções possam participar do percurso” (TROTTA, 2006: 159).
No Processo Colaborativo, tanto atores como diretores iniciam o projeto com pouca
clareza de como será criado o espetáculo. Todos embarcam no mesmo risco, e a relação
tenderá a ser mais igualitária em comparação com outros modos de criação nos quais o diretor
já traz ideias preconcebidas sobre o processo e sobre o espetáculo.54.
53 Para facilitar a leitura do texto, uso os termos “diretor” e “ator” no sentido genérico, mas estou me
referindo também às diretoras e atrizes.
54 Para autores como Araújo (2008), o conhecimento que o diretor traz prévio ao processo criativo é o que
aporta um grau de autoridade em relação aos atores e a outros integrantes do projeto.
51
Quanto mais efetivos os elos que ligam os integrantes ao grupo e sua proposta –
principalmente no que diz respeito a um entendimento comum da concepção que se
coloca em prática e a um vocabulário cênico gerado por experiências anteriores –
maior a possibilidade de autonomia destes artistas. (TROTTA, 2006: 159)
1.3.1 O diretor
1.3.1.1 Direção
Direção significa que, inicialmente, o tema e a estética da obra são definidos por uma
única pessoa do grupo e que, posteriormente, são assumidas pelo resto do coletivo. De acordo
com Tenenblat (2015), as decisões tomadas nesse tipo de metodologia orientam o sentido da
direção, porque “[...] o peso da escolha individual possui impacto preponderante”
(TENENBLAT, 2015: 5).
A pesquisadora complementa que, nesse tipo de tendência, quando se inicia a fase de
ensaio e experimentação, é produzido material cênico a partir das propostas de cada uma das
pessoas que participa do projeto, seja o ator, o diretor ou qualquer outro, mas que “Se as
proposições do coletivo impulsionam e alavancam a trajetória e rumo determinados, ressoam
positivamente; caso contrario, enfraquecem e/ou colocam em cheque a trajetória e rumo
determinados” por este mesmo coletivo. (TENENBLAT, 2015: 6)
Tenenblat (2015) explica esse conceito com base na imagem abaixo, entendendo que
as flechas menores são propostas de direcionamento do resto do coletivo e que a flecha maior
representa a direção predominante escolhida no inicio do processo criativo.
57
1.3.1.2 Direccionalidade
Isso significa dizer que, se um membro propõe A e o outro B, a escolha adotada pelo
coletivo AB pode ser compreendida como a conseqüência da soma entre as
proposições A e B, por exemplo, X. Se pensamos novamente neste processo em
termos de vetores, temos:
58
Segundo a imagem acima, a seta X mostra que a experimentação gera o sentido que
deve seguir a direção e não no sentido inverso. Portanto, a função do diretor está orientada
para estimular o processo de exploração dos atores para ele conseguir desenvolver sua função
como diretor.
Um dos pontos interessantes dessa linha de trabalho é a importância atribuída ao
trabalho dos atores e sua influência no modo como o diretor assume uma metodologia ou
modo de criação. A noção de direccionalidade proposta por Tenenblat (2015) me leva a
pensar que a união de habilidades e talentos, tanto técnicos quanto pessoais, dos atores é a
massa geradora de modos de criação como o Processo Colaborativo.
1.3.2 O ator
58 Ibid.
56
59 JANUZELLI, Antônio. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pelo professor da Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 25 de julho de 2014.
60 Antônio Araújo é diretor do grupo Teatro da Vertigem, Sergio de Carvalho é o diretor da Companhia do
Latão, Verônica Fabrini é diretora do grupo Boa Companhia - grupos com mais de duas décadas de
experiência.
61 JANUZELLI, Antônio. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pelo professor da Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 25 de julho de 2014.
57
Nesse sentido, o ator volta a se apropriar das diversas funções da criação cênica,
como propõe, entre outros casos, o Lume. É nesse contexto de colaboração que o
ator se destaca como co-autor de um ato teatral. Com frequência, a dramaturgia é
elaborada coletivamente, contando com a intervenção dos atores para esse fim,
mesmo que tenham como referência um texto teatral pré- estabelecido ou haja
presença de um dramaturgo ou dramaturgista no corpo criador. Surge o conceito de
dramaturgia em processo, método baseado na criação textual a partir de
improvisações e na experiência particular do ator (FISCHER, 2003:42).
disperso tome um sentido cênico que dialogue com todas as partes do espetáculo e considere a
importância de se comunicar com o público.
A esse respeito, Mário Santana (2003) aponta que:
1.3.2.1 Workshop
62“termo utilizado por Leonetta Bentivoglio (1994) para se referir ao processo das perguntas e respostas,
utilizado por Pina Bausch para a criação de suas peças” (CARVALHO, 2009: 33)
59
o workshop para explorar processos que serão úteis para os ensaios e a realização da
performance” 63(SCHECHNER, 2006: 233).
De acordo com Schechner (2006), o uso do workshop faz com que os artistas
explorem materiais de fonte pessoal ou histórica, dado que é solicitado que todos os artistas
criem cenas a partir de suas subjetividades - sua própria historia de vida - e que procurem
estratégias para expressá-las em ações performativas. “Estes materiais podem tornar-se parte
do aspecto estético ou terapêutico da Performance ou podem ser úteis apenas como
explorações do workshop. Às vezes o workshop é o próprio objetivo”64. (Schechner, 2006:
233)
Desse modo, o uso desse tipo de procedimento de criação pede que as relações entre
os atores e diretores sejam baseadas em valores de confiança e parceria, como já havia
advertido o Luís Alberto de Abreu (2003)
63 [Tradução minha] Original: “Some artists use workshop to explore processes that will be useful in
rechearsals and in making performances”. (Schechner, 2006: 233)
64 [Tradução minha] Original: “These materials may become part of the completed aesthetic or therapeutic
performance. Or the materials may be useful only as workshop explorations. Sometimes workshop are an
end in themselves”. (Schechner, 2006: 233)
60
Para a criação de uma peça, Pina Bausch fazia mais de cem perguntas aos bailarinos.
Todas as respostas eram anotadas e registradas em vídeo. Ela chegava de manhã
para o trabalho, fazia a primeira pergunta, cada um pensava e respondia. Os
bailarinos eram livres para responder da maneira que quisessem. As perguntas
podiam ser respondidas com uma sequência de movimentos, verbalmente ou as
respostas podiam começar de uma ideia que se desenvolvia na hora em que a
resposta estava sendo apresentada. (CARVALHO, 2009: 37)
61
CAPITULO II
A República da Costa Rica está situada na região sul da América Central, tem uma
extensão territorial de 51.100 km² e aproximadamente 200 focos vulcânicos, sendo sete
ativos. Segundo a Rede Sismológica Nacional da Costa Rica65, só em maio de 2015, foram
registrados 368 sismos, alguns de origem vulcânica e outros tectónica. 66
Em termos geológicos, a Costa Rica surge a partir da geração da América do Sul como
continente, após sua separação da África, o que significa que suas rochas são genuinamente
sul-americanas. A idade geológica da Costa Rica é de aproximadamente 70 milhões de anos,
considerado um território jovem quando comparado com países como Brasil, cujas rochas, em
boa parte, variam entre 3,5 bilhões de anos até o presente. 67
Em 2011, o Instituto Nacional de Estatística e Censo da Costa Rica calculou uma
população de 4.301.712 habitantes68; para tornar mais real nossa impressão sobre esse
número, basta imaginar que seriam necessárias 47,5 Costas Ricas para completar 1 Brasil de
204.746.508 de pessoas.69 Escolhi começar com essas informações geográficas para
estabelecer uma analogia com a prática teatral da Costa Rica, que - assim como seu território -
é jovem, pequena e em constante agitação.
Portanto, para o entendimento do processo de formação do teatro atual da Costa Rica,
utilizarei, como ferramenta analítica, o conceito transculturación70, do antropólogo cubano
Fernando Ortiz (1881- 1969). Esse termo permite entender as práticas teatrais como
fenômenos culturais em agitação constante, uma vez que
71 [Tradução minha] Original: “Entendemos transculturación como el vocablo que expresa mejor las diferentes
fases del proceso transitivo de una cultura a otra, porque éste no consiste solamente en adquirir una distinta
cultura, que es lo que en rigor indica la voz angloamericana acculturation, sino que el proceso implica también
necesariamente la pérdida o desarraigo de una cultura precedente, lo que significa la consiguiente creación de
nuevos fenómenos culturales que pudieran denominarse de neoculturación” . (ORTIZ, 1983: 90 (ODDEY, 1994:
4).
72 [Tradução minha] Original: “Es un proceso en el cual ambas partes de la ecuación resultan modificadas. Un
proceso en el cual emerge una nueva realidad, compuesta y compleja; una realidad que no es una aglomeración
mecánica de caracteres, ni siquiera un mosaico, sino un fenómeno nuevo, original e independiente”.
(MALINOWSKI, Bronislaw. “Introducción”. In: ORTIZ, F., Contrapunto…, ob.cit., p XII).
64
73 [Tradução minha] Original: “El concepto de transculturación es cardinal y elementalmente indispensable para
comprender la historia de Cuba y, por análogas razones, la de toda la América en general”. (ORTIZ, 1978: 6)
74 [Tradução minha] Original: “[...] si revisamos el acontecer de los eventos y recorremos distintos momentos de
nuestra historia, encontraremos una significativa presencia de actividades teatrales y una estrecha relación del
teatro con la vida social y el desarrollo político y cultural de nuestro país”( GUILLÉN, 2007: 19)
65
O país não logrou reter, durante o período da colonização espanhola, a tradição ritual
indígena que conservaram, ainda que de maneira mutilada, Guatemala e Nicarágua.
Será mais a influência dramática da Europa do século XVI, a que marca na Costa
Rica o interesse por esta arte. (MORALES, C.1981:4).77
75
[Tradução minha] Original: “La actividad teatral desarrollada de mediados del siglo XIX es una iniciativa que
se produce como herramienta de actividad socializadora, el estímulo se produce de manera privada y da como
resultado el inicio de una inquietud y una acción escénica aficionada que rompe esquemas” (TORUÑO, 2009:
134)
76
[Tradução minha] Original “:El teatro en Costa Rica ha tenido un lento y accidentado desarrollo. Carente de una
tradición que se remonte al florecimiento de las grandes culturas indígenas, como es el caso de las
manifestaciones artísticas en Guatemala, México, Perú y Nicaragua,2 su historia no muestra tampoco una
producción escénica digna de especial mención durante la época colonial”. (HAZFELD, A. CAJIAO, T. 1971:
28)
77
[Tradução minha] Original: “El país no logro retener, durante el período de la colonización española, la
tradición ritual indígena que sí conservaron, aunque mutilada, Guatemala y Nicaragua. Será más bien la
influencia dramática europea del siglo XVI, la que despierte en Costa Rica el afán por este arte”. (MORALES,
C.1981:4).
66
Também é apropriada a reflexão de Roxana Ávila, diretora do grupo Abya Yala, que
afirma que “[...] o teatro na Costa Rica é necessariamente um híbrido porque aqui, de teatro
próprio há quase nada, assim, se fez incorporando o que foi chegando por diversos meios78”
(ÁVILA, 2015).
O pensamento de Ávila (2015) mostra uma das críticas e questionamentos recorrentes
nos estudos teatrais da Costa Rica: a noção de que a história do teatro costarriquenho carece
de vestígios das práticas teatrais de suas culturas originárias, dado que a tônica tem sido uma
maior presença das práticas teatrais estrangeiras.
Sobre esse assunto, o pesquisador Dr. Marco Guillén, no artigo "La actividad teatral
en Costa Rica: un acercamiento a su trayectoria", publicado no livro La tradición del
presente, em 2007, recupera informações sobre algumas práticas teatrais do período colonial.
No entanto, “são mínimas as pesquisas que contamos sobre as atividades teatrais ou para-
teatrais da época pré-colonial, o que sucede, de modo parecido, com o período colonial”.
(GUILLÉN, 2007: 19) 79
Considero, portanto, que a carência de uma tradição teatral própria e a facilidade para
incorporar aspectos do teatro estrangeiro conformou uma atitude catalizadora que marcou a
formação do teatro costarriquenho até início dos anos setenta.80
Parto, pois, da noção de que o teatro atual da Costa Rica é produto de quatro
fenômenos histórico-culturais: 1) A consolidação de políticas culturais eficientes durante a
década de 1970; 2) A imigração para a Costa Rica de artistas e intelectuais sul-americanos
durante o período de ditaduras militares; 3) A participação de artistas costarriquenhos, desde a
segunda metade de 1970, em programas estrangeiros de pós-graduação em teatro; e,
finalmente, 4) A inserção da Costa Rica em programas internacionais de apoio às Artes
Cênicas. Dos quatro fenômenos elencados, é possível afirmar que os três últimos apresentam
aspectos propiciadores de transculturación, conforme analisarei abaixo.
A década de 1970 é tida como a época de ouro na história das políticas culturais da
Costa Rica. Para antropólogo argentino Néstor García Canclini,
78
[Tradução minha] Original: “el teatro en Costa Rica necesariamente es un híbrido porque acá de teatro
autóctono no hay casi nada, así que se ha ido incorporando lo que va llegando por diversos medios” (ÁVILA, R.
2015) AVILA, Roxana. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pela diretora do grupo Abya Yala,
realizada por e-mail no dia 12 de junho de 2015.
79
[Tradução minha] Original: “Son escasos los estudios con lo que contamos sobre las actividades teatrales o para-
teatrales en la época pre- hispánica y muy parecido sucede con la colonia”. (GUILLÉN, 2007: 19)
80 É importante tornar claro que as praticas teatrais anteriores à década de 1970 eram principalmente de
caracter amador.
67
81
[Tradução minha] Original: “Entenderemos por políticas culturales el conjunto de intervenciones realizadas por
el Estado, las instituciones civiles y los grupos comunitarios organizados a fin de orientar el desarrollo
simbólico, satisfacer las necesidades culturales de la población y obtener consenso para un tipo de orden o de
transformación social”. (GARCIA, 1999: 25)
82
Atualmente a situação de crise continua na prática teatral independente, mas, nos últimos 10 anos, as principais
instituições culturais têm melhorado suas estratégias de comunicação, e assim impulsionado programas e editais
conjuntos.
83
[Tradução minha] Original: “El teatro cuyo desarrollo en nuestro país había estado históricamente vinculado a las
iniciativas públicas, se encontró con pocos recursos y herramietas muy rudimentarias para asumir la producción
desde el sector privado”. (GUILLÉN, 2007: 43).
68
84 [Tradução minha] Original: “En la década de 1960 y 1970, producto de la represión política de América
Latina, Costa Rica recibió una inmigración de escritores, artistas, realizadores y técnicos de teatro. De este
modo, llegaron creadores de Argentina, Chile y Uruguay, quienes apoyaron decididamente la enseñanza del
teatro y pusieron a los nacionales en contacto con la nueva dramaturgia latinoamericana”.(FUMERO,2000: 36)
69
Por outra parte, é importante destacar que, antes da década de 1970, o “teatro de
grupo” era uma forma de organização teatral, embora não existisse um grande número de
grupos de teatro com produção contínua no país.
Para os artistas Manuel Ruiz e Alessandro Tossatti (1990), no seu artigo "Tierra Negra
y el Teatro en Costa Rica", publicado em 1990 na revista Escena, a partir da década de 1970,
o “teatro de grupo” tornou-se um dos principais modos de organização no teatro
costarriquenho, que, segundo os autores, era praticado em duas tendências diferenciadas: a
primeira organizada por estudantes e profissionais, e a segunda por famílias de artistas
profissionais.
É interessante observar que grande parte dos artistas sul-americanos que imigrou para
Costa Rica estava organizada como famílias. Alguns exemplos são os esposos chilenos
Marcelo Gaete e Sara Astica, fundadores do grupo Teatro Surco, Alejandro Sieveking e
Bélgica Castro, fundadores do grupo Teatro del Ángel e o matrimônio dos argentinos Alfredo
e Gladys Catania, integrantes do grupo de Teatro Carpa.
Sendo estudante da professora Sara Astica na Escuela de Artes Dramáticas, lembro
que ela comentava que a sala de ensaio do grupo Teatro Surco era a própria sala da casa e que
a cenografia dos espetáculos eram os próprios moveis dos atores. Este modo de produção foi
sendo cada vez mais frequente pelos grupos de teatro da época, como forma de resolver a falta
de recursos econômicos para produzir teatro.
Deste modo, a imigração dos artistas sul-americanos é o acontecimento que marca os
primeiros processos de transculturación do atual teatro costarriquenho. Os artistas que
imigraram para Costa Rica tinham formação profissional em teatro, o que significa que, ao
chegarem ao país (chegada, fase 1), trouxeram conhecimentos técnicos formais, uma
novidade para o teatro costarriquenho.
Seguindo o pensamento de Ortiz (1983), a imigração representaria, então, um dos
fenômenos culturais que mais claramente iluminam a segunda fase do processo de
transculturación, ou seja, a perda (fase 2). Quando os artistas sul-americanos decidem
emigrar, são destinados a perder aspectos fundamentais como o contato vivencial com a
cultura a que pertencem. Portanto, a condição de emigrante, no processo de desenraizamento,
“transculturaliza” as pessoas e as torna agentes “transculturalizadores”. "E cada imigrante é
como um desenraizado de sua terra nativa em duplo transe de desajuste e reajuste, de
70
85
[Tradução minha] Original: “Y cada inmigrante es como un desarraigado de su tierra nativa en doble trance de
desajuste y de reajuste, de desculturación o exculturación y de aculturación o inculturación, y al fin de síntesis,
de transculturación” (ORTIZ, 1978: 93)
86 Carlos Catania é irmão de Alfredo Catania.
87
[Tradução minha] Original: “En el año 1968 la Embajada Argentina en Costa Rica consiguió contratar los
servicios de Alfredo y Gladys Catania, ambos artistas argentinos. Auspiciados por esa embajada, impartieron
clases en un salón anexo a la misma. Con la llegada de Carlos Catania, también actor, director y escritor
argentino, comenzó el verdadero auge en el aprendizaje formal, organizado, de la técnica de actuación”.
(HASFELD, A. CAJIAO, T. 1971: 29)
71
influenciados pela cultura e o teatro da Costa Rica. Dado que o processo de transculturación é
um processo dialético entre duas culturas,
88 [Tradução minha] Original: “Para describir tal proceso, el vocablo de raíces latinas transculturación proporciona
un término que no contiene la implicación de una cierta cultura hacia la cual tiene que tender la otra, sino una
transición entre dos culturas, ambas activas, ambas contribuyentes con sendos aportes, y ambas cooperantes al
advenimiento de una nueva realidad de civilización”. (MALINOWSKI, Bronislaw, “Introducción” em ORTIZ,
1983, p XII)
89
[Tradução minha] Original: “Al fin, como bien sostiene la escuela de Malinowski, en todo abrazo de culturas
sucede lo que en la cópula genética de los individuos: la criatura siempre tiene algo de ambos progenitores, pero
también siempre es distinta de cada uno de los dos. En conjunto, el proceso es una transculturación, y este
vocablo comprende todas las fases de su parábola”. (ORTIZ, 1983:89)
90
Informação tomada na entrevista realizada à pesquisadora Paula Rojas, sobre o seu projeto de pesquisa
intitulado Los años 70 para la historia del teatro en Costa Rica. Em: Revista Memória de las Artes Escénicas, n2,
ano 2, San José, Costa Rica, 2012.
72
A seguir, são apresentadas três gerações, cujo critério de classificação foi definido por
prazos de dez anos, sendo que, durante esse tempo, as pessoas ingressaram em programas
estrangeiros de pós-graduação em teatro e voltaram para Costa Rica com os estudos
concluídos, dando, imediatamente, continuidade às suas funções como professores nas duas
únicas escolas superiores de teatro, ou seja, Escuela de Artes Dramáticas da Universidad de
Costa Rica (UCR) e a Escuela de Arte Escénico da Universidad Nacional (UNA). As três
gerações são, por decênios: 1) 1975 - 1985; 2) 1986 - 1995; e 3) 1996 - 2015.
91
Sigla em língua inglesa designativa para Master of Fine Arts.
92
Em 1968 chega em Costa Rica o diretor argentino Juan Enrique Acuña, fundador do Moderno Teatro de
Muñecos. Sua pratica profissional estimulou o desenvolvimento formal do teatro de bonecos na Costa Rica a
partir da década de 1970. Portanto, considero que a participação de Juan Enrique Acuña no teatro
costarriquenho, contém aspectos importantes de transculturación e que corresponde ao periodo de tempo da
primeira geração.
Por outra parte, é importante mencionar que os professores Ricardo Blanco, David Vargas e Olga Marta
Barrantes realizaram estudos de pós- graduação em programas estrangeiros e voltaram para Costa Rica no
periodo de 1975- 1985, mas não foi possível coletar os dados especificos de cada experiência.
74
A segunda geração está conformada por MFA. Roxana Ávila, que estudou no período
de 1988 a 1991, na Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos, e atualmente é
professora na Escuela de Artes Dramáticas da Universidad de Costa Rica. A segunda pessoa
que conforma esta geração é o americano MFA. David Korish, que estudou entre 1987 e
1989, também na Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos. O professor Korish vem
exercendo sua função pedagógica e foi uma vez diretor da Escuela de Arte Escénico da
Universidad Nacional. Por último, o MSC. Gerardo Bejarano estudou entre 1991 e 1994 na
Universidade de São Paulo em Brasil. Bejarano é professor aposentado da Escuela de Arte
Escénico da Universidad Nacional.
É interessante que essa geração de professores traz, às duas escolas de teatro, parte do
espírito do teatro americano de começo da década de 1990, a Performance Art, através dos
professores David Korish e Roxana Ávila. Também chama a atenção que é através do
professor Gerardo Bejarano que acontece o primeiro contato acadêmico com o teatro
brasileiro de início da década de 1990.93
93 Os artistas José Blanco e Jaime Hernández realizaram estudos de pós-graduação durante 1986 - 1995, e
voltaram a trabalhar como professores por nas escolas Escuela de Arte Escénico e Escuela de Artes Dramáticas.
Não foi possível coletar as informações especificas de cada experiência.
94
Durante esse período, estudaram outros artistas, que optei por não incluir nessa geração por algum desses dois
motivos: 1) não voltaram para Costa Rica; como é o caso de MFA. Denise Duncan (2004- 2006, Universidad de
La Coruña, Espanha) e Dra. Gina Monge (2005-2013) Universidade de São Paulo. 2) não são professores de
nenhuma das duas escolas de teatro, como é o caso de Met. Paola González (2010-2013, Universitat Autónoma
de Barcelona, Espanha), Msc. Milena Picado (2011- 2013, Université libre de Bruxelles, Université de Nice
Sophia Antilopes, Université de Paris VIII, Bélgica e França) e MA. Andrea Gómez (2012-2013, Universiteit
van Amsterdam e Universidad de las Artes de Belgrado, Países Baixos e República da Sérvia). Por último, os
artistas Emilio Aguilar e Juan Fernando Cerdas realizaram estudos de pós-graduação durante 1996 - 2015, e
voltoram a trabalhar como professores na Escuela de Arte Escénico.
75
Unidos, enquanto Msc. Paula Rojas, também no nível de mestrado, no período de 2006 a
2009, na Universidade Estadual de Santa Catarina, no Brasil. Atualmente, ambas as
professoras cursam o doutorado - Gina Sandí na University of Kansas (Estados Unidos) e
Paula Rojas na Universidad Laval em Quebec, Canadá.
Também pertence a essa geração o professor Dr. Leonardo Sebiane, que cursou o
doutorado no período de 2006 a 2010, na Universidade Federal da Bahia, e trabalhou como
professor na Escuela de Arte Escénico da Universidad Nacional, mas atualmente é professor
do Departamento de Artes da Universidade Federal da Bahia.
As professoras Dra. Maritza Toruño (2007-2011, Universitat Autónoma de Barcelona,
Espanha) e a Dra. Erika Rojas ( 2007-2011, Universidad Rey Juan Carlos e Universidad de
Alcalá, Espanha) atualmente são professoras na Escuela de Artes Dramáticas da Universidad
de Costa Rica.
Finalmente, os últimos professores formados nessa terceira geração são o Dr. Janko
Navarro, 2009 - 2012 na Universidade Estadual de Campinas, e a professora Dra. Tatiana
Sobrado, 2010 - 2014, na Universidade de São Paulo.
Chama a atenção que, nessa geração, dos nove professores que a formam - M.A
Manuel Ruíz, Dr. Marco Guillén, MA. Gina Sandí, Msc. Paula Rojas, Dr. Leonardo Sebiani,
Dra. Maritza Toruño, Dra. Erika Rojas, Dr. Janko Navarro, Dra. Tatiana Sobrado -, quatro
sejam formados em programas de pós-graduação em teatro no Brasil, o que representa 44,4%
dos professores formados na última década. Esse número é significativo num contexto tão
pequeno, como é o teatro costarriquenho e, ainda menor, no âmbito acadêmico.
Portanto, identifico esse fenômeno como o principal motor de processos de
transculturación de aspectos da cultura teatral brasileira que chegam à costarriquenha através
dos agentes “transculturadores” (os professores costarriquenhos formados no Brasil). A
criação de espetáculos que integram aspectos, tanto teóricos como práticos, do discurso teatral
brasileiro representa uma forma de observar este processo de transculturación em sua terceira
fase (criação). Os espetáculos Manuales de (in) seguridad (2012) e El Patio (2013), que
analisarei no presente capítulo, são exemplos que sustentam esta premissa. Dado que o Dr.
Leonardo Sebiane é diretor em Manuales de (in) seguridad, enquanto o Dr. Janko Navarro é
ator em El Patio.
A informação apresentada anteriormente constitui-se de dados gerais coletados através
de comunicações diretas95 com cada uma das pessoas mencionadas. Considero que este é um
95
Minha experiência, como estudante nas duas únicas escolas universitárias de teatro da Costa Rica e,
posteriormente, como professora da Escuela de Artes Dramáticas da Universidad de Costa Rica e coordenadora
76
tema importante para futuras pesquisas, dado que não existem estudos acadêmicos que
registrem e analisem estas experiências. Os artistas costarriquenhos que realizaram estudos de
mestrado ou doutorado em universidades estrangeiras e que voltaram para trabalhar como
professores universitários são agentes “transculturalizadores” no processo de construção do
teatro contemporâneo da Costa Rica.
Por último e como quarto fenômeno histórico-cultural, a inserção da Costa Rica, a
partir da década de 1990, em programas internacionais de apoio às artes cênicas é um aspecto
importante nos processos de construção do seu teatro atual. Projetos como o Fundo de Ajuda
para as Artes Cênicas Ibero-americanas Iberescena96 e a Red Centroamericana de Teatro97
incentivam artistas costarriquenhos a trabalharem, pesquisarem e criarem de maneira conjunta
com artistas ibero-americanos.
Desta forma, políticas culturais como essas colocam o artista costarriquenho em um
novo cenário para a criação e produção, isto é, em uma situação que privilegia a
transculturación.
Por exemplo, o programa Iberescena solicita que, no processo de criação dos
espetáculos, participem, no mínimo, artistas de três países diferentes da Ibero-América. Esse
critério é fundamental para entender que certas políticas culturais da região estimulam e
solicitam que os artistas participem de processos de transculturación, porque, partindo dos
requerimentos desse programa, todo espetáculo produzido com verbas de Iberescena, por
definição, são resultados de processos de transculturación, ou seja, da convivência entre
artistas de culturas diferentes.
Por outro lado, no âmbito nacional, existe o Programa Nacional para el Desarrollo de
las Artes Escénicas PROARTES98, cujo objetivo é financiar, através de editais com
geral do Centro Cultural de España na Costa Rica, instituição vinculada à Agência Espanhola de Cooperação
Internacional para Desenvolvimento (AECID), permitiu-me desenvolver relações profissionais com as pessoas
mencionadas anteriormente e, assim, ter uma visão ampliada sobre o grêmio teatral do meu país. A coleta desses
dados foi realizada através de comunicações diretas com cada pessoa através de correios eletrônicos e redes
sociais digitais no período de 15 a 19 de junho de 2015.
96
IBERESCENA é um programa cujo objetivo é promover, através dos seus editais, a construção de um espaço
cênico ibero-americano, por meio dos Estados membros e de ajudas financeiras. Os países signatários são:
Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Espanha, México, Panamá, Paraguai,
Peru e Uruguai. Todos eles trabalham em parceria com a Secretaria Geral Ibero-americana (SEGIB) e a Agência
Espanhola de Cooperação Internacional para Desenvolvimento (AECID). Informação retirada do site
http://www.iberescena.org/pt/noticias/aberto-o-edital-iberescena-20152016/c/2199 (visitado no dia 16/07/2015).
97
Atualmente inativa.
98
[Tradução minha] O “Programa Nacional para el Desarrollo de las Artes Escénicas” (PROARTES) tem como
objetivo apoiar, promover, difundir, preservar e incrementar as manifestações artísticas cênicas da Costa Rica
através do apoio econômico a projetos específicos concebidos pela comunidade cultural e artística independente.
Informação retirada do site http://www.teatromelico.go.cr/portal/proartes/Acercade.aspx (visitado no dia
16/07/2015).
77
Opressão e negação são dois aspectos da lógica colonial. O primeiro opera na ação
de um individuo sobre outro, nas relações desiguais de poder. O segundo o faz na
maneira como os indivíduos negam o que no fundo sabem. Os processos
descoloniais tratam de tirar ambos dos lugares reprimidos, mostrando também as
características imperiais da “negação”. (Mignolo, 2010: 18).101
99
Site https://www.hivos.org/
100
Informação tomada do “Sistema de Información Cultural de Costa Rica”. Site
http://si.cultura.cr/infraestructura/instituto-cultural-de-mexico-en-costa-rica.html (visitado em 12/10/2015)
101
[ Tradução minha] Original: “Opresión y negación son dos aspectos de la lógica de la colonialidad. El primero
opera en la acción de un individuo sobre otro, en las relaciones desiguales de poder. El segundo lo hace sobre los
individuos, en la manera en que niegan lo que en el fondo saben. Los procesos decoloniales consisten en sacar a
ambos de sus lugares reprimidos, mostrando también las características imperiales de la “negación”. (Mignolo,
2010: 18).101
78
O grande antecedente foi o grupo Tierranegra. Mas antes é preciso mencionar outras
experiências que constituíram o clima criativo desses anos: gestaram-se obras
surgidas da efervescência teatral vivida na época. Por exemplo, o grupo da
Universidad de Costa Rica apresenta Las hormigas, de Antonio Iglesias, e Teofilo
Amadeo, de Rudolph Wedel. Também há que mencionar o grupo Gruteacas, do
Conservatorio Castella; e na área do teatro de bonecos para crianças e adultos, o
Moderno Teatro de Muñecos dirigido por Juan Enrique Acuña. Outro grupo
interessante nesse momento foi el Cilampa, formado por jovens estudantes que
102
Apresentarei, com mais detalhes, ambos os grupos no próximo sub-capítulo 2.2 Prácticas Heterodoxas.
103
Luis Fernando Gómez foi diretor da Compañía Nacional de Teatro nos períodos de 1992-1994 e 2002-2004.
104
[Tradução minha] Original: “En la década de los 90 se promueve desde el Estado, un proyecto importante para
el desarrollo de los grupos: el programa de producciones concertadas que impulsa Luis Fernando Gómez.
(VINOCOUR, 2006: n.p)
105 Grupo La Trama, Diquis Tiquis e Teatro 1856 por citar alguns exemplos.
106
Cf.:capítulo 1, sub-capítulo 1.2.2.1 Criar em equipe, pág.: 46.
107
Cf.: capítulo 1,sub-capítulo 1.2.2.2 Nova Dramaturgia, pág.: 48.
79
viajaram pelo pais com peças como Nosotros no usamos corbata. (VINOCOUR,
2006: n.p.)”108
O grupo Tierranegra foi formado em 1973 por atores e atrizes jovens que
compartilhavam o objetivo de criar dramaturgias e linguagens cênicas próprias, a partir de
processos de experimentação.
Escolho centrar a atenção no grupo Tierranegra, porque alguns de seus atores, como
Melvin Méndez e Manuel Ruíz, trabalharam nos primeiros projetos cênicos dos grupos Abya
Yala e do Núcleo de Experimentación Teatral. Por exemplo, Melvin Méndez foi um dos
fundadores do Núcleo de Experimentación Teatral, enquanto que o ator Manuel Ruíz
participou como ator na quinta obra do grupo Abya Yala, a peça El Caso Otelo, no ano de
1994. O que reforça as relações artísticas entre os três grupos.
Para os autores costarriquenhos Manuel Ruíz (1990) e Alejandro Tossatti (1990), o
grupo Tierranegra “foi um dos grupos mais importantes na história do teatro da Costa Rica, e
provavelmente o mais importante até o momento como grupo de vanguarda” (RUIZ, M.
Tossatti, A. 1990: 69).109
O trabalho do Tierranegra era fortemente influenciado pelo método Criação Coletiva,
difundido pelos diretores colombianos Santiago Garcia e Enrique Buenaventura, a partir de
intercâmbios artísticos que, desde aquele tempo, já aproximavam ambos os países.110 O grupo
costarriquenho, no entanto, é reconhecido por desenvolver seus próprios procedimentos de
Criação Coletiva, sustentados no contexto social e artístico do seu país.
108
[Tradução minha] Original: El gran antecedente fue el grupo Tierranegra. Pero antes tienen que mencionarse
otras experiencias que constituían el clima creativo de esos años: se gestaron obras surgidas de una efervescencia
teatral vivida en la época. Por ejemplo, el grupo de la Universidad de Costa Rica monta Las hormigas, de
Antonio Iglesias, y Teofilo Amadeo, de Rudolph Wedel. También hay que mencionar al Gruteacas, del
Conservatorio Castella; y en el campo de los muñecos para niños y adultos, el Moderno Teatro de Muñecos
dirigido por Juan Enrique Acuña. Otro grupo interesante en ese momento fue el Cilampa, formado por jóvenes
estudiantes que giraron con obras como Nosotros no usamos corbata” (VINOCOUR, 2006: n.p)
109
[Tradução minha] Original: “fue uno de los grupos más importantes en la historia del teatro de Costa Rica, y
probablemente el más importante hasta la fecha como grupo de vanguardia” (RUIZ, M. Tossatti, A. 1990: 69).
110
Grande parte dos espetáculos de Tierranegra foi dirigida por Luis Carlos Vazquez, diretor colombiano radicado
na Costa Rica desde 1973 e hoje considerado um dos mais importantes diretores da Costa Rica.
111
[Tradução minha] Original: “Demostrando que nuestra historia es fuente suficiente de creación artística
levantamos la frente ante el desprecio clandestino hacia nuestra nacionalidad. Asumiendo nuestra idiosincrasia,
lo popular y “ lo aldeano” en nuestra historia, en nuestra cultura; asumiendo como artistas, en forma humilde,
80
São pertinentes as palavras de Ruíz e Tossatti (1990) porque mostram uma tendência
do teatro costarriquenho em adotar, como ideais, dramaturgias e modelos cênicos produzidos
pelos grupos das grandes cidades da Europa e dos Estados Unidos. Desta forma, é possível
apontar que o grupo Tierranegra inicia um outro teatro costarriquenho, que, pelo contrário,
luta pelo fortalecimento de uma arte inerente às características sociais, políticas, econômicas,
culturais e artísticas do país.
Tierranegra criava a dramaturgia de seus espetáculos de modo coletivo a partir de
processos extensos de pesquisa e experimentação. Os temas de suas obras visitavam conflitos
sociais da época, como os abusos que sofriam os trabalhadores das bananeiras na Zona
Atlântica112, entre outros, em espetáculos que dialogavam com o público com a proximidade
favorecida por espaços públicos, como ruas, parques, igrejas, etc. O Tierranegra não só
incentivou a dramaturgia nacional escrita de modo coletivo, mas também mostrou que novas
formas de organização do trabalho coletivo, como a divisão por tarefas, levam a resultados
eficientes. A experiência desse grupo, portanto, revela as primeiras práticas de Processo
Colaborativo no teatro costarriquenho, "mas era não só busca do novo como modo artístico
expressivo: também foi uma mudança de orientação no significado das relações humanas e de
trabalho no interior do nosso grupo, assim como uma mudança nas relações entre o grupo e
seu trabalho em relação com o público" (RUIZ, M. TOSSATTI, A. 1990: 72)113.
Por outra parte, é relevante que manifestações teatrais de Processo Colaborativo
também mostram aspectos que provêm da Performance Art, como a noção de work in
progress e a autorreferência114, principalmente. Desta forma, o grupo Abya Yala pode ser
considerado a principal referência em Processo Colaborativo em sua dimensão performativa,
produto do vínculo de seus fundadores, Roxana Ávila e David Korish, com o teatro
performativo dos Estados Unidos e as teorias da antropologia de Eugenio Barba.
Esse termo, atribuído ao Brasil, tem sido nossa maneira de trabalho por mais de 20
anos, sem chamar por esse nome e sem saber que estávamos desenvolvendo uma
nuestras limitaciones, rompiendo el velo que – tras un pretendido cosmopolitismo- oculta un desprecio hacia
nuestra nacionalidade”. (RUIZ, M. Tossatti, A. 1990: 73)
112
Região da Costa Rica onde vive a maior parte da população afro- descendente.
113
[Tradução minha] Original: “Pero no era sólo búsqueda de lo nuevo en la forma artística como expresión:
también fue un cambio de orientación en el significado de las relaciones humanas y de trabajo en el interior de
nuestro grupo, así como un cambio en las relaciones entre el grupo y su trabajo en relación con el público”.
(RUIZ, M. TOSSATTI, A. 1990: 72)
114
Cf.: capítulo I, sub- capítulo 1.2 Performance Art., pág.: 33.
81
metodologia de pesquisa e criação que nos tem trazido muitos benefícios. Agora,
tenho lido sobre este termo e como é entendido, porque tem começado a ser usado
por gerações mais jovens. O que dizem é bem parecido como o que trabalhamos no
Abya Yala. Aqui, como processo colaborativo, tem havido várias experiências;
algumas que desconheciam o trabalho prévio do Abya Yala o classificam como uma
novidade, outras, que têm conhecimento, então o classificam como visões do
mesmo, mas desde experiências diferentes. (ÁVILA, 2015) 115
115
[Tradução minha] “Ese término, acuñado en Brazil, ha sido nuestra manera de trabajo por más de 20 años, sin
ponerle ese nombre y sin saber que estábamos desarrollando una metodología de investigación y creación que
nos ha dado tantos beneficios. Ahora he leído sobre este término y cómo se entiende porque se ha empezado a
utilizar por generaciones más jóvenes que yo. Lo que dicen se parece bastante a como trabajamos en Abya Yala.
Acá, como proceso colaborativo ha habido varias experiencias; algunas que desconocían el trabajo previo de
Abya Yala así que lo ponen como una novedad, otra con conocimiento entonces lo ponen como visiones de lo
mismo desde espacios diferentes.” (AVILA, 2015)
116
Na Costa Rica é usada a tradução do espanhol do conceito em português Processo Colaborativo.
117
Os artigos mais difundidos na Costa Rica são: “ABREU, L. Processo colaborativo: relato e reflexão sobre
uma experiência de criação. Cadernos da Escola Livre de Teatro. Santo André, v. 1, n. 0, 2003”, e “ARAÚJO,
Antônio. O processo colaborativo no teatro da vertigem. Revista Sala Preta. São Paulo: Departamento de
Artes Cênicas. Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo, n. 6, 2006.
118
“Proyecto en rojo” é uma coletivo conformado por Aysha Morales (direção), Laura Cordero (atuação) e
Alejandra Marín (dramaturgia). O espetáculo Sobre mi casa una nube roja, é a primeira produção do coletivo,
estreia em novembro de 2013. Este espetáculo é resultado do projeto de licenciatura de Aysha Morales, que
tratava sobre o Processo Colaborativo.
119
“Creación Colaborativa” como uma variante do termo Processo Colaborativo. Parto da hipótese que representa
uma forma costarriquenha de usar o termo brasileiro.
82
Imagem 1: Cartaz da oficina “Entretejidos: dinámicas de creación colaborativa” ministrada por Aysha Morales e
Laura Cordero.
Dr. Leonardo Sebiane. Enquanto isso, a Escuela de Artes Dramáticas tem financiado
unicamente a professora Dra. Tatiana Sobrado.
A relação dos professores costarriquenhos com o discurso do teatro brasileiro
contemporâneo contribui para os processos de transculturación que tenho mencionado no
decorrer do presente capítulo e que considero um fenômeno resultante das dimensões muito
restritas da comunidade profissional da Costa Rica, o que faz com que o contato direto entre
professores, alunos e artistas de grupos independentes seja um dispositivo eficiente para a
difusão, multiplicação e assimilação de novos conhecimentos.
É importante tornar claro que uma das principais plataformas para se inserir no
mercado de trabalho, tanto para professores universitários como para recém-graduados, são os
grupos teatrais independentes. Portanto, os processos de transculturación acontecem
principalmente em contextos acadêmicos e dentro da cultura de teatro de grupo. Assim,
paulatinamente, as novas práticas são inseridas e exercitadas no teatro costarriquenho.
Como mencionei no início do presente subcapítulo, além do grupo Abya Yala, outro
grupo de teatro da Costa Rica que vem desenvolvendo seus projetos artísticos de modo
colaborativo é o Núcleo de Experimentación Teatral, que - semelhante ao Abya Yala - tem
mais de duas décadas de trabalho contínuo orientado para o teatro de pesquisa e que também
não tem nomeado seus modos de criação como Processo Colaborativo.
Por outro lado, nos últimos anos, tem aumentado o número de grupos e coletivos
interessados em trabalhar a partir de dinâmicas de criação e produção colaborativa, como é o
caso dos grupos Bonus Teatro, Colectivo La Tijera, Compañía Símbolo, Compañía La
Bicicleta, Pluie, Proyecto en Rojo, Sotavento, Teatro Desde Mi Misma, Teatro La Maga,
Teatro Oshún e Teatro Raíz, entre outros, cujos modos de organização evidenciam uma
mudança na visão do teatro de grupo que se aproxima mais da ideia de “núcleos artísticos”
(TROTTA, 2006).120 Isto é, quando diversos artistas unem-se para criar sobre uma mesma
linha de projetos, com o propósito de experimentar estéticas e técnicas, sem estarem
organizados como um grupo tradicional, mas que, ao longo do tempo, possam construir a
identidade do núcleo.
As produções recentes de grupos de teatro independentes na Costa Rica têm mostrado
um aumento no número de espetáculos cujo material dramatúrgico tenha sido produzido ao
longo do processo criativo e com a participação de todos os integrantes do projeto. Esse
120
Cf.: Capítulo I, sub- capítulo 1.1 Desenvolvimento do conceito no Brasil, pág.: 18.
84
fenômeno torna-se mais evidente nos grupos e coletivos formados por atores e diretores
recém-formados.
A participação de atores e atrizes no pensamento global do espetáculo, nas produções
recentes, demonstra o interesse por questionar e repensar as estruturas hierárquicas nos
processos de criação. Práticas teatrais como essas incentivam o campo de pesquisa sobre
procedimentos e modos de criação baseados na horizontalidade no trabalho do ator, atriz,
diretor e diretora. Portanto, a inserção do termo Processo Colaborativo nos estudos teatrais na
Costa Rica é uma oportunidade para refletir e pensar sobre as perguntas que a prática teatral
levanta.
Os espetáculos costarriquenhos Manuales de (in) seguridad, estreado em 2012 pelo
grupo Teatro Oshún, e El Patio, em 2013 pelo grupo Abya Yala, constituem os objetos de
estudo desta pesquisa, pois seus modos de criação apresentam características semelhantes ao
Processo Colaborativo.
No espetáculo Manuales de (in) seguridad, trabalhei como atriz e produtora. A
experiência pessoal vivida ao longo do processo criativo foi disparadora de perguntas que
confirmaram a minha necessidade e desejo de participar de um programa superior de estudos
teatrais no Brasil, para estudar seus vínculos e diálogos com o teatro de meu país. Esta
vivência foi a que me aproximou do segundo objeto de estudo, El Patio, pois, a partir de uma
primeira intuição, percebi aspectos comuns com Manuales de (in) seguridad, que me
direcionaram para a hipótese de que ambos os espetáculos sejam resultados de Processos
Colaborativos.
É importante lembrar, mais uma vez121, que os estudos sobre o Processo Colaborativo
não pretendem apresentar um método ou um sistema de procedimentos criativos que possam
ser reproduzidos de um projeto para outro, de um grupo para outro, e menos ainda de um país
para outro. É um modo de criação que se recria em cada experiência como um evento único e
singular. Portanto, analisar os modos de criação dos atores e diretores nos espetáculos
Manuales de (in) seguridad e El Patio, tem o objetivo de entender e refletir sobre formas
diversas e distintas de entender e exercer a premissa de “criar em colaborativo” no contexto
teatral da Costa Rica.
121
Cf.: Capítulo I Processo Colaborativo, p. 14.
85
actualidad, hacer un teatro más ligado a la búsqueda y a la experimentación escénica. (VINOCOUR, 2007:123)
86
Por conseguinte, entendo que o termo Práticas Heterodoxas seja adequado para
nomear o teatro experimental costarriquenho - perspectiva que considero necessária que se
aprofunde em futuros estudos, tendo em vista não haver outros materiais teóricos que
abordem o conceito de Vinocour (2006 e 2007).
Discutir a noção das Prácticas Heterodoxas, em se tratando de uma “atividade
marginal” (Vinocour, 2006), é um ensejo para refletir sobre a relevância de haver formas
próprias de nomear nossos próprios modos de criação e, assim, questionar por que práticas
como essa ocupam um lugar de marginalidade.
Desta maneira, as Práticas Heterodoxas são modos de questionar as práticas cênicas
tradicionais que instituições culturais e centros de formação da Costa Rica têm legitimado e
oficializado ao longo das últimas quatro décadas125. Essas práticas tradicionais são chamadas
por Vinocour (2007) de “modelo oficial” e consistem em procedimentos de criação
(repetitivos) que visam a uma estética teatral específica, entendida como a estética “oficial”.
Pelo contrário, nas Prácticas Heterodoxas, cada processo criativo é único. Porém, os
modos de criação dos grupos de tendência heterodoxa não são entendidos como métodos,
fórmulas ou sistemas de procedimentos capazes de serem reproduzidos de um projeto para
125Desde a criação da Escuela de Artes Dramáticas em 1970, o Ministerio de Cultura em 1973, a Compañía
Nacional de Teatro em 1971 e a Escuela de Artes Escénico em 1973.
87
outro, porque “as técnicas, métodos, procedimentos, são recriados na aplicação de cada
experiência [...]” (VINOCOUR, 2007: 117)126.
Por outra parte, é relevante que a diversidade de modos de organização nas Prácticas
Heterodoxas retome e atualize a ideia de grupo, primeiro porque aplica princípios da cultura
do teatro de grupo da década de 1970 - como a importância de inventar em coletivo os
próprios procedimentos de criação -, e segundo porque estimula outros modos de organização,
como o trabalho em “núcleos artísticos” (TROTTA, 2006).127 Assim, atores e diretores unem-
se para trabalhar em projetos cênicos específicos, sem a organização de um grupo estável.
Nesse último aspecto, porém, reside um paradoxo: para a continuidade e
amadurecimento de Prácticas Heterodoxas à organização em grupo, como tradicionalmente é
entendida, embora seja uma das plataformas mais eficientes nesse sentido, chama a atenção
que, das seis companhias estudadas por Vinocour, unicamente os grupos Abya Yala e o
Núcleo de Experimentación Teatral existam na atualidade. Isso mostra que
Tanto o grupo Abya Yala quanto o Núcleo de Experimentación Teatral são grupos
que, através do trabalho contínuo - e até heróico -, têm conseguido traduzir suas experiências
em ética, técnica e estética próprias e mostrado sua capacidade de transformar dificuldades
em oportunidades.
A esse respeito, a historiadora costarriquenha Dra. Patricia Fumero identifica que o
trabalho constante de autocrítica e reflexão, que ambos os grupos têm desenvolvido por mais
126[Tradução minha] “las técnicas, métodos, procedimentos, son recreados al aplicarse en la experiencia de cada
cual [...]” (VINOCOUR, 2007:117)
127
Cf.: Capítulo I, sub-capítulo 1.1 Desenvolvimento do conceito no Brasil, pág.: 18.
128[Tradução minha] Original: “La visión del teatro de grupo fundamentada en el deseo de desarrollar un camino
artístico en colectivo/colaborativo está siendo cada vez más amenazada por ciertas políticas culturales de
nuestros países. Programas de fomento a la creación y circulación teatral en algunos casos, ponen en riesgo la
sostenibilidad de los grupos y compañías, pues para recibir financiamiento deben someterse a períodos que
responden a modos de creación que privilegian lo individual y lo hegemónico”. (ARY, R. ALPÍZAR, L. 2015:
65)
88
de vinte anos, deve ser considerado referência para a melhoria das políticas culturais do país
e, assim, garantir a continuidade dos grupos:
O grupo foi criado pela atriz e diretora costarriquenha Roxana Ávila e o diretor
americano David Korish, após finalizar estudos de pós-graduação na Carnegie Mellon
University nos Estados Unidos.
Atualmente, o Abya Yala tem desenvolvido um modo de organização que é melhor
descrito pela ideia de “comunidade artística” e não como “grupo de teatro”, dado que “Abya
Yala agora é mais um conglomerado do que um grupo fechado e nos permite trabalhar com
distintas disciplinas e ideias” (ÁVILA, 2015). 130
Até agora, Abya Yala produziu mais de 30 espetáculos cênicos de autores como
Nelson Rodrigues e Samuel Beckett, adaptações coletivas de clássicos como os de Willian
Shakespeare e Yukio Mischima, obras de dramaturgas costarriquenhas como Denise Duncan
e Ailyn Morera e criações baseadas em textos não dramáticos, como o conto "Asterión", de
Jorge Luis Borgues.131
129[Tradução minha] Original: “Si los grupos teatrales reflexionaran sobre sus procesos creativos y el contexto
histórico en el que tienen lugar- como sí lo han hecho el Núcleo de Experimentación Teatral o Abya Yala,
entre otros- contarían con herramientas que posibilitarían una mejor interpretación de la evolución de nuestro
teatro, y una mejor programación y desarrollo de las políticas nacionales de teatro”. (FUMERO, 2011: 12)
130
[Tradução minha] Original: “Abya Yala ahora es más un conglomerado que un grupo cerrado y nos permite
trabajar con distintas disciplinas e ideas generadoras” (ÁVILA, 2015). AVILA, Roxana. Entrevista concedida
para Lidieth Alpízar pela diretora do grupo Abya Yala, realizada por e-mail no dia 12 de junho de 2015.
131
GOMEZ, Andrea. Blood, sweat and trust: group development and creative process at Teatro Abya Yala
Dissertation. Universiteit van Amsterdam, Netherlands University of Arts in Belgrade, Serbia, 2013.
89
O interessante é que Abya Yala tem criado seus espetáculos sempre de modo
colaborativo: “nós colocamos todas as pessoas em igualdade de condição para propor e, como
os processos são tão extensos, há oportunidade para experimentar todas as propostas”.
(ÁVILA, 2015).132
Por outro lado, é importante tornar claro que os processos criativos de Abya Yala
destacam-se pela disciplina no treinamento físico dos atores e atrizes, produto das
experiências tanto de Roxana Ávila quanto de David Korish com técnicas como a
biomecânica de Meyerhold, assim como as próprias pesquisas do grupo em relação ao
trabalho do ator.
Em síntese, considero que Abya Yala é das referências mais importantes para os novos
grupos de teatro costarriquenho de tendência às Prácticas Heterodoxas. A experiência de
Abya Yala é um exemplo de grupos de teatro que se configuram como comunidades criativas:
potencializam a liberdade para a criação ao (re)criar, a cada experiência cênica, seus
procedimentos criativos. Para Roxana Ávila (2015), "[...] estar perdido no processo é valioso,
porque a resposta não se obtém a partir de uma única mente e sim no diálogo multidisciplinar
e trans-disciplinar, que só se sabe de que se está falando no momento em que acaba o
processo [...]” (ÁVILA, 2015). 133
Foi criado por Fernando Vinocour, Melvin Méndez e Marco Guillén. É interessante
que aqui o uso da palavra “núcleo” tem convergência com o pensamento da investigadora
brasileira Rosyane Trotta (2006), quando explica que “[...] a palavra núcleo dimensiona uma
estrutura em que uma minoria concebe, realiza e mantém a continuidade do projeto, enquanto
os convidados, que representam a maioria, entram no esquema do trabalho avulso”.
(TROTTA, 2006:155). A função de conceber, realizar e manter os projetos do Núcleo de
Experimentación Teatral tem sido centrada na figura do diretor, Fernando Vinocour, e está
132
[Tradução minha] Original: “nosotros colocamos a todas las personas en igualdad de condición para proponer
y, como los procesos son tan extensos, se le da a todas las ideas espacio para ser probadas”. AVILA, Roxana.
Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pela diretora do grupo Abya Yala, realizada por e-mail no dia 12
de junho de 2015.
133
[Tradução minha] Original: “[...] que estar perdido en un proceso es valioso, que la respuesta no se tiene desde
una cabeza sino en diálogo multidisciplinario y trans-disciplinario, que sólo se sabe de qué se está hablando
cuando una ha terminado el proceso [...]”. (ÁVILA, 2015). AVILA, Roxana. Entrevista concedida para
Lidieth Alpízar pela diretora do grupo Abya Yala, realizada por e-mail no dia 12 de junho de 2015.
90
relacionada ao seu compromisso com os estudos teatrais na Costa Rica através das
experiências criativas do grupo.
No entanto, a ideia de “núcleo” de Rosyane Trotta (2007) difere no sentido de que as
pessoas que participam nos projetos do Núcleo de Experimentación Teatral são entendidas
como criadores e não como “convidados” que “entram no esquema”. Isto é, todos têm a
oportunidade de questionar e modificar o próprio processo criativo, uma vez que “[...] o teatro
tem a ver com a noção de jogo, liberdade, irreverência e até “falta de sentido”, isto é o que faz
com que seja potente”134. (RODRIGUEZ, 2008: 92)135
O Núcleo de Experimentación Teatral produziu montagens de 27 espetáculos de
autores como Sergi Belbel e Samuel Beckett, mas na maioria obras de Arístides Vargas e
adaptações coletivas de textos não-dramáticos de autores latino-americanos como Eduardo
Galeano e Júlio Cortázar.
Em entrevista realizada com Arístides Vargas, dramaturgo e diretor do grupo
Malayerba de Equador, Vargas (2015) comenta sobre a importância que tem o trabalho do
Núcleo de Experimentación Teatral quanto à consolidação do teatro costarriquenho de
tendência heterodoxa como ruptura do “modelo oficial”.
[…] Fernando foi um grande impulsor disto, acredito que o trabalho do N.E.T
produz uma quebra com essa outra teatralidade mais tradicional que sempre houve
na Costa Rica, porque a Costa Rica sempre se destacou no contexto Centro-
Americano porque tinha uma tradição teatral importante, e acredito que o N.E.T
136
provocou uma quebra através da figura de Vinocour (VARGAS, A. 2015).
[...] hoje temos a sensação de que são os jovens quem realmente protagoniza o teatro
na Costa Rica, que têm capacidade de invenção, que eu não consegui perceber na
minha primeira visita, há muitos projetos em andamento, e não só projetos, mas
também realizações que têm maturidade na Costa Rica[...] Em Cádiz138 também
tivemos a oportunidade de ver o trabalho de Abya Yala, que é bem interessante, isto
é, hoje há na Costa Rica trabalhos de teatro experimental realmente valiosos
139
(FRANCES, CH. 2015).
As características deste teatro que têm prevalecido tem a ver com o tipo de drama
que forneceu as bases para o estabelecimento de uma profissionalização desta arte
na Costa Rica. Com a chegada de companhias de teatro estrangeiras e a prática
privada de intelectuais interessados em teatro, que visitavam as grandes cidades
culturais, trouxeram um modelo de teatro baseado em obras de autoria clássica e
138 Apresentação da obra “Vacío” no XXVII Festival Iberoamericano de Teatro de Cádiz, España.
139 [Tradução minha] Original: “[...] hoy tenemos la sensación y de que es la gente joven la que realmente
protagoniza el teatro en Costa Rica, que hay una capacidad de invención que yo no supe percibir en mi primera
visita, hay mucho proyecto en marcha y no sólo proyectos sino realizaciones que tienen una madurez en Costa
Rica[...] En Cádiz también tuvimos la oportunidad de ver el trabajo del grupo Abya Yala y que es muy
interesante, es decir, hoy hay en Costa Rica trabajos de teatro experimental realmente valiosos”. (FRANCES,
CH. 2015)
140 [Tradução minha] Original: “A partir de 1897 con la inauguración del Teatro Nacional, el teatro se había
convertido en una práctica apoyada por políticas culturales tendientes al refinamiento del espectáculo y, a la
imposición de un rigor estético clásico y el rechazo de la audiencia popular [...]” (FUMERO, 2000: 37)
92
Fase 1 Todos os atores, na presença do diretor, leem o texto a partir da distribuição das
personagens (a seleção é realizada pelo diretor antes de iniciar o processo de ensaios).
Fase 2 143
Os atores analisam o texto coletivamente.
Fase 3 Os atores memorizam as falas de suas personagens.
Fase 4 Nas primeiras semanas do processo, alguns diretores encaminham o trabalho dos atores
com exercícios de improvisação, mas sempre dentro da lógica que propõe o texto
dramático.
141 [Tradução minha] Original: “Las características de este teatro que ha predominado, tienen que ver con el tipo
de arte dramático que brindó los basamentos para instaurar una profesionalización de este arte en Costa Rica. A
través de la llegada de compañías teatrales foráneas, y de las prácticas privadas de intelectuales interesados en el
teatro, que visitaban las metrópolis culturales, trayendo un modelo teatral basado, en el montaje de obras de
repertorio universal, clásico y contemporáneo (Lorca, O’ nell, Miller, Pirandelo, Willians, Synge, etc.”
(VINOCOUR, 2007: 120)
142 Minha experiência com o teatro de modelo oficial é pequena, no processo de formação em teatro (Conservatorio
Castella 1996- 2000), (Escuela de Artes Dramáticas 2001-2006) e (Escuela de Artes Escénico 2008-2009);
sempre estive interessada por modos de criação participativa.
143 Através do método de análise das ações, de Konstantín Stanislavski.
93
Fase 5 O diretor decide sobre os movimentos e deslocamentos que os atores devem realizar no
palco.
Fase 6 Os atores, de forma individual, compõem as características corporais e psicológicas de
sua personagem, fundamentados na análise do texto e com a aprovação do diretor.
Fase 7 A criação do figurino, da música, da iluminação e outras técnicas é feita fora do
processo de criação com os atores.
Fase 8 Quando cada ator tem memorizado o texto, compostas as características de sua
personagem e apreendidos os deslocamentos indicados pelo diretor, começa o período
de ensaios coletivos, que consiste em passar as cenas repetidas vezes, até conseguir
comunicação coletiva e ritmo da obra.
Fase 9 Cada ator treina seu corpo e sua voz de forma individual.
Fase 10 O processo de “criação” acaba no dia de estreia da obra. É usual que o diretor não
assista às apresentações de toda a temporada.
Essas fases do processo criativo, descritas acima, indicam haver, no “modelo oficial”,
um vínculo criativo distante entre atores e diretores, pois a função dos atores está circunscrita
à execução das instruções do diretor. Além disso, é interessante perceber que essa mesma
forma de relação distante é reproduzida também no contexto de trabalho dos próprios atores,
como é mostrado na fase 9 do quadro anterior, em que “cada ator treina seu corpo e sua voz
de forma individual”.
Por último, é relevante observar algumas convergências entre Prácticas Heterodoxas e
Processo Colaborativo: por exemplo, os modos de criação dos grupos Abya Yala (1991) e
Núcleo de Experimentación Teatral (1992) demostram semelhanças com os sistemas criativos
de grupos brasileiros como Teatro da Vertigem (1991), Lume Teatro (1985) e Boa
Companhia (1992). É significativo observar possíveis convergências entre os conceitos
Prácticas Heterodoxas e Processo Colaborativo, com o intuito de entender melhor ambos os
fenômenos.
Tanto as Prácticas Heterodoxas quanto o Processo Colaborativo compartilham raízes
com o teatro de Criação Coletiva da década de 1970, mas é no começo da década de 1990,
com o trabalho de grupos como os acima mencionados, que cada um se configura como
tendências diferenciadas da Criação Coletiva. A análise das experiências criativas desses
grupos tem agregado aos estudos teatrais noções atualizadas sobre criar em coletivo e/ou
colaborativo, como a distribuição das funções através de comissões ou equipes de trabalho.
Ambos os conceitos revelam perspectivas renovadas da função do diretor e diretora
em processos de criação em coletivo. Não há uma negação à figura do diretor, desde que seja
exercida como a de um líder, isto é, que suas ideias sobre como deve ser criado o espetáculo
94
não sejam impostas ao coletivo de atores; pelo contrário, sua função está em estimular todas
as pessoas a propor suas ideias sobre o espetáculo.
O repertório das obras dos grupos de Prácticas Heterodoxas e Processo Colaborativo
revelam mais uma convergência: a afinidade por dramaturgias criadas no decorrer do
processo criativo. É comum ver o uso do termo “adaptação” para dizer que atores e diretores
trabalharam a partir de um texto escrito, que não é de sua autoria, para criar sua própria
dramaturgia. Também ambos os fenômenos mostram, com frequência, que experiências
cênicas são uma “construção cênica ancorada na tensão entre depoimento pessoal e
depoimento coletivo” (ARAUJO, 2008: 63).
Também é pertinente que os autores de ambos os conceitos insistam na ideia de que
suas propostas intelectuais não pretendem mostrar os modos de criação como métodos que
visem a garantir um tipo de teatralidade.
Contudo, em relação a algumas divergências entre Prácticas Heterodoxas e Processo
Colaborativo, considero que a falta de material teórico e outros tipos de textos referentes às
Prácticas Heterodoxas no teatro costarriquenho e a carência de registros escritos que
evidenciem que artistas da Costa Rica usam esse conceito para explicar suas experiências
cênicas mostram que não há relação entre processos de identificação e sentido de
pertencimento com o termo Prácticas Heterodoxas e os grupos de tendência experimental -
caso contrário ao estudo sobre o Processo Colaborativo.
Concluindo, os artistas e grupos que nomeiam seus modos de criação através de um
mesmo conceito afirmam que pertencem a um certo tipo de comunidade artística, embora são
manifestações de processos de identificação e sentido de pertencimento.
144
São os quatro aspectos do Processo Colaborativo segundo Fischer (2003). CF. 1. Processo Colaborativo, p. 14.
145
CF. Sub- capítulo 2.1 O Processo Colaborativo na Costa Rica, p. 78.
146
O espetáculo Sobre mi casa una nube roja é a primeira produção do coletivo e resultado do projeto de
licenciatura de Aysha Morales, que explora procedimentos criativos do Processo Colaborativo.
96
Imagem 2 Imagem 3
● Pertence a uma geração nova de artistas cênicos da Costa Rica. O grupo Teatro Oshún
foi fundado por mim e pela dançarina e antropóloga social Vanessa de la O, em 2010;
● Participei como atriz e produtora no processo de criação;
● Tenho acesso aos relatos e materiais do processo de criação dos atores e do diretor;
● Os atores e o diretor têm noção do conceito Processo Colaborativo, segundo os
estudos teatrais brasileiros;
● A dramaturgia foi criada pelos atores e pelo diretor ao longo do processo de criação da
peça;
● Tenho acesso ao vídeo completo da obra para estudo;
● O diretor da obra fez o doutorado em artes cênicas na Universidade Federal da Bahia
(2008-2011), configurando uma oportunidade para identificar modos de
transculturación dos estudos do teatro brasileiro para o teatro atual na Costa Rica
97
El Patio (2013)
Por último, para o estudo do processo criativo de Manuales de (in) seguridad (2012) e
El Patio (2013), usarei como ferramenta de análise as catorze linhas de força que Araújo
(2008, p. 63) identifica como fundamentais num Processo Colaborativo. Dessa forma, a
presença e a ausência dessas linhas no processo criativo de cada um dos espetáculos
costarriquenhos permitem visualizar o modo como o Processo Colaborativo é exercido de
maneira especifica.
As catorze linhas de força, segundo Araújo (2008, p. 63), são.
147
Tradução minha [original]: “[...] plantear preguntas en torno a los procesos de creación mismos, a la forma en
que se articulan los lenguajes escénicos y la manera como se plasman en una obra concreta”. (GRASS, 2011:
49).
99
148
[Tradução minha] original: "Al tratarse de seres humanos los datos que interesan son conceptos, percepciones,
imágenes mentales, creencias, emociones, interacciones, pensamientos, experiências, procesos y vivencias
manifestadas en el lenguaje de los participantes, ya sea de manera individual, grupal o colectiva. Se recolectan
con la finalidade de analizarlos y comprenderlos, y así responder a las preguntas de investigación y generar
conocimiento". ( HERNÁNDEZ, R. FERNÁNDES, C. BAPTISTA, P. 2006: 584)
149
[Tradução minha] “[...] la entrevista cualitativa es más íntima, flexible y abierta. Ésta se define como una
reunión para intercambiar información entre una persona (el entrevistador) y otra (el entrevistado) u otras
(entrevistados)”. (HERNÁNDEZ, R. FERNÁNDES, C. BAPTISTA, P. 2006: 597)
150
Site http://www.programaicat.una.ac.cr/ICATsite/index.html (visitado em 02/09/2015).
151
Para se ter aceso ao material original, pode-se entrar em contato diretamente com Centro de Investigación,
Docencia y Extensión Artística (CIDEA)151 da Universidad Nacional. Site http://www.una.ac.cr/index.php/m-
telefonos-una/centro-de-investigacion-docencia-y-extension-artistica-cidea (visitado em 19 de outubro de 2015)
152
[Tradução minha] Original: “Las entrevistas abiertas se fundamentan en una guia general de contenido y el
entrevistador posee toda la flexibilidad para manejarla (él o ella es quien maneja el ritmo, la estructura, y el
contenido de los ítems)”. (HERNÁNDEZ, R. FERNÁNDES, C. BAPTISTA, P. 2006: 597)
100
foi extraída de artigos publicados de sua autoria, assim como documentos produzidos por ele
durante o processo de criação da peça. Também foram realizadas duas entrevistas por e-mail:
uma em novembro de 2013 e outra em agosto de 2014.
A escolha por realizar as entrevistas em grupos está baseado na noção de que grupos
de entrevistas "representam conjunto de pessoas que interagem por um período extenso, que
estão ligadas entre si por uma meta e que se consideram a si mesmos como una entidade.
(HERNÁNDEZ, R. FERNÁNDES, C. BAPTISTA, P. 2006: 584)153
153
[ Tradução minha] Original: “Representan conjunto de personas que interactúan por un período extendido, que
están ligados entre sí por una meta y que se consideran a sí mismos como una entidad.” ( HERNÁNDEZ, R.
FERNÁNDES, C. BAPTISTA, P. 2006: 584)
154
[Tradução minha] Original: “Documentos, registros, materiales y artefactos”. (HERNÁNDEZ, R.
FERNÁNDES, C. BAPTISTA, P. 2006:615)
155
[Tradução minha] Original: “Una fuente muy valiosa de datos cualitativos son los documentos, materiales y
artefactos diversos. Nos pueden ayudar a entender el fenómeno central de estudio”. (HERNÁNDEZ, R.
FERNÁNDES, C. BAPTISTA, P. 2006: 614).
156
[Tradução minha] Original: “Le sirven al investigador cualitativo para conocer los antecedentes de um
ambiente, las experiências, vivencias o situaciones y su funcionamento cotidiano”. (HERNÁNDEZ, R.
FERNÁNDES, C. BAPTISTA, P. 2006: 614)
157 Chamados de diários de bordo.
101
Inseguridad ciudadana
Inseguridad
Imagem 4: Diário de bordo de Lenny Alpízar, atriz em Manuales de (in) seguridad. Data: 11/04/2012.
argentino Jorge Luis Borges. Configura-se como uma informação importante, porque, no livro
Fervor de Buenos Aires, publicado em 1923, Borges tem um poema chamado Un Patio.
As interpretações anteriores evidenciam que tanto Manuales de (in) seguridad quanto
El Patio são resultados de processos teóricos e que Lenny e David exerceram também a
função de pesquisadores, além de atriz e diretor, respectivamente.
Por outro lado, destaca-se que a palavra inseguridad e a frase Los patios de Buenos
Aires foram transformadas do decorrer do processo criativo até chegar aos títulos das obras,
isto é, Manuales de (in) seguridad e El Patio, respectivamente. Essa observação é relevante
porque evidencia o vínculo entre o processo de pesquisa e a incorporação da função de
dramaturgo/a às funções da atriz e do diretor.
O Teatro Oshún é um grupo de teatro criado por mim em 2010, contando, mais tarde,
com a bailarina e antropóloga social Vanessa de la O, que decidiu compartilhar comigo este
projeto. A decisão de criar meu próprio grupo surgiu de diversas experiências, entre as quais
destaco o fato de ter participado do grupo Teatro Punto Cero. Esta vivência suscitou-me
perguntas como “qual é o modo de criação em coletivo que eu desejo experimentar?” - para
responder a essa questão, eu precisava criar um projeto novo e entrar em contato com artistas
que estivessem na mesma busca.
Outra motivação que considero significativa para a criação de Teatro Oshún foi a
participação em um laboratório de criação com o Núcleo de Experimentación Teatral, em
2007. Foi o meu primeiro contato prático com Fernando Vinocour e o momento em que
comecei a ouvir falar sobre Prácticas Heterodoxas.
Como Vanessa também já tinha participado de processos de criação com o Núcleo de
Experimentación Teatral, encontramos convergências entre nossas ideias de modos de
criação. Um dos principais objetivos do Teatro Oshún é desenvolver projetos cênicos viáveis
para a aplicação de técnicas e metodologias de experimentação nos processos criativos
cênicos - a busca, pois, é por experiências artísticas em que os artistas sejam estimulados no
exercício de habilidades de pesquisa e participação na concepção global da obra.
104
Bertolt Brecht
Manuales de (in) seguridad nasceu depois de vários contatos e conversas com o artista
costarriquenho Leonardo Sebiane, enquanto ele cursava o doutorado na Universidade Federal
da Bahia (UFBA). Quando Leonardo voltou para a Costa Rica, decidimos empreender um
projeto cênico juntos, embora ainda não soubéssemos qual seria o tema. Leonardo propôs
convidar Felipe González para o projeto, porque é um artista que pesquisa sobre o teatro ritual
e teria interesse em trabalhar conosco.
Logo decidimos trabalhar sobre a temática da insegurança na cidade de San José. No
diário pessoal Felipe, registrou
A partir de conversas sobre a temática que queríamos abordar, vemos que surgem
conexões de material sensível, primeiro em geral e depois no autorreferencial.
Tocamos e discutimos abertamente sobre a insegurança, as neuroses, os estados de
consciência, a intervenção na cotidianidade, os espaços públicos, o medo, a
159
liberdade, entre outros. (GONZÁLEZ, 2012)
159 [Tradução minha] Original: “A partir de conversaciones sobre la temática que queríamos abordar, vemos que
surgen conexiones de material sensible, primero en general y luego un paso hacia lo auto referencial. Tocamos y
discutimos abiertamente sobre la inseguridad, la neurosis, los estados de consciencia, la intervención en la
cotidianeidad, los espacios públicos, el miedo, la libertad, entre otros”. Diário de bordo de Felipe González, 14
de abril de 2012.
160
Prefeitura da cidade de San José.
161
Grupos de dança tradicional, grupos de mulheres, grupos de teatro independente, sindicato de trabalhadores do
Mercado Central, entre outros.
106
Decidimos apresentar Manuales de (in) seguridad no Mercado Central, uma vez que
está situado em uma das localidades mais perigosas ou “inseguras” de San José, e pensamos
que seria una oportunidade para vincular o discurso da obra com o espaço real, isto é, fazer
com que a apresentação da obra fosse igualmente uma ação performática. Por outro lado,
como os ensaios foram na cidade de San José e parte do treinamento físico era correr pelas
ruas da cidade, fomos construindo um vínculo com o espaço real, que progressivamente foi
agregando signos e símbolos ao discurso cênico.
Quanto à nossa organização, ainda que Felipe, Vanessa e eu já houvéssemos
trabalhado juntos em processos criativos anteriores, foi preciso conversar sobre cada uma das
funções artísticas: Leonardo ficou responsável pela função de diretor, Vanessa de
“dramaturgista” e preparadora física, Felipe de ator e eu de atriz e produtora, ou seja, houve
“existência e potencialização de funções artísticas específicas delimitadas antes do início dos
ensaios” (ARAÚJO, 2008:63)."No primeiro momento, nós propusemos que tinha que haver
um prazer no processo criativo, isto é muito importante. [...] De poder descobrir “o que
preciso fazer como artista?”, “quais são suas necessidades e o que está aportando?”, “como
potencializo o trabalho coletivo?” [...] (GONZALEZ, F. 2014) 162
As palavras de Felipe confirmam que a definição das funções não impede uma das
características do Processo Colaborativo, que é a “vontade e capacidade de cooperação”
(ARAÚJO, 2008: 63). A definição e delimitação das funções organiza o coletivo, de modo a
direcionar todos os esforços humanos de forma eficiente, evitando, assim, o cansaço do
coletivo e a dispersão das energias. Quando o coletivo trabalha de maneira eficiente em cada
uma de suas funções, poderá ter a energia necessária para colaborar nas outras funções dos
integrantes do grupo. Portanto, entendo que, quando Felipe disse que “tinha que ser prazeroso
o processo criativo, isto é muito importante” (GONZALEZ, F. 2014), referia-se a criar sem
gerar estados de exaustão, que em geral são condições emocionais catalizadoras de conflitos.
Em relação a isso, é interessante trazer o pensamento de Leonardo Sebiane, uma vez
que, desde o começo do processo criativo, ele propôs que a figura do diretor fosse entendida
como a de editor. "Eu penso que foi dialógico, no começo existiu uma necessidade de colocar
alguém de fora (Editor), mas, depois de discutir interesses, pontos de vista e estratégias, os
162[Tradução minha] Original: “[...] pero de primera entrada nos propusimos que tenía que haber un placer en el
proceso creativo, esto es muy importante. [...] De poder descubrir ¿qué necesitas hacer como artista? ¿cuáles son
sus necesidades y que estás aportando? ¿cómo potencio el trabajo colectivo?[...]”. GONZALEZ, F. Entrevista
concedida pelo ator para Lidieth Alpízar, realizada na Universida Nacional, no dia 27 de agosto de 2014, na
cidade de Heredia, Costa Rica.
107
163 [Tradução minha] Original: “Me parece que fue dialógico, en un inicio existió una necesidad de colocar
alguien fuera (Editor) y pero luego de discutir interés, puntos de vista y estrategias, los ensayos poseían una
“dramaturgia”, “actuación” y “dirección” “democratizada”. SEBIANE, L. Entrevista concedida para Lidieth
Alpízar pelo director, realizada por e-mail, no 1 de novembro de 2013.
164 [Tradução minha] Original: “Para mí no existe la necesidad de colocar jerarquías, solo condiciones de trabajo,
¿donde puedo ayudar? ¿Hasta dónde puedo ayudar?, sin interés en sobresalir autoría en ninguna idea, pues sabía
que ella va ha ser modificada, adecuada a cada tempo/espacio”. SEBIANE, L. Entrevista concedida para
Lidieth Alpízar pelo director, realizada por e-mail, no 1 de novembro de 2013.
165 Site http://dimenti.com.br (visitado em 02/09/2015).
108
Felipe escreveu a letra de várias músicas que são interpretadas por ele no espetáculo.
Isto é interessante, porque possibilita compreender que a função de ator de Felipe foi
complementada pela de músico. Felipe chegava aos ensaios com propostas de músicas e
explorava várias possibilidades para interpretá-las.
Imagem 8: Felipe apresenta uma proposta de música no ensaio. Imagem 9: Felipe cantando numa das
apresentações.
De acordo com o relato anterior, é relevante notar que a música foi um aspecto
importante na construção dramatúrgica da obra. As letras das músicas de Felipe, junto com
textos que eu propus durante o processo, permitiram-nos direcionar o processo criativo para a
“criação de uma dramaturgia inédita” (ARAÚJO, 2008: 63).
Além disso, em um determinado momento do processo criativo, percebemos que seria
interessante convidar para o projeto os músicos de uma banda de rock da Costa Rica chamada
Florian Droids, uma vez que já havíamos trabalhado com algumas músicas deles. Assim eles
166As letras das músicas mantenho no idioma espanhol, uma vez que muitas palavras e sentidos têm tradução em
português. Letra da musica criada por Felipe durante o processo criativo, tomado do diário de bordo de Felipe.
(abril de 2012)
109
167[Tradução minha] Original: “Para Florian Droids ha sido una experiencia bastante interesante ya que es una
forma diferente de componer música, donde no estamos pensando en una letra sino en la expresión escénica de
los actores que es lo que va a hablar en cada tema realizado.” (FLORIAN DROIDS, 2012). Texto retirado do
programa de mão do espetáculo Manuales de (in) seguridad.
110
Imagem 10: Lenny compartilha sua participação no processo de pesquisa de Manuales de (in) seguridad, na
palestra “(Re) creando los espacios públicos de la ciudad” . Galeria TEOR/éTica, em San José, Costa Rica, em 4
de julho de 2012.
Por outra parte, uma das atividades relacionadas com a noção de “abertura do processo
de ensaio a estagiários, convidados e público interessado” (ARAÚJO, 2008: 63) foi quando
Leornado compartilhou com os atores a importância de receber retornos críticos de outros
artistas que não participam do processo criativo. Fizemos dois ensaios abertos, um no dia 25
de maio e outro no dia 18 de julho de 2012.
Para o primeiro ensaio aberto, foi convidado o artista plástico Roberto Guillén. Suas
críticas levaram-nos a refletir sobre o modo como Felipe e eu passávamos das cenas às
interpretações das músicas. Em um de meus documentos pessoais, eu registro a crítica de
Roberto com a frase “não é orgânico o tema das músicas”168.
168
[Tradução minha] Original: “no es orgánico el tema de las canciones” (retirado do meu documento pessoal do
dia 25 de maio de 2012).
111
Os ensaios abertos foram importantes para discutir e refletir sobre a produção dos
materiais cênicos. As críticas de pessoas externas ao processo criativo orientaram a
construção do discurso dramatúrgico. As perguntas levantadas nos ensaios abertos exigiram
do grupo retomar aspectos que pertenciam às etapas iniciais, como a pesquisa teórica e o
trabalho de campo, assim como a fase das improvisações. Penso que a noção de processo
criativo pode ser comparada com a imagem de uma espiral:
Isto é, conforme avança o processo criativo maior é sua expansão, de modo que, em
cada círculo completo, atravessam-se os mesmos pontos, mas a partir de uma camada mais
112
169
Cf.: sub-capítulo 1.2 Performance Art, 1.2.1.3 Autorreferência. pág.: 39.
170
Método das questões de Pina Bausch.
113
A cena que chamamos “as motos” nasceu de meu medo pessoal de ser assaltada por
alguma pessoa de moto. É um medo íntimo, mas, ao compartilhar a cena com Felipe, ambos
conseguimos dar um sentido coletivo, o que evidencia mais uma convergência com as catorze
linhas de força do Processo Colaborativo, no sentido de que a dramaturgia de Manuales de
(in) seguridad é uma “construção cênica ancorada na tensão entre depoimento pessoal e
depoimento coletivo” (ARAÚJO, 2008: 63).
Finalmente, a imagem seguinte mostra um momento em que Felipe e Leonardo
preparam o espaço para uma das apresentações no Mercado Central. Como é notável, a
colocação das cadeiras para o público é próxima do lugar de ação dos atores. Isso era
importante porque a proposta cênica procurava a “interferência dos espectadores na
construção da obra” (ARAÚJO, 2008: 63), através de provocações dos atores com o público.
114
Imagem 13: Leonardo Sebiane e Felipe Gonzáles preparam o espaço para uma das apresentações no
Mercado Central.
É interessante que, das 14 linhas de força (Araújo, 2008: 63), a presença de nove
linhas na criação de Manuales de (in) seguridad permite entender que seu processo criativo
apresenta características de Processo Colaborativo. As nove linhas de força identificadas são:
os dois atores e o diretor exercerem suas funções de modo colaborativo, dado que essas linhas
respondem à noção de criar a partir da cooperação, a experimentação e o consenso coletivo.
Por outra parte, chama a atenção que a presença da linha 4) “construção cênica
ancorada na tensão entre depoimento pessoal e depoimento coletivo” possa ser considerada o
aspecto determinante para a configuração de distintos modos de autorreferência possíveis de
ser identificados na obra. Por exemplo, a cena das motos tem maior nível de autorreferência
quando comparado com as cenas em que Felipe canta as musicas compostas por ele, já que as
músicas não tinham relação com sua historia de vida.
Sobre a linha 5) “criação de uma dramaturgia inédita”, é interessante observar que a
dramaturgia de Manuales de (in) seguridad não parte da criação de uma historia com
personagens ficcionais. A dramaturgia está estruturada em cenas que apresentam situações
diversas: em algumas, predominam a música e a dança, enquanto, em outras, os atores
interagem com o público e compartilham textos de notícias de jornal relacionadas com a
inseguridade na cidade de San José. Também são apresentadas orações religiosas que tratam
sobre a proteção de eventos violentos.
Deste modo, é pertinente questionar o sentido de dramaturgia concebida em Manuales
de (in) seguridad, dado que não está configurada dentro dos procedimentos de criação que
propõe o Processo Colaborativo. Não é uma dramaturgia criada por um dramaturgo durante o
processo de ensaio, é uma dramaturgia organizada pelo diretor - na sua função de “editor
cênico” (SEBIANE, 20013) - que resulta numa sequência de cenas diversas com personagens
não ficcionais. 171
Por conseguinte, considero que a falta da figura física do dramaturgo durante o
processo de criação representa uma divergência com o Processo Colaborativo: em Manuales
de (in) seguridad, não se encontram, em todo o espetáculo, características de “dramaturgia em
processo”172, dado que foram criados e aplicados seus próprios procedimentos de construção
do discurso do espetáculo.
Sobre a dimensão dramatúrgica de Manuales de (in) seguridad, é pertinente trazer a
reflexão da Dra. Anabell Contreras, antropóloga e especialista nos estudos da performance na
Costa Rica,
171 Isto é que a figura dramatúrgica sim está presente nas funções dos atores e do diretor.
172 Cf.: Capitulo I, sub- capítulo 1.1 Desenvolvimento do conceito no Brasil, p. 18.
116
Lenny e Felipe mostram ações diversas para levar ao público a crescente sensação
de inseguridade das pessoas que vivem na Gran Área Metropolitana173 [...] Mostra
elementos da arte da performance, como não atuação, falta de personagens e relação
direta com o público, que quebram convenções comuns do teatro e fazem uma
efetiva e exitosa peça que atualiza as artes cênicas nacionais. (CONTRERAS, 2013:
3) 174
Por outra parte, para a analise das cinco linhas não identificadas no processo criativo
de Manuales de (in) seguridad, parti da observação de que há linhas que compartilham
aspectos comuns com outras e que, portanto, podem ser classificadas em grupos.
No seguinte quadro, apresento as cinco linhas distribuídas em três grupos, sendo que,
no grupo A, estão as linhas relacionadas com acordos não formais ou funções subentendidas;
no grupo B, as que têm referências com pesquisa teórica e, finalmente, no grupo C, aquelas
que têm relação com aspectos performativos.
173 Termo geopolítico para nomear as cidades que estão próximas à capital da Costa Rica; San José.
174 [Tradução minha] Original: “Lenny y Felipe muestran acciones diversas para llevarnos a la creciente sensación
de inseguridad de quienes habitan el Gran Área Metropolitana [...] Muestra elementos del arte de la performance,
como la no actuación, la ausencia de personajes y la relación directa con el público, que quiebran convenciones
comunes del teatro y hacen de ella un efectiva y exitosa pieza que refresca las artes escénicas nacionales”.
(CONTRERAS, 2013: 3)
117
UN PATIO
Con la tarde se cansaron los dos o tres colores del patio. Esa noche, la luna, el claro círculo, no domina el
espacio. Patio, cielo encauzado. El patio es el declive por el cual se derrama el cielo en la
casa. Serena, la eternidad espera en la encrucijada de estrellas. Grato es vivir en la amistad oscura de un
zaguán, de una parra y de un aljibe.175
Desde sua criação, em 1991, a vida criativa do grupo Abya Yala é composta de fases
diferenciadas. Para as investigadoras e atrizes costarriquenhas Andrea Gómez (2013)176 e
175
Esta poesia é mencionada nos documentos pessoais de David Korish. Data 23/12/2012.
176
Andrea Gómez é atriz do grupo Abya Yala desde 1998. Para mais detalhes: GOMEZ, Andrea. Blood, sweat
and trust: group development and creative process at Teatro Abya Yala. Dissertation. Universiteit van
Amsterdam, Netherlands University of Arts in Belgrade, Serbia, 2013.
118
Gina Monge (2013)177, o início e final de cada fase do grupo é delimitado por aspectos como a
entrada e saída do grupo de atores e atrizes e mudanças nas linguagens e estéticas de seus
espetáculos, dado que
O Teatro Abya Yala decidiu, quanto à estética, precisamente não ter uma estética
definida, assim com uma linguagem em particular. Entanto, muitos artistas lutam
por “ter uma linguagem própria”, em Abya Yala desenvolvemos um alfabeto de
estratégias para explorar, encenar e criar a dramaturgia.178
A peça El Patio corresponde à fase que Goméz (2013) chama de "the mountain or the
second hostage years"179 (2004-2012)180. É interessante que o ingresso dos atores da peça El
Patio - Oscar González e Janko Navarro - no grupo Abya Yala delimita o começo dessa fase
do grupo.
De acordo com Andrea Gómez (2013), tanto Oscar quanto Janko, antes de ingressarem
no grupo Abya Yala, já haviam tido experiências criativas com o diretor David Korish.
Como eles não estavam trabalhando com um grupo estável, decidiram abrir uma
audição para selecionar artistas. Catherine Cerdas, Oscar González, Grettel Méndez
e Janko Navarro eram jovens artistas formados em três instituições acadêmicas de
teatro diferentes no país. Finalmente, formaram o elenco interessado em técnicas de
treinamento do ator e no aprendizado de procedimentos de criação física. González
havia trabalhado com Korish uma vez antes. Navarro foi aluno do Korish na UNA e
havia participado no Workshop da América Central. (GOMEZ, A. 2013:44)181
177
MONGE, GINA. Trans-formação do ator no teatro de grupo em Latino-américa: Abya Yala, Yuyachkani
e Ói Nóis Aqui Traveiz. Tese de Doutorado em Artes Cênicas. Escola de Comunicações e Artes. Universidade
de São Paulo. São Paulo, 2013.
178
Tomado do artigo "Experiencias desde el centro de Abya Yala", de Roxana Ávila publicado no site do grupo
http://www.teatro-abyayala.org/sites/default/files/articulo_roxana_avila_abya_yala.pdf (visitado em 07/09/2015)
179
[Tradução minha ao português] a montanha ou o segundo refém (GOMEZ, A. 2013:44).
180
[Tradução minha] Original A pesquisa de Gómez (2013) está delimitada até o ano de 2012, que corresponde
aos vinte anos de Abya Yala. Mas, considero que as produções de 2013, 2014 e 2015 ainda pertencem à fase
“the mountain or the second hostage years”, que iniciou ano de 2004. É possível que o grupo esteja atravessando
por um período de transição para o surgimento de uma nova fase, hipótese que solicita futuras pesquisas.
181
[Tradução minha] Original “As they were not working with a stable group, they decided to open an audition to
select the performers. Catherine Cerdas, Oscar González, Grettel Méndez and Janko Navarro, who came from
the three different theatre academic institutions in the country and did not know each other at the time, finally
formed the cast. Interested in actor training techniques, and looking to learn about physical scores González had
worked with Korish once before. Navarro was Korish’s student at the UNA, and was a participant in the Central
American Workshop”. (GOMEZ, A. 2013:44)
119
Nos primeiros anos da fase "the mountain or the second hostage years", os atores
Janko e Oscar, junto com as atrizes Grettel Méndez e Andrea Gómez e os diretores David
Korsih e Roxana Ávila, criaram espetáculos como “Yvonne” (2004) e “Cenizas” (2006). Mais
tarde, na temporada de 2007 a 2012, ingressam no grupo as atrizes Lilliana Biamonte,
Monserrat Montero, Maitén Silva, Aysha Morales e as dançarinas Erika Mata e Valentina
Marenco. A partir desse novo grupo de artistas, criam espetáculos como El mundo cuenta
(2008), Negra o nocturnal de una piel inoculada por el odio nuestro de cada día (2009),
MxM robada de William Shekespeare (2009), Vacío (2010), Balagán (2011)” e Un día
cualquiera, ópera ocurrente (2012). É importante tornar claro que todos os espetáculos da
fase "the mountain or the second hostage years" são obras de dramaturgias próprias criadas de
modo colaborativo e com tendência para o teatro performático, o canto e a dança.
Por outra parte, é relevante observar que, durante a época de 2007 a 2012, a
participação de Oscar e Janko foi direcionada para pesquisas criativas de formato pequeno,
diferente da maior parte das produções do grupo no decorrer desses anos.
Como exemplo, em 2009, Oscar cria, junto com David e Roxana, o espetáculo
performático e de solo Renato hace y luego mira en 63’182, enquanto, em 2011, Janko cria,
junto com a dançarina Erika Mata, o espetáculo El funeral183 - uma peça de formato pequeno
e também com características do teatro performático. É importante esclarecer que a peça “El
Funeral” foi criada durante a temporada em que Janko cursava o doutorado na Universidade
Estadual de Campinas, no Brasil, e que, ainda que fosse uma produção de Janko e Erika, é
possível conceber como parte da fase "the mountain or the second hostage years", do grupo
Abya Yala.
A ausência de David, Oscar e Janko nas últimas produções do grupo foi notável. As
criações novas de Abya Yala mostravam uma tendência predominante por temáticas
relacionadas com o feminino, em parte devido ao aumento do número de mulheres artistas
que ingressaram no grupo nos últimos anos. A obra Vacío teve sua estreia no dia 21 de
outubro de 2010, considerada como a peça ícone de grupo da série de espetáculos de
relacionados com temáticas sobre a mulher.
182
Na tese de doutorado em Artes Cênicas. Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo,
intitulada Voz no corpo gritante da pesquisadora e atriz costarriquenha Tatiana Sobrado, é analisado o processo
criativo do espetáculo Renato hace y luego mira en 63’ como uma experiência de criação pessoal de Oscar
González.
183 A peça El Funeral foi objeto de estudo em: NAVARRO, Janko. Da voz à composição: uma busca de
técnica pessoal e cênica de ator. Tese de Doutorado em Artes da Cena. Instituto de Artes. Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 2012.
120
Un hombre feliz es aquel que durante el día, por su trabajo, y a la noche, por su cansancio, no tiene tiempo de
pensar en sus cosas (Gary Cooper) 184
El Patio é uma criação dos atores Janko Navarro e Oscar González, junto com o
diretor David Korish, e estreou no dia 2 de outubro de 2013, no Teatro de Montes de Oca da
Universidad de Costa Rica. Para Korish (2013) , "El Patio é uma pesquisa cênica sobre a
noção de ser um homem, inspirado na ideia de que vivemos no período de transição, de
crise".185
Como mencionei previamente, a obra El Patio foi criada no contexto do grupo em que
predominavam as temáticas e estéticas relacionadas com o feminino. Deste modo, a crise de
masculinidade referida por David Korish, na citação anterior, pode ser interpretada também
como uma crise do grupo.
Sim, foi assim, eu lembro de você (refere-se ao David) perguntando: será que os
homens gostam mais da manhã do que a noite? (ri)187 [...] Também numa visita do
Janko na Costa Rica, Janko e eu trabalhamos juntos só por prazer e eu acredito que
essa experiência completa a imagem do início da peça. 188
De acordo com as palavras de Korish (2014) e González (2014), a obra El Patio pode
ser descrita como uma “construção cênica ancorada na tensão entre depoimento pessoal e
depoimento coletivo” (ARAÚJO, 2008: 83), dado que evidencia o encontro entre as
necessidades pessoais e artísticas das três figuras masculinas do grupo, com temáticas
instauradas nos processos criativos do grupo nos últimos anos.
[...] eu não tenho certeza de que El Patio seja uma resposta discursiva, mas nasce da
necessidade de a gente se encontrar como criadores dentro de um grupo, dentro da
cultura de um grupo, que acredito que, por algum motivo, a gente se auto exilou. E
eu acredito que a gente se exilou de uma temática que sentimos que havia se
parcializado para os estudos da mulher. Portanto eu acredito que culturalmente,
esteticamente e pessoalmente nasce de uma ausência, ou seja de um “vazio”189. (ri)
(KORISH, 2014) 190
186
[Traducão minha] Original: “para mí la motivación fue de rabia, de una rabia personal y creativa que he
exorsisado en el proceso, porque yo me di cuenta que en el ámbito cultural y dentro de nuestro propio grupo la
exploración sobre género se habia abordado mucho”. (KORISH, 2014).
187 Piada dos criadores sobre o espetáculo Vacío (2010), que estava ambientado numa noite num cabaret.
188
[Traducão minha] Original: “Sí es eso, yo me acuerdo de vos (se refiere a David) diciendo que no será que a los
hombres nos gusta más la mañana que la noche? (ríe) [...] También es que en una vuelta de Janko a Costa Rica,
Janko y yo estuvimos trabajando juntos por puro gusto y yo siento que esa como que termina de completar la
imagen de lo que podía ser la pieza” (GONZALEZ, 2014)
189 Piada dos criadas sobre o espetáculo Vacío (2010).
190
[Traducão minha] Original: “yo no estoy seguro si “El Patio” es una respuesta discursiva, pero nace de una
necesidad de reencontrarnos nosotros como creadores, dentro de un grupo, de la cultura de un grupo del cual
creo que por varias razones nosotros nos autoexiliamos y yo creo que de una temática que sentimos hasta ella
misma se había exiliado un poquito la conversación de lo que es género, los estudios de género es mucho más
dirigida a estudios de la mujer, entonces como sentimos que género se había metido un poquito parcializado yo
creo que culturalmente, estéticamente, personalmente nace de una ausencia [...] de un vacío (ríe)”. KORISH, D.
122
Deste modo, El Patio é o reencontro artístico de Janko, Oscar e David e, além de ser
uma conjuntura para atender às necessidades específicas da vida criativa do grupo Abya Yala,
também foi uma oportunidade para que os três artistas desenvolvessem um processo criativo
baseado no "interesse em pesquisa e experimentação" (ARAÚJO, 2008:63). Para o ator Janko
Navarro,
Dado que Janko, Oscar e David tinham mais de oito anos de criação em conjunto
(2004-2012), era desnecessário definir as funções antes de empreender o processo criativo de
El Patio. Era claro que, pela experiência e a formação de cada um, o oficio da direção seria
assumida por David, enquanto que a interpretação e criação ficariam a cargo de Oscar e
Janko. No entanto, não havia limite para que tanto Janko como Oscar participassem também
de assuntos relacionados à função da direção.
É uma criação de três vozes, e isso não omite a noção de ator- criador – intérprete-
frente à de diretor- dramaturgo, mas a criação foi assim; mais que assumir ou não
hierarquias de forma flutuante, o que acontecia é que, quando uma pessoa que
levava mais ideias, as outras pessoas trabalhavam sobre isso, e de repente, no dia
seguinte, os outros levavam mais ideias, e o resto trabalhava sobre isso.
(NAVARRO, 2014)192
Entrevista concedida pelo diretor para Lidieth Alpízar, e realizada na Universida Nacional, no dia 27 de
agosto de 2014, na cidade de Heredia, Costa Rica.
191
Palavras de Janko Navarro. Tomado do programa de mão da peça El Patio. [Tradução minha] Original “En el
patio experimentamos un proceso creativo en flujo entre lo personal, lo teórico y lo práctico. Una especie de
“campo errante” basado en estrategias de improvisación, tensión entre eventos, actuación de papeles, música y
canto, la palabra hablada, el baile de un tango, o la presencia cruda del cuerpo, nos dejamos perder en la
pregunta de “¿qué es ser hombre?”
192
[Traducão minha] Original: “Es una creación a tres voces y esto tampoco se brinca la noción de actor- creador
– intérprete- frente al director- dramaturgo pero bueno la creación fue así, más que asumir o no jerarquías de
forma fluctuante lo que sucedía es que una persona tenía más ideas o traía más y las otras personas trabajaban
sobre eso y de repente al día siguiente otros de nosotros traía más ideas y trabajábamos sobre eso” (NAVARRO,
2014). Navarro, J. Entrevista concedida pelo diretor para Lidieth Alpízar, e realizada no dia 28 de janeiro de
2014, na cidade de Campinas, São Paulo, Brasil.
123
As informações pessoais, tanto em tanto, íamos trabalhando para que fossem mais
interessantes e criamos a partir da noção de “monólogos falsos”, isto é, desenvolver
um momento cênico ou uma improvisação a partir de algo que é particular de você
mas que igualmente é uma mentira que você inventou, isto é, um “monólogo falso”.
Então, isto era, para nós, brincar com as informações, [...] nos colocar sobre nossas
próprias experiências para exagerar elas, para fazer com que esse material fosse
interessante na cena e não ficar na autorreferência como se fosse um assunto
terapêutico, por chamar isso de alguma forma [...] (NAVARRO, 2014)194
193
Informação tomada dos documentos pessoais do processo chamados de “minutas”, que consiste num resumo
dos aspectos mais relevantes tratados em cada ensaio. Abreviaturas do texto j= Janko, d= David e o= Oscar.
Data de 18 de julio de 2012. Diário de bordo de David Korish. [Traducão minha] Original: “Hablamos de la
posibilidad de buscar los textos mediante un proceso orgánico en vez de partir de ellos;
j. plantea ¿qué es la masculinidad que yo vivo?
j. habla de la posibilidad de ‘personalizar la anécdota’;
d. menciona que un sub-río de la pieza podría ser, que mediante el performance de identidad, los hombres
siempre intentamos demostrar que a) no somos mujeres y b) no somos playos;
o. cuenta la anécdota de su papá y cuando se enfrentó a él pensando que le gusto a los hombres’
194
[Traducão minha] Original: “Que la información de datos personales poco a poco los íbamos forjando para
hacerlos más interesantes y trabajamos mucho con la idea de monólogos falsos, es decir, cómo encarar un
momento escénico o una improvisación desde algo que es particular tuyo pero al mismo tiempo es una mentira
tuya, es un monólogo falso. Entonces eso nos parecía jugar con esos datos, burlarnos de ellos [...] ponernos
encima de nuestra propia experiencia para exagerarla, para hacer de ella lo que creativamente nos permitiera y
no solamente quedarnos con una auto-referencialidad ahí terapéutica para decirlo de una manera [...]”. Navarro,
J. Entrevista concedida pelo diretor para Lidieth Alpízar, e realizada no dia 28 de janeiro de 2014, na cidade
124
O texto anterior corresponde à letra de uma musica criada pelos atores no processo
criativo. Evidencia, portanto, que as funções dos atores também foram complementadas com
aspectos que pertencem a outras áreas do pensamento artístico - nesse caso, a música. Como
exemplo, na imagem a seguir, é apresentado um dos momentos em que Janko e Oscar
interpretam músicas compostas por eles mesmos.
Korish. Sem data. Mantenho as letras das músicas na forma e idioma originais.
125
Imagem 15: Oscar e Janko interpretam uma música composta por eles.
Por outra parte, é pertinente observar, nos documentos pessoais dos dois atores, que,
no caso de Janko, o modo como ele registrou sua experiência no processo criativo foi através
de imagens e vídeos. Chama a atenção que algumas das imagens registradas por Janko
coincidam com a composição corporal e disposição cênica de alguns momentos da peça,
como fica claro nas seguintes imagens: 197
Imagem 16 Imagem 18
197As imágens da esquerda foram coletadas dos documentos pessoais de Janko Navarro, sem data. As
imagens da direita foram extraídas da página web do grupo Abya Yala http://www.teatro-
abyayala.org/producciones/obra/el-patio-2013 (visitado em 14 de setembro de 2015).
126
Imagem 17 Imagem 19
É relevante observar que a função exercida por Janko é complementada também com
outras habilidades que correspondem ao campo da dança e da direção, principalmente pelas
convergências entre os registros do ator e os resultados cênicos.
Por outra parte, é significativo reconhecer, através da análise dos documentos de
registro de Janko, David e Oscar, que o processo de criação de El Patio mostra também outras
características comuns com o Proceso Colaborativo: "a perspectiva de compartilhamento
pedagógico, processo continuado de feedback e abertura do processo de ensaio a estagiários,
convidados e público interessado" (ARAÚJO, 2008: 63). Desde o início do processo criativo,
participaram outros profissionais, como o teórico teatral Sergio Román, o historiador Carlos
Sandoval e o escritor Fernando Contreras198, o que aponta que o processo de pesquisa teórica
de Janko, Oscar e David foi orientado pelas pessoas acima mencionadas, potencializando a
noção de criar em colaborativo.
Finalmente, outra linha de força do Processo Colaborativo identificada em El Patio é a
"ênfase no carácter processual, incorporando o precário e o inacabado à própria constituição
da linguagem" (ARAÚJO, 2008:63). Segundo a seguinte imagem, a estética usada no
espetáculo coincide com a noção de obra inacabada e em processo.
Qué
descodifica el
cuerpo del
hombre?
Masculinidad es
Qué significa relacional?
ser hombre?
Imagem 21: Perguntas sobre masculinidade. Diário de bordo de Oscar González. Sem data.199
Por outra parte, é relevante observar as oito linhas de força que não identifiquei no
processo de criação de El Patio foram distribuídas em quatro grupos a partir dos mesmos
critérios de classificação usados na análise de Manuales de (in) seguridad. Aqui adicionei
unicamente o grupo D, que corresponde à dramaturgia inédita.
3)Existência e
potencialização de
funções artísticas
especificas
delimitadas antes do
início dos ensaios
Considero que a ausência das três linhas do grupo A mostra que esse tipo de acordo já
está instaurado na dinâmica de criação dos atores e diretor de El Patio, não tendo sido
necessário deixar explícita essa informação nos diários de bordo dos três criadores - ou seja,
quanto mais antigo for o vínculo entre atores e diretores, menor a necessidade de que as
funções artísticas especificas sejam delimitadas antes do início dos ensaios.
Em relação à ausência das linhas do grupo B - 4) realização de pesquisa teórica e de
campo e 5) prática baseada em improvisações e workshop -, é possível entender que esses
aspectos foram tratados com procedimentos próprios do grupo, ou seja, com Prácticas
Heterodoxas, como, por exemplo, monólogos falsos e creación a tres voces. Desta maneira,
também é possível afirmar que não foi toda a criação em El Patio que caracterizou Processo
Colaborativo, mas, sim, uma fusão entre o próprio e o estrangeiro.
Sobre a falta de registro da presença das linhas do grupo C - 6) encenação processual e
aberta e 7) interferência dos espectadores na construção da obra -, é uma evidência de que o
aspecto performativo do espetáculo foi abordado ao colocar graus de risco nos corpos dos
atores. Esse risco foi colocado nos momentos em que os dois atores dançam e lutam sem
seguir uma coreografia definida. Há momentos de tensão entre os corpos reais e os corpos
ficcionais de Janko e Oscar.
130
Imagem 22: Luta entre Janko e Oscar. Imagem 23: Luta entre Janko e Oscar.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
aspectos íntimos de sua subjetividade, dado que esse tipo de procedimento solicita a produção
de materiais criativos de autoreferência. Assim, o diálogo entre atores e diretores, junto com a
aplicação de técnicas de direção e atuação, faz com que os materiais de autoreferência sejam
tratados com fins artísticos e não terapêuticos - úteis, portanto, para a construção da obra.
Desta maneira, atores e diretores, com o uso de procedimentos de criação como os
acima mencionados, expõem frente ao coletivo suas habilidades e talentos, mas também suas
fraquezas e carências. Concluo que, em um Processo Colaborativo, é solicitado que atores e
diretores integrem às habilidades artísticas qualidades de convivência e trabalho de grupo, isto
é, a confiança e o respeito.
Portanto, ao entender que, no teatro de grupo, o grau de confiança seja maior quando
comparado com outros modos de organização - por exemplo, quando o coletivo de atores
muda em cada projeto do diretor -, considero que o cenário idôneo para criar em Processo
Colaborativo é dentro de uma cultura de teatro de grupo. No entanto, não nego que outros
modos de organização proporcionem ambientes idôneos de confiança e respeito, necessários
para o uso de procedimentos criativos como workshop, depoimento pessoal e método das
perguntas.
A seleção da obra El Patio, como segundo objeto de estudo, representou a
oportunidade para observar modos em que atores e diretor empreenderam um processo
criativo também com características semelhantes às do Processo Colaborativo, no contexto de
teatro de grupo.
Em relação ao processo de análise do contexto teatral costarriquenho, em que
Manuales de (in) seguridad e El Patio estão inseridos, chamam a atenção os estudos do
costarriquenho Fernando Vinocour (2003, 2007) sobre experiências cênicas do período de
1990 a 2000, que propõem o termo Prácticas Heterodoxas para nomear uma tendência do
teatro costarriquenho que cria a partir de procedimentos próprios de experimentação. Desta
maneira, considero importante que futuras pesquisas aprofundem a discussão sobre esse
conceito, a fim de avançar nos estudos teatrais costarriquenhos de tendência experimental.
Assim, concluo que tanto Manuales de (in) seguridad quanto El Patio podem ser
considerados como manifestações atualizadas de Prácticas Heterodoxas.
No entanto, considero como principal desafio da presente pesquisa a falta de produção
teórica sobre processos criativos dos grupos de teatro da Costa Rica, visto que, na revisão
bibliográfica, observei que a documentação sobre o teatro costarriquenho está centrada na
análise de dramaturgias e nos estudos culturais.
133
200 [Tradução minha] Original: “En nuestro país es imperativa la creación de un Centro de Documentación para
las Artes Escénicas, donde los futuros investigadores puedan obtener una nutrida documentación del objeto de
estudio y para que el colectivo reinterprete continuamente esos acontecimientos, como parte del acervo cultural
de los pueblos y de los grupos humanos que se reconocen como agentes históricos, que no han perdido su
capacidad de recordar y de aprender de la memoria y de la inteligencia colectiva y para revalorar, además, el
trabajo de los creadores escénicos”. (CALDERON, 2006: 88).
134
Aclaro que minha intenção não é negar que práticas colaborativas podem ser exercidas em processos criativos
201
que partem de um texto dramático, no entanto considero que o vinculo entre atores e diretores é fortalecido
quando ambos exercem a função dramatúrgica da obra.
135
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Tese de doutorado
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de Doutorado em Artes da Cena. Instituto de Artes. Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2012.
ENTREVISTAS
Entrevistas inéditas
AVILA, R. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pela diretora do grupo Abya Yala.
Realizada por e-mail no dia 12 de junho de 2015.
BONILLA, M. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pela diretora do grupo Ubú.
Realizada por e-mail no dia 12 de junho de 2015.
COLLA, A. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pela atriz do Teatro Lume.
Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais sede oficial do grupo Lume. (Campinas), 15 de
agosto de 2014.
GONZALEZ, Felipe. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pelo ator do espetáculo
Manuales de (in) seguridad. CIDEA, Heredia, 28 de agosto de 2014.
GONZALEZ, Oscar. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pelo ator do espetáculo
El Patio. CIDEA, Heredia, 28 de agosto de 2014.
142
KORISH, D. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pelo diretor do grupo Abya
Yala. Realizada por e-mail no dia 2 de dezembro de 2014.
MENDEZ, M. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pelo dramaturgo. Realizada por
e-mail no dia 12 de junho de 2015.
Entrevistas publicadas
Audio, R. Existe ator que não seja criador? Teatro da Vertigem - Miriam Rinaldi.
Projeto Residência Artística da Oficina Cultural Oswald de Andrade para o espetáculo
Apocalipse 1,11. 200-?.
Féral, J. Teatro performativo e pedagogia. Entrevista concedida para a revista Sala Preta e
realizada por Marcos Bulhões Martins, com participação e tradução de Verônica Veloso e
revisão de tradução de Cícero Alberto de Andrade Oliveira.
ROJAS, P. Los años 70 para la historia del teatro en Costa Rica. Em: Revista Memória de
las Artes Escénicas, Costa Rica, 2012.
143
CARVALHO, S. Entrevista concedida para Gabriela Villen Freire Malta para a dissertação
Comunicação e Contra- hegemonia: o palco de intervenção política da Companhia do
Latão. 2010. Dissertação (Mestrado) - Escola de Comunicação e Artes. Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2010. P.114-115.
Féral, J. Teatro performativo e pedagogia. Entrevista concedida para a revista Sala Preta e
realizada por Marcos Bulhões Martins, com participação e tradução de Verônica Veloso e
revisão de tradução de Cícero Alberto de Andrade Oliveira.
Bibliografia de referência
Livros
AGAMBEN, G. O que é o contemporâneo? e outros ensaios [tradutor Vinícius Nicastro
Honesko] Chapecó, SC: Argod, 2009.
BAUMAN, Z. Tempos líquidos. Tradução de Carlos Alberto Medeiro. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2007.
Calvino, I. (1999). Seis propostas para o próximo milênio. Trad. Ivo Barroso. São Paulo:
Cia. de Letras.
Artigos
CUEVAS, R. El punto sobre la i. Políticas culturales en Costa Rica (1948-1990). San José:
Dirección de Publicaciones del Ministerio de Cultura Juventud y Deportes.
PROGRAMAS DE ESPETÁCULOS
El Patio. Programa do espetáculo. San José, Costa Rica: Teatro Abya Yala [2013].
Manuales de (in) seguridad. Programa do espetáculo. San José, Costa Rica: Teatro Oshún
[2012].
CRÍTICAS EM REVISTAS