Anais II SEHA - 2015 - Volume 2 - Colonização e Mundo Atlântico
Anais II SEHA - 2015 - Volume 2 - Colonização e Mundo Atlântico
Anais II SEHA - 2015 - Volume 2 - Colonização e Mundo Atlântico
em Estudos Amazônicos
Universidade Federal do Pará
Belém, 15 a 18 de junho de 2015
Volume 2
Colonização & mundo atlântico
ISBN 978-85-61586-85-0
Ficha Catalográfica
p. 220
ISBN: 978-85-61586-85-0
Sumário
1
Colonização e mundo Atlântico
2
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
3
Colonização e mundo Atlântico
Resumo
A região analisada nesta pesquisa faz parte de uma vasta rede hidrográfica
com extensas planícies fluviais inundáveis2 chamada de Baixada Maranhense.
Embora tal denominação não existisse entre os séculos XVII e XVIII enquanto
conceito histórico-geográfico, a documentação primária nos permite
circunscrever o que hoje atende por Baixada a partir dos rios que cortavam essas
terras e da região alagadiça durante parte do ano, característicos a esta região do
Estado do Maranhão.
Nessas circunstâncias, o próprio expansionismo para o Norte do Brasil
esteve ligado a possível riqueza e fertilidade da região e na possibilidade de
conexão entre o Maranhão e as Índias espanholas, o que inspirava diferentes
ideias e especulações acerca das possibilidades de expansão e ocupação do
território. Desse modo, como mostra Cardoso, havia uma concorrência
Monique da Silva; MELO, Vanice Siqueira de. Pelos Sertões “Estão todas as utilidades”.
Trocas e conflitos no sertão amazônico (século XVII). Revista de História 162 (1
semestre de 2010) 13-49, p. 23.
5 SILVA, Rafael Ricarte da. Formação da Elite Colonial dos Sertões de Mombaça: Terra, Família e
5
Colonização e mundo Atlântico
8 Ver: ALVIM, Aymoré de Castro. Pinheiro em Foco. Pinheiro, MA: [s.n.]. p. 26-29,
2006. VIVEIROS, Jerônimo de. Quadros da Vida Pinheirense. São Luís: Instituto
Geia, 2006.
9 CABRAL, Maria Socorro Coelho. Caminhos do Gado: conquista e ocupação do Sul do
6
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
8
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
solicita que “lhe concedesse [...] três legoas de terra de comprido e uma de
largo”18.
Aqui, mais uma questão fica latente: na colônia portuguesa a terra devoluta
passou a ser uma justificativa para os pedidos, conforme visto acima. Nessas
circunstâncias, verifica-se que as solicitações eram justificadas mediante três
argumentos: as áreas estariam desaproveitadas; os requerentes possuíam gados,
escravos e almejavam cultivar as terras; entretanto, não possuíam espaço para
tal fim.
Nelas encontramos três aspectos fundamentais característicos das sesmarias:
a necessidade da demarcação da terra, comprovação de sua exploração e a
confirmação pelo rei. Nota-se ainda o uso recorrente do argumento sobre a
fertilidade do solo. Todavia, a produtividade das terras junto ao rio destinadas
a agropecuária acabava, muitas vezes por se esgotarem, haja vista as
necessidades exigidas por tais atividades como relatava os próprios requerentes.
Observa-se este fato no pedido de Teodoro Correia de Azevedo Coutinho,
feito em 1777, no qual solicitava uma sesmaria nos campos do Pericumã e onde
consta a afirmação de que já havia recebido uma, todavia, ela não estava mais
própria para o cultivo. Desse modo,
[...] possuindo bastantes Escravos que empregava em Lavouras não tinha terras
suficientes para continuar, porquanto as que possuíam, que tinhão Sido dos
proscritos Jesuítas, arrematadas na Real Fazenda que Continhão terras de lavrar,
crear gados, estavam já destruídas e Cançadas19.
9
Colonização e mundo Atlântico
[...] Manoel Antonio Gomes de Castro; homem; que vive de industrias, morador no
destricto daq.la villa de Guim.es do Cumã [...] Sem licença levantou hu’ emq’(ilegível)
actualmente fabrica aguardentes d q’ ali vem comprar os Índios moradores da Villa
por ser perto, porém toda Escravatura do Sup.tee mais vizinhança fazem o mesmo
e São emquetados, tanto emdezordens, e bulhas, q formao das suas cidades assim
como levando a Seus Senhores Algodoes [...] ao do Cap.am Manoel Antonio, por
aqleque era proibido, q lhe está prompto pa Comprar de Sorte, q’ Sendo hum
(ilegível) Lavrador, por aqle meio faz anualmente bastantes Sacas de Algodão e
proporção das Suas Lavouras de q’ se segue aos Sup.tes e mais vizinhanças um
notável prejuízo[...]26.
11
Colonização e mundo Atlântico
terras foram recebidas por sujeitos que possuíam patentes militares ou cargos
na administração colonial, o que reforçava seu prestígio na hierarquia social.
Nessa perspectiva, a menção de patentes ou cargos ocupados pelos
requerentes frequentemente são mencionados nas Cartas. Dentre os citados
encontramos principalmente: alferes, tenente, padre e capitão. Possivelmente os
sesmeiros acreditavam que este critério garantia a obtenção com mais facilidade
das terras pedidas.
Para Silva, a posse de terras “permitiu a construção e manutenção da
diferenciação social entre proprietários de terras, obtidas por meio da concessão
de sesmarias, e demais sujeitos pertencentes à população livre que não tinha
acesso à posse de terra. Essa diferenciação social foi reforçada pela presença
destes proprietários de terras nos cargos camarários e de administração
colonial”32.
Dessa maneira, a propriedade das terras aliada à obtenção de patentes
militares representou também uma forma de distinção social na bacia do rio
Pericumã.
Portanto, entende-se que a ocupação econômica por meio da atividade
agrícola algumas vezes ligada à pecuária, efetivada pelas concessões de terras,
representou um importante passo para a ocupação de várias regiões, inclusive
da área estudada. Desse modo, a agricultura assumiu no período colonial um
papel central ao se pensar o lugar das conquistas.
Considerações finais
A conquista desta região teve relação direta com a prática de distribuição das
terras sob o regime das sesmarias. Este sistema constitui-se como o principal
instrumento de reafirmação do poder metropolitano bem como para o
estabelecimento de uma elite proprietária de terras, gados e escravos na região
do rio Pericumã.
Logo, através da adoção do regime de Sesmarias, a distribuição das terras
aconteceu atrelada ao seu cultivo. Foi desse modo que surgiram as lavouras e
algumas fazendas de criar que compuseram o cenário do Pericumã no Período
colonial.
Ademais, a orientação expressa pela administração colonial era explorar,
defender e ocupar a terra com a intenção de expandir o território e aumentar
seus rendimentos. Neste ponto, a agricultura como justificativa central para as
solicitações, algumas vezes associada à pecuária, teve um significado importante
para o pensamento político-econômico daquela época. Nesse sentido, as áreas
14
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
Alírio Cardoso1
Resumo
1 PPGHIS- UFMA.
2 BOXER, Charles. The Dutch Seaborne Empire, 1600-1800. London: Hutchinson & co,
1965.
3 EMMER, Pieter, “Los holandeses y el reto atlántico en el siglo XVII”. In: SANTOS
PÉREZ, José Manuel y CABRAL DE SOUZA, George F. (eds.). El Desafío Holandés
al Dominio Ibérico en Brasil en el siglo XVII. Salamanca: Universidad de Salamanca, 2006,
pp. 17-23.
15
Colonização e mundo Atlântico
Zeven Verenigde Provinciën tot Omstreeks 1650/A República das Sete províncias até
aproximadamente 1650”. In: WIESEBRON, Marianne (Ed.). Brazilië in Nederlandse
Archiven/ O Brasil em arquivos neerlandeses (1624-1654). Leiden: CNWS, 2004, pp. 30-80
[edição bilíngüe]. Para um estudo sobre os aspectos simbólicos do domínio holandês
na América Portuguesa, especialmente para o Estado do Brasil, ver também:
WEHLING, Arno. “A organização política do Brasil holandês e o papel das liturgias
de poder no governo de Nassau”. In: TOSTEL, Vera Lúcia B; BENCHETRIT, Sarah
Fassa; MAGALHÃES, Aline Montenegro (Eds). A presença holandesa no Brasil. Memória e
imaginário. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2004, pp. 11-30.
8 SANTOS PÉREZ, José Manuel & CABRAL DE SOUZA, George F. (Eds.). El
Desafío Holandés al Dominio Ibérico en Brasil en el siglo XVII. Salamanca: Ediciones
Universidad de Salamanca, 2006.
17
Colonização e mundo Atlântico
não neerlandês certamente era bem maior. Do outro lado da guerra, a resistência
luso-pernambucana sempre contou com soldados nativos, entretanto, a
composição destas forças sempre foi bastante diversificada. Em Pernambuco,
não havia apenas soldados indígenas, mas também afrodescendentes, os
chamados “terços negros”. Por outro lado, havia muita resistência sobre a
utilização sistemática de tais combatentes na luta contra os holandeses. No
Brasil, a utilização mais alargada de guerreiros indígenas só será uma solução
consensual a partir de 1640.18 Não podemos esquecer que a Monarquia
Hispânica também promoveu a ida de soldados napolitanos para Pernambuco,
comandados por Giovanni de San Felice, o conde de Bagnuolo, um conhecido
crítico da utilização em larga escala dos guerreiros indígenas.19 No Maranhão e
Grão-Pará, a utilização generalizada de soldados indígenas, tanto do lado
holandês quando do português, era sistemática e considerada absolutamente
necessária em todas as fases do conflito. De fato, os neerlandeses já utilizavam,
há muito tempo, os serviços dos índios na manutenção e vigilância das
fortalezas do rio Xingu, período anterior à Guerra do Brasil.20
Outra característica marcante da guerra na Amazônia é a onipresença dos
caminhos fluviais. As grandes distâncias entre as capitanias, em todas as fases
da guerra, só poderiam ser superadas pelo conhecimento nativo sobre o sistema
de baixa-mar e de preamar. Os portugueses não se deslocavam de um ponto a
outro sem o auxílio indígena. No Brasil, os caminhos fluviais são mais
obstáculos que rotas de conexão. Com efeito, a guerra em Pernambuco, e nas
capitanias do Norte do Estado do Brasil, é majoritariamente terrestre. 21 Ao
contrário, na Amazônia a guerra era aquática. Os próprios europeus deveriam,
a todo momento, acostumar-se a essa peculiaridade. Sabe-se, por outro lado,
que as próprias fortalezas neerlandesas na Europa não ignoravam, por exemplo,
a transição entre terra e água, investindo em obras bélicas de natureza também
hidráulica.22 No Estado do Maranhão, a guerra fluvial incentivou o uso
18 MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada. Guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654.
Rio de Janeiro: Topbooks, 1998, p. 230-1.
19 MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada, p. 242.
20 HULSMAN, Lodewijk. “Swaerooch: o comércio holandês com índios no Amapá
(1600-1615)”. Revista Estudos Amazônicos, vol. VI, nº 1 (2011), pp. 178-202.
21 MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada, p. 66; PEREIRA, Sidclay Cordeiro.
ingenieros militares de la Monarquía Hispánica en los Siglos XVII y XVIII. Madrid: Ministerio
de Defensa, 2005, pp. 13-29.
21
Colonização e mundo Atlântico
* * *
Por fim, faltam muitas pesquisas, sobretudo nos arquivos holandeses, para
que possamos ter uma ideia mais clara acerca dos objetivos que impulsionaram
a WIC a tomar a capitania do Maranhão. Entretanto, as fontes holandesas e
espanholas disponíveis não parecem confirmar a tese de que a tomada da
Amazônia portuguesa pode ser um simples desdobramento da Guerra do Brasil.
Em primeiro lugar, pelos problemas de navegabilidade entre Brasil e Maranhão;
em segundo lugar, pela especificidade da região, dominada por insondáveis
caminhos fluviais, em comparação com a guerra terrestre luso-pernambucana;
em terceiro lugar, pela condição de fronteira dessa região, perigosamente
próxima das Índias espanholas, das Guianas e do Caribe.
De fato, a estratégia holandesa no Maranhão e Grão-Pará parece mais
próxima dos projetos batavos nas rotas caribenhas e hispano-peruanas. O
Maranhão, como os próprios relatórios holandeses podem demonstrar, estava
justamente localizado perto do epicentro da economia espanhola, alvo central
do esforço neerlandês de desgaste da Monarquia Hispânica. Essa condição
fronteiriça parece fundamental em qualquer comparação com a chamada
Guerra do Brasil. A historiografia dos séculos XIX e XX, inclinada a uma
23 Sobre o tema, ver: GRUZINSKI. Serge. As Quatro Partes do Mundo. História de uma
mundialização. Belo Horizonte/São Paulo: Editora UFMG/Edusp, 2014.
24 CARVALHO JUNIOR, Almir Diniz de. Índios Cristãos. A conversão dos gentios na
Amazônia Portuguesa (1653-1769). Campinas: Tese de doutorado (história) apresentada à
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), 2005. Para um estudo mais amplo acerca
dos processos de nobilitação na América, ver: RAMINELLI, Ronald. Nobrezas do Novo
Mundo. Brasil e ultramar hispânico, séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Editora
FGV/Faperj, 2015.
22
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
Resumo
25
Colonização e mundo Atlântico
peruana pelo grande rio, até a península. Uma ideia bastante recorrente na
documentação7 e que poderia ser posta em prática devida as facilidades de
Espanha e Portugal terem o mesmo monarca.
A possibilidade de embarcar os gêneros em Manila, na ilha de Luzon – nas
Filipinas – até o Peru e daí até a península através do Rio Amazonas, seria
segundo os cronistas, uma forma de vencer as intempéries provocadas pela
presença de piratas no Caribe que já aguardavam os galeões que vinham de Vera
cruz e Cartagena. As Filipinas estavam sob a jurisdição do Vice-rei do Novo
México até praticamente o fim do período colonial, tendo em alguns casos de
ausência do Vice-rei, a administração ser exercida pela Real Audiência de
Manila, o que leva a ligação entre México e as Filipinas.
A possível conexão entre a Amazônia e as Filipinas, quebraria a corrente que
ligava as ilhas pacíficas ao México, mas, além disso, essa possível conexão
reafirmaria o poder de Quito, enquanto cidade mais importante do Peru, pois,
seria por essa cidade e por um território controlado por ela, que todas as
mercadorias deveriam passar, seja a prata peruana, sejam as especiarias orientais.
Entretanto, o que leva a similitude do Maranhão com o extremo oriente do
Império? Ainda segundo Cardoso, as similitudes estão em três aspectos entre a
Índia e o Maranhão, a saber: 1) a definição imprecisa das duas entidades
geográficas8; 2) o perfil administrativo e o estabelecimento de poderes locais; 3)
a comparação entre as especiarias orientais e as drogas maranhenses9.
Deixando um pouco da generalização do Estado da Índia e partindo para
outro espaço do Pacífico, mais precisamente o arquipélago das Filipinas10, que
7 Sobre as obras que tratam sobre a possibilidade de conexão através do Rio Amazonas
entre o Peru, pode-se destacar: ACUÑA, Cristóbal de. Novo descobrimento do grande rio das
Amazonas [1641]. Rio de Janeiro: Agir, 1994. SILVEIRA, Simão Estácio da. Relação
sumária das cousas do Maranhão. 9ª. Ed. São Luís: Edições AML, 2013. “Noticias dada pelo
capitão Manuel de Sousa D’Eça acerca da importância do Rio das Amazonas”. Madri,
07 de julho de 1615. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, vol. 26, 1904, p. 279.
8 Segundo Charles Boxer e Luiz Felipe Barreto, apesar do aumento substancial do
recebeu o seu nome após 1571, com o movimento de conquista por parte dos espanhóis
que nomearam o lugar em homenagem ao Rei Filipe II, assim como um distrito no
26
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
The American Historical Review, vol. 87, nº 03 (Junho de 1982), pp. 595-598.
12 GRUZINSKI, Serge. A colonização do imaginário: Sociedades indígenas e
ocidentalização no México espanhol (Séculos XVI-XVIII). São Paulo: Cia das Letras,
2003, pp.33-40.
13 CARDOSO, Alírio. Maranhão na monarquia hispânica: intercâmbios, guerra e navegação
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul
(séculos XVI-XVII). São Paulo: Cia das Letras, 2000. MAURO, Fréderic. Portugal, Brasil
e o Atlântico (1570-1670). Lisboa: Estampa, 1989.
28
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
17 BOXER, Charles. A igreja militante e a expansão ibérica (1440-1770). São Paulo: Cia das
Letras, 2007, pp. 91-97.
18 TAYLOR, Anne Christine. “História Pós-colombiana da Alta Amazônia”. In:
CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos índios no Brasil. São Paulo: Cia das Letras,
1999, p. 219.
18 Ibidem, pp. 213-238.
19 CUSHNER, Nicolas P. “Early jesuit missionary methods in the Phillippines”. In: The
1693, sobre a repartição dos distritos missionários”. In: Anais da Biblioteca Nacional, Rio
de Janeiro, Vol. 66, 1904, pp. 142-144.
29
Colonização e mundo Atlântico
O que fica de mais instrutivo ainda é a ideia de uma herança espanhola para
os empreendimentos portugueses pós-restauração. As ideias de Cardoso
perpassaram por isso o tempo todo, assim como Chambouleyron também
identifica para a economia do cacau de meados do século XVII a presença desta
herança21. Essa herança, principalmente após 1640, pode ser caracterizada
como a identidade ibérica da colonização. Ou até mesmo o estopim da
ocidentalização, desta feita, deixa a ideia de que é impossível pensar nos projetos
coloniais sem ter em mente as conexões que estreitam os laços não só entre o
clássico binômio de metrópole-colônia, mas na ideia de que existe uma
circulação ascendente entre as próprias coloniais que independe da vontade do
centro.
Introdução
legislação indigenista do período colonial (século XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela
Carneiro da. História dos Índios no Brasil.
34
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Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
Procedimentos teórico-metodológicos
21Idem.
22CHAMBOULEYRON, Rafael; BOMBARDI, Fernanda Aires. Descimentos privados
de índios na Amazônia colonial (séculos XVII e XVIII). Varia Historia, Belo
Horizonte, vol. 27, nº 46, 2011, pp. 601 – 623.
23 CHAMBOULEYRON; BOMBARDI, 2011, p. 606
24BLOCH, Marc. Apologia da História ou O ofício de historiador. Rio de Janeiro:
Sociologia, salientando para o fato da “história social ter superado a história política
como área mais importante de pesquisa”25, refletindo a marcante influência de dos dois
37
Colonização e mundo Atlântico
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Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
Fontes
29 GINZBURG, 2010.
39
Colonização e mundo Atlântico
30Por seu turno, o Projeto Resgate foi institucionalizado em 1995 através da aliança
luso-brasileira, com o intuito de fornecer em seu sítio eletrônico documentos históricos
correspondentes ao período do Brasil colonial. Seu acervo é composto por documentos
do Conselho Ultramarino que datam do século XVI até a centúria oitocentista.
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Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
Resumo
Introdução
1 BIBLIA SAGRADA. Ed. Pastoral. Edições Paulinas, São Paulo, 1990. Mt. 28,29.
p.1279.
2 Mestranda do Curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do
Maranhão (UFMA).
41
Colonização e mundo Atlântico
3 MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. Trad. James Amado. São
Paulo: Brasiliense, 2001. p.132. 4 REGISTRO DE BATISMO. Livro nº101.
(manuscrito). 1730. Folha 94. 5 Ibid., Livro nº 107. (manuscrito). 1771. Folha 39v.
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Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
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Colonização e mundo Atlântico
compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII. In. João José Reis (Org).
Escravidão e invenção da liberdade: estudo sobre o negro no Brasil. São Paulo: Ed.
Brasiliense, 1988. p.40.
17 CARTA DE ALFORRIA, Livro nº65. (manuscrito). Folha 143v.
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Colonização e mundo Atlântico
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Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
pequena Ana, filha de Julia, escrava de Manoel Pedro. Quando ela foi levada à
pia batismal, em 1730, deram-lhe padrinhos livres
Aos vinte e seis dias do mez de fevereiro de hum mil setecentos e trinta baptizey e
pus os Santos Oleos a Anna filha de Julia serva de Mel. Pedro e pay Domingos servo
de Amaro de Souza foram padrinhos Francisco Xavier Arnout Saltino e Izabel dos
Rdos, livres. 22
Aos quinze dias do mez de dezembro de hum mil setecentos e cincoenta e nove
annos nesta Igreja da Sé Freguezia de Nossa Senhora da Victoria do Maranhão. Nela
baptizey solennemente e puz os Santos Oleos ao innocente Joaquim filho de
Thereza mulata escrava de Joze (ileg.) e de pay incerto forão padrinhos: Francisco
(ileg.) Sousa e sua irmã Dona Francisca de Paula ambos solteyros [...] 24
isto é, sendo escolhidos como pais e mães espirituais de outros cativos, ao lado
de pessoas livres, libertas e também de outras pessoas escravizadas. Vejamos o
exemplo da escrava Justiniana, que escolheu como padrinhos de sua filha Luiza,
“Thomaz, preto, cazado, escravo [...] e Lourença, solteyra, forra do serviço de Domingos dos
Reys”;25 e do “preto Antonio e da preta Roza” ambos escravos, que em 1771,
batizaram a pequena Rita, filha da escrava Suzana e de “pai incerto”.26
No entanto, o batismo cristão pouco serviu para ligar a população cativa
àqueles que talvez, há pouco tempo, tivessem conquistado a tão sonhada
liberdade, os forros ou libertos. Na documentação trabalhada, um pequeno
número de ex-escravos apareceu como padrinhos. Entre as madrinhas, apenas
49 foram identificadas como forras e, de 696 padrinhos que compareceram à
cerimônia, somente 29 forros aparecem como pais espirituais de algumas
crianças ou adultos escravos batizados.
Tênues vestígios demostram, mais uma vez, o papel secundário da mulher
na liturgia batismal setecentista. Dos 216 casos em que os padrinhos tinham
estatuto jurídico diferente, em 159 deles a madrinha se encontrava em condição
inferior: era forra, escrava ou não teve seu nome registrado, enquanto os
padrinhos eram livres.
Podemos citar, como exemplo, o batismo da menina Juliana, “filha de
Sebastiam forro e de Leonor escrava Donna Anna Frois”, que teve como padrinho
“Luis Frra” e como madrinha “Joanna escrava de Mariana de Barros”. 27 Ou ainda, o
registro do pequeno Bartolomeo, filho “natural de Lourença solteyra, escrava [...] e
pay incerto”, batizado aos vinte e nove dias do mês de dezembro de mil
setecentos e sessenta, cuja cerimônia foi abençoada pelo livre “Lourenço da Costa
barboza” e por “Mª escrava do capitão Domingos da Rocha”.28
Na São Luís dos setecentos, a maioria dos padrinhos e madrinhas, tanto de
homens quanto de mulheres, foram buscados em uma classe social superior a
de quem estava dando o (a) filho (a) a batizar. Para os 299 batismos de escravas
em 213 deles, pessoas livres aparecem como padrinhos. O mesmo ocorreu com
os escravos, dos 418 assentos analisados, em 249 deles mulheres e homens
livres foram registrados como seus protetores espirituais.
Não temos elementos para descrever as relações que existiam entre estes
compadres e comadres. Pensamos, no entanto, que de alguma forma essas
pessoas se conheceram e estabeleceram vínculos de solidariedade que foram
ratificados com o rito do batismo.
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Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
Conclusão
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Colonização e mundo Atlântico
O mapa mural Brasilia qua parte paret Belgis vem sendo estudado por
especialistas de vários campos da história e da geografia como uma das obras
financiadas pela Companhia das Índias Ocidentais (WIC) das mais avançadas
para sua época. Comemorando, em 2012, os 365 anos da sua primeira
publicação, realizada em 1647, pesquisadores da Universidade Federal de
Pernambuco e da Universitat de Barcelona reuniram-se para uma investigação
sobre os espaços com presença de indígenas, de africanos, de mestiços e de
afrodescendentes nele representados. Neste trabalho, os textos e os desenhos
contidos no mapa serviram como base para a realização das interpretações
históricas sobre os territórios colonizados e os não colonizados, isto é, os
contíguos aos já dominados pelos europeus, apresentados neste mapa como
espaços indígenas com presença de africanos e de afrodescendentes colocados
fora do domínio colonial.
Utilizando um conjunto de documentos históricos constituídos por mapas,
informes e cartas indígenas produzidos no período colonial foi possível dialogar
como o mapa como uma 'linguagem' viva, base para a pesquisa histórica e social
sobre o contato entre natureza, europeus, indígenas e africanos ocorrido durante
a conquista e a ocupação holandesa do Brasil no século XVII. Mapa que registra
mudanças e continuidades na cartografia holandesa e na paisagem colonial
brasileira, onde diferentes ações ocorridas nos espaços coloniais podem ser
acompanhadas. Temas novos envolvendo colonização, escravidão,
monoculturas, expedições e conquistas foram inseridos por Margrave em seus
registros cartográficos durante esta época de ouro para as ciências e as artes
desenvolvidas nos Países Baixos (Matsura, 2011: 330). O Brasilia qua parte paret
Belgis confirma esta afirmação por ser a mais precisa das representações
geográficas da costa do Nordeste do Brasil do século XVII.
Durante o período colonial, os interesses por mapas geopolíticos e planos
urbanos sobre diferentes regiões da América estavam, sobretudo, relacionados
a aspectos históricos enredados às fronteiras econômicas estabelecidas a partir
da expansão marítima de estados e reinos europeus modernos. Portanto, rotas
3 Sobre o tema pode ser mencionada uma série de artigos e textos produzidos desde o
século XX, como o de Pedro Souto Maior, o de Teodoro Sampaio, o de Hullswyck, e
o de Bartira Ferraz Barbosa. Os documentos citados que se encontram arquivados no
Arquivo Histórico Ultramarino em Lisboa e no Arquivo da Companhia das Índias
Ocidentais em Haia, Holanda.
51
Colonização e mundo Atlântico
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Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
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Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
Resumo
2 Sobre o socialismo em África, ver, dentre outros, Thiam, Mulira e Wondji (2010). Por
questões didáticas e metodológicas, a historiografia especializada tem destacado
algumas datas como marcadores cronológicos relevantes para a história da região: 1975,
ano da independência; 1977, quando a Frente de Libertação de Moçambique
(FRELIMO) se transforma num partido marxista-leninista durante seu III Congresso;
1990, quando passa a vigorar a nova Constituição da Republica, que marcaria um
sistema de democracia multipartidária. Esse período vem sendo caracterizado como o
momento socialista. Outras referências importantes seriam o ano 1984, quando são
assinados os acordos de não-agressão com a África do Sul, o ano de 1986, quando
morre o presidente Samora Machel e o diretor do CEA, Aquino de Bragança, e ainda,
1987, quando a Frelimo introduziu um programa de reajustamento estrutural (PRE)
financiado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Em 1989, a Frelimo abandona
formalmente o marxismo-leninismo, até então sua ideologia oficial. Todos esses
eventos, como aponta Carlos Fernandes (2011), teriam impactos significativos nas
agendas do Centro de Estudos Africanos.
3 OLADIPO, Olusegun. The idea of African Philosophy. A Critical Study of the Major
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir
no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 10
jan. 2003.
7 Ibid
8 Ibid
60
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e imagens sobre
uma gente de cor preta. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, 2002.
61
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11 Ibid.
62
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
APPIAH, Kwame Anthony (1997). Na casa de meu pai. Rio de Janeiro, Contraponto.
16 VERDERY, Katherine. Para onde vão a “nação” e o “nacionalismo”? In.:
23 Ibid, p. 165.
24 MBEMBE, Achille. As Formas Africanas de Auto-Inscrição. Estudos Afro-
Asiáticos, 2001 pp. 171-209
25 Ibid.
65
Colonização e mundo Atlântico
68
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
Introdução
5 Considera-se assim que as “representações” não podem ser separadas das práticas
sociais. Sobre essa temática, ver: ROGER, Chartier. A história cultural: entre práticas
e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. ROGER, Chartier. A História
ou a leitura do tempo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. ROGER, Chartier.
Defesa e Ilustração da noção de representação. In: Fronteiras, Dourados, MS, v. 13,
n.24, pg. 15-29, jul./dez. 2011.
6 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
7 Sobre a crítica a respeito da relação entre cultura popular e letrada em Carlo Ginzburg,
se necessário pontuar que se Ginzburg é criticado por manter, entre dois polos, uma a
diferenciação que nem sempre existiu, o conceito de cultura intermediária pode anular
distinções que talvez fosse mais interessante destacá-las.
10 A conceituação do “espaço intermediário” foi possível a partir dos resultados de
ruídos, do termo tupi morubixaba11, isso para ficar apenas em um único exemplo
acerca dos filtros que se impõem no caminho entre a narrativa do colonizador
e os tupinambá por ela representados e que formam um imenso cipoal a ser
desbastado ao longo da caminhada por quem se envereda pelo tema.
Mas os filtros ocidentais não deveriam ser considerados como barreira
intransponível para o entendimento da sociedade tupinambá. Pelo contrário,
um método bem estabelecido deve fazer do filtro a sua força, pois a cosmovisão
de quem inscreve um corpo outro permite que se possa observar os
afastamentos e aproximações entre ambos os corpos.
Ademais, os chefes tupinambá não eram apenas o tipo social mais
referenciado nas narrativas, como também os mais buscados pelos
conquistadores, pois era a partir deles que o europeu poderia perceber qual o
teor da relação que se estabeleceria entre os dois povos, se pacífica ou
belicosa12. E havia também outra situação de ordem prática. Com mais
capacidade de trabalho – devido à quantidade de esposas, genros e “escravos”
ao seu dispor – os chefes tupinambá eram os únicos capazes de garantir a
estrutura necessária para a estadia dos europeus na nova terra.
Assim, o primeiro objetivo era o de caracterizar esses chefes. No andamento
da pesquisa, distanciou-se de uma primeira relação com a arqueologia e a
antropologia política13. Dessa forma, ao se abandonar a busca por questões
relacionadas à hierarquização social – como defender a eminência de um
cacicado ou propor um mecanismo social que barraria o nascimento do Estado
11 Muito desse ruído em torno das representações acerca dos chefes tupinambá pode
ser percebido na ambiguidade do poder político – ora coercitivo, ora nulo – com o qual
os cronistas os revestem.
12 Pela carta de Pero Vaz de Caminha, para ficar em um único exemplo, podem ser
–, passaram a ser buscadas as práticas sociais que estavam por trás das
características dos chefes.
Essa mudança de foco direcionou a continuidade da pesquisa, impondo
uma nova questão: quais as relações e práticas sociais que possibilitavam a
reprodução e a manutenção da condição de chefe tupinambá? O segundo
objetivo fez a pesquisa afastarse também do uso do “tipo ideal” tal como se
encontra nos escritos de Sérgio Buarque de Holanda, que havia sido, antes, um
inspirador. Esse historiador utilizou o método weberiano para criar o “tipo
ideal português” e o “tipo ideal espanhol” com a finalidade de compará-los14.
Mas o risco da utilização desse procedimento está, por um lado, em excluir
arbitrariamente da análise outros tipos ideais – o tipo tupinambá, por exemplo.
Por outro lado, porque tal método, embora consiga demonstrar com muita
consistência as diferenças entre os tipos ideais, não é a melhor maneira de
perceber as conexões existentes entre dois “Todo” que, ao longo do processo
histórico, muitas vezes se constituem mutuamente, fazendo das distinções
apenas discursos historiográficos15. Dessa forma, apesar da utilização do “tipo
ideal” inspirada nos trabalhos de Sérgio Buarque de Holanda, não se efetuou
para comparar o “tipo tupinambá” com o “tipo europeu”. Mas sim para
destacar características dos chefes tupinambá dispersas ao longo das narrativas
e lançar luz, a partir delas, sobre as relações sociais que lhes davam sustentação.
Chegar nas relações sociais que possibilitavam a reprodução da condição de
chefe tupinambá ao longo do tempo permitiu a proposição de um terceiro
objetivo: perceber as contradições ocasionadas nestas mesmas relações a partir
da presença do europeu. Resumindo: ao invés de utilizar o tipo ideal de chefe
tupinambá para comparar ao tipo europeu, foi utilizado para alcançar as
relações sociais que possibilitavam a sua caracterização. E a partir das relações
sociais apreendidas pela caracterização dos chefes tupinambá, verificou-se as
contradições entre os imaginários dos tupinambá e dos europeus.
Os resultados da pesquisa puderam, até aqui, demonstrar que relações
sociais desenvolvidas a partir de diferenças oceânicas em relação à cosmovisão
europeia, mesmo com todo processo violento do encontro, mesmo com o
grande abalo que lhes propiciou a inserção do Cristianismo e, de maneira geral,
mesmo diante do que significou para o povo tupinambá a inserção do sistema
14 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José
Olympio Editora, 1975; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os
motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Brasiliense;
Publifolha, 2000.
15 A respeito dessa discussão, ver: GRUZINSKI, Serge. Os mundos misturados da
monarquia católica e outras connected histories. Topoi, Rio de Janeiro, mar. 2001. Pg. 175-
195.
74
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
16 Os povos que depois seriam chamados de tupinambá advieram de povos tupi que
teriam alcançado o litoral das terras baixas do território que hoje corresponde ao Brasil
desde pelos mesmo o século II de nossa era, o que teria possibilitado a cristalização de
suas práticas. Sobre esse tema, ver: NOELLI, Francisco da Silva. As hipóteses sobre o
centro de origem e as rotas de expansão dos tupi. Revista de Antropologia, São Paulo:
Universidade de São Paulo, v. 39, n. 2, 1996; PROUS, André. Arqueologia Brasileira.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1993; PROUSS, André. O Brasil antes dos
Brasileiros: a pré-história de nosso país. Rio de Janeiro, Zahar ed., 2006;
HECKENBERGER, Michael; NEVES, Eduardo; PETERSEN, James. De onde
surgem os modelos? As origens e expansões tupi da Amazônia. Revista de
Antropologia, v. 41, n. 1. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1998; ROBRAHN-
75
Colonização e mundo Atlântico
exemplo, que os chefes eram anciãos devido ao forte controle social exercido
pelos mais velhos. Para que um tupinambá iniciasse percurso necessário para
alcançar a condição de chefe, deveria esperar até os 25 anos de idade até lhe ser
permitido falar em assembleia17 e assim exercer os dotes oratórios necessários
para adquirir prestígio e conquistar alianças. Acrescenta-se que era só a partir
dos 25 anos que um tupinambá poderia casar com parceira fértil e assim, depois
de escapar do controle do sogro18, iniciar o longo processo de aquisição de
prestígio conquistado pelas alianças que estavam por trás da poligamia. E era a
partir dessa idade também que esse tupinambá poderia trocar pela primeira vez
de nome, depois de esfacelar o crânio de um inimigo em ritual antropofágico.
E, por fim, era só a partir dos 25 anos que um tupinambá poderia participar
efetivamente dos combates, mas nunca no comando, o que só ocorreria
concomitante ao lento processo de costura de alianças pela poligamia, pelo
convencimento nas assembleias e pela aquisição contínua de prestígio
representado nos nomes tirados dos crânios esfacelados dos inimigos.
A necessidade do batismo, como exigência para efetivar de fato a aliança
entre os povos europeus e tupinambá, vinha romper com tudo isso.
Primeiramente, porque esse sacramento proibia a antropofagia, o que trazia
consequências indiretas nas características relacionadas à experiência no
combate, à aquisição de vários nomes e ao quantitativo de inimigos capturados
na guerra, que passariam de tabajara a “escravos”.
Mas a exigência do batismo também trazia consequências diretas a uma das
principais características dos chefes: pluralidade de esposas. O que garantia o
prestígio dos chefes não era o fato de possuir várias esposas, como pretendia
um Claude d’Abbeville19, eram as alianças que estavam por trás delas. A
proibição da poligamia inviabilizava a reprodução dos chefes tupinambá, que
desse momento em diante, seriam cada vez mais recrutados nas famílias de
chefes já aliados aos europeus.
E aqui chega-se a uma pergunta importante: se o batismo significava uma
forte ruptura nas relações sociais ligadas à reprodução e manutenção da
GONZÁLES, Erika Marion. A expansão tupi, em busca da Terra Sem Mal In: Brasil
50 mil anos: uma viagem ao passado PréColonial. São Paulo: USP, 2003.
17 Tratava-se de uma reunião no centro da aldeia na qual os chefes e anciãos tratavam
serviços obrigatórios
19 ABBEVILLE, Claude d. História da missão dos padres Capuchinhos na ilha do
condição de chefe tupinambá, ainda assim, a julgar pelas narrativas, por que os
chefes procuravam insistentemente o batismo?
Há várias respostas possíveis. Uma delas é que o batismo possuía, no espaço
cultural intermediário, elementos semelhantes entre os imaginários tupinambá
e europeu. Basta pensar no fato de que assim como no esfacelamento do crânio
de um inimigo, o batismo também possibilitava a honra de um novo nome.
Acrescenta-se outra semelhança: depois do esfacelamento do crânio de um
inimigo, eram os guerreiros experientes que costumavam renomear um
indivíduo. Análogo a isso, depois que um tupinambá passava pelo ritual do
batismo, o novo nome era dado por um dos generais europeus.
E a permanência na ruptura não era só essa. Ao ser batizado, o tupinambá
ganhava o direito de participar do rito da comunhão. Assim, se a proibição da
antropofagia inviabilizou muito dos mecanismos de coesão social que os rituais
antropofágicos possibilitavam, a comunhão cumpriria função semelhante 20. E
se a hóstia não tinha o mesmo sabor do que o corpo do inimigo, ainda assim,
guardava, no espaço intermediário, suas semelhanças com a antropofagia, só
que agora o alimento era o corpo do Deus cristão.
Aliás, alimentar-se do inimigo ou virar alimento dele, entre os tupinambá,
era garantia do acesso à Terra Sem Mal: uma espécie de paraíso onde os seus
antepassados estariam bebendo e dançando eternamente. O novo nome cristão
e o direito de se alimentar do corpo de Cristo advindo com o batismo, de
maneira semelhante, ofereceria acesso direto para o Paraíso Cristão. Mas não
mais apenas para os grandes guerreiros, como era no costume tupinambá. Mais
democrática, a “terra sem mal” dos europeus, ao menos no discurso, estava
aberta a todos.
Mas não se deve enganar. Embora a troca de nome proporcionada pelo
batismo representasse uma permanência nas práticas tupinambá que permitiam
a aquisição do prestígio necessário para galgar a condição de chefia,
representaria também graves rupturas, a ponto de subverter, por completo,
relações sociais consolidadas desde um período imemorável. E o maior
exemplo disso está no abalo que esse sacramento cristão significava às duas
características fundamentais de todo chefe tupinambá, a saber: ser homem de
idade avançada. Primeiramente porque o novo nome – e o acesso ao Paraíso –
passava a ser garantido também para as mulheres. Depois, se um tupinambá,
devido ao controle social exercido pelos mais velhos, deveria esperar até os 25
anos de idade para adquirir um novo nome ao esfacelar o crânio de um inimigo
em um ritual antropofágico, essa fonte de prestígio passaria a ser distribuída,
“gratuitamente”, já nos primeiros anos de vida.
E essa contradição não passava tão despercebida pelos tupinambá. É o que
se evidencia, por exemplo, na lamentação de Jacupen, “um dos principais da
tribo dos canibaleiros”21. Ao apontar a contradição que existia no fato de seu
filho ser batizado primeiro do que ele, indaga: “Não tenho pesar e nem inveja,
que meu filho, que aqui está, se batizasse primeiro do que eu. Mas dizei-me: não
é coisa nova, que ele seja filho de Deus antes de mim, seu pai, e que eu dele aprenda o que
devia ensinar-lhe?” [grifos nossos].22
E assim ia a sociedade tupinambá no tempo de contato com os europeus.
O espaço intermediário – uma máquina de pacificação23 – que se constituía
entre os imaginários daqueles dois povos, permitia que o ritual antropofágico se
aproximasse do ritual da comunhão. Permitia também que a Terra Sem Mal
guardasse as suas semelhanças com o Paraíso Cristão. Permitia ainda que a troca
de nome proporcionada pelo esfacelamento do crânio de um inimigo se
aproximasse da troca de nome propiciada pelo batismo. Porém, ao mesmo
tempo, fazia com que práticas sociais consolidadas desde um tempo de longa
duração sofressem tamanho abalo a ponto de dar a impressão, para um velho
chefe tupinambá, de que o mundo estava – concluindo – de “pernas para o ar”.
Resumo
Iluminismo lusitano
desta palavra, além de ser a própria manifestação divinal. Neste sentido luzes se opõe a
trevas que é justamente a ausência de Deus ou a manifestação do Mal. O conceito nesta
perspectiva é completamente distinto do que será apresentado pelos “homens de letras”
e ao mesmo tempo análogo, pois para estes se há luzes para razão há diametralmente o
oposto que é as trevas da ignorância. Porém é a secularização advogado por estes que
prevalecerá no mundo ocidental a partir do século XVIII. ( FALCON, Francisco José
Calazans. Iluminismo. São Paulo: Editora Ática, 2002, p. 32-33).
3 Idem, op. cit., p. 5-8.
4 FORTE, Luiz R. Salinas. O iluminismo e os reis filósofos. São Paulo: Brasiliense, 1982,
passim.
5 Para este artigo se usará o termo homem da ciência, conforme Ferrone. Para o período
EDUSC, 1999.
80
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
políticas realizadas por monarcas europeus com base nos conhecimentos difundidos
pelos pensadores iluministas. É característica destas gestões a secularização do Estado,
além de incentivo ao conhecimento técnico e científico. Cf. FALCON, Francisco José
Calazans. Despotismo esclarecido. São Paulo: Editora Ática, 1986. Para ler obra sobre o
Marquês de Pombal veja: MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal: paradoxo do
iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
9 SILVA, Ana Rosa Cloclet da. Inventando a Nação: intelectuais ilustrados e estadistas
81
Colonização e mundo Atlântico
13 Neste sentido se refere aos países que foram governados por monarcas do
absolutismos ilustrado (os déspotas esclarecidos). Cf. SILVA, Ana Rosa Cloclet, op. cit.,
p. 33.
14 VILLALTA, Luiz Carlos. 1789-1808: o império luso-brasileiro e os brasil. São Paulo:
82
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
17 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. “Um grande inventário da Natureza: políticos da
Coroa em relação ao Brasil na segunda metade do século XVIII”. In. . GESTEIRA,
Heloisa Meireles; CAROLINO, Luís Miguel; MARINHO, Pedro (orgs.). Formas de
Império: Ciência, tecnologia e política em Portugal e no Brasil. Séculos XVI ao XIX. São
Paulo: Paz e Terra, 2014, p. 51.
18 DIAS, Maria Odila da Silva. “Aspectos da Ilustração no Brasil”. Revista do Instituto
83
Colonização e mundo Atlântico
21 Veloso dirigiu a Casa Literária do Arco do Cego por todo seu período de
funcionamento que foi de quase três anos, entre 1799 a 1801. Antes, em 1797 tinha sido
indicado por D. Rodrigo para realizar traduções de memórias que pudesse ser utilizadas
para o conhecimento acerca da natureza. Talvez em razão do cumprimento com sucesso
da ordem o citado ministro o tenha escolhido para ser o diretor da tipografia.
22 WORSTER, Donald. “Para fazer história ambiental”. Estudos Históricos. Rio de
84
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
Fiz repartir os quatro exemplares da Instrução sobre a cultura das Batatas por igual
número de pessoas, que me parecem mais aplicadas à Agricultura, como V.Ex.a me
85
Colonização e mundo Atlântico
30 AHU-MA, D. 8832.
31 DIAS, Maria Odila. Op. cit., p. 119.
32Idem, op. cit., p. 63.
33 AHU-MA, D. 8242.
34 Formado pelo alvará régio de 20 fevereiro de 1798, os correios marítimos, possibilitou
específico para este tipo de comércio, a época conhecidos por loja de livros. E assim se
vai destacar a historiografia maranhense do século XIX e XX, como é o caso do
historiador Jerônimo de Viveiros. Mas é importante salientar que apesar de não haver
lugares próprios de venda é notável em anúncio de jornais no começo do XIX
86
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
Outras obras foram sendo postas a venda no Correio como curso de estudos
para uso do comércio com 10 exemplares pelo valor de 1$200 réis. 36 Estes
impressos tinham este duas tipologias, a primeira majoritária que era voltado
para a agricultura a outra em menor quantidade para o comércio. Importante
destacar que D. Rodrigo ordena a D. Diogo que cada obra deve ser lida pelo
governador.37 Assim pelo menos um exemplar ia para a sede do governo,
acredito que para compor uma biblioteca. Documento ímpar é o comentário
realizado por D. Diogo sobre uma destas
Ainda que a presa li a tradução da Obra sobre a Arquitetura Naval, a qual V Ex.a
remeteu em Carta de 10 de dezembro do ano passado a meu Antecessor pelo
Correio Marítimo: Achei-a muito científica; mas parece-me que a posição das Letras,
mesmo algumas de sucessões da fig. 2.º precisão [de] correção.38
Para concluir
40 AHU-MA, D. 8698.
41 AHU-MA, D. 8803.
42 GALVES, Marcelo Cheche. Saberes impressos, correspondências e expedições científicos: a
88
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
trajetórias de vidas e seus atos dentro do maquinário estatal nas funções que lhe
cabiam.
Este comércio contrapõe uma historiografia44 que dizia que era praticamente
nulo o comércio de livros na capitania. Por outro lado, com a possibilidade
dessa vendagem de obras não tenha sido o esperado e que ainda que os
mencionados administradores tenham superestimado o interesse de leitura dos
habitantes locais, é deveras importante que havia uma atenção desta
administração que um determinado tipo de conhecimento, aquele que fosse
para o desenvolvimento dos saberes acerca da natureza, do melhoramento da
agricultura e do extrativismo mineral fosse acessível aqueles que moravam na
colônia.
44 VIVEIROS, op. cit., p. 339. LAGO, Antonio Bernadino Pereira do, op. cit., p. 77.
89
Colonização e mundo Atlântico
Introdução
dicionário3.
Através de um projeto de pesquisa desenvolvido e coordenado no Museu
Paraense Emílio Goeldi por Cândida Barros iniciou-se a transcrição diplomática
do dicionário (buscando preservar a grafia, acentuação e pontuação originais)
para que este seja editado e publicado em forma impressa e digital. Na condição
de bolsista, realizei a transcrição do manuscrito, o que me permitiu conhecer
profundamente o documento e sua estrutura.
A partir da experiência adquirida durante a transcrição do dicionário de 1756
e da leitura inicial sobre a historiografia sobre a política de língua no Brasil
colonial escolhi como tema de pesquisa para o mestrado o processo de
aprendizado da Língua Geral por jesuítas na Amazônia tendo como objeto de
estudo o referido dicionário. Levando em consideração a hipótese de Muller
acerca da origem do autor e do dicionário, o recorte temporal se concentrará na
década de 1750. O objetivo é entender como o missionário-autor do dicionário
de 1756 confeccionou este documento para servir como instrumento de
aprendizado da Língua Geral na Amazônia, colocando em prática a política
lingüística jesuítica nos primeiros anos da administração pombalina. Apresento
neste trabalho alguns objetivos e hipóteses iniciais de pesquisa.
No Brasil não são numeroso trabalhos de historiadores que dão conta dos
usos da Língua Geral, política lingüística no Brasil e produção de instrumentos
lingüísticos no período colonial, podendo ser brevemente elencados. Em geral,
esta questão foi mais abordada por especialistas em lingüística histórica e
sociolingüística como Aryon Rodrigues, Cristina Altman, Cândida Barros e José
Horta Nunes4. Esses estudiosos viram a necessidade de relacionar lingüística e
Ameríndia, Paris, n° 8, 1983, p. 39-83; FREIRE, José Ribamar Bessa. Rio Babel: a história
das línguas na Amazônia. Rio de Janeiro: Atlântica, 2004.
8 CASTELNAU-L’ESTOILE, Charlotte de. Les ouvriers d’une vigne stérile: les jésuites et la
conversion des indiens au Brésil (1580-1620). Lisboa/ Paris: Centre Culturel Calouste
Gulbenkian/Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos
Portugueses, 2000.
9 POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, Tupi e “Tapuia” no Brasil colonial.
93
Colonização e mundo Atlântico
aldeia coloniais do Rio de Janeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013, p. 159
94
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
16 DAHER, Andrea. "De los interpretes a los especialistas: el uso de las lenguas
generales de América en los siglos XVI y XVII". In: WILDE, Guillermo (ed.). Saberes
de la conversión: jesuitas, indígenas e imperios coloniales en las fronteras de la cristiandad. Buenos
Aires: SB, 2011, p. 205.
17 MONTERO, Paula (org.). Deus na aldeia: missionários, índios e mediação cultural. São
Hipóteses de Pesquisa
lingüística") em concordância com o professor José Ribamar Bessa Freire que a define
96
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
do encontro catequético e ritual nos séculos XVI-XVII. In: MONTERO, Paula (org.).
Deus na aldeia: missionários, índios e mediação cultural. São Paulo: Globo, 2006, p. 143-207.
97
Colonização e mundo Atlântico
25 PAPAVERO, Nelson & PORRO, Antonio (orgs.). Anselm Eckart, S.J. e o Estado do
Grão-Pará e Maranhão (1785). Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2013, p. 63
26 Em 1750 chegaram ao Grão-Pará e Maranhão os padres Anton Meisterburg e
99
Colonização e mundo Atlântico
Resumo
100
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
debate sobre o modelo político do império colonial português. In: FRAGOSO, João;
GOUVÊA, Maria de Fátima. Na trama das redes: política e negócios no império português, séculos
XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 47.
6 O cargo de Governador Geral dos Índios foi criado durante às guerras contra os
neerlandeses para recompensar Antônio Filipe Camarão pelas sucessivas vitórias nas
batalhas em Pernambuco e região. Este líder indígena ficou responsável pelo controle
político e militar das aldeias localizadas nas chamadas capitanias do Norte do Brasil. Cf.
RAMINELLI, Ronald. Honras e malogros: trajetória da Família Camarão 1630-1730.
In: MONTEIRO, Rodrigo Bentes; VAINFAS, Ronaldo. Império de várias faces: relações de
poder no mundo ibérico da época moderna. São Paulo: Alameda, 2009. p. 177.
101
Colonização e mundo Atlântico
devido à cegueira e aos graves achaques (doenças) que lhes eram acometidos, e
que em seu lugar seja provido seu filho D. Antônio Domingos Camarão
Arcoverde.7
Entretanto, o prestígio e a posição social do indivíduo que pertencia a muitas
das sociedades Tupi, no período colonial, era conquistada pela provação nos
combates e nas guerras, além da mostra de sinais de valentia, experiência e
oratória. O poder não se transmitia de forma hereditária.8 A lógica colonial
incorporada pelas lideranças indígenas contrariou os elementos tradicionais
existentes na dinâmica interna destes grupos.
Essa apropriação permitiu que os líderes da família Camarão desfrutassem,
por muito tempo, não somente do cargo de governador dos índios, mas de
outras mercês (favores políticos, títulos nobiliárquicos, insígnias de cavaleiro,
sesmarias, etc.) obtidas graças aos serviços prestados à coroa portuguesa,
notadamente àqueles ligados com a guerra, seja nas campanhas contra os
neerlandeses ao longo do século XVII, seja contra os inimigos internos no
período setecentista: povos indígenas no sertão, não aliados, e considerados
como “bárbaros”9; e escravos fugidos e organizados em quilombos; dentre
outros.10
Na pesquisa de mestrado que realizei na Universidade Federal de Campina
Grande (2012 – 2014), intitulada “Cultura política indígena e lideranças Tupi nas
capitanias do Norte – século XVII”, revisitei os manuscritos coloniais do Arquivo
Histórico Ultramarino de Lisboa (AHU) e discorri acerca dos membros dessa
família Camarão, assim como da família Arcoverde11, quando ocuparam
1730. In: MONTEIRO, Rodrigo Bentes; VAINFAS, Ronaldo. Império de Várias Faces:
Relações de Poder no Mundo Ibérico da Época Moderna. São Paulo: Alameda, 2009. pp. 175 –
191. p. 177.
11 A documentação colonial nos informa que indígenas que pertenceram à chamada
“Família Camarão” fizeram parte do Povo Potiguara. Muitos deles viveram em aldeias
e lugares nas Capitanias do Norte, notadamente no litoral ao norte da Capitania Real da
Paraíba. Por sua vez, indígenas que pertenceram à “Família Arcoverde” fizeram parte
integrante do Povo Tabajara, que viveram em aldeias e lugares nas referidas capitanias,
sendo constantemente registrada sua presença ao sul do litoral da Paraíba, mas também
na região do Rio São Francisco, sertão de Pernambuco. Ambos os povos Potiguara e
Tabajara pertencem ao tronco linguístico e cultural Tupi.
102
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
este estatuto legal foi posteriormente estendido para toda América portuguesa e se
transformou na principal referencial indigenista do fim do período colonial. Cf.
FARAGE, Nádia. Muralhas do sertão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, ANPOCS, 1991.
14 Cf. ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Volumes 1 e 2. Rio
15 ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2010. (Coleção FGV de bolso. Série História). p. 110.
16 LOPES, Fátima Martins. Oficiais das Ordenanças de Índios: Novos Interlocutores
nas Vilas da Capitania do Rio Grande. In: XXV Simpósio Nacional de História, 2009,
Fortaleza. Anais. p. 1-10. p. 3.
17 O sertão colonial sempre se mostrou em relatos de viajantes e cronistas como o
Resumo
Nestas poucas linhas tentaremos trazer a tona uma parte do clero ainda
pouco estudada nas pesquisas sobre o período colonial, o Clero Secular 2, onde
a maior parte dos estudos se centra no clero regular34. Não trataremos de todo
universo dos padres seculares, mas centraremos nossa análise naqueles que
serviam ao Santo Ofício5. O período por nós pesquisado é caracterizado pelo
momento que a Coroa Portuguesa procura colocar em prática uma política
intensa de desenvolvimento da região, de grande importância para a
de sua ordem religiosa, os franciscanos por exemplo, seguem a Regra de São Francisco
de Assis. Este clero organiza-se em comunidades localizadas em mosteiros e conventos,
tendo como superior imediato, um membro de sua própria ordem religiosa.
4 FEITLER, Bruno & SOUZA, Evergton Sales. A Igreja no Brasil: Normas e práticas durante
a vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo: Editora Unifesp,
2011.
5 Como Comissários do Santo Ofício, cargo acessível apenas a clérigos. Cabia a estes
realizar diligências, coletar depoimentos e realizar prisões, sendo o posto mais alto da
hierarquia inquisitorial local
106
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
Formação Intelectual
6 Sobre isso ver: MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal, Paradoxo do Iluminismo. Rio
de Janeiro. Editora Paz e Terra, 1996.
7 REGIMENTO do Santo Ofício da Inquisição do Reino de Portugal, (1774). Livro I,
Titulo I.
8 PAIVA, José Pedro. "A administração diocesana e a presença da Igreja. O caso da diocese de
Coimbra nos séculos XVII e XVIII", Lusitania Sacra, 2º série, 3, Lisboa,1991, p. 71-110.
9 BOSCHI, Caio. A universidade de Coimbra e a formação das elites coloniais mineiras. Revista
10 MEIRELES, Mário Martins. História da Arquidiocese de São Luís. São Luís: Universidade
do Maranhão/ SIOGE. 1977.
11 MARQUES, César Augusto. Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão.
Diocese do Maranhão.
14 Criado em 30 de agosto de 1677, pela bula Super universas orbis Ecclesias.
novo.
17 VILLALTA, Luiz C; RESENDE, MARIA E. L (orgs.). As Minas Setecentistas. Vol
maiores, impressiona a falta de rigor com que eram conferidas. Dos 197
indivíduos que chegaram ao grau de presbítero no bispado do Maranhão, 108
receberam os graus de subdiácono e diácono no mesmo ano. A maioria, inclusive, no
mesmo dia. Esse número se apura ainda mais quando se tem que destes 108
ordenados, 83 receberam as três ordens maiores também no mesmo ano, ou seja,
receberam os graus de subdiácono, diácono e presbítero em simultâneo.
Uma boa formação era pré-requisito para quem queria exercer funções
como a de vigário-geral, agente mais importante do Auditório Eclesiástico19.
Cabia a ele “toda a administração da Justiça”, “o conhecimento de todas as
causas crimes, e cíveis de foro contencioso” e perante ele se deviam “dar as
denunciaçoens, e querelas”, e devia “inquirir dos delitos, e pronunciar os
culpados, e proceder contra elles a prizão, quando o caso o merecer”20. De acordo
com o regimento do auditório eclesiástico do Arcebispado da Bahia, aquele que
ascendesse ao cargo de vigário-geral deveria “ser formado Doutor, ou bacharel na
faculdade de Sagrados Canones”21.
Felipe Camello de Brito doutorou-se em Cânones, chegando a exercer a
função de vigário geral do Bispado do Maranhão. João Pedro Borges de Góes22,
que recebeu sua provisão de comissário do Santo Ofício em 29 de abril de 1793,
em um processo de apenas 30 fólios, declara que seu pai e irmão servem ao
Santo Ofício no cargo de Familiar, onde também cita ter se doutorado em
Cânones pela Universidade de Coimbra. Fica evidente o quanto o preparo
intelectual aliado a uma estratégia era caminho certo para quem queria ascender
na hierarquia Inquisitorial23. Outro fato interessante acerca deste último é seu
pedido para ser habilitado Comissário do Santo Ofício na cidade de Lisboa,
ficando clara sua intenção em ascender na hierarquia inquisitorial, na medida
em que, aqueles que serviam diretamente ao tribunal Lisboeta teriam mais
facilidade em obter cargos no conselho geral24.
19 Sobre isso ver: GOUVEIA, Jaime Ricardo. A configuração organizacional dos Auditórios
Eclesiásticos: perfis, competências e funções dos oficiais da justiça. O caso de Coimbra.
20 Regimento do Auditório Ecclesiástico do Arcebispado da Bahia, Metropoli do Brasil.
doc1451)
23 RODRIGUES, Aldair. Sociedade e Inquisição em Minas Colonial: os familiares do Santo Ofício
Posses espirituais
25 Sacerdote a quem era confiado o bispado nos períodos de vacância, era escolhido
entre os membros do cabido diocesano.
26 No rito da Tonsura, o candidato ao sacerdócio, tinha uma parte do seu cabelo raspada,
110
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
29 WERNET, Augustin. A igreja paulista no século XIX. São Paulo; Ática, 1987
30 Conforme Livro de Registros de Ordenações 1718-1789. (APEM, 175)
31 Conforme Certidão (AHU_ACL_CU_013, Cx. 27, D. 2561)
32 Conforme Requerimento (AHU_ACL_CU_013, Cx. 12, D. 1084)
33 Conforme Carta (AHU_ACL_CU_013, Cx. 12, D. 1139)
34 Conforme Carta (AHU_ACL_CU_013, Cx. 13, D. 1199)
35 Conforme Carta (AHU_ACL_CU_013, Cx. 13, D. 1200)
111
Colonização e mundo Atlântico
mc121-doc-1926)
44 Conforme Ofício (AHU _ACL_CU_009, Cx. 118, D. 9105)
112
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
falecerem.
50 Conforme Requerimento (AHU_ACL_CU_013, Cx. 27, D. 2514)
113
Colonização e mundo Atlântico
114
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
Considerações finais
60Sobre isso ver: TORRES, José Veiga. Da Repressão Religiosa para a Promoção Social: a
Inquisição como instância legitimadora da promoção social da burguesia. Revista de Ciências
Sociais, 1994.
115
Colonização e mundo Atlântico
Resumo
Sim, a escravidão dos índios foi um grande erro e a sua destruição foi e será uma grande calamidade.
Antônio Gonçalves Dias1
1 In Introdução aos Anais de Berredo, cf. João Franscisco Lisboa, no Jornal de Tímon –
Apontamentos, Notícias e Observações para servirem a História do Maranhão, Tomo
II, 1º vol. (LISBOA, 1994: 88).
117
Colonização e mundo Atlântico
120
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
QUADRO I
Transgressões orbem et civis e punições aplicáveis aos franceses (1612-
1615)
[Pela ordem em que aparecem; MEIRELES (1960: 34-39)2]
TRANSGRESSÃO PUNIÇÃO
Penalidades não letais
Blasfêmia Multa para os pobres de França arbitrada pelo
Conselho, até a 3ª vez, e na quarta vez castigo
corporal de acordo com a qualidade
Desrespeito aos capuchinhos De acordo com o caso e a ofensa
Infidelidade e desobediência De acordo com a transgressão
Perturbar o sossego público De acordo com a transgressão
Furtar pela primeira vez Açoitamento ao pé da forca, ao som da corneta
e obrigação de servir um ano nas obras
públicas, com perda no período, das
dignidades salários e proveitos
Penas de Morte
Embaraço ou perturbação da missão Morte
capuchinha
Atentados contra pessoas e a vida da Equiparam-se ao crime de lesa-majetade; a
colônia: parricídios, atentados, pena é a morte, sem esperança de remissão
traições, monopólios, discursos para
desgostar os habitantes
Encobrir as transgressões acima Morte
Homicídio, se não em legítima defesa Morte exemplar
Furtar pela segunda vez Morte por enforcamento
Furto praticado por criado Morte por enforcamento
doméstico, pela primeira vez
Casos especiais
Duelo Proibido de acordo com o “edito de Henrique,
o Grande”; censura pública aos protetores dos
faltosos
2 O autor tem por praxe não indicar a referência de sua base documental. Por certo, esta
transcrição difere da que publica-se em ABBEVILLE (2002: 169-173), que é de autoria
do historiador César Augusto Marques (1826-1900)
121
Colonização e mundo Atlântico
Violências luso-pernambucanas
122
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
QUADRO II
Situações de violências entre colonos luso-pernambucanos e povos
indígenas
[Pela ordem das menções; MEIRELES (1960: 55-73)]
ANO SITUAÇÃO Descrição
1616 1ª entrada, de Bento Maciel “(…) fez despachar, logo a 11 de fevereiro, o
Parente cap. Bento Maciel pelo rio Pindaré acima,
com quarenta e cinco soldados e noventa
selvagens domesticados, à procura de minas
e veios de gemas e metais preciosos; nada,
porém, lograram encontrar, tendo apenas
movido guerra cruenta contra os Guajajaras,
que defenderam ferozmente seus domínios.”
(p. 56)
1616 Começa a sublevação O capitão Matias de Albuquerque, de
tupinambá em Cumã regresso de São Luís, “foi surpreendido com
a notícia de que os silvícolas, sublevados por
um tupinambá civilizado, conhecido pelo
nome cristão de Amaro, haviam assaltado o
forte de Cumã e trucidado toda a sua
guarnição, estando agora em marcha para
Tapuitapera, com cujos habitantes, seus
parentes, pretendiam passar ao assalto da
123
Colonização e mundo Atlântico
124
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
125
Colonização e mundo Atlântico
(p. 71)
1629 Proibição de mais de duas “Coelho de Carvalho (…) proibiu
entradas e revogação da terminantemente as entradas, salvo duas por
proibição ano e com prévia licença sua e com a
assistência de um capuchinho (sic); Frei
Cristóva, porém, alegando não permitirem
os estatutos (…) recusou-se a atender e o
governado, reconsiderando o ato que
prejudicava os interesses dos colonos,
revogou-o.” (p. 71)
1635 Motim dos colonos em “(...) veio atiçar o povo que, no domingo de
Belém ramos, quebrou na igreja matriz a cadeira do
capitão-mor e saiu amotinado para a rua”,
exigindo a permanência de Antonio de
Albuquerque no governo da capitania. (p.72-
73)
1635 Levante dos tupinambás “(...) Antônio de Albuquerque abafava, em
fins desse ano de 1635, um levante geral dos
tupinambás.” (p. 73)
1636 (?) Assassinato de um frade Coelho de Carvalho morre em Cametá em
capucho 15/9/1636, responsablizado “pelo assassínio
de um dos frades do Convento de S.
Antonio, cometido por seu filho Feliciano
quando de um assalto noturno à casa desses
religiosos por motivo de terem entrado em
choque com o governo em defesa dos
silvícolas” (p. 73).
amplitude deste conflito cruento bastante mais ampla e profunda do que o que
transparece na narrativa de Mário Martins Meireles (1960: 73). Por certo, esta
“guerra dos tupinambás” causou para as cidades e os adventícios “transtornos
sociais e políticos” (ELLIOT, et al.; 1972: 11) que justifiquem os adjetivos
atribuídos àqueles acontecimentos pelo historiador do século XX. De qualquer
ângulo, é visível que houve uma guerra longa e permanente contra os
tupinambás e outras denominações étnicas, e que esta prática social estruturava-
se desde o Estado, com o cargo e a função de “capitão das entradas” e de “chefe
da guerra”, e era persistente porque estruturante da relação social estabelecida
no novo corpus sócio-histórico que se construía, como pode se verificar nas
três tentativas de regulação (pelo jesuíta Luiz Figueira, pelo capucho Cristóvão
de Lisboa e pelo primeiro governador) foram fracassadas pela preponderância
do interesse escravista dos colonos.
O que aparece como “revolta”, “levantamento”, “sublevação” na narrativa
aqui estudada é um acontecimento insuficientemente historiografado e pela
recorrência de sua menção nos trechos observados foi determinante para a
'formatação' do sistema do colonialismo ibérico que funciona após a solução
militar e negociada da concorrência com os demais europeus que aqui
intentaram fixar suas empresas. Com duração não inferior a três anos, esta
perturbação ordem et civis absorveu esforços importantes dos governantes das
capitanias e mobilizou recursos materiais e humanos de monta, como
transparecem alguns números do Quadro II. No entanto, pela solução de
extermínio aplicada ao que também transparece, estaria neste acontecimento
uma causa elementar da crise demográfica que a sucede, que aparecerá em
recorrentes queixas à falta de braços e à dificuldade de sua obtenção, agravadas,
seguramente, pela mortandade da primeira epidemia de varíola entre os
“domesticados”.
É sabido que a Europa neste primeiro período do moderno é pródiga em
revoluções e rebeliões, que são 'classificadas' por estudiosos dedicadas ao tema
de acordo com o contexto social e histórico das sociedades as quais perturbam
com os “transtornos sociais e políticos” (ELLIOT et al., 1972: 11) que
produzem, especialmente atentando para os estamentos sociais em entre-
choque e os “programas” políticos explicitados ou deduzidos. Como classificar
por estes parâmetros produzidos no contexto e em resposta às demandas do
europeu o que foi o movimento liderado, como aparece na narrativa do autor
não-acadêmico, por um protagonista educado por missionários jesuítas e
chamado Amaro?
127
Colonização e mundo Atlântico
1. Por assassinato direto, durante as guerras ou fora delas: número elevado, mas
relativamente pequeno; responsabilidade direta. 2. Devido a maus-tratos: número
mais elevdo; responsabilidade (ligeiramente) menos direta. 3. Por doenças pelo
'choque microbiano': a maior parte da população; responsabilidade difusa e indireta.
128
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
129
Colonização e mundo Atlântico
DA GUINÉ AO MARANHÃO:
AS RAÍZES CULTURAIS MANDINGAS DE COMUNIDADES
NEGRAS RURAIS DO MARANHÃO
Kalil Kaba1
Resumo
2 Yves PERSON, Samori une révolution dyula, Tome 1, Dakar, IFAN, 1968, p.2039
131
Colonização e mundo Atlântico
Civilisations, 1974.
7 BATTUTA, Ibn et OMARI, Al. Visitèrent la ville de Niani.
132
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
A atuação dos escravos africanos teve um duplo impacto. Por um lado, eles foram
trazidos para trabalhar e servir, e, em razão do esforço pessoal e de seu grande
número, contribuíram significativamente para a economia. Por outro lado, eles
trouxeram uma herança cultural de linguagem, estética e filosófica que ajudou a
formar a nova cultura do mundo atlântico. Esses elementos da dupla contribuição
dos africanos estão inter-relacionados.12
Revista de Indias, 2012, vol. LXXII, núm. 255, Págs. 321-348, ISSN: 0034-8341
doi:10.3989/revindias.2012.010
11 Alencastro, Luiz Felipe de. O Trato dos Viventes, formação do Brasil no Atlântico
Em 1775, a entrada de africanos foi intensa e pode ser visto através dos navios nele
encostavam-se ao porto da capital do estado. Nas histórias registradas nos livros de
visitas de São Luís, capital da província do Estado, as viagens do século XVIII,
enquanto que dez eram de qualquer jurisdição do Estado do Brasil, enquanto
dezoito eram da Alta Guiné.17
2006.
________. As Famílias Principais: redes de poder no Maranhão colonial. São Luís: Ed.
UFMA, 2012.
16 BARROSO JÚNIOR, Reinaldo Dos Santos. Nas rotas do atlântico equatorial: tráfico de
134
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
Mundo. In: Entre dois mundos: escravidão e a diáspora africana. São Luís: EDUFMA.
2013. PP:53- 88
20 RODRIGUES, Jaime. O infame comércio. São Paulo: Companhia das Letras. 2005.
p. 30
21 ASSUNÇÃO, Mathias Rohrig. Maranhão: terra mandinga. CMF–Boletim do Folclore
22 AMPATÊ BÁ. Amadou. A tradição viva. In: História geral da África, I: Metodologia e pré-
história da África / editado por Joseph Ki-Zerbo. 2.ed. rev. Brasília: UNESCO, 2010. Pp.
992. P.167.
23 GEERTZ, Gliford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC. 2008.
24 HALL. Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade, DP&A Editora, 1ª edição
Resumo
A Companhia de Jesus, que foi fundada em 1534 por Inácio de Loyola, surge
com um propósito religioso muito claro, que era de garantir a propagação da fé
e para isso lançou mão de diversas estratégias para alcançar seus propósitos. A
Ordem Jesuítica, desde seu nascimento, possui um grande lema que é “Para
maior glória de Deus” e com base nele é possível perceber o modo de proceder
da Companhia ao longo de sua atuação no Grão-Pará. Ou seja, suas práticas e
suas ações, com o passar do tempo, na maneira de atuar.
Convictos de sua missão catequética, os jesuítas lançaram-se ao trabalho de
conversão dos índios, nesse contexto, os aldeamento foram uma dos principais
meios para essa missão, mas os inacianos perceberam a necessidade do
autofinanciamento - capitação de recursos - para a manutenção da obra. Esse
trabalho, ainda inicial, tem a pretensão de abordar a relação que existe entre o
missionação e os negócios, ou seja, entender que os meios que a Companhia de
Jesus utilizou para garantir o projeto salvacionista, tinha como principal
elemento a catequização dos índios, que era a força motriz da Ordem.
AZEVEDO, João Lúcio d’. Os Jesuítas no Grão Pará: Suas missões e a colonização. Belém:
SECULT, 1999.
LISBOA. João Francisco. “Apontamentos, notícias e observação para servirem à
história do Maranhão”. ____In. Obras de João Francisco de Lisboa. São Luís: Typ. de B. de
Mattos, 1865, vol. II.
CANO, Melchior. The Catholic Encyclopedia. Vol. 3. New York: Robert Appleton
Company, 1908.
139
Colonização e mundo Atlântico
MORAES. Francisco Teixeira. Relação histórica e política dos tumultos que sucederam na cidade
de São Luís do Maranhão – 1692. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
Tomo 40 (1877).
RAIOL. Domingos Antônio - Annaes da Biblioteca e Archivo Público do Pará. Tomo II,
1902, Disponível em <<http://ufdc.ufl.edu//AA00013075/00002>>. Acesso em 01
de jan de 2014.
SCHLTY, Mary. Objetivos da Ordem Jesuíta. Centro Apologético Cristão de Pesquisas.
Disponível em <http://www.cacp.org.br/objetivos-da-ordem-jesuita/>. Acesso em
20 de jan de 2014.
SUTTO. Claude (Org). (ed.), Catéchisme des Jésuites, Québec : Université de Sherbrooke,
1982; in-8, [Publications du Centre d'études de la Renaissance de l'Université de
Sherbrooke.].
5 Idem, 2004, p.43
6 Solicitação de Carta de data de sesmaria do governador e capitão-general do Estado
10 SOUZA JUNIOR, José Alves. Tramas do Cotidiano. Religião, Política, Guerra e Negócios
no Grão-Pará do Setecentos. Um estudo sobre a Companhia de Jesus e a política pombalina. Belém:
Edufpa, 2010.
11 ALENCASTRO, Luís Felipe de. O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul.
passos de Clio: Peregrinando pela Amazônia colonial. 1 Ed., Belém-Pa: ed. Estudos
Amazônicos, 2012, p. 36
14 Idem, 2012, p. 37.
142
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
dos monopólios.18 Seu objetivo, por ser antijesuíta, é de destacar a ação dos
inacianos nos negócios e colocá-los como gananciosos e que cuidavam mais das
questões temporais ao invés de se ocuparem com as questões espirituais, como
tantas vezes os jesuítas foram retratados e; tenta deixar claro o acúmulo dos
bens pelos jesuítas.
O governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado declarou que os
religiosos eram senhores de bens que lhes davam rendimentos superiores às
despesas que possuíam, portanto não eram merecedores de receber favores.19
Já Domingos Antônio Raiol afirma que os religiosos possuíam avultadas rendas,
entretanto, consideravam-se pobres, onerados de dividas e sem meios para
satisfazer seus compromissos. No entanto, não se pode esquecer que Raiol é
um historiador do século XIX, período em que o antijesuitismo ainda estava em
voga, devido à Questão Religiosa, na qual os liberais maçons denunciavam o
clero romanizador de jesuitismo.
Raiol segue dizendo que nos colégios havia grandes armazéns em que os
padres recolhiam as drogas dos sertões e que, quando chegavam os navios ao
porto de Belém, os padres abriam feiras, onde vendiam parte dos gêneros. 20 No
entanto, em seguida afirma que os padres não gastavam o que ganhavam com
eles mesmos:
Os vestidos, sendo os mesmos em toda a parte, tinham na capitania a grande
diferença de que muitas das roupetas eram de algodão, tintas na terra, e as capas não
passavam de seis, communs aos religiosos que primeiro sahissem para fóra. Os
chapéus duravam a vida dos religiosos, a quem se davam. Os sapatos de duas solas
eram feitos em casa pelos seus officiaes, de cabedal fabricados nas suas fazendas.
A refeição era mais ordinária do que em qualquer outra parte, reduzindo-se a todo
mantimento gasto que os índios preparavam, arroz, farinha e feijão das suas
fazendas, e manteiga de tartaruga que também lhes faziam os índios. Sendo este o
principal gasto, restavam os gêneros que os padres mandavam vir da Europa para a
sua subsistência, como os vinhos, os vinagres, azeites e farinhas. 21
Como isso, Raiol tenta mostrar o acúmulo dos bens pelos jesuítas e finaliza
ressaltando que as despesas da Igreja não poderiam ser grandes, e que inclusive
a maior parte das festas se faziam sem custos, pois era paga por particulares,
ficando poucas despesas por conta do colégio. Mesmo ressaltando que os
jesuítas viviam com pouco, o autor deixa claro que possuíam seus luxos na
busca de reafirmar as críticas que se propagavam contra a Ordem. Portanto, é
144
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
Além disso, a relação de despesas e receita do ano de 1682 dá uma ideia dos
gastos da Companhia com o Colégio do Pará, que havia sido 745$557 réis de
despesas, mas, que, no entanto, havia arrecado apenas a renda de 462$083 réis,
que somado aos créditos que ficaram no colégio no ano anterior totalizava
938$005 réis, dos quais restaria de crédito, para a Ordem, apenas o valor de
192$448 réis.23
Sendo assim, pode-se inferir que as denúncias acerca das práticas
econômicas e do acúmulo de bens estavam cheias do sentimento antijesuítico
que vinha se formando e dos interesses na capitação de recursos financeiros
para o Estado e o amadurecimento da ideia de secularizar “as propriedades das
ordens, redistribuindo-as aos moradores”.24
O sucesso jesuítico nos negócios e na acumulação de bens materiais provém
do fato dos jesuítas, além de adequarem o trabalho de catequese às condições
encontradas na Amazônia, logo perceberam que os recursos do Padroado eram
muito irregulares e que precisavam obter recursos próprios para autofinanciar
seu trabalho religioso. Para realizar a catequese e alcançar seus objetivos, a
Companhia de Jesus enfrentou inúmeras dificuldades “adaptando-se sempre às
circunstâncias e em nome da maior glória de Deus”.25 Ou seja, os inacianos
compreenderam a necessidade dessa adaptação para romper os desafios que o
lugar impunha.
Era preciso aceitar a realidade do jeito que ela era e dessa forma conceitos,
da própria Ordem, deveriam ser alargados para dar conta da realidade da aldeia.
Para isso foram feitas adaptações, como no caso da grande contradição entre
os negócios jesuíticos, com a captação de recursos, e o voto de “pobreza”
defendido pelos inacianos de forma pragmática. Sendo assim foram ocorrendo
claramente uma mudança de perspectiva na Ordem, ou seja, compreendia-se,
como Rafael Ruiz afirma, que “a falta de bens materiais poderia influenciar e
<<http://nucleodeestudosibericos.wordpress.com/2009/08/16/a-experiencia-
brasileira-nas-missoes-jesuiticas/>>
146
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
Resumo
“O que é Moçambique?”
COVANE, Antonio Luís. O nacionalismo econômico de Salazar no Sul de
Moçambique. In. Anais do II colóquio Internacional – I Simpósio em História Contemporânea -
O Colapso das ditaduras: Rupturas e Continuidades. Universidade Estadual do Maranhão, São
Luís, 2014.
OLIVA, Anderson Ribeiro. A História da África nos bancos escolares. Representações
e imprecisões na literatura didática. Estudos Afro-asiáticos, v. 25, n. 3, p. 421-461, 2003, p.
458.
KI-ZERBO, Joseph. Introdução. In. História Geral da África. São Paulo: Ática; Paris:
UNESCO, 2010. v. 1: Metodologia e pré-história da África, p. XXXI.
148
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
4 YOUNG, Robert. Desejo Colonial. Hibridismo em teoria, cultura e raça. São Paulo:
Perspectiva, 2002.
5 KI-ZERBO, op. Cit; BARBOSA, Muryatan Santana. Eurocentrismo, História e
d’África: a temática africana em sala de aula. São Paulo: Cortez, 2007, p. 46.
149
Colonização e mundo Atlântico
História geral da África, VII: África sob dominação colonial, 1880-1935. Brasília: UNESCO,
2010, p. 23; 35.
11 BARROS, A. Evaldo A. As faces de John Dube. Memória, História e Nação na África
13 Idem, p. 123.
14 Idem, p. 115.
15 COVANE, op. cit.
151
Colonização e mundo Atlântico
Isto fica claro na proliferação de revistas, publicações e congressos que tinham diferentes
espaços coloniais como objeto, bem como no fortalecimento das instituições coloniais já
existentes e na criação de novos centros de produção: a “questão ultramarina” estará
na “ordem do dia” das preocupações do Estado Novo em Portugal; materializada
no Ato Colonial de 1930, a “solidariedade natural” do império colonial encontrará
palco de debate e de ritual em congressos e exposições que se sucederão ao longo da
década de 193019.
152
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
[...] propunha ainda outras imagens – e com elas, paradoxos e projetos -, mas não
se tratou só de imagens: os portugueses não só “viram”, mas também “cheiraram”
e “escutaram”, “sentiram” [...] e enquanto caminhavam por pavilhões que faziam
referência à sua história (da qual seriam os protagonistas no presente) e mesmo a
seus projetos futuros, eram “observados” pelos 324 indígenas que vieram de todas
as colônias para serem expostos na I Exposição Colonial 22.
153
Colonização e mundo Atlântico
154
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
negligencia – que, naturalmente, não teria sido percebida pelo [...] Presidente,
não relacionado com a música indígena, nem mesmo, talvez, por qualquer outro
dos Europeus presentes”. Neste ponto percebe-se que Tracey reconhece os
limites da cultura ocidental em relação à cultura tradicional, especialmente em
África. Importante discutir neste ponto o conceito de “antropologia dos
sentidos” e, também, “cultura acústica” 27, segundo o qual significa “a cultura
que tem no ouvido, e não na vista, seu órgão de recepção e percepção por
excelência”.
É importante salientar que esta consistia certamente em uma ocasião
significativa para se recriar a timbila, uma reinvenção no encontro de diferença.
É bem provável que aqui comece a haver uma maior homogeneização cultural.
Português em Moçambique. Campinas, SP: [s. n.], 2008; WANE, op. cit.
155
Colonização e mundo Atlântico
156
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
BELÉM E ANGOLA:
REDES COMERCIAIS DO TRÁFICO (1777-1831)
[D. João Rodrigues de Sá e Melo], Lisboa, 02 de março de 1807. Pará, AHU (Avulsos),
Cx. 139, D. 10595.
159
Colonização e mundo Atlântico
forneceo, e que ainda pela praça não vejo quaes sejam os que se lhe substituem; pois
verá V.Magestade na sobredita parte da entrada das embarcações, qual foi
insignificante o numero com que se socorreu estes moradores, e elles sem esse
fornecimento, não se lhes fiando, e não lhes vendendo a preços comodos, não
poderam avançar-se aos maiores progressos, para que este Estado, sem dúvida,
ofereceu as mais própias, e admiráveis vantagens.9
9 CARTA de João Pereira Caldas para a rainha. Pará, 25 de janeiro de 1780. AHU, Pará
(Avulsos) Cx 84, D.6917.
10 Ver os números em MacLACHLAN, Colin M. “African Slavery and Economic
84, D. 6905 e MAPA dos escravos conduzidos para a cidade de Belém do Pará no ano
de 1779, AHU- 26 de janeiro de 1780, Pará, Cx84, D. 6921.
162
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
[...] houve, porém desde o início condições bastante desfavoráveis para a introdução
do negro escravo: não só os recursos dos colonos eram escassos como o negro mal
se adaptaria ao tipo de atividade econômica mais rentável, o extrativismo.24
Arthur Cezar Ferreira Reis, um pioneiro no tema, que desde 1961 ressaltou
a relevância do negro no aspecto social e salientava para a necessidade da
investigação do mesmo na Amazônia, aponta justamente para a questão da
pobreza dos moradores que impossibilitava a importação de trabalhadores
africanos.
A população era, porém, pobre, muito pobre mesmo. Escasseavam os recursos para
a importação do braço africano. E ainda, apesar de todas as dificuldades, naturais
ou criadas, o contingente gentio local era o suficiente.25
A miséria dos colonos fazia com que, mesmo quando adquiriam escravos
obtinham os de “má qualidade”, ainda por conta de não possuírem o suficiente
para oferecer um preço atrativo aos mercadores, ao menos é o que afirma
Pereira, “também, dada à pobreza dos negociantes do Pará, os que se
incumbiam de introduzi-los não os podiam pagar por preços mais vantajosos
oferecidos por negociantes de outras capitanias”.26
Foi justamente “a pobreza da região Amazônica, o antigo Estado do
Maranhão e Grão-Pará, que evitou um sistema de escravidão negra tal como
caracterizou o Nordeste do Brasil” pontua Sue Gross.27 Como já se notou o
pauperismo dos moradores é apontado pela historiografia, como um fator
restritivo, ao ingresso do cativo africano.
É salutar mencionar que a economia “paraense” na segunda metade do
século XVIII não vivenciava momento de penúria como o evidenciado, ao
contrário. Nos escritos de Manoel Barata desde 1773 até 181528 o Pará sempre
exportou mais do que importou de Portugal. É preciso destacar que, no ano de
1796, quase duas décadas após a extinção do monopólio, Maranhão e Pará
exportaram mais do que importaram da metrópole e neste ano ficando abaixo
apenas do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco.29
As investigações no campo da antropologia nas décadas de 60 e 70 não se
deixaram limitar pelas explicações socioeconômicas que diziam que o tráfico de
africanos não teve vigor suficiente para que o negro ocupasse um espaço
significativo na sociedade paraense, neste contexto surgiram estudos voltados
para a investigação do negro na região.30
1806 1807, 1808, 1809. BARATA, Manoel. Formação Histórica do Pará. Belém: UFPA,
1973. pp.301-306.
29 SIMONSEN, Roberto. “História econômica do Brasil (1500-1820)”. São Paulo:
Getúlio Vargas & Univ. Fed. do Parti, 1971. 336 p.; VERGOLINO e SILVA, Anaiza.
“Alguns elementos para o estudo do negro na Amazônia”. Belém, Museu Paraense E.
Goeldi, 1968. (Publ. Avulsas, 8); O negro no Parti: a noticia histórica. Antologia da Cultura
Amazônica. Belém, Amazônia: Ed. Culturais, 1971. (Antropologia e Folclore, v. 6). “O
Tambor das Flores; estruturação e simbolismo ritual de uma Festa da Federação
Espírita Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros no Pará”. Campinas. Inst. Filosofia
e C. Humanas, 1973. (Projeto de Pesquisas para tese de Mestrado em Antropologia
Social, Univ. Estadual de Campinas).
165
Colonização e mundo Atlântico
sobre a mão- de- obra africana na Amazônia seiscentista”. Belém: Humânitas, vol.20, n°
1/2 (2004), pp. 141-63.pp. 105-106
166
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
Parte deste porto para o de Benguela e dalí para o de São Paulo de Assunção o navio
Nossa Senhora da Conceição e São Francisco de Paula de que é Mestre Manoel
Gomes da Ressureição e senhorio João Teixeira de Barros como destino de fazer
em qualquer um dos portos ou em ambos uma armação de 400 a 600 escravos e se
transportar para a Capitania do Para.40
Brasil e o Brasil na África”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; UFRJ, 2003, p. 89; o autor
nos lembra de que o tráfico bilateral já era um conceito antecipado por Verger.
39 OFÍCIO (minuta) do [secretário de estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo
167
Colonização e mundo Atlântico
168
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
Introdução
IV. Baseada na edição de Cândido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. 1998.
Pag..900. Disponível em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm
4 O termo se refere ao que não está explicitamente escrito, mas que pode ser inferido
169
Colonização e mundo Atlântico
6PAIVA, Eduardo França. Escravos e libertos nas minas gerais do século XVIII
Estratégias de resistências através dos testamentos. São Paulo: Annablume, 2009; pag.
47-48.
170
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
[...] contêm ricas e variadas informações sobre múltiplos aspectos da vida do morto,
bem como da sociedade em que ele viveu. Por isso, nas mãos do historiador, eles
podem ser transformar em testemunhos sobre a morte, mas acima de tudo sobre a
vida, em suas dimensões material e espiritual8.
Tal como Philippe Ariés e Georges Duby, em sua celebre coleção “História
da vida privada”, os estudos a partir dos testamentos nos proporcionam uma
imersão ampla e profunda no universo do privado, descortinando uma teia de
relações que nos contam muito mais que o aspecto individual, mas sim um
conjunto de leis que regem a sociabilidade e permite criar espaços de
conformidades e resistências ao que é imposto por determinada época e local.
Essas definições
[...] assim como as diversas formas de sociedade que conhecemos nesta história, é
essencialmente definida pela criação imaginária. Imaginário, neste contexto, não
significa evidentemente fictício, ilusório, especular, mas posição de novas formas, e
7 LE GOFF, Jacques. A História Nova. In: LE GOFF, Jacques. A história nova. 4. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 1998., p. 8
8 FURTADO, Junia Ferreira. A morte como testemunho da vida. IN: PINSKY, Carla
Bassanezi e LUCA, Tania Regina de. O Historiador e Suas Fontes. 1. Ed., Saao Paulo:
Contextos, 2011, pag. 93.
171
Colonização e mundo Atlântico
posição não determinada, mas determinante; posição imotivada, da qual não pode
dar conta uma explicação causal, funcional ou mesmo racional9.
[...] declaro que por minha morte deycho forros e izento de todo captiveiro ao negro
Manuel da nascão mina cazado com Maria da nasção [ilege.] minha escrava a qual
XVIII: as estruturas do cotidiano. São Paulo, Martins fontes, 199 5, v. 1. pp. 89 a 160.
172
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
por minha morte tão bem deycho forra e da mesma forma deycho forro por minha
morte a um filho dos ditos meus escravos por nome João.
Declaro que possuo hu’negro por nome Domingos da naçam Sejé ao qual por
minha morte deycho forro11.
Declaro que possuo hu’negro por nome Domingos da naçam Sejé ao qual depois
que de eu falecer o deyxo a qualquer um dos meus Testamenteyros que asseytar
minha Testamentária o que llhes deycho em remuneração do trabalho q’ com ella
há de Ter // Declaro que possuo outro escravo por nome Francisco de nasção
[ileg.] o qual poderão meus Testamenteyros vender logo depois de meu falecimento
para com o dinheiro delle darem comprimento aos meos legados. 12
[...] Em prº lugar pesso ao mosso José Bruno que criei em minha caza em segundo
lugar ao R.Pe.M.el de Souza queirao’ por servisso de D.s {{119v}} de Deos e por
me fazerem mce serem meus testamenteiros [...]// E pa que não haja dúvida algua’
soubre meu prº testamenteiro por ser filho de hua’ minha escrava por nome Silvana
já desde agora lhe dou plena Liberde pello amor de Dº [...].
E ainda:
[...] tenho disposto instituo Universal herdeiro pello amor de Deos e por me
ajudar com todo cuidado no trabalho das minhas fazendas ao dito meu Prº
testamentrº Joze Bruno de Bayrros [...]14
Dos testamentos analisados até o momento, constatamos 62 alforrias. Em
90% destas, encontram-se justificações que levam a crer na existência de
relações de cumplicidades, afeto, ou ainda ousadia e esperteza, como o caso de
Thereza, escrava mulata de Ana dos Anjos, em São Luís do Maranhão, que se
173
Colonização e mundo Atlântico
envolvem, em 1765, num processo judicial para adquirir a sua alforria e cujo:
“causa de liberdade que moveram uns parentes se acha por apelação (na corte
de Lisboa) [...]” 15.
Como essa escrava conseguiu mover tal litígio, as causas e os argumentos
que utilizou, ou mesmos os resultados dessa disputa, a documentação que
dispomos não nos responde, contudo, sabemos que dificilmente o Estado
envolvia–se em questões de manumissão de escravos, exceto em questões
excepcionais. Conforme Ligia Bellini16 e Kátia de Queiros Matoso17 o Estado
se manifestava quando estava em jogo interesses do próprio Estado como em
relação ao contrabando e questões de segurança pública.
Das alforrias concedidas nos testamentos analisados, muitas contêm causa
restritiva que varia desde a permanência do “ex–cativo” com os herdeiros de
seu senhor, até a morte ou casamento destes, ou até mesmo em mandar dizer
missas em espaços de 5 a 30 anos; há aqueles que não demonstram motivos
qualquer pela carta de alforria; e poucas usaram o termo “por escrúpulos”,
porém não fica evidente o porquê desse motivo; boa parte das alforrias é doada
pelos “bons serviços que me tem feito”, ou “pela lealdade com que me tem
servido”, ou ainda “por que o criei em minha casa”, ou simplesmente pelo o
amor de dar.
Essas justificativas nos fazem perceber, nas entrelinhas da documentação,
certos tipos de relacionamentos cuja condição básica para o surgimento foi a
proximidade. O contato mais íntimo e cotidiano fazia do sujeito escravizado
uma parte ativa na vida diária do senhor, ao ponto de acreditarmos que este
poderia o tratar como ser subjetivo, isto é, alguém capaz de sentir, pensar e
tomar suas próprias decisões podendo, portanto, merecer a sua preferência, a
confiança e mesmo o seu amor.
Esta visão contraria a historiografia da escola paulista, que via o sujeito
escravizado apenas como uma mercadoria e, portanto, incapaz de produzir
cultura. Conforme QUEIROZ18
A análise dos testamentos nos leva a crer na existência de relações para além
das coercitivas, colocando o escravo como um participante ativo de uma
sociedade sendo capaz, não só, de resistir ao sistema imposto a ele, mas também
de negociar sua vivência dentro dele. Deste modo compartilhamos da ideia de
Michel de Certeau para compreender o universo da pesquisa a que me
proponho. Em sua invenção do cotidiano ele afirma:
176
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
[...] Possuo mais os Escravos seguintes pretos sem embaraço algum no seu cativeiro;
a saber, João, José, e Caetano, e assim mais huma preta por no Por nome Maria
Clara com os filhos seguintes Felipe, Manoel, Vicente, Maria, Raimunda, e uma de
peito [...] Declaro que os Escravos q’ assima tenho nomeados, estando em
companhia de meus testamenteiros, lhe consignarão o tempo de Seis mezes para
dentro delles buscares Senhores que os comprem a Sua satisfação, e os ditos meus
testamenteiros os venderão pelo que justamente forem avaliados, dando lhe algum
tempo aos compradores, que virem convenientes para a satisfação do seu preço, o
que aSsim lhes permittam pelo bom serviço que me tem feito. [...]. 24
Essa situação não é um caso isolado, pois, por mais que hoje possa parecer
ambígua, na visão do senso comum, e que fique claro apenas no olhar de hoje,
a escravidão brasileira criou relações nas quais o escravo podia receber
reconhecimento e afeição ao mesmo tempo em que garantia renda e lucro. A
decisão tomada pelo senhor em dar aos seus escravizados o direito de escolher
novos donos ao agrado destes demonstra que as relações escravistas permitiram
ao sujeito escravizado ocupar papeis ativos na dinâmica social dos senhores.
Perceber decisões como a de Jose Alves apenas como simples ações de um
senhor benevolente é admitir o escravizado como inativo nesse meio social,
como sendo incapaz de fazer uso da sua subjetividade, de não extrapolar os
limites que a escravidão impunha e de não encontrar meios para resistir a esta.
Escolher, nesse caso não é um mero “presente”, mas sim um elemento
conquistado, provavelmente, através de criatividades, seduções e negociações.
Este senhor garantiu somente um direito a esses escravizados: o de
escolherem novos donos, entretanto isto não deixou de ser um ganho
considerável a eles. O comércio urbano neste período encadeava relações
sociais de trabalho bastante peculiares, podendo o escravo gozar um pouco de
autonomia econômica. Como demonstra o Testamento de João Lourenço
Rebello, natural da Vila de Santo Antonio de Alcântara, no Maranhão, o qual,
em 1789, devia a seu escravo, como ele mesmo afirma: “Devo a meu escravo
Francisco Mandinga quarenta mil réis os quaes meus testamenteiros pagaram
com toda a brevidade a dita quantia ao dito meu escravo”. 25
O fato de o senhor afirmar que devia dinheiro a seu próprio escravo, nos
leva a crer na existência de acordos sistêmicos, que permitiam a acumulação de
pecúlio, e fortalecia uma intricada rede de solidariedade constituída ao logo das
relações sociais.
No Testamento do português José Ferreira da Cunha, natural da Vila de
Guimarães, no Arcebispado de Braga, percebemos mais claramente esse jogo
de negociações comercias, uma vez que o testador-comerciante colocava-se
como credor de alguns escravos e devedor de outros, como explicita esse trecho
de seu testamento: “Domingos criolo escravo de Donas Lourença moradora no
[ilegível]/ deve-me/ quatro mil reis [...]. Deve-me o criolo Bonifácio dom dito
oitocentos reis [...]. Devo mais a hum preto de Thomas Correya nevecentos
secenta”26.
O trato com o comércio, movido geralmente pela esperteza e carisma dos
vendedores e das vendedoras de ganho, transformava as relações escravistas em
Considerações finais
Resumen
Introducción
[…] aquellos indios que llevaba llamaban Bohío, la cual decían que era muy grande
y que había en ella gente que tenía un ojo en la frente; y otros que se llamaban
Canibales, á quien mostraban tener gran miedo. Y diz que vieron que lleva este
camino, diz que no podían hablar porque los comían, y que son gente muy armada3.
El término caníbal es, pues, una categoría dentro de la lengua arawak para
clasificar a sus enemigos; los caníbales, y más tarde se retomó para crear un
estereotipo de los indios del Nuevo Mundo. El interés de Colón sobre el tema
se debe principalmente al lugar donde habita dicho grupo. En sus descripciones,
los caníbales están asociados a riquezas y a los árboles de canela, que tanto
anheló. No obstante, en su nutrida y gran imaginación con claros referentes
medievales, Colón ya había prefabricado una imagen de los caníbales.
Días antes, cuando su Almirante mostraba a los arawak lo que estaba
buscando: pimienta, canela, perlas, entre otros productos, Colón describe en su
Diario de abordo a los caníbales como “hombres de un ojo, y otros con hocico
de perros, que comían los hombres, y que en tomando uno lo degollaban y le
bebían su sangre, y le cortaban su natura”4, que ya están presentes en el Il Milione
de Marco Polo (1254–1324), cuando describe a los nativos de las islas Angaman
(o Andaman). “No hacen asco a carne alguna, pues comen carne humana. Sus
hombres son muy monstruosos, pues hay unos que tienen cabeza de perro y
ojos parecidos a los caninos”5. Y no es de extrañar que Colón retome estas
características para darles forma a los caníbales de América, pues creyó estar en
Asia. En su imaginario, los habitantes de las islas Angaman y los caníbales
compartían la misma forma: monstruos gigantes con cabeza de perro y un solo
ojo.
Los atributos que Colón retoma no solo de Marco Polo hizo que los
caníbales del Nuevo Mundo, fueran vistos como parte de las leyendas de
Heródoto; gigantes de un solo ojo en la mitad de la frente y con un
temperamento terrible, y hombres con cabeza de perro que devoran carne
humana6. Elementos de la mitología griega y egipcia, que estaban fuertemente
presentes en la cosmovisión europea de aquella época. De modo que al intentar
de explicar qué es la antropofagia, Cristóbal Colón lo hace con las rejas del
pensamiento antiguo7.
Aunque Colón no observó directamente la práctica de la antropofagia entre
los indios del Nuevo Mundo y de hecho, niega la existencia de monstruos en la
3 COLON, Cristóbal Relaciones y cartas de Cristóbal Colón. Madrid, Biblioteca Clásica, 1892,
p. 72.
4 Ibíd., p. 55.
5 POLO, Marco El libro de Marco Polo anotado por Cristóbal Colón, 2014, p. 115.
6 CHICANGANA-BAYONA, 2008, p. 159.
7 GRUZINSKI, Serge Las cuatro partes del mundo. Historia de una mundialización. México,
colonial en América; su lectura, como bien lo señala Jorge Chen, debe de ser
diferencial y distinta de ellas10.
Las imágenes de la antropofagia durante el siglo XVI tienen la misma validez
que el dato etnográfico, por el simple hecho de que también nos proporcionan
información. Las ilustraciones presentan una visión global, una propaganda fide al
servicio de la Monarquía Católica, con lo que se creó una de las primeras
políticas públicas internacionales: El 29 de agosto de 1503 se publicó en una
real cedula, el decreto oficial que permitía hacer cautivos y vender como
esclavos a los indios que practicaban la antropofagia11.
La siguiente generación de exploradores y misioneros que llegaron al Nuevo
Mundo, tenían una visión global de la antropofagia como una práctica inferior
e inaceptable y gracias a este decreto tenían luz verde, por así llamarlo, para
esclavizar y comercializar con todos aquellos indios que practicaran el
canibalismo. Pero, ¿cómo fue definida la antropofagia en América? Para
aproximarnos a una respuesta realizaré un recorrido por el Nuevo Mundo a
través de los cronistas, que registraron esta práctica.
10 CHEN Sham, Jorge. “Las inscripciones corporales del indio: canibalismo y desnudez
en Pedro Cieza de León”, Filología y Lingüística No 39, Vol. 1, 2013, p. 77.
11 HELENA Parés, Carmen. Huellas KA-Tu-Gua. Cronología. Caracas, Universidad
alimentaban, sino sus deidades. “… que dizen q’ es como la que está en los
infiernos con la boca abierta, y grandes colmillos para tragar las ánimas”13.
De ser así como lo plantean López de Gómara y Díaz del Castillo, existe una
restricción sobre las partes del cuerpo humano que no se comían entre los
aztecas: el corazón y la piel. El primero era la ofrenda principal para el dios
Huitzilopochtli; mientras que el segundo se utilizó como disfraz para la danza
ritual. Pero también nos habla de otro elemento de suma importancia durante
la práctica del sacrificio, las relaciones que se crean a partir de la ingesta del
cadáver.
Fray Bernardino de Sahagún nos amplía la información en su Historia general
de las cosas de la Nueva España (1580). Para él la antropofagia entre los aztecas
reafirma las relaciones dentro de su grupo doméstico14. También era una
actividad restrictiva, el dueño del cautivo no come la carne del sacrificado,
puesto que a través de éste él se define así mismo, el “otro”. Asimismo, se
buscaba estructurar las relaciones no sólo al interior del grupo doméstico, sino
también fuere de éste15. Incluso, por medio de la antropofagia también se
buscaba la movilidad social16.
13 DÍAZ del Castillo, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España. Madrid,
Imprenta del Reino, 1632, p. 72.
14 SAHAGÚN, Fray Fernandino de, Historia General de las Cosas de la Nueva España.
tierra-firme del mar océano, Madrid, Real Academia de Historia, 1852, p. 192.
18 OVIEDO apud BLANCO, Villalta. Antropología Ritual Americana. Buenos Aires,
Fray Pedro de Simón y las ceremonias de victoria entre los indios Pijaos
24 SIMÓN, Fray Pedro de. Noticias historiales de las conquistas de tierra firme en las Indias
Occidentales Madrid, 1627, p. 322.
25 Ibíd.
26 Ibíd.
186
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
prisioneros. Les ofrecían una mujer para que viviera en concubinato con ella 27.
Muchas veces hasta dos o tres mujeres. Incluso, como lo señala el jesuita Pedro
Corrêa, hasta la hija del caudillo principal de la tribu 28. Pero existía una clara
diferencia de género en este trato. Las mujeres capturadas no tenían derecho a
un “marido”, como lo comenta Jean de Léry29.
Si la mujeres resultaban embarazadas, los hijos de esta relación eran
educados bajo los valores y preceptos del grupo, pero cuando llegaban a cierta
edad eran sacrificados y devorados como cualquier otro cautivo 30. Viveiros de
Castro señala que la mujer del cautivo era de preferencia una hija de la hermana
de su futuro matador31. El sacrificador mata, pues, a los hijos y al esposo de su
sobrina. De ser así, qué relación tenían.
Para el sacrificio, los prisioneros se decoraban con pintura, de la misma
forma que los travesaños donde después serían sacrificados. El rostro, según
Corrêa, era pintado de color azul, pero en otras ocasiones también les colocaban
una capucha de cera adornada con plumas de distintos colores, similar a la de
los travesaños32. En esta etapa del ritual se confeccionaba una cuerda llamada
massurane33, que servía para atar el cuello de los prisioneros. Jean de Léry nos
señala que dicha cuerda es una fibra de árbol llamada uyire (piel de árbol) y es
muy semejante a la tilia europea.34
Mientras que las mujeres hervían agua con pedazos de mazorca en grandes
vasijas, el tupinambá que debía matar al prisionero, que Staden lo identificó
porque su cuerpo estaba pintado de marrón con ceniza35, se paraba frente a los
cautivos con el Iwera Pemme en las manos y comenzaba el diálogo ritual entre
ellos36. Al finalizar la charla, los hijos y el esposo de su sobrina recibían varios
golpes en la nuca y con ello, el sacrificador adquiría un nuevo nombre 37. De
Léry observó que también se hacían incisiones también en el pecho, en los
27 STADEN, Hans. Suas Viagens e Captiveiro entre os selvagens do Brasil. São Paulo, Rua
Direita no 6, 1900, p. 147.
28 CORRÊA, Pedro. Cartas Jesuiticas II. Cartas Avulsas 1550-1568. Rio de Janeiro,
187
Colonização e mundo Atlântico
Conclusiones
188
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
Resumo
A narrativa e a pesquisa
3 AMADO, Janaína. “Região, sertão, nação”. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro,
vol. 8, n° 15, 1995, p. 149.
4 MALDI. Denise. De confederados a bárbaros: a representação da territorialidade e da
fronteira indígenas nos séculos XVIII e XIX. Revista de Antropologia. São Paulo,
USP, v. 40, n. 2, 1997, p. 92.
5 Ibidem., p.191.
6 NUNES, Benedito. Narrativa histórica e narrativa ficcional. In: RIEDEL, Dirce (org.).
190
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
Estratégias de ocupação
A vila de Bragança foi fundada em 1754. Antes disso, esta vila era
denominada Souza do Caeté e pertencia a capitania do Caeté, uma capitania
privada doada a Álvaro de Sousa e repassada a seus herdeiros. Somente em 1753
no governo de Mendonça Furtado a capitania do Caeté foi extinta e anexada à
193
Colonização e mundo Atlântico
contrário criou novos problemas. Até porque a mudança dos índios foi de
espaço físico e não de princípios. Podemos fazer uma associação ao que Patrícia
Sampaio defende. Para a autora o fato dos índios durante o processo de
descimento terem sido descidos e aldeados em locais distantes de suas antigas
aldeias não era motivo que lhe desmotivaria de fugir, pois era possível
reestabelecer uma vida em liberdade formando um mocambo.18 O
deslocamento da povoação de Mutuoca não resolveu ou extinguiu os sujeitos
indesejados dessa área de fronteira, pois estes poderiam formar novas
comunidades em outro lugar, receber a proteção de outras povoações e até
mesmo a nova povoação de Arroio dar cobertura e proteção aos erradios da
fronteira em áreas mais distantes do rio.
Patrícia Sampaio afirma que “demarcar novas fronteiras para compreensão
desse processo, não significa expurgar-lhe a violência e, mesmo ainda, do que
isso representou para centenas de etnias que perderam suas referências de
identidade e territórios”. Para a autora “dar destaque apenas à sua face mais
violenta, faz com que se esvaziem as intervenções de todos os personagens que
acompanhamos até aqui, em um esforço brutal para sobreviver em um mundo
sempre desigual”.19
E, nesse sentido a forte interação entre indígenas, homens brancos pobres e
negros que ao longo dos séculos sempre foi muito freqüente, gerando muitas
vezes a dificuldade de distinguir o espaço e a identidade de cada um se manteve.
Na região do Turiaçu essa relação sempre foi muito intensa. As questões
identitárias dos sujeitos não eram, em sua maioria, de cunho étnico, mas
espacial.
A concepção de fronteira atribuída pelo governo português era ambígua,
pois ao tempo em que se estabelecia um limite físico enquanto fronteira, essa
concepção estava atrelada a ocupação do espaço, o que levou a uma
intensificação da descrição e proteção desses espaços por meio da ocupação.
Pois, se nos embates com as capitanias vizinhas o governo do Pará se valia das
delimitações físicas para impor e justificar suas ações dentro da linha imposta
pelo rio. Internamente (em fins do século XVIII e inicio do XIX) a fronteira
foi concebida, sobretudo, como área de trânsito que necessitava está
“protegida” e preparada para tal. Por essa concepção é que se acabava
denominando regiões que levavam ao rio Turiaçu como área de fronteira e que
se buscou abrir estradas e povoar, por vias legais, suas margens, a fim de garantir
tal intento. Daí o porquê da ocupação legal da região do Turiaçu ou da fronteira
do Turiaçu ter se dado, principalmente, em um sentido transversal ao rio, pois
196
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
Na realidade – como esta era uma fronteira marcada pela transitoriedade dos
sujeitos – estes acabaram desenvolvendo características identitárias próprias e
ambíguas, muitas vezes contrarias às idealizadas pelo projeto de ocupação e
colonização traçado pelas autoridades que representavam o governo português
no Pará ou no Maranhão. Mesmo que – no final do século XVIII - as forças do
governo sempre estivessem tentando melhorar sua presença na região com o
objetivo de transmitir ou impor os princípios para ocupação, a obediência e a
vassalagem norteadores desse processo nunca foi efetivada com muito sucesso.
O olhar tardio do governo português sobre a região e o longo período em
que Grão-Pará e Maranhão compuseram juntos um mesmo Estado parece ter
contribuído para esse cenário. Pois, durante a existência do Estado do Grão-
Conclusão
199
Colonização e mundo Atlântico
Introdução
2 Ver, dentre outras obras: ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os Vassalos D’El Rey
nos confins da Amazônia: a colonização da Amazônia Ocidental. 1750-1798. Dissertação
(Mestrado em História), Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade
Federal Fluminense, Niterói, 1990; ALMEIDA, Rita Heloísa de. O Diretório dos Índios:
um projeto de civilização no Brasil do século XVIII. Brasília: Universidade de Brasília,
1997; SAMPAIO, Patrícia Melo. Espelhos Partidos: etnia, legislação e desigualdade na
Colônia. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2011; SOUZA
JÚNIOR, José Alves de. Tramas do Cotidiano: Religião, Política, Guerra e Negócios no
Grão-Pará do Setecentos. Um estudo sobre a Companhia de Jesus e a política
Pombalina. Tese (Doutorado em História). Programa de Pós-Graduação em História
Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.
3 COELHO, Mauro Cezar. Do sertão para o mar. Um estudo sobre a experiência
5 DIRECTORIO que se deve observar... §§ 27-33; 60-63, 65-69 e 71-73; 74; 34. In:
Idem.
6 FRAGOSO, João & GOUVÊA, Maria de Fátima. Introdução. In: FRAGOSO, João
& GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). Na Trama das Redes: política e negócios no
Império Português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2010, p.
15-16.
7 HESPANHA, António Manuel. Antigo Regime nos trópicos? Um debate sobre o
modelo político do império colonial português. In: FRAGOSO, João & GOUVÊA,
Maria de Fátima (orgs.). Na Trama das Redes: política e negócios no Império Português,
séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2010, p. 72.
8 Auto de devassa da Vila de Cintra [28/03/1764] – APEP, códice 145, documento 11;
Auto de devassa da Vila Nova Del Rei [29/03/1764] – APEP, códice 145, documento
14.
202
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
9 APEP, livro 19, ver o documento 40, folha 48 e o documento 90, folha 101.
10 Documento do alferes de Infantaria do primeiro terço auxiliar e oficial da secretaria,
Domingos Gonçalves de Abreu [em anexo ao requerimento do primeiro oficial da
secretaria do governo do Estado do Pará e Rio Negro, Valentim Antônio de Oliveira e
Silva, para a rainha D. Maria I, em 05/10/1793] – AHU, caixa 103, documento 8180;
Requerimento do tenente coronel do segundo regimento de infantaria auxiliar do Pará,
Jerônimo Manuel de Carvalho [para a rainha D. Maria I, anteriormente a 03/03/1797]
– AHU, caixa 108, documento 8545. Sobre a organização militar no Grão-Pará durante
a segunda metade do século XVIII, e a influência que tal organização tinha do reino,
ver: (NOGUEIRA 2000:28-64).
11 Consulta do Conselho Ultramarino, em 22/12/1778 [em anexo ao requerimento de
anexo ao requerimento do Sargento Mor de Auxiliar, Manuel José de Lima, para a rainha
D. Maria I, em 14/12/1786]. AHU, caixa 96, documento 7610.
203
Colonização e mundo Atlântico
quando foi preso. No cárcere, relatou minuciosamente sobre uma série de aspectos
relacionados a região amazônica: a sua riqueza hídrica, mineral, de sua fauna e de sua
flora. Descreveu questões variadas acerca do solo, dos produtos do sertão, da
agricultura, dos costumes indígenas, do contato entre brancos e índios, além de vários
outros pontos.
205
Colonização e mundo Atlântico
21 DANIEL, Padre João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Vol. I. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2004, p. 413-419.
22 Ibidem, p. 130-138
23 Ibidem, p. 531; 537-538.
24 Documento do provável diretor, Domingos Barbosa [ao governador do Grão – Pará
e Rio Negro, Francisco de Sousa Coutinho, em 07/09/1796] – APEP, rolo 12, códice
126, documento 92. Documentação microfilmada. Projeto Reencontro; documento do
governador da capitania do Rio Negro, Manuel da Gama Lobo de Almada [ao
comissário de demarcação, Henrique Wilckens, em 14/05/1790] – APEP, rolo, 13,
códice 429, documento 97.
25 DIRECTORIO que se deve observar nas Povoaçoens dos Índios... § 58; 34. In:
Pará e Rio Negro, José de Nápoles de Telo de Meneses, em 28/07/1780] – APEP, rolo
12, códice 127, documento 75. Documentação microfilmada. Projeto Reencontro;
Carta de Sérgio Justiniano de Figueiredo [enviada ao governador do Grão – Pará e Rio
Negro, Martinho de Sousa e Albuquerque, em 27/09/1796] – APEP, rolo 12, códice
126, documento 109. Documentação microfilmada. Projeto Reencontro.
27 Manuel da Gama Lodo de Almada [Documento à Henrique João Wilckens, em
28 DIRECTORIO que se deve observar... §§ 46-58. In: ALMEIDA, Rita Heloísa de.
Op. Cit., 1997.
29 DIRECTORIO que se deve observar... §§ 20-33. In: Idem.
30 Auto de devassa do Lugar de Santa Ana do Rio Capim [23/03/1767] – APEP, códice
160, [não numerado]; Luís Gomes de Faria e Sousa, por volta de 03/08/1761. [Em
anexo ao ofício de Luís Gomes de Faria e Sousa, ao Secretário de Estado da Marinha e
Ultramar, em 03/08/1761]; Auto de devassa da Vila de Sousel [12/12/1766] – APEP,
160, [não numerado]; Requerimentos dos indígenas da Vila de Borba, a nova [ao
secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Tomé Joaquim da Costa Corte Real,
posteriormente a 1759.] – AHU, caixa 45, documento, 4141; Documento do intendente
207
Colonização e mundo Atlântico
geral, Paulo Chaves Belo [ao governador do Grão – Pará e Rio Negro, José de Nápoles
Telo de Meneses, em 22/07/1780] – APEP, rolo 12, códice 127, documento 68.
Documentação microfilmada. Projeto Reencontro.
31 Ofício do governador do Grão – Pará e Maranhão, Manuel Bernardo de Melo e
33 FRAGOSO, João & GOUVÊA, Maria de Fátima. Op. Cit., 2010, p. 16.
209
Colonização e mundo Atlântico
Conclusão
211
Colonização e mundo Atlântico
Resumo
doença, são centrais e por essa razão são essas as principais justificativas usadas
pelos parentes dos soldados nos pedidos de baixa. Estamos nos referindo aos
setores “pobres” livre da sociedade colonial, que tiveram suas vidas afetadas
pelo recrutamento militar, tendo em muitos casos que ressignificar seus papéis
para manter a gerência da família. O requerimento de mulheres, pedindo baixa
de seus filhos ou netos, é exemplar nesse sentido.
Neste trabalho foram analisados 63 casos de pedidos de baixa de 1713 a
1748, nos quais o requerente é o próprio soldado, parentes próximos ou outro
interessado. Sistematizado o conteúdo desse corpo documental, foi dada
especial atenção aos motivos do suplicante, porque trazem, na maioria dos
casos, informações sobre a situação do soldado, condição de sua família, e as
perspectivas de vida. O gráfico a seguir mostra o percentual das principais
justificativas que aparecem nesses pedidos de baixa.
Gráfico 1
Justificativas para baixa de soldado pago
Fonte: AHU, Avulsos do Pará: Cx. 6, D. 494; Cx. 6, D. 496; Cx. 6, D. 509; Cx. 6, D.
510; Cx. 6, D. 511; Cx. 6, D. 527; Cx. 7, D. 600; Cx. 7, D. 631; Cx. 8, D. 662; Cx. 8, D.
671; Cx. 8, D. 677; Cx. 8, D. 685; Cx. 8, D. 701; Cx. 9, D. 797; Cx. 9, D. 810; Cx. 9, D.
820; Cx. 9, D. 821; Cx. 9, D. 849; Cx. 10, D. 864; Cx. 10, D. 877; Cx. 10, D. 893; Cx.
10, D. 894; Cx. 11, D. 1042; Cx. 12, D. 1093; Cx. 15, D. 1356; Cx. 17, D. 1586; Cx. 17,
D. 1631; Cx. 18, D. 1703; Cx. 22, D. 2062; Cx. 23, D. 2161; Cx. 23, D. 2180; Cx. 24, D.
2245; Cx. 24, D. 2285; Cx. 24, D. 2287;Cx. 24, D. 2296; Cx. 24, D. 2303; Cx. 25, D.
2376; Cx. 25, D. 2400; Cx. 25, D. 2410; Cx. 26, D. 2416; Cx. 26, D. 2421; Cx. 26, D.
2434; Cx. 26, D. 2446; Cx. 26, D. 2449; Cx. 26, D. 2450; Cx. 28, D. 2650; Cx. 30, D.
214
Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos
2886. Avulsos do Maranhão: Cx. 19, D. 1961; Cx. 12, D. 1222; Cx. 12, D. 1274; Cx. 13,
D. 1357; Cx. 13, D. 1377; Cx. 12, D. 1272; Cx. 13, D. 1374; Cx. 13, D. 1383; Cx. 14, D.
1417; Cx. 14, D. 1419; Cx. 16, D. 1614; Cx. 16, D. 1638; Cx. 16, D. 1642; Cx. 20, D.
2087; Cx. 23, D. 2349; Cx. 26, D. 2670.
Como podemos observar 51% dos pedidos de baixa trazem como motivos
para isenção do serviço militar questões familiares. Isso sugere que a
mobilização de soldados pagos nas diversas atividades destacadas atrás tem
implicação direta na família do recrutado, como veremos adiante. Atrás desse
percentual, 18% dos casos alegam motivo de doença. Esse foi o conteúdo, por
exemplo, do requerimento de João Alves que, em 1726, pedia baixa por se
encontrar doente e incapaz de continuar o serviço militar. Na petição, o
governador explica que essa situação era agravada pela “falta de um dedo na
mão esquerda, de que procede fazer pouca firmeza na arma”. 3As condições
precárias que os soldados viviam nas tropas, e os muitos anos de serviço, sem
dúvida contribuíam para elevar o número de doentes.
Em seguida, com 6% havia aqueles que se declaravam incapazes por
limitações físicas. Esse foi o motivo que levou Domingos Furtado de Mendonça
a pedir sua baixa em 1724, na qual declarava servir havia mais de 20 anos e se
encontrava “velho e incapacitado” 4. Em 1743, o soldado Martinho Gomes dos
Santos declarava estar cego do olho direito, e, portanto incapaz para o serviço5.
A doença e a incapacidade física estavam intimamente relacionadas. Como
podemos verificar nos exemplos acima, após anos de serviço, o soldado poderia
se encontrar velho e doente, situação que certamente era agravada pelas
condições do serviço militar, e com dificuldades de conseguir uma baixa.
A questão de doentes e incapazes nas tropas pagas era tão grave na capitania
do Grão-Pará que o provedor da fazenda real João Correia Diniz de
Vasconcelos escrevia uma carta ao rei em 30 de setembro de 1727, expondo que
havia observado em mostra que na infantaria havia “muitos os soldados
incapazes, que pouco ou nenhum serviço fazem a V.M.”; por esse motivo estava
de acordo que se dessem as suas baixas para “se não fazer despesa a fazenda
real com gente inútil”. Consta ainda que na ocasião da referida mostra, esses
soldados fizeram “requerimento em corpo de mostra, dizendo uns servirem há
trinta, quarenta, cinquenta e mais anos, e que eles eram uns homens pobres”, e
ainda diziam “que não tinham outra coisa” do que “a razão das tainhas, e o
soldo que V.M. lhes dava”, e “assim incapazes como se achavam acudiam aquilo
215
Colonização e mundo Atlântico
Gráfico 4
Motivos familiares alegados nos pedidos de baixa de soldado pago
Fonte AHU. Avulsos do Pará: Cx. 6, D. 496; Cx. 6, D. 509; Cx. 6, D. 527; Cx. 8, D.
685; Cx. 8, D. 701; Cx. 9, D. 810; Cx. 9, D. 821; Cx. 10, D. 877; Cx. 11, D. 1042; Cx.
12, D. 1093; Cx. 15, D. 1356; Cx. 17, D. 1586; Cx. 17, D. 1631; Cx. 18, D. 1703; Cx. 22,
D. 2062; Cx. 23, D. 2161; Cx. 24, D. 2245; Cx. 23, D. 2180; Cx. 24, D. 2287; Cx. 25, D.
2376; Cx. 25, D. 2410; Cx. 26, D. 2421; Cx. 26, D. 2450; Cx. 28, D. 2650; Cx. 30, D.
2886; Avulsos do Maranhão: Cx. 19, D. 1961; Cx. 12, D. 1274; Cx. 13, D. 1377; Cx. 12,
D. 1272; Cx. 14, D. 1417; Cx. 16, D. 1614; Cx. 16, D. 1638; Cx. 20, D. 2087; Cx. 23, D.
2349.
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