LOTTA, G. S. FAVARETTO, A. Desafios Da Integração Nos Novos Arranjos Institucionais de Políticas Públicas No Brasil
LOTTA, G. S. FAVARETTO, A. Desafios Da Integração Nos Novos Arranjos Institucionais de Políticas Públicas No Brasil
LOTTA, G. S. FAVARETTO, A. Desafios Da Integração Nos Novos Arranjos Institucionais de Políticas Públicas No Brasil
Resumo
O Governo Federal brasileiro tem experimentado arranjos institucionais que tem como objetivo construir políticas públicas efetivas
em um contexto territorial complexo. Neles há dois eixos centrais: (i) a tentativa de articular temáticas intersetoriais e (ii) a construção
de modelos de gestão de políticas públicas com coordenação entre os entes federativos e a sociedade civil. Este artigo analisa como
novos arranjos institucionais consideram o papel dos territórios. A análise está estruturada em duas questões centrais: (a) qual a
centralidade dada à concepção de território e em que medida ele desempenha papel ativo ou passivo no desenho do arranjo; (b) que
fatores poderiam explicar contornos do arranjo institucional e como a dimensão territorial se materializa neles. O artigo analisa três
arranjos: Plano Brasil Sem Miséria; Programa de Aceleração do Crescimento; Programa Territórios da Cidadania. As análises baseadas
em documentos oficiais dos programas visam compreender, a partir de sua estrutura de funcionamento, como se dão questões como
intersetorialidade, relações federativas e concepção de território. Analisando os programas, percebe-se que, ainda que em graus
variados, há mais justaposição do que integração de políticas públicas, e que neles os territórios – entendido como os lócus de
implementação das políticas e as forças sociais nele presentes – não ocupam uma posição ativa, revelando-se meros repositórios de
investimentos. Como consequência, essa fragilidade, observada tanto na dupla integração desejada como na articulação territorial, é
algo que resulta em perda de eficiência dos investimentos e em comprometimento dos resultados. Esses limites se devem, em grande
medida, ao peso da cultura setorial que permeia os gestores e o comportamento das forças sociais, associado a uma cultura
institucional de privilégio dos resultados alcançáveis em curto prazo. Esses aspectos, por sua vez, concretizam-se tanto nas normas
que regulamentam os arranjos como no leque de agentes envolvidos. Em termos teóricos essa hipótese se afasta das análises que
tomam os arranjos meramente sob o ângulo administrativo ou de gestão e se aproxima das abordagens institucionalistas, para as quais
não se pode analisar os arranjos institucionais isolados do ambiente institucional do qual são, a um só tempo, parte e expressão.
I. Introdução1
N
1
Agradecemos aos
comentários elaborados pelos dores de desenvolvimento, tendo conseguido simultaneamente obter
pareceristas anônimos da
Revista de Sociologia e
crescimento econômico com redução da pobreza e da desigualdade
Política. (IBGE 2011). Apesar disso, vários estudos apontam que esses efeitos positivos
são heterogêneos no conjunto do território nacional (Favareto et al., 2013).
Outro problema apontado pela literatura é que esses resultados teriam sido
alcançados graças a um interessante conjunto de políticas, que são, no entanto,
altamente fragmentadas (OCDE 2013), o que pode vir a comprometer a conti-
nuidade desse ciclo.
Para fazer frente a esses problemas, nos últimos anos o Governo Federal
brasileiro tem experimentado uma variedade de arranjos institucionais cujo
objetivo é construir políticas públicas efetivas em um contexto territorial como
o brasileiro, marcado pela diversidade e complexidade. Em alguns desses
arranjos observa-se a presença de três componentes de destaque: (i) articulação
de temáticas intersetoriais; (ii) construção de modelos de gestão de políticas
portes e Energia. Para cada eixo são definidos projetos prioritários que recebem
investimentos do Governo Federal, estados, municípios e setor privado. Mais
do que a construção de novas ações, o programa buscou contemplar projetos e
obras que já estavam em execução ou estavam previstas pelos diversos Minis-
térios ou empresas estatais e que deveriam ter prioridade e monitoramento
contínuo por serem centrais para promover a aceleração do crescimento (Leitão
2011). Foram selecionados mais de 1.600 projetos, obras e ações que passaram
a ser monitorados numa lógica de gestão integrada e contínua, buscando dar a
eles prioridade, garantia de recursos e visibilidade.
Com esse desenho o PAC foi saudado por vários setores como um sinal
positivo de que o Estado brasileiro voltava a ter papel ativo na promoção da
competitividade econômica. No entanto, estudos têm mostrado que a compe-
titividade setorial tende a produzir desigualdades espaciais (Banco Mundial
2009). Além disso, parte significativa das obras de infraestrutura envolvem
conflitos socioambientais decorrentes de seus impactos (Rolnik 2012; Leitão
2013). Seja sob o ângulo dos impactos territoriais indesejados da competiti-
vidade (Vainer 2007), seja sob o ângulo da gestão antecipada da contesta-
bilidade (Hommel 2004), um programa voltado ao crescimento econômico não
poderia ser territorialmente neutro (Favareto et al., 2013; Modrego & Berdegue
2012). Isto é, o PAC deveria incorporar a dimensão territorial e promover
articulação vertical e horizontal de políticas para aumentar sua eficácia e gerar
os impactos desejados também no plano local, e não somente no agregado da
economia do país ou de setores específicos.
O Programa Territórios da Cidadania (TC) surge como um contraponto so-
cial ao PAC e, de forma similar àquele programa, contém uma tentativa de dar
unidade a um conjunto de ações antes dispersas por vários ministérios. O
Programa foi criado em 2008 com objetivo de promover desenvolvimento
econômico e universalizar programas básicos de cidadania por meio de uma
estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. Para sua execução foram
selecionados 120 territórios que contemplavam 1.852 dos municípios com pior
IDH do país. A esses territórios foi proposto um cardápio de políticas desen-
volvidas por 22 ministérios diferentes e que poderiam ser selecionadas por
participantes de fóruns intermunicipais criados para abrigar representantes da
sociedade civil local.
O TC é uma ampliação de um programa anterior, que estava restrito ao
Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Territórios de Identidade, cuja prin-
cipal inspiração, por sua vez, era o Programa Leader (sigla em inglês para
Relações entre Ações de Desenvolvimento Rural), implementado na União
Europeia nos anos 1990. Esse programa se inspirava na literatura sobre desen-
volvimento rural e desenvolvimento regional (Bagnasco 1977; OCDE 1993;
Pecquer 2012), na qual a indução do desenvolvimento de regiões interioranas
(rurais ou fragilmente urbanizadas) envolve a mobilização de forças sociais
locais com intuito de encontrar formas de reestruturação das economias dos
territórios. No Programa Leader esses esforços se materializavam em planos de
desenvolvimento que deveriam servir como horizonte de convergência às
iniciativas públicas e privadas, aproximando-as e aumentando sua eficácia.
Nessa literatura, os territórios deveriam ser vistos como ponto de encontro entre
uma lógica ascendente (pactuação de um horizonte de transformação sob a
forma de projeto territorial) e descendente (mobilização de recursos e compe-
tências necessários à alavancagem dessas vantagens comparativas dos territó-
rios expressas no projeto territorial), organizadas em torno da valorização do
potencial expresso nessas vantagens comparativas locais. Aqui a dimensão ter-
ritorial, tanto quanto a integração vertical e horizontal de políticas, é evidente e
se expressa no próprio nome do programa. Por isso o Programa também foi
saudado como uma iniciativa importante pois, entre outras razões, era a pri-
Desafios da integração nos novos arranjos institucionais de políticas públicas no Brasil 53
meira vez que as regiões interioranas eram alvo de uma iniciativa desse porte.
Mais ainda por trazer no seu âmago a ideia de integração de políticas. Contudo,
logo após os primeiros anos de implementação, o TC passou a enfrentar sérias
dificuldades justamente naquilo que ele propunha ser inovador: em vez de
integração de políticas, os ministérios passaram a operar sob a lógica de ofertas
de recursos e linhas de intervenção já existentes; os fóruns territoriais perderam
capacidade de pactuar projetos restringindo-se a selecionar prioridades dentre
as ofertas dos ministérios (Favareto 2013). Diante do questionamento crescente
quanto a seus métodos e resultados, o TC foi substituído pelo Plano Brasil Sem
Miséria como o principal expoente do Governo Federal na área social.
Criado em 2011, o plano Brasil Sem Miséria (BSM) se propôs a ser um
aprofundamento das medidas já desenvolvidas nos anos anteriores para com-
bate à pobreza e para o desenvolvimento social do país. O plano estrutura cerca
de 100 ações agregadas em três eixos – Garantia de Renda, Inclusão Produtiva e
Acesso a Serviços Públicos. A oferta dessas ações busca contemplar de forma
conjunta uma população cuja renda familiar é de até US$ 30 por pessoa (o que
abrangia um contingente de mais de 16 milhões de brasileiros). Embora a
maioria dos programas vinculados ao BSM já existissem anteriormente, a
inovação do plano foi unir esses programas em uma estratégia maior, dando a
eles prioridade e processo de monitoramento constantes, a fim de atingir a meta
colocada pela presidenta de erradicar a extrema pobreza até 2014. Assim, o
BSM “é essencialmente um programa de coordenação, articulação, monito-
ramento e avaliação de ações desenvolvidas tanto pelo Governo Federal como
pelos estados e municípios [...], dentro de uma lógica de atendimento integral a
uma determinada camada da população” (Galvão, Lotta & Bauer 2012).
Enquanto o componente do programa que se baseia nas transferências
diretas e condicionadas de recursos às famílias pobres vem apresentando
resultados claros, como a persistente e vigorosa redução da pobreza monetária
no país ao longo da década passada, sobre o componente da inserção produtiva
paira uma forte dúvida. Esse componente se desdobra em estratégias diferen-
ciadas para os pobres urbanos e rurais. A inserção produtiva urbana tem como
um dos principais instrumentos capacitação e articulação entre cadastros de
desempregados e oportunidades de trabalho; e no meio rural, baseia-se na
distribuição de sementes e insumos à produção. Mas, nos municípios menores,
por exemplo, essas medidas tendem a ser inócuas. Isto é, seria preciso encontrar
novas formas de ocupação produtiva, envolvendo ações de médio prazo volta-
das à reestruturação das economias de regiões estagnadas. No mínimo, é preciso
considerar que a inserção produtiva nas metrópoles tem um recorte, e nas
pequenas cidades, outro; que a inserção produtiva no Sul-Sudeste encontra
melhores condições no entorno socioeconômico de famílias pobres do que em
áreas como Semiárido ou Amazônia. E que inserção produtiva em regiões rurais
também precisa dialogar com essas diferenças territoriais sob pena de perder
eficácia. Como está, a inserção produtiva coloca toda ênfase na oferta de
trabalho, desconsiderando a fragilidade da demanda que pode ser expressada
em certos contextos regionais, revelando-se, também ela, territorialmente cega.
Como se pode ver pela breve apresentação dos programas, em todos eles
pressupõe-se, explicitamente, a necessidade de integração horizontal de polí-
ticas. Já a integração vertical também é um pressuposto, embora não expli-
citado, considerando as características federativas do Brasil. E a dimensão
territorial mostra-se uma exigência dada pela natureza dos temas que servem de
objeto às políticas, embora na concepção anunciada pelos programas não seja
evidente qual é o papel conferido aos territórios e como isso se materializa em
estruturas de governança. Por essa razão, o objetivo da próxima seção é
justamente examinar como esses três aspectos compõem os arranjos institucio-
nais dos programas.
54 Gabriela Lotta e Arilson Favareto
IV. Conclusões
Tabela 1 - Síntese do desempenho dos três programas ("Territórios da Cidadania", "Programa de Aceleração do Crescimento" e
"Plano Brasil Sem Miséria")
Tabela 1 (cont.)
Fonte: Os autores.
Gabriela Lotta (gabriela.lotta@gmail.com) é doutora em Ciência Política pela USP e professora do Bacharelado e da Pós em
Políticas Públicas da UFABC. Vínculo institucional: Bacharelado e Pós em Políticas Públicas, Universidade Federal do ABC
(UFABC), São Bernardo, SP, Brasil.
Arilson Favareto (arilson@uol.com.br) é doutor em Cências Ambientais pela USP e professor do Bacharelado em Plane-
jamento Territorial e da Pós em Planejamento e Gestão do Território da UFABC. Vínculo Institucional: Bacharelado em
Planejamento Territorial e Pós em Planejamento e Gestão do Território, Universidade Federal do ABC (UFABC), São
Bernardo, SP, Brasil.
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Outras fontes
Abstract
Brazilian federal government has experienced institutional arrangements which aims to build effective public policies in a complex
territorial context. In them there are two axes: the attempt to intersectoral thematic and building models of public policy management
with coordination among federal agencies and civil society to articulate. This article examines how new institutional arrangements
consider the role of territories. The analysis is structured around two central questions: a) what is the centrality given to the concept of
territory and to what extent it plays an active or passive role in the design of the arrangement; b) factors that could explain the contours
of institutional arrangement and how the territorial dimension is embodied in them. The article analyzes three arrangements: Brazil
Without Poverty Plan; Accelerated Growth Program; Territories of Citizenship Program. The analyzes based on official documents of
the programs aim to understand, from their operating structure, such as intersectoral issues occur, federal relations and design terri-
tory. Analyzing programs, one realizes that, although in varying degrees, there are more juxtaposition than integration of public poli-
cies, and the territories in them - understood as the locus of implementation of policies and social forces acting on it - do not occupy an
active position, revealing mere repositories of investments. As a consequence, this weakness observed in both double integration as
desired territorial articulation, is something that results in loss of efficiency of investment and commitment of the results. These limits
are due largely to the weight of sectoral culture that permeates the managers and the behavior of social forces, associated with an insti-
tutional culture of privilege of results achievable in the short term. These aspects, in turn, are realized both in regulations governing ar-
rangements and the range of actors involved. In theoretical terms this hypothesis departs from the analyzes that merely takes the
arrangements under the administrative or management angle and approaches the institutionalist approaches, for which you can not
analyze the institutional arrangements isolated from the institutional environment which are at once part and expression.
KEYWORDS: territory; public policy; federative relations; institutional arrangements; cross sectoral.
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