98 286 1 PB
98 286 1 PB
98 286 1 PB
Primeira fala do personagem Ren Höek (voz e roteiro original de John Kricfalusi) em
“Stimpy's Big Day” (1991), episódio de estreia da série “The Ren & Stimpy Show”.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .......................................................................................................... 12
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 15
Objetivo do Estudo ................................................................................................... 18
Metodologia ............................................................................................................... 20
2- O MERCADO BRASILEIRO.................................................................................... 49
2.1- “Pré-História” da Animação Seriada nas Décadas de 1980 e 90 ................... 49
2.1.1- Estúdios de Propaganda ........................................................................... 49
2.1.2- Turma da Mônica ....................................................................................... 53
2.1.3- Terceirizações Estrangeiras ...................................................................... 59
2.1.3.1- Viabilização Técnica ......................................................................... 62
2.2- Projetos do Final do Século XX e Início do XXI ............................................. 64
2.2.1- Animações para Vídeo .............................................................................. 68
2.2.2- Experiências em Flash e Séries de Internet ............................................ 71
2.3- Nova Animação Brasileira:
O surgimento de uma “Escola” de Animação Digital ............................................ 74
3- O PROCESSO CRIATIVO ........................................................................................ 79
3.1- Estabelecimento de Projetos: Pré-Produção .................................................... 79
3.1.1- Séries Originais .......................................................................................... 81
3.1.2- Adaptações ................................................................................................. 85
3.2- Formatação Comercial: Temporadas e Duração ............................................. 88
3.3- Particularidades do Veículo da Animação ....................................................... 89
3.3.1- Televisão Aberta e Fechada ...................................................................... 89
3.3.2- Internet ....................................................................................................... 91
3.4- A Influência da Figura do “Criador”:
Diretores e Diretores de Animação ........................................................................... 91
3.4.1- Os Plots de Episódios e Arcos Narrativos................................................ 97
3.5- Character Design e Direção de Arte como Identidade Visual ....................... 101
3.6- Importância do storyboarder no Produto Final ............................................. 105
3.7- Interferência Externa à Criação ..................................................................... 106
RESUMO
ABSTRACT
Historical and procedural study about Brazilian animation series produced in Rio de
Janeiro from 2004 to 2014. Based on a battery of interviews with professionals and historical
research, in addition to foreign market's reference examples and local pay TV channels that
belong to same customers of the most of the discussed series – Sítio: The Yellow Woodpecker
Ranch, Trunk Train, Tosco TV and Monica and Friends (a.k.a. Monica's Gang) –, the study
composes a market overview at its most fertile period and the titles that composed it. These
projects, including original and outsourced series, evidence the conforming of international
formats while impose its own personality to ensure business prominence, and general feedback
beyond our audience target. Similarities, differences and necessary demands to optimize their
development are listed from interview inquiries. Figure among them a need for more
professional training, transposition of local Brazilian culture elements to universal languages,
balance of storytelling and technical quality and observation of the commercial opportunities
that the series can develop outside the boundaries of mere audiovisual product. A particular
element is highlighted: the strengthening of the 'creator' persona, a creative signature, as
identification factor to the public and commercial return, encouraging new productions from it.
APRESENTAÇÃO
Durante o mês de abril de 2014, uma marca inédita na história do audiovisual brasileiro
foi alcançada sem que muita gente notasse. Neste curto período de algumas semanas, sete séries
de animação nacionais inéditas foram lançadas comercialmente no Brasil. Com estreias de
destaque em suportes diferentes (TV pública, aberta, fechada e canais de vídeos na internet),
cada um destes títulos é completamente distinto em identidade, método de produção, duração e
público-alvo. Em comum, Motel Sama (Tzero e Mutuca Filmes, Canal Brasil, lançada em 1º de
abril), Lala (Usinanimada, TV Brasil, 14 de abril), Um Sábado Qualquer (Paramaker, 19 de
abril), Brichos (Tecnokena, TV Brasil, 20 de abril), Zica e os Camaleões (Cinema Animadores,
TV Brasil, 21 de abril), Chico na Ilha dos Jurubebas (Cara de Cão Filmes e 2DLab, TV Escola,
23 de abril) e Gemini 8 (Disney Channel, TV PinGuim, 28 de abril) trazem em comum um
ponto forte: todos estes títulos foram produzidos por estúdios de animação independentes, e
genuinamente brasileiros.
Esta concentração de estreias em um período tão curto não resume por si só a quantidade
de produção em animação lançada no mercado de cinema e televisão durante este ano. Basta
adicionar o fato de que outros seis títulos – Escola para Cachorro, Turma da Mônica, Eu e o
Quarteto Apavorante, Tromba Trem, Traçando Arte e Meu Amigãozão – também lançaram
temporadas inéditas nos canais Cartoon Network, TV Brasil, Discovery Kids e TV Rá-Tim-
Bum entre os meses de março e junho para se ter uma ideia de que o fato não é um caso isolado.
Neste mesmo período citado, animações brasileiras também iniciaram carreira (Rái
Sossaith, Na Reserva, A Última Loja de Discos, Neymar Jr. e Pelezinho em Planeta Futebol),
encerraram ciclos de temporadas (Turma da Mônica Toy e Toró de Miolo na internet e Sítio do
Picapau Amarelo na TV – esta última anunciada como um dos dez programas mais vistos do
Cartoon Network durante o mês de março de 20141) e estiveram em cartaz nos cinemas
(Minhocas e O Menino e o Mundo), reforçando uma movimentação de títulos inédita no meio.
E enquanto novas temporadas de Carrapatos e Catapultas, Nilba e os Desastronautas, Sitio do
Picapau Amarelo, Tromba Trem e Historietas Assombradas para Crianças Malcriadas são
produzidas, outras séries inéditas como Carrossel, Tronquinho e Pão de Queijo, Irmão do Jorel,
1
Informação extraída de PRESS RELEASE, Cartoon Network ultrapassa emissoras abertas e torna-se o 4º canal
mais assistido do Brasil. Fundamento RP, Maxpress, 2014. Disponível em:
<http://www.maxpressnet.com.br/Conteudo/1,666135,Cartoon_Network_ultrapassa_emissoras_abertas_e_torna-
se_o_4_canal_mais_assistido_do_Brasil,666135,1.htm>. Acesso em: 14 abr. 2014.
13
Vivi, Astro não Mia, O Show de Luna, Turma da Mônica Jovem e filmes como Nautilus e Até
que a Sbórnia nos Separe são preparadas para chegar comercialmente ao público brasileiro.
Figura 1: Cena do filme O Menino e o Mundo (2014) em diversos estágios de produção: storyboard (à esquerda),
arte da animação e em frames do filme finalizado.
vinhetas, séries para internet ou mesmo peças publicitárias. Era uma realidade completamente
diferente de mercado, que ainda assimilava uma transição entre os processos de animação
analógicos e digitais, e, principalmente, sofria com a falta de investimento e interesse
profissional fora do segmento publicitário. O Anima Mundi, criado em 1993, havia contribuído
para estimular novos profissionais, autores e videomakers da prática de animação, mas, até
então, a situação do gênero ainda estava longe de indicar um futuro estável e promissor.
Como um segmento do audiovisual brasileiro conseguiu evoluir de forma tão expressiva
em conteúdo, qualidade técnica e crescer mais em pouco menos de dez anos do que na maior
parte de sua história? O profissional do campo está devidamente valorizado nesta nova realidade?
O quanto o artista de animação pode manifestar a sua “marca de autor” e encontrar campo para
desenvolver suas próprias ideias, enfrentando as persistentes limitações do mercado brasileiro
e as regras e formatos impostos internacionalmente? São questões como estas que serão
discutidas dentro desta monografia, cujo objetivo final não se resume apenas a elaborar uma
reflexão sobre o que já foi realizado neste período e apontar alternativas para que o mercado de
animação brasileiro possa se sustentar futuramente como uma indústria autossustentável, mas
também buscar questões que ainda precisem ser reforçadas e estudadas pelos profissionais do
meio para que eles mesmos possam se autovalorizar – desde a figura do criador, passando pelo
artista que faz parte do processo de animação até o produto final, em um meio que preza cada
vez mais pela originalidade visual e narrativa como um diferencial entre tantas exigências
comerciais.
15
INTRODUÇÃO
Até poucos anos atrás, a produção estrangeira dominava em quase sua totalidade a
quantidade de animação que chegava ao público brasileiro, em todas as faixas etárias e meios
de comunicação disponíveis no mercado. As raras e esparsas tentativas brasileiras de produção
regular de animação destinada a televisão não conseguiam dialogar com o seu destino final e,
não raro, apenas conseguiam chegar ao público através do mercado de home video, em package
films1 lançados direto para locação ou venda em videolocadoras. Um esquema difícil, lento e
que gerava pouco retorno. Em especial, a dificuldade técnica em entregar uma grande
quantidade de animação em pouco tempo e com baixo custo também sempre se apresentou
como um entrave sério que tornava inviável uma competição leal com a produção estrangeira.
Se hoje a presença da animação norte-americana
ainda é inegavelmente majoritária no mercado
brasileiro e a presença de títulos de outros territórios –
japoneses, europeus – é menos expressiva que há dez
anos (muito em função das novas limitações de público
nos canais abertos e pela força das distribuidoras majors
nas programadoras das TVs por assinatura), por outro
lado, a quantidade e a força de novos títulos brasileiros
na programação televisiva cresceu exponencialmente,
em especial a partir de abril de 2009 – quando a pré-
escolar Peixonauta estreou simultaneamente em toda a
América Latina pelo canal pago Discovery Kids,
tornando-se gradualmente um dos carros-chefes da sua
Figura 2: Cartaz do package film
Peixonauta: Agente Secreto da O.S.T.R.A. programação e iniciando a primeira franquia de grande
(2013), composto por episódios da série sucesso comercial nascida genuinamente de um título
Peixonauta (2009) de desenho animado original brasileiro.
Em fase de expansão e popularização, o salto de produção de animação seriada
brasileira para TV valeu-se da evolução dos meios de incentivo audiovisual, do barateamento
da tecnologia de produção – que passou a ser completamente digitalizada – e das demandas
1
Filmes de média ou longa-metragem compostos de coletâneas de episódios ou curtas-metragens independentes
entre si, geralmente com uma premissa paralela que costure todos os segmentos em uma obra única.
16
exigidas pela lei 12.485/20112, o que tem possibilitado a criação de um ambiente propício para
a criação e consolidação de novos estúdios especializados, a busca de profissionalização de
nova mão de obra e o nascimento de toda uma nova fauna de personagens originais. Entre o
direcionamento dessas produções, o principal é o público infantil – público-alvo para o qual a
maior parte da animação comercial tradicionalmente é destinada.
Com a gradual extinção e desvalorização dos espaços destinados a programação infantil
em televisão aberta – reprimidos em razão das crescentes restrições comerciais a este público
em especial – a TV por assinatura, impulsionada pela necessidade do cumprimento das cotas
nacionais, tornou-se a grande vitrine para que as novas produções de animação brasileira
busquem condições de conquistar o seu espaço entre a audiência e, por consequência,
consolidar-se no imaginário moderno da cultura brasileira.
Abastecendo a grade de programação de canais infantis em sua maioria, um perfil de
produção já começa a se formar através destes primeiros títulos regulares, procurando bases
tanto na cultura quanto nas referências com as quais esse público já tem afinidade – se valendo
das tendências da produção estrangeira e conciliando-se, na medida do comercialmente possível,
com uma identidade própria que as diferencie.
Tal aproveitamento de bagagem da produção estrangeira (refletida desde meras
referências no projeto até mesmo parcerias internacionais de produção) pode ser notado tanto
em sua linguagem principal, a comédia, quanto no seu recorte específico no segmento infantil,
tentando equilibrar seu apelo, tanto masculino quanto o feminino, entre o nicho pré-escolar (3
a 7 anos) ou no limite nebuloso entre o fim da infância e o período identificado como a pré-
adolescência, entre 7 e 11 anos.
Estas bases podem ser claramente justificadas e entendidas ao se estudar, enquanto perfil
e histórico, a grande maioria dos canais de televisão aos quais essas novas animações brasileiras
são destinadas: em sua maioria, sinais (feeds) nacionais de canais estrangeiros, cujas matrizes
basicamente auxiliaram de forma decisiva na criação do gênero de canal infantil de TV por
assinatura. Em destaque, dois dos principais canais pagos infantis brasileiros – Nickelodeon e
Cartoon Network – foram pioneiros na produção de séries de animação originais no mercado
norte-americano durante a década de 1990, quebrando com os parâmetros até então seguidos
2
Entre várias diretrizes colocadas em prática pela chamada “Lei da TV Paga”, de setembro de 2011, uma diz
respeito a cotas de programação nacional. Em canais por assinatura que correspondam aos chamados “espaços
qualificados”, atrações brasileiras devem compor uma proporção de 3h30 semanais, sendo que parte deste
conteúdo deverá ser realizado por produtoras independentes de audiovisual.
17
no seu país de origem e criando influências e inspirações em obras posteriores nos vinte anos
que se seguiram. Tais produções lançadas em suas matrizes foram exportadas em seguida a seus
feeds internacionais, ajudando a projetar a linguagem de mercado adotada atualmente.
Os projetos de animação desta época, majoritariamente de estúdios novatos que
buscavam se estabelecer no mercado, procuravam por suas próprias formas de ganhar destaque.
A maioria, no entanto, acabava por recair em buscar seu apelo através da figura do “autor”, o
que havia entrado em desuso no mercado comercial há décadas – em tese, desde o final da era
da ouro da animação para o cinema, com seus animadores, produtores e personagens populares
e a transição das séries para o mercado televisivo.
A novidade da segmentação da TV por assinatura e a busca pela identidade própria de
cada canal favoreceu a criação de personagens novos, com maior liberdade de formatos e
horários de exibição em relação a produção de animação veiculada na TV aberta, na época
estagnada em franquias antigas e produções encomendadas para propaganda de brinquedos e
de personalidades famosas, sempre limitados aos tradicionais blocos infantis dos sábados de
manhã ou de syndication3.
Em uma fase de abertura de mercado e de troca cultural com outros países, reforçada
com o término da Guerra Fria, influências de fora dos EUA e do próprio passado da animação
local eram revisitadas enquanto estética e linguagem, gerando produtos que questionavam,
provocavam e desafiavam os limites estabelecidos, se destacando desta forma por sua aura de
novidade.
Em razão disso, torna-se necessário, antes de chegar ao objetivo final de estudar o
método criativo do atual mercado de séries de animação nacional, entender o contexto no qual
ele está inserido, tanto local quanto externamente.
Objetivo do Estudo
Como assunto recente que carece de referências bibliográficas sobre o recorte específico
abordado, o projeto inicial da monografia foi impelido a receber uma série de ajustes, para se
3
Prática do mercado televisivo norte-americano que consiste em vender atrações como seriados e programas de
auditório de forma isolada a emissoras afiliadas de diversos estados dos EUA, favorecendo desta forma a
distribuição de produções independentes. Tais programas ocupam espaços da programação das afiliadas que não
correspondem à retransmissão da rede nacional, como horários vagos da grade matutina ou vespertina e a faixa
posterior ao primetime (o horário nobre das redes norte-americanas, entre 20h e 22h).
18
adequar de forma que pudesse ser o mais relevante possível para o estudo do meio atual da
animação brasileira.
Sua finalidade foi transmutada e mudou seu ponto de referência conforme o estudo foi
construído. Inicialmente, o foco central da monografia residiria em exemplos contemporâneos
de séries de animação para TV estrangeiras que poderiam ser lidos como bases para
determinados exemplares nacionais atuais. Percebeu-se, no entanto, que contatar a própria
produção recente brasileira, através dos profissionais que participaram do processo de criação
e produção, poderia suprir de forma mais efetiva os pontos de referência aos quais o projeto
necessitava. Desta forma, definiu-se que as questões relativas a séries de animação
contemporânea atuais e estrangeiras seriam realocadas para cumprir funções de
contextualização, tornando objeto central da monografia o processo de produção de um número
de séries de animação efetuados em estúdios de animação situados no Rio de Janeiro – cidade
que se tornou um dos principais pólos de produção atuais do mercado por uma série de fatores
que também serão explanados nesta monografia.
Uma bateria de entrevistas foi efetuada entre os meses de janeiro e março de 2014 com
representantes de quatro estúdios de animação cariocas – Copa Studio, 2DLab, Animacting
(Animatório Content) e Toscographics Desenhos Animados – tendo como foco central o método
adotado pelas equipes de realização de projetos, o processo de produção, as limitações,
exigências e escolhas criativas adotadas para seus principais trabalhos recentes, que englobam
tanto séries de produção própria quanto trabalhos encomendados para produtoras externas – os
projetos sob encomenda, que podem variar tanto de trabalhos com destino para o mercado
publicitário quanto ao processo de animação completo de séries projetadas e criadas
externamente.
Através de depoimentos de diretores de animação, storyboarders, roteiristas e
animadores profissionais, ao mesmo tempo que tais elementos citados puderam ser entendidos
e recolhidos para estabelecer, nesta monografia, uma leitura possível sobre o funcionamento do
nascente mercado brasileiro de produção de séries de animação para o mercado televisivo
brasileiro, entende-se também que um rico e inédito registro sobre a história deste mesmo
mercado foi criado e organizado, aumentando as possibilidades de utilização de seu conteúdo
em pesquisas futuras e sua responsabilidade enquanto trabalho referencial.
Por todas estas razões, a monografia segmentará o estudo em três partes, cujas
informações seguirão uma linha de raciocínio que será explanada no próximo item, que versa
sobre a metodologia adotada.
19
A partir do conteúdo organizado a ser estudado neste projeto, deseja-se ainda entender
o perfil majoritário de produção de animação para TV adotado no Brasil, seu grau de
abrangência para o mercado de produção audiovisual atual e apontar possíveis caminhos para
otimizar a qualidade e a acessibilidade comercial de possíveis projetos futuros. Também se
entende necessário, a partir do conteúdo acumulado pelas entrevistas e troca de experiências
propostas, buscar uma forma de iniciar um possível banco de informações sobre este momento
da produção de animação brasileira, servindo como possível referência para estudos futuros
sobre o assunto. Defende-se a busca da afirmação de uma identidade de mercado própria e uma
possível alternativa de evolução nos métodos de produção e liberdade artística, buscando
valorizar o aspecto do creator driven, as obras com a “assinatura de autor”, como uma forma
de consolidação de futuros títulos e profissionais.
Metodologia
Seis entrevistas foram realizadas entre os meses de janeiro e março de 2014, com os
seguintes realizadores relacionados:
Profissionais Entrevistados
– Zé Brandão: criador da série Tromba Trem e diretor de animação de Historietas Assombradas
para Crianças Malcriadas, Irmão do Jorel e Turma da Mônica: Uma Aventura no Tempo.
– David Mussel: animador e artista de storyboard em Historietas Assombradas para Crianças
Malcriadas, Sítio do Picapau Amarelo e Tromba Trem.
– Diogo Viegas: supervisor de animação, design de personagens e elementos de cena em Sítio
do Picapau Amarelo e diretor de animação de Chico na Ilha dos Jurubebas.
– Cid Makino: animador de Sítio do Picapau Amarelo e Midinho, o Pequeno Missionário,
diretor de animação na fase de Turma da Mônica animada no estúdio Animatório.
– Humberto Avelar: criador, storyboard, design de personagens e direção de animação de Juro
que Vi, Cantigas de Roda e diretor de Sítio do Picapau Amarelo.
– Allan Sieber: diretor das séries Deus é Pai, Tosco TV, do piloto Mar de Paixão e da websérie
A Última Loja de Discos.
CONTEXTO DE MERCADO
Figura 3: Cartelas de abertura de The Merrie Melodies Show (1970), The Woody Woodpecker Show (1957) e The
Bugs Bunny Show (1960), exemplos de coletâneas de theatricals para a televisão.
adquiriram um status diferente na televisão ao serem utilizadas para ocupar espaços da grade
de programação pouco valorizados pelos anunciantes e patrocinadores e, não raro, endereçados
a atrações direcionadas ao público infantil. A consequente censura a elementos ditos
inapropriados aos mais jovens – através de cortes, edições ou mesmo cenas redesenhadas para
modificar tais elementos visuais –, aliada ao orçamento limitado, resultou numa característica
que poderia, tão logo, começar ser observada nas primeiras séries animadas realizadas
efetivamente para veiculação via televisão, como Crusader Rabbit (1949), de Jerry Fairbanks:
o uso da animação limitada4, com narrativa e traços simples aliados a um discurso moralista.
Cenários fixos e personagens que realizavam apenas os movimentos corporais
indispensáveis, além do uso intenso de narrações e truques de enquadramento e edição, eram
características marcantes dos títulos realizados para televisão, cujo mercado passou por um
boom ao início dos anos 1960. Neste período, grande parte das séries tradicionais de animação
para cinema foi descontinuada e várias migraram para a televisão ocupando, em sua maioria, a
faixa de programação das manhãs de sábado das emissoras e redes norte-americanas –
consolidando assim o início da fase dos Saturday Morning Cartoons, bancados por anunciantes
próprios para o público infantil. O sucesso de The Flintstones, a dita primeira sitcom de
animação para a veiculação em horário nobre, e das demais produções do estúdio Hanna-
Barbera, criado em 1959 com séries que usavam massivamente de tais métodos de menor custo
e rápido retorno, foi um indicativo dos caminhos que a animação norte-americana seguiria nas
décadas seguintes, em um processo que chegaria ao auge e a um longo período de saturação nas
duas décadas seguintes.
4
Tal caracteristica de produção em animação tradicional também tornou-se uma tendência gradual nos curtas-
metragens de cinema, em detrimento ao detalhismo utilizado até então por estúdios como os de Walt Disney, Max
Fleischer, Leon Schlesinger e Paul Terry. O êxito comercial e de crítica de Gerald McBoing Boing (1950), episódio
da série antológica Jolly Florics, contribuiu para que, aos poucos, a maioria dos estúdios concorrentes adotassem
as técnicas empregadas nos curtas do estúdio United Productions of America (UPA).
26
produção simultânea de animação necessária para suprir a demanda dos canais de televisão. Se
antes os estúdios concentravam em si mesmos toda a carga de trabalho que envolve criar
animações para veiculação semanal pela televisão, agora outros eram contratados como ajuda
de mão de obra. Embora todo o trabalho principal, tanto criativo quanto técnico, seguisse ainda
sob o teto dos próprios estúdios, empresas terceirizadas passaram a ser contratadas para realizar
serviços adicionais de animação, dando os passos iniciais no dito outsourcing. Com uma equipe
própria de animadores supervisionada e treinada localmente, tais estúdios, de outros países em
sua maioria, tornaram-se encarregados de realizar as fases mais trabalhosas e mecanizadas do
processo tradicional de animação, como a intervalação de movimentos (inbetween), o clean-up
das folhas originais e a passagem de todo este conteúdo para o acetato a ser filmado, a fim de
se obter a sensação de movimento. Nos Estados Unidos, os animadores realizavam os frames
contendo as poses principais, que seriam o material-chave para a realização do serviço destes
estúdios de outsourcing animation (geralmente não creditados integralmente nos episódios
finalizados). Países da Ásia como Japão, China, Filipinas, Taiwan, Coréia do Sul e Índia
tornaram-se potências em tais serviços, em função dos menores custos de renumeração de
profissionais, diminuindo os custos de produção por consequência.
Muito embora a animação terceirizada, nestes casos, ter ocasionado o nascimento e
evolução consideráveis de uma indústria de animação em mercados que até então engatinhavam
no setor (caso da Índia, que saltou de uma marca de apenas duas horas de animação realizadas
em toda a história do cinema local para uma média de oitenta a cem horas por ano em meados
da década de 19905), tais estúdios muito raramente se dedicam também a realizar peças próprias,
resumindo seus trabalhos a tais serviços definidos por contrato. Se, por um lado, o fluxo de
trabalho é constante e, não raro, permite a contratação de profissionais fixos, por outro existe
uma relação de dependência que engessa as possibilidades do mercado local em lucrar com seus
próprios profissionais. Tais animadores seguem encarregados por anos a fio de realizar serviços
cujo produto final, embora eternizado em uma obra audiovisual veiculada em diversos
territórios, permanece “invisível” aos olhos do próprio mercado local.
Tal situação de virtual castração criativa também podia ser observada no processo de
animação principal dos estúdios norte-americanos e na própria formulação dos projetos de
séries do período. Apesar das possibilidades criativas que a técnica tradicional de animação
ainda possibilitava a seus profissionais, o volume de trabalho e as necessidades comerciais
5
KHURANA, Kireet. The Truth about Animation. In Kireet Khurana, Conceptualizer & Director, 24 jan. 2005.
Disponível em <http://kireetkhurana.com/?p=143>, Acesso em 9 jun. 2014.
27
quadrinhos Fritz the Cat (1972), de Robert Crumb, e a primeira adaptação para cinema do
romance de fantasia O Senhor dos Anéis (1978), de J. R. R. Tolkien.
Bakshi se tornaria mentor de Kricfalusi durante a produção de Bobby's Girl – projeto
posteriormente cancelado pela TriStar, sua distribuidora e financiadora. Perdido o filme, a
equipe animou em 1986 um videoclipe para a canção Harlem Shuffle da banda Rolling Stones,
ganhando visibilidade; e também emplacou um projeto de série de animação para o canal aberto
CBS: uma releitura de Mighty Mouse, título pertencente ao acervo da produtora da era de ouro
Terrytoons, onde Bakshi iniciou sua carreira como animador na década de 1950.
Mighty Mouse: The New Adventures teve influência decisiva de Kricfalusi – além de
trabalhar como supervisor, dirigiu oito episódios da primeira temporada. A estética da animação,
inspirada nos traços do animador da Era de Ouro Jim Tyer (influência confessa de Kricfalusi),
trazia traços cartunescos livres e exagerados, contrastando e jogando com o visual da animação
limitada das demais séries de animação para TV. O tom dos roteiros e da narrativa também eram
incomuns para a época – a obrigação de seguir um esquema repetitivo de situações a cada
episódio foi abolida e deu lugar a uma liberdade de situações, mais irônicas e autorreferenciais
com o próprio personagem: durante os episódios, personagens dos curtas da Terrytoons
participam de forma recorrente e imagens de arquivo de curtas antigos eram reutilizadas,
valorizando o olhar do espectador adulto e entusiasta do personagem. O método de produção
também recebia forte contribuição artística em cada etapa do processo.
A repercussão negativa de um episódio desta versão de Mighty Mouse, no entanto, fez
com que o título fosse cancelado pela CBS após duas temporadas. Acusações sobre suposta
apologia ao uso de drogas decaíram sobre o episódio The Littlest Tramp, na qual o personagem-
título ajudava uma vendedora de flores. Uma rápida gag em que o herói inalava uma das flores,
transformada em pó pelo vilão do episódio, foi interpretada como análoga ao uso de cocaína.
Figura 5: Gag do episódio The Littlest Tramp em Mighty Mouse: The New Adventures (1987), uma das razões de
controvérsia em torno da série de Ralph Bakshi.
29
Em razão do contato afetivo de Kricfalusi com o animador da era clássica Bob Clampett,
morto em 1984, seu envolvimento foi exigido pela família do autor para assumir o revival de
Beany & Cecil, personagens criados por Clampett na década de 1940. Encomendada para o
canal ABC, os primeiros episódios produzidos acabaram rejeitados pelo Controle de Qualidade
do canal após uma problemática fase de pré-produção – tendo como parte de suas razões o tom
proposto aos episódios e o design de personagens. Cancelado o projeto, apenas cinco episódios
de oito produzidos foram veiculados pelo canal.
Parte da equipe formada para The New Adventures of Beany and Cecil acabou
reaproveitada por Kricfalusi para seu próprio estúdio de animação, com a proposta de
desenvolver títulos originais sem obrigação de atender a exigências de franquias pré-
estabelecidas, criando suas próprias. O estúdio Spümcø (palavra dinamarquesa para
“qualidade”), comandado por Kricfalusi, Bob Camp, Jim Smith e Lynne Naylor, foi fundado
em 1988 e conseguiu aprovar seu primeiro projeto de animação poucos meses depois, um dos
primeiros realizados para o canal pago Nickelodeon. Além de garantir a produção do piloto de
The Ren & Stimpy Show, o estúdio também trabalhou em consultoria de animação para o canal,
iniciante no ramo de produções originais.
1.2.1- Nickelodeon
tratava-se de uma atração com interação entre atores e bonecos dedicada a apresentar quadros
educativos, além de veicular animações estrangeiras.
Embora bem-sucedido, o sistema QUBE
trouxe prejuízo pelo alto custo de ser replicado em
outras cidades, precisando ser reestruturado em 1979
para adquirir transmissão nacional através de satélite.
Em 1 de abril de 1979, o canal que transmitia a atração
Figura 6: Logotipo utilizado pelo canal
Pinwheel passou a abrigar dois blocos de Nickelodeon em 1979.
programação, um noturno, direcionado a filmes (o
Star Channel, rebatizado The Movie Channel em Novembro de 1979 e tornado canal
independente em 1981) e um diurno, com atrações infantis (batizado como “Nickelodeon”, em
referência às máquinas de exibição de filmes dos primórdios do cinema). Além de Pinwheel,
novas atrações passaram a integrar o bloco, a maioria produções infantis produzidas para a TV
canadense e inglesa, ou mesmo por canais norte-americanos de menor alcance.
O Nickelodeon adquiriu independência apenas em janeiro de 1985, quando o operador
de seu bloco noturno de programação, então ocupado pela emissora ARTS (Alpha Repertory
Television Service), fundiu-se com o canal The Entertainment Channel, tornando-se o hoje
conhecido canal A&E. Na mesma época, o canal Nickelodeon sofreu uma mudança operacional,
passando a fazer parte de um grupo próprio ao lado do canal MTV, criado em 1981. O processo,
que culminou na venda do grupo MTV Networks em 1986 da Warner/Amex para a sua atual
programadora, a Viacom, incluiu uma reformulação completa de visual, conteúdo e
programação, promovida pelos diretores-criativos Fred Seibert e Alan Goodman – criadores da
identidade do canal musical.
Como parte do rebranding promovido por Seibert e Goodman, criou-se o logotipo
laranja de formato mutante que caracterizou o canal Nickelodeon por mais de vinte anos, além
da segmentação interna da grade de programação, com programas direcionados a diferentes
faixas de infância. O horário noturno e as madrugadas foram ocupadas a partir de julho de 1985
pelo bloco de programação Nick at Nite, dedicado a exibição de séries e filmes antigos. Também
foi lançado, em outubro de 1986, o primeiro programa original do canal, Double Dare (Passa
ou Repassa), dando início a uma fase de popularização e criação de novas produções originais
– em geral atrações de variedades e game shows.
31
A partir de 1989, com o fim de Pinwheel (substituído pelo bloco pré-escolar Nick Junior),
iniciou-se a pré-produção de projetos de ficção próprios para o canal (até então, a atração de
esquetes Out of Control, exibida entre 1984 e 1985, fora a única experiência no segmento).
Entre os projetos de séries de ficção originais, a sitcom Hey Dude foi a primeira levada ao ar,
em julho de 1989 – seguida de Clarissa Explains It All em 1991.
Projetos de séries de animação foram encomendados na mesma época para formar os
primeiros títulos exclusivos de animação do canal – os denominados Nicktoons. Indo na
contramão das produtoras grandes que produziam para as grandes emissoras abertas e que
dominavam o mercado televisivo da época, como DIC, Marvel, Disney e Ruby-Spears, foram
aprovados pilotos de três produtoras iniciantes: Tommy Pickles and the Great White Thing, da
Klasky Csupo (responsável na época pela animação de comerciais, videoclipes e a recém-criada
série The Simpsons); Doug Can't Dance, da Jumbo Pictures (de Jim Jinkins, animador
independente que já trabalhara em Pinwheel); e Big House Blues, da Spümcø (de John
Kricfalusi, animador das então recém-canceladas séries da TV aberta Mighty Mouse: The New
Adventures e The New Adventures of Beany and Cecil).
O conceito procurado pela então presidente da Nickelodeon, Geraldine Laybourne, e
Vanessa Coffey, executiva do recém-criado departamento de animação, era a busca por obras
com “traço autoral”, que se destacassem e diferenciassem do material de animação produzido
para a TV aberta na época. A tendência, que aos poucos ganhava força em razão da boa aceitação
32
1.2.1.1- A Instituição do Creator Driven: O Caso de The Ren & Stimpy Show
The Ren & Stimpy Show, ao lado de Rugrats e Doug, foi uma das três primeiras séries
de animação originais veiculadas na TV paga norte-americana, lançadas através do canal
infantil Nickelodeon em 11 de agosto de 1991. Os personagens Ren e Stimpy foram criados nos
moldes dos animais antromorfizados característicos das séries da Era de Ouro da Animação, em
especial a fase áurea da década de 1940. Sua estética narrativa, no entanto, parodiava
especificamente a fase inicial da animação criada exclusivamente para televisão, com os shows
infantis de animação limitada e personagens infantilizados criados por encomenda para venda
de produtos nos intervalos – elementos, por sua vez, trabalhados em Beany and Cecil,
caracterizando o painel de referências que se tornaria característico do primeiro trabalho
original de Kricfalusi.
Ren Höek, dublado pelo próprio John Kricfalusi (e substituído por Billy West a partir da
terceira temporada), é um cachorro da raça Chihuahua Asthma-Hound que, diferente do
habitualmente esperado para um animal antropomorfizado que se apresenta como protagonista
de uma animação, não é desenhado para ser gracioso ou simpático. Baixinho, feio, arrogante e
desenhado com traços grosseiros que o deixam com a aparência próxima a de uma ratazana,
Ren se apresenta constantemente irritado, nervoso, mal-humorado e com uma personalidade
explosiva, às vezes beirando a psicopatia.
Stimpson J. Cat (voz de Billy West) é o único e melhor amigo de Ren, um gato de rua
sem rabo e de nariz azul, cuja personalidade lhe contrasta por completo. Grandalhão, simpático
e otimista, Stimpy também se caracteriza por uma inteligência instável que, se tende para a
estupidez na maior parte do tempo (ilustrada pela piada recorrente do tamanho de seu cérebro),
também pode ser capaz de realizar grandes inventos científicos ou realizar atos genuínos de
amizade. Sua dita “única posse material” é uma caixa de areia, pela qual tem enorme afeto.
33
Figura 8: Arte conceitual de The Ren & Stimpy Show, de John Kricfalusi.
Dos esboços, apenas os personagens-título e George Liquor seriam aproveitados na série regular.
Tal como títulos de animação da Era de Ouro, como Tom & Jerry e Woody Woodpecker,
a personalidade e a parceria entre os dois personagens são o único elemento constante dentro
da narrativa dos episódios, sem a obrigação que eles ocupem um universo fixo definido. Se em
alguns episódios a dupla é caracterizada como colegas de quarto em uma casa de subúrbio (o
que é apresentado como o ambiente habitual e mais frequente), em outros, sem nenhuma
justificativa, Ren e Stimpy podem estar vivendo nas ruas, procurando alguma forma de
conseguir dinheiro ou comida; ou mesmo participando de situações fantasiosas ou tramas de
gênero, como aventuras de ficção científica (quando assumem a identidade de Captain Höek e
Cadet Stimpy) e faroeste.
Não raro, a dupla interage com tipos cômicos que mudam de função a cada episódio,
dependendo das necessidades da ambientação estipulada. Entre eles se destacam George Liquor,
um ser humano conservador radical; Powdered Toast Man, um super-herói formado por torradas
de pão; Muddy Muddskiper, um peixe saltador comediante; Mr. Horse, um cavalo que pensa e
age como um ser humano, entre outros.
Em sua primeira temporada, The Ren & Stimpy Show, veiculada pela Nickelodeon em
blocos de meia-hora, buscava emular – e parodiar – a estética e o formato de exibição dos blocos
de animação exibidos nas emissoras abertas norte-americanas nos anos 1950 a 1960. Os dois
episódios semanais de aproximadamente dez minutos de duração eram sempre acompanhados
de vinhetas curtas, com cerca de 1 ou 2 minutos de duração, reprisadas constantemente. Tais
34
vinhetas podem ser divididas em dois tipos. O primeiro traz os protagonistas, que buscavam
dialogar com o próprio espectador quebrando a quarta parede. Alguns assumem o formato de
“quadros”, como Ask Doctor Stupid, enquanto outros fazem as vezes de introduções e
encerramentos do show.
– Antes dos episódios nos quais Ren e Stimpy assumem as personas de Captain Höek e
Cadet Stimpy, uma sequência introduz as aventuras especiais na forma de um programa de
televisão acompanhado pelos dois personagens;
– No encerramento, antes dos créditos finais, uma animação se repete a cada episódio,
ganhando diversas variações. Em um cenário que remete a um palco de teatro, Stimpy fica
resignado e começa a chorar ao saber de Ren que o programa chegou ao fim. Ren, com uma
alegria forçada, lhe sugere alguma atividade esdrúxula para passar o tempo.
O segundo tipo de vinheta se trata de uma sátira aberta às inserções comerciais da época
da televisão americana parodiada. Brinquedos e alimentos matinais, os principais produtos
direcionados ao público infantil, são apresentados em pequenas animações, sempre com a ação
de um narrador. A graça destas inserções se encontra no absurdo dos produtos anunciados. Uma
peça recorrente, que gera uma série de falsos comerciais, apresenta pedaços de lenha como se
fossem brinquedos infantis, sendo tratados como bonecas, figuras de ação, entre outros. Um
jingle repetitivo encerra cada peça.
Estas vinhetas deixam de ser exibidas com frequência ao início da segunda temporada,
sendo praticamente abandonadas em seguida. O formato preestabelecido também passa a fazer
concessões esporádicas a episódios mais longos, com vinte minutos de duração, ocupando
sozinhos todo o bloco de meia-hora.
35
Figura 9: Esboço e cena de Powdered Toast, vinheta da primeira temporada de The Ren & Stimpy Show.
Doug, Rugrats e The Ren & Stimpy Show, nesta ordem, compunham as atrações de
estreia do Nicktoons, bloco de programação lançado pelo Nickelodeon em 11 de agosto de 1991
e veiculado entre as 9h30 da manhã e 11 horas de domingo. Tal faixa foi escolhida dentro de
uma estratégia de programação de forma que evitasse competição direta de público com os
tradicionais blocos de programação infantil dos canais abertos (PERSONS, 1993). Ao mesmo
tempo, uma reprise às oito da noite, antes do bloco de séries clássicas Nick at Nite, também
permitia que o público adulto obtivesse contato com os novos títulos.
Se o Nickelodeon já veiculava no período animações estrangeiras e títulos já veiculados
em redes abertas, o diferencial mais básico que poderia ser notado – o que, por si só, já era um
atrativo – dos Nicktoons em relação às demais séries era o apelo visual, que se distinguia
radicalmente das demais animações infantis veiculadas na época. Doug, o menos “inovador”
em sua proposta (já trabalhada por contemporâneos como Muppet Babies, Bobby's World, entre
outros), representava seus personagens pré-adolescentes em traços ricamente estilizados,
incomuns e não-realistas. Já Rugrats, idealizado pelos animadores húngaros Arlene Klasky e
Gabor Csupó, trazia como trunfo um visual inspirado nas escolas de animação européias e uma
premissa original, que colocava a visão de mundo um grupo de bebês de um ano de idade como
motor narrativo de seus episódios. Mas foi The Ren & Stimpy Show a série que, a princípio, se
sobressaiu entre o público. Suas referências e estilo de humor – que, se não inéditos, traziam
uma roupagem nova a narrativas e visuais do período clássico da animação mais próximos do
público, mas há muito abandonados –, fizeram com que o título ganhasse repercussão imediata
logo após sua estreia.
36
Figura 10: Esboço e arte-final do plano de abertura de Big House Blues (1989).
The Ren & Stimpy Show despontou como o primeiro grande sucesso de público do
Nickelodeon, a ponto de rivalizar com o fenômeno cultural The Simpsons (da rede aberta Fox)
em popularidade em seus primeiros anos e agregar grande público adulto, que não era o
esperado pela Nickelodeon. No entanto, sua primeira temporada, mais curta que as de Doug e
Rugrats (seis blocos de meia-hora contra os treze destas últimas), ocasionou um maior número
de reprises e de cobrança por episódios inéditos. Tal decisão do canal em realizar uma
temporada reduzida era reflexo das dificuldades que Kricfalusi enfrentou para viabilizar seu
trabalho da maneira que seu estúdio havia concebido.
Big House Blues, o episódio-piloto da série realizado entre meados de 1989 e o início
de 1990, já apresentava características que causaram dúvidas ao canal Nickelodeon sobre a
aceitação do conteúdo da série entre o público infantil. Na trama do episódio, a dupla de amigos
sem-teto Ren e Stimpy são capturados e levados a um canil. Após participarem de uma festa de
recepção ao lado de outros cães, testemunham um de seus parceiros de carceragem, Phil, ser
levado para receber o “grande sono” em uma câmara de gás – o que faz Ren entrar em desespero
no dia seguinte, quando descobre que a expressão era uma analogia à realidade: seu amigo foi
morto. Apesar do final otimista, que traz a dupla adotada por uma adorável garotinha, a
abordagem explícita da morte causou hesitação. Para que o episódio fosse aprovado pela direção
37
do canal, uma sequência adicional foi introduzida por Kricfalusi no storyboard original: Phil,
ao final do episódio, ressurgiria saindo de seu próprio túmulo, demonstrando que seu final não
era bem o que Ren imaginava. Após um pedido da produtora-executiva Vanessa Coffey, no
entanto, a cena adicional foi abortada (PERSONS, 1993). Após avaliações positivas em
exibições-teste, a Nickelodeon autorizou a produção de uma primeira temporada para The Ren
& Stimpy Show.
Uma equipe de 50 pessoas, dividindo funções múltiplas, se encarregou de realizar este
primeiro lote de episódios nos estúdios da Spümcø, com terceirização de trabalhos adicionais
realizados em dois estúdios canadenses, Carbunckle Cartoons e Lacewood. Por uma questão de
agilidade, a pintura de acetatos foi substituída pela xerografia, em uma das primeiras
modificações técnicas do projeto original. O custo alto por episódio (400 mil dólares contra os
habituais 250 mil das séries tradicionais) também fez com que o título, após renovado para uma
segunda temporada, transferisse seus serviços de outsourcing para estúdios sul-coreanos.
Vários episódios causaram atrito entre executivos da Nickelodeon e Kricfalusi,
causando grandes atrasos de produção que aumentaram o custo da série e um desgaste crescente
entre as duas partes. Um dos episódios mais notáveis da primeira temporada, Stimpy's Invention,
chegou a ser integralmente vetado pelo canal no estágio de storyboard, sendo realizado apenas
após negociações. As rusgas cresceram durante a realização da temporada seguinte. Powdered
Toast Man, após veiculado pela primeira vez, foi alvo de reclamações de uma parte do público
em razão de uma gag envolvendo a declaração de independência dos EUA, que passou a ser
suprimida na edição. Cenas consideradas pesadas e piadas julgadas como de duplo sentido em
episódios como Ren's Toothache, Sven Höek e o próprio piloto Big House Blues chegavam a ser
cortadas dos episódios já prontos, enquanto a realização de outros dois, coprotagonizados por
um novo personagem, George Liquor, foi rejeitada pela direção da Nickelodeon. Um deles,
Man's Best Friend, foi banido e jamais exibido pelo Nickelodeon, mesmo após finalizado e
entregue para exibição.
A crise entre criador, produtora e canal de TV chegou a seu pico quando a Nickelodeon,
dona dos direitos autorais sobre os personagens Ren e Stimpy, optou por retirar da Spümcø a
produção da temporada seguinte de The Ren & Stimpy Show, e afastar Kricfalusi do controle
criativo sobre sua própria criação. Bob Camp, diretor e roteirista de episódios avulsos das duas
primeiras temporadas, foi encarregado de assumir o posto de chefe criativo da série em 1992,
concentrando a nova etapa da série na recém-criada Games Productions, estúdio bancado
internamente pela Viacom.
38
Em paralelo a produção das temporadas finais de The Ren & Stimpy Show, finalizado
em 1995 após 52 episódios de meia-hora e 94 segmentos, outra equipe da Games Animation
iniciou a produção de Rocko's Modern Life, uma nova série com um estilo de humor similar –
e um dos seus primeiros herdeiros de estilo. Títulos posteriormente lançados pela Nickelodeon
e estúdios parceiros para exibição no mesmo canal também observaram elementos da obra de
Kricfalusi como referência direta ou indireta, tal como em The Angry Beavers (Os Castores
Pirados, 1997-2001), Catdog (1998-2005), The Fairy Oddparents (Os Padrinhos Mágicos,
2001) e o mais bem-sucedido entre eles, Spongebob Squarepants (Bob Esponja, 1999).
Características popularizadas por The Ren & Stimpy Show podem ser observadas nestas séries
como possíveis heranças: o humor autorreferencial e abertamente nonsense, a interação entre
dois protagonistas de humores radicalmente opostos em ambientes mutantes e os chamados
“gross-up close-ups”, planos fixos ultra-detalhados criados para reforçar o humor de uma
imagem de aparência grotesca.
39
Seria, no entanto, em um canal concorrente surgido na década de 1990 que muitas das
inovações iniciadas por The Ren & Stimpy Show e pelos demais primeiros Nicktoons ganhariam
espaço, popularizando personagens inéditos e novos realizadores, através da revitalização de
um estúdio dos primórdios da animação televisiva.
O processo que levou à criação do canal The Cartoon Network começou como
consequência de uma aquisição-relâmpago do grupo empresarial de Ted Turner: entre os meses
de agosto e outubro de 1986, a antiga major de Hollywood Metro-Goldwyn-Mayer esteve em
poder da Turner Broadcasting System após negociações com o empresário Kirk Kerkorian, que
respondia pelo estúdio desde 1969.
Em razão de desentendimentos envolvendo as dívidas do antigo estúdio, Kerkorian
reaveu a propriedade da MGM, mas o acervo do estúdio datado até maio daquele ano – além de
parte das produções do estúdio United Artists – permaneceu sob poder de Turner. Somou-se a
este acervo material clássico de outros estúdios da Era de Ouro de Hollywood, como os filmes
da RKO Radio Pictures e as animações dos Irmãos Fleischer (originalmente em poder da
Paramount Pictures) – que seriam aproveitados para formar a Turner Entertainment, que
aproveitaria este acervo na então nascente janela da TV por assinatura.
O primeiro canal por assinatura do grupo Turner (que já tinha na época o canal TBS
Superstation disponível por satélite e UHF na cidade de Atlanta) foi lançado em 3 de outubro
de 1988. O TNT (Turner Network Television) inicialmente tinha o perfil de um canal de
variedades, aproveitando as atrações de acervo como filmes, séries e desenhos, além de eventos
esportivos aos quais Turner obteve direitos de transmissão, como a competição nacional de
basquete NBA.
Gradativamente, títulos mais recentes e produções inéditas (na maioria séries de ficção)
ganhariam espaço na programação do TNT, ocupando o espaço da programação clássica. Como
consequência, a função de vitrine de filmes e séries de acervo foi transferida para o canal TCM
(Turner Classic Movies), criado em Abril de 1994.
O acervo de animações de Turner, em razão das aquisições, já englobava títulos clássicos
de grande importância, como Tom & Jerry, Droopy (e demais títulos do acervo da MGM),
Popeye (e outras produções dos estúdios Fleischer e Famous Studios) e parte do acervo da
Warner Bros., incluindo Looney Tunes e Merrie Melodies das décadas de 1930 e 1940. Tal
40
material era veiculado em blocos de programação infantil na programação do TNT, como The
Rudy and Gogo World Famous Cartoon Show e TNT Toons, que tiveram espaço na grade até
1997.
próprias. O Disney Channel, criado em 1983, funcionava ainda como um canal premium e dava
prioridade ao live action, exibindo filmes, séries e poucas animações (a maioria importadas ou
atrações de acervo). O Cartoon Network se destacava por dar pela primeira vez o status de
atração principal ao gênero. Com animações 24 horas por dia, as separava por blocos de séries,
personagens, estúdios ou até mesmo criadores ilustres (como Tex Avery e Bob Clampett). Tal
formato de programação buscava também atrair o público adulto, através da valorização do
legado dos títulos e do “fator nostalgia” – algo que definiria a linguagem que o canal seguiria
em seus primeiros anos.
Figura 13: Space Ghost Coast to Coast (à esquerda) e 2 Stupid Dogs, séries da Hanna-Barbera precursoras das
produções originais do Cartoon Network.
Tal abordagem diferenciada, ao lado da programação por pacotes com a TNT e TBS,
ajudou o Cartoon Network a formar público em seus dois primeiros anos, conseguindo se tornar
em 1994 um dos cinco canais por assinatura mais populares nos Estados Unidos. Space Ghost
Coast to Coast (1994), primeira série de animação exclusiva do canal, já refletia esta filosofia
ao fazer uma releitura de um personagem antigo da Hanna-Barbera em um contexto paródico –
Space Ghost, animado através da reutilização de planos de sua animação original de 1966,
tornava-se o host de um programa de entrevistas que interagia com celebridades reais e
personagens animados, em um contexto abertamente direcionado ao público adulto: suas piadas
e situações apenas podiam ser plenamente entendidas por uma parcela de público com mais
bagagem de conhecimento do gênero.
Novas atrações da fase de transição criativa dos estúdios Hanna-Barbera não tinham o
Cartoon Network como única vitrine. Via de regra, para garantir visibilidade, sua exibição era
compartilhada com o bloco de programação para syndication The Funtastic World of Hanna-
Barbera (exibido em canais abertos e regionais entre 1985 e 1994) e outros canais do grupo
42
Turner. Um destes títulos era 2 Stupid Dogs (1993), cujo formato se tornaria base para várias
séries de animação posteriores do Cartoon Network.
Vindo da MTV Networks, onde trabalhou na identidade visual do canal e no
reposicionamento da marca do canal Nickelodeon, Fred Seibert assumiu em 1992 a presidência
artística da Hanna-Barbera, impondo como caminho a revigoração criativa da empresa. 2 Stupid
Dogs, projeto do animador recém-formado pela CalArts Donovan Cook, foi a primeira série da
empresa com sua produção, que trouxe como diretores e animadores diversos profissionais
novatos do mercado, como Genndy Tartakovsky, Craig McCracken, Butch Hartman, Miles
Thompson, Paul Rudish, Rob Renzetti e Zac Moncrief; e um novo estilo de humor, abertamente
inspirado em Ren & Stimpy ao equilibrar linguagem moderna com estética clássica (além de
John Kricfalusi ser creditado como consultor em alguns episódios, outros profissionais de seu
estúdio Spümcø também contribuiram na série). Os blocos de 2 Stupid Dogs eram ainda
acompanhados de uma série paralela, Super Secret Secret Squirrel – que, a exemplo de Space
Ghost Coast to Coast, também fazia uma releitura moderna de um personagem clássico da
Hanna-Barbera, o Secret Squirrel, com um humor particular e autorreferencial.
Figura 14: Cartazes de Malcolm & Melvin, de Ralph Bakshi, e No Smoking, de David Feiss,
curtas integrantes do projeto What a Cartoon.
O formato de duração de cada piloto se baseava no “padrão Looney Tunes”, com sete
minutos de duração – que formariam um bloco semanal de meia-hora de duração com três
pilotos cada. Dos autores dos projetos selecionados, parte veio da equipe de produção de 2
Stupid Dogs. Outra grande parte veio de criadores novatos locais e de fora do país (com autores
do Canadá, Europa e Ásia) e ainda uma pequena parcela foi assinada por veteranos, como Don
Jurwich, Jerry Eisenberg, Ralph Bakshi e os próprios William Hanna e Joseph Barbera, que
assinaram dois curtas cada.
A equipe criativa desses pilotos, mesmo dos não-aprovados (como os de Rob Renzetti,
Seth McFarlane, Butch Hartman, Robert Alvarez e John McIntyre) foi em grande parte
aproveitada mais tarde nas séries regulares saídas de What a Cartoon!: Dexter's Laboratory (a
primeira a ser lançada, vinda do curta homônimo e de The Big Sister, de Genndy Tartakovsky),
Cow and Chicken (do curta No Smoking, de David Feiss), Johnny Bravo (dos curtas Johnny
Bravo e Johnny Bravo and the Amazon Women, de Van Partible), The Powerpuff Girls (de Meat
Fuzzy Lumkins e Crime 101, de Craig McCracken) e Courage the Cowardly Dog (de The
Chicken from Outer Space, de John Dilworth).
Ao criar seu próprio estúdio de animação em 1997, a Frederator Studios, Seibert lançaria
uma variação do mesmo projeto, agora intitulado Oh Yeah! Cartoons, para desenvolver seus
primeiros projetos originais. Veiculado pela Nickelodeon entre 1998 e 2001, a segunda fase do
projeto de pilotos daria origem a mais três séries: Chalkzone (de Bill Burnett e Larry Huber),
44
The Fairy Oddparents (de Butch Hartman) e My Life as a Teenager Robot (de Rob Renzetti).
99 curta-metragens de 54 personagens foram realizados. Seibert ainda faria outras duas séries
de “laboratórios” nos mesmos moldes para a Nickelodeon posteriormente: The Nicktoons Film
Festival (2004-2007) e Random! Cartoons (2008), onde os pilotos das séries Mighty B! (de
Amy Poehler, Cynthia True e Eric Wiese), Fanboy & Chum Chum (de Eric Robles), The Bravest
Warriors e Adventure Time with Finn and Jake (ambas de Pendleton Ward) foram apresentados.
cinco séries do canal – A Vaca e o Frango, O Laboratório de Dexter, Johnny Bravo, As Meninas
Superpoderosas e Eu sou o Máximo – em que, com tom satírico, as personagens principais
“interpretavam” navegadores portugueses na época do Descobrimento do Brasil. Com direção
de Daniel Messias a partir de roteiros de Carlos Tureta, o projeto foi integralmente realizado no
Brasil com supervisão da sede do Cartoon Network em Atlanta. Outra série em moldes similares
seria realizada no ano seguinte, Copa Toon, com cinco episódios.
Em 2004, o Cartoon Network fez sua primeira aquisição nacional, Turma da Mônica,
que finalmente teria seu material produzido entre as décadas de 1980 e 1990 veiculado no seu
destino original, como será explicado posteriormente. No mesmo ano, o canal também lançou
uma série de interprogramas de um minuto de duração adaptando personagens famosos dos
quadrinhos – o Cartum Netiuorque ou “Série Cartunistas”, também realizado pelos Estúdios de
Daniel Messias.
Em 2007, mesmo ano em que Turma da Mônica estreou na grade do feed latino do
Cartoon Network e na programação do canal irmão Boomerang, o canal também adquiriu para
seu bloco Adult Swim uma série stop motion em quatro episódios, A Guerra do Vinil. A
participação de títulos brasileiros na programação, no entanto, apenas ganharia maior força a
partir de 2009, com a aquisição e a co-produção de novos episódios da série Gui e Estopa, de
Mariana Caltabiano; e o lançamento de um lote de episódios inéditos de Turma da Mônica, com
animação realizada no estúdio carioca Labocine Digital.
6
Em novembro de 1996, com o lançamento da plataforma via satélite DirecTV, três canais latinos de programação
infantil – Locomotion e Cl@se, da Cisneros Television Group, e Zaz, da mexicana MVS Comunicaciones –
chegaram a iniciar a distribuição de seus sinais no Brasil, embora suas grades de programação, integralmente em
espanhol, não estivessem adaptadas ao país. Destes três, apenas o Locomotion ganharia um sinal localizado para
o Brasil e oficializaria sua distribuição em demais operadoras de TV por assinatura, a partir de 1 de novembro de
1998. Com um perfil próximo do Cartoon Network e focando-se exclusivamente em animação (com acervos
adquiridos da Hearst Entertainment e Viacom), o Locomotion se destacava por tentar alcançar – e depois focar
exclusivamente – o segmento jovem e adulto, dando destaque a títulos clássicos e atrações de mercados de
46
oficialmente distribuído no Brasil. O canal pode ser considerado como o primeiro entre os por
assinatura a exibir animação nacional, já que em sua programação de estreia, veiculou
regularmente duas atrações adquiridas da TV Cultura: a série Castelo Rá-Tim-Bum, com
quadros de animação, e o interprograma Os Urbanóides, de Cao Hamburger. No entanto, o
canal – que lançou um sinal exclusivo para o Brasil em agosto de 1998 – só lançaria uma série
de animação brasileira exclusiva em 26 de fevereiro de 2005: a primeira temporada de Anabel,
da Martinelli Filmes.
Já o Disney Channel teve seu lançamento no
Brasil, ainda em forma embrionária, por meio de um
sistema de pay per view em 21 de março de 1997. O
Disney Weekend, distribuído através da DirecTV em
todo o território da América Latina, funcionava apenas
entre as 21h de sexta a domingo, mediante o pagamento
semanal ou mensal do assinante, com uma grade de
programação baseada em séries, desenhos e filmes dos
blocos de programação da Disney na TV aberta
americana. O serviço existiu no Brasil até 1 de abril de
2001, sendo substituído pelo Disney Channel quatro
Figura 15: Anúncio do serviço de pay per
dias depois. O Disney Channel Brasil foi lançado tal view Disney Weekend (1997).
qual sua versão americana, enquanto canal premium,
disponível através de um pacote exclusivo e trazendo programação sem intervalos comerciais.
Tal condição persistiu até janeiro de 2004, quando o canal passou a ser distribuído de forma
tradicional em diversas operadoras. Apesar do feed brasileiro do Disney Channel estar
localizado no país desde sua estreia, sua primeira série de animação nacional, uma aquisição,
se deu apenas em abril de 2014: Gemini 8, da TV PinGuim.
animação diferenciados, como a Inglaterra e o Japão (cujas produções, com o tempo, passariam a ocupar a maior
parte da programação). Sem apresentar títulos brasileiros, o canal encerrou suas atividades em julho de 2005, dando
origem ao Animax (posteriormente Sony Spin), da Sony Pictures Entertainment, com outro posicionamento. Com
informações de SCHELP, Diego. Locomotion entra na TVA com Animação para Jovens e Adultos. Pay TV, 1 nov.
1998. Disponível em: <http://www.tv-pesquisa.com.puc-
rio.br/mostraregistro.asp?CodRegistro=84342&PageNo=1>; e LEÃO, Tom. Animação para 'teens' e adultos é a
tônica do Locomotion. O Globo, 3 jan. 1999. Disponível em: <http://www.tv-pesquisa.com.puc-
rio.br/mostraregistro.asp?CodRegistro=43198&PageNo=1>. Acesso em: 8 maio 2014.
47
The Ren & Stimpy Show, ao lado de outras atrações contemporâneas de alcance entre o
público adulto como The Simpsons, Beavis and Butt-Head e Liquid Television, foram cruciais
para transformar a imagem que o público norte-americano, principal realizador de animação
para o destino televisivo, havia desenvolvido por mais de trinta anos em relação a própria
técnica e formato de audiovisual. Diferentemente das demais, no entanto, Ren & Stimpy
modificou paradigmas dentro de um canal infantil – e sofreu as consequências tanto negativas
quanto positivas desta iniciativa. Se o título perdeu seu realizador durante sua produção por
divergências criativas, as inovações trazidas por ele perduraram para além de sua criação,
popularizando convenções novas de linguagem e abrindo caminho para que projetos e
realizadores diferenciados também oferecessem suas contribuições a um mercado que, poucos
anos antes, sofria com a saturação e com os efeitos de seu próprio isolamento.
Dexter's Laboratory, de Genndy Tartakovsky e The Powerpuff Girls, de Craig
McCracken, foram durante anos a principal atração da grade de programação do canal Cartoon
Network – posto hoje ocupado pelas séries Adventure Time with Finn and Jake de Pendleton
Ward e Regular Show, de J.G. Quintel, também frutos de um laboratório de séries de animação7.
Cada um destes títulos contribuiu de sua forma para trazer novidades em estilos de storytelling,
visual e forma de como todos estes novos elementos são absorvidos pelo público, tanto o infantil
– seu alvo primordial – quanto o maduro.
Também foi essencial para que tais parâmetros de mercado mudassem a entrada de dois
fatores de incentivo – uma nova janela procurando por um diferencial, a TV por assinatura; e a
chance de entrada a produtoras novatas independentes, com precedentes a serem destacados,
mas, ainda assim, em início de trajetória em realização de projetos próprios.
A partir do bem-sucedido resultado, um estúdio veterano obteve sucesso em sua
reestruturação criativa, utilizando-se de novos profissionais influenciados pelo trabalho destes
novos projetos, iniciando uma cadeia de renovação que trouxe de forma discreta para a televisão
uma parte da dita renaissance da animação, que também se desenvolveu nos filmes de animação
7
O piloto de Regular Show foi realizado como parte do programa de pilotos The Cartoonstitute (2008), cancelado
pelo Cartoon Network ainda em seu período de pré-produção. Ainda assim, o projeto deu origem a esta e a outras
duas séries, Uncle Grandpa e Secret Mountain Fort Awesome.
48
longa-metragem para cinema no mesmo período. Seus efeitos, no entanto, têm se mostrado mais
duradouros e flexíveis a convenções e fórmulas.
Séries integrantes de franquias e criadas dentro da necessidade de servir como peças de
merchandising de um projeto publicitário maior também se aproveitaram desta renovação de
apelo comercial vinda das “séries assinadas por um criador” e aumentaram seu alcance de
público de maneira considerável. Dois exemplos recentes que se encaixam nesta categoria são
My Little Pony: Friendship is Magic, de Lauren Faust – reimaginação de uma franquia de
brinquedos da empresa Hasbro – e a mais recente encarnação audiovisual de Mickey Mouse,
tomada forma através de uma renovada série de curtas-metragens para o Disney Channel
assinadas por Paul Rudish. Tais séries, embora tenham direcionamentos de público claramente
definidos, possuem apelo e grande aceitação entre públicos completamente distintos. Todas
jogam a favor e transcendem as segmentações de público cada vez mais pedidas para viabilizar
a criação de novos títulos de animação – deixando de ser apenas as séries “para crianças”, “para
adolescentes” ou mesmo “para adultos” informadas em seus rótulos para poderem ser
apreciadas igualmente por todos os públicos, por diversos motivos que vão desde a qualidade
de seus roteiros e de sua animação até o desenvolvimento das próprias mitologias que embasam
suas narrativas seriadas.
A técnica da animação também é um elemento a ser considerado, já que, em contramão
à animação para cinema, que tomou o 3D estereoscópico como sua nova técnica majoritária, o
2D, seja digital ou mesmo em um ato de resistência da técnica tradicional, ainda resiste como
majoritária. Os custos ainda despontam como grande razão da persistência da técnica que,
graças à evolução das tecnologias de animação, hoje permite o desenvolvimento de mercados
novos que, até poucos anos atrás, observavam a evolução da animação comercial a passos lentos.
Este é o caso do mercado brasileiro, objeto deste estudo e cujo histórico relacionado a
animação para a janela televisiva é intimamente ligado à propaganda e à necessidade de
evolução de franquias comerciais já consolidadas no país. Sua rápida evolução recente, em
especial em mercados como Rio de Janeiro (foco central do estudo), São Paulo e Paraná, no
entanto, também se deve a outros fatores específicos que serão introduzidos no capítulo a seguir.
49
O MERCADO BRASILEIRO
A história da animação brasileira como um todo possui, nas primeiras décadas do século
XX, raras referências. Da primeira animação conhecida, O Kaiser (1917), à metade do século,
figuram exemplos esparsos, a maioria sob a forma de curtas-metragens e trabalhos
experimentais de baixa circulação. Em comum com a produção dos três primeiros longas-
metragens de animação brasileiros (Sinfonia Amazônica de Anélio Lattini Filho, Presente de
Natal de Álvaro Gonçalves e Piconzé de Ypê Nakashima) entre 1953 e 1972, destacavam-se o
trabalho longo, árduo e artesanal de seus realizadores, à parte de incentivos fiscais, equipes de
trabalho e patrocínios – o que gerou, por consequência, dificuldade de distribuição e retorno, e
a impossibilidade de continuidade.
No entanto, em paralelo ao trabalho destes profissionais pioneiros do ramo da animação,
esforços consistentes também começaram a ser elaborados em agências paulistas e estúdios
especializados em prestação de serviços de propaganda para as recém-nascidas emissoras de
televisão. Foi a partir destes trabalhos que grande parte da animação comercial brasileira
lançada entre as décadas de 1960 e 1980 foi viabilizada, dando origem às primeiras tentativas
de produção de conteúdo serializado – sendo Turma da Mônica o projeto mais expressivo e
duradouro deste período.
Criada em 1958 por Cesar Memolo Júnior, a Lince Filmes, depois renomeada Lynxfilm,
introduziu várias das técnicas que se tornariam padrões na produção de propaganda em
audiovisual no Brasil. Com o auxílio de profissionais oriundos do cinema (muitos vindos do
recém-falido estúdio de cinema Vera Cruz), um novo padrão de qualidade foi imposto, mudando
paradigmas e profissionalizando a produção de peças em uma realidade nacional de mercado
ainda iniciante: a TV comercial no país existia há menos de dez anos e o formato de comerciais
ainda era refém das limitações da produção ao vivo, resumindo-se a garotas-propaganda e slides
de texto.
Levando-se em conta os custos ainda muito altos da produção de peças comerciais em
filme – que, antes da chegada do videotape no país, demandavam sempre a filmagem em
50
película – como afirma o empresário José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, que trabalhou na
fase inicial da Lynxfilm, o uso de animação foi apontado como uma alternativa viável para
otimizar o tempo de produção da propaganda e evitar a refilmagem desnecessária de material.
Segundo seu relato na autobiografia O Livro do Boni:
Quando havia um defeito [nas peças de propaganda filmadas] tínhamos que refazer o trabalho antes
mesmo de mostrar para os clientes. E, mesmo assim, sempre havia mais alguma correção pedida pela
agência ou pelo próprio cliente. Começamos a criar uma cultura de qualidade. Foi mais rápido conseguir
isso no desenho animado. Sem cenários reais, atores e figurinos, tudo ficava mais fácil. O Ruy
Perotti Barbosa, um dos pioneiros da animação, fazia parte do grupo e o desenho animado permitia
um controle maior dos contrastes e a garantia de uma imagem mais limpa. Por isso, além de filmes
com pessoas reais fizemos muitos desenhos animados. (OLIVEIRA SOBRINHO, 2011, p. 78).
Ruy Perotti era o diretor responsável pelas peças de animação do estúdio, cujo
pioneirismo e qualidade possibilitou se tornar a maior produtora do ramo no país. Dos cerca de
dez mil filmes de propaganda produzidos pela Lynxfilm até o encerramento de suas atividades
enquanto produtora, em 1987 (tornando-se hoje parte do Grupo Casablanca), mais de 3000
peças são de animação. Durante a década de 1960, tal formato chegou a ultrapassar a metade
da produção do estúdio.
Produzindo sob encomenda diretamente para seus clientes ou mesmo prestando serviços
para outras agências de propaganda, a Lynxfilm também auxiliou na criação de uma lógica de
mercado que seria seguida por suas descendentes no futuro, passando a produzir tanto
internamente quanto prestando serviços de animação para outras agências. Juntamente do
animador francês Guy Boris Lebrun (inicialmente em sua produtora Dinamic Filmes e
posteriormente na Studios Guy), a Lynxfilm ajudou a criar duas escolas de animação informais:
uma seguindo o estilo econômico de inventividade visual de Perotti, e outra desenvolvendo o
estilo detalhista dos estúdios de Lebrun.
A partir do trabalho destes animadores, uma equipe de discípulos, principalmente a
partir da década de 1970, pôde dar origem a um novo mercado de estúdios de animação em São
Paulo. Da Lynxfilm, surgiram os profissionais que criariam o estúdio de Daniel Messias, a Elo
Filmes de Ely Barbosa e a Start Anima de Walbercy Ribas. Da Guy, a Briquet Filmes.
Foi a este meio da propaganda e da animação comercial brasileiras que o desenhista
Mauricio de Sousa foi apresentado em 1968, quando seus personagens de crescente
51
Mainardi quis adaptar a peça para a televisão na forma de um desenho animado que
funcionasse como propaganda, estendendo e explorando mais o humor da situação absurda de
uma criança trazer um elefante para a cozinha da mãe. Mauricio, em troca, tomou conta de
exigir alguns cuidados, como substituir o elefante, então sem identificação, por Jotalhão –
personagem originalmente criado sob encomenda para o Jornal do Brasil mas que acabou se
tornando, na época, coadjuvante das tiras de Raposão. E Cebolinha foi retirado da peça,
mantendo apenas Mônica, na época uma personagem já bastante querida, mas de poucas
palavras nas tiras de jornal. Desta forma, em meados do ano, a peça, com animação dos Estúdios
de Guy Lebron, chegou à televisão, alcançando rápida popularidade e dando início a uma série
de anúncios para a Cica, utilizando-se sempre dos personagens de Mauricio como garotos-
propaganda. Mônica, que já crescia em participação nas tiras de jornal, logo tornou-se a
52
protagonista de grande parte deste material, com os trabalhos de animação realizados tanto pelos
Studios Guy quanto pela Lynxfilm.
Figura 17: Comparação entre esboço de Mauricio de Sousa para os personagens Mônica e Jotalhão, à esquerda,
e os personagens em sua primeira peça comercial em animação para o Extrato de Tomate Elefante, em 1968.
Mauricio, no entanto, por um bom tempo, não obtinha controle criativo sobre como os
estúdios de propaganda trabalhariam com seus personagens. Algumas das primeiras peças
animadas chegavam a modificar significativamente a caracterização dos personagens, trazendo
Mônica, Cebolinha e Cascão com aparências bastante diferentes dos quadrinhos – que, na
mesma época, passavam a ser publicados em uma revista própria da Editora Abril. Uma das
propagandas, em especial, chegou a causar reclamações abertas do próprio Mauricio de Sousa
para a agência – que a veiculou por meses, sem sua autorização prévia. A peça apresentava
Cascão em uma situação que traía os próprios princípios básicos de sua personalidade para
vender uma marca de chuveiros.
Cebolinha aparecia espiando por uma janela, admirando-se e falando: “Olha o Cascão tomando banho”.
Daí, na cena seguinte, aparecia o Cascão, peladinho, debaixo do chuveiro, esfregando-se, feliz,
comentando: “Mas só se for com o chuveiro L…” e vinha a marca do tal chuveiro, que está aí, na praça,
até hoje. (SOUZA, 1999. O Banho Pirata do Cascão.
<http://clartestudio.com.br/projetos/turmadamonica/cronicas/o-banho-pirata-do-cascao/> )
personagens, Mauricio iniciou um investimento para que uma série de animação tomasse forma.
E o primeiro fruto desta empreitada, bancado pelo próprio caixa do estúdio, foi realizado em
1976: o curta de animação O Natal da Turma da Mônica.
O Estúdio Daniel Messias Cinema de Animação, criado em 1975, foi o responsável por
realizar a animação do primeiro curta-metragem não-publicitário dos personagens de Mauricio
de Sousa. Uma equipe de quarenta profissionais, com direção de animação de Jayme Cortez,
viabilizou a produção de O Natal da Turma da Mônica em um mês, visando seu lançamento
pela Rede Globo em horário nobre da véspera de natal, antes da novela Duas Vidas. A intenção
de Mauricio de Sousa, que bancou um prejuízo inicial de 40% do capital investido para garantir
que o produto fosse veiculado no prazo das festas de fim de ano (VESPUCCI, Estadão, 1986),
era que a peça, efetivamente um piloto, atraísse financiamento para a criação de uma série de
curtas de animação direcionados para a televisão. Projeto este que tinha a ambição de auxiliar
na distribuição internacional das revistas em quadrinhos do estúdio que, na época, havia firmado
uma parceria com a United Press International (UPI), garantindo a chegada das tiras de seus
personagens para diversos territórios. Como parte do investimento, Mauricio adquiriu em 1977
os próprios estúdios e equipamentos da Black & White & Color – uma compra, segundo valores
da época, avaliada em dez milhões de cruzeiros (FASSONI, Folha de São Paulo, 1982).
Figura 18: Personagens Mônica e Cascão em peça publicitária da Cica (1971, à esquerda) e no curta-metragem
O Natal da Turma da Mônica (1976).
54
Brigamos com os americanos e japoneses em ritmo desigual. Eles possuem todo um reforço de filmes
para televisão e cinema que nós não dispomos. As revistas estrangeiras congelam nossos personagens
somente por um motivo: por falta de promoção visual. Como perder um mercado desses? Além de
conquistar outro, aqui no Brasil, que encontre nas telas, nas figuras do pessoal da Turma da Mônica, a
sua realidade, o seu mundo. (BARBARA, Aida. A Turma da Mônica dos Quadrinhos para o Cinema.
Estado de São Paulo, 10 out. 1982. p. 38).
55
As dificuldades não eram com relação aos temas. Primeiro tivemos que convencer os desenhistas [do
setor de quadrinhos] e animadores [do estúdio Black & White & Color], que antes só faziam anúncios
publicitários, a que abrissem mão dos salários astronômicos [dos estúdios de propaganda] e aceitassem a
estabilidade de um emprego fixo. Além disso, dividimos o filme em cotas e demos a cada membro da
equipe – um total de 70 na parte artística – uma parcela do que o filme pode render por um período
de cinco anos. (BARBARA, Estado, 1982. p. 38)
8
Entre os filmes nacionais de longa-metragem que envolvem animação, Os Trapalhões no Reino da Fantasia
(1985) e Os Trapalhões no Rabo do Cometa (1986) até hoje detêm a marca de mais vistos nos cinemas, alcançando
1,7 e 1,2 milhão de espectadores, respectivamente – contra os 1,1 contabilizados pelo primeiro filme da Turma da
56
Mônica. Já Turma da Mônica em A Princesa e o Robô (1984), com 616 mil, é a quarta produção mais vista, seguida
de Xuxinha e Guto Contra os Monstros do Espaço (2004, 596 mil) e Turma da Mônica em Uma Aventura no Tempo
(2007, 531 mil). Com informações de Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual – OCA. Filmes
Brasileiros com Mais de 500.000 Espectadores – 1970 a 2012. Ancine, 2012. Disponível em
<http://oca.ancine.gov.br/media/SAM/DadosMercado/2105.pdf>. Acesso em: 10 maio 2014.
9
Vinhetas de trinta segundos foram produzidas a partir do primeiro semestre de 1984, adaptando histórias dos
quadrinhos, tiras de jornal ou ilustrando canções educativas. Posteriormente, com o título Mónica y sus Amigos,
este material seria trabalhado como parte de um esforço de divulgação das revistas em quadrinhos, vídeos e discos
da Turma da Mônica em canais de TV argentinos e peruanos. Com Informações de Mônica na TV (Ilustrada, Folha
de São Paulo, 18 jul. 1983), Mônica vai ao Espaço com toda sua Turma (Caderno B, Jornal do Brasil, 13 jan. 1984)
e Novos Talentos e Velhos Problemas no Desenho Animado (Caderno 2, Estado de São Paulo, 19 jan. 1986).
10
Segundo Mauricio de Sousa, a opção da produtora de Renato Aragão pelo uso de animação em Os Trapalhões
no Reino da Fantasia e Os Trapalhões no Rabo do Cometa foi consequência direta do período de separação do
grupo de humor durante o ano de 1983, que afetou a longo prazo a produção de material inédito do quarteto. A
Renato Aragão Produções Artísticas, entre 1979 e 1992, honrava um contrato de distribuição que previa o
57
Quatro médias-metragens foram produzidos seguindo tal formato, com quatro curtas
inéditos em cada um: As Novas Aventuras da Turma da Mônica (lançado em 20 de setembro de
1986), Mônica e a Sereia do Rio (07 de fevereiro de 1987), O Bicho Papão e Outras Histórias
lançamento de dois filmes por ano, sempre nos períodos de férias escolares. Com dados de SOUSA, Mauricio de.
Os Trapalhões e Eu. Crônicas, Portal Turma da Mônica, 17 de novembro de 1997. Disponível em
<http://clartestudio.com.br/projetos/turmadamonica/cronicas/os-trapalhoes-e-eu/>. Acesso em:11 maio 2014.
58
Fazíamos dezenas de cópias dos filmes, espalhávamos pelo país e os resultados de bilheteria eram
medíocres. Era estranho (!). As salas de cinema lotavam com os filmes da Mônica. Mas quando
contavam os bilhetes para nos pagar pela exibição, vinham números ridículos. Dava a impressão de
que a maior parte da platéia era de fantasmas, que tinham entrado pelas paredes e não pela bilheteria.
[…] Joguei a toalha. Não dava para continuar com sucesso e com prejuízo. Era lógico e perigoso.
Desativei nossos estúdios de animação, paralisamos um processo que já contava com setenta artistas e
parei para aguardar. Com dúvidas sobre se reiniciaríamos, algum dia, a animação aqui no Brasil ou
partiríamos para a montagem de esquemas de produção em outros países. (SOUZA, 1997. Vamos que
Vamos, de Novo, para o Desenho Animado.
<http://clartestudio.com.br/projetos/turmadamonica/cronicas/vamos-que-vamos-de-novo-para-o-
desenho-animado/> )
leva testaria a terceirização da animação e técnicas de animação por computador, refletindo a própria
fase de transição de técnica passada pelo mercado de animação no período. Uma fase em que o
próprio mercado brasileiro, inclusive, começou a flertar com a possibilidade de ser um centro de
mão-de-obra de animação estrangeira.
Figura 21: Cenas dos Episódios Friar Tum (1990) e Moonlight Madness (1994) das séries
The Adventures of The Gummi Bears e Aladdin: The Series.
11
Posteriormente, a Clewer Image se especializaria na realização de serviços de animação em computação gráfica.
Seus trabalhos mais expressivos incluem episódios de Storyteller Cafe, uma série de vídeos infantis gospel, e o
média-metragem bíblico The Witness, ambos realizados para a rede de televisão CBN. A produtora também
participaria da distribuição internacional do longa-metragem O Grilo Feliz, realizado pela Start Desenhos
Animados em 2000, e realizaria o piloto de uma série própria, The Florickers, em 2007.
62
O produto final, a rigor, configurava um trabalho em que a maior parte da mão de obra
vinha do exterior, diluindo a participação brasileira na execução do produto final. 12 A
dificuldade do estúdio brasileiro em obter maior controle técnico sobre o processo de animação
deste conteúdo, no entanto, contribuiu para que tal tentativa de terceirização acabasse restrita
apenas a este lote de episódios.
Segundo o animador Luís Kanton Jr. (ESTADO, 1999) a falta de uniformidade nos
traços dos personagens e a qualidade abaixo do esperado do produto final chinês foram
determinantes na decisão de Mauricio de Sousa em reinvestir em mão de obra própria na
produção dos episódios que seriam efetuados a partir daquele ponto. A divisão de animação
iniciaria, a partir dali, um novo momento de produção constante de curtas-metragens, vinhetas
e episódios de Turma da Mônica, que se estenderia por mais dez anos.
A experiência fora do país dos estúdios de Mauricio de Sousa era também uma forma
de agilizar a demanda de trabalho enquanto novos métodos de agilizar a produção de conteúdo
eram testados. Com uma equipe reduzida de profissionais, o estúdio buscava intensificar o uso
do computador enquanto ferramenta de trabalho, testando inventividades no visual até então
adotado em suas animações.
Entre os episódios lançados na série de vídeos da Publifolha, cinco deles – O Mônico,
O Plano Sangrento, Ser Criança, Como Atravessar a Sala e Chico Bento no Shopping, além de
uma série de dez vinhetas musicais protagonizadas pelo personagem Penadinho – chamam a
atenção por usar massivamente computação gráfica para composição de cenários, construídos
de forma a sugerir impressão de profundidade. Tal ambiente tridimensional, no entanto,
interagia com personagens e elementos animados de forma tradicional, colorizados por
computador. O produto final, diferente dos curtas realizados em película durante a década de
1980, era finalizado em videotape, numa tentativa de agilizar a finalização com menor perda de
qualidade.
12
Tal esquema de produção em que o trabalho criativo de uma animação, a partir de um título de propriedade
brasileira, é executada por completo fora do país, seria repetido em outras duas séries, anos mais tarde: Princesas
do Mar (2008, Netuno Films), animada na Espanha e realizada na Austrália; e A Turma do Ronaldinho Gaúcho
(2011, GiG Entertainment), produzida integralmente na Itália.
63
Figura 23: Uso de Computação Gráfica em cenários de O Mônico (1997), à esquerda, e cena de No Zoológico
(1998), com animação realizada em estúdio chinês.
O sinal de possível barateamento dos custos apontado pela chegada dos softwares de
animação facilitou a investida de canais de televisão no segmento com mais intensidade, embora
a maioria dos projetos saídos do papel no período tenha se limitado a produção de vinhetas ou
episódios curtos de, no máximo, dois minutos de duração – e, em geral, sem exibição regular
na programação das grandes redes.
Um dos primeiros esforços expressivos puderam ser vistos já no início da década de
1990, durante a programação infantil da TV Cultura de São Paulo. Em 1991, o animador Flávio
Del Carlo, responsável por um longo currículo de curtas-metragens, seria o responsável por
realizar, em animação tradicional, as vinhetas de abertura das atrações Rá-Tim-Bum e Glub Glub
– que, entre curtas de animação de diversos países, também exibia vinhetas em stop motion de
Os Urbanóides, de Cao Hamburger. Em 1994, Cao coordenaria segmentos de sua série Castelo
65
Rá-Tim-Bum com uso de diferentes técnicas de animação para ilustrar mensagens educativas.
Destacavam-se entre eles Poesias Animadas, com animação realizada pela produtora TV
PinGuim de Kiko Mistrorigo e Célia Catunda13, que traduzia em imagens catorze poemas de
autores brasileiros; e Ratinho, de Marcos Magalhães, que unia stop motion a animação
tradicional para ilustrar quatro canções sobre higiene pessoal de Hélio Ziskind.
A partir de 1997, as entradas e saídas de intervalo das sessões de filmes e séries
importadas da Rede Globo – os informalmente chamados “Plimplims” – passaram a ser
ocupadas por vinhetas de 15 segundos de diversos autores, sempre em animação, narrando
histórias curtas ou mensagens educativas. Tal expediente seguiria com renovações constantes
até 2005, quando a identidade visual do canal passou por uma nova reformulação.
13
A mesma TV PinGuim lançaria pela TV Cultura e TV Escola outras duas séries de vinhetas animadas, com
cunho educativo e exibição aleatória pela programação: Rita (1994) e De Onde Vem? (2001).
66
personagem criado por Rogério Martins e Ridaut Dias Júnior para uma série de revistas em
quadrinhos em 1994. Tal personagem protagonizou uma série de vinhetas de 15 segundos a 2
minutos de duração lançadas a partir de 2000, e veiculadas em diversos canais (Band, Futura,
Rá-Tim-Bum) nos anos seguintes. Entre outros títulos do período realizados nos mesmos
moldes também está Smilinguido, cujas vinhetas com mensagens bíblicas eram veiculadas como
interprogramas pelos canais da Igreja Universal em meados da década de 1990.
Mais uma vez, no entanto, seria Turma da Mônica o título mais ativo neste período
predominado por vinhetas de personagens infantis. Em dezembro de 1998, o estúdio Mauricio
de Sousa, já com trinta profissionais em seu renovado núcleo de animadores (ELIAS, Estado,
1999) assinou um contrato de sete anos com a Rede Globo, prevendo, além de um investimento
de R$ 1 milhão na produção de novas animações, uma atração exclusiva 14 para seus
personagens na grade infantil da emissora.
O projeto de programa infantil da Turma da Mônica para a Rede Globo seria similar ao
anteriormente proposto para a Rede Manchete em 1983, mesclando vinhetas animadas com
14
O aparente desgaste da fórmula de programa infantil de auditório, seguido massivamente pelos canais de TV
brasileiros até meados da década de 1990 e capitaneado por Xuxa, levou a Rede Globo a projetar em 1998, por
intermédio do então diretor de programação Roberto de Oliveira, um bloco de programação que seria implantado
na grade aos poucos. Assemelhando-se a grade infantil da TV Cultura, a intenção era que várias atrações de meia-
hora a uma hora de duração ocupassem completamente a faixa da manhã – minimizando, a longo prazo, a presença
de atrações estrangeiras na programação. Na mesma época em que Mauricio de Sousa firmou contrato com a Rede
Globo para a produção de animações e de um programa infantil próprio, profissionais como Cao Hamburger e
Mariana Caltabiano também foram contratados para assumir projetos de outras atrações para compor a nova grade,
como Capitão Sardinha, Garrafinha e Flora Encantada, todas de cunho educativo. A maioria destes conteúdos
projetados acabariam, no entanto, lançados como blocos do infantil Bambuluá, lançado em 2000 – em que a atração
principal, uma novelinha protagonizada por uma equipe de super-heróis chamados Cavaleiros do Futuro,
funcionava como uma resposta ao sucesso dos títulos japoneses, entre séries e animações, veiculados na época
pelas emissoras concorrentes. Com informações de LEE, Anna. Manhã da Globo terá Mônica e programa
de Cao Hamburger. TV Folha, Folha de São Paulo, 20 dez. 1998. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/tvfolha/tv20129805.htm>; Turma da Mônica estreia na Globo. TV Folha,
Folha de São Paulo, 27 jun. 1999. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/tvfolha/tv27069911.htm>;
CORRÊA, Elena. Turma da Mônica agita a Programação Infantil. O Globo, 4 dez. 1998. Disponível em:
<http://www.tv-pesquisa.com.puc-rio.br/mostraregistro.asp?CodRegistro=42230&PageNo=1>; e APOLINÁRIO,
Sônia. Turma da Mônica chega a Globo para desbancar Reinado das Loiras. Estado de São Paulo, 6 dez. 1998.
Disponível em: <http://www.tv-pesquisa.com.puc-rio.br/mostraregistro.asp?CodRegistro=42323&PageNo=1>.
Acesso em: 08 maio 2014.
67
15
Dos blocos em live action planejados, apenas dois chegaram a ser exibidos durante Turma da Mônica na TV:
Turma do Penadinho, com puppets, e Jotalhão Campeão – onde o personagem, defendido pelo ator Zé Claiton,
apresentava matérias sobre esportes. Entre quadros anunciados mas nunca exibidos, figuravam um talk show onde
o elefante entrevistaria celebridades; o Jornal Animal, com os personagens Bidu e Mingau; um momento em que
Mônica e seus amigos aprenderiam lições em um ambiente escolar; e outro onde, a exemplo de Daniel Azulay,
Mauricio de Sousa ensinaria desenho a seus espectadores. A série de atrasos sofridos pelo projeto, que, mais de
uma vez, teriam resultado em seu cancelamento, segundo Daniel Castro (“Globo mantém 'Turma da Mônica' na
geladeira”. Outro Canal, Folha de São Paulo, 29 de setembro de 2001) seria resultado de uma série de rejeições de
Mauricio de Sousa a projetos de bonecos e cenários apresentados pela Rede Globo, que concentraria a produção
das esquetes.
68
O formato de package film para cinema também esboçaria um retorno em Cine Gibi: O
Filme (2004), longa-metragem que apresentava seis curtas inéditos como segmentos
apresentados pelos personagens. O nome Cine Gibi seria utilizado em mais cinco DVDs
lançados nos anos seguintes. Lançados como “continuações”, tal formato assumiria a função de
janela de lançamento de episódios inéditos de Turma da Mônica de forma paralela à televisão,
prosseguindo sua distribuição através do selo de home video da Paramount. Os Estúdios
Mauricio de Sousa seriam responsáveis integrais pela animação dos episódios lançados até o
terceiro volume, Planos Infalíveis, lançado em 2008.
A estratégia de lançamento de Turma da Mônica utilizando-se do vídeo doméstico como
janela de distribuição encontrou reflexo em diversas outras iniciativas semelhantes no mercado,
sendo algumas delas decisivas na consolidação de novos estúdios de animação nos anos
seguintes. De fato, em paralelo ao crescimento do alcance da animação brasileira pela televisão
na última década, dois títulos em especial alcançaram acesso e retorno de público utilizando-se
como principal forma de acesso ao público o DVD.
16
Filmes de baixo orçamento que, para garantir apelo comercial imediato, espelham-se em grandes lançamentos
dos cinemas, com similaridades intencionais de roteiro e de visual. Em geral, são lançados diretamente em vídeo.
70
bastante similar ao adotado pela série de DVDs Grandes Aventuras de Turma da Mônica, se
destacando, contudo, pela regularidade de produção e lançamento de novos volumes. Tal
longevidade do título o ajudou a se caracterizar como a mais longeva série brasileira de
animação em produção regular constante.
A série, cujo protagonista é inspirado no
próprio líder da igreja, R.R. Soares, possui uma
linguagem visual e narrativa que a aproxima
bastante das produções de Mauricio de Sousa no
mesmo período, chamando a atenção até mesmo
pela repetição de dubladores e trilhas musicais. As
similaridades se estendem à própria equipe de
produção e mão de obra de animação, absorvida
dos estúdios de Mauricio de Sousa, como
Figura 29: Midinho, o Pequeno Missionário (2009) consequência de circunstâncias que serão
explicadas posteriormente.
O retorno comercial de Midinho tornou a série carro-chefe de uma distribuidora de
filmes exclusiva para a Igreja de R.R. Soares, a Graça Filmes, lançada em 2010. Também se
destacou a tentativa de criação de um estúdio próprio de animação em 2011, e a produção de
uma segunda série, Turminha da Graça, com 52 episódios, criada a partir de uma publicação
infantil da Igreja.
servir como uma evolução da técnica de animação limitada. Através do uso de camadas que
fazem as vezes das folhas de acetato na animação no papel, o Flash permite criar “bonecos”
digitais e construir com eles movimentos vetorizados, calculados matematicamente – as
interpolações. Assim, na chamada animação cut out, o trabalho de animação além dos quadros-
chave, que antes seria executado por uma equipe de intervaladores, é realizado pelo próprio
computador – o que agiliza a criação de animações fluidas e minimiza a importância do papel
enquanto matéria-prima, barateando de forma inédita os custos de todo o processo.
Figura 30: The Goddamn George Licquor Program (1997), primeira série de animação realizada para a internet.
Graças ao tamanho leve de seus arquivos, o Flash ainda permitiu que séries de animação
realizadas no formato ousassem utilizar da plataforma da internet para chegar ao público, numa
época em que a baixa velocidade de conexão era um grande empecilho para a distribuição de
multimídia.
The Goddamn George Liquor Program (1997), minissérie em oito episódios de John
Kricfalusi realizada a partir de um personagem apresentado na segunda temporada de The Ren
& Stimpy Show, figura como a primeira delas, abrindo espaço para vários outros títulos nos anos
seguintes e, em especial, uma onda de produções a partir de 2000, a grande maioria realizados
em animação limitada. Em 2003, o primeiro filme de longa-metragem majoritariamente
animado em Flash foi lançado no México, Feiticeiros e Gigantes (Magos y Gigantes, Anima
Studios).
Levaria um tempo, no entanto, até tal tecnologia efetivamente encontrasse seu espaço
no mercado brasileiro de animação e efetivamente o ajudasse a se expandir. No mesmo período
73
em que as primeiras webséries começavam a surgir nos Estados Unidos, os primeiros projetos
expressivos realizados no Brasil no formato surgiram através de webcomics. Tratava-se de
histórias em com capítulos curtos distribuídos de forma regular e gratuita, que aliavam efeitos
sonoros e animações simples às narrativas17 sem abandonar os elementos básicos da construção
clássica de histórias em quadrinhos.
Combo Rangers, grupo de super-heróis criados por Fábio Yabu em 1998, despontou
como o título regular brasileiro de webcomics mais popular da época, e um dos primeiros a
esboçar uma transição para a animação. Após a produção de 51 episódios no formato de
webcomics divididos em dois grandes arcos de histórias, três episódios de sete minutos
integralmente em animação foram lançados em 28 de novembro de 2000. A curta série adaptava
o início do arco de histórias Combo Rangers: Revolution, publicada paralelamente a uma versão
quadrinizada, disponível em bancas de jornal pela editora JBC.
O formato digital também se tornaria rentável para a produção de charges animadas. A
partir de 2000, sites como Charges.com.br, Mundo Canibal, Animatunes e Humortadela se
especializariam em veicular animações curtas de grande popularidade, satirizando situações do
cotidiano ou personalidades famosas através de rápidas esquetes.
Entre outras experiências embrionárias em Flash deste período, caracterizados por várias
séries de curta duração, também podem ser citados como exemplos brasileiros relevantes
Amazon – Os Guerreiros da Amazônia (2000, realização da produtora carioca RJR Produções
para o portal Globo.com); e Penadinho e Astronauta (produzidos pelos Estúdios Mauricio de
Sousa para veiculação no site monica.com.br entre 2001 e 2002). Estes últimos traziam, a cada
episódio, opções interativas que, escolhidas livremente pelo espectador, influíam no destino dos
personagens.
17
A Morta Viva, lançado em janeiro de 2000 pelo portal UOL, figura como outro exemplo possível de uma
webcomic semi-animada de sucesso do período. Protagonizada pela personagem de quadrinhos Rê Bordosa, de
Angeli, os onze capítulos do título repetiam à risca o estilo gráfico adotado em suas tiras de jornal, tornando-se
basicamente uma história em quadrinhos com movimento. Na época do seu lançamento, A Morta Viva superou a
marca de 5 milhões de pageviews. Com informações de UOL. Não perca o último capítulo de Rê Bordosa em "A
Morta Viva". Sobre UOL, 31 de março de 2000. Disponível em:
<http://sobre.uol.com.br/ultnot/novidade/noticias/ult98u20.jhtm> Acesso em: 26 maio 2014.
74
A tecnologia Flash também foi a base para a produção de pequenas vinhetas e animações
apresentadas na série de vídeos e DVDs infantis Xuxa só Para Baixinhos, iniciada em 2000.
Alguns dos números musicais dos vídeos envolviam, por exemplo, a personagem Xuxinha em
forma de desenho animado, que interagia com a apresentadora e participava das canções.
Elemento que, de certa forma, auxiliou nos planos comerciais de Diler Trindade, produtor de
cinema que, na época, era responsável pela produção de longas-metragens de grande público,
como Xuxa e os Duendes. Diler tinha ambições de trabalhar com o formato de animação no
Brasil em razão das possibilidades de exportação do material. Sua referência, na época, estava
no longa-metragem La Tortuga Manoelita, de Manuel García Ferré. Lançado em 1999 nos
cinemas argentinos, a animação, baseada livremente em uma canção infantil popular do país,
havia alcançado enorme sucesso nas salas de cinema locais, ultrapassando dois milhões de
espectadores18, além de chegar a circular em outros países de língua hispânica.
Após um esforço de distribuição e divulgação que envolvia o canal SBT como janela
principal e a escalação da então apresentadora infantil Jackeline Petkovic como dubladora da
protagonista, Manoelita foi lançado no Brasil em 18 de janeiro de 2002 com a função de servir
como um teste de público para o investimento em um filme de animação brasileiro. O retorno
de cerca de 600 mil espectadores, alto para um filme hispânico no país, pesou na decisão do
produtor em seguir em frente em seus planos de trabalhar em um título próprio. A intenção era
que, utilizando-se de uma marca de prestígio no país, o filme brasileiro tivesse condições de
dobrar os resultados alcançados por Manoelita, e fosse o primeiro de uma série de produções
no ramo em produção constante. Tal ambição demandava a criação de uma estrutura exclusiva
para a produção de animação.
A produtora carioca de efeitos visuais Twister se uniu a Diler e Wilson Borges, então
sócio do laboratório cinematográfico Labocine, responsável por serviços de finalização de
longa-metragens, na construção de uma empresa direcionada à produção de conteúdo. Tal
estúdio foi criado em meados de 2004 no Rio de Janeiro dentro da própria Labocine, a partir de
um investimento de R$ 3,5 milhões de reais – valor que supera a metade do orçamento destinado
18
Com informações de HESSEL, Marcelo. Mais que um desenho (bem) simples. Omelete, 18 de janeiro de 2002.
Disponível em <http://omelete.uol.com.br/cinema/mais-do-que-um-desenho-bem-simples/>. Acesso em: 29 maio
2014.
75
19
Com informações de ALMEIDA, Carlos Helí. Xuxa em 3D: o apoio ao projeto de desenho animado. Caderno B,
UOL, 03 de julho de 2006. Disponível em <http://www2.uol.com.br/debate/1265/cadd/cadernod05.htm>. Acesso
em: 19 maio 2014.
76
timing diferente dos trabalhos anteriores envolvendo os personagens – algo que seria
aprimorado no projeto seguinte, uma série de episódios de Turma da Mônica, realizadas pela
mesma equipe de animadores e realizadores do longa-metragem.
Figura 31: Em sentido horário, cenas de Os Brincos Novos que a Mamãe Comprou,
Brincando de Boneca e Os Cinco Fios Mágicos, episódios de Turma da Mônica realizados
no estúdio Labocine Digital em 2008.
A partir deste momento, um período de produção intensa de novos títulos tem início e
ganha força no mercado brasileiro a criação de novos personagens e séries originais, seja através
de projetos de produtoras externas, seja pelos próprios estúdios, iniciando uma realidade inédita
no mercado brasileiro de animação. É este momento do mercado que será estudado a seguir,
tendo como base o quanto a “autoralidade” consegue prevalecer em títulos diferentes realizados
por estúdios novos e “veteranos”. Alguns exemplos peculiares servirão como parâmetros e
permearão o estudo a seguir, como as experiências dos estúdios 2DLab e Copa Studio com
outsourcing através das séries Sítio do Picapau Amarelo, Historietas Assombradas para
Crianças Malcriadas e Tosco TV; e com produção própria, tendo Tromba Trem como um título
cuja evolução técnica e narrativa pode figurar como bom exemplo da evolução do
comportamento de mercado neste momento da indústria de animação.
79
O PROCESSO CRIATIVO
20
“O Programa de Fomento à Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro – DOCTV nasceu em 2003,
como política da Secretaria do Audiovisual voltada à produção de documentários e à TV Pública. O DOCTV atua
em toda a cadeia produtiva do documentário, criando ambientes de mercado, auxiliando na formação de
profissionais, garantindo a regionalização da produção e a difusão do conteúdo em âmbito nacional. Todos os
estados participam do Programa por meio de suas TVs ou Instituições Públicas em associação com a produção
independente, formando a Rede DOCTV.” (“Sobre o DOCTV”. <http://doctv.cultura.gov.br/> )
80
O estudo de Nesteriuk opera uma leitura sobre os pilotos de ambas as séries mencionadas
e estabelece, através de entrevistas com seus “criadores” e de uma leitura comparativa com dois
cases estrangeiros – os pilotos de Spongebob Squarepants e The Simpsons – um estudo de caso
sobre os projetos contemplados pelo AnimaTV até aquele momento. Levando-se em conta que,
no momento de realização do livro, os dois títulos brasileiros ainda compartilhavam de uma
situação de pré-produção de suas primeiras temporadas, o autor encontrava-se impossibilitado
de projetar os efeitos e escolhas posteriores dos responsáveis pelas séries iniciadas ali, embora
pudesse enumerar e justificar as consequências esperada. A função do estudo de Nesteriuk,
como parte do AnimaTV, acabou por servir como um relatório do realizado até o momento,
utilizando-se como bases principais os pilotos, bíblias de produção e entrevistas, sintetizando
assim a visão de seus realizadores. Ao lado de textos enumerando o histórico do gênero com
base no mercado estrangeiro e de um guia técnico, a intenção geral de sua publicação foi a de
servir como um guia para profissionais e interessados no assunto.
Passado um intervalo de três anos, já existe material resultante desta iniciativa e
ramificações vindas do contexto de mercado nacional desenhado no capítulo anterior, que
permitem estudar as escolhas de seus realizadores em diferentes níveis do processo de
81
realização. Com base no material coletado em entrevistas com realizadores e no estudo sobre
episódios das próprias séries, inicia-se aqui uma etapa pautada pelas fases do processo criativo
de séries cujos quatro estúdios responsáveis pela animação e/ou produção estabelecem bases de
produção no Rio de Janeiro.
Embora outros títulos sejam evocados eventualmente como exemplos pontuais durante
o estudo, será abordado com destaque o conteúdo das seguintes séries:
– Tromba Trem (26 episódios de 11 minutos realizados entre 2011 e 2014, divididos igualmente
em duas temporadas; 52 episódios planejados, além de um longa-metragem);
– Sítio do Picapau Amarelo (52 episódios de 11 minutos realizados entre 2010 e 2013, divididos
igualmente em duas temporadas; 78 episódios planejados);
– Turma da Mônica, fases realizadas pelos estúdios Labocine Digital (temporada com 13
episódios de 8 minutos, realizados em 2008) e Animacting (temporada com 14 episódios de 8
minutos, realizados em 2012);
– Tosco TV (temporada com 13 episódios de 12 minutos, subdivididos em 38 segmentos de
aproximadamente 3 minutos, realizados em 2012)
3.1.1- Adaptações
Uma característica comum que pode ser observada em episódios de Turma da Mônica,
com atenção especial ao conteúdo realizado a partir de 1996, é a exigência de se seguir à risca
vários elementos predefinidos na transferência dos seus personagens e histórias, geralmente
publicadas anteriormente em quadrinhos, para suas contrapartes em animação. As fichas-
modelo (model sheets) dos personagens devem respeitar rigorosamente os movimentos, linhas
82
21
Tal expediente do estúdio é praticado nos quadrinhos desde a década de 1970, quando uma equipe de desenhistas
assumiu oficialmente a criação da maioria das histórias em quadrinhos assinadas por Mauricio, mas não eram
creditados diretamente pela sua realização. Embora existam exceções pontuais em publicações mais recentes do
estúdio, as mesmas também passam pelo mesmo regime de supervisão criativa e estão sujeitas a modificações
editoriais para serem aprovadas. São os casos das linhas Graphic MSP, Turma da Mônica Jovem, Chico Bento
Moço e Revista Tina, que configuram releituras alternativas do universo narrativo tradicional.
83
O expediente de adaptação livre pode ser observado com maior força nas primeiras duas
temporadas de Sítio do Picapau Amarelo, série da produtora paulista Mixer com animação
realizada no estúdio carioca 2DLab. O conteúdo dos episódios, que passam por uma fase de
composição de ideias conjunta por uma equipe de roteiristas e uma redação final pelo roteirista-
chefe, Rodrigo Castilho, se divide entre tramas originais e adaptações de passagens dos livros
Reinações de Narizinho e O Saci, de Monteiro Lobato – compostos de contos e tramas
episódicos passados nos cenários do sítio e do Reino das Águas Claras. Tais adaptações, no
entanto, optam em sua maioria por preservar apenas elementos e ideias do livro, dando origem
a histórias diferentes das apresentadas na sua base. Também pode-se observar em Sítio do
Picapau Amarelo tramas completamente desenvolvidas pela equipe de roteiristas a partir de
frases ou meras citações do livro.
Os episódios são adaptados. De alguma forma, todos os episódios são adaptações de algum comentário
ou algum trecho dos livros do Monteiro Lobato. […] Esse livro tem uma equipe de roteiristas. Tem o
roteirista chefe. E eles fazem uma leitura do livro do Monteiro Lobato, decorando tudo. E encontram,
por exemplo, comentários do tipo… “Tia Nastácia prometeu que um dia dá cabo daquele porquinho”.
Então a gente falou, “Opa! Espera aí. Esse episódio [A Dieta do Rabicó, da primeira temporada] vai
ser o dia em que a Tia Nastácia vai dar cabo do Rabicó.” Mas não dá para ela matar. Ele não pode ir
pro forno, senão a história acaba. Então cria-se uma história de um pesadelo, em que a Tia Nastácia
resolveu que vai comer o Rabicó. […] Aí, alguém fala sobre o Visconde. O Visconde havia pensado
que seria melhor que houvessem dois dele para dar conta de tanto trabalho, e tal. Então, opa! Isso aqui
dá um episódio [O Clone do Visconde, da segunda temporada]. Então, tudo, de alguma forma, tem
alguma frase ou parágrafo que dispara esse tema dos livros do Monteiro Lobato. E aí, tem o roteirista-
chefe, que tem um grupo de quatro ou cinco roteiristas. Eles fazem reuniões para debater e montar o
roteiro. E esse roteiro é aprovado na Globo e na Mixer. (AVELAR, Humberto. Entrevista ao autor,
fevereiro de 2014.)
Com as tramas definidas, o tom de cada episódio de Sítio do Picapau Amarelo é definido
através dos storyboards, realizados com a supervisão do diretor Humberto Avelar. Sob sua
responsabilidade também está a escolha dos cenários principais a serem utilizados em cada episódio
dentro de uma seleção formulada na pré-produção e o trabalho com os artistas de voz, que, em
conjunto, darão forma aos animatics, guias audiovisuais para o conteúdo a ser trabalhado nos
estúdios de animação.
Os animatics, fase comum em todos os produtos de animação, servem ainda neste caso como
decupagem de tempo, organizando o conteúdo de cada episódio dentro de uma duração
85
predeterminada pelas funções comerciais da série dentro da programação dos canais de TV, como
será explicado posteriormente.
Figura 34: Cena do Episódio A Dieta do Rabicó de Sítio do Picapau Amarelo (2011), episódio cuja trama foi
desenvolvida a partir de uma rápida citação nos livros sobre o personagem e sua relação com Tia Nastácia.
Em cada uma de suas duas temporadas já realizadas, Tromba Trem passou por duas fases
levemente diferentes nos quesitos de foco e tom de seus roteiros, ocasionada tanto pela própria
evolução técnica do estúdio no período que sucedeu a produção dos episódios que compuseram
sua primeira temporada quanto pelas decisões comerciais pelas quais o título passou para
abranger um maior espectro de público, definindo melhor o seu público-alvo.
Como parte integrante do AnimaTV e já tendo em vista como janela de exibição a
programação de uma rede de canais de TV públicos – cuja grade de programas infantis tem
maior apelo por atrações de cunho educativo e pedagógico –, os primeiros treze episódios de
Tromba Trem trazem um tom mais leve, com tramas de moral bem definida e reforçando a
personalidade e função de cada um dos seus personagens no seu universo, servindo como uma
grande introdução. O arco se abre com o primeiro encontro de todos os seus personagens – o
elefante Gajah, a tamanduá Duda e a colônia representada pela Rainha Cupim, seu filho Júnior
e o Capitão, além do Mestre Urubu; prossegue como foco principal baseando cada episódio no
encontro com um novo personagem da fauna local; e se encerra com uma resolução provisória
da viagem do grupo pela América Latina, que dá margem para uma continuação a ser explorada
em novos episódios sem grandes mudanças de status quo.
Figura 35: Personagens Gajah, Duda e Mestre Urubu em O Estrangeiro (2009), primeiro episódio de Tromba
Trem, e em Festa no Céu (à direita), episódio final da segunda temporada.
Já a segunda temporada segue dentro de sua premissa básica, mas introduz um foco
diferenciado sobre o mesmo universo. As relações e atritos entre os personagens passam a ser a
tônica principal dos episódios, desenvolvendo situações de comédia a partir de momentos de
conflito entre os mesmos. A viagem do grupo continua com ênfase em novos limites que o trem,
87
agora assumindo também as funções de barco e podendo sair dos seus trilhos ocasionalmente,
não poderia alcançar nos primeiros episódios.
Segundo Zé Brandão, criador da série, tais ajustes, reforçados também por uma leve
modificação no design dos personagens, serviram para que Tromba Trem permitisse se
aproximar mais das suas ambições originais, tornando-se de tal forma um projeto mais
abrangente do que o inicialmente apresentado e aproveitando melhor as possibilidades
narrativas que o título permitia desenvolver.
A gente não tem essa coisa de uma influência direta do público em tempo hábil, porque nunca acontece
da [temporada da] série estar sendo produzida enquanto está sendo exibida. O máximo que a gente
pode fazer é alterações de uma temporada para outra, mas que acabam não influenciando tanto na
história. No máximo, a gente influencia. Por exemplo, da primeira para a segunda temporada, a gente
fez algumas alterações no Tromba Trem. Mas foram, basicamente, estéticas. Porque a gente melhorou
tecnicamente, a gente amadureceu esteticamente e a gente entendeu que Tromba Trem estava tendo
uma compreensão errada de que, por causa dos personagens serem muito bonitinhos e muito fofinhos,
às vezes as pessoas entendiam que era uma série para crianças menores. […] A gente fez mudanças de
uma temporada para outra para que seja mais adequado ao público, para que ficasse mais engraçado e
para que seja mais bonito. Então, a gente tem condições de alterar. Mas, geralmente, são coisas que a
gente percebe, nós mesmos, ou então os nossos parceiros. Ou então, eventualmente, o público.
(BRANDÃO, Zé. Entrevista ao autor, janeiro de 2014.)
A já citada regra do one-reel cartoon se encaixa para definir a duração dos episódios,
hoje definida em múltiplos de 11 minutos (22 e 44 minutos) para atrações com destino de
exibição em emissoras comerciais fomentadas por propaganda. Com estas determinadas
durações, as séries podem, somadas às pausas de intervalos comerciais, ocupar timeslots de
meia hora (a mais habitual) ou de hora completa.
Informalmente, a duração também traz um valor a se esperar na proposta das séries.
Atrações compostas por episódios de 7 a 11 minutos (e que, consequentemente, podem ter dois
ou mesmo três episódios veiculados por timeslot) geralmente desenvolvem tramas mais diretas
e fechadas, enquanto séries compostas por episódios únicos de 22 minutos costumam trazer
maior afinidade por desenvolver histórias elaboradas, de maior apelo serializado. Variações
também podem ser encontradas em séries com episódios de um a três minutos e meio que
costumam receber funções diferenciadas quando veiculadas em televisão, complementando o
tempo de intervalos, por exemplo.
.
89
episódios para evitar um desgaste de público. No caso do Cartoon Network, séries com
temporadas de 13 episódios frequentemente são retiradas do ar ou têm sua frequência de
exibição diminuída após um certo número de reprises para descanso de imagem, voltando a ser
reprisadas quando novos epísódios estão prestes a estrear. Tromba Trem, Carrapatos e
Catapultas e Historietas Assombradas para Crianças Malcriadas passaram por este regime
após a exibição e reprise de suas primeiras temporadas no canal, enquanto Turma da Mônica,
Sítio do Picapau Amarelo e Gui e Estopa, já com maior número de episódios disponíveis para
exibição, não apenas preservam horários após meses de término de lotes de episódios inéditos,
como também são veiculadas regularmente pelos canais Tooncast e Boomerang.
Figura 36: Rái Sossaith com Atail Menezes (2014), exemplo de série de animação enquanto interprograma
Séries com episódios de um a cinco minutos, no entanto, não costumam ocupar timeslots
da programação de forma titular e são veiculadas no formato de interprogramas. Figuram nos
intervalos comerciais, não raro para completar o tempo de outra atração, como um filme ou uma
série que, mesmo com os intervalos, não completa um horário de meia hora no ar. Séries de
interprogramas em geral não costumam receber divulgação oficial dos canais, como anúncios
nos intervalos. Sua própria frequência de exibição funciona, nestes casos, como um parâmetro
de popularidade. Exemplos recentes de séries animadas veiculadas no caráter de interprogramas
em canais infantis podem ser observados com Turma da Mônica Toy (Cartoon Network), X-
Coração (Nickelodeon) e as séries Pelezinho: Planeta Futebol e Neymar Jr. (Discovery Kids e
Nickelodeon, respectivamente). Rái Sossaith, Motel Sama e segmentos desmembrados da série
91
Tosco TV também podem ser vistos ocupando a mesma função durante a programação do Canal
Brasil.
3.3.2- Internet
O formato das séries veiculadas como interprogramas na televisão permite que elas
também possam se aproveitar da internet para ocupar um espaço próprio de exibição e se tornar
o centro das atenções do espectador. Como resquício dos primórdios da animação criada para a
internet, já abordados no capítulo anterior, episódios com duração reduzida, temporadas curtas
e discurso livre costumam predominar entre as veiculadas neste meio. Humor e referências de
apelo adulto costumam ser os focos principais, que utilizam de plataformas de vídeos para
hospedagem e redes sociais como meios de divulgação.
Através deste meio de exibição, um dos títulos de animação infantil brasileiros de maior
sucesso comercial no mercado alcançou popularidade. O projeto de Galinha Pintadinha (2006),
idealizado inicialmente por Juliano Prado e Marcos Luporini como uma série de interprogramas
para televisão, ganhou nova forma após o primeiro dos seus vídeos se tornar um sucesso viral
entre crianças menores que acessavam o Youtube em busca de vídeos com canções infantis. O
filão deu origem a uma série de DVDs iniciada em 2009 e a um dos canais brasileiros mais
populares do site de compartilhamento de vídeos, com mais de dois milhões de inscritos e um
bilhão de visualizações, alcançados em fevereiro de 201422. Projetos concorrentes surgiram em
paralelo ao sucesso dos vídeos da série Galinha Pintadinha, como Bob Zoom, Teleco Teco,
MPBaby e A Turma do Seu Lobato, abrindo um novo gênero a ser explorado por séries de
animação.
Em paralelo a Tromba Trem e suas outras produções de criação interna, boa parte do
portfólio de produções do Copa Studio também é composto por séries realizadas por
outsourcing. Além do já citado Historietas Assombradas para Crianças Malcriadas, também
foram realizados neste esquema serviços de animação como os interprogramas de apelo
publicitário El Mundo de Ania y Kin, veiculados no Peru através de TV e internet. Em alguns
22
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/02/1406798-galinha-pintadinha-no-youtube-chega-a-recorde-de-
1-bilhao-de-visualizacoes.shtml.
92
Figura 37: Segmento Deus é Pai (2012) da série Tosco TV, de Allan Sieber
metragens, videoclipes e aberturas de filmes, não compõe uma equipe oficial de animadores e
opta por contratar profissionais freelancers conforme sua demanda.
Eram seis séries. Ou eu fazia seis equipes, seis frentes de trabalho... […] A gente chegou à conclusão,
eu e o Fabiano [Maciel], que era o produtor, na época, que era melhor a gente contratar um estúdio e
esse estúdio ser, tipo, os nossos coreanos, né? Enfim, eles executarem a porra. É claro que eles recebiam
um storyboard, um animatic, model sheet, som, música. Então eles tinham que animar. (SIEBER, Allan.
Entrevista ao autor, março de 2014.)
[Os quadrinistas] faziam os roteiros, e depois eu dava uma trabalhada nos roteiros. Enfim, realmente,
eles não tinham muita ideia de como fechar um roteiro. Aí eu fazia, digamos, essa redação final. E eles
faziam também os layouts, os próprios desenhistas. Era assim que funcionava. […] Eles também
faziam [os storyboards]. Na verdade, eu usei um subterfúgio muito idiota, muito canalha. Falava: “Não,
vocês têm que fazer o storyboard, para, enfim, para a série ficar mais fiel, né?… (risos) Algo do jeito
que vocês querem…” […]Aí eu devolvia o roteiro para eles e eles me devolviam o storyboard. E eu
mandava eles lá para o Copa Studio. (SIEBER, Allan. Entrevista ao autor, março de 2014.)
A gente trabalha [...] com uma média de cinco segundos de desenho produzido por dia, por animador.
[…] O dinheiro que se tinha, com o prazo que se tinha, só dava para pagar determinado número de
profissionais naquele tempo. Não dava para dobrar a equipe, nada. O que fazia com que cada
profissional tivesse vinte e dois segundos de animação. […] A gente não vai conseguir dar a mesma
94
qualidade [dos outros projetos do estúdio]. A gente vai ter que fazer uma coisa muito limitada, muito
específica. (BRANDÃO, Zé. Entrevista ao autor, janeiro de 2014.)
A solução encontrada foi realizar uma nova revisão nos storyboards, levando em conta
o orçamento. A partir deles, os episódios foram construídos em animação limitada, sem
movimentos complexos e privilegiando planos fechados de diálogos. O conteúdo da maioria
dos segmentos, naturalmente verborrágicos, não foi profundamente afetado pela decisão técnica.
Entretanto, enquanto a maioria dos segmentos de Tosco TV traziam narrativas de humor com
personagens cômicos – o que aliviava as deficiências técnicas –, um deles, Mãos Trocadas,
exigia uma técnica complexa de animação, dificultando sua adaptação.
Figura 38: Mãos Trocadas (2012), segmento de Tosco TV baseado em quadrinhos de Schiavon
Composto por personagens de aparência realista e um roteiro linear que interligava todos
os episódios em uma única história completa, a trama de ação de Mãos Trocadas acabou
inutilizada em sua versão inicial e reproduzida do zero por uma nova equipe de animadores,
contratada pela Toscographics. A decisão foi ocasionada após Schiavon, quadrinista criador do
personagem e amigo pessoal de Sieber, ter rejeitado a animação da forma como foi executada
pelo Copa Studio.
Todo este caso denota uma situação extrema, em que um realizador, no caso, Sieber,
como diretor e responsável criativo, teve que conciliar a responsabilidade de aprovar os
trabalhos de uma equipe que respondia ao diretor de animação do Copa Studio, além de adaptar
para as necessidades audiovisuais a obra de quatro profissionais de quadrinhos, além da sua
própria obra (no caso de Deus é Pai e Ice Crime). O resultado, consequência direta das
deficiências de orçamento e tempo, foi uma série de animação irregular tecnicamente, mas em
95
Sempre com a supervisão dos herdeiros de Lobato e da Globo Marcas, setor das
Organizações Globo responsável pela gestão da marca, a Mixer organizou o projeto, contratou
profissionais para gestar sua linguagem e trabalhou na sua viabilização financeira, através de
Leis de Incentivo. Humberto Avelar, que dirigiu entre 2004 e 2008 a premiada série de curtas-
metragens Juro que Vi para a Multirio, adaptando lendas brasileiras em storytelling
modernizado, foi definido como diretor da série e responsável criativo pelo projeto.
O trabalho de Avelar serviu para unificar a concepção do projeto nas empresas
responsáveis, dialogando tanto com a produtora Mixer quanto com o estúdio de animação
contratado – no caso das duas primeiras temporadas, o carioca 2DLab. No estúdio, seu contato
principal era com a equipe de diretores de animação, que trabalhava em quatro frentes
simultâneas de episódios para cumprir os prazos de produção.
Ele [Humberto Avelar] vinha aqui algumas vezes na semana e conversava com a gente. Só que, em
relação à primeira temporada, na segunda temporada já era mais tranquilo porque o Humberto confiava
plenamente na gente e só revisava algumas coisas para ver se o barco estava indo como ele queria.
Porque, mesmo que seja maior uma segunda temporada, existem, por exemplo, personagens novos que
têm que ser feitos, que têm que ser animados, que têm um estilo diferente, assim, de acting, né? Na
primeira temporada, a gente penou mais porque o Humberto nunca tinha trabalhado com a gente, com
a 2DLab e nunca tinha trabalhado com cut out. Era um mundo novo para ele, tanto descobrindo como
a gente trabalha e descobrindo como era a metodologia. Teve uma pré-produção de muito diálogo, para
ele saber até onde a gente podia ir com o cut out e a gente tentar transformar as ideias dele em realidade,
dentro do puppet que a gente queria. [...] Os storyboards também já vinham prontos, e o Humberto
dirige o boarder. Então o boarder já vem com as ideias do Humberto e ele vinha para cá e fazia um
briefing do episódio com a gente. [...] Em passe livre, a gente levanta dúvidas e passa esse briefing para
os animadores de cada cena. (VIEGAS, Diogo. Entrevista ao autor, janeiro de 2014.)
“A gente teve que criar os coadjuvantes. Em alguns momentos, eu crio algum coadjuvante, tentando
não fugir muito do estilo do Bruno Okada. [...] Tinha um desenho do Príncipe Escamado, que eu não
sei nem se era do Bruno Okada, lá no Mundo do Sítio, no site. Mas o desenho a gente não achou muito
animável, estava muito estranho. Era um peixe, muito estranho. Não ia render uma boa animação. Aí
a gente pensou, vamos criar um Príncipe Escamado mais de acordo com o que a gente precisa. Daí eu
97
criei esse Príncipe Escamado que está na série. Ele não é exatamente igual ao do Bruno Okada, mas
ele se mistura com os outros. E, às vezes, alguns coadjuvantes, o Vendedor de Livros do primeiro
episódio do Sítio [Um Lugar Diferente], […] o boneco [de O Outro Boneco], uns coadjuvantes, que fui
eu que fiz. Mas agora tem um menino lá [no estúdio de animação] que faz. Fez um malandrão
aventureiro, assim, que tem em um episódio [O Protetor da Floresta], ele fez uma serpente lá, que é a
serpente gigante [A Serpente do Mar], então é um cara para se precisar fazer um design mais legalzinho.
(AVELAR, Humberto. Entrevista ao autor, fevereiro de 2014.)
acolhida pelo Copa Studio após a aprovação da produção de um piloto pelo Cartoon Network
em um pitching, organizado pelo canal em 2012.
Houve um pequeno investimento do Copa Studio, inclusive financeiro, para viabilizar o piloto do
Irmão do Jorel. Fizemos o piloto, entregamos para o Juliano e ele falou: “Olha, se viabilizar, eu vou
fazer com vocês.” Só que essa relação “Vou fazer com vocês” podia ser de prestação de serviço, igual
é com o Historietas. Só que a relação com o Copa cresceu de tal forma, com o investimento do Copa,
com o Copa ajudando ele a fazer outras coisas, como pitching, etc, e a Cartoon queria também a certeza
de um estúdio, uma produtora mais experiente para investir um valor tão alto quanto o da produção de
série. Então aconteceu que, na verdade, o Copa Studio assina como a produtora do Irmão do Jorel. [...]
[Com] o Tromba Trem, o autor é sócio do estúdio. No caso do Irmão do Jorel, não. O autor é de fora
do estúdio. Mas é uma série do Copa Studio, diferente do Historietas que não é uma série do Copa
Studio. Irmão do Jorel é uma série do Copa Studio. (BRANDÃO, Zé. Entrevista ao autor, janeiro de
2014.)
prática, no entanto, pode pecar por não fidelizar o público, caso não existam elementos
narrativos que incitem a revisita dos episódios já exibidos ou mesmo dos demais inéditos. É
onde se encaixam técnicas de persuasão do público a acompanhar a macroestrutura da série
animada, mesmo quando não exibidas na ordem exata proposta pelo criador ou pelo estúdio.
Por uma razão funcional, costuma ser encorajado o retorno de personagens coadjuvantes
criados para um episódio específico, mesmo que ele retorne com novas funções. Em The Ren
& Stimpy Show, esta prática pode ser vista em diversos personagens secundários, como Haggis
McHaggis (um astro de desenhos animados antigos forçado à aposentadoria, criado para o
episódio Hard Times for Haggis) e Wilbur Cobb (um executivo de cinema, introduzido em
Stimpy's Cartoon Show). Ambos tornaram-se tipos frequentes em vários episódios subsequentes,
não raro abandonando suas funções originais e assumindo novos papéis com características
similares. Já em Sítio do Picapau Amarelo, personagens novos introduzidos por necessidade
dramatúrgica, como o Capitão dos Couraceiros (de Um Grande Aventureiro) e Dona Aranha (de
O Vestido Mais Bonito do Mundo), frequentemente retornam com as mesmas funções no
universo da série em episódios posteriores, mesmo que seja enquanto coadjuvantes mesnos
importantes. Nestes casos, sua introdução funciona como um adendo ao entendimento do
público, não interferindo no entendimento das histórias.
Embora os títulos e decisões criativas divirjam entre si, os dois casos foram motivados
pela mesma necessidade técnica de otimizar o serviço dos animadores. Em especial quando uma
série segue em produção regular e o período de roteirização de novos episódios avança sobre a
produção, a saída pode ser adotada por razões de orçamento ou de prazos.
Se você tem um personagem novo que aparece em uns cinco episódios, é melhor do que você ter um
personagem que aparece só em um episódio. Porque assim você não se desgasta fazendo um puppet,
fazendo um banco de coisas para um personagem que aparece em um episódio só. […] A intenção é
que tenham os mesmos personagens aparecendo. É como se fosse um sitcom, sabe? Tem aqueles
mesmos personagens, aquele núcleo de gente e aparecendo. Esse é o ideal para a produção. Mas, de
novo, tem séries que tem características diferentes. (VIEGAS, Diogo. Entrevista ao autor, janeiro de
2014.)
“Monstro do Dia” através de uma ficha de habilidades, como uma adição à sua própria mitologia.
A primeira recompensa destas referências já é recebida em O Fim do Mundo, episódio
cronologicamente apresentado como o encerramento da temporada, em que a maioria dos
monstros participa com destaque na narrativa e contracena com o garoto Pepe e seus amigos
em uma trama de desfecho apoteótico.
Tromba Trem, que também traz personagens novos a cada episódio como necessidade
da estrutura de road movie adotada pelo projeto, já encontra uma maneira de equilibrar o
formato episódico que permite a apreciação avulsa com a exploração de um contexto maior.
Cada temporada de 13 episódios se desenvolve dentro de um bem definido arco narrativo, com
início e fim. Cada arco culmina em desfechos provisórios para sua narrativa e permite
continuidade para os plots principais, além de introduzir novos fatos que organizam a história
dentro de uma cronologia de acontecimentos.
Iniciando-se no nordeste brasileiro, onde todos os personagens principais se conhecem
(em O Estrangeiro), a primeira temporada se encaminha em histórias individuais que expandem
o universo proposto, culminando nos seus três episódios finais, que, quando ordenados,
introduzem um ponto de virada na trama. Neste momento, os personagens presenciam uma série
de situações que questionam os limites da viagem e testam suas relações: o episódio 11, Estação
Fim do Mundo, apresenta um “fim da linha” para o trem, que seguia um caminho errado para
Varginha, destino inicial da colônia de cupins. Incidente em Varginha, o seguinte na ordem, cria
um elo com o desfecho da temporada, Macchu Picchu, ao insinuar que o destino do título seria
o correto a ser encontrado. O final deste último, que entrega uma primeira solução para o
conflito envolvendo os cupins e unifica seus objetivos com Gajah, ainda conecta-se a Bela e
Banguela (início da segunda temporada), ao introduzir as novas funções de barco adotadas pelo
trem.
A temporada seguinte, além de referenciar de forma sutil e desenvolver subtramas
apresentadas anteriormente, dá forma a um novo arco, que ruma a um clímax provisório para a
trama. Em Festa no Céu, a trama central que une todos os personagens é reapresentada e
renovada quando o grupo quase alcança o dirigível que perseguem desde o início da série. A
trama chega, desta forma, à metade do caminho, dando margem para que as histórias seguintes
tomem forma e cumpram o grande arco principal da série após 52 episódios.
A opção por desenvolver esta macroestrutura narrativa que une todos os episódios em
uma grande saga com começo, meio e fim torna-se um elemento de storytelling que não rejeita
as regras do mercado, mas tenta utilizá-las de uma forma diferenciada. Um espectador que
101
acabou de assistir pela primeira vez Inimizade Colorida pode entender a rivalidade da Rainha
Cupim com o reino das formigas acompanhando logo após uma reprise de A Ilha de Búfalos,
da temporada anterior. A exibição aleatória, neste caso, pode inclusive contribuir para que o
espectador casual entenda relações entre personagens de forma mais imediata, embora não
tenha necessidade de conhecer tal relação para acompanhar o episódio. Torna-se uma
experiência que não se resume apenas ao consumo da série em sua exibição inédita, dando
margem a revisões e releituras.
Ninguém vai assistir um episódio do Tromba Trem no meio e vai perguntar por que isto está
acontecendo. A gente tem um cuidado para que cada episódio possa ser independente. Não só para que
ele possa ser misturado como para que também, se ele for visto pela primeira vez naquele episódio do
meio, a pessoa não sinta falta do que ela não viu. É claro que, repito, se você ver ele na ordem, você
tem uma compreensão um pouquinho melhor daquilo e você tem um easter egg. […] Comercialmente,
é melhor que eles possam ser totalmente misturados, sem nenhuma ordem. (BRANDÃO, Zé.
Entrevista ao autor, janeiro de 2014.)
Dentro do processo que compõe a animação de uma série dentro da técnica majoritária
entre as produções nacionais, o 2D Digital cut out, algumas fases da sua realização detêm
diferenças significativas em relação a animação realizada de maneira tradicional. Algumas
permitem que se possa trabalhar com maior facilidade a unidade visual do projeto, além de
exigir relativamente menos do animador em serviços relacionados a composição de
movimentos e finalização – o que aumenta a produtividade e auxilia na administração dos custos
de produção dos episódios.
Uma destas diferenças mencionadas diz respeito a forma adotada para se construir os
personagens animados. Se um trabalho em full animation exige o redesenho do personagem em
uma quantidade altíssima de poses para constituir qualquer movimento, exigindo o trabalho de
uma equipe exclusiva tanto para constituir os movimentos quanto para finalizá-los em planos
102
pintados em acetato ou xerografados, a animação em 2D digital trabalha com uma variação dos
conceitos de animação limitada introduzidos na indústria durante a década de 1950 e os expande
dentro das possibilidades dos softwares de composição de animações por computador –
incluindo nesta lista o Flash e derivados profissionais, como o Toon Boom Harmony, o principal
utilizado nas produções brasileiras atuais.
Figura 40: Da esquerda para a direita, versões da personagem Emília sob o design de Bruno Okada
em esboço, versão finalizada usada em licenciamento, e visual na série de animação
Sítio do Picapau Amarelo (2011).
Para tanto, os desenhos de todos os personagens que passarão pelo processo de animação,
ainda durante a pré-produção das séries, necessitam passar por um processo denominado
rigging. Tal processo consiste na construção de bonecos (puppets) digitais animáveis e de um
banco de imagens correspondentes a partes do corpo e vestuário, que podem constituir
movimentos e expressões. Cada frame da animação cut out será constituído por uma pose deste
boneco, que, já com seus traços finalizados, pode ter seu resultado pré-visualizado pelo
animador imediatamente no software em que realiza o trabalho.
O trabalho de character design e da direção de arte torna-se necessário em especial nesta
etapa, já que a construção dos personagens que serão convertidos em puppets e dos cenários em
que eles contracenarão devem abranger o máximo de possibilidades e permitir que um animador
de menor prática, que saiba trabalhar com o programa de animação mas ainda não domine as
técnicas de desenho animado, possa construir os movimentos com o máximo de alternativas
possíveis. Ou seja, personagens e cenários, além de obedecerem aos propósitos visuais do
projeto, devem ser animáveis.
103
O 2DLab tinha a preocupação que eu fosse querer fazer o Sítio igual ao O Boto, igual ao Matinta
Pereira [episódios de “Juro que Vi”, em animação tradicional], porque muitos garotos [animadores
do estúdio] só mexiam no Toon Boom, mas não desenhavam. [...] Mas não teve esse problema. Os
personagens eram muito simples, são geométricos. A Globo Marcas é que escolheu este design. [...]
Era muito chapadinho e não iria render uma boa animação. [...] Tem mágica nesta história, aventura. E
não dá para ser muito paradinho, com bonecos muito de lado. Eles precisam correr, eles precisam saltar.
E as perninhas, se você for ver, eram muito curtas. A perna da Emília não dobrava, de tão curta que era.
Então a gente fez ligeiras adaptações. Adaptou para não ficar diferente, […] para a gente poder animar
melhor. E é ligeiramente diferente do design que está no projeto gráfico, um design próprio para marcas,
para embalagem. (AVELAR, Humberto. Entrevista ao autor, fevereiro de 2014.)
Da mesma forma, os ambientes em que a ação acontece, por mais ricos que sejam em
detalhamento, têm a mesma necessidade de serem construídos de forma que possam ser
aproveitados em diferentes contextos em vários episódios – o que também precisa ser
determinado durante a pré-produção. As ilustrações que o compõem, portanto, precisam ser
extensas e permitir a movimentação dos puppets sem entraves, além de permitir a entrada de
objetos de cena quando necessário. Também devem permitir vários cortes (crops) diferentes de
ângulo de câmera.
Em produção de série de TV, sempre tem o background, o BG, normal, grande. E aí, o animador tem
que aproveitar o máximo desse BG para que o artista de desenho e pintura não precise ficar pintando
vários BG's e não dê tempo. Vai acontecer toda a ação dentro da sala da casa do Sítio. A Emília está
na poltrona, a Dona Benta no sofá e o resto das crianças no chão. Então faz primeiro um plano aberto
mostrando todo mundo, depois mostra as crianças, mostra a Dona Benta, mostra a Emília, mas tudo
na mesma cena, usando o mesmo cenário. Só que a gente faz um crop, […] para otimizar e facilitar.
(MUSSEL, David. Entrevista ao autor, janeiro de 2014.)
construtor dos frames de cut out ganhe vantagem em tempo de produção. No entanto,
personagens animados em 2D Digital não precisam necessariamente ser construídos apenas
através da vetorização de movimentos, já que os recursos dos softwares de animação permitem
que técnicas de animação tradicional corrijam movimentos pouco naturais calculados pelo
computador e enriqueçam visualmente o produto final.
No Tromba Trem, o animador tem a possibilidade de desenhar novas poses na cena dele. Isso é possível
e acontece muito. Acontece. Em 50% das cenas, você tem desenhos novos do animador. 50%, talvez
esteja exagerando. 40%. E mesmo que ele esteja usando um puppet pronto, você tem muita liberdade
no model [sheet] que a gente tem. Depende de como você vai montar a pose do personagem, de como
você vai fazer o olhar dele, como vai posicionar a boca, você está refazendo o desenho, você está
refazendo a pose. Você tem muita liberdade. E isso é até muito natural. A personalidade de cada
animador. Tanto é que o Tromba Trem é feito de uma maneira que qualquer animador possa animar
qualquer cena, mas isso não acontece na prática. O que acontece é que a gente tem perfis de animadores
para determinadas cenas. Por exemplo, tem animadores que, quando é cena de ação, a gente passa para
ele. Tem animadores que, quando é cena de efeito, a gente passa para ele. Tem animadores que, quando
a cena é muito fofinha, a gente passa para ele. Tem animadores que, quando a cena é muito escatológica,
a gente passa para ele. Tem animador que, quando a cena é muito frenética, a gente passa para ele. Tem
animador que se dá melhor com determinado personagem. A gente vai passar os cupins para ele. A
gente vai passar a Duda para ele. Vai passar o Gajah. A verdade é que a gente também não é um estúdio
gigante, a gente conhece cada pessoa aqui muito bem. Então a personalidade de cada animador é
impressa na cena. [...] O Tromba Trem, como ele é muito gráfico, muitas vezes você tem que criar um
novo desenho para determinada coisa. Você não consegue montar todas as poses do Tromba Trem com
puppet. Você tem que desenhar, às vezes. (BRANDÃO, Zé. Entrevista ao autor, janeiro de 2014.)
O que dá mais trabalho para fazer em animação cut out é criar desenho novo. Então, aquilo que se fazia
em animação tradicional, que é ficar fazendo desenhos novos e intervalos, em cut out não rola. Cut out
você tem que fazer o mínimo de desenho possível e tentar usar o máximo de interpolação possível.
Como é que se faz para essa interpolação funcionar? Você tem que fazer a troca de desenho no lugar
certo. Você tem que usar o lugar certo do seu espaçamento para fazer isso. Daí você está trabalhando
com o puppet naquela posição, e criar desenho novo dá trabalho. Então, você tem que conseguir extrair
o máximo que você puder do acting do personagem com aquela mesma pose. Como é que você faz
isso? Como é que você muda uma pose para uma outra pose completamente diferente sem que tenha
que criar desenhos novos de intervalo? Toda essa metodologia foi desenvolvida nessa época.
(MAKINO, Cid. Entrevista ao autor, janeiro de 2014.)
No trabalho para a série, a meta do storyboard no Sítio [na primeira temporada] era sempre de três
semanas de produção de board com uma semana só de correção. Então, ao longo dessas três semanas,
a gente ia conversando com o Humberto e fechando. Aí o ideal era que, ao término da terceira semana,
o animatic estivesse pronto e aprovado pelo Humberto, pelo diretor. […] Depois dessas três semanas,
o que o Humberto aprovava ia para a Mixer. Aí a Mixer voltava e mandava os notes, mandava as
correções. Nessa última semana, fazia e mandava para a Mixer de novo, para mandar para a Globo. Aí
a Globo mandava nessa última semana. Então era um prazo, mais ou menos, de um mês. (MUSSEL,
David. Entrevista ao autor, janeiro de 2014.)
A etapa seguinte consiste na organização do material que servirá para o trabalho dos
animadores em uma peça-base. Somando-se ao trabalho dos artistas de voz, o conteúdo do
storyboard aprovado dá forma ao animatic, já com a duração final do episódio e o ritmo
escolhido pelos responsáveis criativos. Devem ser respeitados os riggings aprovados e cenários
definidos na peça, de forma que o animador responsável possa realizar o movimento exigido
sem grandes dificuldades. A confecção desta peça, no entanto, diverge conforme a demanda de
cada projeto – sendo que, muitas vezes, o animatic é tratado como o próprio storyboard pelo
estúdio, com o próprio boarder tornando-se responsável por realizar o serviço. Em outros casos,
a função é transferida ao editor do episódio, em sua montagem final ou mesmo ao próprio
criador. A situação costuma variar conforme as intenções de supervisão do responsável criativo.
da Mônica, um material naturalmente distinto dos demais por envolver uma franquia já bem
definida e fortalecida comercialmente no mercado local fora do mercado de animação. Além
dessas características extra-animação, sua própria estrutura mutante de fases, técnicas, funções
de produção e estratégias de inserção no mercado audiovisual entre 1976 e os dias atuais, e seu
conturbado acesso à televisão no período, definem outras características que a tornam um título
complexo de se analisar sob este prisma.
Apesar de tudo, entende-se que, pela própria natureza do projeto, Turma da Mônica hoje
é distribuído pelo próprio Estúdio de Mauricio de Sousa ignorando-se cronologias de produção
e técnica, de forma que o espectador infantil, principal alvo do projeto, não rejeite parte do
material por ser visualmente distinto dos demais. A redublagem dos episódios antigos,
distribuída em home video e televisão a partir de 2003, também reflete a mesma intenção ao
uniformizar o material dentro de uma aparência comum a todo o conteúdo, incluindo dublagem,
trilha sonora e resolução de imagem.
Observa-se, no entanto, que a necessidade cada vez maior de animações inéditas,
somadas a política padronizadora praticada já de longa data na realização dos quadrinhos, fez
com que os episódios mais recentes de Turma da Mônica adotassem uma animação
progressivamente simplificada, privilegiando-se a mera adaptação do conteúdo das histórias
originais para a mídia audiovisual sem compromisso de se adaptar a linguagem. O termo “cine
gibi”, cunhado pelo estúdio para caracterizar seus DVDs com episódios inéditos, serve bem
como um resumo da filosofia do estúdio para com este título e seus derivados – além de servir
para entender as opções criativas de séries como Midinho, o Pequeno Missionário, que
compartilham público e uma estrutura similar de distribuição através do home video.
Quanto a séries mais recentes, como Tromba Trem e Historietas Assombradas para
Crianças Malcriadas, a recepção do público ainda pode ser considerada um processo lento e
subjetivo, e traz as especificidades da faixa de público a qual é direcionada como uma das
grandes razões da dificuldade de leitura.
Nosso público é um público difícil de você ter uma comunicação direta. Criança de seis a oito anos tem
tablets, celulares, acessam a internet, mas não tem muito uma coisa de falar, de mandar mensagens, e-
mail, de comentar. E quando comentam, são comentários muito lúdicos e muito próprios da criança
que, muitas vezes, você sequer entende exatamente o que ela está querendo dizer. Então você entende
quando ela diz: - “Adorei, Gostei. Adoro o Gajah, é o meu desenho preferido. Adoro a Duda", você
entende isso, mas é difícil de você avaliar. Puxa, será que determinado arco de história tá agradando,
desagradando? É muito difícil. A gente tem, às vezes, uns grupos de estudos em que a gente convida
as crianças para assistirem um episódio, mas eu acho que só a longo prazo a nossa audiência vai
108
conseguir mudar a nossa série. Por enquanto, isso ainda não aconteceu porque a gente nem ainda tem
tanta coisa para avaliar. Porque, se formos pensar, uma série de onze minutos, treze episódios é pouco.
É uma amostragem muito pequena de episódios. Você precisa ter muito mais episódios para se ter esse
tipo de avaliação fina. (BRANDÃO, Zé. Entrevista ao autor, janeiro de 2014.)
de novas produções no mercado. Das produções atuais no mercado, parte ainda figura enquanto
meras aquisições, mas outras já começam a figurar como co-produções com canais pagos e
abertos, dividindo custos e garantindo em troca distribuição e destaque na programação. Sua
interferência criativa, nestes casos, é limitada a sua participação comercial na viabilização no
projeto. É o caso de Irmão do Jorel, Sítio do Picapau Amarelo, Gui e Estopa e dos episódios de
Turma da Mônica realizados desde 2012 para o Cartoon Network.
110
O apelo internacional dos projetos, mesmo quando não transpareça de forma explícita
na série, se faz presente seja na forma adotada por seu storytelling quanto pelo direcionamento
de público. Uma característica observada dentro dos limites do pólo de produção do Rio de
Janeiro e São Paulo é a produção direcionada em sua maioria a duas fases do público: o infantil
pré-escolar de 0 a 6 anos, com séries de conteúdo educativo e universalizado, e o infantil pré-
adolescente de 6 a 12 anos, calcado na comédia e na relação de personagens. Atrações de maior
segmentação pertencentes a outros perfis e temáticas (como as animações de aventura,
direcionadas ao público adolescente, ou mesmo as comédias de temática adulta) detém poucos
exemplos expressivos dentro da produção em larga escala, mas já encontram representantes de
valor em exemplos isolados. O leque de atrações de séries de animação brasileiras, muito graças
ao material realizado nos últimos dez anos, já encontra um grande portfólio variado, de grande
valor histórico e cultural, a ser explorado comercialmente e estudado em seu conteúdo.
Uma segmentação indireta dentro da oficial também pode ser observada dentro das
séries nacionais em circulação. Embora as produções infantis sejam em sua maioria absoluta
generalistas dentro de sua parcela de público, trabalhando com elementos cativos aos dois
gêneros, o apelo feminino costuma predominar. O apelo visual dos personagens e de suas
temáticas gerais costuma servir como porta de entrada desta parcela, que também tende a
consumir material licenciado com maior avidez. No caso de Sítio do Picapau Amarelo, que
possui episódios de temas e enredos tanto comercialmente predefinidos como “masculinos” (A
Serpente do Mar) quanto “gerais” (O Tratamento de Beleza da Cuca) ou “femininos” (Uma
Visita para Narizinho), se entende que os pertencentes aos dois últimos costumam trazer maior
mobilização de público, muito em razão da força que os temas abordados e a empatia dos
personagens despertam no espectador principal.
Tal visão, no entanto, é subjetiva conforme o projeto e não interfere nos planejamentos
originais das séries. Em comum aos responsáveis pelas atrações de público infanto-juvenil, se
entende que um retorno claro sobre o conteúdo explorado só pode ser percebido a longo prazo,
após se observar a reação de públicos diversos em plataformas diferentes, de bagagens culturais
próprias. Quando se entende necessária uma reestruturação do projeto para atender uma nova
parcela que desperta interesse comercial, é preferível realizar uma nova série paralela,
aproveitando-se os personagens da anterior. Dá-se origem assim a um produto diferente, o dito
spin-off – de poucos exemplos locais, mas já perceptíveis na vazão jovem adulta adotada na
linguagem de Turma da Mônica Toy e na pré-adolescente feminina de Turma da Mônica Jovem,
ambos projetos derivados da infantil generalista Turma da Mônica.
112
Grosso modo, é comum buscar um apelo geral dentro de seu segmento e adaptar projetos
a camadas diferentes de público e, de formas diferentes, também pode ser notado na realidade
da produção de audiovisual pelas grandes redes comerciais de televisão aberta, em seus
produtos habituais – seriados e telenovelas. Tal fatia, no entanto, ainda participa pouco do
mercado de animação brasileira. Nos últimos cinco anos, apenas três séries de animação
nacionais compuseram suas grades de programação: Sítio do Picapau Amarelo (Rede Globo),
enquanto co-produção, Turma da Mônica (Rede Globo) e Peixonauta (SBT), enquanto
aquisições. Deve-se ressaltar que a programação direcionada ao público infantil nestas mesmas
redes, neste mesmo período, perdeu espaço progressivamente em resposta às dificuldades de
patrocínio e à concorrência com os canais por assinatura, o que em parte justifica esta baixa
penetração. Isso não significa uma deficiência de acesso, já que, potencialmente, as redes de
televisão pública, por assinatura e as novas mídias passaram a suprir as necessidades que a
televisão aberta comercial deixou de atender.
Torna-se irônica, afinal, tal leitura quando se entende que as janelas por assinatura,
naturalmente abertas a segmentação de seus conteúdos entre parcelas de público pela própria
construção original de suas grades e canais, de certa forma privilegie séries animadas, embora
locais, de apelo e inegável qualidade, que coloque todos os seus potenciais públicos-alvo no
mesmo pacote. Uma mesma atração, como consequência, tem a necessidade de abranger sua
criatividade a atender várias camadas ao mesmo tempo. Por um lado, torna-se uma limitação da
segmentação, mas, por outro, favorece e exige a criatividade para trabalhar em um ponto por
vezes visto como fraco em produções realizadas integralmente por animadores e publicitários:
a excelência narrativa de linguagem.
The Ren & Stimpy Show, série analisada no segundo capítulo, é um exemplo do que é
possível ser realizado para alinhar um projeto dentro das propostas de um canal por assinatura
e atender públicos diferentes e mesmo distintos sob várias camadas de um mesmo conteúdo.
Lançado como série infantil na grade de um canal essencialmente infantil (mas que, além de
seus blocos adultos e pré-escolares, também possui penetração entre outras faixas
simpatizantes), Kricfalusi soube construir um projeto que unia referências adultas a roteiros que
permitam leituras simples e funcionais ao público mais novo, utilizando-se muito ainda das
possibilidades do nonsense enquanto um método de camuflagem de subtextos. Tal característica,
resgatada das animações do período clássico dos one-reel cartoons, permitiu que séries até hoje
trabalhassem e expandissem tal possibilidade em projetos de leituras das mais complexas. Hoje,
por tais méritos, The Ren & Stimpy Show é considerada “adulta” por certa parcela do público e
113
pela própria Viacom, detentora da série, personagens e direitos de distribuição – e que, em 2004,
encomendou para a Spümcø novos episódios, de conteúdo explicitamente maduro, para veicular
em um bloco de programação do canal pago Spike (originando o spin-off Ren & Stimpy Adult
Party Cartoon, composto por seis episódios de durações mistas). A contemporaneidade de Ren
& Stimpy com o fenômeno cultural The Simpsons e a crescente popularização das séries
abertamente adultas da MTV fez com que a série ganhasse fama cult entre a parcela adulta,
demonstrando o poder atemporal de um roteiro e dos personagens em uma animação.
No Brasil, atrações nacionais de animação adulta são raras, embora presentes no
mercado de forma ativa desde a introdução da animação digital, através dos vídeos em Flash na
então nascente internet. Preconceitos vinculados à própria visão da animação enquanto mídia
estritamente infantil dificultam investimentos e, por consequência, a possibilidade de vincular
a elas o mesmo vigor visual das séries atualmente vistas para o público infantil. Um nítido
descompasso em relação aos filmes de cinema premiados em Annecy, adultos em sua temática
e narrativa, as séries adultas tem sobrevida muitas vezes resumida a interprogramas e webséries,
quase todos compostos de temporadas únicas. O estúdio Toscographics, de Tosco TV, entre
curta-metragens, videoclipes e vinhetas, desponta como um dos raros produtores regulares de
séries de animação – com seu primeiro projeto potencial, uma série derivada do curta-metragem
Deus é Pai23, veiculado de forma meteórica pela MTV Brasil em 2000.
Após a experiência de Tosco TV, ainda visando a televisão como janela de exibição, o
estúdio Toscographics realizou o episódio piloto de Mar de Paixão (2013), com roteiro de
Arnaldo Branco. No entanto, o projeto de série a ganhar continuidade foi A Última Loja de
Discos (2014), servindo-se da internet como janela de exibição através do portal Gshow, da
Rede Globo. Tendo como seu maior mérito em seus roteiros – seus cartões de visita –, as críticas
sociais e o humor de situações, ambos os projetos preservam a direção criativa de Allan Sieber,
tendo em seu nome seu principal chamariz de público, em razão da sua estabelecida carreira de
quadrinista.
23
Em 2000, juntamente de títulos de outros estúdios, como Vida de Plástico e Las Fabulosas Formigas
Tipograficas, novos curtas de dois minutos protagonizados pelos personagens do curta-metragem Deus é Pai, além
do piloto de Negão Bolaoito Talk Show, foram realizados pela Toscographics para exibição no programa Gordo a
Go-Go, da MTV Brasil. Após a exibição do segundo curta de Deus é Pai, uma reclamação da Diocese do Rio de
Janeiro ao Grupo Abril resultou no cancelamento abrupto da série, incluindo cortes à menções do material nas
próprias reprises da atração. Sieber retomaria os personagens em animação como segmento da série Tosco TV,
realizando seis novos curtas. (Informações recolhidas em entrevista ao autor, março de 2014).
114
sua premissa e em seus episódios elementos que dizem respeito à identidade da cultura local –
e balancear tal suposta necessidade aos conceitos de formato e narrativa internacionais.
Responderam a esta questão Zé Brandão (Copa Studio e ex-Labocine Digital), Diogo Viegas
(2DLab), Cid Makino (Animacting/Animatório Content e ex-Labocine Digital), Humberto
Avelar (Multirio) e Allan Sieber (Toscographics).
Zé Brandão, hoje integrante de um estúdio que realiza dois projetos próprios e animação
para uma série concebida por uma produtora externa, ressalta que retratar o Brasil em uma
animação é diferente de criar uma animação com profissionais brasileiros – e explorar tramas
que não se passam necessariamente no país não torna um produto feito no país menos brasileiro.
Tramas que enfocam elementos locais devem ser trabalhadas para que qualquer mercado
entenda onde se passa e o que significa cada referência, mas não de uma forma que
descaracterize o produto.
Todas as nossas histórias são universais. […] A gente fez questão de quando fosse traduzido o episódio
em que o Gajah come jabuticaba da nova temporada [de Tromba Trem], que, na tradução em inglês,
eles digam "jabuticaba". Não que eles digam "grape-não-sei-o-quê" ou outra coisa. (BRANDÃO, Zé.
Entrevista ao autor, janeiro de 2014.)
Como brasileiros, a gente não pode ignorar o quanto a gente foi influenciado pela cultura pop mundial.
Todo brasileiro sabe um pouquinho do que é o Monstro do Lago Ness. Não é uma lenda brasileira, mas
também não é uma lenda americana. Entendeu? É uma lenda universal. (BRANDÃO, Zé. Entrevista
ao autor, janeiro de 2014.)
Diogo Viegas, de um estúdio que compõe grande parte de seu portfólio em animações
realizadas sob encomenda de produtoras e tem como principal trabalho uma série própria, co-
produzida de forma ativa por uma produtora canadense, aponta o quanto mercados
internacionais formularam, a longo prazo, perfis de temática e visual que os definem – e que o
Brasil tem condições de unir referências de todos os territórios para originar produções que, na
união de estilos, possuam uma identidade própria.
116
Tanto é que tem animadores, especificamente de curtas, que tentam fazer coisas mais diferentes no
Japão e não têm tanto espaço porque o produto deles não tem essa característica de “olho grande”, de
ser uma coisa de ação. […] Isso, particularmente, eu acho ruim porque você acaba tendo que ficar
focado em um tipo de estilo para você poder contar a sua história. (VIEGAS, Diogo. Entrevista ao
autor, janeiro de 2014.)
Meu Amigãozão está na segunda temporada, então você acaba tendo visualização com muito tempo de
tela. Ou seja, se o Amigãozão passa três vezes por dia, você tem muito mais tempo de tela e a criança
vai saber muito mais o que é o Amigãozão do que se passar uma vez só por dia. Ou duas, porque
geralmente passa duas vezes. [...] Então acaba sendo assim. Você tem que produzir a série, mas a série,
grosso modo, acaba sendo um comercial para os produtos que ela pode gerar. Então, quanto mais
episódios você tem, quanto mais temporadas você tem, mais tempo de tela você pode ter na exibição
no canal. (VIEGAS, Diogo. Entrevista ao autor, janeiro de 2014.)
Parte das opiniões de Brandão e Viegas são compartilhadas por Cid Makino, cujo
estúdio, relativamente recente, realiza em um primeiro momento apenas projetos sob
encomenda. Um ponto importante apontado por ele também considera questionar a visão que o
próprio realizador de séries tem sobre animação e os elementos que compõem sua identidade
visual – e saber reconhecer sinais que, hoje, pertencem a memória coletiva por serem
introduzidos por convenções do audiovisual. O modo como trabalhá-las pode ser domado a
favor do mercado a que a série pertence e estabelecer novos padrões, conforme a adoção do
costume.
Tem projetos que a gente desenvolveu, tipo, o próprio Wilbur [Piloto realizado pela Labocine Digital
como integrante do AnimaTV, em 2009]. […] A gente ia fazer o cenário, e aí, fazia uma casa americana.
Tipo, fazer uma casa que tem chaminé, sabe? Aí pensei assim, “Mas porque que a gente está colocando
uma porra de uma chaminé na casa?” A própria Turma da Mônica. Já viu a casa da Mônica? Ela tem
117
uma chaminé americana, cara. Aquela de tijolinho do lado de fora, sabe? Então essa é uma coisa que,
enfim, ainda está até nos próprios profissionais que estão envolvidos na criação de diversos pontos de
animação. (MAKINO, Cid. Entrevista ao autor, janeiro de 2014.)
O problema do Sítio no exterior não é a qualidade. […] É o tema, se o gringo vai entender a viagem do
Monteiro Lobato. […] Para quem não conhece o Monteiro Lobato, para quem não é brasileiro, ela [Tia
Nastácia] é uma mulher negra que trabalha na casa da mulher branca como cozinheira. Isso, para o
americano, soa como certo racismo. Por que ela não é a dona da casa? Não tem uma casa só dela? É
empregada da outra? Aí soa como racista. […] A gente fez tudo para nada ser dito que diminuísse a
Tia Nastácia. (AVELAR, Humberto. Entrevista ao autor, fevereiro de 2014.)
Por fim, Sieber, que mantém um estúdio com total controle criativo e que compõe seus
projetos à margem da produção em ritmo industrial, coloca como grande desafio saber dosar a
necessidade comercial dos projetos com o conteúdo e o significado do material, além de saber
educar o mercado para as necessidades que cada projeto demanda – seja em técnica ou
direcionamento de público. De forma que, ao final, o esforço resulte um material de qualidade
reconhecível pelo qual todos seus envolvidos tenham orgulho de serem integrantes.
A coisa que deveria ser a pedra fundamental, enfim, o roteiro. A espinha dorsal é quase tratada como
se fosse um detalhe! [...] O pessoal faz um portfólio. Um filme lindo, muito bem-feito, muito bem
realizado. Só que como filme, como história, é uma bosta, entendeu? Não funciona. As pessoas
esqueceram que, enfim, o filme é feito para outras pessoas verem! [...] Eu acredito em animações que
tenham uma história, que não sejam só mais uma animação, mais uma punheta virtuosa e tal. E eu só
trabalho com pessoas que eu gosto e que têm o mesmo tipo de humor que eu. Enfim, um ambiente,
assim, friendly mesmo, né? Já que se ganha pouco, então vamos, pelo menos, fazer um negócio decente
e se divertir no processo. (SIEBER, Allan. Entrevista ao autor, março de 2014.)
Tal como outros segmentos do audiovisual brasileiro, a animação brasileira ainda está
no início de um longo caminho rumo a tornar-se autossustentável dentro de um meio
118
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Entrevistas
ALBUQUERQUE, José Luiz Brandão. Rio de Janeiro, 17 jan. 2014. Arquivo de Áudio.
Entrevista concedida a Fábio Luiz Gonçalves Mendes.
AVELAR, Humberto. São Paulo, 17 fev. 2014. Arquivo de Áudio. Entrevista concedida a Fábio
Luiz Gonçalves Mendes.
MAKINO, Cid. Rio de Janeiro, 31 jan. 2014. Arquivo de Áudio. Entrevista concedida a Fábio
Luiz Gonçalves Mendes.
SIEBER, Allan. Rio de Janeiro, 19 mar. 2014. Arquivo de Áudio. Entrevista concedida a Fábio
Luiz Gonçalves Mendes e Daniel Moreira de Sousa Pinna.
SILVA, David Mussel. Rio de Janeiro, 23 jan. 2014. Arquivo de Áudio. Entrevista concedida a
Fábio Luiz Gonçalves Mendes e Daniel Moreira de Sousa Pinna.
VIEGAS, Diogo. Rio de Janeiro, 28 jan. 2014. Arquivo de Áudio. Entrevista concedida a Fábio
Luiz Gonçalves Mendes.
Filmografia
GLOSSÁRIO
Cartoon – Originado das artes gráficas e fortemente vinculado a publicações de jornais, como
tiras e charges, o termo designa estudos, esboços e desenhos estilizados com função de
mimetizar situações da vida cotidiana ou críticas sociais, geralmente em tom de comédia ou
sátira. Também identificável como estilo gráfico adotado em produções audiovisuais animadas,
erroneamente pode ser convencionado como um visual direcionado estritamente a obras de
apelo infantil.
137
Character Driven – Narrativas audiovisuais pautadas pelo apelo de seu personagem principal
frente ao universo ao seu redor.
Creator Driven – Atrações audiovisuais cujo principal apelo de público reside na figura do autor,
que torna-se responsável pelo conceito original ou por sua abordagem particular.
Cut Out – Em animação 2D, refere-se à técnica que constrói o movimento de personagens a
partir de bonecos digitais, com auxílio de softwares de animação digital.
Episódio Piloto – Filme realizado com intenção de ser desdobrado na forma de uma obra seriada.
Tal peça audiovisual detêm as funções de introduzir a premissa proposta e seus principais
personagens, além de convencer potenciais patrocinadores ou distribuidores a participarem do
investimento. Uma vez continuado o projeto, o piloto pode ou não ser reaproveitado como o
primeiro episódio da série, de acordo com ajustes criativos ou orçamentários.
Frame – Termo análogo a quadro ou fotograma, é a imagem que constitui a divisão máxima de
uma obra audiovisual. Exposta em série em certa velocidade, constitui a ilusão de movimento
que caracteriza a mídia em sua forma mais básica.
138
Full Animation – Em animação tradicional e digital, referencia-se quando todos os frames são
desenhados manualmente e apresentados sem nenhuma espécie de interrupção, de forma que
fortaleça a naturalidade e fluidez de um determinado movimento.
Gag – Termo análogo à piada ou ao efeito cômico produzido por um gesto ou situação. Em
animação, gag pode se referir a uma piada visual, perceptível de forma sutil ao espectador.
Live Action – Literalmente “ação ao vivo”, termo que se refere em geral a obras audiovisuais
realizadas a partir de registros de pessoas reais, atores ou não.
Major – Em cinema, denomina-se desta forma as empresas que detém as maiores fatias do
mercado de distribuição e produção de filmes. O termo também pode se referir a qualquer outra
empresa que detém supremacia de conteúdo ou abrangência sobre determinado meio de
comunicação.
139
Mockbuster – Termo derivado do termo Blockbuster. Filmes de baixo orçamento que, para
garantir apelo comercial imediato, espelham-se em grandes lançamentos dos cinemas, com
similaridades intencionais de roteiro e de visual. Em geral, são lançados diretamente em vídeo.
Nonsense – Narrativa que extrai elementos do absurdo e do incoerente como fontes de comédia.
Pay Per View – Canais de televisão por assinatura contratáveis por período limitado, para
exibição de filmes ou eventos especiais.
Pitching – Originado do pitch que inicia um movimento no baseball, o termo é adotado para
definir reuniões destinadas a apresentar a ideia inicial de um projeto a potenciais investidores.
Plot – Termo análogo a enredo, que define o conjunto de ações realizadas por um conjunto de
personagens e que constituem a unidade narrativa de uma determinada história.
140
Road Movie – Traduzido como “filme de estrada”, caracteriza um subgênero de filmes que
constroem seu conflito a partir da interação entre personagens reunidos através de uma viagem.
Saturday Morning Cartoon – Na programação televisiva, termo que identifica de forma geral
blocos direcionados ao público infantil e veiculados nas manhãs de sábado. Bastante populares
entre as décadas de 1960 e 1990 nas redes abertas norte-americanas, costumavam ser compostos
por séries de animação originais, reprises de produções antigas e programas de cunho educativo.
Storytelling – Termo que define, em geral, as técnicas de escrita e/ou audiovisual adotadas para
estabelecer a narrativa e transmitir a mensagem de uma determinada história.
Graduação em Cinema e Audiovisual realizada entre os anos de 2009 e 2014 pela Universidade
Federal Fluminense – UFF.
Experiência Profissional
Diretor, roteirista, editor e produtor do curta-metragem de ficção 386. Niterói/RJ, 2013.
Técnico de som direto do curta-metragem de ficção Só, de Luiz Pacheco. Niterói/RJ, 2013.
Técnico de som direto do curta-metragem documentário Bem na Minha Pele, de Andréa
Romão. Niterói/RJ, 2013.
Editor e técnico de som direto do piloto Jeitosinha, de Mayara Guarino. Niterói/RJ, 2012.
Técnico de som direto do curta-metragem de ficção Noites de Gardênia, de Thiago Sobral.
Niterói/RJ, 2012.
Monitoria da disciplina Televisão e Vídeo entre os meses de abril e dezembro de 2011.
Aprimoramento Acadêmico
Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Animação 2D, 2014, SENAI – Sistema Firjan.
Programa Extensivo em Animação, 2014, CRIA – Estúdio 2DLab.
Participação na cobertura digital oficial do Evento Rio Content Market 2013, ABPITV.
Workshop em narrativas transmídia do Fórum Cel.U.Cine 2012, Associação Revista do Cinema
Brasileiro.
Participação na pré-produção, pesquisa biofilmográfica e autoria de textos para o Catálogo da
Mostra “Os múltiplos lugares de Roberto Farias”, realização do Centro Cultural Banco do Brasil
e Cinemateca Brasileira em 2012.