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02 - Sobre As Motivações para A Conjugalidade Ocr
02 - Sobre As Motivações para A Conjugalidade Ocr
02 - Sobre As Motivações para A Conjugalidade Ocr
SOBRE AS MOTIVAÇÕES
PARA A CONJUGALIDADE
J o ã o A lv e s d a S ilv a N eto
M a rle n e N e ve s S tre y
A n d re a S e ix a s M a g a lh ã e s
do, uma participante relatou que a solução é alternar, ora satisfazer-se como
indivíduo, ora como casal, como par. A busca de construção de uma satisfação
conjunta, individual e conjugal, é vista com pouca esperança.
Se a construção de uma parceria que leve em consideração tanto as
individualidades quanto as necessidades conjugais não é possível, corre-
-se o risco de retornar aos modelos tradicionais de conjugalidade. Esses
modelos tradicionais eram regidos pela ideologia do amor romântico e o re
lacionamento conjugal era estruturado de acordo com as relações de poder
que submetiam, sobretudo, as mulheres de acordo com os papéis culturais
tradicionais.
Os grupos focais apontaram na direção desse desequilíbrio entre homens
e mulheres em relação ao tema da satisfação conjugal. Os homens, mesmo in
satisfeitos, não querem romper o laço conjugal e, por vezes, buscam a satisfa
ção em relações extraconjugais. As mulheres, que dizem buscar relações mais
cooperativas, não as encontram e revelam-se também insatisfeitas. Alguns
estudos (Magalhães, 1993b; Féres-Carneiro, 1995 e 1997) evidenciam que os
homens definem casamento como “constituição de família”, enquanto as mu
lheres concebem o casamento como “relação amorosa”. Concepções distintas
podem também conduzir a expectativas díspares. Esse desequilíbrio contribui
para uma roda-viva de insatisfações nos relacionamentos, que ou se romperão
quando o limiar de tolerância à frustração for ultrapassado, provavelmente
pelas mulheres, como nos mostram as estatísticas atuais (IBGE, 2007), ou,
então, conduzirão a relacionamentos insatisfatórios e aprisionantes.
Considerando as transformações nas motivações para o estabelecimento
da conjugalidade e a crescente valorização da busca de satisfação nas rela
ções conjugais, passamos à análise dos principais fatores associados à questão
da satisfação conjugal.
A atração física
Nas discussões desdobradas nos grupos focais, a atração foi referida
como desejável e, ao mesmo tempo, temida nos relacionamentos conjugais.
Os sujeitos relatam que a atração física contribui para a aproximação inicial
do casal. No entanto, ressalvam que se a relação for edificada prioritaria
mente com base nisso, ela tende a ser superficial e fugaz. Os sujeitos pontu
aram que, nesses casos, à medida que a atração diminui, esgota-se o desejo.
Relações pautadas na atração física podem comprometer o desenvolvimento
da intimidade conjunta. Para o desenvolvimento da intimidade, é necessário
construir afinidade emocional com o outro, além da intimidade corporal.
Nos grupos em que a atração física foi valorizada, embora não tenha
sido considerada um fator essencial para que a conjugalidade ocorra, ela foi
destacada como um ingrediente importante para estimular o relacionamento.
44 ADRIANA W A G N ER & C O L S
A fala de uma das participantes dos grupos ilustra a discussão: “Ah, não sou
a favor da química, porque a química não necessariamente chega na relação
conjugal. Em havendo a química, nossa! Falando a gente chega suar, né?”. A
atração física é considerada um fator importante quando associada a outros
fatores que influenciam no estabelecimento da conjugalidade.
Ainda nas discussões grupais, homens e mulheres concluíram que a
atração física é importante para o estabelecimento e para a manutenção da
conjugalidade. Contudo, os homens demonstraram valorizar mais a escolha
de parceiras atraentes fisicamente do que as mulheres. Em seus relatos, eles
revelaram a expectativa de que suas parceiras permaneçam atraentes e se
dediquem ao cuidado com a aparência física, apesar das sobrecargas geradas
por afazeres domésticos, pelo nascimento e pelo cuidado dos filhos, assim
como pelas características do processo de envelhecimento. A importância
dada pelos homens a atributos físicos como beleza e jovialidade na escolha
amorosa também foi ressaltada nas pesquisas de Féres-Carneiro (1997) e
Thompson (1989).
As mulheres nos grupos focais revelaram-se conscientes das expectati
vas masculinas de que permaneçam belas e joviais para garantir a satisfação
conjugal, embora homens e mulheres também tenham consciência acerca das
dificuldades em atingir o cumprimento de tais expectativas. Ressalta-se que
os veículos de massa também são responsáveis pela estimulação do culto à
beleza e à juventude eterna, ideais de consumo que influenciam os modelos
de relacionamento conjugal contemporâneo. Como esse é um objetivo inal-
cançável, reforça-se a insatisfação, potencializando sucessivas trocas de par
conjugal. Nos grupos focais, contudo, as mulheres demonstraram valorizar a
relação “para sempre”, baseada em prerrogativas do “amor romântico”.
De acordo com o relato das mulheres participantes desse estudo, a
combinação de fatores como “atração física” e o “durar para sempre” aumen
tam a responsabilidade feminina na manutenção da relação conjugal. Mesmo
em tempos de maior igualdade de direitos entre os homens e mulheres, essa
situação revela a permanência de mecanismos tradicionais patriarcais, colo
cando sobre os ombros das mulheres a responsabilidade pela manutenção
da relação, o que dificulta a desnaturalização de padrões relacionais que são
sócio-históricos, além de dificultar o estabelecimento da corresponsabilidade
pela conjugalidade.
Associado à busca de uma parceira atraente, nos discursos dos homens,
emergiu também o desejo de que as mulheres se ocupem e zelem pela casa
e por eles. Quando as mulheres estão mais envolvidas com seus próprios ob
jetivos, os homens parecem correr o risco de terem suas vidas precariamente
zeladas, considerando que muitos não desenvolveram as habilidades necessá
rias para o autocuidado. Tais dificuldades podem ser mais um fator que refor
ça a menor expectativa de vida dos homens quando comparados às mulheres
(IBGE, 2008).
D E S A F IO S P S IC O S S O C IA IS DA FAMlLIA C O N T E M P O R Â N E A 45
0 amor
Na maioria das vezes, os grupos perceberam o amor como elemento fun
damental para o estabelecimento de uma relação conjugal, assim como para
sua manutenção. Isso foi ressaltado tanto por homens quanto por mulheres.
No entanto, também surgiram idéias contrárias a isso. Observou-se, por meio
das falas de alguns sujeitos da pesquisa, uma desconfiança sobre a solidez do
amor conjugal. Discutiu-se sobre a fragilidade desse sentimento, que conduz
a uniões baseadas em atos impulsivos, levando a sucessivos casamentos e pos
teriores rompimentos. A fragilidade dos laços humanos tem sido discutida por
muitos autores contemporâneos. Bauman (2004) denomina esse sentimento
fugaz de “amor líquido”, que inspira o conflitante desejo de tornar os laços
intensos e frouxos, simultaneamente.
A valorização do amor na conjugalidade está relacionada à esperança de
solidificar a confiança e a amizade no casal. Os parceiros buscam, por meio
do investimento afetivo, alcançar o sentimento de pertencimento e de solida
riedade. A solidariedade conjugal é necessária para a elaboração de um pro
jeto de vida conjunto. Além disso, busca-se o reasseguramento do eu a partir
do outro e, assim, a valorização da identidade individual e conjugal.
A maternidade
Para muitas mulheres, a conjugalidade está associada à maternidade.
Embora na atualidade tenha aumentado o número de famílias monoparen-
tais, formadas na maioria das vezes por mães e filhos e/ou filhas (IBGE,
2008), provenientes de separações ou não, os grupos focais evidenciaram que
preferencialmente associa-se a conjugalidade com a maternidade. Discutiu-se
também que o desejo de ter filhos dentro de uma relação conjugal implica
compatibilizar o casamento com o ciclo de fertilidade feminina, pois com o
aumento da idade a fertilidade feminina diminui e os riscos de problemas na
gravidez aumentam.
Ser mãe continua sendo um dos aspectos centrais da feminilidade; algumas
teorias psicológicas postulam que a maternidade é um fator importante para o
desenvolvimento da identidade feminina. Ainda que as mulheres tenham pas
sado a investir cada vez mais fortemente na formação educacional e na carrei
ra profissional, inúmeros estudos apontam que ser mãe faz parte do “sentir-
-se” mulher (Barbosa e Rocha-Coutinho, 2007; Meyer, 2003; Moura e Araújo,
2004; Vargas, 1999). Embora na contemporaneidade não seja essencial ter
um parceiro fixo para ser mãe, ainda persiste a representação da associação
entre maternidade e conjugalidade para muitas mulheres. As pressões para
que isso aconteça vêm do interesse da sociedade em normatizar a família e o
desenvolvimento infantil, com reflexos na vida das mulheres.
46 ADRIANA W A G N E R & C O L S
Consolidação da identidade
Nessa pesquisa, observamos que as diversas forças motivadoras da
escolha conjugal estão associadas à busca de consolidação da identidade
individual. O estabelecimento da conjugalidade e a satisfação conjugal se
associam a fatores subjetivos que fortalecem identidades valorizadas social
mente. A própria condição de casado é promovida na maioria dos grupos
sociais. E, nessa pesquisa, essa condição foi percebida como importante na
construção das subjetividades nos moldes socialmente esboçados.
Ao analisarmos a associação entre conjugalidade e a consolidação da
identidade individual, a partir dos discursos emergentes nos grupos focais,
ressaltou-se a importância das influências sociais e familiares sobre as pessoas
quando pensam na escolha conjugal. Observamos que, mesmo quando não
têm influência direta na escolha do(a) parceiro(a), as famílias permanecem
importantes, exercendo pressão através dos aspectos transmitidos geracional-
mente na educação. Mas como se caracteriza a transmissão dessas forças na
escolha conjugal nas falas dos sujeitos investigados?
Consolidação da identidade
Nessa pesquisa, observamos que as diversas forças motivadoras da
escolha conjugal estão associadas à busca de consolidação da identidade
individual. O estabelecimento da conjugalidade e a satisfação conjugal se
associam a fatores subjetivos que fortalecem identidades valorizadas social
mente. A própria condição de casado é promovida na maioria dos grupos
sociais. E, nessa pesquisa, essa condição foi percebida como importante na
construção das subjetividades nos moldes socialmente esboçados.
Ao analisarmos a associação entre conjugalidade e a consolidação da
identidade individual, a partir dos discursos emergentes nos grupos focais,
ressaltou-se a importância das influências sociais e familiares sobre as pessoas
quando pensam na escolha conjugal. Observamos que, mesmo quando não
têm influência direta na escolha do(a) parceiro(a), as famílias permanecem
importantes, exercendo pressão através dos aspectos transmitidos geracional-
mente na educação. Mas como se caracteriza a transmissão dessas forças na
escolha conjugal nas falas dos sujeitos investigados?
importância que têm na vida das pessoas, e assim perpetuam esse modelo
através das gerações.
A disciplina reforça a necessidade de repetição de padrões relacionais
penosos, como foi percebido por uma participante ao ressaltar o sofrimento
que passou para cumprir incumbências recebidas na sua educação: “A gente
já vinha de casa com essa carga, tem que ser esposa, tem que cuidar da casa,
tem que cuidar do marido, tem que cuidar dos filhos, a gente já vinha de
casa com essa carga”. No entanto, o padrão aparentemente imutável, re
forçado pela disciplina, não se sustenta no atual contexto sócio-histórico.
Na atualidade, novas necessidades surgiram com as modificações sociais,
como foi verbalizado nos grupos, sobretudo pelas mulheres. “A mulher hoje
é mais independente, então ela tem outras idéias de procura", opinou uma
participante. Tais mudanças apontam o aspecto dinâmico e transformativo
da transgeracionalidade. Outra participante contou que educou sua filha,
atualmente adulta, considerando as mudanças sociais, reforçando mais seu
desenvolvimento profissional do que o preparo para a vida doméstica e, até
mesmo, do que os projetos de ter uma vida conjugal. Considerou-se que
com a possibilidade de construção da autonomia econômico-financeira, as
mulheres estariam menos vulneráveis, não necessitando submeter-se a re
lações de dependência.
Ressalvamos que, por outro lado, a transformação social deve ser pen
sada em termos parciais. Há uma concomitância de padrões tradicionais e
outros indicativos de mudanças, inclusive nas relações conjugais contempo
râneas. A convivência de códigos e valores conflitantes propicia a emergência
de sentimentos ambivalentes, gerando dúvidas e desconfortos em relação às
mudanças no relacionamento entre homens e mulheres. Além disso, há uma
necessidade premente de alívio dessa tensão. Tal alívio pode ocorrer através
da repetição de modelos já conhecidos. Isso se reflete na fala de um parti
cipante, que relatou seu saudosismo do modelo patriarcal na educação das
mulheres: “Era melhor nesse tempo que já vinha com a esposa preparada de
casa".
A ambivalência está vinculada também às crises de lealdade, que muitas
vezes dificultam a mudança. Crises de lealdade na relação conjugal se mani
festam por meio das dificuldades que surgem ante a possibilidade de constru
ção emocional de um novo modelo relacionai, que possui tanto aspectos das
relações vivenciadas nas famílias de origem quanto outros que serão constru
ídos na nova relação conjugal. A construção do modelo relacionai do novo
casal possui grande importância para a qualidade conjugal. Porém, para que
consigam desenvolver esse modelo, é necessário que as pessoas envolvidas
atinjam certo distanciamento afetivo do modelo praticado nas suas famílias
de origem, sem que se sintam traidoras.
D E S A F IO S P S IC O S S O C IA IS DA FAMÍLIA C O N T E M P O R Â N E A 49
AS EXPECTATIVAS E A PERCEPÇÃO DA
VIVÊNCIA DA CONJUGALIDADE ENTRE OS SEXOS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo das relações conjugais exige que levemos em consideração que
as definiçõeS e as representações sociais com as quais trabalhamos são parciais
52 ADRIANA W A G N E R & C O L S.
Filmes:
M A M M A M IA
S in o p s e : 1999, na ilha grega de K alokairi. S ophie (A m anda S eyfrie d ) está p re ste s a
se ca sa r e, sem saber quem é seu pai, envia convites para S am C a rm ich a e l (P ierce
B rosnan), H arry B right (Colin Firth) e B ill A nd e rso n (S tellan S karsgard). E les vêm de
diferentes partes do mundo, dispostos a reencontrar a mulher de suas vidas: Donna
(M eryl S treep), m ãe de Sophie. A o chegarem D onna é su rp re e n d id a , te n d o que inven
tar d esculpas para não revelar quem é o pai de Sophie.
A s p e c to s a s e re m d is c u tid o s /tra b a lh a d o s : O film e ilustra c o m o os segredos
fam iliares podem interferir na fo rm ação de um no vo casal e su a s re ve rberações em
todos os m em bros da fam ília.
DANÇA COMIGO?
S in o p s e : H á v ários anos o a dvogado John C lark (R ichard G ere), e sp e cia lista e m testa
m entos, leva um a vida rotineira d o trabalho para casa e d e casa p a ra o trabalho. A pesar
de a m a r sua m ulher, B everly (Susan S arandon), e seus filhos, John sente que algo está
faltando algo em sua vida. Por a caso vê, na ja n e la de um a a ca d e m ia , P aulina (Je n n ife r
Lopez), um a bela professora de dança. E sperando se a proxim ar dela, Jo h n se m atri
cula na academ ia. N o entanto, P aulina rapid a m e n te elim ina q u a lq u e r po ssib ilid a d e de
envolvim ento com John, m as isso não o fa z d e ixa r de freq u e n ta r o local, pois e le acha
cada vez m ais relaxante e d ivertido dançar. E ntretanto, John não se se n te à vontade
para contar isso para Beverly, que, ao ver m udanças no c o m p o rta m e n to do m arido,
contrata um detetive, pois suspeita que ele esteja envo lvid o com alguém .
A s p e c to s a s e re m d is c u tid o s /tra b a lh a d o s : O film e evidencia as tra n sfo rm a çõ e s nas
aspirações iniciais de um ou am bos os cônjuges no d e co rre r da vida conjugal e d e
m onstra que um a longa vida em co n ju n to pode não ser ne ce ssa ria m e n te um a vida de
intim idade e confiança.
REFERÊNCIAS
Bandinter, E. (1985). Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira.
Barbosa, R Z.; Rocha-Coutinho, M. L. (2007). Maternidade: novas possibilidades, antigas
visões. Psicologia Clínica, 19(1), 163-185.
Bauman, Z. (2004). Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro:
Zahar Editor.
56 ADRIANA W A G N ER & C O L S.
REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES
Silva Neto, J.; Strey, M. N. (2008). Gênero e conjugalidade: encontros e desencontros na
representação social da relação conjugal. In: Strey, M. N.; Silva Neto, J. A., Horta, R. L.
(Org..). Família e gênero. Porto Alegre: EDIPUCRS, pp. 210-237.
Silva Neto, J.; Strey, M. N. (2008). La representación social dei lazo conyugal y gênero:
desafios de Ia contemporaneida. Cuadernos de terapia familiar, 21(2), 147-168.
Silva Neto, J.; Strey, M. N. (2008). Mudanças e não mudanças na conjugalidade. In: Macedo,
R. M. (Org.). Terapia familiar no Brasil na última década. São Paulo: Roca, pp. 435-448.
Strey, M. N.; Silva Neto, J.; Kohn, K. C ; Fasolo, L. R.; Teixeira, M. A. (2008). Violência e
vida conjugal: recursos para os momentos críticos. In: Strey, M. N.; Silva Neto, J. A., Horta,
R. L. (Org.). Família e gênero. Porto Alegre: EDIPUCRS, pp. 259-286.